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A leitura que Jean Starobinski faz do mesmo poema difere da anterior desde o

ponto de partida. Na apresentação de seu livro “A melancolia diante do espelho – Três


leituras de Baudelaire” o autor mostra como seu estudo partiu de um tema específico, a
melancolia.
O percurso de análise, bem como seu objetivo é apresentado ao leitor: “Pareceu-
me frutífero confrontar os textos dos poetas e dos teóricos da literatura com certo número de
representações pictoriais. E, sobretudo a conjunção que a tradição filosófica estabelece entre
melancolia e reflexão incitou-me a examinar o tema da melancolia diante do espelho e a atentar, no
domínio literário, ao motivo da figura inclinada” É a partir deste estudo que a obra de Baudelaire
surge como “testemunho” e o poema “O Cisne” é abordado. O autor detém-se portanto na
melancolia em seus aspectos mais gerais, histórico e literários.
O texto introduz o poeta como “companheiro íntimo” do tema. Chama atenção
para o desgaste que o termo “melancolia” sofria devido ao uso excessivo naquele tempo.
Baudelaire inovou ao evitar o emprego da palavra e ainda assim “designar o mesmo mal”.
O fez através de “deslocamentos”, por exemplo, lexicais; o “Spleen” (significa baço,
originado na teoria dos quatro humores) aparece com ênfase em Flores do mal,
predomina nos títulos e nomeia a seção primeira: “Spleen e ideal”. Tal “desvio” se tornou a
maneira particular do poeta dizer sua melancolia, segundo Starobinski.
Antes de falar do cisne propriamente, o poema “Tous imberbes alors” é
mencionado, não a toa a expressão “Melancolia ao meio dia” ocupa lugar de título no
capítulo em questão. A imagem criada aproxima o momento em que a luz, supostamente
fonte de alegria, proporciona a sensação de sonolência e lentidão, característica
associada ao comportamento do melancólico.
Ele menciona que no passado a melancolia alegorizada aparecia em forma de
uma mulher velha, vestida de negro, ao passo que em Baudelaire, desde Delacroix, ela já
teria aspectos de jovem. Não só a forma de mulher, mas também figuras antropomórficas,
objetos, ou aspectos do mundo; tudo isso são representações já feitas, bem aproveitadas,
mas não de uso exclusivo do poeta. Para ele, Baudelaire dialoga com a representação
tradicional de maneiras variadas. O conhecimento que expressou em sua criação seria
não só subjetivo, mas também formal da melancolia e seu repertório histórico iconológico.
Um exemplo de destaque interessante a interpretação do teórico, é a associação
da melancolia ao olhar voltado para a imagem refletida, atitude que remeteria ao narciso,
como também o faz um personagem literário que debruça para chorar no “poço de sua
melancolia”. Daí o espelho como elemento importante, pois “não há melancolia mais profunda
que aquela que se ergue, diante do espelho, face à evidencia da precaridade, da falta de profundidade
e da vaidade irremediável”.
O autor localiza diferentes cenas na obra de Baudelaire em que a presença da
melancolia personificada é precedida por um espelho. Mais que isso, a melancolia
também aparece enquanto ideal de belo: “ Não quero dizer que a Alegria não possa se associar à
Beleza, mas sim que a Alegria é um de seus ornamentos mais vulgares – ao passo que a melancolia é,
por assim dizer, sua ilustre companheira, a tal ponto que não concebo um tipo de beleza em que não
haja Infortúnio”
Remete-se a Aristóteles, para afirmar que “o melancólico é aquele que, melhor que os
outros, pode se elevar aos mais altos pensamentos” . Mas para o autor, haveria aí uma
duplicidade pois “de um lado, o espírito melancólico sobe aos céus num êxtase de intuição
unificadora, de outro, o melancólico busca solidão, se entrega à imobilidade, se deixa invadir pelo
torpor e pelo estupor do desespero”. Haviam imagens em não se podia distinguir entre tristeza
estéril (vazio) e meditação fecunda (saber pleno). No entanto, isso não seria
necessariamente contraditório: “exaltação ou abatimento: essa dupla virtualidade pertence a um
mesmo temperamento, como se cada um desses estados extremos fosse acompanhado pela
possibilidade do estado inverso”. Daí a significação ambígua que pode assumir a figura
inclinada, as vezes com a cabeça apoiada na mão, como corpo que pesa, espírito
ausente (exílio ou pátria).
