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Quando se quer entender uma pintura, o ponto de partida é, obviamente, olhar para ela
o tempo necessário para ver detalhadamente o que ela mostra e como seus elementos estão
organizados. Esse é o começo, mas não é tudo. É preciso confrontar o que foi visto com um
conjunto de referências sobre o artista, sobre seu momento histórico, sobre a arte de seu
tempo, sobre a tradição construída em seu passado, uma tradição que o artista pode incorporar
ou negar.
Por um lado, se apenas olharmos a pintura, captaremos aquilo que está em sua
superfície, mas compreenderemos muito pouco os conceitos que pairam em torno dela.
Simplesmente olhar é insuficiente, porque o que devemos buscar não é apenas uma forma,
mas também um significado.
Por outro, se apenas tivermos as informações, perderemos de vista a concretude da
arte, e sua diversidade, aquilo que diferencia uma obra da outra, mesmo que pertençam a um
mesmo movimento ou a um mesmo artista. Se reduzirmos a arte a um esquema de “palavras”
associadas a “movimentos”, correremos o risco de tomar a história da arte como uma espécie
de receita culinária.
Portanto, o “olhar” e a “história” são duas fontes de informações que devem ser
tomadas simultaneamente.
Mas o que fazer quando não temos todas as referências necessárias sobre cada obra,
artista ou estilo? A resposta mais simples seria: temos que tentar ampliar nosso universo de
informações, continuamente.
O que devemos fazer, então, é potencializar as referências que temos,
independentemente de serem muitas ou poucas. O importante é não recusar olhar uma obra,
com o pretexto de que não se tem dados suficientes. A experiência (os livros, as conversas
sobre arte e, principalmente, as exposições) nos ensina a lidar com o que temos e, pouco a
pouco, isso vai enriquecendo naturalmente nosso repertório de informações.
Enquanto não temos essa experiência, podemos tentar encontrar pistas, fazendo a nós
mesmos algumas perguntas sobre o que estamos vendo. Vale lembrar que, na maioria das
exposições, um conjunto mínimo de informações acompanha a obra, e referências como o
nome do autor, a data, a técnica e o título, já são pistas importantes. Mas, como exercício,
podemos tomar a própria imagem como ponto de partida, e arrancar de nossos conhecimentos
informações que temos, e que muitas vezes não sabemos que são úteis, porque não estão
organizadas para essa finalidade.
Veremos a seguir alguns exemplos de perguntas que podemos fazer a nós mesmos –
não necessariamente nessa ordem, e não necessariamente apenas estas -, para guiar o nosso
olhar sobre uma imagem:
Qual a técnica utilizada? Pintura, gravura, fotografia, colagem? E também: o artista usa
pincel, espátula, as mãos; trabalha sobre papel, madeira, tecido, etc.?
Como o artista opera essa técnica, isto é, como ele trabalha com sua matéria prima e
com suas ferramentas? No caso de uma pintura, vejo camadas espessas de pigmento,
que cobrem completamente o que existia embaixo; ou há transparência, um pigmento
mais diluído, que me permite observar uma fusão de camadas. Há adição ou subtração
de pigmento? No caso de uma gravura, é possível distinguir quantas matrizes foram
utilizadas? E que tipo de matriz (madeira, metal, pedra)?
É possível perceber o gesto do artista? Como são suas pinceladas? Vendo a pintura,
podemos imaginar a intensidade com que tocava o pincel ou outro instrumento na tela,
a velocidade e a extensão do movimento de sua mão etc. O gesto é também
perceptível no caso de algumas esculturas.
Há objetos ou seres que podem ser identificados na pintura? Ela nos remete a algo que
conhecemos de uma experiência anterior, seja ela real ou fictícia (coisas, pessoas,
animais, personagens etc.); ou remete a elementos da própria imagem (formas, linhas,
cores, tons, contrastes, texturas etc.)? Isso significa identificar se a obra
é figurativa ou abstrata.
Se a imagem for figurativa, há um tema principal que pode ser identificado? O que está
sendo representado, essencialmente: uma paisagem, um rosto, uma ação, uma
passagem da história ou da literatura, objetos (e que tipo de objeto)? Isso nos ajuda a
definir o que chamamos de gênero da pintura.
Como o pintor representa a figura: os objetos são mostrados aparentemente do jeito
que seus olhos vêem ou de um modo que parece distorcido? Se existe distorção, o que
a rege: uma regra de representação (certas coisas são ensinadas, como uma
convenção, e por isso devem aparecer na imagem); uma tentativa de representar uma
“verdade” que não é visível aos olhos (um sentimento, uma ordem oculta, um
pensamento místico); um problema de composição da obra; uma nova proposta sobre
a forma como realmente o olho “enxerga”? Vale lembrar que “representar pelo olho”
não é uma forma mais neutra do que “representar pela regra”. Por exemplo: se um
personagem sagrado está no chão em vez de estar no céu, se está despido de pompas
e de sua aura, porque – supõe-se – é assim que ele seria visto pelo olho, pense, em
contrapartida, se já não existe um profundo significado ideológico na opção de ver tal
personagem sagrado pelo “olho” e não por uma noção de “alma”.
Alguns detalhes, cores ou objetos estão em cena porque são necessários a um efeito
realista ou então porque o artista fez questão de inseri-los? Árvores têm folhas verdes
e, portanto, não precisamos nos perguntar que significado particular têm as folhas ou
sua cor, elas simplesmente podem ajudar a “figurar” a árvore. Mas certos detalhes são
inseridos com um propósito especial: “invocar um significado simbólico”. Em geral, para
decodificar uma simbologia é preciso conhecer a história, e esse pode ser uma
limitação para o olhar “iniciante”. Mas lembremos que, antes de estudar a história, nós
fazemos parte dela. Sabemos, por exemplo, o que pode significar uma Cruz, ou uma
Estrela de Davi. Sabemos diferenciar a roupa e os objetos que identificam um
camponês, um rei ou um bispo. Sabemos reconhecer, pelo contexto da própria
imagem, se um nu significa pureza (a forma pura como viemos ao mundo) ou erotismo
(o despir-se). Boa parte da arte que estudamos, pertence à nossa própria história, à
nossa própria tradição. Por isso, com um pouco de imaginação, podemos interpretar
muitos símbolos da arte ocidental, que é a nossa arte.
Estas perguntas não constituem uma receita para interpretar a obra de arte. Em alguns
casos, muitas delas não farão sentido algum. Em outros, uma série de outras perguntas que
não estão aqui formuladas seriam importantes. O objetivo dessas questões é, sobretudo,
demonstrar a quantidade de informações que podem ser extraídas quando olhamos uma
pintura, e como elas podem formar um corpo de referências para pensarmos a obra.
Não nos esqueçamos que algumas outras informações são oferecidas fora da obra. É de
praxe que esteja identificado, ao lado da pintura, o autor, a data, a técnica utilizada e, se for
uma reprodução em catálogo ou livro, o tamanho. Atualmente, quase todas as exposições
dispõe de textos, catálogos, monitores, gravações explicativas etc. E ainda podemos prestar
atenção no formato da tela, no tipo de moldura (e se existe moldura), na forma como a obra
está exposta, nas obras que foram colocadas ao seu lado, e tantas outras coisas que nos
parecem secundárias. Tudo isso pode ser muito útil. Resta olhar e pensar