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O QUE É UM AFOXÉ: "ENUNCIAÇÃO QUE FAZ ACONTECER"

AFOSÈ é uma palavra de origem Yorùbá. A terra yorubana vai do paralelo 5,86 ao
9,22 norte e do meridiano2,65 a 5,72 norte. A fronteira sul do reino Yorùbá é o
Reino Benin, que se estende desde a fronteira leste da República do Benin (antigo
Daomé) até a fronteira oeste do Reino de Benin. A leste também faz fronteira com
o Reino de Benin. A maior parte da população iorubá concentra-se na Nigéria. A
língua Yorùbá pertence à subfamília Kwa, da família Niger-Congo, de acordo com a
classificação estabelecida por J. Greenberg. A civilização Yorùbá data de mais de
seis mil anos. Na obra "A Thousand Years of West African History" (1965: p.186),
J.F.ª Ajàyi declara o seguinte: " Os ingleses receberam sua civilização de Roma, os
romanos da Grécia, a Grécia da Pérsia, a Pérsia da Caldéia, a Caldéia da Babilônia, A
Babilônia e os Hebreus do Egito e os egípcios de ILÉ-IFE, ILÈ-IFE é a capital
física, filosófica e espiritual do povo yorubá".
           
BRASIL: O CANDOMBLÉ E A ORIGEM DO SAMBA

Entre 1770 e 1850, milhões de negros yorubanos foram transportados para o Brasil
na condição de escravos. Suas apreensões em território africano foram facilitadas
pelas guerras internas e pela grande Jihad (guerra santa promovida pelos Hausa,
liderados por Dan Fodio). Esses negros influenciaram decisivamente na formação
cultural do Brasil usando os Ile Orisà ( comunidades religiosas) como foco de
resistência. Essa atuação foi decisiva inclusive na criação das Escolas de Samba. Do
Candomblé de Tia Ciata saíram os primeiros Ranchos. Já em 1872 desfilava o
Rancho Dois de Ouro e também naquele ano foi fundado o Rancho "O Rei de Ouro",
por Hilário, um descendente yorubano. Esse rancho já desfilou com porta-bandeira,
porta-machado e batedores. Também no Candomblé de Tia Ciata foi composto
aquele que é considerado o primeiro samba gravado no Brasil ("Pelo Telefone"), pelo
sambista Donga.

AFOXÉ, A DIALÉTICA DE DOIS UNIVERSOS: O SAGRADO E O PROFANO


 
Diante do europocentrismo que impera na cultura dominante no Brasil, é
necessário fazer este pequeno resumo histórico antes de apresentar o
Afoxé. Afosè, literalmente significa: a enunciação que faz (alguma coisa)
acontecer. Ou, em uma tradução mais poética, "a fala que faz", encantamento,
palavra eficaz, operante, fala mágica. Assim temos: A= prefixo nominal FO = verbo
(pronunciar, dizer) SÈ = relizar-se, verificar-se O estranho é que essa palavra no
Brasil tenha virado sinônimo de clubes e agremiações afro-carnavalescas.
Acredita-se que essa transformação semântica seja explicável pelo fato dos
primeiros grupos de afro-carnaval, rivalizando-se entre si, terem trocado "afoxés"
( no sentido de fórmula mágica). 

AFOXÉ: "A MEDITAÇÃO DE RUA"


 
O primeiro afoxé a desfilar em salvador foi o "Pândegos da Folia", no ano de
1895, apenas sete anos após a abolição da escravatura. Os blocos de folguedos de
carnaval dos negros são tentativas de reconstituir as coisas que eles tinham lá na
África, sua memória, suas lembranças. No dia em que era permitido, no Carnaval,
buscavam integrar e reconstituir os aspectos remotos daquilo que viviam
cotidianamente na África. Apoiados na tradição religiosa da África negra, em sua
vertente ocidental, exibindo danças, ritmos e os cantos da liturgia Yorùbá e, ao
mesmo tempo, inseridos no contexto delirante do Carnaval, os afoxés tornaram-se
entidades que se movem livremente em uma brecha, ou em uma fronteira,
aproximando, por caminhos simultaneamente iniciáticos e mundanos, os dois
universos dialeticamente complementares da vida humana: o sagrado e o profano.
Na verdade, os afoxés passaram a construir, não obstante o seu ostensivo caráter
profano de clube carnavalesco, um candomblé, como disse Edson Carneiro. Também
Gilberto Gil, em um texto musicado por Chico Evangelista afirmou: "Afoxé é
candomblé de rua, Ijexá de folguedo".
 
AFOXÉ: BÁLSAMO, OÁSIS, CAPOEIRA DE CALMA
 
É esta dimensão ambígua, dúplice, ambivalente, que confere aos
afoxés um aspecto de bálsamo, oásis, capoeira de calma e serenidade, em
meio a loucura geral do carnaval. Enquanto todos, literalmente pulam atrás
do trio-elétrico, os integrantes do afoxé bailam, suingada e pacificamente,
entregando o corpo e a cabeça aos ilustres atabaques e aos toques de Ogum
e Oxalá. É tudo como se fosse, e é, uma ordem no caos. Acentuando esse
contraste, Gilberto Gil disse que "a relação do trio-elétrico com o Afoxé é a
mesma coisa que, numa sala, as pessoas dançarem freneticamente e, numa
outra, as pessoas ouvirem música indiana, sentirem o cheiro de incenso".
O afoxé é um contraponto, um anticlímax em relação à explosão de
vida e violência e a outras coisas que o carnaval tem hoje. Também Gilberto
Gil, à maneira confunciana, contou uma história ocorrida em 1976, quando
ele desfilava no afoxé Filhos de Gandhi: "teve uma mulher que saltou do
carro, no Bonfim, quando o Gandhi vinha descendo a ladeira; ela se benzeu,
pensou que nós fôssemos uma procissão religiosa; ela fez o sinal da cruz
contritamente, comovida, parou e ficou olhando a gente descer cantando.
Então, o afoxé é uma coisa com possibilidade de deflagrar este outro
êxtase, de natureza interiorizante."
Antes do desfile realiza-se nos afoxés uma cerimônia religiosa, o
padê de Exu, entidade mágica que, intermediando entre nós humanos e os
orixás, pode fazer com que toda e qualquer festa transcorra em paz e
alegria. Só depois é que o afoxé se entrega aos cantos e danças iniciando
sua peregrinação. Vem daí a variedade e riqueza, o colorido sopro
coreográfico do povo Yorubá. A dança, nos afoxés, é basicamente a mesma
que encontramos nos terreiros, os cânticos dos orixás vão sendo entoados e
os dançarinos se movem a partir de uma coreografia determinada, às vezes
estilizando-a, simplificando-a ou fazendo adaptações. 
 
(Paulo César Pereira de Oliveira – Presidente do Centro Cultural Orunmilá)

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