Você está na página 1de 15

1

CESÁRIO VERDE

TEMÁTICAS

A cidade e o campo

 A natureza, ávida mas “honesta”, “salutar” e sempre jovem, aparece-nos pintada nos seus
poemas como nas evocações da pintura geral (“pinto quadros por letras, por sinais”) –
característica impressionista, porque é nas letras como um artista plástico.

 Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por evocação da
memória todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre uma opressão que lhe
provoca um desejo “absurdo de sofrer”: ao anoitecer, ruas soturnas e melancólicas, com
sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia (“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal
soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me
um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento de um ocidental)

 Do campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o convencionalismo idílico, mas a
natureza, os pomares, as canseiras da família durante as colheitas.

 A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a doença, a dor, a miséria, o grotesco, a
beleza e a sua decomposição fatal... No campo há a saúde, o refúgio durante a peste na cidade...

 “Ao nível pessoal, a cidade significa a ausência, a impossibilidade ou a perversão do amor, e


o campo a sua expressão idílica. Ao nível social, a cidade significa opressão, e o campo a recusa
da mesma e a possibilidade do exercício da liberdade.”

 No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por oposição à vida limitada, reprimida e
doentia na cidade. (“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas quintas bem muradas,
/Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,/ Bate de chapa, logo de manhã” – Nós)

 As descrições de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa em diversas


facetas e segundo ângulos de visão de personagens várias (Num Bairro Moderno;
Cristalizações; O Sentimento dum Ocidental).

 A invasão simbólica da cidade pela vitalidade e pelo colorido saudável


dos produtos do campo (como por exemplo, a “giga” da “rota, pequenina, azafamada” rapariga
em Num Bairro Moderno).

Binómio cidade/campo

O contraste cidade/campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário e revela-nos o seu


amor ao rústico e natural, que celebra por oposição a um certo repúdio da perversidade e dos
valores urbanos a que, no entanto, adere.

è A cidade personifica a ausência de amor e, consequentemente, de vida. Ela surge como uma
prisão que desperta no sujeito “um desejo absurdo de sofrer”. É um foco de infecções, de
doença, de MORTE. É um símbolo de opressão, de injustiça, de industrialização, e surge, por
vezes, como ponto de partida para evocações, divagações

è O campo, por oposição, aparece associado à vitalidade, à alegria do trabalho produtivo e útil,
nunca como fonte de devaneio sentimental. Aparece ligado à fertilidade, à saúde, à liberdade, à
VIDA. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, daí surgir o mito de Anteu, uma vez que a
2

terra é força vital para Cesário. O poeta encontra a energia perdida quando volta para o campo,
anima-o, revitaliza-o, dá-lhe saúde, tal como Anteu era invencível quando estava em contacto
com a mãe-terra.

O campo é, para Cesário, uma realidade concreta, observada tão rigorosamente e descrita tão
minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os
trabalhadores são parte integrante, um campo útil onde o poeta se identifica com o povo (Petiz).
É no poema Nós que Cesário revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposição à
cidade e considerando-o “um salutar refúgio”.

A oposição cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida. É a morte que cria em


Cesário uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular mas que acaba por aprisioná-lo.

A humilhação

- a humilhação sentimental:

 a mulher formosa, fria, distante e altiva (Esplêndida; Deslumbramentos; Frígida);

 a mulher fatal da época/a humilhação do sujeito poético tentando a aproximação


(Esplêndida);

 a mulher burguesa, rica, distante e altiva/a humilhação do sujeito poético que não
ousa aproximar-se devido à sua baixa condição social (Humilhações);

 a mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana/a consequente humilhação


do poeta (“Milady, é perigoso contemplá-la (...)/ Com seus gestos de neve e de metal.”,
Deslumbramentos);

 a mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o poeta deseja e
receia/a humilhação e a necessidade de controlar os impulsos amorosos (Frígida).

- a humilhação estética:

 a revolta pela incompreensão que os outros manifestam em relação à sua poesia e


pela recusa de publicação por alguns jornais (“Arte? Não lhes convém, visto que os seus
leitores/ Deliram por Zaccone”; “Agora sinto-me eu cheio de raivas frias/ Por causa dum jornal
me rejeitar, há dias/ Um folhetim de versos.”, Contrariedades).

