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Gabriela Arruda de Abreu - cantanhedegabi@gmail.com - CPF: 058.815.

251-08
MÓDULO 3 - AS QUALIDADES
DE UM BOM TEXTO

Gabriela Arruda de Abreu - cantanhedegabi@gmail.com - CPF: 058.815.251-08


AS QUALIDADES DE
UM BOM TEXTO
Considerando-se que “o caminho da cabeça para o papel é muito mais fácil do que
do papel para a cabeça” (Schopenhauer), é preciso que o escritor ajude o leitor a
entender exatamente o que se passa em sua cabeça; para isso, é necessário – antes
de tudo – pensar bem.

Passemos a qualidades que devem permear nosso texto e, antes dele, nosso próprio
pensamento.

1) Clareza
Pode-se definir como claro aquele texto que possibilita imediata compreensão pelo
leitor. Portanto, ele deve ser inteligível, limpo, fluido – o que exige, por exemplo,
pontuação adequada e a escolha estratégica das palavras.

Veja o que escreveu um estudante universitário que desejava apresentar seu artigo:

Meu artigo nesta semana será uma demonstração científica prático-teórica da


maneira pela qual os vocábulos em línguas diversas passam naturalmente por um
processo orgânico que se dá de forma sistemática, em toda a plenitude de sua
manifestação por meio de ações de economia de esforço dos indivíduos que a usam.

Note como, à medida que se vai lendo, o pensamento vai se tornando mais e mais
disperso. A quantidade de palavras abstratas – e praticamente só abstratas – faz
com que o leitor não tenha um referente bem delineado na realidade.

– O que concretamente é uma demonstração científica prático-teórica?


– O que é um processo orgânico?
– O que é uma forma sistemática?
– O que é plenitude de sua manifestação?
– O que são ações de economia de esforço? Que esforço?

Note que terminamos o parágrafo sem saber de fato sobre o que o tal artigo fala.

Anote: Quanto mais geral e abstrato é o sentido de uma palavra, tanto mais vago e
impreciso; quanto mais específico, tanto mais concreto e preciso.

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Sobre o emprego de palavras amplas e muito genéricas, ressalta Othon Garcia:

“Que é que expressamos realmente com o adjetivo ‘belo’, de sentido geral e abstrato,
aplicável a uma infinidade de seres ou coisas, quando dizemos uma bela mulher, um belo
dia, um belo caráter, um belo quadro, um belo filme, uma bela notícia, um belo exemplo,
uma bela cabeleira? É possível que a ideia geral e vaga de ‘beleza’ lhes seja comum, mas não
suficiente para distingui-los, para caracterizá-los de maneira inconfundível. Praticamente
quase nada se expressa com esse adjetivo aplicado indistintamente a coisa ou seres tão
díspares. Seria possível assinalar-lhes traços singularizantes por meio de outros adjetivos
mais especificadores: mulher atraente, tentadora, sensual, arrebatadora, elegante, graciosa,
meiga...; dia ensolarado, límpido, luminoso, radiante, festivo...; caráter reto, impoluto,
exemplar...; rapaz esbelto, robusto, guapo, gentil, cordial, educado... É certo que, ainda
assim, o resultado não seria grande coisa, pois muitos dos adjetivos propostos são ainda
bastante vagos e imprecisos, se bem que em menor grau do que ‘belo’. No caso, o recurso a
metáforas e comparações teria maiores possibilidades de salientar os traços mais
característicos e pitorescos do que a simples adjetivação.”

Para a explicação de conceitos mais abstratos, é preciso tomarmos cuidado a fim de


evitar a vagueza. Foi o que fez Aristóteles ao dar a seguinte explicação:

“Como já asseverei, a máxima é uma forma de expressão de caráter geral; ora, as


pessoas apreciam ver expresso em termos gerais aquilo que já conceberam antes
individualmente. Por exemplo, aqueles que têm maus vizinhos ou maus filhos não
deixarão de dar boa acolhida a qualquer um que declare que ‘nada é mais penoso do
que ter vizinhos’, ou então ‘Não há pior insensatez do que gerar filhos’. A
conclusão é que o orador deve ter em cista apurar quais são as disposições de seus
ouvintes no tocante aos assuntos relativamente aos quais eles realmente já detêm
opinião e quais são essas opiniões; em seguida deve externar-se de uma maneira
geral acerca desses assuntos.” (Aristóteles, Retórica)

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Note como, embora trate de um assunto teórico e esteja explicando um conceito,
Aristóteles se faz claro: ele começa com uma definição (“a máxima é uma forma de
expressão de caráter geral”), acresce um comentário que advém de uma percepção
própria sua (“ora, as pessoas apreciam ver expresso em termos gerais aquilo que já
conceberam antes individualmente”) e, na sequência, para se fazer cristalino,
apresenta um exemplo cotidiano. Por fim, conclui algo que o orador deve fazer
(“apurar as disposições dos seus ouvintes...”), fechando o parágrafo com uma
retomada de sua ideia inicial.

