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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CLAUDIA MENDES

SINGULAR E PLURAL
Roger Mello e o livro ilustrado

Rio de Janeiro
2011
CLAUDIA MENDES

SINGULAR E PLURAL
Roger Mello e o livro ilustrado

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Artes Visuais (Imagem e cul-
tura), Escola de Belas Artes, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos neces-
sários à obtenção do título de Mestre em Artes Vi-
suais (Imagem e Cultura).

Orientador: Dr. Amaury Fernandes

Rio de Janeiro
2011
Mendes, Claudia
M538 Singular e plural: Roger Mello e o livro ilustrado / Claudia Mendes.
2011.
224 f. : il; 29,7 cm.

Orientador: Amaury Fernandes.


Dissertação (mestrado) – UFRJ/EBA, Programa de Pós-graduação em
Artes Visuais, 2011.

1. Ilustração de livros. 2. Mello, Roger. I. Fernandes, Amaury. II. Uni-


versidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Belas Artes. III. Título. IV.
Roger Mello e o livro ilustrado.
CDD 741.6
CLAUDIA MENDES

SINGULAR E PLURAL
Roger Mello e o livro ilustrado

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Artes Visuais (Imagem e cul-
tura), Escola de Belas Artes, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos neces-
sários à obtenção do título de Mestre em Artes Vi-
suais (Imagem e Cultura).

Aprovada em

Dr. Amaury Fernandes


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Dr. Rogério Medeiros


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Dra. Nilma Lacerda


Universidade Federal Fluminense
Para minha avó Antonietta,
que me contava histórias da imaginação e da vida,

Para minha mãe Hortência,


que me deu livros lindos e entendeu minha fome de arte,

Para minha filha Juliana,


que embarcou no meu amor pelas histórias
contadas, escritas e desenhadas

Para minhas netas que um dia virão,


a quem contarei histórias como as da minha avó...
AGRADECIMENTOS

Antes de mais nada, agradeço ao PPGAV, especialmente à linha de pesquisa Imagem e Cultura,
pelo ambiente acolhedor e estimulante para tantas pesquisas que, como a minha, situam-se em
zonas limítrofes.

Ao meu orientador Amaury Fernandes Jr., por acreditar no meu projeto quando ele ainda era
um sonho, e aos demais membros da banca de qualificação, professores Nilma Lacerda e Rogé-
rio Medeiros, sempre tão atenciosos e gentis.

Aos professores Margareth Mattos e William Braga, pelos comentários incentivadores quando
este projeto começou a tomar forma.

Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro, que permitiu uma dedicação intensa à pesquisa e a
ida a congressos internacionais que muito a enriqueceram.

Aos meus queridos colegas de curso, pela convivência afetuosa, democrática e fecunda entre
mestrandos e doutorandos, em especial à Elaine, que comigo compartilhou aventuras e desven-
turas de orientação.

A todos os que me apoiaram compartilhando conversas, carinhos, livros, pesquisas, especial-


mente Teresa Kikuchi, que generosamente disponibilizou seu trabalho de conclusão de curso.

À querida Ninfa Parreiras e todas as Letras Falantes, pela alegria do convívio que se mantém
mesmo à distância, um estímulo constante.

Ao Roger Mello, o melhor “objeto de pesquisa” que pode existir.

À querida Bete, sem cujo apoio cotidiano eu não poderia me dedicar aos estudos.

Ao Cadu, pelos caminhos compartilhados “na alegria e na tristeza” que muito me têm feito cres-
cer.
Ilustração de Jessie Willcox Smith para
A Child’s Garden of Verses,
de Robert Louis Stevenson, 1905.

Era uma vez uma garotinha curiosa que adorava livros,


cresceu e foi estudar design gráfico,
na faculdade foi colega de um artista “da pá virada”,
trabalhou muito, virou mãe, contou histórias,
resolveu estudar mais, conheceu mais gente “da pá virada”
e agora vai contar a história desta história...
RESUMO

MENDES, Claudia. Singular e plural: Roger Mello e o livro ilustrado. Rio de Janeiro, 2011.
Dissertação (Mestrado em artes Visuais). Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2011.

Esta pesquisa examina os livros ilustrados de Roger Mello, um artista que se destaca en-
tre o grupo de ilustradores contemporâneos que vêm afirmando a autonomia artística da ilus-
tração brasileira. Escritor, ilustrador, designer, em seus livros ilustrados nota-se uma fértil inte-
ração entre as narrativas verbais e visuais.
Investiga-se a natureza e constituição de suas próprias emoções, pensamentos e sensibili-
dades; os signos que emprega para expressá-las – principalmente os visuais, sem perder de vis-
ta sua “convergência intersemiótica” com os signos verbais, característica singular dos livros
ilustrados; como suas propostas comunicam-se com outras pessoas – principalmente os leito-
res em formação, sem deixar de considerar os adultos, mediadores que facilitam o acesso aos li-
vros; e finalmente como esta comunicação ultrapassa os limites da expressão pessoal para cons-
truir uma sensibilidade social.
As bases teóricas privilegiadas para lidar com o objeto desta pesquisa são a antropologia
(especialmente a etnografia), a semiótica e a sociologia da arte, que permitem 1) considerando
a ilustração como uma forma de arte e como um sistema cultural, analisá-la para falar da socie-
dade e 2) considerando a ilustração como uma linguagem – ou seja, um sistema de signos du-
plamente articulados que exprimem pensamentos – analisar os signos visuais e as mensagens
por eles veiculadas.

Palavras-chave: Roger Mello, livro ilustrado, ilustração.


ABSTRACT

MENDES, Claudia. Singular e plural: Roger Mello e o livro ilustrado. Rio de Janeiro, 2011.
Dissertação (Mestrado em artes Visuais). Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2011.

This research deals with picturebooks created by Roger Mello, an outstanding artist
among contemporary illustrators that have been affirming the artistic autonomy of Brazilian il-
lustration. Writer, illustrator, designer, he shows in his books a fertile interaction between ver-
bal and visual narratives.
Here are investigated the nature and constitution of his own emotions, thoughts and sen-
sibilities; the signs he uses to express them – mainly the visual ones, keeping in mind its “semio-
tic convergence” with verbal ones, a singular characteristic of picturebooks; how his proposals
communicate with other people – mainly young readers, though not forgetting adults that me-
diate their access to books; and finally, how this communication surpasses the limits of perso-
nal expression to constitute a social sensitiveness.
The theoretical references used are anthropolgy (mainly ethnography), semiotics and so-
ciology of art, that allow: 1) regarding illustration as an art form and as a cultural system, ana-
lyse it to talk about society and 2) regarding illustration as a language – that is, a system of dou-
ble articulated signs that express thoughts – analyse visual signs and the messages they convey.

Keywords: Roger Mello, picturebooks, illustration.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Capítulo 1
Figura 1. Certidão de nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Figura 2. Carteira de identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Figura 3. Passaporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Figura 4. Páginas de Songs of Innocence and Experience. William Blake, 1789 . . . . . . . . . . 54
Figura 5. Capas americana e brasileira e ilustração de Lenda da Carnaubeira,
de Paulo Werneck, 1939. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Figura 6. Tomás Santa Rosa. Capas de livros e estudo para cenário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Figura 7. Caderno de desenhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

Capítulo 3
Figura 8. Livros ilustrados por ano / tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Figura 9. Livros ilustrados por década / tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Figura 10. Livros premiados por tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106
Figura 11. Capas distribuídas por ano da 1ª edição, reproduzidas em 1/8 do
tamanho original (12,5%), mostrando variação de tamanhos e formatos . . . . . 109
Figura 12. Obras constantes do corpus conforme classificação do autor
para o prêmio HCA 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
Figura 13. Predominância de texto ou imagem nos cinco livros
mais importantes, escolhidos pelo autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
Figura 14. Jardins. Sobrecapa vazada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
Figura 15. Jardins. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
Figura 16. Jardins. 2ª capa e página 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
Figura 17. Jardins. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Figura 18. Jardins. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Figura 19. Jardins. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Figura 20. Meninos do mangue. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Figura 21. Meninos do mangue. 2ª capa e página 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Figura 22. Meninos do mangue. Folha de rosto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Figura 23. Meninos do mangue. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Figura 24. Meninos do mangue. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
Figura 25. Nau Catarineta. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Figura 26. Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Figura 27. Nau Catarineta. 2ª capa e página 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Figura 28. Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Figura 29. Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Figura 30. Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Figura 31. João por um fio. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Figura 32. João por um fio. Guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Figura 33. João por um fio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Figura 34. João por um fio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Figura 35. João por um fio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Figura 36. Carvoeirinhos. Lâmina em pop up no miolo do livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
Figura 37. Carvoeirinhos. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
Figura 38. Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
Figura 39. Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
Figura 40. Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
Figura 41. Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
Figura 42. A flor do lado de lá. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Figura 43. A flor do lado de lá. Miolo, página em pb . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Figura 44. A flor do lado de lá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Figura 45. A flor do lado de lá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Figura 46. O gato Viriato. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Figura 47. O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Figura 48. O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Figura 49. O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Figura 50. O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Figura 51. O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Figura 52. O próximo dinossauro. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Figura 53. O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Figura 54. O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Figura 55. O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Figura 56. O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Figura 57. Maria Teresa. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Figura 58. Maria Teresa. Falsa guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Figura 59. Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Figura 60. Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Figura 61. Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
Figura 62. Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
Figura 63. Bumba meu boi Bumbá. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Figura 64. Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Figura 65. Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Figura 66. Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Figura 67. Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Figura 68. Viriato e o leão. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Figura 69. Viriato e o leão. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Figura 70. Viriato e o leão. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Figura 71. Cavalhadas de Pirenópolis. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Figura 72. Cavalhadas de Pirenópolis. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Figura 73. Cavalhadas de Pirenópolis. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Figura 74. Cavalhadas de Pirenópolis. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Figura 75. Griso, o unicórnio. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Figura 76. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Figura 77. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Figura 78. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Figura 79. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Figura 80. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Figura 81. A pipa. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Figura 82. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Figura 83. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Figura 84. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Figura 85. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Figura 86. Todo cuidado é pouco. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
Figura 87. Todo cuidado é pouco. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
Figura 88. Todo cuidado é pouco. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
Figura 89. Vizinho, vizinha. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Figura 90. Vizinho, vizinha. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Figura 91. Vizinho, vizinha. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Figura 92. Desertos. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 93. Desertos. Guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 94. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 95. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 96. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 97. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 98. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
Figura 99. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
Figura 100. Zubair. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Figura 101. Zubair. Capa aberta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Figura 102. Zubair. Orelha com 2 dobras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Figura 103. Zubair. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Figura 104. Zubair. 4ª capa dobrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Figura 105. Zoo. Dobraduras do miolo abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Figura 106. Zoo. Luva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Figura 107. Zoo. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Figura 108. Zoo. Aba esquerda aberta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Figura 109. Zoo. Quatro abas abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Figura 110. Ossos do ofício. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Figura 111. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Figura 112. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Figura 113. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Figura 114. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Sumário


PRÓLOGO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

CAPÍTULO 1 – ROGER MELLO, UM ARTISTA INQUIETO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31


1.1 Modos de estar no mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
1.1.1 Brasília, o início de tudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
1.1.2 Rio de Janeiro: primeira estação para ganhar o Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
1.1.3 Carimbando o passaporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
1.2 “Quero ser um generalista”: questões do seu tempo e lugar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
1.3 A ilustração: um olhar emocionado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

CAPÍTULO 2 – O LIVRO (INFANTIL?) ILUSTRADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68


2.1 De objeto pedagógico a objeto estético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
2.2 Era uma vez no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
2.3 Mercado editorial e os três níveis da cultura (popular, oficial, de massa) . . . . . . . . . . . 81
2.4 Comunicação visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
2.4.1 Ilustração: uma linguagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
2.4.2 Projeto gráfico: um corpo para a alma do livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

CAPÍTULO 3 – NARRATIVAS VISUAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101


3.1 Catalogação da obra (1990-2009) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.2 Classificação das narrativas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
3.2.1 Quanto ao tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
3.2.2 Quanto à interação palavra/imagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
3.2.3 Quanto à temática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
3.3 Repertório visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
3.3.1 Signos icônicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
3.3.2 Signos plásticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
3.3.3 Referências visuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
3.3.4 Técnicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
3.3.5 Tipografia: a “imagem das palavras” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
3.3.6 Projeto gráfico: o livro como objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
3.4 Análise do corpus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196

APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199

ANEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
14

Prólogo


Dividida entre o risco de quebrar o protocolo acadêmico adotando ao longo deste traba-
lho um tom narrativo, beirando o literário, e as sensatas advertências de meu orientador, deci-
di assumir um caminho intermediário – por vezes ligeiramente irreverente, mas não irrefleti-
do, por acreditar que “saber e sabor” caminham de mãos dadas, invocando em meu favor a
“bênção” de Roland Barthes (1996). Invoco também Edgar Morin em defesa da incorporação
de nossa afetividade “do sul” ao pensamento científico “do norte”1 – afinal, como dizem Frey-
re (2006), DaMatta (1997) e Canclini (2006), a miscigenação é elemento característico de nos-
sa identidade cultural.
Já se vê, pelas companhias que escolho, meu gosto pela aventura em território científico
recentemente desbravado, com ainda muito a explorar. Estamos nos domínios da literatura in-
fantil e de seus criadores, seu imaginário, seus entusiastas. Podemos aqui nos aproximar de suas
origens – as narrativas mitológicas – e seguir a jornada do herói,2 que parte do domínio do co-
nhecido para realizar tarefas em paragens desconhecidas, trazendo no retorno o fruto de sua
jornada para ser compartilhado coletivamente. É chegada a hora, aqui vamos nós...

1 Conferência proferida na Academia Brasileira de Letras – ABL, Rio de Janeiro, em 8 de julho de 2009, data em
que completava 88 anos.
2 CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1992.
15

Introdução


O que eu quero com os meus livros é dividir um pouco esse


meu olhar que é um olhar emocionado e, de certa maneira,
estrangeiro, porque a gente consegue ser um pouco
estrangeiro dentro do nosso país.
Roger Mello1

Quem não guarda em suas memórias afetivas da infância um “causo” ouvido dos avós,
uma história lida à noite pelos pais, um livro descoberto em segredo, o impacto de uma figura
desenhada que ganhava vida com a imaginação? Encantamo-nos com as narrativas orais,
coletivas, e descortinamos um universo de significados ocultos nas imagens, desvelados em
nosso íntimo, empregando um repertório progressiva e imperceptivelmente adquirido,
somado às nossas próprias subjetividades, até que chegamos ao universo da letras. De início,
elas são as “imagens das palavras” (Joly, 2008, p.110) ouvidas de um narrador/leitor mais
experiente, identificadas em letreiros, rabiscadas como construção da identidade na grafia do
próprio nome. Depois, um novo encanto surge, um universo de significados fixados em tinta
sobre papel (em breve, em pixel sobre tela luminosa?) se desvela ao folhear as páginas de um
objeto sedutor – o livro.2
Assim como tantos escritores e ilustradores, meu envolvimento com este objeto é
antigo, vem da infância: alfabetizei-me precocemente, por minha própria conta, para não
precisar esperar pelo (sempre pouco para meu desejo) tempo livre de que os adultos
dispunham para ler em voz alta para mim. Ler as imagens dos livros ilustrados era (e continua
sendo) um outro grande prazer oferecido por estes objetos.
Sendo leitora entusiasmada, também gostava eu mesma de escrever, e mais ainda de
desenhar; gosto que me acompanhou por toda a juventude. Porém, chegada a hora de

1
Entrevista concedida para LEIABRASIL. Disponível online em http://www.leiabrasil.org.br/index.
php?leia=depoimentos/depoimento_roger_mello. Acesso em 15 jan. 2010.
2
Sobre o encanto do livro ilustrado, ver OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de
ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
16

escolher uma profissão, percebi que não seria capaz de ganhar a vida como artista plástica ou
ilustradora, “vendendo” desenhos ou pinturas – para mim, por demais preciosos para serem
comercializados.
As memórias afetivas de leitora mirim somadas a um interesse crescente pela
materialidade do livro levaram-me, na juventude, à escolha pela formação profissional em
design gráfico e, na maturidade, ao estudo do livro ilustrado. Assim, tornei-me uma artista
gráfica, planejando o aspecto material dos livros, fazendo a conexão entre palavras e imagens
e, o melhor de tudo, mantendo estreito contato com os criadores de imagens – os ilustradores.
A paixão da infância uniu-se às necessidades práticas da vida adulta.
Após uma longa carreira projetando graficamente livros infantis, surgiu a vontade de
aprofundar o envolvimento intelectual com estes fascinantes objetos, e também de
compartilhar a experiência acumulada com as novas gerações, especialmente com os futuros
profissionais ligados ao mercado editorial – editores, ilustradores, designers, críticos, etc –,
bem como com pessoas envolvidas com a formação de leitores – professores do ensino
fundamental, pais, estudantes, etc. Há no Brasil uma séria deficiência de formação profissional
nos muitos aspectos relacionados ao livro infantil, e eu gostaria de unir meus esforços àqueles
de tantos outros profissionais e educadores empenhados em contribuir para a melhoria deste
cenário.
As escolhas materializadas na presente dissertação em Artes Visuais, na linha de
pesquisa Imagem e Cultura, refletem algumas preocupações nascidas durante o curso de
especialização em Literatura Infantil e Juvenil na Universidade Federal Fluminense – UFF,
iniciado em 2007, mas que vêm sendo gestadas ao longo dos muitos anos de prática como
designer editorial, desde a graduação em Comunicação Visual na Escola Superior de Desenho
Industrial da Universidade do estado do Rio de Janeiro – ESDI/UERJ, em 1987. Nesta
conceituada faculdade, tive a oportunidade e o privilégio de conviver com professores e
colegas extraordinários, entre eles Roger Mello. Desde então, acompanho com satisfação o
trabalho deste artista de múltiplos talentos, seja trabalhando juntos em projetos editoriais, seja
apreciando como mãe e contadora de histórias os livros por ele ilustrados e escritos.3

3
Seguimos caminhos paralelos ao redor da literatura infantil: eu como designer gráfica, ele como ilustrador e
escritor. Acompanhar sua produção com renovado interesse foi um processo natural: premiado desde o
início de sua carreira, atuando em muitas frentes de trabalho, Roger Mello é um artista carismático, talentoso,
que pensa criticamente e expressa-se com muita propriedade, participando ativamente de inúmeros eventos
relacionados às suas muitas atividades criativas, principalmente aquelas relacionadas ao livro. À medida que
o tempo passava, o interesse em examinar mais detidamente suas ilustrações se intensificou – devo ter sido
17

A escolha por este artista deve-se, antes de mais nada, à qualidade e amplitude de suas
expressões artísticas. Além de ilustrador, Roger Mello é também escritor e dramaturgo,
acumulando prêmios nos muitos campos onde atua.4 Sua múltipla atuação como produtor
cultural para a infância, criando textos imagéticos, literários e teatrais, e ainda atuando como
mediador de leitura e de criação de imagens junto ao público infantil,5 lhe permite ter um
feedback em primeira mão dos receptores. Por sua vez, estes interesses “multimídiáticos”
refletem-se na qualidade de seu trabalho, patente na desenvoltura com que transita por estilos
pictóricos variados (do figurativismo acadêmico ao expressionismo), o que permite explorar a
questão da miscigenação6 – traço característico da cultura brasileira, presente tanto nos temas
que aborda quanto nas linguagens que emprega para representá-los. Além disso, Roger Mello
pesquisa e tece considerações críticas bastante pertinentes sobre seu ofício e questões a ele
correlatas, e as entrevistas realizadas forneceram um rico material para análise, crítica e
reflexão.
Veremos como sua trajetória de vida, entre pessoas e lugares tão variados, formou-lhe o
gosto pelas viagens e por contar histórias para compartilhar suas multifacetadas visões de
mundo, destacando a importância dos livros ilustrados entre seus muitos meio de expressão.
Roger iniciou sua carreira como autor em 1990 com a publicação do livro de imagens7 A flor
do lado de lá, que lhe rendeu o prêmio Altamente Recomendável da Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ. Desde então, alterna a criação de ilustrações para textos de
outros escritores com a criação de obras onde sua autoria é completa.
Os ilustradores brasileiros contemporâneos vêm estabelecendo consistentemente uma
linguagem identificada com a cultura nacional, tendência que se consolidou anos 1990. Esta
pesquisa examina a obra de Roger Mello, um integrante deste grupo de ilustradores que
emprega em seus livros infantis um repertório que incorpora elementos do imaginário

bem repetitiva dizendo-lhe isso a cada vez que nos encontrávamos em salões, exposições, lançamentos,
palestras e que tais.
4
Prêmios Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ),
Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), finalista do Prêmio Hans Christian Andersen 2010, do
International Board on Books for Young People (IBBY). Ver relação completa no Anexo B.
5
Flipinha, Feira Literária de Santa Teresa (FLIST), Virada Cultural Carioca e Salão do Livro Infantil e Juvenil
da FNLIJ são alguns dos mais expressivos.
6
Ver, p. ex., FREYRE (2006), DAMATTA (1997) e CANCLINI (1998).
7
Tipo de livro onde a narrativa é construída apenas por imagens, sem palavras.
18

brasileiro, e que reflete em sua trajetória particular uma questão pertinente a toda uma
geração de artistas – a afirmação da autonomia artística da ilustração brasileira.8
No Brasil, a ilustração de livros infantis segue uma trajetória comum às demais artes
visuais: partindo de olhares e modelos europeus, desenvolve-se progressivamente uma
linguagem nacional própria que, no caso da ilustração, incorpora e miscigena elementos locais
como fauna, flora, luz, cor, arquitetura, etnias, vestimentas, além de expressões da cultura
popular, como figuras do folclore, narrativas orais, festas, brincadeiras, etc.
Embora, na primeira metade do século passado, Monteiro Lobato9 e Cecília Meireles10 já
refletissem sobre ilustração e identidade brasileira na produção editorial para a infância, foi a
partir dos anos 1970 que estas se tomaram reflexões críticas de alguns artistas que pensam,
pesquisam e incorporam elementos da cultura brasileira às suas obras de maneira consciente e
intencional, sendo a ilustradora Regina Yolanda Werneck11 uma das pioneiras a escrever e
publicar estudos sobre o tema.
Lamentavelmente, um dos raros livros de autor brasileiro que têm na ilustração seu
tema principal – Ilustração do livro infantil, de Luiz Camargo, publicado em 1995 – encontra-
se esgotado e incompreensivelmente ainda não reeditado.
Recentemente, algumas publicações em português vieram suprir parte da carência de
títulos especializados na área, sendo duas delas de autores brasileiros. Pelos Jardins Boboli:
reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens (2008), do premiado artista
brasileiro Rui de Oliveira, que alia a excelência de seu trabalho à erudição de seus
conhecimentos acadêmicos, resultado de anos de pesquisa – o autor tem mestrado e
doutorado na área. Além das valiosas reflexões do autor, a editora Daniele Cajueiro, da Nova
Fronteira, sublinha no prefácio a importância da formação do olhar no contexto da fruição
artística para a constituição de cidadãos “críticos e atuantes”. Ainda no mesmo livro, o
prefácio de Ana Maria Machado apresenta considerações fundamentais a respeito da
importância da ilustração em geral, e do desenvolvimento de uma linguagem genuinamente
brasileira em particular. A escritora ressalta que “os próprios ilustradores brasileiros vêm

8
Sobre identidade brasileira na ilustração contemporânea e os ilustradores mais representativos, ver
MACHADO, Ana Maria. Fugindo de qualquer nota. In: OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins Boboli. Reflexões
sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 13-25.
9
LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Melhoramentos, 1972.
10
MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil (3. ed.) Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
11
WERNECK, Regina Yolanda. O problema da ilustração no livro infantil. In: KHÉDE, Sonia Salomão.
Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico. Petrópolis: Vozes, 1983.
19

desenvolvendo há bastante tempo uma reflexão sobre seu processo criativo e sobre os
resultados com ele alcançados. É uma pena que não estejam sendo publicados.” (2008, p. 15)
De fato, vivemos um bom momento de reflexão crítica unida à atividade criadora entre
nossos ilustradores, e a publicação de O que é qualidade em ilustração no livro infantil e
juvenil: com a palavra o ilustrador (2008), organizado pela pesquisadora Ieda de Oliveira, vem
sanar parte da carência apontada por Machado. Publicado pela DCL, o livro traz depoimentos
e artigos de destacados profissionais em atividade atualmente, como Angela Lago, Ciça
Fittipaldi, Odilon Moraes, Nelson Cruz, Regina Yolanda, Renato Alarcão, Ricardo Azevedo,
entre outros.
Há que se destacar também dois títulos traduzidos, publicados pela CosacNaify, editora
que se distingue pelo apuro gráfico de suas edições em geral, e de seus livros infantis em
particular, que têm conquistado importantes prêmios nacionais e internacionais. A editora
vem publicando títulos traduzidos que tratam sobre livros ilustrados: Era uma vez uma capa:
história ilustrada da literatura infantil (2008), de Alan Powers, apresenta uma história do livro
infantil contada a partir de suas capas, em edição fartamente ilustrada; Critica, teoria e
literatura infantil (2010), de Peter Hunt, é um excelente trabalho de reflexão teórica sobre a
literatura infantil, numa edição revista, ampliada e adaptada ao público brasileiro.
Entre os títulos estrangeiros, destacamos, sobre livros ilustrados: How Picturebooks
Work (2006), de Maria Nikolajeva e Carole Scott; Words about Images: the narrative art of
children’s picture books (1988), de Perry Nodelman; Radical Change: books for youth in a
digital age (1999), de Elisa Dresang; e sobre recepção de livros ilustrados: Children Reading
Pictures: interpreting visual texts (2003), de Evelyn Arizpe e Morag Styles; e Exploring Students
Response to Contemporary Picturebooks (2008), de Sylvia Pantaleo.
À escassez de publicações comerciais no Brasil, contrapõe-se o crescente interesse
acadêmico pela ilustração, como se pode observar na evolução quantitativa de dissertações e
teses voltadas ao estudo do tema. Destacamos o esforço do pesquisador paulista Peter O’Sagae
que, como parte de sua pesquisa de doutoramento, mapeou as dissertações e teses sobre
literatura infanto-juvenil defendidas nas últimas décadas em universidades brasileiras, dando
início ao projeto Livro de Areia.12 O’Sagae compartilha o resultado deste levantamento em um
banco de dados com indexações cruzadas, onde até o momento encontram-se listadas 20 teses
e dissertações sobre ilustração defendidas entre 1970 e 2007. Sua tese, defendida em 2008 na

12
Disponível online em: <http://dobrasdaleitura.com/livrodeareia>. Acesso em 12 set. 2008.
20

Universidade de São Paulo – USP, incluiu um dos livros de Roger Mello, entre o corpus
estudado.
Embora outros pesquisadores em nível de pós-graduação tenham também incluído
obras de Roger Mello como parte de seus corpora,13 localizamos apenas um trabalho de
conclusão de curso (Teresa Kikuchi, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo – ECA/USP, 2003) e uma monografia (Rosinha Campos, 27º Congresso Mundial do
International Board on Books for Young People – IBBY, 2000) dedicados exclusivamente aos
livros ilustrados deste artista, o que confirma o ineditismo desta pesquisa e reforça nosso
interesse pelo tema.
Há, no livro ilustrado, uma fértil interação entre as narrativas verbais e visuais. O livro
ilustrado de qualidade é um suporte privilegiado da convergência de linguagens que podem
ser mutuamente enriquecedoras; possível contraponto à polêmica que opõe o declínio das
habilidades de leitura à suposta hipertrofia da visualidade na cultura industrial, reduzida a
aspectos empobrecedores e massificantes.
Para o ilustrador Rui de Oliveira, a leitura consciente e participativa de palavras e
imagens é um ato de resistência cultural e social, um elemento de afirmação das identidades
locais em um contexto de globalização da cultura industrial:

Vivemos uma época de vulgarização da palavra, acrescida da massificação mercan-


tilista e ideológica da imagem. Nestes tempos, mais do que nunca o livro continua
sendo um elemento de afirmação da individualidade. Ler de forma consciente e
participativa a palavra e a imagem constitui, acima de tudo, um ato de resistência
cultural e social. (2008, p. 44)

Na formação de leitores de palavras e imagens,14 que se dá fundamentalmente na


infância,15 o contato com livros ilustrados que expressem a diversidade e miscigenação
brasileiras pode contribuir para ampliar o repertório cultural, favorecendo a formação de uma
identidade autêntica nos jovens leitores e o fortalecimento de um senso de auto-valorização
individual e coletivo.
Investigando a construção de identidades no contexto da globalização contemporânea,
há que se reconhecer a importância de formar uma cultura visual além dos estereótipos da
cultura de massa e das restrições da cultura oficial, tanto nas crianças quanto nos produtores e

13
Ver referências bibliográficas na p. 187 deste trabalho.
14
Ver MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.
15
Cf. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 12. ed. Campinas, SP: Papirus, 2008, p. 43.
21

mediadores. Acreditamos ser o livro ilustrado um objeto privilegiado para favorecer esta
formação, pelas múltiplas possibilidades de interação que oferece: fruição estética,
informação, diversão, consciência de si e do mundo, construção de narrativas e produção de
sentidos.
Assim sendo, o objetivo geral desta pesquisa consiste em identificar nos livros ilustrados
de Roger Mello um percurso de desenvolvimento e afirmação de uma linguagem visual
própria que expressa a diversidade brasileira e favorece a formação de uma identidade cultural
na infância. Para tanto, nos propomos a mapear, analisar e relacionar as temáticas narrativas e
o repertório visual dos livros ilustrados de Roger Mello; a evidenciar a evolução de seu
repertório visual, partindo do emprego de códigos canônicos ocidentais até chegar a uma
linguagem visual própria; a demonstrar como esta evolução reflete o amadurecimento e a
afirmação de uma identidade brasileira, questão importante para sua geração; e a sinalizar de
que modo a presença destes códigos visuais próprios em livros (objetos portadores do status
da cultura oficial) para crianças pode contribuir para a afirmação de suas identidades por
meio da valorização da diversidade cultural brasileira.
A dissertação trata dos livros ilustrados de Roger Mello, parte substancial da obra deste
artista de múltiplos talentos, que se destaca como autor de dupla vocação (escritor e
ilustrador) de livros que “também as crianças e jovens podem ler” (Lacerda, 2007, p. 53).
Entendendo nosso objeto de pesquisa como parte integrante de um processo de comunicação,
recorremos ao esquema proposto por Jakobson (1985) para estabelecer as linhas gerais que
orientaram a divisão dos capítulos: 1) Emissor (ou remetente); 2) Mensagem, canal, contexto
(ou referente), código; e 3) Receptor (ou destinatário).
Logo de início, tornou-se evidente que não seria possível abranger todos estes elementos
– estudos sobre a recepção ampliariam excessivamente o escopo desta pesquisa, excedendo o
tempo de duração previsto para a conclusão de um curso de mestrado. Além disso, os
elementos agrupados no item dois demandavam estudos particularizados, e optamos por
dividi-los entre dois capítulos, conforme se verá a seguir.
O primeiro capítulo, relacionado ao emissor, trata de pontos significativos da trajetória
pessoal e profissional de Roger Mello, com especial destaque para o entrelaçamento de suas
experiências de vida e obra, destacando sua atuação como criador de narrativas visuais em
livros ilustrados. Examinamos ainda qual o papel da ilustração como meio de expressão
artística e profissional, e de que modo a artista forma e emprega seu repertório.
22

No segundo capítulo, tratamos do canal e do contexto, apresentando considerações a


respeito dos livros ilustrados, num breve panorama – pontuado por referências ao objeto de
pesquisa – compreendendo seu surgimento no século xvi até os dias atuais; as
particularidades de produção e recepção no cenário brasileiro contemporâneo; bem como as
relações entre as linguagens visual, verbal e gráfica que veiculam suas mensagens. Veremos de
que modo a evolução histórica do conceito de infância progressivamente alterou o status dos
livros ilustrados, que de objetos pedagógicos no século xvii chegam a ser considerados obras
de arte no século xxi. Discutiremos ainda neste capítulo a respeito da ilustração enquanto
linguagem, recorrendo às formulações de Saussure (1979), Jakobson (1985) e Barthes (1971)
para direcionar nossas considerações e conclusões.
O terceiro e último capítulo, contemplando mensagem e código, é dedicado à análise do
corpus selecionado, constituído por livros ilustrados nos quais Roger Mello detem a autoria
completa (texto e imagem). Relacionando, para cada obra, a linguagem visual empregada e as
temáticas narrativas, buscamos demonstrar como a diversificação do repertório visual de
Roger Mello reflete o amadurecimento de uma importante questão pertinente ao seu campo
de atividade artística e profissional, qual seja a valorização de expressões da cultura brasileira.
O trabalho principiou pela pesquisa de gabinete, com o levantamento bibliográfico do
referencial teórico, bem como das fontes primárias, que vêm a ser os livros ilustrados de Roger
Mello. Nesta primeira etapa, realizamos um levantamento e uma catalogação dos livros
publicados dentro do recorte temporal de 20 anos (desde o primeiro livro, publicado em 1990,
até 2009), para a subseqüente definição do corpus. Mais tarde, além da pesquisa de gabinete,
foram realizadas inúmeras entrevistas com o ilustrador Roger Mello, complementadas por
entrevistas com outras fontes, nos âmbitos familiar e profissional, no intuito de contribuir
para o esclarecimento de questões específicas surgidas no decorrer da pesquisa.
Algumas felizes coincidências vieram beneficiar este trabalho. A primeira delas é que
Roger Mello foi indicado pela FNLIJ para concorrer ao prestigioso prêmio Hans Christian
Andersen em 2010. Este fato, além de corroborar o acerto na escolha do tema desta pesquisa,
colocou o artista em evidência no cenário internacional – o que levou à segunda e terceira
coincidências. Sem que tivéssemos combinado previamente, ambos participamos
simultaneamente de dois importantes congressos internacionais – o Lectura XXI, em Havana,
Cuba, em 2009, e o XII Congresso Internacional do IBBY, em Santiago de Compostela,
Espanha, 2010. Nossa convivência próxima nos dois eventos estreitou nossos laços de
23

afinidade, permitiu-me uma aproximação com seus familiares e amigos, bem como com
outros especialistas interessados em seu trabalho, além de ter proporcionado a oportunidade
de fazer uma observação privilegiada do singular modo de ser e estar no mundo deste artista,
que se reflete no dinamismo de suas criações artísticas. Todas estas observações são detalhadas
no capítulo um.
A seguir, procedemos à seleção, análise e escolha das bases teóricas, com a leitura de
bibliografia crítica. Nesta etapa, alguns desafios se impuseram. Há ainda poucos estudos
específicos publicados no Brasil tratando da produção e recepção de livros ilustrados.
Felizmente, encontramos importantes referências na literatura estrangeira, principalmente nos
autores em língua inglesa já mencionados. Ainda assim, fez-se necessário recorrer a estudos
mais generalistas – sem dúvida importantíssimos por si sós, mas melhor aproveitados quando
complementados por estudos específicos, mais aprofundados. Ao longo do trabalho, esta
aparente dificuldade desvelou a vantagem de, em sendo o livro ilustrado ainda pouco
estudado em suas especificidades, constituir um campo que efetivamente se beneficia de uma
abordagem transdisciplinar, situando-se na interseção de várias bases teóricas. Apontamos
então como principais referências a semiologia, a antropologia (especialmente a etnografia) e
a sociologia da arte. A estética da recepção, no que concerne ao papel do receptor na
produção de sentidos, seria outra base teórica importante a considerar, mas foi excluída pelos
motivos já apresentados – ampliar excessivamente o escopo de uma pesquisa de mestrado,
comprometendo sua conclusão dentro do prazo previsto. Avista-se, assim, um possível
desdobramento deste trabalho em um posterior curso de doutorado.
Para proceder à análise do corpus, após a definição das bases teóricas, empreendemos
uma classificação das obras, definindo categorias que apontaram o recorte mais adequado.
Cabe aqui destacar alguns aspectos, examinados mais detalhadamente no capitulo dois,
que direcionaram a opção preferencial, ainda que não excludente, pelo emprego do termo “livro
ilustrado” (tradução proposta para o termo picturebook16). Embora se fale comumente em
“literatura infantil e juvenil”, “produção editorial para a infância e a adolescência” ou mesmo
“livros para crianças”, a caracterização deste gênero literário ainda está longe de conquistar um
consenso, e perguntamo-nos mesmo se algum dia chegará a consegui-lo. O critério mais
evidente, direcionado pela faixa etária do leitor, apresenta inconvenientes; por outro lado, no
período da infância, que vai de 0 a 10 anos de idade aproximadamente, o papel da imagem é

16
Ver HUNT, Peter (2010).
24

fundamental para estabelecer um contrato de comunicação17 bem-sucedido com o receptor.


Sendo assim, nossa opção por empregar preferencialmente o termo “livro ilustrado” a “livro
infantil” evidencia, ao mesmo tempo, nossa adesão às concepções contemporâneas de infância
como grupo social com características próprias, porém de modo algum como etapa “menor” do
desenvolvimento humano, bem como pela importância conferida ao aspecto material dos livros,
em que pese a sinergia entre narrativas verbais e visuais.
Não cabe, portanto, encarar a ilustração como algo ornamental ou acessório em relação ao
texto verbal. Tratam-se de linguagens mutuamente enriquecedoras, que merecem estudos
particularizados em igual nível de importância. Assim sendo, quando empregamos o termo
“leitor”, estamos nos referindo à acepção mais ampla do palavra, que inclui também – e
principalmente, neste caso – a leitura de imagens, como bem expõe Alberto Manguel em Lendo
imagens (2001). Dentro do contexto de contrato de comunicação, empregamos também o
termo “receptor”, utilizado igualmente pela semiótica, que vem a ser uma das bases teóricas
privilegiadas na análise de nosso objeto de estudo. Ressalvamos que, embora a palavra possa
sugerir uma atitude passiva em relação à mensagem, na verdade a participação do receptor é
fundamental na produção de sentido que completa as narrativas, sejam verbais ou visuais,
conforme demonstram os estudos da estética da recepção.18 Estas justificativas fazem-se
necessárias visto que, nesta pesquisa, a recepção das imagens se dá em torno do suporte livro, e
o termo “leitor” poderia trazer o risco de reforçar a impressão de ser a leitura verbal prepon-
derante em relação à leitura de imagens – quando o que se pretende é justamente demonstrar a
sinergia entre as duas linguagens presentes no livro ilustrado, como dito anteriormente.
Feitos estes esclarecimentos, ainda assim ao longo deste trabalho empregaremos com
certa liberdade os termos mencionados, seja para evitarmos repetições desnecessárias, ou para
manter em mente a abertura deste campo de estudos, que admite contribuições e abordagens de
várias áreas do conhecimento.
Ainda a respeito de certas palavras empregadas, ressalvamos que em vários momentos foi
necessário empregar expressões de uso corrente no mercado editorial, especialmente termos
técnicos mencionados com maior frequência no capítulo três. Tais termos encontram-se

17
Ver OLIVEIRA, Ieda de (2003).
18
Vide ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura: uma teoria do efeito estético, V. 1 e 2. São Paulo: Editora 34, 1996 e
1999 e LIMA, Luiz da Costa (org.); JAUSS, Hans Robert; ISER, Wolfgang et al. A Literatura e o Leitor: textos
de estética da recepção. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
25

relacionados no Glossário ao final deste trabalho, acompanhados por uma breve explicação para
facilitar seu entendimento.
Ao elaborar o anteprojeto para o processo seletivo de ingresso no mestrado, as
principais questões que me propus analisar diziam respeito às mensagens visuais das culturas
popular, erudita (ou oficial) e industrial (ou de massa) e suas mútuas influências manifestadas
no livro infantil ilustrado. Preocupava-me uma certa “colonização” visual, visível nos
estereótipos das ilustrações (como as fadas e heroínas sempre louras, tal como menciona
Angela Lago19), levando às crianças ideais estéticos estrangeiros. Ao mesmo tempo, constatava
um esforço, por parte de um significativo grupo de artistas brasileiros (destacando-se aí Roger
Mello), em prol do desenvolvimento e do reconhecimento coletivo de uma identidade
nacional nas ilustrações. Esta situação, aprofundada no capítulo dois, é exposta com bastante
propriedade pela escritora e acadêmica Ana Maria Machado no prefácio do livro Pelos Jardins
Boboli (2008), de autoria do ilustrador Rui de Oliveira. A autora lança também um alerta, que
muito me sensibilizou, a respeito da necessidade de estudos críticos sobre a obra de
ilustradores brasileiros, vindo ao encontro de minhas próprias percepções enquanto
profissional do meio editorial:

Os anos 70 e o início dos 80 do século XX ficaram conhecidos como a época do


boom da literatura para crianças no país, e hoje esse fenômeno já é totalmente
assimilado. [...] A produção de nossos ilustradores não tem sido objeto de estudos
críticos de forma análoga ou equivalente ao que tem acontecido com o trabalho dos
escritores. E isso está fazendo falta. (MACHADO, 2008, p. 14)

Duas bases teóricas foram privilegiadas para lidar com as questões suscitadas pelo
objeto desta pesquisa: a antropologia (especialmente a etnografia) e a semiótica.20 Com estas

19
A autora relata um caso acontecido a respeito de seu primeiro livro, O fio do riso (1980): “A heroína é loura, a
empregada da sua casa usa uniforme completo. [...] A melhor crítica a esse trabalho escutei, por acaso, de um
desconhecido que o folheava em uma feira de livros: ‘Parece que as fadas preferem as louras.’ Comecei em
seguida a usar referências mais nossas. Um gosto pela cultura popular veio à tona e passei a referendar meus
textos no nosso folclore, embora continuasse a utilizar tons pastéis e linhas suaves nos desenhos.” Disponível
online em http://www.angela-lago.com.br/palestra.html>. Acesso em 12 set. 2008.
20
Semiótica e semiologia são termos empregados respectivamente por Charles Sanders Peirce e Ferdinand
Saussure para designar a ciência que estuda os signos, desenvolvida independentemente por ambos os
pesquisadores nos Estados Unidos (1867) e na França (1906), com ligeiras variações: sendo o primeiro um
lógico, sua abordagem pode ser considerada mais filosófica, enquanto que o segundo, um linguista, orienta-se
mais para os sistemas de comunicação. Nossa analise segue a linha saussureana, como pode-se constatar pelas
referências a seus seguidores, principalmente Roman Jakobson e Roland Barthes, nos capítulos 2 e 3. No
entanto, o termo semiótica vem sendo empregado preferencialmente em diversos estudos ao longo do tempo,
diminuindo assim as nuances que diferenciam as duas linhas de pensamento. Optou-se, assim, pelo emprego
do termo “semiótica” para manter a coerência com as fontes citadas ao longo deste trabalho.
26

duas bases, eu poderia 1) considerando a ilustração como uma forma de arte e como um
sistema cultural, analisá-la para falar da sociedade e 2) considerando a ilustração como uma
linguagem – ou seja, um sistema de signos duplamente articulados que exprimem
pensamentos – analisar os signos visuais e as mensagens por eles veiculadas.
No campo da semiótica, Roland Barthes (1971) e Umberto Eco (2001) revelaram-se
referências teóricas importantes: o primeiro, pela possível aplicação de seu sistema de análise
de peças menos “nobres” do que as das belas artes canônicas – ou seja, anúncios publicitários,
peças de design gráfico, fotografias, filmes – para um campo também “impuro”21 das artes
visuais, qual seja a ilustração de livros para crianças. Além disso, a análise de anúncios
publicitários leva em conta a articulação das linguagens verbal e pictórica – articulação
bastante característica dos livros ilustrados.
Eco, além de também fazer inspiradoras análises semióticas de histórias em quadrinhos
onde articulam-se palavras e imagens, tece considerações críticas bastante pertinentes a
respeito da cultura de massa – especialmente quanto às particularidades do mercado editorial
em relação aos demais mercados da indústria cultural, por existirem naquele os “homens de
cultura”.22
No campo da antropologia, destacaram-se especialmente as considerações de Clifford
Geertz (1999) a respeito da arte enquanto sistema cultural, fornecendo-me as bases para
analisar a ilustração enquanto sistema cultural. Interessou-me também a etnografia onde,
além de Geertz, destaquei James Clifford (2008), com o propósito de observar os
objetos/sistemas para falar das pessoas: pareceu-me assim proveitoso observar os livros
ilustrados de Roger Mello sob a perspectiva etnográfica, enriquecida pela análise semiótica.
Além disso, avistei a possibilidade de identificar no modo de trabalho deste artista um
procedimento etnográfico (ainda que nem um pouco intencional). Daí, a leitura de Hal Foster
(O artista enquanto etnógrafo, 2005) levou-me à leitura de O artista enquanto produtor, de
Walter Benjamin (1994), autor que aliás já apresentava grande interesse por tratar de temas

21
As aspas referem-se a juízos de valor em vias de extinção, dos quais evidentemente discordo. Prefiro enfatizar
a “impureza” da ilustração como um fator positivo, que a distancia do “purismo” de valores canônicos
restritivos, compartilhando assim a concepção que Roger Mello dá ao termo quando diz ser a ilustração uma
“arte impura” (Mello, 2010).
22
Este conceito, exposto pelo autor em Apocalípticos e integrados, (2001, p., 50), será examinado no capítulo
2. Trata-se de uma observação bastante interessante que pude confirmar por minha própria experiência ao
longo dos muitos anos trabalhando, como designer, na cadeia produtiva do livro: ao lado de interesses
evidentemente comerciais – pois trata-se de um negócio que visa o lucro – existe uma consciência de que o
livro é um produto diferenciado, um certo senso de formação de leitores (quando menos, para formar as
bases do mercado de consumidores adultos).
27

tão variados e pertinentes para esta pesquisa quanto os expostos em “O narrador” e “A obra
de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (in Magia e técnica, arte e política, 1994) e
Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação (1984).
Ao longo do curso de mestrado, o contato com bases teóricas sistematicamente
organizadas e o exame dos vários pensadores ligados a cada uma delas trouxe-me ao campo
de visão a sociologia da arte. Eu já tivera contato anteriormente com Pierre Francastel (1985 e
1990) e Jean Duvignaud (1970), mas o encontro com Jean-Marie Guyau23 (A arte do ponto de
vista sociológico, 2009) identifiquei outra linha à qual recorrer para formular perguntas que
suscitassem em meu objeto as discussões e respostas mais interessantes.
É consenso entre pesquisadores contemporâneos24 que um bom livro para crianças
provoque nelas um certo estranhamento, um desafio que as leve além da zona de conforto, um
estímulo para seus sentidos e inteligência. Guyau (2009) nos diz que “o caráter agrádavel ou
penoso de uma emoção provém não do primeiro estado mental que lhe serve de prelúdio, mas
da atividade da reação interior consecutiva”(p. 81), onde existem “excitações penosas, de
início, mas em seguida agradáveis pelo afluxo de força nervosa que elas provocam” (p. 82).
Esta é a sensação que nos toma ao examinar um livro como Zubair e os labirintos (Mello, 2007
– ver capítulo três, p. 174), uma obra inusitada e desafiadora, mas que desperta um profundo
prazer estético em sua fruição, envolvendo o tato (desenrolar da capa, texturas do papel,
manuseio no sentido oriental da leitura); a visão (ilustrações de cores impactantes, formas
misteriosas); a evocação de imagens auditivas; a adesão simpática ao protagonista em suas
descobertas, fugas, recolhimentos. As propostas narrativas de Roger Mello estão além das
experiências rotineiras – seus livros, mesmo os que apresentam-se como objetos projetados
segundo modelos tradicionais e bem conhecidos dos leitores, trazem propostas provocativas.
Guyau estabelece uma distinção entre os meios diretos e os indiretos de transmitir
emoções. Estes últimos seriam “os signos mais ou menos convencionais, que constituem as
linguagens” (p. 83), graças aos quais é possível externar as emoções individuais,

23
Mais uma vez, outra feliz coincidência confirmou o acerto das escolhas desta pesquisa: assim como em anos
anteriores, em 2010 (05 a 12 de novembro), Roger Mello participou da “18ª Campanha Paixão de Ler”, a
convite da Secretaria Municipal de Cultura. Sua participação, que em anos anteriores deu-se em forma de
palestra individual em uma das bibliotecas públicas participantes do evento, desta vez aconteceu em dupla
com a filósofa Regina Schöpke, tradutora e prefaciadora da edição brasileira da referida obra de Guyau –
coincidentemente ex-cunhada de Roger Mello, que com ela compartilha o interesse pela filosofia.
24
COLOMER (2003), KHÉDE (1982), YUNES (1984), ZILBERMAN (2005), entre outros.
28

comunicando-se com outras consciências. Assim, “nossa sensibilidade, que parece nos
constituir mais intimamente, termina por tornar-se de certa maneira social” (ibid).
Esta é uma importante chave para a leitura que proponho fazer dos livros ilustrados de
Roger Mello: a natureza e constituição de suas próprias emoções, pensamentos e
sensibilidades; os signos que emprega para expressá-las – penso aqui principalmente nos
signos visuais, sem perder de vista sua “convergência intersemiótica” com os signos verbais,
característica singular dos livros infantis; como suas propostas comunicam-se com outras
consciências – penso principalmente nos leitores em formação, sem no entanto deixar de
considerar os adultos, mediadores sem os quais o acesso aos livros dificilmente acontece; e
finalmente como esta “comunicabilidade entre as consciências” (ibid) ultrapassa os limites da
expressão pessoal para construir uma sensibilidade social – falo aqui de um sensibilidade
nossa, brasileira, com todas as dificuldades que o conceito de identidade nacional 25 possa
trazer; questão que de resto emerge com bastante força nas obras de tantos outros artistas a
partir dos anos 1990,26 embora já presente em décadas anteriores na obra de artistas que se
dedicaram também, embora não exclusivamente, à ilustração, como Portinari, Paulo
Werneck, Ziraldo, entre outros.
Outra importante questão a tratar diz respeito à natureza do livro infantil que, numa
concepção que ainda desperta polêmicos debates, vincula-se ao “doce e útil” (Oliveira, 2003).
A discussão proposta por Guyau em torno do belo, do agradável e do útil vem ao encontro da
evolução histórica na concepção do livro infantil: surgido como objeto pedagógico par e passo
com a escola burguesa no século XVII, ressente-se até hoje desta associação eminentemente
utilitária que obscurece sua dimensão artística. Defendo então que, de objeto utilitário, o livro
infantil assume cada vez mais a natureza de obra de arte, com a possibilidade de converter-se
em objeto estético para os leitores (e aí não me limito ao público infantil, visto o interesse que
desperta igualmente em adultos).
Para o livro ilustrado convergem, além da ancestral arte oral de contar histórias, (onde
signos sonoros são explicitadas pela leitura em voz alta) também os signos gráficos (na
transposição das imagens sonoras para o código escrito) e os signos visuais (ilustrações e

25
Conceito bastante discutido por autores como FERNANDEZ BRAVO, Álvaro. La Invencion de la Nacion.
Buenos Aires: Ediciones Manantial, 2001; BALAKRISHNAN, Gopal. Um Mapa da Questão Nacional. São
Paulo: Contraponto, 2000 e ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
26
Situação muito bem descrita por Ana Maria Machado no prefácio de Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a
arte de ilustrar livros para crianças e jovens, de Rui de Oliveira (2008).
29

projeto gráfico). Do entrelaçamento destas diferentes linguagens, nasce um universo de


significados enriquecido pelo repertório do imaginário do leitor – seja ele leitor de palavras ou
de imagens. As imagens de qualquer tipo – aqui, sonoras, gráficas ou visuais – ganham vida
quando encantam o receptor.27
Neste ponto, deparo-me com a necessidade de tomar emprestados conceitos das artes
plásticas para analisar a experiência estética dos jovens leitores e investigar de que modo as
obras de arte – pois assim defendo que sejam os bons livros infantis ilustrados – convertem-se
para eles em objetos estéticos. A formação de seu repertório de avaliação do que seja uma obra
de arte está ainda em formação, e sabe-se por onde passa: pela tradição canônica das belas
artes (realismo figurativo) aliada aos códigos visuais da cultura de massa (desenhos animados,
quadrinhos, cartum). Se o cânone é um sistema relativamente fechado, os produtos da cultura
de massa têm visual dinâmico mas delimitado pela proposta de serem facilmente
reconhecíveis e assimiláveis pelo público. Defendo então que um campo de possível ampliação
de repertório seja o livro ilustrado, e sob esta abordagem proponho o exame da obra de Roger
Mello, onde nota-se:
1. a evolução do emprego de códigos canônicos para uma linguagem pós-moderna, no
melhor sentido do termo: livre associação (colagem) de estilos, com a particularidade de
incluir a narratividade entre suas características;
2. a particularização de uma tendência de sua geração: a valorização de expressões da
cultura local, contrabalançando a hegemonia de uma estética globalizada; e
3. a miscigenação característica da identidade brasileira (se é que se pode arriscar a
apontar um item consensual na complexa definição de identidade brasileira), que reúne e
reprocessa referências variadas em produtos culturais com uma marca própria.
Por tudo isso, vemos nos livros ilustrados de Roger Mello obras de arte das quais
crianças, jovens e adultos podem fruir enquanto objetos estéticos, em benefício de suas
sensibilidades, para tornar a vida mais colorida. E, apenas como um “bônus extra”, o benefício
utilitário: a leitura forma cidadãos críticos, mais conscientes de si e do mundo em que vivem,
e de seu lugar nele, facultando-lhes acesso a melhores condições de vida – seja por meio da
educação formal, seja por meio da aquisição de conhecimento e informações com leitura da
mídia impressa ou de documentos oficiais, seja por meio da leitura literária. Nas palavras da

27
Cf ARHNEIM, Rudolph. Sobre uma adoração. In Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes,
1989.
30

escritora, professora e pesquisadora Nilma Lacerda: “Num país como o nosso, meu caro
amigo, construído na desigualdade social e nas mentiras políticas, o bom livro para a criança e
para o jovem é, não tenho dúvida, um projeto de nação” (2000, p. 29).
Se a vida sem a arte continuaria possível, porém “mais cinzenta e algumas coisas não
poderiam mais ser ditas” (Geertz, 1999, p. 146), porque não oferecer às crianças e jovens a
oportunidade de contato com formas diversificadas de arte? Para isto, considero o livro
ilustrado um objeto privilegiado e potencialmente democratizador,28 considerando as vastas
dimensões do Brasil e a concentração de renda e de opções culturais nos grandes centros
urbanos, aos quais uma pequena parcela das crianças brasileiras tem acesso, seja por
distanciamento geográfico ou socioeconômico. Ao longo deste trabalho, vamos examinar a
valiosa contribuição de Roger Mello na melhoria deste cenário.

28
No sentido de “colocar-se ao alcance do povo, da maioria da população” (HOUAISS, 2009, p. 612).
31

CAPÍTULO 1

Roger Mello, um artista inquieto




A antiga coordenação da alma, do olhar e da mão


[...] é típica do artesão, e é ela que encontramos
sempre, onde quer que a arte de narrar seja
praticada.
Walter Benjamin 1

Desenvolver uma pesquisa sobre a obra de Roger Mello trouxe vários desafios. O
primeiro deles diz respeito à amplitude das obras criadas por este artista. Roger é um artista
plural, que expressa seus variados interesses em meios tão variados quanto literatura, ilus-
tração, design ou dramaturgia. Na linha do narrador “marinheiro comerciante” de Benjamin
(1994), Roger Mello explora o mundo como um generalista, no sentido de não se limitar a um
meio de expressão artística. Porém, mais do que ser um generalista, importa o que fazer deste
conhecimento amplo: ser um narrador, exercer sua “faculdade de intercambiar experiências”
(op cit, p. 198). A narrativa é o que mais lhe interessa, sem limitação de suporte.
Este interesse pela narrativa mostra um aspecto fundamental de sua personalidade:
Roger Mello gosta de gente – e é correspondido. Desde a infância, Roger faz-se querido em
suas relações sociais. Isto fica muito claro a partir das entrevistas realizadas ao longo desta
pesquisa com familiares, amigos e parceiros profissionais.
Dentro de sua rede de relações sociais e profissionais, um grupo muito especial se
destaca: as crianças. Sem qualquer concepção edulcorada da infância, Roger Mello dirige-se e
relaciona-se com seus jovens leitores compartilhando de sua visão de mundo sem precon-
ceitos. Esta visão da infância fica evidente nos livros ilustrados que cria – obras inovadoras,
sofisticadas, desafiadoras, que incorporam tanto referências das artes plásticas quanto da arte
popular, bem como da cultura de massa. Dentre os variados suportes nos quais se expressa,
estas obras apresentam uma oportunidade muito especial de investigação. Por sua própria
natureza, compõem-se pela interação de imagens verbais, sonoras e visuais, acrescidas ainda

1
BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Obras Escolhidas I:
Magia e Técnica, Arte e Política. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994c. p. 197-221.
32

das sensações táteis e olfativas que se tem ao manusear um livro. Assim, eleger seus livros
ilustrados como objeto de pesquisa revelou-se uma escolha extremamente recompensadora.
Roger Mello realiza a proeza de, em não se prendendo a convenções, ser praticamente
uma unanimidade no que se refere à aceitação de seu trabalho. Tanto especialistas quanto o
público infantil recebem suas propostas com vivo interesse. Coincidentemente, ambos são
grupos com corpos de referências extensos – os especialistas, por exercerem uma avaliação
crítica que amplia seu repertório; e as crianças por ainda não terem cristalizado um corpo de
referências e estarem em processo de construção deste repertório. Já entre o público adulto
leigo – pais e alguns professores –, onde predominam critérios de avaliação orientados pelo
senso comum, mais conservadores e restritos, encontra-se alguma resistência principalmente
às suas propostas mais inovadoras.2
Ressaltando a importância da contextualização social de seus livros ilustrados, lamenta-
se a impossibilidade de estender a investigação ao campo da recepção neste momento, o que
extrapolaria o escopo da proposta desta pesquisa. Ainda assim, esta permanece sendo uma
importante questão a ser aprofundada em futuros trabalhos.
Outro desafio liga-se a um dos cuidados recomendados por François Laplantine (1999)
em relação à pesquisa de campo etnográfica por meio da observação participante: o de
aproximar-se excessivamente do objeto de pesquisa e misturar-se com ele. Ao longo dos dois
anos de duração desta pesquisa (2009 e 2010), a convivência com Roger Mello tornou-se cada
vez mais estreita3 em inúmeras conversas, entrevistas, viagens, acontecimentos profissionais e
sociais. Assim, desfazer a proximidade afetiva com o objeto, de modo a evitar distorções que
pudessem trazer prejuízos à neutralidade desejável em uma pesquisa científica, revelou-se
tarefa tão necessária quanto difícil.
Por outro lado, a fácil identificação com o universo profissional de Roger Mello mini-
miza as dificuldades inerentes à “tradução” necessária entre as línguas faladas por observador
e observado, como explica James Clifford:

2
Sobre questões relativas ao estilo na arte, ver GOMBRICH, Ernest Hans. Arte e ilusão: um estudo da
psicologia da representação pictórica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.
3
Pertencendo à mesma geração nascida nos anos 1960 e conhecendo-nos desde os anos 1980, quando
cursávamos a mesma faculdade, partilhamos de uma série de memórias afetivas e visões de mundo, o que,
por si só, já constituiria uma ponte de identificação entre observador e observado. Mais do que isso, temos
em comum também uma parte substancial de nossas práticas profissionais, qual seja o design de livros,
especialmente os infantis. Conhecemos intimamente o universo da edição e produção de livros no Brasil, bem
como suas implicações sociais e repercussão internacional.
33

A observação participante obriga seus praticantes a experimentar, tanto em termos


físicos quanto intelectuais, as vicissitudes da tradução. Ela requer um árduo apren-
dizado linguístico, algum grau de envolvimento direto e conversação, e frequen-
temente, um ‘desarranjo’ das expectativas pessoais e culturais. (2008, p. 20)

Para efeito dos registros etnográficos desta pesquisa, ser designer gráfica por formação e
prática profissional situa-me em um lugar bastante confortável dentro da cadeia produtiva do
livro, localizado na vizinhança imediata dos ilustradores:4 perto o bastante para falar a mesma
língua, porém longe o suficiente para não me confundir com eles. Estas aproximações e
distanciamentos são fundamentais no processo de construção do universo de significados por
meio da observação participante, que

serve como uma fórmula para o contínuo vaivém entre o “interior” e o “exterior”
dos acontecimentos: de um lado, captando o sentido de ocorrências e gestos
específicos, pela empatia; de outro, dá um passo atrás, para situar esses significados
em contextos mais amplos. Acontecimentos singulares, assim, adquirem uma
significação mais profunda ou mais geral, regras estruturais, e assim por diante.
Entendida de modo literal, a observação participante é uma fórmula paradoxal e
enganosa, mas pode ser considerada seriamente se reformulada em termos herme-
nêuticos, como uma dialética entre experiência e observação. (Clifford, 2008, p. 32)

A extrema facilidade na etapa inicial de mergulhar no universo do observado, tornando-


se “um deles”, trouxe uma dificuldade proporcional na etapa seguinte, a de alhear-se para
empreender uma análise “de fora”, pois a adesão e os laços afetivos aprofundados neste pro-
cesso foram de tamanha intensidade que proceder a uma análise crítica isenta revelou-se
tarefa tão trabalhosa quanto imprescindível, uma vez que é necessário certificar-se que,
“qualquer que seja o ponto de vista que adotarmos, nossa pesquisa irá satisfazer padrões do
bom trabalho científico, que nossas simpatias não tornarão nossos resultados sem validade.”
(Becker, 1977, p. 133)
Seguir inicialmente um roteiro etnográfico (Mauss, 1993) foi fundamental para “obser-
var e classificar” todo um amplo espectro de acontecimentos relacionados a este multifacetado
objeto de pesquisa para, mantendo a necessária adesão ao universo observado, dele distanciar-
me o suficiente de modo a não comprometer a objetividade das observações.
Além destas dificuldades subjetivas, Mauss fala das dificuldades materiais a superar “1)
recorrendo a informantes conscientes, que tenham memória dos acontecimentos; [...] 2)

4
Para uma descrição pormenorizada da cadeia produtiva do livro, ver HASLAM, Andrew. O livro e o
designer II. Como criar e produzir livros. São Paulo: Rosari, 2007.
34

colecionando e catalogando os objetos. O objeto é, em muitos casos, a prova do fato social”


(1993, p. 23).
A primeira recomendação é seguida neste capitulo, para o qual as principais fontes
foram entrevistas semi-estruturadas e conversas informais realizadas com familiares e amigos,
além do próprio Roger Mello, bem como entrevistas concedidas anteriormente pelo artista a
outros pesquisadores e veículos de comunicação. Dentre estes, destaca-se a entrevista
realizada por Teresa Kikuchi em 2003 e o dossiê preparado pelo artista para o prêmio Hans
Christian Andersen 2010, ambos gentil e generosamente cedidos por seus autores. Em
realidade, foi muito boa a acolhida por parte de todos aqueles que foram consultados em
busca de informações a respeito de Roger Mello, o que por si só revela muito da aura de
positividade que emana deste artista, como ficará evidente no decorrer deste trabalho.
Também a preciosa oportunidade de viajar com Roger Mello e sua família em duas
ocasiões diferentes (2009 e 2010) permitiu observar a dinâmica de relacionamento familiar a
partir de um lugar “neutro”, sem invadir o espaço doméstico, mas ao mesmo tempo experi-
mentando o tipo de ambiente afetivo que cercou Roger Mello nos anos iniciais de sua vida (e
que assim prossegue na idade adulta). Foi possível também verificar o olhar “inquieto”5 com
que Roger Mello mira os lugares por onde passa, o modo como abastece e amplia seu reper-
tório visual, e, mais ainda, a maneira como se relaciona com as pessoas em contextos variados.
A segunda recomendação, quanto à coleção e catalogação de objetos, aparece mais
adiante, no capítulo três, quando se trata dos livros ilustrados de Roger Mello. A abordagem
semiológica mostrou-se bastante proveitosa, indicando como proceder a uma rigorosa taxo-
nomia do “universo caleidoscópico de signos, códigos e repertórios que compõe o cenário”
(Medeiros, 1998) destas multifacetadas obras, permitindo uma análise em etapas sucessivas, e
posteriormente unificadas.
Estes foram, portanto, dois cuidados fundamentais desta pesquisa: estabelecer parâme-
tros consistentes para a seleção e interpretação das observações de campo e, posteriormente,
delimitar e analisar o corpus por meio de escolhas criteriosas.

