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Cesário Verde
Contextualização
Cesário Verde, poeta da segunda metade do séc. XIX, por influência do pai, cedo se familiarizou com o
balcão e com a terra, com a cidade e com o campo.
As suas publicações não foram bem recebidas pelos contemporâneos. Ramalho Ortigão, Teófilo Braga e
Fialho de Almeida chegaram a criticá-lo fortemente.
Morre com 31 anos, no Lumiar, onde se houvera fixado à procura de bons ares, vitimado pela tuberculose.
Cesário Verde viveu no período histórico de grandes transformações da sociedade. Com efeito, a
Humanidade assistia à maior revolução económica de todos os tempos: nascimento da grande indústria,
desenvolvimento dos transportes e comunicações, formação da alta burguesia.
1851 marca o princípio da Regeneração, após um período tremendamente agitado da nossa História. Fontes
Pereira de Melo, ao pôr mãos à obra na recuperação económica do país, provocou um surto considerável de
progresso: a industrialização do reino, o incremento do comércio, o revigoramento da expansão africana.
Cesário Verde assistiu às sucessivas fases de lançamento da via-férrea nacional, à expansão extensiva do
sistema rodoviário, ao advento da engenharia civil e foi testemunha de vários melhoramentos modernos,
então introduzidos no país, a saber: o telégrafo, a iluminação a gás nas ruas, os transportes coletivos, os
primeiros candeeiros elétricos.
Lisboa, nos tempos de Cesário Verde, era pequena (200 mil habitantes), desconfortável e, sobretudo,
insalubre devido à insuficiência de água fornecida ao domicílio, à insuficiência de esgotos, à acumulação de
despejos nas ruas, aos estrumes dos currais…
Contudo, nos “ Bairros Modernos”, evocados na poesia de Cesário Verde, não faltam as “casas apalaçadas”
da alta burguesia oriunda dos recentes progressos da indústria e da técnica.
Com a febre das construções, da abertura de ruas amplas – “largas ruas macadamizadas” -, surge toda uma
massa de trabalhadores que importa enumerar: pedreiros, carpinteiros, calceteiros, ferreiros, que, por sua
vez, se juntavam aos operários das novas fábricas. Organizava-se uma outra classe – o operariado -, que
veio gerar um antagonismo social ao qual Cesário Verde esteve atento.
Este clima comunicava à cidade aspetos inéditos de trabalho, de movimento e de cor que haviam de ser
contemplados na obra do poeta.
Cesário Verde, apesar de criticado e rejeitado, criou um estilo novo. E, em poesia, um estilo original é tudo,
no dizer de Jacinto Prado Coelho, porque implica tudo o mais. Na verdade, o poeta introduziu na poesia
portuguesa todo um mundo novo e inexplorado, até então, estranho à poesia.
Cesário Verde transportou a linguagem humilde e prosaica para o clima da poesia autêntica. Demonstrou
que a poesia anda derramada pelos seres e pelas coisas habitualmente consideradas prosaicas. Desceu
deliberadamente ao concreto, ao imediato e, com um fino talento de reportagem artística, surpreendeu
belezas inéditas que, em Portugal, ninguém antes vira.
Tinha Cesário Verde menos de vinte anos quando a Geração de 70 impunha já a sua literatura realista.
A sua personalidade literária formou-se dentro do Realismo e do Parnasianismo (corrente realista-
esteticista).
Foi publicando os seus poemas em jornais e revistas, ficando a sua obra assim dispersa até que, já depois
da sua morte (com 31 anos apenas), o seu amigo Silva Pinto, os fez publicar em volume intitulado O Livro
de Cesário Verde.
O Poeta foca antiteticamente dois estratos sociais: a burguesia e o povo trabalhador. Assim, no poema
Cristalizações, o poeta foca alternadamente os pedreiros (calceteiros), duros trabalhadores, e a figura
estilizada de uma atriz que atravessa a rua “com seus pezinhos rápidos, de cabra”. O mundo social dos
poemas de Cesário Verde completa o mundo social de Eça de Queirós. Com efeito, enquanto este focou
apenas a classe burguesa, Cesário, embora continuando a sátira irónica contra a burguesia, lança sobretudo
um olhar de comiseração sobre o povo que trabalha e sofre: as varinas “de pernas nuas e ancas largas”, as
fruteiras com cabazes de hortaliça, os calceteiros terrosos, os calafates negros...
O Livro de Cesário Verde está compartimentado em duas partes: a primeira contém os poemas que
manifestam ainda certas tonalidades românticas, embora já enriquecidos pela ironia; a segunda parte, os
“Naturais”, contem os poemas que se baseiam na realidade quotidiana, onde o poeta se manifesta já na
plena posse da técnica realista.
O Estilo
É bem visível nos poemas de Cesário Verde esta definição de poesia: um modo especial de ver o mundo
e a vida. De facto, o olhar penetrante deste poeta vê, nos seus passeios, a cidade e todo o seu drama, vibra
em simpatia ou em repugnância à vista de uma vida urbana que ao mesmo tempo o fascina e o sufoca.
