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FORMAÇÃO DOCENTE E

EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS NO
PROFLETRAS
2
JUAREZ NOGUEIRA LINS
MARIA SUELY DA COSTA
LEÔNIDAS JOSÉ DA SILVA Jr.
CARLA ALECSANDRA DE MELO BONIFÁCIO
(ORGANIZADORES)

FORMAÇÃO DOCENTE E
EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS NO
PROFLETRAS

3
Copyright © Autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.

Juarez Nogueira Lins; Maria Suely da Costa; Leônidas José da Silva Jr.; Carla
Alecsandra de Melo Bonifácio [Orgs.]

Formação docente e experiências didáticas no Profletras. São Carlos: Pedro


& João Editores, 2022. 216p. 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-5869-820-3 [Impresso]


978-65-5869-821-0 [Digital]

1. Formação docente. 2. Experiências didáticas. 3. Profletras. 4. Propostas


didáticas. I. Título.

CDD – 370

Capa: Petricor Design


Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil); Ana
Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida (UFES/
Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello (UFF/Brasil);
Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luis Fernando Soares Zuin (USP/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2022

4
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9
.
CAPÍTULO 01 13
O ENSINO DA ESCRITA NO DISCURSO DE
PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA
PROPOSTA DE PESQUISA
Carla Alecsandra de Melo Bonifácio
.
CAPÍTULO 02 31
ANÁLISE DO ROTACISMO NA ESCRITA DE
ALUNOS DO 6° ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
DA EJA
Aline Monteiro da Silva
Leônidas José da Silva Jr.
.
CAPÍTULO 03 49
NOITE DE LUA: VIVENCIANDO A POESIA EM SALA
DE AULA
Rômulo Rodrigues de Oliveira
Maria Suely da Costa
.
CAPÍTULO 04 69
USO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA NA PRODUÇÃO
DO GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO
Iara Ferreira de Melo Martins
Eduardo Souza da Silva
.
CAPÍTULO 05 91
A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DAS ESTRATÉGIAS
DE LEITURA PARA A AMPLIAÇÃO DA
COMPETÊNCIA LEITORA DE DISCENTES DO 9º
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
João Lucas Pinheiro da Silva
Carla Alecsandra de Melo Bonifácio
.
.

5
CAPÍTULO 06 107
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: PROPOSTA
DE ATIVIDADE DISCURSIVO/REFLEXIVA, A
PARTIR DE CHARGES SOBRE O ENSINO REMOTO
Maria Solange de Lima Silva
Juarez Nogueira Lins
.
CAPÍTULO 07 121
LÍNGUA, VARIAÇÃO E ENSINO: UMA PROPOSTA
METODOLÓGICA SOBRE VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA NO 9° ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Arethusa Angre do Rêgo Antero
Bráulio Maciel Silva
.
CAPÍTULO 08 147
O USO DA “PARTÍCULA SE” COMO ÍNDICE DE
INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO OU PARTÍCULA
APASSIVADORA NA GRAMÁTICA E NO LIVRO
DIDÁTICO
Ana Paula Lima da Silva
Jorge da Silva Nunes
Rosa Maria Marques Soares
.
CAPÍTULO 09 167
O ENSINO DO FUTURO DO PRETÉRITO NO LIVRO
DIDÁTICO PORTUGUÊS: LINGUAGENS 7º ANO
Sandoval Alves Ferreira
Suzana Pereira Araújo
.
CAPÍTULO 10 187
SUBSTANTIVAÇÃO DE VERBOS E DERIVAÇÃO
IMPRÓPRIA: CONVERSÕES GRAMATICAIS
Maria Josely dos Santos Ferreira
Maria Solange de Lima Silva
.
.
.
.

6
CAPÍTULO 11 203
O MODO IMPERATIVO EM PROPAGANDAS DE
ALIMENTOS – ALGUMAS REFLEXÕES
Gilderlane Guimaraes Sousa Santos
Ana Paula da Silva Lopes

7
8
APRESENTAÇÃO

[...] o Profletras busca formar professores de língua


portuguesa voltados para a inovação em sala de aula, ao
mesmo tempo que, de forma crítica e responsável, possam
refletir acerca de questões relevantes sobre diferentes usos da
linguagem presentes, contemporaneamente, na sociedade.

