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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE ARTES
MÚSICA BACHARELADO

MURILO ARANTES DE FARIA

PANORAMAS INTERTEXTUAIS DA OBRA DO


MILTON NASCIMENTO (1967-1978)

VITÓRIA
2023
Este estudo é dedicado ao
maravilhoso músico e compositor
Milton Nascimento.
Agradecimentos

A Deus e às mulheres da minha vida: À minha avó, Maria Helena, que embora não
habite mais neste plano, seus ensinamentos moram em meu coração. À minha mãe
Leonete Mara, mulher guerreira e generosa que tudo fez por mim e também por
quem ama. À minha irmã Gisele Arantes, por toda cultura, livros e discos, sem os
quais eu não seria músico. À minha companheira Milena Bonfim, por toda luz, amor
e leveza que preenchem os meus dias. A todos os professores, pelo papel essencial
que exercem na humanidade, em especial ao professor Dr. Antônio Celso Ribeiro,
por sua incessante boa vontade e cooperação no presente estudo.
RESUMO

Este trabalho pretende realizar, a partir de análises intertextuais sob a ótica de


Joseph Straus, um estudo sobre a primeira fase da carreira de Milton Nascimento,
compreendendo o período de 1967 a 1978, do seu primeiro álbum Travessia, até o
Clube da Esquina 2. No nosso recorte observamos as mais diversas influências
artísticas em sua obra, vindas do cinema, da bossa nova, do rock, do jazz, da
música religiosa, das canções folclóricas e populares, da música erudita, além de
sons e ruídos que se instalam em suas composições de maneira diegética. Esses
materiais apontam para o Estado de Minas Gerais e em especial para a cidade de
Três Pontas, onde o compositor viveu sua infância. Para as análises, foram
extraídos fragmentos de textos1 e elementos musicais que possibilitem demonstrar
essas influências, além de propiciar comparações com outros compositores e/ou
movimentos artísticos de sua época. Separando as influências em categorias
distintas, os dados analisados apontam para uma obra diversa, e inovadora, que ao
se deixar influenciar, Milton torna-se ponte para transformação desses materiais
composicionais, e durante o passar dos anos cultiva gerações e admiradores de
sua musicalidade.

Palavras-chave: Milton Nascimento. Intertextualidade. Influência musical. Música


brasileira. Análise musical. Clube da Esquina.

1
Nos valendo da noção geral de texto do relativismo desconstrucionista onde: “A noção tradicional de
‘obra’ é substituída pela noção de ‘texto’, mais adequada para designar o que, com efeito, é um
‘espaço multidimensional’, ‘intertextual’, constituído pela absorção e transformação de vários outros
textos” (ABDO, 2000, p.18) apud (BARBOSA e BARRENECHEA).
ABSTRACT

This work intends to execute, based on intertextual analyzes from the perspective of
Joseph Straus, a study on the first phase of Milton Nascimento's career, comprising
the period from 1967 to 1978, from his first album Travessia to Clube da Esquina 2.
In our historical clipping we observe the most diverse artistic influences in his work,
coming from cinema, bossa nova, rock, jazz, religious music, folk and popular songs,
classical music, as well as sounds and noises that settle in their compositions
diegetically. These materials point to the State of Minas Gerais in particular to the city
of Três Pontas, where the composer lived his childhood. For the analyses, fragments
of texts and musical elements were extracted that make it possible to demonstrate
these influences, in addition to providing comparisons with other composers and/or
artistic movements of their time. Separating the influences into different categories
and the analyzed data point to a diverse and innovative work. By allowing himself to
be influenced, Milton becomes a bridge for the transformation of these compositional
materials, and over the years cultivates generations and admirers of his musicality.

Keywords: Milton Nascimento. Intertextuality. Musical influence. Brazilian music.


Musical analysis. Clube da Esquina.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Fragmento da música “A Sede do Peixe”...............................................10

Figura 2 - Fragmento da música “ Vera Cruz”..........................................................10

Figura 3 - Fragmento da canção “I Should Have Known Better”..............................15

Figura 4 - Fragmento da canção “Para Lennon e McCartney”.................................15

Figura 5 - Naturalidade prosódica em “Saudades dos Aviões da Panair”................19

Figura 6 - Transformação de compasso e naturalidade prosódica em “Milagre dos


Peixes”......................................................................................................................19

Figura 7 - Nota pedal em “Maria, Maria”..................................................................25

Figura 8 - “A Chamada”............................................................................................26

Figura 9 - Monotonia melódica nos motivos iniciais de “Os povos”..........................32

Figura 10 - “A cordilheira de sonhos”……………………………………………………33

Figura 11 - Movimentos melódicos de “Cais”............................................................33

Figura 12 - Fragmento da música “Travessia”..........................................................38

Figura 13 - Posicionamento vocal nos motivos iniciais da faixa “Clube da Esquina


nº2”............................................................................................................................43

Figura 14 - Posicionamento vocal do Milton nos motivos iniciais de: “E Daí? (A


Queda)”.....................................................................................................................43
SUMÁRIO

Introdução……………………………………………………………………………………7

Capítulo I - Primórdios………………………………………………………………….…9

Capítulo II - Da Organização da Obra do Milton Nascimento …………………….21

1) Memória………………………………………………………………………….22

a) Ancestralidade……………………………………………………………..22
b) Religiosidade……………………………………………………………….27
c) Minas………………………………………………………………………..29

2) Transformação………………………………………………………………….34

3) Ingenuidade……………………………………………………………………..38

4) Amor e Amizade ………………………………………………………………...41

5) Contemporaneidades…………………………………………………………..42

Considerações Finais…………………………………………………………………….45

Bibliografia…………………………………………………………………………………46

Referências discográficas………..……………………………………………………..47
Introdução

A nossa pesquisa será desenvolvida através de levantamento bibliográfico, análise


de textos e escuta especializada da discografia do compositor, durante o período de
1967 a 1978. Para tal será realizada análise e transcrição de letras e fragmentos
musicais para exemplificar as influências contidas em sua obra, situando em
contexto histórico, geográfico e social a vida de Milton Nascimento.

Pretendemos levantar uma síntese de conhecimento e análise da obra do Milton


Nascimento, em determinado recorte histórico das suas composições, de maneira
dialógica com os autores contemplados em nosso levantamento bibliográfico, tendo
como finalidade levantarmos hipóteses sobre as possíveis influências musicais da
sua obra e carreira. Para tanto, separamos em categorias as obras do Milton
Nascimento de acordo com a natureza intrínseca de cada música que se encaixa
dentro dos parâmetros/procedimentos adotados e suas relações intertextuais a
saber: 1) Memória; 2) Transformação; 3) Ingenuidade; 4) Amor e amizade e 5)
Contemporaneidades. Cada um dos tópicos apresentados podem se desdobrar em
outros subtópicos posteriormente apresentados.

Pretendemos também entender as relações intertextuais presentes, através de


análise de trechos da letra de algumas canções, bem como as relações sonoras
presente nas mesmas, com objetivo de atualizar significações de acordo com a
natureza musical das composições, nos valendo sempre dos modelos intertextuais
de Joseph Straus, e outros modelos que também nos sejam úteis para situar a
nossa visão.

O nosso interesse na produção desse trabalho se deve à grandiosidade da figura de


Milton Nascimento e nasce da admiração mútua do aluno e orientador pelo artista,
além da curiosidade sobre como ele dialogava com as tradições musicais e
culturais. Então, para onde devemos olhar, a fim de entender a sua capacidade de
transformar os materiais compositivos aplicando reinvenções2? E de qual maneira
2
Nomenclatura analitica proposta por BARRENECHEA e BARBOSA, “Através da reinvenção, o
compositor exerce todo o seu potencial criativo individual, pois a releitura feita do material
compositivo dos seus antecessores ocorre de forma totalmente livre. Através da reinvenção, o
compositor reage a seus predecessores, produzindo um sentido completamente diferenciado ao

7
os elementos musicais tradicionais adquirem novos significados na sua música? A
análise das canções, nos fornecem ideias para entender a MPB, com a
possibilidade também de cristalizar recursos composicionais.

material compositivo anteriormente usado, radicalmente ele transforma esse material atribuindo-lhe
um sentido ‘novo’, que se opõe de forma contrastante, antagônica ao anterior.” (2003, p.134)

8
Capítulo I - Primórdios

Uma das características musicais observadas por estudiosos da obra de Milton


Nascimento é o enorme espectro de influências3 que permeiam suas composições.
É comum perceber a influência do rock, em especial a música dos Beatles,
elementos do jazz, se fundem as músicas latino-americanas, das músicas regionais
e do interior brasileiro, além de contemporaneidades na sua fase de atuação na
MPB. Em nosso trabalho concentramos a pesquisa desde o ano de 1967 no
lançamento do seu primeiro álbum Travessia4, ano este, onde também despontou
no II Festival da Canção (FIC), até o ano de lançamento do álbum “Clube da
Esquina 2”5 de 1978. Wagner Tiso, arranjador e amigo de infância de Milton em
entrevista concedida a Ivan Vilela, resume bem alguns aspectos intertextuais da
obra do compositor:

“Milton trazia em sua música, elementos pouco usuais à então consagrada


MPB, quais sejam, sua maneira singular de harmonizar usando o
polimodalismo fundido aos traços tonais e a impermanente regularidade
rítmica de sua música, toda permeada de compassos híbridos [...]“ (VILELA,
2010, p.20)

Exemplos de alternações de compassos e impermanência rítmica na obra do Milton


estão representados nas notações abaixo:

3
Tratamos influência aqui de acordo com a teoria de influência literária como ansiedade de Harold
Bloom e como essas relações foram absorvidas em música, pelo modelo de influência musical de
Joseph Straus.
4
NASCIMENTO, Milton. Travessia. Rio de Janeiro, Codil Ritmos. LP.1967.
5
NASCIMENTO, Milton. Clube da Esquina 2. Rio de Janeiro. EMI-Odeon. LP/CD. 1978/(1988 &
2007).

9
Figura 1 - Fragmento da música “A Sede do Peixe” 6.

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.49.

Figura 2 - Fragmento da música “Vera Cruz”7.

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.255.

6
______. A Sede do Peixe (Para o que não tem Solução). Faixa 17 CD Clube da Esquina 2, Milton
Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1998
7
______. Vera Cruz . Faixa 2 LP Courage, Milton Nascimento, US: A&M/CTI, 1969

10
Ao analisar as particularidades estilísticas da música e do canto de Milton
Nascimento, a sua admiração por vozes femininas e sua evidente aproximação do
jazz, o músico Chico Amaral (2004), em um artigo para o jornal Estado de Minas
comenta sobre a obra de um modo geral:

“‘Ray Charles me mostrou que o canto masculino podia ser bonito’.


Apreciador só da voz feminina, quando era menino: Ângela Maria, Sarah
Vaughan, Yma Sumac e tal. Gostava de cantar se espelhando nelas.
‘Quando crescer e a voz mudar, vou ter que parar de cantar’, pensava
temeroso. Até que Ray Charles o salvou (...) Milton curtia também sua
geração: Elis, Edu, Marcos Valle, Dori Caymmi, e o samba-jazz: Sérgio
Mendes, Eumir Deodato, Zimbo Trio, Cesar Camargo Mariano etc. Podemos
estender a lista de seus preferidos à vontade, colocar ainda Baden, Jobim,
João. O interessante é que, já no primeiro disco, sua música não parecia
com nada disto (...) O interesse pela música latino-americana é outra
característica de Milton que o difere um pouco dos demais (mas não tanto de
Caetano, nem Elis). Sua gravação do bolero Dos Cruces (Clube da Esquina,
71) confirma um procedimento usual: a canção é transformada em Milton
Nascimento, meio western, meio Espanha como já disse Márcio Borges,
lembrando, não por acaso, o Sketches of Spain de Miles e Gil Evans. A
Saeta – o momento mais dramático das procissões espanholas na Semana
Santa é retomada por Miles e Milton, com entendimento profundo por parte
de ambos do seu significado universal de dor e desconsolo (...) Milton
expressa densidade emocional com a voz. Além disso, sabe buscar o
impacto intraduzível dos instrumentistas. Sobre Miles ele já disse: ‘É a minha
voz’” (AMARAL, 2004).

