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PRÉ-UNIVERSITÁRIO OFICINA DO SABER Aluno(a):

DISCIPLINA: Literatura PROFESSORES: Suéllen da Mata

ROMANTISMO TEXTO 11

Contexto histórico-cultural
Em sua origem, o movimento literário do Romantismo associou-se a dois episódios revolucionários
importantes. O primeiro foi a Revolução Francesa, de 1789. As propostas românticas coincidiam com os
principais pontos dos ideais revolucionários, como a luta pela liberdade e o combate ao passado.
Muitos artistas da época passaram a expressar em suas obras esses ideais, como se pode ver nesta
pintura sobre a tomada da Bastilha, episódio marcante na queda do poder absoluto que a nobreza exercia
na França.

O segundo episódio foi a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII. Nesse
período, a Europa conheceu uma fase de grande desenvolvimento tecnológico, mas também conviveu
com suas contradições, como a intensificação da miséria social. Os românticos não ficaram alheios a essas
circunstâncias. Ao contrário, questionaram as consequências do progresso, a exemplo dos próprios
marginalizados em virtude desse avanço — razão pela qual muitos deles foram considerados
saudosistas.

A Revolução Francesa e a Revolução Industrial trouxeram novos


ares para a sociedade europeia. O Romantismo surgiu como
canalizador da busca por novas formas de expressão. As
convenções clássicas foram abandonadas. Alguns dos primeiros
passos da nova estética literária foram dados na Alemanha.

Convenções românticas
A literatura romântica, que teve como ponto de partida uma forte
oposição à visão clássica do mundo, apresenta algumas
características constantes que ajudam a definir a sua estética:
expressão do eu e subjetivismo; regras menos rígidas na
composição artística; predomínio da emoção sobre a razão;
valorização da terra de origem e da nação como um todo;
idealização da natureza e da mulher; construção de mundos
interiores como refúgio da realidade; culto ao mistério e à
morbidez; presença de personagens bem caracterizados como Victor Hugo (1802-1885) é figura
heróis e vilões, opondo-se frontalmente; entre outras. central do Romantismo e da literatura
francesa do século XIX. Autor
O eu no centro do mundo produtivo, foi poeta, dramaturgo e
romancista muito popular. Os
O artista romântico olhava as coisas à sua volta de maneira miseráveis, romance de 1862, obteve
subjetiva, isto é, sob uma perspectiva íntima. Na relação entre o sucesso imediato na Europa desde sua
eu e o mundo, ele dava destaque ao primeiro, manifestando o publicação. Também atuante
seu egocentrismo. A experiência pessoal transformava-se em politicamente, colocou-se contra o
fonte de inspiração, o que diferia do universalismo do artista do golpe dado por Napoleão III à
Classicismo e do Arcadismo. Desenvolvia-se a noção de gênio, república, em 1851, razão pela qual se
entendido como um ser especial, que vivia emoções fortes e as exilou. Só retornou à França em 1870,
transmitia aos leitores com a mesma intensidade. com a retomada republicana.
Liberdade formal
O artista romântico rejeitava as regras clássicas de composição porque entendia que elas impediam a
livre expressão das emoções. Essa ideia foi exposta de forma clara pelo escritor francês Victor Hugo, em
um texto, reproduzido a seguir, no qual defende alguns princípios do Romantismo.

[...] seria estranho que, nesta época, a liberdade, como a luz, penetrasse por toda a parte, exceto no
que há de mais nativamente livre no mundo, as coisas do pensamento. Destruamos as teorias,
as poéticas e os sistemas. Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada da arte! Não há
regras nem modelos [...].

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell. Trad. Célia Berrettini. São Paulo: Perspectiva, 1988. p.
56-57. (Fragmento).

A força da emoção
Se o artista clássico baseava-se na racionalidade e no objetivismo, o romântico tinha na emotividade e no
sentimentalismo o seu fundamento. Para um romântico, sentir era a atitude essencial do ser humano, sua
razão de viver. A poesia era, portanto, a expressão da sinceridade do sentimento.

