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Cesário Verde

Cesário Verde, nascido em Lisboa a 25 de fevereiro de 1855, foi não apenas um renomado
poeta, mas também um dos precursores do Modernismo em Portugal. A sua breve, porém,
significativa vida, foi marcada pela intensidade das suas palavras e pela observação atenta
do mundo ao seu redor. A sua jornada artística foi interrompida prematuramente quando
sucumbiu à tuberculose, em 19 de julho de 1886, na própria cidade que o viu nascer.

Originário de uma família de comerciantes abastados com raízes em Génova, Cesário


Verde cresceu num ambiente que lhe proporcionou certos privilégios e oportunidades. Aos
18 anos, ingressou no curso de Letras na Faculdade de Coimbra, mesmo tendo a sua
permanência sido breve. Durante esse mesmo ano, o poeta começou a publicar os seus
poemas em jornais, lançando a sua voz artística para o público.

Em 1884, com o avanço implacável da doença, Cesário Verde tomou a decisão de se


retirar para o campo, pretendendo viver num ambiente mais propício à sua saúde
debilitada. Foi lá que passou os últimos anos da sua vida, cercado pela natureza que tanto
o inspirava. Foi graças a Silva Pinto, um amigo que havia conhecido durante a sua
passagem pela faculdade, que toda a sua poesia foi posteriormente publicada.

A obra de Cesário Verde ecoou em um momento de profunda transformação em Portugal.


O país vivenciava um êxodo rural significativo, resultando no aumento populacional nas
cidades, que se expandiam rapidamente, e que enfrentavam uma série de desafios e
adversidades.

As condições urbanas da época eram marcadas pela falta de higiene, pela


precariedade da saúde, pelas ruas malcheirosas e escuras e pela escassez de
água canalizada.

Nesse contexto, as desigualdades sociais eram acentuadas, com uma clara


disparidade entre ricos e pobres. Os operários, por exemplo, enfrentavam baixos
salários, o que os levava a viver em condições de extrema pobreza e
insegurança alimentar. As tuberculoses e as pneumonias eram muitas e a taxa
de mortalidade era elevada.

taxa de mortalidade era elevada


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Os seus versos, muitas vezes realistas e carregados de crítica social, trouxeram uma nova
sensibilidade à literatura portuguesa, preparando o terreno para o movimento modernista
que surgiria posteriormente.

Através de temas como o quotidiano, a poetização do real, a objetividade/subjetividade,


a deambulação, a imagem feminina, a questão social e o binómio campo/cidade, Cesário
Verde deixou um legado duradouro como um dos pioneiros do Modernismo em Portugal,
mesmo que a sua voz tenha sido silenciada precocemente.

Poetização do Real

Cesário Verde, na sua poesia, explorou a poetização do real e a relação entre objetividade
e subjetividade, trazendo à tona o quotidiano nas cidades.

No seu tempo, Lisboa era uma cidade repleta de contrastes, e o poeta retratou essas
dualidades ao realçar a arquitetura antiga e os bairros modernos da nova burguesia. Por
meio de uma captação objetiva do real, Cesário Verde revelou a outra face da realidade
lisboeta: a dos trabalhadores que denunciavam as suas origens rurais.

Ao deambular pelas cidades, o sujeito poético expõe o lado oposto da grandiosidade,


concentrando-se em locais pobres e repugnantes habitados pelos humildes que sustentam
a cidade: os "criados" de "Um Bairro Moderno" ou os "caixeiros" de "O Sentimento Ocidental".
Além disso, o poeta transfigura o que vê, adicionando a sua subjetividade à perceção,
retratando também personagens duvidosas, como a "actrizita" de "Cristalizações", que,
assim como a cidade, tentam esconder a sua verdadeira condição.

Para Cesário, ver é perceber o que está oculto, e, portanto, ele observa a cidade
minuciosamente através dos seus sentidos. O poeta projeta o seu interior no exterior, dando
origem à poesia do real. Essa abordagem permite que ele se revele nas coisas, de modo a
alcançar o equilíbrio ao fixar fugazmente a realidade, de maneira semelhante aos
impressionistas.

A mulher em Cesário Verde


Ao deambular tanto pela cidade quanto pelo campo, Cesário Verde depara-se com dois
tipos distintos de mulheres, intrinsecamente ligadas aos lugares por onde ele se movimenta.

A cidade, associada à morte, à destruição e à falsidade, é representada pela mulher


citadina como frígida, fútil, aristocrática, inacessível, luxuosa, calculista, madura, destrutiva
e dominadora, desprovida de sentimentos genuínos.