Em consonância com o princípio, contido na epígrafe acima, e


com os propósitos das linhas de pesquisa do Profletras – Teorias da
linguagem e ensino e Leitura e produção textual: diversidade social
e práticas docentes – a obra, ora apresentada, FORMAÇÃO
DOCENTE E EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS NO PROFLETRAS, ao
longo dos seus 11 capítulos, traz discussões sobre formação
docente, análises e propostas didáticas de língua e literatura. O
debate originou-se a partir de reflexões oriundas das disciplinas
Gramática, Variação e Ensino, Texto e Ensino e de dissertações de
Mestrado, nas áreas de Fonologia, Leitura e escrita e Leitura do
texto literário.
Espera-se que as discussões, aqui iniciadas, constituam bases
sólidas para o estabelecimento de um diálogo profícuo entre o
Profletras e os (as) docentes do ensino fundamental/médio, de
escolas públicas, licenciandos (as) da Universidade Estadual da
Paraíba (UEPB), Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e outras
IES, país afora. As pesquisas realizadas reúnem pesquisadores da
UEPB e UFPB – professores (as) do Mestrado Profissional, mestres
(as) e mestrandos (as). A seguir, uma síntese dos 11 capítulos que
compõem a coletânea:
O Capítulo 01 – O ensino da escrita no discurso de Professores de
Língua Portuguesa: uma proposta de pesquisa, de Carla Alecsandra de
Melo Bonifácio. O texto apresenta, com base nos conceitos de
relações dialógicas e discurso bivocal de Bakhtin (2015), uma
proposta de pesquisa de pós-doutorado (PROLING/UFPB) a partir

9
da análise das percepções de ensino de escrita no discurso de
professores de língua portuguesa, egressos do Mestrado
Profissional em Letras.
O Capítulo 02 – Análise do Rotacismo na escrita de alunos do 6°
Ano do Ensino Fundamental da EJA, de Aline Monteiro da Silva e
Leônidas José da Silva Júnior. Esta pesquisa, à luz dos estudos de
Roberto (2016); Silva (2015); Soares (2012), Hora (2017), Seara
(2011), Bisol (1974, 1996), Bagno (2007), dentre outros, analisa o
processo fonológico do Rotacismo nas produções textuais de
alunos do 6 º Ano da Educação de Jovens e Adultos – EJA.
O Capítulo 03 – Noite de Lua: Vivenciando a Poesia em sala de
aula, de Rômulo Rodrigues de Oliveira e Maria Suely da Costa. O
texto traz uma pesquisa sobre a formação do leitor do texto
literário. E, objetiva apresentar uma proposta de leitura literária
para a sala de aula, através da poesia de Cordel. E desse modo,
viabilizar uma experiência dinâmica aos discentes do 9º ano do
Ensino Fundamental II, a partir da leitura do folheto de Cordel
intitulado Noite de Lua do poeta João Gomes Sobrinho, conhecido
por Xexéu.
O Capítulo 04 – Uso da Sequência Didática na produção do gênero
Artigo de Opinião, de Eduardo Souza da Silva e Iara Ferreira de Melo
Martins. O texto apresenta, a partir do gênero artigo de opinião,
uma proposta de intervenção direcionada à alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental. O estudo objetiva realizar uma análise
comparativa entre quatro produções textuais, observando os
aspectos composicionais, estilo e conteúdo temático, através da
sequência didática. Possibilitando, deste modo, a constituição de
sujeitos críticos.
O Capítulo 05 – A importância do ensino das estratégias de leitura
para a ampliação da competência leitora de discentes do 9° ano do ensino
fundamental, de João Lucas Pinheiro da Silva e Carla Alecsandra de
Melo Bonifácio. A pesquisa apresenta uma proposta didática para
ampliação da competência leitora de discentes do 9º ano do ensino
fundamental, a partir do ensino de estratégias de leitura,
considerando a necessidade de um trabalho relacionado a um

