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História da música Brasileira

Temática: Música Brasileira: do descobrimento à Colônia


 
  

Múltiplas foram as influências que contribuíram, em cada período, para


o desenvolvimento da música brasileira. A base para esse entroncamento
cultural deu-se a partir da fusão das influências indígena, africana, e
portuguesa, que constituem o período de formação e caracterização, sendo o
elemento europeu o de mais forte influência.

A maioria dos estudos sobre história da música no Brasil apontam para


Portugal como a porta de entrada para a maior parte das influências que
construíram a música brasileira, erudita e popular, introduzindo a maioria dos
instrumentos, o sistema harmônico, a literatura musical e boa parcela das
formas musicais cultivadas no país ao longo dos séculos, ainda que diversos
destes elementos não sejam de origem portuguesa, mas genericamente,
europeia.

Geralmente, quando nos debruçamos sobre a chegada do homem negro no


Brasil no século no final do século XVI, para trabalhar nos campos como
escravos e outros serviços pesados, apesar da situação adversa imposta ao
seu corpo e mente, esse homem negro trouxe com sua memória a faculdade
de conservar suas heranças culturais, dentre as quais a luteria dos seus
instrumentos e a afinação que utilizavam, o que infelizmente pouco
conhecemos hoje. Mesmo isso passou por um processo de
europeização, pelo abandono do conhecimento dos instrumentos africanos,
sua organologia africana para usarmos uma nomenclatura europeia,
abandonando boa parte de seu conhecimento para incorporar o modo de
afinação europeia e a técnica de aprender a tocar os instrumentos introduzidos
pelo homem europeu. Para alguns, as maiores contribuições do homem negro
foram a diversidade rítmica, as danças e os instrumentos, que tiveram um
papel maior no desenvolvimento da música popular e folclórica, florescendo
especialmente no início do século XX. Para outros, o homem indígena
praticamente não deixou traços seus na corrente principal, salvo em alguns
gêneros do folclore, sendo em sua maioria um participante passivo nas
imposições da cultura colonizadora.

Música Indígena

 
Padre Antonio Vieira
 
As pesquisas sobre música indígena no Brasil ainda tendem a caminhar para
um estágio mais avançado, possibilitando conhecermos um pouco mais da
participação e influência do homem indígena como agente influenciador nas
aldeias, seja em torno do estado de São Paulo ou nas missões encrustadas
nas fronteiras do Brasil. A dificuldade em reunir e conhecer essa
documentação que fale da música e a participação do músico indígena é algo
que ainda está por ser feito em torno da documentação histórica musical.

O professor e pesquisador Marcos Holler tem nos revelado através da sua


pesquisa em documentação de arquivos, informações sobre a prática musical
nas reduções jesuíticas da América Portuguesa em 1549. A primeira missão,
liderada pelo Padre Manuel da Nóbrega, aportou na Bahia nessa data. Os
padres perceberam pela primeira vez a atração que a música exercia sobre os
gentios, sendo mencionado em carta do padre, após sua chegada,
descrevendo ele, Nóbrega, que os meninos índios cantavam e tocavam
instrumentos como cravo ( que deveria ser uma espécie de serafina utilizada
pelos padres, um órgão pequeno e pouco conhecido ainda) e as flautas surgem
em relatos do século XVI.
 

Outras influências

Apesar da pequena importância, vivenciamos algumas outras influências com o


crescente intercâmbio cultural ocorrido no período com outros países além da
metrópole portuguesa, elementos musicais típicos de outros países como a
operística italiana e francesa e das danças como a zarzuela,
o bolero e habanerade origem espanhola, e as valsas e polcas germânicas,
muito populares entre os séculos XVIII e XIX. 
Essa confluência de cultura desaguando no novo mundo tornou possível um
estilo musical que modificaria os rumos da música brasileira no século XX.

Saiba Mais
CASTAGNA, Paulo Augusto. Fontes bibliográficas para a pesquisa da prática
musical no Brasil nos séculos XVI e XVII. Dissertação (Mestrado) - Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1991 3v.

DUPRAT, Régis. Garimpo Musical. São Paulo, Editora Novas Metas Ltda.,


1985.181 p.

Referências
SOUZA, S. G., Tratado Descritivo do Brasil, Tip.João Ignácio da Silva, Rios.1879,
p.317.
Temática: Música pré-cabraliana e indígena

  

A música indígena brasileira é parte do vasto universo cultural dos vários povos
indígenas que habitaram e habita o Brasil. A música indígena tem recebido
alguma atenção do ocidental desde o início da colonização do território, com os
relatos De Jean de Léry sobre alguns cantos tupinambás, em 1558, e
de Antonio Ruiz de Motoya, cujo extenso léxico inclui um universo de
categorias musicais do guarani antigo. Estudos recentes têm-se multiplicado a
partir do trabalho de pesquisa de Villa-Lobos e Mário de Andrade no século XX,
e hoje a música indígena é objeto de estudo e interesse de pesquisadores de
todo o mundo.

As novas pesquisas em documentos do século XVIII mostram que as aldeias


indígenas em torno da vila de São Paulo estavam organizadas em guildas
pelos Jesuítas, onde determinadas aldeias tinham suas profissões definidas,
como por exemplo a de Mboy Mirim, que destacava-se pelo grande número de
músicos convidados para as festas na Vila de São Paulo.

  

Primórdios da música brasileira

Como qualquer música primitiva, a música dos gentios nos primórdios da


história do Brasil, foi essencialmente religiosa, ligada a cerimônias e atividades
das quais dependia a vida da tribo: cantos, danças de guerra, de caça, de
pesca, de invocação e homenagem, celebração da vida e da morte, a mística
da tribo, entre outras.

A importância social do canto e a dança entre os indígenas foram percebidas


pelo viajante europeu do século XVI, deixando o registro de que os tupinambás
são os maiores dançadores do mundo.

Mesmo com a chegada dos Jesuítas na América Portuguesa, tendo o potencial


da música para catequese para atrair os índios, sua atuação musical não foi
intensa quanto na América Espanhola. Ainda que não tenha sido tão intensa, a
atuação musical dos jesuítas no Brasil foi de suma importância para moldar a
cultura brasileira.

Podemos reconhecer em relatos textuais a citação de personagens que tiveram


participação consistente na vida musical desse tempo como Francisco de
Vaccas, como mestre da capela, e Pedro da Fonseca, como organista, ambos
ativos na Sé de Salvador.

As Reduções do sul do Brasil, um século mais tarde, fundadas por Jesuítas


espanhóis, atingiram um requinte cultural exuberante, onde funcionaram
verdadeiros locais para iniciar a prática musical, e relatos de época atestam a
fascinação do índio pela música da Europa e sua competente participação
tanto na luteria, como na prática instrumental e vocal. Um retrato das reduções
espanholas pode ser visto no filme britânico The Mission (A Missão), de 1986. 

A base para criar o estilo e a interpretação era naturalmente oriunda da cultura


da Europa, e o objetivo desta musicalização do gentio eram acima de
tudo catequético, com escassa ou nula contribuição criativa original de sua
parte. 

Apesar de não termos ainda registrado nenhuma partitura produzida por


compositores índios nas reduções jesuíticas portuguesas, podemos acreditar
na possibilidade de algum dia surgirem exemplos de um ou outro gentio que se
tornaram compositores eruditos, como um paraguaio que foi coautor de uma
ópera sacra sobre a vida de Inácio de Loyola, e um mexicano que compôs uma
missa completa em 1560. A maior parte das partituras compostas ou
executadas nas missões se perdeu após a dissolução destas, ainda que, no
século XX, diversos estudos especializados estejam alavancando informações
significativas à luz das novas pesquisas. 

Com o passar dos anos, os índios remanescentes dos massacres e epidemias


foram se retirando para regiões mais remotas do Brasil, fugindo do contato com
o branco, e sua participação na vida musical nacional foi decrescendo até
quase desaparecer por completo.
Temática- Música Europeia nos trópicos
 
 
Na obra - A cidade em Portugal - José Ramos Tinhorão propõe demonstrar
como a passagem do feudalismo para o capitalismo favoreceu mudanças
sociais e culturais em Portugal, posteriormente transplantadas para o Brasil nos
primeiros duzentos anos de colonização.
Segundo o autor, a crescente monetarização da economia, a partir do
século XIV, estimulou a agricultura de exportação, transferindo o centro dos
interesses do campo para a cidade. A característica cultural desses indivíduos
colocados à margem da estrutura econômico-social - obrigados a aderir à
aventura das grandes navegações ou compor a arraia-miúda dos grandes
centros - será traduzida pelo individualismo. Na música, o alegre canto coletivo
do homem do campo será substituído pelo lamento individual do homem
das cidades, pelo canto solo acompanhado da viola, cuja difusão e
vulgarização entre camadas populares passará a simbolizar o distanciamento
social.
 
Mas que músicas trouxeram os portugueses ao chegarem ao Brasil, a partir
de 1500?
Na esquadra que trouxe Pedro Álvares Cabral vieram também, como
seus auxiliares, Frei Pedro Neto, corista, e Frei Maffeo, organista e músico.
Segundo o documento de 1908 "A Música no Brasil”, eles impressionaram os
índios com sua arte na celebração da primeira missa no Brasil. A partir de 1549
chegaram os primeiros jesuítas ao Brasil. Eles utilizaram a música europeia
para se aproximar dos índios e catequizá-los.
Além da música religiosa trazida pelos jesuítas, os desbravadores também
trouxeram a música profana europeia.
 
O que acontecia na Europa durante esse período?
 
No período da colonização brasileira acontecia na Europa um período
intenso de produção artística e científica. Esse período começou no século XIII
e intensificou-se durante os séculos XV e XVI. Ficou conhecido como
Renascimento ou Renascença porque indicou o renascimento de culturas
muito antigas (grega e romana) e a valorização do homem como indivíduo que
pensa, cria e procura novos caminhos de desenvolvimento. O homem passa
a se pensar mais no centro do mundo, ao contrário da Idade Média, em que a
vida do homem estava centrada na figura de Deus. Esta configuração
nova surge em torno da cidade de Florença, na Itália, que ficou conhecida
como o berço do Renascimento, devido ao investimento dos comerciantes nas
artes.
 A música renascentista era polifônica, isto é, com duas ou mais vozes.
Nesse período surgiram instrumentos musicais novos, como a família dos
violinos, dentre outros que se desenvolveram. Porém, muitos instrumentos da
Idade Média continuaram a ser utilizados. Foram compostas uma variedade de
músicas para canto, dança, além de músicas instrumentais.
 
As formas musicais mais comuns que surgiram nesse período foram, além do
madrigal, a canção, o rondó, a suíte, o motete e diversas peças religiosas.
 
Além do canto religioso, foi introduzida no Brasil a música popular
portuguesa, trazida pelos colonizadores. Os portugueses trouxeram não só a
sua própria música, mas a de toda a Europa.
As formas melódicas, a harmonia, os textos poéticos, as tonalidades ,
os ritmos, a canção, a moda, o fado, as cantigas infantis de roda e de ninar,
além de várias danças dramáticas como o Pastoril, a Folia de Reis, a Nau
Catarineta, a Marujada, o Bumba meu boi, foram trazidas pelos colonizadores.
Outros povos além dos portugueses também tiveram influência em
nossa música como os espanhóis, os holandeses, os franceses, os italianos,
entre outros. Muitas vezes, a música popular se misturava com a música
religiosa, como no caso das procissões de Corpus Christi realizadas pelos
jesuítas. Eles enfeitavam as ruas com ramos de árvores e incluíam todas as
danças e invenções alegorias à maneira de Portugal. Tinham verdadeiras alas
e entre elas havia danças, coros, músicas, bandeiras, personagens e etc.
Essas folias eram desfiles dançantes típicos da área rural em que
os participantes percorriam grandes distâncias para chegar ao local da festa,
como acontece até hoje no interior do Brasil.
 
Eles trouxeram vários instrumentos como o violão, a viola, o cavaquinho,
o violino, o violoncelo, a sanfona, a flauta, a clarineta e o piano, que foram
criados a partir da evolução de alguns instrumentos medievais.
 
A Formação da música brasileira A música do Brasil se formou a partir da
mistura de elementos europeus, africanos e indígenas, trazidos
respectivamente por colonizadores portugueses, escravos e pelos nativos que
habitavam o chamado Novo Mundo. Outras influências foram se somando ao
longo da história, estabelecendo uma enorme variedade de estilos musicais.
A música no tempo do descobrimento Você já se perguntou se na época do
descobrimento do Brasil havia música? O que será que os índios que por aqui
viviam cantavam? Será que eles tocavam algum instrumento? Como será que
foi a reação dos indígenas quando os primeiros portugueses chegaram em
suas "caravelas”, trazendo violas e outros instrumentos de Portugal? Os
portugueses realmente se espantaram com a maneira de vestir dos
nativos e da maneira como eles faziam músicas: cantando, dançando,
tocando instrumentos (chocalhos, flautas, tambores).
Pois então... Agora, use sua criatividade e desenhe uma cena do tempo do
descobrimento do Brasil, em que um português vê pela primeira vez um grupo
de índios tupis cantando e dançando.
 
Você poderá usar algumas informações:
O maracá era um instrumento muito apreciado pelos índios tupis da costa do
Brasil (veja a figura acima).
Os índios costumavam dançar em círculos cantando e batendo os pés.
Os portugueses chegaram em "caravelas” (navios) e se espantaram com a
nudez dos nativos.
Um dos cantos dos tupis era dedicado a uma ave amarela, uma espécie de
arara, que eles chamavam "Canide ioune” (ave amarela na língua tupi).
Os portugueses se vestiam com muita roupa, usavam barba, grandes chapéus
e provavelmente trouxeram violas (o ancestral do violão) na sua primeira
viagem.
 
E então? Vamos cantar essa história?
Chegança Antonio Nóbrega Sou Pataxó, Sou Xavante e Cariri, Ianonami, sou
Tupi Guarani, sou Carajá.
Sou Pancaruru, Carijó, Tupinajé, Potiguar, sou Caeté, Ful-ni-o, Tupinambá.
Depois que os mares dividiram os continentes Quis ver terras diferentes.
Eu pensei: "vou procurar Um mundo novo, Lá depois do horizonte, Levo a rede
balançante Pra no sol me espreguiçar".
Eu atraquei Num porto muito seguro,
Céu azul, paz e ar puro...
Botei as pernas pro ar.
Logo sonhei Que estava no paraíso, Onde nem era preciso Dormir para se
sonhar.
Mas de repente Me acordei com a surpresa: Uma esquadra portuguesa Veio na
praia atracar.
De grande-nau, Um branco de barba escura, Vestindo uma armadura Me
apontou pra me pegar.
E assustado Dei um pulo da rede, Pressenti a fome, a sede, Eu pensei: "vão
me acabar".
Me levantei de borduna já na mão.
Ai, senti no coração, O Brasil vai começar.
 
Como nasceu a música brasileira?
A música brasileira mistura elementos de várias culturas, principalmente
as chamadas culturas formadoras: a dos colonizadores portugueses
(europeia), a dos nativos (indígena) e a dos escravos (africana). É difícil
estabelecer com certeza os elementos de origem, mas sabemos que alguns
instrumentos musicais, por exemplo, são tradicionais de certas culturas.
 
Instrumentos europeus

Flauta doce

Violino e Viola (família de cordas)

Instrumentos de teclado (como o ancestral do piano,o cravo)


Violão
Instrumentos indígenas

Flautas indígenas

]
Maracá (chocalho)
Instrumentos africanos
Berimbau

Agogô

Atabaques
Cuíca (ou Puíta)
 
Curiosidade: Os primeiros professores de música no Brasil foram os padres
Jesuítas, responsáveis pela catequese dos indígenas. No sul do Brasil, os
Jesuítas construíram as chamadas Missões, onde além de aculturar os índios
guaranis, ensinando a religião católica e a agricultura, ensinavam música vocal
e instrumental, criando orquestras inteiras só de guaranis. O mais famoso
padre jesuíta foi o padre Anchieta, criador de muitos "autos”, espécie de peças
de teatro didáticas, que tinham a função de ensinar a religião de uma forma
criativa e espetacular aos índios.
 

Padre José de Anchieta"


Fonte: www.portaledumusicalcp2.mus.br
Temática: os jesuítas e os primeiros séculos da música brasileira

O brilhante trabalho da professora Helza Camêu, Introdução ao Estudo da


música indígena Brasileira, é uma excelente fonte de referência para
conhecermos os primórdios da música brasileira. Recorrendo a relatos de
cronistas e pesquisadores, ela demonstra, através da documentação
pesquisada, que “o som musical era utilizado pelo índio muito antes da
descoberta do Continente americano” (CAMEU, 1977).

O canto é considerado o elemento mais litúrgico, mais imprescindível de que


podemos falar e que seja a entrada, o contato místico com o deus
desmaterializado. É ainda um fluído sonoro vital, que libera pela boca um
material melodioso que habita em nosso corpo. O teatro jesuítico trás no seu
âmago, o canto místico dos jesuítas, funcionava também como elemento de
religião, isto é de religação, de força unificadora, proporcionando aos índios um
encantamento com a teatralização e cantos, buscando incorporar os silvícolas
ao interior da igreja católica. 

Com os homens negros se deu semelhante dominação cultural através da


música, cuja cultura foi tão decisiva para a formação da música brasileira. 

Se pensarmos que em 1538 navios negreiros aportaram nos ancoradouro


brasileiro transportando como “carga” os primeiros escravos trazidos da África
trazendo na sua memória as músicas, danças,
idiomas, macumba e candomblé – criando a base primordial de uma nova
etapa fundamental na história inicial da música brasileira.

Mesmo com a vinda de grandes contingentes de escravos da África a partir do


século XVI, sua raça era considerada inferior e desprezível demais para ser
levada a sério pela cultura oficial. Mas seu destino seria diferente do índio.
Logo sua musicalidade seria notada pelo colonizador, e sendo uma etnia mais
prontamente integrável à cultura dominante do que os arredios índios, grande
número de negros e mulatos passaram a ser educados musicalmente - dentro
dos padrões portugueses, naturalmente - formando orquestras e bandas que
eram muito louvadas pela qualidade de seu desempenho. Mas a contribuição
autenticamente negra à música erudita brasileira teria de esperar até o século
XX para poder se manifestar em toda sua riqueza.

É importante assinalar ainda a formação de irmandades de músicos a partir do


século XVII, algumas integradas somente por negros e mulatos, irmandades
estas que passariam a monopolizar a escrita e execução de música em boa
parte do Brasil.

Antes de falarmos da Escola Mineira na música no século XVIII, conheceremos


um pouco do que a maioria do povo apreciava nos guetos longe da censura da
igreja e o olhar da Realeza.
Um dos maiores expoentes da Escola Mineira José Joaquim Emérico Lobo de
Mesquita, compositor de Música Sacra no Brasil Colonial.

 
 
Referência
  ANDRADE,Mário. Pequena História da Música. Belo Horizonte: Editora Itatiaia
Limitada, 1980.

CAMEU, Helza. Introdução ao Estudo da música indígena Brasileira Conselho


Federal de Cultura e Departamento de Assuntos Culturais, 1977.

Aula 5_Modinha e Lundu 1


 

Modinha:

“Modinheiros”: Fonte: http://musicabrasileira.webnode.com.br/estilos-musicais-


brasileiros/modinhas/

Um gênero de música em especial assumiu um lugar de destaque nos séculos


XVIII e XIX: a modinha. Derivada da palavra “Mote” (motivo), logo adotou o termo
“Moda” e seu diminutivo “Modinha”. Originariamente portuguesa, provavelmente
surgida nas elites governantes no Brasil colônia a partir de elementos da ópera
italiana e foi citada pela primeira vez na literatura em 1779, por Nicolau Tolentino
de Almeida na “Sátira Oferecida ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Dom
Martinho de Almeida”, embora seja ainda mais antiga.
Em Portugal, segundo o autor Mozart de Araújo, os termos “ária, romance e moda”
serviram, em meados do século XVIII, para designar genericamente os Ayres,
Tonos, Tonadilhas, Coplas, Seguidilhas e especialmente as Serranilhas,
Rimances, Soláus e Xácaras, todas formas de canções de períodos anteriores.
Desta variedade é natural que a Modinha tenha assumido formas musicais e
poéticas variadas no início.

A modinha é, em linhas gerais, uma canção suave, romântica e chorosa, de feição


bastante simplificada, muitas vezes de estrutura estrófica e acompanhamento
reduzido a uma simples viola ou guitarra (antecedente da guitarra portuguesa),
embora haja exemplos de modinhas do século XVIII com acompanhamento de
baixo contínuo e cravo, sendo de apelo direto às pessoas comuns. Presente
constantemente nos saraus da aristocracia, podendo ser mais elaborada e
acompanhada por flautas e outros instrumentos e ter textos de poetas importantes
como Tomás Antonio Gonzaga, cuja obra Marília de Dirceu foi musicada uma
infinidade de vezes. A modinha, como canção elitista, era tão apreciada que
também músicos da corte compuseram algumas peças no gênero, como Marcos
Portugal, autor de uma série com letras extraídas da obra de Gonzaga, citada
acima, e o Padre José Maurício Nunes Garcia, autor da célebre "Beijo a mão que
me condena".

Jornal de Modinhas com acompanhamento de Cravo: 1795

 
Guitarra (Portuguesa), presente no método “Estudo de Guitarra” de Antônio da
Silva Leite, de 1796

Enquanto a modinha, como gênero musical, empolgava os salões da corte de D.


Maria I, nas ruas de Lisboa o ritmo dominante era a “Fofa”, dança de origem
brasileira, que embora não tenha persistido na sua terra de origem, foi recebida e
divulgada em Portugal a ponto de se tornar, segundo relatos de viajantes, a “dança
mais característica de Portugal”.