Essa ideia é transmitida de modo claro em Os sofrimentos do jovem Werther (1774), de Johann Wolfgang
von Goethe, que narra a história de uma paixão devastadora e não correspondida de Werther por Carlota.
O livro se contrapõe ao racionalismo clássico e revela valores e comportamentos que influenciaram a
juventude da época. Marco do Romantismo europeu, é considerado uma das mais célebres obras desse
autor e da literatura mundial.

Essa obra é um romance epistolar, cuja narrativa é construída por


meio de cartas (epístolas). Em uma delas, Werther comenta as
correções que um embaixador insiste em fazer em seus textos.
Leia um trecho.

Gosto de escrever de um jato, não retocando o que escrevo; pois


bem, ele [o embaixador] é capaz de devolver-me um memorando e
dizer-me: “Está bom, mas é preciso revê-lo. Encontra-se sempre uma
expressão melhor, uma partícula mais justa”. Tenho então vontade de
mandá-lo ao diabo! Gosta dos pontos e das vírgulas muito direitinhos
em seus lugares, é inimigo encarniçado de toda transposição, o que
me escapa com frequência.

GOETHE, Johann W. von. Os sofrimentos do jovem Werther.


Trad. Galeão Coutinho. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 355. (Fragmento).

Johann Wolfgang von Goethe (1749- Nacionalismo e natureza


1832) é o principal nome da literatura
alemã dos séculos XVIII e XIX e, ao lado Os autores românticos manifestaram uma tendência em tratar da
de Schiller, também do Romantismo em
seu país natal -— como Hugo é
própria pátria. A terra natal era retratada em sua “cor local”,
referência na França. Escreveu não expressão da época que designava o que havia de pitoresco e de
apenas romances, mas também característico em cada região.
poemas, peças teatrais, ensaios teóricos
sobre ciências naturais, etc. Como em vários países, em Portugal a expressão
do nacionalismo significou um resgate da cultura popular,
Sua obra-prima da maturidade, o
drama trágico Fausto, tomou-lhe boa
realizado por escritores românticos como Alexandre Herculano
parte da vida e foi publicado em duas (1810-1877). A sua obra Lendas e narrativas resgata histórias
partes, a segunda pouco antes de sua populares e mostra o esforço romântico de preservação e difusão
morte. da cultura nacional.
No Brasil, os artistas românticos dedicaram-se à construção de uma imagem idealizada da nação,
ressaltando os valores positivos do país como parte do esforço de consolidação da independência em
1822. A visão otimista e idealizada da pátria conduziu a estética romântica à temática da natureza —
concebida como espaço representativo da alma nacional, em uma visão próxima ao nacionalismo, e não
mais ao nativismo.

A natureza era, para os românticos, um espaço de recolhimento, de reflexão íntima, de encontro com
Deus.

A idealização da mulher
A idealização que caracterizava a estética romântica não se limitou à natureza, mas também abrangeu as
figuras humanas. No aspecto físico, foram criados padrões de beleza feminina que se adaptavam às
convenções locais. Assim, a mulher podia ser branca, loira e de olhos claros, para seguir certo modelo
europeu; ou morena, com olhos e cabelos negros, quando se pretendia destacar particularidades
regionais.

Quanto ao aspecto moral, concebia-se a mulher-anjo, associada a imagens da pureza e da inocência, como
a virgem ou a santa. Essa imagem angelical não foi a única a ser desenvolvida no Romantismo, pois os
dotes físicos femininos eram vistos como elementos de sedução e luxúria, constituindo outro estereótipo
feminino do Romantismo: a mulher-demônio.

Saiba mais

Apesar da criação desses estereótipos tão redutores da condição feminina, o Romantismo contribuiu para
a valorização do papel social da mulher.