5
Este é um termo empregado por Ziraldo para referir-se ao modo de ser de Roger Mello, retirado de uma
citação que será reproduzida integralmente a seguir.
35

1.1 MODOS DE ESTAR NO MUNDO

Longe de ser o elemento mais simples do social – seu


átomo irredutível – o individuo é igualmente uma
síntese complexa dos elementos sociais.
Franco Ferrarotti6

Em Mozart, sociologia de um gênio (1995), Norbert Elias fala da impossibilidade de se


dissociar o desenvolvimento pessoal do desenvolvimento criativo de um artista, sublinhando a
importância de se levar em conta simultaneamente suas vida e obra – incluindo a formação
afetiva na infância e juventude – bem como observar as condições materiais e sociais da
realização de seu trabalho e do relacionamento com o público, uma vez que todos estes são
componentes fundamentais e interrelacionados em suas biografias. Elias relaciona a crônica
necessidade por amor e reconhecimento, originada na infância de Mozart e nunca plenamente
satisfeita na idade adulta, às adversidades enfrentadas pelo músico em seus anseios por uma
expressão artística autônoma. Na biografia de Roger Mello, ao contrário, é notável a sinergia
entre afeição familiar e talento criativo – importante para explicar, ao menos em parte, a boa
aceitação de suas propostas estéticas inovadoras, por vezes desconcertantes para uma parcela
do público acostumada a fórmulas consagradas.
De fato, examinar a trajetória pessoal de Roger Mello, começando pelo ambiente
doméstico, nos revela muito a respeito de seu modo de trabalhar e criar. Alguns dos traços
marcantes de seus livros ilustrados – ausência de preconceitos, relações afetivas, horizontes
amplos – podem ser notados em sua história familiar.
Outros dois importantes pontos na infância do artista que podem ser relacionados à
atividade criativa estão ligados 1) ao espaço geográfico e social de sua cidade natal, Brasília
(especialmente seu projeto urbanístico, a natureza marcante do cerrado e a diversidade
cultural de sua população) e 2) a uma experiência de contato e expressão artísticos livres de
preconceitos e amarras, dentro da proposta pedagógica inovadora de Anísio Teixeira e Darcy
Ribeiro.

6
Tradução livre do original em francês: Loin d’être l’élement lê plus simple du social – son atome irréductible –
l’individu est également une synthèse complexe dês elements sociaux. FERRAROTTI, Franco. Histoire et
histoires de vie: la methode biographique dans lês sciences sociales. Paris: Librairie des Meridiens, 1983, p.
65.
36

1.1.1 Brasília, o início de tudo

Roger nasceu em Brasília em


1965, o mais novo de três irmãos
(Sandra, 1958 e Marcelo, 1963). Seus
pais fizeram parte da geração de
pioneiros na formação da nova capital,
criada como parte da plataforma
desenvolvimentista do presidente
Juscelino Kubitschek em busca de um
Brasil mais progressista e integrado:
“50 anos em cinco” era o lema de seu
Plano Nacional de Desenvolvimento,
também chamado de Plano de Metas.7
A mãe de Roger, Mariadyr, vinda
de família sergipana, mudara-se aos
Figura 1. Certidão de nascimento
vinte anos para o Rio de Janeiro, onde
conheceu Manoel, de família mineira, que também mudara-se na juventude para a então
capital do país. O casal compôs um bem distribuído equilíbrio de energias: Mariadyr, enérgica
e decidida, conta que Manoel era tranquilo, acolhedor: “Meu marido era muito religioso, ele
era Congregado Mariano antes de casar [...] todo mundo queria muito bem a ele, era uma
pessoa muito tranquila, dificilmente perdia a calma” (M. Mello, 2010). Se hoje nota-se em
Roger muito da energia impulsiva da mãe, o temperamento acolhedor do pai revela-se na
facilidade com que faz e mantém amizades.
Atraídos pelas boas perspectivas de trabalho oferecidas aos que se interessavam pela
transferência para a nova capital, na época um canteiro de obras em plena exuberância natural
do cerrado, o jovem casal mudou-se com sua primeira filha, então com apenas 1 ano e 2 meses
de idade:

7
Para mais informações sobre a criação de Brasília, ver SILVA, Suely Braga. O Brasil de JK. 50 anos em 5: o
Plano de Metas. CPDOC/FGV. Disponível online em: http://cpdoc.fgv.br/producao/ dossies/JK/artigos/
Economia/PlanodeMetas# e OLIVEIRA, Lúcia Lippi. O Brasil de JK. Brasília, a meta-síntese. CPDOC/FGV.
Disponível online em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Brasilia/ Meta-sintese. Acesso em 22
jan. 2011).
37

Nós tivemos um incentivo muito grande do governo. Quem vinha para cá recebia,
além de moradia, dois salários, porque ninguém queria sair do Rio de Janeiro para
vir se meter aqui no cerrado. [...] A vida era muito difícil, não tinha nada. Tudo era
terra vermelha, poeira, construção, os edifícios surgindo da noite para o dia. [...] A
gente ia fazer compras na Cidade Livre [hoje chamada de Núcleo Bandeirante],
onde moravam os operários, em casas de madeira, porque a gente não tinha um
mercado, não tinha nada. (M. Mello, 2010).

As dificuldades não desanimaram o casal, e foram superadas com o apoio da coesão


familiar. Precedidos na mudança por Cantídia, irmã mais velha de Mariadyr que já se
transferira para trabalhar em Brasília e incentivou a mudança da irmã mais nova, ao grupo
familiar juntou-se Lourdes, mãe delas.

Foi a melhor coisa que nós fizemos na vida! Porque nos deu uma estabilidade
muito boa, melhoramos muito a situação financeira. [...] Minha irmã já estava aqui.
Ela veio primeiro, antes da inauguração, no início de abril. Manoel veio logo depois
dela, e eu vim em junho com a mamãe. Para nós foi ótimo, porque mamãe me
ajudava muito. Eu trabalhava dois expedientes, então ela ficava com a Sandra. (M.
Mello, 2010).

Enquanto Manoel e Mariadyr trabalhavam com afinco para consolidar o bem-estar da


família, Lourdes cuidava dos netos, dedicando uma afeição toda especial (e mútua) ao caçula
da família: “a mamãe era doida pelo Roger” (M. Mello, 2010). Figura arquetípica de avó, foi
uma referência marcante na vida de Roger Mello: “Eu tinha um xodó com a minha avó. Ela
contava histórias de bichos, sempre tinha bichos.” (Mello, 2010)
Longe de representar um isolamento geográfico, o novo endereço da família nuclear
reforçou os laços afetivos da família ampliada: tios, primos, avós, amigos “adotados” de
outros estados e países formam até hoje um grande grupo que se apóia mutuamente. Em
comum entre todos, o bom-humor e o apreço pelas relações afetivas, que transforma amigos
em integrantes da família – como foi possível constatar durante a condução desta pesquisa,
situação que será descrita pormenorizadamente mais adiante.
Se hoje Roger Mello declara querer ser “um generalista” (ver item 1.2 a seguir), pode-se
identificar as raízes deste interesse amplo pelo mundo em seus relatos sobre a infância. A
natureza exuberante do cerrado, tão presente na cidade em sua fase de implantação, marcou
fortemente Roger Mello por toda a vida e se revela em inúmeros de seus trabalhos.

A diversidade é uma das características de Roger, capaz de trabalhar tanto com


temas da cultura popular do interior quanto dos centros urbanos. Os anos longe de
Brasília, garante ele, não foram suficientes para lhe roubar as referências da cidade.
38

‘‘De alguma forma, Brasília está na paleta de cores que uso e na multiplicidade de
temas, por ter muitas culturas convivendo.’ (Alethea Muniz. Correio Braziliense.
Brasília, 10 abr. 2002, p. 27) 8

O menino Roger estava sempre às voltas com plantas e animais em suas incursões pelas
redondezas. Acompanhado nos passeios por seu pai, que atendia de bom grado aos pedidos
insistentes do filho, Roger trazia na volta exemplares concretos ao mesmo tempo que
impregnava seu “museu imaginário” com imagens dos ecossistemas locais (e que viria a ser
inspiração para seu trabalho de graduação, como veremos adiante).

Animais e plantas, nossa, eram uma paixão. Roger ia para o jardim, pegava tudo
quanto era bichinho e levava para dentro de casa. [...] A alegria dele era essa. Tinha
muita mata nessa região, tinha riozinhos [...] O pai dava muita força, porque
gostava também, então ia com o ele. Era muito fácil o Roger conseguir levar o pai
para todo lugar que queria. (M. Mello, 2010)

Na infância, a “concorrência” entre os irmãos era desestimulada pela avó: “Ela dizia ao
Roger ‘Meu filho, não brigue com os primos e com os irmãos, não brigam dois quando um
não quer!’ e ele sempre atendia ao que ela falava.” (M. Mello, 2010). Na idade adulta, a
convivência se mantém próxima, a despeito da distância espacial, já que Roger é o único que
mora fora de Brasília. Marcelo, o irmão do meio, é empresário e costuma acompanhar Roger
em muitas de suas viagens, como aconteceu nos congressos em Havana (2009) e em Santiago
de Compostela (2010). Sandra, a mais velha, que também mora em Brasília, conserva na
maturidade um certo tipo de magnetismo natural que exerce sobre os irmãos desde a infância,
conforme relata Mariadyr: “ela sempre foi uma liderzinha”. Arquiteta com mestrado e
doutorado na área, compartilha com Roger de um tipo de sensibilidade visual aguçada. Fez o
projeto arquitetônico de reforma do apartamento onde o artista mora, no Leblon, Rio de
Janeiro, e interessa-se pelos projetos editoriais do irmão caçula, a exemplo da ilustração final
do livro Fita verde no cabelo (1992): “A minha irmã teve uma participação naquela ilustração,
porque eu botava a menina no final com as casas todas jogadas no chão de cabeça pra baixo. E
ela achou muito pesado aquilo, aí eu botei elas flutuando, perdendo o chão” (Mello, 2010).
Outra das experiências marcantes na infância de Roger Mello diz respeito à expressão
criativa. Como parte do projeto urbanístico inovador implantado em Brasília, do qual
participou Oscar Niemeyer, estavam as escolas de bairro. Com projeto pedagógico idealizado

8
Ver dossiê Hans Christian Andersen 2010 no Anexo B.
39

por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, estas escolas ofereciam, além do ensino tradicional,
aquilo que Roger Mello chama de “escola de criatividade” (2010). Eram aulas em período
diferenciado, nas quais todos os alunos eram incentivados a se expressar criativamente por
vários meios:

[...] fiz um curso experimental que vale a pena ser citado. Eu era pequeno nessa
época. Nesse curso não chamávamos as professoras de tia, era o nome próprio, a
Bia e a Zezé. A gente chamava as professoras pelo nome, porque elas falavam assim:
“Aqui todo mundo é artista”. E a gente tinha que se tratar de uma maneira adulta,
profissional. Nós podíamos fazer qualquer coisa ali, a única coisa que não
podíamos fazer era copiar. Elas diziam: “Você copia em casa, aqui você tem espaço
e material e deve criar”. Era legal essa filosofia, isso me afetou profundamente.
Íamos para o lado de fora da sala, um monte de crianças, e elas diziam assim:
“Agora quero que vocês desenhem o som que escutarem”. Aí, nossa! Fundia a
cabeça da gente, não era como desenhar um grilo, tínhamos que nos virar, era o
som. Destravava tudo. (Mello, 2003, p. 27-28)

É interessante assinalar aqui os contrastes e contradições manifestados nos cenários


social, político e econômico percorridos por essa geração, da infância à idade adulta. Nascem
na década de 1960, marcada no Brasil pelo golpe militar que sucedeu aos movimentos de
Juscelino Kubitschek pela rápida modernização do país e que reprimiu possíveis anseios
socialistas. Especialmente em Brasília, estes contrastes assumiam uma forma extrema, quando
aos projetos anteriores se contrapôs o regime de repressão e censura instaurado pelo golpe
militar de 1964. A experiência do silêncio na infância e adolescência de Roger Mello, durante
os “anos de chumbo”, teve um efeito peculiar na sua leitura de mundo:

A gente não podia falar, não entendia por que as pessoas foram presas. Eu era
criança na época, e falavam em leituras que eram proibidas e tal. O engraçado é que
Brasília foi feita por um monte de socialistas e logo depois veio a contradição, que
foi o golpe. E aí o que aconteceu? Acho interessante é que na obra – principalmente
a obra de arte, a própria arquitetura do Niemeyer, de diversos artistas – os
conceitos do Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, enfim, aquilo estava encruado. Então
nós viramos um pouco, nessa fase silenciosa, uma cambada de leitores de imagens.
(Mello, 2003, p. 30)

Muito deste clima pode ser percebido em seu livro de imagens (sem palavras) A pipa
(fig. 81), que mostra o contraste entre os cenários naturais amplos e multicoloridos, onde um
personagem solta pipa, e a súbita intervenção de elementos hostis, em formas cheias de arestas
e cores sombrias.9

9
Ver ilustrações e análise visual deste livro no capítulo três, p. 164.
40

A mesma geração que nasceu nos revolucionários anos 1960 – sucessores dos “anos
dourados” e logo substituídos pelos opressivos “anos de chumbo” –, viu surgir os movimentos
contestadores no meio estudantil, o flower power e o florescimento de formas artísticas que
driblavam criativamente a censura, destacando-se, no campo da literatura infantil, as autoras
Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Lygia Bojunga, como se verá no capitulo dois.
Os anos 1980, marcados pela retomada democrática, entre a rearticulação política e o
entusiasmo pelas “Diretas Já”, assinalam o momento de escolha profissional para a geração de
1960. Para Roger Mello, este foi um momento de importantes decisões. Já então às voltas com
múltiplos interesses, fez um teste vocacional para auxiliar na opção por uma carreira a fim de
prestar vestibular para a Universidade de Brasília (UnB), melhor instituição de ensino
superior então disponível na cidade. Além das artes visuais, curso inexistente na UnB, o teste
apontou Agronomia como uma das possibilidades. Roger Mello fez então o vestibular, foi
aprovado e começou o curso em 1983. No entanto, apesar de todo seu interesse por plantas e
animais, o curso estava longe de mantê-lo motivado. Mariadyr, preocupada com o desânimo
do filho, dividia a preocupação com amigos e parentes, até que uma tia do Rio de Janeiro
telefonou com uma notícia: havia tomado conhecimento de um vestibular para Design na
Faculdade da Cidade, quem sabe Roger não se interessaria pelo curso?

A gente ver um filho infeliz é uma coisa ruim, né? Ele estava infeliz. Às vezes eu
falava “Ih, Roger não está gostando dessa faculdade”. Mas a gente também não
sabia que solução podia dar, aqui não tinha a faculdade que ele queria. Aí essa tia
dele liga lá do Rio para saber, para dizer que tinha esse vestibular, você vê as coisas
como são? É Deus quem mostra. (M. Mello, 2010)

1.1.2 Rio de Janeiro: primeira


estação para ganhar o Brasil

Com o apoio da família, Roger


Mello fez e foi aprovado em novo vesti-
bular, mudando de carreira e de cidade,
uma mudança que seria definitiva em
sua vida. O apoio emocional da família
materializou-se em apoio financeiro. A
avó emprestou seu antigo apartamento

Figura 2. Carteira de identidade


41

no Rio de Janeiro e os pais custeavam as despesas cotidianas, além das mensalidades da nova
faculdade particular: “minha mãe tinha um apartamentinho no Rio, aí ele ficou lá. Veio
sozinho mesmo, se virou sozinho e não reclamava de nada, não pedia nada, a gente é que
sabia, que acompanhava, mas ele nunca exigiu nada. O Roger tem um temperamento muito
bom.” (M. Mello, 2010)
Demonstrando indisfarçável satisfação pela autonomia e responsabilidade demons-
tradas pelo filho mais novo, Mariadyr conta que, por iniciativa própria, Roger decidiu prestar
mais um vestibular, desta vez para a conceituada e concorrida ESDI, Escola Superior de
Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, escola pioneira no ensino
do design na América Latina:10 “Ele fez outro vestibular para a UERJ, que era gratuita, e
passou, aí largou a outra. Isso foi iniciativa dele, já estava feliz da vida, porque estava fazendo
aquilo que gostava”.
Esta faculdade, com currículo inspirado pelas escola alemã Bauhaus,11 privilegiava uma
abordagem funcionalista para soluções projetuais – um modelo de certo modo limitador para
a sensibilidade artística de Roger Mello, que encontrou maior identificação com os
professores das disciplinas de desenho artístico, especialmente Amador Perez e Roberto
Eppinghaus (Mello, 2010). Seu trabalho de conclusão de curso, orientado por Silvia Steinberg,
trazia uma proposta inusitada para os padrões funcionalistas da escola e mostrava uma
inconformidade com seus paradigmas: uma análise dos sistemas de comunicação visual
desenvolvidos pelos ecossistemas do cerrado, que incluiu a realização de pranchas desenhadas
mostrando a interação entre plantas e animais. Uma proposta arrojada, desafiando as

10
A título de curiosidade, pode-se citar mais um ponto de convergência entre dois lugares essenciais na
formação de Roger Mello – Brasília e ESDI. Na época de nosso ingresso na ESDI, em meados dos anos 1980,
sua diretora era a muito querida dra. Carmen Portinho, primeira engenheira formada no Brasil e que já em
1938 apresentara uma pioneira tese para a conclusão do curso de pós-graduação em urbanismo na
Universidade do Distrito Federal com o título "Anteprojeto para a futura capital do Brasil no Planalto
Central". Lucia Lippi Oliveira (s/d) comenta que “esse projeto foi publicado na revista da Prefeitura do
Distrito Federal, importante periódico dedicado à divulgação da arquitetura e do urbanismo moderno entre
nós. Carmen Portinho pode ser considerada uma precursora por ter realizado, ainda que para fins
acadêmicos, o projeto de construção de uma cidade inteiramente moderna para capital do país. O projeto de
Lúcio Costa significou o coroamento dessa longa história.” OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil de JK. Sonho
antigo. CPDOC/FGV. Disponível online em http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Brasilia/
SonhoAntigo. Acesso em 22 jan. 2011.
11
A respeito da Bauhaus, ver o portal http://bauhaus-online.de/en (acesso em 13 jan. 2011) mantido pelas três
instituições atualmente responsáveis pela herança cultural da instituição – Bauhaus-Archiv / Museum fur
Gestaltung, Fundação Bauhaus Dessau e Fundação Weimar Classics, ou ainda GROPIUS, Walter; Bauhaus:
novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2001;ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 1992 e BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo:
Perspectiva, 1998.
42

convenções estabelecidas – possivelmente a primeira manifestação concreta do que viria a ser


um traço marcante de suas obras.
Paralelamente à formação acadêmica, Roger Mello buscava exercitar a prática
profissional em estágios na área do design. Também neste campo, nota-se a feliz união das
redes de relacionamentos pessoais ao seu talento criativo. Roger Mello fora indicado por
pessoas da família para estagiar com Oscar Niemeyer e Ziraldo. Já havia sido aprovado pelo
primeiro, quando recebeu a notícia que fora aprovado também pelo segundo. Apesar de toda
a admiração que nutria pelo arquiteto comunista, figura marcante na concepção arquitetônica
da cidade de sua infância, Roger Mello reconhecia em Ziraldo um profissional de cuja
proximidade não poderia prescindir. Logo o aprendiz se revelaria um talento admirável aos
olhos do mestre:

A star is born é um titulo recorrente na história do cinema americano. A gente


traduziu direitinho: nasce uma estrela. A esta altura da minha vida vi muita estrela
nascer. A estrela que nasce não se revela assim, plá, pra todo mundo. Muitas vezes
ela esta nascendo e você nem percebe. Pra sacar o nascimento de uma estrela é
preciso ter – vamos lá! – feeling. Sensibilidade deve ser a tradução correta.
Sensibilidade para perceber pequenos sinais: no tamanho do dedinho, a previsão do
gigante. Tudo isto é para dizer que, no primeiro momento em que vi os desenhos
do Roger, saquei: este menino cintila. (Ziraldo, 1996, 4a capa de Maria Teresa)

Na Zappin, empresa de Ziraldo onde permaneceu por um ano, Roger Mello conheceu
Graça Lima, ilustradora igualmente talentosa com alguns anos a mais de experiência, e
tornaram-se grandes amigos:

Eu conheço a Graça desde a época da Zappin. Ela trabalhava lá na época, desde


então somos amigos. E a gente sempre conversa muito! A gente acaba tendo um
olhar muito parecido. Trocamos muitas referências, sempre! E a Mariana, apesar
de eu já gostar muito do trabalho dela, achar ela genial, assim como a Graça. A
Mariana eu já conheço a menos tempo, mas admiro muitíssimo o trabalho dela. A
Graça não, a gente sempre dialoga, somos bem próximos, inclusive, sou o padrinho
da filha dela, a Letícia. (Mello, 2003, p. 36)

Anos mais tarde, juntaram-se à também amiga e ilustradora Mariana Massarani e


criaram a empresa “Capa dura em Cingapura”.12 Motivada inicialmente pela necessidade

12
Nome criado por Mariana Massarani em bem-humorada alusão ao fato, bastante conhecido na indústria
editorial, de que livros ilustrados editados no Brasil dificilmente ganham capa dura se não forem impressos
na China.
43

pragmática de dividir despesas, a parceria frutificaria em um livro singular, criado a seis mãos,
Vizinho vizinha.13
Finalmente, Roger Mello estreou profissionalmente como autor com a publicação de A
Flor do lado de lá no início dos anos 1990, a “década perdida” do deslumbramento yuppie. A
família, como de costume, apoiava as escolhas de Roger:

Uma pessoa que começa a vida como o Roger começou, se não estiver trabalhando,
é difícil se manter, e na área dele também não é muito fácil para ganhar. No início a
gente dava muito apoio financeiro, a gente sempre incentivou porque via que ele
tinha um dom especial para a arte. Mas ele foi um batalhador. Depois de se formar
saía com o portfolio debaixo do braço e ia para tudo que era lugar, e como acho que
o trabalho dele era bom mesmo... (M. Mello, 2010)

De fato, o talento de Roger Mello estava já bem evidente neste primeiro livro de sua
inteira autoria, que recebeu o prêmio Altamente Recomendável da FNLIJ e continua a ser
reeditado com regularidade, estando atualmente na 7a edição. Suas ilustrações, assim como as
dos posteriores O gato Viriato (1993) e O próximo dinossauro (1994), faziam referência ao
realismo figurativo do cânone tradicional e também ao cartum, até que a publicação de Maria
Teresa, em 1997, veio assinalar uma nova fase em sua linguagem visual. A partir daí,
sucederam-se vários livros com características inovadoras que conferiram a Roger Mello uma
contínua e significativa premiação, como se pode verificar no texto de abertura do dossiê
montado pelo artista quando de sua indicação pela FNLIJ para concorrer ao prêmio Hans
Christian Andersen 2010:

Roger Mello é ilustrador, escritor e dramaturgo. Nasceu em Brasília, em 1965.


Ilustrou mais de cem títulos, dezenove deles, com textos de sua autoria. Formado
em Design pela ESDI/UERJ, trabalhou com Ziraldo na Zappin. Recebeu inúmeros
prêmios no Brasil e no exterior por seu trabalho como ilustrador e escritor. É
considerado hours concours pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil que,
além de lhe conceder vários prêmios, o indicou para o Prêmio Hans Christian
Andersen 2010 na categoria ilustrador. Da Câmara Brasileira do Livro recebeu oito
Prêmios Jabuti. Foi premiado pela Academia Brasileira de Letras e, na União
Brasileira dos Escritores, pelo conjunto de sua obra. Participou de diversas feiras
internacionais de livros como Catalunha, Roma, Frankfurt, Bolonha, Gotemburgo,
Brooklyn (Brooklyn Public Library), Sarmede (Le Immagini Della Fantasia),
Padova (I Colori del Sacro). Seu livro Meninos do Mangue recebeu o prêmio
internacional de melhor livro do ano da Fondation Espace Enfants (Suiça) em
2002. Juntamente a outros autores brasileiros, foi homenageado no Escale Brésil do
Salão de Montreuil na França em 2005. No mesmo ano, suas ilustrações sobre os
versos populares do livro Nau Catarineta estiveram em exposição itinerante pelas

13
Ver ilustrações e análise visual deste livro no capítulo três, p. 169.
44

bibliotecas de Paris. Três de seus livros (A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco!,
Meninos do mangue) constaram da “lista de livros que toda criança deve ler antes
de virar adulto”, publicada pela Folha de São Paulo em 2007. (Mello, Dossiê Hans
Christian Andersen 2010, Anexo B).

1.1.3 Carimbando o passaporte

Figura 3. Passaporte

Depois da experiência de trabalho fixo na Zappin, Roger Mello optou por trabalhar
como artista autônomo, dedicando-se a projetos em áreas tão variadas quanto design gráfico,
ilustração, dramaturgia, animação, direção de arte cinematográfica; lidando com clientes e
público de perfis também distintos. Esta vocação para a pluralidade é um traço bastante
característico de sua personalidade, concretizada em suas atividades profissionais e artísticas,
como se verá adiante, no item 1.2. Além disso, a “inquietude” de que fala Ziraldo manifesta-se
em suas constantes viagens pelos mais variados destinos, seja a trabalho, a passeio ou, mais
frequentemente, uma combinação de ambos.
Estes deslocamentos pelo mundo apontam inicialmente para uma identificação de
Roger Mello com o narrador “marinheiro comerciante”, tal como definida por Walter Benja-
min (1994c), que exemplifica os dois grupos arcaicos de narradores nas figuras do camponês
sedentário e do marinheiro comerciante. Os dois grupos interpenetram-se no sistema corpo-
rativo medieval, quando “o mestre sedentário e o aprendiz migrante trabalhavam juntos na
45

mesma oficina”, de modo que “se os camponeses e os marujos foram os primeiros mestres na
arte de narrar, foram os artífices que a aperfeiçoaram” (idem, p. 199).
É interessante observar que Roger Mello integra em sua trajetória de vida e trabalho
qualidades dos dois grupos, sendo ele próprio um artífice moderno: se “cada mestre tinha sido
um aprendiz ambulante antes de se fixar em sua pátria ou no estrangeiro” (ibid), Roger Mello
foi antes um aprendiz sedentário para, em seguida, depois de alcançada a maestria, tornar-se
um viajante e recolher material para suas narrativas verbais e visuais. Um exemplo destas
últimas é o livro Desertos,14 composto por econômicos porém eloquentes desenhos feitos a
lápis de cor em um caderno de viagens pelo Marrocos, que posteriormente ganharam a
companhia de poemas assinados por Roseana Murray.
Em dois momentos bastante especiais desta pesquisa surgiu a oportunidade de realizar
um trabalho de campo não planejado, com observação intensamente participante, nos quais
foi possível acompanhar a maneira de Roger Mello estar no mundo (também no sentido
geográfico), formar sua cultura visual e exercitar sua verve criativa: foram duas viagens para
congressos internacionais relacionados ao livro e à leitura que coincidentemente empreen-
demos juntos, em 2009 e 2010.
O primeiro deles aconteceu em outubro de 2009, em Havana, Cuba. Chama-se Para
Leer el XXI e acontece bienalmente há mais de dez anos, realizado pelo Comitê Cubano do
IBBY e pela Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura em parceria com as
seções nacionais do IBBY do Brasil (FNLIJ), do Canadá, da Colômbia (Fundalectura
Colombia) e do México (A Leer). Conta ainda com o apoio do Centro Regional para el
Fomento del Libro en América Latina y el Caribe (CERLALC), do UNICEF, do Instituto
Cubano de Investigación Cultural Juan Marinello, da Unión Nacional de Escritores y Artistas
de Cuba (UNEAC), do Ministerio de Cultura (MINCULT) e do Instituto Cubano del Arte e
Industria Cinematográficos (ICAIC), entre outros organismos e instituições nacionais e
estrangeiras. Fazem parte da equipe do congresso as brasileiras Elizabeth Serra, na vice-
presidência do Comitê Organizador, presidido por Emilia Gallego Alfonso (Cuba), e Nilma
Lacerda, vice-presidente do Comitê Científico.15
Roger Mello foi convidado pela organização do congresso para participar da mesa de
abertura. Logo de início ficou evidente seu grande empenho em contribuir para o bom anda-

14
Ver ilustrações e análise visual deste livro no capítulo três, p. 171.
15
Mais informações no site oficial do congresso, em http://www.ibbycuba.org/congreso_lectura/index.htm.
Acesso em 22 jan. 2011.
46

mento do congresso, muito além de seu papel como palestrante. Como se sabe, em Cuba há
grande dificuldade em se conseguir até mesmo produtos tão simples como canetas esfero-
gráficas ou blocos de papel, essenciais para um congresso. Roger foi um mediador literal no
processo de envio destes materiais do Brasil para Cuba, levando-os junto com sua bagagem
pessoal.
Além disso, foi possível testemunhar sua popularidade em grupos dos mais variados,
como acontece estarem reunidos em encontros deste tipo. Sua energia e interesse inesgotáveis
em explorar a cidade levava-o a visitar museus, praças, hotéis, feiras, e revelava-se num “olhar
emocionado” que desvendava detalhes do cotidiano local, como as cadeiras em inacreditável
profusão de estilos e graus de conservação espalhadas pelas varandas e quintais de casas e
prédios nas ruas.
O interesse de Roger não se limitava contudo aos aspectos materiais da realidade
contrastante que o cercava, mas antes o modo como esta realidade material traduz os modos
de vida das pessoas. Acolheu com satisfação vários convites de grupos locais envolvidos com
livros infantis: pesquisadoras da Oficina del Historiador que realizam interessante trabalho de
integração dos alunos de escolas locais às instituições culturais no bairro de Habana Vieja;
bibliotecários que desenvolvem um inovador projeto de promoção de leitura na biblioteca
José Marti; profissionais do livro (editores, escritores, ilustradores) envolvidos com a melho-
ria das condições de publicação para crianças e jovens em meio a restrições materiais e
ideológicas.
O segundo evento, em 2010, foi o 32º Congresso Internacional do IBBY, realizado
bienalmente em diferentes cidades que abrigam seções nacionais deste organismo interna-
cional por todo o mundo.
O IBBY é uma organização internacional sem fins lucrativos, incorporada oficialmente à
UNESCO e ao UNICEF. Foi fundado por Jella Lepman (1891–1970) em 1953 na Suíça, após a
II Guerra Mundial, como parte dos esforços desta combativa jornalista judia para concretizar
seu ideal de favorecer o entendimento e a paz entre os povos por meio da literatura infanto-
juvenil. Hoje é composto por 70 seções nacionais no mundo todo, unidas pela missão de
favorecer o acesso de crianças e jovens a livros com alta qualidade literária e artística;
proporcionar apoio e formação aos que trabalham com crianças e jovens e com os livros
47

destinados a eles; e estimular a pesquisa e a publicação de trabalhos acadêmicos no campo da


literatura infanto-juvenil.16
A cada dois anos, uma das diferentes seções nacionais sedia o congresso, que reúne
centenas de pessoas, entre membros do IBBY e interessados em livros infanto-juvenis e na
promoção da leitura. No congresso, acontecem palestras, mesas-redondas, seminários e
workshops, bem como a Assembleia Geral e outros encontros oficiais do IBBY. Além disso,
acontecem exposições e celebrações, como a entrega dos prêmios Hans Christian Andersen,
IBBY-Asahi Promoção de Leitura e da Lista de Honra do IBBY.17
O prêmio Hans Christian Andersen é o mais importante prêmio internacional de
literatura infanto-juvenil, concedido desde 1956 a escritores e desde 1966 a ilustradores do
mundo todo por um júri internacional composto por especialistas destas áreas. Citado no site
oficial como “o Nobel da literatura infanto-juvenil”, 18 tem por patrono a Rainha Magrethe II
da Dinamarca. Concorrem autores vivos indicados por suas respectivas seções nacionais,
levando em conta o conjunto de suas obras. As escritoras brasileiras Lygia Bojunga e Ana
Maria Machado foram as vencedoras nos anos de 1982 e 2000, respectivamente.
Mesmo sendo um autor jovem para o contexto (44 anos na época da indicação), a
expressiva produção de Roger Mello fez dele o indicado pela FNLIJ para concorrer ao prêmio
de 2010 na categoria Ilustração. A indicação já representa, por si só, o reconhecimento
nacional pela qualidade do trabalho de um artista, selecionado entre os muitos em atividade
na área. Ao todo, foram 27 indicados dos seguintes países (em ordem alfabética): Alemanha,
Argentina, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estados
Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Japão, Lituânia, México, Noruega, Reno
Unido, República Eslovaca, República Tcheca, Rússia, Suécia, Suíça, Turquia.
Dentre estes 27 indicados, foram selecionados apenas cinco finalistas, sendo Roger
Mello um deles: Jutta Bauer (vencedora, Alemanha), Carll Cneut (Bélgica), Etienne Delessert

16
Mais informações sobre o IBBY no site oficial da instituição, em http://www.ibby.org/. Acesso em 22 jan.
2011.
17
A Lista de Honra do IBBY (IBBY Honour List) é uma seleção bienal de livros recém-publicados em paises
membros do IBBY, que se destaquem por sua qualidade e por representarem a cultura de seus paises de
origem, e que apresentem interesse para publicação em outros idiomas.. Um catálogo é lançado durante a
cerimônia de premiação e acompanha as exposições montadas com os livros, que circulam pelo mundo todo
durante conferências e feiras. O Prêmio do IBBY-Asahi Promoção de Leitura, patrocinado pela empresa
jornalística Asahi Shimbun, é concedido bienalmente a instituições indicadas pelas seções nacionais do IBBY
que se destaquem por ações de promoção de leitura entre crianças e jovens. O prêmio é contituído por
U$10.000 e um diploma, entregue durante o congresso.
18
Mais informações sobre o prêmio Hans Christian Andersen em http://chlhistory.org/andersen/en. Acesso em
22 jan. 2011.
48

(Suíça) e Svjetlan Junakovic (Croácia) eram os outros quatro. É importante destacar que
Roger Mello foi o único não-europeu do grupo, um resultado que vem ao encontro dos
esforços dos ilustradores brasileiros no sentido de consolidar uma linguagem autenticamente
brasileira.
O processo de avaliação demandou a montagem de um dossiê contendo uma serie de
informações sobre o artista e sua obra, como biografia, relação das obras publicadas, artigos
escritos sobre ele, prêmios conquistados, bem como amostras dos trabalhos realizados. Além
de produzir o conteúdo, Roger Mello concebeu o projeto gráfico e executou artesanalmente
este dossiê – mais do que um relatório sobre sua atuação profissional, a excelência gráfica
deste objeto constitui em si um exemplo concreto de seu talento.
Dentre os muitos textos publicados e reunidos por Mello para compor o dossiê, desta-
camos alguns de especial interesse, como os escritos por Ziraldo, Regina Yolanda e Rosinha
Campos, utilizados em forma de citações ao longo deste trabalho e reproduzidos na íntegra
nos Anexos B e C.
O trabalho impressionou favoravelmente os jurados do prêmio, como se pode perceber
pelo parecer publicado no site oficial do evento: “O mundo de Roger Mello é um rico espectro
de técnicas, imaginação, cor e inspiração, considerado inovador, fascinante e intrigante.”19
O resultado do prêmio Hans Christian Andersen é divulgado durante a Fiera del Libro
per Ragazzi / Bologna Children's Book Fair (BCBF), prestigiosa feira internacional dedicada
exclusivamente aos livros infanto-juvenis, que acontece anualmente desde 1963 na cidade de
Bolonha, Itália, nos meses de março ou abril.20 Deste modo, no congresso do IBBY, realizado
no mês de setembro, os vencedores e finalistas comparecem para receber seus prêmios. Assim,
na qualidade de finalista, Roger Mello compareceu ao congresso realizado em Santiago de
Compostela, Espanha, a fim de receber sua premiação.21

19
Disponível em http://www.ibby.org/index.php?id=1016. Acesso em 28 jan. 2011.
20
Mais informações sobre a Feira de Bolonha no site oficial do evento, em http://www.bookfair.bolognafiere.it/
home. Acesso em 22 jan. 2011.
21
Antes da divulgação do resultado, eu havia inscrito uma comunicação no congresso tratando
concidentemente de uma parte importante dos livros ilustrados de Roger Mello, aqueles com temáticas e
linguagens visuais relacionadas à cultura popular brasileira. Esta comunicação resultou de monografias
desenvolvidas em algumas disciplinas do curso de mestrado, e foi muito bem recebida pela organização,
sendo-me solicitada a montagem de um painel para apresentação e exibição permanente durante o congresso.
Foi, portanto, uma feliz convergência que uniu-nos em mais um congresso internacional.
Desta vez, no entanto, fui privilegiada não apenas com uma convivência muito próxima com Roger
Mello, mas com toda sua família, que compareceu unida ao congresso: mãe, irmã, irmão, sobrinho, duas
primas, um primo com esposa e filhos, além de uma amiga de longa data que se tornou “agregada” da família,
49

Esta foi uma segunda oportunidade não planejada para realizar uma pesquisa de campo
bastante especial e incomum, convivendo e sendo acolhida pela família do artista pesquisado.
De fato, muito do que já fora anteriormente percebido acerca das muitas e variadas ligações
afetivas estabelecidas socialmente por Roger Mello foi confirmado durante este convívio. Esta
“observação participante intensiva” (Clifford, 2008) foi fonte preciosa de informações,
oferecendo a possibilidade de acrescentar mais uma camada de leitura – a das memórias
afetivas do artista – à “descrição densa” recomendada por Geertz (1989), que afina-se também
com a abordagem sociológica empreendida por Elias (1995) e citada no início deste item.

1.2 “QUERO SER UM GENERALISTA”:


QUESTÕES DO SEU TEMPO E LUGAR

O especialista é um homem que sabe cada vez mais


sobre cada vez menos, e por fim acaba sabendo tudo
sobre nada.
Konrad Lorenz22

Um traço marcante da personalidade de Roger Mello é seu renovado interesse por tudo
que o cerca, que se traduz em narrativas nos mais variados suportes, conforme declaração do
próprio artista: “Eu sempre tive um interesse muito grande por tudo. Não quero ser um
especialista, quero ser um generalista mesmo, como o Millôr Fernandes, o Ziraldo, essa
geração. Eu gosto de plantas, de animais, não é porque eu procuro saber tudo, é porque eu
gosto tanto que eu quero saber.” (Mello, 2010)
O generalista é um “indivíduo cujos talentos, conhecimentos e interesses se estendem a
vários campos, não se confinando em uma especialização.” (Houaiss, 2009, p. 963). Da mesma
raiz, temos também generoso: “de boa linhagem; ilustre, nobre. Dotado de caráter e
sentimentos nobres. De alma magnânima, liberal. Em quantidade maior do que o usual ou o
necessário. Da melhor qualidade [...]. Fértil, fecundo.” (ibid). Unidas pela raiz, as duas

a francesa Sophie Vuccino. Um grupo tão numeroso quanto caloroso e acolhedor, que se auto-intitulava
“Excursão Mar Mello”, numa alusão bem-humorada ao sobrenome da família.
22
Tradução do inglês: The specialist knows more and more about less and less and finally knows everything about
nothing. Disponível online em http://www.brainyquote.com/quotes/keywords/compete.html#ixzz1Gcx6
UPAH. Acesso em 12 jan. 2011.
50

descrições falam bastante bem de Roger Mello, um artista que transita com interesse e
naturalidade por vários campos da criação artística.
A habilidade em conectar-se a diferentes áreas – ou de intercambiar vários pontos de
vista – faz toda a diferença para os bons profissionais no campo das humanidades, como diz
Marcel Mauss: “A sociologia e a etnologia descritiva exigem que se seja, ao mesmo tempo,
cartógrafo, historiador, estatístico... e também romancista capaz de evocar a vida de toda uma
sociedade”. (1993, p. 22).
Expressando-se criativamente em “mundos artísticos” diferentes (Becker, 1976, p. 9),
Roger Mello combina várias das habilidades citadas por Mauss, culminando no talento como
autor de narrativas verbais e visuais. O próprio artista fala destas passagens por diferentes
universos, e mesmo dos diferentes “elos cooperativos” (Becker, 1977, p. 206) no universo das
artes gráficas:

o designer mergulha em coisas que não conhece profundamente. Ele mergulha


num universo que, até pouco tempo, lhe era distante. O tradutor também, o editor,
quem trabalha com livro faz isso. O ilustrador também, ele vai mergulhar num
universo estranho ao dele, daí vem a pesquisa, é genial! E nós vamos nos tornando
doutores honoris causa em generalidade. (Mello, 2003).

Considerando a arte como um produto social, Howard Becker (1977) defende “uma
concepção da arte como uma forma de ação coletiva” e afirma que “todas as artes que
conhecemos envolvem redes elaboradas de cooperação”. A divisão do trabalho entre os
diferentes membros que constituem tais redes “sempre resulta de uma definição consensual
da situação” (p. 206-207), onde há uma gradação entre as atividades altamente artísticas
desempenhadas pelos assim considerados “artistas”e as restantes (aquelas executadas pelo
“pessoal de apoio”):

Os participantes num mundo da arte encaram algumas das atividades necessárias à


produção daquela forma de arte como “artística”, exigindo o dom ou a
sensibilidade especial de um artista. As atividades restantes parecem para eles uma
questão de habilidade, argúcia para negócios ou alguma capacidade menos rara,
menos característica da arte, menos necessária para o sucesso do trabalho, e
merecedora de menor respeito. (idem, p. 207-208)

Roger Mello tem plena consciência desta rede de atividades e de seu próprio lugar nela,
percebendo-se em sua fala citada anteriormente a noção de que, sendo ele próprio o artista,
“trabalha no centro de uma ampla rede de pessoas em cooperação, cujo trabalho é essencial para o
51

resultado final. Onde quer que ele dependa de outros, existe um elo cooperativo.” (Becker, 1977, p.
209). Roger recusa o papel de especialista, no sentido daquele que detém um conhecimento
diferenciado e superior, para acolher o de generalista, aquele que circula em múltiplos campos e
assim conhece também as atividades dos demais integrantes das redes de cooperação.
Esta mobilidade de Roger Mello tem efeitos notavelmente positivos em um universo
como o das artes gráficas, onde o resultado final – o livro impresso – pode frequentemente
opor os interesses dos diferentes elos da rede de cooperação:

Quando grupos profissionais especializados assumem a responsabilidade da


execução das atividades necessárias à produção de uma obra de arte, entretanto,
seus membros tendem a desenvolver interesses de carreira, financeiros e estéticos
que diferem substancialmente dos interesses do artista. (ibid)

Becker cita como exemplo deste conflito de interesses exatamente um caso do universo
das artes gráficas, o de um escultor seu amigo envolvido num trabalho em parceria com uma
conceituada oficina de impressão litográfica. Por desconhecimento das características deste
tipo de impressão, o artista criou um projeto que impunha desafios incontornáveis para o alto
padrão de qualidade tão prezado pelos impressores, e acabou envolvido num impasse que
poderia não ter existido caso houvesse um conhecimento prévio de um universo estranho ao
seu próprio universo original: “Meu amigo ficou à mercê dos impressores porque não sabia,
ele próprio, como imprimir litografia.” (idem, p. 210)
Neste sentido, os interesses generalistas de Roger Mello (bem como sua formação em
design gráfico) promovem uma aproximação com os demais “elos” do “mundo artístico” do
livro ilustrado (impressores, editores, escritores, revisores, designers, especialistas, etc)
propiciando a criação de objetos que são obras de arte – o livro ilustrado é um objeto que, se
por um lado oferece um campo fértil para inovações artísticas, por outro apresenta também
consideráveis desafios quando sua produção foge às convenções já assimiladas pelo universo
das artes gráficas.
Mesmo sendo esta pesquisa centrada em sua atividade de ilustrador, é importante
ressaltar que, além de seu reconhecido talento nesta atividade, Roger Mello demonstra igual
talento em outros campos, como comprovam os diversos prêmios recebidos: 21 prêmios da
FNLIJ (oito de Melhor Ilustração, seis de Melhor Livro Infantil, três de Melhor Projeto
Editorial, um de Melhor Livro de Teatro, um de Melhor Reconto) e 28 selos Altamente
Recomendável; oito prêmios Jabuti da Câmara Brasileira do Livro – CBL (nas categorias
52

Ilustração e Livro Infantil); prêmio Melhor Livro Infanto-Juvenil da Academia Brasileira de


Letras – ABL; prêmio Monteiro Lobato da Biblioteca Nacional – BN; Prêmio Especial Adolfo
Aizen, pelo conjunto da obra, da União Brasileira dos Escritores; prêmio Coca-Cola de Teatro
Infantil; sete indicação para o prêmio Mambembe (uma em São Paulo e seis no Rio de
Janeiro); cinco selos White Ravens, sendo dois deles Menção Especial, da Biblioteca
Internacional de Munique (International Jugendbibliothek – IJB); Lista de Honra do IBBY,
por indicação da FNLIJ; Prêmio Internacional Melhor Livro Infantil da Fondation Espace
Enfants (Suiça).
No site da Capa Dura em Cingapura (sociedade de Roger Mello com Graça Lima e
Mariana Massarani, anteriormente citada) encontramos informações condensadas sobre
algumas destas múltiplas atividades, relacionadas por completo no Anexo A:

No início de sua carreira, trabalhou ao lado de Ziraldo, na Zappin, e também se


dedicou ao desenho animado: cursos no SENAC, na UERJ e no grupo Animation,
com a equipe do National Film Board, do Canadá. Na televisão, fez as vinhetas de
encerramento da novela Vamp, para a TV Globo, além de diversas participações na
TV Educativa do Rio de Janeiro, nos programas Canta Conto e Um salto para o
futuro.
Roger Mello tem conquistado diversos prêmios por seus trabalhos como
ilustrador, autor de livros de imagem e livros para criança, e também como
dramaturgo. Em 2002, Meninos do Mangue foi o grande destaque nos concursos
literários, recebendo, da Câmara Brasileira do Livro, dois Jabuti's (de Melhor
Ilustração e de Melhor Livro Juvenil) e, da Fondation Espace Enfants (FEE), Suiça,
o Grande Prêmio Internacional. Para o teatro, ele escreveu os textos de Uma
história de boto-vermelho (1992), O país dos mastodontes, Curupira, Festa no céu e e
Elogio da Loucura – adaptação da obra de Erasmo de Rotterdam) e trabalhou com
Graça Lima na direção de arte do curta O Ciclo do Caranguejo, baseado no texto do
sociólogo Josué de Castro, dirigido e produzido por Adolfo Lachtermacher. (Capa
dura em Cingapura. s/d)

Este tipo de inquietude criativa que se expressa em múltiplos campos tem ilustres
predecessores em épocas e lugares variados ao longo da história da arte. No Renascimento
europeu (em especial o italiano), os artistas lutavam para expandir os limites da atividade
artística em vários sentidos:

Depois veio o período das grandes descobertas, quando os artistas italianos se


voltaram para as matemáticas a fim de estudarem as leis da perspectiva, e para a
anatomia a fim de estudarem a construção do corpo humano. [...] O artista deixou
de ser um artífice entre artífices, pronto a executar encomendas de sapatos,
armários ou pinturas, conforme fosse o caso. Era agora um mestre dotado de
autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da
natureza e sondar as leis do universo. (Gombrich, 2008, p. 287)
53

Leonardo da Vinci foi o expoente máximo deste processo: “Nada existia na natureza
que não despertasse a sua curiosidade e não desafiasse o seu engenho”. (idem, p. 294). Além
da expansão em diferentes áreas de conhecimento, neste contexto acontecia também uma
importante revisão do status social inferior do artista, que vinha desde a Antiguidade clássica,
com a distinção codificada por Aristóteles entre

as chamadas Artes Liberais, como a gramática, a lógica, a retórica e a geometria e


atividades que implicavam o trabalho com as mãos, que eram profissões “manuais”
e, portanto, “mesquinhas”, abaixo da dignidade de um cavalheiro. A ambição de
homens como Leonardo consistia em mostrar que a pintura era uma Arte liberal, e
que o trabalho manual nela envolvido não era nem mais nem menos essencial do
que o trabalho de escrever na poesia. (idem, p. 296)

Perguntamo-nos se não permaneceria algo deste milenar “esnobismo” clássico no modo


como alguns ainda hoje consideram a ilustração como um ornamento (portanto inferior) em
relação ao texto no livro infantil. Seja como for, grandes artistas em épocas posteriores ao
Renascimento continuaram a se dedicar sem preconceitos a estudos e criação em campos
variados. Ao final do século XVIII, a finalidade da pintura ainda era a mesma: “fornecer belas
coisas às pessoas que as queriam ter ou delas desfrutar.” (idem, p. 475). Mas a ruptura com a
tradição, que teve na Revolução Francesa uma expressão radical, mostrava um “notável efeito”
na pintura: “os artistas sentiam-se agora livres para passar ao papel suas visões pessoais, algo
que até então só os poetas costumavam fazer.” (idem, p. 488).
William Blake personificou este novo estado de espírito de modo extraordinário:

Blake foi o primeiro artista, depois da Renascença, que se rebelou conscientemente


contra os padrões aceitos da tradição, e não podemos criticar seus contemporâneos
porque o consideravam chocante. Quase um século transcorreria antes de ele ser
reconhecido como uma das mais importantes figuras da arte inglesa. (idem, p. 490)

Poeta, pintor, desenhista, gravador, tipógrafo, este artista inglês de muitos talentos
expressava suas visões místicas em poemas e desenhos singulares, dentre os quais destacam-se
Songs of Innocence and of Experience, poemas ilustrados publicados em 1789 (Songs of
Innocence) e 1794 (Songs of Experience) e posteriormente unificados em um volume único. As
crianças eram, senão o principal público leitor, personagens fundamentais destes livros
ilustrados, nos quais o autor expressava sua visão idealizada da infância (innocence) em
oposição dialética à decadência da vida adulta (experience). É interessante assinalar que, se até
54

a morte de Blake, em 1827, apenas 20 exemplares deste “chocante” livro haviam sido vendidos
(“Muitos o consideravam completamente louco; outros davam-no como um excêntrico
inofensivo, e só meia dúzia de seus contemporâneos acreditava na sua arte, salvando-o de
morrer de fome” op. cit), hoje ele faz parte do currículo oficial das escolas britânicas.23

Figura 4. Páginas de Songs of Innocence and Experience. BLAKE, William, 1789.24

Mais próximos no tempo e no espaço, pode-se destacar, no contexto do Modernismo


brasileiro, na primeira metade do século XX, artistas como Paulo Werneck (1907-1987) e
Tomás Santa Rosa (1909-1956), a respeito de quem Roger Mello declara sua admiração:

Paulo fez livros belíssimos sobre o Negrinho do Pastoreio. Era uma geração que
fazia de tudo, acho bacana isso. Eles são excelentes ilustradores também, porque
visitam outros meios. Insisto de novo com isso – por exemplo, o Santa Rosa fez o
cenário da peça Vestido de Noiva. É uma referência entre os estudantes de teatro

23
Para mais informações, ver The William Blake Archive, um site contendo arquivos hipermídia, patrocinado
pela Library of Congress (USA) e apoiado pela University of North Carolina em Chapel Hill, pela University
of Rochester e pela Divisão de Edições e Traduções Acadêmicas (Scholarly Editions and Translations
Division) do National Endowment for the Humanities. Disponível online em http://www.blakearchive.org/.
Acesso em 20 dez. 2010.
24
Fonte: The Rare Book Room. Site educacional que oferece acesso a muitos dos mais expressivos livros
antigos do mundo todo (cerca de 400 até o momento). Obras do acervo de importantes bibliotecas foram
fotografadas digitalmente pela empresa Octavo em altíssima resolução (em alguns casos com mais de 200
megabytes por página), de modo que pode-se examinar as páginas com excelente qualidade de visualização.
Disponível online em http://www.rarebookroom.org. Acesso em 20 dez. 2010.
55

como o cenógrafo maior, porque o Vestido de Noiva é um marco na cenografia, os


diversos planos da narrativa, é bárbaro. (Mello, 2003, p. 38)

Paulo Werneck (pai da ilustradora, professora e pesquisadora Regina Yolanda, pioneira


em estudos da ilustração brasileira citados ao longo deste trabalho) foi um artista de muitos
talentos. Pintor, desenhista, ilustrador, modernizou no Brasil a técnica do mosaico e fez mais
de 300 painéis em edifícios como Instituto Resseguros, Ministério da Fazenda, Marquês do
Herval, Banco Boavista (Rio de Janeiro); na Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha
(Belo Horizonte) e no Palácio do Itamaraty (Brasília), colaborando com arquitetos como
Oscar Niemeyer e os irmãos MMM (Marcelo, Milton e Maurício) Roberto.25
Nacionalista militante, Paulo Werneck publicou dois livros ilustrados sobre lendas
brasileiras – Negrinho do Pastoreio (1941) e Lenda da Carnaubeira (1939), que foi também
publicada nos Estados Unidos pela editora Grosset & Dunlap (1940). Este livro, com texto de
Margarida Estrela Bandeira Duarte, foi o vencedor de um concurso promovido pelo Comitê
de Leitura do Ministério da Educação e Saúde com a finalidade de publicar e distribuir belos
livros ilustrados a escolas e bibliotecas de todo o país.26

Figura 5. Capas americana e brasileira e ilustração de Lenda da Carnaubeira, de Paulo Werneck (1939).

25
Para mais informações, consultar o site do Projeto Paulo Werneck em http://www.projetopaulowerneck.
com.br. Acesso em 18 out. 2010. Também o site Mosaicos do Brasil, de Henrique Gougon, traz interessantes
informações e fotografias dos mosaicos de Paulo Werneck. Disponível online em
<http://mosaicosdobrasil.tripod.com/id137.html>. Acesso em 18 out. 2010.
26
Fonte: WERNECK, Leny. Citrouille – Revue de l’Association des Librairies Spécialisées pour la Jeunesse. Jan-
fev. 2002. Disponível online em http://www.citrouille.net/iblog/B278968955/C1514699025/E1558643931/
index.html. Acesso em 18 out. 2010. Texto original em francês.
56

Tomás Santa Rosa foi outro artista da geração de modernistas brasileiros a circular por
várias atividades: foi ilustrador, artista gráfico, pintor, gravador, decorador, cenógrafo,
figurinista, professor e crítico de arte. Considerado o primeiro cenógrafo moderno brasileiro,
seu trabalho para a montagem de Vestido de Noiva (1943), de Nélson Rodrigues, revolucionou
a concepção cenográfica no Brasil. Como pintor, auxiliou Portinari na execução de diversos
murais. Durante toda sua vida, trabalhou como designer e ilustrador para a Livraria José
Olympio Editora, em livros de autores como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães
Rosa, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Carlos Drummond de Andrade. Além disso,
coordenou e deu aulas de artes gráficas e desenho em cursos na Fundação Getúlio Vargas; na
área de teatro do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) e no Ateliê de
Decoração Teatral da Escola Nacional de Teatro, chegando a integrar a Comissão Nacional de
Artes Plásticas e a dirigir o Conservatório Nacional de Teatro, até falecer subitamente em
1956 em Nova Delhi, Índia, quando integrava a comissão brasileira que participava da
Conferência Geral da Unesco para a Educação, a Ciência e a Cultura.27

Figura 6. Tomás Santa Rosa. Capas de livros e estudo para cenário.