Algumas características da Modinha:

1. Uso poético de temas como ciúmes, dores da despedida e amores


desprezados;

2. Ausência da Negra ou Mulata, substituída pela musa branca e senhorial. A


morena é o padrão romântico da musa brasileira;

3. Sensualidade dos temas;

4. Linha clássica das melodias;

5. Acompanhamento com baixo d’alberti, arpejado;


6. Uso de redondilhas menores, frases curtas em versos de 4 ou 7 sílabas;

7. Preferência por modo menor;

8. Compassos quaternários ou binários;

9. Ritmo anacrúsico ou acéfalo;

10. Uso da Dominante com sétima;

11. Acompanhamento de viola ou guitarra;

12. Letra despretenciosa;

13. Abundância de ornamentos melódicos.

Exemplo de modinha com acompanhamento de viola. Fonte: As Modinhas do


Brasil, editada por Edilson de Lima

 https://www.youtube.com/watch?v=N7MSFuQ-Ymw

Bibliografia
OLIVEIRA, Olga M. F. A Modinha e o Lundu no Período Colonial. In: A Música no
Brasil Colonial (Coord: Rui V. Nery). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
p. 330-362
Temática: Modinha e Lundu 2

Lundu:

“Se não tens mais quem te sirva

O teu moleque sou eu

Chegandinho do Brasil

Aqui está que todo é teu”

(Domingos Caldas Barbosa)

A chegada do lundu (Londu, Landu, Lundum, Londum, Landum) ao Brasil se


deu através dos negros de Angola, mas por duas vias: passando por Portugal
ou diretamente da Angola para o Brasil. Em Portugal agregou o uso dos
instrumentos de corda, mas acabou proibido pelo rei, Dom Manuel por ser
contrário aos bons costumes. Já a vinda direta de Angola para o Brasil
recuperou o acento jocoso, mordaz e sensual que incomodara a sociedade
lisbonense. Aparece no Brasil no século XVIII como uma dança sem canto e de
natureza licenciosa, para os padrões da época. Nos finais do século XVIII,
presente tanto no Brasil como em Portugal, o lundu evolui como uma forma de
canção urbana, acompanhada de versos, na maior parte das vezes de cunho
humorístico e lascivo, tornando-se uma popular dança de salão.

A notícia mais antiga do lundu-canção é encontrada na coletânea de versos


musicados por Domingos Caldas Barbosa, intitulada “Viola de Lereno”, sendo o
primeiro volume publicado em 1798. Até então, o lundu era referenciado
somente como uma forma de dança de origem africana e ritmo sincopado.
Durante todo o século XIX, o lundu é uma forma musical dominante, e o
primeiro ritmo africano a ser aceito pelos brancos. Seus versos satíricos,
maliciosos, cantando amores condenados, muitas vezes não eram assinados
pelos autores que, com medo de perseguições, preferiam o anonimato. Mas
outros compositores assumiam suas obras, certamente mais brandas e
adequadas ao gosto da classe dominante, como Francisco Manuel da Silva,
que compôs o Lundu Da Marrequinha.

Apesar da influência do ritmo negro africano, a síncopa, muito mais clara e


sistematizada no lundu que na modinha, é utilizada principalmente nas vozes
cantadas, mantendo predominantemente o acompanhamento de viola arpejado
e com ritmo constante de semicolcheias.

 
Algumas características do Lundu no século XVIII:

1. Aceitação pessoal ou indireta do Negro;

2. Temas humorísticos, impregnados de ironia e mordacidade;

3. Pouco respeito aos valores da sociedade patriarcal;

4. Crítica velada ao papel de submissão exigido pela sociedade;

5. Sensualidade;

6. Louva a Negra e a Mulata;

7. Influência da percussão do batuque;

8. Compassos dos primeiros lundus: 3/8 e 6/8;

9. Uso da sincopa;

10. Acorde de sétima da Dominante;

11. Acompanhamento preferencialmente realizado por instrumentos de cordas


dedilhadas.

 
Exemplo de Lundu com acompanhamento de viola. Fonte: Modinhas Lunduns
e Cançonetas, editada por Manuel Morais

https://www.youtube.com/watch?v=amF2ruZMEzY

Domingos Caldas Barbosa:

Um dos mais conhecidos modinheiros, considerado como um dos criadores da


gênero musical, é Domingos Caldas Barbosa. Mulato, nasceu provavelmente
no Rio de Janeiro, em 1739 ou Lisboa, 9 de novembro de 1800. Foi sacerdote,
poeta e músico, filho de um português com uma escrava angolana. Partiu para
Portugal em 1763, para estudar em Coimbra. Posteriormente em Lisboa,
celebrizou-se pelas trovas improvisadas ao som da sua viola. Suas
composições estão reunidas no livro Viola de Lereno, pseudônimo que ele
adotava. Foi soldado nas lutas na Colônia de Sacramento. Levou uma vida de
padre mundano, animando assembleias burguesas, salões fidalgos e até
serões do paço real. Em sua poesia tratou das peculiaridades afetivas do povo
brasileiro. Procurou enfatizar temas românticos, diferenciando-a das modinhas
portuguesas.

Bibliografia
OLIVEIRA, Olga M. F. A Modinha e o Lundu no Período Colonial. In: A Música
no Brasil Colonial (Coord: Rui V. Nery). Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001. p. 330-362

Estilo Antigo na Música Brasileira do século XVIII

1. Estilos “Antigo” e “Moderno”

Por estilo Antigo e Moderno, entende-se o primeiro tendo origem na música


polifônica, com uma escrita contrapontística mais restrita, muitas vezes sendo
relacionado na prática musical católica com o estilo polifônico de G. P.
Palestrina. O estilo moderno, por outro lado, é aquele que seguiu recebendo
influência da música dos Madrigais, Operística e Instrumental. Os dois estilos
coexistiram, desde o início do Período Barroco, na Europa e
consequentemente nas Colônias. Segundo o pesquisador Paulo Castagna, os
estilos Antigo e Moderno não representam “categorias estritas”, mas dois
grandes “grupos estilísticos” que foram simultaneamente cultivados no mundo
católico até finais do século XIX.

Apesar de sua origem na música polifônica renascentista, como escrevem os


teóricos Manfred F. Bukofzer e Karl G. Fellerer, o Estilo Antigo foi uma
invenção do período barroco, no século XVII, e aos poucos ganhou
características próprias, se libertando do estilo renascentista, sendo
identificado como uma forma tradicional de escrita religiosa, tendo sido parte
fundamental da formação dos compositores dos séculos XVII e XVIII.

  Estilo Antigo Estilo Moderno


Outras Prima Prattica, Estilo Seconda Prattica, Estilo
Definições: Polifônico, Stylus Antiquus. Concertante, Estilo Napolitano.
Características Utilização das regras do Influência da Música Profana,
Musicais: contraponto renascentista. como Ópera e Madrigais.
  Declamação Uso de recursos operísticos,
predominantemente silábica, como árias, recitativos,
acentos rítmico-harmônicos intervenções corais.
derivados da acentuação do
texto latino.
  Tendência para a homofonia e Privilégio da textura vertical,
movimentos rígidos da harmônica, sobre o
homofonia. contraponto.
  Uso de seqüencias musicais  
  Superposição de melodias em  
terças e sextas.
  Imitações motívicas limitadas,  
normalmente ao início das
composições.
  Utilização escolástica do cantus  
firmus
 

2. Estilo Antigo na Península Ibérica

Segundo Paulo Castagna, em Portugal e Espanha, ocorreu uma situação


particular, onde o Estilo Moderno passou a ser adotado somente no final do
século XVII e transição para o XVIII. As possíveis razões deste fenômeno
podem estar ligadas à expulsão dos mouros da Península Ibérica e ao
descobrimento das Américas, que ligaram as coroas portuguesa e espanhola
ainda mais a Roma e a Igreja Católica. No caso das colônias, uma maior
unidade religiosa e o risco dos avanços do protestantismo, fez com que
Portugal e Espanha se alinhassem aos ideais católicos da contra-reforma, o
que claramente influenciou a tradição musical litúrgica destes países.

Segundo os pesquisadores Manuel Carlos de Brito e Luisa Cymbron, Portugal


foi o único país católico no qual as decisões do Concílio de Trento foram
totalmente aplicadas. Os compositores Portugueses do século XVI também
mostravam pouco interesse com as inovações polifônicas e uso de temas
profanos dos Franco-Flamengos, o que auxiliou na assimilação das normas
musicais impostas pela contra-reforma. Estas razões levaram a uma produção
musical religiosa predominantemente em Estilo Antigo durante todo o século
XVII, em Portugal. O Estilo Moderno começou a ser utilizado, neste período,
somente em gêneros musicais religiosos, não litúrgicos, como os Vilancicos.

3. Estilo Antigo em São Paulo e Minas Gerais

Tendo como base o repertório conhecido paulista e mineiro, dos séculos XVIII
e XIX, o pesquisador Paulo Castagna chegou a conclusão que coexistiram
diversas modalidades de estilos “Antigo” e “Moderno”, não sendo possível ligar
um único estilo a determinados períodos históricos ou locais. O pesquisador
também elencou uma série de fatores que distinguem os estilos “Antigo” e
“Moderno” na música paulista e Mineira, como descrevemos parte abaixo:

1. Predomínio da formação coral a 4 vozes, com exceções a 3 ou 8 vozes;

2. Emprego opcional de um instrumento grave dobrando o baixo vocal;

3. Utilização do Sistema Modal;

4. Extensão reduzida das partes vocais (normalmente até uma oitava), com
excessão do baixo;

5. Repouso por clausulas ou cadências;

6. Utilização de valores rítmicos largos;

7. Pouca variedade rítmica;

8. Estilo predominantemente silábico;

9. Sujeição do ritmo musical ao texto latino;

10. Movimento melódico normalmente por graus conjuntos;

11. Superposição freqüente de melodias por terças e sextas paralelas;

12. Raras passagens a solo, duos ou trios, por m ovimentos paralelos;

13. Utilização do Cantus-Firmus (Cantochão) em determinados momentos da


liturgia católica;

14. Utilização de 4 texturas musicais, não mutuamente exclusivas:

a) Textura homofônica

b) Textura de fabordão (quartas e sextas paralelas)

c) Textura contrapontística;

d) Imitação ou seqüencia motívica

15. Associação pouco freqüente do Estilo Antigo e Moderno em uma mesma


cerimônia religiosa.

3.1. Relações do Estilo Antigo e as cerimônias religiosas


 

            O pesquisador Paulo Castagna também percebeu uma ligação direta do


Estilo Antigo, não somente a questões puramente musicais, mas também à
função religiosa de cada composição. O uso do Estilo Antigo não era somente
uma escolha puramente estética de cada compositor, mas estava relacionada
ao momento litúrgico ou função religiosa. Segundo Castagna, de todo o
repertório pesquisado, um total de 83,5% das obras era destinado à Semana
Santa, 8,3% ao período da Quaresma e o restante para outras ocasiões.

            A concentração do Estilo Antigo na Semana Santa é explicada pelo


pesquisador aplicação das normas tridentinas para este período litúrgico que
originalmente previam a não utilização do canto polifônico ou instrumentos
musicais. Nestes casos fazia maior sentido o uso do Estilo Antigo em
detrimento do Estilo Moderno, impregnado de influência operística.
 

Exemplos em Estilo Moderno

 
Temática: Música no Nordeste I

  

Nos primeiros séculos de colonização, com o enriquecimento devido ao ciclo


da cana de açúcar, o Nordeste Brasileiro passou por um período de
desenvolvimento cultural, procurando assimilar a prática musical portuguesa. A
prática musical foi centralizada principalmente nas maiores cidades da Bahia e
Pernambuco, como Salvador, Recife e Olinda, embora pudesse ser vista em
outros centros do Norte e Nordeste, como São Luís do Maranhão e Belém do
Pará.

O Interesse pela música portuguesa criou um contato entre os músicos


portugueses e nordestinos, sendo que alguns dos últimos chegaram a viver por
um período em Portugal. O primeiro que se tem notícia, foi Francisco
Rodrigues Penteado, pernambucano, que permaneceu por alguns anos em
Portugal, até 1648, sendo que posteriormente trabalhou no Rio de Janeiro e
São Paulo, onde faleceu em 1673. Compositores no Nordeste também
levantaram interesse de autores e teóricos portugueses, José Mazza, em seu
Dicionário Biográfico, cita os seguintes músicos do Nordeste: Caetano de Melo
de Jesus (Bahia), Eusébio de Matos (Bahia), Manoel da Cunha (Pernambuco),
Inácio Ribeiro Noio (Pernambuco), Inácio Terra (Pernambuco), Luís Álvares
Pinto (Pernambuco) e o português Antão de Santo Elias (trabalhou na Bahia).

A prática musical no Nordeste, na segunda metade do século XVII e durante


todo o século XVIII, assimilou rapidamente o gosto português, logo chegando
ao estilo barroco. A qualidade da música neste período era avaliada pela
proximidade com a cultural portuguesa, sendo que quanto mais “portuguesa”,
melhor a música.

  

Bahia:

  

Segundo o pesquisador Paulo Castagna, uma das diferenças entre a prática


musical na Bahia e Pernambuco, foi uma presença maior da música profana na
Bahia. Salvador, capital da colônia até 1763, desenvolveu uma vida literária
movimentada, desde a Prosopopeia de Bento Teixeira (1601) até às obras
acadêmicas do século XVIII.

Um exemplo desta música, que sobreviveu é o Recitativo e Ária para José


Mascarenhas (Cantata Acadêmica), composta por autor desconhecido. A obra
tem relevância para a história da música brasileira pelas seguintes razões: é
uma peça profana, cantada em português e o manuscrito possui a mais antiga
data já encontrada em documentos musicais brasileiros. O próximo compositor
baiano do qual se resgatou parte de suas obras foi Damião Barbosa Araújo
(1778 – 1856), que pelo período que viveu já se distancia do estilo barroco da
Cantata Acadêmica. A cantata possui um recitativo obbligato, comum na ópera
italiana, no qual a orquestra elabora pequenas seções entre o canto, podendo
variar a complexidade entre breves acordes até um ritornelo. A seção seguinte
é uma Ária da Capo, com forma ABA, marcada por um ritornelo.

A música religiosa teve grande importância na vida monasterial, especialmente


entre os Beneditinos que tiveram alguns importantes músicos, como os frades
Mauro das Chagas (? – 1629), Francisco da Gama (? – 1700/1715), Joaquim
de Jesus Maria (? – 1732), Alberto da Conceição (? – 1767), Manuel de Jesus
Maria (1777 – 1798) e José de Jesus Maria São Paio (1721 – 1810). Segundo
Paulo Castagna, “um Frei Félix (? – 1700/1715), que nasceu no Rio de Janeiro,
segundo o dietário da ordem, foi instrumentista e ‘trouxe muita solfa para o
mosteiro da Bahia, toda em letra redonda como se então se usava em Lisboa’”.

  

Importantes músicos baianos no período colonial:

1. Gregório de Matos (1633 – 1696), poeta, cantor e compositor de


canções;

2. Eusébio de Matos (1629 – 1692), irmão do anterior, foi compositor de


música religiosa;

3. Antão de Santo Elias (1680 – 1748), compositor nascido em Portugal;

4. Nicolau da Miranda (1661 – 1745), organista, atuou na Santa Casa de


Misericórdia de Salvador

O exemplo abaixo, com texto de Gregório de Matos, utiliza uma melodia


conhecida ibérica, que foi muito utilizada por compositores para guitarra
barroca, com nome de Marisapoles. Matos faz uma paródia, entitulada
Marinícolas, sobre a melodia.

Os Exemplos seguintes são gêneros musicais conhecidos no período de


Gregório de Matos, que foram mencionados em seus textos. É possível
conhecer exemplos destes gêneros musicais a partir de documentos musicais
presentes na Península Ibérica, especialmente Portugal.

Temática: Música no Nordeste II

 
Pernambuco 

O principal pesquisador sobre a música em Pernambuco, o Padre Jaime Diniz,


logrou recolher um grande número de nomes e registros de músicos que
atuaram no Estado no período colonial, apesar de muitas ou todas suas obras
não terem sobrevivido ao tempo. Quase toda a produção musical foi perdida,
mas as pesquisas de Diniz dão uma perspectiva da vida musical
pernambucana.

Conhece-se os Mestres de Capela da igreja matriz de Olinda, sendo que os


mais citados são:

1.  Gomes Correia (segunda metade do século XVI);

2. Paulo Serrão (primeira metade do século XVII);

3. José Nascimento (? – 1733);  

4. João de Lima (segunda metade do século XVII);

5. Antônio da Silva Alcântara (1711 - ?).

  

Dentre os músicos recifenses mais conhecidos e citados na documentação de


época, incluindo a portuguesa, estão:

1. Manoel da Cunha (1650 – 1734), compositor;

2. Inácio Ribeiro Noia (1688 – 1773), compositor;

3. Luís Álvares Pinto (1719 – 1789), compositor, teórico e professor de


primeiras letras;

4. Joaquim Bernardo Mendonça Ribeiro Pinto (? – 1834), compositor;

5. Agostinho Gomes (1722 – 1786), organeiro, instalou orgão em Rcife.


Olinda, Salvador e Rio de Janeiro.

  

Dentre os músicos mencionados, o de maior destaque, também por existirem


exemplos musicais de sua obra, é Luís Álvares Pinto, do qual trataremos em
aulas separadas. Embora não se conheça nenhum exemplo de composição,
outro músico de destaque foi Antônio da Silva Alcântara, Mestre de Capela da
igreja matriz de Olinda.

  
Antônio da Silva Alcântara

Apesar de nenhum exemplo musical escrito pelo padre Antônio da Silva


Alcântara ter chegado ao nosso conhecimento, é possível verificar a
importância de sua atuação como Mestre de Capela da Sé de Olinda em, ao
menos, três textos do século dezoito: “Relação das festas que se fizeram em
Pernambuco pela feliz aclamação do mui alto, e poderoso Rei de Portugal D.
José I” escrito por Felipe Neri Corrêa (1753), “Desagravos do Brasil e Glórias
de Pernambuco” por Domingos do Loreto Couto (1757), e “Dicionário Biográfico
de Músicos Portugueses” por José Mazza (1794). Os dois primeiros textos
foram certamente escritos durante a vida de Antônio da Silva Alcântara. Até o
momento, os três textos acima mencionados permanecem como a principal
fonte de informação acerca da atuação e obra de A. S. Alcântara.

Consta na publicação de 1904 dos “Desagravos do Brasil...” que Antônio da


Silva Alcântara nasceu na vila do Recife em 19 de outubro de 1712, informação
conflitante à dada por Ernesto Vieira em 1900, onde o ano de nascimento é
1711, com mesmo dia e mês. Tanto Antônio Mazza quanto Domingos do
Loreto Couto atestam a qualidade musical e mencionam o aprendizado
precoce e autodidata do músico pernambucano, a atuação como professor de
música é lembrada por COUTO, enquanto MAZZA cita sua ida a Lisboa para
estudar “rabecão pequeno” (violoncelo) com Frei Francisco, religioso
carmelitano calçado.

  

“Na idade juvenil estudou a arte da música, e saiu famoso


professor desta harmônica faculdade. Ainda não contava catorze
anos de idade, e sabia especulativamente compor diversas obras,
que lhe conciliarão universal aplauso. Ordenado de presbítero
mostrou pela integridade de vida, e modéstia do semblante, ser
digno de tão sublime estado. Foi convidado para mestre da
catedral de Olinda, sendo insigne tangedor de todos os
instrumentos, e dos mais celebres professores de música de seu
tempo” (COUTO, 1904: p. 374).

“Presbítero Douto em muitas faculdades, e na Música estupendo,


soube contraponto sem ter Mestre, e compôs excelentemente
como certificam as suas obras, foi Mestre da Capela da Sé de
Olinda em Pernambuco, veio a Lisboa aprender a tocar rabecão
pequeno com o padre Frei Francisco Religioso Carmelitano
Calçado, retirou-se do Mestrado para Porto Calvo, onde vive
exercendo muitas virtudes.” (MAZZA, 1944-45: p. 18).

  

Dentre os biógrafos de Antônio da Silva Alcântara, MAZZA é o único que indica


um possível destino para o final da vida do músico pernambucano, tendo ele se
retirado para Porto Calvo, vila que no século dezoito pertencia à Capitania de
Pernambuco, hoje no estado de Alagoas. Quanto à obra perdida de Antônio da
Silva Alcântara, COUTO lista uma série de composições religiosas, para teatro
e instrumentais. As obras religiosas são duas Missas; uma Ladainha a quatro
vozes com trompas, violinos e violoncello obligato; dois Te Deum’s, o primeiro
a quatro coros, que foi cantado no Carmo do Recife; e o segundo Te Deum a
dois coros, cantado na Misericórdia, além de antífonas de Santa Cecília. As
obras instrumentais são Tercetos; Sonatas com trompas e oboés; Sonatas para
rabecas, cravo e cítara. COUTO também menciona “Três sonos para as
comédias reais, e a solfa toda para as ditas comédias” representadas no
terreiro do Palácio do Governador de Pernambuco, Luis José Corrêa de Sá, em
1752 (1904: p. 374-5).

Das obras listadas acima, Felipe Neri Corrêa descreve a apresentação do Te


Deum a quatro coros e das três comédias reais durante os festejos de
aclamação de D. José I, nos anos de 1751 e 1752. CORRÊA também
menciona uma Serenata de Antônio da Silva Alcântara, não citada por COUTO.

  

“Formados em batalha, passaram Suas Excelências para a Sé,


aonde se achava o mais nobre, e luzido auditório [...] Estava
aquele grande Templo magnificamente adornado, e curiosamente
guarnecido das mais vistosas sedas, e ricos paramentos que
permitia o país; no meio do Cruzeiro se via um como trono
levantado coberto de singulares alcatifas, sobre o qual havia um
faldistório em que Sua Excelência Reverendíssima rompeu o ato
com um admirável a e doutíssimo Sermão [...] Concluiu
ultimamente o discurso, entoando o Te Deum laudamus, a que
com suaves harmonias, e agradável melodia respondeu (e foi
continuando o Hino) a música, que estava dividida em quatro bem
concertados coros a quem regia, e fazia compasso o R.P.M.
António da Silva Alcântara, insigne compositor, e Mestre da
Capela da mesma Sé, aonde ajuntou para essa função os mais
destros instrumentos, e as melhores vozes que havia em todo este
continente, além dos Músicos do partido, sendo ele o mesmo que
tinha composto aquela solfa, de que teve (pelo bom gosto dela )
um geral, e bem merecido aplauso. (CORRÊA, 1753: p. 9-11).

É o proceloso Inverno tão ingrato nesta Costa, que não permitiu


que se fizessem as comédias se não no ano de 1752, a primeira, e
que era la siencia de Reynar; representou-se na noite do dia 14 de
Fevereiro, a segunda Cueba y Castillo de amor na noite de 16, e a
terceira e última la Piedra Phylosophal na de 18 do dito mês de
Fevereiro de 1752. Representaram-se finalmente com geral
aplauso, e admiração, desempenhando os curiosos que entrarão
nelas, o acerto da eleição. [...] A solfa das comédias, era composta
pelo mesmo Autor da do Te Deum, e tão admirável como sua. [...]
Concluiu-se o festejo com três sucessivas noites de fogo, e na
ultima se despediu o R.P.M. Alcântara de Sua Excelência com
uma boa serenata. (CORRÊA, 1753: p. 19-21).
  

Bibliografia
CASTAGNA, Paulo A. Música na América Portuguesa. In: História e Música no
Brasil (Orgs. José Geraldo Vinci de Moraes e Elias Thomé Saliba). São Paulo:
Alameda, 2010. p. 35-76

CORRÊA, Felipe Neri. Relação das festas que se fizeram em Pernambuco pela feliz
aclamação do mui alto, e poderoso Rei de Portugal D. José I. Lisboa: Oficina de
Manoel Soares, 1753.

