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A GEOGRAFIA DE MILTON NASCIMENTO: DE MINAS GERAIS

PARA O MUNDO
Glaucio José Couri Machado*

Resumo
Este artigo tem a intenção de mostrar a dimensão espacial da obra de Milton
Nascimento a partir de sua discografia e, assim, perceber sua influência e a extensão de
sua obra. Está, particularmente, nos campos da geografia da música que é uma área das
ciências humanas, particularmente da geografia, que estuda toda e qualquer relação que
liga a música e as sonoridades à sua dimensão geográfica e na geografia da indústria que
estuda as produções e suas repercussões espaciais. Neste escrito leva-se também em
consideração a necessidade de pontuar e resumidamente explicar a indústria fonográfica
de ontem e de hoje.

Palavras-Chave: Milton Nascimento, discografia, geografia da música, geografia da


indústria, indústria fonográfica.

Introdução:
A proposta deste artigo é falar da geografia de Milton Nascimento, ou seja,
entender o espaço que ele ocupou (e ocupa) no planeta a partir da edição de seus discos.
É importante salientar que este levantamento dos espaços ocupados pelos discos de
Nascimento demonstra apenas uma parcela do onde. Isso quer dizer que a pesquisa não
pode alimentar com exatidão um mapa onde existiria a presença de algum álbum do
cantor, afinal, a fabricação de um disco numa determinada localização pode ser apenas
um ponto para distribuição posterior a outras regiões. Todavia, entender onde cada disco
foi fabricado permite analisar, por aspectos espaciais, a extensão da obra e dá pistas de

*Professor Doutor da UFS (DED e PPGCR) e líder do grupo de pesquisa Grupemus: Grupo de Pesquisa
Música e Sociedade CNPq/UFS – gcmachado@academico.ufs.br

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onde ela chegou, sua abrangência e importância para a indústria fonográfica, a arte
musical e para a cultura em geral.
Uma questão que deve ser deixada clara é que não serão discutidas as qualidades
musicais e nem os motivos que levaram este artista a ser um dos maiores do mundo. Tudo
isso já é sabido, entendido e veiculado em vários artigos, livros, documentários e
reportagens. O objeto de pesquisa é perceber a abrangência deste cantor a partir da
distribuição espacial de seus álbuns físicos (vinil, CDs e fitas cassete).
Este artigo se encontra no que é possível definir como “geografia da música”, ou
seja, o estudo da cultura e das manifestações artísticas em sua dimensão espacial. Este
conceito segundo Lucas Manassi Panitz em Geografia e Música: uma introdução ao tema
(2012), teve as primeiras considerações atribuídas à Friedrich Ratzel e seu discípulo Leo
Frobenius, que “pode ser considerado o primeiro sistematizador do estudo entre espaço
geográfico e música, que irá influenciar toda uma geração de etnólogos e musicologistas.
Dessa forma, na busca de uma gênese do interesse da Geografia moderna pela música,
até o presente momento encontramos em Ratzel o princípio inspirador dessa discussão,
bem como em Frobenius o desenvolvimento teórico e empírico da mesma”.
De acordo com Torres e Kozel em “Paisagens sonoras: possíveis caminhos aos
estudos culturais em geografia” (2010) “todo som (falas, ruídos, músicas etc.) e todo
cheiro (perfumes, plantas, esgotos etc.) têm uma origem que está diretamente relacionada
ao lugar. Nossas percepções e nossos olhares perpassam nossas experiências e vivências
em diferentes tipos de espaços (...) a reflexão sobre a paisagem sonora, relata a
experiência com paisagens sonoras distintas, o que comprova que a paisagem sonora é
responsável por também conceder identidade ao lugar” e ainda continua, “as paisagens
sonoras concedem identidades aos lugares, e agem direta e constantemente em seus
moradores na contribuição à perpetuação das falas e sotaques, dos gostos musicais, e na
evocação de paisagens do passado, o que reforça valores existentes em cada indivíduo,
que pode contribuir para sua fixação em lugares distintos, e à criação do sentimento de
pertencimento a eles, pelo fato de apresentarem sonoridades que concedem familiaridade
na paisagem” (125 p.).