- a humilhação social:

 o povo comum oprimido pelos poderosos (Humilhações);

 o abandono a que são votados os doentes (“Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões
doentes (...)/ O doutor deixou-a...”, Contrariedades);

 o povo dominado por uma oligarquia poderosa (a “Milady” de Deslumbramentos é uma


representante dessa oligarquia).

A BUSCA DA PERFEIÇÃO FORMAL

- Cesário busca a expressão clara, objetiva e concreta;


3

- As suas descrições têm pouco de poético – prosaísmo lírico –, pois procura


explorar a notação objetiva e sóbria das graças e dos horrores da vida da cidade ou a profunda
vitalidade da paisagem campestre – características de um realista.

- A preocupação com:

 a beleza e a perfeição da sua poesia (a musicalidade, a harmonia, a escolha dos


sons...);

 o vocabulário – a expressividade verbal, a adjetivação abundante, rica e expressiva, a


precisão vocabular (chega mesmo a usar termos técnicos), o colorido da linguagem...;

 os recursos fónicos – as aliterações, que contribuem para a musicalidade e para a


perfeição formal;

 os processos estilísticos – abundância de imagens, as metáforas, as sinestesias...;

 a regularidade métrica, estrófica e rimática (na métrica, preferência pelo verso


decassilábico e pelo alexandrino; na organização estrófica, a preferência evidente pela quadra
que lhe permitia registar as observações e saltar com facilidade para outros assuntos).

A imagética Feminina

è A mulher fatal, altiva, aristocrática, “frígida” que atrai/fascina o sujeito poético, provocando-
lhe o desejo de humilhação. É o tipo citadino artificial, surge portanto associada à cidade
servindo para retratar os valores decadentes e a violência social. Esta mulher surge na poesia de
Cesário incorporando um valor erótico que simultaneamente desperta o desejo e arrasta para a
morte conduzindo a um erotismo da humilhação (Esplêndida, Vaidosa, Frígida).

è A mulher angélica, “tímida pombinha”, natural, pura, acompanhada pela mãe, embora
pertencente à cidade, encarna qualidades inerentes ao campo. Desperta no poeta o desejo de
proteção e tem um efeito regenerador (Frágil).

Questão Social

O poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos marginalizados e admira a
força física, a pujança do povo trabalhador.

O poeta interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando documentá-lo e


analisá-lo, embora sem interferir.

è Anatomia do homem oprimido pela cidade

è Integração da realidade comezinha no mundo poético

O Impressionismo adaptado ao Real

“A mim o que me preocupa é o que me rodeia”

A poesia do quotidiano despoetiza o ato poético, daí que a sua poesia seja classificada como
prosaica, concreta. O poeta pretende captar as impressões que os objetos lhe deixam através dos
sentidos.
4

Ao vaguear, ao deambular, o poeta perceciona a cidade e o “eu” é o resultado daquilo que vê.

Cesário não hesita em descrever nos seus poemas ambientes que, segundo a conceção da poesia,
não tinham nada de poético.

Cesário não só surpreende os aspetos da realidade como sabe perfeitamente fazer uma reflexão
sobre as personagens e certas condições.

A representação do real quotidiano é, frequentemente, marcada pela captação perfeita dos


efeitos da luz e por uma grande capacidade de fazer ressaltar a solidez das formas (visão
objetiva), embora sem menosprezar uma certa visão subjetiva – Cesário procura representar a
impressão que o real deixa em si próprio e às vezes transfigura a realidade, transpondo-a numa
outra.

Linguagem e Estilo:

Cesário Verde é caracterizado pela utilização do Parnasianismo que é a busca da perfeição


formal através de uma poesia descritiva e fazendo desta algo de escultórico, esculpindo o
concreto com nitidez e perfeição. O parnasianismo é também a necessidade de objetivar ou
despersonalizar a poesia e corresponde à reação naturalista que aparece no romance. Os temas
desta corrente literária são temas do quotidiano com um enorme rigor a nível de aspeto formal e
há uma aproximação da poesia às artes plásticas, nomeadamente a nível da utilização das cores
e dos dados sensoriais.

