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O Rap e seu relacionamento com a Indústria Fonográfica :

Às quatro horas da manhã de uma sexta-feira, um acidente de trânsito deixou o


bairro mais boêmio de Salvador (BA), o Rio Vermelho, sem energia, e 400 fãs
de rap, que lotavam uma badalada casa de eventos, completamente no breu.
Ao ser bruscamente interrompido pelo apagão, após duas horas de
apresentação, o rapper Emicida foi iluminado, no palco, por celulares e
câmeras fotográficas. Sem microfones, nem caixas de som, contando apenas
com uma voz potente, o MC continuou cantando. A partir daí, foi o público que
deu o show e, em coro a capella, recitou todos os versos da música Triunfo,
puxada pelo ídolo. No final, Emicida chorou.

Três anos antes, Elimar Pereira Santos, conhecido como Nouve, na época com
18 anos, morador das Cajazeiras 10, bairro a 25 quilômetros do centro da
cidade, enviava um e-mail para o já famoso Emicida. Nouve dizia ter interesse
de revender, em Salvador, as camisas, discos e produtos comercializados pelo
rapper em São Paulo. O precoce empreendedor já possuía experiência no
ramo.

“Naquela época, era muito difícil conseguir os CDs de rap, mas eu já vendia os
de Kamau e Projota”, diz Nouve. No começo, ele negociava nas portas dos
shows, mas, com o tempo, foi ficando conhecido e recebendo encomendas por
telefone. “Para minha surpresa, Emicida respondeu ao meu e-mail e me tornei
representante da marca”.

Emicida criou um laço comercial, mas também de amizade com a turma do rap
baiano. “O pessoal de Salvador deveria fazer que nem o Nouve, mandar e-mail
mesmo e correr atrás”, aconselha o ídolo para um grupo de admiradores, no
saguão do hotel em que estava hospedado, na capital baiana. Nas duas vezes
em que esteve em Salvador, em 2009 e 2011, foram os amigos soteropolitanos
que abriram seus shows.

A carreira aparentemente meteórica de Emicida é um exemplo de superação.


Tanto que virou um documentário, patrocinado pela maior fabricante de
processadores de computador do planeta. Nascido e criado na periferia da
megalópole paulista, levou dez anos no anonimato disputando batalhas de
rimas, conhecidas como “freestyle”, na estação da Santa Cruz, em São Paulo.

Ao contrário de outros artistas que seguem o percurso natural da indústria


fonográfica - gravação em estúdios profissionais, prensagem em fábricas de
CDs, produção de shows com empresas de eventos, impressão em gráficas,
vendas nas lojas do ramo, publicidade na grande mídia, negociação dos
direitos autorais nos escritórios de advocacia - Emicida fez tudo por conta
própria, contando apenas com a ajuda de parentes e amigos. “Eu valorizo
muito o trabalho e a amizade de todos que participam da nossa caminhada,
mas sei que ainda temos muito trampo pra elevar o rap no Brasil”.
“Meus ídolos do rap são o Emicida e o Sabotage”. Essa afirmação foi proferida
por Willian Reis, paulista de 38 anos, há dois radicado na Bahia. Willian foi
amigo de Sabotage, um dos precursores do rap nacional, e ícone de toda uma
geração. Sabotage foi assassinado em 2003, por envolvimento com o tráfico.
“As bocas (de fumo) davam dinheiro; o rap, não”, explica Willian.

Desde então, criou-se um paradoxo no mundo do hip hop, pois o movimento


que pregava uma vida melhor para os favelados, não garantia nem o ganha-
pão de seus integrantes. Emicida deu um basta. Um dos seus parceiros de
rimas, o baiano MC DaGanja, explica que as letras das músicas de Emicida
continuam carregadas de conteúdo de cunho social, “porém não é pesado,
como alguns grupos que fazem gangsta rap”. É o que as torna mais aceitáveis.