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Desta forma, entendendo que a indústria fonográfica antes da Era do Streaming
agia com usas fábricas locais para abastecer os mercados circunvizinhos e de sua própria
região (podendo também ser exportadora) – o(a) leitor(a) poderá entender isso melhor
mais abaixo - percebe-se que a escuta de um álbum musical pelas populações dos
territórios passava a contemplar aspectos da paisagem sonora deste ambiente, e que
também o(a) responsável pela arte musical do álbum levava as paisagens sonoras de seu
lugar de origem.
Entender a proposta de uma geografia que analise a fabricação de discos passa
igualmente pelo campo da geografia das indústrias (que está na geografia econômica),
afinal, o intuito do artigo é mostrar espacialmente as regiões que produziram as diversas
versões de cada álbum do cantor e compositor mineiro e, com isto, ser possível observar
de forma cartográfica a incursão do artista no mundo e seu “lugar” na indústria
fonográfica. Diretamente pode-se concluir que quanto maior a presença espacial, maior é
a influência e a importância de Milton. Contudo este artigo não tem o intuito de
aprofundar nos conceitos das geografias da música e da indústria, mas este preâmbulo foi
importante para localizar no campo teórico onde podem estar as percepções para justificar
uma análise a partir da dimensão espacial.

Os caminhos da pesquisa

O recorte de análise vai do álbum Milton Nascimento de 1967 (a partir de 1978


chamado por Travessia – e considerado seu primeiro LP. Antes dele, Nascimento gravou
um compacto, Barulho de Trem - 1964) até Tamarear (2015). O ponto de partida para o
levantamento discográfico foi o Discogs 1 e o próprio site2 do Bituca3 - onde é possível
determinar e coletar o que Milton considera como um disco da sua discografia oficial.

1 discogs.com.
2 miltonnascimento.com.br
3 Bituca é o apelido de Milton Nascimento.

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O Discogs por ser o maior marketplace do mundo voltado para mídias físicas,
permite coletar a procedência de cada obra e é alimentado pelos próprios usuários.
Todavia, alguma inconstância pode existir, no sentido de faltar algo, afinal, não é um
repositório de informação com a preocupação e com o rigor necessário para a pesquisa
acadêmica, mas o conteúdo existente é checado pelos próprios usuários, permitindo a
correção e o acréscimo ou decréscimo de dados (quando é observada alguma
inconsistência por alguém,). Os tipos de obras pesquisadas são álbuns em LPs, cassetes e
CDs (aqui chamados por versões cada edição diferente). Foram retiradas as trilhas para
filmes e teatro excetuando Maria Maria e o Último Trem - estas permaneceram por
constarem no site do cantor na seção “discos”.
Foram consideradas as seguintes obras de acordo com o site oficial do Milton 4:
Milton Nascimento (Travessia - 1967)
Courage (1968)
Milton Nascimento (1969)
Milton (1970)
Clube da Esquina (com Lô Borges) (1972)
Milagre dos Peixes (1973)
Milagre dos Peixes ao vivo (1974)
Native Dancer (com Wayne Shorter) (1975)
Minas (1975)
Geraes (1976)
Milton (1976)
Clube da Esquina 2 (1978)
Journey To Dawn (1979)
Sentinela (1980)
Caçador de Mim (1981)

4As datas de cada obra estão de acordo com o que foi colocado no site oficial – pode ser que existam
discordâncias entre elas, como por exemplo: no site, o álbum Native Dancer está como 1975 e em outras
fontes pode aparecer como 1974. Porém, a pesquisa privilegiará a informação contida no site.