Veja como até mesmo expressões abstratas (como “expressão de caráter geral”) são
imediatamente compreendidas quando chega o exemplo concreto.

Isso não significa que toda palavra abstrata necessariamente deva se seguir de um
exemplo. Ao final do parágrafo, o filósofo fala, a saber, em “disposições dos seus
ouvintes”, sem explicar de forma pormenorizada a que está se referindo. Contudo,
pelo contexto não é difícil intuir a que se refere.

Assim, pode-se concluir que a grande sabedoria está na virtude, ou seja, no


caminho do meio. Para que o leitor seja devidamente orientado, é preciso que o
escritor primeiro formule em sua própria cabeça o que deseja transmitir e só depois
passe, com estratégia e didática, para o papel.

*A metáfora e a clareza
Metáfora é a figura de linguagem que faz uma palavra ser empregada fora do seu
sentido básico, passando a designar algo diferente por meio de uma comparação
entre seres de universos distintos.
A sabedoria popular traduzida nos provérbios é um exemplo de linguagem
metafórica bastante útil:

(Othon Garcia)

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Quando não se está trabalhando com textos técnicos, que exigem linguagem
denotativa e função referencial da linguagem – como dissertações de mestrado e
ofícios de órgãos públicos, por exemplo –, as metáforas podem ser excelentes para
ilustrar o que se quer dizer.

E por que a metáfora pode ser tão útil? Porque a formação imagética traz
esclarecimento ao leitor, aumentando sua conexão com a história. Temos um
vocabulário repleto de palavras abstratas, as quais não têm, por definição,
correspondência palpável no mundo real. Se digo que estou com fome, que imagem
costuma vir à cabeça? Talvez a de um estômago vazio. Isso ocorre porque “fome” é
substantivo abstrato, ao passo que “estômago” é concreto; somente o último tem
um correspondente imaginável.

A situação fica ainda menos ilustrativa quando usamos palavras como “saudade”,
“angústia”, “interpretação”, e, menos ainda, com conceitos específicos, como
“hermenêutica”, “epistemologia” e esses refinamentos de nossa mente. São
terrenos frios, não palpáveis, e o vácuo de imagens pode colocar o leitor pelado no
meio da Antártica, sozinho, rodeado por neve recém-caída a perder de vista (aliás,
veja que metáfora potente), daí o papel esclarecedor da metáfora.

Ao filosofar sobre a escrita, disse o grande escritor Nabokov:

“Os grandes artistas aprenderam a expressar de maneira peculiar a cada um deles


uma série de surpresas especiais. Aos escritores menores resta a ornamentação dos
lugares-comuns, pois, não se dando ao trabalho de reinventar o mundo,
simplesmente tentam extrair o máximo possível de determinado esquema de coisas,
dos padrões tradicionais da ficção.”
(Vladimir Nabokov, Lições de literatura)

Ainda que a maioria de nós não seja grande artista da palavra, não custa usar um
pouco de engenharia reversa para compreender de que maneira os grandes nomes
manuseiam a palavra e fogem dos lugares-comuns. Um dos recursos mais potentes
certamente são as figuras de linguagem.

Para que seja eficiente, as metáforas não podem ser batidas, sob pena de deixarem
o texto até mais pobre do que se não as tivesse. Metáforas já muito recicladas nos
soam tão familiares, que perdem sua capacidade de provocação. Dizer que o
resultado “abalou as estruturas” da empresa, que o professora “é fera” em
matemática ou que a mulher “brilhou como uma estrela” não agrega muito poder
expressivo.

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Leia a seguinte passagem do livro A Louca da Casa, da escritora espanhola Rosa
Montero:

“Enfim, como diz a famosa frase, ‘quem se lembra dos anos setenta é porque não
os viveu’. Acho que eu os vivi bastante bem, e, talvez por isso recorde tão pouco.
Por outro lado, às vezes também recorro a uma teoria pessoal provavelmente
ingênua, mas reconfortante: penso que talvez a imaginação concorra com a
memória para se apoderar do território cerebral. Vai ver que a gente não tem
cabeça suficiente para ser ao mesmo tempo memoriosa e fantasiosa. A louca da
casa, inquilina prendada, limpa os salões das lembranças para ficar mais à
vontade.” (Rosa Montero, A Louca da Casa)

Note como a imagem da imaginação (“a louca da casa”) limpando o que seriam os
salões da lembrança faz com que entendamos com perfeição o que a autora quer
dizer. Há ainda outras figuras de linguagem nesse trecho, mas a maioria delas
derivada da metáfora.

Agora veja esta outra passagem, escrita por um copywriter ao falar sobre o ato de
redigir:

“Estas são as duas grandes fugas de muitos profissionais que não dominam
gramática: ou elas se escondem na insegurança, ou elas se escondem atrás da
aparência de uma comunicação pedregosa.”