Os objetos sobre o qual se debruçam os personagens melancólicos seriam
justamente emblemas do efêmero… “o olhar fixa o insubstancial, o perecível: sua própria imagem
refletida”. Diferente pois, do olhar do espectador, que deveria “elevar-se na direção
oposta”, já que “o artista que representa esses personagens quer que os vejamos tomados pelo
sentimento da morte e por pensamentos imortais”.
Em Baudelaire, o motivo da figura inclinada tal qual a melancolia, aparecem em
“O Cisne”, “a partir desses elementos antigos, que beiram o lugar-comum” no entanto não
deixa de ser “um quadro de novidade surpreendente” pois, é “ligado a valores afetivos
fundamentais que, a cada época, os artistas e os poetas a reformulam em sua verdade”.
“O Cisne”, que Starobinski chama de o “grande poema da melancolia”, consistiria
no ato de pensar (em contrapartida ao vazio, anteriormente referido) “conjugado” à
imagem da figura inclinada. O espelhamento, por sua vez, seria o recurso para que tal
união se intensificasse. Neste caso, o pensamento do eu-lírico se voltaria para o ser
“longínquo, imaginário” de Andrômaca, que é também habitada pela reminiscencia
(pensamento) de uma terra distante, por sua vez convertido em dor.
O crítico remete-se ao ensaio de Schiller, Poesia ingênua e sentimental,
afirmando que Baudelaire, em seu contexto, foi o melhor exemplo do que se classificou
como “elegia sentimental”. Segundo Schiller, o poeta da sentimental “reflete sobre a
impressão que os objetos lhe causam” e por isso “tem que lidar com duas representações e
sensações conflitantes, com a realidade enquanto limite e com sua Ideia enquanto infinito”. Na elegia,
por sua vez, a natureza (por ser perdida) e ideal (não atingido) seriam objetos de luto. O
título “Slpleen e Ideal”, por exemplo, se aplicaria por completo nesta explicação.
Todos aqueles pensamentos aflorados inesperadamente no início do poema
aconteciam quando se atravessava a cidade reformada. O momento e o lugar presente
fora repentinamente “superposto” por uma memória de um passado marcado pela
destruição (uma perda, portanto um luto).
O autor chama atenção para uma possível equivalência entre a sequência
desencadeada no poema dos tempos/lugares, com as idades da poesia (desde a antiga,
passando pela clássica, a romântica até a moderna). Para ele, uma personagem poética
(Andrômaca) ser a primeira reminiscencia de uma série de outras, todas “irreais”, seria
uma sugestão de que aquele pensamento “num ímpeto de intensa compaixão”, dirigira-se
a um “engodo”. Se trataria também de um “pesar”, manifesto por uma harmonia
impossível de se alcançar na modernidade, já que, como formulou Schiler, há conflito
entre “realidade limite” e “ideia infinita”.
Sobre a divisão do poema em duas partes, a leitura do crítico propõe, seguindo
sua linha interpretativa, a existência de um “espelhamento”. O movimento de análise do
poema também seguirá esta lógica, sempre contrapondo uma parte à outra. Na primeira
parte, o aparecimento de Andrômaca é seguido pelo do cisne, ambos acompanhados pelo
marcador temporal “jadis” (em francês), um “outrora”. Na segunda parte, por sua vez, a
invocação do mesmo “outrora” aparece sequencialmente em ordem inversa, configurando
assim uma estrutura espelhada: Andrômaca/Cisne, Cisne/Andrômaca.
A violência se esconderia ao máximo em um primeiro momento, ao passo que
depois “o pensamento obstina-se em torno de imagens rememoradas, aferra-se a elas para absorvê-
las e, no mesmo ato, para agravar e ampliar as causas do sofrimento”. O cisne, na segunda parte,
aparece enfatizado pelo possessivo: “meu grande cisne” e seguido da antítese “ridículo e
sublime”. “As imagens especulares dão lugar a um cúmulo de crueldade e um assomo de
compaixão”. O pesar de Andrômaca, em sua segunda invocação é somado por diversas
outras opressões, detre as quais, a do próprio poeta oprimido por aquela “imagem”, e de
diversos outros que o seguem.
Sobre as reiteradas aparições da formulação “Je pense”, ele observa que é
conjugada sempre no tempo presente, no entanto, ao aparecer na segunda parte,
também suscitaria “o retorno do pensamento sobre os próprios passos” pois se reiteraria
o passado (primeiro verso do poema: Andromaque, je pense à vous!) atestando-o também
no presente, com a invocação de novas imagens.
