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PRIMÓRDIOS DA

CANÇÃO POPULAR
NO BRASIL
AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES
DA MÚSICA POPULAR
BRASILEIRA (ANTECEDENTES)
A música popular está fortemente atrelada à cultura contemporânea.
Para entendermos de maneira mais plena seu significado, devemos
mapear a sua origem. Segundo Tinhorão (2011), apesar de se tratar
de um processo lógico, o questionamento sobre este fenômeno não
foi devidamente explorado por pesquisadores da área:
 Em pleno século XXI e no momento mesmo em que a explosão inventiva nos
campos da gravação e reprodução de sons e imagens transforma a música destinada
ao lazer das massas urbanas num dos mais importantes campos da indústria cultural,
beneficiária da moderna tecnologia inauguradora da era da computação e da
informática, ninguém se havia lembrado ainda de responder a esta simples pergunta:
quando surgiu o cantar típico das cidades, que hoje informa todo esse sistema sob o
nome de música popular? (TINHORÃO, 2011, p. 11).
ORIGEM DA CANÇÃO
URBANA
Como indicativo disso, o artigo, presente na referencial Enciclopédia
de Música Grove (c2001), destinado à música popular, é bastante
difuso ao mapear a gênese deste tipo de produção cultural:
 Mesmo que música ‘popular’ seja um termo difícil de definir e mesmo que formas de
música popular, em certo sentido, possam ser encontradas na maior parte do mundo
em um longo período de tempo, na prática, as suas referências mais comuns dizem
respeito a tipos de música características de sociedades ‘modernas’ e em processo de
‘modernização’ – na Europa e América do Norte, a partir de 1800, e, mais ainda, a
partir de 1900; e, na América Latina, desde o século XX, e de maneira mais
pronunciada a partir da Segunda Guerra Mundial (MANUEL e MIDDLETON,
c2001).
A MÚSICA DA CIDADE
A partir daí, também, na perspectiva de Tinhorão (2011), a origem da
canção está intimamente vinculada ao surgimento das primeiras
práticas capitalistas, quando a economia rural da Idade Média deu
lugar ao processo de urbanização e às novas relações advindas deste.
Portanto, é, na Lisboa do século XV, que o pesquisador identifica
este surgimento:
 A música popular, enquanto criação típica da gente das cidades destinada a
transformar-se no século XX em produto cultural de massa, após quase quinhentos
anos de evolução do estilo de canto solista acompanhado, representado pela canção,
surgiu na passagem do século XV para o XVI como mais um resultado do processo
de urbanização, anunciador do fim do longo ciclo de economia rural da Idade Média
(TINHORÃO, 2011, p. 13).
MÚSICA POPULAR
Primeiramente, os executantes dessa canção popular faziam parte das
classes sociais mais baixas, integradas à rotina dessa metrópole. A
prática desse tipo de canção acompanhava o florescimento de
atividades culturais de Lisboa – em decorrência de seu progresso
econômico. Assim, Jorge Ferreira de Vasconcelos descreveria em sua
comédia, denominada Aulegrafia:
 “A compostura-transladada ao natural” de “certa relé” de moços de espora, criados e
mesmo “rufistas da osma” (chusma de marginais), que “correm campo” ao “estilo de
certos almograves” (guerrilheiros árabes que atacavam em emboscada), atrás de
mulatas, moças de balaio ou iças roqueiras (mulheres de vida livre que produziam
fios em rocas), a quem recitavam trovas, vilancicos ou cantigas ao som das violas
simplificadas chamadas de guitarras (TINHORÃO, 2011, p. 45).
CENA SÉC. XVIII – NO
BRASIL
FONTE: As primeiras manifestações da música popular urbana no Brasil: EDILSON
VICENTE DE LIMA

1- Crescimento populacional desde o início do século XVIII

2- Formação de centros urbanos (tais como Salvador, Ouro Preto, Rio de


Janeiro, dentre outros)

3- Classe média emergente: demanda por um certo tipo de entretenimento


era condição imperiosa para a manutenção de um modelo de cultura que
a metrópole, no caso Portugal, vinha impondo à colônia.
Com crescimento populacional que vinha se acentuando desde o
início do século XVIII e a formação de centros urbanos (tais como
Salvador, Ouro Preto, Rio de Janeiro, dentre outros), a demanda por
um certo tipo de entretenimento por parte de uma classe média
emergente era condição imperiosa para a manutenção de um modelo
de cultura que a metrópole, no caso Portugal, vinha impondo à
colônia.
FONTE: AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DA MÚSICA
POPULAR URBANA NO BRASIL: EDILSON VICENTE
DE LIMA

