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Antero de Quental

ANGÚSTIA EXISTENCIAL
• Na obra poética de Antero, é visível uma profunda angústia existencial.
• Na sua vertente apolínea, a poesia anteriana é dominada pela
racionalidade de um pensador que exalta o papel revolucionário do poeta e
que aspira à justiça social e ao Bem.
• No entanto, na obra de Antero está patente uma busca permanente da
perfeição, que não se compadece com a dimensão transitória e imperfeita
da realidade. Desse ponto de vista, todos os ideais estarão, à partida,
condenados ao malogro, uma vez que nunca poderão satisfazer totalmente a
ânsia de Absoluto do eu.
• É por este motivo que deparamos com a vertente mais negra da obra de
Antero, marcada por um profundo desalento provocado pelo desmoronar de
todos os seus sonhos.
• No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, o eu busca
desesperadamente uma forma de evasão — quer através da aspiração a um
estado de indiferença próximo do «nirvana» budista (isto é, uma condição
próxima do não-ser) quer através do desejo de refúgio no sono no seio de
uma figura protetora, que tanto pode assumir traços maternais (sendo, por
vezes, identificada com Nossa Senhora) como traços paternais (destacando-
se a figura de Deus). No entanto, este desejo de proteção nem sempre é
investido de contornos positivos. De facto, o sujeito poético manifesta, ao
longo de toda a obra, dúvidas em relação à existência de Deus. Deste
modo, mais do que um gesto voluntário de entrega ao divino, o
comportamento do eu é, na verdade, uma atitude de desistência resultante
de um sentimento de profundo desencanto em relação a todas as
esperanças.
CONFIGURAÇÕES DO IDEAL
A obra poética de Antero é marcada pela busca de um ideal, que pode
assumir diferentes configurações.
Em primeiro lugar, como foi anteriormente referido, o eu faz a apologia da
necessidade de transformação da sociedade — processo em que o poeta
teria um papel fundamental. Esta vertente da poesia anteriana é
influenciada pelos ideais socialistas, que inspiraram as iniciativas políticas
do poeta ao longo da vida
Em segundo lugar, o eu manifesta também a sua aspiração a um amor que
surge, muitas vezes, com contornos idealizados (e que é, por vezes,
associado a uma figura feminina também ela ideal).
Finalmente, é de destacar a busca da perfeição a nível ético — que está,
obviamente, também associada à aspiração à justiça social. Este processo
pauta-se por uma preocupação constante com a busca do Bem e da própria
santidade.

Recursos expressivos
• Se atentarmos nos principais recursos expressivos cultivados por Antero
de Quental nos seus sonetos, constatamos que a metáfora é usada para
representar de forma eloquente e reveladora conceitos, fenómenos e
situações que são centrais no desenvolvimento do raciocínio do eu poético.
Nas metáforas, o eu poético ganha um olhar novo e revelador sobre uma
ideia ou um conceito: «Estreita é do prazer na vida a taça» (a taça do
prazer); «O cálix amargoso da desgraça».
• Próxima da metáfora, a imagem é um recurso expressivo que consiste
numa representação (de natureza metafórica) com um forte apelo visual.
Antero usa-a, em alguns casos, associada à alegoria: observe-se como em
«O palácio da Ventura» a busca da felicidade é representada pela demanda
de um cavaleiro ou como a ação da morte e do amor na vida dos homens é
figurada na imagem de um cavaleiro negro que avança na noite escura em
«Mors-amor».
• Antero recorre à personificação de elementos físicos e de conceitos
abstratos, que surgem como personagens nos poemas: o meu coração, a
minha alma, o vento, o sonho, mas também a Justiça, a Razão, o Amor
(«Mors-amor») e a Morte («Mors liberatrix»). Desta forma, o eu lírico
dirige-se a estas entidades, questiona-as, lamenta-se, exige-lhes explicações
como se estivesse a falar com outra pessoa. Frequentemente, estes nomes
surgem com inicial maiúscula.
• Assim, em alguns sonetos, o eu poético estabelece diálogo com esses
elementos e conceitos personificados a fim de desenvolver o seu raciocínio
ou de expor o seu argumento. É nesse momento que se socorre das
apóstrofes para interpelar estas entidades: «Razão, […] / Mais uma vez
escuta a minha prece» («Hino à Razão»); «e tu, Morte, bem-vinda!» («Em
viagem»).
• As interrogações, as frases exclamativas e as reticências servem para
conferir o tom inquiridor, mas também coloquial, à discussão de ideias que
o eu lírico está a desenvolver interiormente.
• Por fim, registe-se a presença de um vocabulário associado à escuridão
mas também um léxico relativo à luz e à claridade: estes dois campos
lexicais traduzem a dimensão luminosa e a negra dos sonetos de Antero.
Como antes vimos, se o primeiro campo lexical alude à racionalidade, à
justiça ou à ideia de bem, o segundo reúne palavras associadas ao
pessimismo, ao desespero ou à morte.
Cesário Verde
O sentimento dum Ocidental Resumo
O Sentimento de um Ocidental é um poema dividido em quatro momentos:
Ave-Marias, Noite Fechada, Ao Gás, Horas Mortas. Trata-se da
reconstituição de um passeio solitário que o sujeito poético faz num sábado
de lazer, descrevendo, ao longo do seu passeio, tudo o que vai observando,
em especial as pessoas e os espaços em que elas se movimentam.
Este poema, considerado como uma "epopeia às avessas", dá-nos uma
visão da cidade como metáfora do Ocidente, paradigma de um pretenso
progresso e desenvolvimento.

