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251-08
MÓDULO 3 - AS QUALIDADES
DE UM BOM TEXTO
Passemos a qualidades que devem permear nosso texto e, antes dele, nosso próprio
pensamento.
1) Clareza
Pode-se definir como claro aquele texto que possibilita imediata compreensão pelo
leitor. Portanto, ele deve ser inteligível, limpo, fluido – o que exige, por exemplo,
pontuação adequada e a escolha estratégica das palavras.
Veja o que escreveu um estudante universitário que desejava apresentar seu artigo:
Note como, à medida que se vai lendo, o pensamento vai se tornando mais e mais
disperso. A quantidade de palavras abstratas – e praticamente só abstratas – faz
com que o leitor não tenha um referente bem delineado na realidade.
Note que terminamos o parágrafo sem saber de fato sobre o que o tal artigo fala.
Anote: Quanto mais geral e abstrato é o sentido de uma palavra, tanto mais vago e
impreciso; quanto mais específico, tanto mais concreto e preciso.
“Que é que expressamos realmente com o adjetivo ‘belo’, de sentido geral e abstrato,
aplicável a uma infinidade de seres ou coisas, quando dizemos uma bela mulher, um belo
dia, um belo caráter, um belo quadro, um belo filme, uma bela notícia, um belo exemplo,
uma bela cabeleira? É possível que a ideia geral e vaga de ‘beleza’ lhes seja comum, mas não
suficiente para distingui-los, para caracterizá-los de maneira inconfundível. Praticamente
quase nada se expressa com esse adjetivo aplicado indistintamente a coisa ou seres tão
díspares. Seria possível assinalar-lhes traços singularizantes por meio de outros adjetivos
mais especificadores: mulher atraente, tentadora, sensual, arrebatadora, elegante, graciosa,
meiga...; dia ensolarado, límpido, luminoso, radiante, festivo...; caráter reto, impoluto,
exemplar...; rapaz esbelto, robusto, guapo, gentil, cordial, educado... É certo que, ainda
assim, o resultado não seria grande coisa, pois muitos dos adjetivos propostos são ainda
bastante vagos e imprecisos, se bem que em menor grau do que ‘belo’. No caso, o recurso a
metáforas e comparações teria maiores possibilidades de salientar os traços mais
característicos e pitorescos do que a simples adjetivação.”
Veja como até mesmo expressões abstratas (como “expressão de caráter geral”) são
imediatamente compreendidas quando chega o exemplo concreto.
Isso não significa que toda palavra abstrata necessariamente deva se seguir de um
exemplo. Ao final do parágrafo, o filósofo fala, a saber, em “disposições dos seus
ouvintes”, sem explicar de forma pormenorizada a que está se referindo. Contudo,
pelo contexto não é difícil intuir a que se refere.
*A metáfora e a clareza
Metáfora é a figura de linguagem que faz uma palavra ser empregada fora do seu
sentido básico, passando a designar algo diferente por meio de uma comparação
entre seres de universos distintos.
A sabedoria popular traduzida nos provérbios é um exemplo de linguagem
metafórica bastante útil:
(Othon Garcia)
E por que a metáfora pode ser tão útil? Porque a formação imagética traz
esclarecimento ao leitor, aumentando sua conexão com a história. Temos um
vocabulário repleto de palavras abstratas, as quais não têm, por definição,
correspondência palpável no mundo real. Se digo que estou com fome, que imagem
costuma vir à cabeça? Talvez a de um estômago vazio. Isso ocorre porque “fome” é
substantivo abstrato, ao passo que “estômago” é concreto; somente o último tem
um correspondente imaginável.
A situação fica ainda menos ilustrativa quando usamos palavras como “saudade”,
“angústia”, “interpretação”, e, menos ainda, com conceitos específicos, como
“hermenêutica”, “epistemologia” e esses refinamentos de nossa mente. São
terrenos frios, não palpáveis, e o vácuo de imagens pode colocar o leitor pelado no
meio da Antártica, sozinho, rodeado por neve recém-caída a perder de vista (aliás,
veja que metáfora potente), daí o papel esclarecedor da metáfora.
Ainda que a maioria de nós não seja grande artista da palavra, não custa usar um
pouco de engenharia reversa para compreender de que maneira os grandes nomes
manuseiam a palavra e fogem dos lugares-comuns. Um dos recursos mais potentes
certamente são as figuras de linguagem.
Para que seja eficiente, as metáforas não podem ser batidas, sob pena de deixarem
o texto até mais pobre do que se não as tivesse. Metáforas já muito recicladas nos
soam tão familiares, que perdem sua capacidade de provocação. Dizer que o
resultado “abalou as estruturas” da empresa, que o professora “é fera” em
matemática ou que a mulher “brilhou como uma estrela” não agrega muito poder
expressivo.