No entanto, Emicida adverte: “As iniciativas mais bem sucedidas são as que
começaram com uma causa. Fazemos rap porque gostamos. Não adianta só
correr atrás do dinheiro, pois podem se frustrar, depois de anos sem alcançar
esse fim. A única coisa que podemos contar é com o amor das pessoas pela
música”.
Seguindo a influência do famoso amigo paulistano, o franzino e calmo Nouve
foi à luta. No colégio, escrevia versos com os colegas e participava de
concursos de arte, canções e poesias. Depois, gravou alguns raps e mais tarde
um CD. “Hoje, Nouve vende os discos dele até na praia”, diz Rangell Santana,
do grupo Versu2.

Rangell Santana é músico e designer. Há 15 anos atuando no cenário hip hop


de Salvador, ficou conhecido como MC Rangell Blequimobiu. Ele explica que o
hip hop é constituído por vários elementos – o rap (a música falada com rimas);
o grafite (a expressão gráfica pintada nas ruas); o break (a dança de rua); o
DJing (a escolha das músicas nas festas); o beatmaker (a produção das
batidas do rap); o estilo (moda e gírias), e os designers (geralmente grafiteiros
que criam sites e peças gráficas), além de artistas visuais de cinema, que
produzem os videoclipes de rap.

Com tantos elementos, Rangell montou uma produtora, chamada Positivoz.


Juntou pessoas de diversas áreas com o interesse comum em difundir a arte.
No começo, investiram na carreira de amigos, como o MC DaGanja, focando
depois no grupo Versu2, formado por ele, Coscarque e DJ Gug. “No show,
quem aparece no palco somos nós três, mas tudo só acontece graças ao
coletivo que trabalha nos bastidores organizando desde a produção dos CDs,
até a venda dos ingressos”, diz Rangell.
O Rap na Bahia:

O rap não é novidade na Bahia. MC DaGanja lembra do Coletivo Gamboa de


Baixo, que já existia em 1993. Os pioneiros, como Lázaro Êre, Rangel
Blequimobiu, Quilombo Vivo e Império Negro ultrapassaram barreiras que
pareciam intransponíveis. “O DJ Bandido, do Quilombo Vivo, tocou até no
exterior”, ressalta. DJ Branco, outro desbravador, tem um programa de rádio
sobre hip hop na Educadora FM. Mas são os mais jovens, de vários locais da
cidade, inclusive de bairros mais abastados, como Rio Vermelho e Imbuí, que
enchem os encontros de MCs. “Todo dia aparece um garoto produzindo rap”,
diz Rangell. Eles aproveitam a casa cheia, nos shows das estrelas como o
Emicida, para vender e divulgar os próprios trabalhos, gravados em casa ou
em estúdios de garagem. “Usamos muito as redes sociais para anunciar os
eventos, às vezes a mídia tradicional, mas o forte da propaganda é a rua
mesmo, com panfletagem e de boca em boca”, diz Rangell.

O doutor em antropologia e professor de comunicação da Universidade Federal


da Bahia (UFBA), Renato Silveira, pesquisador de mídia e cultura, considera o
movimento hip hop da Bahia importante e mobilizador, e acredita que a
tendência é de crescimento. Ele compara com outro fenômeno que explodiu a
partir dos bairros populares, o pagode, hoje um negócio lucrativo com
produções modernas e gestão empresarial.

A nova geração do hip hop baiano já vem preparada com os acessórios


necessários para deslanchar. Por toda a cidade pululam grupos de MCs nas
batalhas de rimas; de B-boys, concorrendo pelos melhores passes de street
dance; de Beatmakers, produzindo a batida perfeita, e de grafiteiros buscando
mais espaço para as intervenções. Eles estão espalhados pelos bairros mais
distantes do centro como Cajazeiras, Fazenda Grande e Águas Claras, mas
sem preconceito com os que moram nas regiões de classe média como Imbuí,
Pituaçu e Itapuã. O movimento também se estende às cidades circunvizinhas,
com uma cena forte em Portão e em Lauro de Freitas.