Através deste parnasianismo ele propõe uma explicação para o que observa com objetividade e,
quando recorre à subjetividade, apenas transpõe, pela imaginação transfiguradora, a realidade
captada numa outra que só o olhar de artista pode notar.

Cesário utiliza também uma linguagem prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem
do quotidiano.

A obra de Cesário caracteriza-se também pela técnica impressionista ao acumular pormenores


das sensações captadas e pelo recurso às sinestesias, que lhe permitem transmitir sugestões e
impressões da realidade.

A nível morfossintático recorre à expressividade verbal, à adjetivação abundante, rica e


expressiva, por vezes em hipálage, ao colorido da linguagem e tem uma tendência para as frases
curtas.

 Vocabulário concreto
 Linguagem coloquial
 Predomínio do uso do decassílabo e do Alexandrino
 Uso do assíndeto que resulta da técnica de justaposição de várias perceções
 Técnica descritiva assente em sinestesias, hipálages, na expressividade do advérbio, no
uso do diminutivo e na utilização da ironia como forma de cortar o sentimentalismo
(equilibrar).

Binómios e Dicotomias em Cesário Verde:


5

Cidade Campo

Mulher fatal Mulher angélica

Morte Vida

- Cidade: - deambulação do poeta; melancolia; monotonia; “desejo absurdo de viver”; vícios;


fantasias mórbidas; miséria; sofrimento; poluição; cheiro nauseabundo, seres humanos dúbios e
exploradores; ricos pretensiosos que desprezam os humildes; incomoda o poeta e os
trabalhadores que nela procuram melhores condições de vida.

Mulher citadina: fatal, frígida, calculista, madura, destrutiva, dominadora, sem


sentimentos, erótica, artificial, predadora, vampírica, formosa, fria, altiva.

Subjetividade do tempo e a morte: cidade = certeza para a morte

- Campo: - vida rústica de canseiras, vitalidade, saúde, liberdade, rejuvenescimento, vida,


fertilidade, identificação do poeta com o povo campesino, local de trabalho onde acontece
alegrias e tristezas (oposto ao local paradisíaco defendido por poetas anteriores).

Mulher campesina: proporciona um amor puro e desconfinado, frágil, terna, ingénua,


despretensiosa.

Subjetividade do tempo e a morte: Salvação para a vida.

Poemas:

- “Bairro Moderno”: - Poema representativo da cidade

- Transfiguração de elementos do campo para a cidade

- Poesia do quotidiano
6

- “Contrariedades”: - Poesia do quotidiano.

- impressão que o “fora” deixa na alma do poeta (cruel, frenético,


exigente, impaciente)

- Alteração do estado de espírito -> causa: depravação nos usos e nos


costumes; injustiça da vida pela doença que destrói a vizinha (abandono
e exploração); recusa dos jornais em publicarem os seus versos; fim do
poema: intervencionismo, denuncia e acusação do mundo injusto e
pouco solidário.

- “O sentimento dum Ocidental”: - Poema representativo da cidade em várias fases do dia

- Poesia do quotidiano

- Captura de factos sem referir causa/efeito

- opção pelas formas impessoais, construções nominais


e sinestesias (materializar o abstrato/imaterial e o seu
estado de espírito)

- “Cristalizações”: - Poema representativo da cidade

- Poesia do quotidiano

- “Nós”: - Poema representativo do campo

- Crítica à cidade

- Campo: refúgio dos males da vida e recordação da família.

- oposição entre sociedades industriais e sociedades rurais

- oposição entre proprietários e trabalhadores

- “De Tarde” - Poema representativo do campo

- “Em Petiz” - Poema representativo do campo

“De Tarde” - tom irónico em relação aos citadinos


7

- recordação do passado: companheira e campo

- “Deslumbramentos” - Poema representativo da mulher citadina

- “Vaidosa” - Poema representativo da mulher citadina

- A mulher arrasta para a morte

- “Esplêndida” - Poema representativo da mulher citadina

- A mulher arrasta para a morte

- “Frígida” - Poema representativo da mulher citadina

- mulher -> símbolo directo da própria morte

- “A Débil” - Mulher campesina retratada na cidade

Revisões Cesário Verde

Análise dos poemas de Cesário

“ Contrariedades” - A critica sócio cultural.