“Enfim, como diz a famosa frase, ‘quem se lembra dos anos setenta é porque não
os viveu’. Acho que eu os vivi bastante bem, e, talvez por isso recorde tão pouco.
Por outro lado, às vezes também recorro a uma teoria pessoal provavelmente
ingênua, mas reconfortante: penso que talvez a imaginação concorra com a
memória para se apoderar do território cerebral. Vai ver que a gente não tem
cabeça suficiente para ser ao mesmo tempo memoriosa e fantasiosa. A louca da
casa, inquilina prendada, limpa os salões das lembranças para ficar mais à
vontade.” (Rosa Montero, A Louca da Casa)
Note como a imagem da imaginação (“a louca da casa”) limpando o que seriam os
salões da lembrança faz com que entendamos com perfeição o que a autora quer
dizer. Há ainda outras figuras de linguagem nesse trecho, mas a maioria delas
derivada da metáfora.
Agora veja esta outra passagem, escrita por um copywriter ao falar sobre o ato de
redigir:
“Estas são as duas grandes fugas de muitos profissionais que não dominam
gramática: ou elas se escondem na insegurança, ou elas se escondem atrás da
aparência de uma comunicação pedregosa.”
“Quando o profissional não domina a gramática, ele age de duas formas: ou evita
escrever, por medo de passar vergonha; ou escreve de maneira rebuscada e difícil,
para disfarçar sua falta de domínio da língua.”
2) Precisão
O atributo da precisão complementa o da clareza. Ser preciso significa escolher as
palavras com exatidão. Para isso, é indispensável conhecer o significado delas, bem
como analisar seu cabimento no contexto.
Os manuais de redação sempre enfatizam o dano que a falta de precisão na escolha
das palavras traz. Veja o exemplo abaixo:
“É bem difícil imaginar uma pessoa com sentimento, com consciência do dever
para consigo mesma e para com os outros, viver sozinha.”
A frase não apresenta um único erro gramatical ou coesivo, mas não consegue
passar a mensagem pretendida.
Veja o que diz o professor Alcir Pécora a respeito desse trecho:
“É bem possível que o seu usuário saiba exatamente a que se refere essa noção,
quais os valores que a fundamentam e os motivos que oferece para concluir o que
conclui. Mas certamente a simples menção à consciência do dever não é suficiente
para garantir a especificidade desse argumento, uma vez que a noção que o
constitui tem recebido os mais diversos empregos e recoberto instâncias tão
genéricas como contraditórias.”
Essa falta de intimidade com as palavras faz com que o recado seja passado de
forma trapalhona e tropeçante, como se nota nos excertos abaixo, retirados de
peças jurídicas reais:
O recado poderia ter sido transmitido de forma infinitamente mais precisa, correta
e sem rodeios. Exemplo:
“Os fatos contradizem a tese apresentada no processo. Como se percebe, o réu agiu
no exercício de seu direito e não cometeu nenhum ato ilícito.”
“As cabeças banais simplesmente não podem se decidir a escrever do modo como pensam,
porque pressentem que, nesse caso, o resultado teria um aspecto muito simplório. Mas já
seria alguma coisa. Se elas apenas se dedicassem com honestidade à sua obra e
simplesmente quisessem comunicar o pouco e usual que de fato pensaram, da maneira como
pensaram, seriam legíveis e até mesmo instrutivos dentro de sua esfera própria. Só que, em
vez disso, esforçam-se para dar a impressão de ter pensado mais e com mais profundidade do
que o fizeram realmente. Essas pessoas apresentam o que têm a dizer em fórmulas forçadas,
difíceis, com neologismos e frases prolixas que giram em torno dos pensamentos e os
escondem. Oscilam entre o esforço de comunicar e o de esconder o que pensaram. Gostariam
de expor o pensamento de modo a lhe dar uma aparência erudita e profunda, para que as
pessoas achem que há, por trás deles, mais do que percebem no momento.” (Schopenhauer,
A Arte de Escrever)
“Se você quer abolir o choro do seu bebê, deve explorar as possibilidades deste
remédio para cólica.”
(Seria mesmo “abolir” o choro? O bebê nunca mais chorará? O que seria “explorar
as possiblidades de um remédio para cólica”?)
É por isso, por exemplo, que uma palavra como “literalmente” vem ganhando
incontornável aumento de significado, deixando de designar apenas “em sentido
literal” (ou seja: ao pé da letra) e se tornando um intensificador de sentido mais
geral: “O ar estava tão frio, que eu literalmente morri congelado ontem”.