Ponderando sobre essas possíveis influências estéticas, devemos também dizer


sobre as inovações sonoras trazidas pelo Clube da Esquina. Sendo considerado por
alguns críticos como um movimento musical surgido ao final da década de 1960,
formado majoritariamente por músicos mineiros e tendo o Milton como uma espécie
de fundador do “conjunto”. Esse grupo de músicos talentosos contava com nomes
hoje consagrados na MPB como: Toninho Horta, os irmãos Márcio e Lô Borges,
Beto Guedes, Flávio Venturini, Wagner Tiso, Nelson Ângelo, Tavinho Moura,
Ronaldo Bastos entre outros. O Clube da Esquina foi um ótimo exemplo de como o
Milton se deixou envolver por essa profusão de estilos e vivências musicais
diferentes. Cada integrante do Clube contribuiu com suas origens musicais, gerando
um ambiente de criatividade efervescente, culminando nos álbuns: Clube da
Esquina8 e Clube da Esquina 2. Além disso, esses integrantes participaram ao longo
da carreira do Milton Nascimento em outros momentos e outros discos. Em

8
NASCIMENTO, Milton; BORGES, Lô. Clube da Esquina. Rio de Janeiro, EMI. LP/CD. 1972/2007.

11
entrevista para o site do Museu do Clube da Esquina, Toninho Horta, músico
integrante, comenta sobre tal diversidade sonora:

“Eu venho de uma escola mais jazzística, de harmonia. O Wagner já vem da


escola erudita, com a mãe dele. Nivaldo Ornellas já vem com a coisa meio
barroco mineiro. O Milton com o negócio do canto, aquelas coisas modais. A
junção disso tudo é que foi a riqueza do “Clube da Esquina”. E feliz do
Milton, e de nós todos, de ele realmente ter sacado as pessoas naquela
época” (HORTA, s/d, s/p).

Pensar as origens da estética musical do compositor, muito provavelmente seria


pensar em suas parcerias e amizades ao longo da carreira. Inclusive, esse
sentimento é assunto recorrente de suas composições, e o próprio “Bituca” chegou
a dizer no documentário Sobre Amigos e Canções (2010)9, que só fazia parcerias
musicais onde tivesse a amizade envolvida. Outro filme importante na vida do Milton
Nascimento, e que também nos retrata a importância da amizade em questão foi o
clássico da Nouvelle Vague10: Jules et Jim do cineasta francês François Truffaut. Ao
assistir por três vezes seguidas a sessão cinematográfica com o letrista Márcio
Borges, os dois amigos impactados por aquela obra em preto e branco,
compuseram naquela mesma noite de 1964 três canções importantes para a
discografia: “Paz do Amor Que Vem”, que posteriormente passou a se chamar
“Novena”11; “Crença”12 e “Gira-girou13”. O próprio Márcio Borges em crônica para o
Songbook do Milton Nascimento, lançado por Wilson Lopes em 2017, nos relata um
pouco do acontecido:

9
Este documentário foi dirigido por Bel Mercês como trabalho final do curso de Jornalismo da
PUC-SP. O filme superou as expectativas e foi exibido na TV Cultura e em diversos festivais e
mostras. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=29XU703n2_U&ab_channel=ParaLennon%26McCartney>. .
Acesso em 29/12/2022.
10
“[...] Este fenômeno cinematográfico surgiu meio ao acaso, entre 1959/ 1960, no bojo de uma
reação mais ampla ao tradicional cinema francês. Particularmente vinculado à escola crítica dos
Cahiers du Cinéma, o movimento consolidou-se nos anos 60, tendo desencadeado uma prática
cinematográfica complexa e até paradoxal, que envolvem acontecimentos, idéias, autores,
concepções de direção e orçamentos reduzidos, além de ter permitido o aparecimento de marcante
geração de cineastas, que ainda hoje, mais de quarenta anos depois, é referência para o cinema
contemporâneo em todo o mundo.” Resumo de Marie, M. (2003). A Nouvelle Vague. Significação:
Revista De Cultura Audiovisual, 30(19), p 165.
11
______. Novena. Faixa 13 CD Angelus, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Warner, 1993.
12
______. Crença. Faixa 3 CD Travessia (reedição do LP Milton Nascimento de 1967, Milton
Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.
13
______. Gira, Girou, Faixa 8 CD Travessia (reedição do LP Milton Nascimento de 1967, Milton
Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.

12
“Quando pusemos de novo os pés na rua, o relógio da Igreja São José
marcava oito horas da noite e não restava mais sinal do lindo dia que fizera.
Algo ainda maior do que aquela transformação do dia em noite se
transformara dentro de nós, e no sentido inverso, pois que ia do obscuro
para o iluminado. Fomos direto para o ‘quarto dos homens’. Bituca pegou
seu violão e imediatamente inventou um tema, ou melhor, destilou tudo
aquilo, todas emoções que andara sentindo, desde sua mudança para Belo
Horizonte, até aquelas últimas seis horas que passáramos concentrados na
magia daquela pequena e comovente história de amor, escrita com luz e
sombra...” (2017, p. 11)

Wilson Lopes, amigo e guitarrista que acompanhou Milton Nascimento nos últimos
anos da carreira, desde o seu disco Angelus (1993)14 até a Última Sessão de
Música15, aponta em sua dissertação possíveis similaridades entre a obra do Milton
e o fenômeno da Nouvelle Vague:

“[...] Segundo ele, a relação entre as três composições e o filme se dá por


meio da amizade e do amor transmitidos em sua história.
Partindo desse pressuposto, nota-se uma possível relação, mas não
evidente, entre o Nouvelle Vague e a obra de Milton Nascimento. Ele,
motivado pelo filme, aparece para a música brasileira com propostas
semelhantes às do movimento cinematográfico francês. Dessa forma,
posiciona-se na história como o carro chefe de um grupo de jovens que ficou
conhecido no mundo por meio de um movimento musical com linguagem
própria, o Clube da Esquina.” (LOPES, 2010, p.17)

Milton Nascimento foi um dos poucos artistas brasileiros a garantir uma carreira
internacional, ao passo que mal acabava de se lançar no mercado brasileiro. Muito
se deu pela gravação do seu segundo disco Courage (1968)16 nos EUA. A estreia
desse disco abriu as portas para a consolidação do seu trabalho no exterior. Milton
Nascimento e por consequência, o Clube da Esquina, são representantes da
“música mineira”. Originalmente sua música é local e paradoxalmente universal; as
influências do rádio e das tendências culturais internacionais se misturavam com as
tradições musicais estabelecidas, com as músicas religiosas e aquele bucolismo
das montanhas de Minas. BARBOSA e BARRENECHEA ao tratarem a
intertextualidade a partir da teoria da influência como ansiedade de Harold Bloom,
fornecem algumas explanações que contribuem para elucidar um pouco do
processo de transformação das influências compositivas no âmago do artista e
como se extemporizam com coerência na obra:

14
NASCIMENTO, Milton. Angelus. Rio de Janeiro. Warner. CD. 1993.
15
Turnê de encerramento da carreira do Milton Nascimento, aos 80 anos de idade, o último show foi
no estádio Mineirão, na data de 13 de novembro de 2022. A faixa homônima está presente no disco
Milagre dos Peixes (1973).
16
NASCIMENTO, Milton. Courage. SP-3019, US. A&M Records; CTI Records. LP. 1969.

13
“Straus afirma que coerência orgânica, em muitos trabalhos do século XX, se
manifesta através de eventos relacionais, pois os mesmos combinam estilos
e elementos estruturais díspares. Coerência nestes trabalhos se dá através
da habilidade do compositor em controlar o conflito interno. Novo e velho não
são reconciliados, mas mantidos juntos em luta: o velho é posto em um novo
contexto, adquirindo assim, um novo sentido.” (BARBOSA; BARRENECHEA,
2003, p.127)

Podemos cruzar esses dados e dizer que o “velho” para nós seja as tradições
musicais locais, e o “novo” a ação influenciadora exercida pela cultura internacional
e das contemporaneidades globais, e que a habilidade do compositor em equilibrar
o conflito na obra, garante a qualidade artística da mesma. VILELA em seu artigo
para revista17 da USP nos revela características destes aspectos de localismo em
trecho da primeira canção18 do disco Milton (1970)19:

“O disco se inicia com a canção “Para Lennon e McCartney”, de Lô Borges,


Márcio Borges e Fernando Brant. Nela, o recado é dado para que todos
olhem a nova música que está sendo feita pelo grupo. Do local partem para
o universal quando cantam ‘Mas agora sou cowboy/ Sou do ouro eu sou
vocês/ Sou do mundo, sou Minas Gerais’.” (VILELA, 2010, p.21)

Será sensato acreditar que Milton Nascimento e banda ao executarem esse refrão
estavam em diálogo com os Beatles, pois além de usarem uma instrumentação
mais pesada típica das bandas de rock, com apoio da banda Som Imaginário20. Ivan
Vilela observa também a citação melódica no refrão da canção “I Should Have
Known Better”21 no instante em que cantam “Eu sou da América do Sul” (“You’re
Gonna Say You Love me Too”). O que nos parece uma afirmação artística, um grito
ou uma chamada para dizer que nos confins dos Gerais, longe dos holofotes da
cultura pop global existiam bons artistas e qualidades a serem considerados,
entretanto como poderiam saber Lennon e McCartney.

17
Revista USP, São Paulo, n.87, p. 14-27, setembro/novembro 2010, p.18.
18
______. Para Lennon e McCartney. Faixa 1 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1970.
19
NASCIMENTO, Milton. Milton. Rio de Janeiro, EMI-Odeon. LP. 1970.
20
Ver: MOREIRA, Maria; SANTOS, Rafael, 2014.
21
______. I Should Have Known Better. Faixa 2 LP A Hard Day’s Night, The Beatles, Londres: Abbey
Road Studios, 1964.

14
Figura 3 - Fragmento da canção “I Should Have Known Better”.

Fonte : Produção do autor.

Figura 4 - Fragmento da canção “Para Lennon e McCartney”.

Fonte: Produção do autor.

Reparamos que o contorno melódico é quase idêntico, e em suas relações


intervalares: 1) as duas melodias partem da quinta do acorde e atingem o seu
clímax na sexta menor das harmonias propostas. 2) posteriormente, as melodias
descem duas notas por graus conjuntos para saltarem um intervalo de terça menor
ascendente retornando ao seu ápice. 3) finalmente, compensam o gasto energético
da subida melódica através de um salto descendente de uma sexta menor, onde
repousam na quinta nota do acorde no tempo forte, ou seja retornam ao ponto inicial
do motivo melódico concluindo a frase e reiterando a homenagem.

Na faixa “Beco do Mota”22 do álbum Milton Nascimento (1969)23, evoca-se também o


sentido de localidade quando o compositor afirma em letra que Minas é o seu país:

22
______. Beco do Mota. Faixa 5 LP Milton Nascimento, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1969.
23
NASCIMENTO, Milton. Milton Nascimento. Rio de Janeiro, EMI-Odeon. LP. 1969.

15
“Diamantina é o Beco do Mota
Minas é o Beco do Mota
Brasil é o Beco do Mota
Viva meu país!”