“ Deslumbramentos”, “A débil”, “Manhãs Brumosas” – A diversidade dos perfis


femininos.

“ De tarde” – A aguarela impressionista.

“ Nós” – O campo e a cidade.

“Cristalizações” – Apologia do povo trabalhador, num ambiente citadino.

Cesário Verde: Poesia

Setentrional

Campo/cidade: campo, símbolo do amor e da felicidade no passado; cidade, símbolo da


confusão no amor e da infelicidade - no presente. No presente, ao campo opõe-se não só a
cidade onde vive o poeta, mas também o convento, onde vive a mulher amada. Cidade e
convento identificam-se: para o poeta, a cidade é a morte e para a mulher amada, o convento é
sepultura. A mulher bonita, no campo, vive com alegria e, na cidade/convento, a mulher é
tristíssima.
8

Movimento de fuga: "fugiste comigo da Babel"; o movimento de regresso: "E foste sepultar-te,
ó serafim/No claustro das Fiéis emparedada"; fuga da Babel/cidade para o campo e o ambiente
de amor, de ósculos, de gestos e atitudes ternas em diversos tempos e espaços; regresso à
cidade/convento e separação lamentada em "censura" à mulher amada logo nos primeiros
versos.

Sentimentalismo romântico: os meigos ditirambos dos rouxinóis; abraçado com as heras; tão
calado como a morte…

A ironia e o vocabulário presentes na última estrofe.

"ó bonina", "mulher como não há nem na Circássia", "tristíssima Helena" - progressão da
alegria para a tristeza.

eu/tu: da 1.ª à 6.ª estrofes; o nós: da 7.ª à 10.ª estrofes - caminhávamos, ouvíamos; de novo o
eu/tu: da 11.ª à 13.ª estrofes.

Nós

Cidade/campo, duas realidades concretamente antinómicas no plano real:

 Cidade: estrofes 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 13, 14, 15, 16, 17.


 Campo: estrofes 2, 8, 9, 10, 11, 12.

Metáfora da fuga: "E em permanência? grandes chuvas" (ll.39-40)

Tom conversacional de confidência: Nós, a alusão aos seus familiares e às suas vicissitudes.

Saída da cidade/estada no campo/regresso à cidade, uma concepção espacial igual à de


"Setentrional": alusão ao clima doentio da cidade (1.ª estrofe); interrupção para falar da vida
saudável do campo (2.ª estrofe); descrição da cidade como limitação, repressão, doença e morte
(3.ª à 7.ª estrofe); descrição do campo exaltando a sua fecundidade, espaço amplo de liberdade,
saúde e vida (8.ª à 12.ª estrofe); descrição da cidade novamente com as mesmas características
negativas (13.ª à 17.ª estrofe).

Campo espaço livre e de opulenta fertilidade: 8.ª a 11.ª estrofe.

Metáfora do regresso: "Tínhamos nós voltado à capital maldita" (v.48).

Os acontecimentos trágicos e o triunfo final da cidade: Morte de um deles (irmão), o sujeito


poético continua na cidade (ela venceu) mas triste e desgostoso.

Protesto, rebeldia e desprezo, manifestações do poeta: estrofes 16 e 17.

Expressividade da linguagem:

 métrica: versos alexandrinos (doze sílabas - dodecassílabos);


 rima: cruzada (ABAB);
 ritmo: binário e ternário;
 sonoridades: aliteração do s na 1.ª estrofe, ecos rimáticos, etc;
 comparações: vv.4, 19 e 20, 34 e 35; III - vv.10, 11, 15;
 metáforas: vv.39-40 e 48;
 hipérboles: I - vv.3, 11, 12, 17, 18.
9

Deslumbramentos

Mulher, produto de convenções mundanas e identificação com a cidade: 1.ª estrofe.

