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Cesário Verde

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO LITERÁRIA

♥ REALISMO (século XIX) ♥ NATURALISMO (inícios do século XIX)

✦ Negação da emoção romântica e da ✦ Acentua as características científicas


arte pela arte; do realismo;
✦ Análise do real como um filtro da ✦ Obra como meio de demonstração
verdade absoluta, de testes científicos;
✦ Crítica do homem; ✦ Implica uma posição combativa de
✦ Condenação do que houver de mau análise dos problemas da decadência
na sociedade;
social, depravação de usos e costumes,
✦ Noção de justo em substituição do
preocupação por aspetos patológicos,
conceito de belo.
desvios de comportamentos.

Características da poesia de Cesário:


- Tom anti declamatório e antirromântico;
- Objetividade na observação da realidade;
- Poetização do real e do quotidiano;
- O tédio e o desejo de evasão;
- O rigor poético;
- A valorização dos sentidos;
- Os contrastes sociais chocantes;
- Crítica social da era industrial.

REPRESENTAÇÃO DA CIDADE E DOS TIPOS SOCIAIS

A cidade surge como um espaço que se opõe ao campo, um espaço paradigmático da modernidade.
Contudo, também é vista como um símbolo de opressão e destruição tanto para o sujeito poético como
para os populares que para aí se deslocam em busca de melhores condições de vida (na sequência do
enorme êxodo rural naquela época). Em contrapartida, o campo é perspetivado como um local de
liberdade, vitalidade, ânimo, expressão idílica do amor, não sendo idealizado, mas descrito de forma
realista e concreta.
Mesmo nos poemas que se concentram no espaço citadino, o campo é referido como o local onde o ser
humano se orienta para uma vida harmoniosa e natural, e que a vida na cidade o desumaniza.
A oposição (dicotomia) cidade/campo alarga-se também ao campo amoroso: enquanto a cidade está
associada à ausência, impossibilidade ou perversão do amor, o campo representa a possibilidade de
vivência plena dos afetos.
As próprias figuras femininas da obra de Cesário Verde associam-se a esta dicotomia: o eu poético
sente-se atraído por dois tipos opostos de mulher:
- A mulher fatal: figuras femininas que se enquadram perfeitamente no espaço citadino; pertencem a
um estrato social superior ao do sujeito poético e ostentam riqueza e elegância; suscitando no sujeito
poético ambiguidade e, enquanto o seduz, provoca nele um sentimento de revolta;

- A mulher frágil e inocente: personagens simples, inocentes, frágeis e desamparadas, que não se
enquadram no espaço urbano (visto como local de corrupção); a vulnerabilidade desta figura feminina
desperta no eu o instinto de proteção, o desejo de se redimir das suas faltas e de levar com ela uma
existência honesta e tranquila.

No que diz respeito aos tipos sociais representados, existe claramente um sentimento de empatia do
sujeito poético em relação aos elementos das classes mais baixas. Com efeito, é feita uma crítica às
condições degradantes em que os elementos do povo viviam. A injustiça social denunciada na poesia de
Cesário torna-se mais gritante pelo contraste que nela se estabelece entre o labor permanente dos
elementos do povo, que é visto como a força ativa da sociedade, e ócio que caracteriza as classes
dominantes.

DEAMBULAÇÃO E IMAGINAÇÃO: O OBSERVADOR OCASIONAL/ACIDENTAL

Cesário Verde representa nos seus versos a cidade (e o campo) através do registo de perceções
sensoriais: embora predominem as referências visuais, o eu lírico caracteriza também o espaço urbano
pelas constatações que lhe chegam através do ouvido, do olfato e do tato. Em várias situações essas
sensações cruzam-se em sinestesias.

A caracterização da cidade é feita enquanto o eu lírico caminha pelas ruas, anotando em movimento o
que vê, ouve, cheira e sente. O facto de deambular, de se deslocar no espaço, permite-lhe uma perceção
dinâmica e um conhecimento mais completo da realidade urbana, na medida em que passa por vários
lugares e encontra diferentes personagens. Contudo, o sujeito poético não se contenta a apresentar a
realidade “como ela é”, de forma objetiva. Ele coloca a sua subjetividade nessa descrição e fá-la
acompanhar de insinuações apreciativas e de comentários avaliativos.

O olhar subjetivo sobre o real e a cidade concretiza-se em vários casos numa representação imaginativa
das figuras, dos elementos e dos espaços que são descritos.