O “je pense”, também operaria uma multiplicação das figuras que se desenvolvem
do singular para o plural: primeiro a negra (magra e tísica), até chegar a “tantos outros
mais”. O que leva o autor a concluir que estes outros “ arrastando o pensamento rumo à
suspensão e à indeterminação, fazem que o poema, em seu último verso, se abra como um trecho de
música sem cadência conclusiva e sem retorno à tônica. Como se o poema, tendo evocando as
‘cornijas esboçadas’, se apresentasse ele mesmo em estado de esboço…”
Enfatizando o aspecto especular do texto, Satrobinski situa na primeira estrofe da
segunda parte, o eixo sob o qual a simetria se daria: a rima Melancolia/ Alegoria realçada
seria o primeiro indício do lugar estratégico que este trecho ocupa no poema. Tal trecho
replicaria os versos 7-12 da parte anterior. Por exemplo, a correspondência entre: “Paris
muda!” e “A velha paris não existe mais!”; ou nas “lembranças mais pesadas que uma
rocha” da segunda parte, que seria uma versão intensificada do que antes fora visto
“apenas em espírito” (parte 1).
Mas se a estrutura especular está vinculada a melancolia, é necessário que o
autor identifique também tais aspectos que fundamentam a experiência melancólica. E é
isso que ele faz, pois a “perda do sentimento de correlação entre seu tempo interior e o movimento
das coisas exteriores”, próprio do melancólico que “sente que tarda em responder ao mundo,
imobilizado por um obstáculo exterior” é precisamente o que geraria o descompasso na
velocidade que “uma vila” (Paris) muda, e a capacidade que “um coração de mortal” tem
para acompanhar.
A respeito do plano de fundo histórico, que envolve mudanças sociopolíticas
profundas e também na paisagem urbana, e sobre o qual tanto se debruçou a explicação
de Oehler, Satarobisnki diz que se deve “levar em conta”, mas “seria um engano reduzir o
poema a isso”. De alguma maneira, ele já parte disso como conhecimento pressuposto do
leitor (e certamente da crítica literária) remetendo em nota a existência uma tradição de
leitura Benjaminiana.
Propõe então a possibilidade de uma inversão de lógica: “As destruições e
reconstruções do urbanismo de meados do século XIX, com sua mistura de monumentalismo e função
representativa, serão uma das causas do spleen e do sentimento de exílio? Ou serão evocadas porque
o sentimento melancólico não descansa enquanto não encontra um objeto sobre o qual exercer seu
trabalho, afixando o sentido de perda sobre toda imagem que consinta em oferecer-lhe, em troca, uma
justificativa de seu próprio luto?”
Após isso, persiste no desenvolvimento sobre a tradição iconológica onde,muitas
vezes personificada, a melancolia aparece rodeada de objetos díspares, dentre eles
“obras interrompidas, ou um campo de ruínas semeado de vestígios monumentais”. A
confusão causada pela mistura entre esboços e detritos geraria um caos que o autor
relaciona com o “trabalho alquímico” do poeta para que sua obra chegue a perfeição.
Neste caso, “a pior das melancolias” consistiria “em não poder seguir adiante e deixar-se
capturar pelo bricabraque”.
E desenvolve: “Baudelaire, assombrado pela dificuldade do trabalho, assolado pelos
fantasmas da fragmentação, não está ausente do cenário que vê ‘en esprit’ e que dota de valor
alegórico. Assim o verbo ‘voir’, fazendo eco ao ‘je pense’, põe em movimento um trabalho de
representação que resultará no pleno desdobramento de um ‘quadro parisiense’. Duplo quadro, de vez
que se trata a um só tempo de uma Paris de ‘jadis’ (outrora) e também do ‘nouveau Carroussel’. A
cena que se construirá graças à repetição insistente do ‘je vois’ retomará, em certo sentido (ainda que
negativo: o exílio), todos os elementos oferecidos pelo acaso e pelo caos. Assim traçado, o quadro
acabará por recompor o que se oferecia e continua a se oferecer sob o aspecto da decomposição”.
A referência aos “Quadros Parisienses” é uma ponte para comparação que o
autor faz (recorrendo à pintura de Delacoix) das figuras de Baudelaire em relação a seu
fundo. O “campo de barracas” onde o cisne se dispõe no poema, “pano de fundo” que os
olhos alcançam e depois se eleva a outro imaginário, com figuras clássicas de epopeias,
como a própria Andrômaca.
Mas o “Simeonte mendaz” aparece como uma imagem degradada do rio da
“grand époux”. Não restará no cenário do cisne mais que “água das poças”, haveria um
esgotamento em que se chega então a um “córrego sem água”. As imagens degradantes
teriam seu efeito de “colisão” e “derrisão” potencializados por um recurso fonético: a rima
(considerada derrisoria) entre “baraques” e “fleues”, com Andromaque (bric-à-brac), bem
como a frequência do som /k/ e uso recorrente de oclusivas (como em “gross blocs” e
“brillant”).