COUTO, Domingos do Loreto. Desagravos do Brasil e glorias de Pernambuco . Rio


de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, 1904. p. 374-375.

MAZZA, José. Dicionário Biográfico de Músicos Portugueses. Lisboa: Editorial


Império, 1944-45. p. 18.

ROHL, Alexandre C. O. Os autos do concurso para Mestre Régio de Antônio da


Silva Alcântara, Mestre de Capela da Sé de Olinda . In:Anais do XXIV Congresso da
ANPPOM. São Paulo: ANPPOM, 2014

Temática: Italianização da música Luso-Brasileira

  

Vista Panorâmica de Lisboa, gravura sobre papel - Friedrich Bernhard Werner


(1690-1776)

  

O século dezoito foi caracterizado por uma música com forte influência italiana
em Portugal. Este processo de italianização se inicia com a ascensão de D.
João V ao trono português, no ano de 1707. Com o intuito de elevar a
qualidade musical de sua Capela Real, o monarca passa a contratar músicos
de alto nível especialmente vindos da Itália e, em pouco tempo, já em 1730
contava com vinte e seis cantores italianos em sua Capela.

Outra forma de apoiar as mudanças realizadas na Capela Real foi fundando,


em 1713, o Seminário da Patriarcal, uma escola de música com base religiosa.
Esta instituição foi a mais importante na formação musical portuguesa até ser
substituída pelo atual Conservatório, em 1835, e tinha seu ensino focado
especialmente na música religiosa de estilo concertante. Também eram
concedidas bolsas aos alunos mais dotados para aprimorarem seus estudos na
Itália, mais precisamente em Roma, como, por exemplo, Antônio Teixeira (1707
– 1769), Joaquim do Vale Mexelim, Rodrigues Esteves (1700-1751) e
Francisco Antônio de Almeida (1702-1755).

Um dos músicos que participou deste processo foi o compositor italiano


Domenico Scarlatti (1685-1757), que em 1719 foi nomeado Mestre da Capela
Real de Portugal, em 1728. O compositor dispunha de sete violinos, duas
violas, dois violoncelos e um contrabaixo (todos estrangeiros); trinta a quarenta
cantores e um vice-mestre da capela e organista, o conhecido português
Carlos Seixas (1704 – 1742).

Em 1750, com a ascensão ao trono de D. José I, o modelo musical que antes


era Roma passa a ser Nápoles. Compositores como David Perez (1711-1778)
e Niccolò Jommelli (1714-1774), passam a atuar em Portugal, o primeiro
vivendo em Portugal desde 1752 até 1778, ano de sua morte. Quanto a
Jommelli, no ano 1762, lhe foi oferecida uma pensão para escrever duas
óperas por ano, sendo uma séria e outra Buffa, para os teatros portugueses.
Apesar de a ópera ser a maior razão dessas mudanças, os compositores
napolitanos também foram conhecidos por sua produção religiosa. Tanto o
Mattutini dei Morti quanto a Missa de Réquiem compostas por Perez e
Jommelli, respectivamente, foram executadas com frequência em Portugal.

Seguindo a política do Reinado anterior, são enviados para estudar na Itália


compositores como João de Souza Carvalho (1745-1798), Jerônimo Francisco
de Lima (1741-1822) e Braz Francisco de Lima (?-1813), sendo, agora, o
destino de seus estudos Nápoles.

Em meados do século dezoito, Nápoles já era considerada um dos principais


centros musicais europeus, como escreveu Charles de Brosses em 1739,
descrevendo a cidade italiana como a “Capital Mundial da Música”. Apesar da
posição privilegiada, Nápoles era reconhecida principalmente por sua produção
operística. O gosto local, treinamento e mesmo teoria intelectual, incentivavam
a produção musical vocal.

A cidade também era conhecida pela excelência no ensino musical, possuindo


quatro conservatórios, S. Maria di Loreto, S. Maria della Pietà dei Turchini,
Poveri di Gesù Cristo e S. Onofrio a Capuana, todos fundados no século
dezesseis. O conservatório de Poveri di Gesù Cristo foi fechado em 1743. Era
comum a nomeação dos principais compositores como mestres nessas
escolas, com aulas semanais. Os conservatórios, inclusive, possuíam cláusulas
contratuais, para evitar que os importantes professores faltassem às suas
classes, com penas de descontos no salário dos mesmos. Apesar de serem
originalmente destinados ao ensino de órfãos da cidade de Nápoles, os
conservatórios progressivamente passaram a aceitar alunos de outras classes
sociais, alguns pagando por seus estudos. Muitos dos estudantes pagantes
vinham, cada vez mais, de fora de Nápoles e ainda no início do século dezoito
alguns vinham de outros países como Espanha e Alemanha.

Alguns dos principais compositores napolitanos surgiram desses centros de


ensino, entre eles, Domenico Sarri (1679-1744), Nícollo Porpora (1686-1768),
Leonardo Vinci (1690/6?-1730), Leonardo Leo (1694-1744), Giovanni Baptista
Pergolesi (1710-1736), David Perez e Niccolò Jommelli.

A influência italiana não se manteve somente em Portugal, mas chegou ao


Brasil, não apenas por meio de cópias de obras dos autores já mencionados,
mas também com a vinda de compositores portugueses como André da Silva
Gomes (1752-1844), Mestre da Capela da Sé de São Paulo, no período de
1774 a 1823 e autor de um dos mais importantes tratados de música
brasileiros, a “Arte Explicada de Contraponto”. Desta obra, originalmente
escrita em três volumes, apenas um deles sobreviveu aos anos. Gomes teve
sua formação musical no Seminário da Patriarcal em Lisboa, onde teve aulas
com compositores como José Joaquim dos Santos (1748?-1801), o qual é
mencionado em seu tratado, na Lição No 16, especificamente no parágrafo
onde trata das fugas com dois motivos ou passos.

Também importante foi a atuação de compositores nascidos no Brasil e que


estudaram em Portugal, como o pernambucano Luiz Álvares Pinto (1719-1789)
que estudou em meados do século dezoito em Lisboa e chegou a tocar
violoncelo na Capela Real portuguesa.

Errata da aula texto 10_Italianização da música Luso-Brasileira

O terceiro parágrafo do texto deve ser lido como:

Um dos músicos que participou deste processo foi o compositor italiano Domenico Scarlatti
(1685-1757), que em 1719 foi nomeado Mestre da Capela Real de Portugal. Em 1728, o
compositor dispunha de sete violinos, duas violas, dois violoncelos e um contrabaixo (todos
estrangeiros); trinta a quarenta cantores e um vice-mestre da capela e organista, o conhecido
português Carlos Seixas (1704 – 1742).

Aula 11: O ensino musical no século XVIII em Portugal e sua função na


transmissão do estilo

 
A presente aula tem a função de apresentar a relação entre os métodos de
ensino musical no século XVIII, em Portugal e Brasil, e a transmissão do estilo
musical. Prática comum, vinda por influência dos conservatórios italianos, os
métodos de música não somente serviam como material para ensinar um
determinado conteúdo técnico (como solfejo, acompanhamento ou
contraponto), mas também eram utilizados como ferramenta de inicialização
dos jovens estudantes a características do estilo musical do período.

Segundo TRILHA, durante um período de cinco a dez anos, os alunos de


música dos conservatórios em Nápoles, eram instruídos na arte do partimento,
contraponto, composição e canto (2012, p. 420). Os partimenti, também
conhecidos em Portugal como solfejos de acompanhamento, eram exercícios
de baixo contínuo onde somente a parte do baixo era fornecida ao estudante,
este por sua vez deveria tocar o baixo com a mão esquerda enquanto com a
mão direita resolvia o acompanhamento, testando diversas combinações de
acordes ou vozes contrapontísticas. O domínio das lições era demonstrado
quando o aluno era capaz de realizar no baixo e acompanhamento, com ambas
as mãos, uma série de apropriados comportamentos estilísticos do começo ao
fim do partimento  (GJERDINGEN: 2007, p. 465).

Um jovem músico com a mente treinada para controlar um


“tesouro de frases memorizadas”, algumas delas aprendidas
ao cantor e tocar os solfeggi, poderia rapidamente aplicá-las às
“oportunidades” em um partimento.” (GJERDINGEN: 2007, p.
465)
 

        Fedele Fenarolli: Exemplo de Partimento (solfejo de acompanhamento)

Ao contrário da prática atual, onde os solfejos possuem apenas uma linha


melódica, os solfejos napolitanos se caracterizavam por uma linha melódica
acompanhada por um baixo instrumental, este último podendo ou não ser
cifrado, fazendo dos solfejos cantados uma extensão natural e indissociável da
prática dos partimenti (TRILHA: 2012, 420). Como base dos primeiros anos do
ensino de música, os solfejos acompanhados tinham também como função
introduzir o aluno a uma série de padrões melódicos e contrapontísticos que
pela memorização criariam um “léxico bastante amplo, e eficaz, capaz de
habilitá-lo ao ofício de compositor” (TRILHA: 2012, 420).

As afirmações dos pesquisadores Mário Trilha e Robert O. Gjerdingen mostram


que a importância dos solfejos, neste contexto, ia muito além do ensino do
canto e da leitura musical, sendo também fundamental para o aprendizado
prático, pela memorização de características e padrões deste estilo musical,
galante, em prática nos conservatórios musicais napolitanos durante o século
dezoito.

                   Luís Álvares Pinto: Músico e Moderno Sistema, Lição XX

https://www.youtube.com/watch?v=VRqIA-qpTHQ

Luís Álvares Pinto: Músico e Moderno Sistema, Lições XX, XIX, XXII, XXIII e
XXIV (link do youtube)

 
 

É de se supor que, devido à importância dada ao repertório italiano, seus 


métodos de ensino também tenham chegado a Portugal, junto com os músicos 
contratados durante os reinados de D. João V e D. José I, e assim
disseminados  pelo reino, como verifica TRILHA:

“Não somente os solfeggi de mestres italianos,


nomeadamente Leonardo Leo, Giovanni Giorgi,
Matteo Capranica, Giuseppe Aprile e David Perez,
foram adotados em Portugal como elementos
incontornáveis da formação, mas igualmente
os solfeggi compostos por músicos portugueses:
Francisco Inácio Solano, Almeida Mota, José António
da Silva Policarpo e Marcos Portugal.

A utilização dos solfeggi, tal qual a do partimento, ocorreu em maior


escala no Seminário da Patriarcal e no Colégio dos Reis em Vila
Viçosa. Este fenômeno, tal como o do partimento, deve-se ao facto
destas instituições emularem o sistema didático dos
conservatórios napolitanos.” (TRILHA: 2012, p. 422)

O Seminário da Patriarcal, uma escola de música com base religiosa, foi 


fundado em 1713 pelo rei D João V (CRANMER: 1994, p. 692), sendo a mais 
importante instituição na formação musical portuguesa até ser substituída pelo 
atual  Conservatório,  em  1835,  e  tinha  seu  ensino  focado  especialmente 
na  música  religiosa  de  estilo  concertante  (NERY:  1991,  p.  89).  Segundo 
a  pesquisadora portuguesa Cristina FERNANDES, a história do Real
Seminário  da  Patriarcal  é  indissociável  do  investimento  que  presidiu  a 
instituição  do  Patriarcado de Lisboa em 1716 e à ação reformadora de D.
João V no plano das  artes e cultura (2013, p. 15). Usando como modelo o
cerimonial existente na  Capela  Papal,  no  Vaticano,  o  monarca  português 
traz  para  sua  Capela  Real  diversos     músicos  italianos,  tanto  cantores 
como  compositores,  que  não  limitariam sua atuação à Capela Real e
Patriarcal, mas parte teria importância  considerável  como  mestres  no 
Seminário  da  Patriarcal,  como  foi  o  caso  do  renomado compositor
Giovanni Giorgi.

“Reforçando a dimensão sacral da monarquia Absoluta, a


Capela Real e Patriarcal de Lisboa procurou emular e até
ultrapassar os modelos estéticos e cerimoniais do Vaticano,
unindo numa lógica de <obra de arte total> a pompa litúrgica e
o cerimonial áulico. As artes plásticas e a dimensão
coreográfica e teatral do ritual sacro, o poder retórico da
palavra e da música. [...] A música e os músicos constituíram
um pilar fundamental da prodigiosa máquina cerimonial que
alimentava a Patriarcal, [...] através da adoção de modelos do
Barroco italiano, da contratação de cantores de alto nível e de
compositores tão ilustres como os já referidos Domenico
Scarlatti e Giovanni Giorgi.” (FERNANDES: 2013, p. 16)

Como  parte  do  investimento  na  formação  musical  portuguesa  também 


eram concedidas bolsas aos alunos mais dotados para aprimorarem seus
estudos

 na Itália, mais precisamente em Roma, como, por exemplo, Antônio Teixeira,
Joaquim do Vale Mexelim, João Rodrigues Esteves e Francisco Antônio de
Almeida (BRITO: 1989, p. 109). João Rodrigues Esteves assume função de
mestre do Real Seminário em 1726, mesmo ano que retorna à Portugal de
seus estudos. (FERNANDES: 2013, p. 45).

  Segundo FERNANDES, o tempo médio de estadia dos alunos no Seminário


era de oito anos, mas houve casos de permanência por onze anos, sendo que
a maioria dos alunos ingressava com sete ou oito anos de idade (2013, p. 50).
O ensino era dividido entre “lições de solfa e cantar bem”, a “compostura, tocar
órgão e acompanhar e principalmente para o exercício de canto de órgão, ou
de estante” (FERNANDES: 2013, p. 30).

 Dentre as obras que pertenceram ao Seminário da Patriarcal, hoje presentes


na Biblioteca Nacional de Portugal, destacam-se as “Regras de
Acompanhamento” e solfejos com acompanhamento, tanto da autoria de
compositores italianos, especialmente napolitanos, quanto portugueses
(FERNANDES: 2013, p. 57). Para TRILHA, esse material didático produzido
em Portugal durante o século dezoito até início do dezenove é considerado
como “perfeitamente inserido no seu tempo, e ainda que a produção
de partimenti  e solfejos com acompanhamento de baixo contínuo não
tenha  conhecido a profusão dos conservatórios napolitanos, não foi, em termos
qualitativos, inferior aos métodos similares utilizados em Nápoles, no resto da
Itália e no sul da Alemanha” (TRILHA em FERNANDES: 2013, p. 58).

 O patrimônio musical do Seminário da Patriarcal, após sua extinção, foi


entregue ao recém-criado Conservatório Nacional, tendo ficado por um curto
período na Biblioteca Pública da Corte (RIBEIRO em FERNANDES: 2013, p.
58) e em 1995 foram transferidos para a Biblioteca Nacional de Portugal
(FERNANDES: 2013, p. 59). Comparando um inventário manuscrito das
partituras e métodos do Seminário da Patriarcal, que data do período em que o
material foi entregue ao Conservatório Nacional; a “Relação dos volumes de
Música que o Conservatório Real de Lisboa recebeu da Biblioteca Nacional,
pertencentes ao extinto Seminário da Patriarcal”, de 1841; o “Inventário

 Preliminar dos Livros de Música do Seminário da Patriarcal”, realizado em


1999 por Rui Cabral; e através da consulta direta dos manuscritos, foi
verificado pela pesquisadora Cristina FERNANDES que a maior parte das
obras registradas sobreviveram até nosso tempo (2013, p. 58-59).

 Dentre as obras existentes no primeiro inventário mencionado, FERNANDES


localizou uma série de manuscritos de solfejos compostos por autores como
David Perez, Giovanni Giorgi, Leonardo Leo, Giuseppe Aprile e Francisco
Inácio Solano. Do último, consta no inventário de obras do Seminário da
Patriarcal os “Primeiros Elementos de Cantar”, obra desconhecida, a não ser
que trate de uma designação informal da “Nova Arte e Breve Compêndio de
Música para Lição dos Principiantes” ou uma versão anterior dos “Solfejos para
Soprano do Sr. Francisco Solano e do Sr. David Perez”, hoje na Biblioteca
Geral da Universidade de Coimbra (2013, p. 62-63).

                 “Solfejos de Soprano” de Francisco Ignácio Solano: Página de rosto

 Também consta do inventário os “Solfejos de Itália”, coletânea de solfejos com


acompanhamento de diversos autores italianos, realizada por Bêche e
Levesque e impressa em Paris em 1772 pela Le Duc (FERNANDES: 2013, p.
65-66).

Bibliografia:
 

BRITO, Manuel C. Estudos de história da música em Portugal. Lisboa: Editorial


Estampa, 1989.

 CRANMER, David. Opera in Portugal or Portuguese Opera? In: The Musical


Times, v. 135, p. 692-696. Inglaterra: Musical Times Publications. 1994.
Disponível em: <http//:www.jstor.org/stable/1003194>

 FERNANDES, Cristina. Boa voz de tiple, sciencia de músicae prendas


de acompanhamento: O Real Seminário da Patriarcal, 1713-1834 . Lisboa:
Biblioteca  Nacional de Portugal, 2013.

  GJERDINGEN, Robert O. Music in the galant style. Nova Iorque: Oxford


University Press, 2007.

 NERY, Rui Vieira; CASTRO, Paulo Ferreira. História da Música. Lisboa:


Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991.

 TRILHA, Mário. Os solfejos para uso de suas Altezas Reais . In: Marcos Portugal:
Uma reavaliação. David Cranmer (coord.). Lisboa: Edições Colibri/ CESEM,
2012. p. 419 a 430

Temática: Caetano de Melo de Jesus e a “Escola de Canto de Órgão”

 
 

“Escola de Canto de Órgão” de Caetano de Melo de Jesus, 1759: Página de


rosto, vol.1

  

Infelizmente, pouco se sabe sobre a vida e obra do teórico baiano Caetano de


Melo de Jesus, mas pelo que tudo indica, foi um Mestre de Capela Eminente e
considerado, em meados do século XVIII, em Salvador. As informações
conhecidas sobre sua vida são que ele nasceu no Arcebispado da Bahia, foi
aluno de Nuno da Costa e Oliveira (mestre de solfa da Misericórdia da Bahia,
entre 1715 e 1717) e foi ordenado sacerdote do hábito de São Pedro e exerceu
o mestrado da capela da catedral de São Salvador entre 1734 e 1760. Embora
pouco conhecido, sua principal obra, o tratado “Escola de Canto de Órgão”, faz
com que o músico e teórico baiano tenha importância única na história da
música brasileira. Segundo as recentes pesquisas da musicóloga portuguesa
Mariana Portas de Freitas, a “Escola de Canto de Órgão” é o “mais extensões
um dos mais importantes tratados de Teoria Musical escritos em língua
portuguesa ao longo da história do período colonial.

A “Escola de Canto de Órgão” é um tratado de música em quatro volumes,


onde somente os dois primeiros sobreviveram ao tempo, contudo, somente os
dois primeiros volumes possuem um total de 1157 páginas manuscritas
escritas em caligrafia miúda e também possuem um número considerável de
diagramas musicais como exemplos. Os quatro volumes foram originalmente
divididos da seguinte forma:
  

Vol I – Da Musica Theorica ou Methodo Doutrinal

Vol II – Numeral ou Arithmetica – Da Theorica dos Intervalos

Vol III – Dos Solfejos, methodo para o ensino dos Discipulos (perdido)

Vol IV – Do Contraponto e da Composiçaõ (perdido)

  

Após a conclusão dos dois primeiros volumes em 1759 e 1760,


respectivamente, o padre Caetano de Melo de Jesus enviou os manuscritos à
Lisboa com o objetivo de publicá-los, razão pela qual hoje eles se encontram
na Biblioteca Pública de Évora. Infelizmente sua publicação nunca foi
concretizada. Segundo FREITAS, o tratado destaca-se no panorama da teoria
musical luso-brasileira e ibérica do período colonial pela sua “extensão e
envergadura, pela amplitude e riqueza do conteúdo, denotando uma pretensão
enciclopédica de abrangência e de aprofundamento das matérias, bem como
pela qualidade intrínseca e gráfica dos nmerosos diagramas e esquemas
musicais”

Um dos principais pontos de relevância da obra de Caetano de Melo de Jesus


é que seu tratado é o primeiro, em língua portuguesa, a mencionar a existência
do solfejo “francês” ou heptacordal, que utiliza as sete sílabas que hoje
conhecemos (Dó-Ré-Mi-Fá-Sol-Lá-Si). Até então, a prática do ensino musical
utilizava a solmização criada por Guido de Arezzo, que utilizava somente seis
sílabas (Ut – Ré – Mi – Fá – Sol – Lá). A prática da solmização aretina remonta
à Idade Média, quando foi criada, e continuou sendo praticada no mundo
ocidental até o século XVIII. Em Portugal, o solfejo com sete notas só será
mencionado em 1778, por Bernardo da Conceição, no tratado “O Eclesiástico
Instruído Cientificamente na Arte do Cantochão”, quase 20 anos após Caetano
de Melo de Jesus.

Apesar de elogiar as facilidades e praticidade do solfejo com sete notas, como


aponta a pesquisadora Mariana Portas de Freitas, o teórico baiano ainda
defende a permanência da solmização aretina (com seis notas) no ensino de
música. Tal prática seria contestada e alterada por outro músico nordestino,
Luis Álvares Pinto, poucos anos depois, em 1761, com seu método de solfejo
“A Arte de Solfejar”.

  

“os Franceses, introduzindo sôbre as nossas seis outra Voz,


chamada Si, cantaõ com sette, e facilitaõ muito a Musica; por que
por beneficio desta 7.ª Voz evitaõ o embaraço, e trabalho das
Mutanças, que nós fazemos por falta de huã Voz mais em cada
Deducçaõ: Logo naõ seis, senaõ sette, como os Signos, parece
que com mayor razaõ deviaõ ser as Vozes, eque he melhor o uso
dos Franceses.” (Melo de Jesus, vol. I, p. 203)

  

“[...]  para  noticia,  esta  vos  basta,  se  quizerdes  seguir  esta 
doutrina; que eu se naõ a sigo, naõ he por naõ louvar della a
facilidade; mas por parecer-me a de Guido mais perfeyta, e em
seos proprios termos mais bem fundada.” (Melo de Jesus, vol. I, p.
255)

  

Bibliografia
FREITAS, Mariana P. A “Escola de Canto de Orgaõ” do Padre Caetano de Melo de
Jesus (Salvador da Baía, 1759-60): Uma súmula da tradição tratadística luso-brasileira
do Antigo Regime. In: Anais do XVI Congresso da ANPPOM. Brasília: ANPPOM,
2006.

