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CURITIBA & MÚSICA POPULAR:

A INFLUÊNCIA DO JAZZ NA CULTURA LOCAL


Marilia Giller

Resumo:

O presente estudo analisou uma parte da história da música popular


urbana em Curitiba, especificamente o estilo jazz no período entre 1950 e
1960 buscando evidenciar aspectos históricos, sociais e musicais. Para tal
examinei alguns fatores sociais, como a padronização cultural
desenvolvida pela sociedade do seculo XX principalmente atraves dos
meios de comunicação, como tambem analizei a infiltração do estilo jazz
na música popular brasileira. Com isto, busquei relacionar os meios e os
personagens que contribuíram para a gênese do movimento jazzístico
curitibano através da observação da trajetória de vida de alguns músicos
da cidade, concluindo que as mudanças ocorridas na sociedade do século
XX, de um modo geral também tiveram reflexos na formação da cultura
local.

Palavras-chave: Curitiba, música popular, jazz, história.

SÉCULO XX - SOCIEDADE & MÚSICA POPULAR

Nas primeiras décadas do século XX, o mundo assistiu a uma explosão de


experiências sociais, estéticas e tecnológicas inovadoras, ligadas a ideologia do
progresso que resultou, entre outros fatores no desenvolvimento da industrialização,
caracterizando uma sociedade moderna que se formou principalmente nos grandes
centros urbanos do mundo. Foi um momento histórico que coincide com a busca de
afirmação cultural, política das nações e do reordenamento da sociedade de massa.
Com as estruturas tecnológicas desenvolvidas neste período, originou-se um
sistema de comunicação global marcado pelo fluxo de concepções de várias
espécies, tanto político-econômicas como culturais, conduzindo a sociedade, entre
outras coisas, rumo à indústria cultural, onde a maioria das pessoas passa a viver
nas cidades e suas vidas são tomadas pela industrialização.
Neste conjunto complexo de processos e trocas, se desenvolve nos principais
centros urbanos, a música popular, um mix de idéias sonoras da massa urbana em
constante formação e mutação, onde alguns movimentos e gêneros musicais
acomodaram-se, agradando uma parcela significativa da população e consagrando-
se como popular. Segundo Marcos Napolitano (2002, p. 19), “ao longo das décadas
de 1920 e 1930, assistimos à consolidação de alguns fatores que foram
fundamentais para a consolidação da música popular, sobretudo as inovações
tecnológicos e comerciais, e principalmente no processo de registro fonográfico,
como ”a invenção da gravação elétrica (1927), a expansão da radiofonia comercial
(no Brasil, 1931-1933) e o desenvolvimento do cinema sonoro (1928-1933)”.
Assim a música popular formatou-se numa linguagem dinâmica e complexa
alastrando-se tecnologicamente pelo mundo, ultrapassando fronteiras e
desenvolvendo paralelamente o chamado mercado da música popular, com a
criação de patentes de discos, gramofones, rolos de pianola, aparelhos de rádio,
direitos fonográficos e de autor, transformando a música popular em um grande
negócio de âmbito internacional. Neste panorama nascem em algumas das
principais cidades do mundo os gêneros musicais modernos que marcaram o século
XX e que se expandiram rapidamente pelo mundo.
Por volta de 1900 na América do Norte, nasce o jazz, marcado pelo swing e
pela improvisação, transformando-se num símbolo de modernidade e liberdade. Da
Argentina, o tango transformou-se numa febre mundial, assim como na América
Latina, a rumba e o bolero cubano-mexicano experimentam uma enorme expansão,
de acordo com Napolitano (2002, p. 19), ”sobretudo entre os anos 30 e 50,
impulsionados pela fase áurea do cinema mexicano” e no Brasil, o samba
transformou-se em símbolo da música tipicamente brasileira.
Com a sociedade em processo de organização, atordoada pela atmosfera do
fim da Primeira Guerra Mundial e em busca de novos panoramas, cresce o setor de
lazer, fazendo com que a grande população que se formava fosse adquirindo novos
hábitos e criando o que mais tarde passamos a entender como “Cultura de massa”.
O jornalista Zuza Homem de Mello, (2007, p. 71) aponta “Após a Primeira Guerra
Mundial, cristalizaram-se, a partir da América do Norte, dois elementos
fundamentais no crescente setor de lazer dos países do mundo ocidental: o cinema
e os salões de dança animados por jazz band”. Com uma formação musical, mais ou
menos padronizada, as Jazz Bands foram destinadas à função que melhor caracte-
rizou a diversão típica da época - a dança. “ Os resquícios da Guerra de 1914 ainda
pairavam na memória quando as demonstrações de destreza e elegância no
desempenho de novos passos, que surgiam a três por dois, poderiam eventualmente
ser o passaporte para uma nova conquista amorosa” ( MELLO, 2007, p. 71).
O Jazz parece ter sido o estilo de maior abrangencia mundial, infiltrando-se
rapidamente atraves dos varios processos culturais desenvolvidos. Para Hobsbawm
(1990, p. 159), “a partir de 1920, talvez tenha sido praticamente impossível crescer
no mundo ocidental sem ouvir algo influenciado pelo jazz”. Uma arte em constante
mutação, o gênero foi absorvido em diferentes concepções, indicando novos
caminhos para a música popular urbana. Tão dinâmico quanto sua própria definição,
o jazz apresenta um infinidade de variações e concepções, fluindo e expressando o
complexo social urbano em busca de identidade. Para Roberto Muggiati (1983,
p.14), é quase impossível equacionar o jazz numa simples fórmula, pois “o jazz
sintetizou o dilema da arte do século XX e irrompeu ruidosamente como símbolo nos
anos 20, a década-chave do século, anunciando a Era do Jazz”, seguindo numa
transformação contínua e ingressando na vanguarda e pós-modernidade.
Segundo Hobsbawm (1990, p.86), podemos dividir a história do jazz, em
quatro fases principais, primeiro período de 1900 a 1917; chamado pré-histórico,
“quando o jazz se tornou a linguagem da música popular negra em toda a América
do Norte, uma música de habitantes do Sul ou da primeira geração de migrantes
negros para o Norte”, entretanto, também era adotado por uma minoria de brancos.
O segundo período de 1917 a 1929, chamado de antigo, “quando o jazz (...) evoluiu
muito rapidamente, tornando-se a linguagem dominante na música de dança
ocidental urbana e nas canções populares, difundindo-se nos estilos Nova Orleans,
Dixieland, Chicago e Nova York, uma música para pequenos conjuntos”.
O jazz do período médio, de 1929 até o início da década de 1940, uma
música para orquestras comerciais maiores, “uma música muito mais composta e
arranjada, bem como tecnicamente mais elaborada, quando o jazz começou
propriamente sua conquista de públicos minoritários europeus e músicos avant-
garde”, e quando o swing entrou para a música pop de maneira permanente. O
período moderno, da década de 1950 em diante, voltou a recorrer à improvisação e
aos pequenos conjuntos, na forma do jazz antigo, ou na forma de música avant-
garde como o Bop, Cool, Free. Foi quando aconteceu o triunfo internacional do jazz,
uma música para músicos intelectuais e boêmios brancos.
Paralelamente no Brasil, a música popular se estruturava entre, modinhas,
lundus, maxixes e polcas, o choro e o samba estavam na sua fase inicial. Com o
tempo a população foi absorvendo e inserindo os novos contextos harmônicos e
instrumentais da música estrangeira, como foi o caso do jazz, que atingiu em vários
níveis a música desenvolvida no cotidiano artístico de muitas gerações de músicos,
em todo o Brasil, inclusive na cidade de Curitiba.