Ave-Marias
A primeira parte do poema situa-se ao fim da tarde ("ao anoitecer"), à hora
em que os sinos das igrejas chamam para a oração vespertina - a ave-maria.
O sujeito poético, à medida que deambula pelas ruas junto ao Tejo,
descreve vários espaços citadinos - edifícios em construção, "boqueirões",
"becos", "varandas", "arsenais", "oficinas", "hotéis da moda" -, referindo as
"personagens urbanas" que neles se movimentam - "carpinteiros",
"calafates", "dentistas", "obreiras", "varinas", "um trôpego arlequim", "os
querubins do lar", "os logistas". Em relação ao grupo de personagens
descrito, é evidente a simpatia solidária que o sujeito poético revela para
com as personagens populares, com destaque especial para as varinas que
"... embalam nas canastras / Os filhos que depois naufragam nas
tormentas" e que trabalham "(...) Nas descargas do carvão, / Desde manhã à
noite, (...) / E apinham-se num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre
gera os focos de infeção!" A impressão geral que decorre desta primeira
descrição da cidade é de que se trata de um espaço soturno e melancólico,
pouco luminoso, que apresenta uma "cor monótona e londrina",
despertando no "eu" sentimentos contraditórios - "E o fim da tarde inspira-
me; e incomoda!"
Nesta primeira parte do poema, é também nítida a oposição entre o real e a
fantasia. Na verdade, face a uma realidade que lhe desperta "um desejo
absurdo de sofrer", o sujeito poético anseia partir para outras dimensões, e
exprime o seu desejo de evasão:
 para outros espaços reais: "Levando à via-férrea os que se vão.
Felizes! / Ocorrem-me em revista exposições, países: /Madrid, Paris,
Berlim, S. Petersburgo, o mundo!";
 para outros tempos, outras glórias - "Evoco, então, as crónicas
navais: / Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado! / Luta Camões no Sul,
salvando um livro a nado! / Singram soberbas naus que eu não verei
jamais!".

Noite Fechada
O sujeito poético continua o seu percurso, observando a realidade que o
rodeia, enumerando os novos espaços que observa:

 as cadeias  as tendas
 o Aljube  os estancos
 a "velha Sé"  as igrejas
 os andares  "as íngremes subidas"
 as tascas  os quartéis
 os cafés  as "montras dos ourives"

Destes espaços mórbidos, pouco iluminados, desprende-se uma sensação


de enclausuramento, de solidão, de pessimismo progressivo - "E eu
desconfio, até, de um aneurisma / Tão mórbido me sinto, ao acender das
luzes", "Chora-me o coração que se enche e que se abisma.", "E eu sonho o
Cólera, imagino a Febre", "Triste cidade! Eu temo que me avives / Uma
paixão defunta!".
Surgem, então, novas figuras citadinas, a que o sujeito poético se refere
como "uma acumulação de corpos enfezados" - presos, velhinhas, crianças,
soldados, as elegantes, as costureiras, as floristas ("E muitas delas são
comparsas ou coristas") e os emigrados que jogam dominó.
O tom melancólico e disfórico presente na descrição da cidade não nasce
apenas do relato dos espaços e das personagens que neles evoluem, mas
também do tipo de sensações empregues pelo sujeito poético para
concretizar essa mesma descrição:

 auditivas - "Toca-se as grades, nas cadeias. Som / Que mortifica e


deixa umas loucuras mansas!", "E os sinos dum tanger monástico e
devoto.", "... ao riso...";
 visuais - "... ao acender das luzes", "à crua luz";
 térmicas - "Derramam-se por toda a capital, que esfria".
Nesta segunda parte, face à desolação e à soturnidade do presente, o sujeito
poético também evoca o passado ("Assim que pela História eu me aventuro
e alargo") através do "severo inquisidor", do "épico de outrora" e da Idade
Média.

