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DGEstE – DSR Alentejo

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS Nº 1 DE BEJA – 135021


SEDE: ESCOLA SECUNDÁRIA DIOGO DE GOUVEIA – 404627

Cesário Verde

Contextualização
Cesário Verde, poeta da segunda metade do séc. XIX, por influência do pai, cedo se familiarizou com o
balcão e com a terra, com a cidade e com o campo.
As suas publicações não foram bem recebidas pelos contemporâneos. Ramalho Ortigão, Teófilo Braga e
Fialho de Almeida chegaram a criticá-lo fortemente.
Morre com 31 anos, no Lumiar, onde se houvera fixado à procura de bons ares, vitimado pela tuberculose.
Cesário Verde viveu no período histórico de grandes transformações da sociedade. Com efeito, a
Humanidade assistia à maior revolução económica de todos os tempos: nascimento da grande indústria,
desenvolvimento dos transportes e comunicações, formação da alta burguesia.
1851 marca o princípio da Regeneração, após um período tremendamente agitado da nossa História. Fontes
Pereira de Melo, ao pôr mãos à obra na recuperação económica do país, provocou um surto considerável de
progresso: a industrialização do reino, o incremento do comércio, o revigoramento da expansão africana.
Cesário Verde assistiu às sucessivas fases de lançamento da via-férrea nacional, à expansão extensiva do
sistema rodoviário, ao advento da engenharia civil e foi testemunha de vários melhoramentos modernos,
então introduzidos no país, a saber: o telégrafo, a iluminação a gás nas ruas, os transportes coletivos, os
primeiros candeeiros elétricos.
Lisboa, nos tempos de Cesário Verde, era pequena (200 mil habitantes), desconfortável e, sobretudo,
insalubre devido à insuficiência de água fornecida ao domicílio, à insuficiência de esgotos, à acumulação de
despejos nas ruas, aos estrumes dos currais…
Contudo, nos “ Bairros Modernos”, evocados na poesia de Cesário Verde, não faltam as “casas apalaçadas”
da alta burguesia oriunda dos recentes progressos da indústria e da técnica.
Com a febre das construções, da abertura de ruas amplas – “largas ruas macadamizadas” -, surge toda uma
massa de trabalhadores que importa enumerar: pedreiros, carpinteiros, calceteiros, ferreiros, que, por sua
vez, se juntavam aos operários das novas fábricas. Organizava-se uma outra classe – o operariado -, que
veio gerar um antagonismo social ao qual Cesário Verde esteve atento.
Este clima comunicava à cidade aspetos inéditos de trabalho, de movimento e de cor que haviam de ser
contemplados na obra do poeta.
Cesário Verde, apesar de criticado e rejeitado, criou um estilo novo. E, em poesia, um estilo original é tudo,
no dizer de Jacinto Prado Coelho, porque implica tudo o mais. Na verdade, o poeta introduziu na poesia
portuguesa todo um mundo novo e inexplorado, até então, estranho à poesia.
Cesário Verde transportou a linguagem humilde e prosaica para o clima da poesia autêntica. Demonstrou
que a poesia anda derramada pelos seres e pelas coisas habitualmente consideradas prosaicas. Desceu
deliberadamente ao concreto, ao imediato e, com um fino talento de reportagem artística, surpreendeu
belezas inéditas que, em Portugal, ninguém antes vira.

O Livro de Cesário Verde

Tinha Cesário Verde menos de vinte anos quando a Geração de 70 impunha já a sua literatura realista.
A sua personalidade literária formou-se dentro do Realismo e do Parnasianismo (corrente realista-
esteticista).
Foi publicando os seus poemas em jornais e revistas, ficando a sua obra assim dispersa até que, já depois
da sua morte (com 31 anos apenas), o seu amigo Silva Pinto, os fez publicar em volume intitulado O Livro
de Cesário Verde.
O Poeta foca antiteticamente dois estratos sociais: a burguesia e o povo trabalhador. Assim, no poema
Cristalizações, o poeta foca alternadamente os pedreiros (calceteiros), duros trabalhadores, e a figura
estilizada de uma atriz que atravessa a rua “com seus pezinhos rápidos, de cabra”. O mundo social dos
poemas de Cesário Verde completa o mundo social de Eça de Queirós. Com efeito, enquanto este focou
apenas a classe burguesa, Cesário, embora continuando a sátira irónica contra a burguesia, lança sobretudo
um olhar de comiseração sobre o povo que trabalha e sofre: as varinas “de pernas nuas e ancas largas”, as
fruteiras com cabazes de hortaliça, os calceteiros terrosos, os calafates negros...
O Livro de Cesário Verde está compartimentado em duas partes: a primeira contém os poemas que
manifestam ainda certas tonalidades românticas, embora já enriquecidos pela ironia; a segunda parte, os
“Naturais”, contem os poemas que se baseiam na realidade quotidiana, onde o poeta se manifesta já na
plena posse da técnica realista.
O Estilo