JAZZ - PROCESSO SONORO CIVILIZADOR

Segundo Alberto Ikeda (1987, p 8) o nome jazz foi generalizado a partir de


1915, e após 1920, consagrou-se em todo os EUA e depois no mundo todo, é a "era
do Jazz", um “período em que os Estados Unidos passam a ser apontados em
nossos noticiários como grande país industrial, comercial e cultural”. Assim o Brasil
em busca de progresso, luta contra o fim da herança colonial e sintoniza-se com os
EUA, recebendo o jazz como “símbolo da modernidade, de novos tempos, o que na
verdade significava o processo de dominação econômica e cultural dos americanos
no mundo”. Como confirmam alguns historiadores a influencia norte americana já
era evidente antes da febre do jazz, já eram conhecidos e praticados no Brasil o
cake-walke desde início do século XX e logo os outros géneros como o rag-time, o
one-step, o two-step e o foxtrot chegaram, todos com base rítmica acentuada e
propicia para a dança.
Mas o interesse pelo estilo jazz aumentou de forma gradativamente com a
chegada do rádio no Brasil em 1922. Porem, a partir de meados de 1919 já
encontramos notícia da excursão do pianista euro-americano Harry Kosarin,
exibindo a Harry Kosarin Jazz-band e trazendo uma bateria americana como
novidade na formação instrumental. Em 1922, a companhia francesa de revistas
Bataclan visita o Rio de Janeiro, trazendo a vedete Mistinguett, Little Esther e a
Gordon Stretton Jazz-band, inundando o teatro de revista brasileiro com outras
posturas estéticas.
Nesta passagem do jazz tradicional para a música popular brasileira, Alfredo da
Rocha Vianna Júnior, o Pixinguinha foi uma espécie de marco. Em Paris com seu
grupo Os Oito Batutas, teve contato com estilos como o charleston, o shimmy e o
ragtime, ao lado de Jazz-bands americanas, o que pode explicar o interesse de
Pixinguinha pelo saxofone. Na volta ao Brasil o antigo regional anunciava seu
ingresso no gênero Jazz-band, passando a adotar o sax, o banjo e a bateria na
formação. (CALLADO, 1990, p.234).

Figura1 Os Oito Batutas – Rio de Janeiro –RJ -1922.


Fonte: http://www.pixinguinha.com.br

Neste período a febre da criação de grupos de Jazz-band espalhou-se pelo


Brasil. Para Calado (1990, p.234), “as primeiras evidências da penetração do jazz no
Brasil surgem no início deste século, ao que parece simultaneamente em várias
regiões do país”. Conforme explica Alberto Ikeda (1987, p.9) “Pela década de 20
afora, proliferaram em diversas cidade do Brasil, até nas cidades interioranas, as
formações instrumentais do tipo jazz-band. Muitas delas nem tinham esse "tipo de
formação, mas assim se intitulavam pelo modismo reinante então”. As Jazz bands
proliferaram para substituir as orquestras de baile, inserindo no repertório dos novos
géneros e ritmos que surgiam. A hibridização da música brasileira neste período esta
além da nova formação instrumental, que segundo Mello (2007, p.72) incluía “a
seção rítmica (centralizada na bateria), banjo, tuba e eventualmente piano, dois ou
mais violinos e os quatro instrumentos de sopro que variavam entre trompetes e
trombones (nos metais), clarinetes e, novidade na família das palhetas, o saxofone”.
O comportamento e a maneira de vestir dos músicos, tambem se renova,
porém nota-se que o repertório musical formado basicamente de música brasileira
como maxixes, polcas, lundus e choro, incorporou lentamente as musicas norte
amerincanas. Mello (2007, p.72) exclarece que “nos primeiros catorze, anos do
século XX, a música instrumental brasileira gravada era dominada por dobrados,
mazurcas, choros, polcas, valsas e quadrilhas, géneros que, não escondendo a
forte influência europeia, revelavam o que devia estar em voga nos eventuais bailes
de então”. Alberto Ikeda (1987 p.9) comenta que as inovações se deram no tipo de
formação orquestral à base de “vários instrumentos de sopro (trombone, trompete e
os saxes, principalmente), bateria americana, banjo e piano. No entanto, essa
conformação instrumental era bastante variável entre nós, pois incluía muitos outros
instrumentos, como flauta, violino, clarineta e mesmo o souzafone”.
Neste período destacam-se várias Jazz-bands no Rio de Janeiro como a Jazz
Manon de Dante Zanni, o conjunto instrumental Carlito Jazz do baterista Carlos
Blassífera, que em 1926 vai a Paris tocar para a companhia francesa Bataclan. O
Jazz-band Sul Americano de Romeo Silva, formado em 1923, que foi o conjunto
mais famoso da época e, como destaque, introduz o saxofone no instrumental.
Segundo Scarabelot (2002, p.3), Ary Barroso, por exemplo, entre 1923 e
1928, integrou, entre outras, as orquestras American-Jazz, e a Jazz-band Sul-
americano: naquele tempo, “o jazz dominava e Ary, de tanto ouvir, através de
discos, os melhores pianistas do gênero, acabou se tornando também excelente
intérprete; Benedito Lacerda, em 1929, também tocou em orquestras de jazz, como
saxofonista”. Em São Paulo apareceram o Jazz-band Andreozá, o Jazz-band
República, o Jazz-band Cârafu, o Jazz-band Saívans, a Orquestra RagTime Fuseflas e
o Jazz-band Imperador.
Por volta de 1923 em Porto Alegre (RS) aparece o primeiro grupo de jazz, o
Espia Só, que inicialmente assumia a forma de um regional, mas em 1926 transforma
sua instrumentação numa Jazz-band. No Nordeste em 1931, é fundada a Jazz-band
Acadêmica de Pernambuco, conjunto formado por estudantes universitários, sob a
liderança do compositor Capiba. Em 1923 na cidade de Curitiba foi criada por Luiz
Eulógio Zilli a “Curityba Jazz-band”, que atuou intensamente por três anos e foi
pioneira na formação instrumental introduzindo a bateria americana.
Figura 2 Curityba Jazz-Band – Curitiba – PR -1923.
Fonte: Revista Referencia em Planejamento1980, p.115.

