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São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 1998.
Introdução
● Adotando ipsis litteris a concepção romântica da arte como criação espontânea e
natural do “gênio” e, ao mesmo tempo, esquecendo-se de que tal concepção é antes
uma convenção própria desse período, esses estudos interpretam os poemas de
Álvares de Azevedo sobretudo como expressão de sua psicologia. Da tendência a
compreender a vida pela obra e vice-versa derivou o hábito de definir a poética
alvaresiana por expressões – tais como “desvelamento” da natureza do
inconsciente, manifestações edipianas – que dificultam a delimitação dos princípios
estéticos sobre os quais ele ela se assenta. (ALVES, 1998, p. 26)
● Como o texto auto-reflexivo, que prioriza sobretudo os recursos da construção
poética, a polarização entre consciência angelical e perversa – percebida
psicologicamente pela crítica como reflexo de uma personalidade dividida – deriva
antes de um sistema poético deliberadamente concebido que de ingênuas
manifestações do inconsciente. (ALVES, 1998, p. 26)
A Binomia Estilística
● Enquanto na fundamentação de um “mundo visionário e platônico” a imitação
remete a esferas elevadas, ideais e inapreensíveis, após essa exposição a
representação busca retratar, de forma diametralmente oposta, os elementos
sensíveis do cotidiano prosaico, interpretando-os na chave de uma estilística baixa.
Apesar de conceber o ato da criação de modo ambíguo, por meio de formas
distintas, o alvo perseguido, nos dois casos, é ainda o mesmo: encontrar a essência
da unidade poética, seja ela pensada do ponto de vista da construção artística, seja
da perspectiva de uma unidade do seu criador. (ALVES, 1998, p. 129)
● Fundindo metaforicamente natureza e criação poética, as imagens configuradoras
de conceitos como pureza, essência e espiritualidade dão pistas para a
caracterização desse modelo poético. [...] As metáforas referente à natureza
procuram aqui exprimir o belo de forma vaga e indefinida. Ressaltam-se, assim, o
originário e o primitivo, destacando lugares ainda não tocados pela mão humana.
Através de termos que visam o misterioso e o indizível, essas imagens remetem à
ideia de “poesia pura” como enigma [...]. (ALVES, 1998, p. 130)
● Nesse sentido, a binomia – “as duas faces da mesma moeda”, isto é, o fazer poético
ambíguo – determina duas posturas distintas do sujeito. Num primeiro momento,
visando garantir os meios de executar satisfatoriamente a poesia “pura”, o eu
poético, em busca de unidade espiritual, produz um movimento de ascensão da
alma. (ALVES, 1998, p. 131)
● Desistindo, porém, de realizar seu programa poético de pendor idealista, constrói,
num segundo momento e numa operação inversa, diversas experiências de vida que
acabam por dissolver a unidade do ser, dividindo-o, heteronimicamente, em várias
consciências. A presença dessas duas posturas nucleares na poética de Álvares de
Azevedo, por isso, uma consciência que, tomada em sua infinitude, se representa na
imensidão do cosmo e, em seguida, uma outra que, assentada na existência, reflete
as limitações que o sensível impõe ao infinito pensamento criador. (ALVES, 1998,
p. 132)
● Ao formular os seus próprios princípios de beleza, Schiller considera a Crítica do
Juízo kantiana insuficiente para a determinação de princípios reguladores para a
arte, pois, para ele, esta carece de fundamentação objetiva. Para Schiller, as
representações do belo devem ser não na “ordem do ser”, mas na experiência⁷.
Movido pela convicção de que uma teoria sobre a arte deve possuir critérios
normativos, Schiller assenta a sua doutrina sobre conceitos empíricos, ou melhor,
nos conflitos da razão com a experiência. (ALVES, 1998, p. 135)
● Nessa versão, o fim supremo da arte é o livre entretenimento. Compreendido,
porém, como distinto di prazer físico, que nunca pode ser elevado à condição de
arte [...]. Schiller sustenta que a arte sustenta no homem um jogo entre o impulso
sensível – “um conceito que significa todo o ser material e toda a presença imediata
dos sentidos” – e o impulso formar – “um conceito que compreende todas as
disposições formais dos objetos e todas as suas relações com as faculdades de
pensamento”⁸ (ALVES, 1998, p. 135).