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Anima (1982)
Missa dos Quilombos (com Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra) (1982)
Milton ao Vivo (1983)
Encontros e Despedidas (1985)
Corazón Americano (1986)
A Barca dos Amantes (1986)
Yauaratê (1987)
Miltons (1988)
Txai (1990)
O Planeta Blue na Estrada do Sol (1991)
Angelus (1993)
Amigo (com Orquestra Jazz Sinfônica, Rouxinóis Divinópolis e Crianças Programa
Curumim) (1995)
Nascimento (1997)
Os Tambores de Minas (1998)
Crooner (1999)
Milton Nascimento - Uma travessia musical (1999)
Gil & Milton (com Gilberto Gil) (2000)
Maria, Maria / Último Trem (2002)
Pietà (2002)
Milton Nascimento Travessia (2002)
Novas Bossas (com Jobim Trio) (2008)
Milton Nascimento & Belmondo (com Belmondo) (2009)
...E a Gente Sonhando (2010)
Uma Travessia 50 anos de carreira ao vivo (2013)
Tamarear (com Dudu Lima Trio) (2014)
Interessante perceber que “Sarah Vaughan With Milton Nascimento - Brazilian
Romance” (1997) não está presente e geralmente é dito como um álbum da discografia

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do cantor. A justificativa de não ser colocado neste rol se motiva na ausência na lista do
site oficial e por isso foi deixado de lado na pesquisa.
É importante ressaltar a singularidade de Ângelus (1993). Este álbum foi o último
de Milton a ser produzido na Era de Ouro do Vinil brasileira e paralelamente foi lançado
em CD nos EUA (mas também teve a edição em CD no Brasil no mesmo ano do LP).
Este exemplo demonstra a diferença de estágio entre a indústria fonográfica de países
mais desenvolvidos e a nacional. NO entorno deste período, o Brasil era considerado o
maior vendedor de discos de vinil do planeta enquanto EUA, Europa, Japão tinham
trocado a mídia do vinil para o CD e aqui, por questões econômicas, a mídia analógica
ainda imperava.
Ângelus, não só foi o último álbum solo em vinil gravado, como também pode ser
uma representação do mundo que acabou congratulando e respeitando Milton. Ângelus
tem faixas com artistas reconhecidos universalmente como Jon Anderson, James Taylor,
Peter Gabriel, Herbie Wayne, Pat Matheny entre outros e pontua gêneros do jazz, rock,
pop e MPB. Talvez, Ângelus seja a dimensão geográfica em forma de música que a
sonoridade miltoniana alcançou no planeta.
Por uma questão metodológica, que pode auxiliar o entendimento de quem é
Milton e como eram as diretrizes da indústria fonográfica entre os períodos da ‘Era de
Ouro do Vinil” e “Era do Streaming”, faz-se necessário entender, mesmo que
superficialmente, como era a indústria da música, e a forma como um artista entrava no
jogo desta indústria para se tornar conhecido e ouvido.

A indústria fonográfica ontem e hoje – um pequeno resumo

Antes do streaming e de existirem ofertas de música digital a partir das redes de


computadores (internet), a audição de uma música era feita ao vivo ou por intermédio das
mídias físicas, portanto, no local em que ela era tocada, e para um alcance geográfico
maior, só a partir das ondas de rádios ou da TV.

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Anterior a esta digitalização da música voltada para as redes de computadores, a
presença de um artista ou banda dependia de processos de distribuição das mídias
armazenadoras de áudio e, antes disso, serem “aceitos” na indústria fonográfica. Fábricas
eram necessárias para multiplicarem essas mídias e todo um aparato especial de
distribuição das cópias.
Para uma pessoa conhecer um novo artista ou ter acesso ao trabalho de algum,
dependia da rede de distribuição e da facilidade de acesso para adquirir, bem como, de
uma localização que recebesse os sinais da rádio e/ou da TV. Em suma, o acesso à música
dependia de vários fatores que acabavam privilegiando certos locais e desprestigiando
outros de acordo com a geografia e a economia de cada região. Grandes cidades e locais
mais ricos eram mais bem abastecidos de discos e de sistemas de rádio e TV, enquanto
cidades menores, regiões mais longínquas e/ou pobres tinham dificuldade em “receber o
artista”.
Partindo desta premissa que a presença do artista (compreendendo que a presença
aqui quer dizer o seu disco e a capacidade de ouvir suas canções e não shows e ou
concertos ao vivo) dependia de fatores externos à sua produção e qualidade musical,
pode-se inquirir que quanto mais países seus discos eram multiplicados, maior era sua
penetração nas massas e mais importante sua obra se tornava.
Para um artista entrar na indústria fonográfica e ter acesso às benesses que
poderiam receber por estarem “assinando um contrato”, sua obra precisava ter o aval da
indústria fonográfica, mais precisamente, de uma gravadora. Para ele ser o “escolhido”
são vários fatores que a estariam em jogo e um exemplo pode ser dado, a partir da obra
de André Midani, “Do vinil ao download” de 2015. Midani dizia que a escolha dos artistas
teve duas épocas distintas e dois processos:

