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Em 1966, Hilda Hilst vai morar em uma fazenda que era de sua mãe. A residência
chama-se “Casa do Sol”, local onde ficará até o fim de sua vida, em 2004. De 1967 até
1969, escreve oito peças teatrais: O visitante, Auto da barca de Camiri, O novo sistema,
As aves da noite, A possessa, O rato no muro, O verdugo e A morte do patriarca.
Durante o ano de 1980, lança três livros: Poesia (1959/1979), Da morte. Odes
mínimas, (que traz cinquenta poemas inéditos) e, Tu não te moves de ti, prosa, com três
novelas.
O livro que será analisado nesse artigo, A obscena senhora D, é do ano de 1982.
Hilst, utilizada a linguagem como artefato para construir uma prosa de cunho lírico, que
será evidenciada posteriormente. Em 1984, publica Poemas malditos, gozosos e devotos,
1986: Sobre a tua grande face, poema compostos em parceira com o músico brasileiro
Zeca Baleiro. Nesse mesmo ano, escreve: Com meus olhos de cão e outras novelas.
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Segundo, o site oficial da escritora: <http://www.releituras.com/hildahilst_bio.asp>. Acesso: 10 jan.
2016.
Anatol Rosenfeld, crítico literário, elogia a escritora Hilda Hilst, durante a década
de 70, do século XX, quando sua obra, ainda não era bem vista pela crítica, a escritora
não recebia muita atenção por parte dos estudiosos. O crítico exalta as incursões, da
escritora nos três gêneros narrativos e seus respetivos resultados:
O caderno rosa de Lori Lamby é lançado em 1990. Esse livro está escrito em
prosa, como se fosse um diário de uma personagem de oito anos. Contos
d'escárnio/Textos grotescos e Alcoólicos, é desse mesmo ano. Livro de contos com alto
teor satírico.
são livros de poesias. Rútilo nada: A obscena senhora D ; Qadós é de 1993, uma espécie
de novela. Cantares do sem nome e de partidas é de 1995, são formados por poesias.
Nesse mesmo ano a escritora adoece.
É no ano de 1997, que, Estar sendo. Ter sido, é lançado. O livro está em prosa.
Em 1999, publica: Do amor, antologia poética, coordenada pelo escritor Yuri V. Santos.
Nos anos 2000, é lançado: Teatro reunido (volume 1).
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Todas as citações do livro “A obscena senhora D.” referem-se a Hilst, Hilda In: A obscena senhora
D.1982, e serão seguidas, apenas no número da página e abreviação do título do livro (AOSD).
Nesse monólogo, a protagonista realiza uma série de profundas reflexões sobre
questões filosóficas e existências que permeiam a história da humanidade e também a
sua.
A voz que narra esse romance é emotiva, de cunho subjetivo, cravada em uma
busca incessante por respostas. As questões existenciais, por vezes, filosóficas, emanam
as dores e angústias que estão impregnadas no interior dessa voz narrativa. Tofalini,
esclarece:
Vi-me afastada do centro de alguma coisa que não sei dar nome, nem
por isso irei à sacristia, teófaga incestuosa, isso não, eu Hillé também
chamada por Ehud A Senhora D, eu Nada, eu Nome de Ninguém, eu à
procura da luz numa cegueira silenciosa, sessenta anos à procura do
sentido das coisas. Derrelição Ehud me dizia, Derrelição ... (AOSD, p.
4).
Outra categoria do romance, que está liricizada3 no livro em destaque, é o
tempo. Tempo é fundamental para que se possa classificar um gênero como romance.
Pode-se afirmar que sem o tempo não há como definir ou caracterizar o romance, sem
tempo, sem romance. A categoria tempo é essencial, quando se objetiva comprovar o
gênero como romance lírico. O tempo no romance lírico será transfigurado, passando por
um processo. Tofalini (2013, p. 172) assevera que “é necessário revolucionar as
modalidades temporais, transfigurando o tempo e instaurando a presentificação,
elemento essencial na elaboração do poético” (grifos meus). Freedman corrobora:
“Tiempo y acción pueden ser simulados, pela la finalidad del lenguaje del poema es lograr
una intensidad específica por modulación de imágenes.” (1972, p. 20).
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Os termos “liricizada” e liricização” foram cunhados pela professora pesquisadora da Universidade
Estadual de Maringá: Luzia A. Berloffa Tofalini. Esses termos não se encontram no dicionário.
originarem formas de linguagem, micro-estruturas textuais e figurações
metafórico-simbólicas que se aparentam ao discurso (e à atitude) da
poesia. (GOULART, 1990, p. 36).
Gullón, em estudo sobre as características do romance lírico, disserta sobre o
tempo e a sua simultaneidade com o espaço – estes não se separam – (espaço é o interior,
encontra-se na mente do narrador):
Hillé, busca o mistério, o inédito, o inefável, o que está por trás das palavras, o
inaudito, o significado oculto das palavras. O que não está dito, o que está depois do
verbo, além do verbo, a narradora não consegue conformar-se com o limite que as
palavras têm, da impossibilidade da linguagem em exprimir realmente o que o eu lírico
sente: "... porisso4 Falo falo, para te exorcisar, porisso trabalho com as palavras, também
para me exorcisar a mim, quebram-se os duros dos abismos, um nascível irrompe nessa
molhadura de fonemas, silabas um nascível de luz, ausente de angústia". (AOSD, p. 31).