Note como “esconder-se na insegurança” e “esconder-se atrás de uma


comunicação pedregosa” não são imagens visualmente compatíveis com a ideia de
“fuga”.

A insegurança é, na verdade, uma consequência de não se escrever bem, não uma


fuga. E a escrita “pedregosa”, por sua vez, é uma consequência da insegurança.
Logo: escrever mal gera insegurança, que culmina numa escrita pedregosa como
compensação.

Sem nenhuma metáfora, o trecho ficaria muito mais claro:

“Quando sente insegurança para escrever, o profissional costuma usar inúmeras


expressões difíceis, numa clara tentativa de disfarçar sua falta de domínio da
língua.”

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Ou então:

“Quando o profissional não domina a gramática, ele age de duas formas: ou evita
escrever, por medo de passar vergonha; ou escreve de maneira rebuscada e difícil,
para disfarçar sua falta de domínio da língua.”

Que a metáfora, quando bem-vinda, seja empregada para enriquecer o texto e


esclarecer as ideias.

2) Precisão
O atributo da precisão complementa o da clareza. Ser preciso significa escolher as
palavras com exatidão. Para isso, é indispensável conhecer o significado delas, bem
como analisar seu cabimento no contexto.
Os manuais de redação sempre enfatizam o dano que a falta de precisão na escolha
das palavras traz. Veja o exemplo abaixo:
“É bem difícil imaginar uma pessoa com sentimento, com consciência do dever
para consigo mesma e para com os outros, viver sozinha.”
A frase não apresenta um único erro gramatical ou coesivo, mas não consegue
passar a mensagem pretendida.
Veja o que diz o professor Alcir Pécora a respeito desse trecho:
“É bem possível que o seu usuário saiba exatamente a que se refere essa noção,
quais os valores que a fundamentam e os motivos que oferece para concluir o que
conclui. Mas certamente a simples menção à consciência do dever não é suficiente
para garantir a especificidade desse argumento, uma vez que a noção que o
constitui tem recebido os mais diversos empregos e recoberto instâncias tão
genéricas como contraditórias.”
Essa falta de intimidade com as palavras faz com que o recado seja passado de
forma trapalhona e tropeçante, como se nota nos excertos abaixo, retirados de
peças jurídicas reais:

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Veja a seguir o que significam algumas palavras usadas e como elas são
incompatíveis com a mensagem que o autor pretende passar:

O recado poderia ter sido transmitido de forma infinitamente mais precisa, correta
e sem rodeios. Exemplo:

“Os fatos contradizem a tese apresentada no processo. Como se percebe, o réu agiu
no exercício de seu direito e não cometeu nenhum ato ilícito.”

A respeito de adornos linguísticos como esses, assevera ferinamente Schopenhauer:

“As cabeças banais simplesmente não podem se decidir a escrever do modo como pensam,
porque pressentem que, nesse caso, o resultado teria um aspecto muito simplório. Mas já
seria alguma coisa. Se elas apenas se dedicassem com honestidade à sua obra e
simplesmente quisessem comunicar o pouco e usual que de fato pensaram, da maneira como
pensaram, seriam legíveis e até mesmo instrutivos dentro de sua esfera própria. Só que, em
vez disso, esforçam-se para dar a impressão de ter pensado mais e com mais profundidade do
que o fizeram realmente. Essas pessoas apresentam o que têm a dizer em fórmulas forçadas,
difíceis, com neologismos e frases prolixas que giram em torno dos pensamentos e os
escondem. Oscilam entre o esforço de comunicar e o de esconder o que pensaram. Gostariam
de expor o pensamento de modo a lhe dar uma aparência erudita e profunda, para que as
pessoas achem que há, por trás deles, mais do que percebem no momento.” (Schopenhauer,
A Arte de Escrever)

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Analise, por fim, as frases abaixo quanto à precisão:

“Se você quer abolir o choro do seu bebê, deve explorar as possibilidades deste
remédio para cólica.”
(Seria mesmo “abolir” o choro? O bebê nunca mais chorará? O que seria “explorar
as possiblidades de um remédio para cólica”?)

“Enfrentei muitas histórias felizes no consultório onde trabalhei. Pude perceber a


beleza da usualidade das dos meus pacientes.”
(O que seria “enfrentar histórias”? O que seria a “beleza da usualidade dos
pacientes”?)

“Só vamos melhorar a pandemia do coronavírus quando aprendermos a nos


relacionar com o vírus, pois ele não interromperá.”
(O que seria “melhorar a pandemia”? Torná-la ainda mais pandêmica? O que seria
se “relacionar” com um vírus? O que significa dizer que o vírus “não
interromperá”?)