Na falta de referências bibliográficas tratando da história do livro ilustrado no Brasil


(tema que não pode ser aqui aprofundado sob pena de extrapolar o escopo desta pesquisa),
limitamo-nos a citar apenas o exemplo destes dois importantes artistas brasileiros a fim de
evitar pecar por omissão e cometer inevitáveis injustiças. Destacamos, contudo, os esforços da

27
Fontes: CARDOSO, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-
1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005 e Enciclopédia de Artes Visuais – Itaú Cultural. Disponível online em
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_
verbete=3276&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=1. Acesso em 18 out. 2010.
57

ilustradora, professora e pesquisadora Graça Lima no sentido de suprir esta carência, por
meio da dissertação de mestrado realizada em 1999 na PUC-RJ (O design gráfico do livro
infantil brasileiro: a década de 70 - Ziraldo, Gian Calvi, Eliardo França) e da tese de
doutorado, ora em andamento neste programa, fazendo votos para que sejam publicadas em
breve.
A pluralidade de interesses e talentos criativos dos artistas renascentistas e modernistas
assume na pós-modernidade um caráter próprio, para onde tradição e contemporaneidade
convergem – o conceito de abertura. Citando Heródoto, o “pai da História”, como protótipo
do narrador tradicional, Benjamin (1994) enfatiza a abertura de interpretação que suas
narrativas admitem, exemplificando com um relato sobre o rei egípcio Psamenit, do terceiro
livro de suas Histórias: “Heródoto não explica nada. Seu relato é dos mais secos. Por isso, essa
história do Egito ainda é capaz, depois de milênios, de suscitar espanto e reflexão”. No
prefácio do livro Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política (1994), Jeanne Marie
Gagnebin diz que “o leitor atento descobrirá em ‘O Narrador’ uma teoria antecipada da obra
aberta” de Umberto Eco.
A abertura e a ausência de explicações são traços marcantes nas obras de Roger Mello,
como ele próprio enfatiza: “Não acho que as histórias querem ensinar alguma coisa, elas
querem ser contadas ou lidas.” (Mello, 2001). Esta recusa em ser didático vem ao encontro da
importância conferida por Benjamin à qualidade de conselheiro que tem um narrador,
esclarecendo que “aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão
sobre a continuação de uma história que está sendo narrada” (1994, p. 200).
Também a “faculdade de intercambiar experiências” que caracteriza um narrador é
fundamental para Roger Mello: “O interessante é propor: ‘Olha como nós podemos juntos
explorar lugares impensáveis!’” (Mello, 2003, p. 44), uma vez que “o narrador retira da
experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as
coisas narradas à experiência de seus ouvintes” (Benjamin, 1994, p.201). O interlocutor ao
qual Roger se dirige é aberto, múltiplo; não se consegue aprisionar seu público (seus
receptores) em uma categoria fixa:

Procuro fazer alguma coisa que me instigue e que instigue quem está participando
disso, que é o leitor. Porém, na hora em que estou fazendo, não penso no leitor, por
que não sei quem vai ler o texto. Escrever pensando num público preestabelecido
seria como trair o leitor. Não posso pensar no receptor enquanto produzo! [...] não
posso aprisionar, nem pensar no tema, ou na faixa etária do leitor na hora em que
58

estou fazendo o livro, não dá! [...] porque no final o leitor é quem vai dizer o que
pode ou não pode, o leitor é quem importa, ele vai mostrar qual é o limite. (Mello,
2003, p. 45)

Embora seja possível classificar muitos de seus livros como infanto-juvenis por
determinadas características projetuais extrínsecas28, outras características intrínsecas, como a
complexidade das temáticas, a abertura para leituras variadas, a sutileza das intertextualidades
e intericonicidades29 fazem de seus livros obras muito atrativas também para os adultos:

Acredito que os temas não escolhem o público. Acredito que o público é quem
escolhe seus livros. Um livro para crianças na verdade alcança uma faixa que
também engloba os pequenos. Não quero trabalhar com uma linguagem que afaste
as crianças, não quero falar difícil. Quanto aos temas, acredito que eles sejam
universais, e de interesse também das crianças. (Mello, 2001. Grifo nosso)

Em tudo notamos em Roger Mello a marca da originalidade e desprendimento em


relação a tradicionalismos paralisantes, muito embora ele beba sem preconceitos da fonte do
conhecimento tradicional: não lhe interessa negar nem defender bandeira alguma, pois toda
ferramenta ou técnica é boa o bastante quando se presta à tarefa de bem contar uma história:
“Aposto mesmo nesta ideia de que não existem gêneros puros, uma linguagem contamina a
outra. Às vezes, você pode pensar que isso é uma incapacidade, mas isso pode virar uma
característica nova, você pode trazer um olhar novo, é ótimo!” (Mello, 2003, p. 41)
Neste sentido, pode-se considerar Roger Mello como um mediador em muitos aspectos
de sua vida e obra. Seus interesses múltiplos, sua circulação e atuação em campos variados da
criação artística, suas diversificadas fontes de inspiração estão presentes em suas obras e em
sua fala, como aquele que está dentro e fora, que faz a ponte entre os universos mas que não se
deixa fixar em nenhum deles: “A gente sempre é um mix de tudo. Mesmo quando você acha
que está fazendo alguma coisa bem nova, o que produzimos é sempre a somatória das coisas
que vimos e gostamos”. (ibid, p. 25).

28
Ver LINS, Guto. Livro infantil? projeto gráfico, metodologia, subjetividade. São Paulo: Edições Rosari, 2004.
2. ed.
29
Neologismo proposto por Márcia Arbex para referir-se às “intertextualidades da imagem”, neste caso as
referências visuais a obras e estilos de representação variados, tais como arte naïf, fauvismo, cubismo, etc.
ARBEX, Márcia. Intertextualidade e intericonicidade. In: ARBEX, M.; OLIVEIRA, L. C. V. (org.). I Colóquio
de Semiótica. Faculdade de Letras – UFMG, Belo Horizonte,: 2003.
59

1.3 A ILUSTRAÇÃO: UM OLHAR EMOCIONADO

A arte de ilustrar está dirigida essencialmente para o despertar


da imaginação. [...] A estética da ilustração passa pela
experiência individual e emocional, bem como pelo curioso
deslumbramento.
Rui de Oliveira 30

Como já se viu, Roger Mello não estabelece ele próprio nenhum tipo de diferenciação
nem demonstra preferência por um meio específico de expressão artística. No entanto, pode-
se considerar que sua atividade de maior reconhecimento público é a ilustração de livros
infantis, que é também a que concentra a maior quantidade de obras e de prêmios. Seus livros
ilustrados apresentam marcas inequívocas de uma inesgotável inventividade e de um singular
talento, que o distinguem como artista: “O que esperamos realmente de uma obra de arte é
certo elemento pessoal – esperamos tenha o artista, se não espírito distinto, pelo menos
sensibilidade distinta. Esperamos nos revele algo de original – visão única e particular do
mundo.” (Read, 2005, p. 28).
A infância do artista, conforme visto anteriormente, foi marcada pelo livre curso do
“curioso deslumbramento” mencionado por Rui de Oliveira, que manifesta-se na idade adulta
em um “olhar emocionado” (Mello, Leia Brasil) traduzido em imagens: “Dizemos que uma
obra de arte ‘nos emociona’ e tal expressão é exata”, diz Herbert Read (2005, p.31), sublinhado
que o objetivo da arte “consiste na comunicação do sentimento” (idem p. 23, grifo do autor).
O autor menciona a teoria da Einfuhlung – que se traduz por “empatia” (“sentir dentro de”) –
tal como formulada por Theodor Lipps. Este sentimento vai além da “simpatia” (“sentir
com”), fazendo com que, ao contemplarmos uma obra de arte, liguemo-nos a ela emo-
cionalmente: “determinam os nossos sentimentos o que lá achamos e as dimensões que
ocupamos” (idem p. 31).
Rui de Oliveira enfatiza o caráter comunicativo da ilustração, que provoca um
“encantamento” para além de qualquer explicação verbal, um componente que desafia as
análises semiológicas ou estruturais das narrativas visuais (2008, p. 36). Para Roger Mello,
desde muito cedo o universo da linguagem visual – especialmente em livros e quadrinhos –
proporcionou experiências significativas de envolvimento e comunicação de sentimentos. Em

30
OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p.76.
60

sua infância, as emoções despertadas pelas coisas do mundo – como viagens, bichos e plantas
– encontravam livre expressão em narrativas verbo-visuais:

Durante toda a minha vida sempre viajei muito. [...] Sempre fui um desenhista
compulsivo. Na verdade, sempre fui apaixonado por quadrinhos, gostava muito de
livros e quadrinhos – às vezes, eu deixava de sair para fazer quadrinhos. Claro que
eu não era um tipo enclausurado, gostava de sair, de passear, de viajar... Minha
outra paixão são os bichos. Sempre gostei muito de bichos e da natureza em geral –
as matas, o cerrado, os mangues. Na época, mesmo morando em Brasília, ainda era
possível visitar o cerrado. Nestes passeios, e mesmo na sala de aula, eu levava um
caderno em que ilustrava o que via ou fazia histórias em quadrinhos. (Mello, 2003,
p. 25, grifo nosso)

Figura 7. Caderno de desenhos

Na idade adulta, Roger Mello dirigiu suas energias criativas para o universo da arte,
marcadamente àquelas atividades onde a narratividade é componente intrínseco: dramatur-
gia, literatura, ilustração, com incursões pelos quadrinhos e animação, passando também pelo
design gráfico e direção de arte e roteiro cinematográficos.

Sempre gostei da narrativa, tanto a do texto quanto a proporcionada pela imagem.


Nunca tive a pretensão de ser um artista plástico (se bem que as artes plásticas
podem ter narrativas, mesmo que as pessoas recusem). O que adorava mesmo era
contar histórias. (Mello, 2003, p. 25)

É interessante identificar, a partir da fala do artista, a qualidade narrativa da


imagem como uma característica que distingue a ilustração no campo das artes visuais. Rui de
Oliveira considera que, apesar da diluição das fronteiras entre os gêneros plásticos na arte
61

contemporânea, é preciso ter em mente que entre a pintura e a ilustração há um “traço


fronteiriço”, ainda que este não seja facilmente identificável (2008, p. 37).
Esta diluição das fronteiras entre os gêneros é bem evidente ao se examinar a linguagem
visual que Roger Mello emprega em seus livros ilustrados. Verifica-se que também aí Roger
transita com facilidade e talento por diferentes referências e estilos – das artes plásticas, da
arte popular, dos quadrinhos. Seus primeiros trabalhos mostram o domínio dos códigos
prescritos pelo ideal figurativo realista, dos quais ele vai progressivamente se libertando rumo
liberdade total com as formas, à liberdade cromática, à polifonia da perspectiva naif,
misturando técnicas à sua maneira em benefício da expressividade narrativa, uma vez que,
como ele próprio declara, o que mais lhe interessa é contar histórias.
Ao privilegiar uma comunicação autêntica, Roger passa longe do risco de que fala
Oliveira quanto à inadequação de uma transposição superficial de estilos das artes plásticas
para a ilustração, que configuraria soluções meramente formalistas: “a pretexto de encontrar
uma linguagem contemporânea, o ilustrador absorve superficialmente soluções
expressionistas, cubistas, fauvistas ou mesmo pós-modernistas” (2008 p. 39). Ana Maria
Machado cita um exemplo acontecido em um de seus livros:

Em outra ocasião, numa história minha baseada num folguedo tradicional e


folclórico que sobrevive no Brasil rural, tive a surpresa de ver um trabalho de
ilustração todo em traços de grafite urbano, nervoso, nessa atmosfera
sobrecarregada, de sujeira pós-moderna cheia de dinamismo e poluição visual, que
fica ótima na capa de um CD de rock ou no cartaz de um show de hip-hop, mas
estava inteiramente deslocado para a narrativa em questão. (2008, p. 22)

Os livros ilustrados de Roger Mello promovem uma conexão empática entre o artista e
seu público, cumprindo um requisito básico da arte de ilustrar – o de “narrar para e se
comunicar com a criança” (Oliveira, 2008, p. 39).31 Das crianças, Roger compartilha o espírito
livre, a lógica desconcertante, o “curioso deslumbramento” pelas coisas do mundo, além de
um inesgotável fôlego e atração pela exploração de lugares, conhecimentos, amizades. A
juventude de Roger Mello está mais na mentalidade, na visão de mundo e nas atitudes do que

31
Ainda que neste trabalho procuremos não nos estender a respeito das crianças, há que se fazer referência ao
fato de que, afastando-se do estilo canônico de representação visual, Roger Mello de certo modo se aproxima
da construção infantil do desenho, a respeito da qual pode-se destacar estudos como o de LOWENFELD,
Viktor et al. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977; MOREIRA, Ana
Angélica Albano. O espaço do desenho: a educação do educador. São Paulo: Loyola, 2002; MEREDIEU,
Florence de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2000 e DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho:
desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo: Scipione, 2010.
62

na idade cronológica, embora também esta seja relativamente pouca, se levarmos em


consideração sua produtividade e premiação. Com efeito, a “experiência” adulta de que fala
Benjamin32 não obscureceu seu encantamento infantil com o mundo.
Elias (1995) descreve a atuação precursora de Mozart no mundo da música, iniciando
uma profunda alteração no status social do artista, na passagem do modelo
aristocrático para o modelo burguês: não mais subordinado ao gosto do público, o artista
propõe-lhe novos modelos. No universo do livro ilustrado – que, assim como o da música,
legitima com certo atraso, em relação às demais artes visuais, as propostas esteticamente
inovadoras – também Roger Mello assume um papel inconformista em suas ilustrações e
projetos gráficos.
A concepção do senso comum do que seja uma boa ilustração permanece ligada
principalmente ao realismo figurativo do cânone renascentista, aliada às convenções das
imagens produzidas para reprodução industrial. Oliveira é um crítico enfático das
características estereotipadas de certo tipo de ilustrações, por ele denominadas “doces de
coco”: “apetitosas e açucaradas”, estas ilustrações que mais se assemelham a “padrões têxteis
para quartos e enxovais de crianças, ou mesmo papel de embrulho para presentes” logo
oferecem ao olhar uma experiência “nauseante e repetitiva” (op cit, p. 37). O recurso a este
tipo de convenções visuais, já recusadas no campo das artes plásticas, constitui o que o autor
chama de “artifício ante a falta de ofício” (ibid).
Neste ponto, é oportuno examinarmos o papel das convenções exposto por
Howard Becker em Arte como ação coletiva (1977a). Ao descrever as redes de cooperação
entre os participantes de um mundo da arte33 – criadores intelectuais, executores, críticos,
público, etc –, Becker destaca que a comunicação entre eles baseia-se em acordos prévios
consolidados pelo hábito. Socialmente estabelecidas pelos costumes e práticas, as convenções
são como facas de dois gumes. Por um lado, facilitam o entendimento entre as partes
envolvidas (artistas e público, artistas e “pessoal de apoio, etc) e possibilitam que as coisas
aconteçam ou sejam feitas com pouco dispêndio de tempo e energia. Por outro lado, as
convenções limitam os artistas – principais responsáveis pela revisão dos padrões vigentes –,

32
Experiência e pobreza. In: Magia e Técnica, Arte e Política. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
33
O conceito de “mundo da arte” empregado no texto citado é melhor analisado em outro texto, “Mundos
Artísticos e Tipos Sociais”. In: Velho, Gilberto (org.) Arte e Sociedade: Ensaios de Sociologia da Arte. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1977.
63

já que introduzir pequenas mudanças num sistema interdependente desencadeia mudanças


também nos demais setores. (Becker, 1977a, p. 211)
Becker pondera, no entanto, que “embora padronizadas, as convenções raramente são
rígidas e imutáveis. Elas não especificam um conjunto inviolável de regras ao qual todo
mundo deve se referir ao estabelecer questões sobre o que fazer.” (idem, p. 212). Este autor
identifica diferentes graus e tipos de adesão ou afastamento em relação às convenções por
parte dos artistas, classificando-os em quatro grupos, ou “tipos de artistas” (1977c):

1. Os profissionais integrados seguem as convenções vigentes, o que facilita sua


aceitação pelo público e a cooperação por parte dos colaboradores. Por outro lado, mantendo-
se dentro de limites preestabelecidos, correm o risco de realizar um “trabalho de rotina” – e
mesmo dentro destes limites, espera-se que um artista apresente um mínimo de variações e
inovações, ainda que marginais. Assim, há gradações de originalidade e valor conferido aos
integrantes deste grupo.
2. Os inconformistas rompem com seu mundo artístico convencional de origem,
propondo soluções inovadoras em obras difíceis de serem assimiladas. Afastando-se das
normas e instituições, parecem desejar impor suas inovações em vez de conformarem-se com
as convenções vigentes – às quais renunciam apenas parcialmente. Com o tempo, seu trabalho
acaba por ser incorporado pelo mundo artístico ao qual pertencem, visto que as inovações são
necessárias para a renovação da arte.
3. Os artistas ingênuos – chamados também de “primitivos” ou “espontâneos” – não
contaram com treinamento formal para exercer sua arte, que desenvolvem de maneira
espontânea, “sem referência às imposições das convenções de seu tempo” (op cit p. 21).
Embora estes artistas comumente trabalhem de maneira solitária ou isolada, não é raro que
muitos deles alcancem notoriedade.
4. Finalmente, na arte popular a criação é comunitária e anônima. A idéia de autoria
não é importante: os participantes seguem convenções bem conhecidas, estabelecidas dentro
daquela comunidade, o que facilita a ação coletiva.

Becker aponta para a “dificuldade de se traçar uma fronteira precisa entre o profissional
integrado inovador e o inconformista” (1977c, p. 17). De fato, embora Roger Mello
desenvolva propostas artísticas originais que o identificariam como inconformista, não se
64

pode dizer que estas sejam rejeitadas pelo público (leigo ou especializado), nem tampouco
que inibam a cooperação do “pessoal de apoio”. Isto poderia ser explicado, em parte, pelo fato
de o livro ilustrado contemporâneo ser um campo integrado, mas bastante receptivo a
inovações, onde profissionais criativos encontram excelente acolhida; ou talvez se explique
pela personalidade carismática e proativa de Roger Mello,34 que combina a facilidade de
interação social à determinação em não conformar-se com limitações – mais do que ser
forçado a aceitar suas inovações, o público é “encantado” por elas. Voltamos, assim, às
qualidades de um bom narrador (Benjamin, 1994) que sabe como envolver e se comunicar
com sua audiência.
Os outros dois tipos – artistas ingênuos e arte popular – contam com a declarada
admiração de Roger Mello. O artista aponta o Museu Casa do Pontal (RJ)35 como, mais do que
uma fonte de pesquisa e inspiração, um lugar emocionante, com seu importantíssimo acervo
de obras de artistas ingênuos e populares. Roger questiona, inclusive, a diferenciação que se
costuma estabelecer entre os artistas plásticos de renome e os artistas populares,
genericamente agrupados sob esta denominação. Para ele, a poética visual em obras de artistas
“populares” (que correspondem aos que Becker chama de “ingênuos”) proporciona uma
experiência estética tão emocionante que “dá vontade de chorar”, o que aconteceu a Roger
Mello e a outros visitantes, como ele presenciou acontecer (Mello, 2010). Assim, a distinção
estabelecida por Becker entre artistas ingênuos e arte popular vem ao encontro de observações
de Roger Mello a respeito deste tipo de produção artística externa ao cânone institucional.
Observa-se nos trabalhos de Roger Mello um afastamento progressivo deste cânone em
direção a uma grande liberdade de repertório visual. É interessante notar que, neste percurso,
o artista circula por todos os quatro grupos mencionados por Becker. Seus primeiros livros
são integrados, respeitando as convenções do realismo figurativo e incorporando também
características do cartum, como nota-se em A flor do lado de lá (p. 143) e O próximo
dinossauro (p. 147).
Mas a partir de Maria Teresa (p. 149), observa-se uma mudança marcante de
vocabulário visual, com a incorporação e mistura de estilos variados, no que se poderia
identificar uma característica pós-moderna. Curiosamente, ao afastar-se das convenções
vigentes no mundo da ilustração de livros infantis da época (início dos anos 1990), Roger

34
Ver FERRAROTTI, Franco, op cit.
35
Para informações sobre o museu, consultar http://www.museucasadopontal.com.br. Acesso em 25 fev. 2011.
65

Mello volta-se em primeiro lugar para a arte popular. De forte significado para o artista – seja
por questões afetivas, ligadas às memórias da infância; seja por questões ideológicas, de
expansão dos limites do conceito de arte – a cultura popular é uma das mais significativas
referências incorporadas em seus livros.

O olhar de Roger Mello sobre culturas populares vem de longe. Vem da infância,
na cidade de Brasília, onde nasceu. E como um menino criado em uma cidade com
arquitetura futurista e moderna se tornou autor de histórias sobre nossas raízes?
Brasília, por ser uma cidade muito nova, reúne gente do Brasil inteiro propiciando
a convivência de várias culturas do país e que são muito diferenciadas. Além disso,
a cidade foi criada dentro do estado de Goiás, onde o folclore é extremamente
vivenciado. (LEIABRASIL, s/d)

Logo depois de Maria Teresa, outros dois livros formaram uma trilogia inspirada na
cultura popular, especialmente nas festas e folguedos: Bumba meu Boi Bumbá (1996) e
Cavalhadas de Pirenópolis (1997). O impacto e a acolhida destes livros foram tão positivos
que, apesar de continuar interessado na cultura popular, Roger Mello decidiu afastar-se
temporariamente destas referências para não ficar rotulado como “folclorista”. Anos depois,
este interesse voltaria a se manifestar em Nau Catarineta (2004), uma festa popular brasileira
inspirada na tradição do cancioneiro lusitano. Neste livro, além da arte popular (por exemplo,
as tábuas votivas), há também referência a um artista ingênuo, Nhô Caboclo, cujas obras
podem ser admiradas no Museu Casa do Pontal.
Em boa parte dos livros ilustrados de Roger Mello é possível identificar elementos
significativos da cultura popular, tanto nas narrativas verbais quanto nas visuais. Investigando
seu modo de trabalho, pode-se perceber interessantes aspectos de escrita etnográfica36 das
festas populares para crianças nos livros Bumba meu boi Bumbá, Cavalhadas de Pirenópolis,
Maria Teresa e Nau Catarineta. É importante assinalar que, se na narrativa verbal não se nota
qualquer diferença marcante de estilo nestes quatro livros, o mesmo não acontece com a
narrativa por imagens – os três livros onde havia um prévio envolvimento afetivo com as
festas (Cavalhadas de Pirenópolis, Maria Teresa e Nau Catarineta) apresentam uma narrativa
visual mais pormenorizada, como uma descrição densa; o que já não acontece em Bumba meu
boi Bumbá: “Quase todos os livros e peças teatrais que escrevi surgiram de uma experiência

36
Sobre a escrita etnográfica, ver GEERTZ, Clifford. Obra e vida. O antropólogo como autor. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2009 e CLIFFORD, James. A experiência etnográfica. Antropologia e literatura no século XX.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
66

pessoal. De certa forma, eu vivenciei, conheço as festas populares e as manifestações do


folclore que foram a inspiração para os meus textos.” (Mello, 2003, p. 25)
Ao produzir estas narrativas, Roger está longe de uma visão romantizada, de “resgate”
ou preservação das manifestações folclóricas. Ao contrário, seu interesse é pela vida, pelos
modos singulares e ao mesmo tempo universais como as coisas acontecem.

A idéia, assim como nas Cavalhadas, é criar um vínculo através das histórias, mas
não explicando – até porque não é possível explicar, nunca será possível explicar de
uma maneira inteira. Na verdade, a idéia é provocar o caótico. Existem pessoas que
vivem de maneira diferente, e coisas que são iguais em todas as crianças. Você não
tem interesse pelo que lhe é alheio? Eu morro de interesse. (Mello, 2003, p. 30)

No período recortado nesta pesquisa, ou seja, 20 anos de carreira (1990-2009), Roger


Mello ilustrou quase cem livros. Dentre os que são de sua inteira autoria (imagem e texto),
pode-se verificar seu grande interesse por temáticas brasileiras: ele trata de cultura popular
(festas, folguedos, lendas, brinquedos e brincadeiras); de animais, plantas, pessoas; da vida em
ambientes urbanos, campestres e naturais. Em suas ilustrações, saltam aos olhos as cores
luminosas e as referências às artes plásticas, especialmente à arte popular.
Além das já mencionadas referências à arte popular e aos artistas ingênuos, encontram-
se em seus livros ilustrados muitas referências a vanguardas artísticas que, em seu tempo,
promoveram rupturas importantes com as convenções então vigentes no mundo das artes
plásticas. Se hoje estes movimentos já foram devidamente assimilados por este mundo, o
mesmo não acontece com a ilustração que, como visto anteriormente, não acompanha
simultaneamente o desenvolvimento nas artes plásticas. Assim sendo, ao trazer para suas
obras referências que representaram importantes inovações nas artes plásticas, Roger Mello
promove a renovação das convenções e a ampliação dos limites do livro ilustrado.
Além de referir-se à cultura popular em narrativas verbo-visuais – como em Maria
Teresa (1996), Cavalhadas de Pirenópolis (1997) e Nau Catarineta (2004) –, Roger Mello faz
misturas inusitadas na linguagem visual, recolhendo, processando e integrando referências
variadas. O artista combina referências da arte indígena, africana e da op art em Bumba meu
boi Bumbá (1996); transforma um personagem de cartum em personagem cubista em O gato
Viriato (1993) e Viriato e o leão (1996); faz uma viagem pelos estilos da arte universal em
Griso, o unicórnio (1997); emprega materiais que vão dos tradicionais lápis, tintas aquareladas
e acrílicas em Todo cuidado é pouco (1999) à sucata, plástico e tinta industrial em Meninos do
67

mangue (2001). Seu desprendimento em relação às muitas convenções estabelecidas em torno


do livro abrange também a construção deste objeto, bastante evidente nos projetos gráficos
diferenciados de obras como Zubair e os labirintos (2007) e Zoo (2008).
Benjamin (1994) considera que a arte de narrar entra em declínio a partir do momento
em que a experiência coletiva (erfahrung) das sociedades artesanais é suplantada pela
experiência particular e privada, vivida individualmente (erlebnis), das sociedades industriais.
Ao criar narrativas inspiradas na tradição oral e nas manifestações populares, e também
ilustrá-las mesclando referências da arte popular, das vanguardas artísticas e da cultura de
massa, Roger Mello revigora o repertório herdado da experiência tradicional e compartilha-o
com as novas gerações.
De fato, pode-se afirmar que Roger é um verdadeiro “artista do seu tempo”, que inclui e
reprocessa uma variedade de influências e citações amalgamadas em uma narrativa própria,
autoral, como Ziraldo descreve com precisão:

Roger é um autodidata. Aprendeu no ar. Tem a mesma mão do diabo que tinha
aquele personagem daquele conto que virou filme, lembram? Mas é um anjo. Um
anjo inquieto que sabe que suas mãos são um instrumento poderoso e competente,
mas que é preciso preparar a alma para que as mãos correspondam. Ele a tem
preparado, com cuidado e zelo, e vive – eu diria: inquieto – atrás de uma linguagem
própria, de um estilo, de um caminho pessoal para a arte de um ilustrador que seja
decididamente brasileira. Com este livro, Roger começa a desenhar para si mesmo
este caminho e, quase certamente, um caminho para toda a ilustração de livros para
criança no Brasil. (Ziraldo, 1996, 4a capa de Maria Teresa)

O caminho preconizado por Ziraldo de fato aconteceu. Roger Mello é hoje um artista
reconhecido internacionalmente que, com extraordinário talento, singulariza em suas obras
uma tendência de todo um grupo de ilustradores brasileiros contemporâneos, interessados em
desenvolver uma linguagem visual autêntica – tendência que, por sua vez, particulariza uma
tendência universal pela valorização do local face ao global, pela revisão dos limites entre
popular e erudito e pela livre expressão da diversidade.
68

CAPÍTULO 2

O livro (infantil?) ilustrado




Qualquer fenômeno artístico, seja ilustração, seja pintura,


é um fenômeno de comunicação.
Rui de Oliveira 1

Como visto no capitulo anterior, Roger Mello é um artista que se expressa por variados
meios, distinguindo-se como um “narrador” – o que nos leva para o campo da comunicação e
da linguagem. É interessante assinalar que estamos tratando de livros ilustrados, objetos onde
acontece uma convergência das mensagens visual e verbal.2 Pois é justamente de estudos
concernentes à linguagem falada – a linguística – que vêm os modelos atualmente empregados
na análise das mensagens visuais.
Influenciado por estudos em campos como a teoria matemática da comunicação e a teoria
da informação,3 o linguista russo Roman Jakobson (1958) define seis funções que a linguagem
assume, tomando por referência os elementos envolvidos nas situações de comunicação:

CONTEXTO
REMETENTE MENSAGEM DESTINATÁRIO
CANAL
CÓDIGO

Prevendo um contexto “que seja verbal ou suscetível de verbalização” (op cit, p. 124),
este modelo tornou-se amplamente conhecido e adaptado a outros contextos. Nesta pesquisa,
tratamos de livros ilustrados – objetos industriais que se inscrevem no contexto da comu-
nicação de massa, onde “uma minoria produz, de uma forma quase industrial, mensagens que
a grande massa absorve em silêncio” (Kientz, 1973, p. 19), situação confirmada por Oliveira
(2003, p. 126): “Prototipicamente, o ato de ler um livro é monolocutivo, com o autor in

1
OLIVEIRA, 2008, p. 31.
2
Por definição, ilustração é qualquer imagem que acompanha um texto.
3
Especialmente Claude Shannon e Warren Weaver. Ver JAKOBSON (1958), p. 18.
69

absentia.” Para este contexto, Kientz prevê algumas variações em relação ao esquema
interlocutivo de Jakobson:

O ato elementar de comunicação implica a existência de um EMISSOR, que elabora


uma mensagem a partir de sinais tomados de um REPERTÓRIO (código), de um
CANAL pelo qual a mensagem é transferida através do espaço e do tempo, e de um
RECEPTOR, o qual recebe a mensagem e a decifra (decodifica), com a ajuda dos
sinais que ele tem armazenados em seu próprio repertório (cf. Figura 1).

Para que haja comunicação, é necessário que a cadeia emissor-canal-receptor-


repertório funcione corretamente em todos os seus pontos. Isto pressupõe, em
primeiro lugar, que o emissor e o receptor falem a mesma linguagem, que tenham
em comum, pelo menos parcialmente, um mesmo repertório. (Kientz, 1973, p. 17-
18, grifo nosso)

Kientz concentra-se na análise de conteúdos veiculados por canais temporais, que fixam
as mensagens em suportes materiais, notadamente os impressos – categoria à qual pertencem os
livros ilustrados. Situados, assim como os anúncios publicitários e os quadrinhos, no universo
dos impressos que veiculam conjuntamente mensagens linguísticas (texto escrito) e mensagens
icônicas (imagens), estes objetos distinguem-se por apresentarem narrativas sequenciais em
páginas individuais. Os livros contam ainda com uma história e um papel riquíssimos na
cultura ocidental,4 sendo sua associação ao universo infantil relativamente recente.5
Suporte principal do código escrito, o livro é um objeto cultural que legitima o saber e que
hoje encontra-se no centro da polêmica que trata da mudança de paradigmas sociais, em curso a
partir da revolução digital. Se vem mantendo historicamente suas características físicas e

4
Há bibliografia abundante sobre a história e o papel do livro na cultura ocidental, da qual destacamos
BARBIER, Frédéric. História do livro. São Paulo: Paulistana, 2008; MANGUEL, Alberto. Uma história da
leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao nave-
gaor. São Paulo: Summus, 1987; MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem ti-
pográfico. São Paulo: Nacional, 1977.
5
Sobre história do livro ilustrado, ver POWERS, Alan. Era uma vez uma capa: história ilustrada da literatura
infantil. São Paulo: CosacNaify, 2008 e BLAND, David. A History of Book Illustration. Londres: Faber &
Faber, 1958.
70

estruturais desde que assumiu a forma de códice, admite uma diversidade de apresentações de
conteúdo – ou, como diria Barthes (1971), um sistema estável com uso variável.
Uma destas variantes de uso é o livro infantil, que tem como particularidade de
apresentação de conteúdo o fato de ser ilustrado – além de outras características relacionadas
ao projeto gráfico, como formato, número de páginas, diagramação, tipografia, cores e
acabamento. A distinção entre uso e apresentação é bastante oportuna neste caso, já que a
identificação de um livro como infantil é consideravelmente complexa. A definição de
literatura infantil enquanto gênero literário permanece em construção, em meio a constantes
revisões sobre o que a caracterizaria. Haveria no livro para crianças alguma característica
intrínseca, como defende Perry Nodelman (2008) e refuta Maria Nikolajeva (2006)? Seria ele
definido pelo público leitor (Coelho, 2000)? Ou por características formais, de construção do
objeto livro (Lins, 2004)? Alguns autores, como Peter Hunt (2010), chegam mesmo a aventar
a possibilidade de que o que distingue este gênero poderia ser tão somente a classificação das
editoras, norteada por critérios comerciais e de adequação ao ponto-de-venda.
Dentro do gênero principal “literatura infanto-juvenil”, por si só de difícil definição,
existem subcategorias que apresentam características próprias, às quais se pode relacionar um
perfil de leitores, segmentados segundo sua competência leitora. Esta segmentação é uma
prática comum no mercado editorial, tendo por finalidade auxiliar os adultos na escolha de
quais livros oferecer às crianças e jovens. Anteriormente obedecia a um critério etário, o que
se mostrou constrangedor para crianças que se alfabetizam em épocas diferentes da maioria,
bem como desinteressante para crianças que mergulham na leitura antes das outras. Assim,
passou-se a adotar o critério da competência leitora, que leva em consideração as habilidades
individuais: pré-leitor, leitor iniciante, leitor em processo, leitor fluente, leitor crítico e leitor
jovem (Coelho, 2000, p. 198). Como qualquer classificação, esta oferece riscos e não deve ser
encarada como uma camisa-de-força, armadilha em que incorrem muitos adultos bem-
intencionados.
Uma outra proposta de classificação dos diferentes tipos de livros infanto-juvenis –
ainda não consolidada no Brasil 6 embora em uso no cenário internacional há algum tempo –
baseia-se no tipo de interação entre palavras e imagens conforme a contribuição de cada uma
delas na construção da narrativa (Nikolajeva, 2006):

6
Recorremos aqui aos termos propostos pela tradução, bastante criteriosa, do livro de Peter Hunt (2010), que é
a publicação mais recente em língua portuguesa no campo do livro infantil.
71

• O livro de imagens é composto por uma narrativa sem palavras. Embora tradicio-
nalmente associados aos pré-leitores – assim denominados por ainda não dominarem a
leitura do código escrito, mas serem perfeitamente capazes de ler imagens – não quer
dizer que se restrinjam a este público e não possam ser apreciados por leitores mais
experientes.7
• O livro ilustrado tem um equilíbrio equidistante entre o texto verbal e o texto imagético.
Costuma-se associá-los preferencialmente a leitores iniciantes ou em processo, que já
dominam o código escrito mas ainda não têm fôlego para acompanhar textos muito
extensos ou complexos. São os exemplos perfeitos do conceito de convergência interse-
miótica8, onde as narrativas imagéticas contribuem para a experiência leitora em pé de
igualdade com as narrativas verbais.
• O livro com ilustrações apresenta textos mais extensos e complexos acompanhados por
menos imagens, que desempenham um papel periférico na construção da narrativa.
Representam uma aproximação maior com os livros para o público adulto e destinam-se
a um leitor mais experiente (leitor fluente, leitor critico ou leitor jovem), capaz de ler e
fruir, sem auxílio, textos de maior extensão ou complexidade.

Esta foi a abordagem escolhida nesta pesquisa: focada mais no objeto do que no tipo de
leitor, coloca em segundo plano a associação com faixas etárias ou habilidades de leitura e põe
em evidência as concepções contemporâneas de infância – assim como os adultos, as crianças
também merecem ter a oportunidade de explorar livremente o universo dos livros. O foco no
objeto também vem ao encontro de afirmações de Roger Mello, que diz não pensar em um
leitor específico quando cria suas narrativas:

Procuro fazer alguma coisa que me instigue e que instigue quem está participando
disso, que é o leitor. Porém, na hora em que estou fazendo, não penso no leitor, por
que não sei quem vai ler o texto. Escrever pensando num público preestabelecido
seria como trair o leitor. Não posso pensar no receptor enquanto produzo! (2003,
p. 45).

7
Eis aí um interessante ponto para problematização: a preponderância do código escrito sobre as demais lin-
guagens suprime a percepção da existência e da importância da leitura de imagens. Ver MANGUEL, Alberto.
Lendo imagens. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.
8
Ver definição de Luís Camargo mais adiante, no item 2.4.
72

2.1 DE OBJETO PEDAGÓGICO A OBJETO ESTÉTICO

Livros ilustrados não precisam de qualquer justificativa a


não ser o fato de que são um modo interessante e bem-
sucedido de contar histórias – e que podem e de fato dão
prazer a espectadores e leitores, tanto crianças quanto
adultos.
Perry Nodelman 9

Imagens narrativas acompanham a humanidade desde a prehistória, como demonstram


as pinturas rupestres. Se ainda persiste, por uma lado, a questão da motivação que levou
nossos distantes ancestrais a fixarem na pedra as imagens que povoavam suas mentes, por
outro lado não resta dúvida que elas cumprem um papel de signo, por expressarem um
significado por meio de um significante (ainda que para nós sua significação permaneça
obscura em alguma medida).

Ao longo da história humana, a criação de imagens sobre diversos suportes esteve


sempre presente – e esta é uma história que pode ser acompanhada no livro Griso, o
unicórnio, onde Roger Mello traça um amplo painel da arte universal, na busca do
personagem-título por “um outro, seu igual”. As ilustrações10 mostram o personagem
assumindo formas variadas, conforme a estilo característico de diferentes épocas e lugares por
onde passa.
No Ocidente, as iluminuras medievais foram as primeiras criações de imagens
acompanhando textos manuscritos, e seriam as precursoras da ilustração editorial, delas
derivando todo um léxico empregado atualmente nas artes visuais e gráficas, como explica
Oliveira (2008). Quase sempre associados a temas religiosos, os manuscritos ilustrados
assumiriam também objetivos pedagógicos a partir do surgimento das universidades urbanas
no século XI.11
Os livros ilustrados para crianças surgem a partir do momento em que a infância
começa a ser percebida como uma etapa distinta no desenvolvimento humano. Philippe Ariès
(1981) demonstra como, durante a Idade Média, as crianças misturavam-se desde muito cedo

9
NODELMAN, Perry. Words about Images: the narrative art of children´s picture books. Atenas: University
of Georgia Press, 1988.
10
Ver imagens e análise do livro no capítulo três, p. 162.
11
Ver CASSAGNES-BROUQUET, Sophie. La passion du livre au Moyen Age. Rennes: Editions Ouest-France,
2010.
73

ao mundo dos adultos, partilhando de seus trabalhos e jogos: “ durante séculos a educação foi
garantida pela aprendizagem, graças à convivência da criança ou do jovem com os adultos. A
criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-lo” (p. 10). Por volta do
século XVII, a reorganização da sociedade proporcionou a “invenção da infância”, quando o
aprendizado foi substituído pela escola, com a consequente demanda por materiais
pedagógicos. De fato, a primeira publicação que se costuma identificar como livro ilustrado
para crianças é Orbis Sensualium Pictus (O mundo visível em imagens), publicado em 1658
pelo educador tcheco Johan Amos Comenius. É um tipo de enciclopédia visual que mostra,
para cada letra do alfabeto, uma ilustração contendo várias figuras cujos nomes se iniciam
com aquela letra.12 Este livro, inovador para uma época em que imperavam os castigos físicos,
trazia uma concepção que até hoje continua valendo (não sem controvérsias) na literatura
infantil – ser utile et dulcis, unindo conhecimento e entretenimento.13
A produção de livros ilustrados em maior quantidade foi possibilitada pela invenção da
imprensa por Gutenberg, em 1440, e a evolução da ilustração editorial acompanhou o
desenvolvimento das técnicas de impressão a partir daí: xilogravuras no século XV; gravura
em metal nos séculos XVI e XVII; litografia a partir do final do século XVIII, que evoluiu para
a fotolitografia no século XIX; processos fotomecânicos de separação de cores no século XX;
até chegar aos processos CTP (computer to plate) empregados atualmente (Araújo, 2008).
A contínua evolução dos processos de impressão permitiu que a ilustração alcançasse
patamares artísticos cada vez mais elevados, culminando no período que fixou conhecido
como “Era de Ouro da Ilustração”, em fins do século XIX.14 Grandes nomes, como Gustave
Doré, Edmund Dulac, Arthur Rackham, Walter Crane e Kay Nielsen criavam imagens de alta
qualidade artística, explorando ao máximo os recursos gráficos da época, e permanecem como
referências para os ilustradores contemporâneos. Também neste período, destacamos a
inglesa Beatrix Potter, autora do clássico Peter Rabbit (1902), que foi uma das primeiras
autoras de livros infantis a criar tanto textos quanto imagens.
O belo nome “Era de Ouro” não deve, no entanto, ocultar o fato de que a ilustração de
livros para crianças tem percorrido um longo caminho até alcançar a maioridade artística. A

12
Ver MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
13
A persistência deste secular princípio – formulado por Horácio na Ars Poetica (68-65 BC) – na literatura in-
fantil “mesmo depois de seu quase desaparecimento em outras áreas” é questionado por muitos críticos con-
temporâneos. CRAGO apud HUNT, 2010, p. 30.
14
Para mais informações sobre este período, ver DALBY, Richard. The Golden Age of Children's Book Illus-
tration. Londres: Michael O'Mara Books Ltd., 1991.
74

história relativamente recente dos livros para crianças – surgidos na Europa do século XVII,
no contexto de transição da cultura oral da tradição camponesa para a cultura letrada urbana,
identificada com a ideologia da burguesia ascendente – não esmaeceu o caráter informativo e
moralizante de sua origem:

Até que ponto os livros para crianças são didáticos? E ate que ponto são
necessariamente didáticos? É lugar-comum dizer que os livros para criança do
século XIX tinham forte peso didático e que se destinavam principalmente a
moldar as crianças em termos intelectuais ou políticos. Em geral, supõe-se que
esses livros representem hoje – e deveriam representar – a liberdade de
pensamento. Pode-se questionar se isso é de fato possível (e a situação difere
radicalmente de um pais para outro), mas [...] a utilização de livros para manipular
a infância de maneira deliberada está longe de ter morrido. (HUNT, 2010, p. 58)

A estreita vinculação dos livros ilustrados aos contextos pedagogizante/escola e


moralizante/valores burgueses conferiam à ilustração um status de menor valor no contexto
das belas artes – sendo a infância, até recentemente, considerada uma etapa menos importante
em relação à idade adulta,15 toda produção cultural a ela destinada16 sofria da mesma
desvalorização.17 Consequentemente, a ilustração de livros infantis foi durante muito tempo
encarada como arte de menor importância.
Muitas revisões conceituais se sucederam até que o livro para crianças alcançasse um
lugar de destaque. No entanto, ainda há quem considere a ilustração como subordinada ou
coadjuvante do texto verbal, encarando-as como mero ornamento – funcionando quer como
atrativo para o conteúdo verbal, quer complementando sua compreensão – ou até mesmo
condenando sua existência.18
Além disso, as abundantes críticas à preponderância da visualidade na sociedade
contemporânea continuam alimentando uma suposta polêmica entre a leitura de palavras e a
leitura de imagens – experiências que, no livro ilustrado, beneficiam-se mutuamente, como
defende Peter Hunt: “do ponto de vista contemporâneo, [os livros para criança] são vitais para

15
Ver ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
16
Sobre produção cultural para a infância, ver JACOBY, Sissa (org.). A criança e a produção cultural: do brin-
quedo à literatura. Porto Alegre, Mercado Aberto, 2003.
17
Charles Perrault, primeiro autor a recontar narrativas populares adaptando-as ao gosto da época em Contos
da Mãe Gansa, em 1697, ocultou sua autoria assinando a obra com o nome de seu filho mais velho. Mais de
dois séculos depois, em 1902, Beatrix Potter, autora inglesa do hoje clássico Peter Rabbit, enfrentou grandes
dificuldades para convencer os editores a publicarem seus livros ilustrados.
18
A este respeito, notar a interessante posição dúbia de Cecília Meirelles: ao mesmo tempo que condena as ilus-
trações, relata suas memórias afetivas da infância em relação ao livro ilustrado. MEIRELES, Cecília. Proble-
mas da literatura infantil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
75

a alfabetização e para a cultura, além de estarem no auge da vanguarda da relação palavra e


imagem nas narrativas, em lugar da palavra sinplesmente escrita” (2010, p. 43)
A leitura de textos acompanhados de imagens tem sido considerada como uma
preferência das crianças e classes populares – situação que muitos adultos letrados associam a
pouca instrução, pouca erudição, enfim, algo de menor valor19: “Ou, de forma mais sutil, será
uma afirmação ideológica de que a literatura (e o Livro) é um símbolo de poder e opressão?”,
questiona Hunt (2010, p. 52).
O livro é um objeto cultural que legitima o saber, as leis, a cultura erudita: o suporte
principal da escrita, sendo esta a referência fundamental que marca o surgimento da história.
Um templo sagrado onde só são admitidos os iniciados, aqueles que sabem ler. Em nossa
sociedade leitora, quem é analfabeto está em condição inferiorizada,20 com limitado acesso ao
conhecimento, à cultura, à cidadania. Não muito distante dos totalmente analfabetos estão os
analfabetos funcionais, que embora sabendo ler trechos simples (uma placa de rua, um
bilhete, uma receita, uma conta de celular) são incapazes de ler e compreender textos de maior
extensão ou complexidade.
A experiência com livros ilustrados na infância pode ser decisiva para reverter um
afastamento histórico (principalmente, mas não apenas) das classes populares em relação à
cultura letrada no Brasil. A leitura literária pode ser uma experiência empática e participativa,
onde o leitor contribui ativamente na produção de sentidos da narrativa. Rui de Oliveira
reflete a respeito da transição, ainda em processo, entre utilitarismo pedagógico e fruição
empática no livro ilustrado:

Ao livro ilustrado de caráter utilitário, pedagógico, sobrepõe-se a dimensão estética


e afetiva, orientada preponderantemente pela fruição artística e empatia, e não mais
apenas pela transmissão ideológica – embora estas duas dimensões permaneçam
frequentemente misturadas em diferentes graus de prevalência. (Oliveira, 2008, p.
39).

Se a possibilidade de assumir um papel ativo está ao alcance também do leitor em


formação, esta experiência fica prejudicada pelo contexto em que surge a literatura infantil, e
que persiste nos tempos atuais – fortemente marcado por finalidades moralizantes,

19
Ver considerações de: OLIVEIRA, Ieda de. O contrato de comunicação da literatura infantil e juvenil. Rio
de Janeiro, Lucerna, 2003.
20
O leitor, de Bernhard Schlink (2009), livro que virou um filme homônimo de sucesso, narra o drama de uma
protagonista analfabeta que prefere ser presa a confessar que não sabe ler.
76

principalmente no contexto escolar.21 No Brasil, a situação é agravada pela concentração de


renda e pela tradição cultural, que associa o livro a uma elite intelectual e econômica,
afastando portanto as crianças e as classes populares de sua fruição estética – que poderia
proporcionar-lhes uma experiência libertária, contrabalançando a predominância das
mensagens estereotipadas (principalmente as visuais) da cultura de massa, que lhes oferece
fácil acesso, fácil assimilação e fácil acomodação.
Paradoxalmente, o livro ilustrado contemporâneo é um produto da cultura industrial
que não perde sua aura,22 conservando o potencial de converter-se em objeto estético 23
proporcionado pelas diversas instâncias de leitura. Eis um ponto que nos interessa
especialmente: a possibilidade transgressora – oferecida aos jovens leitores pela leitura de
imagens – de aproximação e apropriação em relação ao livro, experiência diluidora de
preconceitos que possa ampliar seus horizontes e sua humanidade.

2.2 ERA UMA VEZ NO BRASIL

Entre nós, além das desigualdades sociais e econômicas que caracterizam nossa
sociedade, há a herança de um passado colonial nem tão distante. A produção de livros no
Brasil começou com grande atraso em relação ao resto do mundo, por conta de proibições da
coroa portuguesa: enquanto outras colônias europeias nas Américas (incluindo o México) já
produziam seus próprios impressos desde o século XVI, foi apenas com a chegada da família
real portuguesa, em 1808, que a impressão foi autorizada por aqui24. Até então, qualquer tipo
de impresso – fossem jornais, livros ou panfletos – era produzido na Europa, principalmente
na França, que permaneceu por longo tempo como a principal referência na área editorial
(como de resto na cultura erudita de um modo geral).
Este atraso industrial foi recuperado no final século XIX, e prosseguiu no século XX
quando Monteiro Lobato modernizou o parque gráfico brasileiro como parte dos seus planos

21
Sobre história da literatura infanto-juvenil e mudanças de paradigma, ver: COELHO, Nelly Novaes.
Literatura infantil. Teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
22
Sobre o conceito de aura, ver: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica.
In: Obras Escolhidas I: Magia e Técnica, Arte e Política. 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 1996.
23
Ver SIPE, L. R. “Picturebooks as aesthetic objects”. Literacy Teaching and Learning: an international journal
of early reading and writing, n. 6, 2001b, p. 23-42.
24
Ver HALLEWELL, Lawrence. O Livro no Brasil, Sua Historia. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2005.
77

em favor da cultura brasileira:25 com grande visão, ele “atacou” dois pontos críticos da época –
a indústria e as novas gerações.26
Depois da “revolução” de Lobato, iniciada com a publicação de Reinações de Narizinho
em 1921, um outro salto de qualidade na literatura infanto-juvenil brasileira só viria a
acontecer nos anos 1970.27 Em meio ao cenário da repressão militar às manifestações
“subversivas”, com censura generalizada à cultura – e as estratégias dos artistas para driblá-la:
canções do exílio, “O Sol nas bancas de revista”, Chico Buarque e Julinho da Adelaide, espaço
em branco na primeira página censurada do JB – os livros para crianças passavam desaperce-
bidos, obras desprovidas de importância perante a atenção dos censores, ocupados com
assuntos “sérios”. Pois foi exatamente neste “vazio” que grandes escritoras, como Ana Maria
Machado, Ruth Rocha e Lygia Bojunga28, transmitiram seu recado inconformista para as
novas gerações, marcando a partir daí um novo salto qualitativo na produção cultural para a
infância.
Este processo extrapola e texto e chega à imagem: artistas pioneiros como Ziraldo, Gian
Calvi e Eliardo França29 abrem caminho para, entre outros que começam a publicar nos anos
1980, Rui de Oliveira, Ciça Fittipaldi, Angela Lago.
Nos anos 1990, a ilustração brasileira dá também um salto de qualidade e consolida “a
consciência de sua originalidade e personalidade cultural distinta”, como bem comenta a
própria Ana Maria Machado no prefácio do livro de Rui de Oliveira, Pelos Jardins Boboli:

Em vários seminários e encontros, tenho tido a oportunidade de ouvir alguns


artistas que nos trazem uma visão crítica aguda e rigorosa sobre seu trabalho e o de
colegas, atestando uma consciência lúcida sobre o que estão fazendo ou preten-
dendo. Para só citar alguns, poderia lembrar diferentes intervenções instigantes, a
cargo de Ciça Fittipaldi, Ângela Lago, Roger Mello, Guto Lins e, especialmente, Rui
de Oliveira e Graça Lima. (2008, p. 15-16, grifo nosso)

25
Ver LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Melhoramentos, 1972.
26
Qualquer semelhança com pontos críticos no Brasil contemporâneo não será mera coincidência: a autonomia
na produção industrial (seja de bens materiais ou culturais) e a formação das novas gerações continuam sen-
do metas fundamentais para o desenvolvimento do país – e o livro infantil situa-se numa zona de confluência
entre estes importantes temas.
27
Ver SANDRONI, Laura. De Lobato a Bojunga. As reinações renovadas. Rio de Janeiro: Agir, 1987.
28
Não custa lembrar que Lygia Bojunga e Ana Maria Machado conquistaram o prêmio Hans Christian Ander-
sen, mais importante láurea da literatura infanto-juvenil, por seu trabalho como escritoras, respectivamente,
em 1982 e 2000, e que Roger Mello foi indicado para concorrer ao mesmo prémio em 2010 na categoria “Ilus-
tração”.
29
Ver dissertação de mestrado de LIMA, Graça. O design gráfico do livro infantil brasileiro: a década de 70 –
Ziraldo, Gian Calvi, Eliardo França. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Ja-
neiro. Departamento de Artes e Design, 1999.
78

Unindo a fluência de escritora à argúcia intelectual e profundo conhecimento da


literatura infanto-juvenil brasileira, a autora faz uma descrição preciosa deste importante
momento de afirmação identitária da ilustração brasileira, situando-a historicamente nos
contextos brasileiro e internacional, quando luta e conquista o reconhecimento de jurados,
editores e crítica especializada:

Nunca lhes ocorrera que ilustração também exige tradução e que o olhar europeu
ou norte-americano, oriundo das belas artes canônicas, é muito diferente da
mirada dos povos tropicais e mestiços que nós somos, confluência de tradições
culturais diversas e artesanatos ricos, formados por um amálgama de diferentes
continentes entrelaçados, estuários de linguagens autóctones originais e de um
patrimônio riquíssimo e dinâmico, em explosiva mutação, fruto de heranças
diversas de múltiplas imigrações e variados contatos. (2008, p. 16-17)

À elevação da qualidade artística dos livros ilustrados no Brasil nos anos 1990, sucede-se
uma extraordinária expansão do mercado editorial para crianças e jovens na primeira década
do século xxi, intimamente ligada aos projetos do governo visando à formação de leitores –
principalmente o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD). São programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), órgão do Ministério da Educação (MEC), que compram e distribuem livros de
literatura e didáticos para escolas de todo o país, e têm um poderoso impacto no mercado
editorial brasileiro, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade – especialmente o
caçula PNBE, criado em 1997.30 Após a abertura do edital anual, as editoras inscrevem livros
de seus catálogos, que serão submetidos a um processo de avaliação para escolha das obras a
serem adquiridas pelo governo naquele ano.

30
“O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) promove o acesso à cultura e o incentivo à formação do
hábito da leitura nos alunos e professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pes-
quisa e de referência. Desde que foi criado, em 1997, o programa vem se modificando e se adequando à reali-
dade e às necessidades educacionais. Sob a gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), tem recursos financeiros originários do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-
educação. O PNBE atende, em anos alternados, à educação infantil e ao primeiro segmento do ensino fun-
damental e ao segundo segmento do ensino fundamental e ensino médio. As obras distribuídas incluem tex-
tos em prosa (novelas, contos, crônica, memórias, biografias e teatro), obras em verso (poemas, cantigas, par-
lendas, adivinhas), livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos.” Texto constante do site oficial do
PNBE/MEC, disponível online em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=
article&id= 12368 &Itemid=574. Acesso em 21 dez. 2010.
79

As tiragens são enormes – nos últimos anos, a tiragem média de cada livro foi de 30 mil
exemplares31 – e o grande interesse das editoras faz com que cada vez mais procurem adequar
seus livros aos critérios do programa, o que traz como efeito colateral a homogeneização das
obras. Outro efeito colateral é a “invasão” de grandes grupos estrangeiros – principalmente
espanhóis e mais recentemente portugueses – que compram editoras nacionais, formando
gigantescos conglomerados, quase sempre pautados por critérios estritamente comerciais.
O investimento na formação de leitores alinha-se com as metas de desenvolvimento do
Brasil – hoje um dos integrantes do BRIC,32 luta para ascender da condição de emergente a
pais desenvolvido. Um dos maiores desafios do governo neste sentido é a valorização da
educação, com a melhoria dos índices de escolaridade, a exemplo do que aconteceu na Coréia
do Sul.33 Esta melhoria passa pela formação de leitores, que traz alguns desdobramentos: a
leitura pode ter fins utilitários – como permitir a formação de mão-de-obra qualificada – mas,
como um cavalo de tróia, traz embutida a possibilidade transgressora de elevação do nível de
consciência de si e do mundo, produzindo o efeito colateral de levar os leitores (pensadores /
cidadãos / eleitores) a um questionamento e posicionamento críticos em relação ao status quo.
Uma faca de dois gumes a ser cuidadosamente considerada pelo poder constituído, como
expõe Umberto Eco:

se numa situação de tensão social, eu aumentar os salários dos operários de uma


fábrica, pode acontecer que essa solução reformista dissuada os operários da
ocupação do estabelecimento. Mas, se a uma comunidade agrícola de analfabetos
ensino a ler para que estejam aptos a ler só os “meus” pronunciamentos políticos,
nada poderá impedir que amanhã esses homens leiam também os
pronunciamentos “alheios”. Ao nível dos valores culturais não se verifica
cristalização reformista mas tão-somente a existência de processos de
conhecimento progressivo, os quais, uma vez abertos, não são mais controláveis
por quem os desencadeou. (2001, p. 52)

Quer-nos parecer que, a despeito do risco que correm ao formar cidadãos críticos e
questionadores das desigualdades sociais e econômicas, os governos têm dedicado atenção

31
Ver Associação Brasileira de Editores de Livros – ABRELIVROS. Disponível online em http://www. abreli-
vros.org.br/abrelivros/01/index.php?option=com_content&view=category&id=7&Itemid=15. Acesso em 12
fev. 2011.
32
Acrônimo criado em 2001 pelo grupo financeiro Goldman Sachs, para designar os quatro principais países
emergentes do mundo – Brasil, Rússia, Índia e China.
33
Ver matéria assinada por BIANCONI, Cesar. Melhorar educação básica no Brasil é vital para mão de obra. O
Globo online, 20/07/2010. Disponível online em http://oglobo.globo.com/pais/mat/ 2010/07/20/melhorar-
educacao-basica-no-brasil-vital-para-mao-de-obra-917196226.asp. Acesso em 21 jul. 2010.
80

especial e duradoura às ações em prol da formação de leitores. E sendo os governos eleitos


para representar as vontades do povo, podemos concluir que a atitude das pessoas em relação
à leitura e ao livro tem evoluído bastante no Brasil, e para melhor. Ainda que o presidente Luís
Inácio Lula da Silva tenha declarado ter “uma preguiça disgramada de andar em esteira e de
ler livros”,34 seu governo manteve diversos programas de incentivo à leitura35 – e, ainda mais
significativo do que isso, acontecem inúmeras iniciativas populares na formação de
bibliotecas, projetos de leitura, etc, em todo o Brasil.36
Como entender esta mudança? De onde partimos e quais caminhos trilhamos até chegar
onde estamos? Quais os atores envolvidos neste processo no presente? Quem são os
visionários que quebram paradigmas e lideram movimentos de renovação?
Um exame atento às particularidades do mercado editorial brasileiro37 mostra que as
editoras nacionais movem-se dentro de margens estreitas, espremidas entre altos custos
industriais, elevada carga de impostos, fracionamento de receitas na grande cadeia de
distribuição e comercialização, restritos pontos de venda, baixo poder aquisitivo do
consumidor.
Dentre as muitas estratégias os editores desenvolvem para se equilibrar, podemos
destacar duas de especial interesse para este trabalho: as limitações técnicas de impressão e
acabamento, para baratear custos, e a busca por um padrão de qualidade editorial que
desperte o interesse do governo para compra pelos programas de incentivo à leitura
(lembrando que estamos tratando da edição de livros infantis). Por mais paradoxal que possa
parecer a combinar redução de custos de impressão com alta qualidade editorial, é justamete
neste ponto que se revela crucial a capacidade criativa dos autores: como declara Roger Mello,
“Eu sempre digo que fatores obstrutivos – as restrições – são fatores criativos, que despertam a
criatividade.” (2003, p. 33)
Contando com “produtores de conteúdo” altamente qualificados, os editores brasileiros
garantem a qualidade artística e precisam então decidir sobre a produção industrial. O livro

34
Discurso na Bienal do Livro de 2004. In: LEITÃO, Miriam. O Globo. Rio de Janeiro, 1º de maio de 2004.
35
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Plano
Nacional do Livro e Leitura (PNLL).
36
Como o Jegue-livro, a Borrachalioteca, a Expedição Vagalume, o Projeto Ler é 10 – leia favela, para citar
alguns. Ver mais informações no portal do prêmio VivaLeitura. Disponível online em http://www.premio
vivaleitura.org.br/default1.asp. Acesso em 12 fev. 2010.
37
Ver AMORIM, Galeno (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do estado, 2008
e EARP, Fabio Sá e KORNIS, George. A Economia da Cadeia Produtiva do Livro. Rio de Janeiro: BNDES,
2005.
81

infantil demanda uma produção mais cara do que o livro adulto: hoje não se aceita mais um
livro ilustrado em duas cores, como se aceitava há não muito tempo atrás.38 A impressão das
ilustrações em policromia,39 por si só mais cara do que a impressão monocromática, requer
também bom papel (alta gramatura, pouca absorção da tinta), boa tinta, bom controle de
qualidade, sem esquecer do acabamento (tem que resistir ao manuseio de pequenas mãos,
curiosas e afobadas) e do aproveitamento de papel (o livro infantil apresenta uma variedade
muito grande de formatos).
A qualidade de impressão e acabamento esbarra no custo de equipamentos e insumos,
sem falar na qualificação da mão-de-obra. Muitas gráficas tem se instalado em lugares
distantes dos grandes centros urbanos (como a Santa Marta, em João Pessoa –PB, e a Edelbra,
em Erechim – RS), em busca de impostos e mão-de-obra mais baratos, conseguindo bons
resultados que compensam os custos de transporte. Imprimir em outros paises também se
mostra vantajoso, principalmente na hors-concours China.40 Com tudo isso, a decisão dos
editores fica dividida entre seguir o padrão usual, mais limitado e barato (brochura,
montagem em grampo canoa, papel offset, pouca gramatura, plastificação) ou arriscar em
produções mais caprichadas e caras (capa dura, papel couché, alta gramatura, laminação
fosca, facas, dobras, vernizes e tintas especiais).