Séc XVIII o lazer era praticado de diversas maneiras, tanto na Corte


quanto na colônia:
• As óperas, encenadas desde o século XVIII;
• As festas profanas (tais como aniversários de cidades, membros da
família real ou alguma figura importante pertencente à classe
dominante);
• As festas religiosas, que também tinham funções sociais.
Concertos públicos: início do século XIX em Portugal (Nery, 1991) e
mais tardiamente no Brasil.
CONT.
Uma outra forma de entretenimento que vinha sendo praticada no
Brasil desde meados do século XVIII era a música patrocinada por
proprietários de posses, que mantinham orquestra formada por
escravos negros especialmente treinados para executarem os mais
diversos instrumentos (violinos, viola, teclado, charamelas, dentre
outros).
As músicas que interpretavam eram os sucessos europeus que nos
chegavam às mãos (Kiefer, 1982). Porém, tais eventos ocorriam em
recintos fechados e para convidados especiais.
AS APRESENTAÇÕES
FECHADAS DAS ELITES
Os saraus praticados pelas elites, entre os séculos XVIII e XIX,
também foram formas de lazer, e, por conseguinte, de divulgação da
música cultivada pela classe média em sua vida cotidiana.
Era o local onde músicos amadores e profissionais podiam se
irmanar, tocando ou cantando suas peças preferidas.
Era também a oportunidade para as moças das finas famílias
exibirem seus dotes ao teclado, ou sua encantadora voz acompanhada
pela delicadeza do dedilhado na guitarra (Nery, 1994).
MODINHA E LUNDU: PRIMEIRAS
EXPRESSÕES DA “MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA”
A música popular do Brasil só se tornaria mais forte no final do
século 17, com o lundu, dança africana de meneios e sapateados, e a
modinha, canção de origem portuguesa de cunho amoroso e
sentimental. Esses dois padrões, a influência africana e a européia,
alternaram-se e combinaram-se das mais variadas e inusitadas formas
durante o percurso que desembocou, junto a outras influências
posteriores, na música popular dos dias de hoje, que desafia a
colocação de rótulos ou classificações abrangentes.
MODINHA: ORIGEM
Na segunda metade do séc. XVIII desenvolveu-se um estilo peculiar
de canção camerística, que acabou sendo denominada modinha. A
origem desse designação está ligada à moda, que foi, em todo o séc.
XVIII, palavra portuguesa para qualquer tipo de canção camerística a
uma ou mais vozes, acompanhada por instrumentos.
POSSÍVEIS ORIGENS:
Sobre as origens do termo "modinha", Monteiro (2018) apresenta
três hipóteses:
(1) Os portugueses que migraram para o Brasil durante o período
colonial seriam os responsáveis pela aculturação dessas canções que
caíram no gosto popular.
(2) O dramaturgo António José da Silva , conhecido como "O
Judeu", seria o responsável pelo fato de ter introduzido modinhas em
suas óperas.
(3) Domingos Caldas Barbosa, que, tendo estudado direito
em Coimbra, teria levado a modinha brasileira para Portugal (A partir
de 1775, já há notícias de sua atuação nos salões lisboetas).
A moda, em Portugal no séc. XVIII, foi um tipo genérico de canção
série de salão, que incluía cantigas, romances e outras formas
poéticas, compostas por músicos de alta posição profissional. As
modas foram tão comuns em Portugal no reinado de D. Maria I que
popularizou-se o dito de que na corte da rainha “era moda cantar a
moda”
O USO DO DIMINUTIVO
Mário de Andrade, no texto introdutório de sua antológica publicação
de 1930, Modinhas Imperiais, defende que o diminutivo “modinha”
está intimamente relacionado com as características “acarinhantes” tão
presentes na cultura luso-brasileira: “Chamam-lhe Modinhas por serem
delicadas” (Andrade, 1980). Esta característica, por sua vez, é descrita
com muita graça no refrão da modinha “Quando a gente está coma
gente”, de Domingos Schiopetta, músico que atuou em Lisboa entre o
século XVIII e XIX:
“Nós, lá no Brasil, com nossa ternura/
Açúcar nos sobe com tanta doçura/
Já fui à Bahia, já passei no mar,/
Coisinhas que vi me fazem babar”.
CANÇÃO URBANA
A origem da modinha está relacionada a um fenômeno europeu – e
não apenas português – da segunda metade do século XVIII. Com a
progressiva ascensão da burguesia e, consequentemente, com a
mudança dos hábitos da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um entretenimento mais leve e
menos erudito que aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa. Assim, a música doméstica urbana, praticada por amigos e
familiares em festas ou momentos de lazer, privilegiou formas de
pequeno número de intérpretes, de fácil execução técnica e de restrito
apelo intelectual.
A CANÇÃO POPULAR
PELA EUROPA
Itália: Canzonetta
Espanha: Seguidilla
França: Ariette
Áustria e Alemanha: Lied
Portugal: Moda
A MODINHA:
SURGIMENTO
É nesse ambiente e condições sociais que, nos últimos anos do século
XVIII, surge a modinha, um tipo especial de canção que será
cultivada tanto em Portugal quanto no Brasil.
A modinha está nas mais profundas raízes da música brasileira,
responsável pelo lirismo romântico de nossas canções e pela
docilidade, suavidade e amorosidade que encontramos em nossa
música. Sempre, entretanto, a modinha transitou entre o erudito e o
popular, ora tendendo para este, ora para aquele lado, e, em outros
momentos, unindo esses dois polos em uma mesma canção.
MODINHA:
CARACTERÍSTICAS
MODINHA: um tipo de canção lírica, singela e de duração reduzida,
composta para uma ou duas vozes acompanhadas por guitarra ou
teclado. Cultivada, inicialmente, pelas classes mais abastadas, aos
poucos, vai se popularizando, até tornar-se, pouco a pouco, um
veículo para a expressividade musical, tanto portuguesa quanto
brasileira.
Fonte: As primeiras manifestações da música popular urbana no Brasil:
EDILSON VICENTE DE LIMA
Ao mesmo tempo suave e romântica, chorosa quase sempre, a
modinha seguiu então pelo resto do século como o nosso melhor
meio de expressão poético-musical da temática amorosa.
Composta geralmente em duas partes, com predominância do
modo menor e dos compassos binário e quaternário, a modinha do
período imperial jamais se prendeu a esquemas rígidos, primando
pelas variações.
EXEMPLOS: MODINHAS