“Era 1985. E desde 1970 o espetacular crescimento do mercado mundial da indústria


fonográfica havia chamado a atenção dos grandes conglomerados da comunicação, que
compraram todas as companhias independentes de discos que existiam no mundo,
frequentemente pagando um valor equivalente a 15 anos do lucro estimado. Essa

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entropia atingiu em cheio a política das gravadoras, que, até então, contratavam artistas
com base na personalidade, no carisma e na capacidade poética. Pouco a pouco, esses
valores passaram a ser démodés. Até aquele momento, respeitava-se a premissa de que,
para desenvolver um artista, se levaria pelo menos três anos: o primeiro disco era
sempre considerado um teste de mercado, e perder dinheiro era uma contingência; com
o segundo, ainda se perdia algum, porém muito menos; no terceiro, dava para recuperar
as perdas; e, a partir do quarto disco, se poderia finalmente esperar ganhar dinheiro —
e, às vezes, de fato, muito dinheiro. Durante esse período evolutivo, o público e o artista
tinham tempo para desenvolver, simultaneamente, um relacionamento
progressivamente íntimo e duradouro. Eu inclusive sempre tinha receio quando um
artista fazia sucesso com seu primeiro disco; a cabeça dele geralmente enlouquecia e o
segundo disco perigava ser um fracasso do qual não se recuperaria.
A partir daquele momento, de repente ficou distante o sonho dos fundadores dessa
indústria a que chamavam de “A indústria da felicidade humana”. Ficou longe a época
em que as gravadoras eram dirigidas por quem gostava de música, sendo, ao mesmo
tempo, bom administrador. Ficou longe a era da competição amigável e ética entre as
companhias. De súbito, os conglomerados disseram “Fora com os líderes criativos e
dentro com os tecnocratas”, sob o pretexto de que os contratos artísticos estavam se
tornando demasiadamente complexos e custosos para deixar a direção dos negócios nas
mãos de gente com paixão pela música”. (2015, 225 e 226p.)

Assim, podemos perceber que a aceitação de um artista pela indústria fonográfica


e a posterior distribuição de sua obra estava mais ligada às lógicas mercadológicas que
esta indústria acreditava que quaisquer outros aspectos. Com isto, pode-se entender que
a música tem várias conotações enquanto produto e um ponto importante a ser percebido
é que a Era atual dos Discos de Vinil difere dos tempos áureos dos discos pretos de
plástico e houveram momentos em que a Era de Ouro do Vinil permanecia em algumas
regiões e já estava terminada em outras (final dos anos 80 até o início dos anos 2000) –
isso foi ocasionado pelo investimento na substituição de maquinário para reprodução das
mídias em cada região, bem como da capacidade econômica de cada uma para adquirir a
mídia vindoura que era o CD, e este produto para o consumidor no início da sua
implantação, era mais caro que um disco de vinil. Acrescente neste caso as crises
econômicas brasileiras que geraram e ainda geram uma verdadeira balança da posição do
país no mercado consumidor de discos.
Sobre o vinil atualmente, Glauco Machado em Conversa de Vinil: a Nova Era de
Ouro dos Discos de Vinil (2017) diz que “antes de qualquer coisa, é importante
salientarmos: essa Nova Era não se equipara à antiga de meados dos anos 90 para baixo.
Neste período, os discos de vinil eram senhores absolutos nas vendas de música e

