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I
Ave-Marias
Dá-se início à primeira parte – «Ave Marias» – procedendo-se à localização espacial
e temporal da deambulação do sujeito poético : digressão pelas ruas da cidade de Lisboa,
iniciada ao final do dia. Pelo uso do determinante possessivo « nossas», constatamos que
o eu lírico é português e que procura incluir o leitor na sua viagem solitária.
O ambiente citadino e a sua agitação são referidos na enumeração presente em
«Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia». Estes aspetos despertam, no sujeito
poético, «um desejo absurdo de sofrer».
Através da sinestesia («as sombras, o bulício») e do recurso constante a expressões
reveladoras da sensação visual («o céu parece baixo», «Toldam-se d’uma cor monótona,
londrina»), o sujeito poético mostra -nos, por um lado, a agitação dominante na cidade e,
por outro, os tons cinzentos que cobrem o céu lisboeta, que intensificam o seu desejo de
sofrimento. Com o recurso à sensação olfativa, presente nas expressões «maresia» e «o
gás extravasado enjoa-nos», o sujeito lírico revela-nos o mal-estar físico crescente que o
domina.
O uso do adjetivo «Felizes» bem como a exclamação têm como objetivo mostrar
que aqueles que abandonam a cidade, que fogem dela viajando de comboio, estão alegres,
sugerindo que a fuga da cidade é motivo de felicidade, já que o espaço citadino se
descreve como um ambiente castrador e fechado.
Faz-se a enumeração gradativa de diferentes capitais da Europa (até ao Báltico),
geograficamente cada vez mais distantes da capital portuguesa, culminando na expressão
«o mundo». Essa enumeração revela um desejo de evasão física por parte do sujeito lírico,
que inveja aqueles que fogem da realidade castradora da cidade mais ocidental da
Europa.
Os hotéis da moda e a suas loiças remetem para uma nova classe social – a burguesia – e
denunciam momentos de ociosidade que contrastam com a dureza e a sujidade
características do trabalho dos operários anteriormente descritos: os carpinteiros e os
calafates, o que demonstra a crítica sociomoral presente em «O sentimento de um
ocidental».
Prossegue a descrição do ambiente citadino ao final do dia.
III
Ao Gás
Dá-se início à terceira parte do poema, «Ao gás», que corresponde ao momento da
noite em que se começam a acender os lampiões públicos. Na época, estes eram
iluminados individualmente por mão humana.
Prossegue a deambulação do eu, que agora sai da «brasserie», restaurante
elegante, onde tinha entrado, como é referido na estrofe final de «Noite fechada».
A sensação avassaladora da cidade vai -se intensificando à medida que a noite
avança, como se o «sufoco» sentido ao final do dia fosse aumentando e ganhando corpo
com a passagem do tempo («A noite pesa, esmaga.»).
A alusão ao lado marginal da noite com um novo tipo social (as prostitutas) permite
evidenciar a decadência e a degradação moral da cidade. Estas mulheres são as primeiras
vítimas do peso esmagador da noite, vendo-se privadas da sua dignidade humana. É de
salientar o emprego expressivo da forma verbal «arrastam -se».
Ocorre nova transfiguração poética do real, associando -se o comércio destinado à
burguesia à religião, uma vez que as lojas levam o sujeito poético a idealizar uma catedral.
No fundo, é também uma crítica a uma sociedade que começa a adotar em relação ao
consumo uma postura veneradora (como se estivesse perante um altar).
Prossegue a denúncia sociomoral, ao comparar-se as «burguesinhas do catolicismo»
com freiras oprimidas por jejuns e, consequentemente, dominadas pelo histerismo. É um
outro efeito do presente decadente nas habitantes da cidade.
IV
Horas Mortas
Os espaços vão-se reduzindo cada vez mais, o que contribui para a sensação de
encarceramento vivenciada na cidade, cuja noite intensifica ainda mais as sensações, de
tal modo que as próprias caleches (carruagens) sugerem algo fantasmagórico.
Impõe-se um outro lado da noite: a criminalidade (a população protege -se dos
possíveis assaltos - «Colocam-se taipais, rangem as fechaduras»).
O sujeito lírico alude ao ambiente campestre (« notas pastoris»), que surge como
paradigma de libertação, em oposição à clausura da cidade.
A alusão aos guardas «que revistam as entradas» tem duas funcionalidades: por um
lado, são agentes de segurança, que fazem frente à criminalidade presente; por outro,
parecem também trancar a cidade em si, sugerindo, assim o facto de esta ser um espaço
fechado, que enclausura os seus habitantes.