Milton, mineiro e brasileiro como é, expressa em seu canto e musicalidade,


podemos dizer que, uma amostra da tradição musical oral brasileira. Para tanto, tal
aprendizagem musical é baseada nos processos miméticos, em performances
imitativas. O que VILELA também chamou de “pedagogia do congado”, uma vez
que na tradição do congado, as crianças aprendem a tocar imitando os mais velhos.
E assim que crescem, consequentemente aumentando o seu domínio sobre os
instrumentos, começam a tocar de maneira intuitiva. Essa aprendizagem de
natureza imitativa também se dá no âmbito composicional. Joseph Straus que
discute em seus trabalhos os modelos intertextuais entre o compositor e seus
antecessores na obra, chama a sua primeira teoria de “influência como
imaturidade”:

“[...] Em que o jovem compositor frequentemente usa elementos do estilo ou


estruturas muito parecidas com a de um professor ou com a de outro
compositor mais velho. Esse procedimento é tolerado no jovem compositor,
pois no compositor mais velho essa prática será entendida como um sinal de
incapacidade ou imaturidade, de fraqueza artística.” (BARRENECHEA E
BARBOSA, 2003, p.127)

Na obra do Milton Nascimento esse traço composicional não é observado com


facilidade, nem mesmo em seus primeiros discos. Tampouco é fácil a classificação
de suas composições em estilos e tradições musicais. Se imitava, o fazia em forma
de homenagem, seja através de uma citação melódica como em “Para Lennon e
McCartney”; ou interpretava através de covers das músicas de outros artistas
admirados por ele, por exemplo em “A Felicidade”24 de João Gilberto. Ou ainda em
“Norwegian Wood (This Bird Has Flown)”25, dos Beatles. Isto é, o compositor age de
maneira consciente, em diálogo com suas preferências e em paralelo com as
tradições musicais herdadas. À vista disso vai ao encontro do que prenuncia a
“influência por generosidade”, a qual STRAUS, em seu trabalho, objetiva
demonstrar a influência na natureza da poesia de T.S.Eliot:

24
______. A Felicidade. Faixa 9 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1970.
25
______. Norwegian Wood (This Bird Has Flown). Faixa 12 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de
Janeiro: EMI, 1995. ______. Norwegian Wood (This Bird Has Flown). Faixa 2 LP Rubber Soul, The
Beatles, Londres: Abbey Road Studios.1965.

16
“Eliot... vê a influência como um processo de enriquecimento do artista nos
seus anos de formação, como também no período de maturidade.
Suscetibilidade à influência, contudo, não é um sinal de incapacidade, mas
de valor, o principal da tradição é assimilado, o melhor do artista. Mesmo em
trabalhos em que o artista parece muito individual, artistas excepcionais
demonstram consciência do passado (STRAUS, 1990, p.10).”

Ao longo das escutas de suas interpretações, entendemos que Milton toma voz das
canções como sua própria voz, desta maneira atuando de forma criativa e com
liberdade artística, o resultado é a originalidade.

A fim de encerrar o nosso ciclo teórico intertextual, conforme a ótica de Joseph


Straus, nos falta apresentar a “influência como ansiedade”, onde a tensão26 gerada
entre o compositor contemporâneo e os elementos tradicionais musicais geram um
processo de transformação dos materiais compositivos no âmago do criador:

“1. O poema é uma entidade relativa ou entidades dialéticas, todo poema é


uma releitura de algo já dito; 2. A relação entre os poemas novos e os
antecedentes, reflete mais uma história de luta que de generosidade e
quanto mais esse conflito se refletir no interior do poema, maior será a sua
qualidade artística; 3. A luta entre poemas novos e seus antecedentes se
manifesta na forma de uma releitura ou reinterpretação; 4. A influência como
ansiedade é um fenômeno universal, não está restrito apenas a um período
histórico” (STRAUS, 1990, p. 12).

Assim, um texto só tem real significado em seu relacionamento com outros textos,
BARRENECHEA e BARBOSA caracterizam essa relação de conflito entre o poema
e seus antecessores como um movimento paradoxal includente/excludente. O que
intertextualmente se confirma em música, pois mesmo o compositor querendo
negar, acaba por dialogar com os elementos tradicionais herdados. Uma vez que a
nossa escuta também é determinada pelos processos musicais históricos,
tecnológicos e culturais. Por conseguinte, os recursos composicionais também o
são.

Milton, dialoga com a linguagem musical do jazz fazendo parceria com Wayne
Shorter e Herbie Hancock no álbum Native Dancer27 (1974), disco este que contém
algumas das canções mais aclamadas do brasileiro como: “Ponta de Areia”28,

26
Para o compositor do século XX, se entende como o peso da tradição tonal e o sucesso dos seus
antecessores, em uma relação que se dá mais por conflito do que por generosidade.
27
SHORTER, Wayne; NASCIMENTO, Milton. Native Dancer. USA/Brasil. Columbia/EMI-Odeon. LP.
1974.
28
______. Ponta de Areia. Faixa 1 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton Nascimento.
USA/Brasil: Columbia/EMI-Odeon, 1975.

17
“Milagre dos Peixes”29, “Lília”30 e “Tarde”31. Nesse diálogo, notamos a junção de
ritmos brasileiros e regionais com o funk, o jazz e o rock, numa tentativa de se
realizar uma música global de várias perspectivas. Acreditamos que o Milagre dos
Peixes (1974)32, sendo o álbum mais experimental do Milton, nos fornece bem um
exemplo de rompimento estético e avant-garde musical característico da influência
por ansiedade. No ano seguinte, ainda se associa outra vez33 à banda “Som
Imaginário” para gravar o disco Milagre dos Peixes (Ao vivo)34 (1975). Inclusive, o
próprio grupo “Som Imaginário” reflete a ligação com os grupos de vanguardas e
compositores experimentalistas americanos da época tais como: La Monte Young,
John Cage (o mais importante), Morton Feldman, entre outros, além das
aproximações com os movimentos de contracultura e das filosofias orientais. Essa
influência também se dá no compositor em estudo quando o mesmo transforma as
linguagens populares como a toada em “Canto Latino”35, também quando mistura o
samba-canção e a bossa nova aos elementos regionais no disco “Travessia”, etc.

É comum encontrarmos na obra do Milton Nascimento, músicas em compasso


quinário, em compasso de sete tempos, além de uma variedade de compassos
híbridos. Na canção “Saudades dos Aviões da Panair”36 em compasso de cinco
tempos e “Milagre dos Peixes”37, que se transforma de compasso ternário para
quinário durante a canção; não percebemos nenhuma quebra rítmica significante,
como se a melodia já nascesse na cabeça do compositor nesta pulsação,
determinando uma prosódia que flui naturalmente, de maneira orgânica. Ao
contrário da proposta de Paul Desmond para a música Take Five38.

29
______. Miracle of the Fishes. Faixa 4 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton Nascimento.
USA/Brasil: Columbia/EMI-Odeon, 1975.
30
______. Lília. Faixa 8 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton Nascimento. USA/Brasil:
Columbia/EMI-Odeon, 1975.
31
______. Tarde. Faixa 3 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton Nascimento. USA/Brasil:
Columbia/EMI-Odeon, 1975.
32
NASCIMENTO, Milton. Milagre dos Peixes. Rio de Janeiro. EMI-Odeon. LP. 1973.
33
À exemplo do disco Milton (1970).
34
NASCIMENTO, Milton. Milagre dos Peixes (Ao vivo). Rio de Janeiro. EMI-Odeon. LP. 1974.
35
______. Canto Latino. Faixa 5 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1970.
36
______. Saudades dos Aviões da Panair. Faixa 4 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI, 1995.
37
______. Milagre dos Peixes. Faixa 3 LP Milagre dos Peixes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon,1973.
38
______. Take Five. Faixa 3 LP Time Out, The Dave Brubeck Quartet, New York: Columbia
Records,1959.

18
Figura 5 - Naturalidade prosódica em “Saudades dos Aviões da Panair”.

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p. 217.

Figura 6 - Transformação de compasso e naturalidade prosódica em “Milagre dos Peixes”

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.156.

19
VILELA ainda nos aponta que Milton tinha como escola harmônica compositores
como: John Coltrane, Charles Mingus39, e Miles Davis. Porém, em nosso recorte
histórico, não percebemos em sua obra nenhuma cópia de suas referências, como
se toda aquela informação musical adquirida, fosse transformada e processada de
acordo com a vontade do artista e que quando nasce em forma de canção, possui
brilho próprio.

39
Em faixas como “Gran Circo” do álbum Minas (1975), percebemos a aproximação com a temática
do álbum The Clown (1957) de Charles Mingus.

20
Capítulo II - Da Organização da Obra do Milton Nascimento

O nosso recorte temporal proposto compreende os anos de 1967, até 1978,


concentrando, consequentemente, a nossa escuta neste período. Em 1967 Milton
tem seu début com o LP Travessia, marcando o início de sua carreira, e o disco que
delimita o final deste recorte foi o Clube da Esquina 2. A partir daí, sua maturidade
sonora o leva para outros caminhos e define outras formas de compor e arranjar
suas músicas. Os álbuns selecionados40 para análise são: Travessia (1967);
Courage (1968); Milton Nascimento (1969); Milton (1970); Clube da Esquina (1972);
Milagre dos Peixes (1973); Milagre dos Peixes (Ao vivo) (1974); Native Dancer
(1974); Minas (1975); Geraes (1976); Milton (1976); e finalmente o Clube da
Esquina 2 (1978).

Ao avançarmos nas escutas dos LP’s, percebemos que as músicas do Milton se


encaixam em categorias narrativas genéricas, o que nos guiou a construir cinco
delas baseadas nas construções semânticas e características textuais, além dos
recursos musicais e sonoros específicos para a associação dos processos
compositivos as categorias utilizadas. Buscaremos nos elementos musicais, motivos
que corroborem com a narrativa criada pela canção. Partimos do pressuposto que
as canções orbitam alguma temática central, e que o compositor dispõe das
ferramentas musicais para potencializar a narrativa. As categorias propostas são as
mesmas apresentadas na introdução deste trabalho: 1) Memória; 2) Transformação;
3) Ingenuidade; 4) Amor e amizade e 5) Contemporaneidades. Às vezes, algumas
canções se encaixam em mais de uma dessas categorias, e algumas destas se
desdobram em outras subcategorias, por exemplo:

40
Mais informações sobre os discos nas referências discográficas.

21
1) Memória
a) Ancestralidade

O aspecto da memória na música do Milton se dá através das composições que


estão a relembrar algo, sempre em diálogo com o passado. Ou quando atuam no
resgate de uma memória ancestral, tanto africana quanto dos povos originários da
América Latina. Nesta categoria, observamos que a escolha dos verbos se
apresenta em tempo passado, bem como verbos associados à ausência41. Em “Pai
Grande”42 composição do disco “Milton” (1970) percebemos essa relação
estabelecida de acordo com a sua ancestralidade negra:

“De minha saudade vem você contar


de onde eu vim é bom lembrar
todo homem de verdade
era forte e sem maldade“43

Para tanto nessa faixa, o aclamado percussionista Naná Vasconcellos utiliza de uma
variedade de timbres percussivos que junto aos apitos de caça e gritos tribais de Zé
Rodrix (convidado por Milton a participar de seu disco). Os mesmos ocorrem como
eventos independentes da voz e chegando a competir no primeiro plano da
gravação. Dessa maneira, trazem à tona, através dos ritmos propostos, toda uma
África que não veio para música brasileira por meio do samba. Isso denota uma
importância da memória ancestral que também não havia se mostrado
explicitamente em seus três primeiros álbuns, essa relação chega ao seu auge no
álbum Milagre dos Peixes (1973) com a percussão mais viva e improvisativa na
composição, em antagonismo com aquela “cozinha percussiva” característica da
Bossa Nova, que se apresentava mais discreta ritmicamente e atuando em
conjuntura da “moldura sonora” orquestral. Esta mesma Bossa Nova nesta época
era um movimento que credenciava qualidade sonora internacional a MPB, e assim,
Milton ao trabalhar com arranjadores como Eumir Deodato, Luiz Eça e Dori Caymmi,
conferiu ao seus primeiros trabalhos uma sonoridade já consolidada em território
brasileiro e internacional. Ao ponto que se assemelhava ao que já havia no

41
Como na letra da composição “Ponta de Areia”: “Que ligava minas ao porto, ao mar”.
______. Ponta de Areia. Faixa 6 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1975.
42
______. Pai Grande. Faixa 7 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1970.
43
A estruturação dos versos presentes neste texto foram feitas por nós.