10
processo pedagógico que priorize as ações nas quais o objetivo seja
de fato o desenvolvimento da proficiência leitora dos estudantes.
O Capítulo 06 – O Ensino de Língua Portuguesa: proposta de
atividade discursivo/reflexiva, a partir de charges sobre o Ensino Remoto,
de Maria Solange de Lima Silva e Juarez Nogueira Lins, apresenta
uma proposta de atividade didática discursivo/reflexiva, para o
ensino de Língua Portuguesa, a partir de charges sobre a pandemia.
Atividade que possibilite aos sujeitos-alunos (as) do 9º ano do
ensino fundamental se tornarem sujeitos-leitores/escritores críticos,
construtores ativos da língua, sujeitos sociais.
O Capítulo 07 – Língua, Variação e Ensino: uma proposta
metodológica sobre Variação Linguística no 9° Ano do Ensino
Fundamental, de Arethusa Angre do Rêgo Antero e Bráulio Maciel
Silva. Os (as) autores (as), a partir de Tirinhas de Chico e
fragmentos do filme Central do Brasil, analisam o fenômeno da
variação linguística na escola, observando de que modo, a
instituição escolar encara o fenômeno da variação linguística e o
que faz para minimizar a visão preconceituosa sobre os falantes da
língua portuguesa, sobretudo, quando utilizam expressões
consideradas “inadequadas” pela gramática normativa. Quais as
implicações da visão preconceituosa nas relações sociais e, como os
estudantes se veem, nessa situação de uso real da língua.
O Capítulo 08 – O uso da “Partícula Se” como Índice de
Indeterminação do Sujeito ou Partícula Apassivadora na Gramática e no
Livro Didático, de Ana Paula Lima da Silva, Jorge da Silva Nunes e
Rosa Maria Marques Soares. Os (as) autores (as) analisam,
comparativamente, o ensino da partícula SE como índice de
indeterminação do sujeito e S E como partícula apassivadora, em
01 gramática e em 01 livro didático. Eles levam em consideração
aspectos verbais da voz passiva, em destaque a voz passiva
sintética, e tecem reflexões sobre a ideia de sujeito da oração,
especialmente o sujeito indeterminado e sua regra de uso do SE,
verificando o comportamento dele, enquanto índice de
indeterminação do sujeito. E a partícula SE, enquanto partícula
apassivadora e índice de indeterminação do sujeito.

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O Capítulo 09 – O ensino do Futuro do Pretérito no Livro Didático
Português: Linguagens do 7° ano, de Sandoval Alves Ferreira e Suzana
Pereira Araújo. Tendo em vista a necessidade analisar o estudo da
Língua Portuguesa (LP) nos manuais didáticos, utilizado nas escolas,
e assim, promover maiores reflexões sobre o ensino da língua
materna, os autores objetivam analisar o ensino do futuro do pretérito
do indicativo no livro didático Português: linguagens de Cereja e
Magalhães, a partir dessa análise, apresentam uma proposta
metodológica que complementa a estratégia didática do citado livro.
O Capítulo 10 – Substantivação de verbos e derivação imprópria:
conversões gramaticais, de Maria Josely dos Santos Ferreira e Maria
Solange de Lima Silva. As autoras, considerando a necessidade de
minimizar a problemática da descontextualização, nas aulas de
português, e assim, proporcionar um ensino reflexivo, mais
adequado às atuais demandas de interação, objetivam, através do
ensino da substantivação e derivação imprópria, no livro didático
de português, apresentar uma estratégia metodológica que
amenize as possíveis dificuldades apresentadas pelos alunos,
quanto ao estudo da substantivação de verbos e dos casos de
derivação imprópria.
O Capítulo 11 – O Modo Imperativo em propagandas de alimentos
– algumas reflexões, de Gilderlane Guimaraes Sousa Santos e Ana
Paula da Silva Lopes. Diante dos questionamentos atuais, sobre o
ensino tradicional de gramática, visto enquanto prática cansativa e
improdutiva, para os alunos e, em face às dúvidas sobre ensinar ou
não os conteúdos gramaticais, as autoras objetivam: propor um
olhar diferenciado e reflexivo, através de uma proposta didática
para ensinar o modo imperativo. De modo que favoreça a
aprendizagem contextualizada de alunos do ensino fundamental
II, de uma escola pública.