2.3 MERCADO EDITORIAL E OS TRÊS NÍVEIS DE CULTURA


(POPULAR, OFICIAL, DE MASSA)

Uma importante questão que se coloca atualmente diz respeito à mundialização da


cultura,41 que sobrepõe imagens globalizadas às culturas locais. A cultura visual42 é um
importante elemento identitário, que se forma desde a infância e vai se modificando à medida

38
Cf. descrição de A flor do lado de lá, p. 143.
39
Consultar definições de termos de uso específico do mercado editorial no Glossário de Termos Técnicos, na
p. 196.
40
Também na indústria editorial, a China conta com mão-de-obra barata, o que permite imprimir livros com
custos altamente competitivos em relação aos demais países.
41
Esta questão tem sido estudada por diversos autores, sob diferentes perspectivas. Destacamos aqui HALL,
Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003; HARVEY, David. A
condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993;
IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995; e ORTIZ, Renato.
Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2002.
42
Ver HERNANDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. São Paulo: Art-
med, 1999.
82

que as crianças crescem e travam contato cada vez mais frequente com imagens da cultura de
massa. Enfraquecendo a diversidade local, as mensagens estereotipadas43 segundo os critérios
da indústria cultural44 embotam a sensibilidade e limitam a capacidade criadora dos “leitores
de imagens” em formação.
Levando-se em conta que a formação do leitor literário se dá fundamentalmente na
infância45, é imperativo considerar o importante papel das narrativas visuais neste processo.
Infelizmente, à medida que progride a capacidade de leitura verbal, estaciona a evolução da
leitura visual.46 As crianças, livres produtoras e leitoras de imagens, tornam-se receptoras
passivas de imagens estereotipadas, em um contexto que não favorece em nada a formação de
uma cultura visual criativa e tolhe o desenvolvimento do ser.
Que tipo de papel poderia ter o livro ilustrado para melhorar este quadro? Antes de
mais nada, observemos como ele pode materializar uma convergência entre os três níveis de
cultura (erudita, popular e de massa) (Eco, 2001, p. 60).
Já examinamos anteriormente a identificação histórica do livro com a elite,
especialmente no contexto brasileiro, que o caracteriza como um produto pertencente à
cultura erudita. Vimos também, e veremos ainda um pouco mais a seguir, que é um produto
da cultura industrial e segue leis de mercado bastante estritas – embora concordemos com
Umberto Eco que não se trata de um produto como, por exemplo, pasta de dente:

Pensemos no que hoje se entende por “indústria editorial”. A fabricação de livros


tornou-se um fato industrial, submetido a todas as regras da produção e do
consumo. [...] Mas a indústria editorial distingue-se da dos dentifrícios pelo
seguinte: nela se acham inseridos homens de cultura [...], ao lado de “produtores de
objetos de consumo cultural”, agem “produtores de cultura” que aceitam o sistema
de indústria do livro para fins que dele exorbitam. (idem, p. 50)

Este produto insere-se num modo de produção capitalista, com divisão marcada entre
os profissionais envolvidos em sua cadeia produtiva. Na contramão desta divisão
hiperespecializada do trabalho, nem sempre harmônica ou equilibrada, destacam-se
ilustradores que são também escritores, como é o caso de Roger Mello. Além realizar a

43
Sobre estereótipos, ver MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX (V. 1). 9. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
44
Ver ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
45
Sobre formação do leitor literário, ver: COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil
e juvenil atual. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003.
46
Ver pesquisa realizada por ARIZPE & STYLES em Children reading pictures: : interpreting visual texts.
Londres, Nova York: RoutledgeFalmer, 2003.
83

convergência das linguagens verbal e visual como escritor e ilustrador, este artista atua
também como designer gráfico, agregando a seus projetos o importante componente da
concepção do livro enquanto objeto industrial – um “homem de cultura” em significativa
sinergia com as editoras.
No cenário da produção cultural para a infância, o livro ilustrado concorre com outros
produtos como programas de TV (especialmente desenhos animados), quadrinhos, games,
internet. No entanto, demanda do receptor um tipo de atitude mais ativa, um tipo de atenção
mais concentrada; ao lado do entretenimento há também informação e autoconhecimento,
suas mensagens dão um pouco mais de “trabalho” para serem compreendidas, há mais
lacunas a preencher,47 de modo que a atuação do receptor é mais requisitada.
No universo contemporâneo da produção cultural para a infância no Brasil, o livro
ilustrado destaca-se como produto industrial que permite a expressão de conteúdos regionais,
caracterizando-se como possível contraponto à massificação da cultura globalizada ao
favorecer a diversidade local – a evolução das técnicas de impressão48 permite que sejam feitas
pequenas tiragens de cada título, facilitando a publicação de uma variedade maior de temas.
A cultura popular não só é muito bemvinda no livro infantil, como está em sua gênese: a
literatura infanto-juvenil surge no século XVII com a fixação de narrativas populares, da
tradição oral camponesa da Europa medieval, nos famosos Contos de Fadas, 49 sendo Charles
Perrault, os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen os mais conhecidos escritores. As
temáticas populares, sejam da tradição ou contemporâneas, sempre encontraram grande
receptividade no livro infantil, destacando-se os registros de Câmara Cascudo em Contos
tradicionais do Brasil, publicados originalmente em 1946 e republicados regularmente até
hoje; as referências no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato; os recontos e pesquisas
de Ricardo Azevedo e Angela Lago, no contexto atual. Também na obra de Roger Mello a
presença da cultura popular é marcante: há festas, folguedos, lendas, brinquedos e
brincadeiras, tipos humanos, cultura material.
O benefício é duplo: para o leitor urbano, é uma oportunidade de conhecer um pouco
mais sobre a diversidade cultural brasileira; para o leitor fora dos grandes centros, a chance de
ver coisas do seu próprio universo “legitimadas” pelo livro – um objeto que circula cada vez
mais amplamente sem perder sua aura de representante da alta cultura.

47
SARTRE, Jean Paul. Que é literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989.
48
O sistema CTP diminuiu os custos fixos, suprimindo fotolitos e provas de prelo. Ver ARAÚJO, op. cit.
49
COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.
84

Afinal, como defende Umberto Eco ao falar dos três níveis da cultura – oficial, popular e
de massa – “os vários níveis se equivalem em dignidade [...], aceita essa paridade, acentuar-se-
á um jogo de passagens recíprocas entre os vários níveis.” (Eco, 2001, p. 60). Mas é importante
ressaltar que o livro chega à criança principalmente por meio da escola, e neste cenário é
importante evitar que a leitura seja sinônimo de “cultura paternalista de entretenimento
‘edificante’ imposto de cima” (Ibid).
A educação em nossa sociedade letrada envolve habilidades de leitura e interpretação.
Sabe-se que a formação do leitor literário acontece primordialmente na infância e envolve
dois pontos-chave, conforme destaca a escritora Ana Maria Machado:50 acesso aos livros e
contato (poder-se-ia dizer mesmo “contágio”) com outros leitores – geralmente adultos –
entusiasmados, os chamados mediadores de leitura. Este fundamental prazer pela leitura é
possibilitado pelo contato físico com o livro.
Está hoje na ordem do dia a questão dos e-books, aparelhos de tecnologia digital que
prometem revolucionar o mercado editorial, trazendo a possibilidade de barateamento de
custos e facilidade de acesso a conteúdos diversos, na medida em que um mesmo suporte
físico (o e-book) permite a leitura de incontáveis conteúdos, que demandam cada vez menos
espaço físico para armazenagem, ou seja: com um e-book na mão, pode-se ter acesso ao
conteúdo de mil e uma bibliotecas – chegamos perto da biblioteca de Borges.51 Mas este é um
cenário apenas delineado, que, se entusiasma alguns, tem também seus poréns. O livro de
papel tradicional ainda é o melhor suporte para a leitura, e concordamos com Eco e Carrière52
que assim continuará por muito tempo.

Defendendo o passado-vivo no presente, já publiquei aqui uma análise do


precursor do Computador, o Livro, que muitos julgam extinto: L.I.V.R.O. Local de
Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas. É um insuperável conceito de
tecnologia de informação.
L.I.V.R.O. não tem fios nem baterias. Não é conectado a nada e facílimo de usar –
qualquer criança pode operá-lo. Basta abri-lo. (Fernandes, 2008) 53

50
Palavras para Saúde. In: Anais do I Seminário Nacional Saúde e Leitura: Qualidade de Vida para a Criança e
o Jovem. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.
51
A Biblioteca de Babel, um dos contos mais conhecidos e comentados do escritor argentino Jorge Luis Borges,
publicado no livro Ficções (São Paulo: Companhia das Letras, 2007), fala de uma biblioteca infindável, possi-
velmente uma metáfora para o mundo e para a sociedade da informação.
52
ECO, Umberto; CARRIÈRE, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010.
53
Ver o texto completo em FERNANDES, Millôr. Pré e pós maravilhas. Daily Míllor. Ano 08, n. 38, novembro
de 2008. Disponível online em http://www2.uol.com.br/millor/aberto/dailymillor/008/ 038.htm. Acesso em
12 fev. 2010.
85

O imaginário em torno do livro é vasto e fabuloso, ainda mais para as crianças recém-
chegadas às fronteiras do universo da leitura. Abrindo aquele objeto misterioso, tem-se acesso
a mundos fantásticos, viagens pelo tempo e espaço, faz-se novos amigos, descobre-se coisas
sobre o mundo e sobre si mesmo, diverte-se, instrui-se e, mais tarde, isso tudo ainda ajuda a
passar no vestibular.54

2.4 COMUNICAÇÃO VISUAL

Vimos que na formação do leitor o entusiasmo pelo livro é questão capital, além do
contato com um mediador de leitura entusiasmado ele próprio, e que é preciso que este
entusiasmo contagie a criança. As atividades de mediação de leitura tem papel fundamental,
mas não se pode esquecer que elas se desenvolvem em torno deste objeto: o livro, que deve
por si só apresentar motivos para despertar este entusiasmo. Entre adultos e jovens, um bom
texto literário já seria suficiente, mas as crianças são um público mais exigente e precisam de
mais: elas precisam da materialidade do livro. É preciso que o livro lhes atraia os sentidos,
lhes encha os olhos, lhes ofereça atrativos táteis, lhes convide à exploração e à descoberta
renovadas a cada releitura. Por isso no livro infantil a comunicação visual é tão importante: a
imagem narrativa permite leituras sem fim – o que constitui um desafio para a leitura
semiológica da imagem e para a criança é uma fonte renovada de prazer. Se o adulto quer
“quebrar o brinquedo para ver como funciona” (Joly, 2008, p. 47), a criança embarca na
brincadeira e viaja nas leituras.
Vamos aqui examinar os aspectos materiais do livro infantil ilustrado enquanto
componentes de uma linguagem, ou seja, um sistema de signos duplamente articulados que
exprimem pensamentos. Começaremos examinando as definições da linguagem enquanto
sistema de signos (verbais, visuais, sonoros, gestuais etc.), problematizando a hegemonia que a

54
“A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP) divulgaram, nesta
sexta-feira, uma lista unificada de leituras obrigatórias para o vestibular de 2011. De acordo com as
assessorias de imprensa dos organizadores dos dois processos seletivos, não houve mudança na relação e,
portanto, as leituras pedidas são as mesmas do vestibular 2010: Auto da barca do inferno, Gil Vicente;
Memórias de um sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida; Iracema, José de Alencar; Dom
Casmurro, Machado de Assis; O Cortiço, Aluísio Azevedo; A cidade e as serras, Eça de Queirós; Vidas secas,
Graciliano Ramos; Capitães da areia, Jorge Amado; Antologia poética (com base na 2ª ed. aumentada),
Vinícius de Moraes.” O GLOBO. Disponível online em http://oglobo. globo.com/educacao/vestibular/mat/
2010/01/22/fuvest-unicamp-divulgam-lista-de-leituras-do-vestibular-2011-915687119. asp. Acesso em 22 jan.
2010.
86

linguagem verbal, principalmente a escrita, assume na construção e transmissão de conheci-


mentos, na medida em que tal hegemonia ofusca a importância das demais linguagens.
Para analisar de que modo a ilustração constitui-se em uma linguagem, vamos recorrer
aos postulados da semiologia, seguindo as indicações de Ferdinand Saussure (1979), Roman
Jakobson (1985) e Roland Barthes (1971), a fim de isolar e analisar os componentes do
processo, conforme este último indica ser o procedimento da pesquisa semiológica. Vamos
também recorrer às considerações dos ilustradores e pesquisadores Luís Camargo (1995) e
Rui de Oliveira (2008), destacados dentre os muitos ilustradores brasileiros contemporâneos
a refletir criticamente a respeito de seu ofício. Ambos têm livros publicados sobre o tema, nos
quais observa-se uma convergência de abordagens com os preceitos semiológicos, o que
beneficia sobremaneira o diálogo entre teoria e prática.
Buscamos, assim, evidenciar as características da ilustração enquanto linguagem e fazer
uma revisão crítica quanto ao prestígio de que desfruta a palavra escrita em nossa cultura, não
com no sentido de desmerecê-la, mas de ressaltar de que modo a convergência intersemiótica55
entre as linguagens visual e verbal observada no livro ilustrado faz com que ambas mereçam
ser respeitadas e apreciadas em pé de igualdade como criações artísticas.
Não podemos deixar de mencionar também o projeto gráfico, que contempla o livro
como objeto integral, combinando palavras e imagens e considerando ao mesmo tempo
critérios artísticos, comunicativos, industriais e comerciais.

2.4.1 Ilustração: uma linguagem


Ora, direis, ler imagens, certo perdeste o senso...
Luís Camargo56

No contexto da literatura infantil predominou durante muito tempo uma concepção


equivocada que considerava a ilustração como subordinada hierarquicamente ao texto57, o
que faz com que ainda hoje muitos encarem-na como um ornamento, uma linguagem
acessória. Já no campo das artes visuais, há quem considere a ilustração uma “arte impura”,

55
Termo proposto por Luís Camargo (1995), a partir do conceito de tradução intersemiótica de Roman Jakob-
son (1985), para melhor caracterizar o tipo de relação entre as linguagens verbal e visual no livro infantil.
56
CAMARGO, Luís. Ilustração do livro infantil. Belo Horizonte: Lê, 1995.
57
Um exemplo concreto que sinaliza a revisão desta concepção redutora é o surgimento de uma nova estrutura
de divisão de direitos autorais entre escritor e ilustrador. Até recentemente, cabia ao autor do texto o recebi-
mento dos direitos autorais referentes às vendas, e ao ilustrador um pagamento fixo pela prestação de servi-
ços. Há hoje um movimento, ainda bastante discutido, de divisão dos direitos autorais entre escritor e ilus-
trador, que reflete a mudança de status do criador de imagens visuais face ao criador de imagens verbais.
87

estreitamente vinculada ao universo comercial, estando sujeita a restrições de ordem


mercadológica, quanto às vendas, e técnica, quanto à reprodutibilidade. Sob esta perspectiva, a
ilustração seria uma arte de menor importância dentro da tradição da alta cultura e das belas
artes, embora com estas compartilhe o instrumental. Neste sentido, a incorporação ao
universo das artes visuais do conceito de reprodutibilidade técnica (Benjamin, 1996) como
integrante do objeto original vem beneficiar a ilustração, bem como a diluição das fronteiras
entre alta e baixa cultura (Eco, 2001).

Quando eu falo com o pessoal de artes e quando estou falando com o pessoal de
texto, trago um pouco do outro lado das duas linhas, falo: “Como você consegue
separar tudo?” Quando se fala de livro, não se está falando apenas do texto, estamos
falando da forma contendo conteúdo, uma coisa leva à outra. O que me interessa
também são as coisas de gênero. Não acredito na pureza de gênero; acho que os
quadrinhos, a literatura e o cinema se influenciam; a idéia de pureza de gêneros não
existe. (Mello, 2003, p. 29)

Se a leitura de textos verbais pressupõe o domínio de um código simbólico complexo,


regido por normas cultas que instauram uma ordem de certo/errado, a leitura de imagens,
beneficiando-se também do domínio de alguns códigos simbólicos próprios, jamais se
prestará a avaliações em que haja uma instância exterior de legitimação: a leitura de imagens
oferece um campo mais livre para associações subjetivas, onde o receptor pode
indiscutivelmente expressar sua contribuição por meio de experiências próprias. Além disso, a
capacidade de expressar-se criativamente por meio da produção de imagens é uma habilidade
inata dos seres humanos, absolutamente democrática porque não pressupõe o prévio domínio
de uma aprendizagem especializada para seu exercício (vide produção das crianças, doentes
mentais, culturas ditas “primitivas”), que lamentavelmente desaparece com os anos.
Permanece, no entanto, o fascínio pelos produtores de imagens, aliado a afirmações auto-
limitadoras do tipo “mas eu não sei desenhar...” Tal como Monteiro Lobato,58 que em
determinado momento desistiu dos adultos, já impregnados de valores conformistas, e
decidiu dirigir-se às crianças, também nos interessamos pelos estágios iniciais da aquisição da
cultura visual, antes que as limitações da sociedade condicionem suas experiências como
criadoras e receptoras de arte.
A linguagem tem sido bastante estudada em diversos campos do conhecimento, sendo
considerada um traço distintivo da espécie humana em relação às demais espécies: embora

58
LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Melhoramentos, 1972.
88

muitos outros animais estabeleçam formas de comunicação, nós humanos desenvolvemos esta
capacidade construindo linguagens simbólicas de alta complexidade e nível de abstração. A
linguagem, que dá conta da expressão e comunicação de pensamentos, é o que permite a
formação da cultura e sua transferência entre gerações: “Os antropólogos têm sempre
afirmado e provado que a linguagem e a cultura se implicam mutuamente, e que a linguagem
deve ser concebida como uma parte integrante da vida social” (Jakobson, 1985, p. 17).
É por meio da linguagem que a cultura se constrói e é compartilhada no tempo e no
espaço. É por meio da linguagem que se contam histórias – para sobreviver, sim, mas também
para dar conta do terror e do fascínio diante do inexplicável.
A linguagem é, portanto, social e múltipla: comunicamo-nos por meio de palavras,
gestos, imagens, etc., mas é a palavra que ocupa o lugar mais destacado, a ponto de
“linguagem” confundir-se com “língua” em muitos estudos. Ferdinand Saussure (1979),
linguista francês que na primeira metade do século XX retoma as formulações dos antigos
filósofos gregos e dos pensadores medievais a respeito da dupla natureza dos signos,
estabelece uma nítida distinção entre língua e linguagem: “[a língua] não se confunde com a
linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela”, propondo que a Linguística,
ciência que se ocupa da língua especificamente, seja uma das subdivisões da Semiologia,
ciência geral que estuda os signos.
Saussure nos fala em imagens mentais (ou conceitos/significados) que, relacionadas a
imagens acústicas, imagens gráficas e imagens visuais (ou formas/significantes) conformam os
signos, destacando que “é necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la
como norma de todas as outras manifestações da linguagem” (idem, p. 17). A linguagem
desenhada ainda não é suficientemente valorizada em nossa cultura, onde a palavra escrita
desfruta do maior prestígio. A que se deve este prestígio dos signos verbais, especialmente em
sua forma escrita? Saussure indica alguns motivos:

1. Primeiramente, a imagem gráfica das palavras nos impressiona como um objeto


permanente e sólido, mais adequado do que o som para constituir a unidade da
língua através dos tempos. [...]
2. Na maioria dos indivíduos, as impressões visuais são mais nítidas e duradouras
que as impressões acústicas.
3. A língua literária aumenta ainda mais a importância imerecida da escrita.
Possui seus dicionários, suas gramáticas; é conforme o livro e pelo livro que se
ensina na escola; a língua aparece regulamentada por um código; ora, tal código é
ele próprio uma regra escrita, submetida a um uso rigoroso. [...] Acabamos por
89

esquecer que aprendemos a falar antes de aprender a escrever, e inverte-se a relação


natural. (idem, p. 35, grifo nosso)

Indo ainda mais longe, podemos dizer que, se antes de aprender a escrever aprendemos
a falar, antes mesmo de aprender a falar aprendemos a ver: “Desde muito pequenos,
aprendemos a ler imagens ao mesmo tempo em que aprendemos a falar. Muitas vezes, as
próprias imagens servem de suporte para o aprendizado da linguagem.” (Joly, 2008, p. 43) O
próprio livro, objeto cultural que legitima o saber e é o suporte privilegiado do código escrito,
também oferece-se como objeto de fruição estética, principalmente enquanto suporte de
imagens artísticas, como as ilustrações.59 É principalmente no livro ilustrado que observamos
o entrelaçamento destas duas linguagens (gráfica e visual), acrescidas ainda de uma terceira
(ou como quer Saussure, a primeira), a fala: as histórias são narradas por meio da palavra
falada,60 da palavra escrita (texto) e de imagens visuais (ilustrações).
Para definir as funções que a linguagem assume, Roman Jakobson (1985) toma por
referência os elementos envolvidos nas situações de comunicação:

REFERENTE
REMETENTE MENSAGEM DESTINATÁRIO
CANAL
CÓDIGO

Jakobson propõe que a linguagem assume diferentes funções conforme sua orientação
predominante para um ou outro destes elementos:

REFERENCIAL
EXPRESSIVA POÉTICA CONATIVA
FÁTICA
METALINGUÍSTICA

59
Por definição, qualquer imagem que acompanha um texto.
60
A contação de histórias vem sendo cada vez mais valorizada como elemento fundamental na formação de
leitores infantis. Ver MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2005.
90

Para examinar, por sua vez, as funções que a ilustração desempenha enquanto
linguagem particular, Luís Camargo (1995, p. 33) propõe que estas mesmas funções sejam
adotadas, desdobrando algumas e acrescentando outras:

SIMBÓLICA
NARRATIVA
DESCRITIVA
REPRESENTATIVA

EXPRESSIVA POÉTICA CONATIVA


LÚDICA

FÁTICA
PONTUAÇÃO
METALINGUÍSTICA

Além disso, Camargo retoma o conceito de tradução intersemiótica ou transmutação


estabelecido por Jakobson e propõe que, no caso do livro infantil, a relação entre as linguagens
verbal e visual acontece não por meio de uma tradução entre os diferentes sistemas de signos,
mas sim pelo que ele denomina convergência intersemiótica: “No livro ilustrado interagem
duas linguagens e, assim, dois tipos de texto, compondo um texto híbrido, verbo-visual. Dois
textos – ou dois discursos – em diálogo. A palavra diálogo [...] não é casual, pois quero evocar
a etimologia de diálogo – dia, dois; logos, discurso” (ibid). Considerando que a linguagem
verbal tem sido bastante estudada e conta com prestígio suficiente, passemos ao estudo da
ilustração a fim de contribuir para equilibrar os dois “pesos” dos componentes do discurso.
Por definição, ilustração é “toda imagem que acompanha um texto. Pode ser um
desenho, uma pintura, uma fotografia, um gráfico, etc.” (Camargo, 1995, p. 16). No livro
infantil, as ilustrações muitas vezes configuram uma linguagem autônoma, como se observa
nos livros de imagens, onde a história prescinde de palavras e desenvolve-se um texto visual
por meio de uma sequência de ilustrações, oferecendo ao leitor “balizas” 61 para o desenrolar
da narrativa. É uma modalidade de livro bem interessante, especialmente para crianças
pequenas que ainda não dominam o código escrito. Observa-se, neste caso, que as imagens
funcionam como disparadoras da construção de sentidos pelo leitor, que, na falta de um
código verbal que lhes direcione o recorte, cria ele próprio uma narrativa oral, variável, que
pode ser recriada a cada nova leitura: “A língua é o domínio das articulações e o sentido é o

61
Ver SARTRE, Jean Paul. Que é literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989.
91

recorte, antes de tudo.” Barthes, 1971, p. 59). Esta experiência familiariza o pequeno leitor
com o sistema “livro” por meio do uso “leitura”, completando-se o processo de significação
das imagens. Esta experiência vai oferecer uma ponte, um vínculo conhecido, para a posterior
passagem para um código simbólico mais complexo, ou menos motivado, arbitrário – o da
escrita, ou transposição de imagens acústicas em imagens gráficas.

Ora, o fato de identificarmos uma progressão de complexidade no domínio de códigos


linguísticos, partindo da imagem para a escrita, não implica que a primeira possa ser
considerada como mero “meio” para se alcançar um “fim”. Seria mais adequado percebermos
que neste caso ocorre a formação de “sistemas mistos que envolvem diferentes matérias (som
e imagem, objeto e escrita etc.)” (ibid), a respeito dos quais Barthes assinala que “seria bom
reunir todos os signos, enquanto transportados por uma única e mesma matéria, sob o
conceito de signo típico; o signo verbal, o signo gráfico, o signo icônico, o signo gestual
formariam, cada um deles, um signo típico”. Voltamos, assim, ao conceito de convergência
intersemiótica proposto por Camargo (2003), com o estabelecimento de um texto verbo-visual
(ou lítero-visual).

Vimos que a linguagem verbal ocupa papel de destaque nas análises, estudos, pesquisas,
a ponto do termo “linguagem” ser empregado sozinho para designar linguagem verbal, sendo
objeto de incontáveis pesquisas e estudos. Se queremos, como indica Barthes, ampliar o
campo das pesquisas semiológicas, é preciso recortar a ilustração de livros infantis como
objeto de estudos e concentrarmo-nos em suas características enquanto signo típico.
Escolhendo a ilustração, alguns desafios se impõe, a começar pelo fato de que

os sintagmas icônicos, fundamentados numa representação mais ou menos


analógica da cena real, são infinitamente mais difíceis de recortar, razão pela
qual, sem dúvida, esses sistemas são quase universalmente traduzidos por
uma fala articulada (legenda de uma foto) que os dota do descontínuo que
não possuem. (Barthes, 1971, p. 69)

Esta dificuldade inerente pode ser percebida pela limitada oferta de referências teóricas
que norteiem a pesquisa, como bem nos aponta Luís Camargo: “o caso da ilustração é
completamente diferente: o estudioso não tem categorias próprias de análise: ora adapta
conceitos das artes visuais, ora das artes gráficas, ora da literatura.”
Assim sendo, será proveitoso seguir o caminho apontado por Martine Joly (2008), onde
a autora reconstitui e isola os elementos da célebre análise semiológica da publicidade das
92

massas Panzani feita por Roland Barthes (1984), e também faz ela própria a análise de um
anúncio das roupas Marlboro Classics. São ambos anúncios publicitários, onde texto e
imagem interagem para estabelecer um vínculo de comunicação com o receptor, assim como
acontece nos livros ilustrados – com uma ressalva quanto às diferentes qualidades de
participação do receptor no processo de significação das mensagens visuais: enquanto na
publicidade elas levam a uma leitura intencional, mais fechada, na literatura infantil elas
propõem leituras abertas, múltiplas, que jogam com o repertório do receptor e onde ele tem
um papel mais autônomo na produção de sentidos.
O esquema empregado por Joly, mostrado a seguir, oferece um ponto de partida para
estabelecermos critérios de análise dos livros ilustrados:

1. SIGNOS LINGUÍSTICOS

2. SIGNOS VISUAIS (distintos e complementares):

• Signos icônicos
- Motivos figurativos reconhecíveis
• Signos plásticos
- Formas e dimensões (estas, de interpretação que varia culturalmente)
- Cores e iluminação (idem ao item anterior, ainda que mais “natural”, por conta de
sua interação com as condições atmosféricas naturais)
- Composição / diagramação (a “geografia interior” da imagem, que hierarquiza a
leitura da imagem por meio da orientação da visão)
- Textura (representa a qualidade tátil da superfície)

Além destes itens básicos, aparecem ainda:


• Suporte: meio físico sobre o qual a imagem é veiculada
• Quadro (limite físico, moldura): “Esse procedimento de confundir o quadro (ou os
limites) da imagem e a borda do suporte [sangramento] tem consequências particulares
sobre o imaginário do espectador. Na verdade, esse corte, atribuído mais à dimensão do
suporte do que a uma escolha de enquadramento, leva o espectador a construir
imaginariamente o que não se vê no campo visual da representação, mas o que o
completa: o fora de campo.” [...] “instaura, portanto, uma imagem centrífuga, que
estimula uma construção imaginária complementar” O suporte vazio com pequena
93

imagem, ao contrário, “convida, em um processo de leitura centrípeta, a entrar em sua


profundidade fictícia, como na de um quadro de paisagem” (Joly, 2008, p. 94).
• Enquadramento: tamanho da imagem, dependendo da distância entre observador e
objeto, que produz impressão de proximidade/afastamento; sensação de
grande/pequeno.
• Ângulo de tomada e escolha de objetiva: plongé / contre-plongé; profundidade de
campo (foco).

Joly destaca a “circularidade icônica / plástica”, ou seja, a associação entre cores e


figuras, como importante indicador na produção de sentidos. A autora retoma ainda outra
importante consideração de Barthes (1984) no que diz respeito às mensagens conotadas e
denotadas:

em suma, todas estas ‘artes’ imitativas [desenhos, pinturas, cinema, teatro]


comportam duas mensagens: uma mensagem denotada, que é o próprio analogon,
e uma mensagem conotada, que é o modo como a sociedade dá a ler, em certa
medida, o que pensa dela. (2008, p. 15)

Dentro do esforço para definir sistemas de análise próprios da ilustração, o ilustrador Rui
de Oliveira (2008) empreende uma extensa lista de elementos para se fazer uma leitura dos
signos plásticos, ressalvando que esta lista “se refere apenas à leitura de algumas questões
estruturais da ilustração. Os amplos significados metafóricos da arte da ilustração não estão
encerrados em nenhum esquema ou ‘receita’ de leitura.” (p. 102). Ou seja: dizem respeito prefe-
rencialmente ao aspecto denotativo das mensagens visuais, a que deveremos acrescentar a
análise do aspecto conotativo, incluindo o exame dos signos icônicos e linguísticos. Eis a lista:

• Tipo de composição: estática (simétrica) / dinâmica (assimétrica)


• Formas geométricas que mais se destacam na composição: triângulo, quadrado,
retângulo, circulo, elipse
• Letras do alfabeto perceptíveis na composição
• Linha guia de leitura visual: baixo para cima; cima para baixo; linha sinuosa; linha
espiralada; linha obliqua; linha quebrada; lateral esquerda ou direita
• Tipo de contorno utilizado: linhas; linhas esfumadas, hachuras; vários traços; cores;
linhas grossas; digital; sem contorno
94

• Tipo de perspectiva utilizada: aérea; planimétrica; diversos pontos de fuga; linha do


horizonte baixa; linha do horizonte alta; ponto de vista de cima para baixo; ponto de
vista de baixo para cima; linha do horizonte no meio da ilustração; ausência de linha do
horizonte; fundo neutro sem cenário.
• Técnica utilizada: aquarela; acrílico; bico-de-pena; aguada (preto + água); óleo; mista;
lápis de cor ou de cera; aquarela liquida; gravura (xilo, linóleo, metal); material
tridimensional; colagem; texturas diversas; colorização digital.
• Relação de forma e fundo: contraste; interligado.
• Gênero e origem de luz utilizados: frontal; de cima para baixo; de baixo para cima;
lateral (esquerda para direita); lateral (direita para esquerda); gênero noturnal; gênero
diurno; gênero luz artificial; diversas fontes.
• Tipo de esquema tonal utilizado: quente predominante; frio predominante; cores
sombrias; cores rebaixadas (cor + preto ou cinza); cores claras e suaves (cor + branco);
esquemas a partir de uma única cor (monocromático); contrastes acentuados; preto e
branco; velaturas (sobreposição de cores transparentes); cores chapadas uniformes;
cores por meio de manchas.
• Tipo de contraste de cor utilizado: quente-frio, claro-escuro; complementares; de
extensão; de matiz (cor primária); simultâneo.
• Tipo de figuração utilizado: realista; clássico; não-realista; com influências do cartum;
com influências dos quadrinhos; fantástico; caricatural; cômico.
• Movimento artístico com que a ilustração apresenta semelhanças: clássico;
neoclássico; acadêmico; impressionista; expressionista; realismo e naturalismo; surrea-
lismo; art nouveau; pré-rafaelismo ou dos Pintores de Contos de Fadas; futurismo;
cubismo; art déco; arte naïf; indefinido.
• Gênero de imagem: históricas; folclóricas; de contos de fadas; fantásticas; do cotidiano.
• Linhas predominantes: inclinadas; verticais; horizontais; radiantes; quebradas;
sinuosas; circulares.
• Tipos de sombra: luz e sombras suaves; luz e sombras contrastadas; sombras projetadas;
ausência de sombras; as figuras possuem sombras e mais o contorno.
• Sentimento que lhe desperta a ilustração: alegria; tristeza; medo; lirismo; romantismo;
amor; ódio; solidão (Oliveira, 2008, p. 103-107).
95

Para além da apreciação da cada imagem isoladamente, é preciso considerar o conjunto


da obra, formado pela sequência de varias imagens, que confere um ritmo ao livro como um
todo: “O livro ilustrado para crianças apresenta uma sequência de imagens – e imagens para
serem folheadas. Não são quadros que podem ser vistos cada um por si.” (Camargo, 1989, p.
42). O autor cita a ilustradora Angela Lago, que explica que, por este motivo, “antes de se
projetar cada desenho, se projeta o volume. Nao se trata de pintar uma serie de quadros. Há
toda uma conjugação necessária, todo um ritmo, um movimento, uma tensão, uma direção
que perpassa o trabalho como um todo” (Lago apud Camargo, ibid).
Esta é uma das particularidades que distinguem ilustradores de artistas plásticos –
conceber antecipadamente o efeito narrativo produzido pela sequência das imagens isoladas.
Rui de Oliveira ressalta um outro aspecto da natureza particular da ilustração, distinguindo-a
das artes plásticas:

Mesmo nos dias atuais – passado mais de um século desde quando as vanguardas
artísticas começaram a ser incorporadas pelas artes plásticas e, posteriormente, até
pela indústria cultural – a ilustração segue com certo atraso as inovações propostas
nas artes plásticas. A expressão da sensibilidade original do artista, já bem
incorporada no universo das artes plásticas, ainda está em processo de consoli-
dação no campo da ilustração, sendo, portanto, “inteiramente inadequado” associar
o desenvolvimento da ilustração ao das artes plásticas (Oliveira, 2008, p. 39).

Lago diz que “é comum aos artistas falarem uma linguagem comum: a linguagem de sua
época”, para depois ponderar que esta é “uma meia-verdade. Pois uma mesma época pode
suportar muitas visões diferentes” (1989, p. 85-86). As considerações de Oliveira e Lago nos
fazem pensar a respeito do momento que vivemos – a pós-modernidade –, de caracterização
tão fugidia:62

Que também já encheu o saco, porque tudo cabe dentro da pós-modernidade!


Tudo! A Elza Soares é pós-modernidade, a Cleópatra é pós-modernidade, Roma
era pós-moderna, Aristóteles era pós-modernidade... Tudo cabe dentro da pós-
modernidade! O moderno tinha uma proposta, o pós-moderno não tem, o que é?
O pós-moderno é multi-referenciado, mas tudo é multi-referenciado. Ah, desde
que o mundo é mundo que tem coisas multi-referenciadas! (Mello, 2010)

62
Importantes questões relativas à pos-modernidade são colocadas por HARVEY, David. Condição pós-
moderna. São Paulo: Loyola, 1992 e JAMESON, Fredric. Modernidade Singular. São Paulo: Civilização Bra-
sileira, 2005.
96

Num esforço para tornar este cenário menos nebuloso, Ihab Hassan faz uma lista
comparativa entre as características do pós-modernismo e modernismo:63

Modernismo Pós-modernismo
Romantismo/Simbolismo Patafísica/Dadaísmo
Forma (conjuntiva, fechada) Antiforma (disjuntiva, aberta)
Propósito Jogo
Projeto Acaso
Hierarquia Anarquia
Maestria/conhecimento Exaustão/Silêncio
Objeto de arte/Obra acabada Processo/Performance/Happening
Distância Participação
Criação/Totalização Descriação/Desconstrução
Síntese Antítese
Presença Ausência
Centramento Dispersão
Gênero/Fronteira Texto/Intertexto
Semântica Retórica
Paradigma Sintagma
Hipotaxe Parataxe
Metáfora Metonímia
Seleção Combinação
Raiz/Profundidade Rizoma/Superficialidade
Interpretação/Leitura Contra interpretação/Interpretação errada
Significado Significante
Lisível Escrevivel
Narrativa/Grande História Anti-narrativa/Pequena História
Código principal Idioleto
Sintoma Desejo
Padrão Mutante
Genital/Fálico Polimorfo/Andrógino
Paranóia Esquizofrenia
Origem/Causa Diferença-Diferença/Indício
Deus Pai Espírito Santo
Metafísica Ironia
Determinação Indeterminação
Transcendência Imanência

Com esta lista, que se tornou tão popular quanto criticada, Hassan pretendeu “caracte-
rizar o Pós-modernismo contrastando-o com o Modernismo, uma vez que o cérebro humano
é compulsivamente contrastivo”,64 ressalvando que entre as dicotomias relacionadas nas duas

63
HASSAN, Ihab. The Dismemberment of Orpheus: Toward a Postmodern Literature. Nova York: Oxford
University Press, 1971. Segunda edição revisada e ampliada. Madison: University of Wisconsin Press, 1982.
Tradução livre do original em inglês.
64
HASSAN, Ihab. Entrevista concedida a Frank L. Cioffi entre nov 1998 e jan. 1999, por telefone, e-mail e carta.
Disponível online em http://www.ihabhassan.com/cioffi_interview_ihab_hassan.htm. Acesso em 20 out.
2010.
97

colunas acontecem “inversões e exceções”, que “os conceitos entre as colunas não são todos
equivalentes” e que as diferenças mostradas permanecem “inexatas, suspeitas, pois se
deslocam, mudam, e até se desfazem”, uma vez que “o Modernismo não deixa subitamente de
existir para que o Pós-modernismo possa começar: eles agora coexistem – de fato, eu dizia que
o Pós-modernismo encontra-se profundamente enraizado no corpo do Modernismo”. 65
Neste ponto, seria interessante relacionar esta “coexistência” citada por Hassan à
miscigenação característica da América Latina em geral (Canclini, 2008), e do Brasil em
particular (DaMatta, 1997 e Freyre, 2006) e, mais ainda, ao movimento antropofágico do
modernismo brasileiro66 – que vai além da miscigenação, deglutindo e reprocessando as
referências estrangeiras. Lago descreve com bastante propriedade como se dá este processo na
ilustração brasileira contemporânea:

E afinal o que é caracteristicamente nacional em cidades cosmopolitas como as do


final do nosso século? Acontece que vivemos num país adolescente, em plena crise
de identidade, e talvez esta questão se coloque para nós de uma maneira diferente.
Ainda não conhecemos bem a nossa mutante cara e precisamos desenha-la no
espelho, [...] e descobrir o que é realmente nosso, para nos apoderarmos de nossa
própria historia. Por isso torna-se tão significativo o fato de alguns artistas
brasileiros estarem buscando suas fontes no barroco, que embora de origem
europeia, em nossa terra foi tocado pela genialidade dos artesãos mulatos. Ou o
trabalho daqueles ilustradores que um busca do autenticamente brasileiro retomam
as características do movimento modernista de 22, a cor caipira, o traço solto, o
olhar que pousa critico, zombeteiro, liberador. Ou a pesquisa dos que encontram
na cultura popular uma fonte vigorosa, ou dos que pesquisam as artes indígenas e a
cultura negra reinventando sua plasticidade. (op cit, p. 88)

De fato, na obra de Roger Mello este processo de “antropofagização” mostra-se bastante


evidente, especialmente se considerarmos a confluência das temáticas narrativas com
referências visuais das vanguardas européias e da cultura popular brasileira. Indo mais além,
podemos mesmo afirmar que a coexistência de modernismo e pós-modernismo ultrapassa as
ilustrações, estendendo-se à concepção do livro como um todo.
Pesquisadores como Elisa Dresang (1999) e Lawrence Sipe & Sylvia Pantaleo (2008)
têm identificado características nos livros ilustrados que chamam de “pós-modernos”.

65
Tradução livre do original em inglês: “Well, once I also tried to characterize Postmodernism by contrasting it
with Modernism, since the human brain is compulsively contrastive” e “Modernism does not suddenly cease
so that Postmodernism may begin: they now coexist – in effect, I was saying that Postmodernism lies deeply
within the body of Modernism”. Ibid.
66
Ver a excelente e fartamente ilustrada publicação de Schwartz, Jorge. Brasil, da Antropofagia a Brasília 1920
– 1950. São Paulo, CosacNaify, 2002.
98

Rejeitando, tal como Hassan, uma delimitação temporal rígida destes objetos, Dresang afirma
que, antes mesmo de se falar em pós-modernidade, artistas inovadores já criavam livros
ilustrados pós-modernos, apontando um repertório descritivo das características de tais livros:

1. Mudanças nas formas e formatos: design gráfico explorando novas formas e formatos;
palavras e imagens em novos níveis de sinergia; organização de conteúdo e formato não-
lineares; múltiplas camadas de significados; formatos interativos;
2. Mudanças de perspectiva: múltiplas perspectivas, visuais e verbais; vozes não ouvidas
anteriormente; crianças e jovens que falam por si mesmos.
3. Mudanças de fronteiras: assuntos anteriormente proibidos; configurações anterior-
mente negligenciadas; personagens retratados de maneiras novas e complexas; novos
tipos de comunidades; finais não resolvidos.

Numa avaliação preliminar, pode-se identificar várias destas características em muitos


dos livros ilustrados de Roger Mello, dentre os quais o mais radical exemplo possivelmente
seja Zubair e os labirintos.67 Subjacente a estas mudanças, pode-se perceber uma mudança na
concepção da criança que vai ler este livros – não mais invisível, nem tampouco romantizada,
é uma criança com qualidades particulares, que os adultos valorizam: trata-se “não da infância
pueril, adocicada, vitoriana. Mas da infância que é começo, ou recomeço. Da infância que os
grandes pintores contemporâneos almejam. Como Klee, que quer desenhar com a mão
esquerda, porque a direita já sabe demais. Como Miró” (Lago, op cit, p. 89). Ou ainda como
Picasso, que declarou “Desde pequeno pintava como Rafael, mas foi preciso toda uma vida
para aprender a desenhar como uma criança”.68
Nodelman fala sobre o olhar inocente das crianças e o compara ao olhar cultivado dos
adultos, defendendo que há no livro ilustrado uma sofisticada combinação de ambos – que
propomos chamar de “inocência cultivada”.

Livros ilustrados são claramente reconhecíveis como livros infantis simplesmente


porque nos falam de qualidades infantis, de simplicidade e exuberância juvenis –
ainda que, paradoxalmente, o façam em termos que implicam uma ampla
sofisticação no que toca tanto aos códigos verbais quanto aos visuais. De fato, parte

67
Ver imagens e análise visual deste livro no capítulo três, página 174.
68
Tradução livre do original em espanhol Fonte: Wikiquote. Disponível online em http://es.wikiquote.org/ wi-
ki/Pablo_Picasso. Acesso em 14 fev. 2011.
99

do charme de muitos dos mais interessantes livros ilustrados está em combinar tão
estranhamente o infantil e o sofisticado – e que o espectador que implicam seja ao
mesmo tempo muito culto e muito ingênuo. (Nodelman, 1988, p. 21)

Partindo de um imaginário impregnado por características da figuração realista com


influências do cartum, Roger Mello aproxima-se de um pensamento plástico69 que incorpora a
liberdade infantil, empregando não apenas cores, formas e perspectiva de modo afetivo, como
também técnicas, como colagem e desenho. Além disso, percebe o livro como objeto lúdico,
criando projetos gráficos inovadores: “As crianças, porém, não fazem uma separação tão
automática entre forma e conteúdo, e podem estabelecer um vínculo emocional com um livro
do mesmo modo como fariam com um brinquedo” (Powers, 2008, p. 6).

2.4.4 Projeto gráfico: um corpo para a alma do livro

Enquanto a ilustração é uma linguagem narrativa que exprime mensagens, o projeto


gráfico participa dando uma imagem às palavras, com a escolha da tipografia (sua forma, sua
cor, seu peso, sua diagramação), e definindo as características físicas do livro (seu formato, seu
papel, seu número de páginas, seu tipo de impressão e de acabamento...), como descreve o
ilustrador Ricardo Azevedo:

[...] necessariamente, um livro ilustrado, ao nível da linguagem* é composto de pelo


menos três sistemas narrativos que se entrelaçam: a) o texto propriamente dito (sua
forma, seu estilo, seu tom, suas imagens, seus motivos, temas etc); b) as ilustrações
(seu suporte: desenho? colagem? fotografia? pintura? e também, em cada caso, sua
forma, seu estilo, seu tom etc); c) o projeto gráfico (a capa, a diagramação do texto, a
disposição das ilustrações, a tipologia escolhida, o formato etc.).
Examinando bem, há livros em que esses três sistemas têm autoconsciência e
procuram o diálogo e outros em que isso não ocorre.
* Simplificando: um sistema de signos com função simbólica e capacidade de
formar discursos que transmitem vários tipos de mensagem que, por sua vez,
possibilitam a interação entre pessoas. (Azevedo, 1997)

Se, comparativamente aos estudos existentes sobre o texto verbal, a ilustração é pouco
estudada, o projeto gráfico o é menos ainda. Embora encontremos importante bibliografia
analítica a respeito do projeto gráfico, ela trata de livros em geral – e sabemos que livros em
geral significam livros para adultos. Encontramos também, embora com mais escassez dentro

69
Ver FRANCASTEL, Pierre. Pintura e sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
100

deste universo, bibliografia sobre livros ilustrados. Mas o que dizer a respeito de projetos
gráficos de livros infantis ilustrados? Entre nós, destacamos o esforço pioneiro de Guto Lins,
designer, ilustrador, escritor de livros infantis e professor, que publicou em 2003 o livro Livro
infantil? Projeto gráfico, metodologia, subjetividade, um breve apanhado de importantes
considerações, que merece ser expandido e aprofundado, e de onde extraímos contribuições
valiosas para nossas reflexões. Odilon Moraes, outro ilustrador/pesquisador em plena
atividade, publicou um artigo sobre o assunto no livro O que é qualidade em ilustração no
livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador70 também por nós utilizado.
Motivados pela pouca atenção dispensada ao projeto gráfico em livros infantis,
percebemos que este é um importante aspecto nos livros de Roger Mello que merece ser
explorado. Como visto no capítulo 1, Roger graduou-se em Comunicação Visual pela ESDI
nos anos 198071 e tem conhecimento de causa quando propõe projetos gráfico pouco usuais
para suas obras – além de escritor e ilustrador, pensa o livro também como designer.
Um projeto gráfico que fuja às convenções consagradas pelo mercado representa uma
faca de dois gumes: traz desafios para a produção gráfica e para o cálculo de um valor de capa
viável, mas traz também uma possibilidade de premiação que angaria, além de prestígio para a
editora, pontos para a aquisição do livro por programas do governo, que representam hoje a
maior fonte de renda do segmento infanto-juvenil.
Neste contexto, a expressiva premiação conquistada por Roger Mello dá a ele um
respaldo de credibilidade perante as editoras que se traduz em bom relacionamento e acei-
tação de suas propostas inovadoras. Não se pode esquecer que o livro é um produto industrial,
sujeito a condições de viabilidade técnica e mercadológica, mas que precisa manter o frescor
trazido pela qualidade artística, e esta não está sujeita a cálculos objetivos.72 Este é um grande
mérito que tem Roger Mello: saber conciliar suas mais extraordinárias73 ideias com as
condições objetivas de produção, harmonizando artistas e “pessoal de apoio” (Becker, op cit).

70
O projeto gráfico do livro infantil e juvenil. In: OLIVEIRA, Ieda de (org.). O que é qualidade em ilustração
no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008, p. 49.
71
Assim como a autora desta dissertação e o artista Guto Lins acima mencionado.
72
Ver ECO, op. cit., p. 50.
73
Aqui, no sentido de algo “que foge do usual ou do previsto; que não é ordinário; fora do comum; não regular;
fora do estabelecido” (Houaiss, 2009, p. 863).
101

CAPÍTULO 3

Narrativas visuais


Um pintor não vê tudo o que ele pôs no quadro que


fez; são os outros que descobrem esses tesouros, um a
um, e quanto mais rica é uma pintura nesse gênero
de surpresas e tesouros, tanto maior é seu autor.
Todo século busca seu alimento nas obras, e cada
século precisa de certo tipo de alimento.
Henri Matisse1

Neste terceiro e último capítulo, os livros ilustrados de Roger Mello são exami-
nados mais detidamente. A etapa inicial consistiu em fazer um levantamento completo
das obras2 realizadas no período estudado (1990-2009). Esta etapa foi consideravelmente
beneficiada pela pesquisa realizada por Kikuchi (2003), que procedeu a uma catalogação
dos 96 livros ilustrados por Roger Mello entre 1990 e 2003.3
O inventário foi completado com o mapeamento da produção dos anos 2004 a
2009, o que totaliza um período de 20 anos para estudo. Numa primeira etapa de análise,
foi possível identificar três grupos conforme o tipo de participação autoral do artista: 1)
ilustrações por encomenda para textos de terceiros, 2) ilustrações para textos de terceiros
em parceria com os escritores ou editores e 3) autoria completa (ilustrações e texto). Esta
classificação justifica-se pela característica bastante particular que Roger Mello tem de
atuar como artista múltiplo, conforme visto anteriormente no capítulo 1: além de ilus-
trador, designer, dramaturgo e roteirista, tem também significativa atuação como escritor,
tendo recebido importantes prêmios por este tipo de atividade
Sendo as mensagens visuais de seus livros infantis o principal foco para investi-
gação, nesta pesquisa foram preliminarmente recortados os livros das duas últimas cate-
gorias (autorias em parceria e completa), norteados por dois principais critérios: 1) a

1
Escritos e reflexões sobre arte: Henri Matisse. São Paulo: CosacNaify, 2007, p. 88.
2
Esclarecemos que, no contexto deste trabalho, entende-se por “obra” os livros infanto-juvenis ilustra-
dos por Roger Mello, não estando aí compreendidos seus trabalhos em outros campos da criação artís-
tica, como ilustrações publicitárias, textos teatrais, etc.
3
Os dados levantados pela autora para seu trabalho de conclusão do curso de graduação em Editoração
na Escola de Comunicação e Artes – ECA/USP, gentilmente cedidos para esta pesquisa., foram por
nós devidamente checados com o artista.
102

qualidade destes livros pode ser atestada pela elevada proporção de prêmios recebidos
em relação ao conjunto de sua obra (81,34% do total de prêmios recebidos) e 2) a dupla
atuação do artista oferece um rico material para se estudar a relação de convergência
intersemiótica. Segue-se, assim, a seqüência de examinar primeiro certos aspectos
esclarecedores da mensagem lingüística que fornecerão importantes chaves para a pos-
terior análise das mensagens visuais, conforme metodologia proposta por Barthes
(1984).
Concluído o inventário das obras no período recortado, seguiu-se uma classifi-
cação do corpus escolhido, que totaliza 22 livros, sob duas categorias principais: temática
e linguagem visual. Não seria possível empreender uma análise plena do significado das
mensagens visuais dissociando uma da outra, como observa Arnheim: “Antes de
identificarmos qualquer um dos elementos, a composição total faz uma afirmação que
não podemos desprezar. Procuramos um assunto, uma chave com a qual tudo se
relacione.” (1986, s/n) Assim, foram estabelecidos os critérios para análise e articulação
das duas categorias, mostrando como as linguagens visual e verbal interagem em prol da
riqueza narrativa, o que vem a ser o principal interesse declarado pelo artista:

Sempre gostei da narrativa, tanto do texto quanto a proporcionada pela


imagem. Nunca tive a pretensão de ser um artista plástico (se bem que as
Artes Plásticas podem ter narrativas, mesmo que as pessoas recusem). O que
adorava mesmo era contar histórias. [...]
Acho que a identidade do meu trabalho é a não identidade das coisas,
pois já que a narrativa é uma coisa mais forte pra mim, não posso estar
aprisionado no traço. (Mello, 2003, passim 25, 28)

3.1 CATALOGAÇÃO DA OBRA (1990-2009)

A primeira etapa do trabalho de catalogação consistiu em completar o


levantamento iniciado por Kikuchi (2003) a fim de obter um inventário completo de
obras de literatura infanto-juvenil com participação direta de Roger Mello – como autor
ou co-autor –, produzidas entre os anos de 1990 (marco inicial de sua carreira como
ilustrador de livros infanto-juvenis, com a publicação de sua primeira obra, o livro A flor
do lado de lá) e 2009. Antes desta publicação, o artista já produzia desenhos para outros
ramos de atividade, seja em filmes de animação, publicidade, etc, que não estão
compreendidos no escopo deste trabalho. Deve-se levar em consideração, no entanto,
103

que todas as demais atividades desenvolvidas por Roger Mello contribuem para formar
um perfil identitário bastante rico e interessante, que se reflete no dinamismo de sua
obra – seja no estilo literário, seja nas temáticas, seja no modo de representá-las
visualmente.
De fato, a originalidade de sua produção vem chamando a atenção de importantes
estudiosos da literatura infantil e juvenil.4 Também bastante significativa é a indicação
feita pela FNLIJ para concorrer ao Prêmio Hans Christian Andersen na categoria
Ilustrador, em que pese a pouca idade do artista – por tratar-se de um prêmio que
contempla o conjunto da obra, costumam concorrer autores mais velhos – ou seja, num
tempo relativamente breve de carreira, Roger Mello é incluído pelos especialistas no rol
dos autores consagrados pela excelência de sua extensa obra.
A catalogação completa de suas obras no campo da literatura infanto-juvenil
seguiu a ordem cronológica de publicação. Os dados levantados para cada uma das 89
obras foram: Título, Tipo de livro, Texto, Ilustração, Projeto gráfico, Editora, Ano e
Local da 1ª edição, Reedição, Formato, Nº de páginas, ISBN, Acabamento, Encaderna-
ção, Prêmios, Adaptações, Traduções e Observações.
Examinando este conjunto, pudemos perceber de imediato três grupos principais
quanto ao tipo de participação autoral do ilustrador: ilustrações por encomenda para
textos de terceiros (67 livros), ilustrações para textos de terceiros em parceria com os
escritores ou editores (quatro livros)5 e autoria completa (ilustrações e texto, 18 livros).
Por questões de afinidade com os escritores/editores e de nível de envolvimento criativo
com os projetos, percebemos que o mais coerente seria analisar conjuntamente os dois
últimos grupos. Foi este o ponto de partida para desenvolvermos uma classificação das
obras e definir o corpus.

4
No 17º Congresso de Leitura do Brasil, realizado em julho de 2009 na Unicamp, a professora e pesquisa-
dora Marisa Lajolo (Professora Titular no Departamento de Teoria Literária e pesquisadora da Uni-
camp, com pós doutorado na Brown University, ganhou o prêmio Jabuti em 2009 na categoria Teori-
a/crítica literária com o livro Monteiro Lobato: Livro a Livro. Editora Unesp/Imprensa Oficial), quan-
do solicitada a apontar as principais inovações em curso na literatura infanto-juvenil brasileira, indicou o
trabalho de Roger Mello como um dos mais significativos.
5
O livro Vizinho, vizinha (2004) tem texto de Roger Mello e ilustrações em parceria com Graça Lima e
Mariana Massarani. Foi excluído desta categoria o livro Curupira, escrito por Roger e ilustrado por Gra-
ça Lima, que inverte a relação autoral entre texto e imagem presente nos demais livros, por não apresen-
tar proveito para nossa pesquisa, centrada que é na narrativa visual: representa uma exceção que não jus-
tifica a análise (que deveria neste caso ser literária), fugindo ao escopo deste trabalho.
104

3.2 CLASSIFICAÇÃO DAS NARRATIVAS

3.2.1 Quanto ao tipo de autoria


• Textos de outros escritores
• Parceria com escritores ou editores
• Autoria completa

Num esforço de delimitação de um corpus suficientemente representativo da exce-


lência criativa do artista, após identificarmos estas três categorias optamos por eliminar
o primeiro grupo (ilustração por encomenda para textos de terceiros) norteados por
critérios objetivos: em primeiro lugar, a ilustração é uma arte aplicada, onde o artista
presta serviços a um cliente que paga por eles, o que faz com que ilustradores iniciantes
necessitem ser mais flexíveis quanto à opção de participar ou não em projetos com os
quais podem não se entusiasmar, motivados por necessidades financeiras e de
consolidação profissional. Tal risco não acontece em projetos de autoria completa ou
em parceria, onde a adesão ao projeto é obviamente total.
De fato, à medida que a carreira de Roger Mello amadurece, sua escolha de
trabalhos torna-se mais seletiva. Isto não quer dizer que os projetos de que o artista
participou no início de sua carreira tenham sido pouco expressivos – ao contrário, seu
primeiro livro publicado, A flor do lado de lá (1990), de sua autoria completa, foi logo
premiado (prêmio Altamente Recomendável da FNLIJ); no ano seguinte foram mais
dois prêmios para livros de outros escritores; idem em 1992.6 Podemos observar na
figura 8 uma distribuição quantitativa de obras que mostra, até meados de sua carreira,
no final da década de 1990, a preponderância de livros ilustrados por encomenda. Daí
em diante, a proporção se modifica drasticamente: enquanto a criação de obras de sua
autoria total ou parceria permanece estável (11 livros), sua participação em projetos de
terceiros diminui sensivelmente, passando de 54 livros nos anos 1990 para apenas 13
nos anos 2000, numa redução de mais de 75% (figura 9).

6
Ver no Apêndice A a relação completa de seus livros ilustrados: as obras premiadas estão assinaladas
com *.
105

1990 1 1 2
1991 5 5
1992 3 3
1993 6 1 7
1994 6 1 7
1995 10 1 11
1996 7 3 10
1997 9 3 12
1998 4 4
1999 3 1 4
2000 1 1
2001 1 2 3
2002 2 1 3
2003 3 3
2004 1 2 3
2005 1 1
2006 2 2 4
Textos de outros escritores
2007 1 1
Autoria total / parceria
2008 1 1 2
2009 1 2 3
0 2 4 6 8 10 12

Figura 8. Livros ilustrados por ano / tipo de autoria

Textos de outros escritores 54


1990-1999

Autoria total / parceria 11

Textos de outros escritores 13


2000-2009

Autoria total / parceria 11

0 10 20 30 40 50 60

Figura 9. Livros ilustrados por década / tipo de autoria

Reforçando nossas observações, ao mapearmos as obras premiadas distribuindo-


as pelas duas categorias, encontramos os significativos resultados mostrados na figura
10: a expressiva premiação de sua obra (39 prêmios para 89 títulos, numa proporção de
43,82%) divide-se em 21 prêmios para 67 livros com textos de terceiros (31,34%) e 18
prêmios para 22 livros com textos próprios/parcerias (81,81%).
106

Textos de outros escritores: 67 Premiados: 21


(31,34%)

Autoria total / parceria: 22 Premiados: 18


(81,81%)

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Figura 10.
Fi 10 Livros
Li premiados
i d por tipo de autoria

Em segundo lugar, estamos tratando de livros infantis ilustrados, um gênero de


caracterização ainda não suficientemente consolidada, mas que indiscutivelmente
apresenta como particularidade a força da convergência intersemiótica entre palavras e
imagens de que nos fala Luís Camargo. Ainda que Roger Mello tenha maior reconhe-
cimento público como ilustrador, destaca-se também como escritor, conforme atestam a
critica especializada e os prêmios recebidos por suas produções textuais. Portanto, os
livros infantis de sua autoria completa configuram-se objetos muito especiais e
particulares no universo do livro infantil, colocando-o ao lado de outros consagrados
autores de dupla vocação como William Blake e Beatrix Potter, citados anteriormente.
Os 22 títulos resultantes desta primeira etapa classificatória são:7 A flor do lado de
lá* (1990), O gato Viriato* (1993), O próximo dinossauro* (1994), Uma história de Boto-
vermelho* (1995), Bumba meu boi Bumbá* (1996), Maria Teresa* (1996), Viriato e o Leão
(1996), Cavalhadas de Pirenópolis* (1997), Griso, o unicórnio* (1997), A pipa (1997), Todo
cuidado é pouco* (1998), Jardins* (2001), Meninos do Mangue* (2001), Vizinho, vizinha
(2002), Em cima da hora* (2004), Nau Catarineta* (2004), João por um fio* (2006),
Desertos* , Zubair e os labirintos* (2007), Zoo* (2008), Carvoeirinhos* (2009) e Ossos do
ofício (2009). Deste conjunto, apenas três textos são de outros escritores: Jardins e
Desertos, de Roseana Murray, e Zoo, de João Guimarães Rosa, em organização do editor
Luiz Raul Machado.
Ancoramo-nos, portanto, em dados quantitativos para embasar nosso critério de
escolha que vai privilegiar o qualitativo, em benefício dos esforços contemporâneos de
valorização das produções culturais destinadas à infância e seu reconhecimento por toda

7
Os premiados estão marcados com *.
107

a sociedade, onde ainda persiste uma noção generalizada de que produtos para a infân-
cia são menores.8
Como esclarecimento adicional, destacamos o critério adotado de considerar
como item único os vários livros que compõe uma coleção: embora sejam livros
diferentes, por estarem reunidos em uma coleção apresentam uma afinidade temática
que demanda o mesmo tipo de solução visual. Por privilegiarmos uma análise
qualitativa das ilustrações, faz mais sentido analisarmos o conjunto como uma obra
única sob o ponto de vista criativo. Caso optássemos por uma abordagem puramente
quantitativa, computando os títulos publicado dentro de uma mesma coleção como
livros individuais, teríamos em conseqüência distorções em nossas análises. Ainda
assim, para deixar clara sua ordem de grandeza, citamos, na relação completa de obras
constante no Apêndice A, os nomes dos títulos que compõe cada coleção.

