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ALVES, Cilaine. O Belo e o Disforme: Álvares de Azevedo e a Ironia Romântica.

São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 1998.

Forma Romântica e o Psicologismo Crítico – João Adolfo Hansen


● Politicamente, o byronismo sofre o expurgo nacionalista: é modismo, importação
de ideias, ornamento oco, artificialismo que não reflete o Próprio do lugar.
Biograficamente, os efeitos poéticos de angelismo e devassidão são lidos sem a
mediação das convenções mais ou menos perversas dos lugares-comuns do
mal-de-século, e Manoel Antônio ora é uma recalcada casta diva, ora um depravado
Don Juan. (ALVES, 1998, p. 10)
● Seu descabelamento patético, ingênuo ou sentimental é um reflexo adequado do
local? Não importa, propõe a autora, pois é mais pertinente reconstituir o uso
prático da apropriação do byronismo como instrumento crítico, em 1850, quando o
“nacional” em poesia era uma ideologia em formação. (ALVES, 1998, p. 11)
● Quando se é romântico, a forma expressa a reflexão da sua própria essência.
Friedrich Schlegel propôs que a poesia é auto-reflexão infinita; logo, que a forma
poética não é meio para o conteúdo, mas expressão negativa dos limites da
consciência aquém do Todo. Como se sabe, a prática romântica da poesia é
idealista; nega o presente da experiência histórica e afirma a Forma absoluta.
(ALVES, 1998, p. 11)
● Como negação do finito e melancolia da contemplação do Todo ausente, a
consciência romântica da forma é irônica. “Binomia” é o trabalho de dois princípios
opostos, elevação e rebaixamento, que figuram os processos de negação do finito
pela consciência voluptuosamente infeliz. (ALVES, 1998, p. 12)
● A essência do humor, dizia Schlegel, é a reflexão. A “binomia” torna indefinido o
sentido total do expresso, pois as oposições tendem a unificar-se, teoricamente,
apenas no infinito indizível e figurado como sublime. (ALVES, 1998, p. 12)
● O gênio é Cain-Manfred-Don Juan, tipo em que convergem um diabo da negação,
um titã do ideal e um peregrino das sensações. A mescla estilística figura as
variações do seu ânimo proteiforme e visionário, dividindo-as entre o sublime ideal
inefável e o grotesco da sua experiência filtrada pelas formas finitíssimas da
mercadoria. (ALVES, 1998, p. 13)
● A aceleração que os românticos imprimem ao processo auto-reflexivo do misto
poético impede que a consciência do leitor se fixe em qualquer objeto particular
figurado. O mundo objetivo se liquefaz, náusea, tédio, que escorrem interpretados
com a exasperação da falta de sentido do ato mesmo de expressá-la. All was tainted
with myself, como diz Keats, não se fixando em nada, o gênio assume o diabolismo
da indeterminação. (ALVES, 1998, p. 13-14)
● Cilaine Alves demonstra que, nos poemas de Álvares de Azevedo, a expressão
dessa intuição sem conceito definido resulta de meios técnicos muito determinados.