Esta é uma técnica de representação do real que se propicia à análise e à crítica social: através da
comparação, da metáfora e da imagem condena-se a desumanização do trabalho quando se encontram
semelhanças entre os calceteiros e os animais de carga.

Por outro lado, a imaginação criativa e a subjetividade do sujeito poético manifestam-se também na
utilização da técnica impressionista para representar a realidade. Tal sucede quando a caracterização de
um lugar ou de uma personagem é inicialmente definida por características suas (normalmente
associadas à luz e à cor) que o observador perceciona para só num segundo momento esse elemento ser
identificado.

A imaginação do sujeito lírico também é responsável por trazer para o presente alusões ao passado da
cidade, seja esse passado glorioso ou sombrio (dicotomia passado/presente).

Esta imaginação poética contribui, então, decisivamente para dar significado (valorização, crítica,
sentido, etc.) à realidade que o sujeito poético descreve, através da interseção, do cruzamento de
diferentes planos: objetivo e subjetivo, realidade e imaginação, ou presente e passado.
PERCEÇÃO SENSORIAL E TRANSFIGURAÇÃO DO REAL

Na poesia de Cesário, há um sujeito poético que se encontra em permanente deambulação e cujo olhar,
à semelhança de uma câmara de filmar, vai captando imagens, como instantâneos cuja rápida sucessão
é por vezes sugerida através do recurso ao assíndeto (omissão de conjunções coordenativas). Assim, a
visão desempenha um papel fundamental nestes poemas.

Olhar e ver, ouvir e entender, cheirar e apreciar, eis aí como que um dos pontos de partida da arte
poética do autor. Os cheiros, os sons, as cores e, nalguns outros casos, as impressões táteis conjugam-
se, mas sempre em termos de uma irremediável frustração.

A sua poesia é marcada pelo sensorialismo, dado às sensações, sobretudo visuais, mas também
provenientes de outros sentidos. Também é frequente a perceção sinestésica, típica do sensorialismo
impressionista.

No entanto, a par de uma visão objetiva do real, em poemas que constituem longas deambulações pela
cidade ou pelo campo, apresenta-nos Cesário marcas de intervenção subjetiva e transfiguradora (fugas
imaginativas no espaço e no tempo (desejo de evasão), imaginação pictórica, quase “surrealista”), uma
perceção subjetiva da realidade objetiva.

O IMAGINÁRIO ÉPICO

A estrutura narrativa do poema articula-se com a manifestação de uma progressiva entrada numa
Lisboa noturna de que todos os sinais de agitada vida ativa se vão pouco a pouco evaporando, para a
deixar liberta a todos os fantasmas do passado e do futuro que o presente consigo transporta.

“O sentimento dum ocidental” é predominantemente um poema lírico, na medida em que representa a


vivência de um eu poético numa cidade moderna do mundo ocidental. Contudo, o poema contém
marcas que recordam o estilo épico, mas que acabam por o subverter (ou seja, por o contrariar). Essas
características emergem logo por se tratar de um poema longo (44 quadras; 11 quadras em cada parte)
com um forte pendor narrativo, como sucede numa epopeia: o eu poético relata o seu percurso pela
cidade.

Mais ainda, esse sujeito podia estar a celebrar Lisboa e a vida dos seus habitantes; mas, na verdade, está
a criticá-la: a cidade é um lugar decadente, sem brilho nem valor. No presente do eu poético, a viagem
que se pode fazer já não é a das Descobertas, plena de aventura, mas a fuga, a evasão para outro lugar
diferente. Os personagens que povoam a cidade moderna já não são os heróis militares, cívicos,
políticos e artísticos de outrora, mas sim decadentes como burgueses ou gente que trabalha
mecanicamente, que não trazem estatuto épico à cidade.

Na deambulação noturna de Cesário existe apenas a ancoragem num lugar imaginário e futuro.
LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA

♥ ESTRUTURA

Cesário Verde investe grande cuidado na busca da perfeição formal dos seus poemas. Em termos de
estrutura estrófica, este recorre frequentemente à quadra, sejam os poemas longos ou curtos, mas
também revela o gosto pela quintilha.

Quanto à métrica, a preferência de Cesário incide nos versos alexandrinos (verso de 12 sílabas métricas)
e nos decassílabos. Sendo estes versos mais extensos, eles permitem ao poeta, de forma mais
descontraída, descrever a cidade e refletir sobre as perceções que dela tem.