Mulher fatal de humilhante indiferença como a mulher de "Les Fleures du Mal" de Baudelaire:
"gestos de neve e de metal", "Grande dama fatal, sempre sozinha/E com firmeza e música no
andar!"

Mulher, arcanjo e demónio: 6.ª estrofe.

Erotismo de humilhação: redução do amante à condição de servo: vv.15, 16; 26-28.

Transposição do plano individual para o plano colectivo: vingança contra a ordem social
personificada pelas "miladies": duas últimas estrofes.

Expressividade da linguagem:

 métrica: versos decassílabos;


 rima: cruzada (ABAB);
 ritmo: binário;
 sonoridades: aliterações, ecos rimáticos, etc.;
 adjetivações: quase sempre duplas: vv.2, 10, 12, 15, 16, etc.;
 estrangeirismos: Milady, toilettes;
 apóstrofes: vv.1, 13, 25, 37, etc.;
 comparações: vv.9, 15, 23, 32;
 metáforas: vv.15 e 16, 22, 37, 38;
 antítese: vv.11 e 12, 22, 23, 24;
 ironia: vv.26 a 28.

A Débil

Mulher de cidade sem lhe pertencer: vv.2, 3, 6, 15, 16, 19, 20, etc.

O "narrador" cede à influência corruptora da cidade e liberta-se pela adesão fiel à mulher do
poema em estudo: vv.10, 11, 12;

Patriarca, Titulares, etc., acentuam a vulnerabilidade na cidade ameaçadora: vv.21 a 24, 39 a 44,
48.

Reencontro do homem feio, leal com o homem varonil, rejeitando o decadentismo das poses
citadinas: 1.ª e última estrofes.

A Débil, qual frágil bonina de Setentrional, partilha da experiência do amor libertador: vv.33-
36, 49-52.

Expressividade da linguagem:

 métrica: versos decassílabos;


 rima: emparelhada e interpolada (ABBA);
 ritmo: ternário;
 sonoridades: aliterações, ecos rimáticos, etc.;
 adjectivações: triplas e duplas: vv.1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, etc.;
 tipos de frases: declarativas;
10

 valor do imperfeito do indicativo: indicação de que o fascínio que ela exerceu no


sujeito poético é durável, perdura;
 antíteses: feio/bela; vv.47/48, 51/52;
 metáforas: vv.7, 47 e 48;
 hipálage: v.5.

Contrariedades

O poeta denuncia a imprensa, a adulação e o suborno; pela engomadeira denuncia a escravidão:


está doente e tem de trabalhar, "mal ganha para sopas". 1-2 estrofes = poeta; 3-4 = engomadeira;
5-8 = poeta; 9-10 = engomadeira; 11-12 = poeta; 13 = poeta e engomadeira.

Podemos considerar a existência de seis momentos no desenvolvimento do tema:

1. Nas duas primeiras estrofes, o sujeito apresenta-se-nos "cruel, frenético, exigente", com
dor de cabeça e contrariado, por razões que conheceremos mais adiante;
2. Nas 3ª. e 4ª. estrofes, somos já confrontados com uma das causas do seu sofrimento - a
miserável situacão de uma engomadeira tuberculosa;
3. Nas estrofes 5-12, deparamos, por outro lado, com uma violenta crítica à imprensa
porque um jornal havia recusado publicar os seus versos ("A imprensa … solene").
4. Abrange as estrofes 13 e 14 e nele o poeta foca de novo a miserável condição da
engomadeira, que se "fina ao desprezo", e se mantém "a chá e pão";
5. Nas estrofes 15 e 16, o poeta parece conformar-se com a sua situação ("Perfeitamente.
Vou findar sem azedume") e chega, por momentos, não sem alguma dose de ironia a
deixar-se embalar por um sonho de sucesso (…"eu rico e noutros climas,/Conseguirei…
rimas");
6. Finalmente, na última estrofe, assistimos a um paralelo entre a situação do sujeito e da
engomadeira, verificando-se que esta é muito pior e merece toda a solidariedade:
o "E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha (…) Que mundo!
Coitadinha!".