[...] Presente nas antíteses a unidade utópica e apenas aludida do Conteúdo com
Todo além da fragmentação prática [...]. (ALVES, 1998, p. 14)
● Tudo em Álvares de Azevedo é imaginado como expressão dupla desse Todo
ausente. A forma, como um exprimir que é um espremer sensível do sentimento dos
limites de si mesma, é imediatamente indeterminada à medida que o poema
distribui os assuntos pelos registros estilísticos mesclados. [...] Figura a própria
gênese do poema nas metáforas, hipérboles e antínteses típicas do “sistema dual”
que torna possível a unidade apalpada pela intuição, pluralizada pela imaginação e
nadificada pela ironia. (ALVES, 1998, p. 14)
● Personagens como Penseroso e Macário, revoltados contra a finitude porque
saudosos da plenitude impossível de si mesmos na Totalidade ausente, vivem a
religiosidade vazia, típica também de ateus peregrinos do ideal, como os devassos
de Noite na Taverna. (ALVES, 1998, p. 14-5)
● O poema é a imediatez da expressão; [...] Produzindo a forma como incompletude,
o poeta também produz a ficção retórica da falta de retórica do que é dito,
compondo-a como estrutura a ser recebida como ausência de estrutura. (ALVES,
1998, p. 15)
● A supervalorização dos primeiros termos das oposições significou a escolha
deliberada das técnicas produtoras de indeterminação que marcam toda a arte
romântica com o “sentimento do indefinido” diagnosticado por Hegel. (ALVES,
1998, p. 15)
● Schiller advertiu que a simples expressão do pathos não é suficiente, pois seria
preciso evidenciar a liberdade moral do sujeito-poeta como domínio racional e
distanciado da dor. O autodilaceramento da poesia de Álvares de Azevedo é só
patético, ou seja, schillerianamente má poesia? Conforme a autora, a liberdade
exterior da vida estudantil do rapaz, embora estereotipada pelo melhor kitsch
romântico, [...] é uma metáfora da liberdade interior da sua imaginação dialógica ou
binômica, que o torna um poeta dramático. A revolta e o fim trágico de seus
personagens resulta da impossibilidade de realizar a poesia num mundo em que a
arte é mercadoria. Logo, seria utópica a pose blasé dos blue devils do
rapaz-estudante. Homóloga da duplicidade de sua poesia, teria a função de aludir a
mundo ideais, contrapondo-os à vida da sociedade liberal-escravista. A mesma
utopia, negada no Império regido pelo valor de troca, apareceria poeticamente
deslocada e dividida da auto-reflexão infinita da consciência irônica de seus
personagens, como tédio, angústia, humor negro e ambiguidades eróticas. (ALVES,
1998, p. 16-17)
● Na chave schilleriana de sua leitura, a “binomia” figura três espécies de dicção
como cenas para a consciência infeliz da contradição liberal. A primeira delas é
declaradamente idealista e busca no mito a solução de contradições. A segunda,
como ironia byroniana, critica o ideal por meio de outros mitos de transgressão.
Relativizando o ideal sem obter nenhuma síntese, dramatiza a oposição de
princípios. A terceira pesquisa nas figurações de estilo baixo a possibilidade de
transcender o cotidiano, concebendo o grotesco como maneira inesperada do
sublime ou, ainda, como transcendência na imanência mesma da realidade baixa.
(ALVES, 1998, p. 17)
● Ao teorizar a poesia como revelação fragmentária ou binômica do ideal, Álvares de
Azevedo a entende como potência alusiva de unificação de um “eu” não só
empírico, mas também transcendental. Sua obra figura o momento da comunhão
profunda de dois “eus”, o da enunciação poética e o do destinatário, pré-formados
no Eu ideal. Se a vida estilizada na poesia é insuficiente, a comunhão confessional
deles no patético tende a conciliá-la na metáfora da unidade mítica para além das
contradições. Aqui, novamente, o dispositivo retórico aplicado faz crer que não há
efeito, nem funcionamento e, mais ainda, que não há dispositivo retórico, apenas
“eus” na comunhão do “nós” do Conteúdo essencial. (ALVES, 1998, p. 17-18)
● A emissão e a recepção são lugares culturais de transformações e trocas simbólicas
em que a enunciação se faz ouvir como a particularidade de um padrão simbólico
que dramatiza determinado posicionamento poético quanto aos assuntos do tempo.