Em Ponta Grossa (PR), no interior do Paraná, encontramos a Guarany Jazz-


band que durante vários anos realizou apresentações na Sociedade Guayra
animando as festas da região.

Figura 3 Guarany Jazz-Band - Ponta Grossa - PR - 1924.


Fonte: LAVALLE, 1996, p.174.
A Tupynamba Jazz-band formada por imigrantes europeus, poloneses,
alemães e índios brasileiros, apresentou-se em festas e inaugurações desde 1930.

Figura 4 Tupynambá Jazz-Band - Ponta Grossa – PR - 1931.


Fonte: Acervo M&M Giller’s

Um jazz mais comercial passou a ser produzido a partir da década de 1930 e


as orquestras tipo Broadway invadem os salões, e na segunda metade dos anos
1940, outros ritmos estrangeiros também penetram no cotidiano nacional, como o
bolero, a rumba, o cha-cha-cha, e gêneros regionais como o baião, a embolada, o
coco, a moda-de-viola. O jazz reaparece em 1940 com uma formação instrumental
mais arrojada marcando o surgimento das big-bands, com as orquestras de Glenn
Miller, Benny Goodman, Tommy Dorsey, Artie Shaw, Duke Ellington e Count Basie.
Por todo o Brasil surgiram orquestras influenciadas pela novidade; no Paraná,
destacaram-se as orquestras de Romualdo Suriani, a Jazz Manon de Gerdau do
Rosário; o Baturitê dirigida por Harry Muller; a Luz, a Sumaré e a Guarany, entre
outras.
A partir da década de 1950 em diante, o tango argentino e o samba-canção
contracenam nas ondas do radio. Nesta época, o jazz moderno recupera o formato
dos pequenos combos do jazz antigo, mas avança a improvisação na forma de
música avant-garde, passando por momentos turbulentos e desenvolvendo-se
rapidamente entre concepções e movimentos novos. Segundo Scarabelot (2002,
p.6), nos anos 1950, nos EUA o Bebop cedia espaço para o Hard Bop de Clifford
Brown, Sonny Rollins e Art Blakey, e o Cool Jazz de Gerry Mulligan e Chet Baker.
Para Hobsbawm (1990, p.82), foi o período em que o jazz “foi reconhecido
pelo governo americano como um agente de propaganda do American way of life,
durante a Guerra fria, usando-o para penetrar a barreira Leste-Oeste, inundando o
ar nas ondas do jazz e enviando músicos de projeção ao exterior como
embaixadores culturais". No Brasil, alguns músicos internacionais realizaram shows
como: Tommy Dorsey (1951), Dizzy Gillespie (1956), Louis Armstrong (1957),
Woody Herman (1958), Nat King Cole (1959), Cab Calloway (1959), Sarah Vaughan
(1959), Ella Fitzgerald (1960), Benny Goodman (1961).

PARANÁ 1950: A MODERNIDADE FORJADA

A partir de 1950, os principais centros urbanos do Brasil começaram a


transformar sua feição, com a expansão sócio econômica nacional, as cidades
cresceram tornando-se metrópoles, tendo reflexos na estrutura populacional e nos
hábitos da população. O Paraná neste período compactuava com o modelo político
adotado pelo governo central, conhecido como “era desenvolvimentista”, e
prosperava como grande produtor de madeira e café, assegurando ao Estado uma
participação decisiva na economia brasileira.
Nesta conjuntura o prestigio nacional do Paraná se faz acompanhar pela
elevação do nível de vida da população, ao mesmo tempo em que atrai migrantes de
diversas procedências, fazendo a população do Estado dobrar, o jornalista Adherbal
Fortes de Sá Jr. (2006, p.10), comenta que, no Paraná dos anos 60 se esbanjava
capital financeiro:

A cafeicultura, que havia chegado no início do século, entrou em grande expansão a


