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XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 45

GORDON STRETTON: TRAJETOS DO JAZZ NA AMÉRICA LATINA - 1920

Marilia Giller Jeff Daniels


Marilia Giller - Pianista, pesquisadora e professora do curso Bacharelado em Musica Popular da Jeff Daniels - Liverpool Hope University - Creative Campus – Inglaterra - Masters Degree
Universidade Estadual do Paraná - Campus II - Faculdade de Artes FAP/UNESPAR // Mestre em Popular Music and Society Feb-2013. Great nephew of William Masters / Gordon Stretton.
Música/Etnomusicologia (UFPR-2013) // Especialização em Música Popular Brasileira (FAP-
2005) // Bacharelado em Música Popular (FAP-2007). Ênfase em: musica popular; arquivos e
documentação; Jazz na América Latina, Brasil e Paraná. Contato: magiller@gmail.com

O presente estudo apresenta aspectos da trajetória do músico Gordon Stretton Este artículo presenta los aspectos de la trayectoria del músico, Gordon Stretton
(Liverpool + 1887/Buenos Aires – 1983) e sua atuação na América Latina. O (Liverpool + 1887 / Buenos Aires - 1983) y su actuación en América Latina. El objetivo
objetivo principal é observar os circuitos internacionais, assim como, entender principal es observar los circuitos internacionales, así como también entender
as relações proissionais e musicais realizadas como parcerias, produções las relaciones profesionales y musicales llevadas a cabo como asociaciones,
e os locais de circulação. Ao veriicar a chegada do jazz e os elementos que producciones y locales de circulación. Al observar la llegada de jazz y los elementos
o desenvolveram nos países do Cone Sul da América Latina notamos que que se desarrollaron en los países del Cono Sur de América Latina, nos damos
muitas Jazz Bands norte-americanas e europeias transitaram entre as cidades cuenta que muchas de las Jazz Bands norte-americanas y europeas transitaron
do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, levando para esses lugares os modelos entre las ciudades de Brasil, Argentina, Uruguay y Chile llevando para estos lugares,
musicais em voga. Em 1923, Gordon Stretton foi um dos pioneiros do jazz nas los modelos musicales de moda. En 1923 Gordon Stretton fue un pionero del jazz
cidades por onde passou e sua contribuição artística e cultural o posiciona como en las ciudades por donde pasó y su contribución artística y cultural lo posicionan
um dos responsáveis pela internacionalização do jazz na América Latina. como uno de los responsables de la internacionalización del jazz en América Latina.

PALAVRAS-CHAVE: Gordon Stretton, Jazz, América Latina, Música Popular,1920 PALABRAS CLAVE: Gordon Stretton, Jazz, América Latina, música popular, 1920
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1. O JAZZ TRANSOCEÂNICO NA AMÉRICA LATINA Um exemplo é a companhia francesa de revistas Ba-Ta-Clan que visitou a América Latina
em 1923, trazendo como estrela de seu elenco, a vedete Mistinguett que dançava e cantava,

Esta pesquisa busca estudar a trajetória do músico Gordon Stretton, realizada na América acompanhada pela Gordon Stretton Jazz Band ou Syncopated Six (Daniels & Rye, 2010:5).

Latina no inicio da década de 1920, e principalmente, observar sua passagem pelo Brasil no Esta banda é possivelmente, a primeira Jazz Band formada por músicos negros a se apre-

ano de 1923. Neste tempo Gordon vinha atuando na Europa, Londres e Paris, logo, chegou a sentar no hemisfério sul, justiicando assim a importância desta pesquisa, pois ainda, além

Buenos Aires, passou por Montevidéu e pelo Brasil, no Rio de Janeiro. Depois disto, ixou-se de agregar músicos brasileiros, eles também levaram para a Argentina e Uruguai um novo

em Buenos Aires, até o im de sua vida em 1983 (Daniels & Rye, 2010). modelo musical.

