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CESÁRIO VERDE
TEMÁTICAS
A cidade e o campo
A natureza, ávida mas “honesta”, “salutar” e sempre jovem, aparece-nos pintada nos seus
poemas como nas evocações da pintura geral (“pinto quadros por letras, por sinais”) –
característica impressionista, porque é nas letras como um artista plástico.
Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por evocação da
memória todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre uma opressão que lhe
provoca um desejo “absurdo de sofrer”: ao anoitecer, ruas soturnas e melancólicas, com
sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia (“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal
soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me
um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento de um ocidental)
Do campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o convencionalismo idílico, mas a
natureza, os pomares, as canseiras da família durante as colheitas.
A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a doença, a dor, a miséria, o grotesco, a
beleza e a sua decomposição fatal... No campo há a saúde, o refúgio durante a peste na cidade...
No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por oposição à vida limitada, reprimida e
doentia na cidade. (“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas quintas bem muradas,
/Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,/ Bate de chapa, logo de manhã” – Nós)
Binómio cidade/campo
è A cidade personifica a ausência de amor e, consequentemente, de vida. Ela surge como uma
prisão que desperta no sujeito “um desejo absurdo de sofrer”. É um foco de infecções, de
doença, de MORTE. É um símbolo de opressão, de injustiça, de industrialização, e surge, por
vezes, como ponto de partida para evocações, divagações
è O campo, por oposição, aparece associado à vitalidade, à alegria do trabalho produtivo e útil,
nunca como fonte de devaneio sentimental. Aparece ligado à fertilidade, à saúde, à liberdade, à
VIDA. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, daí surgir o mito de Anteu, uma vez que a
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terra é força vital para Cesário. O poeta encontra a energia perdida quando volta para o campo,
anima-o, revitaliza-o, dá-lhe saúde, tal como Anteu era invencível quando estava em contacto
com a mãe-terra.
O campo é, para Cesário, uma realidade concreta, observada tão rigorosamente e descrita tão
minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os
trabalhadores são parte integrante, um campo útil onde o poeta se identifica com o povo (Petiz).
É no poema Nós que Cesário revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposição à
cidade e considerando-o “um salutar refúgio”.
A humilhação
- a humilhação sentimental:
a mulher burguesa, rica, distante e altiva/a humilhação do sujeito poético que não
ousa aproximar-se devido à sua baixa condição social (Humilhações);
a mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o poeta deseja e
receia/a humilhação e a necessidade de controlar os impulsos amorosos (Frígida).
- a humilhação estética:
- a humilhação social:
o abandono a que são votados os doentes (“Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões
doentes (...)/ O doutor deixou-a...”, Contrariedades);
- A preocupação com:
A imagética Feminina
è A mulher fatal, altiva, aristocrática, “frígida” que atrai/fascina o sujeito poético, provocando-
lhe o desejo de humilhação. É o tipo citadino artificial, surge portanto associada à cidade
servindo para retratar os valores decadentes e a violência social. Esta mulher surge na poesia de
Cesário incorporando um valor erótico que simultaneamente desperta o desejo e arrasta para a
morte conduzindo a um erotismo da humilhação (Esplêndida, Vaidosa, Frígida).
è A mulher angélica, “tímida pombinha”, natural, pura, acompanhada pela mãe, embora
pertencente à cidade, encarna qualidades inerentes ao campo. Desperta no poeta o desejo de
proteção e tem um efeito regenerador (Frágil).
Questão Social
O poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos marginalizados e admira a
força física, a pujança do povo trabalhador.
A poesia do quotidiano despoetiza o ato poético, daí que a sua poesia seja classificada como
prosaica, concreta. O poeta pretende captar as impressões que os objetos lhe deixam através dos
sentidos.
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Ao vaguear, ao deambular, o poeta perceciona a cidade e o “eu” é o resultado daquilo que vê.