Por isso, a poesia de Álvares de Azevedo não expressa nenhum “sujeito”
psicológico unívoco, nem sequer representa sua “sociedade” com realismo,
entendidos os termos “sujeito” e “sociedade” como totalidades prévias. Ela
efetivamente produz posições de enunciação de “sujeitos” e situações, matérias e
temas sociais, como a regulação objetiva de trocas de informalidades sentimentais e
patéticas então idealisticamente unificáveis como expressões finitas do sujeito
transcendental. (ALVES, 1998, p. 19)
● Fazendo do poema a expressão particular de uma natureza já inscrita no sujeito de
enunciação e no destinatário, Álvares de Azevedo crê, como bom idealista, que o
significado precede o significante, coisa curiosamente “clássica” na separação
pensamento/linguagem que opera. Em sua poesia, por isso, o Conteúdo permanece
intotalizável, aquém da expressão, na natureza, na alma e na intuição, e além da
expressão, em Deus ou na Ideia. Em todos os casos, sempre infinito em relação às
forma finitas onde se manifesta dualmente. (ALVES, 1998, p. 19)
● É que a poesia de Álvares de Azevedo aparece como kistch, quando se considera o
modo como constitui o destinatário. Ele implica o apagamento do uso dos padrões
estilísticos byronianos que o tempo transformou em chavões hoje lidos como
inépcia poética. (ALVES, 1998, p. 20)
● Obviamente, em 1850, quando o poeta escrevia, as noções de “liberdade de
expressão”, aplicada então para etiquetar os autores como “gênios”, e a de
“ausência de regras e modelos”, realizada pelas obras como informalidade estética
da inspiração genial, pretendiam ser, enquanto se integravam ambiguamente nele, a
recusa genérica do novo mundo fundado com as revoluções burguesas do século
XVIII, Hobsbawn já o evidenciou. (ALVES, 1998, p. 20, 21)
● As noções postulavam a possibilidade de uma mercadoria ímpar, a “originalidade”.
[...] Por outras palavras, as noções românticas de “liberdade de expressão” e
“ausência de regras” eram livre-corrência também nas artes. [...] Por meio da ironia,
seu titanismo demiúrgico unificava na analogia poética o que sua sociedade
produzia em separado; ao mesmo tempo, dissolvia o que nela aparecia como
unificado. (ALVES, 1998, p. 21)
● Refratando o ideal, é identificável ao trabalho da emoção pateticamente
transfigurada e transfiguradora como emoção do esforço. A emoção do esforço,
porém, é só o esforço da emoção, isto é, emoção apenas poética e retoricamente
construída, consistindo na hiperbolização estilizadora do gesto social iluminado de
tipos visionários. Como técnica, aqui a poesia opera como uma supervisão, no
sentido forte do termo, pois o “eu” poético se expressa sabendo a situação
predeterminada dos lugares sociais a que se dirige. (ALVES, 1998, p. 22)

Introdução
● Adotando ipsis litteris a concepção romântica da arte como criação espontânea e
natural do “gênio” e, ao mesmo tempo, esquecendo-se de que tal concepção é antes
uma convenção própria desse período, esses estudos interpretam os poemas de
Álvares de Azevedo sobretudo como expressão de sua psicologia. Da tendência a
compreender a vida pela obra e vice-versa derivou o hábito de definir a poética
alvaresiana por expressões – tais como “desvelamento” da natureza do
inconsciente, manifestações edipianas – que dificultam a delimitação dos princípios
estéticos sobre os quais ele ela se assenta. (ALVES, 1998, p. 26)
● Como o texto auto-reflexivo, que prioriza sobretudo os recursos da construção
poética, a polarização entre consciência angelical e perversa – percebida
psicologicamente pela crítica como reflexo de uma personalidade dividida – deriva
antes de um sistema poético deliberadamente concebido que de ingênuas
manifestações do inconsciente. (ALVES, 1998, p. 26)

A recepção de Álvares de Azevedo na crítica brasileira


A crítica psicobiográfica
● O fato de Álvares de Azevedo ter previsto sua morte, a recorrência com que ele a
tematizava e sua preferência por temas mórbidos e melancólicos contribuíram para
criar grande confusão em torno de sua obra, fazendo com que muitos estudiosos se
esquecessem de que estavam tratando de literatura e passassem a tomar Álvares de
Azevedo não como um poeta, mas como um paciente típico do gabinete de doutor
Sigmund Freud. O determinismo psicológico fundamentou – desde a sua morte até
há pouco tempo – várias análises de sua poesia (em detrimento de uma outra
fundamentada na obra poética propriamente dita) e criou à volta do autor uma aura