FREITAS, Mariana P. Entre o hexacorde de Guido e o solfejo “francês”: a Escola de


Canto de Orgaõ de Caetano de Melo de Jesus (1759) – primeira recepção da teoria do
heptacorde num tratado teórico-musical em língua portuguesa . In: Revista Brasileira
de Música, vol. 23/2. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. p. 45-71

Temática: Luís Álvares Pinto: Músico e professor de primeiras letras


 
    

Padre José Caetano. Prospecto da Vila do Recife, 1759. Fonte: Arquivo


Histórico do Exército, Rio de Janeiro (do site:
http://bairrodorecife.blogspot.com.br/2014/01/a-cruz-do-patrao.html)

  

Luís Álvares Pinto, músico mulato, considerado um dos principais compositores


do Nordeste brasileiro no século dezoito, teve sua vida e obra descrita por
autores dos séculos dezoito, dezenove e início do século vinte em Portugal e
Brasil, como José Mazza (Lisboa, antes de 1797), Antônio Joaquim de Mello
(Recife, 1854), Francisco Augusto Pereira da Costa (Recife, 1882), Ernesto
Vieira (Lisboa, 1900) e Euclides Fonseca (Recife, 1925). Na segunda metade
do século passado, o principal musicólogo que se ocupou da vida de Luís
Álvares Pinto foi o Padre Jaime Diniz, que além de compilar os relatos
biográficos existentes sobre a vida do autor, almejou transcrever uma série de
documentos, até o momento desconhecidos, que possibilitaram ampliar o
conhecimento sobre o compositor pernambucano, especialmente a partir do
ano de 1761.

O primeiro relato que se tem conhecimento sobre Álvares Pinto foi incluído no
Dicionário Biográfico de Músicos Portugueses, escrito por José Mazza e
impresso em Lisboa em 1794. Apesar do verbete conter somente um breve
parágrafo sobre o músico, é importante ressaltar que o texto é o único escrito
sobre a vida de Álvares Pinto do século dezoito:

  

“Luis Alvares Pinto natural de Pranambuco homem pardo,


excelente Poeta Portuguez e Latino, m.to inteligente na
Língua Francesa, e Italiana; acompanhava muito bem
rabecão, viola, rabeca veio a Lx.ª aprender contraponto
com o selebre Henrique da Silva [Esteves Negrão], tem
composto infinitas obras com muito aserto principalmt.e
Ecleziasticas; compos ultimat.e humas exequias á morte
do Senhor Rey D. José I a quatro coros, e ainda em
composições profanas tem escrito com muito aserto.”
(MAZZA: 1794, p. 33) 1   2

  

Antônio Joaquim de Mello, principal biógrafo de Luís Álvares Pinto do século


dezenove, publicou na edição de sete de março de 1854 do Diário de
Pernambuco um longo ensaio biográfico sobre o músico, que posteriormente
se tornou uma das principais referências acerca de Álvares Pinto, sendo base
para a publicação posterior de Augusto Pereira da Costa em 1882 e retomado
por Jaime Diniz no primeiro tomo do livro “Músicos Pernambucanos do
Passado” de 1969. Mello é o primeiro autor a fornecer dados mais específicos
sobre os primeiros anos de vida do compositor recifense, incluindo sua origem
familiar, formação educacional e as circunstâncias em que foi estudar em
Portugal.

  

“Luís Álvares Pinto, Sargento-mór de Milicias, homem


pardo, nasceu na freguesia de Boa-Vista da Cidade do
Recife da Província de Pernambuco. Basílio Alves Pinto, e
sua mulher Euzébia Maria de Oliveira foram seus pais.
Não se sabe o dia do seu nascimento, por se não achar o
assento do seu baptismo, nem outra alguma lembrança.
Traduzindo-lhe desde as primeiras letras grande memoria,
e talento, seus pais, bem que não fossem abastados,
empenharam-se a que aprendesse latim, retórica, e
filosofia. Com estes estudos foi juntamente o mancebo
applicando-se á musica, em cuja arte se lhe admiravam
os prenúncios de um gênio luminoso [...]. Terminando o
estudo destes preparatórios, alguns amigos, e protetores
seus, e de seu pai, especialmente João da Costa
Monteiro, se prestaram espontâneos a que fosse estudar
a Portugal, principalmente musica” (MELLO: 1854, p. 2) 3

  

O local de nascimento indicado por Mello e posteriormente replicado por


Pereira da Costa, Freguesia da Boa Vista da cidade de Recife, foi corrigido por
Jaime Diniz, que em posse do manuscrito autógrafo da “Arte de Solfejar” de
1761, pode confirmar o local de nascimento de Luís Álvares Pinto como sendo
a Vila de Santo Antônio em Recife, informação que consta no frontispício do
primeiro método de solfejo conhecido escrito pelo mestre pernambucano:

  
“Arte de Solfejar./ Methodo mui breve, e facil, / pª se saber
solfejar em menos/ de hû mez; e saber-se cantar/ em
menos de seis./ Seg.  os Gregos, e pr. Latinos./ Seu
do os

Autor./ Luis Alvares Pinto/ Natural da villa de S.  Antonio/


to

em o Reciffe de Paranambuco. Anno de M.D.CC.L.XI.”


(PINTO: 1761, fol. 1f)4

  

A respeito da ida de Luís Álvares Pinto para Lisboa, que segundo o musicólogo
Jaime DINIZ  deve ter ocorrido por volta de 1740, apesar de não ser possível
5

precisar a data (1969, p. 43-44), Antônio Joaquim de Mello acrescenta novas


informações que somam às previamente expostas por Mazza:

  

“[...] e chegando a Lisboa, deu-se primeiro Luís Álvares


Pinto a aprender as regras da composição, ou
contraponto, de que fez solene exame, com aprovação e
louvores mui lisonjeiros. Mas os suprimentos de
Pernambuco começaram a escassear, e de todo lhe
faltaram, o que o obrigou a fazer vida de musico para ter o
pão quotidiano. Neste exercício, e trabalho tão conhecido,
e bem-quisto geralmente se fez por habilidade
professional, porte grave, e compassadas, e insinuantes
maneiras, que foi recebido a ensinar em algumas casas
nobres. Não só tocando violoncelo, mas também
copiando, compondo alguma cousa, e mormente
ensinando de sorte lucrava, que pode permanecer
naquela grande cidade (graças a regularidade dos seus
costumes!) sem ser pesado a ninguém, e de suas
economias tirou ainda os meios para poder regressar,
quando quis, a Pernambuco. Assevera-se, que foi um dos
violoncelos da Capela Real” (MELLO: 1854, p. 2)

  

Segundo Mello, Álvares Pinto, por necessidade da falta de recursos


provenientes de Pernambuco, teve uma vida profissional variada em Lisboa,
atuando como copista, compositor, dando aulas de música em “algumas casas
nobres” e mesmo tocando violoncelo na Capela Real. Apesar de Mazza
também mencionar a qualidade do músico como violoncelista, infelizmente não
foram encontrados até o momento qualquer documento que ateste a atividade
profissional ou mesmo a presença de Luís Álvares Pinto em Lisboa. Caso
tenham existido, possivelmente foram destruídos ou perdidos durante o
terremoto que assolou Lisboa em 1755. Sobre a atuação de Álvares Pinto em
Lisboa, as únicas fontes conhecidas são secundárias, a partir de seus
biógrafos dos séculos dezoito e dezenove.
Não é possível ter certeza do ano de seu regresso ao Brasil, mas é seguro que
em 1761 já se encontrava em Recife, casado com Ana Maria da Costa, ano do
manuscrito de seu método “Arte de Solfejar” (DINIZ: 1969, p. 45 – 46). Logo
que retorna à sua cidade natal Luís Álvares Pinto se volta ao ensino de música
e primeiras letras (DINIZ: 1969, p. 46). Além de autor de dois métodos de
solfejo, “Arte de Solfejar” e “Músico e Moderno Sistema Para Solfejar sem
Confusão”, o compositor pernambucano publicou em 1784 um “Dicionário
Pueril”, para ensino de primeiras letras, impresso na oficina de Luiz Ameno, em
Lisboa. Segundo Francisco Augusto Pereira da Costa, o compositor, em 1781,
foi nomeado, através de carta régia, “para interinamente reger a cadeira de
primeiras letras do bairro do Recife, com os vencimentos anuais de 90$000,
sendo em 1785 provido no lugar de substituto, com 150$000” (apud OLIVEIRA:
2010, p. 8) .
6

Após seu regresso a Pernambuco, a atuação junto das irmandades religiosas


de Recife e Olinda de Álvares Pinto foi objeto de pesquisa do musicólogo
Jaime Diniz, que logrou localizar uma série de documentos da Confraria de
Nossa Senhora do Livramento, da Irmandade de Nossa Senhora de Guadalupe
de Olinda, Irmandade de São Pedro dos Clérigos, Irmandade do Senhor Bom
Jesus das Portas e Irmandade de Santa Cecília. Todas irmandades onde Luís
Álvares Pinto conhecidamente trabalhou como encarregado pela música em
festas religiosas.

É na Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Recife, que teve sua construção
concluída no início de 1782 (DINIZ: 1969, p. 50), onde é possível verificar uma
maior atuação musical do compositor pernambucano. Francisco Pereira da
COSTA, nos Anais Pernambucanos, de 1954 e 1958, escreve que na referida
igreja, após sua inauguração, foi criado o cargo de Mestre de Capela, sendo
Álvares Pinto nomeado para o mesmo (apud DINIZ: 1969, p. 50). O musicólogo
Jaime Diniz acredita que a informação dada por Pereira da Costa pode não ser
precisa, considerando-se que não há documento que comprove a criação do
cargo de Mestre de Capela para a Igreja de São Pedro dos Clérigos no ano de
1782. O musicólogo aponta que antes e após a edificação da igreja, Álvares
Pinto trabalhou com a Irmandade de São Pedro dos Clérigos, como músico,
sendo que somente em 1787 um documento presente no “Livro de Termos” da
Irmandade, se refere ao compositor como “mestre de Capella”, informação
reforçada em 1788 onde ele é mencionado, no mesmo livro, como “professor
da capela”. Diante da documentação conhecida, DINIZ acredita que, caso o
cargo de Mestre de Capela tenha sido criado para a referida igreja, o mesmo
ocorreu tardiamente, provavelmente no ano de 1788, sendo ocupado
brevemente por Álvares Pinto, até seu falecimento em 1789. Até este
momento, acredita o musicólogo, Álvares Pinto trabalhou nas festividades da
Irmandade de São Pedro dos Clérigos à base de contrato (1969, p. 50-55).

Uma pequena biografia escrita por J. Lopes Netto (provavelmente um dos


primeiros proprietários do manuscrito) contida no Músico e Moderno Sistema,
de 1776, acrescenta novas informações acerca da vida de Luís Álvares Pinto,
desde a sua formação até as motivações para o mesmo viajar a Portugal e sua
carreira após retornar ao Brasil, mostrando que sua ida a Portugal
possivelmente não teve relação direta com a formação e carreira musical,
como apontam seus demais biógrafos. É possível que tenha ido a Portugal com
a intenção primeira de seguir estudos de direito em Coimbra, e retornado a
Pernambuco para assumir uma cadeira de primeiras letras. Tal entendimento é
corroborado na transcrição:

  

“Depois de se distinguir nas aulas preparatórias que havia


na capital de Pernambuco, Luís Alvares Pinto embarcou-
se para Lisboa com intenção de estudar direito na
Universidade de Coimbra.

Ou por lhe faltarem os recursos com que contava, ou por


se ter deixado vencer dos passatempos, que o criavam
naquela corte, viu-se, em breve, forçado a procurar no
trabalho próprio os meios de acorrer às suas
necessidades.

Aproveitando o seu talento musical e a pericia, com que


tocava vários instrumentos, então muito estimados,
conseguiu a favor do Min.º d’Estado Martinho de Mello [e
Castro], que o chamou para Mestre de música de suas
filhas e o fez nomear Mestre, ou coisa que o valha, da
Capela Real.

Nesta posição, com quanto fosse agradável a um


brasileiro, nas circunstâncias de Luís Alvares, não o
embaraçou de pensar na pátria, cujas saudades o
valeram, mesmo no palácio de seu esclarecido Mecenas.
Decidido a regressar a Pernambuco, que, para ele valia
mais que a Metrópole, Luís Alvares solicitou e obteve uma
cadeira de Primeiras Letras, que Martinho de Mello fez
criar na freg.ª da Boavista para arranjá-lo.

Em Pernambuco, como em Lisboa, ensinou a musica com


paixão e talento. São dele todas as peças, que, ainda
hoje, se cantão lá, nas cerimônias religiosas. A mais
notável delas, é uma musica fúnebre, em quatro coros,
que compôs para o funeral do Rei D. José I, cujo Min.º foi
Martinho de Mello [e Castro], seu protetor. Neste [...]

Faleceu no Recife e foi sepultado na Igreja de N. S. do


Livramento” (J. Lopes Netto)7

  

Em relação à ida de Álvares Pinto para estudar direito em Coimbra, em


pesquisa de campo realizada em 2014, não foi possível localizar uma
referência sobre o compositor pernambucano nos Livros de Matrículas da
universidade de Coimbra, indicando que, caso tenha sido esta a motivação de
sua viagem, é pouco provável que o mesmo tenha ido à Coimbra, se
estabelecendo desde o início em Lisboa. Apesar de não comprovada, a
hipótese não pode ser totalmente descartada, considerando a formação
privilegiada que Álvares Pinto recebeu em sua juventude, mencionada por mais
de um de seus biógrafos. A escassez de recursos para se manter, incluída
anteriormente por Antônio Joaquim de Mello, volta a ser tratada acima como
uma das razões para o compositor começar sua atividade musical em Portugal,
como meio de se sustentar durante sua estadia.

O texto, escrito por Lopes Netto, menciona pela primeira vez o nome de um
possível mecenas de Álvares Pinto, sendo ele “Min.º de Estado Martinho de
Mello”. Esta notícia provavelmente se refere a Martinho de Melo e Castro
(1716-1795), que durante os reinados de D. João V e D. José I, ocupou
importantes funções na corte, sendo nomeado em 1739, por D. João V, como
Cônego da Sé Patriarcal. Em 1751, durante o reinado de D. José, Melo e
Castro inicia sua carreira diplomática, passando a representar Portugal na
Holanda e em 1754 foi transferido para a Corte de Londres, função que
manteve até 1770, quando foi nomeado Secretário de Estado da Marinha, e
Domínios Ultramarinos, cargo que desempenhou até sua morte em 1795
(VALADARES : 2010, p. 37-41). Lopes Netto indica que Álvares Pinto foi
8

professor das filhas de Martinho de Melo e Castro e que o mesmo,


provavelmente na função de Cônego da Patriarcal o nomeou para “Mestre, ou
coisa que o valha, da Capela Real”. Estas informações são corroboradas por
Antônio Joaquim de Mello que menciona o músico brasileiro como professor de
“algumas casas nobres” e “que foi um dos violoncelos da Capela Real”
(MELLO: 1854, p. 2).

Retornado a Recife, Lopes Netto indica a importância musical de Luís Álvares


Pinto, citando a composição das Exéquias para quatro Coros para o funeral do
rei D. José I, escrita possivelmente entre 1777 e 1778 (o rei D. José I de
Portugal faleceu em 24 de fevereiro de 1777), mencionadas também, já no
século dezoito, por José Mazza, como pode ser visto na citação presente no
início da aula.

  

Na próxima aula conheceremos um pouco de sua música e seu trabalho na


teoria musical luso-brasileira

____
1 MAZZA, José. Dicionário Biográfico de Músicos Portugueses. Lisboa:
Editorial Império, 1944/45
2 Propositalmente a citação foi mantida em seu português antigo, do século
XVIII, assim o aluno pode se familiarizar com a variedade de materiais
utilizados na musicologia histórica.

3 MELLO, José Joaquim de. Biographia de Luiz Alves Pinto. In: Diário de
Pernambuco. Pernambuco: 7 mar. 1854, p. 2-3.
4 PINTO, Luís Álvares. Arte de Solfejar. Biblioteca Nacional de Portugal,
Reservados. Recife: 1761. Manuscrito.

5 DINIZ, Jaime C. Músicos Pernambucanos do Passado. Recife: Universidade


Federal de Pernambuco, 1969. p.43 a 100.

6 OLIVEIRA, Carla Mary da Silva. Música e primeiras letras no Brasil


setecentista: Luís Álvares Pinto, mulato, músico, mestre-da-capela e pedagogo.
In: Anais do VIII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. São Luis:
Universidade Federal do Maranhão, 2010, p.563-569.

7 Apud PINTO, Luís Álvares. Muzico e Moderno Systema para Solfejar sem
confuzão. Recife: 1776. Palácio Grão-Pará, Petrópolis. Manuscrito.

8 VALADARES, Virgínia Maria Trindade. Trajetória do homem e do estadista


Melo e Castro. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 3, n. 4, p. 36-46, nov.
2010. Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/1690>

Temática: Luís Álvares Pinto: Obra Musical


  

A qualidade da obra musical de Luís Álvares Pinto é mencionada pelos seus


biógrafos desde José Mazza, no final do século dezoito: “tem composto infinitas
obras com muito acerto principalmente Eclesiásticas; [...] e ainda em
composições profanas tem escrito com muito acerto”. Infelizmente, uma de
suas principais obras eclesiásticas, referenciada tanto por José Mazza quanto
por Lopes Neto, as “Exéquias para D. José I a quatro Côros”, até o momento
permanece desconhecida, o que não diminui a importância das obras cuja
autoria de Álvares Pinto pode ser identificada.

Outras obras de Álvares Pinto, mencionadas por Antônio Joaquim de MELLO


são: três Hinos à Nossa Senhora da Penha; um Hino à Nossa Senhora do
Carmo; um Hino à Nossa Senhora Mãe do Povo; um Ofício da Paixão; Matinas
de São Pedro, com uma famosa “fuga imitativa do mar tempestuoso e revolto”;
Matinas de Santo Antônio; Novenas, Missas, Ladainhas e Sonatas” (apud
DINIZ: 1969, p. 67) . Pereira da Costa e Euclides Fonseca citam também um
1

“Te Deum”, escrito por Álvares Pinto, única obra que foi localizada dentre as
mencionadas por seus biógrafos (DINIZ: 1969, p. 68). Segundo Jaime Diniz,
Euclides FONSECA acrescenta uma crítica ao estilo musical de Álvares Pinto,
onde afirma que:

“[...] embora fosse adepto do estilo italiano, florido, sensualista


e muito seguido por outros compositores de sua época, Luiz
Alves Pinto, em suas músicas, revelou inspiração fértil e por
vezes original, além de perfeito conhecimento dos recursos
vocais e instrumentais de sua arte.” (apud DINIZ: 1969, p. 68)
  
Segundo o musicólogo Jaime DINIZ, a descrição do estilo musical de Álvares
Pinto transcrita acima não pode ser aplicada ao “Te Deum Laudamus para
quatro vozes” localizado pelo pesquisador em 1967, no arquivo particular de
Carlos Diniz. A obra, com cerca de 550 compassos, não foi escrita em “estilo
italiano”, a ponto do crítico CALDEIRA FILHO apontar que, pelo “ Te Deum”,
Luís Álvares Pinto mostra-se “vacinado, em técnica e em qualidade temática,
contra o vírus do “bel canto” napolitano”, apesar de ter vivido em Lisboa
durante o século dezoito (apud DINIZ: 1969, p. 68).

A opção pela escrita polifônica, mais característica do estilo antigo, encontrada


no “Te Deum”, pode ser melhor compreendida a partir de uma referência feita
por Álvares Pinto ao “estilo italiano” e sua relação com a música religiosa, no
proêmio de seu método, o “Muzico e Moderno Systema”:

  

“Ora, ninguém negará que são hoje os Italianos de gosto o


mais esquisito (belo) e delicado invento, que todas as outras
Nações, na composição Dramática; porém com esta
composição tanto tem contaminado o Canto Eclesiástico, que
hoje mais parecem Arias os Motetes e teatros os templos.”
(PINTO: 1776, p. 4) 2

  

Te Deum
  https://www.youtube.com/watch?v=znaNaRQYLAc

Além do “Te Deum”, a única obra musical, com autoria confirmada por Jaime
Diniz, é um “Salve Regina” para três vozes, dois violinos e baixo. DINIZ
descreve a obra como “simples, apesar de algumas incursões da técnica da
imitação e de possuir uma certa dose de sugestividade no revestimento
melódico do texto” (1969, p. 70).