Se analisarmos os movimentos culturais ocorridos durante a modernidade e pontual- Estas histórias de deslocamentos, como a de Gordon Stretton, principalmente frente ao

mente o advento do jazz na América Latina, notamos os novos modos de identidade social panorama transoceânico do Jazz, reproduz em parte a ideia de Paul Gilroy (1993), no livro

e cultural formadas após o im da Primeira Guerra Mundial. Entre os novos hábitos citadinos, ‘Atlântico Negro’, que busca deinir a modernidade a partir do conceito de diáspora negra e

a dança moderna norte-americana, feita ao som de músicas sincopadas surgem, promoven- seus episódios de deslocamentos, viagens e perdas, mas, observadas aqui, aquelas trajetó-

do transformações e o aparecimento de um tipo de conjunto instrumental, conhecido como rias ligadas ao hemisfério sul do oceano Atlântico, ocorridas nos primeiros anos da década

Jazz-band (Giller, 2013:66). de 1920. Exemplo disso, a trupe francesa Ba-Ta-Clan1, sob direção da empresária Madame

É recente a abordagem sobre o jazz na América Latina e noções a respeito do jazz latino- Bénédicte Rasimi, que além de marcar a renovação no mundo do espetáculo em geral na

americano, assim como, a observação das rotas e intercâmbios musicais ocorridos entre América Latina, tem participação direta na passagem de Gordon Stretton e o seu grupo ‘Syn-

os países ocasionados por músicos em transito. Em cada continente ou país, a tradição do copated Six’ no ano 1923.

Jazz desenvolveu-se conforme movimentos de circulação especiicos, estes, são apontados Para ixar este panorama em transito, nos amparamos na ideia do mapa de trajetórias,

por Mark Miller (2005) e Taylor Atkins (2003), e na América Latina por Pujol (2004), Delannoy que vem sendo desenvolvido e realizado pelo ‘Grupo de Trabalho Jazz na América Latina’ do

(2012), Corti (2012). IASPM-LA (Corti 2012:361), o mapa nos traz à luz o complexo sistema de rotas efetuadas por

Alguns elementos fundamentais para o desenvolvimento do Jazz neste período foram artistas entre os continentes, formando um movimento transnacional, que também inclui o

desenvolvidos por meio de partituras, fonogramas, imprensa e também por companhias Brasil e as suas cidades portuárias, principalmente o Rio de Janeiro. Os caminhos marítimos

artísticas ativas em teatros, salões, cafés, clubes e boates, e mais tarde, nas salas de cine- realizados por passageiros de varias espécies, entre a Europa, o Brasil e a Argentina, foram

ma e programas de rádio, gerando com isto, a circulação de músicos, artistas, entusiastas e estudados pelo pesquisador José Carlos Rossini (1995), que nomeia este trajeto como ‘Rota

produtores.
Ao contemplar as primeiras aparições de grupos de jazz no Brasil notamos que muitas
1 Nota-se que, a Companhia apresentou-se pela primeira vez no Brasil em 1922, no Teatro Lírico no
Jazz Bands internacionais chegaram acompanhando vedetes famosas dos palcos europeus. Rio de Janeiro (RJ).
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Ouro e Prata2’, relacionando o ouro ao Brasil e prata à Argentina. Identiicamos assim a traje- a temporada no dia 4 de maio, e para juntar-se a Companhia Gordon Stretton e seu sexteto

tória de Gordon Stretton, e consequentemente dos músicos que o acompanharam. chegam em Buenos Aires em ins de maio. Depois de quase dois meses, partem para Monte-
video, no Uruguai, no dia 15 de julho e estreiam no ‘Teatro Solis’ no dia 19 de julho. No dia 29
julho, partem para o Rio de janeiro chegando dia 3 de agosto de 1923 (Daniels & Rye, 2010).

2. GORDON STRETTON NA ROTA OURO E PRATA A Companhia Ba-Ta-Clan estreia no Rio de Janeiro no dia 4 de agosto, no ‘Teatro Lyrico’, fa-
zem duas temporadas no Rio de Janeiro, em agosto e em outubro, estando durante o mês

Gordon Stretton nasceu como William Masters em 5 de Junho de 1887, e passou seus úl- de setembro em São Paulo.

timos anos, até sua morte em 03 de maio de 1983, na Argentina. Nascido em Liverpool, A Jazz Band de Gordon veio para acompanhar as apresentações de Mistinguett e Earl