O poeta tem necessidade de desabafar e, desabafando, fica "melhor". A engomadeira sofre de


doença física que perdura e, explorada, não pode inverter o seu "status".

Ora em ritmo acelerado ora em ritmo lento: ritmo acelerado - estado psicológico; ritmo lento -
apresentação de factos.

A adjetivação expressiva: no poema.

A ironia, sobretudo dirigida à sociedade, que esquece os que mais precisam, e à imprensa que
promove medfocres e recusa a originalidade:

 "Mais duma redaccão, das que elogiam tudo,/Me tem fechado a porta".
 "Eu nunca dediquei poemas às fortunas Mas sim, por deferência a amigos ou artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas Me negam as colunas".
 "… tais coisas, tais autores". "Arte? Não Ihes convém", visto que os seus leitores
"Deliram por Zaccone". "Obtém dinheiro, arranja a sua coterie". "Eu raramente falo aos
nossos literatos" "Perfeitamente" "Quem sabe se depois, eu rico (…) (…) Impressas em
volume?"

Na estrofe dezasseis chega a haver sarcasmo na maneira violenta como se refere às estratégias
ou "manobras" que se utilizavam para comprar o sucesso: a "réclame", a intriga, o anúncio, a
"blague".
11

A exclamação é muito utilizada para traduzir emoções ou mesmo uma posição crítica face à
realidade - no poema.

A interrogação que, muitas vezes, reforça a intenção irónica: no poema.

O advérbio expressivo aparece também várias vezes:

 "Consecutivamente" (estrofe 1);


 "insensatamente" (estrofe 2);
 "lidando sempre" (estrofe 4);
 "tão lívida" (estrofe 4);
 "muitíssimos" (estrofe 7);
 "raramente" (estrofe 12);
 "fracamente" (estrofe 14).

Os estrangeirismos "coterie", "réclame" (comentário pago pelo editor sobre um livro antes de
lançar) e "blague" denunciam a apropriação lisboeta dos termos e métodos usados em Paris.

O diminutivo final seguido de exclamação ("Coitadinha!") tem um duplo valor semântico: por
um lado, exprime o carinho e a solidariedade do sujeito em relação à pobre engomadeira, por
outro lado, faz recair na sociedade ("Que mundo!") todo o odioso da sua situação.

De notar ainda a insistência aliterante no som g seguido da vogal aguda u ("… os gumes/E os
ângulos agudos"), a sugerir a angústia do sujeito face à "depravação" que o rodeia. Dir-se-ia que
o mal-estar que a sociedade Ihe provoca é traduzido por símbolos de geometricidade.

Também a cor branca aparece simbolicamente associada à ideia de fraqueza e morte: "Pobre
esqueleto branco entre as nevadas roupas! Tão lívida".

Síntese: poderá dizer-se que, neste poema, se vislumbram já algumas das influências e
características que fazem de Cesário Verde o ponto de encontro de várias correntes que tinham
sido ou haviam de ser importantes na história da cultura portuguesa: o realismo, o
impressionismo, o simbolismo, o parnasianismo (da segunda metade do séc. XIX) e mesmo o
surrealismo e o neorrealismo (do século XX) - acetato cm resumo esquemático do poema.

Num Bairro Moderno

Tempo: dez horas da manhã.

Espaço: num bairro moderno.

Personagens/narração/descrição: eu descia, sem muita pressa, para o meu emprego; E rota,


pequenina, azafamada, notei de costas uma rapariga.

Versos 34 e 35: corpo orgânico x vendedeira (magra/enfezadita); versos 16, 51…

A antítese remete-nos para essa injustiça.

O episódio do criado: desdém e arrogância com que atira um cobre Iívido, oxidado", símbolo
de quem ele serve.

Na estrofe 15: fuga ao romantismo.