Joaquim Manoel da Câmara (1780 – 1840)


https://www.youtube.com/watch?v=SNuVIGPwWn4
Cândido Inácio da Silva (1800 – 1838)
https://www.youtube.com/watch?v=Li5r84uI2eI
DOMINGOS CALDAS BARBOSA
(LERENO SELINUNTINO)

Nascimento: 1738 (Século XVIII) - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Falecimento: 1800 (Século XVIII) - Lisboa, Portugal


DOMINGOS CALDAS
BARBOSA
http://www.bnportugal.pt/agenda/imagens-agenda/agenda-foto-destaque-d-barb.jpg
FONTE: VALÉRIA GAUZ

Quando a gente pensa em repente, não é comum imaginar um padre


galhofeiro fazendo versos meio chulos, um homem capaz de manter
uma conversa somente com versos rimados e satíricos no século 18
no Brasil. Esse homem existiu, foi fundador e presidente da
Academia de Belas Artes de Lisboa (mais tarde Nova Arcádia, rival
em prestígio com a extinta Arcádia Lusitana) e pertenceu à Arcádia
de Roma com o nome de Lereno Selinuntino.
DOMINGOS CALDAS
BARBOSA
Consta também que foi ele quem introduziu nas cortes portuguesas,
na década de 1770, as modinhas e os lunduns brasileiros; segundo
José Ramos Tinhorão, em sua Pequena História da Música Brasileira,
o padre cantava "a autêntica música popular da colônia". Figura
querida por alguns e odiada por outros, estamos falando do padre
carioca, filho de português e africana, Domingos Caldas Barbosa.
Fonte: Valéria Gauz
DOMINGOS CALDAS
BARBOSA
Sacramento Blake, no Dicionário Bibliográfico Brasileiro, descreve uma
obra curiosa do padre Barbosa, a Viola de Lereno, cujos versos foram
"salvos", compilados e editados por seus amigos, uma vez que ele não
guardava os improvisos que abundantemente fazia.
Seguem alguns versos de "Crime Gostoso", do primeiro volume de 1798
de Viola de Lereno, sobre uma cantoria do padre a um grupo de moças:
"Si he hum crime o ser amante,
Bem criminoso sou eu;
Mas he tão gostoso o crime,
Que eu gosto bem de ser reu.”
Fonte: Valéria Gauz
OBRA VIOLA DE LERENO
FONTE: ANTONIOMIRANDA.COM.BR
DOMINGOS CALDAS
BARBOSA (LERENO)
Fonte: http://www.infopedia.pt/$domingos-caldas-barbosa
Capelão da Casa da Suplicação, nascido provavelmente em 1738, no
Rio de Janeiro, e falecido em 1800
Mestiço brasileiro, Domingos Caldas Barbosa, outrora soldado nas
lutas na Colónia do Sacramento, fazia, em Lisboa, uma vida de padre
mundano, animando assembleias burguesas, salões fidalgos e até
serões do paço real
VOU MORRENDO DEVAGAR
DOMINGOS CALDAS BARBOSA

