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A QUINTA HISTORIA

Conto do livro “A Legião estrangeira” – 1964

Momento histórico – Ditadura 1964.

Narrativa Intimista, introspectiva e fixada nos conflitos internos do próprio indivíduo.

Escrever é lembrar-se do que nunca existiu. A


procura da própria coisa. Já que há de escrever
almenos não esmague com palavras às
entrelinhas.

Análise:

Repetição do mesmo de uma forma diferente, com roupagem diferente. A obra possui o mesmo
núcleo (um núcleo básico), mas com diferentes manifestações. Cria um jogo de polaridades (igual x
diferente). Seu início recorre a uma narrativa milenar em forma de espiral (voltas com formas iguais, mas na
verdade são diferentes). Podemos dizer que ela desdobra o uno em múltiplas histórias como um retorno da
mesma história. Também as baratas retornam todas as noites, obrigando-a a fazer o ritual do açúcar.

Clarice Lispector era obsessiva por baratas, 12 anos antes ela lançou uma crônica no jornal com essa
receita do gesso. Parecia desejar chocar as donas de casa em sua coluna dominical para mulheres.

A história tem uma moldura inocente com conflito terrificante. Desconcerta o uso de um texto
híbrido, que converge em três gêneros: conto, crônica, receituário.

Ela propõe contar cinco histórias, começa pela última chamando de primeira. A queixa se repete
sempre como palavras iniciais em cada história: “Queixei-me de baratas”, e só há um modo de se livrar
delas que é matando. Baratas que nem eram delas, atraídas pelo açúcar, assim como Sherazade (embora
Sherazade fosse à vítima). Jogo com as narrativas milenares como também Decamerão. Mas também pelo
avesso.

A dona de casa começa como vítima e termina como assassina e também o inverso: quem começa
como o mal, termina como vítima. Ela gostou tanto de matar baratas que se transformou em um ritual, uma
dona de casa que descobriu sua violência. Descobrir todo o mal que existe dentro de si e que é capaz de
exercer.

O envenenamento das baratas faz parte de uma paranoia. O ato paranoico deposita fora um processo
que ele ainda não sabe como lidar, muitas vezes faz parte de um processo defensivo. Então, ela se descobre,
percebe seu sadismo (o prazer de fazer mal). O ato se transforma em um espetáculo e fica tomada em ver as
baratas sucumbirem. Junção da função sádica com a função erótica, seu grande mal secreto: excitada com o
ato de matar. ( Atos obsessivos muito estudado por Freud).

O grande mecanismo do conto é a síntese que torna a narrativa privilegiada. A toalha alerta para a
vigilância. Em seu sonho ela toma a forma imagética de baratas, mata-las é um álibi social aceitável, que
representam seus desejos. Podemos observar duas metáforas. Na primeira, uma metáfora simbólica, ela é o
edifício e todo conto é o que tem dentro de si, é uma metáfora psicológica. Na solidão da calada da
noite, afloram os desejos e impulsos infames, os quais têm de ser calados sob a luz do
dia, quando do convívio social.
Na segunda, muito mais alegórica, é uma metáfora política com referência a política ditatorial
enfrentada pelo Brasil em 64.

Também há um papel metalinguístico que irá se reforçar na terceira história. A brancura do gesso
representa o papel, a preparação dos ingredientes como a labuta do escritor, as palavras também são
engessadas.

Em cada versão da história, alguns dos níveis narrativos se sobressaem, cada parágrafo recebe uma
ênfase, em um é o assassino em outro as estátuas, assim por diante.

A quarta narrativa traz uma nova era do lar, o gozo estético, matar vira arte que a aprisiona em um
desejo sem fim (ato obsessivo). Vida dupla durante o dia uma dona de casa, à noite uma assassina. A receita
em si se resume como um ato de bruxaria, feiticeira com um “Q” de alquimia.

Ela então cita Leibnitz, uma espécie de pista falsa e, de forma “ implícita, a seu sistema
filosófico-matemático, que postulava a existência do infinito. Todavia, em lugar do infinito
numérico, “A quinta história” tematiza sobre o infinito narrativo, de contagens e
recontagens de Sherazade ou de baratas, também essas infinitas motivadoras da
escrita.” Não adianta fugir para nenhum lugar na Polinésia, as baratas vão voltar, seus
impulsos não vão cessar. Assim eliminar as baratas não conterão seus conflitos internos.

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