partir de 1950 devido aos altos preços do mercado internacional. De 300 mil
hectares, em 1951, o Estado passou a 1,6 milhões de hectares em 1962, ano em
que atingiu o apogeu: colhemos 21,3 milhões de sacas de 60 quilos, equivalentes a
54% da produção brasileira e 28% da produção mundial. De cada dois dólares que o
país faturava com exportações, um vinha para o bolso de alguém que plantava café
em Londrina, Maringá ou Cornélio Procópio. Sobre esse dinheiro, o governo do
Estado cobrava o Imposto de Vendas e chegava a todo instante empresários
interessados em empréstimos do Banestado ou do Banco de Desenvolvimento do
Paraná-BADEP. (FORTES SÁ JR. 2006, p.10).
Curitiba no início dos anos 1950 estava envolvida num processo social rumo
ao modernismo; gerado do cruzamento dos diversos fatores políticos, sociais e
estéticos que possibilitaram modificações em varias áreas sócio-culturais. A partir de
1953, a cidade de Curitiba adquiriu uma fisionomia de cidade grande, comemorava-
se o primeiro Centenário da Emancipação Política do Paraná e o Governo Estadual
voltou-se para a realização de algumas obras, o Governador Bento Munhoz da
Rocha Neto, definiu Curitiba com símbolos do progresso, da modernidade e da
identidade da sociedade paranaense. Para ele Curitiba deveria ser o pólo cultural do
Estado, um "espetáculo de prosperidade", capaz de libertar o Paraná do seu
confinamento provinciano (TRINDADE, ANDREAZZA, 2001, p.109).
Em 1952, foi iniciada a construção do Centro Cívico já proposto em 1943, o
Palácio do Governo, a Assembléia legislativa, a Prefeitura Municipal e o Palácio da
Justiça. Em 1952, foi igualmente empreendida a edificação do novo Teatro Guaíra
em Curitiba, só totalmente completado 20 anos depois. No entanto, em 1954, havia
sido acabada a primeira parte do conjunto, o pequeno auditório que logo recebeu o
apelido de Guairinha. Em 1954, foi inaugurado o novo prédio da Biblioteca Pública
do Paraná, ponto de referência intelectual para todo o Estado. (TRINDADE, 2001. p.
110).
O Impacto desse novo ciclo sócio-econômico sobre a vida da capital foi
enorme. Neste conjunto complexo de fatores, percebeu-se que todas essas
transformações foram específicas do Paraná do Centenário nos anos 1950,” quando
a indústria cultural investia no modelo norte-americano em todo o país e o Estado
atravessava sua fase de euforia econômica. Jornais e revistas divulgavam a vida
dos artistas de cinema e incentivavam a emulação dos valores morais e dos hábitos
cotidianos daquela sociedade”. (TRINDADE, ANDREAZZA, 2001, p.113).
Os movimentos que impulsionavam as artes plásticas, a arquitetura, o rádio, a
música, o jornalismo, se modificam com a ação de alguns personagens interessados
na linguagem de vanguarda. Segundo Leão (2002, p.2), “a situação artística local e
o inconformismo de um grupo de artistas e intelectuais (...) que havia começado a
sedimentar com a fundação da galeria Cocaco em 1957”, impulsionam as artes
plásticas neste período: “Na passagem da década de 1950 para os anos 1960,
começou a se esboçar uma transformação das relações entre as forças que lutavam
pela implantação das idéias de vanguarda em arte no Paraná e que terminarão por
se consolidar por volta de 1962”.
Na arquitetura, segundo alguns cronistas a cidade adquiriu ares de cidade
grande, onde arranha-céus pipocavam pelas ruas centrais, impulsionados,
sobretudo pelo boom econômico do café. O crescimento vertical, ponto máximo da
cultura modernista urbana, encantava a população. Estas tendências deixaram
marcas em monumentos encontrados em praças públicas, como a do escultor Erbo
Stenzel, que executou em 1953, os projetos para as esculturas em homenagem ao
Centenário da Emancipação Política do Paraná.
Nesta época o teatro paranaense ressurgiu com nova força. Com a
inauguração do pequeno auditório do Guaíra, o Salvador de Ferrante, começou uma
fase de grande atividade cultural, atraindo profissionais e jovens artistas. Foi criado o
Teatro Experimental Guaíra, cuja direção desde o início contou com nomes
reconhecidos como Ary Fontoura, Alceo Monteiro, Baraúna de Araújo, Glauco Flores
de Sá Brito e Armando Maranhão. De acordo com Sutil (2005, p. 54), “Nesses
tempos de novos ares culturais que marcaram a década de 1950, vários grupos
apareceram ou firmaram o nome no panorama artístico da cidade”. Na mesma
época, Tereza Padron dirige o recém-criado Curso de Ballet Guaíra.
Durante os anos de 1950 surgiram na cidade muitas emissoras de rádio,
como: Clube Paranaense, Sociedade Marumby, Guairacá, Emissora Paranaense,
Cultura do Paraná, Tingui, Curitibana, Estadual, Colombo, Ouro Verde e Santa
Felicidade. Neste período o rádio divulgava além da música popular, valsas
românticas, boleros, fox-trotes e sambas, sobretudo na voz de artistas da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. Entre os valores paranaenses que atendiam ao gosto
mais popular estavam duplas sertanejas como Nhô Belarmino e Nhá Gabriela ou
Farias e Toninelo.
Foi o período em que o rádio atravessou uma de suas melhores fases. As
rádios mantinham um casting formado por radio-atores, músicos, humoristas,
roteiristas, jornalistas, entre outros profissionais, a programação da década de 50
era toda baseada em novelas e programas de auditório. As rádios mantinham suas
próprias orquestras e regionais, que com frequência acompanhavam calouros em
programas de auditório e cantores nacionais e internacionais que circulavam pela
cidade, entre eles, “Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Ivon Cury,
Francisco Carlos, Emilinha Borba, Marlene, Ângela Maria, Caubi Peixoto, Nora Ney,
Nuno Roland, figuravam entre os artistas que tinham lugar especial no auditório da
Bedois.” (JUNIOR, 2004, p.19).
Em 1950 a TV chegou no Brasil, em Curitiba a TV Paranaense, Canal 12 foi
oficialmente inaugurada no dia 28 de outubro de 1960, de acordo com Junior (2001,
p.34), pela televisão o universo norte-americano continuou infiltrando-se nos lares
curitibanos, “A programação consistia basicamente de filmes americanos já
conhecidos do público do Rio e São Paulo como Susie, Minha Secretária Favorita,
patrocinado pela Max Factor, foi o primeiro a aparecer nos aparelhos de televisão
em Curitiba”. Na seqüência vieram Jim das Selvas patrocinado pelo sabonete
Eucalol, Dr. Kildare, pela Farmácia Minerva, Bat Masterson, pela Viação Cometa e
Aventuras Submarinas, pelo Rum Mon-tilla e Vodka Orloff.
Entre os programas locais, muitos músicos da cidade apresentavam-se,
acompanhando artistas nacionais e internacionais. Com as freqüentes saídas do ar
das emissoras e reprises de seriados, filmes e documentários ultrapassados e
enlatados. Ainda com os atrasos na programação, surgiu o programa "eventual" que
fez de Fernando Montanari o pianista mais popular de Curitiba.