22
mercado, Milton trazia um tempero mineiro e pessoal para sua música, se
singularizando e alcançando uma maior adesão popular às suas canções.

Luiz Maciel, no encarte de relançamento do disco Milagres dos Peixes (1973),


através da Editora Abril, relata um pouco mais sobre a influência de raiz africana e a
sua fusão com outras musicalidades:

“A grande fusão musical que sempre caracterizou a obra de Milton podia ser
percebida em cada faixa, nas receitas mais diversas. Enquanto Os Escravos
de Jó, por exemplo, é uma releitura dos velhos cantos africanos, embalada
pela percussão forte e a voz marcante de Clementina de Jesus, Milagre dos
Peixes e Pablo (que se divide em duas partes) expressam a latinidade,
sempre presente nas composições de Bituca. A Chamada, da trilha do filme
Os Deuses e os Mortos; e Carlos, Lúcia, Chico e Tiago, que Milton preferiu
manter apenas como temas musicais, sem letra estão repletos de
vocalizações que lembram cantos gregorianos. Milton reconhecia todas
essas influências, tratava-as como contribuições preciosas ao seu processo
de criação, mas desprezava todos os rótulos.” (MACIEL, 1973, s/p)

O resgate memorial da ancestralidade dos povos indígenas pode ser observado na


faixa “Canoa,Canoa”44 do álbum Clube da Esquina 2 (1978), onde o Clube
homenageia a tribo dos Avá-Canoeiros45, que segundo a literatura histórica, eram os
antigos canoeiros da bacia do Rio Tocantins e do Rio Araguaia, um povo de
linguagem Tupi, temidos pelos colonizadores por preferirem a morte do que se
renderem, possuem a história marcada por massacres e tiveram sua etnia quase
extinta. A canção possui um caráter modal, tem letra de Fernando Brant e traz a
imagem do povoado em sua vivência natural, porém a melodia contrasta com uma
instrumentação pesada e densa. As flautas e pios trazem uma paisagem sonora das
matas e Novelli apresenta uma linha de baixo marcada por groove em compasso
binário. O canto do Milton Nascimento aparece em sobreposição de vozes em
diferentes alturas em processos de elisão, além de um coro com outras vozes
masculinas garantindo sustentação harmônica. A melodia muitas vezes é dobrada
em mais de um instrumento na tentativa de encontrar novos timbres resultantes, o
arranjo apresenta uma densidade sonora com contornos inusitados, que já lhe são
característicos desde o primeiro disco Clube da Esquina (1972).

44
______. Canoa, Canoa. Faixa 7 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1998. Este CD é um relançamento do formato LP.
45
Também conhecidos como: Canoeiros, Carijós, Índios Negros ou Caras-Pretas. Informação
extraída do site: <ttps://pt.wikipedia.org/wiki/Av%C3%A1s-canoeiros>. Acesso em: 10/01/2023.

23
No refrão a seguir, o grupo preserva a memória indígena através dos nomes dos
peixes presentes nas pescarias dos carijós e das comunidades tradicionais
ribeirinhas, muitos deles de origem etimológica tupi-guarani:

“Dourado, Arraia, Grumatá


Piracará, Pirá-andirá
Jatuarana, Taiabucu
Piracanjuba, Peixe-mulher”

Em “Ruas Da Cidade”46 do mesmo álbum, o massacre dos povos indígenas da


América também é lembrado na poesia:

“Guaicurus, Caetés, Goytacazes


Tupinambás, Aimorés
Todos no chão

Guajajaras, Tamoios, Tapuias


Todos Timbiras, Tupis
Todos no chão”

Outra obra de Milton Nascimento que retrata a questão indígena em nosso recorte
temporal, é a faixa “Promessas do Sol”47 presente no álbum Geraes (1976)48.
Acompanhado do grupo Àgua, do Chile, observamos na letra uma resposta às
visões e os estereótipos que muitos de nós, brasileiros, temos dos povos originários.
Tais visões têm em comum a negação e apagamento das histórias, resultado das
contingências políticas e sociais de mais de quinhentos anos de dominação, através
de guerras e a erradicação das culturas, consequentemente tais medidas
asseguraram a construção dos alicerces da “pátria brasileira”. Esse discurso na
canção, ainda é acalorado pelas tensões entre a classe artística e o momento
histórico da ditadura militar, consequentemente esse texto pode ser entendido de
maneira polissêmica:

“Você me quer justo e eu não sou justo mais


Promessas de sol já não queimam meu coração
Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?
Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?”

46
______. Ruas da Cidade. Faixa 3 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1998.
47
______. Promessas do Sol. Faixa 8 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.
48
NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro. EMI. LP. 1976.

24
Na instrumentação há o uso de flautas andinas, tipo queñas e samponãs que
servem como elemento importante na composição, ao surgir na introdução em
gravações sobrepostas, ocorre em jogo estereofônico, seguido do aparecimento
progressivo das percussões e do charango49. A música tem forma cíclica, como os
mantras indianos. Ocorre também a utilização da nota pedal50, um dos recursos
mais presentes nas escutas da discografia proposta, essa gravitação sobre um
centro ocorre boa parte das vezes numa lógica fora do tonalismo. Com a finalidade
de garantir a dramaticidade que a letra pede, o recurso de adensamento da textura
sonora novamente é utilizado e acontece com uma harmonia aberta nas vozes dos
coros, que são unidas à voz principal (Milton Nascimento) e posteriormente
somadas às percussões. Os instrumentos de corda (violões e charango) agem
também, praticamente, como elementos percussivos, com exceção do baixo que
tem um papel de ora acompanhamento, ora contraponto melódico.

Abaixo, exemplo ilustrativo do recurso de nota pedal em uma das mais famosas
composições do Milton Nascimento:

Figura 5 - Nota pedal em “Maria, Maria”51

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.147.

49
Instrumento andino cujo corpo é feito de carapaça de tatu.
50
Segundo Persichetti: “Ocorre o pedal quando uma ou várias notas são prolongadas, repetidas ou
ornamentadas enquanto as outras vozes encadeiam-se através da sucessão de acordes, alguns dos
quais podem ser estranhos ao pedal”. (PERSICHETTI, 2012, p.206)
51
______. Maria, Maria. Faixa 19 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1978.

25
Em “A Chamada”52 presente nos discos Milagre dos Peixes (1973) e no disco Milton
(1976)53; o compositor arpeja um acorde de lá menor com sétima menor ascendente
(sem a quinta) no modo dórico, repousando por mais de um compasso em fá#
conforme a (figura 6) abaixo. Quando canta o motivo melódico diz as sílabas
“ara-tu-u-u”54 , da palavra de etimologia tupi, que associada a paisagem sonora das
matas criada, aos gritos e assovios, além da percussão criativa, nos convocam para
a floresta, torna-se uma chamada de retorno à natureza. O motivo melódico se
assemelha ao que, comumente, as pessoas utilizam quando gritam o nome de
alguém para chamá-lo:

Figura 6 - “A Chamada”
55

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.255.

Por fim, notamos que o Milton Nascimento em sua carreira, jamais abdicou de seu
ativismo social e também ecológico. Sabendo que essa luta que inclui a
preservação da cultura, da memória indígena, e também da causa da Amazônia.
Tais envolvimentos político ambientais culminaram no disco Txai (1990)56 cuja
repercussão influenciou diretamente a sua participação na ECO 9257. Destarte,

52
______.A Chamada. Faixa 4 LP Milagre dos Peixes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon,1973.
53
NASCIMENTO, Milton. Milton. USA. A&M Records/Polygram. LP. 1976.
54
“O termo "aratu" provém do tupi ara'tu, que em português significa: barulho da queda ou o tombo
de cima, e designa várias espécies de caranguejos” Extraído de: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Aratu>.
Acesso em: 20/01/2023.
55
______. A Chamada. Faixa 3 LP Milagre dos Peixes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon,1973.
56
NASCIMENTO, Milton. Txai. USA. CBS Records. CD. 1990.
57
"ECO-92 é como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 3 e 14 de junho de 1992.
Chamada também de Cúpula da Terra, a convenção reuniu chefes de Estado e representantes de
179 países, organismos internacionais, milhares de organizações não governamentais e contou
também com a participação direta da população. A ECO-92 representou um marco nas discussões
sobre a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável.” Extraído do site:
<https://brasilescola.uol.com.br/geografia/eco-92.htm.> Acesso em: 11/01/2023. Vinte anos após a
ECO-92, Bituca foi novamente convidado para a RIO+20, outro evento global com compromissos
sustentáveis acontecido no Rio de Janeiro.

26
Milton adere ao movimento de resistência cultural da América Latina. O que se torna
nítido tanto pelas parcerias com cantores e músicos latino-americanos (como
Mercedes Sosa, Grupo Àgua, etc) quanto na questão racial e a desculturalização
dos povos da floresta.

b) Religiosidade

Na faixa “Sentinela”58 do álbum Milton Nascimento (1969), a questão da memória


também está presente, mas em um contexto de religiosidade:

“Morte, vela, sentinela sou


Do corpo desse meu irmão que já se vai
Revejo nessa hora tudo que ocorreu
Memória não morrerá”

Segundo o dicionário brasileiro Dicio59, o “sentinela” é um soldado que guarda um


posto ou ainda, indivíduo isolado que guarda ou vigia. A poesia é imagética nessa
canção e nos faz sentirmos como espectadores da cerimônia do velório: “ Seu rosto
brilha em reza” é um verso em alusão às luzes das velas incidindo sobre o rosto do
falecido. Este ato de velar o corpo é muito comum nas religiões cristãs e nas
cidades mineiras, a fim de se despedir do ente querido. A melodia na introdução da
canção, em seus motivos iniciais se assemelha a um canto gregoriano, além de
possuir um reverb acentuado na pós-produção das vozes gravadas, na tentativa de
aproximar a sonoridade dos parâmetros acústicos das catedrais. Outra canção com
aspecto religioso é a faixa “Paixão e Fé”60 do disco Clube da Esquina 2 (1978), onde
o Milton demonstra novamente o seu respeito pelas “coisas da fé”, intertextualmente
se utilizando dos sinos das igrejas como entidade musical relativa61, algo
profundamente associado ao ato de convocar os cristãos e também vinculado à
memória afetiva das cidades mineiras e brasileiras. Na letra da música
representando o primeiro verso, convoca o interlocutor para a narrativa:

58
______. Sentinela. Faixa 1 LP Milton Nascimento, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon,
1969.
59
Disponível em: <https://www.dicio.com.br/sentinela/>. Acesso em: 12/12/2022.
60
______. Paixão e Fé. Faixa 4 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1998.
61
“Entende-se como entidade sonora e entidade rítmica, o grupo de sons ou ritmos passíveis de
serem isolados dentro do contexto musical, graças às suas qualidades, ou seja, aos efeitos sonoros
específicos. Apesar de possuir valor musical individual, uma entidade sonora ou rítmica tem sua
relevância aumentada na medida em que se opõe a outras entidades.