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O erotismo dessa mulher é expresso através de imagens opostas que a contrastam com a
mulher campesina, capaz de despertar um amor puro. O erotismo da mulher fatal é
humilhante, reduzindo o amante à condição de presa fácil, como visto nos poemas
"Vaidosa" e "Deslumbramentos".

Em contrapartida, surge uma mulher frágil, terna, ingénua, pura e despretensiosa, que
desperta no poeta o desejo de protegê-la e estimá-la, em oposição à admiração distante
que nutre pela mulher citadina. Os seus atos são ingénuos e é uma mulher capaz de ofertar
o amor e a vida inerentes aos espaços rurais.

Podemos ainda identificar a dicotomia entre a mulher fatal e a mulher angelical,


associadas, respetivamente, à noite e ao dia, à doença e à saúde, à cidade e ao
campo, à morte e à vida. Cesário Verde explora essas dualidades em sua poesia,
revelando diferentes facetas da feminilidade e as associações simbólicas entre as
mulheres e os ambientes que as cercam.

Binómio Cidade/Campo
Em termos dicotómicos, Cesário Verde trata de dois espaços ao longo da sua obra: a
cidade e o campo.

O campo retratado por Cesário Verde não possui uma aparência idílica e não está
associado ao bucolismo ou ao devaneio poético. É um espaço real, onde se pode observar
os camponeses no seu trabalho diário, onde as alegrias surgem do prazer da vida e as
tristezas ocorrem quando os eventos fogem do curso normal. É o quotidiano concreto,
autêntico e real, eleito pelo poeta.

O campo é associado à vida, à fertilidade e ao rejuvenescimento, pois nele não há a


opressiva miséria, sofrimento, poluição, exploradores e os ricos pretensiosos que desprezam
os humildes.

características típicas da cidade

Para Cesário Verde, o campo proporciona liberdade, enquanto a cidade o aprisiona e o


incomoda, assim como incomoda os trabalhadores que procuram melhores condições de
vida na urbanização. Por se depararem com grandes dificuldades e injustiças, os pobres
são considerados ricos aos olhos do poeta.

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Há um tom irónico quando ele fala dos citadinos em poemas como "De Tarde", "O
Sentimento dum Ocidental" e "Nós", e um tom eufórico quando, por exemplo, descreve os
passeios campestres com a sua amada, em que a terra-mãe se torna a fonte inspiradora
do poeta.

A cidade é retratada como um local de atração, moda, luxo e cosmopolitismo, mas que
repugna devido à presença da doença, corrupção e ao aprisionamento da dor humana.

Questão social
Cesário Verde posiciona-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados e dos
marginalizados, identificando-se com o povo nas suas obras. O poeta admira a força física
e a energia dos trabalhadores, destacando-se o seu interesse pelo conflito social tanto no
campo quanto na cidade.

Assim, a poesia de Cesário Verde possui uma intenção crítica e uma análise social,
comovendo-se com a condição dos trabalhadores, mostrando solidariedade para com
eles, e exprimindo um profundo sentimento de decadência diante das injustiças e das
dificuldades enfrentadas pelas classes menos privilegiadas da sociedade.

Deambulação
A deambulação em Cesário Verde é uma característica marcante de sua poesia.

O poeta percorre tanto a cidade de Lisboa quanto o campo, captando as impressões da


realidade ao seu redor com objetividade e sensibilidade.

Enquanto deambula pelas ruas da cidade, ele descreve seus aspetos sombrios,
melancólicos e agitados, absorvendo a atmosfera de melancolia e monotonia presentes.
Já nas suas incursões pelo campo, ele celebra a vida rústica, destacando o trabalho árduo,
a vitalidade e a saúde que encontram nesse ambiente.

Através da sua poesia, Cesário Verde transmite as sensações e emoções despertadas por
esses espaços, proporcionando aos leitores uma experiência sensorial e emocional intensa.
Sua deambulação revela seu talento de pintar com palavras, tornando-nos partícipes de
suas vivências e das paisagens que ele encontra ao longo de sua jornada.

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A linguagem

• escassez de palavras eruditas;


• uso de verbos sensoriais;
• utilização de diminutivos;
• vocabulário conciso e pragmático;
• uso expressivo do adjetivo;
• recurso a advérbios e expressões temporais e espaciais;
• uso do presente e do pretérito perfeito do indicativo.

Recursos expressivos

• Comparação “E, como as grossas pernas de um gigante”


• Enumeração “Com santos e fiéis, andores, ramos, velas”
• Hipérbole “De prédios sepulcrais, com dimensões de montes”
• Metáfora “Que grande cobra, a lúbrica pessoa”
• Sinestesia “Brancuras Quentes”

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