“Fala também você” (De limiar em limiar (Vin Schwelle zu Schwelle), 1955):
Fala –
Mas não separa o não do sim.
Dá a seu dizer também o sentido:
dá-lhe a sombra.
O tema central que o livro antecipa em seu título é a “sombra” (ou afins, como o
silêncio, a tortuosidade), como uma conquista de nitidez sobre as coisas. Lendo por
outro lado a epígrafe de Celan, algo que não tenha sombra não tem sentido.
o Se a gente pensa, então, em “Zona de sombra”, estamos nisso que, no senso
comum, impede de ver, mas que a poeta está propondo que seja justamente
aquilo que dá sentido às coisas.
o Também podemos pensar, ainda mais radicalmente, que trazemos à luz
despistes para manter as coisas na zona de sombra.
No desespero ou no lapso podemos também trazer à luz justamente o
que gostaríamos de esconder.
o Há ainda uma terceira acepção, mais visual, imagética, pictórica, que tem a ver
com a presença da zona de sombra em objetos representados, o que lhes dá
realidade.
“Fósforo” é a primeira parte do livro.
o Talvez ler “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos” (Álvaro de
Campos)
Leitura de “tela” (p.19)
o De imediato, poema não é uma disposição das palavras no papel, uma
diferença entre versos e frases, mas um modo de ser da linguagem. A
linguagem poética diz o mundo e diz a si própria na mesma medida.
o “tela” é claramente sobre a verdade, sobre o real, a “ideia que não se equivoca:
o centro negro”. O ponto de sombra, para provocar.
A tradição é longa sobre essa necessidade da radicalidade da forma
poética, como em “Sobre alguns temas em Baudelaire”.
o Diferente do esforço exíguo para o acerto, a poeta vai pensar na poesia como a
arte do fracasso. Por sua radicalidade, qual seja – pela linguagem, que é
também coisa, esta é a única forma de dizer isso – é preciso lidar com a
decepção, “o poema termina sempre um pouco antes”, “o poema é sempre o
poema possível”.
o A radicalidade não é, como esperado, exclusiva da autora/do autor. E estende
essa necessidade à leitora ou ao leitor. Mesmo os mais divertidos guardam um
tipo ponto-de-sombra, de resvalo no real.
Leitura de “a caminho” (p.20) – Nelson Ascher: “talvez o melhor do livro”
o Menção direta a Drummond (“Máquina do Mundo” e “No meio do caminho”),
Guimarães Rosa (“A terceira margem do rio”, a canoa, relação com o pai) e
Caetano Veloso/Milton Nascimento, “A terceira margem do rio” (1991);
Não aguardas
Nenhuma "iluminação" particular
Nem assento e clavícula de nenhuma deusa
Que te percutisse — gong —
Nem de nenhum Van Gogh
Que súbito te tornasse
Eterna
Roma, 1964
1
1895-1946; pintor e designer húngaro.
2
Sem anima, sem alma.
Da virada do século pra cá, há algumas transformações importantes da concepção de
poesia da poeta e da maneira como isso se viu nos textos:
o A posição contrária a “poesia feminina”, “poesia gay”, “poesia negra”, “poesia
ecológica” etc., ao entender que a militância poderia ser uma prisão para a
poesia, transformou-se numa poesia com a natureza mais presente também
como questão.
Nessa caminhada de leitura detida do livro, vamos pular o “teatro” e ler “cinco peças
para o silêncio”, cujo título já traz todas essas ambiguidades em clivadas no “para”
que pode ser: como presente ao silêncio, para o momento de silêncio, em homenagem
ao silêncio, etc., ambiguidades que só aumentam com a leitura das peças.
Peças: prosa poética.
Zona de sombra: leitura de “vão” (p.41)