CURITIBA – by NIGHT

O reflexo desta busca pela modernidade aparece também no meio musical


Curitibano em meados de 1950, nas festas em clubes e sociedades, com as novas
formações instrumentais nas Big-bands Guarani, Marajó, Colúmbia, Baturitê e
principalmente a orquestra de Osval Siqueira e a de Genésio Ramalho. As duas
orquestras, com respeitáveis naipes de sopros, procuravam seguir as linhas das big-
bands americanas e o seu som encantava os bailes dos clubes da cidade.
Para Millarch (1990), “O nome do baterista Genésio Ramalho, com seu jeito
de Duke Ellington a frente de uma big-Band que tinha o melhor repertório de
standards americanos, permanecerá eternamente associado às domingueiras
dançantes.“ Conforme Fortes Sá Jr. (2006, p.41), ”A elite curitibana tinha duas
diversões familiares (...) ir ao baile aos sábados e ao cinema e teatro (...) então, os
bailes deviam ter uma orquestra o mais parecida possível com aquelas que
apareciam nos filmes americanos, para alimentar o sonho de romantismo que
começava nas telas”, ainda comenta que Genésio fez diferença na cidade,
mantendo excelentes músicos com formação técnica, “Genésio deu grande
vantagem à sua orquestra ao descobrir uma fonte privilegiada para antecipar as
trilhas sonoras de Hollywood”.

Figura 5 Genésio Ramalho e Orquestra - Curitiba – PR -1955.


Fonte: http://www.ulustosa.com

Paranaense de Ponta Grossa, Genésio Ramalho aos 10 anos começou a se


interessar pela percussão, com 14 anos já se enturmava com a Orquestra
Tupinambá. Em 1933, Emílio Voight, do Jazz Guarany - lhe deu chance de tocar na
orquestra. “Logo encontrava espaço no Jazz Elite e então uma fase depois
profissional que não interromperia por mais de 20 anos: algum tempo depois
formaria sua própria orquestra” e que segundo Forte Sá Jr (2006 p.42)“ foi a maior
big-Band da história de Curitiba, com a griffe G.R. na qual iniciaria o filho, Fernando,
no mundo da música”.
Era a que melhor sintetizava a americanização da nossa cultura e também o
papel dos bailes no nascimento da diversão da cultura de massa”. Nos bailes “os
jovens se paramentavam e vestiam as melhores roupas, desfilavam cabelos da
moda e faziam tudo para parecer seus ídolos, enquanto o flerte pairava no ar”. Ainda
comenta que o baile “Era o grande acontecimento social, e a figura central era a big-
Band. Era ela que fazia reviver nos salões o clima dos filmes água-com-açúcar que
Hollywood nos exportava”.
Figura 6 Beppi e seus Solistas - Caverna Curitibana – Curitiba – PR – 1956.
Fonte: Acervo particular de Giuseppe Beppi.

Outra figura importante da época é o maestro Giuseppe Bertollo Beppi,


italiano de Pádua, chegou ao Brasil em 1948 e criou a banda “Beppi e seus
Solistas”, por volta da década de 1950, e que durante todo este período até os dias
de hoje (2007), tem atuado ininterruptamente, abrilhantando as melhores e mais
belas festas e casamentos da sociedade curitibana.
No repertório da Orquestra estavam os sucessos do rádio, segundo Fortes Sá
Jr. (2006, p.28), “um pouco de música brasileira, um tanto considerável de música
com influência argentina e cubana e muita, muita música norte-americana, no auge
das big-bands (...). Moonlight Serenade, In the Mood, Stardust, Pennsylvania,
Chattanooga Choo Choo e String of Pearls, foram a tônica dos salões nos anos 50 e
60”. Beppi adaptava sua orquestra aos moldes americanos, “Para bailes a orquestra
tinha quatro saxofones, dois trombones, três pistões, guitarra, baixo, bateria, cantor
e cantora. Quando tocavam em boates eram um sax, um trompete, um piano, uma
guitarra, uma bateria, um contrabaixo e voz”.
Figura 7 Beppi Trio – Curitiba – PR – 1957.
Fonte: Acervo particular de Giuseppe Beppi.

Fortes Sá Jr. comenta que “Em dezembro de 1950, o italiano foi para a Boate
Oásis, no Juvevê, já assinando Beppi e seus Solistas. Também tocou no Hotel
Mariluz, até então o único ambiente da noite curitibana que podia ser considerado
luxuoso, e ficou muito tempo na Caverna Curitibana”. A Caverna Curitibana foi um
Táxi Dancing, onde Beppi atuou por oito anos de 1956 a 1964, com inúmeras
formações, foi uma escola para muitos músicos. Os maiores músicos da cidade
passaram pela banda de Beppi: Gebran Sabbag, Fernando Montanari, Ari Lunardon,
Maciel Maluco, Ernesto Cordeiro, Guarani, Canhoto, Geraldo Rosário, Wilson
Branco.
O pianista Gebran Sabbag, um dos músicos pioneiros do estilo na capital
paranaense, com uma atuação musical intensa e significativa, entre os anos de 1950
e 1960 em requisitados bares, boates e casas noturnas, contribuiu grandemente
para a gênese da música instrumental paranaense. Consagrado como o principal
pianista de jazz da história da música em Curitiba, sua principal escola foi o rádio,
entre suas influências músicais estão os pianistas de jazz, Nat King Cole, Fats
Waller, Earl Hines, Erroll Garner, George Shearing e Art Tatum, em seu repertório
habitual estão os principais standards de jazz como, Laura, All of Me, All the things
you are, I Love You e Summertime.
Figura 8 Gebran Sabbag - Clube Sírio Libanês -Curitiba – PR- 1955.
Fonte: Acervo particular de Gebran Sabbag