Uma manchete como esta a seguir não poderia ser menos precisa:
Gabriela Arruda de Abreu - cantanhedegabi@gmail.com - CPF: 058.815.251-08
3) Objetividade
Ser objetivo é ir diretamente ao assunto que se deseja abordar, sem voltas e
redundâncias. É preciso, para tal, que o escritor saiba quais são suas ideias-chave
dentro do texto, aquelas primárias, e quais são as ideias que orbitarão em torno das
principais, ou seja, as secundárias. Se as ideias secundárias não servirem para
detalhar, exemplificar ou esclarecer as primárias, provavelmente é melhor
descartá-las.
Uma das qualidades de um texto objetivo há de ser a concisão, ou seja, a
transmissão do máximo de informações possível com o mínimo de palavras
possível. O poema de José Paulo Paes concisamente nos traz esta lição:
Embora não tenha nenhuma incorreção gramatical, o texto é bem enfadonho, pois
peca pelo excesso de palavras e de ideias absolutamente cortáveis.
É claro que Arnaldo Jabor tem a vantagem de poder contar com uma linguagem um
pouco mais informal e artística, dado o gênero em que escreve (crônica). No
entanto, mesmo que tivesse de privilegiar uma linguagem mais formal, poderia
dizer: “Muitos não consideram jornalismo como literatura, pois os textos ali
produzidos são datados. Eu não poderia discordar mais: penso que o textos ligados
ao cotidiano do cidadão podem contribuir literariamente, sim, como provam
Rubem Fonseca e Nelson Rodrigues. Resolvi ser um jornalista que vive o fato e o
relata – não tolero profissionais que fazem comentários de forma asséptica, como
se não tivessem vivenciado aquilo sobre o qual dissertam.”
“Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir;
mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como
se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por
mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se
apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem
truncadas ou confusas.
Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa
ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé,
os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs
uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado.
Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de
frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali
relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas
gravuras que pendiam da parede.” (Machado de Assis, Missa do Galo)
Como o texto é narrado em primeira pessoa por Nogueira, é por meio das
descrições aparentemente banais dele que notamos – embora ele mesmo não note –
a volúpia de Conceição.
Gabriela Arruda de Abreu - cantanhedegabi@gmail.com - CPF: 058.815.251-08
4) Coerência e coesão
Coesão é a ligação, a interdependência entre as partes do texto, ocorrendo quando
usados os recursos formais da língua, a fim de se estabelecerem relações lógicas de
sentido (coerência). Pode-se, então, afirmar ser a coerência basicamente
consequência da coesão textual. Quanto mais coerente for o texto produzido, mais
interpretável será.
Observação: Um texto pode ser coerente sem que haja elementos linguísticos
expressos de coesão – são casos raros, mas existem –, no entanto é imperativo que
as partes textuais tenham relação entre si (coesão) para que sejam inteligíveis
(coerentes).
As perguntas feitas na carta, por sua vez, visam a suscitar reflexões absolutamente
coerentes com o cenário. Não se desperdiça uma única palavra. As frases são bem
construídas e breves, passando ar de segurança (apesar da humildade manifesta).
“Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o
Vice-Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me, o
que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que, numa reunião com
o Vice-Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no
episódio da "espionagem" americana, quando as conversas começaram a ser
retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça para conversar com o
Vice-Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de
confiança.”
Para construir seu argumento principal – de que era um vice “decorativo”, como
ele mesmo diz –, Temer apresenta inúmeros argumentos ao longo da carta, alguns
deles razoavelmente complexos, como no caso. O emprego dos elementos de coesão
é fundamental para construir a ligação de seus pontos, deixando o texto coerente e
fluido.
De toda forma, apenas a presença de elementos de coesão não é suficiente para que
o texto seja coerente. É comum encontrarmos textos com correlação frágil de
ideias, como no exemplo abaixo:
“Os políticos se condicionam pelo poder. Eles evitam encontrar seus eleitores em
shoppings, restaurantes e até mesmo em seus gabinetes. Recentemente, o deputado
X foi pego saindo pela porta de trás do gabinete para não se encontrar com uma
eleitora que vinha cobrar dele ações prometidas, mas não cumpridas.”
Antes de qualquer coisa: o que seria “condicionar-se pelo poder” e o que isso tem a
ver com a afirmação da segunda frase? Ademais, embora haja políticos que evitam
seus eleitores (como no caso do exemplo citado), não se pode afirmar que todos são
assim. A afirmação é genérica e fraca do ponto de vista argumentativo.
Estudaremos vários elementos de coesão mais à frente. Quanto à coerência,
certamente será trabalhada, como já vem sendo, ao longo de todo o curso.
5) Persuasão
Persuadir é levar alguém a crer ou a aceitar uma ideia. É por meio da persuasão que
se demonstra por que determinada coisa deve ser escolhida em detrimento de
outras.