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reinavam como grandes imperadores da indústria fonográfica. No tempo de hoje, há
diferenças não apenas no número de vendagens (vendemos bem menos que no período
mencionado) como também na forma de se entender a cultura do vinil – na hodiernidade,
essa cultura não se restringe na aquisição do álbum para escutar em casa ou em outros
locais, ela se diferencia, pois há uma espécie de culto e salvaguarda da mídia preta de
plástico, bem como, um entendimento maior sobre suas qualidades perante as outras
mídias” (2017, 7p.).
É sabido que com o advento do streaming a extensão da audição de qualquer
artista ou banda pode ser mundial. Os serviços de streaming de música, em tese, são mais
democráticos e quebraram estas políticas de escolhas das grandes gravadoras. Ele, de
certa forma, democratiza o acesso às melodias quando permite que os artistas (desde que
detentores dos direitos da obra) possam livremente colocar seus fonogramas no serviço e
possibilita as pessoas acessarem as canções no local que estiverem e com parcos sistemas
de som - um smartphone é o suficiente para ouvi-las.
Porém, não basta um cantor ou banda colocar suas melodias em algum destes
serviços e achar que mesmo que a distribuição seja facilitada, que várias regiões e pessoas
terão acesso, suas canções serão ouvidas. Na prática, os esquemas de negócios da
indústria da música mudaram e outras arquiteturas e estratégias são necessárias para que
o artista seja ouvido. Ou seja, por mais que exista um processo mais democrático e com
menos interferências por parte de terceiros, fazer a música chegar ao ouvido das pessoas
continua uma tarefa árdua e difícil – o serviço de streaming aceitou suas canções, pode
ter certeza de que elas estarão aptas a serem escutadas em todos os locais que o serviço
permita, mas isso não quer dizer que elas serão ouvidas.
No que tange a qualidade da música como premissa para entrar neste mercado,
entende-se que uma música consegue ser mais rebuscada e harmonicamente mais
trabalhada e outra ser de mais fácil entendimento, harmonicamente pobre e mais popular,
enquanto a primeira poderia ser mais elitizada e mais culta. Uma mais comercial e outra
menos e assim pode-se entender que existem vários tipos de música, e este artigo não vai
entrar na seara sobre a qualidade musical. O entendimento sobre a qualidade de uma

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canção faz um paralelo com o raciocínio de Rodrigo Faour em “História da Música
Popular Brasileira sem preconceitos: dos primórdios, em 1950 aos explosivos anos 70”
quando, logo no início de sua obra diz que “não existe uma música popular brasileira.
Existem várias” e ao explicar este assunto demonstra que todos os estilos são válidos, que
cada artista tem um objetivo com sua música (ser politizada ou não, ser mais comercial
ou não e etc.) e que “muito do que já foi considerado “menor” um dia, com o tempo, virou
“clássico” e vice e versa” (2021, 13p.). Esta explicação serve para qualquer entendimento
sobre qualidade musical e como os executivos de gravadoras a vêm, afinal, música para
eles é um produto. E pensando assim como Faour, evita-se preconceitos estéticos e
prepara para o entendimento de que artista com apelo internacional não é sinônimo de
qualidade musical e que artista com a “dita qualidade” não quer dizer que seja aceito pela
sociedade como algo a ser consumido por ela – vide o que Midani disse acima explicando
as mudanças na escolha dos artistas pelas grandes gravadoras. Portanto, artistas para se
tornarem mundialmente famosos dependiam da entrada nesta grande indústria da música
e a distribuição de seus discos em vários países e regiões. Uma banda, por exemplo, podia
ter uma qualidade musical esplendida, mas se não houvesse distribuição de seu produto
musical (discos) em mais locais, ela estaria fadada a ser uma banda esplendida e
reconhecida apenas no seu local.
Porém, Milton era, é, e sempre foi sinônimo de qualidade musical. Reconhecido
mundialmente e aclamado por músicos dos mais diferenciados gêneros.