3.2.2 Quanto à interação palavra/imagem


• Livro de imagem
• Livro ilustrado
• Livro com ilustrações

O primeiro filtro aplicado na seleção do corpus foi o da classificação quanto ao tipo


de autoria, que resultou em 22 livros dentro de um universo de 89 obras. Dentro deste
primeiro conjunto recortado, aplicamos o segundo filtro, classificando os 22 livros
quanto ao tipo de interação entre palavras e imagens, segundo definições vistas no
capítulo dois (livros de imagens, livros ilustrados e livros com ilustrações).
Os livros de imagens, compostos por narrativas exclusivamente imagéticas, são os
seguintes (cinco livros): A flor do lado de lá, O gato Viriato, O próximo dinossauro,
Viriato e o Leão e A pipa.
Nos livros ilustrados as imagens interagem em pé de igualdade com o texto verbal e
são imprescindíveis na construção e apreensão da narrativa. São os livros mais numerosos
no corpus estudado (15 livros): Bumba meu boi Bumbá, Maria Teresa, Cavalhadas de
Pirenópolis, Griso, o unicórnio, Todo cuidado é pouco, Jardins, Meninos do Mangue; Vizinho,

8
Ver KHÉDE, Sonia Salomão (org.). Literatura infantil: um gênero polêmico. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1986 e JACOBY, Sissa (org.). A criança e a produção cultural: do brinquedo à literatura. Por-
to Alegre: Mercado Aberto, 2003.
108

vizinha; Em cima da hora, Nau Catarineta, João por um fio, Desertos, Zoo, Carvoeirinhos,
Ossos do ofício e Zubair e os labirintos.
Este último é um livro originalíssimo e por isso de difícil classificação: o texto nem é
muito extenso, porém é de construção bastante complexa; embora atrativamente ilus-
trado, suas referências iconográficas e projetuais são extremamente sofisticadas; a
temática conta com um protagonista infantil que se envolve em conflitos do mundo
adulto, cheio de referências a questões históricas, culturais, políticas, religiosas, de
entendimento desafiador mesmo para os próprios adultos. Enfim, um livro instigante,
sobre o qual seria interessante conduzir pesquisas quanto à recepção por leitores de
diferentes graus de experiência.
Os livros com ilustrações têm textos verbais de maior extensão ou complexidade e
são acompanhados por poucas imagens. Há apenas dois livros que se poderia classificar
nesta categoria: Uma história de Boto-vermelho e Em cima da hora.
Antes mesmo de proceder a esta segunda classificação, já tínhamos em mente que
as duas primeiras categorias seriam as privilegiadas para análise, visto que estamos
tratando primordialmente da linguagem visual nos livros infantis e que na terceira
categoria a contribuição das ilustrações se dá de modo acessório, não sendo impres-
cindíveis na construção da narrativa. Nossa intenção inicial, norteada por critérios
qualitativos, foi confirmada mais uma vez pelos critérios quantitativos, uma vez que as
duas primeiras categorias reúnem 20 livros, enquanto que a terceira, apenas dois. Assim,
delimitamos nosso corpus e passamos para a etapa seguinte.
Antes disso, deve-se acrescentar uma observação quanto ao formato dos livros. Há
uma convenção no mercado editorial que associa os formatos horizontal e quadrado às
duas primeiras categorias de livro aqui descritas (livros de imagens e livros ilustrados), e o
vertical à terceira (livros com ilustrações), identificando sua aproximação com os livros
para o público adulto (só de textos verbais), onde este é o padrão predominante. Aliás, o
formato vertical é o preferido das livrarias por ser mais fácil de arrumar em displays e
prateleiras, projetados para acomodar os livros de tamanho padronizado (como 14 x 21
ou 16 x 23 cm), onde a diversidade de formatos dos livros infantis representa um desafio,
para não dizer um transtorno. De fato, enquanto nos dois primeiros grupos a incidência
de formatos e medidas é bastante diversificada (quatro quadrados, seis horizontais, dez
verticais, fig. 11), no terceiro há apenas o formato vertical.
109

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1995

1994

1993

1992

1991

1990

Figura 11. Capas distribuídas por ano da 1ª edição, reproduzidas em 1/8 do tamanho original (12,5%),
mostrando variação de tamanhos e formatos.
110

3.2.3 Quanto à temática


• Bichos
• Gente (ocupações, tipos urbanos)
• Cultura popular (lendas, festas, brinquedos e brincadeiras, cultura material) /
cultura urbana
• Ambiente natural (plantas, lugares) / ambiente construído
• Espaço geográfico: Brasil / exterior / indeterminado

Trataremos aqui de um dos dois eixos a serem articulados na análise da conver-


gência intersemiótica: a temática narrativa. A classificação aqui empreendida será de
grande importância quando relacionarmos suas categorias às linguagens visuais empre-
gadas para representá-las. Pudemos identificar nas obras a ocorrência de alguns temas
predominantes, que por vezes se alternam como temas acessórios em outros livros. Eles
coincidem com preferências declaradas por Roger Mello,9 como visto no capítulo um,
quando investigamos o processo de concepção dos livros, relacionando os temas
desenvolvidos à biografia do autor. Pudemos agrupar os temas em quatro grupos
principais, com distribuição equilibrada entre as três primeiras (Bichos 6; Gente 7;
Cultura popular/urbana 7), sendo exceção a categoria Ambiente, com apenas duas
obras onde este é o tema predominante, aliás significativamente “aparentadas”: Jardins e
Desertos, criadas em parceria com a escritora Roseana Murray em interessante
alternância de ordem (em Jardins, Roger criou ilustrações para os poemas de Roseana;
em Desertos, Roseana criou poemas para os desenhos de Roger).
Complementando estes quatro grupos temáticos, consideramos interessante identi-
ficar também os universos espaciais onde as narrativas se desenrolam. Pudemos
assinalar três tipos de espaços geográficos distintos: histórias ambientadas no Brasil, no
exterior ou em espaços indeterminados. O Brasil é o campeão na preferência do autor,
presente em 12 das 20 obras, estando quatro no exterior (O próximo dinossauro,
Desertos, Zubair e os labirintos e Zoo) e quatro em espaços indeterminados (Griso, o
unicórnio; Todo cuidado é pouco; Jardins e João por um fio).

9
Vide entrevistas para UOL (2001), Kikuchi (2003) e Mendes (2010).
111

3.3 REPERTÓRIO VISUAL

Se até aqui tratamos de categorias de classificação relacionadas às características


gerais das narrativas (autoria, gênero, temática), passamos agora para o terreno das
mensagens visuais especificamente, que vem a ser o centro de nosso interesse para
análise. Conforme exposto no capítulo dois, entendemos que a ilustração é uma
linguagem (sistema de signos duplamente articulados que exprimem pensamentos) e
que no caso do livro infantil acontece uma convergência intersemiótica entre ela e a
linguagem verbal.

3.3.1 Signos icônicos

Estreitamente relacionados às temáticas narrativas, os signos icônicos tem força


especial naquelas relacionadas à cultura popular, com sua riqueza de objetos da cultura
material e figuras do imaginário. Nos livros integrantes do corpus, as temáticas
brasileiras se traduzem em figuras (fauna, flora, etnia, vestimentas, arquitetura)
nacionais, familiares ao receptor infantil. Esta familiaridade com os signos icônicos abre
portas para as “extravagâncias” do artista ao lidar com os signos plásticos, estabelecendo
uma dinâmica entre códigos conhecidos e novidades que exerce grande atração sobre o
receptor, como as cores inusitadas de Maria Teresa (ver p. 149).

3.3.2 Signos plásticos

Observamos nas ilustrações de Roger Mello uma evolução progressiva no


emprego de signos “clássicos” em direção a signos “revolucionários”: em seus primeiros
trabalhos percebemos claramente o domínio das regras canônicas de representação
anatômica, de volume, de perspectiva, de enquadramento, de composição; que vão
sendo abandonados em favor de um estilo próprio, com tendências mais expressio-
nistas. Esta transição de estilo fica absolutamente evidente em dois livros de imagem
com o mesmo protagonista, o gato Viriato, que passa de um “gatinho fofo” em O gato
Viriato (ver p. 145) para um gato fauve em Viriato e o Leão (ver p. 157). De 1996 em
diante, portanto na maioria de suas obras, é neste estilo próprio que serão construídas
112

suas narrativas visuais, e, assim sendo, privilegiaremos na análise os signos caracte-


rísticos deste estilo.

• Cor e iluminação
O código cromático do artista é bastante característico: preferência por cores
primárias e secundárias, principalmente o laranja, em associações inusitadas com os
signos icônicos (como o céu laranja na capa de Maria Teresa, ver p. 149), frequente-
mente no grau máximo de saturação, em luminosidade intensa. Por vezes aparecem em
contraste extremo, associados ao preto em situações dramáticas ou cenas noturnas
(como em Ossos do ofício, ver p. 179). Os tons são chapados, com poucas variações de
sombreado, que mesmo assim funcionam antes como recurso expressivo do que como
indicador de volume. Será um importante descritor, senão o principal, na análise das
mensagens visuais.

• Anatomia
Os seres vivos do artista (animais, plantas, pessoas) partem de representações
realistas para assumirem formas estilizadas. As figuras humanas tornam-se alongadas,
como silhuetas sinuosas, de feições pouco detalhadas que mais se assemelham a
bonecos. Algumas parecem dançar no ar com seus movimentos deslizantes, sem
articulações aparentes nos joelhos e cotovelos, que lembram as figuras humanas de
Chagall como em Todo cuidado é pouco (ver p. 166).

• Formas
As formas são preferencialmente sinuosas e alongadas, e as linhas retas funcionam
mais como um contraponto que confere força expressiva às sinuosas. As formas são
fechadas, seja quando chapadas, como em A pipa (ver p. 164) ou quando formadas por
linhas contínuas, com em João por um fio (ver p. 134). Alguns motivos se repetem em
vários livros, como as folhagens em preto e branco, as árvores floridas, os pássaros, as
molduras de casinhas, as linhas quadriculadas.
113

• Perspectiva
A perspectiva assume o caráter livre da arte naif, onde a representação do espaço
privilegia o aspecto narrativo ao mostrar em uma mesma cena diferentes pontos de
vista, bem exemplificados nas ruas e praças de As cavalhadas de Pirenópolis (ver p. 159).
Notamos ainda a distorção da perspectiva em prol da dramaticidade narrativa,
como na tomada plongé de Viriato e o leão (ver p. 157) ou no contre-plongé de Todo
cuidade é pouco (ver p. 166).

3.3.3 Referências visuais

Identificamos nas obras de Roger Mello abundantes referências visuais,


influências ou citações de outras obras ou estilos, sendo as mais frequentes:
• Realismo acadêmico (nas primeiras três obras analisadas)
• Cartum (idem)
• Fauvismo (da quarta obra em diante)
• Modernismo (idem)
• Arte naif (idem)

3.3.4 Técnicas

Embora conte com sofisticados equipamentos digitais em seu estúdio, o artista os


utiliza para atividades acessórias, como pesquisar referências na internet, trocar
e-mails, escrever textos, fazer bonecas. Em sua atividade de ilustrador, o meio físico é o
que melhor materializa sua criação mental. Suas principais ferramentas de trabalho são
papéis, tintas, lápis e outros materiais, como a sucata usada nas colagens de Meninos do
mangue (ver p. 123). As principais técnicas que utiliza são (Mello, 2010):
• Pintura com ecoline (aquarela líquida) e tinta industrial
• Desenho com lápis de cor e giz de cera
• Colagem de materiais diversos, principalmente papel e plástico
114

3.3.5 Tipografia: a “imagem das palavras”

A “imagem das palavras” é como Joly (2008) poeticamente denomina as questões


relativas ao aspecto gráfico das palavras, como tipografia, seu peso, diagramação, etc.
Uma característica bastante particular no universo visual criado por Roger Mello é sua
tipografia manuscrita, presente em muitas capas e nos versos de Nau Catarineta (ver p.
128). Ela aparece em títulos, folhas de rosto, como parte integrante das ilustrações
(como em João por um fio, ver p. 134) e até mesmo como base para a criação de uma
fonte digital utilizada para compor o texto, em Todo cuidado é pouco.

3.3.6 Projeto gráfico: o livro como objeto

Outra característica singular na obra do artista é a elaboração de projetos gráficos


diferenciados, com formatos, facas, dobras, montagens especiais: o marcador de páginas
em forma de peixe em João por um fio (ver p. 134), a sobrecapa vazada de Jardins (ver p.
118), o laço que fecha o caderno de viagens em Desertos (ver p. 171), as lâminas de fogo
em pop-up e tinta luminosa de Carvoeirinhos (ver p. 138), a sobrecapa vazada e as
dobras tridimensionais em Zoo (ver p. 177).

3.4 ANÁLISE DO CORPUS

Neste item são apresentados imagens e comentários de todos os livros integrantes


do corpus estudado – 20 no total –, com níveis variados de detalhamento, correspon-
dendo a uma hierarquização estabelecida por Roger Mello para o dossiê apresentado ao
comitê julgador do Prêmio Hans Christian Andersen 2010.
O artista selecionou dez livros de sua autoria completa para enviar aos jurados
do prêmio como os mais representativos de sua obra (este mesmo grupo fora indicado
para concorrer ao Astrid Lindgren Memorial Award – ALMA, à exceção de Desertos,
que substituiu o esgotado Griso, do qual não seria possível enviar exemplares para os
jurados). Dentre estes, apontou os cinco mais importantes. A classificação é a
seguinte:
115

João por um fio Jardins Nau Catarineta Carvoeirinhos Meninos do Mangue 5 mais
importantes

Maria Teresa Cavalhadas de Pirenópolis Desertos Zubair e os labirintos Zoo 10 mais


importantes

Griso, o unicórnio A pipa Todo cuidado é pouco Vizinho, vizinha Ossos do ofício Corpus

A flor do lado de lá O gato Viriato O próximo dinossauro Bumba meu boi Bumbá Viriato e o Leão

Figura 12. Obras constantes do corpus conforme classificação do autor para o prêmio HCA 2010.

Sendo assim, os cinco livros apontados pelo artista como os mais representativos de sua
obra merecerão as análises mais detalhadas. Este conjunto também é bastante representativo
dos variados tipos de interação entre texto verbal e visual que o livro ilustrado pode apresentar:
texto poético próprio (João por um fio), introspectivo, tratando de questão universal – o medo;
texto poético de outro autor (Jardins); texto da tradição popular reinterpretado (Nau Catarine-
ta); texto próprio médio (Carvoeirinhos) sobre realidade social brasileira e texto próprio longo
(Meninos do mangue), também sobre realidade social brasileira, com com narrativa de encaixe.
Observa-se uma predominância em ordem inversa entre texto verbal e texto imagético
nestes cinco livros, correspondendo aproximadamente à seguinte distribuição:

Mais imagem Equilíbrio Mais texto

Figura 13. Predominância de texto ou imagem nos cinco livros mais importantes, escolhidos pelo autor.

Para informar a análise semiológica, procedeu-se a uma coleta de dados de cada obra reu-
nidos em uma ficha, que apresenta também informações técnicas. Para definir os itens relativos
à análise visual, partiu-se das categorias apontadas por Joly (2008) e Oliveira (2008). Os dados
foram sintetizados e agrupados da seguinte maneira:
116

1) título; texto (apenas para livros em parceria); cidade, editora e ano da 1a edição; medi-
das (horizontal x vertical em cm) e nº de páginas; ISBN;
2) prêmios, traduções e adaptações;
3) temática, referências visuais, técnica, cor e luz, anatomia, formas, perspectiva, enqua-
dramento, corte, tipografia, ritmo e
4) projeto gráfico: autoria, tipo (convencional ou diferenciado), dados de impressão da
capa (cores, papel, acabamento, encadernação) e do miolo (cores e papel), guarda (quando exis-
tente) e 4a capa.

Depois de coletados, estes dados foram ordenados em fichas, que podem ser consulta-
das no Apêndice B. Apenas as informações do item 1 são reproduzidas junto da análise visual,
que é acompanhada também por reproduções reduzidas da capa e de ilustrações selecionadas
do miolo.
Tomando as imagens como ponto de partida, procedeu-se a uma análise semiológica da
cada obra, numa espécie de descrição densa (Geertz, 1989), acrescentando aos aspectos de-
notados uma leitura conotativa dos significados das imagens. A análise tornou-se especial-
mente fecunda ao incorporar, de forma crítica, informações fornecidas pelo autor – seja em
entrevistas realizadas para esta pesquisa, seja em outras entrevistas, ou mesmo em conversas
espontâneas.10
Nestas análises, buscamos evitar referências à base teórica já longamente estudada, por
entendermos que esta etapa final deveria apresentar os resultados do processo de maturação e
apropriação de conceitos examinados e mencionados ao longo deste trabalho. Assim, aspiran-
do a uma fluência sintética, procuramos deixar que os textos fossem “encharcados” por estes
conceitos, mais do que fazer referências pontuais a eles.
Uma vez que o conjunto completo das imagens se constitui em um volume elevado de in-
formações, para atender aos objetivos desta pesquisa optou-se por examinar prioritariamente a
capa de cada livro, complementada, quando conveniente, por outras imagens relevantes – sejam
ilustrações do miolo ou detalhes do projeto gráfico.

10 Registre-se aqui as dificuldades encontradas para entrevistar um objeto de estudo que é também um amigo: as
conversas prolongavam-se por muitas horas, numa sucessão de temas impossível de manter sob controle –
como já destacado anteriormente, inquietude e caos são elementos característicos de Roger Mello. Em todos os
nossos encontros, ao longo de 2009 e 2010, as entrevistas semi-estruturadas convertiam-se facilmente em en-
trevistas não-diretivas.
117

A importância da capa enquanto vínculo primordial com o leitor faz dela elemento fun-
damental do livro, devendo comunicar sua essência ao primeiro contato. Alan Powers (2008)
traçou uma “história ilustrada da literatura infantil” apresentando mais de 400 capas de livros
publicados para crianças, cobrindo um período de mais de três séculos (do xviii ao xxi). Fer-
nando Paixão escreve na orelha:

Pode-se dizer de um livro que a capa representa o “rosto” com que se oferece ao
mundo. Tal como acontece entre as pessoas, é através da capa (ou da face) que dis-
para a primeira impressão de simpatia, ou não, por aquilo que depois vamos encon-
trar nas páginas internas. Quantas vezes não abrimos uma obra justamente porque a
capa nos seduz e convida par além dela?
Essa máxima se torna ainda mais verdadeira quando se trata de alcançar a aten-
ção (e a amizade) das crianças. Se para os adultos, o apelo comunicativo costuma ser
desencadeado a partir de elementos ou códigos já conhecidos, no caso da imagina-
ção infantil isso foge completamente à regra e ganha contornos de magia. Os olhos
das crianças mantêm canal direto com o coração, não esqueçamos. (Paixão in Po-
wers, 2008)

As capas fornecem informações seguras a respeito da identidade dos livros, justificando


nossa escolha: “no caso do livro ilustrado, ela pode servir de amostra das delícias que virão –
uma espécie de janela para um mundo interior, mas não necessariamente a mais rica delas.”
(Powers, 2008, p. 6)
A análise semiológica da capa é precedida por uma sinopse da história, e inclui também
considerações sobre o conjunto da obra, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimen-
to gráfico do livro – projeto gráfico, ritmo da diagramação, impressão e acabamento.
A sequência de apresentação das obras obedece a dois critérios – a classificação do artis-
ta e a ordem cronológica. Assim, em primeiro lugar, apresenta-se o conjunto de cinco obras des-
tacadas por Roger Mello, seguido pelos outros 15 livros. Dentro destes conjuntos, a sequência
de apresentação obedece à ordem cronológica de publicação da primeira edição. Esta sequên-
cia evidencia transformações na linguagem visual empregada pelo artista, notando-se uma
transição marcante ao final dos primeiros seis anos do período observado (1990-1995). Em al-
guns casos, há uma proximidade temática entre obras publicadas com anos de intervalo, sendo
tais casos apontados na análise.
As imagens são apresentadas na mesma escala (30% do tamanho original) para facilitar a
percepção das dimensões dos livros, bastante variadas.
118

#
5. Jardins

Livro ilustrado. Texto de Roseana Murray Criar um jardim é arrumar elementos da natureza
Rio de Janeiro: Manati, 2001 para produzir uma emoção plena, indecifrável.
20,5 x 26,5 cm, 32 p (texto de 4ª capa, sem assinatura)

Figura 14. Sobrecapa vazada Figura 15. Capa

Figura 16. 2ª capa e página 1


119

Figura 17

Figura 18

Figura 19
120

O título simboliza bem o que é este livro: jardins de palavras e imagens. A sensibili-
dade poética encontra-se plenamente concretizada em versos inspirados que se ajus-
tam (ou seria o contrário) às belíssimas e delicadas ilustrações de Roger Mello. É
uma combinação perfeita, resultando num projeto editorial primoroso para os leito-
res agradecidos com este objeto livro, embalado como se fosse um presente, encader-
nado e com fita colorida. (Pereira, Maria Teresa. Resenha. FNLIJ. Disponível online
em http://biblioteca.fnlij.org.br:81/pergamum/biblioteca/. Acesso em 26 fev. 2011.)

Criado em parceria entre a escritora Roseana Murray e Roger Mello, por ela convidado
para ilustrar seus poemas, este livro é como um jardim – lugar onde a natureza encontra a cul-
tura, despertando emoções em quem dele desfruta. A parceria entre Roseana Murray e Roger
Mello prosseguiu em outro livro, Desertos (2006), no qual a sequência de participação foi in-
vertida: primeiro Roger fez os desenhos, sobre os quais Roseana depois escreveu os poemas.
Escritora e ilustrador expressam seu apreço por jardins de maneiras distintas, em intera-
ções enriquecedoras. Roseana cria poemas sutis: “Flores passeiam / no azul do dia, / fabricam
coloridos / silêncios, / como se fossem lenços / de seda e ar.” ou “ Fiar auroras e sentimentos /
com as coloridas linhas do horizonte / e fazer um dia de flores e fontes.” Já Roger Mello cria ima-
gens polifônicas, a um só tempo vigorosas e delicadas, envolvendo o leitor em uma experiência
semelhante à que se tem ao passear por um belo jardim.
Ao primeiro contato com o livro, o leitor já recebe algumas informações significativas
pelo simples manuseio do objeto. Roger Mello projetou-o graficamente à moda de antigas pas-
tas de ilustração botânica: uma sobrecapa em papel vergé impresso em verde petróleo envolve
a capa, com abas dobradas que trazem fitas de cetim vermelho presas na metade da altura, na
primeira e quarta capas, de modo que fecha-se o livro atando as fitas num laço (fig. 14). Esta
sobrecapa contrasta o acabamento sofisticado com a singeleza de desenhos de árvores estiliza-
das, com troncos bastante alongados traçados em branco, terminando na parte superior em fo-
lhagens também alongadas, preenchidas por padronagem quadriculada em laranja. É um dese-
nho bastante esquemático, lembrando esboços feitos por ilustradores botânicos como
anotações de campo. No entanto, o naturalismo sugerido pela observância do sentido de cres-
cimento das árvores caminha para a geometrização, que se pode notar, além das folhagens qua-
driculadas, nos motivos que compõem os troncos das árvores: linhas paralelas e losangos repe-
tem-se formando uma padronagem vertical.
Partindo de uma concepção gráfica referenciado na tradição, o artista acrescenta-lhe sa-
borosos detalhes inovadores – três cortes de formato ovalado, lembrando folhas vazadas de cos-
121

tela-de-adão (Monstera deliciosa), deixam entrever a capa, brilhante e multicolorida. Estabele-


ce-se assim um jogo de planos sucessivos que remete ao tipo de experiência visual e sensorial
que se tem ao passear por entre as plantas de um jardim, onde as folhas em primeiro plano en-
cobrem parcialmente o restante da vegetação.
Manuscrito no mesmo tom laranja forte das folhagens, o título Jardins ancora a imagem,
direcionando a leitura visual para um sentido poético. Desenhar palavras integradas à ilustra-
ção é um recurso bastante empregado por Roger Mello, que reforça o caráter de “ingenuidade
cultivada” por oposição à tipografia composta em tipos industriais, criando interessantes efei-
tos de dinâmica visual. Especialmente neste livro, que mostra o par natureza/cultura, a combi-
nação de palavras manuscritas (título) e compostas (autora, ilustrador, editora) aponta para
esta dialética.
Em compensação, a capa não traz texto algum: é inteiramente ocupada por uma ilustra-
ção (que se repete no miolo – na página dupla 18-19 e na última página) mostrando uma exu-
berante vegetação, pintada em cores fauvistas – amarelo, verde, azul, roxo, branco, preto e cin-
za – sobre fundo vermelho escuro chapado, em composição que remete a Matisse (fig. 15).
Contrastando com as formas delineadas da sobrecapa, aqui as formas são fechadas, preenchi-
das por cores densas e opacas, em pinceladas que revelam a textura do papel. A composição
mostra uma interessante combinação de formas orgânicas que se repetem nas laterais em torno
de uma árvore central, sugerindo uma organização visual que caminha para o motivo da árvo-
re da vida, tão caro à tradição islâmica, amplamente empregado em tapetes, tecidos e painéis no
oriente – referências visuais que pontuarão todo o livro
O jogo de contrastes entre sobrecapa e capa multiplica-se em vários elementos: a textura
do papel vergé da sobrecapa contrasta com o verniz brilhante da capa; cores complementares
nos fundos – verde na sobrecapa, vermelho na capa; poucas cores na sobrecapa e muitas na
capa; composição relativamente “vazia” na sobrecapa e densa na capa; são várias construções
visuais que apontam para multiplicidade da natureza organizado pela ação humana – haveria o
princípio filosófico de physis e logos nestes Jardins?
Também no miolo do livro esta dinâmica permanece. Abrindo-o, a 2ª capa traz uma cha-
pada de cor no mesmo tom vermelho escuro do fundo da capa, assim como a página 1, destan-
cando-se no centro desta página a vinheta de uma pequena rã, desenhada em branco e verde,
com detalhes em preto (fig. 16). Esta página dupla funciona como um prelúdio silencioso que
antecede os próximos movimentos: ao longo do livro, ilustrações sangrando a página alternam-
122

se com ilustrações aplicadas sobre fundo de cor chapada, em diversas combinações que confe-
rem ao livro um ritmo variado e atrativo (figs. 17 a 19).
Roger Mello deixa espaços livres nas ilustrações, por onde brotam os poemas; em outros
momentos parece que as ilustrações é que crescem como bordados em torno das palavras (fig.
18). Por vezes, a experiência visual é tão intensa que sobrepuja os delicados poemas. São ima-
gens de cores vivas e variadas, de formas fechadas ou lineares – não há traços de contorno, mas
por vezes as próprias linhas formam figuras – contendo uma multiplicidade de detalhes que
lembram a arte popular, em pinturas naif e bordados, ou ainda os tapetes orientais (fig. 19). Al-
gumas cenas, aparentemente caóticas, não impõe um direcionamento estrito ao olhar, que pas-
seia livremente explorando detalhes que compõem um conjunto infindo. No entanto, esta mi-
ríade de informações visuais – assim como as plantas de um jardim – está seletivamente
organizada, sem que chegue a ser domesticada.

No Jardins há uma ilustração com milhões de passarinhos, e um menino me pergun-


tou: “Quantos passarinhos tem?” Então falei: “Se você me perguntou é porque con-
tou, não?” Ele disse que sim, então perguntei: “Quantos eram?” – eu até anotei isso.
Depois pensei: “Não sei como tive saco para fazer tantos!”, mas falo: “Ainda bem que
eu tive saco pra fazer isso!” Por isso mesmo guardo todos os meus desenhos, porque
sei que não os redesenharei. (Mello, 2003, p. 40)

O artista não desenha jardins à maneira realista, mas antes expressa em suas ilustrações
algumas representações mentais que funcionam como metáforas sobre o cuidado artesanal e
sensível no trato com a natureza (inclusive a humana) – por exemplo, o tema da árvore da vida,
importante nos tapetes orientais, transparece em muitas ilustrações (fig. 17). Assim, as figuras
denotadas – flores, árvores, folhagens, fontes, pequenos animais – afastam-se do figurativismo,
aproximando-se pela abstração gráfica do modo islâmico de pensamento visual.
Há também alusões aos pátios internos da arquitetura mourisca, ao artesanato, às vesti-
mentas e padronagens indianas e africanas (fig. 18). As cores, fortes e saturadas, aproximam-
se igualmente destes universos visuais: são laranjas, ocres, lilases, azuis cobalto, com contrapon-
tos em vermelho escuro, verde petróleo ou preto, conferindo ao livro uma atmosfera calorosa.
Paradoxalmente, em meio a tanta informação visual e cores vivas, a quantidade e a repetição de
detalhes funciona como um mantra visual, induzindo a uma experiência de aprofundamento
contemplativo – mais uma vez, aproximando-se da sensação de usufruir um jardim florido.
123

# 5. Meninos do mangue

Livro ilustrado Não necessariamente o [Meninos do] mangue é uma coisa que traba-
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2001 lha com o folclore – ele é um livro urbano mas, assim como o mangue-
19 x 27,5 cm, 72 p. bit, mistura o maracatu com o hip hop e outros ritmos. É também como
misturar visualmente uma referência; o artista popular se recicla, e o
folclore também, não é uma coisa parada [...] Eu queria justamente que
as imagens mostrassem um outro clima, [...] tanto é que as guardas do
[Meninos do] mangue são laranja cítrico, porque queria que as pessoas
já entrassem no livro sabendo que não é uma coisa melancólica, nem
saudosista. (Mello, 2003, p. 41)

Figura 20. Capa Figura 21. 2ª capa e página 1

Figura 22. Folha de rosto Figura 23


124

Figura 24

Com Meninos do mangue, Roger Mello inaugura uma linha temática tratando da vida de
meninos,11 que contará depois com outros personagens como João (2006), Zubair (2007) e os
carvoeirinhos (2009). Roger fala da vida no mangue, casa dos caranguejos e dos meninos:

Todas as crianças de todos os mangues, sem a menor cerimônia, fazem desses guar-
diães da maré o seu brinquedo favorito. Entre uma uma brincadeira e outra, elas ins-
piraram as nove novas histórias deste livro (Mello, 2001, p. 70).

O livro nasceu da combinação das memórias afetivas de Roger em relação ao mangue, que
conheceu bem na infância durante as férias passadas na fazendo do tio, e da experiência de fa-
zer a direção de arte do filme O ciclo do caranguejo, dirigido por Augusto Lachtermacher e ins-
pirado em crônica do falecido sociólogo Josué de Castro:

Sei apenas que há uma ponte que liga o sociólogo do mangue ao escritor-ilustrador
do cerrado. Ponte cheia de desvios, com caminhos que passam pela poesia de João
Cabral de Melo Neto,12 cruzam com a cultura dos emigrantes do sertão, eternos fu-
gitivos da seca, e convergem com os novos sons lançados pelo manguebit e suas re-
percussões em todo o mundo das artes (Lachtermacher in Mello, 2001, p. 68)

11 Embora em O último dinossauro (1994), Cavalhadas de Pirenópolis (1997) e A pipa (1997) já aparecessem me-
ninos, é a partir de Meninos do mangue que eles assumem papel central na narrativa.
12 Vide trecho de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, citado na página 5 do livro (fig. 23).
125

O livro é uma narrativa de encaixe: em paga de uma aposta, a Preguiça conta à Sorte oito
histórias onde uma delas apareça. As histórias se passam no mangue onde as duas foram pes-
car siri, e mostram a vida dos moradores do lugar, incluindo os doze meninos que dão nome ao
livro.
O texto é extenso, ocupando páginas inteiras, entremeado de vez em quando por vinhe-
tas que ocupam parte da mancha. Traçadas em preto com detalhes em vermelho sobre fundo
creme, as vinhetas seguem um estilo linear e econômico, completamente diferente das grandes
e coloridas ilustrações de página inteira sangrada que se distribuem ao longo do livro, acompa-
nhando o trecho da história que está sendo contado (fig. 24).
Estas ilustrações juntam pintura e colagem sobre fundo de plástico preto amassado, resul-
tando em artes-finais volumosas, que depois são fotografadas. A pintura, feita com tinta indus-
trial, revela a textura do plástico amassado e forma uma camada espessa que ao secar racha,
produzindo, junto com a colagem de sucata, um efeito que remete ao lixo e à lama dos mangues
urbanos: “a arte é dessa grossura assim, porque a base é toda com plástico, com lixo mesmo,
com tinta [...] látex à base de PVA fosca. Uso essa tinta porque ela permite trabalhar com lápis
e com giz de cera por cima, é ótima!” (Mello, 2003, p. 28)
De fato, neste livro a textura é o signo plástico que mais se destaca na veiculação de sig-
nificados – o efeito provocado pela técnica da pintura em grossas camadas sobre plástico amas-
sado reforça a sensorialidade tátil da lama do mangue e favorece a conexão empática do leitor
com o universo da narrativa.
Também as cores desempenham um papel importante na comunicação dos significados:
sobre os tons preto e cinza do fundo texturizado, que são também os da lama, as ilustrações des-
tacam-se em cores vivas que remetem à arte pop. O ilustrador emprega este efeito de contraste
cromático para deixar clara sua visão da vida dos meninos do mangue: unindo as culturas po-
pular e urbana, o livro “não é uma coisa melancólica, nem saudosista” (op cit, p. 41). Para afas-
tar qualquer semelhança com uma “estética da miséria” ou folclorização, o autor planejou a apli-
cação de um tinta luminosa laranja na 2ª e 3ª capas (fig. 21), que oferecem um contraponto
cromático ao fundo preto das ilustrações e reforçam a convergência entre tradição e moderni-
dade de que fala Lachtermacher, citando como exemplo o manguebit de Chico Science.
Observando as formas, nota-se que Roger Mello acentua o alongamento e a geometriza-
ção das figuras – personagens, vegetação, construções, objetos –, que ele já ensaiara em livros
anteriores. Mais do que uma evolução estilística, aqui nota-se uma sintonia com a situação re-
126

presentada: as palafitas e a vegetação apoiam-se sobre longas “pernas” para compensar a varia-
ção das marés.
Na capa (fig. 20) aparece parte de uma ilustração de página dupla (p. 38-39) que divide o
miolo em duas partes: Maré Alta e Maré Baixa. Na metade superior, a ilustração mostra palafi-
tas coloridas, de formato retangular, apoiadas em longas hastes que mergulham nas águas ne-
gras do mangue, que ocupam a metade inferior. O lixo que toma a superfície é representado por
colagem de fragmentos de papel e plástico. Barcos coloridos, pintados em tinta industrial racha-
da, são mostrados em vista aérea que contrasta com a vista frontal das palafitas, que se sucedem
em sobreposição vertical sem referência a qualquer tipo de perspectiva. Em meio à aparente po-
luição visual, pequenos detalhes se revelam: uma cadeira de tiras de plástico,13 um cartaz anun-
ciando “Vende-se caranguejo”, janelinhas com grades em arabesco, varais com roupas coloridas
secando, antenas parabólicas, uma parede pichada, uma porta aberta que deixa entrever uma
televisão sobre mesinha com toalha de crochê.
A ilustração ocupa toda a largura da capa e é complementada no alto e em baixo por fai-
xas horizontais em vermelho intenso, onde o título aparece escrito em preto, composto em ti-
pografia sem serifa e caixa baixa (“meninos” no alto, “do mangue” em baixo). Sobre a faixa su-
perior, uma outra faixa contém, à esquerda, um retângulo preto com 5 cm de largura que
mostra o logotipo da editora vazado em branco, e na largura restante, uma faixa cuja metade in-
ferior contém o nome do autor escrito em preto sobre fundo lilás encimada por uma faixa com
um fragmento da ilustração. Ao contrário das capas que trazem o texto manuscrito pelo autor
integrado à ilustração, aqui a composição apresenta-se menos integrada, pois as faixas verme-
lhas horizontais, enquadrando a imagem em cima e em baixo, criam uma moldura de isola-
mento entre imagem e texto.
Em compensação, ao longo do livro o autor emprega tipografias variadas para diferenciar
o texto que descreve as cenas vividas pela Sorte e Preguiça (sem serifa) daquelas narradas pelas
personagens (com serifa), marcando o início dos “causos” com títulos manuscritos. Esta mes-
ma tipografia é usada na folha de rosto (fig. 22), numa integração com os desenho bem mais
harmoniosa do que a que se apresenta na capa.
A primeira e a última páginas (fig. 21) mostram uma ilustração da história “Marias cata-
doras”, onde as personagens pescam siris no mangue. A cena é tomada por um emaranhado de

13 Vide observação sobre o interesse de Roger por cadeiras feita no item 1.1.3, p. 46.
127

raízes em tons de lilás acinzentado, cor da lama ao secar. As formas são fechadas, sem contor-
no. No entanto, um contorno preto acaba sendo visualmente composto quando o ilustrador dei-
xa uma reserva de afastamento entre uma raiz e outra, por onde aparece o fundo preto. Com
este recurso, percebe-se a sobreposição das raízes em vários planos, diferindo das ramificações,
onde as linhas se encostam.
Nas roupas das Marias, padronagens em delicados desenhos misturam-se a fragmentos
de papel impresso com linhas paralelas de códigos de barra. As fisionomia são estilizadas, com
olhos e nariz apenas sugeridos por ligeiros traços em preto, que confundem-se com o fundo
preto.
As páginas 2-3 (fig. 22) mostram desenhos traçados em branco sobre fundo preto chapa-
do, com linhas que deixam transparecer a textura do papel. São caranguejos, raízes e persona-
gens em atividade no mangue – um, agachado, cata caranguejos na lama; outro retira da água
um puçá com um caranguejo preso; o terceiro carrega nos ombros uma vara com siris presos nas
duas extremidades – formando um léxico das histórias. Estes cinco desenhos se multiplicam
ocupando as duas páginas sem seguir um padrão de repetição. Deixam um espaço livre no cen-
tro da página 3, onde ao título manuscrito seguem-se a indicação de autoria, o logotipo da edi-
tora e o selo da FNLIJ, também vazados em branco.
As páginas 4-5 têm fundo chapado em cyan escurecido, onde uma carreira de 12 meni-
nos corre em disparada de uma extremidade a outra. São figuras estilizadas, alongadas, lem-
brando desenhos rupestres. Na metade inferior da página 5 (fig. 23), um poema de João Cabral
de Melo Neto retirado de Morte e vida severina fala de meninos vivendo no mangue, em meio
a aratus, goiamuns e caranguejos. Depois, uma página dupla em branco com pouco texto – de-
dicatória, sumário, lista de prêmios – cria uma pausa visual que antecede a abertura da história,
com uma ilustração em página dupla mostrando os meninos chegando em disparada ao man-
gue com seus puçás.
O livro ganhou importantes prêmios nacionais e internacionais, e foi selecionado pelo au-
tor como uma de suas cinco mais expressivas obras para constar no dossiê do prêmio Hans
Christian Andersen (Anexo B), onde pode-se ler também a opinião da escritora Ana Maria Ma-
chado: “De saída, eu diria que tem dois [autores brasileiros] maravilhosos: Adriana Falcão e Ro-
ger Mello. Meninos do mangue, de Roger, é uma obra-prima”.
128

#
5. Nau Catarineta

Livro ilustrado Sempre quis ver a minha versão dessa importante festa popular e do seu
Rio de Janeiro: Manati, 2004 texto. Algumas pessoas já trabalharam esse tema, mas eu queria criar a mi-
22 x 30 cm, 40p. nha leitura visual, já que, na medida do possível, estou preservando os tex-
tos. Faço uma colagem dos textos, desde a versão de Garret, até os textos
que ainda são brincados pelo país. Eu vi a festa quando era criança e fiquei
muito impressionado, mas não tinha contato freqüente com essa festa.
(Mello, 2003, p. 26)

Figura 25. Capa Figura 26

Figura 27.
2ª capa e
página 1
129

Figura 28

Figura 28 Figura 30

Nau Catarineta é o quarto livro ilustrado de Roger Mello inspirado na cultura popu-
lar brasileira, especialmente as festas. Os três livros anteriores – Maria Teresa (2006), Bum-
ba meu boi Bumbá (2006) e Cavalhadas de Pirenópolis (1997) – haviam alcançado tamanha
repercussão positiva que Roger Mello relata ter sentido o peso de tornar-se um autor “ro-
tulado” como folclorista. Assim, embora continuasse interessado na cultura popular, fez um
130

intervalo de sete anos entre a publicação de Cavalhadas de Pirenópolis (1997) e a de Nau


Catarineta (2004), onde retoma a temática das festas populares.
Este livro nasceu também de um contato prévio com a festa durante a infância, que o im-
pressionou vivamente: “[...] eu queria ver isso num livro. Por isso é que eu fiz, porque era bom
de ilustrar mesmo, eu tinha vontade de desenhar aquilo, um marinheiro que virava um demô-
nio aos poucos e aqueles bichos todos do mar.” (Mello, 2010)
O autor empreendeu uma longa e aprofundada pesquisa sobre a narrativa, até chegar à
sua própria versão. Sobre a versão de Roger Mello, o poeta e editor Alexei Bueno escreve na
quarta capa do livro:

Um alongada pesquisa, em várias manifestações folclóricas no vasto mundo lusófo-


no, conduziu Roger Mello à excelente versão dramática deste livro. Trabalho seme-
lhante, de reinterpretação de muitas vertentes da nossa arte popular, serviu de inspi-
ração para as suas maravilhosas ilustrações, que fazem deste álbum uma festa para
os olhos e para a alma, uma celebração obrigatória para os que se interessam, em
qualquer idade, pelas nossas mais fundas e autênticas raízes. (Bueno, 2004, 4ª capa)

Nau Catarineta é um poema trágico-marítimo da tradição popular portuguesa que fala de


sentimentos impregnados no imaginário daquele povo. Na história, a Nau Catarineta fica per-
dida no mar durante uma longa calmaria, e a tripulação tem que lidar com situações dramáti-
cas – deflagradas pelo medo, a solidão, a saudade, a fome, o desespero – que culminam no en-
frentamento mortal entre o Capitão e o demônio. Chegando ao Brasil, a Nau Catarineta passou
a ser encenada em festas populares de inspiração marítima. Os homens vestidos de marinhei-
ros cantam os versos do poema e desfilam pelas ruas, dançando e imitando o movimento das
ondas, até chegarem ao palco em forma de barco, montado no local que será o centro da repre-
sentação.
Neste livro, mais uma vez o artista emprega as cores vibrantes características de sua pa-
lheta – aqui, laranja, ocre, vermelho, verde escuro, magenta, com detalhes em amarelo, cyan,
preto, branco, roxo – em combinações contrastadas colorindo cenas construídas em perspecti-
va naïf. Porém, esta narrativa visual traz ainda outros elementos singulares da arte popular,
principalmente referências a tábuas votivas sobre naufrágios, do século XVIII, e a obras do ar-
tista popular Nhô Caboclo,14 expostas no Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro.

14 Artista ingênuo nascido no interior de Pernambuco em data incerta, desde pequeno produziu objetos a partir
do barro e dos mais inusitados materiais, como a barba-de-bode e a mandioca linheira. Adulto, Nhô Caboclo
131

Destacam-se as falas dos personagens, em tipografia manuscrita em preto, com detalhes


como capitulares e pontuação em quadrados vermelhos, aplicadas dentro de balões amarelos de
formas sinuosas que se irradiam a partir da boca de quem fala (fig. 27). Este recurso, emprega-
do em desenhos religiosos medievais, deu origem aos diálogos dentro de balões típicos dos qua-
drinhos – e aqui Roger Mello agrega elementos da cultura europeia tradicional e da cultura po-
pular brasileira.
A capa (fig. 25) mostra a metade direita de uma ilustração sangrada que continua à es-
querda, passando pela lombada e ocupando também toda a quarta capa. Na cena aparecem os
marinheiros embarcados na Nau Catarineta, em perspectiva frontal, sem ponto de fuga, com li-
nha do horizonte média delimitada pelo que seria a linha d’água. Porém, ao contrário de Maria
Teresa, não se vê na parte inferior uma representação visual correspondente ao elemento água,
mas sim a uma água cênica, formada por linhas paralelas horizontais levemente sinuosas e mul-
ticoloridas em amarelo, preto, vermelho e magenta, cruzadas na vertical por linhas verdes e
pontuadas por detalhes em cores contrastantes – azul, preto e branco – numa composição que
sugere uma padronagem têxtil. Este elemento guarda uma sutil significação, que Roger Mello
descreve:

[...] por exemplo, na Nau Catarineta eu não coloquei mar. Não tem mar: tem peixes
e um elemento quase sólido que sustenta aquela barca, como se fosse um pano de
mamulengo mesmo. Mas aí esses módulos, que no início são peixinhos coloridos,
peixinhos de recife, vão mudando de coloração à medida em que o barco vai entran-
do no fundo do mar; aí não tem tanto sentido ser colorido, não tem tanta influência
do sol. Os peixes de fundo de mar, das correntezas, não são mais coloridos, são nor-
malmente peixes cinza em cima, branco embaixo, por causa de camuflagem. Então é
um subtexto que eu vou criando – que eu não escrevo no texto também – até chegar
aos peixes abissais. (Mello, 2010)

Acima da linha d’água, vê-se o casco da Nau Catarineta em forma simplificada, pintada
de verde escuro chapado, com discreto sombreado em preto na parte inferior. Sobrepostos ao

mudou-se para Recife, passando a trabalhar basicamente com madeira e sucata. Suas composições privilegiam
o movimento, em obras em que os diversos elementos perseguem o equilíbrio, explorando principalmente a te-
mática marítima, com navios de guerreiros e escravos acorrentados. Grande parte de suas obras fazem parte do
acervo do Museu Casa do Pontal, um importante museu de arte popular criado por Jacques van de Beuque no
Rio de Janeiro, que mostra obras de cerca de 200 artistas como Mestre Vitalino, Manuel Eudócio, Noemisa, An-
tonio Porteiro, Adailton Lopes, Mestre Didi. São cerca de 8.000 peças de arte popular brasileira, entre escultu-
ras, bonecos, entalhes, modelagens e mecanismos articulados. Mais informações podem ser consultadas em
http://www.museucasadopontal.com. br/museucasadopontal/htdocs/site.asp?lng=1. Acesso em 12 jan. 2011.
132

casco aparecem remos, boias e uma faixa retangular amarela onde se lê “Nau Catarineta” escri-
to em preto, com pequeno quadrado vermelho sob o primeiro A.
Ao longo da extremidade superior do casco estão sete marinheiros enfileirados, portan-
do espadas desembainhadas e olhando para a direita, na direção do Gajeiro. São figuras estili-
zadas, em forma sinuosa e alongada, sem feições. Vestem o mesmo uniforme composto por cal-
ças azuis em matizes variados, camisas brancas com lenço azul nos ombros, presas por cintos
de cores variadas (amarelo, vermelho e verde) e quepes brancos. Seus rostos têm cores que de-
monstram etnias variadas, indo do rosa ao marrom em diversos tons. Enquanto seus corpos são
mostrados em vista frontal, percebe-se que os rostos estão voltados para a direita pelo detalhe
dos cabelos pretos, que ocupam sua parte esquerda.
Nota-se a tensão dramática da cena: os marinheiros, particularizados por etnias e cintos,
formam um grupo unificado pelo figurino e pela postura corporal, voltado em ameaçadora ex-
pectativa para o Gajeiro. Este dúbio personagem (que no decorrer da história revela ser o de-
mônio) está agachado no topo do mastro de observação, que fica na extremidade direita da nau,
logo depois do farol – uma linha vertical quadriculada de preto e branco encimada por uma
lanterna. Também desenhado em anatomia estilizada, veste uniforme diferenciado e tem feições
maléficas. Ao invés de olhar para a frente, segura uma luneta apontada para baixo e olha para
trás, para além dos marinheiros, para um ponto situado fora da cena: na parte da ilustração que
continua na quarta capa, vê-se na popa da nau o Capitão, ajoelhado em posição defensiva.
Este enquadramento situa o clima de temor expectante que domina a história, onipresen-
te e indistinto. Este clima é reforçado pela cor do céu que ocupa a parte superior da cena, um
amarelo ocre chapado. É um tom de amarelo – cor quente e luminosa – que, misturado ao pre-
to, caminha para polaridade oposta.15 Pode-se fazer uma análise de significados em duas cha-
ves diferentes: denotativamente, seria o tom da luminosidade de um céu tomado de nuvens car-
regadas que precede uma tempestade; conotativamente, poderia simbolizar degeneração e
desespero. Uma leitura simbólica associa o amarelo, cor da luz solar intensa, à essência divina,
tendo por oposto e complementar o negro das profundezas ctonianas, separados no momento
da diferenciação do caos primordial. O escurecimento do amarelo indicaria uma situação onde,
“esquecido o amor divino, chega o enxofre luciferiano” (Chevalier & Gheerbrant, 2007, p. 41).

15 Ver PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009, principalmente o capí-
tulo “A natureza da cor e sua ação psíquica, simbólica e mísitca”, p. 96-115.
133

Ao abrir o livro, tem-se um contraste cromático e de enquadramento: a 2ª capa é impres-


sa em chapada de laranja luminoso e a página 1 é tomada por uma enorme figura feminina que
enche a página (fig. 27). Vestindo lenço multicolorido, blusa preta e saia de retalhos marrons, seu
perfil se recorta sobre um cenário ocupado por céu verde escuro na metade superior e, na meta-
de inferior, por um mar de águas em dois tons de azul, em faixas horizontais paralelas entremea-
das por ondulações negras e semicírculos multicores. Uma amurada branca decorada com uma
pinha se interpõe entre os dois planos da cena. De perfil, voltada para margem direita (externa)
do livro a mulher pronuncia versos de despedida escritos dentro de faixas amarelas.
Somente ao fim do livro seu interlocutor é revelado: na última página, um marinheiro re-
tribui a despedida declarando seu amor e desejo de retorno. A composição é simétrica: voltado
para a margem esquerda, ele agita um lenço com a mesma padronagem do da mulher. O cená-
rio é o igual, porém no lugar da amurada vê-se a balaustrada de madeira da nau em primeiro
plano, que sublinha a separação espacial do casal.
A oposição verde escuro-laranja repete-se nas páginas 2-3 e 4-5. Esta última (fig. 26) apre-
senta a tripulação da Nau Catarineta, com os personagens recortados sobre fundo chapado ver-
de escuro e seus nomes compostos junto de cada um.
Nas páginas 6-7 (fig. 28) acontece a apresentação da festa: acompanhado pelo povo, o cor-
tejo de marinheiros desfila por um cenário em composição naif, onde a profundidade é sugeri-
da não por perspectiva em ponto de fuga mas por uma diminuição das figuras humanas mais
afastadas do primeiro plano. Molduras de casinhas multicoloridas, com letreiros como “Sapatos
Dulac”, “Aviamentos Bozó” ou “Spiasó Lanches Salgados”, reproduzem a arquitetura de cidades
do interior brasileiro. Também esta cena repete-se simetricamente nas páginas finais, porém a
rua já está quase vazia e um marinheiro retardatário arrasta um pequeno barco com rodinhas
onde se lê “Nau Catarineta”, deixando atrás de si bandeirinhas coloridas caídas pelo chão.
Ao longo do livro, os versos aparecem em composições que alternam cheios e vazios: ora
as páginas apresentam ilustrações sangradas, totalmente tomadas por detalhes de colorido for-
te e variado (fig. 30), ora apresentam solitários marinheiros recortados sobre fundo de cor cha-
pada (fig. 29). Este ritmo parece contrapor o barulho coletivo da festa ao silêncio isolado do
mar, oferecendo ao leitor uma possibilidade de leitura em duas camadas.
O livro ganhou edição belga em francês, conquistou importantes prêmios nacionais –
como o de Melhor Ilustração da FNLIJ – e foi selecionado pelo autor para constar no dossiê do
prêmio Hans Christian Andersen como uma de suas cinco mais expressivas obras.
134

#
5. João por um fio

Livro ilustrado
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2005
22,5 x 15,5 cm, 48p.

Figura 31. Capa

Figura 32.
Guarda

Figura 33

Figura 34

Figura 35
135

João por um fio é outro dos livros de Roger Mello que tem um menino por protagonista.
A história se passa à noite, quando João enfrenta seus temores noturnos protegido por uma col-
cha. Filho de pescador, João conhece a arte de tecer fios e palavras, da qual lança mão quando
sua colcha protetora se rompe. A história apresenta as muitas dúvidas que João vai desfiando ao
longo da noite– como uma Penélope desfazendo na escuridão as certezas do dia.
Assim como artesãos do mundo inteiro que criam peças intrincadas – redes de pesca, bi-
lro, crochê, frivolité, renascença, labirinto, etc. – contando apenas com linha, habilidade e sen-
sibilidade, Roger Mello traça uma narrativa visual sofisticada empregando recursos econômi-
cos. As elaboradas ilustrações foram desenhadas com caneta esferográfica e lápis sobre papel
comum, e depois xerocadas em negativo sobre papel branco ou vermelho.
Suas linhas traçam bordados sobre fundos chapados, de cores também econômicas: dese-
nhos brancos, pretos ou vermelhos alternam-se sobre fundos nos mesmos tons. Assim como
nas rendas, as formas das ilustrações são sempre abertas, sendo exceção as pequenas silhuetas
do personagem enredado em suas tramas.
A capa (fig. 31) é um exemplo acabado da linguagem visual do livro, onde poucos ele-
mentos, em composição e linguagem singelas, comunicam uma apla gama de emoções e signi-
ficados. Traçada em branco sobre o fundo chapado de vermelho, delineia-se a silhueta de João
fugindo de ondas negras que explodem no canto superior direito, segurando o fio rumo à segu-
rança de sua colcha branca, na margem inferior esquerda, oposta diagonalmente às ondas.
A tensão entre ameaça e abrigo representados por estes dois elementos evidencia-se por
meio das cores e suas associações simbólicas em nossa cultura (preto, escuridão, luto; branco,
luz, paz);16 por sua oposição espacial nas diagonais opostas do livro; bem como por suas formas
– as ondas são desenhadas em curvas retorcidas que multiplicam-se desordenadamente, ao pas-
so que a colcha tem traços leves, retos e curtos, dispostos organizadamente em torno de um eixo
de simetria. A construção visual desta figura, no entanto, não aponta inequivocamente para
uma colcha, que representaria um “porto seguro” para as angústias do protagonista – ela pode
também remeter à figura de um peixe, elemento que ao longo da história vai desestabilizar a frá-
gil segurança conquistada pelo menino no abrigo da colcha.
Entre estes dois extremos, balança-se João, solto no ar, como se pode perceber por sua
postura corporal: com as pernas lançadas para cima e a cabeça voltada para o canto inferior es-

16 Ver PEDROSA e CHEVALIER&GHEERBRANT, op cit.


136

querdo, seu corpo arqueia-se num ângulo de aproximadamente 30º a partir do eixo horizontal
formado pelas margens da capa, enquanto que os braços estendem-se curvados à frente da ca-
beça segurando a ponta de um fio que termina no canto superior esquerda da página, acima da
colcha e em frente às ondas.
Um marcador de página de barbante, fixado na lombada do canto superior do livro exa-
tamente na direção onde termina (ou começa?) a linha que João segura, propõe um jogo entre
realidade e representação: o fio vira desenho, ou será o contrário? Na ponta do fio, está preso
um pequeno peixe de papel, propondo outra brincadeira que remete ao momento culminante
de uma pescaria, quando o peixe morde a isca e fica preso no anzol – é João quem puxa o pei-
xe, ou o peixe é quem puxa João? Este recurso lúdico e relativamente singelo exerce um efeito
muito atrativo sobre os leitores, conforme o próprio autor relata ter tido a oportunidade de
constatar junto ao público (Mello, 2010).
Destaque-se ainda que o enquadramento isola João como único elemento centralizado e
inteiramente contido na capa; enquanto que, tanto as ameaçadoras ondas escuras quanto a dú-
bia colcha branca estendem-se imprecisamente para além das margens, reforçando a impressão
já conferida pela diferença de tamanhos (a figura do menino ocupa muito menos espaço do que
os outros dois elementos da ilustração) da fragilidade do personagem face às forças avassalado-
ras que enfrenta.
A capa mostra ainda título e nome do autor manuscritos, integrando-se à ilustração e dis-
postos em paralelo ao ângulo da figura do protagonista, o que reforça o sentido de movimento
na composição. Por todos estes elementos apontados, nota-se na capa uma síntese visual da ten-
são dramática que se desenrolará ao longo de toda a narrativa.
O livro tem encadernação em capa dura com laminação fosca, efeito nobre que oferece
um interessante contraste com a simplicidade do desenho a duas cores. A guarda mostra uma
rede de pesca ou colcha, delineada em branco sobre fundo vermelho, em cuja trama pode-se ver
a silhueta de peixinhos, duas conchas, uma aranha, duas libélulas, três bolinhas dentro de um
pote de vidro e um caminhão de brinquedo – seriam os tesouros de João? Esta guarda nos con-
vida para um mundo íntimo, onde o menino vive seus sonhos e angústias (fig. 32)
Apesar de o interesse de Roger Mello pela arte popular brasileira, evidenciado em nume-
rosas obras anteriormente publicadas, poder apontar para uma associação dos desenhos com as
rendas do nordeste, as tramas são parte da cultura universal. O autor conta que a ideia da histó-
137

ria já existia, mas se concretizou quando ele conheceu as ilhas Uros,17 no lago Titicaca, Peru
(Mello, 2010), para cujas crianças dedica o livro (p. 9).
Logo depois da dedicatória, a história se inicia com uma pergunta, composta em tipogra-
fia manuscrita preta, único elemento na página dupla: “Antes de dormir o menino puxa a cober-
ta: / — Agora sou só eu comigo?”. A esta pergunta do menino João seguem-se muitas outras que
permanecem em aberto, à espera da participação do leitor, que nela poderá tecer seus próprios
fios: “Se João cai no sono, com que paisagens ele sonha? Rios macios? Lençóis d’água? Lagoas?
Represas? Sonhos molhados de medo? E se o medo derrama, João é que abre a torneira?” (2005,
p. 24).
A sucessão de perguntas mostra os temores que assaltam João, e as maneiras que encon-
tra para afastá-los. Os desenhos da colcha rendada acompanham as mudanças de situação, in-
corporando em sua trama motivos diferentes: peixes e estrelas-do-mar quando o menino se dei-
ta, estrelas e lua quando ele recebe o beijo da noite, figuras humanas tipicamente andinas e
desenhos geométricos acompanhando o fio de uma cantiga (fig. 33), uma cordilheira de mon-
tanhas sacudidas pelo gigante João que assusta pessoas diminutas, ondas do mar revolto onde
vai pescar o pai (fig. 34), criaturas marinhas no lago redondo feito de medo que inunda o col-
chão, um peixe que fura a rede provocando um furo que engole tudo e deixa João só no vazio.
Neste momento, a colcha se desmancha e João tece outra com as palavras que encontra espa-
lhadas pelo chão (35). É uma ilustração de construção elaborada, por meio de palavras dese-
nhadas, que seguramente representou um desafio para a edição francesa da obra – o livro con-
quistou importantes prêmios e foi traduzido e publicado na França como Jean fil à fil (Nantes,
France: Éditions MeMo, 2009).

