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Noite Fechada (II)

“O sentimento dum Ocidental” de Cesário Verde

Título: “Noite fechada” retrata o ambiente e altura do dia em que o eu poético se encontra.
Isto verifica-se pelo que se vê e pelo que o poeta dá a sentir. O adjetivo “fechada” é utilizado
para caraterizar o papel de deambulador do eu poético, mostrando que este é limitado,
terminando o seu percurso, na brasserie (cervejaria).

Tema: O eu poético descreve a desigualdade social existente através de um passeio pela


cidade ao anoitecer.

Assunto: O poeta retrata a situação social tendo em conta aquilo que observa durante a noite.
Neste panorama o poeta encontra-se mortificado e atormentado com o que vê ao acender das
luzes, recorrendo a um exagero sentimental para provocar um maior impacto no leitor, para
que este também fique sensibilizado relativamente a situação descrita.

À medida que este vai descrevendo a cidade refere dois tempos históricos distintos.
Inicialmente retrata a Lisboa antiga e posteriormente a Lisboa restaurada após o terramoto.

O objetivo da referência ao passado é a busca de respostas para os problemas da atualidade.


Assim, este critica as atitudes da sociedade atual, ridicularizando-a e abordando os podres de
um modo metafórico.

Ao longo do poema há também a perceção da evolução degradante da tristeza do eu poético


associada ao decorrer da ação, isto é, à medida que se torna noite cerrada. Esta visão permite
então comparar os locais descritos com os sentimentos do eu poético e o ambiente que a
cidade transmitia.

Estrutura interna: Este poema pode ser dividido em duas partes:

A primeira parte é constituída pelas 6 primeiras estrofes e situa o eu poético no espaço


onde este recorda e descreve o estado da cidade de Lisboa antes do grande terramoto de
1755, mostrando os seus sentimentos perante a situação.

Na segunda parte, composta pelas 6 últimas estrofes, o eu poético descreve o estado


atual da cidade, mudando um pouco a sua perspetiva, pois encontra uma cidade em muito
melhor estado da que se recorda, e descreve-se a si mesmo como sujeito lírico.

Análise das estrofes


1ª estrofe

Espaços: As cadeias (v.45), onde se toca às grades (pede-se comida, é hora de ir dormir). O
Aljube (v.47), onde se recolhem velhinhas e crianças.

(Figuras humanas: Velhinhas e crianças. A mulher de “dom” com bens. Personagens inferidas:
os presos e os guardas.)

Sentimento do sujeito poético: O poeta sente-se mortificado e com um desejo absurdo de


sofrer, provocado pelo som que anuncia o anoitecer nas celas das prisões («Toca-se as grades,
nas cadeias. Som/Que mortifica e deixa umas loucuras mansas! v.45-46» - descrição sensorial).
Comenta que, no aljube, raramente se encontra uma mulher de “dom”, de bens, e lamenta
que velhinhas e crianças tenham de se recolher no Aljube.
2ª estrofe

Espaços: As prisões, velha Sé, as cruzes (v.51)

(Figuras humanas: Infere-se as pessoas desprotegidas que estão nas prisões, entram na Velha
Sé e passam pelas cruzes.)

Sentimento do sujeito poético: O poeta desconfia que sofre de um aneurisma, de tão mórbido
(Tão mórbido me sinto! – v.50) que fica com o que vê. Sente que o seu coração chora ao
deparar-se com as prisões, a velha Sé e as cruzes. (“Chora-me o coração que se enche e que se
abisma!” – v.52)

3ª estrofe

Espaços: “os andares” que se iluminam; “as tascas, os cafés, as tendas, os estancos” acendem
as luzes com reflexos brancos. A Lua lembra o circo e os jogos malabares. (descrição sensorial).

Figuras humanas: Infere-se as pessoas que chegam a casa e acendem as luzes.