27
“Já bate o sino, bate na catedral
E o som penetra todos os portais
A igreja está chamando seus fiéis
Para rezar por seu Senhor
Para cantar a ressurreição”

É comum encontrarmos nas letras do Milton, a mistura dos valores sagrados


contrastando com outras filosofias e pensares, por exemplos quando diz na canção
“Beco Do Mota” do disco Milton Nascimento (1969):

“Clareira na noite, na noite


Procissão deserta, deserta
Nas portas da arquidiocese desse meu país
Profissão deserta, deserta”

Além do elemento local/global indicado por: “meu país” , a letra apresenta a imagem
de uma circunscrição eclesiástica. Representações de catedrais e igrejas permeiam
as músicas, vistas também da “Paisagem da Janela”62. As rimas “procissão” com
“profissão” ao começo do segundo e quarto verso estabelecem uma aproximação
entre as procissões católicas e os músicos de baile ,tais como os do Clube da
Esquina, que povoavam as ruas noturnas do Brasil. A faixa logo de início apresenta
um canto gregoriano, e também sua primeira referência direta ao canto litúrgico na
discografia. Na faixa "Cio Da Terra”63 do álbum Geraes (1976), composição que foi
feita junto com Chico Buarque, Milton traz referências textuais sacras quando
cantam: “Forjar no trigo o milagre do pão”, ou em “Milagre Dos Peixes” quando o
próprio título da faixa possui significação bíblica. Vemos na pessoa do Milton, mais
uma vez refletidas as características do Brasil, como esse sincretismo de fé e
crenças em suas influências. Tendo em vista que esse conflito e contradições que
comporta, carregam a sua música de potencialidades.

62
______. Paisagem da Janela. Faixa 12 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI, 1972.
63
______. Cio da Terra. Faixa 14 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.

28
c) Minas

Boa parte da obra musical do Milton Nascimento está repleta de referências ao


Estado de Minas Gerais, e suas cidades, vilas e aldeias. Seja referências diretas, ou
indissociáveis da alma de suas criações artísticas. O modo de ser e viver do
cidadão mineiro, principalmente do interior, está contemplado nas canções do Milton
Nascimento e é demonstrado nas letras através das paisagens naturais e urbanas,
bem como na questão do trem de ferro e de suas estações, das suas praças e
casas, através das zonas urbanas que possuíam uma rotina comercial intimamente
ligada às ferrovias. Assim, a música a qual estudamos estampa questões
estritamente culturais e do viver populacional mineiro.

Então, percebemos que essa influência da música sacra está relacionada com o
aspecto local presente, e muito se deve ao fato de Minas Gerais ser um estado
majoritariamente católico, com uma colonização de fé cristã. Ademais, por possuir
relevo montanhoso acaba por isolar vilarejos e cidades, conservando costumes e
tradições, mas claro resguardando variações estéticas de nicho, devido às suas
largas extensões territoriais. O Estado de Minas Gerais, também foi espaço de
grandes compositores da música regional como: Altemar Dutra, Dércio Marques,
Barnabé, Rubinho do Vale, Flávio Venturini, entre outros. Das correntes estéticas
regionais e musicais mineiras prevaleciam: O sertanejo raíz (conta as histórias do
campo) com as modas de viola, as toadas e as trovas (histórias cantadas em forma
de poesia).

Assim, ao pensar nas características religiosas e também regionais das canções,


percebemos que elas estão, de maneira complexa64, conectadas às particularidades
memoriais mineiras da obra. Também sabendo que o Clube da Esquina atuou no
resgate dessa musicalidade arraigada aos recônditos mineiros, um processo
parecido ao que o Tropicalismo também implementara. Uma música que nos ajuda

64
Procuramos entender a palavra “complexa” aqui de acordo com o pensamento de Edgar Morin
onde: “[...] a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes
heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num
segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações,
retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico (MORIN, 2005, p.
13).”

29
a elucidar esses argumentos é a primeira do disco Geraes (1976). “Fazenda”65
começa com o mesmo acorde orquestral em que Milton termina a faixa “Simples”66,
a última67 do LP Minas68 (1975), ambas com arranjos de Nelson Ângelo, revelando a
conexão entre as obras. Em “Fazenda” a letra faz alusão ao viver natural mineiro:

“Água de beber, bica no quintal,


Sede de viver, tudo
E o esquecer era tão normal
Que o tempo parava

E a meninada, respirava o vento


Até vir a noite, e os velhos falavam
Coisas dessa vida, eu era criança
hoje é você, e no amanhã, nós

[...]

Tinha sabiá, tinha laranjeira,


tinha manga rosa, tinha o sol da manhã
E na despedida, tios na varanda,
Jipe na estrada, e o coração lá”

Há nos elementos textuais algumas características que compõem a obra do Milton e


das tradições mineiras. No trecho: “Tios na varanda, jipe na estrada” está posto o
costume dos familiares irem para fora de casa se despedirem até o automóvel sumir
das vistas, a importância da varanda e do quintal como ambientes de socialização,
família, resistência e memória. Geni Marcondes em depoimento69 para o site do
Milton Nascimento, destaca o resgate da sonoridade regionalista e seus efeitos na
MPB:

“Milton na sua infância que é melhor fase para o aleitamento com as raízes
culturais de um povo - ao ouvir os violeiros mineiros) e a sua maneira
elegantíssima de usar o ritmo rural da toada, misturando-o ao balanço do

65
______. Fazenda. Faixa 1 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.
66
______. Simples. Faixa 11 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1975.
67
“Minas” foi lançado no formato LP em 1975, e vinte anos depois o: “CD foi lançado com duas
músicas a mais do que o LP - as faixas 12 e 13 - mas ambas sem as datas originais de gravação,
sem créditos aos músicos que delas participam e sem explicação quanto à origem”. Logo a última
faixa deixa de ser a canção “Simples” do Nelson Ângelo. Citação extraída do site:
<https://discografia.discosdobrasil.com.br/discos/minas.> Acesso em: 18/01/2023.
Processo parecido se deu com o formato CD do disco Milton (1970) que foi relançado também em
1995, com a adição de quatro faixas bônus que faziam parte da trilha sonora do filme: Tostão A Fera
De Ouro (1970), gravadas pela Odeon.
68
NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro. EMI. LP/CD. 1975/1995.
69
Disponível em: <http://www.miltonnascimento.com.br/discos.php?id=78>. Acesso em: 20/01/2023.

30
samba moderno, mostrando, pela primeira vez, no panorama de nossa
música, aquilo que eu sempre dizia e não acreditavam: os ritmos rurais, se
bem aproveitados e elaborados, podem injetar sangue novo na criação
popular do compositor brasileiro. Mas pensavam que era piada de caipira."
(MARCONDES, s/d, s/p.)

A valorização do lugar de onde veio, das suas raízes, de onde se criou e se tornou
Milton Nascimento, traços de tamanha generosidade é observada desde o seu
primeiro disco Travessia (1967), em oposição a outra peculiaridade da sua música
que é a de se colocar em movimento, num ciclo de “Encontros e Despedidas”70 que
nos mostram caminhos e perspectivas do ir e vir da vida em seus trajetos poéticos.
Bem como em “Três Pontas”71 onde o eu lírico nos situa em uma estação de trem,
72
ou ainda num “Carro de boi sair por aí”, ou quem sabe em “Ponta De Areia” cujo
versos expressam falta e vazio: “Maria fumaça não canta mais, para moças, flores,
janelas e quintais”. Em “Morro Velho”73 essa visão da despedida está lá também
“Some longe, o trenzinho ao deus-dará”. Enfim, essa perspectiva textual, cria
imagens e rege muito dos recursos composicionais musicais do Clube da Esquina.
Fator esse que, talvez, se deve ao interior mineiro onde Milton crescera, sabendo
que Minas Gerais e suas vastas terras estão, de certa forma, afastadas do circuito
comercial e cultural brasileiro quando comparadas aos outros grandes centros da
região Sudeste como Rio de Janeiro e São Paulo. Logo, o caminho natural para o
músico além de tocar nos bailes e nas noites mineiras, era o de sair da cidade, e
quem sabe do Estado, desta maneira entendemos um pouco melhor a importância
que tem a estrada, o chão, a poeira, a estação e o cais. Tais palavras simbolizam
rotas de fuga, orientando as estruturas sonoras e poéticas do movimento musical
Clube da Esquina.

Assim como, podemos observar na falta do movimento melódico dos motivos de “Os
Povos”74, refletindo a construção textual, que diz: “Na beira do mundo/ Portão de
ferro, aldeia morta, multidão”. O que nos dá a entender que a cidade está parada,
assim como o povo que: “Não quis saber do que é novo, nunca mais”, o que os

70
______. Encontros e Despedidas. Faixa 8 CD Encontros e Despedidas, Milton Nascimento,
Europa: Polydor, 1985.
71
______. Três Pontas. Faixa 2 CD Travessia, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.
72
______. Carro de Boi. Faixa 6 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.
73
______. Morro Velho. Faixa 7 CD Travessia, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.
74
______. Os Povos. Faixa 14 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1972.

31
assemelham ao modo de viver de certas populações interioranas, desta maneira, a
tessitura melódica não ultrapassa um intervalo de segunda maior de onde partiu.

Figura 7 - Monotonia melódica nos motivos iniciais de “Os povos”.

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.187.

Além disso, o violão de acompanhamento também não sugere muito movimento ao


fixar a nota ré como um pedal. Tal estrutura tem seu antagonismo consolidado no
momento em que o Milton canta na canção: “A cordilheira de sonhos que a noite
apagou”, onde o desenho melódico além de ter o contorno de uma cordilheira,
insinua que eram os sonhos que davam vida a essa aldeia, estabelecendo um
contraste colorístico, quando relacionados com os motivos iniciais quase que
falados:

32
Figura 8 - A cordilheira de sonhos.

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.190.

Nos motivos iniciais da faixa “Cais”75 percebemos a utilização do mesmo recurso de


monotonia melódica, e com o passar dos compassos, observamos a melodia se
desprendendo e adquirindo contornos diversificados conforme as “invenções” do eu
lírico no texto. Assim como um “saveiro” parte do cais (zona de pouco movimento
melódico), onde o seu desejo é “se soltar”, ”seguir” numa metáfora com a própria
existência humana:

Figura 9 - Movimentos melódicos de “Cais”

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.72.

75
______. Cais. Faixa 2 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1972.