17 Estas ilhas são estruturas artificiais, que os habitantes locais constroem com fibras de totora, em tradição que
remonta à era pré-colombiana.
138

#
5. Carvoeirinhos

Livro ilustrado.
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2009
27 x 22 cm, 60 p

Figura 36. Lâminas


em pop up no miolo
do livro

Figura 37. Capa

Figura 38
139

Figura 39

Figura 40 Figura 41

Carvoeirinhos conta a história de um menino carvoeiro, narrada por um marimbondo:

De forma poética e original, a história do menino carvoeiro é narrada por um inusi-


tado narrador: um marimbondo. Ao mesmo tempo que vai relatando a suas próprias
experiências, ele observa o cotidiano do menino: o árduo trabalho de fazer os fornos,
as conversas com outro menino, a necessidade de escapar dos fiscais. As expressivas
ilustrações do autor captam com sensibilidade e força a vida dura e cinzenta desses
pequenos trabalhadores.18

É o terceiro livro de Roger Mello enfocando a vida de um menino, onde novamente os


animais desempenham papel importante. Desta vez, é um marimbondo que narra os aconteci-
mentos – tanto da vida do menino quanto da sua própria. O autor apresenta, logo no início do

18 Sinopse do livro constante do site da editora Cia das Letras. Disponível online em http://www.
companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=40568. Acesso em 16 out. 2010.
140

livro, uma interessante via de aproximação entre dois mundos tão distintos: as casas do marim-
bondo e do menino têm a mesma forma, em posição invertida – a do primeiro presa no teto,
a do segundo crescendo do chão.
O marimbondo vai explicando que casas são essas: a sua é na verdade um ninho; a do me-
nino é na verdade a casa do fogo, um forno de tijolo e barro onde se faz o carvão.
A história se desenrola em ambientes marcados por contrastes entre escuridão e luz: car-
vão, cinzas, aço, noite; fogo, fornalha, brasa, faróis, ferrão, vaga-lume. Os dois meninos da his-
tória (menino e Albinho) mostram o contraste na pele: Albinho é assim batizado pelo marim-
bondo por ser albino, de pele muito branca. Este contraste acontece também entre o que está
claro e o que está oculto: trabalhadores na carvoaria, os meninos têm que fugir dos fiscais que
supostamente deveriam protegê-los.
A história não toma partido nem julga, apenas mostra habilmente a dubiedade de uma si-
tuação complexa, onde o menino consegue, apesar de tudo, ser um menino: pilota um carrinho
de mão como se fosse uma Ferrari, brinca de pegar com o amigo, faz estragos, pula e corre pe-
las pilhas de carvão, se arrisca em escaladas audaciosas, viaja escondido na caçamba de um ca-
minhão, explora um lugar desconhecido, brinca com caixinhas e insetos, derruba a casa do ma-
rimbondo, leva uma ferroada.
Há ainda os contrastes entre os mundos de adultos, crianças e animais: compartilhando o
mesmo tempo e espaço, vivem de maneiras próprias, segundo suas naturezas, e as interações
entre eles muitas vezes são problemáticas.
A narrativa visual está em plena sintonia com a história. Assim com em Meninos do man-
gue, além do desenho e da pintura, aqui Roger explora colagens de materiais que remetem às
texturas dos ambientes retratados – como fumaça, poeira, carvão, barro (fig. 39). Usa também
colagem de fragmentos de imagens impressas, como pilhas e sacos de carvão, o boné xadrez do
menino, as roupas de couro dos fiscais, os detalhes do corpo do marimbondo (ferrão, asas,
olhos, fig. 41).
Porém, neste livro, a cor é o elemento da linguagem visual que mais se destaca. Roger pla-
nejou o livro em duas gamas de cor: neutros e escuros – pretos e cinzas do carvão, das cinzas,
da fumaça; e quentes e luminosos – vermelhos, laranjas e magentas do fogo, da brasa, dos fa-
róis. Os tons de preto, impressos em tinta comum, oferecem um contraste extremo para os tons
quentes, impressos em tintas especiais luminosas, em três tintas diferentes – magenta, coral e
laranja.
141

A capa (fig. 37) sintetiza o ambiente denso e desolado onde se desenrola a história dos
carvoeirinhos, mostrando a silhueta de uma carvoaria recortada em preto contra um enorme
céu cinzento cheio de densas nuvens, que dominam a cena ocupando quase 90% da altura da
página.
A estreita faixa preta horizontal na parte inferior da capa sugere uma linha do horizonte
baixa, onde dois meninos correm empurrando um carrinho de mão entre fornos de carvão, re-
presentados como três semicírculos agrupados à esquerda e dois à direita. Dos fornos emanam
as nuvens de fumaça que sobem preenchendo o céu com texturas variadas – algumas são de pa-
pel amassado, outras de papel texturizado, outras revelam grossas pinceladas. As formas são fe-
chadas, sinuosas, opacas, sobrepondo-se umas às outras.
Sob este céu denso e opressivo as duas figuras diminutas quase que se confundem com o
cenário monocromático, em preto e gradações de cinza, onde se destacam as labaredas em tin-
ta luminosa laranja e magenta que se projetam do forno localizado na extrema esquerda da
capa.
Um pequeno triângulo em laranja luminoso sobreposto à silhueta do forno sugere a aber-
tura que é a origem das chamas, duas formas alongadas com pontas triangulares que se proje-
tam para o alto, criando, pelo contraste cromático extremo, um foco de interesse para onde con-
verge o olhar, e que vem a ser o elemento central da narrativa em torno do qual sucedem-se as
ações da vida dos meninos – o fogo.
A proporção exagerada entre o ambiente e as figuras humanas, bem como o código cro-
mático onde predomina o cinza da fumaça e da poeira dos fornos de carvão, comunica bem a
opressão que o trabalho desumano exerce sobre as crianças, ainda que em nenhum momento
da narrativa verbal o autor emita julgamentos ou opiniões sobre tal situação.
O titulo e o nome do autor são compostos com discrição, em tipografia sem serifa e cai-
xa baixa sobre uma área reservada dentro de uma nuvem. Há uma interessante gradação de co-
res nas letras da palavra-título, mostrando no sentido da leitura a variação que vai do preto da
carvão apagado ao laranja luminoso da brasa acesa: o “c” inicial, em preto, fica dentro da área
mais clara formada pela interseção de duas nuvens, assumindo o destaque de uma capitular; as
letras a seguir “arvoei” seguem em preto; as três letras seguintes (“rin”) vão em degradê de cin-
za escuro para mais claro; e as letras finais em tons quentes e progressivamente mais luminosos
– “h” em magenta escuro, “o” em coral, “s” em laranja.
142

Além do jogo com as cores do carvão sendo aquecido, esta composição cria uma dinâmi-
ca visual entre o “s” luminoso laranja, à direita, e as chamas do forno à esquerda, introduzindo
um contraponto cromático que torna o conjunto mais equilibrado.
As cores quentes se destacam por contraste extremo sobre fundos escuros ao longo de
todo o livro, de onde se pode destacar alguns exemplos que exploram ao máximo a dramatici-
dade deste efeito. Na primeira metade do livro, o menino brinca de perseguir Alvinho dispu-
tando um cigarro, até que na confusão a brasa cai sobre o mato seco. Eis que surgem da escuri-
dão labaredas flamejantes: Roger planejou facas especiais em formato de línguas de fogo,
montadas na costura da lombada do livro, que se projetam para fora e para cima quando se abre
a página, num efeito de pop-up (fig. 36).
Mais adiante, quando o menino explora escondido uma siderúrgica, tem-se a nítida sen-
sação do calor flamejante das fornalhas e do metal derretido (fig. 39)
Também os enquadramentos reforçam momentos dramáticos da narrativa, com planos
fechados em detalhes que deixam o restante da imagem subentendido fora da cena, como o me-
nino em fuga ou os fiscais sem rosto. Há ainda a ilustração que acompanha o momento em que
o caminhão levando o menino figitivo cruza na estrada com o carro da fiscalização que leva o
outro preso: caminhão e carro viram brinquedos na mão do menino (fig. 40).
Para reforçar a aspereza do carvão (e da vida do menino), Roger havia planejado utilizar
um papel sem cobertura, do tipo offset, bem fosco – o mesmo empregado em João por um fio.
Porém, a prova de impressão revelou uma ingrata surpresa: o papel offset é bom para a impres-
são do preto fosco, mas absorve a tinta e apaga a luminosidade das cores especiais. Assim, Ro-
ger e a produção gráfica chegaram a um consenso, optando pelo papel couché matte, que tem
uma camada de gesso que impede a excessiva absorção da tinta e evita o embotamento as cores
– melhor manter o fogo brilhando ainda que a textura áspera do carvão saia prejudicada.
Para finalizar, um cuidado a mais na encadernação: o livro foi publicado em duas versões
– uma em capa dura,19 mais cara e rara, e outra em brochura, mais barata e comum. Este livro
representa um exemplo de produção gráfica ousada, que contorna obstáculos em parceria com
o designer e consegue chegar a uma solução favorável, valorizando o produto final.

19 Não é a toa que o nome da empresa onde Roger é sócio de Graça Lima e Mariana Massarani se chama “Capa
dura em Cingapura”: só mesmo imprimindo na China para conseguir livros infantis em capa dura com preços
de capa viáveis.
143

A flor do lado de lá

Livro de imagem
Rio de Janeiro: Salamandra, 1990. São Paulo: Global,1999
Atualmente na 7ª edição (2008)
20 x 20cm, 32 p.

Figura 42 Figura 43

Figura 44

Figura 45
144

A flor do lado de lá foi o primeiro livro publicado por Roger Mello, em 1990, e continua
sendo publicado e vendido até hoje, estando na 7ª edição. Esta narrativa por imagens mostra as
emoções e tentativas de uma anta para se aproximar da flor que ama.
No plano figurativo, nota-se as escolhas do artista por animais da fauna brasileira: além
da anta, há um boto cor-de-rosa, uma baleia e um siri.
Utilizando recursos do cartum de estilo realista, o autor consegue transmitir uma diver-
sificada gama de emoções humanas aos personagens animais, que preservam traços típicos de
suas anatomias. Exceto pelo siri, os personagens têm olhos antropomorfizados, em formato re-
dondo e encimados por cílios, que expressam emoções humanas.
Notadamente na protagonista, a expressão fisionômica aliada à linguagem corporal trans-
mite claramente ao leitor o reconhecimento e a empatia com as emoções por ela vividas: há en-
tusiasmo, sedução, espera, decepção, susto, desespero, saudade, tristeza.
O tratamento da cor é essencialmente realista, sendo ressaltada como recurso narrati-
vo em algumas imagens, como as nuances de azul intenso do céu em noite de lua cheia e da
luz azulada das profundezas submarinas (fig. 45). Nas duas cenas, a cor funciona como re-
curso narrativo, destacando o desamparo da personagem face à inexorabilidade e vastidão
da natureza.
Em outra cena, onde a anta é salva do afogamento pelo boto, a cor desvia-se do realismo
para sublinhar a transição de uma iminente tragédia em pura celebração da vida: o céu de puro
amarelo, sobre águas azul-turquesa de onde salta triunfante e brincalhão o boto cor-de-rosa, en-
che a página dupla (fig. 44).
Ainda a respeito das cores, cabe destacar a alternância de páginas duplas em cor e em pb
(fig. 43) ao longo do livro. Ao contrário do que os leigos poderiam supor, este não é um recur-
so narrativo do autor, mas sim uma especificação técnica da editora para baratear os custos de
impressão, comum na época da primeira edição – impressão 4/1, um código que significa im-
primir a 4 cores (CMYK) em um lado do papel e em 1 cor (geralmente preto) do outro. A nova
edição manteve este tipo de impressão – que caiu em desuso pela evolução das técnicas de im-
pressão – já que para imprimir a 4/4 cores seria necessário colorizar as ilustrações criadas ori-
ginalmente em pb.
Em compensação, fez alterações sutis que favoreceram muito o livro: o acabamento pas-
sou de verniz brilhante para laminação fosca e a montagem passou de grampo canoa para lom-
bada quadrada.
145

O gato Viriato

Livro de imagem
Rio de Janeiro: Ediouro, 1993
13,5 x 20,5cm, 32 p.

Figura 46 Figura 47

Figura 48 Figura 49

Figura 50 Figura 51
146

Este livro narra por imagens as peripécias vividas pelo gato Viriato, um vira-lata cinzen-
to, em quatro histórias curtas que misturam humor e singeleza: “O pato” (10 p.), “Um vaso lou-
co” (6 p.), “Fazendo arte” (6 p.) e “O encontro” (7 p.). Inocente e aventureiro, o personagem faz
lembrar o Peter Rabbit de Beatrix Potter, impressão reforçada visualmente pelo pequeno tama-
nho do livro (13 x 20,5 cm, o menor do corpus) e pelas ilustrações com fundos esmaecidos, pe-
quenas e centralizadas na mancha.
As ilustrações seguem um estilo realista – aqui bem mais próximo do cartum – tanto na
composição quanto nas cores, como se percebe já na ilustração da capa (fig. 46). Empregando
ecoline e lápis de cor, o artista desenha figuras de formas arredondadas, com traços leves e pou-
co “acabados”, que ressaltam a leveza e informalidade das histórias.
Ao longo do livro, há um contraste interessante entre o convencionalismo das imagens e
o nonsense das situações, como se pode ver na fig. 47. Nesta mesma ilustração, percebe-se a per-
sistência dos olhos “humanizados” (em formato redondo e encimados por cílios) – recurso em-
pregado pelo artista na caracterização dos animais que desperta empatia no leitor – ao mesmo
tempo que a anatomia dos animais é respeitada, incluindo texturas e padronagens de peles, pe-
nas e pelos.
Um detalhe jocoso indica um possível modo do autor se divertir com sua criação, fazen-
do uma autocitação, ou de ampliar um tema em narrativas posteriores: na fig. 48 pode-se ver
um pequeno réptil brincando com uma bola vermelha, cena que se repete no livro O próximo
dinossauro (fig. 24). Outra referência aparece na história “Fazendo arte”, onde Viriato faz uma
grande bagunça com tintas e telas no ateliê, até a chegada do artista (fig. 50). Na história “O en-
contro”, nota-se um tema que aparece em outros livros (A flor do lado de lá, fig. 45 e Cavalha-
das de Pirenópolis, fig. 72), possivelmente indicativo do apreço de Roger Mello por plantas: uma
flor vermelha – que é personagem, símbolo ou objeto da afeição entre outros personagens – de-
sencadeia ações de forte motivação emocional (fig. 51).
A diagramação se aproxima daquela dos quadrinhos, com várias cenas por página mos-
trando ações sequenciais (fig. 51), sendo exceção uma ilustração centralizada em página dupla
(fig. 49), cuja disposição evidencia a amplitude do voo do gato e do pato, mostrados em pers-
pectiva aérea “a voo de pássaro”.
O gato Viriato voltou a ser protagonista em Viriato e o leão (1996), porém em caracteri-
zação completamente diversa: de gatinho “fofo” passou a gato fauve (fig. 68).
147

O próximo dinossauro

Livro de imagem
São Paulo: FTD, 1994
20 x 20 cm, 24 p.

Figura 52 Figura 53

Figura 54

Figura 55 Figura 56
148

Em mais um livro de imagens com protagonistas animais, de anatomia realista e olhos hu-
manizados, Roger Mello mostra os personagens envolvidos em um jogo emocionante: uma bola
vermelha passa “de mão em mão”, disputada com força, agilidade ou astúcia por diferentes ti-
pos de dinossauros (fig. 52). O final do jogo é surpreendente – e quem sabe autobiográfico (fig.
56).
Algumas “autocitações” aparecem neste livro: a brincadeira do réptil com a bola verme-
lha, saída de um capítulo de O gato Viriato, vira tema do livro inteiro; o ancestral do boto de A
flor do lado de lá mostra o mesmo salto característico (fig. 54).
Os animais são desenhados com realismo impressionante – anatomia, proporções, textu-
ra da pele e, principalmente, movimentos (fig. 53). Os cativantes olhos humanizados, cujas ex-
pressões Roger Mello domina tão bem, são suplantados pela expressividade dos movimentos,
que transmitem ao leitor a dinâmica e as emoções do jogo, levando-o a experimentar a expec-
tativa de antecipar qual será a “próxima jogada”.
A capa mostra uma composição com closes de alguns dos dinossauros que participam da
história, aqui em pose estática, olhando de perfil para o espectador, o que não traduz bem o “cli-
ma” movimentado que se encontrará no livro.
As cores são realistas porém saturadas, como se pode ver no pterodáctilo em tons arro-
xeados da fig. 54, aliando expressividade narrativa ao realismo figurativo. As figuras – animais,
bola, framentos da vegetação ou paisagem – são desenhadas sobre fundos predominantemente
chapados em branco, com algumas exceções onde a cena é preenchida pela paisagem – seja flo-
resta, mar ou céu. Estas variações contribuem para manter o dinamismo da narrativa visual,
compensando a uniformidade da diagramação – todas as ilustrações ocupam páginas duplas
sangradas, à exceção das duas últimas, onde a mudança radical de enquadramento evidencia a
mudança do foco narrativo (figs. 55 e 56).
Após quatro anos de representações realistas, este livro seria a “despedida” do ilustrador
deste estilo, em favor de outros mais expressionistas e mutantes:

Foi bom passar por isso, sabe? Mas acho que não tenho mais vontade de fazer isso –
tipo A Cristaleira, O Próximo Dinossauro, o desenho do Boto. Agora não tenho mais
vontade, mas não tenho nada contra, e acho ótimo, gosto dos trabalhos das pessoas
que fazem desenhos mais acadêmicos, representacionais. Do mesmo modo, não que-
ro fazer as coisas que já fiz – sei lá, pode ser que eu volte, às vezes me dá vontade de
fazer um traço que eu fazia e abandonei. (Mello, 2003, p. 34)
149

Maria Teresa

Livro ilustrado
Rio de Janeiro: Agir, 1996
27 x 20,5 cm, 24 p.

Figura 57 Figura 58

Figura 59

Figura 60
150

Figura 61

Figura 62

Maria Teresa, que dá nome ao livro, é a protagonista da história: uma carranca do Rio São
Francisco que narra em primeira pessoa, em versos rimados, as muitas histórias que presencia
à medida em que ela, “seu barco”20 e o barqueiro viajam pelo rio.
Roger conta que a ideia deste livro surgiu do seu encanto pelas carrancas, ainda na infân-
cia, quando viu uma exposição de carrancas do Mestre Guarani que ficou gravada em seu ima-
ginário (Mello, 2010). Mais tarde, suas muitas viagens pelo rio São Francisco, ambiente natural
das carrancas, lhe forneceram material abundante para construir uma narrativa ficcional onde
os signos icônicos compõem um registro das cenas da vida das populações ribeirinhas: o vapor
que desce o rio junto com os barcos e suas carrancas; a moça na janela olhando a paisagem; as
casinhas coloridas de cidades, vilas, povoados que passam longe na paisagem; elevações de ter-

20 Ver p. 13, onde Maria Teresa fala do “seu barco”: assim como a cabeça comanda o corpo, é ela quem comanda
o barco, que vai a reboque. Sutil detalhe que destaca a personalidade da carranca.
151

ra nua a perder de vista, salpicadas aqui e ali pela vegetação do sertão; as aves de arribação; os
peixes em cardumes coloridos no fundo do rio; a filha do coronel que foge com o filho do pes-
cador; a festa de casamento coletivo; o medo de assombração; o monstro que ameaça os nave-
gantes; o socorro da padroeira (fig. 59); as ladainhas mágicas; a carranca protetora afastando o
perigo (fig. 60) ; as histórias de pescador; a festa do Divino; a congada; os barcos enfeitados de
bandeirinhas coloridas batizados com nomes de mulheres (fig. 61); as águas barrentas do rio
(fig. 62); o céu sem nuvens explodindo em cores quentes como o clima.
Em resenha publicada no jornal O Globo de 03/08/1996, a escritora Laura Sandroni21 es-
creveu:

Também bem editado é Maria Teresa, de Roger Mello, premiado ilustrador agora
também autor de textos narrativos. Neste belo livro ele confirma as duas faces do seu
talento. Trata-se da história de uma carranca do rio São Francisco contada por ela
mesma em versos rimados. Entre Minas e Bahia, lá vai Maria Teresa levando alegria
aos moradores da margem do Velho Chico. Tímida, ela tem medo de saci, boitatá,
caipora, assombrações. Mas diante do bicho d’água lembra-se de que é uma obra de
arte popular, patrimônio da humanidade, inserida para sempre no folclore brasilei-
ro, e o enfrenta sem medo.
O texto curto cede espaço às grandes ilustrações coloridas, lembrando a pintu-
ra naïf. Mais um belo trabalho de Roger Mello em busca do conhecimento da cultu-
ra popular brasileira. (2003, p. 274)

Maria Teresa apresenta uma notável mudança na linguagem visual empregada por Roger
Mello, e por este motivo fará jus a uma descrição mais pormenorizada. Nos livros publicados
até então, predominava um estilo de figuração realista combinado ao do cartum. O artista con-
ta que isso acontecia não por uma preferência sua, mas por demandas externas – quando viam
seu porfolio, os editores pediam ilustrações naquele estilo.
Maria Teresa foi um projeto autoral, realizado por conta própria, e só depois apresentado
à editora, como conta o autor. Encantados com a proposta, os editores propuseram-lhe que
criasse outros livros seguindo temáticas da cultura popular, e assim nasceram Bumba meu boi
Bumbá (1996) e Cavalhadas de Pirenópolis (1997). Anos depois, a eles se juntou Nau Catarine-
ta (2004), publicado por outra editora.

21 Laura Sandroni é um nome de referência em literatura infantil brasileira. Filha de Austregésilo de


Athayde, é casada com Cícero Sandroni, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras – ABL, e mãe de Lu-
ciana Sandroni, também escritora – autora, entre outros, do premiado Minhas memória de Lobato. Laura foi
uma das fundadoras da FNLIJ e durante muitos anos publicou resenhas críticas sobre literatura infantil no jor-
nal O Globo, posteriormente reunidas no livro Ao longo do caminho (São Paulo: Moderna, 2003) de onde a
citação foi extraída.
152

Uma característica típica da literatura infantil é a presença do fantástico misturado ao


real, uma convenção bem aceita neste gênero literário.22 Porisso, a animismo da protagonista
Maria Teresa, um objeto inanimado, abre caminho a representações do imaginário popular em
perfeita aceitação pelo público infantil. Tendo estabelecido de modo eficiente, como autor da
narrativa verbal, um contrato de comunicação com o leitor, Roger Mello pode, como autor da
narrativa imagética, surpreendê-lo com representações visuais inusitadas, estranhas às conven-
ções já bem assimiladas pelo público consumidor de produtos da indústria cultural (realismo
figurativo e códigos dos produtos de massa, especialmente desenhos animados ou quadrinhos),
e incorpora elementos da cultura popular, sendo o mais marcante o emprego de alguns elemen-
tos da arte naif, como as cores vibrantes, a profusão de detalhes, a perspectiva “anárquica”, bem
como elementos do léxico da arte popular, como as molduras de casinhas e grafismos, a figura
humana em formas simplificadas, as fisionomias despersonalizadas (fig. 59). Assim, o ilustra-
dor faz neste livro uma bem dosada mistura de códigos conhecidos e de novidades, o que re-
presenta um grande atrativo para os jovens leitores.23
A capa (fig. 57) traz uma variante da ilustração das páginas 4-5, mostrando a persona-
gem-título. Destacam-se à primeira vista as cores vibrantes e a profusão de elementos e deta-
lhes, numa clara referência à arte naif. A composição mostra uma paisagem de rio onde, em pri-
meiro plano, aparece Maria Teresa e o barco, com uma cidadezinha ao fundo. Uma
configuração aparentemente convencional, quebrada por elementos inusitados – como o céu la-
ranja e a moldura de casinhas que sobe em linha vertical do lado esquerdo – que dão o tom pre-
dominantemente original da composição.
O principal deles é o código cromático, que sobressai numa primeira leitura: a ilustração,
que ocupa inteiramente a capa, é dividida horizontalmente ao meio, sendo a metade superior
um céu sem nuvens, de um tom laranja brilhante que domina a composição. A este céu de cor
quente associa-se, ao mesmo tempo, as altas temperaturas atmosféricas das regiões banhadas
pelo São Francisco, como também a conotação fantástica da narrativa. O conjunto das cores

22 Como visto anteriormente no capítulo 2, a literatura infantil nasce com os Contos de Fadas, também chama-
dos Contos Maravilhosos, originados das narrativas da tradição popular camponesa na Europa medieval, onde
é constante a presença de elementos fantásticos do imaginário popular.
23 Melhor dizendo, também para eles: à margem de qualquer classificação excludente, este livro constitui um
exemplo típico do que se considera atualmente literatura infanto-juvenil de qualidade – aquela que pode ser
apreciada por qualquer tipo de receptor, independente da sua idade.
153

empregadas (laranjas, azuis, verdes) remete ainda às cores da chita, tecido bastante apreciado e
empregado no artesanato regional.
Como contraponto cromático, a metade inferior da ilustração mostra as águas do rio em
tons frios: na superfície, ondas em verde escuro e branco; nas profundezas, azul intenso onde
nadam peixes estilizados geometricamente, brancos com listras pretas e discretos detalhes da
cauda e focinho em amarelo e vermelho, dispostos regularmente de modo a formar um pattern,
que remete novamente a padronagens têxteis e também aos grafismos geométricos da arte in-
dígena.
Em primeiro plano aparece Maria Teresa e o barco, constituindo um objeto único, antro-
pomórfico: Maria Teresa é a cabeça e “seu barco” é o corpo. Indicando a relação de comando
explicitada verbalmente na história, o barco é mostrado como uma forma simples e contínua
(um triângulo ovalado apontando para baixo, com o vértice oculto pelas ondas), em tom verde
brilhante pouco contrastado com o fundo, enquanto Maria Teresa tem detalhes, formas elabo-
radas e cor azul brilhante, complementar do fundo laranja.
A fisionomia da carranca, ainda que preservando os traços monstruosos característicos,
sugere um sorriso maroto na boca aberta contornada de vermelho. Focinho, bigodes e orelha
estilizados sugerem uma fera (leão, onça...), porém os olhos em formato alongado, encimados
por cílios e por uma sobrancelha bem desenhada, indicam sua identidade feminina, reforçada
pela farta cabeleira em forma de cachos esculpidos que contornam o rosto. Por estes signos, per-
cebemos tratar-se de uma entidade fantástica, ao mesmo tempo assustadora e protetora, como
são as carrancas: sua fealdade tem por fim afugentar os maus espíritos que ameaçam os barquei-
ros (fig. 60).
Um sutil toque de vaidade feminina vincula ainda mais a carranca ao nome “Maria Tere-
sa” do título: a corda que amarra as embarcações ao cais vai enrolada em torno de seu pescoço,
conotando um delicado colar de contas pretas e brancas. Por último, uma “pista” inconfundí-
vel: as iniciais MT aparecem discretamente inscritas no barco. Este recurso é utilizado nas de-
mais embarcações que aparecem no livro (fig. 61): Flora, Genoveva, Carolina, Madalena, Dia-
dema, Diana, Mariana, Sandra, Flor de maio, Adélia, Marina, Irene, Catarina, Regina são as
companheiras de Maria Teresa.
Detalhes em segundo plano completam a descrição do cenário: acima da linha d’água
aparecem as margens do rio salpicadas de pequenas flores rosadas, e na linha do horizonte uma
fileira de casinhas bicolores atravessa a capa de ponta a ponta, e inusitadamente sobe pela ver-
154

tical esquerda, rente à dobra da lombada, separada desta por uma faixa preta. Uma faixa irre-
gular, quadriculada em preto e branco, emoldura o alto e a lateral direita da capa, afastada da li-
nha de corte por uma faixa laranja de um tom mais forte que o céu, a partir do ponto onde ter-
mina a fileira de casinhas, formando com elas uma moldura que contorna o céu laranja. O
mesmo grafismo preto e branco reaparece numa faixa na margem inferior da capa, abaixo do
pattern de peixes, estabelecendo uma continuidade visual com eles.
Os materiais empregados conferem texturas variadas aos diferentes elementos: lápis de
cor e giz de cera sobre a tinta industrial que cobre o papel deixam entrever gradações da textu-
ra nos elementos da terra (barco, terra e espuma do rio), mais suave no céu, enquanto nas pro-
fundezas do rio apenas a camada lisa da tinta industrial materializa a fluidez do elemento água.
A 2ª capa e a p. 1 (fig. 58) compõem uma falsa guarda, com uma padronagem formada
por linhas horizontais onduladas paralelas, vazadas em branco sobre fundo verde-água. Esta
composição estilizada sugere as águas do rio, continuação das águas da capa com ondas repre-
sentadas em volume. Esta falsa-guarda se repete na última página junto com a 3ª capa.
Ao longo do livro, o ritmo formado pela combinação de texto e imagem permanece cons-
tante: as ilustrações ocupam 1 1/2 página e o texto aparece na metade restante, composto em
azul escuro sobre fundo amarelo-ovo chapado.
Além dos muitos prêmios que recebeu, como o de Melhor Ilustração da FNLIJ, Maria Te-
resa navegou por outras águas além daquelas do livro infantil: em 2000, ela aportou no progra-
ma Livros Animados, da TV Futura – uma série onde histórias de autores brasileiros são trans-
postas para a televisão –, por indicação da FNLIJ, parceira do projeto. Foram ao todo 20 obras
em 10 programas mostrando animações feitas em computador a partir das ilustrações originais.
155

Bumba meu boi Bumbá

Livro ilustrado
Rio de Janeiro: Agir, 1996
20,5 x 27 cm, 24 p.

Figura 63

Figura 64 Figura 65

Figura 66 Figura 67
156

A boa impressão causada por Maria Teresa levou os editores a querer dar continuidade à
idéia inicial de Roger, propondo-lhe que criasse outros livros tendo por temática a cultura po-
pular. Assim nasceu Bumba meu boi Bumbá, num processo diferente do livro anterior. Roger
não trazia uma vivência prévia do tema e realizou uma extensa pesquisa sobre as festas do Auto
do Boi, que acontecem por todo o país, apresentando variações regionais. “Eu não conseguia fa-
zer esses livros de uma hora para a outra, não tinha jeito se não era uma coisa que fazia parte
da minha vida de alguma maneira.” (Mello, 2010)
A partir da pesquisa, Roger decidiu desenhar o “seu” boi, que não necessariamente guar-
dasse nem evitasse semelhanças com qualquer dos bois brasileiros. Esta não é, portanto, uma
narrativa autoral: neste livro, Roger faz um reconto de uma história da tradição, selecionando
alguns elementos e excluindo outros – como a Bernúncia e o Kazumbá, de ocorrência mais
restrita.
O enredo tragicômico conta a história de Pai Francisco, empregado do Coronel, que
mata o boi de estimação do patrão para satisfazer um desejo de sua mulher Catirina, grávida.
Perseguido e condenado, Pai Francisco é assombrado e depois salvo pelo boi, que magicamen-
te revive.
Na narrativa visual, há referências à arte popular – como no figurino do boi Bumbá (fig.
67) –, que desta vez aparece mesclada a referências da op art e do cubismo. A capa traz uma
ilustração que se repete no miolo do livro, mostrando o Pai Francisco na prisão, assombrado
por fantasmas do boi por ele assassinado (fig. 63). As figuras têm cores predominantemente pri-
márias, combinadas ao preto e branco das máscaras – de traços geométricos em repetições si-
métricas, lembram máscaras africanas, padronagens indígenas ou ainda trajes de pierrô e arle-
quim. Os cenários têm tons de terra ou de azul, e dois tipos de de formas: enquanto os
ambientes construídos são representados em planos geométricos de inspiração cubista (fig. 65
e 3.56), os ambientes naturais têm formas sinuosas, orgânicas (fig. 66 e 67). A perspectiva varia
entre planos frontais sem perspectiva (fig. 66 e 67) e ângulos em contre-plongé (fig. 63 e 65) que
sublinham o desamparo de Pai Francisco. Certo clima onírico e surrealista transparece nas ima-
gens, em sintonia com a natureza fantástica da narrativa.
A intenção do autor, mais do que fazer uma pesquisa e um relato etnográficos, seguindo
metodologias sistemáticas, foi manter um registro de coloquialidade na narrativa, de acordo com
a proposta de levar ao leitor infantil uma experiência viva da cultura popular.
157

Viriato e o leão

Livro de imagem
Rio de Janeiro: Ediouro, 1996
21 x 27,5 cm, 24 p.

Figura 68 Figura 69

Figura 70
158

Viriato e o leão mostra o protagonista de três anos atrás transfigurado em gato fauve, de
formas estilizadas, vivendo nova aventura: perseguido por cachorros, Viriato se abriga aos pés
de uma estátua de leão que guarda a entrada de uma imponente construção neoclássica – oásis
de formas rebuscadas em meio à secura do cenário urbano, de formas retilíneas e acinzentadas.
Surpreendentemente, o leão ganha vida e sai com Viriato pelas ruas da cidade. No passeio, atra-
vessam cenários cubistas, desenhados em vertiginosas tomadas em plongé (fig. 70). As ilustra-
ções alternam planos abertos em páginas sangradas e outras com um detalhe enquadrado no
meio da página, cuja moldura é atravessa pelos personagens em movimento, o que reforça o di-
namismo das cenas (fig. 69).
As ilustrações são coloridas, porém não saturadas – os tons tendendo para o cinza que
predominam no livro sugerem bem o ambiente urbano onde se passa a história. As formas são
fechadas, de cores chapadas, com pouco sombreado – as sombras têm cores fortes, como roxo
ou verde, e desempenham mais um papel de dramaticidade do que de sugestão de volume. As
figuras são contornadas por linhas pretas contínuas, espessas e irregulares, que contribuem para
acentuar um certo tom underground da narrativa.
A capa (fig. 68) reproduz uma ilustração do miolo que mostra Viriato oferecendo sua ti-
gela de leite para o leão de pedra. A cena é dominada pela presença imponente da escultura
imóvel, que ocupa 2/3 da altura e quase metade da largura da página, posicionado ligeiramen-
te à direita do centro. A ele se contrapõe a figura singela de Viriato, que ocupa um modesto can-
to esquerdo inferior correspondente a 1/8 da página. Compensando a área menor, o gato con-
ta com maior riqueza de detalhes e um trunfo visual poderoso: a tigela vermelha, ponto de
culminância dramática para onde converge o olhar. Viriato tem o corpo voltado para o leão,
mas arqueia as costas e encara o leitor, mostrando a tigela com seu nome que carrega na boca e
angariando simpatias com seu gesto compassivo.
A composição do cenário contribui para destacar os dois personagens: os elementos ar-
quitetônicos, de formas geométricas predominantemente retilíneas, têm cores fortes e secundá-
rias – roxo, verde e vermelho coral – enquanto que os felinos são curvilíneos e brancos, com
leve sombreado cinza.
Roger Mello tinha a intenção de continuar publicando outras aventuras do simpático gato
Viriato, desenhando-o em estilos diferentes, mas infelizmente a ideia não foi em frente (Mello,
2010). De certo modo, isto acabou acontecendo com Griso, o unicórnio, onde o personagem-tí-
tulo viaja pelo mundo, assumindo estilos da arte universal (ver p. 162).
159

Cavalhadas de Pirenópolis
As cavalhadas sempre fizeram parte da minha vida.
Livro ilustrado Pirenópolis fica perto de Brasília, minha irmã tem
Rio de Janeiro: Agir, 1997 casa lá, eu ia para lá sempre. É linda esta festa, im-
27 x 20,5 cm, 24 p. pressionante. (Mello, 2010)

Figura 71 Figura 72

Figura 73 Figura 74

Cavalhadas de Pirenópolis tem por inspiração as célebres comemorações que acontecem


nesta cidade durante a Festa do Divino Espírito Santo, que tanto impressionaram Roger Mello
na sua infância: “Eu fiz porque eu tinha medo das festas populares, meu pai me levava, eu via
aquelas coisas da folia de reis, das máscaras. Aí eu falei assim, eu tenho que fazer, porque uma
coisa que me dá medo, eu tenho que resolver isso.” (Mello, 2010). À emoção infantil somou-se
um intenso envolvimento com a cultura local na idade adulta:

Lá a idéia de arte, cultura, história, patrimônio, entorno, a coisa do cerrado que hoje
em dia as pessoas falam muito, é muito forte. Trata-se de um ecossistema interessan-
tíssimo, o patrimônio do lugar são as pessoas, tudo é patrimônio! E esse patrimônio
existe porque as pessoas continuam fazendo as festas, as roupas e os adereços, viven-
160

ciando essas duas semanas da Festa do Divino, culminando nas Cavalhadas. Aquelas
máscaras que eles fazem, é alucinante. Cavalhadas de Pirenópolis está na categoria do
que fiz porque queria ver em livro aquilo que foi tão importante e desconcertante para
mim. Gosto de trabalhar com as questões ligadas ao folclore, ver com o estranhamen-
to que as coisas merecem – não como um turista, mas de forma intensa. (Mello, 2003,
p. 42)

O livro conta uma história ficcional que se passa durante as Cavalhadas: o menino Arlin-
do ganha uma máscara de presente de um cavaleiro mascarado – personagem típico da festa –
e com ela consegue enfrentar o carcará – ave de rapina da região – e levar uma flor do cerrado
para sua amada Lucinda (fig. 72). Tendo a festa como eixo articulador dos acontecimentos que
marcam os encontros e desencontros entre o casal, os signos icônicos mostram outras particu-
laridades da região ao longo da narrativa visual.
No domingo de Cavalhadas, há mascarados pelas ruas, cavaleiros em trajes enfeitados fa-
zendo seu “trote-dança, enfrentamento entre os mouros em vermelho e os cristãos em azul (fig.
74), a Banda do Couro tocando. Do espaço geográfico da cidade e da região aparecem a qua-
dra, a igreja matriz, cadeiras nas ruas calçadas com mosaico de pedras (fig. 73), a Serra dos Pi-
reneus, o Rio das Almas, as paisagens verdejantes. Da cultura local, além da festa, há o perten-
cimento familiar – “Lucinda filha de Dona Isadora”, a doceira “assuntando” na janela, na
cozinha os doces de frutas da região – figo, mamões verde e maduro, buriti. Da flora e fauna,
além da flor do cerrado e do carcará, aparecem árvores típicas da região onde pousam pássaros
como jacutinga, jacu, perdiz, anu-preto.
Os signos plásticos mostram várias referências da arte popular, como as cores vivas, a
perspectiva “anárquica” ou afetiva e a profusão de detalhes na mesma cena (figs. 71 e 72). As
ilustrações têm cores vivas, onde predominam tons de terra, verdes, amarelos, com detalhes em
azul cobalto, vermelho, roxo, preto e branco. Há muitas cenas de lugares abertos – como ruas,
praças, cerrado – mostradas em perspectiva de construção naif, juntando vários pontos-de-vis-
ta na mesma cena (fig. 74). Por vezes a distância é sugerida pela diminuição do tamanho dos
elementos, mas sem ponto-de-fuga. Estes elementos reforçam a identificação da narrativa com
o caráter popular da festa.
Muito apropriadamente, a capa já explicita esta identificação: a composição é dominada
pela figura, em primeiro plano, de um cavaleiro cristão em seu figurino típico – as cores azul e
branco de sua vestimenta identificam seu grupo de pertencimento. Montado de perfil, em pose
estática, ele olha obliquamente para trás e segura ao mesmo tempo a rédea do cavalo e um mas-
161

tro enfeitado com fitas. Além da expressão facial “desconcentrada”, sua postura corporal, impo-
nente porém relaxada, sublinha seu caráter de ator, mais do que um guerreiro real. O caráter
festivo é indicado pela profusão de enfeites da dupla: armaduras prateadas (infere-se o tom me-
tálico por seu equivalente impresso cinza); vestes franjadas com padronagens em azul e branco;
penachos azuis. O cavaleiro tem ainda uma enorme capa preta, debruada de azul com borda-
dos em pontilhado verde, branco e dourado em desenho floral geométrico, e o cavalo, várias
guirlandas de camélias brancas com miolo amarelo e um peitoral branco com bordados em ver-
melho e tons de azul.
Outras referências importantes da festa, duas máscaras de boi ornadas por camélias emol-
duram simetricamente a capa: em cada canto superior há uma delas disposta a 45º, com varia-
ções de cores contrastantes com o fundo verde – roxo, vermelho, amarelo, branco e preto. Os
cantos inferiores têm enfeites mais discretos: em cada um deles, uma flor do cerrado vermelha
faz referência sutil à história de amor.
Equilibrando cromaticamente a composição, o plano de fundo traz tons de verde, na me-
tade superior, e de vermelho tijolo, na metade inferior. Na metade superior, ondas sombreadas
se irradiam a partir do contorno das máscaras em direção ao centro, onde encontram as que
emanam da cabeça do cavaleiro. Mais do que sugerir uma associação cromática com a vegetação,
aqui são as formas que conotam a vibração dramática encenada pelos atores (cavaleiro e palha-
ços mascarados). Já na metade inferior, a combinação de tons de vermelho tijolo em três faixas
horizontais sugerem os terrenos planos de terra vermelha da região. Discretamente encaixado na
faixa central aparece um personagem importante da história, o carcará. Na primeira e na última
faixas, vê-se uma vegetação em verde claro, com flores formadas por linhas radiais que partem
da extremidade superior da haste e terminam com pontos brancos, em formas que lembram fo-
gos de artifício explodindo – mais uma forte referência visual que remete à festa.
Finalmente, outro discreto elemento plástico traz um tom de teatralidade para a cena, en-
fatizando sutilmente seu caráter de encenação festiva: uma fina moldura enquadra toda a capa,
sugerindo um palco. Reta e monocromática nas laterais (marrom à equerda, azul à direita) e
quadriculada em preto e branco na parte de baixo, na parte superior assemelha-se a uma corti-
na ondulada.
O título, manuscrito em amarelo sobre o fundo de ondas verdes, forma um semicírculo
em torno do cavaleiro que o destaca ainda mais, e ancora inequivocamente a mensagem ima-
gética à festa em torno da qual se articula a narrativa.
162

Griso, o unicórnio

Livro ilustrado O Griso brinca com essa coisa da narrativa da imagem através dos tem-
São Paulo: Brinque-Book, 1997. Esgotado pos, e como isso é uma coisa importante – e as pessoas não dão a impor-
I18 x 28,5 cm, 32 p. tância devida à narrativa daquelas imagens. Por exemplo, aquelas ilus-
trações tive que fazer “à maneira de”, era como se aquelas ilustrações
não fossem minhas. Fui estudar as iluminuras medievais, os baixos re-
levos persas, ver, voltar, rever a arte egípcia e tal, para poder, tentando
usar a técnica que eles usavam, abrir mão do traço. O bom é que a gen-
te vê como é que o traço entra, ou sai, da ilustração. (Mello, 2003, p. 33)

Figura 75 Figura 76 Figura 77

Figura 78 Figura 79 Figura 80


163

Griso, o unicórnio conta a história do último destes míticos animais, que percorre o mun-
do “à procura de um outro, seu igual” (Mello, 1997, p. 7). Em sua busca, Griso atravessa tempo
e espaço, assumindo formas correspondentes a estilos da arte universal característicos das situa-
ções visitadas. Roger Mello conta que o resultado final surgiu de modo espontâneo, durante en-
saios em estilos variados que fazia, buscando encontrar o mais adequado à história:

O Griso, por exemplo, está dedicado para a Valéria porque fiz a boneca com ilustra-
ções diferentes e depois ela chegou e falou: “Olha, porque você não faz logo as ilus-
trações todas diferentes uma das outras?” Então resolvi fazer com elementos de obras
de arte, sabe? [...] é exatamente uma “desculpa” para que essa busca do unicórnio seja
de uma certa maneira uma colagem das coisas que eu vi, das referências visuais, até
nos livros didáticos. (Mello, 2003, p. 33)

No desenvolvimento da ideia, o processo de pesquisar e exercitar diferentes linguagens vi-


suais teve uma dimensão plural. Além do evidente deleite proporcionado por estas atividades,
Roger refletia sobre a importância das narrativas por imagens através dos tempos e sobre a ex-
periência de “apagar-se”, sair de si, mergulhando nos universos alheios: “É bom você, talvez, mor-
rer um pouco para entender o traço do outro. As pessoas muitas vezes ficaram séculos ilustran-
do daquela maneira, como se aquela fosse a única maneira, a maneira certa, é bom para a gente
se questionar também.” (Mello, 2003, p. 33)
As ilustrações cobrem um vasto espectro das artes visuais, formando quase que um “mu-
seu portátil”: são baseadas na arte germânica (fig. 76); surrealista (fig. 77); africana; vasos gre-
gos dos sécs. VI/V a.C.; pinturas indianas do séc. XVIII (fig. 75); pinturas da transição do me-
dieval para o renascimento, séc. XV (fig. 78), pintura mural chinesa do séc. VII (fig. 79);
ilustrações medievais europeias do séc. XII; baixos-relevos persas do séc V a. C.; xilogravuras
para literatura de cordel brasileira; adornos egípcios do séc. X a.C. (fig. 80) e pintura rupestre
prehistórica.
Um aspecto muito interessante desta narrativa visual, que apresenta uma diversidade de
estilos tão ampla, é que, apesar de toda a variação dos signos plásticos, o principal signo icôni-
co – a figura do unicórnio – ancora visualmente a história:

Até bem pouco tempo nenhuma criança havia me perguntado por que ele muda de
forma. Nós estávamos com um pouco de medo disso, [mas] o que perguntavam era
“o que vai acontecer depois?” Porém, há pouco tempo, uma criança perguntou por
que ele muda tanto de forma, mas sabendo ainda que ele é que mudava, não um ou-
tro personagem. (Mello, 2003, p. 44)
164

A pipa

Livro de imagem.
São Paulo: Paulinas, 1997. Esgotado
21 x 21 cm, 32 p.

Figura 81 Figura 82

Figura 83 Figura 84

Figura 85
165

A pipa é um livro de imagens intensas – como é um livro sem texto, a força da narrativa
visual explode em cores vibrantes, contrastes de tamanho e forma, tomadas em ângulos sur-
preendentes. A história, aparentemente singela, pode ser lida como uma metáfora da situação
política vivida pelo Brasil quando da repressão militar – história contada por imagens silencio-
sas, tal como a experiência que Roger relata ter sido vivida por sua geração durante a juventu-
de, nos anos 1960 e 1970 (ver citação na p. 39 deste trabalho).
A história começa com um personagem azul, que se parece com uma estátua de Breche-
ret (Mello, 2003, p. 34) fazendo uma pipa vermelha (cor associada ao comunismo), que vai em-
pinar num cenário composto por céu sem nuvens, horizonte amplo e vegetação escassa, em for-
mas pretas estilizadas (fig. 82), numa composição que lembra a geografia do cerrado.
As cores são saturadas, em contraste extremo, predominando o laranja do céu e o amare-
lo do chão, com variações em verde, azul e roxo, até que uma virada dramática acontece a par-
tir do momento em que um enorme zepelim cinza surge no horizonte e domina a cena, quan-
do as cores vão se tornando mais sombrias. Surgem nuvens no céu e o horizonte vai sendo
obstruído por grandes blocos em marrom escuro. O personagem azul vê sua brincadeira ser ar-
rasada pelo conflito armado que se estabelece entre o zepelim e soldados entrincheirados (fig.
83). O zepelim sai vencedor, e ao personagem azul só resta abandonar o ambiente cinza-chum-
bo dominado por outro personagem (fig. 85), de forma igual à sua porém em tamanho maior
– signo plástico que reforça sua superioridade – e cor verde oliva – a mesma dos uniformes mi-
litares – para empinar sua pipa remendada em outro lugar, junto a personagens exilados que
pairam desgarrados do chão (fig. 84).
Há muitas referências visuais – entre elas, os uniformes e artefatos bélicos da I Guerra
Mundial – mas a principal delas é mesmo a cidade natal do artista:

A Pipa lembra mesmo Miró, e também Matisse. Mas A Pipa é uma coisa que me lem-
bra muito Brasília, aqueles espaços amplos. Acho que alguns artistas, principalmen-
te nas esculturas de Brasília, foram influenciados por essa arte fauvista – ou esse fi-
gurativismo, essa estilização da forma figurativa que vem de Picasso e também de
Matisse – e pelo modernismo, da maneira como ele ficou presente.
Não pensava [intencionalmente] nem em Miró, nem em Matisse, mas na hora
em que estava fazendo eu pensava: “Isso está parecendo Matisse e Miró”. Mas é um
pouco Brasília – você vê aquela cabecinha sem cara, com aqueles braços assim: tem
a ver com a estátua dos dois candangos, Brecheret talvez, tem alguma coisa sim...
Mas era por causa do livro mesmo, o livro era Brasília. (Mello, 2003, p. 34)
166

Todo cuidado é pouco!

Livro ilustrado
São Paulo: Cia das Letrinhas, 1999
28 x 26 cm, 36 p.

Figura 86

Figura 87

Figura 88
167

Às vezes as crianças perguntam assim: “Existe alguma história que você começou a es-
crever quando era pequeno?” E eu pergunto: “Como assim, continuo escrevendo até
agora?” Acho que Todo cuidado é pouco! é uma história assim. Esse é um livro que
algumas pessoas consideram difícil para as crianças, e eu pensei nesse livro quando
era criança, porque costumava pensar que uma pequena coisa – por exemplo, se eu
saísse com o sapato desamarrado, poderia tropeçar, não chegaria à escola, e isso, pro-
gressivamente – essa pequena coisa iria afetar a minha vida, mudaria minha vida no
final, porque é uma relação de causa e efeito. Eu pegava esse conceito e falava com as
crianças: “Vamos criar histórias de causa e efeito”, e saíam coisas sensacionais! (Mel-
lo, 2003, p. 28)

Todo cuidado é pouco! é uma narrativa encadeada – um pequeno acontecimento desenca-


deia uma sucessão de ações progressivas – e circular, já que a partir da metade da história as
ações encadeiam-se no sentido contrário, voltando ao ponto original.
Tudo começa com o jardineiro vigiando atentamente para que Rosa Branca não fuja do
cercado. Fugiu ou não fugiu? A fuga desenrola uma série de eventos nas vidas de muitos perso-
nagens, ligados por relações lineares de causa e efeito: o jardineiro não pôde vigiar Rosa Bran-
ca porque amanheceu gripado por andar descalço, já que o gato escondeu seus sapatos; o gato
é de seu irmão mais moço, casado com Dalva, cujo tio deixou-lhe o gato de herança quando
morreu de desgosto esperando uma carta de amor que nunca veio, porque caiu da sacola do car-
teiro na hora em que ele se abaixou para pegar o anel de noivado que a costureira jogou fora,
revoltada com o bigode ridículo do noivo, que ele deixara crescer por promessa de sua mãe,
cantora de ópera, e assim por diante. No final da sequência – no meio do livro – descobre-se
que Rosa Branca não fugiu, e a história volta sobre seus passos até o ponto de partida, onde Rosa
Branca foge – e assim pode-se continuar a leitura num moto contínuo.
O clima surreal da história é narrado visualmente por ilustrações que lembram o univer-
so imagético do artista surrealista russo Marc Chagall. Os personagens – figuras alongadas, si-
nuosas e distorcidas – estão dispostos lado a lado sobre fundo branco, em conjuntos de 2 ou 3
por página, pousados sobre uma linha do horizonte baixa, em composição que ocupa a metade
inferior da página (fig. 87), sendo a superior ocupada pelo texto. Um sutil detalhe visual conec-
ta frente e verso das páginas, reforçando a linha de causalidade que liga os acontecimentos: os
elementos cortados pela margem da frente continuam no verso, de modo que se dispuséssemos
as ilustrações lado a lado elas formariam uma só imagem contínua.
As exceções são os cercados de Rosa Branca – no início e no final do livro – e o varal de rou-
pas ao vento (fig. 88): as ilustrações ocupam a página inteira, sangrada, com enquadramentos em
plongé e contre-plongé extremos, que reforçam momentos de tensão dramática da história.
168

A capa (fig. 86) expressa simultaneamente o surrealismo da história e sua construção cir-
cular, com personagens dispostos em roda em toda a volta, sangrados sobre fundo azul escuro.
Têm o mesmo tipo de anatomia alongada e distorcida do miolo, sobrepondo pernas e braços so-
bre seus vizinhos. As cores são diferentes dos tons vivos de outros livros, e aqui seguem uma pa-
lheta azulada, também ela remetendo a Chagall. Mesmo os leitores que ainda não contam com
esta referência em seus repertórios visuais e culturais, poderão perceber nesta composição uma
maneira inusitada de lidar com as imagens, que é também a da construção narrativa, bem como
do estilo literário, o que pode fazer de Todo cuidado é pouco “um livro que algumas pessoas con-
sideram difícil para as crianças” (ibid), o que não corresponde à experiência relatada pelo autor
– nem enquanto criança ele próprio, nem enquanto autor adulto interagindo com seus leitores
mirins (ibid).
Ainda que não figure entre os cinco ou dez mais importantes selecionados para o prêmio
Hans Christian Andersen, Roger Mello conta que este é “o livro da sua vida” (Mello, 2010).
O artista escolheu trabalhar com lápis de cor sobre papel texturizado, fazendo desenhos
minuciosamente trabalhados, com especial atenção para a textura do papel:

É um livro que fala das pequenas coisas – aquela personagem que tem um broche
que a espeta, e ela é insuportável só por causa desse broche – então pensei: “Esse é
um livro da filigrana, das pequenas coisas, da diferença mínima”. Quis fazer um livro
que a textura do papel viesse, que fosse puxado com lápis de cor, com grafite – foi de-
moradíssimo para fazer, mas fui fazendo, puxando a textura. (Mello, 2003, p. 28)

Tamanho cuidado (todo cuidado é pouco!) se estende à tipografia. Roger Mello tem por
hábito manuscrever os títulos de seus livros, escolhendo muitas vezes fontes industriais, tam-
bém de desenho manuscrito, para compor o texto do miolo. Aqui, sua grafia artesanal foi trans-
formada digitalmente em fonte manuscrita, e com ela foi composto o texto do livro. O resulta-
do é extremamente original e condizente com o “detalhe mínimo” que orienta a narrativa.
O livro é o maior do corpus, medindo 28 x 26 cm, tamanho que oferece um suporte ade-
quado para que os detalhes das ilustrações possam ser reproduzidos e apreciados integralmente.
169

Vizinho, vizinha

Livro ilustrado.
Ilustrações de Roger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2002
28,5 x 21 cm, 36 p.

Figura 89 Figura 90

Figura 91

Vizinho, vizinha, escrito por Roger Mello, traz uma parceria entre os três “capaduras” (Ro-
ger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani) na ilustração. A história mostra o cotidiano de
dois vizinhos de porta que mal se conhecem. Mariana ilustra o vizinho do 101 e seu apartamen-
to, Graça a vizinha do 102 e Roger o corredor, espaço neutro onde os personagens se encontram
– e por onde às vezes, quase desapercebido, passa o faxineiro. O corredor de Roger integra o tra-
balho das duas ilustradoras, fazendo a ponte entre os dois tipos de traço que caracterizam os
personagens-título e harmonizando o conjunto com sua neutralidade visual.
170

Vizinho, vizinha mostra o que separa e o que une as pessoas nas metrópoles. Na rua
do Desassossego, 38, a vizinhança é bem tranqüila. No apartamento 101, um moço
lê quadrinhos, toma café e constrói uma cidade de papel. Nem percebe o rumor da
vizinha do 102, que toca clarineta, cria um rinoceronte debaixo da pia e coleciona li-
vros e coisas antigas. Eles só se vêem no final da tarde, quando se encontram no hall,
trocam cumprimentos e falam do tempo. Depois, vão resolver coisas na cidade – e
logo estão de volta aos seus cacarecos, guardados e manias. Como vão escapar da so-
lidão?24

O trabalho a seis mãos foi fundamental para a construção da narrativa. O texto já estava
escrito há tempos, guardado no arquivo de Roger, até que ocorreu-lhe a ideia da parceria na
ilustração: “O que faltava no Vizinho, Vizinha era essa ideia de três pessoas fazendo – basica-
mente essa ideia de cada ilustrador fazendo cada um dos vizinhos”. Ele fez então duas bonecas
do livro para que as parceiras também fizessem seus desenhos: “adoro fazer boneca. Fiz um li-
vro, faço de forma artesanal mesmo” (Mello, 2003, p. 36).
A composição das cenas, em página dupla sangrada, é constante no livro: vizinho à es-
querda, corredor no meio, vizinha à direita. O cenário aparece sem a quarta parede, em vista
frontal para os apartamentos e, no corredor, ponto-de-fuga na escada em caracol ao fundo. Esta
construção transmite apropriadamente a sensação de se observar de perto a vida privada de
cada um dos vizinhos, isolados por uma barreira física tão tênue, desproporcional à barreira
emocional (fig. 91).
Roger criou um espaço neutro para o corredor, desenhado em traços suaves, recorrendo
a um interessante efeito cromático: as cores primárias vermelho, amarelo e azul – distribuídas
equilibradamente no piso de mosaico, paredes e escada – combinam-se opticamente, resultan-
do em cinza. Assim, criou um ambiente ao mesmo tempo neutro e visualmente interessante,
para o que contribuem também dois elementos arquitetônicos: o piso com desenho em mosai-
co e a escada em caracol ao fundo, para onde convergem as linhas da perspectiva em ponto-de-
fuga (fig. 90).
Em meio à grande variedade de cores empregada pelos ilustradores, um código se desta-
ca marcando o espaço de cada personagem: na página da esquerda, correspondente ao aparta-
mento do vizinho, uma faixa magenta sob a ilustração acomoda o texto. Já na página da direita
o texto da vizinha aparece sobre fundo amarelo. Esta combinação compõe uma identidade cro-
mática para o livro, que aparece também na capa (fig. 89).

24 Companhia da Letrinhas. Disponível online em <http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php? codi-


go=40248>. Acesso em 23 jan. 2011
171

Desertos

Livro ilustrado.Texto de Roseana Murray


Rio de Janeiro: Objetiva, 2006
21 x 13,5 cm, 88 p.