É bem visível nos poemas de Cesário Verde esta definição de poesia: um modo especial de ver o mundo
e a vida. De facto, o olhar penetrante deste poeta vê, nos seus passeios, a cidade e todo o seu drama, vibra
em simpatia ou em repugnância à vista de uma vida urbana que ao mesmo tempo o fascina e o sufoca.
Cesário, no dizer de Alberto Caeiro, “era um camponês / que andava preso em liberdade pela cidade”. Esta
afirmação paradoxal sintetiza admiravelmente os dois polos que antiteticamente atraíam o poeta: o campo e
a cidade. Ele é chamado por isso “o poeta da cidade e do campo”. A cidade enjoa-o; temos a impressão de
que ela lhe interessa apenas para a devassar artisticamente. Pelo contrário o campo deleita-o, como se vê,
por exemplo, no poema De tarde. Note-se que, mesmo nos poemas que focam a cidade, surgem
frequentemente evocações saudosistas do campo. A cidade, provoca no poeta “melancolia”, “enjoo”; “desejo
absurdo de sofrer”. Ora é nesta náusea citadina que o poeta sente por vezes a necessidade de abrir as suas
janelas sobre o campo. Assim, no poema Cristalizações, o poeta faz frequentemente surgir evocações
campestres: “quintalórios com parreiras”, “não se ouvem aves nem o choro de uma nora”, “sabe-me a
campo, a lenha, a agricultura”. E o mesmo sucede noutros dos seus melhores poemas citadinos: O
sentimento dum ocidental, Num bairro moderno, etc.
O estilo impressionista, visualista, de Cesário Verde tem origem precisamente no seu jeito especial de
ver o mundo e a vida.

Principais características da poesia de Cesário Verde

Aspetos Gerais:

- contemporâneo de Antero e de Eça;


- contemporâneo do Realismo, que influencia alguns aspetos da sua poesia;
- descrição objetiva do real;
- presença de figuras do povo;
- preocupação social;
- expressão de solidariedade social.

Aspetos específicos:

- carácter deambulatório;
- aspeto cinético e visualismo;
- o poeta faz a apresentação de aspetos genéricos e globalizantes, descendo depois aos aspetos
particulares que descreve pormenorizadamente.

Aspeto pictórico:

- influência dos movimentos e técnicas pictóricas da época (Realismo, Impressionismo);


- presença do quotidiano citadino e campestre;
- binómio campo (vida, pureza, felicidade, saúde, alegria, liberdade, luz) / cidade (morte, tristeza, doença,
infelicidade, prisão, sombra);
- nova imagem da mulher;
- mulher do povo, sofredora e doente – “ Contrariedades” e “ Num Bairro Moderno”;
- mulher leviana – “ Sentimento dum Ocidental”;
- mulher sedutora e bela – “ De tarde” e “ De Verão”.
- intenção crítica e a questão social;
- o Mito de Anteu – o contacto com a terra, com a realidade, confere força e vitalidade;
- as fugas imaginativas e a pretensa objetividade.

A linguagem:

- Vocabulário preciso, conciso e pragmático;


- Escassez de palavras eruditas;
- Valor expressivo dos diminutivos;
- Emprego de verbos sensoriais;
- Sinestesias;
- Estrangeirismos;
- Regularidade estrófica;
- Regularidade da métrica (o decassílabo e o alexandrino).

Temas centrais:
“Crise romanesca” “Maturidade poética”
- A observação a partir da deambulação
- O observador acidental: descrição dos espaços circundantes: perceção do real a
- A imagem da mulher partir dos sentidos (visão, audição, olfato) e das impressões do poeta; transfiguração
- Refúgio poética do real; evocação de outros tempos, de outras eras.
- Superioridade
- Destruição, pecado - A cidade: quotidiano citadino; ambiente opressivo e deprimente; figuras humanas
típicas (tipos sociais).

- O campo: ambiente saudável e desopressor; figuras humanas típicas (tipos sociais).