Antônio Joaquim de Mello descreve outra obra de Luís Álvares Pinto


(infelizmente perdida), esta na área cênica, onde o compositor é autor tanto da
poesia quanto da música, a comédia “Amor mal correspondido”, composta em
três atos com os seguintes personagens: Clorinda; Florisbello, Principe do
Epiro; Celauro, Príncipe de Atenas; Lanceta, criada; e Estojo, criado de
Celauro. MELLO descreve a trama conforme abaixo:

  
“Florisbelo e Celauro, aliados de Clorinda, marcham contra
Troante, tirano da Grécia, com forças suas e de Albania, a
vingarem esta das correrias e devastações de Troante nas
fronteiras. [decide-se a batalha] pelo duelo singular de
Florisbello e Troante, no qual este é morto [...[. Tudo isto é só
narrado. De volta os príncipes em Albânia, namoram-se de
Clorinda, que procuram tornar sensível à sua ternura. [...]
Clorinda declara-se em favor de Florisbello, a quem assegura
fidelidade, mas depois cativam-na os modos e simpatia de
Celauro, e despede a Florisbello do reino. Sabe este a causa
da sua despedida, a tempo que já Celauro também sciente da
versatilidade de Clorinda, [...] a detesta. Clorinda se quer
tornar a Florisbello, mas este, presente Celauro, lhe exprobra
o vil procedimento. Celauro por princípios de cavalheirismo a
defende, do que resulta irem-se às armas [...]. (MELLO: 1854,
p. 2)
3

  

MELLO completa sua crítica à comédia de Álvares Pinto apontando que o


“autor do Amor mal Correspondido não era um literato, era muito estudioso e
apaixonado da poesia, mormente dramática e lastimava que os poetas, seus
contemporâneos e patrícios, não compusessem para o teatro”. O crítico
completa que a comédia não pode ser considerada uma obra prima, o
interesse é pequeno, o enredo poderia ser mais forte e “talvez mesmo não há
toda a conveniência relativa aos caracteres dos altos personagens, mas não é
absolutamente sem mérito, em sua marcha e incidentes não perde o autor o
feito de atingir e verificar o amor mal correspondido, é toda em versos toantes e
consonantes, notando-se alguma harmonia imitativa, e a fábula é de pura
invenção do poeta.” (MELLO: 1854, p. 2)
MELLO indica que os versos referentes à “harmonia imitativa” acima
mencionada são os seguintes, pertencentes à primeira cena do primeiro Ato:
“Que impelidas à vergonhosa fuga” e Celauro rompe com a cavalaria”, ambos
recitados por Clorinda (1854, p. 2).
Sobre as notícias das obras teórico musicais de Álvares Pinto, Antônio Joaquim
de Mello e Pereira da Costa mencionam uma “Arte pequena para se aprender
música”, e outra “Arte grande de solfejar” (ambas perdidas e a segunda tendo
sido supostamente traduzida para o francês) e Diniz também reconhece uma
terceira, a “Arte de Solfejar”, escrita em 1761 e localizada, com auxílio da
pesquisadora Cleofe Person de Matos na Biblioteca Nacional de Lisboa (DINIZ:
1969, 65).
Em 1977 Jaime Diniz publicou uma edição moderna da “Arte de Solfejar”. Esta
publicação, contendo também um estudo preliminar realizado pelo musicólogo,
traz à luz um método brasileiro do século dezoito, até então desconhecido e
que se encontra em um manuscrito na Biblioteca Nacional de Lisboa.
O “Muzico e Moderno Systema” de 1776 foi mencionado pela primeira vez por
Clarival do Prado VALLADARES no livro Nordeste histórico e monumental
(1982, p. 18-19) . O método permanece na biblioteca particular de D. Pedro
4

Gastão de Orleans e Bragança (Biblioteca da Família Real Imperial), em


Petrópolis. Até o presente momento, apenas os exemplos musicais dos solfejos
e os “Divertimentos Harmônicos”, série de cinco pequenos motetes incluídos ao
final do tratado, são conhecidos devido a uma transcrição manuscrita realizada
pelo maestro Ernani Aguiar em 1988 (AGUIAR: 1988)  e transcrições realizadas
5

pelo musicólogo Paulo Castagna e disponibilizadas para consulta em rede


virtual .
6

A partir do conhecimento de ambos os métodos, Arte de Solfejar e “Muzico e


Moderno Systema”, pode-se criar a hipótese (não comprovada) que os
mesmos sejam os dois métodos citados por Antônio Joaquim de Mello e
Pereira da Costa, “Arte pequena para se aprender música” e “Arte grande de
solfejar” respectivamente, considerando que o “Muzico e Moderno Systema”
possui um número consideravelmente maior de páginas que o método anterior
de 1761.
Sobre os métodos de solfejo de Álvares Pinto, é importante ressaltar que este
autor foi o primeiro a defender a utilização do solfejo heptacordal em um texto
teórico luso-brasileiro. Este solfejo heptacordal se assemelha à prática atual,
utilizando as sílabas de DÓ a SI, mas devemos lembrar que no século XVIII
ainda se utilizava em Portugal e Brasil a solmização hexacordal de Guido de
Arezzo, na qual se solfejava somente com seis notas, de UT(Dó) a LÁ. Na
solmização aretina, para cantar uma simples oitava, era necessário alterar o
nome da nota, já que qualquer semitom era cantado como MI-FÁ. O primeiro
teórico a mencionar o Solfejo Heptacordal em um texto em língua portuguesa,
foi o também brasileiro, Padre Caetano de Melo de Jesus, natura da Bahia, no
tratado “Escola de Canto de Órgão” escrito entre 1759 e 1760, apesar do
mesmo ainda defender a utilização da solmização de Guido de Arezzo.
  

Exemplo 1. Solmização Aretina e mutanças em escalas ascendente e


descendentes.

 
Figura 2. “Arte de Solfejar” de Luís Álvares Pinto, 1761: Frontispício
     

Figura 3. “Muzico e Moderno Sistema” de Luís Álvares Pinto, 1776: Frontispício

 
Para o aluno que quiser se aprofundar sobre os métodos de solfejo de Luís
Álvares Pinto, recomendo a leitura dos seguintes artigos:
 
ROHL, Alexandre. Os métodos de solfejo de Luís Álvares Pinto: uma análise
comparada da Arte de solfejar e Muzico e moderno systema para solfejar
https://www.academia.edu/8383024/Os_m%C3%A9todos_de_solfejo_de_Lu
%C3%ADs_%C3%81lvares_Pinto_uma_an
%C3%A1lise_comparada_da_Arte_de_solfejar_e_Muzico_e_moderno_system
a_para_solfejar
ROHL, Alexandre. O solfejo heptacórdico na obra teórica de Luís Álvares Pinto:
https://www.academia.edu/1906980/O_solfejo_heptac
%C3%B3rdico_na_obra_te%C3%B3rica_de_Lu%C3%ADs_
%C3%81lvares_Pinto
 

____
1 DINIZ, Jaime C. Músicos Pernambucanos do Passado. Recife: Universidade
Federal de Pernambuco, 1969. p.43 a 100.
2 PINTO, Luís Álvares. Muzico e Moderno Systema para Solfejar sem
confuzão. Recife: 1776. Palácio Grão-Pará, Petrópolis. Manuscrito.
3 MELLO, José Joaquim de. Biographia de Luiz Alves Pinto. In: Diário de
Pernambuco. Pernambuco: 7 mar. 1854, p. 2-3.
4 VALLADARES, Clarival do Prado. Nordeste Histórico e Monumental: Temas
nordestinos na música erudita contemporânea. Vol. 2. Brasil: Odebrecht, 1982.
p. 18 e 19
5 AGUIAR, E. [Carta.] Petrópolis, 12 dez. 1988, [para] Jaime Diniz, Recife. 16 f.
Carta contendo transcrições dos “Divertimentos Harmônicos” e quatro solfejos
de Luís Álvares Pinto. Instituto Ricardo Brennand, Recife, sem código.
Manuscrito.
6 Disponíveis em: <http://imslp.org/wiki/5_Divertimentos_harm%C3%B4nicos_
%28Pinto,_Lu%C3%ADs_%C3%81lvares%29> e
<http://imslp.org/wiki/Muzico_e_moderno_systema_para_solfejar_sem_confuz
%C3%A3o_%28Pinto,_Lu%C
Temática: A Escola Mineira no século XVIII

 Durante o século XVIII acontece uma rica atividade musical, intensa em todas
as partes do país e dotada de estrutura institucional e educacional mais ou
menos estabilizada, formando um público apreciador em todas as classes
sociais.
Durante a segunda metade do século ocorre um grande florescimento musical
conhecido como Escola Mineira ou Barroco Mineiro aconteceu na Capitania
das Minas Gerais, especialmente na região de Vila Rica (atual Ouro Preto), de
Mariana e do Arraial do Tejuco (hoje, Diamantina), onde a extração de grandes
quantidades de ouro e diamantes destinados à metrópole portuguesa atraiu
uma população considerável que deu origem a uma próspera urbanização. A
vida musical, tanto pública como privada, religiosa ou secular, foi muito
privilegiada, registrando-se a importação de grandes órgãos para as igrejas
(incluindo um fabricado por Arp Schnitger, hoje na Catedral de Mariana) e de
partituras de Luigi Boccherini e Joseph Haydn pouco tempo após sua
publicação na Europa. No Tejuco existiriam dez regentes em atividade, o que
implicava em um corpo de músicos profissionais de pelo menos 120 pessoas;
em Ouro Preto teriam atuado cerca de 250 músicos, e mais de mil em toda a
Capitania de Minas Gerais, além de contar os diletantes, que deveriam compor
uma legião adicional, uma quantidade maior do que a que existia na metrópole
portuguesa na mesma época.

Neste período surgiram os primeiros compositores importantes nascidos no


Brasil, muitos deles descendente de negros (mulatos), escrevendo em um
estilo com elementos do Rococó, mas principalmente derivado de uma
matriz Clássica.

Considerado por muitos o compositor mais importante do Barroco Mineiro, José


Joaquim Emerico Lobo de Mesquita nasceu na Vila do Príncipe (atual Serro)
por volta de 1746. Lá iniciou sua formação musical e suas atividades
profissionais como organista e compositor. Por volta de 1776, transferiu-se
para o Arraial do Tejuco, o centro urbano de maior importância na região
enquanto centro de controle da mineração. Sua atuação certamente incluía
todas as obrigações de um Mestre da Capela: compor as obras para as festas
contratadas, arregimentar cantores e instrumentistas para a execução das
obras, ensaiar, reger (provavelmente do console do órgão, que era seu
instrumento) e provavelmente ensinar (preparando jovens para o exercício da
profissão de músico). Transferiu-se para Vila Rica em 1798; dois anos depois
transferiu-se para o Rio de Janeiro, tocando na Igreja da Ordem Terceira do
Carmo entre 1801 e 1805, quando faleceu.

Um de seus réquiens foi apresentado na vila de Caeté, MG, em 25 de janeiro


de 1827, em memória da Imperatriz Leopoldina, o que mostra que o compositor
era ainda reconhecido e lembrado mais de vinte anos depois do seu
falecimento.

Até esse momento existem apenas três manuscritos autógrafos do compositor,


a Antífona de Nossa Senhora (1787) — que se encontra no Museu da
Inconfidência— a Dominica in Palmis (1782) e o Tercio que se encontra no
Museu da Música de Mariana (1783), mas há muitas cópias do restante de sua
obra, em cópias de fins do século XVIII e, em sua maioria, do século XIX.

Destacam-se entre os compositores que atuaram nesta região:

 Manoel Dias de Oliveira;


 Francisco Gomes da Rocha;
 Marcos Coelho Neto (pai);
 Marcos Coelho Neto (filho).

Compositores muito atuantes, embora poucas peças de suas produções


tenham chegado até nós.

Com a exaustão das minas no fim do século, o foco da atividade musical


distribuiu-se para outras localidades, especialmente Rio de Janeiro e São
Paulo, onde merece menção o compositor André da Silva Gomes, de origem
portuguesa, Mestre de Capela da Catedral da Sé de São Paulo, tendo deixado
um número considerável de obras.

Temática: A Corte no Brasil e o Classicismo

Fator crucial para a transformação da vida musical e estética brasileira seria a


chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808. O Rio de Janeiro até
então não se distinguia em nada de outros polos culturais do país, sendo
mesmo inferior a Minas Gerais e aos centros nordestinos, mas a chegada da
corte modificou essencialmente a vida e a situação, concentrando todas as
atenções e servindo como grande estímulo a outra pujança artística, já de
forma claramente classicista.

Procurou Dom João VI trazer consigo a vasta biblioteca musical dos Bragança -
uma das melhores da Europa na época - e a presença de músicos de Lisboa
foi inevitável, chegando os castrasti  da Itália.  Promoveu-se a reorganização da
Capela Real agora com cerca de cinquenta cantores e uma centena de
instrumentistas, e construi-se um suntuoso teatro, o chamado Real Teatro de
São João. 

A música profana contou com a presença de Marcos Portugal - nomeado


Compositor da Corte e Mestre de Música dos Infantes - e de Sigismund
Neukomm, compositores que contribuíram com quantidade considerável de
obras próprias, além de também divulgarem na capital o trabalho de
importantes compositores europeus, como Mozart e Haydn.

Outras figuras interessantes desse período são: Gabriel Fernandes da


Trindade, compositor de modinhas e das únicas peças camerísticas
remanescentes do início do século XIX; e João de Deus de Castro Lobo, que
atuou em Mariana e Ouro Preto.

Sabemos, através da documentação encontrada em arquivos, que conflitos


entre os músicos europeus que aqui atuavam ocorriam com frequência, como
quando se negaram a interpretar as obras do Pe. José Maurício Nunes Garcia,
alegando ser o padre músico inferior por sua cor. 

Neste ambiente conturbado por posições altamente egocêntricas e


preconceituosas, atuou o primeiro grande compositor brasileiro, o padre José
Maurício Nunes Garcia. Foi enviado para ser Mestre da Capela da Real
Fazenda de Santa Cruz sendo afastado por Dom João VI em decorrência das
intrigas do compositor Marcos Portugal e dos castrati. 

Nascido no Rio de Janeiro, o Mestre da Capela e multi-instrumentista Padre


José Maurício Nunes Garcia (1767- 1830) era filho de português com uma
escrava, e foi criado pela sua avó negra. Despertou para música muito novo e
com apenas 16 anos de idade já havia composto “Tota Pulchra” (Antífona) :
uma pequena peça religiosa, manifestando assim seu gosto e inclinação para a
música. Além do solfejo aprendido com o pardo de nome Salvador José, a sua
educação nesta arte parece ter sido inteiramente a de um autodidata.

Na história da música brasileira o Pe. José Maurício surge como o músico mais
importante do período colonial. Indivíduo de grande cultura, tendo em vista a
condição vigente na época, e sendo descendente de negros escravos. Foi um
dos fundadores da Irmandade de Santa Cecília no Rio de Janeiro, professor de
muitos alunos, Pregador Régio e Mestre da Capela Real da Sé de onde
foi afastado posteriormente para ser Mestre da Capela na Real Fazenda de
Santa Cruz, onde compôs para a Orquestra de Negros por ordem de Dom João
VI.

Músico de singular importância para sua época, apesar de nunca ter saído do
Brasil, foi um grande precursor e fomentador do movimento musical em seu
tempo. Muito conhecido mesmo em vida, suas obras eram também noticiadas
na Europa. 

Após o regresso de D. João VI a Portugal, em 1821 o brilho da corte já não era


como antes e Pe. José Maurício não se sentiu mais estimulado, reduzindo a
quantidade de composições. A febre com que compunha provocou-lhe o
esgotamento cerebral relatado nos últimos tempos da sua vida.

Deixou uma extensa obra, de alta qualidade, em que se destacam a Missa


Pastoril, a Missa de Santa Cecília, o Ofício de 1816, e as intensamente
expressivas Matinas de Finados, para coro a Capella, além de alguma música
instrumental e obras teóricas. 

História da Música Brasileira: Primeiros Séculos

Aula 17: José Maurício Nunes Garcia (Obra Profana)

 
  Apesar de a maioria de sua obra ter sido religiosa, destinada à liturgia
católica, em especial nos anos em que foi responsável pela música da Sé do
Rio de Janeiro e da Capela Real, o compositor José Maurício Nunes Garcia é
autor de importantes obras profanas, tanto para canto quanto instrumentais.

 O pesquisador Bruno Kiefer realizou um apanhado sintético das obras


profanas compostas pelo padre carioca, sendo que uma parte delas são
conhecidas somente por notícias e relatos históricos, mas exemplos musicais
preciosos destas composições chegaram ao nosso tempo e foram devidamente
localizados e catalogados pela pesquisadora Cleófe Person de Mattos. Suas
obras profanas podem ser divididas em:

1. Música Sinfônica
2.  Música de Cena
3. Obras menores
4. Obras profanas perdidas

 1.  Música Sinfônica

 Sobre a música sinfônica, se conhece quatro aberturas orquestrais, sendo que


somente no caso da “Sinfonia Tempestade”, a documentação musical não está
completa. No caso de José Maurício, suas aberturas não necessariamente são
próprias de alguma ópera, provavelmente sendo obras orquestrais destinadas
a complementar espetáculos cênicos ou elogios dramáticos e no caso de sua
primeira sinfonia conhecida, a “Sinfonia Fúnebre”, possivelmente foi composta
para algum ato fúnebre ou comemorativo dele.

 A “Sinfonia Fúnebre foi composta aos 23 anos do compositor e, segundo


Kiefer, mostra, do ponto de vista formal, uma “mão insegura” do jovem
compositor. A sinfonia foi composta em um único movimento, Majestoso, não
tendo aparente associação com as conhecidas formas de aberturas francesa
ou italiana.

Link para a partitura:

http://www.josemauricio.com.br/pdfs/cpm230_sinfonia_funebre.pdf

Youtube:

 https://www.youtube.com/watch?v=2jrMbUrC2GE

 
Composta em 1803, a abertura “Zemira”, em uma fase mais madura da vida de
José Maurício Nunes Garcia, possui estrutura formal de um Allegro de Sonata,
com dois temas distintos, desenvolvimento e reexposição. Sobre esta obra há a
curiosidade que o

compositor e maestro Leopoldo Miguez diz que em partes musicais por ele
conhecidas e que utilizou para preparar a partitura (infelizmente estas partes
encontram-se perdidas) havia o seguinte título: “Ouverture ou Introdução que
expressa relâmpagos e trovoadas”

  

Link para a partitura:

 http://www.josemauricio.com.br/pdfs/cpm231_zemira.pdf

Youtube: 

https://www.youtube.com/watch?v=DpqXhjozG1o

Da “Abertura em Ré”, só se conhecem as cópias realizadas por Manuel José


Gomes (pai de Carlos Gomes), hoje conservadas no Museu Carlos Gomes em
Campinas. O esquema da obra é dividido em dois movimentos Larghetto –
Allegro vivo. Sendo que a segunda parte está em forma sonata, possuindo dois
temas distintos e um início de desenvolvimento.

Link para a partitura:

http://www.josemauricio.com.br/pdfs/cpm232_abertura_em_re.pdf

Youtube:

https://www.youtube.com/watch?v=G6ktBDBPB2Y

  2.  Música de Cena

 Três obras para cena são conhecidas: Ulissea (1809), O triunfo da América
(1809) e um pequeno coro para um Entremês. As partituras autógrafas das
duas primeiras encontram-se no Arquivo do Palácio dos Duques de Bragança,
em Vila Viçosa (Portugal). A primeira traz o título no manuscrito de “Ulissea
Drama Eroico posto em Muzica por Joze Mauricio Nunes Garcia em 1809 para o dia
24 de junho A overtura he a da Trovoada Levantado logo o panno ”. Possivelmente a
abertura que o  título se refere é a “Zemira”, como indicado pela pesquisadora
Cleofe Person de Mattos, ou mesmo a “Sinfonia Tempestade”, perdida.

 O texto da Ulissea relata, antecipadamente, a vitória dos portugueses sobre as


tropas francesas de Napoleão:

 “Os dias de horros tornava a guerra

 Já Lísia não afetam

Podem os ricos baixéis entrar no Tejo

E os lusos lavradores

Os campos cultivar a seu desejo”

 O coro final canta:

 “Trazei lindas capelas

 De mil cheirosas flores

 E vinde vencedores

 Com elas coroar”

 Youtube (Coro Final):

 https://www.youtube.com/watch?v=vWXQ6zgEldk

 O “Triunfo da América” se enquadra no gênero de um elogio dramático, sendo


uma obra laudatória ao Príncipe Regente D. João VI, com texto de D. Gastão
Fausto da Câmara Coutinho. O material compreende um solo de soprano
seguido de um alegretto grazioso  e um coro (allegro vivo).

 
  Youtube (Coro):

 https://www.youtube.com/watch?v=-GHw2ZF3dHY

 No campo da música de cena, ainda se conhece do compositor carioca um


“Coro para o Entremês”, obra breve, composta para intercalar movimentos nos
intervalos de tragédias, dramas, farsas ou comédias. A peça em foi dedicada a
“Senhora Joaquina Lapinha”, cantora famosa nos palcos cariocas, cujo nome
completo era Joaquina Maria da Conceição.

    3.  Obras Menores

 São conhecidas do compositor José Maurício Nunes Garcia, uma peça para
piano, um quarteto de cordas (se refere a um arranjo de trechos da Missa em
Si bemol de 1801) e 3 modinha (sendo que duas são de autoria duvidosa). A
peça para piano foi considerada pela pesquisadora Cleófe Person de Mattos
como sendo de Nunes Garcia pelas características próprias do estilo de escrita
do compositor, sendo que a única partitura segue em posse da família do
Visconde de Taunay, que segundo relatos, executava esta obra “de ouvido”. A
peça não chega a 50 compassos e segundo a pesquisadora é singela e
delicada.

  

Link para a partitura:

http://www.josemauricio.com.br/pdfs/cpm235_peca_para_piano.pdf

Áudio:

 http://www.josemauricio.com.br/mp3/cpm235_peca_para_piano.mp3

 Das modinhas, somente a de título: “Beijo a mão que me condena” é de


autoria certa de José Maurício Nunes Garcia, enquanto as modinhas “No
momento da partida meu coração te entreguei” e “Marília, se me não amas”
são de autoria duvidosa. Segundo Kiefer, a primeira modinha citada pode ser
considerada como um prenúncio de nossa modinha romântica do século XIX.
Segundo ele, alguns aspectos típicos como as cadências femininas (com
apojatura superior) relativamente abundantes e os fragmentos melódicos curtos
já estão presentes.
 

Link para a partitura (Beijo a mão que me condena):

 http://www.josemauricio.com.br/pdfs/cpm226_modinha.pdf

Youtube (Beijo a mão que me condena): 

https://www.youtube.com/watch?v=0XkSc_M5gcs

Link para a partitura (No momento da partida meu coração te entreguei): 

http://www.josemauricio.com.br/pdfs/cpm238_modinha.pdf

Link para a partitura (Marília, se me não amas): 

http://www.josemauricio.com.br/pdfs/cpm239_modinha.pdf

 O compositor carioca também é autor de um Método de Piano Forte de 1821,


dividido em duas partes com 12 lições cada e 6 fantasias ao final do método.

Youtube (lição 8, 1ª parte):

https://www.youtube.com/watch?v=TFEPNa6ueAs

Youtube (lição 2, 2ª parte)

 https://www.youtube.com/watch?v=TGKvA5gDI_I

Youtube (fantasias 2 e 6, cadência de autoria do intérprete Amaral Vieira)

 https://www.youtube.com/watch?v=8fFgV395Aqo

 
 

Bibliografia básica:

KIEFER, Bruno. A música profana de José Maurício. In: MURICY, José C. de A, et


alii. Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro: Funarte, 1983, p. 65-74.

Temática: A música no Império 


 

O apogeu da Corte portuguesa no Brasil não durou muito: D. João VI foi


obrigado a retornar a Lisboa em 1821 levando consigo a corte, esvaziando
assim a vida cultural no Rio de Janeiro. Apesar do entusiasmo de Dom Pedro I
pela música, sendo ele mesmo autor de algumas peças e da música do Hino
da Independência, a difícil situação financeira gerada pela independência não
permitia muitos luxos. 

A figura central nestes tempos difíceis foi Francisco Manuel da Silva, discípulo
do Padre José Maurício e seu sucessor como mestre na Capela. Sua obra
refletiu a transição do gosto musical do Classicismo para o Romantismo,
quando o interesse dos compositores nacionais recaiu principalmente sobre a
ópera.

Nascido no Rio de Janeiro, Francisco Manuel da Silva foi compositor, maestro


e professor brasileiro. Além do padre José Maurício Nunes Garcia, foi aluno
também de Sigismund Neukomm, com quem aprendeu violino, violoncelo,
órgão, piano e composição. Ainda um jovem escreveu um Te Deum para o
então príncipe Dom Pedro, que prometeu financiar seu aperfeiçoamento na
Europa, mas não chegou a cumprir a promessa. Em vez disso, nomeou-o para
a Capela Real, onde foi bastante ativo como diretor musical.

Em 1833 fundou a Sociedade Beneficente Musical, que teve um papel


importante na época e funcionou até 1890. Contando com a simpatia do novo
imperador Dom Pedro II, foi mestre-de-capela da corte em 1842. Talvez seu
maior mérito seja a fundação do Conservatório do Rio de Janeiro, a origem da
atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Também foi regente do Teatro Lírico Fluminense, depois transformado na
Ópera Nacional.