Cesário não hesita em descrever nos seus poemas ambientes que, segundo a conceção da poesia,
não tinham nada de poético.
Cesário não só surpreende os aspetos da realidade como sabe perfeitamente fazer uma reflexão
sobre as personagens e certas condições.
Linguagem e Estilo:
Através deste parnasianismo ele propõe uma explicação para o que observa com objetividade e,
quando recorre à subjetividade, apenas transpõe, pela imaginação transfiguradora, a realidade
captada numa outra que só o olhar de artista pode notar.
Cesário utiliza também uma linguagem prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem
do quotidiano.
Vocabulário concreto
Linguagem coloquial
Predomínio do uso do decassílabo e do Alexandrino
Uso do assíndeto que resulta da técnica de justaposição de várias perceções
Técnica descritiva assente em sinestesias, hipálages, na expressividade do advérbio, no
uso do diminutivo e na utilização da ironia como forma de cortar o sentimentalismo
(equilibrar).
Cidade Campo
Morte Vida
Poemas:
- Poesia do quotidiano
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- Poesia do quotidiano
- Poesia do quotidiano
- Crítica à cidade
Setentrional
Movimento de fuga: "fugiste comigo da Babel"; o movimento de regresso: "E foste sepultar-te,
ó serafim/No claustro das Fiéis emparedada"; fuga da Babel/cidade para o campo e o ambiente
de amor, de ósculos, de gestos e atitudes ternas em diversos tempos e espaços; regresso à
cidade/convento e separação lamentada em "censura" à mulher amada logo nos primeiros
versos.
Sentimentalismo romântico: os meigos ditirambos dos rouxinóis; abraçado com as heras; tão
calado como a morte…
"ó bonina", "mulher como não há nem na Circássia", "tristíssima Helena" - progressão da
alegria para a tristeza.
eu/tu: da 1.ª à 6.ª estrofes; o nós: da 7.ª à 10.ª estrofes - caminhávamos, ouvíamos; de novo o
eu/tu: da 11.ª à 13.ª estrofes.
Nós
Tom conversacional de confidência: Nós, a alusão aos seus familiares e às suas vicissitudes.
Expressividade da linguagem:
Deslumbramentos
Mulher fatal de humilhante indiferença como a mulher de "Les Fleures du Mal" de Baudelaire:
"gestos de neve e de metal", "Grande dama fatal, sempre sozinha/E com firmeza e música no
andar!"
Transposição do plano individual para o plano colectivo: vingança contra a ordem social
personificada pelas "miladies": duas últimas estrofes.
Expressividade da linguagem:
A Débil
Mulher de cidade sem lhe pertencer: vv.2, 3, 6, 15, 16, 19, 20, etc.
O "narrador" cede à influência corruptora da cidade e liberta-se pela adesão fiel à mulher do
poema em estudo: vv.10, 11, 12;
Patriarca, Titulares, etc., acentuam a vulnerabilidade na cidade ameaçadora: vv.21 a 24, 39 a 44,
48.
Reencontro do homem feio, leal com o homem varonil, rejeitando o decadentismo das poses
citadinas: 1.ª e última estrofes.
A Débil, qual frágil bonina de Setentrional, partilha da experiência do amor libertador: vv.33-
36, 49-52.
Expressividade da linguagem:
Contrariedades
1. Nas duas primeiras estrofes, o sujeito apresenta-se-nos "cruel, frenético, exigente", com
dor de cabeça e contrariado, por razões que conheceremos mais adiante;
2. Nas 3ª. e 4ª. estrofes, somos já confrontados com uma das causas do seu sofrimento - a
miserável situacão de uma engomadeira tuberculosa;
3. Nas estrofes 5-12, deparamos, por outro lado, com uma violenta crítica à imprensa
porque um jornal havia recusado publicar os seus versos ("A imprensa … solene").