(UK) mas com ascendência jamaicana e irlandesa, inicia a carreira com nove anos acompa- Leslie, ambos já haviam consquistado os palcos de Paris, porém, no inicio de setembro, a

nhando a trupe de dança de meninos sapateadores, chamada Eight Lancashire Lads. Depois, dupla parte para Nova York, e Madame Rasimi, logo passa a anunciar a substituição dos

torna-se famoso no teatro britânico com seu canto e dança. Em 1907, participa do Jamaican artistas pelo cantor Randall em ‘Bonsoir’ a 3º revista do Ba-Ta-Clan. Porém, Gordon Stretton

Choral Union. Lidera o coro em Liverpool e atua em 1914 com o grupo Versátile Four, pionei- permanece no Brasil até dezembro e nestes tres meses no Rio de Janeiro, alarga seu espaço

ros do jazz na Inglaterra. Nos últimos anos da década de 1910, em Paris, Gordon Stretton, de ação proissional atuando em espaços diversos, realizando produções e contracenando

com 35 anos, monta o sexteto Orchestra Syncopated Six, sendo atração dos cafés franceses. com artistas locais.

Em meados do mês de maio grava seis faixas para o rótulo Pathé de Paris3, (Daniels & Rye Pelas notícias de jornais do período, procuramos observar os movimentos de Stretton,

2010:82). Em 1923 o grupo acompanha a vedete Mistinguett na turnê da Companhia Ba-Ta- primeiro pelas noticias relacionadas a Mistinguett e Leslie, e em um resumo da revista ‘C’est

-Clan realizada na América do Sul, incluindo a Argentina, Uruguai e o Brasil. la Miss’, constatamos a apresentação da maioria das canções de Mistinguett como: “Une

Rumo a Buenos Aires, os jornais brasileiros anunciam a passagem da Companhia france- femme que marche”, “Carolina”, “La Lolita”, “Mon Homme”. Em seguida Earl Leslie aparece