Sua obra como compositor não é considerada de grande originalidade, embora


sejam interessantes a Missa Ferial e a Missa em mi bemol, mas foi o autor de
uma única peça que se tornou célebre, a melodia do atual Hino Nacional
Brasileiro, considerado por muitos como um dos mais belos do mundo.

Ao contrário do seu grande prof. Pe. José Mauricio Nunes Garcia que faleceu
pobre e desemparado praticamente, Francisco Manuel da Silva veio a falecer
com 70 anos de idade, cercado da admiração e respeito. Seu corpo encontra-
se sepultado no Cemitério de São Francisco de Paula, no Catumbi, na cidade
do Rio de Janeiro.

Aproximadamente no início do Segundo Reinado (1840-1860), o bel canto


estava em seu auge na Europa, e era apreciadíssimo no Brasil, especialmente
no Rio de Janeiro, mas também em Recife, São Paulo e Salvador. Há registro
de inúmeras representações. Em 1857 foi criada a Ópera Nacional, que logo
passou a incorporar ao repertório obras sérias brasileiras.

O efeito da ópera perduraria até meados do século XX e seria o motivo para a


construção de uma série de teatros importantes, como o Amazonas de
Manaus, o Municipal do Rio, o São Pedro em Porto Alegre, o da Paz em Belém
e diversos outros, todos de proporções majestosas e decorados com requintes
de luxo. Neste campo a maior figura foi sem dúvida Antonio Carlos Gomes, de
quem falaremos mais detalhadamente na próxima aula. Apesar da primazia da
ópera, a música instrumental também era praticada, sendo o piano o
instrumento privilegiado. 

Entre os meados do século XIX e o início do século XX tiveram um papel


importante através de sua produção com características progressistas alguns
compositores. Leopoldo Miguez, seguidor da escola wagneriana, será após o
fim do Império o autor da música do Hino à República, além de importante obra
para piano.

Temática: A ópera no Brasil


 

Falar de ópera no Brasil do século XVIII ao século XIX é falar do processo de


assimilação dessa tendência, apesar tardia, introduzida na década de
1730 com a construção de teatros nos estados de Pernambuco, Bahia, Minas
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esses teatros ficaram conhecidos como
Teatros Coloniais e designados como casas da ópera.

A primeira casa da ópera surgiu, pelo que se sabe, na cidade mineira de


Sabará em 1730, destinanda a espetáculos de pequeno porte em que muitas
vezes apresentavam-se músicos que participavam das realizações de música
religiosa. A Casa de Ópera de Vila Rica, construída pelo Sr. João de Souza
Lisboa em 1769 e que teve sua inauguração no aniversário do Rei D. José I: 6
de junho de 1770, é a mais antiga casa de ópera preservada no Brasil. Hoje,
chamada de Teatro Municipal de Ouro Preto.
Casa de Ópera de Vila Rica
(atual teatro Municipal de Ouro Preto)

As representações dos espetáculos teatrais muitas vezes eram traduzidas para


o português até o século XIX. Com o passar dos anos, no século XVIII, as
Casas da ópera foram paulatinamente substituídas por construções mais
modernas, planejadas para abrigar um maior número de atores, cantores e
instrumentistas além de acomodar melhor os espectadores.

O Teatro do Padre Ventura, como ficou conhecido na cidade do Rio de Janeiro,


em 1767, foi um dos primeiros a florescer e acabou homenageado pelo povo
com o nome de Ópera Velha na cidade carioca, sabe–se que esse teatro
pegou fogo durante a representação da peça "Os Encantos de Medea”, de
Antônio José, o Judeu. 

Posteriormente surge o Teatro de Manuel Luís Ferreira conhecido como a


Ópera Nova, inaugurada por volta do de 1776. Apadrinhado pelo Vice-Rei
Marquês de Lavradio, Manuel Luís era natural de Lisboa e o teatro era sua
vida: fagotista, bailarino, ator, sempre teve sua vida ligada ao teatro. Quando a
família Real veio se instalar no Brasil, o Teatro da Ópera Nova funcionava com
regularidade para receber a corte portuguesa e tinha seu próprio elenco e
músicos. O Teatro de Manuel Luís recebeu o nome de Teatro Régio onde
óperas do compositor Marcos Portugal foram encenadas em 1812.

Em 12 de outubro de 1813 acontece o primeiro espetáculo do Teatro São João,


promovendo temporadas líricas. O hábito de ir a concertos foi se
desenvolvendo ao longo do século XIX, muitas vezes alternando-se com a ida
à igreja.

Através da pesquisa da documentação existente, nos dias de hoje sabemos


que a Vila de São Paulo teve seu teatro também no século XVIII. No ano de
1789 a vida na Casa da Ópera de São Paulo é paralisada com várias situações
de insurreição contra o então governador de São Paulo realizando várias
mudanças, inclusive destituindo o diretor musical da Casa da Ópera de São
Paulo que também era Mestre da Capela da Sé.

A histórica noite do dia 7 de setembro de 1822 inaugurava–se a Casa da


Ópera, em São Paulo para celebrar os acontecimentos ocorridos no Ipiranga, a
proclamação da independência do Brasil.

No Teatro Santa Isabel, no Recife, se cultivava ópera com muito entusiasmo, o


mesmo ocorrendo na província da Bahia, onde o governo chegou a contratar,
em 1839, músicos italianos como mestre de coros e também compositores. 

Durante muito tempo o Brasil acompanhou de perto a vida europeia,


assimilando o gosto pela ópera. 

Em 1824 houve a tentativa muito interessante de se implantar uma Ópera


Nacional, somente com produção brasileira e de autores brasileiros, iniciada
com “A Noite de São João”, de Elias Álvares Lôbo, sobre um libreto de José de
Alencar.

Cabe relembrar a importância para a ópera da produção de Carlos Gomes,


ilustrada pelo fato de durante o século XIX, das vinte óperas brasileiras que
foram apresentadas, nove de sua autoria.

Temática: A música de Carlos Gomes - temática brasileira, estilo italiano


 
 

O compositor Antonio Carlos Gomes nasceu em Campinas, São Paulo, em 11


de julho de 1836. Estudou música com o pai e fez sucesso em São Paulo com
o Hino Acadêmico e com a modinha Quem sabe? (1860).

Continuou os estudos no Conservatório do Rio de Janeiro, onde ocorreram as


apresentações de suas primeiras óperas: A noite do castelo (1861), com libreto
de Fernandes dos Reis, e Joana de Flandres (1863), com libreto de Salvador
de Mendonça. 

Parte para Milão após receber uma bolsa de estudos, sendo aluno de Lauro
Rossi e diploando-se em 1866. Em 1870 estreou no Teatro Scala de Milão sua
ópera mais conhecida, Il guarany (O guarani), com libreto de Antônio Scalvini e
baseada no romance homônimo de José de Alencar. Encenada depois nas
principais capitais europeias, essa ópera o consagrou e deu-lhe a reputação de
um dos maiores compositores líricos da época. O sucesso europeu de Il
guarany repetiu-se no Brasil, onde Carlos Gomes permaneceu por alguns
meses antes de retornar a Milão, com uma bolsa de D. Pedro II, para iniciar a
composição da Fosca, melodrama em quatro atos em que fez uso do leitmotiv,
técnica então inovadora, e que estreou em 1873 no Scala. Mal recebida pelo
público e pela crítica, essa viria a ser considerada mais tarde como a mais
importante de suas obras. 
Depois de Salvatore Rosa (1874) e Maria Tudor (1879), Carlos Gomes voltou
ao Brasil e foi recebido triunfalmente, e a partir de 1882, passou a dividir seu
tempo entre o Brasil e a Europa. 

Estreou Lo schiavo (O escravo) em 1889 no Teatro Lírico do Rio de Janeiro,


ópera de tema brasileiro. Com a proclamação da república, perdeu o apoio
oficial e a esperança de ser nomeado diretor da Escola de Música do Rio de
Janeiro. Retornou então a Milão e estreou “Condor” em 1891, no Scala. 

Doente e em dificuldades financeiras, compôs seu último trabalho, Colombo,


oratório em quatro atos para coro e orquestra a que chamou poema vocal
sinfônico e dedicou ao quarto centenário do descobrimento da América. A obra
foi encenada em 1892 no Teatro Lírico do Rio de Janeiro. 

Em 1895 chegou ao Pará, já doente, para ocupar a diretoria do Conservatório


de Música de Belém, onde morreu em 16 de setembro de 1896.

Com temática brasileira, a música de Carlos Gomes se enquadra no estilo


italiano da mesma época, inspirado basicamente nas óperas de Giuseppe
Verdi, e assim ultrapassou as fronteiras do Brasil e triunfou junto ao público
europeu. Os modernistas de 1922 desprezaram Carlos Gomes, mas o público
brasileiro sempre valorizou suas modinhas românticas, a parte mais
autenticamente nacional de sua obra, e a abertura ("protofonia") de Il guarany.

Temática: Música em São Paulo

  

A prática musical em São Paulo se desenvolveu lentamente, junto com o


progresso econômico da região. Até meados do século XVII são poucas as
notícias da prática musical religiosa, resumindo praticamente a missas em
cantochão e festas religiosas urbanas. A partir da metade do século XVII
iniciou-se a reorganização da música na igreja matriz da Vila de São Paulo,
cujo primeiro Mestre de Capela, Manuel Pais de Linhares, já atuava em 1649.

A prática do canto de órgão (polifônico) pode ser vista a partir de um inventário


de Pascoal Delgado, de 1650, onde três livros de polifonia são descritos
(infelizmente perdidos). Segundo o pesquisador Paulo Castagna, a partir de
então notícias sobre esta prática de música polifônica com acompanhamento
de um ou mais instrumentos tornam-se frequentes.

O estilo musical da primeira metade do século XVIII pode, em parte, ser


conhecido a partir de um conjunto de manuscritos conhecidos como “Grupo de
Mogi das Cruzes”, constituído por um conjunto de obras em estilo antigo, sendo
que uma delas, “Matais de Incêndios”, é escrita em português. As peças foram
copiadas por Faustino do Prado Xavier, Mestre de Capela da matriz de Mogi
das Cruzes, Ângelo Xavier do Prado, irmão do anterior, Timóteo Leme e outros
copistas não identificados.
Segundo CASTAGNA, após a criação do bispado de São Paulo (1746), o
bispado passa a realizar uma organização mais rigorosa da música da Sé da
capital paulista, com a intenção de elevar a qualidade, acompanhando as
demais regiões brasileiras, como Minas Gerais e o Nordeste. A estrutura dos
cargos responsáveis pela música na catedral foi alterada, no entanto, como a
qualidade da produção musical da Sé não teve a melhora esperada, o terceiro
bispo da Sé, Dom Manuel da Ressurreição, chegado em 1774, traz consigo
seu próprio Mestre de Capela, o experiente músico português André da Silva
Gomes, do qual trataremos em aula separada.

Outros músicos que tiveram destaque em cidades paulistas no século XVIII e


início do XIX foram Francisco de Paula Ferreira, nascido em Congonhas (MG),
mas transferiu-se para Guaratinguetá (SP) em 1777, onde atuou como Mestre
de Capela e professor de Gramática Latina e o Frei Jesuíno do Monte Carmelo
(1764 – 1819), nascido em Santos, mudou-se para Itu, onde permaneceu até
sua morte, do qual também trataremos em aula separada.

  

Bibliografia
CASTAGNA, Paulo A. Música na América Portuguesa. In: História e Música no
Brasil (Orgs. José Geraldo Vinci de Moraes e Elias Thomé Saliba). São Paulo:
Alameda, 2010. p. 35-76

História da Música Brasileira: Primeiros Séculos

Aula 22: André da Silva Gomes 1

Antiga Catedral da Sé de São Paulo, demolida em 1911 para a construção da


nova Catedral. 

André da Silva Gomes foi o quarto Mestre de Capela da Sé de São Paulo,


nasceu em Lisboa no ano de 1752, batizado no dia 15 de dezembro. Pouco se
sabe de sua formação musical, mas a partir de uma breve informação existente
na “Arte Explicada de Contraponto” escrita por André da Silva Gomes,
sabemos que foi aluno de José Joaquim dos Santos, importante compositor e
professor português na segunda metade do século XVIII. O mesmo José
Joaquim dos Santos foi mestre no Seminário da Patriarcal, o que leva a crer
que tenha sido local de formação de André da Silva Gomes, em Lisboa. Como
vimos na aula 11, o Seminário da Patriarcal era a instituição de ensino musical
mais importante de Portugal no século XVIII, sendo fundamental na difusão e
influência da música galante (pré-clássica) de origem napolitana em Portugal.
André da Silva Gomes veio a São Paulo no início de 1774, junto com o terceiro
bispo da Sé, Dom Frei Manuel da Ressurreição. Com apenas 21 anos de
idade, o jovem compositor foi incumbido de reformar a prática musical da nova
Sé da cidade de São Paulo. Até o ano de 1745, no qual a igreja Matriz foi
elevada a Sé, São Paulo era administrativamente dependente. Sendo que após
esta data, com a presença dos governadores, houve um incentivo ao
aprimoramento da cultura musical local, tanto profana quanto religiosa. 

Segundo o pesquisador Régis Duprat, o primeiro governador de São Paulo,


Dom Luís de Sousa Botelho Mourão (o Morgado de Mateus), foi grande
incentivador da Casa de Ópera da cidade, que apesar de não manter uma
periodicidade rígida de suas apresentações, era utilizada, com apoio pessoal
do governador, para os dias festivos especiais. Segundo o mesmo
pesquisador, a prática musical religiosa, litúrgica ou não, se desenvolvia em um
contexto musical pobre, contando com poucos músicos profissionais que
impulsionassem a qualidade artística musical. Duprat aponta que a Vila de São
Paulo de Piratininga estabilizou na segunda metade do século XVIII em torno
de apenas 2000 habitantes, sendo que em princípio do século XIX a cidade
contava, em censo, com apenas catorze músicos e um em Cotia, dados que
ajudam a falta de músicos na Sé.

Apesar de contar com somente um organista e três moços de coro no momento


de sua chegada em São Paulo e provavelmente com o próprio Mestre de
Capela cantando a quarta voz que faltaria ou a mesma sendo preenchida pelo
organista, a produção inicial de André da Silva Gomes foi intensa, provando
que “seus esforços organizativos iniciais foram coroados de pleno êxito”
(DUPRAT, 1995: p. 63). Sua produção musical tinha um caráter funcional, para
consumo imediato, suprindo as necessidades litúrgicas da Igreja da Sé. Com
seu ordenado de $40.000 réis anuais, pagos pela Fazenda Real, André da
Silva Gomes tinha a obrigação de escrever a música e financiar a sua
execução (contratando músicos se necessário) com coro e eventualmente
orquestra. Como maneira de suprir as necessidades orçamentárias dos
Mestres de Capela, era praticado em São Paulo o “Estanco”. O “Estanco” era
um mecanismo onde as autoridades religiosas locais garantiam o monopólio
musical da Vila ao Mestre de Capela, aumentando consideravelmente seu
ordenado, uma vez que o mesmo acabaria assumindo funções musicais fora
da Sé. Desta maneira, as atividade musicais complementares de André da
Silva Gomes, fora da Sé, não seriam mal vistas pelo Bispado, podendo ser até
mesmo incentivadas. 

Como outros casos de Mestres de Capela, como o exemplo de Luís Álvares


Pinto em Pernambuco, André da Silva Gomes não se contenta com as funções
de Mestre de Capela e consegue, em 1797, a cadeira de professor de
gramática latina da Vila de São Paulo, com um ordenado anual de $400.000
réis, dez vezes mais que seu ordenado como Mestre de Capela. Em 1789
recebe a patente de Capitão, sendo seguida em 1797 pela de Tenente-
Coronel. Em 1801 André da Silva Gomes se desliga de todas as suas funções
musicais externas à Sé, sendo que em 1806 o Mestre de Capela da Sé de São
Paulo já era Joaquim da Silva, o que significa que André da Silva Gomes
manteve seu cargo por pouco mais de trinta anos. Pouco após a independência
o compositor português estava em Cotia, vila vizinha de São Paulo, onde
compôs suas duas últimas obras conhecidas: Jaculatórias de 1822 e uma
Missa de Natal de 1823, ambas escritas para a Igreja Matriz da vila. Faleceu
em 17 de junho de 1844, com 91 anos, sendo sepultado com enterro solene na
antiga Catedral da Sé, onde permaneceu até a demolição da igreja em 1911. 

Além das obras compostas no Brasil, André da Silva Gomes trouxe consigo
cópias de peças de autores portugueses e italianos de Portugal, como parte de
seu acervo, como os portugueses José Joaquim dos Santos, João Cordeiro da
Silva, José Gomes Veloso e José Alves e os italianos Giovanni Biordi (Giorgi?)
e Giuseppe Porcari, todas preservadas no Arquivo da Cúria Metropolitana de
São Paulo. De autoria de André da Silva Gomes são conhecidas mais de 130
obras, todas vocais e religiosas, entre elas 16 Missas, 2 Paixões e 13
Ofertórios. Como nos aprofundaremos na próxima aula sobre o autor, o estilo
musical de sua obra é vinculado ao pré-classicismo, mas mantém
características tardias de um estilo barroco.
Frontispício autógrafo por André da Silva Gomes

https://www.youtube.com/watch?v=Op3-KQrVyjc 

André da Silva Gomes - Hodie nobis de caelo

https://www.youtube.com/watch?v=Tc4mCVybW6Q 

André da Silva Gomes - Quem vidistis, pastores 

Bibliografia básica: 

DUPRAT, Régis. Música na Sé de São Paulo. São Paulo: Paulus, 1995.

História da Música Brasileira: Primeiros Séculos

Aula 23: André da Silva Gomes 2

Antiga Catedral da Sé de São Paulo, demolida em 1911 para a construção da


nova Catedral.

A obra conhecida de André da Silva Gomes se limita ao repertório religioso,


sua formação musical em Lisboa, no Seminário da Patriarcal, na segunda
metade do século XVIII, possibilitou ao jovem compositor assimilar o estilo
musical dominante na capital portuguesa no mesmo período. Sua obra religiosa
dialoga diretamente com a de compositores portugueses e italianos ligados
direta ou indiretamente à vida cultural portuguesa como José Joaquim dos
Santos, David Perez, Giovanni Giorgi, Nicollo Jommelli e G. B. Pergolesi.
Apesar das limitações musicais existentes na Sé de São Paulo no tempo da
chegada do compositor português à colônia, como vimos na aula anterior, é
possível perceber em sua obra uma grande complexidade, mantendo uma
textura principalmente polifônica em sua obra, incluindo um grande domínio de
procedimentos fugais.

O estilo musical ligado ao compositor, de transição, é o pré-classicismo, como


dos compositores mencionados acima. Por esta razão algumas características
barrocas podem ser percebidas em sua obra, como o uso do baixo contínuo
cifrado, a textura polifônica (com uso de fugas em momentos determinados das
missas, como Christe eleison  e o Cum Sancto Spiritu  da Missa a 5 vozes). Por
outro lado, o uso do Baixo de  Alberti e a estrutura tonal Tônica – Dominante –
Tônica, são características posteriores do classicismo. Abaixo veremos uma
breve análise da exposição das fugas presentes na Missa a 5 vozes. Esta
missa, apesar do título, foi escrita a 4 vozes, tendo somente no Gloria um
divise de sopranos, gerando a quinta voz. As duas fugas escritas estão a
quatro vozes.

As duas fugas da Missa a 5 vozes são duplas, com dois sujeitos, ou temas. Na
tradição musical italiana e portuguesa do século XVIII, os dois temas de uma
fuga dupla são expostos simultaneamente, com uma pequena defasagem de
tempo na entrada de cada um deles, formando uma textura de dueto polifônico.
O segundo tema costuma ter uma melodia contrastante em relação ao primeiro
e costuma ser introduzido pouco após, podendo a diferença ser de um ou dois
compassos, ou mesmo uma fração de tempo. No caso de fugas com os textos
“Christe eleison” e “Cum Sancto Spiritu”, era comum fragmentar o texto entre os
dois temas, como veremos abaixo.

Na Missa a 5 vozes, o “Christe eleison” inicia com o texto “Christe” no primeiro


tema, enquanto o segundo tema inicia com “eleison”, um compasso após o
primeiro, fragmentando o texto na exposição. Apesar de ambos os temas
possuírem no inicio notas de valores similares o primeiro tema se destaca
pelos saltos iniciais, primeiro quinta descendente seguido de oitava
ascendente.

Os temas, divididos em duas partes, onde a primeira até o oitavo compasso, se


mantém na região da tônica, mi menor, a segunda parte caminha em direção à
subdominante, lá menor, sendo assim uma fuga com imitação na quarta e não
quinta. Característica principal de ambas as partes é a suspensão por ligadura
da sétima no primeiro tema resolvendo na sexta, com exceção do décimo
compasso onde a resolução da sétima é realizada na terça, recurso previsto
por Gomes em seu tratado de contraponto, onde, em uma suspensão de
sétima, ela pode ser resolvida em uma terça quando a voz superior desce meio
tom ou tom inteiro e a voz inferior salta uma quarta ascendente.

 
Ex. 1: André da Silva Gomes. Missa a 5 vozes (Christe eleison), exposição.

Como a resposta é regular, respeitando os intervalos apresentados na


exposição, ela cadencia na segunda parte para a região do sétimo grau ré
menor, fazendo necessário quatro compassos de adequação tonal (conciliatio),
antes do retorno à segunda exposição na tônica.

Ex. 2: André da Silva Gomes. Missa a 5 vozes (Christe eleison), resposta.

Apesar da missa ser a cinco vozes ambas as fugas apresentadas “Christe


eleison” e “Cum Sancto Spiritu” são somente a quatro vozes, com as sopranos
um e dois em uníssono. Em ambas as fugas a exposição também segue o
mesmo padrão descrito por Gomes no seu tratado de contraponto (veremos
adiante), onde as entradas são sempre das vozes mais agudas em progressão
às mais graves até a apresentação de todas as vozes. No Christe eleison as
entradas seguem a seguinte ordem: SA, AT, TB, BS, BA, TB, SB. No Cum
Sancto Spiritu a ordem é a seguinte SA, AT, TB, BS, BS, AB.

Os temas, com uma distância primitiva de um compasso, também apresentam


o texto fragmentado, o primeiro “Cum Sancto Spiritu” e o segundo “In gloria Dei
Patris”. Como no exemplo anterior Gomes utiliza saltos, agora de sextas
ascendentes e sétimas descendentes para diferenciar os temas e também
utiliza a suspensão, agora de segunda como uma das principais características
da exposição. Os temas divididos em duas partes, onde a primeira até o
compasso 6 se mantém na região da tônica, dó maior, e a segunda em
progressão à dominante, onde o segundo tema termina um compasso antes do
primeiro tema na dominante da dominante, ré maior, e o primeiro tema encerra
após o início da resposta. Apesar de comum encontrar exemplos onde os
temas terminam em momentos distintos, é previsto nos tratados estudados o
contrário.