Muitas são as possibilidades argumentativas para levar alguém a optar por algo:
pode-se argumentar que um bem é melhor porque ele vem acompanhado de outro;
que um bem é melhor porque ele é mais autossuficiente; que um bem é melhor
porque é mais raro; que um bem é melhor porque é mais útil; que um bem é melhor
porque nos inspira o que há de mais nobre e belo; que um bem é melhor porque
pessoas de bom entendimento o escolheram anteriormente etc.
- O segundo depende dos ouvintes: quando o discurso afeta suas emoções. Nosso
julgamento varia segundo experimentamos sentimentos diferentes (angústia, júbilo,
amizade, hostilidade);
Em 1891, pouco depois de ler O retrato de Dorian Gray, do grande Oscar Wilde,
um jovem perplexo, chamado Bernulf Clegg, escreveu ao autor, pedindo-lhe que
explicasse a afirmação “Toda arte é completamente inútil”, contida no prefácio do
romance. Para sua surpresa, Wilde não demorou a responder-lhe.
A arte é inútil porque seu objetivo se resume em criar um estado de espírito. Ela
não pretende instruir nem influenciar qualquer tipo de ação. Ela é esplendidamente
estéril, e a característica de seu prazer é a esterilidade. Se à contemplação de uma
obra de arte se segue qualquer espécie de atividade, ou a obra é medíocre, ou o
espectador não conseguiu ter a completa impressão artística.
Uma obra de arte é inútil da mesma forma que uma flor é inútil. Uma flor se abre
para sua própria alegria. Vivemos um momento de alegria ao contemplá-la. Isso é
tudo o que há para dizer sobre nossa relação com as flores. Naturalmente, alguém
pode vender a flor e, assim, torná-la útil para si mesmo, porém isso nada tem a ver
com a flor. Não faz parte de sua essência. É acidental. É uso indevido. Receio que
tudo isso seja muito obscuro. Mas o assunto é longo.
Ainda que haja argumentos contrários, as palavras são tão bem engendradas, as
frases se organizam de forma tão cadenciada, o pequeno drama nas curtas frases
finais é tão cativante, que se desperta a claramente poesia do olhar. A sublime
poesia da prosa também é persuasora.
Othon Garcia define “estilo” como “tudo aquilo que individualiza obra criada
pelo homem, como resultado de um esforço mental, de uma elaboração do espírito,
traduzido em ideias, imagens ou formas concretas. A rigor, a natureza não tem
estilo; mas tem-no o quadro em que o pintor a retrata, ou a página em que o
escritor a descreve. [...] quando falamos em ‘feição estilística da frase’, estamos
considerando a forma de expressão peculiar a certo autor em certa obra de certa
época”.
Escolher bem o tom é, portanto, escolher a feição do texto, que será responsável
por despertar no leitor sentimentos diversos.
Isso não significa, no entanto, que alguém mais doce não possa calibrar seu tom
para escrever de forma séria e impessoal, quando o contexto exigir. Novamente,
então, ressalta-se a importância de se pensar antes de escrever, a fim de fazer
escolhas conscientes e estratégicas.
Analisemos os excertos:
“Em meus tempos como professor, procurei fornecer aos estudantes de literatura
informações exatas sobre os detalhes e as combinações de detalhes que propiciam a centelha
sensual sem a qual um livro é uma coisa morta. Nesse sentido, as ideias gerais não têm a
menor importância. Qualquer idiota pode assimilar os principais elementos da posição de
Tolstói a respeito do adultério, porém, a fim de apreciar sua arte, o bom leitor deve desejar
visualizar, por exemplo, o interior de um vagão do trem noturno que ligava Moscou a São
Petersburgo cem anos atrás.” (Vladimir Nabokov, Lições de Literatura)
“Prezado senhor:
Gosto de palavras. Gosto de palavras gordas, untuosas, como lodo, torpitude,
glutinoso, bajulador. Gosto de palavras solenes, angulosas, decrépitas, como
pudico, ranzinza, pecunioso, valetudinário. Gosto de palavras espúrias, enganosas,
como mortiço, liquidar, tonsura, mundana. Gosto de suaves palavras com “V”,
como Svengali, avesso, bravura, verve. Gosto de palavras crocantes, quebradiças,
crepitantes, como estilha, croque, esbarrão, crosta. Gosto de palavras emburradas,
carrancudas, amuadas, como furtivo, macambúzio, escabioso, sovina. Gosto de
palavras chocantes, exclamativas, enfáticas, como astuto, estafante, requintado,
horrendo. Gosto de palavras elegantes, rebuscadas, como estival, peregrinação,
elísio, alcíone. Gosto de palavras vermiformes, contorcidas, farinhentas, como
rastejar, choramingar, guinchar, gotejar. Gosto de palavras escorregadias, risonhas,
como topete, borbulhão, arroto.
Acabei de voltar e ainda gosto de palavras. Posso trocar algumas com o senhor?