*Palavras de sentido vago


Um dos grandes inimigos da precisão são as palavras de significado tão amplo, que
simplesmente não conseguem oferecer ao leitor um sentido bem delineado dentro
do contexto. Qual seria a explicação para que uma palavra como “ter”, por
exemplo, seja tão imensamente polissêmica (no dicionário Michaelis, são 46
entradas e 18 expressões registradas formalmente)?

O linguista Guy Deutscher explica:


“[...]a deterioração do significado não parece se originar de nenhum desejo
indolente de economia de esforços, mas pelo seu quase exato oposto: o desejo de
aumentar a expressividade. Os falantes às vezes se empenham bastante para
intensificar o efeito de seus enunciados, para dar mais força e ênfase às suas falas, e
ao fazer isso eles tendem a usar, a cada vez, palavras com significados mais
robustos. A curto prazo, esse método pode atingir objetivos almejados, porém, a
longo prazo, a estratégia é autodestrutiva, simplesmente porque ela é inflacionária.
[...]A força do significado de uma palavra particular depende de sua distintividade,
de modo que, quanto mais ouvimos uma palavra, e em contextos cada vez menos
específicos, menos poderosa é a impressão que ela causará.”

É por isso, por exemplo, que uma palavra como “literalmente” vem ganhando
incontornável aumento de significado, deixando de designar apenas “em sentido
literal” (ou seja: ao pé da letra) e se tornando um intensificador de sentido mais
geral: “O ar estava tão frio, que eu literalmente morri congelado ontem”.

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Embora tenha escrito seu livro na década de 60, já Othon Garcia anunciava um
fenômeno parecido com esse, que só viria a crescer:
“A polarização e o sentido intencional tornam a linguagem ainda mais
polissêmica, agravando os conflitos e desentendimentos. Que se entende
exatamente por nacionalista, entreguista, reacionário, democrata, imperialista,
comunista, socialista ou subversivo? Há trinta anos ou menos, nazistas e fascistas,
que se opunham, e ainda hoje se opõem, a comunistas, diziam-se, e ainda se dizem,
nacionalistas; hoje os nacionalistas são com frequência tachados de comunistas, e
aqueles outros, de reacionários. Os partidários da estatização eram antes fascistas,
hoje são comunistas, mas eles mesmos se dizem nacionalistas. Quem defende a
iniciativa privada é anticomunista para uns, reacionário para outros, embora se
considere democrata e progressista. Para muitos, nacionalismo é amor à pátria,
para outros, xenofobia...Polarização e polissemia andam de mãos dadas.” (Othon
Garcia)

É desordenador que cheguemos a tal nível de imprecisão das palavras. Não


raramente, dois falantes pensam dizer a mesma coisa, quando podem
tranquilamente usar o mesmo significante com diferentes significados e referentes
na realidade. Alguém que chame a prática do ato sexual casual de “fazer amor”,
por exemplo, certamente não entende por “amor” o mesmo entendido por quem o
compreende a partir de C.S Lewis.

Uma manchete como esta a seguir não poderia ser menos precisa:

Que se entende por “fascismo”?


Que se entende por “democracia”?
Que se entende por “protestos”?

Tal instabilidade dos signos linguísticos pode prejudicar – e muito – a


comunicação, daí a importância de se ser preciso no que se diz.

 
    
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3) Objetividade
Ser objetivo é ir diretamente ao assunto que se deseja abordar, sem voltas e
redundâncias. É preciso, para tal, que o escritor saiba quais são suas ideias-chave
dentro do texto, aquelas primárias, e quais são as ideias que orbitarão em torno das
principais, ou seja, as secundárias. Se as ideias secundárias não servirem para
detalhar, exemplificar ou esclarecer as primárias, provavelmente é melhor
descartá-las.
Uma das qualidades de um texto objetivo há de ser a concisão, ou seja, a
transmissão do máximo de informações possível com o mínimo de palavras
possível. O poema de José Paulo Paes concisamente nos traz esta lição:

conciso? com siso


prolixo? pro lixo

Para falarmos sobre objetividade na prática, leia o parágrafo abaixo, do jornalista


Arnaldo Jabor. Trata-se de seu último texto – um texto de despedida – para o jornal
O Tempo:
“Muita gente despreza jornalismo como literatura, pois, no dia seguinte, a obra
embrulha o linguado. Pois bem, eu adoro embrulhar linguados e robalos, porque
acho que um banho de efêmero só faz bem à literatura. Vejam Rubem Fonseca e
Nelson Rodrigues. Resolvi ser repórter e prova do crime. Odeio os comentários ‘de
fora’, do comentarista intocado, isento, como se morasse num tapete mágico ou
num helicóptero existencial. Ninguém está fora do jogo.” (Arnaldo Jabor, crônica
para O Tempo)