Figura 93 Figura 93

Figura 94

Figura 95

Figura 96 Figura 97
172

Figura 98

Figura 99

Este pequeno livro, intenso em sua economia de recursos visuais, é fruto da continuação
de uma bem-sucedida parceria entre Roger Mello (ilustrações) e Roseana Murray (poemas). Os
autores, que em 2001 criaram juntos Jardins, reuniram-se desta vez em uma parceria “na con-
tramão”: a escritora criou versos sobre os desenhos do ilustrador. Esta é uma situação pouco
usual para livros ilustrados nos quais escritor e ilustrador não são a mesma pessoa – geralmen-
te os textos são criados antes das imagens. A escritora comenta no prefácio: “O Roger viu e de-
senhou. Eu recordei e escrevi. Embora não conheça pessoalmente o deserto, eu o conheço com
o coração, através de todos os textos que li, através dos belos desenhos do Roger.” (2006, p. 7).
Conhecendo a profusão de cores e detalhes de outros trabalhos do artista, é surpreenden-
te notar a maneira como ele procura novos caminhos na ilustração que deem conta de transmi-
tir sensações diferentes – um tipo de pensamento característico dos designers: “a forma segue a
função”, ou seja, para cada situação, uma solução que atenda suas demandas particulares. Des-
taca-se também seu talento como desenhista, muitas vezes oculto sob suas qualidades de pin-
tor e colorista.
Ao contrário da exuberância natural de seu antecessor Jardins, neste livro impera a essen-
cialidade. Roger Mello criou as ilustrações como um diário de viagem, ao atravessar regiões de-
sérticas e urbanas no Marrocos. Sentado na janela do ônibus, munido de uma caixa de lápis de
cor com cinco cores (vermelho, amarelo, verde, azul e preto) e um libro blanco comprado na
173

Espanha (Mello, 2011), o artista fazia anotações visuais das paisagens que se descortinavam ao
longo do percurso. Ao chegar às cidades, são registros de pessoas, construções, objetos, detalhes
da vida cotidiana.
O projeto gráfico é praticamente um fac-símile do libro blanco onde o ilustrador desenhou
seu diário gráfico: a capa reproduz sua textura de couro marrom, com uma etiqueta manuscrita
aplicada na parte inferior, à direita. Uma fita de cetim marrom, presa na metade da altura das mar-
gens externas de capa e 4ª capa, permite que o livro seja fechado por meio de um laço ou nó (fig.
92). Ocultando a ponta colada da fita, há uma guarda impressa em padronagem marmorizada, em
tons de marrom (fig. 93), também digitalizada a partir do libro blanco. A predominância desta cor
na parte externa do livro cria um contraponto cromático e tonal para o miolo, onde predomina o
tom creme do papel pólen bold (fig. 94). A reprodução exata das cores, padronagens, encaderna-
ção e papel do miolo comunica concretamente a natureza do objeto mesmo para quem não sabe
desta origem.
As ilustrações são lineares, com traços irregulares, sem preocupação com acabamento.
Mais do que narrar, são descrições visuais sintéticas: anatomia e perspectiva seguem proporções
naturalistas, com ponto de fuga bem definido (fig. 95). Conforme a situação, foco e ângulo va-
riam entre planos abertos (paisagens e construções, fig. 96) ou fechados (nas pessoas e objetos,
fig. 98) e tomadas frontais, com linha do horizonte de média para alta, chegando em alguns ca-
sos ao contre-plongé (fig. 99).
Abdicando da tendência de empregar a perspectiva emotiva da arte naif ou medieval, Ro-
ger adota neste livro um ponto-de-vista naturalista, que ressalta sua condição de observador,
mais do que de narrador. Se em outros trabalhos seus já se notava certa aproximação com o re-
gistro etnográfico, aqui esta proximidade torna-se mais evidente – são tipos humans variados,
hábitos culturais, cutura material, ambiente, em registros visuais acompanhados de anotações
explicativas.
Empregando recursos técnicos concisos, Roger Mello consegue comunicar uma gama va-
riada de situações e sensações por meio de seus comentários visuais: a vastidão da natureza e
das construções seculares em formas sugeridas por desenhos soltos na página; a miríade de co-
res das especiarias, tecidos, ornamentos arquitetônicos enchendo a página e e extrapolando as
margens (fig. 98); hábitos das pessoas em um universo cultural tão diferente do nosso, em figu-
ras delineadas em situações cotidianas (fig. 97).
174

Zubair e os labirintos

Livro ilustrado
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2007
16,5 x 27 cm, 48p.

Figura 100 Figura 101

Figura 102
175

Figura 103 Figura 104

Zubair e os labirintos é uma história contemporânea, inspirada por um acontecimento


real: repositório do legado artístico e cultural de povos milenares, o Museu de Bagdá é alvejado
pelos bombardeios aéreos que atingem aquela cidade durante a guerra do Iraque, em 2003 – a
criação de gerações sem conta é pulverizada em instantes pela barbárie da guerra, ficando ex-
posta a saques e pilhagens. Em meio ao caos, o menino Zubair resgata um pequeno tesouro en-
tre os escombros, arriscando-se em fuga pelos labirintos do mercado até estar a salvo para mer-
gulhar nos labirintos do livro que tem em mãos. Diante de seus olhos, desfilam enigmas do
passado, orgulhosos poderes decaídos, sabedorias milenares esquecidas, conflitos sem solução.
Com projeto gráfico diferenciado, Roger Mello criou um “biscoito fino”, que bem pode-
ria vir acompanhando de um manual de instruções, tal a carga de informações e simbolismo
que carrega, bem como os aspectos de leitura pouco usuais que comporta. O próprio manuseio
deste livro-objeto é uma aula de história, passando do rolo ao códice, e a seqüência de desenro-
lar a capa, formada por cinco abas, faz o leitor repetir os movimentos do menino Zubair ao de-
sembrulhar o tapete que envolve o tesouro precioso: um livro chamado “Os treze labirintos”.
A capa (fig. 100) traz ilustrações em técnica mista – pintura e colagem sobre papel amas-
sado – semelhante à de Meninos do mangue e Carvoeirinhos. A cena da frente mostra o interior
do Museu de Bagdá em tomada do alto, que destaca a grandiosidade de uma estátua milenar
verde em primeiro plano, à direita, parecendo fechar os olhos para não ver os escombros no
chão à sua frente – são pequenos pedaços rasgados de papel impresso em cores variadas, for-
mando um amontoado que toma mais de um terço da altura da ilustração. Uma estante em
176

perspectiva planimétrica está disposta à esquerda, formando uma faixa vertical oposta à está-
tua. Uma coleção de objetos – vasos, pratos, pequenas esculturas – repousa em suas quatro pra-
teleiras pretas, que contrastam com o fundo azul, a lateral amarela e o chão laranja. Outros ob-
jetos estão espalhados pelo chão, que se estende até o alto da cena, formando um corredor
delimitado por uma sucessão de paredes verticais – a primeira em verde claro, a segunda em
verde médio, a terceira com painel em mosaico azul e, mais ao fundo, uma faixa preta indica o
final do salão.
A verticalidade da ilustração é reforçada pela diagramação: a imagem, sangrada no alto,
embaixo e à direita, ocupa aproximadamente 2/3 da largura da capa, e no terço restante uma
faixa negra contém o título e nome do autor, dispostos na vertical, em laranja e verde, respecti-
vamente. Na parte inferior, aparece o logotipo da editora em verde.
Ao abrir a capa, o leitor depara-se com outra ilustração, com as mesmas técnica, cores e
composição verticalizada. Porém, aqui se vê uma cidade destroçada por explosões, com o chão
em primeiro plano coberto de escombros, onde andam duas pessoas em vestimentas árabes, e
mais ao fundo outra em roupas ocidentais corre de um tanque. À esquerda, vê-se a metade di-
reita da grande cúpula arredondada de uma mesquita laranja, cortada verticalmente por um
poste escuro. A capa se desenrola mais uma vez, revelando a outra metade da mesquita e, em
posição simétrica à da estátua, um soldado ocidental de costas olha para o cenário de destrui-
ção onde pessoas correm em fuga (fig. 101). A sequência de abertura narra eloquentemente os
acontecimentos: a cidade bombardeada, o museu destroçado, uma cultura milenar despedaça-
da pela guerra contemporânea, as pessoas minúsculas face ao poder bélico.
Ao mesmo tempo, o desenrolar da capa mostra o início da história, em texto composto
em preto sobre fundo verde claro nas faces internas, até que se chega ao tesouro de Zubair: a
capa do livro “Os treze labirintos” corresponde à quinta e última aba da capa (fig. 102). Ela mos-
tra o título e um labirinto quadrado, desenhados em laranja sobre fundo roxo, e se abre para a
direita, seguindo o sentido da leitura oriental. No miolo, cada página mostra um labirinto tra-
çado em preto sobre fundo laranja, cada um acompanhado por um texto na página oposta (fig.
103). No final, a surpresa: falta o 13º labirinto! Enrola-se de novo a capa sobre o miolo, e vê-se
a 4ª capa, onde um texto escrito em laranja sobre fundo preto fala sobre o fato real – o bombar-
deio do Museu de Bagdá – e sobre a narrativa. Em composição gráfica, o texto forma dois triân-
gulos equiláteros dispostos verticalmente, com os vértices apontando para o centro, onde se vê
um pequeno avião com padronagem camuflada (fig. 104).
177

Zoo

Livro ilustrado. Texto de João Guimarães Rosa,


organização de Luiz Raul Machado
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008
25,5 x 18 cm (fechado), sem paginação

Figura 105

Figura 106 Figura 107

Figura 108

Figura 109
178

O livro Zoo traz frases de João Guimarães Rosa, selecionadas e organizadas pelo experien-
te editor Luiz Raul Machado, que conta na 4ª capa como foi o processo: “Guimarães Rosa tinha
verdadeira mania de bichos. Quando viajava – e ele fez isso a vida toda –, visitava o zoológico
de cada lugar. E ia anotando em seus caderninhos tudo o que os animais ‘diziam’ pra ele.”
A partir de textos publicados no livro Ave, palavra, assinalados pelo autor como “Zoo”, o
editor selecionou as frases e, para ilustrá-las, pensou em Roger Mello – que, assim como Gui-
marães Rosa, tem “mania de bichos”. O artista não apenas ilustrou como projetou graficamen-
te um “livro-objeto” irresistível: é um livro em dobraduras, que vem fechado e acomodado den-
tro de uma luva impressa em tinta luminosa verde, onde a silhueta vazada de um rinoceronte
deixa ver listras impressas em preto sobre papel branco da primeira página do livro (fig. 106).
Ao puxar o livro de dentro da luva, o rinoceronte listrado revela a natureza de sua inusitada pa-
dronagem: são as grades de uma jaula (fig. 107). O leitor se depara de imediato com um jogo
de significados invertidos: num zoológico, o bicho fica dentro da jaula, mas ali a jaula está den-
tro do bicho?
O livro prossegue com surpresas: a cada aba que se desdobra, frases que podem chegar a
ser desconcertante para leitores acostumados com rimas fáceis e sentidos evidentes. Desconcer-
tante também pode ser a forma que vai tomando o livro que, com o desdobramento das abas,
vai se transformando em um objeto: a intenção de Roger era que o livro se tornasse autoportan-
te, como uma maquete reproduzindo as aléias do zoológico onde se enfileiram as jaulas dos ani-
mais (figs. 105, 108 e 109).
Esta intenção esbarrou em limitações técnicas, uma vez que a gramatura leve do papel
não permite que isso aconteça. De todo modo, o cuidado da editora com a produção gráfica é
evidente: caprichou na impressão da luva em tinta especial verde luminosa, arriscando vazar o
rinoceronte com uma faca de curvas perigosas; investiu em engenharia de papel no miolo, com
formato e dobras também especiais; imprimiu o miolo em papel couché, apropriado para a me-
lhor reprodução das cores exuberantes características das ilustrações do Roger Mello.
Os animais são ilustrados em técnica mista – desenho, colagem, pintura – em formas es-
tilizadas, recortados sobre fundo laranja queimado. As frases são escritas em tipografia manus-
crita preta, ora acompanhando livremente a silhueta das imagens, ora compostas em linhas ho-
rizontais paralelas.
179

Ossos do ofício

Livro ilustrado.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009
20 x 20 cm, 24 p.

Figura 110 Figura 111

Figura 112

Figura 113 Figura 114


180

Ossos do ofício integra a Coleção Faz Tudo, que mostra a vida de diferentes profissionais.
Neste livro, o personagem principal é Florisval, o coveiro.
A capa (fig. 110) é uma síntese da linguagem visual do livro: cores fechadas – preto, cin-
za, marrom, roxo – remetem ao luto e à noite e compõem uma base escura onde destacam-se
alguns elementos de tons vivos – azul, vermelho, magenta, amarelo –, numa composição que
indica a abordagem original e bem-humorada, já sugerida pelo título, de uma profissão que é
comumente tida como soturna.
A técnica mista combina colagem de figuras com texturas impressas, recortadas em for-
mas geometricamente estilizadas, predominantemente sinuosas e alongadas, a elementos dese-
nhados em lápis de cor ou giz de cera e pintados com tinta industrial. A geometrização da figu-
ra humana transforma a cabeça de Florisval em um círculo perfeito, sombreado de bege claro,
que se destaca contra o céu negro da noite – uma referência sutil à lua, que será sinalizada no
final da narrativa visual, propondo uma releitura da história sob essa chave.
Cheio de afazeres (fig. 111), Florisval a certa altura resolve arrumar o armário de ossos e
põe-se a filosofar com uma caveira – ser ou não ser? Além da óbvia alusão verbal e visual a Sha-
kespeare, há na ilustração outra sutil citação de temas existenciais: na estante, ao lado de ossos
encaixotados, vêem-se as lombadas de livros de Kant, Platão e Rousseau (fig. 112).
De tanto filosofar, a cabeça de Florisval vai crescendo: a certa altura, o rosto do persona-
gem é apenas um semicírculo que ocupa toda a altura da página (fig. 113).
Por fim, o personagem desaparece com um enigma: “Alguém sabe onde anda o Florisval?
É só procurar uma cabeça pensando. Pensando bem, eu sei onde é que ele anda. Mas pode mor-
rer de insistir, não conto.” Neste ponto, a narrativa visual completa o que a narrativa verbal não
conta: sobre um fundo azul escuro, um grande círculo branco centralizado domina a página,
sugerindo uma lua cheia (fig. 114) – estaria o Florisval com a cabeça “no mundo da lua”?
181

As análises semiológicas realizadas sobre as 20 obras constantes do corpus descortinaram


um percurso evolutivo da linguagem visual de Roger Mello, que resulta no que se poderia cha-
mar de uma “inocência cultivada”, onde o artista aproxima-se da liberdade da arte popular e do
desenho infantil, privilegiando critérios expressivos às representações realistas.
Em suas primeiras obras, há sinais evidentes de um profundo conhecimento e domínio das
técnicas canônicas de representação, como perspectiva, anatomia, claro-escuro, etc. Seu olhar
cultivado fica evidente também nas abundantes citações da arte universal que encontramos ao
longo de toda sua obra, que incluem realismo, fauvismo, cubismo, op art, arte naif, indígena,
africana, etc – cujo mais acabado exemplo seria Griso, o unicórnio, praticamente um “museu
portátil” da arte universal.
Para além de citações de referências visuais, Roger Mello estabelece neste processo um
movimento dialético aproximando tradição e modernidade, eruditos e “ingênuos”, adultos e
crianças – o que reflete suas qualidades de narrador, compartilhando sua experiência com seu
público.
182

Conclusão

Ao longo dos dois anos de duração desta pesquisa, foi realizado um extenso e intenso
trabalho de levantamento, investigação e análise dos livros ilustrados de Roger Mello. Já de
início anteviam-se alguns dos desafios enfrentados para estudar este objeto, destacando-se
entre eles a extrema proximidade afetiva com o artista, a amplitude de sua obra e a exiguidade
de referências teóricas tratando especificamente do livro infantil ilustrado.
De fato, não nos admiramos em constatar que tais referências não sejam mais
abundantes, mesmo na literatura estrangeira, pois demandam conhecimentos oriundos de
campos bastante variados, como artes visuais, literatura, sociologia, história do livro, estética
da recepção, psicologia infantil, narrativas imagéticas sequenciais, etc. Esta amplitude fica
patente nas inúmeras referências bibliográficas consultadas de áreas correlatas, cuja variedade
já chamara a atenção da banca examinadora quando da apresentação do projeto para ingresso
no programa.
Depois de selecionar criteriosamente a bibliografia nacional e estrangeira sobre o livro
ilustrado e áreas correlatas, bem como de realizar análises preliminares para delimitação do
corpus, nosso objeto apontou interessantes questões que vieram a enriquecer
consideravelmente a pesquisa, dentre as quais duas merecem especial menção:
1) os livros ilustrados contemporâneos de qualidade expressam a visão de mundo de
seus criadores, bastante inovadora e desprovida de preconceitos, e demandam uma leitura
sofisticada – o que é diferente de “culta” ou “erudita” – que as crianças, por ainda não terem
absorvido padrões restritivos, realizam de modo igualmente livre e criativo; e
2) constatando que a ilustração segue com certo atraso os movimentos inovadores das
artes plásticas, ao mesmo tempo em que reflete as condições do seu próprio tempo, pode-se
percebê-la como uma maneira de ampliar a cultura visual dos receptores, uma vez que, como
meio de comunicação de massa, os livros ilustrados atingem um público amplo e não
necessariamente tão culto quanto o das artes plásticas – especialmente no cenário brasileiro
atual, bastante elitizado.
183

Por entender a arte como um sistema cultural (Geertz, 1999), foi possível demonstrar
que a ilustração constitui uma linguagem que permite comunicar emoções e exercitar
sensibilidades de uma maneira que pode ser ao mesmo tempo social e individual, combinando
componentes objetivos e subjetivos. Funciona também como um potente meio de letramento
visual, uma vez que a leitura de imagens é uma habilidade em parte adquirida – ainda que esta
aquisição aconteça de maneira “invisível” em nossa sociedade.
Ao ingressar neste programa, a proposta inicial era investigar a questão da identidade
cultural na obra de ilustradores brasileiros contemporâneos, sendo nossa intenção analisar
trabalhos dos integrantes da empresa Capa Dura em Cingapura – Roger Mello, Graça Lima e
Mariana Massarani. Por indicação de vários professores, este grupo foi reduzido a apenas um
artista, recaindo nossa escolha em Roger Mello, uma opção que se revelou extremamente
acertada. Ao mesmo tempo, a riqueza de sua obra mostrou-nos que seria proveitoso ampliar
as questões examinadas, ficando a identidade nacional em segundo plano.
Concentrando a pesquisa neste artista, foi possível realizar o levantamento biográfico
mostrado no primeiro capítulo, relacionando sua vida e obra e tendo em mente também a
articulação entre as dimensões individual e social. A proximidade com Roger Mello, se por
um lado apresentou desafios quanto ao afastamento afetivo em relação ao objeto de estudo,
por outro lado permitiu-nos perceber sutilezas no entrelaçamento de suas experiências
pessoais e profissionais. Dando voz ao artista, questões fundamentais, apenas pressentidas no
início do trabalho, vieram à tona e revelaram-se importantíssimas, permitindo um diálogo
extremamente fecundo entre teoria e dado real – refiro-me especialmente a O narrador de
Benjamin (1994) e a Mundos artísticos e tipos sociais de Becker (1977). Também neste
capítulo, foi possível abordar os muitos modos de expressão artística de Roger Mello, e
destacar a ilustração entre eles, com especial atenção à escolha por temáticas de seu interesse,
relacionando-as à linguagem visual que emprega para comunicá-las.
A fim de melhor avaliar o processo de comunicação estabelecido por meio do livro
ilustrado, consideramos proveitoso apresentar no segundo capítulo uma conceituação e um
panorama histórico deste objeto, desde seu surgimento na Europa medieval, passando pela
produção voltada para crianças no Renascimento, com finalidades de início pedagógicas que
vão progressivamente dando lugar à expressão artística na era moderna, chegando ao seu
papel dentro das cultural oficial e de massa no contexto brasileiro. Pudemos também
demonstrar como esta transição de objeto pedagógico para objeto estético acompanhou o
184

surgimento e a evolução do conceito de infância (Ariès, 1981), bem como liberou a ilustração
de um papel de coadjuvante do texto verbal até sua maturidade como linguagem com
expressão própria. Assim, entendendo a ilustração como uma linguagem, chegamos à
semiologia tal como formulada por Saussure (1979), Jakobson (1985) e Barthes (1971),
principal base teórica à qual recorremos para analisar as mensagens visuais dos livros
ilustrados de Roger Mello.
Chegar a constituir um corpus para análise que fosse suficientemente representativo das
questões que se descortinavam, e ao mesmo tempo possível de abordar no escopo de uma
pequisa de mestrado, demandou etapas progressivas de depuração, conforme demonstramos
no capítulo três. A extensão da obra de Roger Mello compunha um painel excessivamente
amplo, ao qual não se poderia dispensar senão uma visão panorâmica. Assim sendo,
recortaram-se apenas os livros ilustrados de sua autoria completa (texto verbal e imagético),
resultando em 20 obras.
Para dar conta do desafio de abordar a evolução da linguagem visual nos livros
ilustrados do artista, deveríamos apresentar uma sequência temporal destas obras. Por outro
lado, para analisar de que modo esta evolução se apresenta em suas ilustrações, seria preciso
realizar uma análise aprofundada. A metodologia escolhida para esta análise seguiu o modelo
semiótico proposto por Barthes (1984) e sistematizado por Joly (2008) – metodologia, aliás,
que tem sido empregada com sucesso no campo da ilustração por estudiosos brasileiros, como
Camargo (1995) e estrangeiros, como Nodelman (1988) e Nikolajeva (2006).
Porém, este tipo de análise demandava um aprofundamento incompatível com a
quantidade de obras do corpus – 20 livros. Aqui, o próprio objeto apontou a solução, pois
cinco destas obras haviam sido escolhidas pelo autor como as mais representativas do
conjunto, para integrar o dossiê com que concorreu ao prêmio Hans Christian Andersen
2010. Assim, foi possível recorrer a um critério coerente e eleger cinco obras para uma análise
mais aprofundada, e fazer descrições mais sucintas das demais 15.
Para empreender esta análise, novamente o próprio objeto apontou o melhor caminho:
o livro ilustrado apresenta uma narrativa sequencial onde, mais do que uma análise “quadro a
quadro”, importa perceber o ritmo do conjunto. Por outro lado, a capa deve funcionar como
uma síntese ou um prelúdio deste conjunto (Powers, 2008), configurando uma composição
única de texto e imagem. Assim sendo, aprofundamos a análise da capa e fornecemos
185

“balizas” para percorrer o miolo de cada um dos cinco livros, num sistema que remete ao
processo de leitura apontado por Sartre (1989).
Situando as obras de Roger Mello no cenário contemporâneo da ilustração para crianças
no Brasil, evidenciou-se um afastamento de estilos tradicionais, ou canônicos, de
representação, em favor de uma linguagem mais livre, que se apropria de referências
internacionais e nacionais, notadamente da cultura popular brasileira. Foi possível perceber
tanto uma aproximação com o ideal antropofágico dos modernistas brasileiros do início do
século XX, quanto situar esta aproximação num contexto contemporâneo de pós-modernidade
no século XXI, onde “tudo é permitido”,1 como diz o próprio artista.
A análise semiótica empreendida mostrou que a visão anti-conformista de Roger Mello
a respeito do mundo, das crianças e de seu ofício fica patente nas mensagens visuais de seus
livros, bem como na escolha de suas temáticas narrativas. Consideramos que seu trabalho
contribui para a desmistificação da aura de objeto das elites que ainda envolve o livro no
Brasil e que afasta dele potenciais leitores, limitados às ofertas da indústria cultural que
alcançam a vastidão do Brasil, longe dos grandes centros urbanos onde se concentram a maior
parte dos recursos econômicos e das opções culturais e artísticas. Sendo assim, podemos
afirmar que Roger Mello inscreve-se no grupo de “homens de cultura” (Eco, 2001) em
atividade no mercado editorial, que reflete em seu trabalho a importância da valorização de
expressões criativas diversificadas – sejam da cultura popular, erudita ou de massa – para a
ampliação da visão de mundo de crianças e adultos.
O contato com obras de qualidade, tão importante na formação dos jovens leitores,
oferece-lhes a possibilidade de fruição estética e de desenvolvimento de suas sensibilidades
individuais, bem como o acesso ao conhecimento e à informação necessárias à melhoria de
suas condições de vida, sendo possíveis agentes de redução das acentuadas desigualdades
socioeconômicas em nosso país.
A catalogação e classificação das obras de Roger Mello nos apontaram caminhos seguros
para a definição do corpus e para o aprofundamento da análise visual dos livros escolhidos.
Nos beneficiamos de critérios estabelecidos por pesquisadores de áreas conexas e pudemos
articulá-los às características próprias de nosso objeto de pesquisa, a ilustração infantil, ainda

1
Ressalte-se o tom jocoso desta observação, especialmente se levarmos em conta que alguns integrantes de
grupos ligados à formação das novas gerações – como pais ou professores de educação infantil – têm ideais
éticos e estéticos mais conservadores e constituem focos de resistência às propostas inovadoras, como
pudemos observar por meio de depoimentos recolhidos em pesquisas espontâneas e não sistematizadas.
186

carente de estudos próprios, especialmente no Brasil, que dêem conta das particularidades
desta linguagem. Para além da realização deste trabalho, este esforço há de frutificar em prol
da formação de uma crítica especializada da ilustração de livros infantis – crítica tão
necessária quanto incipiente entre nós.
187

Referências


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AMORIM, Galeno (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do estado,
2008.
ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro. Princípios das técnicas de editoração. São Paulo: Unesp,
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_____. O peixe dos dentes de ouro. Coleção “Tião Parada, o rei da estrada”. São Paulo: Moderna,
1998.
_____. Quanta casa! Coleção “Tião Parada, o rei da estrada”. São Paulo: Moderna, 1998.
TORERO, José Roberto e PIMENTA, Marcus Aurelius. Naná descobre o Céu. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2005.
_____. Nuno descobre o Brasil. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
TRIGO, Márcio. O penúltimo dragão branco. São Paulo: Ática, 1997.
196

GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS

Aproveitamento. Estudo e escolha do melhor forma- Chapada. Na impressão, refere-se a áreas que são
to de papel a ser utilizado para a impressão de um pro- completamente cobertas com tinta ou áreas que impri-
duto, visando a menor perda possível de papel. mem 100% de uma determinada cor.
Arte naif. Palavra francesa que significa ingênuo, sim- CMYK. Cyan (ciano), Magenta, Yellow (amarelo),
ples, e que é usada para classificar a arte de certos pin- Black (preto). Sistema de composição de cores subtra-
tores do final do século XIX que se caracterizavam tivas primarias usadas na impressão de policromias.
pela busca da candura e da ingenuidade, desenvolven- Quando pontos dessas cores são combinados em dife-
do uma obra espontaneísta e autodidata, sem qualquer rentes intensidades, obtem-se uma grande variação de
propósito cientifica, resultando em uma pintura com cores.
uma composição primitiva e minuciosamente deta-
Contre-plongé. Câmera baixa. Ângulo obtido com a
lhada em cores brilhante, inteligível facilmente por
câmera filmando de baixo para cima.
qualquer espectador.4
Cor especial. Diz-se de qualquer tinta com cor ou ma-
Bicromia. Processo de impressão a cores, no qual se
tiz diferente das cores de seleção para policromia. São
utilizam duas chapas, cada uma entintada com cor di-
geralmente especificadas através de scalas especiais de
ferente. A superposição de tintas permite a obtenção
fabricantes de tintas ou da escala universal Pantone. 30
de novos tons e cores. O mesmo que duotone.
Cor primária. Cor pura, que não resulta de nenhuma
Boneca/boneco. Objeto demonstrativo de projeto
mistura de outras cores. São três as cores básicas a par-
gráfico de jornal, revista, livro ou qualquer outro tra-
tir das quais todas as outras cores podem ser obtidas.
balho gráfico de mais de duas páginas destinado a ser
As cores primarias diferem no caso de impressão ou
impresso. Em se tratando de livro, parte do/a boneco/a
de projeção de luz. Para impressão, tem-se: cyan, ma-
é geralmente constituída de folhas em branco, para dar
genta e amarelo. Em impressão de policromias, utiliza-
a idéia do aspecto que terah o volume: espessura, tipos
se essas três, acrescidas do preto (diz-se impressão a
de papel do miolo e da capa, formato, dimensões da
quatro cores) para reproduzir toda a variedade de co-
capa e da lombada, disposição dos cadernos. No Rio
res.
de Janeiro diz-se boneca; em São Paulo, boneco.
Cores frias. Azul, verde e violeta e suas variações to-
Brochura. Tipo de acabamento que se caracteriza por
nais
uma capa mole (plastificada, envernizada ou sem pro-
teção) que envolve os cadernos de um livro. Esses ca- Cores quentes. Amarelo, vermelho e laranja e suas va-
dernos, que formam o miolo do livro, podem ser cos- riações tonais.
turados, grampeados ou colados entre si. O termo Cores secundárias. Cores que resultam da mistura de
designa também a própria capa, flexível, geralmente duas cores primárias: laranja (amarelo e vermelho),
de cartolina ou de papel encorpado, utilizada nesse violeta (vermelho e azul) e verde (amarelo e azul) 30
tipo de livro.
Cores terciárias. Cores produzidas pela mistura de
Capa dura. Capa de um livro cartonado ou encader- duas cores secundárias: laranja e verde, verde e viole-
nado, com aspecto rígido. ta, violeta e laranja.
Cartum. Desenho humorístico que pode servir de ilus- CTP. Computer to plate. Processo de impressão em
tração para algum texto ou ter existência autônoma. que um arquivo digital é gravado diretamente nas cha-
Gênero em que o autor pode fazer critica de costumes. pas de impressão, eliminando os filmes.1
197

Desenho a traço. Qualquer arte criada com linhas em junção de um ao outro e confere acabamento à enca-
uma cor absoluta (usualmente o preto), normalmente dernação.
a caneta e tinta; desenho sem tons intermediários de
Imagem sangrada. Imagem cujas dimensões extrapo-
cinza.
lam os limites finais da página impressa.
Design gráfico. Termo utilizado para definir, generi-
Impressão digital. Impressão realizada diretamente a
camente, a atividade de planejamento e projeto relati-
partir de arquivos digitais, sem a necessidade de con-
vos à linguagem visual. Atividade que lida com a arti-
fecção de fotolitos e provas de impressão, por meio de
culação de texto e imagem, podendo ser desenvolvida
tecnologias próprias.
sobre os mais variados suportes e situações. Com-
preende as noções de projeto gráfico, identidade vi- Laminação. Acabamento de superfície habitualmente
sual, projetos de sinalização, design editorial, entre utilizado em capas de livros, revistas e folhetos. Con-
outras. siste na aplicação de uma película sobre a superfície
impressa.
Diagramação. Conjunto de operações utilizadas para
dispor títulos, textos, gráficos, fotos, mapas e ilustra- Litografia. Antigo processo de gravação sobre pedra
ções na página de um publicação ou em qualquer im- porosa, que consiste em fixar a imagem com tinta-gra-
presso, de forma equilibrada, funcional e atraente, xa, por lápis ou pincel, na superfície da pedra, que de-
buscando estabelecer um sentido de leitura que aten- pois é umedecida pelo contato dos rolos molhadores.
da a determinada hierarquia de assuntos A água adere apenas as partes não cobertas pelas tin-
tas-graxas e a tinta impressora contida nos rolos tin-
Ecoline. Aquarela líquida.
teiros adere somente as áreas secas, que correspondem
Faca. Chapa de corte, instrumento de metal montado à imagem finalmente impressa sobre o papel.
em madeira, que serve para recortar impressos em for-
Lombada. Lombo, dorso. Na encadernação de livros e
matos especiais.
revistas, é a parte que une a parte frontal da capa à par-
Falsa folha de rosto. Em grande numero de publica- te traseira (ou a primeira à quarta capa). É o lado de
ções, folha precedente à folha de rosto onde consta brochuras, livretos, revistas, folhetos, etc, onde está a
unicamente o titulo da publicação, segundo recomen- costura, colagem ou grampo.
dação da ABNT.
Lombada canoa. Tipo de lombada obtida através de
Fauvismo. Movimento surgido em Paris, em 1905, cu- encadernação com grampos inseridos na dobra do
jos pintores caracterizaram-se pro usarem formas pla- impresso, prependicularmente à lombada.
nas, de contorno pouco elaborado e cores puras, sem
Lombada quadrada. Tipo de lombada obtida através
claro-escuro.4
de encadernação na qual as páginas são agrupadas e
Fonte. Conjunto de caracteres de uma mesma família fixadas à capa por meio de cola, resultando em um
tipográfica, ou seja, cujo desenho siga um padrão bá- dorso quadrado ou chato.
sico de construção.
Luva. A luva é uma caixa protetora fechada, com um
Gramatura. Registro do peso, em gramas, de um me- dos lados aberto (geralmente o correspondente à lom-
tro quadrado de um determinado papel. Sua expressão bada), por onde se introduz o livro.
numérica não guarda, necessariamente, relação direta
Mancha. Espaço útil de impressão em uma página de-
com a espessura do papel, pois o peso depende da ma-
terminado pela diagramação, ou seja, o traçado da
téria-prima empregada em sua fabricação.
ocupação tipográfica de uma página.
Grampo-canoa. Processo de grampeamento em que o
Monocromia. Processo de impressão a uma só cor.
grampo é colocado no dorso do livro ou revista (exa-
tamente na dobra). Também se diz cavalo. Naif. Sinônimo de arte ingênua, original e/ou instinti-
va, produzida por autodidatas que não têm formação
Gravura. Processo de impressão no qual a matriz se
culta no campo das artes. Nesse sentido, a expressão se
constitui de chapa ou bloco de metal ou madeira (ou
confunde freqüentemente com arte popular, arte pri-
equivalente) sobre o qual é cortada ou gravada a ima-
mitiva e art brut, por tentar descrever modos expressi-
gem ou desenho que se deseja reproduzir.
vos autênticos, originários da subjetividade e da ima-
Guarda. Diz-se de cada uma das folhas de papel, bran- ginação criadora de pessoas estranhas à tradição e ao
co ou ornamental, dobradas ao meio e coladas ao co- sistema artístico. A pintura naif se caracteriza pela au-
meço e ao fim de um livro encadernado, entre a capa sência das técnicas usuais de representação (uso cien-
e o volume, cobrindo o que de fato os une. Reforça a tífico da perspectiva, formas convencionais de compo-
198

sição e de utilização das cores) e pela visão ingênua do processo resulta em quatro chapas de impressão que,
mundo. As cores brilhantes e alegres – fora dos pa- umas sobre as outras, reproduzem, por ilusão de ópti-
drões usuais –, a simplificação dos elementos decora- ca, todas as cores da arte original.
tivos, o gosto pela descrição minuciosa, a visão ideali-
Sangrar. Recurso de diagramação que consiste em
zada da natureza e a presença de elementos do
deixar que se invada com texto, foto ou ilustração o es-
universo onírico são alguns dos traços considerados
paço reservado às margens de uma publicação. 97
típicos dessa modalidade artística.2
Sangria. Área da chapa ou impressão que se estende
Op art. Abreviatura de Optical Art, arte ótica, uma
alem da margem a ser refilada (sangra).
tendência surgida na década dedos 1960, que procura
explorr vários efeitos óticos, evidenciando em formas Separação de cores. Técnica de decomposição de uma
puramente geométricas aspectos alternantes de luzes e imagem original em duas ou mais cores. Para impres-
cores.4 são de imagens em policromia, as cores do original são
decompostas e impressas separadamente, de modo a
Orelha. Extremidades laterais da capa ou da sobreca-
compor a imagem nas cores que se deseja obter.
pa de um livro que são dobradas para dentro, poden-
do ou não receber impressão. Sobrecapa. Cobertura móvel de papel ou outro mate-
rial flexível que envolve e protege a capa de um livro
Pantone. Tabela universal de cores que associa cada
encadernado.
tonalidade de cor a um código. Padrão de cores muito
utilizado em artes gráficas como referencia para im- Tipo. Desenho de letra do alfabeto e de todos os ou-
pressão. tros caracteres usados isolada ou conjuntamente para
criar palavras.
Papel couché. Papel com tratamento especial, feito em
maquina de revestimento, que aplica uma camada de Tiragem. Quantidade de qualquer publicação impres-
minerais (gesso, caulim) sobre a superfície em ambos sa. Total de copias produzidas por uma publicação em
os lados do papel. Esse processo é realizado com o ob- uma edição.
jetivo de dar lisura e brilho ao papel, melhorando su Vazado. Qualquer elemento em traço aplicado como
Papel offset. Feito de pasta química branqueada, cola- branco – área sem impressão – sobre uma mancha de-
gem de superfície e carga mineral de 10 a 15%, desti- terminada (chapada ou reticulada), desde que haja
na-se sobretudo à impressão de revistas, livros, folhe- contraste suficiente.
tos, cartazes, selos, etc. Vinheta. Pequena ilustração colocada em trabalho
Papel vergé. Contem linhas horizontais e verticais gráfico.
transparentes (linhas d’água) que simulam a aparência Xilogravura. Gravura em madeira; copia feita a partir
dos papeis antigos feitos à mão. de uma imagem em relevo talhada em um bloco de
Plastificação. Processo que cobre um papel ou cartão madeira. O bloco é entintado com um rolo e a imagem
impresso com uma película de celofane ou de outro é transferida diretamente ao papel pro pressão da su-
plástico transparente, que se faz aderir por meio de perfície entintada.
uma plastificadora. Pode-se utilizar plástico transpa-
rente fosco ou brilhante. Exceto quando assinalado, as definições foram extraí-
das de: ABC da ADG. Glossário de termos e verbetes
Plongé. Câmera alta. Angulo obtido com a câmera fil-
utilizados em Design Gráfico. São Paulo, 2000.
mando de cima para baixo.
1ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro. Princí-
Policromia. Processo de impressão que utiliza as qua-
pios das técnicas de editoração. São Paulo: Unesp,
tro cores da escala de impressão: ciano, magenta, ama-
2008.
relo e preto. Possibilita maior fidelidade cromática ao
2ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Artes Visuais. Dis-
original.
ponível online em http://www.itaucultural.org.br/apli-
Pop-up. Efeito de engenharia do papel que aproveita a
cexternas/enciclopedia_ic/index.cfm. Acesso em 15
energia cinética do movimento das folhas do livro para
fev. 2011.
criar modelos tridimensionais que saltam das páginas.3
3HASLAM, André. O livro e o designer II. Como
Quadricromia. Método de reprodução de original po-
criar e produzir livros. São Paulo: Rosari, 2007, p. 200.
licromático (arte original, transparência, etc) através
4MARCONDES, Luiz Fernando. Dicionário de ter-
da separação da imagem colorida nas três cores pri-
marias – magenta, amarelo e ciano – e no preto. O mos artísticos. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1998.
199

APÊNDICE A
Relação dos livros ilustrados por Roger Mello entre 1990-2009

Ano Título Texto Editora


A flor do lado de lá* Roger Mello Salamandra / Global
1990 Coleção: Cadê / Catacrese! / Daniel, Dona Pata e os Medos Irles Carvalho & J. Pedro Veiga
Maco
Feliz / Girassol / Livro dos opostos / Irles Carvalho
Que bicho é esse: Pantanal / Que bicho é esse: Amazônia Irles Carvalho Maco
Coleção "De mãos dadas com a natureza"* Vários autores Salamandra
Estação Liberdade,
1991 A Bolinha de Jornal* Fátima Portilho
Fund. Nestlé de Cultura
Eu quero uma coisa* Pedro Pessoa Nova Fronteira
Atíria na Amazônia Lúcia Machado de Almeida Salamandra
Babruxa, o Caldeirão e o Dragão Irles Carvalho & J. Pedro Veiga Maco
1992 Fita verde no cabelo* João Guimarães Rosa Nova Fronteira
Mistérios do mar oceano* Ana Maria Machado Nova Fronteira
É isso ali José Paulo Paes Salamandra
É só querer* Pedro Pessoa Nova Fronteira
O gato Viriato* Roger Mello Ediouro
1993 O Golem e outras aventuras do rabino Judá Levi, de Praga* Jayne Brener FTD
A lenda da noite Daniela Chindler Revan
Não gosto, não quero* Luciana Savaget Ediouro
Rômulo e Júlia: os caras-pintadas Rogério Andrade Barbosa FTD
Em boca fechada não entra estrela* Leo Cunha Ediouro
Fulustreca* Luiz Raul Machado Ediouro
O macaco e a boneca de cera* Sonia Junqueira Atual
Praça das dores* José Louzeiro Salamandra
1994 O próximo dinossauro* Roger Mello FTD
Ver-de-ver meu pai Celso Sisto Nova Fronteira
Coleção “Assim é se lhe parece”: Vou ali e volto já (vol. 1) /
Nem assim nem assado (vol. 2) / Cropas ou praus? (vol. 3) / Angela Carneiro, Lia Neiva e
Ediouro
Se faísca, ofusca (vol. 4) / Chamuscou, não queimou (vol. 5) / Sylvia Orthof
Quem acorda, sonha (vol. 6) *

Obs: Autoria completa ou parceria em negrito.


Obras premiadas assinaladas com *.
200

O Caapora Herberto Sales Civilização Brasileira


A cristaleira* Graziela Bozano Hetzel Ediouro
O dinossauro: mais uma história ecológica* Leo Cunha e Marcus Tafuri Ediouro
1995 Flor-do-mato Herberto Sales Civilização Brasileira
Gugu mania José Louzeiro Civilização Brasileira
Uma história de Boto-vermelho* Roger Mello Salamandra
O inventor de palavras Angela Carneiro José Olympio
O mistério das Sete Estrelas Herberto Sales Civilização Brasileira
Pink: viagem ao submundo da mágica José Louzeiro Civilização Brasileira
Sundjata: o príncipe leão* Rogério Andrade Barbosa Agir
Coleção “Eles são sete”: A Gula (vol. 1) * / A Ira (vol. 2) /
A Preguiça (vol. 3) / O Orgulho (vol. 4) / A Inveja (vol. 5) * / Autores diversos Ediouro
A Avareza (vol. 6) / A Luxúria (vol. 7)
Bumba meu boi Bumbá* Roger Mello Agir
O Dia da Árvore Patricia Bins Bertrand Brasil
Em cima do ringue Henrique Félix Atual
1996
Gente bem diferente Ana Maria Machado Ediouro
Maria Teresa* Roger Mello Agir
SOS Tartarugas marinhas Rogério Andrade Barbosa Melhoramentos
Telma Guimarães Castro
The sweater of Mrs. Better Atual
Andrade
Verlag Nagel & Kimche
A Terra dos Meninos Pelados (Raimundo im Land Tatipirún) * Graciliano Ramos AG (pela Record em
2003, em português)
Viriato e o Leão Roger Mello Ediouro
Coleção “Que bicho será?”: Que bicho será que botou o ovo?
(vol. 1) / Que bicho será que a cobra comeu? (vol. 2) /
Angelo Machado Nova Fronteira
Que bicho será que fez o buraco? (vol. 3) / Que bicho será
que fez a coisa? (vol. 4) / Será mesmo que é bicho? (vol. 5)
O dia da caça Bia Hetzel Brinque-Book
As borboletas Irles Carvalho & J. Pedro Veiga Maco
Cavalhadas de Pirenópolis* Roger Mello Agir
Conta uma história? Ana Lúcia Brandão Paulinas

1997 Eu me lembro* Eustáquio Lembi de Faria Dimensão


Griso, o unicórnio* Roger Mello Brinque-Book
Pedro e Pietrina: uma história verdadeira Patricia Bins Bertrand Brasil
O penúltimo dragão branco Márcio Trigo Ática
O pequeno cantador Celso Sisto Dimensão
Seis vezes Lucas Lygia Bojunga Agir
Perigo na Grécia Elizabeth loibl Melhoramentos
A pipa Roger Mello Paulinas
201

Coleção "Tião Parada: O Rei da Estrada":


O livro do pode-não-pode (vol. 1) / Quanta casa! (vol. 2) / Rosa Amanda Strausz Moderna
O caminhão que andava sozinho (vol. 3) / O peixe dos
dentes de ouro (vol. 4) / Os meninos-caracol (vol. 5)
1998 O seco e o amoroso Stela Maris Rezende Ediouro
Tchau Lygia Bojunga Agir
O dia da caça: aventuras do pequeno naturalista Bia Hetzel Brinque-Book
Pero Vaz de Caminha,
Carta a El Rey Dom Manuel Record
versão moderna de Rubem Braga
Na marca do pênalti Leo Cunha Atual
1999
O pintor Lygia Bojunga Agir
Todo cuidado é pouco* Roger Mello Cia. das Letrinhas
2000 Jonas e a sereia Zelia Gattai Record
Org. Laura Sandroni e
Coleção “Grandes Poemas em Boca Miúda” (16 vol.) Arte e ensaio
Luiz Raul Machado
2001 Jardins* Roseana Murray Manati
Meninos do Mangue* Roger Mello Cia. das Letrinhas
Ana e a margem do rio Godofredo de Oliveira Neto Record
2002 O homem que não queria saber mais nada e outras
histórias* Peter Bichsel Ática
Vizinho, vizinha Roger Mello Cia. das Letrinhas
Curupira Roger Mello (texto) Manati
2003 Memórias da ilha Luciana Sandroni Cia. das Letrinhas
Pequeno pode tudo Pedro Bandeira Moderna
José Roberto Torero e
Nuno descobre o Brasil Objetiva
Marcus Aurelius Pimenta
2004 Em cima da hora* Roger Mello Cia. das Letrinhas
Nau Catarineta* Roger Mello Manati
José Roberto Torero e
2005 Naná descobre o Céu Marcus Aurelius Pimenta Objetiva
João por um fio* Roger Mello Cia. das Letrinhas
Desertos* Roseana Murray Objetiva
Coleção "Banquete folclórico":
2006 Assombrações da Água / Assombrações da Terra /
Lúcia Pimentel Góes Larousse
Quem faz os dias da semana? / Rodas e bailes de sons
encantados / Vamos Brincar com as Palavras
É meu! Cala boca! Quem manda sou eu! Luciana Savaget Larousse
2007 Zubair e os labirintos* Roger Mello Cia. das Letrinhas
Zoo* João Guimarães Rosa Nova Fronteira
Bartolomeu Campos de Queirós,
2008 Celso Sisto, Graziela Bozano Hetzel
Hans Christian Andersen: Diferentes heróis, diferentes e Marina Colasanti. PRADO, Jason Leia Brasil
caminhos
& MAIA, Ana Claudia
(organizadores).
Carvoeirinhos* Roger Mello Cia. das Letrinhas
2009 Ossos do ofício Roger Mello Nova Fronteira
O medo e o mar Maria Camargo Cia. das Letras
202

APÊNDICE B

Fichas com dados levantados para as 20 obras do corpus

A flor do lado de lá O gato Viriato


Livro de imagem Livro de imagem
Rio de Janeiro: Salamandra, 1990. São Paulo: Global,1999 Rio de Janeiro: Ediouro, 1993
Atualmente na 7ª edição (2008) 13,5 x 20,5cm, 32 p.
20 x 20cm, 32 p. ISBN 978-85-0052530-4
ISBN 978-85-60791-23-1
Prêmio Luís Jardim – O melhor livro de imagem – FNLIJ, 1994
Prêmios: Altamente Recomendável – FNLIJ; Lista da Folha de
S. Paulo “Livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”,
2007; Acervo Básico Teórico para a Criança, 1999; Acervo Básico Temática bichos, Brasil (placa na estação de trem),
Infantil, 1999; selecionado pelo Programa Nacional do Livro ambiente urbano
Didático – PNLD, 2000; editado pelo Programa Nacional da Intericonicidade realismo figurativo, cartum
Secretaria de Educação Pública do México – SEP Técnica ecoline e lápis de cor
Traduzido para o espanhol(La Flor Del Lado de Allá) Cor e luz predominantemente realistas
Anatomia realista, animais com olhos humanizados
Temática bichos, plantas, ambiente natural, Brasil Formas orgânicas, arredondadas, fechadas,
Intericonicidade realismo figurativo, cartum sombreamento sugerindo volume,
Técnica ecoline e lápis de cor contornadas por traço suave
Cor e luz predominantemente realistas, assumindo por Perspectiva frontal, linha do horizonte baixa, sem ponto-
vezes aspectos narrativos de-fuga
Anatomia realista, animais com olhos humanizados Corte ilustrações afastadas da margem
Formas orgânicas, arredondadas, fechadas, sem traço Tipografia manuscrita no título, folha de rosto, nomes
de contorno, com sombreamento sugerindo dos capítulos e em elementos da ilustração
volume (placa da estação de trem)
Perspectiva frontal, linha do horizonte baixa Ritmo várias cenas por página, mostrando ações
sequenciais
Corte ilustrações sangradas
Projeto gráfico convencional, do autor
Ritmo uma cena em cada página dupla
Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem
Tipografia manuscrita no título e na folha de rosto orelhas. Miolo 4/4, papel offset
Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria 4a capa: logotipo da editora, código de barras, ilustração do rosto
Salamandra: Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo do autor e mini-biografia (sem assinatura)
canoa), sem orelhas. Miolo 4/1, papel couché matte.
Global: Capa 4/1, laminação fosca, brochura (lombada
quadrada), sem orelhas. Miolo 4/1, papel couché matte.
Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 32, em grafismos pretos
sobre fundo branco. 4ª capa: detalhe em continuação da capa,
logotipo de editora e código de barras.
203

O próximo dinossauro Maria Teresa


Livro de imagem Livro ilustrado
São Paulo: FTD, 1994 Rio de Janeiro: Agir, 1996
20 x 20 cm, 24 p. 27 x 20,5 cm, 24 p.
ISBN 978-85-322-1278-8 ISBN 8522004439

Prêmios Altamente recomendável – FNLIJ, 1995 Prêmios Altamente recomendável – FNLIJ; Melhor
ilustração – FNLIJ, 1997; selecionado para a
Lista de Honra do IBBY (IBBY Honour List,
Temática bichos, ambiente natural, espaço Suíça), 1998; incluído no catálogo White
indeterminado Ravens da Biblioteca Internacional de
Intericonicidade realismo figurativo, cartum Munique (Internationale Jugendbibliothek –
Técnica ecoline e lápis de cor IJB, Alemanha); indicado para o Astrid
Cor e luz realistas saturadas Lindgren Memorial Award (ALMA) pela FNLIJ
Anatomia realista, animais com olhos humanizados Adaptações Desenho animado para a TV Futura
Formas orgânicas, arredondadas, fechadas,
sombreamento sugerindo volume, sem linha Temática cultura popular, Brasil, gente
de contorno Refs. visuais arte naïf
Perspectiva frontal, ponto-de-fuga sugerido, linha do Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera
horizonte baixa; Cor e luz expressionistas, saturadas, contrastadas,
Enquadramento alternância entre foco fechado e aberto quentes
Corte ilustrações sangradas Anatomia estilizada, figuras alongadas
Tipografia composta no titulo e folha de rosto Formas estilizadas
Ritmo uma cena em cada página dupla; dinamismo Perspectiva naïf
da ação sugerido pela alternância de Enquadramento planos médios, tomadas frontais
enquadramento
Corte ilustrações sangradas
Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria
Tipografia manuscrita no titulo, folha de rosto e
Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), ilustrações (nomes dos barcos); tipografia
sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho composta no texto
2ª capa: ficha catalográfica e crêditos. Ritmo constante
4ª capa: detalhe em continuação da capa, logotipo de editora,
código de barras e texto sobre o livro (sem assinatura) Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria
Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem
orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho
Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 24 em linhas horizontais
paralelas, sinuosas, em branco sobre fundo verde-água
4ª capa: Código de barras, foto do autor e texto de Ziraldo
204

Bumba meu boi Bumbá Viriato e o leão


Livro ilustrado Livro de imagem
Rio de Janeiro: Agir, 1996 Rio de Janeiro: Ediouro, 1996
20,5 x 27 cm, 24 p. 21 x 27,5 cm, 24 p.
ISBN 8522004528 ISBN 978-85-00-00112-3

Prêmios Altamente recomendável – FNLIJ; Prêmios Selecionado pelo PNLD/FNDE, 1999;


incluído no catálogo White Ravens da IJB Secretaria da Educação do Estado de SP

Temática cultura popular, Brasil Temática bichos, Brasil, ambiente urbano


Refs. visuais arte naïf, africana e indígena, op-art, cubismo Intericonicidade fauvismo, cubismo
Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera
Cor e luz primárias, preto e branco Cor e luz expressionistas, chapadas, contraste
Anatomia estilizada, figuras alongadas frio/quente, sombras com contorno duro em
cores contrastantes
Formas geometrizadas
Anatomia estilizada, com sugestão de texturas de pelos
Perspectiva cubista (gato e cachorros) e pedra (leões)
Enquadramento planos médios, frontais, alguns em plongé Formas geometrizadas; arredondas nos personagens e
Corte ilustrações sangradas em página simples de ângulos retos no cenário; fechadas; linhas
Tipografia composta no livro todo de contorno em lápis preto, espessas e
Ritmo páginas com ilustrações sangradas irregulares
entremeando páginas com texto vazado sobre Perspectiva variada, cenas em plongé
fundo azul escuro ou verde Enquadramento alternância entre foco fechado e aberto
Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Corte ilustrações ora sangradas, ora com
Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), personagens rompendo as margens internas
sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho Tipografia manuscrita no titulo, folha de rosto, capítulos e
Falsa guarda nas capas 2 e 3 (fundo azul) e p. 1 e 24 (fundo em elementos da ilustração (cartazes, tigela
verde) com grandes desenhos gestuais, vazados em branco, do Viriato, relógio)
de touros lembrando Picasso, em distribuição aleatória. Ritmo uma cena em cada página dupla; dinamismo
4a capa: Código de barras, foto do autor e texto de Ana Maria da ação sugerido pela alternância de
Machado enquadramento
Projeto gráfico do autor, convencional
Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem
orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte
Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 24 em chapada verde.
4ª capa: Logotipo de editora, código de barras e texto sobre o
livro (sem assinatura).
205

Cavalhadas de Pirenópolis Griso, o unicórnio


Livro ilustrado Livro ilustrado
Rio de Janeiro: Agir, 1997 São Paulo: Brinque-Book, 1997. Esgotado
27 x 20,5 cm, 24 p. I18 x 28,5 cm, 32 p.
ISBN 8522004803 ISBN 8585357738

Prêmios Jabuti de Melhor Ilustração – CBL; indicado Prêmios Melhor Ilustração Hors Concours – FNLIJ,
para o ALMA pela FNLIJ; Melhor ilustração 1998; indicado para o ALMA pela FNLIJ
Hors Concours – FNLIJ, 1999
Adaptações Curta-metragem de Adolfo Lachtermacher Temática bichos, arte, espaços indeterminados
para TVE/MinC
Refs. visuais arte universal
Técnica variadas
Temática cultura popular, Brasil
Cor e luz variadas
Refs. visuais arte naïf
Anatomia variadas
Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera
Formas variadas
Cor e luz expressionistas, saturadas, contrastadas, com
predominância de tons amarelados Perspectiva variada
Anatomia estilizada, figuras alongadas Enquadramento planos médios ou centralizado em detalhes
Formas fechadas, sinuosas, sem linha de contorno Corte ilustrações sangradas nas margens laterais e
superior
Perspectiva naïf, variada, misturando vários ângulos na
mesma cena Tipografia composta no livro todo
Enquadramento predominam planos abertos e vistas aéreas Ritmo constante, com ilustrações em página dupla e
faixa preta contendo texto vazado na parte de
Corte ilustrações sangradas em página simples baixo
Tipografia manuscrita no título e nome do autor (capa e Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria
folha de rosto), composta no texto
Capa 4/4, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem
Ritmo alternam-se páginas de ilustração e de texto orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte
Projeto gráfico do autor, convencional Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 32 em padronagem xadrez
Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem de azul e preto.
orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho 4a capa: Continuação da ilustração da capa e código de barras.
Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 24 com fundo ferrugem e
desenhos pequenos e detalhados de cavaleiros mascarados
formando um pattern ortogonal.
4a capa: Código de barras, foto do autor e texto de Ana Maria
Machado
206

A pipa Todo cuidado é pouco!