Deambulação:
Deambulação - A atividade de deambular, passear, vaguear por espaços exteriores é determinante na poesia
de Cesário Verde.
- O poeta desloca-se por percursos exteriores (a cidade, o campo) e interiores (o pensamento,
o passado).
Observação - O olhar do poeta, nessa deambulação, incide sobre diversas realidades, cenas e figuras,
fixando-se em duas atitudes: examinar e contemplar.
- O poeta exerce o seu poder de observação, de análise, de captação de sinais e de símbolos a
partir de uma certa centralidade da sua posição (ele é o que, deambulando, seleciona e estuda
os ambientes que o circundam).
Descrição - A partir das atividades de deambulação e de observação, o poeta descreve o espaço físico,
as cenas, os tipos humanos, os ambientes, numa justaposição de cenas e de espaços.
- Na descrição, o poeta adota uma perspetiva pictórica, descreve como quem pinta, dando
grande importância à cor e à luz/luminosidade.

Noções de versificação na obra


Poema Estrofes Verso Rima
“O Sentimento dum
Ocidental” 11 quadras Em cada quadra: Em cada quadra: ABBA
I – Avé Marias 11 quadras 1º verso: decassílabo Rima interpolada e emparelhada
II – Noite fechada 2º verso: dodecassílabo
11 quadras
III – Ao Gás 3º verso: dodecassílabo
11 quadras
IV – Horas Mortas
Em cada quintilha: ABAAB
“Num Bairro Moderno” 20 quintilhas Decassílabos Rima interpolada e emparelhada
Em cada quintilha:
1º verso: dodecassílabo Em cada quintilha: ABAAB
“Cristalizações” 20 quintilhas 2º verso: decassílabo Rima interpolada e emparelhada
3º verso: decassílabo
4º verso: decassílabo
5º verso: decassílabo
Em cada quadra: ABAB
“De Tarde” 4 quadras Decassílabos Rima cruzada
Em cada quintilha:
1º verso: dodecassílabo Em cada quintilha: ABAAB
“De Verão” 17 quintilhas 2º verso: decassílabo Rima interpolada e emparelhada
3º verso: decassílabo
4º verso: decassílabo
5º verso: decassílabo
Em cada quadra: ABBA
“A débil” 13 quadras Decassílabos Rima interpolada e emparelhada

ESQUEMATIZANDO…
Tópicos de análise em Cânticos do Realismo – O Livro de Cesário Verde
A - Cesário apresenta sobretudo lugares de Lisboa, por onde passa a caminho do trabalho.
representação - Nesses lugares, dá-nos a ver os membros do povo que trabalham na urbe, em condições
da cidade e físicas muito duras e até desumanas, destacam-se populares, tais como calceteiros,
dos tipos varinas, mestres carpinteiros, a vendedora de hortaliça, entre outros.
sociais - Escreve também poemas em que o centro é o campo e a burguesia que nele
deambula/passeia, como acontece, por exemplo, em textos poéticos como “De tarde” ou
“De verão”.
Deambulação - À medida que vai caminhando de sua casa até à loja onde trabalha com seu pai, Cesário
e imaginação: Verde vai registando no seu olhar tudo quanto vê (lugares, pessoas, sensações).
o observador - Por vezes, passa da realidade que vê àquilo que ela lhe lembra e, então, vamos para o
acidental plano da imaginação. Este plano é marcado por verbos que o transportam do visível para
o imaginário, como: “embrenho-me”, “sigo”, “E eu recompunha-me, por anatomia, / Um
novo corpo orgânico”, “E evoco, então, as crónicas medievais”.
Perceção - É pelos seus cinco sentidos que o poeta regista em verso tudo quanto absorve, enquanto
sensorial e caminha. Juntando às sensações um toque de imaginação poética e de pintor. Cesário
transfiguração transforma mentalmente vegetais e frutos (entre outros) em partes do corpo humano.
poética do “Subitamente – que visão de artista! - / Se eu transformasse os simples vegetais (…) /
real Num ser humano que se mova e exista”.
Imaginário Estrutura de “O Sentimento de um Ocidental”
épico - Trata-se de um poema longo, dividido em quatro partes: “Avé-Marias”, “Noite Fechada”,
“Ao Gás” e “Horas Mortas”.
- Segundo as marcas do género épico, nele Cesário Verde faz brotar críticas e louvores às
qualidades lusitanas (associadas aos Descobrimentos e a Camões), isto é, escolhe um
tema de interesse universal (glórias conseguidas com as Descobertas), cantando com
linguagem erudita.
- Consciente das injustiças sociais que testemunha ao circular por Lisboa, especialmente
as que opõem os muito ricos aos muito pobres, Cesário Verde apela a um futuro glorioso
construído no presente século XIX e respetivo futuro.
Linguagem e - Seleção frequente de rima cruzada e interpolada ao serviço do cruzamento de planos
estilo visíveis e transfigurados pelo poeta-pintor.
- Estrofes: quadras, quintilhas.
- Métrica: versos decassilábicos e alexandrinos.
- Comparações, metáforas, enumerações, hipérboles, sinestesias, usos expressivos do
adjetivo e do advérbio.

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