Agora imagine se Arnaldo Jabor tivesse decidido se despedir do jornal O Tempo


assim:
“O jornalismo é uma atividade profissional que muito frequentemente é vista pelas
pessoas de maneira geral apenas como uma forma de transmitir notícias,
principalmente pela televisão e pela internet. Uma quantidade muito grande de
pessoas não consegue enxergar essa atividade formal como uma fonte de literatura,
porque entende que o jornalismo ele é datado, ou seja, fica velho rapidamente, e
essa característica o afastaria, teoricamente, do que se chama de literatura. Na
minha opinião, mesmo que se trate de um trabalho vinculado a um momento
específico da história – ou seja, da história atual –, o jornalismo pode, sim, ser
visto como parte da literatura, e é exatamente o que nos mostram escritores
consagrados, não apenas no Brasil como no mundo, como Nelson Rodrigues e
Rubem Fonseca. Eu mesmo decidi ser um repórter que se envolve diretamente com
os assuntos sobre os quais fala, não apenas aquele profissional que observa os
acontecimentos e depois apenas os relata e analisa, como se não fizesse parte deles,
pois eu vivo no mesmo mundo no qual os acontecimentos estão se passando e, por
isso, sou uma testemunha ocular deles, o que torna a minha opinião mais crível,
afinal é de uma pessoa que viveu exatamente aquilo sobre o qual decidiu falar em
algum veículo de comunicação.”
Gabriela Arruda de Abreu - cantanhedegabi@gmail.com - CPF: 058.815.251-08
 
    

Embora não tenha nenhuma incorreção gramatical, o texto é bem enfadonho, pois
peca pelo excesso de palavras e de ideias absolutamente cortáveis.

É claro que Arnaldo Jabor tem a vantagem de poder contar com uma linguagem um
pouco mais informal e artística, dado o gênero em que escreve (crônica). No
entanto, mesmo que tivesse de privilegiar uma linguagem mais formal, poderia
dizer: “Muitos não consideram jornalismo como literatura, pois os textos ali
produzidos são datados. Eu não poderia discordar mais: penso que o textos ligados
ao cotidiano do cidadão podem contribuir literariamente, sim, como provam
Rubem Fonseca e Nelson Rodrigues. Resolvi ser um jornalista que vive o fato e o
relata – não tolero profissionais que fazem comentários de forma asséptica, como
se não tivessem vivenciado aquilo sobre o qual dissertam.”

Um jeito eficiente de estruturar um texto objetivamente é esboçar todas as ideias


que se pretende passar – numa espécie de tempestade de ideias – e depois identificar
as que têm ligação entre si, organizando-as em parágrafos. Não custa dizer que,
diferentemente do exemplo prolixo mostrado, o escritor deve evitar parágrafos
imensos, sob pena de enfastiar o leitor. É preciso ter clemência para com o leitor e
permitir que ele descanse os olhos de tempo em tempo.

Em textos literários, dependendo da intenção do autor, as ideias aparentemente


secundárias podem permanecer. É importante, em todo caso, que essa escolha seja
consciente, ou seja, que o escritor não lance ideias apenas por lançar, mas com
algum objetivo específico.
Em Missa do Galo, Machado de Assis traz uma série de detalhes aparentemente
desinteressantes e bobos, mas que, quando se considera a inteireza de seu conto,
têm um propósito claríssimo. Veja um trecho:

“Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir;
mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como
se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por
mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se
apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem
truncadas ou confusas.

Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa
ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé,
os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs
uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado.

Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de
frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali
relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas
gravuras que pendiam da parede.” (Machado de Assis, Missa do Galo)

Como o texto é narrado em primeira pessoa por Nogueira, é por meio das
descrições aparentemente banais dele que notamos – embora ele mesmo não note –
a volúpia de Conceição.
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4) Coerência e coesão
Coesão é a ligação, a interdependência entre as partes do texto, ocorrendo quando
usados os recursos formais da língua, a fim de se estabelecerem relações lógicas de
sentido (coerência). Pode-se, então, afirmar ser a coerência basicamente
consequência da coesão textual. Quanto mais coerente for o texto produzido, mais
interpretável será.

Observação: Um texto pode ser coerente sem que haja elementos linguísticos
expressos de coesão – são casos raros, mas existem –, no entanto é imperativo que
as partes textuais tenham relação entre si (coesão) para que sejam inteligíveis
(coerentes).

Percebemos a coesão e a coerência de um texto quando as palavras, as frases e os


parágrafos estão bem agrupados, bem ligados, uns dando continuidade aos outros
harmoniosamente.

Leia a carta a seguir, de Gandhi – líder do movimento pela independência da Índia


– para Adolf Hitler (!), com o objetivo de evitar a Segunda Guerra Mundial.
“Caro amigo,
Os amigos insistiram para que eu lhe escrevesse pelo bem da humanidade. Mas
relutei em fazê-lo, por achar que seria uma insolência de minha parte. Alguma
coisa me diz que devo deixar a relutância de lado e formular meu apelo, seja qual
for o resultado.