33
Nas faixas “Minas”76 do álbum Minas (1975) e “Minas Geraes”77, pertencente ao
álbum Geraes (1976), Milton Nascimento opta por não usar letras para representar a
terra onde cresceu, o simbolismo fica por parte da melancolia e beleza da
construção harmônico-melódica. Assim como não possui letra a música “Lília”78 do
álbum Clube da Esquina (1972), Wayne Shorter em entrevista para o jornal Estado
de Minas79 observa:

“E tem aquela música que Milton fez para a mãe adotiva, ‘Lília’, muito
interessante e sem letra. Um jeito muito imaginativo de cantar sobre alguém”

Outras faixas completamente instrumentais desse recorte histórico da obra


encontram-se no disco Milagre dos Peixes (1973) que teve quase todas as letras
censuradas pelo regime militar, e no disco Native Dancer (1974) feito com os
consagrados: Wayne Shorter e Herbie Hancock, álbum classificado pela crítica
como jazz fusion80 e world music.81

2) Transformação

Realmente nada foi como antes, e o caráter transformativo da música do Milton é


inerente à natureza composicional e da pessoa que se reinventava a cada disco.
Durante todo o recorte do nosso estudo, o Brasil vivia um período de Ditadura
militar, e diferente de outros artistas e compositores, o Milton Nascimento em
momento algum deixou o país, além disso assumiu um papel fundamental como voz
importante de luta e também resistência frente a repressão política-social sobre o
povo brasileiro. Os artistas e a classe intelectual da época com a finalidade de
76
______. Minas/ Paula e Bebeto. Faixa 1 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1995.
77
______. Minas Geraes. Faixa 12 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.
78
______. Lília. Faixa 18 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1972.
79
Disponível em:
<https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2022/03/12/interna_cultura,1352014/clube-da-esquina-atr
aiu-olhos-e-ouvidos-do-mundo-para-milton-nascimento.shtml>. Acesso em: 15/01/2023.
80
Jazz fusion (às vezes simplesmente citado como fusion) é um gênero musical que consiste na
mistura do jazz com outros estilos, particularmente rock 'n roll, funk, rhythm and blues, música
eletrônica e world music. O estilo começou com músicos de jazz que misturam as formas e técnicas
de jazz aos instrumentos elétricos do rock, aliados à estrutura rítmica da música popular
afro-americana, tais como o soul music e o rhythm and blues. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Jazz_fusion>. Acesso em: 16/01/2022.
81
“O termo foi concebido por Robert E. Brown no início da década de 1960, significando uma
amálgama de artes cênicas elaboradas de modo a promover a harmonia e o entendimento entre
culturas. O expoente máximo da world music, segundo a visão de Brown, era aprender as danças e
estilos musicais executando-os.” Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/World_music>. Acesso
em: 16/01/2022.

34
driblar a censura em suas obras, utilizavam-se de metáforas e colocações de
sentidos polissêmicos. A canção “Nada Será Como Antes”82 do disco Clube da
Esquina (1972) exemplifica:

“Eu já estou com o pé nessa estrada


Qualquer dia a gente se vê
Sei que nada será como antes , amanhã“

A letra indica esse sentido de mudança, de fé no futuro, de esperança no amanhã83


através de uma sonoridade que transita entre o rock e o pop. Outro exemplo de
sentido polissêmico é levantado por SEVERIANO e MELLO na “continuação” da
canção comentada anteriormente:

“Fé Cega, Faca Amolada’84 é uma espécie de continuação de ‘Nada Será


como Antes’ , ou seja, uma canção de oposição ao regime militar brasileiro,
escrita em linguagem bem mais agressiva, ao mesmo tempo em que mostra
um entrosamento maior da parceria Milton Nascimento - Ronaldo Bastos:
‘Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada/ Agora não espero mais
aquela madrugada/ vais ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada/ O
brilho cego de paixão e fé, faca amolada...’ O título tem origem no super
grupo pop inglês Blind Faith, de efêmera existência e nascido da ruptura de
dois outros grupos, Cream (Eric Clapton e Ginger Baker) e Traffic (Steve
Winwood), em 1969. O único disco do Blind Faith era um dos favoritos de
brasileiros, como Ronaldo Bastos e Gilberto Gil, que viviam em Londres na
época. ‘Fé Cega’ é pois ‘blind faith’, tendo o adjetivo ‘amolada’ o duplo
sentido de ‘afiada’ e ‘contrariada’. A sequência melódica relativamente
simples e repetida de forma insistente em ‘Fé Cega, Faca Amolada’ não
seria suficiente para alcançar o brilhante resultado mostrado no disco. Para a
obtenção deste resultado devem ser também creditadas as notas picadas do
sax-soprano de Nivaldo Ornelas, criando um clima nervoso em perfeita
consonância com o objetivo da canção, o interlúdio musical decididamente
pop, a voz convicta de Milton, usando com perfeição o falsete, e a voz aguda
de Beto Guedes, que soa às vezes como um eco ao canto de Milton. Este
elepê, intitulado Minas, é um marco na carreira de Milton Nascimento, pois
além de ter sido o primeiro a colocá-lo num patamar de alta vendagem,
dobrando sua média anterior, consolidou a sua carreira de grande astro da
música brasileira.” (SEVERIANO; MELLO, 1997, p.210-211)

Milton quando expõe seu aspecto de latinidade na música, afirmando que todos
somos parte de um continente chamado América do Sul e que temos por
semelhança: a colonização do nosso território pelo velho continente. O que reforça

82
______. Nada Será Como Antes. Faixa 20 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de
Janeiro: EMI, 1972.
83
Outra música que apresenta essa ideia polissêmica, em outro artista contemporâneo ao Milton, é a
faixa “Apesar de Você” do Chico Buarque, essa canção foi lançada em compacto simples em 1970.
Compartilhava da mesma fé no amanhã, no fim da ditadura, porém a música do Milton estava menos
explícita nas críticas ao regime. Chico trabalhou com Milton em 1978, ao gravarem a música “Cálice”
que também tinha duplo sentido para ludibriar os censores. Esta última foi composta por Chico
Buarque e Gilberto Gil.
84
______. Fé Cega, Faca Amolada. Faixa 2 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,
1995.

35
também que habitamos os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos,
portanto em sua maioria impactados por misérias, guerras e desigualdades,
deixando sequelas terríveis até os dias atuais. Na faixa “Canto Latino” temos a
primeira referência dessa expansão de pertencimento local na obra discográfica do
Milton Nascimento:

“Pois esse canto latino


Canto para americano
E se morre vai menino
Montando na fome ufano

Vale lembrar que “americano” aqui está relacionado aos povos da América Latina e
não da maneira denotativa que os estadounidenses gostam de se auto nomear. E
os “Ufanos” montados na fome, para além das aliterações, assumem
representatividade de alguns conservadores e militares pró regime ditatorial
montados nas costas do povo faminto. A partir deste disco Milton (1970), nós
percebemos uma preocupação maior do compositor com o sentido político e de luta
das canções, em detrimento dos seus três primeiros trabalhos, o rompimento
estético é notado com a primeira aparição da guitarra elétrica, além de uma
sonoridade influenciada pelo rock progressivo junto a banda de apoio “Som
Imaginário”. O que também vai ao encontro do que pensa o músico Luiz Tatit sobre
a década de 1970 e as tensões políticas brasileiras:

"Qualquer década que viesse depois dos anos 60 ficaria atônita diante dos
desafios propostos pelo período. Não por acaso, foi escolhida a década de
1970, bem menos ‘nervosa’ que a anterior e mais preparada para dar vazão
às tensões que [...] vinham então se acumulando”. (TATIT, 2005, p.19)

Quando Milton Nascimento e Chico Buarque regravaram a música do novo trovista


cubano Pablo Milanés "Canción Por La Unidad Latinoamericana85” pertencente ao
álbum Clube da Esquina (1978) no ritmo de salsa, claramente buscavam
aproximação cultural com Cuba que vivera seu processo revolucionário fazia menos
de vinte anos, a música contempla o movimento de resistência às ditaduras da
América Latina da década de 1970, inserindo-o em um processo histórico dirigido
pelo povo. A canção original, composta por Milanés, foi criada no auge da Guerra

85
______. Canción Por La Unidad Latinoamericana. Faixa 13 CD Clube da Esquina 2, Milton
Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1998. ______. Canción Por La Unidad Latinoamericana.
Faixa 10 LP La Vida No Vale Nada, Pablo Milanés, Espanha: Movieplay, 1976.

36
Fria e tornou-se um “hino” socialista, expondo dessa maneira certos
posicionamentos de espectro político do compositor em estudo.

Para além do caráter político e o pertencimento latino americano, outras


composições podem ser colocadas dentro da categoria Transformação proposta,
pois esse é um fenômeno que ocorre de várias maneiras na obra, a exemplo de
“Travessia”86, a música que lhe lançou para o mundo tem forma:
“intro/A//B//A’//B//A’/coda”. Onde o que diferencia as duas primeiras seções "A" é a
letra, em seguida ocorre o contraste transformativo da seção B onde a música
atinge seu clímax melódico, quando a canção chega na seção A’ a letra expressa
um sentimento de renovação, agora o eu lírico já não quer mais se matar quando
afirma: “Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você”, ou seja realmente
fazendo uma travessia da angústia, do sofrimento. O curioso é que com a mesma
melodia Fernando Brant e Milton Nascimento conseguiram passar ideias de
significados contrastantes. Mostrando a potencialidade melódica do Milton ao
permitir flexibilidade de significações em sua estrutura textual. Outras canções,
dentro do recorte histórico proposto, que também se encaixam nessa categoria são:
“Irmão de Fé”87; “Canção do Sal”88; “A Sede do Peixe (Para o que não tem
Solução)”, “Clube da Esquina nº2”89; entre outras

86
______. Travessia. Faixa 1 CD Travessia, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.
87
______. Irmão de Fé. Faixa 4 CD Travessia (reedição do LP Milton Nascimento de 1967, Milton
Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.
88
______. Canção do Sal. Faixa 5 CD Travessia (reedição do LP Milton Nascimento de 1967, Milton
Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.
89
______.Clube da Esquina nº2. Faixa 11 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI, 1972.

37
Figura 10 - Fragmento da música “Travessia”

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.236.

3) Ingenuidade

A infantilidade na obra do Milton, a questão da criança, do pequeno ser interior que


nunca morre, do menino que ainda existe como o do poema Velha Chácara90 de
Manuel Bandeira, esse aspecto intertextual que apelidamos de ingenuidade é
representado na obra sob a forma de entidades orgânicas elementares, e seu
referente musical: os coros de vozes infantis. Observemos a teorização do termo
por BARBOSA e BARRENECHEA:

A expressão entidades orgânicas elementares é usado aqui no


sentido ideogramático. Como a própria palavra sugere, sua utilização
descreverá a intertextualidade em que um elemento musical com
proporções reduzidas é copiado e transportado para dentro de um
outro contexto musical, sem que o mesmo perca sua identidade ou
efeito sonoro. (BARRENECHEA E BARBOSA, 2003, p.127)

Descrevendo exatamente o que acontece com o motivo principal da vinheta de


“Paula e Bebeto”91 que abre o disco num medley com a faixa homônima “Minas”
(1975) cantada pelo coro de meninos de Petrópolis. O tema de abertura
posteriormente retorna por diversas vezes, como se fosse um leitmotiv92. O que nos
90
“A casa era por aqui.../ Onde? Procuro-a e não acho./ Ouço uma voz que esqueci:/ É a voz deste
mesmo riacho./ Ah quanto tempo passou!/ (Foram mais de cinquenta anos.)/ Tantos que a morte
levou! (E a vida... nos desenganos...)/ A usura fez tábua rasa/ Da velha chácara triste:/ Não existe
mais a casa.../ — Mas o menino ainda existe.” (BANDEIRA, 1940, s/p)
91
______. Paula e Bebeto. Faixa 10 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1995.
92
“Leitmotiv’ (do alemão, motivo condutor) é uma frase musical curta e constantemente recorrente.
Em música, é uma técnica de composição introduzida por Richard Wagner em suas óperas, que

38
expressa a inocência intrínseca ao compositor, tal vinheta ao se misturar com a
melodia de outras canções em tonalidades distintas geram um choque sonoro
interessante, que foi bem controlado na questão das dinâmicas, dos arranjos
compostos, e da mixagem causando uma mistura de sentimentos e sensações no
ouvinte:

“No álbum Minas, em 1975, o tratamento da canção alcançou um ponto


poucas vezes atingido se observamos a intertextualidade de elementos que
trafegam em torno da canção. Um coro de quatro meninos vocaliza o início
da canção “Paula e Bebeto”, de Milton e Caetano Veloso. Esse coro aparece
por várias vezes no álbum, porém, em momentos distintos. Surge em
tonalidade diferente da música que se apresenta, em outro andamento e em
situações distintas. Como um tema recorrente, desponta nos momentos
menos esperados.” (VILELA, 2010, p.26)

Notamos assim que o tema de “Paula e Bebeto” é repetido em várias outras obras,
textualmente ou transformado, com o coro de crianças para fazer valer a ideia do
"qualquer maneira de amor vale à pena", no sentido que é um amor ingênuo,
inocente, igual ao de criança. Em diversas canções este coro aparece em textura
heterofônica, o que nos sugere conflito. Se apresenta transformado, no disco Minas
(1975): no medley com “Minas”, em "Ponta de Areia" (no início da música),
"Saudades dos aviões da Panair" e com a canção “Idolatrada”93. No disco Caçador
de Mim (1981)94, aparece de modo lento na introdução da faixa homônima "Caçador
de Mim"95. Ao final da música “Nos Bailes da Vida", o coro é adulto e
predominantemente feito de vozes masculinas. As vozes são cantadas
homofonicamente e o timbre fica ambíguo, soando entre a voz juvenil masculina e a
voz adulta imatura.