Nos poemas constituídos por quadras, encontramos rima cruzada/interpolada (abab) e emparelhada
(abba). As quintilhas estruturam-se, geralmente, num tradicional e ritmado abaab.

♥ LINGUAGEM E ESTILO (RECURSOS EXPRESSIVOS, USO EXPRESSIVO DO ADJETIVO E ADVÉRBIO, ...)

Cesário trouxe para a poesia uma nova linguagem, menos retórica e menos elevada, contendo um
discurso pouco ornamentado e pouco rebuscado que contrasta com a retórica pesada e sentimental de
alguma lírica romântica. Cesário socorre-se de vocábulos e expressões da vivência citadina, sobretudo a
que se associa ao povo.

A lírica de Cesário Verde aproxima-se da prosa não apenas pelo seu tom coloquial e anti declamatório,
mas também pelo uso do verso longo.

Ainda assim, a poesia de Cesário não é despida de recursos expressivos:

+ comparação e metáfora: de forma a propor semelhanças entre aspetos da cidade (e os seus


habitantes) e outros elementos que são sentidos ou criticam.

+ enumeração: associada ao caráter descritivo de alguns dos seus poemas, onde ele elenca elementos
do real para depois analisar ou criticar; estas contribuem para criar o efeito de que o eu poético procura
representar a totalidade do real;

+ sinestesia: resulta do processo de captação de sensações para a caracterização da vivência do local;

+ hipérbole: surge para representar, de forma expressiva e gritante, alguns aspetos da cidade;

+ hipálage: surge na atribuição, a um objeto, de características ou emoções que a outro pertencem;

+ adjetivação;

+ estrangeirismos.

O adjetivo, ao surgir antes do nome, adquirindo, assim, um significado para além do literal, assume uma
forte expressividade e representa uma tentativa de definir com rigor o elemento que caracteriza.

No caso do advérbio, também utilizado de forma surpreendente e muito expressiva, traduz


engenhosamente a condição faminta e enferma destes animais que erram pela cidade.

A utilização destes dois e o uso da subjetividade destas classes de palavras representa, em vários
momentos, uma técnica de pintura impressionista aplicada à literatura.
A aproximação entre a poesia e a pintura afirma-se também pelo facto de Cesário explorar uma
linguagem plástica com um forte apelo visual, e cultivar o recurso expressivo da imagem com um
acentuado valor simbólico.

♥ IMPRESSIONISMO ✦ associação de imagens inesperadas e


experimentalismo vocabular.
✦ valorização da impressão captada, da
perceção imediata; ♥ MODERNISMO

✦ carácter fragmentário e fugaz das sensações ✦ poetização de todo o real, incluindo a sua
e perceções; vertente mais sombria;

✦ transfiguração poética do real; ✦ temáticas modernistas: tédio existencial, o


“desejo absurdo de sofrer”, o desejo de evasão
(no tempo, no espaço, na imaginação, no onírico).

✦ importância da cor e da luminosidade, em quadros ao ar livre;

✦ anteposição das características do objeto à sua definição;

✦ sobreposição das sensações.

“O Sentimento dum Ocidental”

> Poema Longo: quarenta e quatro quadras (quatro partes, compostas simetricamente por onze
quadras, constituídas por um verso decassílabo, seguido de três alexandrinos; relativamente à rima,
apresenta versos interpolados e emparelhados)

> O poeta deambula pela cidade de Lisboa desde o anoitecer até à madrugada. Vê, sente e descreve os
males da civilização ocidental, urbana e industrial.

> O poeta faz uma viagem no tempo e no espaço: - começa perto do Tejo e vai-se embrenhando na
cidade; - inicia o seu percurso, ao fim da tarde, e termina já de madrugada.

> Estruturação.

● I - Avé-Marias (18h) + o poeta descreve o movimento da cidade ao cair da noite, que desencadeia a
sua reflexão e introspeção;

● II - Noite Fechada + o poeta percorre a cidade de noite, reparando nos movimentos e luminosidade
das ruas. Intensifica-se a descrição das sensações negativas do sujeito poético.

● III - Ao Gás + o poeta sente-se oprimido perante os cenários de miséria e degradação circundantes.

● IV - Horas Mortas + o poeta deambula por uma cidade às escuras. Deseja a perfeição e eternidade,
alenta-se com uma possível aliança ao coletivo e ao sonho de uma raça futura, euforia que pouco dura.
Termina num tom disfórico que abarca todo o coletivo.

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