4. Abrange as estrofes 13 e 14 e nele o poeta foca de novo a miserável condição da
engomadeira, que se "fina ao desprezo", e se mantém "a chá e pão";
5. Nas estrofes 15 e 16, o poeta parece conformar-se com a sua situação ("Perfeitamente.
Vou findar sem azedume") e chega, por momentos, não sem alguma dose de ironia a
deixar-se embalar por um sonho de sucesso (…"eu rico e noutros climas,/Conseguirei…
rimas");
6. Finalmente, na última estrofe, assistimos a um paralelo entre a situação do sujeito e da
engomadeira, verificando-se que esta é muito pior e merece toda a solidariedade:
o "E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha (…) Que mundo!
Coitadinha!".
Ora em ritmo acelerado ora em ritmo lento: ritmo acelerado - estado psicológico; ritmo lento -
apresentação de factos.
A ironia, sobretudo dirigida à sociedade, que esquece os que mais precisam, e à imprensa que
promove medfocres e recusa a originalidade:
"Mais duma redaccão, das que elogiam tudo,/Me tem fechado a porta".
"Eu nunca dediquei poemas às fortunas Mas sim, por deferência a amigos ou artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas Me negam as colunas".
"… tais coisas, tais autores". "Arte? Não Ihes convém", visto que os seus leitores
"Deliram por Zaccone". "Obtém dinheiro, arranja a sua coterie". "Eu raramente falo aos
nossos literatos" "Perfeitamente" "Quem sabe se depois, eu rico (…) (…) Impressas em
volume?"
Na estrofe dezasseis chega a haver sarcasmo na maneira violenta como se refere às estratégias
ou "manobras" que se utilizavam para comprar o sucesso: a "réclame", a intriga, o anúncio, a
"blague".
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A exclamação é muito utilizada para traduzir emoções ou mesmo uma posição crítica face à
realidade - no poema.
Os estrangeirismos "coterie", "réclame" (comentário pago pelo editor sobre um livro antes de
lançar) e "blague" denunciam a apropriação lisboeta dos termos e métodos usados em Paris.
O diminutivo final seguido de exclamação ("Coitadinha!") tem um duplo valor semântico: por
um lado, exprime o carinho e a solidariedade do sujeito em relação à pobre engomadeira, por
outro lado, faz recair na sociedade ("Que mundo!") todo o odioso da sua situação.
De notar ainda a insistência aliterante no som g seguido da vogal aguda u ("… os gumes/E os
ângulos agudos"), a sugerir a angústia do sujeito face à "depravação" que o rodeia. Dir-se-ia que
o mal-estar que a sociedade Ihe provoca é traduzido por símbolos de geometricidade.
Também a cor branca aparece simbolicamente associada à ideia de fraqueza e morte: "Pobre
esqueleto branco entre as nevadas roupas! Tão lívida".
Síntese: poderá dizer-se que, neste poema, se vislumbram já algumas das influências e
características que fazem de Cesário Verde o ponto de encontro de várias correntes que tinham
sido ou haviam de ser importantes na história da cultura portuguesa: o realismo, o
impressionismo, o simbolismo, o parnasianismo (da segunda metade do séc. XIX) e mesmo o
surrealismo e o neorrealismo (do século XX) - acetato cm resumo esquemático do poema.
O episódio do criado: desdém e arrogância com que atira um cobre Iívido, oxidado", símbolo
de quem ele serve.
Divisão em partes:
1. 1.ª parte: 1.ª e 3.ª estrofes: relação de oposição entre o sujeito poético que se dirige ao
emprego e o bairro que ainda dorme;
2. 2.ª parte: 4.ª e 6.ª estrofes: entrada da vendedeira de fruta e hortaliça, que desperta no
sujeito sentimentos de simpatia e solidariedade;
3. 3.º parte: 7.ª e 12.ª estrofes: transfiguração dos frutos e hortaliças da giga da vendedeira
num corpo humano;
4. 4.ª parte: 13.ª e 20.ª estrofes: o sujeito poético, desperto pelo pedido de ajuda da
vendedeira vai dispersar-se pela observação do mundo à sua volta.