de pessoa congenitamente melancólica. Assim, é comum encontrar estudos cujo
enfoque principal é “o caso clínico Álvares de Azevedo”. (ALVES, 1998, p. 30)
● Nessa vertente da crítica determinada pelo fator psicobiográfico, destacam-se duas
características. Até o momento em que Mário de Andrade introduz sua análise
freudiana, os estudos críticos de cunho psicológico ainda não eram feitos sob à luz
das descobertas da teoria psicanalítica. Assim, até mais ou menos por volta de
meados de 1930, os estudos críticos faziam considerações gerais sobre a vida e a
personalidade do poeta para ressaltar, na obra, manifestações de seu comportamento
psicológico. [...] Para privilegiar, em suas análises, suas preferências teóricas, que
muitas vezes não condizem com o texto poético. (ALVES, 1998, p. 30)
● A comparação entre esses dois poemas [canção do exílio e canção do sertanejo],
contudo, fornece um exemplo da exagerada preocupação do crítico romântico de
inserir Álvares de Azevedo, a qualquer preço, na tradição lírica brasileira, pois os
dois poemas não possuem sequer remota semelhança. (ALVES, 1998, p. 32)
● Ao lado da melancolia, outro tema eminente e caro ao movimento romântico
universal, tratado de maneira deslocada na análise de Joaquim Noberto, é a ironia.
Ele a compreende não como um artifício da construção poética, mas como uma
característica própria do temperamento do poeta. (ALVES, 1998, p. 33)
● Marcando as predileções intelectuais desses estudiosos, no entanto, teremos aí um
Álvares de Azevedo visto à luz dos princípios básicos do cientificismo materialista
do século XIX que norteavam tal crítica. Um dos maiores representantes desse
período, Sílvio Romero, ao adotar o materialismo científico como instrumento de
análise literária, irá censurar, com veemência, não apenas a poesia de Álvares de
Azevedo, mas o movimento romântico em geral. (ALVES, 1998, p. 34)
● Sendo a realidade o alvo da arte, a alegria extrema e extrema tristeza são estados
excepcionais e portanto transitórios. A realidade se espelha no equilíbrio, que é a
própria humanidade. Um dos maiores crimes do romantismo, aos olhos do jovem
autor, parece ser a melancolia, com a qual desvirtuou a poesia. (ALVES, 1998, p.
35)
● Para Sílvio Romero, porém, além da melancolia, a adoção de temas e
procedimentos duais inerentes à sua obra é apenas uma emulação do estrangeiro.
Assim, a contradição entre uma atitude lírica idealista e outra irônica, entre a
volúpia e a ausência de consumação amorosa, enfim, todos os procedimentos
ambíguos e contraditórios adotados nessa poesia – denominados pelo poeta de
"binomia" – são tratados por Sílvio como um fruto da má formação intelectual do
poeta, já que a dubiedade é uma atitude que não condiz com a ciência positivista.
(ALVES, 1998, p. 36-37)
● Assim, as contradições que marcam essa poesia serão valoradas, na interpretação da
obra de Álvares de Azevedo, de um modo absoluto e negativo, servindo, então, de
fio explicativo para muitos dos procedimentos estéticos ali adotados [...]. Apesar
das censuras, o mérito da reflexão de Sílvio Romero acerca de Álvares de Azevedo
reside no fato de perceber esse dualismo que o próprio poeta convencionou chamar
no prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos de "binomia", ou seja, a divisão
da consciência lírica. (ALVES, 1998, p. 37)
● [...] A literatura, para José Veríssimo, deveria assumir um papel pedagógico, já que
caberia a ela a função de restaurar, nas obras, as deficiências culturais e sociais por
meio da assimilação da essência de nossa nacionalidade, isto é, através da história e
da etnologia do Brasil. (ALVES, 1998, p. 38)
● De acordo com ele [José Veríssimo], apesar de não serem patriotas nem tampouco
se preocuparem com a formação de uma literatura nacional, o nacionalismo de
Álvares de Azevedo e seus colegas de geração pode ser encontrado na linguagem
poética de suas obras. (ALVES, 1998, p. 40)
● [...] Certos preceitos, típicos do ideário romântico – predomínio da emoção sobre a
razão ("sinceridade de sentimentos") –, são transformados, na análise de José
Veríssimo, em expressões da "alma nacional". (ALVES, 1998, p. 40)

A Binomia Estilística
● Enquanto na fundamentação de um “mundo visionário e platônico” a imitação
remete a esferas elevadas, ideais e inapreensíveis, após essa exposição a
representação busca retratar, de forma diametralmente oposta, os elementos
sensíveis do cotidiano prosaico, interpretando-os na chave de uma estilística baixa.