Seguindo o desencadeamento do poema, chega-se à cena de uma “certa manhã”
em que a figura do trabalho aparece alegorizada. Embora aqui, tal leitura não se oponha à
de Oehler, é curioso notar como da mesma cena são extraídas outras observações de
natureza completamente diferente. Neste caso, o foco é plástico: a brancura do cisne,
“sob os céus frios e claros” é oposta a uma “sombria tormenta” levantada pelos
varredores. A oposição de contrários simultaneamente (trevas e luz, claro e escuro) seria
um recurso pictórico que se repetiria em “negra magra e tísica” em contraste com a
“muralha intensa do nevoeiro”. Do ponto de vista textual, o recurso utilizado, é a figura do
oximoro.
A imagem do cisne na gaiola é apresentada como “soberbo emblema da
melancolia”. Menciona então, o quadro de Virgil Solis como exemplo em que uma mulher
inclinando a cabeça sob as mãos está acompanhada de um cisne e diversos signos
(típicos da representação melancólica). Chama atenção ainda para a coincidência entre o
“pavimento seco” e “céu frio” com a secura e frieza que caracterizam a melancolia na
teoria dos humores. A secura do pavimento é retomada em uma sede e privação de
ordem metafórica: “órfãos negros fenecendo como as flores”, “córrego sem água”. A
segunda parte “acentuará ironicamente com o amargo prazer que consiste em mamara as
tetas da ‘Dor’ ou em matar a sede com ‘lágrimas’”.
O poeta, ao cruzar o “novo Carroussel” só recorda do cisne por via de Andrômaca
“e por obra de uma fecundação operada pelo ‘pequeno córrego’ avolumado pelas lágrimas de uma
grande viúva: o encadeamento associativo passa pelo mais longínquo” . Haveria portanto um
paradoxo pois “essa fecundação, comparável àquela que torna ‘fértil’ a terra do Egito” , produz “o
espetáculo de sede e aridez (em uma cidade atravessada por um rio)” . Além do paradoxo, também
se daria uma inversão entre a “cabeça ávida” da “besta” (cisne) em contraste com
Andrômaca “curvada em êxtase sobre um túmulo vazio”.
Outro aspecto que o autor compreende em sua análise é uma “dimensão de
verticalidade” criada pelo cisne em sua postura “indicando uma falta, uma ausência no
céu”. O gesto do animal “estendendo seu bico ávido” seria “qualificado ironicamente” pelo
trecho “homem de Ovídio”, o que Starobinki chama de “exaltação clássica da verticalidade
humana”. Também destaca a rima em “tombeau vide” e “Ovide” que resultaria em um
sentido compartilhado. Por fim, lembra que Ovídio é um exilado e atesta que Baudelaire
tinha conhecimento para fazer uso poético disso (recorren a outro poema como exemplo).
A falta de chuva que o cisne clama diante do céu “irônico e azul” de “um coração
que anseia pelo lago natal”, se assemelharia ao que ocorreu no começo com a “memória
fértil”. Daí o autor parte para uma observação importante para sua interpretação “A
plenitude é atribuída a um desejo assombrado pela imagem do que lhe foi subtraído. Os contrários são
complementares, mas não se completam senão para melhor dizer que toda plenitude está ligada à
falta e que toda falta é fonte de um ‘êxtase’ paroxístico”.
Se detém ainda na figura de Ovídio citada pelo poema pois “o cisne” de
Baudelaire seria uma paródia deste, em que o homem que busca o divino não obtém
nenhuma resposta. E caso existisse um Deus, seria ele alvo de “censuras”.
A súplica “água quando cairás como chuva? Quando ressoarás, trovão?” é
proferida pelo cisne, mas não pelo poeta com quem a sede é compartilhada
pateticamente. Tal fala, que consuma a personificação do Cisne, “mito estranho e fatal”,
seria o que definiria conclusivamente o status de alegoria ao bicho: “Ele figura a perda, a
separação, a privação, a vã impaciência” . A nostalgia pela perda de algo insuperável, teria
nesta distância uma analogia com aquela da alegoria entre “imagem ‘concreta’,
significante” e “abstrata, ‘significada’”. A coincidência entre “cygne” (cisne) e “signe”
(signo) é um pretexto para, nas palavras dele “invocar o elemento arbitrário da língua para ler a
homonimia como sobredeterminação de tipo freudiano” como fizeram outros comentadores do
poema.