O romance da época criou a imagem da mulher subserviente, mas também foi capaz de mostrar o teor de rebeldia
contido na atitude bastante romântica das heroínas que se recusavam a casar com homens indicados pelos pais.
Um exemplo é a personagem Teresa de Albuquerque, em Amor de perdição, obra romântica de Camilo Castelo
Branco publicada em 1862 — essa moça se opõe às convenções sociais para viver livremente seu amor,
enfrentando-as junto de seu amado, Simão Botelho.

Além disso, no período romântico, os jornais começaram a trazer suplementos especialmente dedicados às
mulheres. Muitas delas participaram da luta em defesa de seus direitos. Madame de Staël (1766-1817), escritora
francesa, foi uma das pioneiras. Em obras como Delphine (1802) e Corinne (1807), tratou da condição feminina.

No Brasil, uma das pioneiras da literatura feminina foi Beatriz Francisca de Assis Brandão (1779-1868), prima de
Maria Joaquina Doroteia de Seixas, a famosa Marília do poeta árcade Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga). Embora
não tenha pertencido aos quadros românticos, Beatriz Francisca assumiu a postura rebelde própria do
Romantismo, ao enfrentar posições preconceituosas contrárias à formação intelectual e cultural da mulher.
Publicou livros de poesia e traduções.

O trecho a seguir traz uma descrição da mulher típica do Romantismo.

Inteligente, mas submissa; sensível, mas pudibunda; exaltada, mas contida; bela e vaidosa, mas fiel aos
princípios da moral e do dever, a brasileira é filha que nunca e nunca se desprende de todo de seus pais,
esposa que sempre e sempre zela o amor, e ainda mesmo desamada, honra por sua honra o nome de seu
marido; e mãe, faltam palavras para sublimá-la, mãe é, além do apogeu, o infinito na imaginação da ternura,
das fraquezas e das indulgências; em uma palavra, do insondável abismo de amor pelos filhos.

MACEDO, Joaquim Manuel de. Noções de corografia do Brasil. In: AMORA, Antônio Soares.
O Romantismo. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1969. p. 33. (Fragmento).
Escapismo
O espírito romântico foi essencialmente rebelde, contrário às convenções, incluindo as que impunham
determinada conduta social. A partir do livre curso da fantasia, o artista romântico criou mundos
imaginários assumindo uma postura escapista, desenvolvendo uma série de estratégias para fugir da
realidade que ele considerava opressora. Essas estratégias possibilitavam o isolamento e a construção
de um mundo particular, de um mergulho na intimidade, com uma negação do mundo à sua volta, com a
valorização da fantasia e dos sonhos.

Um dos instrumentos do escapismo romântico era a visão saudosista, ou seja, a volta ao passado e a
rejeição ao presente. Essa postura manifestava-se tanto na idealização da infância, quanto na temática
medieval que serviu de fundamento para diversas narrativas românticas.

Outra forma de escapismo era a temática da morte; a recusa ou o desprezo pela vida fazia com que, para
o romântico, a morte funcionasse como um alívio, uma solução para a dor de existir.

O trecho a seguir foi retirado do conto “O pé de múmia”, do escritor francês Théophile Gautier (1811-
1872). Procurando um objeto para usar como peso de papel, o narrador acaba por comprar um pé
mumificado, que pertencera a uma antiga princesa egípcia. Já em seu quarto, vive uma estranha
experiência.

Eu bebi, apressadamente, goles inteiros do copo escuro do sono; por uma ou duas horas tudo ficou opaco, o
esquecimento e o nada me inundavam com suas vagas sombras.

Contudo, minha obscuridade intelectual se aclarou, os sonhos começaram a roçar em mim suas asas
silenciosas.

[...]

Eu olhei para meu quarto com um sentimento de expectativa que nada justificava; os móveis estavam
perfeitamente em seus lugares, a lâmpada estava acesa no seu suporte, docemente desbotada pela brancura
leitosa de seu globo de cristal fosco; as aquarelas brilhavam sob os vidros da Boêmia; as cortinas caíam
languidamente: tudo possuía um ar dormente e tranquilo.