A primeira metade, “Cum Sancto Spiritu in gloria Dei Patris”, em ambos os


temas apresenta motivos que são repetidos progressivamente de forma
descendente. Enquanto a segunda metade, “Dei Patris amen”, apresenta uma
similaridade entre os dois temas com ambos utilizando o mesmo motivo em
terças paralelas. Com resposta regular essa fuga não apresenta necessidade
de utilizar uma conciliatio entre a resposta e a segunda exposição.

Ex. 3: André da Silva Gomes. Missa a 5 vozes (Cum Sancto Spiritu),


exposição.

Ambas as fugas possuem acompanhamento instrumental, onde as cordas


dobram as vozes. Como era comum na orquestração da música napolitana no
século XVIII, em parte das fugas as violas dobram a voz dos baixos, junto cm
os violoncelos, enquanto os violinos 1 e 2 dobram as vozes de soprano e
contralto. Com esta instrumentação característica do período, é normal
perceber a voz de tenor sem ter uma dobra instrumental específica.

  

O áudio do “Christe eleison” e “Cum Sancto Spiritu” da missa a 5 vozes estão


disponíveis no sistema.

Além da obra musical, André da Silva Gomes também escreveu um tratado de


Contraponto entitulado: Arte Explicada de Contraponto. O tratado original era
previsto para ser dividido em trê tomos, mas somente o primeiro deles, sobre o
contraponto simples e figurado, chegou ao nosso conhecimento. O segundo
tomo seguinte, contendo os preceitos concernentes à pura composição e o
terceiro, com os exemplos musicais dos dois tomos anteriores, foram perdidos.
O manuscrito que conhecemos do primeiro tomo, com 150 páginas, foi copiado
em 1830 por Jerônimo Pinto Rodrigues (1790 - ?) e pertenceu a Elias Álvares
Lobo (1834-1901), que foi aluno do anterior. O tratado é dividido em 19 lições,
sendo que as treze primeiras introduzem o estudo das espécies do
contraponto, incluindo as espécies dissonantes e ligaduras; s lição 14 trata de
cláusulas e cadências; as lições 15 a 17 sobre fugas; lição 18 sobre
modulações e a lição 19 sobre cânone. O tratado de contraponto, junto com os
escritos de Caetano de Melo de Jesus e Luís Álvares Pinto, é fundamental para
a compreensão da teoria e prática musical no Brasil Colônia n século XVIII.

Bibliografia básica:
 

ROHL, Alexandre C de O. A FUGA DUPLA LUSO-BRASILEIRA DURANTE


OS SÉCULOS XVIII E XIX. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Instituto de
Artes da  Unesp, 2010.

Temática: Jesuíno do Monte Carmelo: Músico, Pintor e Arquiteto

  

Até os dias de hoje, a principal biografia sobre Jesuíno do Monte Carmelo foi
escrita por Mário de Andrade, publicada em 1945 pelo SPHAN (Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Jesuíno Francisco de Paula Gusmão (nome original) nasceu em Santos, no dia


25 de março de 1764, mulato, foi um importante artista de São Paulo. Devoto
de Nossa Senhora do Carmo, iniciou sua formação musical entre os religiosos
carmelitas do convento de Santos, dos quais também recebeu sua primeira
encomenda como pintor, aos 14 anos de idade, aproximadamente. Em 1781 é
convidado a acompanhar o novo presidente do Hospício do Carmo de Itu,
mudando-se para a cidade na qual passaria a maior parte de seus anos. Ao
final do século XVIII, a cidade de Itu passava por um período de crescimento
econômico e consequentemente, artístico. Neste momento, boa parte da
cidade estava em reforma, como a recém inaugurada Igreja Matriz (1780), que
ainda precisava ser decorada.

Em Itu, Jesuíno passa a trabalhar com o artista José Patrício da Silva Manso.
Apesar de Mário de Andrade indicar que a relação de Manso e Jesuíno tenha
sido de Mestre e Aprendiz, respectivamente, novas pesquisas indicam que é
possível que Manso o tenha contrato como auxiliar na decoração da Matriz de
Itu. Esta hipótese se baseia no fato que José Patrício da Silva Manso foi
contratado para trabalhar a partir de 1787, momento em que Jesuíno já se
encontrava a alguns anos na cidade de Itu, inclusive com família constituída. O
contrato de Manso com a Matriz de Itu também indicava que seria de
responsabilidade do pintor qualquer incidente que pudesse acarretar o atraso
da obra, o que reforça a ideia que Manso tenha contratado Jesuíno como
auxiliar, considerando a dimensão das tarefas.

Depois de 1790, provavelmente durante a encomenda de pintar a Igreja do


Carmo de Itu, que Jesuíno faz o pedido de entrar como irmão na Ordem
Terceira do Carmo, Pedido que foi negado devido a sua cor e origem bastarda
(foi batizado com pai desconhecido). Segundo Mário de Andrade, um dos anjos
mulatos pintados na Igreja do Carmo pode ter sido uma “vingança” de Jesuíno.
Entre 1794 e 1795, provavelmente, é convidado para decorar as Igrejas
Carmelitanas de São Paulo, capital, onde realiza as seguintes obras: 1) teto da
igreja do convento do Carmo; 2) quadros em caixotões para o forro da capela
de Santa Teresa, para as freiras carmelitas; 3) teto da nave e da capela-mor da
Ordem Terceira.
Tendo uma vida conventual entre os carmelitas de São Paulo, Jesuíno recebe
as ordens menores em 13 de setembro de 1797 e em 23 de dezembro do
mesmo ano recebe a ordem de presbítero, quando abandona o nome de
batismo e passa a ser nomeado como Jesuíno do Monte Carmelo. Embora
ordenado, em seu registro como padre consta o termo “ex defectu natalium”,
devido a sua origem. Seu último trabalho em São Paulo, antes de retornar para
Itu, foi o teto do coro da Igreja da Ordem Terceira.

No início do século XIX, junto com o padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843),
Jesuíno do Monte Carmelo funda a Congregação dos Padres do Patrocínio,
sendo responsável também pelo projeto e construção da Igreja de Nossa
Senhora do Patrocínio de Itu. A Igreja é inaugurada no dia 8 de novembro de
1820, um ano e pouco depois do falecimento do padre Jesuíno do Monte
Carmelo (falecimento: 1º de julho de 1819). Em 1820, o botânico francês,
Auguste de Saint Hilaire, diz que a Igreja do Patrocínio é a mais bonita, cuidada
e de bom gosto de Itu.

Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio de Itu - Fachada

  

Como pintor, Jesuíno do Monte Carmelo é considerado como um autodidata,


desprovido de maiores recursos técnicos e de estilo ingênuo, mas segundo a
pesquisadora Elza Ajzemberg, foram “justamente suas soluções plásticas
toscas, que nem sempre acompanhavam as leis da perspectiva, que acabaram
criando um estilo próprio, autêntico, encantador e caracterizador da pintura
paulista do século XVIII”.
 

Mário de Andrade divide a obra de Jesuíno em quatro fases:

1) Juventude e aprendizado com José Patrício da Silva Manso e obras na


Igreja Matriz de Itu. Período das oscilações de caráter, pecados contra os
frades carmelitas de Santos – caso do roubo das partituras e da construção do
órgão; 

2) Período da primeira plenitude – virilidade, “masculinidade profana”, alegria


da vida em família – felicidade pessoal, obras na Igreja do Carmo de Itu. É o
período da busca da beleza física em sua pintura; 

3) Obras em São Paulo – viuvez, rotina carmelita, paz interior. Período do


refinamento estético de sua arte. Ocorre o desinteresse pela expressão
psicológica de suas imagens e um gradativo apreço aos elementos
decorativos; 

4) Retorno à Itu, período do “padre dramático”. Jesuíno é atormentado pelo


pecado do orgulho, pois se deseja irretocável em seu sacerdócio e, ao mesmo
tempo, não esquece a origem humilde e inculta; pretende ser o melhor padre,
por organizar a congregação do Patrocínio. A coleção de obras do Patrocínio
reflete a aspiração mística e a frustração do artista. As obras são dramáticas e
“confessionais”, como os sentimentos do artista.

 
 

Banquete de Simão (óleo sobre tela) – Frei Jesuíno do Monte Carmelo

  

Como Músico, somente uma pequena quantidade de obras foram recuperadas,


Segundo o pesquisador Paulo Castagna, peças simples se comparadas aos
seus contemporâneos. Chama a atenção, no caso deste autor, uma declaração
manuscrita de 1815, onde confessa ter roubado de seu Mestre em Santos
“algumas poucas músicas que naquele tempo ele estimava, e que hoje nada
valeriam” e “ainda depois de me passar para esta Vila em que moro ainda
mandei, por um condiscípulo, copiar outras”. Segundo CASTAGNA, esta
prática, hoje associada à pirataria, foi comum na América Portuguesa, devido a
alta competição entre os profissionais da música do período. E foi graças a
este mecanismo que parte do repertório sobreviveu até os dias de hoje em
cópias produzidas a partir dos originais que foram perdidos.

Apesar da simplicidade de sua música, até os dias de hoje, ela é cantada na


cidade de Itu, na Procissão dos Passos, no período da quaresma, como o
“Canto de Verônica”, no vídeo abaixo:

Temática: Música Religiosa no Brasil: Agentes musicais nas igrejas


coloniais

  
Uma grande parte das aulas desta disciplina são relacionadas à música
religiosa no Brasil Colonial, isto ocorre não somente pela importância dela, mas
também pelo fato de os principais arquivos de música do século XVIII serem
religiosos. Apesar de existirem relatos documentais sobre a música não
religiosa setecentista e anterior, infelizmente poucos exemplos de música
profana são conhecidos no repertório brasileiro deste período. Por esta razão é
importante conhecer e compreender a função dos atores presentes na música
religiosa. Para isto vamos utilizar como exemplo os “Estatutos do Cabido
Metropolitano do Rio de Janeiro” , de 1736, estatutos que descrevem a
1

estrutura e organização da Sé Carioca.

Estatutos do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro, 1736 (Capa e fol.7v)

A música da Igreja Católica era organizada e realizada por diferentes tipos de


pessoas, religiosos ou leigos, dependendo de suas funções, como: Chantre,
Mestre Escola, Capelães, Moços de Coro, Mestre de Capela e Organista.
Abaixo vamos fazer uma breve descrição de cada um deles:

 
1. Chantre ou Cantor: sendo uma das maiores hierarquias da igreja (abaixo
somente do bispo e do Deão, na Sé do Rio de Janeiro), entre outras
funções, organiza a estrutura musical da igreja, sendo necessariamente
um membro do clero. Segundo os “Estatutos” referidos: 

  

“Pertence ao Chantre guiar e reger o Coro pelo que respeita


as rubricas assim do Breviário, como do Missal[2], para que
exatamente se observem, assim no ofício como na missa
solene [...]. Será vigilante acerca da ordem de Salmodiar,
advertindo que se cante em voz alta, clara e distinta, e que se
faça a devida e boa pausa no meio dos versos [...] Obrigará ao
dito Sobchantre e Capelães a irem a estante de Cantochão e
apontará os que não o fizerem, não passando a multa de mais
de quarenta réis para cada vez [...] e terá também cuidado que
os Moços de Coro sejam pontuai na assistência da Sé [...] e
porque se tem experimentado a falta de Capelães que saibam
Cantochão, terá o Chantre cuidado de assinar a hora na qual
todos os dias se juntem os Capelães com o Sobchantre na
Sacristia e aí se façam exercícios de Cantochão [...] (1736:
fol.10r-10v).

2. Capelães: Membros do clero, cantam somente em cantochão. No caso da


Sé do Rio de Janeiro pode se ver que suas funções são bem determinadas,
descrevendo que partes da liturgia eles participavam:

  

“São obrigados os Capelães a assistir no Coro [...] dois deles,


começando pelos mais antigos regerão o coro em cada
semana, dizendo a estante o Invitatório, Martirológio, Lição
breve da Prima com o Jubedomne e também a de Completas,
com o mais que pertence aos da estante. Encomendarão as
Antífonas, Matinas e Laudes e mais horas aos que tocar, e
levantarão os Salmos e dirão os versos do Noturno, faltando
Moços de Coro que os digam.

Os mesmos, e nas mesmas semanas, cantarão a Epístola e


Evangelho nas Missas Conventuais, porém nas Missas de
Benesses o farão outros por turno distinto.” (1736: fol.38r-38v)

  

3. Moços de Coro: jovens, até a puberdade, cantam em cantochão e quando


necessário também em canto de órgão (polifonia). Na Sé do Rio de Janeiro
possuíam funções diversas como assistentes nas cerimônias religiosas, e em
relação à música propriamente: “Enquanto estiverem no Coro, dois deles
estarão junto à estante para virarem as páginas dos livros e dizerem os versos
dos Noturnos e Responsórios das horas menores.” (1736: fol.40r). Os Estatutos
também determinam que os Moços de Coro, quando não estiverem a serviço
da Igreja, devem se aplicar aos estudos, sob os cuidados do Mestre Escola,
correndo o risco de serem castigados quando não o fizerem (1736: fol.40v).

 4. Mestre Escola: Nos Estatutos da Sé do Rio de Janeiro, o Mestre Escola


aparece como quarta dignidade, abaixo do Tesoureiro Mor (terceira dignidade)
e do Chantre (segunda dignidade). Sua principal função era ensinar os
meninos a ler, escrever e cantar, além de “prever e emendar” os livros que
servem na Igreja, fazendo com que os Moços do Coro estudem gramática e
cantochão (1736: fol.12v-13r). Na falta do Mestre Escola, o ensino do canto
poderia ser feito pelo Mestre de Capela.

 5. Mestre de Capela: suas funções incluíam:

A)    Compor e dirigir a música para os ofícios religiosos;

B)    Contratar, quando necessário, músicos cantores e


instrumentistas com o objetivo de prezar pela qualidade dos
ofícios religiosos.

C)    Ensinar música, onde os discípulos poderiam participar


dos ofícios, sob a supervisão do Mestre de Capela.

Nos Estatutos da Sé Carioca a descrição das funções do Mestre de Capela são


bastante simples, se limitando a indicar as ocasiões em que o mesmo tinha a
obrigação de participar das funções religiosas, inclusive indicando a
possibilidade de punições na falta de suas obrigações:

“Será obrigado o Mestre de Capela a cantar todas as


Vésperas de dias Clássicos de preceito e todas as Missas
Solenes de Domingos e dias Santos de preceito e nas mais
solenidades que determinar o Prelado ou Cabido. As
Completas dos Sábados da Quaresma, e por cada vez que
não cantar Vésperas e Completas, será multado em duzentos
réis e faltando à Missa, será multado em quatrocentos réis e
se aplicarão estas multas para a Fábrica.

Também é obrigado a assistir e cantar na noite de Natal e


Semana Santa, e não sendo a música destes dias suficientes,
o Cabido o multará segundo a qualidade da sua omissão.”
(1736: fol.40v-41r)

6. Organista: Como o Mestre de Capela, nos Estatutos da Sé do Rio de


Janeiro, a descrição de suas funções se limitam aos momentos e cerimônias
específicas em que o mesmo deveria tocar. Um ponto a se destacar é que o
órgão não somente acompanhava a música vocal, sendo tocado também
“quando o prelado entra na Sé, ou sai dela, e todo o tempo antes de começar a
Missa Pontifical, ou outra alguma função sagrada” (1736: fol.41v).

  

 ____

1
 Estatutos do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro. 1736. Disponível em:
<http://www.acmerj.com.br/CMRJ_CRI_SD_Cx100_UD01.htm>
2
 Breviário Romano e Missal Romano, são dois dos principais livros litúrgicos da
Igreja Católica, que também inclui: Liber Usualis, Kirial, Gradual, Antifonário.

História da Música Brasileira: Primeiros Séculos

Aula 26: Modinha no Século XIX


Que fiz Eu à Natureza – José Maurício (Mestre de Capela da Sé de Coimbra)

No início do semestre já tivemos a oportunidade de estudar as origens e


características da Modinha e do Lundum que surgiram no Brasil e Portugal no
século XVIII. Segundo o pesquisador Gerhard Doderer, a evolução da modinha
luso-brasileira pode ser dividida em três fases no que diz respeito a suas
características musicais e sua importância e inserção social. A Modinha que
estudamos até o momento, existiu até finais do século XVIII, como uma canção
de língua nacional, influenciada pela música italiana setecentista, e que ganhou
importância nos salões da aristocracia luso-brasileira. 

Segundo DODERER, nos finais do século XVIII surge um novo tipo de


Modinha, com influência da cultura musical da alta burguesia. Neste momento
a Modinha se transforma em uma canção de salão, com uma voz e ganha
acompanhamento também de forte-piano. A melodia do canto perde a sua
simplicidade, tornando-se mais diferenciada melódica e ritmicamente e devido
a constante alternância dos tempos fortes ganha a uma oscilação dos acentos. 

A poesia, uma das principais características da Modinha, é mantida cheia de


sentimentalismo e de “penas de amor”, como se refere DODERER, reforçada
por uma melodia considerada na época como “doce e deliciosa”. Quanto às
características musicais, o texto poderia ser reforçado pelo contraste entre
tonalidades maiores e menores. Melodias e temas de óperas poderiam ser
adaptados para o gênero de Modinhas, ganhando textos em português. Nesta
segunda fase, este gênero musical era cultivado tanto na Metrópole
Portuguesa quanto no Brasil Colônia, sendo que no Brasil elas eram tocadas
principalmente nos salões da alta burguesia dos grandes centros urbanos,
como Rio de Janeiro e São Paulo.

Importantes compositores compuseram ou transcreveram modinhas, como


José Maurício (Mestre de Capela da Sé de Coimbra), Marcos Portugal, José
Maurício Nunes Garcia, Sigismund Neukomm e posteriormente Carlos Gomes.
Modinhas com acompanhamento de violão também foram transcritas e
arranjadas para acompanhamento de piano, pelos pesquisadores e viajantes
alemães Johann von Spix e Carl von Martius, que passaram pelo Brasil no
início do século XIX. Já no século XX, Mario de Andrade também foi
responsável pela pesquisa e publicação de uma série de Modinhas Imperiais
do século XIX para canto e acompanhamento de piano.

Uma Mulata Bonita – Transcrição de Spix e Martius, 1817-1820

DODERER completa que especialmente no Brasil, a Modinha torna-se a forma


mais popular de canção, fato possível de averiguar devido ao grande número
de coletâneas de Modinhas que foram impressas durante o século XIX. O
gênero deixa de ser cultivado somente pelos grandes compositores,
renomados, do período, tendo composições e arranjos de amadores e músicos
leigos. Este fator, segundo DODERER, fez com que, a partir de 1860/70, a
Modinha, em sua terceira fase exclusivamente brasileira, se tornasse um
gênero de canção trivial.

Sem considerar questões estéticas e de gosto musical, é impossível deixar de


perceber a importância deste gênero musical para a formação dos estilos de
canções urbanas de finais do século XIX, tanto em Portugal quanto no Brasil,
como o Fado Português e a Moda Sertaneja ou até mesmo o Choro.
Bibliografia básica: 

DODERER, Gerhard. Modinhas Luso-Brasileiras. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 1984.

Temática: O Nacionalismo tupiniquim 

Com o destaque alcançado pela música de Carlos Gomes, o mundo cultural


passou a prestar mais atenção ao que poderia constituir uma música
genuinamente brasileira. Neste aspecto o rico folclore nacional foi o material
que estimulou os compositores a utilizar estes temas para elaborações
eruditas, embora ainda seguidoras, em linhas gerais, de escolas estrangeiras.
Basílio Itiberê da Cunha foi um dos precursores desta corrente, com sua
rapsódia para piano A Sertaneja, escrita entre 1866 e 1869.

Outros nomes importantes são Luciano Gallet e Alexandre Levy, de escola


europeia, mas que de maneiras diferentes buscaram incorporar elementos
tipicamente nacionais em sua produção. O caminho estava aberto, e um sabor
definitivamente brasileiro pode ser encontrado na obra de Francisco Braga e
especialmente na obra de Alberto Nepomuceno. Este empregou largamente
ritmos e melodias do folclore em uma síntese inovadora e efetiva com as
estruturas formais de matriz europeia. A atuação de Nepomuceno também foi
importante por ter ele sido presidente da primeira associação brasileira
dedicada a concertos sinfônicos públicos. 

Francisco Braga é o compositor do Hino à bandeira, com letra de Olavo Bilac:

Compositor, organista, pianista e regente cearense, Alberto Nepomuceno


(1864-1920) é considerado o pai da canção de câmara brasileira e do
nacionalismo na música erudita brasileira. Aprendeu música com o pai, o
maestro Vítor Augusto Nepomuceno, em Recife, PE, onde se tornou diretor
musical do Clube Carlos Gomes (1882). Após a morte do pai, mudou-se para o
Rio de Janeiro, em 1884. Completou seus estudos na Europa (1888) na
Academia de Santa Cecília, em Roma, onde estudou com Eugenio Terziani. 

Teve aulas também com Theodor Lechetitzky, em cuja sala de aula conheceu a
pianista norueguesa Walborg Bang, com quem se casou em1893. Aluna de
Edvard Grieg, o mais importante compositor norueguês da época e
representante máximo do nacionalismo romântico. Após o casamento,
Nepomuceno e Walborg vão morar na casa de Grieg em Bergen. Esta amizade
foi fundamental para que Nepomuceno elaborasse um ideal nacionalista e,
sobretudo, se definisse por uma obra atenta à riqueza cultural brasileira.

Posteriormente, com bolsa de estudo do Governo Brasileiro, transferiu-se para


Berlim, onde estudou no Conservatório Stern. Também estudou órgão em Paris
e voltando ao Brasil (1895), iniciou suas atividades pedagógicas no Instituto
Nacional de Música do Rio de Janeiro. Em 1895, Nepomuceno realizou um
concerto histórico, marcando o início de uma campanha que lhe rendeu muitas
críticas e censuras. Foi apresentada pela primeira vez, no Instituto Nacional de
Música, uma série de canções em português, de sua autoria, deflagrando
assim a guerra pela nacionalização da música erudita brasileira. O concerto
atingia diretamente aqueles que afirmavam que a língua portuguesa era
inadequada para o bel canto. A polêmica tomou conta da imprensa e
Nepomuceno travou uma verdadeira batalha contra o crítico Oscar
Guanabarino, defensor ardoroso do canto em italiano, afirmando: "Não tem
pátria um povo que não canta em sua língua". 