A geografia de Milton Nascimento5

Abaixo a tabela com o nome da obra, os países onde foi fabricada e o número de
versões.
As versões são o número de vezes que uma obra foi reeditada (podendo sofrer
modificações como, por exemplo, nova remasterização, inclusão de faixas bônus etc. ou,

5O Brasil não constará na coluna países, pois subtende-se estar presente em todos. Quando não
presente em algum álbum, haverá uma observação.

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simplesmente, apenas uma reedição). Este número pode contemplar vários tipos de
mídias nos mais distintos anos que cada edição foi realizada. Por exemplo: Milton
Nascimento & Belmondo (2009) foram duas versões na França em dois tipos de CDs em
2008 (um promocional e outro comercial), uma em CD em Portugal também em 2008 e
uma em CD no Brasil em 2009, totalizando 4 versões.

Obra País Total de versões


Milton Nascimento (Travessia - França, Portugal, Espanha, 20
1967) Japão
Courage (1968) EUA, México, Itália, Japão, 34
Alemanha, Reino Unido,
Europa**
Milton Nascimento (1969) Japão, Reino Unido 12
Milton (1970) Japão 13
Clube da Esquina (com Lô EUA, Japão, Itália, Reino 27
Borges) (1972) Unido, Europa
Milagre dos Peixes (1973) EUA, Alemanha, Japão, 28
Europa, Argentina, Canadá,
França
Milagre dos Peixes ao vivo Portugal, Japão 12
(1974)
Native Dancer (com Wayne Japão, EUA, Europa, Reino 26
Shorter) (1975) Unido, Canadá, Austrália,
Espanha
Minas (1975) Japão, EUA 15
Geraes (1976) Japão 18

**Europa quer dizer que uma das edições foram feitas em um determinado país para distribuição no
continente europeu

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Milton (1976) EUA, Japão, Canadá, 29
Argentina, Europa, Itália,
Portugal, Espanha
Clube da Esquina 2 (1978) Europa, Itália, EUA 12
Journey To Dawn (1979) EUA, Argentina, Canadá, 15
Holanda, Japão, Portugal,
Espanha, Uruguai
Sentinela (1980) Argentina, França, Japão, 22
Europa, Itália, Portugal,
Espanha, EUA
Caçador de Mim (1981) Portugal, Argentina, França, 17
Coreia do Sul, EUA
Anima (1982) Japão, Portugal, Argentina, 18
França, EUA
Missa dos Quilombos (com Portugal, EUA, França, 12
Pedro Casaldáliga e Pedro unknown***
Tierra) (1982)
Milton ao Vivo (1983) Argentina, Portugal, França, 18
Japão, Uruguai, Venezuela
Encontros e Despedidas (1985) EUA, França, Japão, Espanha, 20
Alemanha, Portugal, Venezuela
Corazón Americano (1986) Argentina, Alemanha, Espanha, 11
Equador, México, Uruguai

*** Unknown é uma palavra inglesa que quer dizer “desconhecido”. Usa-se este termo para determinar

que uma obra tem seu país de origem desconhecido – ocasionalmente, estes casos podem estar ligados
a algum álbum pirata que foi colocado por usuário do Discogs ou é alguma edição que não deu
importância em determinar a origem da obra.

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A Barca dos Amantes (1986) Japão, EUA, Alemanha, 11
Portugal
Yauaratê (1987) Japão, Canadá, Europa, EUA, 17
Argentina, México, Holanda,
Portugal, Espanha, Venezuela
Miltons (1988) Japão, EUA, Holanda, Portugal, 16
Espanha
Txai (1990) EUA, Espanha, Canadá, 16
Europa, Japão, Holanda, Reino
Unido, unknown
O Planeta Blue na Estrada do Japão, Espanha, Europa 09
Sol (1991)
Angelus (1993) EUA, Europa, Japão 11
Amigo (com Orquestra Jazz Japão, EUA, Europa, França 08
Sinfônica, Rouxinóis
Divinópolis e Crianças
Programa Curumim) (1995)
Nascimento (1997) Eua, Europa 06
Os Tambores de Minas (1998) Alemanha, Japão, EUA 07
Crooner (1999) Alemanha, EUA 04
Milton Nascimento - Uma Edição especial para Reader's 01
travessia musical (1999) Digest Música – Box com 5
CDs – Brasil ****
Gil & Milton (com Gilberto Europa, EUA, Argentina, Japão 09
Gil) (2000)