sa pelo Rio de Janeiro no dia 28 de abril de 1923. Na capital portenha, a Ba-Ta-Clan inaugura com “Speciality”. Em ‘La marche d l’etoile’ Mistinguett aparece no quadro “La fabrique des
revues” e no 2º ato, surge em “J’em ai marre”, a seguir Earl Leslie apresenta “Lês Cannes”
acompanhado de Mistinguett e da ‘Gordon Stretton Jazz Band’. Em “Le dancing” Mistinguett
2 Percebemos na pesquisa, dois pequenos pre-trajetos: o primeiro liga os EUA até a EUROPA, nele
chegam músicos que mais tarde farão parte da história de Stretton, como Paul Wier, John Forrester, exibe a canção “Java”. (O Paiz, RJ, 14/08/1923).
Will Marion Cook. O segundo pre-trajeto: a rota entre Londres e Paris, nele Stretton e os demais A produtora Madame Rasimi também organiza apresentações e chás dançantes em tar-
chegaram na capital francesa. (Daniels & Rye 2010; Miller 2005; Atkins 2003).
des elegantes nos hotéis de luxo. Em 10 de agosto, realiza-se a primeira ‘Festa da Moda’,
3 Foram registradas por Crickett Smith e Bobby Jones nos trumpetes, Paul Wyer no clarinete, Adolph com um ‘Chá Dançante’ animado pela ‘Gordon Stretton Sincopated’. No ‘Hotel Glória’, em 15
Crawford e Sadie Crawford nos saxofones e o trombonista John Forrester. Sabe-se que Gordon foi
de agosto, acontece outra festa, para a comemorar do dia de Nossa Senhora da Glória e
o cantor, a bateria foi de Dordley Wilson (Daniels & Rye 2010:82).
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também data de criação do hotel. Entre as surpresas artísticas anunciadas, a apresentação No dia 06 de outubro, Gordon Stretton aparece organizando uma ‘soirée’ dançante no
da ‘Gordon Stretton Jazz’. salão do ‘Palace Hotel’. O baile foi em homenagem aos oiciais do cruzador americano ‘Rich-
Mistinguett iria deixar a Companhia a partir do dia 24 de agosto, e neste mesmo dia os mond’ (O Paiz, RJ, 06/10/1923). Neste jornal aparece uma foto do sexteto, como também,
artistas participam de um festival artístico no ‘Teatro Lírico’, realizado em benefício da ‘Casa na Revista Fon Fon, 13 de outubro 1923. Nota-se em ambas a descontração na postura
dos Artistas’ e promovido pelo jornal A Noite do Rio de Janeiro (A Noite, RJ, 15/08/1923). dos músicos, que procuravam estar vestidos de maneira idêntica, basicamente seguindo o
Durante a última semana de agosto os jornais passam a anunciar o baile de inauguração do padrão - terno escuro, calça branca e gravata borboleta - na atmosfera geral notamos certa
“Hotel Copacabana Palace” para o dia 1° de setembro, como atração principal a estrela pari- irreverência.
siense Mistinguett e seu bailarino Leslie supostamente acompanhados da ‘Gordon Stretton Stretton e sua banda estreiam no ‘Cinema Central’ no dia 26 de outubro para uma tem-
Jazz Band’4. Alguns comentários sobre a festa noticiam a presença das “iguras mais em porada longa. Em O Imparcial do dia 04 de novembro, encontra-se um desenho a lápis, em
voga dos teatros”, Mistinguett se apresenta naquela noite entre várias orquestras, uma delas linhas que deinem a imagem do sexteto que ainda apresentava-se no ‘Cinema Central’, em
a brasileira ‘Jazz Band Sul-Americana’ de Romeu Silva. Ainda, neste mesmo dia, a ‘Jazz Band quatro horários e durante 20 minutos, alternando-se com outros artistas e as projeções cine-
Gordon Stretton’, apresenta-se no ‘Restaurante Assyrio’ durante todas as noites em uma lon- matograicas da Fox Film. Incluindo uma temporada com a artista brasileira ‘Helly 1ª’ e o trio
ga temporada (A Noite, RJ, 03/09/1923). de sapateadores: ‘Douglas, Marie Cook e Jones’, conhecidos como os ‘Reis dos Sapateado-
Após a partida de Mistinguett para Nova York, o nome de Gordon Stretton vem a público res’ (O Imparcial, RJ, 04/11/1923).
com mais evidencia a partir do mês de setembro até ins de dezembro de 1923. Madame Gordon faz uma temporada durante o inicio de dezembro no ‘Casino Teatro Phoenix’, e
Rasimi segue com a revista ‘Oh! La! La!’ e novos artistas principais: Diamant e Randall. Em em meados daquele mês, estréia apresentando danças e cantos característicos ‘norte ame-
setembro, partem para uma temporada em São Paulo no ‘Teatro Santana’. Nota-se, portanto, ricanos’. Ele aparece nos jornais brasileiros até o dia 22 de dezembro, depois disto, partiu
que Gordon não acompanhou esta temporada,visto que no dia 23 de setembro encontra-se a para apresentar-se no verão de Mar del Plata na Argentina.
notícia de uma ação judicial dele contra os empresários do Ba-Ta-Clan, exigindo destes, seis Em Buenos Aires, sabe-se que acompanhou ilmes mudos no ‘Cinema Paramount’, e par-