4ª estrofe

Espaços: Duas igrejas que se encontram num antigo largo (v.57). Espaço/Tempo de evasão/
(negativo); espaço da cidade/tempo onde tiveram lugar práticas repressivas da igreja
(Inquisição);

Figuras humanas: Padres que abandonaram as igrejas. As vítimas da repressão da igreja.

Sentimento do sujeito poético: O poeta revela pouca simpatia por igrejas e clero. Perante a
vista das duas igrejas, recria as antigas práticas repressivas da igreja (Inquisição). O poeta quer
compensar a realidade negativa com incursões através da História.

5ª estrofe

Espaços: Construções retas, iguais, crescidas (v.62), resultantes das reedificações após o
terramoto. Íngremes subidas. Toque dos sinos (descrição sensorial)

Sentimento do sujeito poético: O poeta sente-se murado, emparedado, ao visitar a parte


reconstruída da cidade após o terramoto. Sente-se afrontado com o ambiente religioso
suscitado pelo toque dos sinos. “Afrontam-me […] as íngremes subidas, /E os sinos”.

6ª estrofe

Espaços: O largo onde foi levantada a estatua de Camões, recinto público e vulgar (v.65) com
bancos de namoro e exíguas pimenteiras. A estatua de Camões feita de bronze, monumental e
de proporções guerreiras. Tempo de evasão: “outrora”

Sentimento do sujeito poético: O poeta destaca a importância da figura de Camões ao mesmo


tempo que pretende homenageá-lo.

7ª estrofe

Espaço: da rua. Quartel militar. Um palácio diante um casebre.

Personagens: A Cólera, a Febre (personificados). Tempo de evasão. Pessoas de “corpos


enfezados”, que se acumulam nas ruas. Os “soldados” sombrios e espectrais, que recolhem ao
quartel.
Sentimento do sujeito poético: O poeta revela-se sensível ao sofrimento das pessoas, que,
pelos corpos enfezados, ele supõe sofrerem de cólera e febre. Mostra pouca simpatia pelos
soldados devido a sua função de preservação da realidade instituída. Revela-se sensível às
contradições sociais.

8ª estrofe

Espaço: Os quartéis (de cavalaria) v.74, ocupando o espaço de antigos conventos. Espaço de
evasão: a Idade Média, suscitada pelos conventos transformados em quartel. A cidade, com
cada vez menos gente.

Figuras humanas: Os patrulhas saem a pé e a cavalo dos quartéis, espalhando-se (“derramam-


se”) por toda a capital.

Sentimento do sujeito poético: O poeta revela nostalgia pela Idade Média, enquanto espaço e
tempo de evasão.

9ª estrofe

Espaço: A triste cidade. Os lampiões distantes. As montras dos ourives. Personagens: Uma
paixão defunta do poeta.

Figuras humanas: As elegantes, curvadas a sorrir diante das montras dos ourives. (descrição
sensorial)

Sentimento do sujeito poético: O poeta comisera-se com a tristeza da cidade. O poeta receai
que a cidade lhe avive uma paixão defunta. O poeta sente-se triste ao deparar com os
desfavorecidos da vida (as elegantes, diante das montras dos ourives). “Eu temo que me
avises/Uma paixão defunta”.

10ª estrofe

Espaço: Os magasins.

Personagens: Costureiras e floristas descem dos magasins, onde trabalham. Custa-lhes a elevar
os pescoços altos. Muitas delas são comparsas ou coristas, trabalham no teatro.

Sentimento do sujeito poético: O poeta é tomado de sobressaltos, perante costureiras e


coristas de vida dupla. O poeta denuncia as influências estrangeiras na moda, as designar as
lojas por magasins. “causam-me sobressaltos”

11ª estrofe

Espaço: A brasserie, onde, às mesas de emigrados, ao riso e a crua luz joga-se o dominó.
(descrição sensorial)

Personagens: Emigrados.

Estado de espírito do sujeito poético: O poeta apresenta-se de luneta de uma lente só,
declarando-se assim, atento. Declara ter sempre assunto perante os “quadros revoltados”, que
abundam na cidade.

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