**** Álbuns que só tiveram versões no Brasil

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Maria, Maria / Último Trem CD com as duas obras em uma 05 em CD, 02 do
(2002) única mídia: Brasil, Japão, LP duplo Maria
EUA, Argentina, Europa*** Maria e 01 do LP
LP duplo e separados por obra: duplo Último
Maria Maria e Último Trem - Trem
Reino Unido
(os discos de vinil não foram
vendidos e nem fabricados no
Brasil – somente vendidos por
importação)
Pietà (2002) Europa, Alemanha, EUA 05
Milton Nascimento Travessia França e Portugal 05
(2002)
Novas Bossas (com Jobim Japão, Argentina, Europa, EUA 06
Trio) (2008)
Milton Nascimento & França, Portugal 04
Belmondo (2009)
...E a Gente Sonhando (2010) Brasil 01
Uma Travessia 50 anos de Brasil 02
carreira ao vivo (2013)
Tamarear (com Dudu Lima Brasil 01
Trio) (2014)
Fonte: levantamento do autor

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O mapa mundi miltoniano, mostra a seguinte distribuição geográfica da obra6:

Os discos do cantor tiveram versões nos seguintes países e continentes -


totalizando 18 nações com o Brasil:
América do Sul: Brasil, Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela
América do Norte: Canadá, México e EUA
Europa (entendendo que há uma produção com viés continental para distribuição
onde os discos são editados com a “chancela” Europa): Portugal, Espanha, França, Reino
Unido, Holanda, Alemanha e Itália
Ásia: Japão e Coréia do Sul
Oceania: Austrália
Assim, Milton Nascimento teve edição em todos os continentes do mundo com
exceção da África e Antártica.
Uma observação interessante é que se o álbum “Brazilian Romance” (1987 - Sarah
Vaughan with Milton Nascimento) estivesse na lista acrescentaria Filipinas, Israel,

6 O círculo delimita ao continente europeu

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Grécia, Rússia, África do Sul e Turquia. Totalizando 24 nações, presente em todos os
continentes (menos, obviamente a Antártica) e sendo representado pelo mapa abaixo:

A consideração de ambos os mapas é importante - mesmo com o acréscimo ou


não de “Brazilian Romance” (1987) - pois, de fato, o nome e a obra de Milton Nascimento
tem uma dimensão territorialmente importante e grande, principalmente se for analisado
que as representações territoriais coincidem com as dos países com o maior consumo de
produtos da indústria fonográfica.
Mais um fator importante que a dimensão espacial oferece é que Milton deixa de
ser um artista somente do território brasileiro e passa a ter uma dimensão internacional.
Suas obras têm, desde o primeiro disco, versões em várias partes do mundo e, assim, ele
pode ser entendido desde os primórdios de suas criações. Milton tem sua obra
internacionalizada e, consequentemente, passa a ser objeto de percepção em várias partes
do mundo.
No quesito da economia de produtos culturais, pode-se inquerir pelas cores dos
mapas e pela quantidade de versões de cada disco, que Milton é um dos maiores
exportadores de produtos culturais do Brasil.