4
No presente artigo, foi preservado a ortografia utilizada por Hilda Hilst.
e está vocacionado para morrer com ele [...] Configurando uma história
que tem menos em cota o decurso de um processo de transformação que
o seu resultado e que começa exatamente onde essa transformação
acabou”. (GOULART, 1990, p. 24).
Outro aspecto importante, para ser tratado nessa análise, não falando mais sobre
as categorias da narrativa, visto que, já foram expostas. É a angustia, que a narradora
emana.
Hillé, com suas palavras, nos apresenta de forma íntima e subjetiva sua visão sobre
o mundo e sobre as pessoas. Nos apresenta sua busca por respostas, como algo que
necessita e sem o mesmo não consegue existir no mundo. A narradora, busca por
autenticidade na maneira de viver, de ser. Ao procurar essa autenticidade do ser e das
coisas ela sofre terrivelmente. A angustia que sofre ao procurar a autenticidade pode ser
observada em praticamente todo o romance, tornando-se um dos principais temas do
livro:
Diante da vila, das casas quase coladas, entre as gentes sou como uma
grande porca acinzentada, diante de muitos a quem conheci sou uma
pequena porca ruiva, perguntante, rodeando mesas e cantos, focinhando
carne e ossatura, tentando chegar perto do macio, do esconso, do branco
luzidio do teu osso, diante de minha mãe fui apenas pergunta, altaneria,
paradoxo, Hillé diante do pai foi o segredo, a escuta, a concha, o que é
paixão? o que é sombra?” (AOSD, p. 12).
A angústia que sente Hillé é pujante, visto que, almeja viver de forma autentica.
Buscando as essências das coisas e dos seres. Para viver em autenticidade, a narradora
carrega em si, um alto número de questões complexas e antigas sobre a humanidade. Hillé
não se interessa em quesitos relativos a vida cotidiana, ordinária, aos problemas
domésticos. Sua existência é voltada para a autenticidade do ser. Heidegger, filósofo
alemão, explica:
A opção por uma vida autêntica em oposição a uma vida inautêntica, acarretou
problemas a Hillé. Seus vizinhos não conseguiam compreender o modo que escolhera
para viver, eles não compartilhavam as mesmas ideias e angústias existenciais. Hillé é
acusada de ser louca, indecente, entre diversos outros adjetivos de cunho pejorativo. A
narradora profere:
...vi os olhos dos homens, fúria e pompa, e mil perguntas mortas e
pombas rodeando um oco e vi um túnel extenso forrado de penugem,
asas e olhos, caminhei dentro do olho dos homens, um mugido de
medos garras sangrentas segurando ouro, geografias do nada, frias,
álgidas, vórtices de gentes, os beiços secos, as costelas á mostra, e
rodeando o vórtice homens engalanados fraque e cartola, de seus peitos
duros saíam palavras Mentira, Engodo, Morte, Hipocrisia, vi o Porco-
Menino estremecendo de gozo vendo o Todo, suas mãozinhas moles
reverberavam no cinza oleoso, ele estendia os dedos miúdos para o alto,
procurava quem? (AOSD, p. 13).
Hillé vive para buscar o fundo o oculto das coisas e dos seres, no entanto, seus
vizinhos estão na superfície, no raso, e não compactuam do mesmo sentimento de
inadequação e constante angustia, vividos por ela. Essa angustia é própria de um ser
buscando a autenticidade. O que a narradora pergunta, e não encontra resposta satisfatória
ou simplesmente não consegue encontrar uma resposta, vai deixando como resquício mais
perguntas sem respostas. Hillé vocifera:
Como foi possível ter sido Hillé, vasta, afundando os dedos na matéria
do mundo, e tendo sido, perder essa que era, e ser hoje quem é? Quem
a mim me nomeia o mundo? Estar aqui no existir da Terra, nascer,
decifrar-se, aprender a deles adequada linguagem, estar bem não estou
bem, Ehud ninguém está bem, estamos todos morrendo” (AOSD, p. 9).
O livro em estudo, está permeado por dúvidas teológicos, sobre a existência ou não
existência de Deus ou de um ser supremo, algum arquiteto do universo, que pudesse
responder satisfatoriamente as diversas questões proferidas por Hillé. A narradora
pergunta: “E Deus? Deus entra e sai, Ehud? Isso não sei. O padre diz que Deus está dentro
do coração. Então espia o teu, vê se ele tá lá dentro. Tô espiando. Taí? Não. Deixa eu
escutar o teu coração. Nossa, tá batendo. Claro, o teu também, deixa eu escutar. ” (AOSD,
p. 22).
Junto com essa consciência exacerbada de mundo e angustia, Hillé na busca pela
autenticidade, encontra também a consciência do ser-para-a-morte, ao deparar-se com a
morte, de seu companheiro Ehud. Heidegger explana:
Outro ponto, a ser destacado nesse estudo é a presença do silêncio adornando todo
o livro. Esse silêncio, como afirma Orlandi:
Referências
FREEDMAN, Ralph. La novela lírica: Herman Hesse, André Gide y Virginia Woolf.
Barcelona: Barral Editores, 1972.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 2005. São Paulo: Editora Vozes, 2005.