Apesar de conceber o ato da criação de modo ambíguo, por meio de formas
distintas, o alvo perseguido, nos dois casos, é ainda o mesmo: encontrar a essência
da unidade poética, seja ela pensada do ponto de vista da construção artística, seja
da perspectiva de uma unidade do seu criador. (ALVES, 1998, p. 129)
● Fundindo metaforicamente natureza e criação poética, as imagens configuradoras
de conceitos como pureza, essência e espiritualidade dão pistas para a
caracterização desse modelo poético. [...] As metáforas referente à natureza
procuram aqui exprimir o belo de forma vaga e indefinida. Ressaltam-se, assim, o
originário e o primitivo, destacando lugares ainda não tocados pela mão humana.
Através de termos que visam o misterioso e o indizível, essas imagens remetem à
ideia de “poesia pura” como enigma [...]. (ALVES, 1998, p. 130)
● Nesse sentido, a binomia – “as duas faces da mesma moeda”, isto é, o fazer poético
ambíguo – determina duas posturas distintas do sujeito. Num primeiro momento,
visando garantir os meios de executar satisfatoriamente a poesia “pura”, o eu
poético, em busca de unidade espiritual, produz um movimento de ascensão da
alma. (ALVES, 1998, p. 131)
● Desistindo, porém, de realizar seu programa poético de pendor idealista, constrói,
num segundo momento e numa operação inversa, diversas experiências de vida que
acabam por dissolver a unidade do ser, dividindo-o, heteronimicamente, em várias
consciências. A presença dessas duas posturas nucleares na poética de Álvares de
Azevedo, por isso, uma consciência que, tomada em sua infinitude, se representa na
imensidão do cosmo e, em seguida, uma outra que, assentada na existência, reflete
as limitações que o sensível impõe ao infinito pensamento criador. (ALVES, 1998,
p. 132)
● Ao formular os seus próprios princípios de beleza, Schiller considera a Crítica do
Juízo kantiana insuficiente para a determinação de princípios reguladores para a
arte, pois, para ele, esta carece de fundamentação objetiva. Para Schiller, as
representações do belo devem ser não na “ordem do ser”, mas na experiência⁷.
Movido pela convicção de que uma teoria sobre a arte deve possuir critérios
normativos, Schiller assenta a sua doutrina sobre conceitos empíricos, ou melhor,
nos conflitos da razão com a experiência. (ALVES, 1998, p. 135)
● Nessa versão, o fim supremo da arte é o livre entretenimento. Compreendido,
porém, como distinto di prazer físico, que nunca pode ser elevado à condição de
arte [...]. Schiller sustenta que a arte sustenta no homem um jogo entre o impulso
sensível – “um conceito que significa todo o ser material e toda a presença imediata
dos sentidos” – e o impulso formar – “um conceito que compreende todas as
disposições formais dos objetos e todas as suas relações com as faculdades de
pensamento”⁸ (ALVES, 1998, p. 135).