passagens, uma para ele e as outras para seus companheiros, ao que tudo parece, o repre- tilhou o palco com a Cayetano Puglisi Orchestra, foi o artista preferido do Príncipe de Gales
sentante da empresa entregou as passagens pedidas (Correio da Manhã, RJ, 23/09/1923). (o futuro Rei Edward Vlll e Duque de Windsor) quando este visitou a Argentina em 1925. (Da-
niels & Rye 2010). No ano de 1928, consta que o clarinetista brasileiro Luis Americano, um
dos ícones do Choro, trabalhou três meses tocando na orquestra de Stretton. Em julho de
4 Porém, no dia 31 de agosto, surgem dois protestos dos empresários brasileiros Lambart & C e Jose
Loureiro, que gerenciavam o Ba-Ta-Clan no Brasil. Os protestos foram um contra Mme Rasimi, na 1929 ele aparece no ‘Cine Teatro Suipacha’, em março de 1931 Stretton apresentava-se no
qualidade de diretora da Companhia Ba-Ta-Clan e outro contra o Copacabana Palace Hotel, pois ‘Side Beach Ocean Club’, Mar del Plata, Argentina.
conforme clausula contratual, provavelmente os principais artistas da Companhia, não poderiam
participar de outros acontecimentos artísticos.
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Em 1931, o jornal Diário Carioca de 7 de junho, anuncia a chegada da artista Little Esther sensação do conjunto do baterista americano Gordon Stretton, o ‘Gordon Stretton Jazz Band’,
acompanhada da ‘Gordon Stretton Jazz Sinfônico’, formada por 15 músicos, do qual fazia que acompanhava a cantora e bailarina Little Esther”. Neste trecho, observamos um equí-
parte o brasileiro Orozino Souza. Depois de uma longa temporada na Europa o grupo passa voco, pois a primeira excursão da Companhia Francesa foi no ano 1922, e Gordon Stretton
por Buenos Aires e Rio de janeiro. Gordon continua trabalhando e produzindo até falecer em acompanhou Little Esther somente em 1931, com um grupo em formação de jazz sinfônico.
Buenos Aires em 1983, aos 95 anos. Mello acrescenta, em nota de rodapé, o nome dos músicos americanos que acompanharam
Stretton, são eles: John Forrester (trombone ou piano), Paul Wiser6 (clarineta) e ainda, um
trompetista que foi substituído pelo brasileiro Ignácio Acioly (Mello 2006:76). É interessante
3. EM TRÂNSITO PELA AMERICA LATINA notar que estes músicos também aparecem na gravação da Andreozzi Jazz Band7, a maioria
fox-trots americanos, Paul Wiser na clarineta e o trombonista John Forrester tocando piano.
Para perceber o caminho realizado por Gordon Stretton na América Latina, nos baseamos A presença dos novos instrumentos nas formações instrumentais é notada no Brasil,
em livros de referência como: Guinle (1953); Ikeda (1984); Vedana (1997); Pujol (2004), Miller quando neste tempo a maioria dos grupos brasileiros mantinha formações conhecidos
(2005); Mello (2007). como “regional”, constituída basicamente por violão, lauta, cavaquinho e percussão. Os au-
O primeiro livro sobre Jazz no Brasil - ‘Jazz Panorama’ - lançado em 1953 com autoria de tores concordam que a bateria foi trazida ao Brasil em 1919, durante a excursão do pianista
Jorge Guinle (1953) anuncia a passagem de Sretton em 1922 quando este acompanha “Mis- euro-americano Harry Kosarin, acompanhado de sua Jazz Band (Guinle 1953; Ikeda 1984;
tinguett com sua companhia Ba-Ta-Clan, chega ao Rio para atuar no Teatro Lírico, trazendo Tinhorão 1998; Mello 2007).
consigo uma orquestra de negros americanos cujo chefe era o baterista Gordon Straight”. No livro ‘O Jazz em Porto Alegre’, Hardy Vedana (1987) lembra que o músico Herald Alves
Lembramos que a Companhia Ba-Ta-Clan não pertenceu a Mistinguett, e sim a Madame Be- do Jazz Espia Só, começou a usar a bateria completa, a partir de 1924, quando “naquele ano,
nedict Rasimi, ainda, a vedete francesa Mistinguett vem ao Brasil no ano de 1923 e não em um conjunto de jazz americano, de nome Gordon Stretton Jazz Band, tendo como cantora
1922. Também notamos que a orquestra é noticiada como sendo de “negros americanos”5, Little Hester, izera uma tournée pela América do sul com a Companhia de Revistas Ba-Ta-
vamos lembrar que alguns eram norte americanos, mas Gordon é nascido em Liverpool e -Clan, da Mistiguett (...)”. É importante notar neste texto, o autor cita a passagem do Ba-Ta-
seu nome aparece como ‘Gordon Straight’ (Guinle 1953:90). -Clan no ano 1924, e não em 1922 ou 1923. O autor diz que a cantora é Little Esther, além do
No capítulo cinco, do livro ‘Música nas Veias’ de Mello (2006:6), aparece a informação “Na
primeira excursão da Companhia Ba-Ta-Clan ao Brasil, em 1923, o instrumento [a bateria] foi a
6 Paul Wier - aparece o nome Wiser, na realidade seu nome é Paul Wier, conhecido como Pensacola