O Garatuja, comédia lírica em três atos, baseada na obra homônima de José


de Alencar, é considerada a primeira ópera verdadeiramente brasileira no
tocante à música, ambientação e utilização da língua portuguesa, com ritmos
populares como o maxixe e a habanera. 

No princípio do século XX, a realização do concerto de violão do compositor


popular Catulo da Paixão Cearense, no Instituto Nacional de Música,
promovido por Nepomuceno, causou grande revolta nos críticos mais
ortodoxos. Ainda como incentivador dos talentos nacionais, atuou para editar
as obras de um controvertido compositor que surgia na época: Heitor Villa-
Lobos.

História da Música Brasileira: Primeiros Séculos

Aula 28: Alberto Nepomuceno no Rio de Janeiro

 Para esta aula, utilizaremos como material básico o artigo da professora


doutora Mônica Vermes intitulado: Alberto Nepomuceno e o Exercício Profissional
da Música. Neste artigo a professora e pesquisadora busca mostrar como
Nepomuceno exerceu sua atividade musical no Rio de Janeiro no final do
século XX, mas ao mesmo tempo a pesquisadora vai além, apresentando um
resumo claro da realidade profissional da música na capital carioca no final do
século XIX e início do século XX. O artigo da professora estará disponível para
a leitura completa, que é requisitada para esta aula.

 Neste texto introdutório iremos dar um guia de leitura buscando direcionar o


estudo dos alunos, o artigo publicado pela professora, que está disponível
online e na plataforma do curso, é de leitura obrigatória.

 Na breve introdução de seu artigo, VERMES, após uma resumida biografia de
Nepomuceno e apontando a pluralidade de atividades que o mesmo exercia e
a aparente queda de produtividade do compositor durante seus anos no Rio de
Janeiro, aponta uma série de questões pertinentes sobre quais eram as
possibilidades de sustento de um músico na capital carioca na virada dos
séculos XIX e XX. Após a introdução, a pesquisadora passa a listar os espaços
musicais da cidade e o repertório comum em cada um deles. No final a
professora mostra como Nepomuceno se relacionou com esta realidade.
 

1. Teatros e Repertórios: 

1.1.Teatro Eden-Lavradio: Subgêneros operísticos mais ligeiros, como óperas


cômicas, óperas cômico-fantásticas, e revistas.

 1.2.Teatro Apolo: óperas cômicas, operetas, revistas e comédias e seria o


“preferido das companhias portuguesas de revistas e operetas”.

 1.3.Teatro São Pedro de Alcântara: Incluía espetáculos de clowns, musicais e


óperas, recebeu também concertos sinfônicos.

 1.4.Teatro Fênix Dramática: Reinaugurado em 1910 ou 1916 para funcionar


como cinema e music hall. Esse teatro foi dirigido desde 1869 por Henrique
Alves de Mesquita, que lá apresentaria suas “operetas sincopadas”.

 1.5.Teatro Lírico (antes Teatro Imperial D. Pedro II): Programação variada,


recebia zarzuelas, operetas e peças teatrais.

 1.6.Concerto Avenida do Pavilhão Internacional: Programação variada, que


incluía canto, dança, acrobacias e lutas de boxe.

1.7.Teatro Sant’Anna: Programação compreendia operetas, revistas e peças


teatrais.

 1.8.  Teatro Lucinda: Comédias, revistas e peças teatrais.

 1.9.  Teatro Municipal do Rio de Janeiro: Ópera.

 2. Repertório e Gêneros Musicais:

2.1.Gêneros Musicais mais ligeiros e populares: revistas, operetas, burletas


(distanciando da produção mais erudita, artística, calcada na música
instrumental europeia principalmente de tradição germânica).

 Segundo a autora, a polarização entre a música erudita e a de caráter popular,


traria consequências importantes ao modo de viver dos músicos, uma vez que
os concertos eruditos atraíam um público menor, não garantindo a subsistência
dos profissionais da música.

 
 3.  Orquestras e Sociedades de Concerto

 As sociedades de concerto que surgiram no século XIX, como a Sociedade


Filarmônica (posteriormente Sociedade Musical Campesina), Clube Mozart,
Clube Beethoven e a Sociedade de Concertos Clássicos, realizavam concertos
de música erudita, mas somente para seus associados. A Sociedade de
Concertos Populares, fundada por Carlos de Mesquita em 1887, é a primeira a
fornecer concertos públicos no Rio de Janeiro. Posteriormente outras
sociedades com concertos públicos foram criadas, como: Associação de
Concertos Populares (1896-1897), dirigida por Alberto Nepomuceno; o Centro
Artístico (fundado em 1893); o Clube Sinfônico de Amadores, e Sociedade de
Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro (1912-1932).

A autora do artigo mostra, por depoimentos, que estas sociedades e orquestras


não possuíam uma programação contínua e não tinham possibilidade de
contratar os músicos com regime de exclusividade, gerando um ressentimento
da classe musical, que aparentemente era percebido na qualidade dos grupos,
já que os músicos tinham a necessidade de dividir seu tempo com as
orquestras populares, para garantir seu sustento.

 4.  Músicos:

A multiplicidade de atividades exercidas por músicos, a fim de garantirem seus


sustentos é apontada pela autora do artigo, mostrando como era comum estes
casos, o mesmo também pode ser visto nas aulas anteriores deste curso, onde
estudamos diversos compositores que dividiam seu tempo com outras
atividades profissionais, musicais, de outras áreas artísticas e mesmo de áreas
externas à vida musical ou cultural.

A autora mostra também que muitos músicos eruditos eram criticados quando
se envolviam profissionalmente com gêneros musicais/artísticos populares, o
que levou alguns deles a adotarem pseudônimos com o objetivo de evitarem
prejudicar suas carreiras, o próprio Nepomuceno escreveria uma Opereta com
o pseudônimo de João Valdez.

 5.  Instituições de Ensino

 
 A principal escola de música era sem dúvidas o Instituto Nacional de Música,
que era uma instituição central para o exercício profissional da música, tanto
quanto um espaço para a construção de um projeto musical. Para um
músico/compositor, conseguir uma nomeação para o Instituto significava uma
tranquilidade para poder exercer suas atividades como compositor, como foi o
caso de Francisco Braga e Luciano Gallet.

 6. Alberto Nepomuceno no Rio de Janeiro

   

 Mudou-se para a capital em 1885 

 integrou-se à vida musical da cidade, participando das atividades de


relevantes instituições. 

 Ministrou aulas de piano do Club Beethoven. 

 Em 1887 organizou um concerto com obras próprias. 

 Após tentar, em vão, apoio oficial para uma nova viagem de estudos
para a Europa, passa a depender do auxílio de amigos, como a família
Bernardelli. 

 Em 1888 Nepomuceno empreendeu sua viagem de estudos à Europa,


com recursos próprios conseguidos com seus recitais. Permaneceu na
Europa até 1895, após conseguir uma bolsa por ter sido terceiro
colocado no concurso para a escolha do Hino da República. 

 1895, retorna à capital carioca e é nomeado como professor de Órgão


do Instituto Nacional (também foi professor de composição no mesmo
Instituto, além de dar aulas particulares de piano e aulas de música em
escolas privadas). 

 Foi diretor do Instituto Nacional pela primeira vez entre julho de 1902 e
maio de 1903 e pela segunda vez entre outubro de 1906 a outubro de
1916.
 1895 até 1906: Período produtivo como compositor. 
 Como diretor do Instituto Nacional, continua o trabalho de Leopoldo
Miguez no sentido de criar um ambiente musical profissional no Rio de
Janeiro. Possibilitando a criação de corpos estáveis temporadas
regulares com o objetivo de consolidar a atividade musical erudita na
capital carioca. 

 Faleceu em 1920, no Rio de Janeiro

 Bibliografia básica:

VERMES, Mônica. Alberto Nepomuceno e o Exercício Profissional da Música. In:


Música em Perspectiva, V. 3, N. 1. Curitiba: Universidade Federal do Paraná,
2010. p. 7-32 Disponível
em: http://revistas.ufpr.br/musica/article/view/20978/28619

Na segunda metade do século XIX a elite brasileira adquire o gosto pelas Danças
de Salão Europeias. Estas danças e gêneros musicais logo fariam parte dos
principais eventos sociais e bailes das classes mais altas durante o reinado de D.
Pedro II e mobilizariam grande parte dos músicos e compositores, que mesmo
tendo sua prática voltada para a ópera e música religiosa, também participariam
desta nova forma de diversão dos centros urbanos brasileiros.

O primeiro álbum de Danças de Salão impresso no Brasil, o “Álbum Pitoresco


Musical”, de 1856, já pode ser considerado como importante na representação
deste momento, por conter sete peças musicais que já incluíam as seis principais
danças de salão encontradas no repertório, sendo 2 Quadrilhas, uma Polca, uma
Valsa, uma Redowa, um Schottisch e uma Polca-Mazurka. Cada dança recebe o
nome de uma região do Rio de Janeiro e além da parte musical, o álbum também
inclui uma gravura das respectivas regiões como capa para cada uma das danças.

Na segunda metade do século XIX estas danças seriam aos poucos apropriadas
pelas camadas mais populares dos centros urbanos, e recebendo a influência dos
gêneros musicais de origem negra, como o batuque e lundu, logo tornariam base
para danças como o Maxixe e posteriormente o Samba.

Abaixo iremos fazer uma breve descrição das danças representadas no “Álbum
Piroresco Musical”, a partir de dicionários musicais do próprio século XIX.

1. Quadrilha:

Formada por cinco números de dança, que segundo Ernesto Vieira, eram
repetidos diversas vezes. O mesmo autor também escreve que cada número era
escrito em compasso binário, Allegretto e cada número é formado por 2 ou 3
períodos. As duas Quadrilhas do “Álbum Pitoresco” correspondem à descrição de
Ernesto Vieira, cada uma composta por 5 números em compasso binário, variando
entre 2/4 e 6/8.

Fig. 01 e 02 – Demétrio Rivero. Quadrilha (em “Álbum Pitoresco Musical”).


Fig. 03 e 04 – J. A. Campos. Quadrilha (em “Álbum Pitoresco Musical”).

2. Polca:

Ernesto Vieira descreve a Polca como sendo originária da Bohemia, em compasso


2/4 e Allegretto, com caráter alegre, mas gracioso.  Segundo o autor, a partir de
1840, se torna comum na Europa. Mario de Andrade acrescenta que a primeira
Polca dançada no Rio de Janeiro foi no Carnaval de 1846, pela atriz Clara del
Mastro.
 

Fig. 05 e 06 – Eduardo M. Ribas. Polca (em “Álbum Pitoresco Musical”).

3.Valsa:

Segundo Ernesto Vieira, a Valsa Moderna, diferente das Valsas alemãs do século
XVIII, é “em andamento muito vivo” e “se dança freneticamente nos salões”, “com
os três tempos do compasso sempre acentuados por um acompanhamento tão
uniforme que se torna monótono”.

Rafael Coelho Machado, em seu Dicionário Musical, descreve em parte sua


coreografia: “dança que duas pessoas executam volteando sobre si, ao mesmo
tempo que descrevem um grande círculo no lugar onde dançam”.
Fig. 07 e 08 – Salvador Fábregas. Valsa (em “Álbum Pitoresco Musical”).

4. Redowa:

É descrita como Ernesto Vieira como uma dança ternária, em compasso 3/4, com
“estilo gracioso, movimento moderado como o da Mazurka com a qual tem
semelhança. Começou a aparecer nos teatros em 1848, sendo dançada pela
primeira vez em Lisboa no teatro S. Carlos em 1850. Não chegou porém a ser
moda nas salas como a Valsa e a Polca.”
Fig. 09 e 10 – Geraldo A. Horta. Redowa (em “Álbum Pitoresco Musical”).

5. Schottisch:

Ernesto Vieira descreve como: “Dança de sala, contemporânea da Mazurka e da


Polca.... Assemelha-se à Polca, com a diferença de ter um andamento mais
vagaroso. 
6.Mazurka:

Não somente a Mazurka, mas o termo Polca-Mazurka que aparece no “Album


Pitoresco” é descrito da seguinte maneira por Ernesto Vieira em seu Dicionário
Musical:

“Dança nacional da Polônia, em compasso ternário, movimento moderado e


caráter gracioso.”

“Uma imitação simplificada desta dança foi, há cerca de cinquenta anos [final da
primeira metade do século XIX], admitida nos salões de Paris com o título de
Polka-Mazurka ou simplesmente Mazurka, vulgarizando-se depois em todos os
países onde as modas parisienses são adotadas.”
Fig. 13 e 14 – J. J. Goyanno. Mazurka (em “Álbum Pitoresco Musical”).

Bibliografia:

MACHADO, Raphael Coelho. Dicionário Musical. Rio de Janeiro, B. L. Garnier,


Livreiro Editor, 1909.

VIEIRA, Ernesto. Dicionário Musical. 2.ª Edicção, Lisboa, Typ. Lallemant, 1899.


O pesquisador Carlos Sandroni, em seu livro “Feitiço Decente”, demonstra, a partir
de pesquisas, partituras e registros fonográficos, as bases da formação do gênero
Maxixe, desde a influência das Danças de Salão europeias à síncopa dos negros,
presente no nosso Lundu.

                O Maxixe surgiu como uma dança popular, na segunda metade do


século XIX, no Rio de Janeiro. Desde o início foi considerado como vulgar, e sua
criação é atribuída aos habitantes do bairro carioca “Cidade Nova” (que surgiu por
volta de 1860). Em 1872 o “Cidade Nova” já era o bairro mais populoso da cidade
e conhecido pelos divertimentos de “má fama”. Na citação abaixo, o termo
“Samba” é utilizado como sinônimo de festa, e ainda não o gênero musical.

“Bailes característicos da Cidade Nova, os assustados ou sambas[1], eram, então,


propriedade de um grupo sacudido, desempenado, que guardou no modesto
anonimato a glória dessa invenção... Era por esses grupos rebarbativos que o
maxixe aparecia a princípio, figura obrigada nos folguedos de antanho... E vós
todos, homens sisudos de agora, que transitastes pela via juvenil dos folguedos
cariocas, ao ouvirdes hoje um desses musicares trepidantes, sentireis nas pernas
o formigueiro saudoso dos bons tempos em que, pela calada da noite, íeis folgar
disfarçadamente nos sambas da Cidade Nova.” (Jota Efegê apud SANDRONI:
2001, p. 62)
Fig. 01 e 02. Johann Moritz Rugendas – Gravuras com dança Lundu.

Fig. 03 a 05 – Passos do Maxixe (Periódico Século XX, Maio, 1906). Do


site: http://www.pensario.uff.br/audio/1883-foi-grafada-imprensa-palavra-maxixe

Foi pelos clubes carnavalescos que o Maxixe passa a ascender do Bairro Cidade
Nova às classes altas, como uma nova maneira de “Dançar o Lundu”. A nova
maneira de dançar é uma das mais importantes mudanças do maxixe, e também o
que causou uma parte do “horror que o Maxixe inspirou” (SANDRONI: 2001, p.
66). O Lundu era uma dança de origem negra, como já vimos, com os pares
separados, enquanto no Maxixe os pares dançavam entrelaçados. Esta maneira
de dançar veio por influência das danças de salão europeias, como a polca e a
valsa, mas no Maxixe elas foram imitadas com liberdade, incorporando elementos
coreográficos do Lundu. Assim, o Maxixe foi um gênero de dança de salão popular
carioca que surgiu a partir da apropriação “indevida” de danças ocidentais que
eram consideradas como signos de distinção das elites (SANDRONI: 2001, p. 66).
Desde o início era comum ver o gênero Maxixe receber diversos nomes, como:
polca-brasileira, polca-lundu e mesmo de tango-brasileiro (caso de muitos dos
tangos-brasileiros de Ernesto Nazareth), associando a demais danças de salão.

                Além da influência das Danças de Salão europeias e do Lundu,


musicalmente (assim como o Tango Rio-Platense) o Maxixe foi possivelmente
formado também pela Habanera (originalmente de Cuba). Entendam que esta
influência não foi direta (Cuba-Brasil), mas indireta, pelo caminho Cuba-Europa-
Brasil. O padrão rítmico básico da Habanera consiste em uma colcheia pontuada,
uma semicolcheia e duas colcheias, onde a acentuação está na primeira e última
colcheias e na semicolcheia. Se considerarmos somente os acentos, o ritmo se
torna o qual musicólogos cubanos identificaram como “tresillo”, que foi
fundamental na música da pequena ilha caribenha.

Fig. 06 – Rítmo de Habanera

Fig. 07 – Tresillo

Georges Bizet – Ópera Carmen, Habanera:

Os ritmos acima exemplificados, somados à síncopa característica do Lundu,


formam o ritmo de acompanhamento comum ao Maxixe:

Fig. 08 – Síncopa característica do Lundu


Fig. 09 – Ritmo de Maxixe

 
Fig. 10 e 11 – LEITE, Virgínio A. Pereira. Vesgo não namora (Polca).
Fig. 12 e 13 – NAZARETH, Ernesto. Dengoso (Maxixe)

Ernesto Nazareth – Dengoso (Victor Military Band):

Temática: As origens sociais do choro no Brasil

Antes do advento do choro no Brasil, em meados do século XIX, diversos


grupos urbanos, como os barbeiros e as bandas militares ou municipais,
tiveram por função o fornecimento de música instrumental para festas públicas.
A partir da década de 1870, no Rio de Janeiro, entra em cena uma série de
tocadores advindos da baixa classe média, contemporâneos  ao surto de
desenvolvimento proporcionado pela riqueza do café no Vale do Paraíba.
Neste contexto, vemos também os primeiros ensaios de industrialização e
multiplicação de manufaturas do Império. Com a intensa exportação do café, 
Dom Pedro II pôde iniciar uma série de melhorias urbanas na capital. A
multiplicação de obras e negócios, ao implicar na divisão do trabalho, iria
alterar a simplicidade do quadro social herdado da colônia. Aparecem os
operários e os pequenos funcionários de servições públicos e empresas
particulares das áreas de transporte, gás e iluminação.

É neste contexto que torna-se necessário a criação de formas próprias de


participação social. A camada mais ampla de pequenos burocratas passava a
cultivar a diversão familiar das reuniões e bailes nas salas de visita, ao som da
música mais comodamente posta a seu alcance: a dos tocadores de valsas,
polcas, schottisches e mazurcas à base de flauta, violão e cavaquinho. Como
eram bailes mais modestos, que a sociedade ‘elegante’ olhava com certo
desdém, receberiam o nome depreciativo de forrobodó, maxixe ou xinfrim. 
Surge esta prática musical de uma classe média minimamente diversificada.

O choro começa não como um gênero musical, mas como uma forma de tocar
e de participar.  A época de esplendor dos conjuntos de música de choro
vindos do século XIX se estendeu até ao período em que a atração das
revistas de teatro, em primeiro lugar, e o disco e o rádio, depois, vieram já no
século XX oferecer à gente da moderna classe média das cidades novas e
mais variadas formas de diversão. No plano estético, pode-se identificar um
processo de adaptação da polca europeia, mais marcial e metricamente
comportada, para uma polca mais relaxada e sincopada. Importante ver que
esta síncopa não é simplesmente uma excessão no modelo europeu, mas uma
adaptação das heranças africanas de ciclos rítmicos de tamanhos diferentes,
gerados pela sobreposição de tempos ímpares e pares. É na confluência de
elementos de culturas diferentes que o choro, como modo de tocar, foi
desenvolvido, tendo por modelo principal a música europeia.
 

REFERÊNCIAS
MORAES, José Geraldo Vince de. (org). História e Música no Brasil. São
Paulo: Alameda, 2010.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São


Paulo: Ed. 34, 1998.

Temática: Música como mediação cultural entre classes sociais ao final


do século XIX

Com a urbanização e a diversificação do trabalho na segunda metade do


século XIX, novas atividades sociais e culturais emergem e se cruzam.  Se o
período dos Impérios tinha como dependência econômica básica o capital
inglês e como fonte cultural principal as modas francesas (representadas, na
música popular, pela valsa,  a polca, a mazurca, a quadrilha etc), na nova
República, a partir de 1889, inicia-se uma certa dependência do capital
americano, também com a importação cultural de suas produções,
especialmente no início do século XX (na música popular, o ragtime, o one-step,
o cake-walk, o two-step, o blackbottom etc). 

Neste período de mudanças contínuas, várias tradições passam a se cruzar,


onde a divisão convencional entre o popular e o erudito perde seu sentido, mas
ganha outro.

O notório antropólogo Gilberto Freyre, um pouco mais tarde, verá na música


deste período um elemento de unificação das classes. Mas podemos dizer com
mais precisão que a música serviu de mediação entre elas, pois a noção de
mediação traz a ideia de trânsito, de troca entre realidades contrastantes e não
a sua pacificação e a sua harmonização. A polca, por exemplo, será um gênero
europeu que se cruzará com elementos africanos e se tornará um forte agente
desta mediação, sendo tocada em todo tipo de lugar, numa época em que o
arrivismo (as modas de fora) pretende, cada vez mais, ser usado como
distinção social. É neste período que podemos ver o compositor popular que
vira clássico e o compositor clássico que vira popular nas figuras, por exemplo,
de Ernesto Nazareth e Henrique Alves de Mesquita, respectivamente. Este
trânsito entre o popular e o erudito é comum neste período.

Por outro lado, a vida noturna da cidade passa a requerer uma vivência musical
mais diversificada.  O rápido crescimento dos grandes centros europeus desde
1830, como Londres e Paris, havia levado à criação espontânea de locais
públicos de diversão para a massa urbana. Em tavernas de Londres ou cafés
de Paris, um comércio de músicos e cantores começa a surgir.  Destas
atividades surgem os chamados cafés-concerto, cafés-catantes, e se unem a
casas de chope, circos e teatros de revista.  No Brasil, o café-cantante e a
cançoneta surgiram em 1859, com o Alcazar Lyrique. Há relatos de grandes
escritores como Machado de Assis e Joaquim Manoel de Macedo a respeito.   

Os artistas-cantores populares, especialistas em cançonetas adaptadas à


realidade brasileira, duraram até o período da Primeira Guerra Mundial. A
produção refletia um meio caminho entre a cultura popular das classes mais
baixas e aquela importada do exterior. Esta intimidade mínima entre
componentes das classes baixas e certos estratos da classe média emergente
iria explicar dois fatos: primeiro, o de que as primeiras músicas populares
brasileiras saíram dos teatros vestidas por maestros portugueses, segundo,
que o primeiro gênero criado especialmente para a massa urbana - o das
marchinhas de Carnaval - foi resultado do abrasileiramento de marchas
portuguesas divulgadas em companhias de teatro de revista de Lisboa. 

Ouça uma canção dos compositores Pádua Machado e Domingos Correia,


provinda desta tradição urbana. Este último, também chamado de Boneco,
trabalhou numa casa de chope e se suicidou em 1912.

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