● Assim, a contemplação da arte apresenta-se como um jogo lúdico que,
compreendido grosso modo como um equilíbrio entre esses dois impulsos [sentidos
e reflexão formal], confere liberdade moral ao homem. (ALVES, 1998, p. 135)
● Ao rejeitar uma postura poética de caráter apenas suprassensível – voltada para a
busca de esferas infinitas –, procurando, por outro lado, outro tipo de conduta
pautada por uma aproximação com as esferas sensíveis do cotidiano, Álvares de
Azevedo parece defender a teoria schilleriana do livre jogo entre a imaginação e a
razão, a natureza sensível e espiritual [...]. (ALVES, 1998, p. 136)
● Ao direcionar sua obra para representação da natureza sensível e corpórea do
homem, Álvares de Azevedo propiciou uma abertura para a incorporação de
experiências conflituosas do cotidiano, tais como a boêmia literária, a pobreza
material do poeta, o anonimato etc. Nesse sentido, se no primeiro momento todos
os esforços da consciência poética passavam ao largo da sua natureza sensível –
vista, então, como um impedimento ao homem espiritualmente unitário –, no
segundo momento as duas faculdades passam a ocupar o centro da representação.
Nesse caso, a exploração das características sensíveis e a atenção a sujeitos
empíricos visam também atingir a essência do sujeito poético. (ALVES, 1998, p.
137)
● No entanto, Álvares de Azevedo irá divergir de Schiller quanto à apreciação do
aspecto moral da arte. Para Schiller, caso fossem formuladas teorias acerca do
entretenimento e da arte “resultaria que um livre entretenimento, como produz a
arte, repouse inteiramente em condições morais, dêle participando tôda a natureza
moral do homem” ¹² (ALVES, 1998, p. 137-8).
● Confundindo a moralidade do pensamento formal com a imposição social de
valores, o autor de O Conde Lopo sustenta que a imoralidade de uma obra não a
impede de ser bela, já que autores clássicos, como Horácio e Ovídio, produziram
belas obras imorais. Para Álvares de Azevedo, a obra deve ser julgada, portanto,
não pelo que contém de imoral, mas pelo critério da beleza. (ALVES, 1998, p. 138)
● Pensada inicialmente como um rompimento com a vida moderna, a necessidade de
alcançar uma unidade para a consciência poética – dividida pelas contradições
percebidas no reino do humano – realiza-se mediante a representação do sublime.
Como se pudesse tocar uma esfera assentada no mito e tomando como ponto de
partida planos considerados “baixos” – como indicadores do corpo físico –, o
movimento de elevação da alma parte do “baixo” rumo ao elevado, do grotesco
rumo ao sublime. (ALVES, 1998, p. 138)
● [...] A consciência poética introduzida na Lira… procura dissolver padrões
unificadores seja de ideologias vigentes, seja dos princípios que antes
reivindicavam integridade poética própria. [...] Na definição de sublime feita por
Schiller, o desacordo ou a idéia de um misto ocupam um lugar principal. Nessa
conceituação, o sublime, compreendido com a arte de comover, consiste, sobretudo,
em provocar prazer através da dor [...]. (ALVES, 1998, p. 139)
● No arrebatamento provocado pelo sublime, a comoção ou a dor que nos contagia
decorreria de nossa impotência na apreensão de um determinado objeto. O
sentimento de prazer suscitado pela comoção, por sua vez, decorreria da
superioridade dos nossos “impulsos formais” que nos impelem a resistir às forças
irracionais, fazendo da luta da sensibilidade com a razão uma via de superação de
nossas limitações. Pensado como um sentimento misto, o sublime não é apenas uma
espécie de inadequação que fere nossa sensibilidade, mas consiste também numa
adequação às leis da razão [...]. (ALVES, 1998, p. 139-140)
● Em uma das teorias mais antigas de que se tem notícia e de que os românticos, na
teorização do sublime, se apropriaram, o Tratado do Sublime, do Anônimo, hoje
comumente conhecido como Longino, o sublime é um discurso de estilo elevado
que consiste na grandeza da alma do homem que despreza os bens materiais que
possui. (ALVES, 1998, p. 140)
● As idéias do Anônimo, segundo Brandão, opunham-se às tendências ativistas da