Contudo, depois de alguns instantes, esse interior tão calmo pareceu se perturbar, o madeiramento estalava
furtivamente; o tição enterrado na cinza lançou de repente um jato de gás azul, e os discos
das pateras pareciam dois olhos de metal, atentos como eu às coisas que se passariam ali.

Minha vista se voltou, por acaso, para a mesa sobre a qual eu havia colocado o pé da princesa Hermontis.

Ao invés de estar imóvel como convém a um pé embalsamado há quatro mil anos, ele se agitava, se contraía
e saltitava sobre os papéis como um sapo amedrontado: parecia estar em contato com uma pilha voltaica; eu
ouvi distintamente o barulho seco que produzia seu pequeno calcanhar, duro como uma pata de gazela.

GAUTIER, Théophile. O pé de múmia. Disponível em: <https://books.google.com.br/books (Fragmento).

Visão pessimista

O Romantismo apresentou uma face sinistra e tétrica. Nessa tendência, predominavam as atmosferas
noturnas, propícias à emotividade e ao mistério. A visão pessimista da existência conduzia o artista
romântico à exploração das forças do mal: o satanismo e a morbidez.

O bem contra o mal


O Romantismo apresentou uma tendência à polarização de valores (certo × errado; justo × injusto, etc.).
Esse tipo de concepção é chamado de maniqueísmo. Sua manifestação mais comum é aquela que opõe,
de forma absoluta, o bem ao mal. Nas narrativas, essa polarização está presente nas figuras do herói e do
vilão. O herói é associado a traços físicos e morais positivos, constituindo-se um exemplo de conduta; já o
vilão é descrito de modo grotesco e age de maneira dissimulada e violenta.

O trecho a seguir foi extraído de O guarani, romance do escritor brasileiro José de Alencar (1829-1877).
Nele, ocorre o encontro entre dois personagens, o jovem Álvaro e o italiano Loredano.

Era meio-dia.

Um troço de cavaleiros, que constaria quando muito de quinze pessoas, costeava a margem direita do
Paraíba.

Estavam todos armados da cabeça até aos pés; além da grande espada de guerra que batia as ancas do
animal, cada um deles trazia à cinta dois pistoletes, um punhal na ilharga do calção, e o arcabuz passado a
tiracolo pelo ombro esquerdo.

Pouco adiante, dois homens a pé tocavam alguns animais carregados de caixas e outros volumes cobertos
com uma sarapilheira alcatroada, que os abrigava da chuva.

[...]

Uma das ocasiões, em que os cavaleiros se aproximavam da tropa que seguia a alguns passos, um moço de
vinte e oito anos, bem parecido, e que marchava à frente do troço, governando o seu cavalo com muito garbo
e gentileza, quebrou o silêncio geral.

— Vamos, rapazes! disse ele alegremente aos caminheiros, um pouco de diligência, e chegaremos com
cedo. Restam-nos apenas umas quatro léguas!

[...]

Nestas ocasiões, o italiano lançava sobre ele um olhar a furto, cheio de malícia e ironia; depois continuava a
assobiar entre dentes uma cançoneta de condottiere, de quem ele apresentava o verdadeiro tipo.

Um rosto moreno, coberto por uma longa barba negra, entre a qual o sorriso desdenhoso fazia brilhar a alvura
de seus dentes; olhos vivos, a fronte larga, descoberta pelo chapéu desabado que caía sobre os ombros; alta
estatura, e uma constituição forte, ágil e musculosa, eram os principais traços deste aventureiro.

ALENCAR, José de. III — A bandeira. O guarani.


Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/literatura/
obras_completas_literatura_brasileira_e_portuguesa/JOSE_ALENCAR/GUARANI/03.HTML>.

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