Kid (Miller, 2005).
5 Esta questão que identiica os músicos como ‘norte americanos’, pode indicar aspectos que
envolvem problemas inerentes a raça, nacionalidade, identidades locais ou produção de outras 7 O grupo era liderado pelo violinista paulista Eduardo-Andreozzi (1892-1979), e apresentava-se na
identidades como forma de negociar com as novas culturas intercontinentais. sala de espera do Cine Odeon e no ano 1923.
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nome ‘Hester’ estar escrito de forma diferente, reairmamos que a artista não fez tournées Nota-se a euforia daquele momento quando ele segue dizendo, “O jazz-band é o futurismo da
com o Ba-Ta-Clan, e somente passou pelo Brasil em 1931. música. Na Europa, abalada e pasmada pela guerra, as tropas americanas não só levaram o
Dois autores indicam a possibilidade de Gordon ter se ixado no Brasil, em Pujol (2004:20), triunfo de suas armas e o vigor de suas energias: izeram muito mais do que isto, deixando o
lê-se que Stretton “no inal dos anos [19]30 voltou para icar - começou em Buenos Aires, de- jazz-band”. Gordon explica que a “arte do jazz não é a arte comum de uma partitura qualquer.
pois de ter passado longa temporada no Brasil, e sendo bastante conhecido em Paris”. Hardy Nem todo mundo pode ser jazz-bandista, porque para ser jazz-bandista é preciso que se seja
Vedana (1987:18) escreve: “Basta dizer que o baterista do conjunto, em virtude da fama que um talento criador, saber converter todos os pequenos motivos que a hora sugere, em notas
aqui obteve, acabou se radicando no Brasil” (Vedana 1987:18). O grupo de Gordon também é estranhas, dentro do ritmo particular, personalíssimo”. Sobre o Brasil ele diz “colhemos os
mencionado como introdutor do banjo, instrumento típico de Jazz Bands e que viria a subs- louros de havermos introduzido aqui a música sem par que no velho continente se faz um
tituir o violão nos conjuntos musicais (Vedana 1987:17). delírio” (A Pátria, RJ, 22/09/1923).
Em uma entrevista chamada: ‘Gordon mudou tudo no Rio’, localizada no Diário da Noite de Uma questão que necessita relexão é o fato da maioria dos autores e anúncios de jor-
1961, Jorge Guinle descreve a atmosfera da estréia do Ba-Ta-Clan: “Realmente, o Rio de Ja- nais divulgarem Gordon Stretton como sendo um músico norte-americano, ou americano,
neiro em peso movimentou-se naquela noite de 4 de agosto de 1923 para assistir no Teatro ou que sua Jazz Band é norte americana. Devemos levar em consideração que os fatores
Lírico”. Guinle descreve que “acompanhando o dançarino e cantor Earl Leslie (...), vinha esse sociais na América Latina eram confusos e ainda estão em transformação. As questões de
famoso “The Gordon Stretton Syncopated Six”. Segundo o autor, “Gordon era um mulato es- raça, nacionalidade e identidade, carregam histórias de colonialismo e racismo, visto que, a
curo, cabelo repartido, baixo e magrinho, mas tocava as ‘parpas’ o piano”. miscegenação socio-cultural se processou em complexos panoramas. Nos meses que i-
Guinle inaliza airmando, “o Fox entrou, o Charleston, o Ring Times e outros ritmos toma- cou no Brasil, Gordon manteve relações proissionais e musicais, foram realizadas parcerias
ram conta do Rio de Janeiro, apesar de já serem aqui tocados” e complementa “pode-se dizer com cantores, instrumentistas e bailarinos, as produções atingiram uma proporção efetiva
que com a Gordon Stretton, todas as orquestras de jazz se modiicaram no Rio”. E por supos- nos principais locais de circulação. Gordon Stretton, além de um dos pioneiros, foi um dos
to, no Brasil e outros países da América Latina. Guinle conclui a entrevista contando sobre responsáveis pela internacionalização do Jazz no panorama cultural transoceânico ocorrido
Gordon, “Quando veio ao Brasil tinha uma grande reputação em toda a Europa e realmente na América Latina.
no período de 1923 modiicou o sistema e a maneira de execução de nossas orquestras de
jazz” (Diário da Noite, 1961).
No jornal A Pátria, encontra-se uma entrevista peculiar de Gordon Stretton, chamada: ‘O REFERÊNCIAS
Jazz - O que nos disse o Sr. Stretton’. Para ele, o Jazz Band é “Fruto ótimo de nossa época
de movimentos, de rapidez, de desvairamentos, de super reinamentos, em que os nervos Atkins, E. Taylor. 2003. Toward a Global History of Jazz. En E. Taylor Atkins (ed.) Jazz Planet. Jackson:
University Press of Mississippi
gastos de emoções violentas, sentem necessidades de coisas novas, estranhas, esquisitas”.
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