Cesário, no dizer de Alberto Caeiro, “era um camponês / que andava preso em liberdade pela cidade”. Esta
afirmação paradoxal sintetiza admiravelmente os dois polos que antiteticamente atraíam o poeta: o campo e
a cidade. Ele é chamado por isso “o poeta da cidade e do campo”. A cidade enjoa-o; temos a impressão de
que ela lhe interessa apenas para a devassar artisticamente. Pelo contrário o campo deleita-o, como se vê,
por exemplo, no poema De tarde. Note-se que, mesmo nos poemas que focam a cidade, surgem
frequentemente evocações saudosistas do campo. A cidade, provoca no poeta “melancolia”, “enjoo”; “desejo
absurdo de sofrer”. Ora é nesta náusea citadina que o poeta sente por vezes a necessidade de abrir as suas
janelas sobre o campo. Assim, no poema Cristalizações, o poeta faz frequentemente surgir evocações
campestres: “quintalórios com parreiras”, “não se ouvem aves nem o choro de uma nora”, “sabe-me a
campo, a lenha, a agricultura”. E o mesmo sucede noutros dos seus melhores poemas citadinos: O
sentimento dum ocidental, Num bairro moderno, etc.
O estilo impressionista, visualista, de Cesário Verde tem origem precisamente no seu jeito especial de
ver o mundo e a vida.
Aspetos Gerais:
Aspetos específicos:
- carácter deambulatório;
- aspeto cinético e visualismo;
- o poeta faz a apresentação de aspetos genéricos e globalizantes, descendo depois aos aspetos
particulares que descreve pormenorizadamente.
Aspeto pictórico:
A linguagem:
Temas centrais:
“Crise romanesca” “Maturidade poética”
- A observação a partir da deambulação
- O observador acidental: descrição dos espaços circundantes: perceção do real a
- A imagem da mulher partir dos sentidos (visão, audição, olfato) e das impressões do poeta; transfiguração
- Refúgio poética do real; evocação de outros tempos, de outras eras.
- Superioridade
- Destruição, pecado - A cidade: quotidiano citadino; ambiente opressivo e deprimente; figuras humanas
típicas (tipos sociais).
Deambulação:
Deambulação - A atividade de deambular, passear, vaguear por espaços exteriores é determinante na poesia
de Cesário Verde.
- O poeta desloca-se por percursos exteriores (a cidade, o campo) e interiores (o pensamento,
o passado).
Observação - O olhar do poeta, nessa deambulação, incide sobre diversas realidades, cenas e figuras,
fixando-se em duas atitudes: examinar e contemplar.
- O poeta exerce o seu poder de observação, de análise, de captação de sinais e de símbolos a
partir de uma certa centralidade da sua posição (ele é o que, deambulando, seleciona e estuda
os ambientes que o circundam).
Descrição - A partir das atividades de deambulação e de observação, o poeta descreve o espaço físico,
as cenas, os tipos humanos, os ambientes, numa justaposição de cenas e de espaços.
- Na descrição, o poeta adota uma perspetiva pictórica, descreve como quem pinta, dando
grande importância à cor e à luz/luminosidade.
ESQUEMATIZANDO…
Tópicos de análise em Cânticos do Realismo – O Livro de Cesário Verde
A - Cesário apresenta sobretudo lugares de Lisboa, por onde passa a caminho do trabalho.
representação - Nesses lugares, dá-nos a ver os membros do povo que trabalham na urbe, em condições
da cidade e físicas muito duras e até desumanas, destacam-se populares, tais como calceteiros,
dos tipos varinas, mestres carpinteiros, a vendedora de hortaliça, entre outros.
sociais - Escreve também poemas em que o centro é o campo e a burguesia que nele
deambula/passeia, como acontece, por exemplo, em textos poéticos como “De tarde” ou
“De verão”.
Deambulação - À medida que vai caminhando de sua casa até à loja onde trabalha com seu pai, Cesário
e imaginação: Verde vai registando no seu olhar tudo quanto vê (lugares, pessoas, sensações).
o observador - Por vezes, passa da realidade que vê àquilo que ela lhe lembra e, então, vamos para o
acidental plano da imaginação. Este plano é marcado por verbos que o transportam do visível para
o imaginário, como: “embrenho-me”, “sigo”, “E eu recompunha-me, por anatomia, / Um
novo corpo orgânico”, “E evoco, então, as crónicas medievais”.
Perceção - É pelos seus cinco sentidos que o poeta regista em verso tudo quanto absorve, enquanto
sensorial e caminha. Juntando às sensações um toque de imaginação poética e de pintor. Cesário
transfiguração transforma mentalmente vegetais e frutos (entre outros) em partes do corpo humano.
poética do “Subitamente – que visão de artista! - / Se eu transformasse os simples vegetais (…) /
real Num ser humano que se mova e exista”.
Imaginário Estrutura de “O Sentimento de um Ocidental”
épico - Trata-se de um poema longo, dividido em quatro partes: “Avé-Marias”, “Noite Fechada”,
“Ao Gás” e “Horas Mortas”.
- Segundo as marcas do género épico, nele Cesário Verde faz brotar críticas e louvores às
qualidades lusitanas (associadas aos Descobrimentos e a Camões), isto é, escolhe um
tema de interesse universal (glórias conseguidas com as Descobertas), cantando com
linguagem erudita.
- Consciente das injustiças sociais que testemunha ao circular por Lisboa, especialmente
as que opõem os muito ricos aos muito pobres, Cesário Verde apela a um futuro glorioso
construído no presente século XIX e respetivo futuro.
Linguagem e - Seleção frequente de rima cruzada e interpolada ao serviço do cruzamento de planos
estilo visíveis e transfigurados pelo poeta-pintor.
- Estrofes: quadras, quintilhas.
- Métrica: versos decassilábicos e alexandrinos.
- Comparações, metáforas, enumerações, hipérboles, sinestesias, usos expressivos do
adjetivo e do advérbio.