Ao Gás
O deambular progressivo do sujeito poético permite-lhe completar o quadro
citadino. Novos espaços e personagens são referidos:
Espaços

 os "passeios de lajedo"
 os "moles hospitais"
 as "lojas tépidas"
 a "catedral de um comprimento imenso"
 o "cutileiro"
 a "padaria"
 as "casas de confeções e modas", com longos balcões de mogno
 as "longas descidas" e as esquinas
Personagens

 "as impuras"
 as "burguesinhas do Catolicismo"
 "o forjador"
 um "ratoneiro imberbe"
 "a lúbrica pessoa"
 uma "velha, de bandós!"
 "os caixeiros"
 "um cauteleiro rouco"
 o "velho professor (...) de latim"

Esta longa enumeração, para além de pormenorizar o retrato da


cidade, reitera alguns dos aspetos característicos da poesia de
Cesário Verde, como:

 a valorização do campo, presente na única nota eufórica desta parte -


o "cheiro salutar e honesto a pão no forno" que sai de uma padaria;
 a presença de uma figura feminina que subverte os cânones poéticos
da época - "as impuras";
 o anticlericalismo presente na referência ao histerismo das freiras;
 a solidariedade social presente na referência ao facto de o seu "velho
professor (...) de Latim" estar transformado num pedinte.

Tal como nas duas primeiras partes, o sujeito poético descreve a


cidade de modo sensorial, recorrendo a:

 sensações tácteis - "(...) A noite pesa, esmaga. (...) / Um sopro que


arrepia os ombros quase nus";
 olfativas - "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno";
 visuais - "E a vossa palidez romântica e lunar!";
 auditivas - "Da solidão regouga um cauteleiro rouco".
 O sujeito poético sublinha que o real é motivo de inspiração poética -
"E eu que medito um livro que exacerbe. / Quisera que o real e a análise
mo dessem".

Horas Mortas

A quarta parte do poema corresponde ao momento final do percurso do


sujeito poético, percurso esse que se vai progressivamente tornando mais
angustiante e fechado.
Assim, estamos no domínio total da noite, as estrelas brilham no céu -
"Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras" - e "os guardas, que
revistam as escadas, / caminham de lanterna (...)".
Este é também o momento em que as personagens marginais dominam a
cidade: as "imorais", os assassinos, os "tristes bebedores", os "dúbios
caminhantes" e até os cães, que se transformam em lobos - "E sujos, sem
ladrar, ósseos, febris, errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos".
É também o momento em que o espaço se torna agressivo para o sujeito
poético, essa agressividade está presente:

 no colocar dos taipais e no ranger das fechaduras;


 na consciência de que a cidade é uma prisão, uma antecâmara da
morte - "Mas se vivemos, os emparedados. / Sem árvores, no vale escuro
das muralhas!..."; "prédios sepulcrais";
 no sentir de um nojo físico pela cidade - "Nauseiam-me (...) os
ventres das tabernas".
Face a esta cidade opressiva, o sujeito poético apenas pode:

 evocar a beleza e a serenidade do campo - "Pois sobem, no silêncio,


infaustas e trinadas, / As notas pastoris de uma longínqua flauta";
 expressar desejos impossíveis ou de difícil realização - "Se eu não
morresse, nunca! E eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeição das
cousas!";
 esperar o regresso da grandeza perdida - "Nós vamos explorar todos
os continentes / E pelas vastidões aquáticas seguir!"

O poema conclui com uma nota claramente disfórica: a cidade é,


inevitavelmente, o espaço onde "A Dor humana busca os amplos
horizontes, / E tem marés, de fel, como um sinistro mar!".

"O "Sentimento dum Ocidental" é a investigação definitiva de Cesário


Verde sobre a cidade. O poema regista as perceções e as impressões de um
observador caminhando nas ruas noturnas da cidade, um narrador que
descreve um passeio solitário que não é apenas um movimento no espaço
das ruas da cidade; é também um processo no tempo, uma viagem para
dentro da noite durante a qual o narrador penetra e confronta o mundo
simbólico de sombras reais que é a cidade noturna. A cidade é Lisboa; o
sentimento do título é o do narrador, natural do extremo ocidental da
Europa, um português. Mas a cidade também representa o todo da
civilização ocidental a que Portugal pertence; e o sentimento que ela
provoca é ao mesmo tempo um produto dessa civilização e um protesto
contra ela."

Campo/cidade: campo, símbolo do amor e da felicidade no passado;


cidade, símbolo da confusão no amor e da infelicidade – no presente. No
presente, ao campo opõe-se não só a cidade onde vive o poeta, mas também
o convento, onde vive a mulher amada. Cidade e convento identificam-se:
para o poeta, a cidade é a morte e para a mulher amada, o convento é
sepultura. A mulher bonita, no campo, vive com alegria e, na
cidade/convento, a mulher é tristíssima.

Movimento de fuga: “fugiste comigo da Babel”; o movimento de


regresso: “E foste sepultar-te, ó serafim/No claustro das Fiéis emparedada”;
fuga da Babel/cidade para o campo e o ambiente de amor, de ósculos, de
gestos e atitudes ternas em diversos tempos e espaços; regresso à
cidade/convento e separação lamentada em “censura” à mulher amada logo
nos primeiros versos.

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