Da alegoria, se afirma que possui uma natureza dupla: de um lado, ela consistiria
em um sentido “espiritual”, um encontro banal “em sua literariedade contingente”, ou seja
“a coisa vista” (cisne fugido) é lida também como figura da nostalgia e do sentimento de
exílio. Por outro lado, confere a “entidades abstratas” uma figura “materializada,
encarnada, quase visível”, então a “Dor” se tornaria uma “loba bondosa” enquanto
“tradução imagética e reminiscencia mitológica”.
Em ambos os casos de alegoria, há um “desdobramento de sentido”, Starobinski nota
a possibilidade de uma “dupla interpretação” e aposta que Baudelaire fez sua escolha: “a
alegoria manifesta uma superabundância, ela revela as múltiplas ‘correspondências’ que rodeiam o
objeto real – ou então as inumeráveis formas sensíveis em que cada entidade real pode encarnar” . A
razão para isto, se fundamentaria diretamente na história de destruição na paisagem
urbana, o que seria de certo modo “retração da realidade”. Pa o crítico, mesmo sendo de
modo “superabundante”, a alegoria se daria no poema paradoxalmente: “a fim de dizer o exílio
e a nostalgia que clamam por reparação. Reúnem-se assim duas versões da alegoria (leitura do real e
encarnação das ideias) e a dupla interpretação que esta pode receber: excesso, ou falta”
A estrofe eixo do poema alegoria/melancolia, antecipada por “blocs” (pedra) e
seguida de “rocs” (rochas), pra além da rima monossilábica, geraria efeito imobilizador,
tanto quanto “nada em minha melancolia mudou”. A hipérbole que faz as lembranças “mais
pesadas que rocha” também seria algo comum na melancolia representada pela tradição. “A
alegoria seria o cúmulo da melancolia: um meio de conjurar a passagem do tempo e as imagens da
destruição, certamente, mas ao custo de paralisar toda a vida, lançando sobre si mesmo e sobre o
mundo um olhar de Medusa…”
O pensamento, entretanto, se move no poema “de alegoria em alegoria”. Assim é
gerado “um movimento evocativo” (je pense…) “que se desenvolve até o extremo de deixar o
poema em aberto, numa suspensão irritante” resultando em uma petrificação que não se
consuma, embora se afirme (“e talvez tenha sido afirmada justamente para ser conjurada”).
O “je pense” retomaria o ímpeto anunciado “não seria (…) uma tomada de fôlego
que reanima a consciência, inaugurando um tempo liberador?”. Mais uma vez, o autor se
detém no sentido que e expressão adquire quando repetida “Todos os ‘je pense’ do
poema dirigem se a seres desafortunados”. Neste sentido, a dedicatória inicial a Victor
Hugo (em exílio) serve de prenúncio, tal qual as “preposições de direção” que indiciariam
o mesmo. Daí, o remate do autor: “o movimento do pensamento não se detém na atribuição de
um sentido alegórico às figuras visíveis. Ele se move sobretudo na direção de certos seres a fim de
reuni-los no conjunto sempre em aberto dos ‘exilados’. Não se trata, pois, de uma simples enumeração
de figuras homólogas: as várias figuras podem se justapor sem que, por isso, cada qual deixe de
comparecer como se tivesse sido descoberta por um novo ímpeto de compaixão” (cita o trecho final
em que todos os oprimidos são invocados)
Finalmente, quanto ao verso em aberto “… e em tantos outros mais” é por ele
interpretada como “uma fratura” que faz do poema “um objeto análogo às colunas em ruínas” ,
como as que se encontra frequentemente ao redor de alegorias clássicas com
personagens melancólicos. Ou ainda: “pode ser entendida como signo da não limitação do
movimento e compaixão que quer expandir-se. Tão logo se dirige a alguém que sofre, o pensamento
entrevê ‘outros mais’”
A última estrofe apresenta uma mudança entre a cidade transformada do início do
poema onde o poeta se sentia em exílio, mas no fim seu “espírito” imagina-se exilado
numa floresta, como fuga voluntária e “a essa nova versão do exílio corresponde uma nova
versão da memória. Antes líamos ‘pequenas lembranças pesadas como rocha’, agora se exalta ‘uma
Lembrança’, com a maiúscula alegorizante”.
“a lembrança não se petrificou, antes parece dotada de uma vida musicalizada; e, à opressão
da imagem sucede a plenitude da respiração” o peso da melancolia não é apagado, porem “o peso
nefasto foi suplantado por uma fluidez sonora” – viaaaage co’as palavra véi. Conclusion
+1 > MEU

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