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Conclusão

Alguns recortes poderiam analisar melhor a geografia de Milton Nascimento no


tocante ao consumo de seus discos a partir do número de versões. Por exemplo o Japão,
e EUA, quase e por pouco, tiveram todas as obras editadas pelo menos uma única vez.
Há álbuns de Milton que tiveram mais versões em outros países que no Brasil, por
exemplo, “Wayne Shorter Featuring Milton Nascimento - Native Dancer” (1975) teve 14
versões no Japão, 13 nos EUA, 5 versões europeias, e 3 no Reino Unido e apenas duas
no Brasil; “Yauaretê” (1987), 3 no Japão e 2 no Brasil (mesmo número que no Canadá)
e, para fechar os exemplos, “Milton” (1976) teve mais versões nos EUA que no Brasil, 8
e 6 respectivamente. Analisar as versões poderia criar outras perspectivas para investigar
a dimensão espacial da obra miltoniana, infelizmente este artigo não teve este alcance,
mas pode ser uma pesquisa a posteriori.
A IFPI (International Federation of the Phonographic Industry) que é o órgão
responsável em aglutinar e organizar políticas para as maiores gravadoras do mundo com
sede nos EUA e que também faz estatísticas e balanços anuais desta indústria, sempre
pontua, desde sua criação, os maiores mercados de música do mundo. De acordo com
esta Federação de 1981 até 1998 os maiores países consumidores de mídias musicais eram
(em ordem crescente): EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, França, Brasil, Canadá,
Espanha, Austrália e Itália. Em 2008 seria EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, França,
Canadá, Austrália, Itália, Espanha, Holanda, Rússia e em 12º lugar, Brasil. Em 2020 num
dos mais atuais balanços da IFPI a lista seria: EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha,
França, Coreia do Sul, China, Canadá, Austrália e Holanda – vale ressaltar que nos
balanços dos últimos anos o streaming entra na análise.
Ou seja, a obra de Milton esteve, nem que seja um único álbum, nos países mais
importantes para a indústria fonográfica e a presença quase que constante de seus
fonogramas em países como EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha e França só demarca
a importância de seu nome para esta indústria e o consagra como uma das maiores
reputações da música e da cultura brasileira no mundo.

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Perceber a obra miltoniana a partir da sua dimensão espacial é um exercício
interessante para avaliar a abrangência de suas criações. Perceba-se que Milton é,
realmente, um cidadão do mundo e eleva a arte e o Brasil.
Cais:
(Milton Nascimento e Ronaldo Bastos - 1972)
Para quem quer se soltar
Invento o cais
Invento mais que a solidão me dá
Invento Lua nova a clarear
Invento o amor
E sei a dor de encontrar

Eu queria ser feliz


Invento o mar
Invento em mim o sonhador

Para quem quer me seguir


Eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar

Eu queria ser feliz


Invento o mar
Invento em mim o sonhador

Milton inventou o cais, inventou o sonhador que cria sonhos em nós, fez uma
legião de fãs a o seguir e se lançou sem medo neste mundo. Milton inventou um mar de
criações numa proporção que poucos artistas brasileiros (quiçá uma meia dúzia)
conseguiram. Milton é mundo e é Brasil!
Salve Milton Nascimento!

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Referencias

Faour, Rodrigo. História da Música Popular Brasileira sem preconceitos: dos primórdios,
em 1950 aos explosivos anos 70. Rio de Janeiro: Record, 2021

Machado, Glauco José Couri. Conversa de Vinil: a Nova Era de Ouro dos Discos de Vinil.
Pará de Minas: Virtual Books Editora, 2017

Midani, André. Do vinil ao download. 1ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015

Milton Nascimento. Discogs <https://www.discogs.com/pt_BR/artist/83723-Milton-


Nascimento> acesso em 20 de janeiro de 2022

Milton Nascimento. Discografia <http://www.miltonnascimento.com.br/discos.php>


acesso 03 de fevereiro de 2022

Nascimento, Milton e Bastos, Ronaldo. Cais. In Milton Nascimento e Lô Borges. Clube


Da Esquina. San Francisco: 4 Men With Beards. C2010. 2 LP. Faixa A2.

PANITZ, Lucas Manassi. Geografia e música: uma introdução ao tema. Biblio 3W.
Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona:
Universidad de Barcelona, 30 de mayo de 2012, Vol. XVII, nº 978.
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Torres, Marcos Alberto e Kozel, Salete. Paisagens sonoras: possíveis caminhos aos
estudos culturais em geografia in Revista RA ́E GA, Curitiba: Ed. UFPR, n. 20, p. 123-
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