Em sua trajetória musical Gebran tocou com a maioria dos músicos da época,
os primeiros foram o maestro Waltel Branco, Darío Gaúcho e o acordeonista
Efígênio Goulart. De acordo com o estudo do pesquisador Manuel Souza Neto
(2004, p.212), “Nessa época [Waltel Branco] tocava com vários músicos locais, entre
eles Janguito, Arlindo, Goulart, Gebran Sabbag, e ainda com os irmãos Valdo,
Wilson e Ivo Branco”, Gebran lembra, “o Waltel me viu tocando e foi lá em casa falar
com meu pai para que eu integrasse o grupo dele. (...) Isso lá por 1951 ou 1952”.
Gebran recorda em seu depoimento: “Foi em 1951, eu e o Waltel estávamos
tocando os arranjos do Nat King Cole no show do Clube do Boliche dos
Desesperados do Clube Curitibano”. Em 1955 Gebran Sabbag tocou com Marcos
Ritzmann no acordeom, Dorival no baixo, Waltel Branco na guitarra, Paulo Silva na
bateria, no Grêmio Itamaraty, do Clube Sírio Libanês, (GEBRAN SABBAG,
04/05/2007). Gebran participou de inúmeros eventos oficiais, como a Exposição
Internacional do Café comemorando o Centenário do Paraná, realizada em 1953,
Fortes Sá Jr. conta que “o maestro Ângelo Antonello fez uma banda de música
popular para tocar na boate oficial do evento, foi a primeira casa luxuosa da fase
áurea das boates curitibanas, e pediu a Waltel Branco para organizar um quinteto:
Guarani na bateria, Dorival no contrabaixo, Waltel na guitarra, Edwin Morgan no sax
e Gebran no piano, na época com 21 anos”. Para Fortes Sá Jr. este encontro “foi tão
emblemático para a vida política paranaense quanto para a noite que se
transformava em Curitiba. Gebran tocou ali durante quatro meses, de 19 de
dezembro de 1953 até abril de 1954, e diz com convicção: depois da boate oficial, a
vida noturna de Curitiba não foi mais a mesma. Ganhou luxo, elegância, movimento.
E música, muita música”. (FORTES SÁ Jr., 2006, p.63).

Figura 9 Gebran Sabbag - Rádio PRB2 – Curitiba -PR -1953.


Fonte: Acervo particular de Gebran Sabbag

É claro que toda esta efervescência musical foi apoiada por algumas pessoas
que se interessavam por este universo, empresários, jazzófilos, jornalistas,
conviviam neste período, constituindo o grupo que fomentou este estilo na capital
paranaense. Podemos citar o nome do jornalista, escritor e crítico Roberto Muggiati,
que aos 16 anos iniciou os primeiros apontamentos jornalísticos na Gazeta do Povo
e entre 1954 e 1960 escreveu em vários jornais curitibanos. Em 1960 foi estudar
jornalismo em Paris e depois mais três anos trabalhando na BBC de Londres, em
1965 retorna ao Brasil como repórter e editor na revista Manchete, também é
tradutor de livros e autor de Mao e a China, O Que É Jazz, História do Rock, Blues
da Lama a Fama, New Jazz de Volta para o Futuro e Improvisando Soluções - O
jazz como estratégia para o sucesso; conviveu com artistas, músicos e ainda
recepcionou músicos estrangeiros de passagem pela cidade, como lembra Muggiati:
Um dos encontros mais insólitos na redação era o de Dalton Trevisan com o músico
Raulzinho (...). Da Pavuna, Raulzinho saltou de pára-quedas na Base Aérea do
Bacacheri com o seu trombone de válvula. Ele tocava na banda da Aeronáutica e, de
farda azul, percorria com a turma da "Gazeta" as loucas noites de Curitiba, ainda
mais delirantes depois que chegou à cidade o trombonista Maciel. Naquelas ruas
vazias, fui o ouvinte privilegiado de duetos entre Raul e Maciel que lembravam o
melhor som de J.J. Johnson e Kai Winding. (MUGGIATI, 1992, p.3).

Outro jornalista, Renato Muniz Ribas escreveu no Diário do Paraná, entre


1957 a 1959, sob o pseudônimo de Reinaldo Egas, relatou na coluna Ecos da Noite
o ambiente artístico e quase sempre noturno da cidade, segundo Ribas “Descobri
que ela [noite] oferecia espaços para serem ocupados por um jornal, que a noite era
um assunto (...) comecei então a fazer essa coluna, e olha que deu assunto que não
foi moleza. Muita gente se interessava em saber o que estava acontecendo” (RIBAS,
1982, p.13). Paulo Roberto Marins que em 1991 escreve um ensaio sobre a noite
em Curitiba entre 1956 e 1992, intitulado Noite Quente editado pela Casa da
Memória, também revela aspectos importantes na construção da pesquisa em
questão.
Outro personagem importante é o ex-secretário de Estado de Cultura do
Paraná, primeiro diretor do Museu de Arte do Paraná, Crítico de Arte e Advogado
Eduardo da Rocha Virmond, foi colaborador dos jornais: O Dia, Gazeta do Povo e
Diário do Paraná, entre 1953 e 1960 escrevendo sobre artes em geral, também
dedicou-se a um programa de jazz na Rádio Colombo entre 1955 e 1960, indo ao ar
todos os domingos as 17:00 horas, fazendo comentários e apresentações ao vivo.
Foi referencia para muitos jazzófilos da cidade, sempre aos domingos, alcançou um
grande índice de audiência, expandindo o estilo jazz pelas residências da cidade.
Nesta época, alguns músicos internacionais apresentaram-se na cidade,
como Woody Herman, em 1958, trazendo a primeira Big-band internacional em
Curitiba. Herman tocou no pequeno Guaíra e no Ginásio do Atlético. Muggiati lembra
“Saí pela noite de Curitiba com o saxofonista da banda Jay Migliori”. Ainda em 1962,
houve a visita do quinteto do Paul Winter, que tocou no esqueleto do Guairão,
recorda Muggiati ”Por minha interferência, o Raulzinho [Raul de Souza] deu uma
canja em três números com os americanos”. (MUGGIATI, 1992, p.4). Com este
panorama, formou-se um intercambio entre os músicos locais e artistas de outros
estados, que após os espetáculos nos teatros, nas rádios e televisão, e algumas
apresentações em cafés, restaurantes e clubes, encontravam-se no fim da noite, nas
casas noturnas que se estabeleceram principalmente na região central da cidade,
conforme Fortes Sá Jr. (2006, p.27), explica:

Só na Alameda Cabral, em uma mesma época, havia, por exemplo, a Boate


Gracefull, o Luigi’s e o Jane 1, o chamado Triângulo das Bermudas, onde
desapareciam noivos e maridos. Sem contar outros endereços bastante próximos,
como o La Vie en Rose, na Visconde do Rio Branco, e o Manhattan, na Praça Carlos
Gomes. Essa efervescência, jamais vista depois em Curitiba, fez das horas
avançadas mais do que diversão, um cenário musical ímpar, uma geografia especial:
Manhattan, Cadiz, Paris, Dakar, Marrocos, Oásis, Tropical, Gracefull, La Ronde.