12

Divisão em partes:

1. 1.ª parte: 1.ª e 3.ª estrofes: relação de oposição entre o sujeito poético que se dirige ao
emprego e o bairro que ainda dorme;
2. 2.ª parte: 4.ª e 6.ª estrofes: entrada da vendedeira de fruta e hortaliça, que desperta no
sujeito sentimentos de simpatia e solidariedade;
3. 3.º parte: 7.ª e 12.ª estrofes: transfiguração dos frutos e hortaliças da giga da vendedeira
num corpo humano;
4. 4.ª parte: 13.ª e 20.ª estrofes: o sujeito poético, desperto pelo pedido de ajuda da
vendedeira vai dispersar-se pela observação do mundo à sua volta.

O Sentimento dum Ocidental

"Ave-Marias"

1. Elementos que contribuem para o ambiente: sombras, bulício, Tejo, maresia; céu, gás,
edifícios, chaminés, cor; adjetivos ou equivalentes; baixo, de neblina, extravasado,
monótona, londrina. 1.ª estrofe, 4.º verso. Sofrimento, angústia e desespero.
2. No poeta (o desespero); pelas edificações emadeiradas/gaiolas e os
carpinteiros/morcegos (opressão); as varinas apinham-se num bairro onde miam gatas/E
o peixe podre gera focos de infeção (miséria).
3. Plano do real: os carros de aluguer e a via férrea.
Plano do irreal: o verbo "ocorrer"/lembrar é o suporte do pensamento ou do sonho
(passado). Apenas os que se vão = felizes noutros países; a metáfora de "ir" = libertar-
se. De novo, o plano do irreal: evocou o passado glorioso, não de outros países, mas do
próprio Portugal.
4. A comparação: "como viveiros", "semelham-se" e "como morcegos"; metáfora: "ao cair
das badaladas".
5. O poeta entra ("embrenho-me a cismar") na miséria moral - boqueirões e becos e lança
o olhar ao largo, no horizonte, donde regressavam as naus da glória e agora apenas
chegam "botes".
6. Hotéis da moda/bairro aonde miam gatas; tinido de louças e talheres/às portas enfadam-
se os lojistas; o fim de tarde, ao poeta, incomoda: vazam-se os arsenais e as oficinas,
apressam-se as obreiras, mas em terra tinem os talheres.

Noite Fechada

Prisão e denúncia social: os loucos "loucuras mansas" e a prisão de mulheres "Aljube".

Depressão: "aneurisma/Tão mórbido me sinto…/À vista das prisões, da Velha Sé, das
Cruzes,/Chora-me o coração que se enche e que se abisma".

Recriação poética da lua: vv.9-12.

Evocação do Passado: as sombras das igrejas recordam-lhe o mundo da Inquisição "um ermo
inquisidor severo".

Hipálage: "saudoso largo", "sinos dum tanger monástico e devoto".

Anticlericalismo: v.14.

Contraste Presente/Passado: o Passado ainda o afronta "Muram-me", "Afrontam-me".


Evocação de Camões: recorda novamente um passado de glória, associado ao povo e ao mar
13

"num recinto público vulgar,/Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,/Brônzeo,


monumental, de proporções guerreiras,/Um épico de outrora ascende, num pilar!"

Contraste entre palácios e casebres: v.28.

Referência à cólera e à febre: vv.25, 26.

A repressão: os soldados e as patrulhas de cavalaria, defensores sombrios da ordem social.

Contraste social: entre as elegantes, que se podem dar ao luxo de gastar com o supérfluo
"montras dos ourives" e as costureiras e floristas que têm de trabalhar à noite no teatro para
sobreviverem "muitas delas são comparsas ou coristas".

Solidão do Poeta versus o convívio dos emigrados: vv.41-44.

Autorretrato irónico: contraste entre a sua soturnidade, a sua inquietação e a aparente


despreocupação dos emigrados que jogam dominó. A sua "luneta de uma lente só" pode levá-lo
a ter uma visão limitada do real mas pode também demonstrar que há sempre causas de revolta
na realidade objetiva.

Ao Gás

Copulativa: liga à continuação da descrição da cidade "E saio".

Opressão crescente: "moles hospitais" cria uma atmosfera de alucinação, opressão e histeria:
"A noite pesa, esmaga".