● Assim, a contemplação da arte apresenta-se como um jogo lúdico que,
compreendido grosso modo como um equilíbrio entre esses dois impulsos [sentidos
e reflexão formal], confere liberdade moral ao homem. (ALVES, 1998, p. 135)
● Ao rejeitar uma postura poética de caráter apenas suprassensível – voltada para a
busca de esferas infinitas –, procurando, por outro lado, outro tipo de conduta
pautada por uma aproximação com as esferas sensíveis do cotidiano, Álvares de
Azevedo parece defender a teoria schilleriana do livre jogo entre a imaginação e a
razão, a natureza sensível e espiritual [...]. (ALVES, 1998, p. 136)
● Ao direcionar sua obra para representação da natureza sensível e corpórea do
homem, Álvares de Azevedo propiciou uma abertura para a incorporação de
experiências conflituosas do cotidiano, tais como a boêmia literária, a pobreza
material do poeta, o anonimato etc. Nesse sentido, se no primeiro momento todos
os esforços da consciência poética passavam ao largo da sua natureza sensível –
vista, então, como um impedimento ao homem espiritualmente unitário –, no
segundo momento as duas faculdades passam a ocupar o centro da representação.
Nesse caso, a exploração das características sensíveis e a atenção a sujeitos
empíricos visam também atingir a essência do sujeito poético. (ALVES, 1998, p.
137)
● No entanto, Álvares de Azevedo irá divergir de Schiller quanto à apreciação do
aspecto moral da arte. Para Schiller, caso fossem formuladas teorias acerca do
entretenimento e da arte “resultaria que um livre entretenimento, como produz a
arte, repouse inteiramente em condições morais, dêle participando tôda a natureza
moral do homem” ¹² (ALVES, 1998, p. 137-8).
● Confundindo a moralidade do pensamento formal com a imposição social de
valores, o autor de O Conde Lopo sustenta que a imoralidade de uma obra não a
impede de ser bela, já que autores clássicos, como Horácio e Ovídio, produziram
belas obras imorais. Para Álvares de Azevedo, a obra deve ser julgada, portanto,
não pelo que contém de imoral, mas pelo critério da beleza. (ALVES, 1998, p. 138)
● Pensada inicialmente como um rompimento com a vida moderna, a necessidade de
alcançar uma unidade para a consciência poética – dividida pelas contradições
percebidas no reino do humano – realiza-se mediante a representação do sublime.
Como se pudesse tocar uma esfera assentada no mito e tomando como ponto de
partida planos considerados “baixos” – como indicadores do corpo físico –, o
movimento de elevação da alma parte do “baixo” rumo ao elevado, do grotesco
rumo ao sublime. (ALVES, 1998, p. 138)
● [...] A consciência poética introduzida na Lira… procura dissolver padrões
unificadores seja de ideologias vigentes, seja dos princípios que antes
reivindicavam integridade poética própria. [...] Na definição de sublime feita por
Schiller, o desacordo ou a idéia de um misto ocupam um lugar principal. Nessa
conceituação, o sublime, compreendido com a arte de comover, consiste, sobretudo,
em provocar prazer através da dor [...]. (ALVES, 1998, p. 139)
● No arrebatamento provocado pelo sublime, a comoção ou a dor que nos contagia
decorreria de nossa impotência na apreensão de um determinado objeto. O
sentimento de prazer suscitado pela comoção, por sua vez, decorreria da
superioridade dos nossos “impulsos formais” que nos impelem a resistir às forças
irracionais, fazendo da luta da sensibilidade com a razão uma via de superação de
nossas limitações. Pensado como um sentimento misto, o sublime não é apenas uma
espécie de inadequação que fere nossa sensibilidade, mas consiste também numa
adequação às leis da razão [...]. (ALVES, 1998, p. 139-140)
● Em uma das teorias mais antigas de que se tem notícia e de que os românticos, na
teorização do sublime, se apropriaram, o Tratado do Sublime, do Anônimo, hoje
comumente conhecido como Longino, o sublime é um discurso de estilo elevado
que consiste na grandeza da alma do homem que despreza os bens materiais que
possui. (ALVES, 1998, p. 140)
● As idéias do Anônimo, segundo Brandão, opunham-se às tendências ativistas da