Fortes Sá Jr. lembra “O Manhattan tinha ares de modernidade. Pelo próprio


nome, que fugia à geografia da época. E também porque remetia o imaginário dos
freqüentadores à América, de onde importou o piano bar”. Uma roda de amigos e
empresários começava a noite no final da tarde e avançava pela madrugada. Era
quase um clube privê, com gente tradicional da sociedade curitibana frequentando,
como: Leonel Amaral, Adolfo de Oliveira Franco, Manoel de Oliveira Franco, Amilton
Córdoba, João Batista Moraes, Humberto Ciccarino, Walter Santos. (FORTES SÀ
JR, 2006, p.89).
O jornalista Roberto Muggiati, trabalhando ao lado, no jornal Gazeta do Povo,
também freqüentava a casa e recorda: ”Tinha um cara de Santa Catarina, chamado
Dimas. Era um jovem que como eu, amava Art Tatum e Erroll Garner. Uma figura.
Tocava piano de boate. Mas um piano próximo dos pianistas de jazz negros
americanos. E era um boêmio, já tinha aquelas mulheres todas na vida dele. Eu via
aquela Curitiba do pianista Dimas como uma verdadeira New York, New York”.
(FORTES SÀ JR, 2006, p.91).
Outro nome importante desta época é do conhecido “Rei da Noite", Paulo
Wendt o grande comandante das madrugadas curitibanas. Empresário de visão
fazia da boate Marrocos uma boate de primeira linha, com dois a três conjuntos
musicais fixos e muitas atrações musicais. Com seu espírito empreendedor Wendt
chegou a promover temporadas no então inacabado Guairão, desde teatro de
revistas até companhias de óperas. Seu reinado ampliava-se em restaurantes e
outras casas, como a Tropical no Passeio Público. Paulo Wendt, e o seu principal
concorrente - o paulista João Pedro Guimarães, dono da Moulin Rouge e Jane 2,
movimentavam a noite da cidade de 300 mil habitantes.
Entre negócios lucrativos e noitadas animadas, empresários, investidores,
artistas, músicos, cantores, boêmios e políticos, mantinham circuitos culturais na
noite curitibana, como comenta o jornalista Renato Ribas (1982, p.12), “Era grande o
número de profissionais trabalhando nela, músicos, artistas, cantores, garçons,
empregados de toda ordem, profissionais de restaurantes. A noite era, na verdade,
um fator econômico da cidade”, noitadas embaladas pelo bolero, tango, mambo,
samba e mais tarde o jazz e a bossa-nova.
Segundo Fortes Sá, estes personagens “hospedavam-se em hotéis,
passavam no Bar Palácio, iam ao Teatro Guaíra e depois às casas noturnas ver os
balés e as gringas eletrizantes. E tanto no hotel como no restaurante, no teatro e nas
casas noturnas o que se ouvia era música ao vivo, quase sempre de boa qualidade”,
com isto a “demanda jogava para cima o cachê dos músicos e atraía mais talentos.
Havia muito dinheiro e pouco juízo nesse tempo de 'ouro verde’. (FORTES SÁ JR,
2006, p.27).

MODERNIDADE- UM SOPRO NO AR

Em 1957 foi criada em Curitiba a banda de música da Escola de Oficiais


Especialistas da Aeronáutica e Infantaria de Guarda – EOEIG, e são contratados
alguns músicos de gabarito do Rio de Janeiro, São Paulo e também do Paraná
como: Geraldo Elias, Dario Livino Torres, José Ribeiro de Brito, Hildofredo Alves
Correa, Raul de Souza, João Bento de Lacerda, Dalgio Nagele, Antônio Barbosa de
Moura, Ari Lunardon. Os músicos da Base como ficaram conhecidos, chegaram a
Curitiba e com o tempo foram se familiarizando com a cidade, sendo contratados
pelas orquestras e rádios, agitando os bailes, boates e bares, e introduzindo no
repertório habitual da noite alguns temas do jazz moderno.
Segundo Fortes Sá Jr. (2006, p.158), a chegada destes músicos teve reflexos
imediatos nas boates da cidade, foi uma revolução musical. Era o jazz que estava
chegando. Na cabeça dos músicos da base só repercutiam os sons de Satchmo,
Gillespie, J.J. Johnson, Art Tatum. Da convivência dos músicos da base nasceu
também a Orquestra 14 Bis que dividia os bailes com as outras orquestras da
cidade.
Raul de Souza que trouxe para as noites curitibanas o som do trombone de
vara, instrumento que até a sua chegada não havia sido ainda destacado por
nenhum virtuose de sua dimensão. Fazendo um som moderno para época, muitas
vezes sua música foi compreendida por poucos, Raul teve que se habituar ao
repertório da cidade, bolero, música cubana, mexicana, chegou inclusive a tocar
contrabaixo durante seis meses com o trio de Gebran, na Boate Luigi. Jazzófilo
apaixonado, Raul logo se enturmou com a geração de músicos e apaixonados pelo
estilo bepop, na lista: Roberto Muggiati, Eduardo Rocha Virmond e Adherbal Fortes
Sá Jr., que nas after hours filosofavam jazz, em casas como a La Vie en Rose,
Marrocos, Moulin Rouge, King's Club, Gracefull, e especialmente o Clube Tropical.
Os músicos da Base, como ficaram conhecidos, chegaram a Curitiba em julho
e logo apresentaram-se no desfile do dia Sete de Setembro. Com o tempo os
músicos foram se familiarizando com a cidade e sendo contratados pelas orquestras
e rádios, agitando os bailes, boates e bares, e inserindo no repertório habitual da
noite alguns temas do jazz moderno.