Associações: prostitutas/hospitais "impuras… hospitais" e comércio/igreja "lojas… catedral"


como se fosse uma catedral profana a rua das prostitutas com as impuras, doentes e as lojas
cheias de tentações.

Paralelismo entre o Profano e o Religioso: vv.5-10.

Anticlericalismo e denúncia da falsa prática religiosa: novamente abordado sob o ponto de


vista da repressão "As burguesinhas do Catolicismo/ Resvalam pelo chão minado pelos canos;/E
lembram-me, ao chorar dolente dos pianos,/As freiras que o jejum matavam de histerismo".

Contraste doença/saúde: 1.ª e 4.ª estrofes.

Hipálage: "moles hospitais, lojas tépidas".

Função criadora do artista: vv.17, 18.

Metáfora: "grande cobra" pérfida, enganadora, falsa.

Ligação metonímica: ambas são uma imitação, uma expressão da sociedade vaidosa e falsa.

Ironia: vv.27, 29.

Contraste compradores/vendedores: vv.25-36.

A cidade é gradualmente abandonada à solidão: vv.37-40.


14

Miséria na cidade e miséria no ensino - melancolia notuma: diferenças sociais entre as lojas
e o ratoneiro, a lúbrica pessoa, a velha de bandós e o velho professor de latim.

Imagens: "Um forjador maneja um malho, rubramente" (Visual); "de uma padaria exala-se,
inda quente,/Um cheiro salutar e honesto a pão no forno." (Olfativa), contrasta com as estrofes
anteriores - o povo sempre como o único autêntico e honesto.

Sentimentos expressos: espanto e escárnio, solidão - "E aquela velha de bandós…


meckemburgueses" a esterilidade sufocadora dos flocos de pó-de-arroz".

Horas Mortas

Desejo de fugir: vv.1-4 "transmigrar".

Caracterização da cidade prisão: embora ainda enclausurante a cidade já não esmaga pois já
permite o sonho "a quimera azul"; confirma a prisão fantasmagórica da cidade - "Por baixo, que
portões! Que arruamentos!/Um parafuso cai nas lajes, às escuras:/Colocam-se taipais, rangem as
fechaduras,/E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos".

Expressividade da linguagem: substantivos e verbos expressivos.

Associação entre os olhos das estrelas e os da caleche: vv.3 e 8.

Contraste entre a pesada fixidez das estruturas confinantes da cidade e a fragilidade


etérea das notas da flauta: "Dupla correnteza augusta das fachadas;/infaustas e trinadas,/As
notas pastoris duma longínqua flauta" emblema da libertação associada com o campo.

Associação ruas retas/linhas retas da pauta: vv.9-10.

O amor só é possível em liberdade: vv.17-24.

O presente é morte, o futuro poderá ser vida: "Se eu não morresse nunca! E
eternamente/Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!/Esqueço-me a prever castíssimas
esposas,/Que aninhem em mansões de vidro transparente!" mas ela só é possível nas gerações
futuras "Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,/Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!/Eu quero
as vossas mães e irmãs estremecidas,/Numas habitações translúcidas e frágeis".

Associação aves/sonhos: um sonho equivalente ao passado heroico, navegar de novo nas


"vastidões aquáticas", fugir ao aprisionamento da cidade - "Que de sonhos ágeis,/Pousando".

Desfalecer da esperança: a renovação da vitalidade criadora é impossível na cidade "Mas se


vivemos, os emparedados… tabernas".

Aprisionamento e doença da cidade e espaço citadino favorável às desgraças: escuridão


"Nebulosos corredores", esterilidade "Sem árvores, no vale escuro das muralhas", miséria "uns
tristes bebedores", solidão "Amareladamente, os cães parecem lobos", "guardas que revistam",
"imortais… Tossem, fumando" e morte "prédios sepulcrais".

Metaforização das ruas: v.29.

Circularidade simbólica do poema: vv.37-40.

Dor pessoal torna-se a dor da humanidade: vv.41-44.


15

Visão do mundo: às avessas, prédios com a dimensão de montes, a dor que campeia, a cidade
que aterra e arrasa.

Você também pode gostar