Eu sei cruel, que tu gostas,


Sim gostas de me matar;
Morro, e por dar-te mais gosto,
Vou morrendo devagar.
 
Eu gosto de morrer por ti;
Tu gostas de ver-me expirar;
Como isto é morte de gosto,
Vou morrendo devagar.
 
Amor nos uniu em vida,
Na morte nos quer juntar;
Eu, para ver como morres,
Vou morrendo devagar.
(Trecho do Livro Viola de Lereno)
LUNDU
Dança popular brasileira introduzida no Brasil, provavelmente, pelos
escravos angolanos, muito popular em meados do século XVIII
(Andrade, 1989).
José Ramos Tinhorão descreve essa dança já como um resultado da
confluência de elementos da cultura negra, portuguesa e espanhola e
praticada por negros e mestiços no decorrer do século XVIII e XIX
(Tinhorão, 1991).
O LUNDU PRATICADO NO SÉCULO XVIII, EM
GRAVURA DE RUGENDAS.
FONTE: HTTP://PT.WIKIPEDIA.ORG/WIKI/LUNDU
LUNDU
O lundu era dançado, tendo como acompanhamento o batuque dos
negros e instrumentos já ocidentais, como a viola.
Tornou-se popular por seus elementos coreográficos: a famosa
umbigada, o sensual requebrado das ancas e os trejeitos das mãos e
estalidos dos dedos, elemento que Tinhorão associa ao fandango
Espanhol/ Português (idem, 1991).
EXEMPLOS: LUNDU
Lundu - Anônimo (Séc. XIX)
LUNDU-CANÇÃO
A convivência entre negros livres e cativos, a classe média e a corte,
possibilitada pelos centros urbanos emergentes, aproximou,
seguramente, o lundu da modinha e vice-versa.
Essa convivência vizinha fez com que a modinha absorvesse o estilo
sincopado do batuque do sensual lundu e este, por sua vez, as formas
musicais da recatada modinha, dando origem ao lundu-canção
EXEMPLOS: LUNDU-
CANÇÃO
Os Me Deixas que tu Dás - Antonio Vieira dos Santos

Eu Nasci sem Coração - Domingos Caldas Barbosa


DESDOBRAMENTOS
Durante o século XIX, a modinha e o lundu, já autônomos em suas
manifestações musicais, tornam-se verdadeiros meios da
expressividade musical tanto popular quanto erudita.
Foi cultivado por músicos como José Maurício e Marcos Portugal;
também por Carlos Gomes e, numa fase mais adiantada, por Villa-
Lobos.

Já com sentimentos nostálgicos nas primeiras décadas do século XX.


Na vertente popular, serviram de suporte para músicos como Xisto
Bahia e a maestrina Chiquinha Gonzaga
FONTE: As primeiras manifestações da música popular urbana no Brasil:
EDILSON VICENTE DE LIMA
PADRE MAURÍCIO NUNES
GARCIA (1789)
https://www.youtube.com/watch?v=0XkSc_M5gcs
BUSCO A CAMPINA
SERENA
https://www.youtube.com/watch?
v=fU6DSBpv6tY&ab_channel=RodolfoDuarte
LÁ NO LARGO DA SÉ
https://www.youtube.com/watch?
v=dM4TYJ83_D4&ab_channel=MusicaBrasilis
CURIOSIDADE: A
MODINHA NO SÉC.XX
Heitor Villa-Lobos – Modinha

Tom Jobim – Modinha

Modinha – Nelson Gonçalves

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