Durante o dia, os sargentos músicos ficavam na EOEIG. Um trabalho nada


estafante. Começava com a parada matinal, às oito horas. Depois, duas horas de
ensaio. Após o meio-dia nada para fazer. E às quartas-feiras não havia expediente à
tarde. Por isso sobrava energia para a noite, a paisana, fazer bailes e tocar em
boates. Foi uma revolução musical para quem estava com o ouvido doído de tanto
tango e bolero. Era o jazz que estava chegando. Na cabeça daqueles músicos da
base só repercutiam os sons de Satchmo, Gillespie, J.J. Johnson, Art Tatum.
(FORTES SÁ Jr., 2006, p.157).

Segundo Fortes Sá Jr. (2006, p.158), “A noite de Curitiba cresceu e deu um


salto de qualidade a partir da convocação militar, com a vinda de alguns dos
melhores instrumentistas brasileiros de sopro e teve reflexos imediatos nas boates
da cidade”. Estes encontros e experiências musicais contribuíram de forma incisiva
na formação musical de alguns músicos da época.
Figura 10 Banda de música da Escola de Oficiais Especialistas da Aeronáutica e
Infantaria de Guarda – EOEIG – Curitiba - PR – 1957
Fonte: Acervo M&M Giller’s

Da banda militar nasceu a Orquestra 14 Bis que dividia os bailes com as


outras orquestras da cidade. “Logo Genésio Ramalho contratou o Geraldo Elias, A
orquestra ficava poderosa. Aquela senhora banda, integrada por excelentes
músicos, acabou entrando para a história da vida musical do próprio Genésio”.

Figura 11 Banda 14 BIS – Curitiba - PR – 1957


Fonte: Acervo M&M Giller’s
Outra história é a do norte-americano que se aventurou pelo Brasil o
saxofonista e clarinetista Booker Pittman, um dos melhores sax sopranos da época,
e que assumiu um papel importante nos círculos jazzísticos do país neste
período. Em 1936 fez sua primeira viagem ao Brasil, integrando a or questa de
Romeu Silva, que voltava da Europa. Nos anos 1950 passou por Curitiba,
conheceu o maestro Waltel Branco e Gebran Sabbag nas boates da cidade
experimentando com os músicos locais, outros sons, durante vários anos tocou
anonimamente em cabarés de Londrina, Maringá e Santo Antonio da Platina,
(http://www.clubedejazz.com.br/noticia - 05/11/2007).
Foi neste panorama que o Jazz entrelaçou a vida de muitos músicos da
cidade com os outros que chegavam de várias regiões do Brasil, como pianista
Fernando Montanari que apareceu em Curitiba em 1957, Breno Sauer vindo de
Porto Alegre em 1957, um dos primeiros músicos do Brasil a utilizar o acordeom
com modernidade, e a introduzir o vibrafone na MPB e o guitarrista Olmir Stocker,
que já se destacava pelas modernas harmonias.
Airto Moreira chegou em 1956, nasceu em 1941, em Itaiópolis (SC) e viveu
seus primeiros anos em Ponta Grossa, aos seis anos de idade, já recebia elogios
pelo seu modo de cantar e tocar percussão. Em seguida, a emissora de rádio local
lhe deu um programa que ia ao ar todas as tardes de sábado. Aos 15 anos em
Curitiba tornou-se músico profissional tocando percussão, bateria e cantando em
bandas de baile. Cantou no Clube Juvenil M-5, na rádio Guairacá e como
instrumentista trabalhou em muitas boates, integrando a grande orquestra de Osval
Siqueira, e a Orquestra e Beppi na Caverna Curitibana.
Os músicos que participaram desse primeiro momento de modernização da
música popular Curitibana durante os anos 1950, experimentaram neste processo
um caminho paralelo ao que vinha acontecendo em várias cidades do Brasil e do
Mundo. Entre bailes e bares, muitos encontros aconteciam no fim da noite, quando
os músicos trocavam informações e viviam a verdadeira alma do jazz. Como lembra
Muggiati (1960, p.4), “os músicos terminado o seu trabalho nas boates se encontram
casualmente numa praça deserta da madrugada curitibana, trombone, sax,
trompete, guitarra, emitindo sons modernos contra o silêncio da noite”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se observar que o desenvolvimento do jazz em Curitiba está ligado a


contextos estéticos geracionais e retrata aspectos históricos e sociais da cidade no
sentido de multiplicidade cultural e étnica, revelando ser resultado de um processo
misto e híbrido, constituído por diversos fatores políticos, sociais e culturais, o jazz
estruturou-se na cidade, sobrevivendo dentro de uma parte das atividades artísticas
desenvolvidas e mantendo-se sustentado por uma platéia fiel e elitizada em alguns
espaços que aceitaram o novo estilo musical.
Os músicos citados ao longo do texto contextualizaram de um modo geral a
geração de músicos pioneiros, com ênfase na década de 1950, a partir de 1960
vários nomes podem ser lembrados, a maioria deles influenciados pela bossa nova,
em formações de trios ao estilo West-coast. As gerações, entre as décadas de 1970
e 1990, envolveram-se com linguagens dentro dos estilos rock, jazz-rock, fusion e
free jazz, a maioria destes músicos com vasta experiência na Europa e América do
Norte, muitos deles ainda vivendo no exterior. No início do século XXI aparece uma
geração que busca inserir no jazz, linguagens da música brasileira de raiz,
evidenciando regionalismos estéticos e explorando sonoridades tímbricas tanto de
instrumentos acústicos e primitivos como de instrumentos eletrônicos, fundindo os
novos padrões desenvolvidos pela sociedade atual.
Conclui-se que o jazz é uma parte importante da história da música popular
brasileira, no sentido de promover novos recursos sonoros e estéticos e o contínuo
desenvolvimento da linguagem, o que leva a perceber que o jazz continuará se
diversificando em tempo infinito, pois sendo a arte um reflexo do homem, ele está
intimamente sujeito às variações imaginárias dos fluxos da massa.
Em Curitiba, entre os signos da cidade alguns músicos fizeram suas próprias
escolhas, absorvendo conceitos e atribuindo significados às mudanças ocorridas no
século XX, revelando que a padronização cultural evidenciada pelos meios de
comunicação foram um fenômeno-chave na história da música popular e que os
índices de metamorfoses sócio-culturais operados na sociedade de um modo geral,
também têm reflexos na formação da cultura local.
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