Outras autocitações de linhas melódicas da obra do Milton podem ser vistas através
do coro de vozes que cantam “San Vicente”96 (1972) na introdução na faixa
“Credo”97 (1978); ou através da repetição instrumental da parte “B” de “Cais”(1972)

consiste no uso de um ou mais temas que se repetem sempre que se encena uma passagem da
ópera relacionada a uma personagem ou a um assunto.” Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Leitmotiv>. Acesso em: 20/01/2023.
93
______. Idolatrada/Paula e Bebeto. Faixa 8 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,
1995.
94
NASCIMENTO, Milton. Caçador de Mim. Philips Records. LP. 1981.
95
______. Caçador de Mim. Faixa 6 CD Caçador de Mim, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Philips
Records, 1981.
96
______. San Vicente. Faixa 9 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1972.
97
______. Credo. Faixa 1 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon,
1978.

39
que conduz todo encaminhamento harmônico da faixa “Que Bom Amigo”98(1978).
Desta maneira, tais recursos composicionais remetem a uma conexão entre os dois
discos intitulados Clube da Esquina.

Como observado, tal aspecto “ingênuo” da obra insinua-se quando Milton resgata a
memória dos trajetos das ferrovias de “Ponta de Areia”. Onde, após uma introdução
de flauta com sonoridade atonal99, nos remetendo a Stravinsky, o coro dos meninos
do disco Minas (1975) participa cantando a melodia principal. Melodia essa que por
sua vez também encerrará a canção. Em “Meu Menino”100 após uma desilusão
amorosa o eu lírico feminino afirma: “Se por acaso um dia você for embora/ Leve o
menino que você é”. Também na canção “Morro Velho” quando o “filho do preto”, em
sua inocência, trabalha e tem tanta sensação de pertencimento a terra a qual se
estabelece e onde se forma uma grande amizade, que ao se sentar naquele morro e
observar a fazenda, o narrador comenta: “Parece que tudo aquilo ali é seu”. Na faixa
“Bola de Meia, Bola de Gude”101 a importância da criança que salva o adulto
aparece, numa metáfora da figura do adulto enrijecido em seus ideais:

“Há um menino, há um moleque


morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão”

Outras canções se agrupam nesta categoria como: “Pablo”102,”Menino”103, “Leo”104,


“Toshiro”105, etc. Percebemos que quando Milton se utiliza desses coros de vozes
tem preferência por vozes masculinas, inclusive as histórias dessas canções

98
______. Que Bom, Amigo. Faixa 23 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1978.
99
“Essa ausência de centro tonal e até mesmo rítmico instaurados, também se apresentam na
moderna ‘Trastevere’. Na metade do disco ouve-se em ‘Trastevere’ o verso ‘a cidade é moderna’
(NASCIMENTO, 1975), cuja expressão cancional se assenta em uma atmosfera sonora na qual “o
conceito de melodia, harmonia e ritmo teve seu rompimento total” (VILELA, 2000, p. 24). ______.
Trastevere. Faixa 7 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1995.
100
______. Meu Menino. Faixa 20 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1978.
101
______. Bola de Meia, Bola de Gude. Faixa 9 CD Miltons, Milton Nascimento, USA: CBS Records,
1988.
102
______. Pablo. Faixa 3 LP Milagre dos Peixes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon,1973.
103
______. Menino. Faixa 4 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.
104
______. Leo. Faixa 18 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon,
1978.
105
______. Toshiro. Faixa 21 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1978.

40
geralmente resgata a infância de um garoto, o que é representativo da própria
infância do Milton Nascimento.

4) Amor e Amizade

Além de ser um músico engajado politicamente, e ter consolidado Minas Gerais no


circuito da MPB junto ao Clube da Esquina. Milton, a exemplo da jovem guarda na
década anterior, também falava de amor e amizade. Como exemplo temos a
liberdade das formas de amar da letra de “Paula e Bebeto”:

“Eles partiram por outros assuntos, muitos


Mas no meu canto estarão sempre juntos, muito
Qualquer maneira que eu cante esse canto
Qualquer maneira me vale cantar”

Paula e Bebeto, mesmo separados, confessaram ainda serem eternos apaixonados.


Mas, para além das significações da história que inspirou “Bituca” e Caetano Veloso,
e para além dos aspectos de ingenuidade apresentados, essa letra também adquiriu
sentido polissêmico quando as discussões sobre novas possibilidades de
relacionamentos afetivos se instauraram no século XXI. Como a noção de texto não
tem o caráter fechado106 torna a letra da canção possível de ressignificação, assim
movimentos como o LGBTQIAP+ enxergam nessa música um pouco de
representatividade. Essa coisa das significações do amor mexia mesmo com Milton,
inclusive como já dito na pesquisa, um filme sobre a leve amizade de um “trisal”
“Jules et Jim” inspirou o compositor a escrever três canções numa noite. Outras
canções sobre amor no recorte são: “Me Deixa em Paz”107, “Viver de Amor”108,
“Tanto”109, “Meu Menino”110, etc.

106
“O estudo da intertextualidade em música aponta para o pressuposto que o conceito familiar de
obra - do grego érgon, como uma entidade fechada e autônoma, completa em si mesma, pode ser
questionado. Segundo o relativismo desconstrucionista, ‘a noção tradicional de ‘obra’ é substituída
pela noção de ‘texto’, mais adequada para designar o que, com efeito, é um ‘espaço
multidimensional’, ‘intertextual’, constituído pela absorção e transformação de vários outros textos’
107
______. Me Deixa em Paz. Faixa 13 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI, 1972.
108
______. Viver de Amor. Faixa 9 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.
109
______. Tanto. Faixa 14 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon,
1978.
110
Essa música reflete, de maneira velada, um suposto lado homoafetivo de Milton. Um amor
platônico direcionado possivelmente a algum jovem "protégée''. ______. Meu Menino. Faixa 20 CD
Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1978.

41
E o Milton como figura agregadora que se mostra a gostar de estar rodeado de
amigos, também compôs diversas canções homenageando o sentimento de
amizade que tanto valoriza: “Morro Velho”111; “Amigo, Amiga”112; “Canção Amiga”113,
“Que Bom, Amigo”, “Canção da América” 114.

5) Contemporaneidades

Entendemos que o Milton sempre esteve aberto às tendências globais, mas a partir
do disco Clube da Esquina (1972) esse pensamento se consolida e os músicos
mineiros tentavam acompanhar da maneira que dava as novas correntes estéticas.
Logicamente, atuando de acordo com o tempo que as informações artísticas e
musicais do mundo demoravam a chegar no Brasil na década de 1970. Assim, em
discos como: Milton (1970) e, principalmente, o Clube da Esquina (1972)
conseguimos perceber traços de movimentos como a contracultura, o rock
progressivo e o movimento hippie, além de experimentalismos e inovações
musicais.

Em suas melodias únicas, o posicionamento do canto do Milton Nascimento, em


boa parte das canções, obedece divisões rítmicas difíceis de se colocar na notação
musical, as transcrições muitas vezes sufocam, ou não dão conta completa do que
foi gravado. A maneira como se desloca no tempo do beat, onde naturalmente troca
a quadradez do metrônomo pela fruição d’alma cantora e livre. Deste “fora” do
tempo, por assim dizer, desse certo “atraso” como se estivesse em uma camada
anterior e própria da canção. Na linguagem do rap, diríamos que o Milton se
aproxima de um flow laid-back115, por se posicionar ,preferencialmente, depois do
beat, onde os ataques vocais aparecem ou sobram após os tempos fortes. Dessas
discrepâncias participativas com os integrantes do Clube, nasce o interessante

111
O violão que inicia essa música tem a mesma progressão melódico/harmônica de "Canção da
América" que se tornou o "hino" das celebrações de amizades, principalmente nas despedidas de
encontros, eventos, formaturas, etc.
112
______. Amigo, Amiga. Faixa 2 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1970.
113
______.Canção Amiga. Faixa 12 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1978.
114
______.Canção da América. Faixa 4 LP Sentinela, Milton Nascimento, São Paulo: Ariola Discos,
1980.
115
Um flow suave que se move sem muito esforço, normalmente utiliza menos palavras por versos, e
ataca após os tempos fortes, em sua entrega vocal sustenta as notas por mais tempo, relaxado. Por
mais definições do flow no rap: ”Ver ADAMS,Kyle (2009); CONDIT-SCHULTZ, Nathaniel. (2015).

42
groove de muitas canções. Abaixo, alguns exemplos das entradas vocais do Milton
Nascimento em compassos acéfalos:

Figura 11 - Posicionamento vocal nos motivos iniciais da faixa “Clube da Esquina nº2”116.

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p86.

Figura 12 - Posicionamento vocal do Milton nos motivos iniciais de: “E Daí? (A Queda)” 117.

Fonte: LOPES, Wilson. Songbook Milton Nascimento. Belo Horizonte: Neutra, 2017. p.118.

Milton em sua entrega vocal traz novo significado ao silêncio, a pausa que fala
quando se espera um ataque vocal na cabeça do tempo, este silêncio que compõe,
também carrega de intencionalidade as letras que por sua vez consagraram letristas
geniais. Uma quietude do campo, do roçado, daquele caboclo calado, de toda essa

116
______. Clube da Esquina nº2. Faixa 11 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI, 1972.
117
Essa música é o exemplo perfeito do uso da técnica composicional de texturas 'heterofônicas', a
partir dos dobramentos vocais inexatos que ele faz com a própria voz na melodia. Cada 'voz' se
desdobra numa “persona” diferente, como se fosse um alter ego do compositor. São iguais e são
diferentes.
______. E Daí? (A Queda) . Faixa 11 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon, 1978

43
poesia que torna um silêncio significante118, gerando entendimento no que foi dito, e
por consequência no que não foi dito também:

“Refletindo sobre o silêncio, compreende-se a necessidade do sentido


formulável: se ele é necessário, ele é possível e a garantia desta
necessidade é o silêncio, o não-dito, que significa. Os sentidos silenciados
migram, produzidos pela necessidade histórica, para outros objetos
simbólicos. Para se compreender um discurso, devemos então perguntar
sistematicamente o que ele cala.” (RIBEIRO, Antônio C, 2018, p.263)

Enfim, a figura do Milton Nascimento, nos causa esse silêncio de compreensão que
faz falta em um mundo globalizado, de velocidade e de consumo desenfreado,
trazendo as respostas das perguntas que esquecemos que havíamos feito.