É evidente que, no momento, o senhor é a única pessoa do mundo capaz de impedir


uma guerra que pode reduzir a humanidade ao estado de barbárie. O senhor pagaria
esse preço, por mais valioso que lhe pareça o objetivo que tem em mente? Ouvirá o
apelo de alguém que, deliberadamente, tem repudiado a guerra com considerável
sucesso? De qualquer modo, conto com seu perdão, se errei ao escrever-lhe.
Seu amigo sincero,”

(Retirado do livro Cartas Extraordinárias, de Shaun Usher)

Note as palavras e expressões sublinhadas e sua capacidade de construir uma linha


de raciocínio clara e limpa, que se desenrola sucinta e precisamente, culminando
com um forte argumento: ele, Ghandi, tem repudiado a guerra com considerável
sucesso e pede que Hitler faça o mesmo.

As perguntas feitas na carta, por sua vez, visam a suscitar reflexões absolutamente
coerentes com o cenário. Não se desperdiça uma única palavra. As frases são bem
construídas e breves, passando ar de segurança (apesar da humildade manifesta).

Gabriela Arruda de Abreu - cantanhedegabi@gmail.com - CPF: 058.815.251-08


Abaixo, um trecho da carta de Michel Temer a Dilma Roussef, escrita em 2015,
numa espécie de desabafo:

“Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o
Vice-Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me, o
que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que, numa reunião com
o Vice-Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no
episódio da "espionagem" americana, quando as conversas começaram a ser
retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça para conversar com o
Vice-Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de
confiança.”

Para construir seu argumento principal – de que era um vice “decorativo”, como
ele mesmo diz –, Temer apresenta inúmeros argumentos ao longo da carta, alguns
deles razoavelmente complexos, como no caso. O emprego dos elementos de coesão
é fundamental para construir a ligação de seus pontos, deixando o texto coerente e
fluido.
De toda forma, apenas a presença de elementos de coesão não é suficiente para que
o texto seja coerente. É comum encontrarmos textos com correlação frágil de
ideias, como no exemplo abaixo:

“Autoestima, de acordo com o dicionário Caldas Aulete, é a ‘qualidade ou


condição psicológica de quem está satisfeito consigo mesmo e demonstra confiança
no próprio modo de ser e de agir’. Devido a isso, é muito comum indivíduos
perderem controle sobre si mesmos e acabarem cometendo suicídio. Assim, é
necessário que se esteja sempre atento à maneira como somos recebidos pela
comunidade, a fim de evitar o pior.”

Embora não haja propriamente um erro gramatical e haja elementos linguísticos


claros de coesão, a correlação entre as ideias é falsa. O conectivo “devido a isso”
introduz ideia de causa; ora, o conceito de “autoestima” não é a causa de alguns
indivíduos perderem o controle sobre si e cometerem suicídio. Da mesma forma, a
conclusão de que precisamos estar atentos à maneira como somos recebidos pela
comunidade nada tem a ver com o que se disse antes.

Fica evidente a completa falta de nexo, ou seja, a completa incoerência interna do


texto.

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A incoerência pode, ainda, ocorrer com relação à realidade em si: o que se toma
como real simplesmente não tem correspondência no mundo concreto, ou tem uma
correspondência frágil. Exemplo:

“Os políticos se condicionam pelo poder. Eles evitam encontrar seus eleitores em
shoppings, restaurantes e até mesmo em seus gabinetes. Recentemente, o deputado
X foi pego saindo pela porta de trás do gabinete para não se encontrar com uma
eleitora que vinha cobrar dele ações prometidas, mas não cumpridas.”

Antes de qualquer coisa: o que seria “condicionar-se pelo poder” e o que isso tem a
ver com a afirmação da segunda frase? Ademais, embora haja políticos que evitam
seus eleitores (como no caso do exemplo citado), não se pode afirmar que todos são
assim. A afirmação é genérica e fraca do ponto de vista argumentativo.
Estudaremos vários elementos de coesão mais à frente. Quanto à coerência,
certamente será trabalhada, como já vem sendo, ao longo de todo o curso.

5) Persuasão
Persuadir é levar alguém a crer ou a aceitar uma ideia. É por meio da persuasão que
se demonstra por que determinada coisa deve ser escolhida em detrimento de
outras.
Muitas são as possibilidades argumentativas para levar alguém a optar por algo:
pode-se argumentar que um bem é melhor porque ele vem acompanhado de outro;
que um bem é melhor porque ele é mais autossuficiente; que um bem é melhor
porque é mais raro; que um bem é melhor porque é mais útil; que um bem é melhor
porque nos inspira o que há de mais nobre e belo; que um bem é melhor porque
pessoas de bom entendimento o escolheram anteriormente etc.