Daqui em diante, resta aguardar para saber o que acontecerá com o hip hop na
terra do candomblé. “Já estou articulando a minha produtora”, diz o jovem e já
veterano rapper Nouve. Ele e os parceiros das “quebradas” trocam várias
experiências de beats. Nesse meio, se destacou um dos garotos mais
talentosos. Com 17 anos, Felipe Gurih sequer toca um instrumento, mas no
seu computador pessoal, com alguns anos de uso, cria uma verdadeira
orquestra virtual.

Usando um software específico, o Fruitloops, Gurih, sozinho, produziu um rap.


Ele compôs a letra, “sampleou” a batida, mixou, gravou a voz, “masterizou” e,
de quebra, filmou um videoclipe para postar no Youtube, tudo isso aos 15 anos
de idade. Hoje, com dezenas de milhares de cliques no site de
compartilhamento de vídeo, Gurih produz outros MCs e se prepara para gravar
o próprio CD.
Rap em relação à Pirataria e Internet:

O que eles querem é arrebatar público para os shows. A barraquinha de


camelô acaba prestando um serviço de divulgação, oferecendo o material
desses artistas a um público mais abrangente. Perder parte da arrecadação
das vendas de CDs, nestes casos, pode ser um bom negócio: funciona como
instrumento cultural ao permitir acesso e projeção. E alguns artistas não têm
medo de dizer: querem mais é ser pirateados.

O rapper Emicida ainda vai além. Gosta mesmo é de ser reconhecido por
esses vendedores ilegais. Na visão dele, a pirataria é uma espécie de MST
(Movimento Sem Terra) da reforma agrária musical que ele deseja fazer.

“A pirataria é nossa foice, a ferramenta pra lutar contra a forma incorreta da


distribuição musical no país. Nossas músicas chegam até as pessoas através
desse mercado negro, seja ele físico ou virtual. No meu caso, foi fundamental.”

Emicida começou a ganhar fama graças aos vídeos caseiros que eram feitos
durante as batalhas de rap de que ele participava - e vencia. “Na época em que
vivemos, não tem sentido sair por ai cantando piolho de quem coloca meus
vídeos e discos na internet ou vende em barraquinha. Quero mais é ser
pirateado mesmo.”

Seu primeiro CD foi feito na unha. Para divulgar o trabalho, Emicida criou a
Laboratório Fantasma. Dentro de casa, e com a ajuda do assessor, Evandro
Fióti, eles gravavam, copiavam, embalavam e vendiam os discos nos shows. O
que inicialmente era apenas uma gravadora de fundo de quintal, hoje caminha
para virar um selo de rap.

"Comecei pirateando a mim mesmo. É a maneira que encontrei de fazer a


coisa da forma que julgo correta. Vendo minha discografia nos shows por cinco
reais. Com o salário mínimo que temos, cobrar 15 reais eu já acho que é dar
bica na cabeça das pessoas."

Outro expoente do rap, Criolo, também parece dar de ombros à venda - legal
ou ilegal - de discos. Para garantir que seus fãs lotarão as casas de shows não
apenas para cantar a já conhecida “Cálice”, releitura da música de Chico
Buarque, ele colocou o álbum completo em seu site pessoal para ser baixado
de graça. “Acredito que disponibilizar o disco pra download ajuda a diminuir a
distância entre o público e a música que faço”, diz.

Muitos artisas como os músicos da banda Cachorro Grande, Gaby Amarantos


e Mr.Catra, todos de diferentes gêneros musicais aprovam ou concordam com
o fim do Apartheid musical através da pirataria ou da disseminação através da
internet.
Referências :

http://adrianosribeiro.blogspot.com.br/2011/12/o-rap-em-salvador.html

http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/01/quero-ser-pirateado-dizem-
artistas-como-emicida-e-gaby-amarantos.html

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