O disco Clube da Esquina (1972) pelo seu caráter experimental pode ser
considerado um disco contemporâneo, uma vez que foi todo gravado apenas em
dois canais, além da troca de instrumentos de conforto exercida pelos músicos. Por
exemplo colocar o Milton Nascimento em um contrabaixo e o Wagner Tiso num
violão, de forma a explorar toda originalidade dos timbres obtidos nessas trocas
musicais. Uma experiência119 parecida de trocas de funções e instrumentos foi
realizada pelo jazzista Miles Davis no álbum Bitches Brew120 (1970) , que marcou o
começo da fase elétrica de Miles, onde esperava o pianista Chick Corea com um
“teclado de brinquedo” no estúdio, além de pedir para o guitarrista John McLaughlin
que tocasse como se não soubesse manusear uma guitarra. Provavelmente, tinha
como objetivo extrair algo genuíno. Em ambos os casos os álbuns foram bem
sucedidos em seus experimentos. Bitches Brew (1970) se tornou um disco
fundamental para o jazz, enquanto o Clube da Esquina (1972), embora de sucesso
tardio, hoje figura entre os grandes discos da MPB. Outros discos que podem ser
considerados categóricos das contemporaneidades e que pertencem ao recorte
histórico são: Milagre dos Peixes (1973); Native Dancer (1975).

118
Ver RIBEIRO, Antônio C. (2018).
119
Vale lembrar que o compositor italiano Luciano Berio usou deste recurso na obra Recital I (for
Cathy) - para soprano e 17 instrumentos. A obra foi dedicada e estreada por sua então mulher Cathy
Berberian em 1972. Nela faz os músicos trocarem os instrumentos entre si, e pedem para que tentem
tocar o melhor que podem de um determinado trecho da obra.
120
DAVIS, Miles. Bitches Brew. Washington D.C. Columbia Records. 1970.

44
Considerações Finais

Neste estudo não tivemos a pretensão de convencer ou provar pelas regras da


evidência que determinada obra do Milton Nascimento sofreu influência, mas de
acordo com os dados levantados inferir considerações hipotéticas de caráter
holístico sobre a natureza das obras analisadas. Apresentando-as de maneira
intertextual com teorias que dialogam com o pensar musical e o debate filosófico
gerado da poiesis desta pesquisa. Este estudo teve uma abordagem bottom-up, ou
seja partimos da base da pirâmide sem o objetivo de chegar ao topo, ou naquele
elemento constitutivo de análise com detalhamento de maior precisão, contudo
documentamos informações que ao serem tecidas em conjunto, através do
processamento histórico e contextual das impressões apontadas, nos fornecem
ferramentas que auxiliam entender as possíveis influências da musicalidade do
compositor.

O nosso recorte histórico (1967-1978) nos deu a possibilidade de analisar a obra em


uma década (1970) muito estudada pela musicologia popular, no entanto muitos
artistas como: Milton Nascimento e o Clube da Esquina, Novos Baianos, João
Bosco, Secos & Molhados, Gonzaguinha, Luiz Melodia, Som Imaginário, Raul
Seixas, Belchior, Alceu Valença, artistas da psicodelia nordestina entre outros
movimentos musicais não tiveram o acompanhamento acadêmico e midiático
devido, e acabaram sendo empurrados para segundo plano nos estudos científicos
e biográficos da época, e também da atualidade quando comparados a outros
artistas do Tropicalismo e dos ecos ainda presentes do movimento da Bossa Nova,
o que também tornou difícil a conceituação do Clube como um movimento musical.

45
Bibliografia:

ADAMS, Kyle. On the Metrical Techniques of Flow in Rap Music. Society for Music
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AMARAL, Chico. Caderno Cultura do jornal Estado de Minas. Artigo escrito em 12


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MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Ed. Sulina,


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46
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NASCIMENTO, Milton; BORGES, Lô. Clube da Esquina. Rio de Janeiro, EMI.


LP/CD. 1972/2007.

NASCIMENTO, Milton. Caçador de Mim. Rio de Janeiro, Philips Records. LP. 1981.

121
Na maioria dos discos as escutas foram realizadas por meio das mídias digitais (Spotify, Deezer,
Youtube) porém, documento aqui qual o seu paralelo em mídia física da época. As informações de
ficha técnica foram pesquisadas no site do Milton Nascimento, da Wikipedia e do Discogs, além de
periódicos sobre a obra e vida do compositor.

47
NASCIMENTO, Milton. Clube da Esquina 2. Rio de Janeiro. EMI-Odeon. LP/CD.
1978/(1988 & 2007122).

NASCIMENTO, Milton. Courage. SP-3019, US. A&M Records; CTI Records. LP.
1969.

NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro. EMI. LP. 1976.

NASCIMENTO, Milton. Milagre dos Peixes. Rio de Janeiro. EMI-Odeon. LP. 1973.

NASCIMENTO, Milton. Milagre dos Peixes (Ao vivo). Rio de Janeiro. EMI-Odeon.
LP. 1974.

NASCIMENTO, Milton. Milton Nascimento. Rio de Janeiro, EMI-Odeon. LP. 1969.

NASCIMENTO, Milton. Milton. Rio de Janeiro, EMI-Odeon. LP. 1970.

NASCIMENTO, Milton. Milton. USA. A&M Records/Polygram. LP. 1976.

NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro. EMI. LP/CD. 1975/1995.

NASCIMENTO, Milton. Travessia. Rio de Janeiro, Codil Ritmos. LP.1967.

NASCIMENTO, Milton. Travessia. Rio de Janeiro, Dubas. CD (reedição do LP Milton


Nascimento de 1967). 2002.

NASCIMENTO, Milton. Txai. USA. CBS Records. CD. 1990.

BRUBECK,The Dave Quartet. Time Out. Nova Iorque. Columbia/ Legacy. LP. 1959.

SHORTER, Wayne; NASCIMENTO, Milton. Native Dancer. USA/Brasil.


Columbia/EMI-Odeon. LP. 1974.

______.A Chamada. Faixa 4 LP Milagre dos Peixes, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI-Odeon,1973.

______. A Felicidade. Faixa 9 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI-Odeon, 1970.

______. Amigo, Amiga. Faixa 2 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI-Odeon, 1970.

______. Beco do Mota. Faixa 5 LP Milton Nascimento, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI-Odeon, 1969.

______. Bola de Meia, Bola de Gude. Faixa 9 CD Miltons, Milton Nascimento, USA:
CBS Records, 1988.

122
Relançamento do CD duplo em baú, junto do primeiro CD intitulado Clube da Esquina.

48
______. Caçador de Mim. Faixa 6 CD Encontros e Despedidas, Milton Nascimento,
Rio de Janeiro: Philips Records, 1981.

______. Cais. Faixa 2 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI, 1972.

______.Canção Amiga. Faixa 12 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio


de Janeiro: EMI-Odeon, 1978.

______. Canción Por La Unidad Latinoamericana. Faixa 10 LP La Vida No Vale


Nada, Pablo Milanés, Espanha: Movieplay, 1976.

______. Canción Por La Unidad Latinoamericana. Faixa 13 CD Clube da Esquina 2,


Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1998.

______. Canoa, Canoa. Faixa 7 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI-Odeon, 1978.

______. Canto Latino. Faixa 5 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI-Odeon, 1970.

______. Carro de Boi. Faixa 6 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,
1976.

______. Cio da Terra. Faixa 14 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,
1976.

______. Clube da Esquina nº2. Faixa 11 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento,


Rio de Janeiro: EMI, 1972.

______. Credo. Faixa 1 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI-Odeon, 1978.

______. Crença. Faixa 3 CD Travessia (reedição do LP Milton Nascimento de 1967,


Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.

______. E Daí? (A Queda) . Faixa 11 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento,


Rio de Janeiro: EMI-Odeon, 1978

______. Encontros e Despedidas. Faixa 8 CD Encontros e Despedidas, Milton


Nascimento, Europa: Polydor, 1985.

______. Fazenda. Faixa 1 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,


1976.

______. Fé Cega, Faca Amolada. Faixa 2 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI, 1995.

49
______. Gira, Girou, Faixa 8 CD Travessia (reedição do LP Milton Nascimento de
1967, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Dubas, 2002.

______. Idolatrada/Paula e Bebeto. Faixa 8 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI, 1995.

______. I Should Have Known Better. Faixa 2 LP A Hard Day’s Night, The Beatles,
Londres: Abbey Road Studios, 1964.

______. Leo. Faixa 18 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI-Odeon, 1978.

______. Lília. Faixa 8 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton Nascimento.


USA/Brasil: Columbia/EMI-Odeon, 1975.

______. Lília. Faixa 18 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI, 1972.

______. Maria, Maria. Faixa 19 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI-Odeon, 1978.

______. Me Deixa em Paz. Faixa 13 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio


de Janeiro: EMI, 1972.

______. Menino. Faixa 4 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1976.

______. Milagre dos Peixes. Faixa 3 LP Milagre dos Peixes, Milton Nascimento, Rio
de Janeiro: EMI-Odeon,1973.

______. Minas/ Paula e Bebeto. Faixa 1 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI, 1995.

______. Minas Geraes. Faixa 12 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI, 1976.

______. Morro Velho. Faixa 7 CD Travessia, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


Dubas, 2002.

______. Nada Será Como Antes. Faixa 20 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento,
Rio de Janeiro: EMI, 1972.

______. Norwegian Wood (This Bird Has Flown). Faixa 12 CD Minas, Milton
Nascimento, Rio de Janeiro: EMI, 1995.

______. Norwegian Wood (This Bird Has Flown). Faixa 2 LP Rubber Soul, The
Beatles, Londres: Abbey Road Studios, 1965.

______. Novena. Faixa 13 CD Angelus, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: Warner,


1993.

50
______. Meu Menino. Faixa 20 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de
Janeiro: EMI-Odeon, 1978.

______. Miracle of the Fishes. Faixa 4 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton
Nascimento. USA/Brasil: Columbia/EMI-Odeon, 1975.

______. Pablo. Faixa 3 LP Milagre dos Peixes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:
EMI-Odeon,1973.

______. Pai Grande. Faixa 7 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI-Odeon, 1970.

______. Paisagem da Janela. Faixa 12 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento,


Rio de Janeiro: EMI, 1972.

______. Para Lennon e McCartney. Faixa 1 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI-Odeon, 1970.

______. Ponta de Areia. Faixa 1 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton


Nascimento. USA/Brasil: Columbia/EMI-Odeon, 1975.

______. Ponta de Areia. Faixa 6 LP Milton, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,
1975.

______. Promessas do Sol. Faixa 8 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI, 1976.

______. Que Bom, Amigo. Faixa 23 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio
de Janeiro: EMI-Odeon, 1978.

______. Ruas da Cidade. Faixa 3 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio


de Janeiro: EMI-Odeon, 1998.

______. Saudades dos Aviões da Panair. Faixa 4 CD Minas, Milton Nascimento, Rio
de Janeiro: EMI, 1995.

______. San Vicente. Faixa 9 LP Clube da Esquina, Milton Nascimento, Rio de


Janeiro: EMI, 1972.

______. Simples. Faixa 11 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,


1975.
______. Take Five. Faixa 3 LP Time Out, The Dave Brubeck Quartet, New York:
Columbia Records,1959.

______. Tanto. Faixa 14 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


EMI-Odeon, 1978.

______. Tarde. Faixa 3 LP Native Dancer, Wayne Shorter; Milton Nascimento.


USA/Brasil: Columbia/EMI-Odeon, 1975.

51
______. Toshiro. Faixa 21 CD Clube da Esquina 2, Milton Nascimento, Rio de
Janeiro: EMI-Odeon, 1978.

______. Trastevere. Faixa 7 CD Minas, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,


1995.

______. Travessia. Faixa 1 CD Travessia, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


Dubas, 2002.

______. Três Pontas. Faixa 2 CD Travessia, Milton Nascimento, Rio de Janeiro:


Dubas, 2002.

______. Vera Cruz . Faixa 2 LP Courage, Milton Nascimento, US: A&M/CTI, 1969

______. Viver de Amor. Faixa 9 LP Geraes, Milton Nascimento, Rio de Janeiro: EMI,
1976.

52

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