Para Aristóteles, há 3 tipos de persuasão pela palavra:

- O primeiro depende do caráter pessoal do orador: quando o discurso é proferido


de tal maneira que nos faz pensar que o orador é digno de crédito. Deve ser obtido
pelo que é dito pelo orador, não pelo que se pensa previamente de seu caráter;

- O segundo depende dos ouvintes: quando o discurso afeta suas emoções. Nosso
julgamento varia segundo experimentamos sentimentos diferentes (angústia, júbilo,
amizade, hostilidade);

- O terceiro depende do próprio discurso: quando demonstramos a verdade, ou o


que parece ser a verdade, graças à argumentação persuasiva.

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De toda forma, um discurso persuasivo depende, antes de tudo, de que o
discursante pense direito. Pensar, limpar o raciocínio, desembaraçar as ideias e só
então trabalhar a melhor forma de apresentá-las é algo que exige treino e
organização mental.

Veja como argumenta o Diabo no conto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis:

“A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu


podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma
razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender
a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque
são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no
contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender
uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os
cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do
homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens
de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social,
conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo
a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.”
(Machado de Assis, A Igreja do Diabo)

Ardilosamente, o Diabo nubla o campo da moralidade quando trabalha com um


silogismo escorregadio: se podemos vender o que nos pertence – e a palavra, o
voto, a fé, a opinião nos pertencem –, logo podemos vendê-los também.

Embora seja incômoda do ponto de vista moral, a argumentação é tenaz e


persuasiva, pois, após todo o contorcionismo retórico, ela se apresenta de maneira
plausível, aceitável e até mesmo razoável. Termina-se de ler e fica-se com a
sensação de que o argumento é bom, pois goza de razão e prudência – ainda que só
aparentemente.
Vejamos outro caso.

Em 1891, pouco depois de ler O retrato de Dorian Gray, do grande Oscar Wilde,
um jovem perplexo, chamado Bernulf Clegg, escreveu ao autor, pedindo-lhe que
explicasse a afirmação “Toda arte é completamente inútil”, contida no prefácio do
romance. Para sua surpresa, Wilde não demorou a responder-lhe.

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“Prezado senhor,

A arte é inútil porque seu objetivo se resume em criar um estado de espírito. Ela
não pretende instruir nem influenciar qualquer tipo de ação. Ela é esplendidamente
estéril, e a característica de seu prazer é a esterilidade. Se à contemplação de uma
obra de arte se segue qualquer espécie de atividade, ou a obra é medíocre, ou o
espectador não conseguiu ter a completa impressão artística.

Uma obra de arte é inútil da mesma forma que uma flor é inútil. Uma flor se abre
para sua própria alegria. Vivemos um momento de alegria ao contemplá-la. Isso é
tudo o que há para dizer sobre nossa relação com as flores. Naturalmente, alguém
pode vender a flor e, assim, torná-la útil para si mesmo, porém isso nada tem a ver
com a flor. Não faz parte de sua essência. É acidental. É uso indevido. Receio que
tudo isso seja muito obscuro. Mas o assunto é longo.

Cordialmente, Oscar Wilde”


O texto é praticamente hipnótico – seja pela poesia de seu conteúdo, seja pelo
primor de sua redação.

O raciocínio se desvela da forma mais convincente possível: a arte é inútil como é


inútil uma flor, sublime criação da natureza. Para que serve uma flor senão para ser
contemplada? Essencialmente, seu fim é sua estéril e inútil existência.

Ainda que haja argumentos contrários, as palavras são tão bem engendradas, as
frases se organizam de forma tão cadenciada, o pequeno drama nas curtas frases
finais é tão cativante, que se desperta a claramente poesia do olhar. A sublime
poesia da prosa também é persuasora.

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6) Tom adequado
Definição de “tom” (Aulete): Modo de dizer, caráter, estilo (tom oratório; tom
enfático)

Note que o conceito de tom está intimamente vinculado ao de estilo.

Othon Garcia define “estilo” como “tudo aquilo que individualiza obra criada
pelo homem, como resultado de um esforço mental, de uma elaboração do espírito,
traduzido em ideias, imagens ou formas concretas. A rigor, a natureza não tem
estilo; mas tem-no o quadro em que o pintor a retrata, ou a página em que o
escritor a descreve. [...] quando falamos em ‘feição estilística da frase’, estamos
considerando a forma de expressão peculiar a certo autor em certa obra de certa
época”.

Escolher bem o tom é, portanto, escolher a feição do texto, que será responsável
por despertar no leitor sentimentos diversos.

O tom escolhido depende, é claro, do autor e de seu estilo, mas também do


interlocutor, do contexto e da intenção comunicativa. É evidente que um texto
voltado para crianças há de ser diferente de um voltado para adultos. Da mesma
forma, uma crônica reflexiva sobre pormenores do cotidiano há de ter tom
diferente do de uma notícia de jornal. No mesmo sentido, uma pessoa mais doce há
imprimir tom naturalmente diferente do de uma mais colérica.