"Ave-Marias"
1. Elementos que contribuem para o ambiente: sombras, bulício, Tejo, maresia; céu, gás,
edifícios, chaminés, cor; adjetivos ou equivalentes; baixo, de neblina, extravasado,
monótona, londrina. 1.ª estrofe, 4.º verso. Sofrimento, angústia e desespero.
2. No poeta (o desespero); pelas edificações emadeiradas/gaiolas e os
carpinteiros/morcegos (opressão); as varinas apinham-se num bairro onde miam gatas/E
o peixe podre gera focos de infeção (miséria).
3. Plano do real: os carros de aluguer e a via férrea.
Plano do irreal: o verbo "ocorrer"/lembrar é o suporte do pensamento ou do sonho
(passado). Apenas os que se vão = felizes noutros países; a metáfora de "ir" = libertar-
se. De novo, o plano do irreal: evocou o passado glorioso, não de outros países, mas do
próprio Portugal.
4. A comparação: "como viveiros", "semelham-se" e "como morcegos"; metáfora: "ao cair
das badaladas".
5. O poeta entra ("embrenho-me a cismar") na miséria moral - boqueirões e becos e lança
o olhar ao largo, no horizonte, donde regressavam as naus da glória e agora apenas
chegam "botes".
6. Hotéis da moda/bairro aonde miam gatas; tinido de louças e talheres/às portas enfadam-
se os lojistas; o fim de tarde, ao poeta, incomoda: vazam-se os arsenais e as oficinas,
apressam-se as obreiras, mas em terra tinem os talheres.
Noite Fechada
Depressão: "aneurisma/Tão mórbido me sinto…/À vista das prisões, da Velha Sé, das
Cruzes,/Chora-me o coração que se enche e que se abisma".
Evocação do Passado: as sombras das igrejas recordam-lhe o mundo da Inquisição "um ermo
inquisidor severo".
Anticlericalismo: v.14.
Contraste social: entre as elegantes, que se podem dar ao luxo de gastar com o supérfluo
"montras dos ourives" e as costureiras e floristas que têm de trabalhar à noite no teatro para
sobreviverem "muitas delas são comparsas ou coristas".
Ao Gás
Opressão crescente: "moles hospitais" cria uma atmosfera de alucinação, opressão e histeria:
"A noite pesa, esmaga".
Ligação metonímica: ambas são uma imitação, uma expressão da sociedade vaidosa e falsa.
Miséria na cidade e miséria no ensino - melancolia notuma: diferenças sociais entre as lojas
e o ratoneiro, a lúbrica pessoa, a velha de bandós e o velho professor de latim.
Imagens: "Um forjador maneja um malho, rubramente" (Visual); "de uma padaria exala-se,
inda quente,/Um cheiro salutar e honesto a pão no forno." (Olfativa), contrasta com as estrofes
anteriores - o povo sempre como o único autêntico e honesto.
Horas Mortas
Caracterização da cidade prisão: embora ainda enclausurante a cidade já não esmaga pois já
permite o sonho "a quimera azul"; confirma a prisão fantasmagórica da cidade - "Por baixo, que
portões! Que arruamentos!/Um parafuso cai nas lajes, às escuras:/Colocam-se taipais, rangem as
fechaduras,/E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos".
O presente é morte, o futuro poderá ser vida: "Se eu não morresse nunca! E
eternamente/Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!/Esqueço-me a prever castíssimas
esposas,/Que aninhem em mansões de vidro transparente!" mas ela só é possível nas gerações
futuras "Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,/Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!/Eu quero
as vossas mães e irmãs estremecidas,/Numas habitações translúcidas e frágeis".
Visão do mundo: às avessas, prédios com a dimensão de montes, a dor que campeia, a cidade
que aterra e arrasa.