época, preocupadas em colocar “a correção gramatical e a pureza da linguagem
como qualidades supremas do discurso”¹⁷. Para Anônimo, entretanto, a pureza
gramatical prejudica a elaboração do discurso sublime, pois ao se “preocupar
demasiadamente em não errar, o escritor desviará sua atenção daquilo que
realmente deve ser sua preocupação, a expressão da grandeza e do sublime”.¹⁸
(ALVES, 1998, p. 141)
● Desse modo, mesmo fornecendo regras de elaboração do sublime que se destinam a
evitar vícios, como a frieza e afetação, o Anônimo sistematiza a fonte desse estilo
literário na razão, já que ele implicaria, na apreciação de todos e sempre, uma
concordância. (ALVES, 1998, p. 141)
● Schiller, por sua vez, apesar de assentar os princípios de sua teoria na experiência,
desloca-a para moralidade, centralizando também a representação do objeto estético
na razão, isto é, na faculdade sistematizadora. Assim, distintamente do objeto dito
belo em que essas duas faculdades se harmonizam, do terror nascido do conflito
entre os impulsos sensíveis e a faculdade racional, isto é, da resistência de nossas
forças morais às naturais, revela-se o sublime [...] (ALVES, 1998, p. 142)
● “Lembrança de Morrer” é um poema de forma discursiva monologada. Dado seu
conteúdo fúnebre, assemelha-se a uma carta de suicida, remetida a familiares e
amigos, que procura dar sentido a um ato. Pensando, porém, como Émile
Benveniste, para que o monólogo é um “diálogo interiorizado” entre um “eu
locutor” e um “eu auditor”, o poema em foco foi plasmado como um monólogo
dialogado, já que, aí, o enunciado ora se dirige para um receptor hipotético, externo
ao locutor, ora toma como alvo do discurso o próprio enunciador, tornando-o seu
auditor²².(ALVES, 1998, p. 147)
● Ao afirmar que o sublime provoca prazer através da dor, já que expressa a relação
da natureza moral de um ser humano com sua natureza sensível, Schiller despreza,
quase completamente, as orientações normativas da tradição, introduzindo
elementos filosóficos, eminentemente subjetivos na perspectiva clássica.(ALVES,
1998, p. 149)
● O gênero lírico, ao contrário [do dramático], expressa o estado de espírito, ou uma
“disposição anímica”, como profere Emil Staiger, do poeta que, abandonando-se à
sua inspiração e sem qualquer vestígio de intencionalidade, não reproduz nenhum
fato, mas antes apresenta os sentimentos íntimos do sujeito num mundo intemporal.
(ALVES, 1998, p. 150)
● Como um subgênero do drama, a sátira exige observância de regras próprias à
convenção dramática. Entre elas, destaca-se, no poema em foco [“Lembrança de
Morrer”], a abertura do discurso para fora do eu poético impedindo, com isso, sua
inserção no gênero lírico propriamente dito. Assim, ao se dialogizar, o discurso
simula, implicitamente, outras vozes que mimetizam, por exemplo, o público leitor
indiferente às convicções literárias do poeta. (ALVES, 1998, p. 150)
● Schiller classifica a sátira como um subgênero do drama, já que ela permite que se
retratem duas situações espaço-temporais distintas: uma realidade que se pressupõe
ideal e outra que se opõe à concretização desse ideal, como mundo da existência e o
futuro projeto num tempo Ideal [...]. (ALVES, 1998, p. 151)
● O lamento que se que se quer patético, por outro lado, não pode, segundo Schiller,
desprover-se de conteúdo interno. O conflito entre a realidade adversa e o Ideal não
pode ser transformado num mero jogo arbitrário de fantasia poética. Nesse caso, a
dor prevaleceria sobre a razão, enfraquecendo a nossa compaixão [...]. (ALVES,
1998, p. 151)
● Para que possa arrebatar o coração, a representação do pathos deve adequar-se a
uma determinação da razão, isto é, deve remeter a um objeto moral. Convicto de
que somente a razão, e não a mera representação do sentimento, pode comover o
coração. Schiller enfatiza que no sublime patético, enquanto a sensibilidade se
ocupa da dor, a razão possui a função de resistir a ela. Dessa resistência revela-se a
transcendência humana que, libertando-se da dor, se torna moralmente enriquecida
[...] (ALVES, 1998, p. 152)
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