Isso não significa, no entanto, que alguém mais doce não possa calibrar seu tom
para escrever de forma séria e impessoal, quando o contexto exigir. Novamente,
então, ressalta-se a importância de se pensar antes de escrever, a fim de fazer
escolhas conscientes e estratégicas.

Analisemos os excertos:

“Em meus tempos como professor, procurei fornecer aos estudantes de literatura
informações exatas sobre os detalhes e as combinações de detalhes que propiciam a centelha
sensual sem a qual um livro é uma coisa morta. Nesse sentido, as ideias gerais não têm a
menor importância. Qualquer idiota pode assimilar os principais elementos da posição de
Tolstói a respeito do adultério, porém, a fim de apreciar sua arte, o bom leitor deve desejar
visualizar, por exemplo, o interior de um vagão do trem noturno que ligava Moscou a São
Petersburgo cem anos atrás.” (Vladimir Nabokov, Lições de Literatura)

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“A partir de amanhã, o Aeroporto Internacional de Heathrow, na região
metropolitana de Londres, também deixará de exigir o uso de máscaras em suas
dependências, embora oriente que a manutenção da proteção seja ideal para
circunstâncias de contato próximo com outras pessoas. No entanto, o Aeroporto
frisa que passageiros devem estar atentos às regras das companhias pelas quais irão
voar, porque a decisão de cobrar a proteção dentro das aeronaves pode variar de
acordo com a empresa.” (Fonte: Revista Oeste)

Agora leia esta história antes de analisar a carta que a segue.


Em 1934, um redator de Nova York chamado Robert Pirosh largou um emprego
bem remunerado numa agência de publicidade e rumou para Hollywood, decidido
a trabalhar como roteirista, a profissão de seus sonhos. Lá chegando, anotou o
nome e o endereço de todos os diretores, produtores e executivos que conseguiu
encontrar e enviou-lhes o que certamente é o pedido de emprego mais eficaz que
alguém já escreveu, pois resultou em três entrevistas, uma das quais lhe rendeu o
cargo de roteirista-assistente na MGM. Quinze anos depois, Robert Pirosh ganhou
o Oscar de melhor roteiro original com o filme O preço da glória, e meses mais
tarde recebeu também um Globo de Ouro:

“Prezado senhor:
Gosto de palavras. Gosto de palavras gordas, untuosas, como lodo, torpitude,
glutinoso, bajulador. Gosto de palavras solenes, angulosas, decrépitas, como
pudico, ranzinza, pecunioso, valetudinário. Gosto de palavras espúrias, enganosas,
como mortiço, liquidar, tonsura, mundana. Gosto de suaves palavras com “V”,
como Svengali, avesso, bravura, verve. Gosto de palavras crocantes, quebradiças,
crepitantes, como estilha, croque, esbarrão, crosta. Gosto de palavras emburradas,
carrancudas, amuadas, como furtivo, macambúzio, escabioso, sovina. Gosto de
palavras chocantes, exclamativas, enfáticas, como astuto, estafante, requintado,
horrendo. Gosto de palavras elegantes, rebuscadas, como estival, peregrinação,
elísio, alcíone. Gosto de palavras vermiformes, contorcidas, farinhentas, como
rastejar, choramingar, guinchar, gotejar. Gosto de palavras escorregadias, risonhas,
como topete, borbulhão, arroto.

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Gosto mais da palavra roteirista que da palavra redator, e por isso resolvi largar
meu emprego numa agência de publicidade de Nova York e tentar a sorte em
Hollywood, mas, antes de dar o grande salto, fui para a Europa, onde passei um
ano estudando, contemplando e perambulando.

Acabei de voltar e ainda gosto de palavras. Posso trocar algumas com o senhor?

Robert Pirosh Madison Avenue, 385 Quarto 610”


(Retirado do livro Cartas Extraordinárias, de Shaun Usher)
Os três textos apresentam tons diferentes. O primeiro tem tom franco e quase
confessional; além disso, vale-se de pontos informais, criando conexão com o leitor
e transmitindo a honestidade de um professor que, analisando sua carreira em
retrospectiva, chega a determinadas conclusões.

O segundo é puramente informativo. Apesar do assunto delicado, não apresenta


envolvimento pessoal do escritor e privilegia a função referencial da linguagem. É
desapaixonado e impessoal, como é típico do gênero notícia, num estilo asséptico.
O objetivo é passar distância do fato, justamente para trazer credibilidade ao
veículo noticiante.
O último texto tem tom brincalhão, sagaz e caloroso. Como seu objetivo era
chamar atenção e fazer o currículo do aspirante a roteirista se destacar entre vários
outros, ele decide quebrar o protocolo. A irreverência é estrategicamente usada
para causar certo espanto aos leitores, que logo se rendem à genialidade da ideia
(tanto que o autor foi chamado a fazer três entrevistas).

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