época, preocupadas em colocar “a correção gramatical e a pureza da linguagem
como qualidades supremas do discurso”¹⁷. Para Anônimo, entretanto, a pureza
gramatical prejudica a elaboração do discurso sublime, pois ao se “preocupar
demasiadamente em não errar, o escritor desviará sua atenção daquilo que
realmente deve ser sua preocupação, a expressão da grandeza e do sublime”.¹⁸
(ALVES, 1998, p. 141)
● Desse modo, mesmo fornecendo regras de elaboração do sublime que se destinam a
evitar vícios, como a frieza e afetação, o Anônimo sistematiza a fonte desse estilo
literário na razão, já que ele implicaria, na apreciação de todos e sempre, uma
concordância. (ALVES, 1998, p. 141)
● Schiller, por sua vez, apesar de assentar os princípios de sua teoria na experiência,
desloca-a para moralidade, centralizando também a representação do objeto estético
na razão, isto é, na faculdade sistematizadora. Assim, distintamente do objeto dito
belo em que essas duas faculdades se harmonizam, do terror nascido do conflito
entre os impulsos sensíveis e a faculdade racional, isto é, da resistência de nossas
forças morais às naturais, revela-se o sublime [...] (ALVES, 1998, p. 142)
● “Lembrança de Morrer” é um poema de forma discursiva monologada. Dado seu
conteúdo fúnebre, assemelha-se a uma carta de suicida, remetida a familiares e
amigos, que procura dar sentido a um ato. Pensando, porém, como Émile
Benveniste, para que o monólogo é um “diálogo interiorizado” entre um “eu
locutor” e um “eu auditor”, o poema em foco foi plasmado como um monólogo
dialogado, já que, aí, o enunciado ora se dirige para um receptor hipotético, externo
ao locutor, ora toma como alvo do discurso o próprio enunciador, tornando-o seu
auditor²².(ALVES, 1998, p. 147)
● Ao afirmar que o sublime provoca prazer através da dor, já que expressa a relação
da natureza moral de um ser humano com sua natureza sensível, Schiller despreza,
quase completamente, as orientações normativas da tradição, introduzindo
elementos filosóficos, eminentemente subjetivos na perspectiva clássica.(ALVES,
1998, p. 149)
● O gênero lírico, ao contrário [do dramático], expressa o estado de espírito, ou uma
“disposição anímica”, como profere Emil Staiger, do poeta que, abandonando-se à
sua inspiração e sem qualquer vestígio de intencionalidade, não reproduz nenhum
fato, mas antes apresenta os sentimentos íntimos do sujeito num mundo intemporal.
(ALVES, 1998, p. 150)
● Como um subgênero do drama, a sátira exige observância de regras próprias à
convenção dramática. Entre elas, destaca-se, no poema em foco [“Lembrança de
Morrer”], a abertura do discurso para fora do eu poético impedindo, com isso, sua
inserção no gênero lírico propriamente dito. Assim, ao se dialogizar, o discurso
simula, implicitamente, outras vozes que mimetizam, por exemplo, o público leitor
indiferente às convicções literárias do poeta. (ALVES, 1998, p. 150)
● Schiller classifica a sátira como um subgênero do drama, já que ela permite que se
retratem duas situações espaço-temporais distintas: uma realidade que se pressupõe
ideal e outra que se opõe à concretização desse ideal, como mundo da existência e o
futuro projeto num tempo Ideal [...]. (ALVES, 1998, p. 151)
● O lamento que se que se quer patético, por outro lado, não pode, segundo Schiller,
desprover-se de conteúdo interno. O conflito entre a realidade adversa e o Ideal não
pode ser transformado num mero jogo arbitrário de fantasia poética. Nesse caso, a
dor prevaleceria sobre a razão, enfraquecendo a nossa compaixão [...]. (ALVES,
1998, p. 151)
● Para que possa arrebatar o coração, a representação do pathos deve adequar-se a
uma determinação da razão, isto é, deve remeter a um objeto moral. Convicto de
que somente a razão, e não a mera representação do sentimento, pode comover o
coração. Schiller enfatiza que no sublime patético, enquanto a sensibilidade se
ocupa da dor, a razão possui a função de resistir a ela. Dessa resistência revela-se a
transcendência humana que, libertando-se da dor, se torna moralmente enriquecida
[...] (ALVES, 1998, p. 152)

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