Livro de imagem. Livro ilustrado
São Paulo: Paulinas, 1997. Esgotado São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1999
21 x 21 cm, 32 p. 28 x 26 cm, 36 p.
ISBN 978-85-356-2280-5 ISBN 8574060488

Prêmios Altamente Recomendável – FNLIJ, 1997, Temática gente, cultura urbana, mundo
categoria Imagem Refs. visuais figuras de Marc Chagall
Técnica lápis de cor
Temática gente, Brasil, ambiente natural, cultura urbana Cor e luz pastéis
Refs. visuais auvismo, modernismo brasileiro Anatomia figuras estilizadas, alongadas, sinuosas
Técnica tinta industrial, lápis de cor e giz de cera sobre Formas fechadas, sinuosas, sem linha de contorno,
papel colorido com sombreado sugerindo volume
Cor e luz sombras de efeito dramático Perspectiva inexistente
Anatomia estilizada, sem fisionomia Enquadramento predominam planos médios frontais, alguns
Formas fechadas, sem contorno plongé/contre-plongé
Perspectiva levemente sugerida, linha do horizonte em Corte predominam ilustrações sangradas na base
alturas variadas (chão)
Enquadramento tomadas frontais, plongé e contre-plongé Tipografia manuscrita e convertida em fonte composta
Corte ilustrações sangradas em página dupla no livro todo
Tipografia manuscrita na capa e folha de rosto Ritmo constante – ilustrações na parte de baixo com
fundo branco, texto em cima; dois
Ritmo variações de cor acompanhando progressão enquadramentos diferentes marcam início/fim
dramática (saturadas para não-saturadas)
Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria
Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria
Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem
orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho Capa 4/4, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), sem
orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte
4ª capa: Logotipo da editora, código de barras, foto do autor e
texto sem assinatura. Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 36 em desenhos em branco
sobre fundo verde evidenciando a textura do papel.
4ª capa: código de barras, vinheta e texto sem assinatura.
207

Jardins Meninos do mangue


Livro ilustrado. Texto de Roseana Murray Livro ilustrado
Rio de Janeiro: Manati, 2001 São Paulo: Cia das Letrinhas, 2001
20,5 x 26,5 cm, 32 p. 19 x 27,5 cm, 72 p
ISBN 8586218111 ISBN 85-7406-244-8

Prêmios: ABL 2002 – Literatura Infantil a Prêmios: Jabuti de Melhor Livro Infanto-Juvenil e Melhor
Roseana Murray e Roger Mello; Ilustração – CBL, 2002; Melhor para Criança Hors Concours e
Indicado para o ALMA pela FNLIJ; Melhor Ilustração Hors Concours – FNLIJ, 2002;
Melhor Projeto Editorial – FNLIJ, 2002 Prêmio Internacional do Livro Espace Enfants – Fondation Espace
Enfants, Suíça, 2002; indicado para o ALMA pela FNLIJ;
lista da Folha de S. Paulo “Livros que toda criança deve ler antes
Temática plantas, ambiente natural, de virar adulto”, 2007
local indeterminado
Refs. visuais arte popular (bordados), fauvismo, arte
oriental (tapetes), arte africana (padronagens) Temática ambiente natural, gente, bichos, cultura
popular, Brasil
Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera
Refs. visuais colagens pós-modernas
Cor e luz Saturadas, variadas, em vivo contraste. Fundos
ilustrados ou em cor chapada intensa. Técnica ilustrações em tinta industrial, lápis, giz de
cera e colagem sobre plástico amassado;
Anatomia Estilizada, poucos detalhes vinhetas desenhadas em nanquim
Formas Sinuosas, fechadas e abertas, integradas em Cor e luz saturadas, predominantemente primárias, em
patterns contraste com fundo preto texturizado;
Perspectiva Inexistente ou naïf, com vistas chapadas em vinhetas em pb com detalhes em vermelho
um só plano Anatomia figuras humanas estilizadas, com membros
Enquadramento alternância entre foco nos detalhes e planos alongados e feições simplificadas
abertos Formas geometrizadas, alongadas, fechadas sem traço
Corte ilustrações ora sangradas, ora afastadas das de contorno; vinhetas em linhas fechadas
margens Perspectiva naïf, sem ponto de fuga
Tipografia manuscrita no título e composta no livro todo Enquadramento predominam planos médios, com vários
Ritmo alternando ilustrações sangradas e contidas na personagens na mesma cena
mancha Corte ilustrações sangradas; vinhetas contidas na
Projeto gráfico especial, de Roger Mello mancha
Sobrecapa em papel vergé impresso a 2/1 cores (verde Tipografia manuscrita nos títulos dos capítulos
esmeralda e laranja) com faca vazada em formato de 3 ovais Ritmo ilustrações de página inteira intercaladas com
irregulares mostrando ilustração de plantas da capa. Fitas de páginas de texto, algumas pontuadas por
cetim vermelho na metade da altura, amarrando capa e 4ª capa. vinhetas
Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria
orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte
Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (lombada quadrada),
4ª capa: Código de barras e texto (sem assinatura). sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho
2ª e 3ª capas impressas em chapada de pantone luminoso
laranja. 4ª capa: Código de barras e texto (sem assinatura).
208

Vizinho, vizinha Nau Catarineta


Livro ilustrado Livro ilustrado
Ilustrações de Roger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani Rio de Janeiro: Manati, 2004
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2002 22 x 30 cm, 40p. ISBN 978-85-86218-55-2
28,5 x 21 cm, 36 p.
ISBN Prêmios: Jabuti de Melhor Ilustração – CBL; incluído no catálogo
White Ravens da IJB; indicado para participar da Feira de
Bolonha pela FNLIJ; Melhor ilustração Hors Concours e Melhor
Prêmios: Altamente recomendável – FNLIJ, 2002 Reconto Hors Concours – FNLIJ, 2005; indicado para o ALMA
Traduzido para o espanhol: Vecino, Vecina. Buenos Aires, pela FNLIJ
Argentina: Mondadori, 2008. Traduzido para o francês: Catarineta – Légende anonyme du XVIe
siècle. Brussels, Belgium: Les Éditions du Pépin, 2005.
Temática gente, ambiente urbano, Brasil
Refs. visuais – Temática cultura popular brasileira
Técnica lápis de cor (Roger Mello), técnica mista Refs. visuais arte naïf, ex-votos
(Graça Lima e Mariana Massarani) Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera,
Cor e luz saturadas nos apartamentos, pastel no colagem
corredor Cor e luz saturadas e contrastadas, em tons
Anatomia variada predominantemente quentes
Formas variadas Anatomia figuras humanas estilizadas
Perspectiva sugerida nos apartamentos, ponto-de-fuga no Formas sinuosas, alongadas, fechadas, sem traço de
corredor contorno
Enquadramento frontal, sem quarta parede Perspectiva naïf, sobrepondo vários pontos-de-vista na
Corte ilustrações sangradas em página dupla mesma cena
Tipografia manuscrita no titulo e composta ao longo do Enquadramento predominam planos médios e abertos
livro Corte ilustrações sangradas com algumas vinhetas
Ritmo constante: faixa com texto sob as ilustrações – junto ao texto em páginas de fundo em cor
magenta no vizinho, amarelo na vizinha chapada
Projeto gráfico Capa Dura em Cingapura, convencional Tipografia manuscrita integrando as ilustrações
Capa 4/1, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), sem (principalmente em balões com falas dos
orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho personagens); tipografia composta no restante
do livro.
2ª e 3ª capas e p. 1 e 32 impressas em desenhos brancos sobre
fundo preto. Ritmo alternância de páginas com ilustrações
sangradas e páginas com texto composto e
4a capa: Código de barras e continuação da capa vinhetas sobre fundo de cor chapada
Projeto gráfico convencional, do autor e de Silvia Negreiros
Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (lombada quadrada),
sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte
2 e 3ª capas impressas em pantone laranja; p. 1 e 40 com
ilustração em página inteira de personagens da história.
4ª capa: Código de barras e texto assinado por Alexei Bueno
209

João por um fio Desertos


Livro ilustrado Livro ilustrado. Texto de Roseana Murray
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2005 Rio de Janeiro: Objetiva, 2006
22,5 x 15,5 cm, 48p. 21 x 13,5 cm, 88 p.
ISBN ISBN

Prêmios: Prêmio Jabuti de Melhor ilustração e Melhor livro – Prêmios Indicado para o ALMA pela FNLIJ
CBL; indicado para o ALMA pela FNLIJ
Traduzido para o francês: Jean fil à fil. Nantes, France: Éditions Temática Ambientes natural e urbano, exterior, gente
MeMo, 2009.
Refs. visuais cadernos de viagem
Técnica lápis de cor
Temática gente, cultura popular, mundo
Cor e luz azul, verde, vermelho, amarelo e preto
Refs. visuais rendas e bordados
Anatomia realista, em traços sintéticos
Técnica desenhos com caneta esferográfica e lápis
xerocados em papel branco ou vermelho Formas linhas contínuas e irregulares
Cor e luz vermelho, preto e branco Perspectiva realista
Anatomia estilizada, sem fisionomia Enquadramento foco predominante aberto nos ambientes,
fechado nas cenas com pessoas e objetos
Formas alongadas e lineares, algumas silhuetas
fechadas Corte Paisagens e arquitetura sangrando a página,
detalhes contidos na mancha
Perspectiva inexistente
Tipografia manuscrita na capa, folha de rosto e
Enquadramento desenhos centralizados combinada com tipografia composta ao longo
na área de cor do livro
Corte predominam desenhos Ritmo alternando planos abertos e fechados
contidos dentro das margens
Projeto gráfico sem indicação, convencional com detalhes
Tipografia manuscrita na capa, folha de rosto, dedicatória
e integrando as illustrações; tipografia Capa 4/0, laminação fosca, brochura (lombada quadrada),
composta no texto sem orelhas. Miolo 4/4, papel pólen bold.
Ritmo constante, com páginas duplas divididas em Fitas de cetim marrom na metade da altura, na parte externa,
duas áreas de cor de fundo – uma para o amarrando capa e 4ª capa.
texto, outra para os desenhos Guarda impressa a 4/0 cores sobre papel pólen bold, em
Projeto gráfico sem indicação de autoria, inclui marcador padronagem de papel marmorizado em tons de marrom.
especial (barbanet com peixe de papel na
extremidade)
Capa 4/0, laminação fosca, capa dura. Miolo 2/2, papel offset
Guardas com desenhos brancos vazados sobre fundo vermelho.
4a capa: Código de barras e vinheta.
210

Zubair e os labirintos Zoo


Livro ilustrado Livro ilustrado. Texto de João Guimarães Rosa,
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2007 organização de Luiz Raul Machado
16,5 x 27 cm, 48p. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008
ISBN 9788574062976 25,5 x 18 cm (fechado), sem paginação
ISBN 9788520919224
Prêmios Jabuti de Melhor Livro – CBL; Melhor Projeto
Editorial – FNLIJ, 2008; indicado para o ALMA Prêmios Altamente Recomendável e
pela FNLIJ Melhor Projeto Editorial – FNLIJ, 2009 ;
indicado para o ALMA pela FNLIJ
Temática gente, cultura urbana, exterior
Refs. visuais arte pós-moderna Temática bichos
Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera, Refs. visuais –
colagem Técnica tinta industrial, lápis de cor e giz de cera sobre
Cor e luz na capa predominam laranja, amarelo, verde e papel colorido
preto; no miolo laranja e preto Cor e luz realistas nas figuras, aplicadas sobre fundo
Anatomia simplificada laranja queimado
Formas estilizadas Anatomia simplificada
Perspectiva distância sugerida pela diminuição do Formas orgânicas
tamanho dos elementos Perspectiva inexistente ou naïf
Enquadramento vista do alto, figuras grandes cortadas Enquadramento figuras completas, quase sempre de perfil
verticalmente em primeiro plano ou em vista aérea
Corte ilustrações sangradas na capa, contidas na Corte ilustrações contidas na mancha
mancha no miolo Tipografia manuscrita na luva e capa, composta em
Tipografia manuscrita na folha de rosto e integrando as fonte manuscrita em linhas dispostas
illustrações; composta na capa e texto irregularmente no miolo
Ritmo constante no miolo (uma página com Ritmo constante na interação entre ilustrações e
ilustração e outra com texto) texto, variado no manuseio das abas
Projeto gráfico especial, do autor Projeto gráfico especia, do autor
Capa 4/2, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), Luva impressa em 2/0 (pantone verde luminoso e preto), papel
orelha especial. Miolo 2/2, papel offset couché brilho 250g/m2, com faca em forma de rinoceronte
A orelha da 1ª capa tem 3 dobras e envolve o livro como um Capa 1/4, papel couché brilho 250g/m2, com 4 abas
rolo. Miolo com paginação em sentido oriental (da direita para a retangulares abrindo-se para os lados, para cima e para baixo.
esquerda) Miolo 4/4, papel couché brilho 250g/m2, com 2 abas
4a capa: Código de barras, vinheta e texto sem assinatura trapezoidais sanfonadas abrindo-se para os lados.
4ª capa: logotipo da editora, código de barras, vinheta e texto de
Luiz Raul Machado
211

Carvoeirinhos Ossos do ofício


Livro ilustrado Livro ilustrado
São Paulo: Cia das Letrinhas, 2009 Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009
27 x 22 cm, 60 p. 20 x 20 cm, 24 p.
ISBN 9788574063713 ISBN 9788520923245

Prêmios Melhor Ilustração Hors Concours – FNLIJ, Temática gente, ambiente urbano, Brasil
2010; indicado para o ALMA pela FNLIJ Refs. visuais Hamlet
Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera,
Temática gente, cultura urbana, bichos, Brasil colagem
Refs. visuais – Cor e luz preto, cinza e cores quentes saturadas
Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera e (vermelho, amarelo, magenta, roxo)
colagem sobre plástico amassado Anatomia estilizada, alongada, traços sinuosos
Cor e luz preto, cinza, laranja e magenta em contraste geometrizados
extremo Formas fechadas, sem linha de contorno, sem volume
Anatomia estilizada, figuras alongadas, sem fisionomia Perspectiva inexistente
Formas estilizadas, fechadas, sem linha de contorno Enquadramento frontal, planos médios ou fechado em
Perspectiva variada, profundidade sugerida por gradações detalhes
de tamanho e textura, sem ponto de fuga Corte ilustrações sangradas
Enquadramento predominam planos fechados, ou com Tipografia composta no livro todo
tomadas abertas a partir de detalhes Ritmo constante, texto aplicado sobre áreas
Corte ilustrações sangradas reservadas nas ilustrações
Tipografia composta no livro todo Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria
Ritmo alternância de páginas cheias e vazias e de Capa 4/2, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa).
enquadramento Miolo 4/4, papel couché brilho.
Projeto gráfico do autor, com efeitos especiais 2ª capa e p.1: falsa guarda impressa em roxo chapado; 3ª capa e
Capa 4/0 (3 pantones luminosos e preto), laminação fosca, capa p.32 impressas em vermelho chapado.
dura*. Miolo 4/4 (3 pantones luminosos e preto), papel couché 4a capa: Logotipo, selo da Coleção Faz-tudo, código de barras,
brilho. vinheta e texto sem assinatura.
Lâminas em formato de línguas de fogo no centro do livro.
* Duas edições: uma em capa dura e outra em brochura.
Aqui analisamos a edição em capa dura, mais completa.
4ª capa: Código de barras e texto sem assinatura
212

ANEXO A

Curriculum vitae de Roger Mello, 20091

FORMAÇÃO ACADÊMICA
Desenho Industrial e Programação Visual pela Escola Superior De Desenho Industrial — ESDI/UERJ.

CURSOS
SENAC, UERJ, ANIMATON (ministrado pela equipe do National Film Board of Canada),
Oficina de contos com Sérgio Santana.
Trabalhou com Luís Carlos Hipper no CENACEN.
Trabalhou por um ano na Zappin, empresa de Ziraldo.
Escreveu e ilustrou 22 livros, ilustrou cerca de 90 livros.

AUTOR DOS LIVROS


Companhia das Letras: Todo cuidado é pouco!; Meninos do mangue; Vizinho, vizinha (em parceria com Graca
Lima e Mariana Massarani); Em cima da hora; João por um fio; Zubair e os labirintos; Carvoeirinhos
Nova Fronteira: Zoo; Ossos do ofício
Agir: Maria teresa; Bumba meu boi Bumbá; Cavalhadas de Pirenópolis.
Manati: Curupira; Jardins (sobre poemas de Roseana Murray); Nau catarineta.
Global: A flor do lado de lá.
Ediouro: O gato viriato; Viriato e o leão.
Brinque-book: Griso, o unicórnio.
Paulinas: A pipa.
Objetiva: Desertos (em parceria com Roseana Murray).
FTD: O próximo dinossauro.

ILUSTRAÇÃO (cerca de 90 livros)


Fita verde no cabelo, de Guimarães Rosa; Mistérios do mar-oceano, Gente bem diferente, de Ana Maria Machado;
Praça das dores, de José Louzeiro; O penúltimo dragão branco, de Márcio Trigo; Em boca fechada não entra
estrela, O dinossauro, de Léo Cunha; Fulustreca, de Luiz Raul Machado; Coleção Assim é se lhe parece, de Sylvia
Orthof, Angela Carneiro e Lia Neiva; Ver-de-ver meu pai, O pequeno cantador, de Celso Sisto; Sundjata, o
príncipe-leão, de Rogério Andrade Barbosa; O macaco e a boneca de cera, de Sônia Junqueira; É isso ali, de José
Paulo Paes; Carta de Pero Vaz de Caminha, versão moderna de Rubem Braga; Raimundo im land Tatipirun
(Terra dos Meninos Pelados), de Graciliano Ramos, publicado na Suíça pela editora Nagel & Kimche; entre
outros.

ILUSTRAÇÃO PARA REVISTAS


Cricket Magazine – Illinois, EUA; Ciência Hoje das Crianças.

1
Fornecido pelo artista.
213

EXPOSIÇÕES
Lamanová. Coletiva com Graça Lima, Guto Lins e Ivan Zigg. Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro;
Visões de Emília – o olhar de sete ilustradores brasileiros. Idealizada por Rui de Oliveira. Centro Cultural Banco
do Brasil, Rio de Janeiro.
Bienal de Quadrinhos. Desenhos da telenovela Vamp. Forte de Copacabana, Rio de Janeiro;
Todo Cuidado é Pouco! Parque das Ruínas, Rio de Janeiro.

TELEVISÃO
Autor da vinhetas de encerramento de capítulos da novela Vamp – Rede Globo;
Participações especiais nos programas Canta Conto e Um Salto para o Futuro – TVE.

CINEMA
Direção de arte em parceria com Graça Lima do curta “O ciclo do caranguejo”, de Josué de Castro, dirigido e
produzido por Adolfo Lachtermacher, 1999;
Direção de arte e adaptação de um dos contos de seu livro Meninos do mangue para o curta “Estátua de lama”,
dirigido e produzido por Adolfo Lachtermacher, 2003;
Direção de arte e adaptação de seu livro homônimo para o curta “Cavalhadas de Pirenópolis”, dirigido e
produzido por Adolfo Lachtermacher, 2004. (Este curta foi resultado de uma parceria entre o Ministério da
Cultura e a TVE, fazendo parte do programa de televisão Curta Criança. Foi selecionado para o festival de
Gramado)

AUTOR DE TEATRO
Uma história de boto vermelho, Casa de Cultura Laura Alvim; O país dos mastodontes, Teatro Nelson
Rodrigues; Curupira, CCBB; Festa no céu; Elogio da loucura – adaptação da obra de Erasmo de Rotterdam,
CCBB; Meninos do mangue, CCBB.

EXPOSIÇÕES INTERNACIONAIS
Brazil, a bright blend of colors. Exposição itinerante de ilustradores brasileiros organizada pela FNLIJ.
Catalunha, Roma, Frankfurt, Salão do Livro de Paris, Montreuil, Bolonha e Gotemburgo;
Brooklyn Public Library. EUA, 1999;
Le Immagini Della Fantasia. Sarmede, Itália, 1999, 2000, 2001, 2002, 2007;
I Colori del Sacro. Padova, Itália, 2002, 2003, 2004;
Exposição itinerante dos originais de Nau Catarineta. Paris e Salão de Montreuil, França, 2005.

PRÊMIOS NACIONAIS DE LITERATURA


• Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil – FNLIJ
Prêmio Malba Tahan, 1992; prêmio Luís Jardim, 1994; 6 prêmios Ofélia Fontes – Melhor Livro Infantil, sendo 2
deles hors concours; prêmio Lucia Benedetti – Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003;
2 prêmios Melhor Projeto Editorial; 3 prêmios Melhor Ilustração, 1994, 1995, 1996;
5 prêmios Melhor Ilustração hors concours, 1997, 1998, 2002, 2005, 2006; prêmio Melhor Reconto hors concours,
2005; 27 vezes Altamente Recomendável.
• União Brasileira dos Escritores
Prêmio especial Adolfo Aizen; Menção Especial; Prêmio pelo conjunto da obra.
• Câmara Brasileira do Livro – CBL
8 prêmios Jabuti, 1993, 1997, 1999, 2002 (2 categorias), 2005, 2007, 2008.
• Academia Brasileira de Letras – ABL
Prêmio recebido em parceria com Roseana Murray pelo livro Jardins, 2002.
214

• Biblioteca Nacional – BN
Prêmio Monteiro Lobato, 1996.
• Folha de São Paulo. “Lista de livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, 2007
A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco! e Meninos do mangue.

PRÊMIOS INTERNACIONAIS DE LITERATURA


• Biblioteca Internacional de Munique (International Jugend Bibliothek – IJB)
5 selos White Ravens; Lista de Honra do IBBY, indicado pela FNLIJ, 1998.
• Prêmio internacional Fondation Espace Enfants, Suíça
Meninos do mangue. Melhor Livro Infantil, 2002.
• Astrid Lindgren Memorial Award – ALMA
10 indicações pela FNLIJ: livros Maria Teresa; Griso, o unicórnio; Cavalhadas de Pirenópolis; Meninos do
mangue; Nau Catarineta; Jardins; João por um fio; Zubair e os labirintos; Zoo e Carvoeirinhos.

PRÊMIOS NACIONAIS DE TEATRO


• Uma história de boto vermelho
Prêmio Coca-Cola de Teatro Infantil. Melhor Texto, 1992;
1 indicação para o prêmio Mambembe São Paulo, 1993.
• Curupira
6 indicações para o prêmio Mambembe Rio de Janeiro (incluindo a categoria Melhor Texto);
Prêmio Lucia Benedetti, FNLIJ. Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003.

ALGUNS TRABALHOS REALIZADOS SOBRE SUA OBRA


CAMPOS, Rosinha. A identidade na obra de Roger Mello. 27º Congresso Mundial do IBBY. Cartagena,
Colômbia, 18 a 22 de setembro de 2000.
KIKUCHI, Tereza Harumi. Diário de bordo: uma viagem pelos desenhos de Roger Mello. Trabalho de conclusão
do curso de Editoração. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 2003.
PANOZZO, Neiva Senaide Petry. Diálogos entre textos: Griso, o unicórnio.
215

ANEXO B

Dossiê produzido por Roger Mello para sua


candidatura ao prêmio Hans Christian Andersen 2010
(conteúdo parcial em português)

1. BIOGRAFIA DO CANDIDATO

Roger Mello é ilustrador, escritor e dramaturgo. Nasceu em Brasília, em 1965. Ilustrou mais de cem
títulos, dezenove deles, com textos de sua autoria. Formado em Design pela ESDI/UERJ, trabalhou com Ziraldo
na Zappin. Recebeu inúmeros prêmios no Brasil e no exterior por seu trabalho como ilustrador e escritor. É
considerado hours concours pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil que, além de lhe conceder vários
prêmios, o indicou para o Prêmio Hans Christian Andersen 2010 na categoria ilustrador. Da Câmara Brasileira
do Livro recebeu oito Prêmios Jabuti. Foi premiado pela Academia Brasileira de Letras e, na União Brasileira dos
Escritores, pelo conjunto de sua obra. Participou de diversas feiras internacionais de livros como Catalunha,
Roma, Frankfurt, Bolonha, Gotemburgo, Brooklyn (Brooklyn Public Library), Sarmede (Le Immagini Della
Fantasia), Padova (I Colori del Sacro). Seu livro "Meninos do Mangue" recebeu o prêmio internacional de melhor
livro do ano da Fondation Espace Enfants (Suiça) em 2002. Juntamente a outros autores brasileiros, foi
homenageado no Escale Brésil do Salão de Montreuil na França em 2005. No mesmo ano, suas ilustrações sobre
os versos populares do livro “Nau Catarineta” estiveram em exposição itinerante pelas bibliotecas de Paris. Três
de seus livros (A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco! e Meninos do mangue) constaram da “lista de livros que
toda criança deve ler antes de virar adulto”, publicada pela Folha de São Paulo em 2007. Segundo a escritora Ana
Maria Machado, em entrevista ao jornal O Globo:”A nova geração está fazendo coisas maravilhosas, porque nós
existimos antes. De saída, eu diria que tem dois (autores brasileiros) maravilhosos: Adriana Falcão e Roger Mello.
Meninos do mangue, de Roger, é uma obra-prima”.
Ziraldo comentou: “Roger é um autodidata. Aprendeu no ar. Tem a mesma mão do diabo que tinha
aquele personagem daquele conto que virou filme, lembram? Mas é um anjo. Um anjo inquieto que sabe que
suas mãos são um instrumento poderoso e competente, mas que é preciso preparar a alma para que as mãos
correspondam".

2. UMA DECLARAÇÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO CANDIDATO


PARA A LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS

Como aconteceu?
Não sei.
Foi como um brilho que cintilou sem que a gente esperasse.
Roger é um profissional que não usa apenas elementos decorativos. Ele compartilha com imagens a
história do texto. Roger acrescenta, com isso, o seu criar além do que foi escrito.
Domina a figura humana como poucos artistas plásticos. Não se estereotipa a si próprio. Buscou o que há
de mais nacional e regional nas histórias populares e jogou a sua imaginação no que encontrou em seu país para
contar e mostrar. País este que em cada recanto ainda se descobre o que foi quase sepultado. Essas raízes
brasileiras sobrevivem agora nas mãos também de jovens que buscam e valorizam esse pensar. Nesta fase passou
a ser, além de autor de ilustração, autor do texto.
O que tem vindo nesse desenvolver? Passo a obedecer o que eu mesma dissera em outra época, em outro
livro, em outro pensar.
E, eis que me vejo numa outra oportunidade quando separei seis livros mais recentes de Roger.
Neles encontro uma variedade grande de materiais, de vários movimentos e de pesquisas em diferentes
pinturas. É tanta e tal qualidade que fico perante a necessidade de um mais contar. Ao fazer a seleção tentei
separar pela variedade grande de materiais, de vários movimentos e de pesquisas em diferentes pinturas.
Sinto e sei, pelo que Roger vem mostrando, que ainda não foi o bastante para a sua necessidade de
experimentar. Mas sei do sucesso que sua criação apresenta.
Presenciei em Paris, num dos júris do Prêmio "Espace Enfants" (Genéve) de literatura Infantil e Juvenil, a
admiração que causou a mostra de seu livro Meninos do Mangue.
Foi quase total a votação para o seu primeiro prêmio: Prêmio Espace Enfants daquele ano.
Mas já lá se vai algum tempo e selecionei agora o mesmo livro na valorização do seu trabalho para o
prêmio Hans Christian Andersen."
216

1. Além de Meninos do Mangue, pelo corte, colagem, pintura presentes na variedade de tantas casas
brasileiras, do sem fim...
2.Cavalhadas de Pirenópolis – a começar pela capa onde me detive bastante, pelas ondas e filetados, pelos
campos de festa em olhar lá pelo sem fim...
3. Jardins – Ao tirar a parte coberta da capa, aparece a originalidade das páginas inteiras ilustradas, em
contraste com outras pequenas vinhetas sem fim...
4. Vizinho Vizinha – onde vai a originalidade da coautoria de Roger com Graça e Mariana pela outra
graça do acontecer sem fim...
5. Nau Catarineta – Com pluralidade de letras, palavras e figuras humanas além dos elementos
decorativos calafetador sem fim...
6. Desertos – É só apreciar e aproveitar além do contar escrito o que o livro, para sempre, o olhar
desenhado sem fim...
Como aconteceu?
Acontece sempre no sem fim de Roger Mello.
Regina Yolanda

3. ENSAIOS, ENTREVISTAS OU ARTIGOS SOBRE O CANDIDATO

3.1 Itinerário 1990-2003

Sobre o desenho de Roger Mello, podemos dizer que ele se configura pela metamorfose. Mas uma
metamorfose que não descaracteriza o artista, nem retira a força do seu trabalho. Ao contrário, a transformação
do traço e do estilo é a expressão da personalidade de uma mente criativa e incansável. Poderíamos explicar o
percurso desse fazer artístico dizendo que Roger Mello inventa sua arte a partir de um olhar de espanto e
admiração diante do mundo. Esse olhar tão bonito é o mesmo que temos quando somos crianças, é um olhar não
acomodado, um olhar que vê de forma nova aquilo que para os adultos é banal ou mesmo ultrapassado. Todo o
trabalho de Roger Mello é um amálgama de lembranças, vivências e reflexões. É a materialização de um
aprendizado sobre o mundo, aprendizado que ele repassa à sociedade na forma de releituras, de narrativas
poéticas. Roger compartilha seu universo de interesses com o leitor, faz desse leitor um companheiro de viagem
no tempo e no espaço.
A obra do artista é uma viagem pela delicadeza das emoções humanas, pela fantasia mágica da cultura
popular e por entre imagens que contam um pouco sobre a capacidade do homem de criar e de se expressar de
maneira nova e surpreendentemente bela. Se fôssemos listar as influências presentes na produção do ilustrador,
com certeza essa lista seria gigantesca, pois abrange todos os campos do conhecimento, das artes plásticas à
literatura, o cinema, o teatro, as culturas e lendas populares, a vida urbana, a tecnologia, a biologia, o meio
ambiente, a filosofia, a história... tudo o que se relaciona à humanidade é objeto de interesse para esse artista.
Roger, um pouco como Duchamp, amplia o campo de significação para as coisas, quando se apropria do
objeto buscando releituras, nova valorização. Tudo isso sem a pretensão de ser um visionário. A intenção do
artista é, nas suas próprias palavras, “algo prosaico assim”, ver a coisa feita sob a sua leitura. E sobre essa leitura
podemos dizer que, apesar da aparente mutação no seu fazer artístico, desde o início de seu trabalho algo
permanece. Não se trata de uma característica formal, claro, mas sim, de uma característica conceitual. Roger é
contador de histórias! A principal função de seus trabalhos é a função narrativa. Isso é o mais importante para o
artista, contar um boa história. Um boa história acontece quando não existe, por parte do contador, nenhuma
pretensão de doutrinar ou fazer com que o ouvinte/leitor aprenda algo. Esse é o segredo do contador de histórias
Roger Mello: ele cria suas narrativas sem pensar numa função para esse ato. Por isso mesmo, seus trabalhos são
como obras de arte, alcançam um nível mais profundo do entendimento humano, tocam a rede intricada e
misteriosa que configura a personalidade do indivíduo. A função narrativa está presente sempre nas imagens e
no textos de Roger Mello, daí sua preferência pela questão do tempo. O tempo está implícito na narrativa, em
qualquer narrativa. A passagem do tempo é a personagem mais presente no desenho e no texto do artista. Todos
os livros de Roger Mello expõem esse tempo, esse vir a ser, a transformação que os acontecimentos produzem.
Essa transformação que movimenta a vida.
Tereza Harumi Kikuchi.
Diário de Bordo: uma viagem pelos desenhos de Roger Mello. Trabalho de conclusão do curso de Editoração.
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP, 2003.
217

3.2 A identidade na obra de Roger Mello

Uma realidade é inquestionável na Literatura Infantil Brasileira atual: a presença da ilustração. É cada vez
mais raro um livro para crianças em que as imagens não sejam objeto de leitura, possibilitando leituras múltiplas.
As investigações que uma história pode oferecer ficam ampliadas à medida que, para além da narrativa,
elementos visuais são incorporados ao ato da leitura das palavras. Na sonoridade, no ritmo e na cadência do
escritor, está a semente que vai sugerir uma outra música: a das cores, texturas e formas.
No entanto, uma postura é exigida desse profissional: ser leitor. E ser leitor é uma atitude que jamais se
fecha, pois cada obra lida amplia mais e mais o universo pessoal.
Neste ponto, a obra de Roger Mello entra em foco, e três fatos chamam a atenção:
- A quantidade: em catorze anos, publica cerca de cem livros.
- A diversidade: das formas, das cores e dos espaços nos livros que ilustra.
- A qualidade: no cuidado da pesquisa e na utilização das técnicas.
Não se trata de uma obra acabada, definida e determinada por um estilo, por um traço ou por uma textura
que se repita, que, de um traço primeiro, já se pressinta a seqüência de traços e formas.
Roger é um artista ainda muito jovem, tanto quanto é jovem o seu leitor. Leitor jovem que, em cada nova
leitura, busca uma nova compreensão e um novo ponto de direção para olhar o mundo. Demonstra e mostra
uma inquietude que nos leva a ver e a ler sempre “com olhos de primeira vez”. Sua leitura, extremamente pessoal,
das histórias que ilustra e cria, chega a ser desconcertante para seus leitores.
Desconcertante porque não nos é possível prever em que textura estará sendo tecido o próximo texto que
a teia criativa de Roger tece e nos enreda.
Desconcertante por não traçar um caminho, coisa aparentemente segura num mundo de medos e
incertezas; ao contrário, a obra de Roger não encaminha. É sempre uma nova encruzilhada para o leitor porque é
uma encruzilhada para ele, Roger/leitor.
Desconcertante porque, no caminho erudito de sua formação, de seu virtuosismo, existe a possibilidade
de encontro com uma carranca, um boi de bumba, uma taça de cristal, uma gota de sangue na xícara de chá do
vampiro, fazendo com que, neste encontro, aconteça algo surpreendente, nunca a obviedade do já visto ou a
tentativa de se copiar para parecer autêntico.
Desconcertante para a identificação de estilos, correntes, escolas e modelos a que Roger Mello poderia
estar ligado, para que fosse possível um estudo estrutural da sua obra.
Desconcertante para organizar este texto, porque, a cada leitura de um trabalho seu, surgem idéias,
possibilidades, caminhos novos e surpreendentes.
O ecletismo de Roger Mello vai obrigando o leitor a construir sua leitura, vai proporcionando uma
educação do olhar muito mais rica, porque nos traz elementos de correntes e escolas diferentes, ora colocando-os
lado a lado, ora mesclando-os para deixar aparecer uma imagem nova, criativa, arrojada, corajosa e...
desconcertante.
Beatriz Sarlo, teórica da arte contemporânea, afirma que: A Arte atual trabalha com a variedade. Cruza e
sobrepõe realidades diferentes entre si: cultura de massa, grandes tradições estéticas, culturas populares, linguagens
próximas do cotidiano, tensão poética, dimensões subjetivas e privadas, paixões públicas.
A obra do ilustrador Roger Mello parece ter servido de modelo para essa análise. Seguindo o caminho
traçado por seus livros, vamos encontrando marcas de cada um dos pontos abordados acima. Se em A Cristaleira
o traço naturalista encanta e provoca memórias, puxando fios de histórias pessoais, próprias, nominadas, de
tempos diferentes para cada leitor, em Cavalhada de Pirenópolis, nas festas que mesclam o sagrado e o profano
de nossas manifestações, atitudes sociais, desde o manto desenhado na capa, ao trabalho das anônimas artesãs
bordadeiras, guardadas no imaginário de tantos e realidade na vida de alguns.
Numa primeira leitura, poderíamos pensar em uma obra sem identidade ou num autor sem identidade
com a sua obra, mas, numa aparente busca de identidade artística, revela uma atitude bastante contemporânea.
Roger incorpora em seu traço, em seu desenho, o que ele está desejando narrar, com os recursos que se fizerem
necessários para aquele texto, aquele momento, aquela leitura. Respeita, acima de tudo, o seu espaço de leitor e
não adorna... Mais do que buscar uma identidade, ele questiona essa identidade.
No caso da cultura popular, no momento em que passa a dialogar com essa forma de expressão, que para
o artista não difere da erudita, absorve o desenho e o recompõe, como na Coleção Tião Parada, na qual introduz
cores que não são do universo popular, criando uma linguagem outra, uma cadência, uma permissividade que
rejeita censura e que busca o que faz sentido para seu primeiro leitor: ele mesmo. Em Bumba meu boi Bumbá, no
qual a figura popular, elemento de presença marcante em especial no Norte e Nordeste, ganha um traço que
busca o Cubismo e a Op-Art, sem deixar perdido ou diminuído o popular, a cultura que habita o imaginário da
gente brasileira, de onde saiu o mote para a criação do livro.
218

A procura e os encontros que daí resultam estão centrados não na busca de uma identidade, mas no
convite à liberdade. Liberdade a que o artista se permite, não censurando formas, escolas, referências, texturas,
culturas; permitindo identificar-se, num renovado diálogo, com todas as possibilidades que o mundo
contemporâneo nos proporciona, e que lhes são sugeridas pelos textos e pelas histórias que constrói, ampliando,
cada vez mais, seus limites, permitindo-se leituras próprias e pessoais, construindo uma postura estética a cada
novo motivo/inspiração/mote, em que sua poética se imprime de forma cada vez mais indelével.
Traz para a ilustração o posicionamento do artista contemporâneo, traz a possibilidade de dialogar com as
várias formas de representar o imaginário. Ao trazer esse posicionamento para dentro do livro de literatura para
crianças, Roger proporciona a ampliação do universo de estilos e formas para esse leitor novo, que carrega já,
desde o berço, um mundo de informações visuais existentes na mídia, na rua, na programação infantil, enfim,
nos produtos preparados na indústria cultural para o consumo de todos.
O resultado desse trabalho renovador pode ser o encontro com um leitor também novo, inserido numa
sociedade que se transforma, buscando identidades, aprendendo a tradição, desde as danças ancestrais até o
universo cultural globalizado. Leitor que não se deixa conduzir por preconceitos, mas está sempre pronto para
ler o seu tempo com mais coragem.
Rosinha Campos
Recorte da Monografia “Um olhar sobre os olhares de Roger Mello”, apresentada no 27º Congresso Mundial do
IBBY, realizado de 18 a 22 de setembro de 2000, em Cartagena, Colômbia.

4. LISTA DE PREMIOS E OUTRAS DISTINÇÕES

4.1 Prêmios nacionais de literatura


• Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil – FNLIJ
Prêmio Malba Tahan, 1992; prêmio Luís Jardim, 1994; 6 prêmios Ofélia Fontes – Melhor Livro Infantil, sendo 2
deles hors concours; prêmio Lucia Benedetti – Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003;
2 prêmios Melhor Projeto Editorial; 3 prêmios Melhor Ilustração, 1994, 1995, 1996;
5 prêmios Melhor Ilustração hors concours, 1997, 1998, 2002, 2005, 2006; prêmio Melhor Reconto hors concours,
2005; 27 vezes Altamente Recomendável.
• União Brasileira dos Escritores
Prêmio especial Adolfo Aizen; Menção Especial; Prêmio pelo conjunto da obra.
• Câmara Brasileira do Livro – CBL
8 prêmios Jabuti, 1993, 1997, 1999, 2002 (2 categorias), 2005, 2007, 2008.
• Academia Brasileira de Letras – ABL
Prêmio recebido em parceria com Roseana Murray pelo livro Jardins, 2002.
• Biblioteca Nacional – BN
Prêmio Monteiro Lobato, 1996.
• Folha de São Paulo. “Lista de livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, 2007
A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco! e Meninos do mangue.

4.2 Prêmios internacionais de literatura


• Biblioteca Internacional de Munique (International Jugend Bibliothek – IJB)
5 selos White Ravens;
• Lista de Honra do IBBY, por indicação da FNLIJ, 1998.
• Prêmio internacional Fondation Espace Enfants, Suiça
Meninos do mangue. Melhor Livro Infantil, 2002.
• Astrid Lindgren Memorial Award – ALMA
10 indicações pela FNLIJ: livros Maria Teresa; Griso, o unicórnio; Cavalhadas de Pirenópolis; Meninos do
mangue; Nau Catarineta; Jardins; João por um fio; Zubair e os labirintos; Zoo e Carvoeirinhos.

4.3 Prêmios nacionais de teatro


• Uma história de boto vermelho
Prêmio Coca-Cola de Teatro Infantil. Melhor Texto, 1992;
1 indicação para o prêmio Mambembe São Paulo, 1993.
• Curupira
6 indicações para o prêmio Mambembe Rio de Janeiro (incluindo a categoria Melhor Texto);
Prêmio Lucia Benedetti, FNLIJ. Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003.
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5. LISTA DE OBRAS TRADUZIDAS

• Raimundo im Land Tatipirún (A Terra dos Meninos Pelados)


Texto de Graciliano Ramos, ilustrações de Roger Mello. Zurique / Frauenfeld, Suíça: Verlag Nagel & Kimche AG,
1996. Obs: Roger Mello foi indicado pela FNLIJ para fazer o projeto gráfico e as ilustrações da edição suíça do livro
• Catarineta – Légende anonyme du XVIe siècle (Nau Catarineta)
Texto e ilustrações de Roger Mello. Bruxelas, Bélgica: Les Éditions du Pépin, 2005.
• Vecino, Vecina (Vizinho Vizinha)
Texto de Roger Mello, ilustrações de Mariana Massani, Graça Lima e Roger Mello. Buenos Aires, Argentina:
Mondadori, 2008.
• Jean Fil à Fil (João por um Fio)
Texto e ilustrações de Roger Mello. Nantes, França: Éditions MeMo, 2009.

6. TRABALHOS SELECIONADOS PARA O PRÊMIO ALMA

Maria Teresa, Cavalhadas de Pirenópolis, Nau Catarineta, Meninos do Mangue, João por um fio, Jardins,
Desertos, Zubair e os labirintos, Zoo e Carvoeirinhos.

7. CINCO TÍTULOS MAIS IMPORTANTES DO CANDIDATO

Nau Catarineta, Meninos do Mangue, João por um fio, Jardins e Carvoeirinhos

8. LISTA DOS LIVROS ENVIADOS PARA OS JURADOS

Maria Teresa; Cavalhadas de Pirenópolis; Nau Catarineta; Griso, o unicórnio; Meninos do Mangue; João por um
fio; Jardins; Zubair e os labirintos; Zoo e Carvoeirinhos.

9. RESENHAS DE LIVROS ENVIADOS PARA OS JURADOS

9.1 Maria Teresa

• Laura Sandroni. O Globo, Rio de Janeiro, sábado, 3 ago. 1996.


[...] Também bem editado é Maria Teresa, de Roger Mello, premiado ilustrador agora também autor de
textos narrativos. Neste livro ele confirma as duas faces do seu talento. Trata-se da história de uma carranca do
Rio São Francisco contados por ela mesma em versos ritmados. Entre Minas e Bahia lá vai "Maria Teresa"
levando alegria aos moradores da margem do Velho Chico. Tímida, ela tem medo de saci, boitatá, caipora,
assombrações. Mas diante do bicho-d'água lembra-se de que é uma obra de arte popular, patrimônio da
humanidade, inserida para sempre no folclore brasileiro, e o enfrenta sem medo.
O texto curto cede espaço às grandes ilustrações coloridas, lembrando a pintura naif. Mais um belo
trabalho de Roger Mello em busca do conhecimento da cultura popular brasileira.

• Annual White Ravens Catalogue, International jugend Bibliothek (IJB), Munique, Alemanha, s/d
Maria Teresa, a widely travelled, but also rather timid ship with a lion's head, tells about its life on the
River São Francisco and gives a flowery account of its highly dangerous encounter with the fierce river monster.
Roger Mello has composed this story in lyrical, melodic verses and created exceptionally charming illustrations
in warm, glowing colors. With a light and souvereign touch he ignores the rules of size, proportions and
perspectives. His spacious panorama illustrations capture Maria Teresa's dramatic fantasies and the colorful life
on the river.

9.2 Griso, o unicórnio

• Animal Bonito de Imaginar. Folha de São Paulo, São Paulo, sábado, 3 mai. 1997. Folhinha, 5º caderno.
Você acredita em unicórnios, aqueles cavalos alados (com asas) e com um chifre na testa? Dizem que só os
vê que é puro de coração. Na verdade, o unicórnio é uma figura que existe em contos e fábulas de alguns países.
Essa criatura da mitologia é bonita como o livro Griso, o unicórnio, de Roger Mello. Você vai ver que não é uma
história muito comum. É história e é poesia. Começa assim: "Griso, último dos unicórnios, galopava por toda a
planície, à procura de um outro, seu igual". Da Brinque Book.
220

9.3 Cavalhadas de Pirenópolis

• Valbene Bezerra. Cavalhadas em versos e cores. O Popular, Goiânia, sábado, 14 nov. 1998.
Roger Mello, premiado autor de livros infantis, usa a traticional luta entre mouros e cristãos como pano de
fundo para uma história de amor.
As Cavalhadas de Pirenópolis ganham as páginas de um livro infantil assinado por Roger Mello, autor
brasiliense de 32 anos, várias vezes premiado. Apaixonado pelas manifestações culturais brasileiras, ele se inspira
na arte e no folclore regional para compor suas obras dirigidas ao pequeno leitor. Maria Teresa e Bumba-Meu-
Boi-Bumbá, seus trabalhos anteriores, baseiam-se nas tradicionais carrancas do rio São Francisco e no Bumba-
Meu-Boi-Bumbá, uma das festas mais populares do Nordeste.
Colorido como a Festa do Divino, ricamente ilustrado e com uma história envolvente, Cavalhadas de
Pirenópolis foi lançado em outubro, pela editora Agir, no Rio de Janeiro, cidade que Roger Mello escolheu para
viver. Em Pirenópolis e Goiânia, os autógrafos foram adiados para 1999, possivelmente em data que coincida
com mais uma encenação da secular guerra entre mouros e cristãos, que ocorre todos os anos durante a Festa do
Divino Espírito Santo.
As ilustracões de Roger Mello por si só já contam uma história e superam o próprio texto da obra. Em
cada página de Cavalhadas de Pirenópolis, o leitor se depara com uma figura típica: mouros e cristãos em trajes
vermelhos e azuis, enfileirados e prontos para a guerra; o mascarado com o seu cavalo coberto de adereços;
pessoas anônimas que participam da festa; o casario histórico, as ruas, becos e ladeiras; a doceira; os pássros, as
flores e as frutas do cerrado, Roger não perdeu nenhum detalhe.
Cavalhadas de Pirenópolis narra com lirismo uma história de amor que acontece em plena festa do
Divino. Arlindo é apaixonado por Lucinda. Para entregar uma flor à sua amada, ele deve vencer alguns
obstáculos, o maior deles o temido carcará.
Como o carcará não tem medo de gente, Arlindo se vale de uma máscara de onça para vencer a ave dona
da flor do cerrado.
Coincidência
Além de acompanhar de perto as cavalhadas a anos, Roger Mello levou muito tempo para escrever o livro.
Primeiro fez o texto e depois ilustrou cada página. Para Roger, a história do garoto que vence todos os desafios
para brindar à amada com uma flor é universal. Poderia acontecer em qualquer outro lugar. Mas alguns
personagens, o escritor/ilustrador reconhece, são tipicamente regionais. "Eles estão diluídos nas imagens",
explica.
O que Roger Mello – autor de 11 livros infantis e ilustrador de 60 títulos – pretende com sua obra é que
as crianças conheçam a festa folclórica de Goiás, principalmente aquelas que nada sabem sobre Pirenópolis.
Todos os livros de Roger Mello, até agora, são infantis. Para ele, isso é uma mera coincidência. "Não penso
muito para que tipo de público estou escrevendo. Vou fazendo e só depois é que defino se é para criança ou não",
explica. Como as histórias ilustradas, de uma maneira geral, são mais voltadas ao público infantil, as crianças é
que saem lucrando. "A imagem cativa a criança", argumenta o autor, que já ganhou dois prêmios Jabuti pelas
ilustrações de Fita Verde no Cabelo, de Guimarães Rosa, e da coleção “Que Bicho Será?”, de Ângelo Machado.
Roger Mello, que no momento trabalha no projeto infantil Todo Cuidado é Pouco, dedica-se também ao
teatro. Com Curupira, Uma história de boto vermelho e Assim é se lhe parece, ganhou os Prêmios Mambembe,
Coca-Cola de Teatro Infantil e Associação Paulista de Críticos de Arte, respectivamente. "Meu trabalho não é
exclusivamente sobre arte popular. Apesar de gostar muito de divulgar a cultura e o folclore nos livros, no teatro
prefiro uma linguagem mais universal", sublinha Roger Mello, um ex-discípulo de Ziraldo, na Zappin.
Formado em Desenho Industrial e Programação Visual pela Escola Superior de Desenho Industrial da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Roger Mello vai sempre a Pirenópolis, onde o cunhado Sílvio
Cavalcante responde pelo Instituto de Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN), órgão responsável pela
preservação e restauração do patrimônio histórico da cidade fundada pelos bandeirantes.
Entre títulos que lançou estão também A Flor do Lado de Lá, O Gato Viriato, Viriato e o Leão, Griso, o
Unicórnio e A Pipa. Além do Jabuti e do Mambembe, Roger Mello faturou os Prêmios Malba Tahan, Luís Jardim,
Ofélia Fontes e é considerado um autor altamente recomendado pelo International Board on Books for Young
People (IBBY), que tem sede na Suiça e a convite do qual Roger Mello esteve em congresso na Índia, este ano.

• Alethea Muniz. As Cores do Divino. Correio Braziliense, Brasília, sábado, 24 out. 1998. Caderno Dois.
O ilustrador brasiliense Roger Mello lança livro que resgata as tradições das Cavalhadas de Pirenópolis (GO)
As pessoas já estavam ao redor do campo de futebol para assistir aos jogos das Cavalhadas de Pirenópolis
quando o traço de Roger Mello impôs que elas deveriam ficar atrás das grades. Então o ilustrador fez o
alambrado com linhas fininhas e soltou uma gargalhada.
221

"Achei engraçado ver as pessoas ficarem atrás da cerca'", conta. Naquele momento, Roger estava diante do
desenho da representação da batalha entre Mouros e Cristãos, conhecida como Cavalhadas. A encenação
acontece todos os anos emm Pirenópolis – cidade a 170 quilômetros de Brasília – durante a festa do Divino
Espírito Santo, 50 dias depois da Páscoa.
O desenho, com 12 cavaleiros de cada lado e a cabeça do homem feita em papel maché no centro, levou
três dias para nascer. Curiosamente, o mesmo tempo que duram os jogos da festa.Pronta, com todos os
elemenetos da cena, a imagem faz parte do livro Cavalhadas de Pirenópolis, lançamento da editora Agir.
Em versos livres, o texto também é assinado por Roger Mello, em seu nono livro, todos voltados para o
público infanto-juvenil. "Escolhi os versos porque eles têm tudo a ver com a cultura popular", conta o artista
brasiliense, formado em Desenho Industrial e Programação Visual na Escola Superior de Desenho Industrial, no
Rio de Janeiro, onde mora hoje. "Procurei resgatar um pouco das minhas raízes, que também estão no cerrado",
lembra.
Outras referências à festa popular também estão na história que narra a aventura do jovem Arlindo ao
roubar uma flor do cerrado para presentear à amada Lucinda. Para a façanha, Arlindo usa uma máscara de onça
e veste-se como as pessoas daquela cidade durante a festa. As ruas em pedras, as casas antigas e as igrejas estão
todas ali, nas dez imagens das páginas do livro, além da bela figura do cavaleiro na capa da edição.
Técnicas diversas
Tantos detalhes para ambientar o leitor e levar informações que completam aquelas do texto foram
criadas com diversas técnicas. Roger usou tinta de parede, lápis colorido e outras tintas sobre um papel alemão
para desenhos gráficos. A pesquisa partiu de imagens em vídeo colhidas por Sandra e Sílvio, irmã e cunhado do
autor, a quem dedica a publicaçåo, Mas Roger conhece bem Pirenópolis e já visitou a cidade durante as
Cavalhadas, como a maioria dos brasilienses.
Todas as ilustrções estão emolduradas, algumas como se acontecesse no palco de um teatro. É um pouco
como a festa, onde as pessoas escondem a personalidade", diz o artista. Durante as Cavalhadas, os participantes
se fantasiam com máscaras de bichos ou homens, vestem roupas coloridas e saem às ruas.Os rapazes chegam a
oferecer flores de papel crepon às meninas, que ficam sem saber a identidade do galanteador.
Cavalhadas de Pirenópolis faz parte da sequência de histórias que o artista vem produzindo com enfoque
na culura popular brasileira. O primeiro deles foi o premiado Maria Teresa, sobre a história de uma carranca do
rio São Francisco batizada com nome de gente. As ilustrações ganharam projeção internacional, assim como
outros trabalhos do artista.
Maria Teresa, inclusive, acaba de ganhar destaque durante o congresso da International Board on Books
for Young People (IBBY) , a organização mais importante na área de livros infanto-juvenis, com sede na Suiça. O
congresso, bienal, este ano se realizou na Índia e o artista estava lá. "Fiquei feliz pelo livro ter sido escolhido e
surpreso pelo enfoque que foi dado pois a edição foi muito comentada", conta Roger, que já tem dois projetos a
caminho: a ilustração da capa de Pero Vaz de Caminha, e o livro Todo Cuidado é Pouco, história infantil que
envolve mais de 60 personagens, a ser lançado pela Cia. das Letrinhas.

9.4 Meninos do Mangue

• Alethea Muniz. Histórias de caranguejos. Correio Braziliense, Brasília, quarta-feira, 10 abr. 2002.
O ilustrador e autor brasiliense Roger Mello é finalista do Prêmio Jabuti em duas categorias com o livro
infanto-juvenil Meninos do Mangue, no qual expõe o universo das comunidades que vivem nos manguezais
urbanos do país.
A vida no mangue tem lá suas peculiaridades. Por exemplo: o dia está dividido em quatro fases, cada qual
com seis horas, regidas pela maré. Quando baixa, é hora de pegar caranguejo. Quando sobe, pode-se pescar. Os
meninos andam sempre em bando e as mulheres transformam lixo em peças de casa. Nesse universo de gente,
marés e lama, acontecem as aventuras narradas pela Preguiça, personagem que conduz, ao lado da Sorte, as
tramas de Meninos do Mangue, do escritor e ilustrador brasiliense Roger Mello. ‘‘O livro apresenta um lugar
inusitado onde vivem meninos que são muitas vezes marginalizados’’, afirma Roger. ‘‘Quero trazer para as
crianças essas referências que foram importantes para mim. Sempre fui mais fascinado pelo mangue do que pela
praia.’’
Lançado pela Companhia das Letrinhas, Meninos do Mangue é um dos três finalistas do Prêmio Jabuti,
nas categorias texto e ilustração infanto-juvenis. O anúncio do primeiro lugar ocorrerá durante a Bienal do Livro
de São Paulo, no dia 29 de abril. Os segundo e terceiro colocados recebem menção honrosa da Câmara Brasileira
do Livro. Esta semana, a obra recebeu o selo Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infanto-
Juvenil.
O enredo reúne oito histórias que a Preguiça conta à Sorte. As duas personagens alegóricas estão no beira
do rio Capibaribe, no Recife, e se dedicam à pesca de siri. Em cada um dos contos, Roger exercita diferente estilo
222

narrativo — da fábula contemporânea ao conto cumulativo. Todos têm uma ‘‘perninha’’ para a história seguinte,
tal qual as oito patas do siri pescado pela Sorte. O autor define o texto como ‘‘um colar de contas’’ pelo
encadeamento das narrativas, costuradas pelas idas e vindas do bando de 12 meninos desse mangue urbano
exposto no livro. Aos poucos, tem-se um retrato do cotidiano na região de casas suspensas.
Colagens e tintas
Roger também assina as ilustrações, atividade que exerce desde antes de se dedicar às letras e que lhe
rendeu mais de uma dúzia de prêmios, entre os quais três Jabuti. ‘‘Não repito informações do texto na imagem’’,
avisa. Em Meninos do Mangue, trabalha com colagens e pinturas. Usa plástico preto colado em papel como
suporte. Depois pinta as figuras com tinta de parede, como é seu costume, e faz outras colagens com materiais
tão diversos quanto os que aparecem em meio à lama dos mangues. ‘‘As pessoas pegam o lixo e transformam em
outras coisas. Aprendi muito com elas’’, lembra. A edição da Companhia das Letrinhas é bem cuidada e mantém
a qualidade do trabalho do artista.
Meninos do Mangue veio da experiência durante as filmagens de O Ciclo do Caranguejo, vídeo de Adolfo
Lachtermacher no qual Roger assina direção de arte. O filme se baseia na crônica homônima do sociólogo
pernambucano Josué de Castro (1908-1973). Autor de Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, Josué foi o
primeiro a estudar as condições de vida dos mangues urbanos e a desenvolver toda uma ciência a partir dos
estudos da fome. Sua obra também inspirou o movimento musical mangue beat, liderado por Chico Science nos
anos 90, cantor e compositor morto há cinco anos.
Roger volta a trazer para as páginas do livro um pouco da história e da cultura brasileiras, a exemplo do
que fez em textos anteriores como Maria Teresa e Cavalhadas em Pirenópolis. Nascido em Brasília, passou
metade dos seus 36 anos nesta cidade e a outra metade no Rio de Janeiro, onde atualmente vive e trabalha.
Publica um livro por ano e já prepara o próximo: Vizinho Vizinha, que está na editora. Assina o texto e convidou
as ilustradoras Graça Lima e Mariana Massarani para fazer as imagens. ‘‘O livro conta a história de dois vizinhos
que não se comunicam e são muito excêntricos’’, adianta.
A diversidade é uma das características de Roger, capaz de trabalhar tanto com temas da cultura popular
do interior quanto dos centros urbanos. Os anos longe de Brasília, garante ele, não foram suficientes para lhe
roubar as referências da cidade. ‘‘De alguma forma, Brasília está na paleta de cores que uso e na multiplicidade de
temas, por ter muitas culturas convivendo.’’

9.5 Nau Catarineta

• [s/i] Catarineta is the most celebrated, the most beautiful, the most mythical of all the sea romances in
Portuguese poetry. An anonymous ballad, dating from the second half of the 16thcentury, it represents the
highest level of esthetics, lyrics, wisdom and dramatic economy to which popular poetry can aspire in its greatest
moments. Long research into the countless variations of the poem led Roger Mello to the excellent dramatic
version in this album. Similar work of re-interpretation of various examples of our popular art served as
inspiration for his illustrations, which make this book a feast for eyes and soul, a celebration for those of any age
who are interested in our deepest and most authentic roots.

• [s/i] Catarineta est une légende maritime portugaise de la seconde moitié du 16ème siècle. Ses auteurs sont
anonymes et sa trasmission dans les pays lusophones, Brésil, Afrique, Açores et Portugal a été assurée par la
tradition orale. D'un pays à l'autre les versions varient légèrement mais toutes relatent l'esprit d'aventure et la
peur sous-jacents aux grands aventures. Au Brésil, cette légende est mise en scène lors de fêtes populaires au
cours desquelles musique et danse acompagnent la declamation des vers. Roger Mello, illustrateur brésilien de
grand talent, a mis son humour, sa palette de coleurs et la liberté de ses pinceaux au service de ce récit qui touche
avant tout l'humain dans son ambition et son désarroi. Merci de nous l'avoir rendu si vivant.

• Patricia Emsens. Annual White Ravens Catalogue, IJB, Munique, Alemanha, [s/d].
The story of the ship called Catarineta, handed down from one generation to the next through oral storytelling, is
well-known in the Portuguese-speaking world. The Brazilian author and illustrator has carefully studied
numerous versions of this tale. The result is this vivid text, written for the stage, that makes young readers live
through the disastrous shipwreck and the eerie calm, and share the protagonists’ hunger, loneliness, longing, and
desperation. Roger Mello’s widely-praised artistic style can easily be recognised in this book’s imaginative
double-page illustrations and small vignettes. The wild, energetic, playful pictures rendered in bright colours
capture the story’s intensive atmosphere in a unique way.
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9.6 Jardins

• Mànya Millen. Um jardim de versos. O Globo, Rio de Janeiro, sábado, 6 out. 2001. Caderno Prosa e Verso.
Roseana Murray conjuga poesia com simplicidade e beleza
Cultivando palavras como quem cuida de delicados canteiros, a poeta e escritora Roseana Murray acaba
de presentear seus jovens leitores com um jardim de versos. E, caros leitores, essa comparação vai além de uma
mera licença poética. Jardins é mesmo o nome da mais nova dessa cuidadosa artesã do verbo. Jardins, que a
editora Manati lança em belíssima edição à altura dos versos de Roseana e das primorosas imagens criadas por
Roger Mello para fecundar (e não apenas acompanhar) o texto, é exemplo singelo de que a poesia descansa em (e
alcança) qualquer cenário da existência humana.
Tomando a natureza, no sentido ecológico, como ponto de partida, Roseana vai tecendo seu fraseado
florido, ampliando o vocabulário sentimental em direção a uma outra natureza, a humana, desvendando na
companhia de dálias, rosas, jasmins e violetas. Assim, um "coração com pétalas de seda" divide o espaço com as
"flores imperfeitas do amor" ou com aquelas que "alimentam sonhos, dão de comer aos olhos".
A beleza simples dos versos ganha mais viço no meio do rico canteiro de desenhos de Roger, cujos
coloridos bordados gráficos provocam grata surpresa a cada página. Presente para olhos e alma em tempo de
tanta indelicadeza, estes Jardins merecem ser cultivados com suavidade. Com a alegria desobrigada de quem se
rende aos encantos de uma flor. Ou de várias.
Flores que alimentam sonhos, em toda a beleza criada por Roger Mello, ilustram o livro.

9.7 João Por um Fio

• Daniel Almeida. Delicate Plot. TAM Magazine, [s/l], n. 27, mai. 2006.
Brasília-born Roger Mello is one of the most awarded authors of children's/teen books today. Author because he
writes and draws with the same skill. His awards include the 2002 Jabuti, for Mangrove Boys, and the Swiss
Espace-enfants. In João by a Hair's Breadth (Cia das Letras), the caracter is the son of a fisherman who, at night,
lets his thoughts and ideas run like an abundant river. Through the figures printed on the handmade bedspread
that covers João, such as tadpoles, fishing nets and mountain ranges, readers are led to submerge into the boy's
fears and dreams. The beautiful illustrations are inspired by yhe webs of Brazilian embroidery.

• [s/i] Jean fil à fil, c'est tout un monde dans un couvre-lit en dentelle aux fuseaux. Tour à tour montagne, valée,
ou mer profonde, on y pêche, on y grimpe, on y dort... Jean est géant dan un monde en miniature ou tout petit
dans un océan en rouge et noir. Un poisson y creuse un trou dans lequel tout et tous s'engouffrent! Jean qui
demande qui a défait son couvre-lit le recompose avec des mots et un point d'interrogation qui lui sert
d'aiguille... Et c'est une berceuse qui apparaît! Une livre-univers d'une grande simplicité graphique qui n'oublie
pas les enfant en chemin.

9.8 Zubair e os Labirintos

• Tino Freitas. Furando sombras, descobrindo labirintos... Roedores de Livros. Quinta-feira, 18 out. 2007.
Disponível online em http://roedoresdelivros.blogspot.com/2007/10/furando-sombras-descobrindo-labirintos.
html
“Zubair nunca foi um bom corredor, as coisas é que correm. Muros correm, palmeiras carecas correm,
minaretes, cercas, postes correm, um homem parado de muleta corre, janelas pegando fogo correm. Desta vez a
sirene gritou só de implicância. Depois emendou num chiado, como um marimbondo preso no labirinto do
ouvido. Zubair fez uma curva fechada e guardou o ouvido no bolso. Agora é correr.” Enquanto Zubair – o
menino – corria, eu descansava os olhos em cada palavra do autor, cada ilustração. Zubair e os labirintos (texto e
ilustrações de Roger Mello, Cia das Letrinhas) – o livro – exige cuidado. Cuidado no sentido de atenção. É um
livro acima da média. O olhar é surpreendido pela forma, pelo enredo e por suas ilustrações. O livro são dois. Os
dois são um. Mas não pense que ler Zubair e os labirintos é uma tarefa difícil como tentar sair de um labirinto.
Zubair só pede atenção. Um lugar em silêncio para ouvir as bombas, o coração do menino, o medo da cidade que
corre, corre, corre.
Zubair tem ainda suas entrelinhas. Fala sobre o histórico saque ao Museu de Bagdá nos dias da guerra. Peças de
valor incalculável como vasos da Mesopotâmia, esculturas assírias de marfim, cerâmicas do cemitério real da
cidade de Ur ficaram à mercê de vândalos e oportunistas. O menino Zubair corre sobre os destroços, se encanta
com um tapete dobrado, toma-o para si e corre dos mísseis, de um soldado da coalizão e de um miliciano. Enfim,
um lugar seguro para Zubair e seu precioso tapete. Hora de descobrir que “desembrulhado uma duas três vezes,
o tecido espesso abraçava um livro em que se lia: Os treze labirintos”. Um susto!!! Eu havia desembrulhado o
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livro três vezes e descoberto outro: Os treze labirintos. Esperto esse Roger Mello. Esperto e surpreendente pois o
novo livro convida para uma leitura inversa da ocidental. Não do texto, mas das páginas. Forma que o autor
inventou para nos aproximar do universo de Zubair.
O novo livro apresenta os labirintos. Drops da genialidade do autor. O papel laranja guarda belíssimas
ilustrações em preto. Eu diria que os labirintos estão nas palavras, mais que nos desenhos, embora alguns sejam
as duas coisas. Eu adorei. O primeiro labirinto guarda um bom enredo. O terceiro foi escrito para o riso dos
adultos – perfeito! O oitavo e o nono pontuam pela forma disforme (!!!). O décimo labirinto – o das sombras – é
uma brincadeira com palavras ao melhor estilo Lewis Carrol. E por aí seguem os olhos de Zubair e os meus.
Roger me faz rir com tantas descobertas. Será que tem mais? Onde estará o décimo terceiro labirinto? Bem, acho
que dei atenção demais para o livro, estou viajando nas possibilidades. Descobri que quando a última página do
livro laranja se encontra com o livro-tapete uma terceira história se completa. Putzgrila!!! Vou ler de novo.
É hora de guardar o ouvido no bolso para me encantar com o primeiro parágrafo reproduzido no início
deste texto. Descansar os olhos nas ilustrações coloridas que mostram uma Bagdá em guerra (num estilo que
lembra o lindo trabalho do autor no livro Meninos do mangue). Descobrir o menino Zubair correndo entre as
ruas repletas de destroços. “Zubair fura sombras enquanto corre”. Roger Mello deve furar sombras enquanto
imagina suas histórias. Eu continuo procurando o décimo terceiro labirinto...

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