Os organizadores

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CAPÍTULO 1

O ENSINO DA ESCRITA NO DISCURSO DE


PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA
PROPOSTA DE PESQUISA

Carla Alecsandra de Melo Bonifácio (PROFLETRAS/UFPB)

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com o advento da escrita, mudanças cognitivas, sociais e


culturais ocorreram na sociedade, que acabou usufruindo dessa
modalidade de comunicação uma vez que, através da escrita, os
seres humanos podem deixar suas marcas na história. Assim, o
poder dessa preciosa habilidade resulta das relações dialéticas por
ela intermediadas, possibilitando o acesso a saberes e
conhecimentos. Nessa esteira, é possível percebermos que a escrita
instituiu interação entre os indivíduos, auxiliando-os, portanto, em
sua evolução nos mais diversos campos, como o científico, o
tecnológico e o social.
Como se sabe, à escola foi delegada o ensino da escrita,
especificamente na disciplina de língua portuguesa, à qual foi
atribuída a tarefa de se responsabilizar por essa importante
habilidade, fundamental para que alguém possa atuar nos mais
diferentes contextos, entender o mundo ao seu redor, assumir-se
como alguém que pensa e é crítico, capaz, portanto, de cumprir
seus direitos e deveres, como um verdadeiro cidadão.
No entanto, não é isso que vem acontecendo de forma plena,
uma vez que muitas atividades relativas à escrita, em sala de aula,
são realizadas, em sua maioria, como mera aplicação da
apropriação de regras gramaticais que não ajudam muito na

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construção da criticidade do educando, conforme elencou Antunes
(2003) ao afirmar que a prática da escrita, em sala de aula, é
mecânica, periférica, com um processo de aquisição que ignora a
interferência decisiva do sujeito aprendiz, sendo uma escrita
artificial, inexpressiva, sem função e, por conseguinte, destituída
de qualquer valor interacional.
Assim, a escola, enquanto instituição social e ambiente
propício para circulação de um vasto número de gêneros
discursivos, deve, juntamente com os docentes de Língua
Portuguesa, organizar eventos que possibilitem o desenvolvimento
da habilidade escrita, no sentido de promover a interação e
estabelecer propósitos para a realização dessa prática.
Diante desse cenário, o presente artigo tem como objetivo
apresentar a proposta de pesquisa que está sendo realizada no
Estágio Pós-doutoral, junto ao Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, a partir da
análise das percepções de ensino de escrita no discurso de
professores de língua portuguesa, egressos do Mestrado
Profissional em Letras.
A escolha dessa temática surgiu a partir de inquietações
pessoais enquanto professora da disciplina de Texto e Ensino desse
programa de Pós-graduação ao longo dos últimos seis anos, em que
sempre presenciávamos o discurso dos professores-mestrandos
relatando a dificuldade de escrita dos seus alunos e de como eles
poderiam sanar essas falhas.
Ao longo da nossa disciplina, o conteúdo programático
permitia que os alunos aprimorassem o conhecimento sobre o
processo de leitura e escrita a partir de uma visão de texto como
prática discursiva, de forma que havia a oportunidade de
discutirmos sobre assuntos relevantes, como texto, língua,
concepções de linguagem, concepções de escrita, gêneros do
discurso como ações sociais, dentre outros.
Vale a pena ressaltarmos que, ao abordar a escrita enquanto
processo, sempre procuramos discutir as orientações que têm sido
vislumbradas por vários pesquisadores, contemplando, sobretudo,

14
as orientações fornecidas pelos documentos oficiais, como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (2008) e a Base Nacional
Comum Curricular (2018).
Dessa maneira, já tivemos a oportunidade de orientar vários
professores-mestrandos cujo objetivo estava voltado para o
desenvolvimento da escrita de determinado gênero, a partir de
uma proposta de ensino e aprendizagem, por exemplo, pautada no
uso das sequências didáticas1.
No entanto, ficam ainda os seguintes questionamentos: Depois
de escrever uma dissertação, defender sua proposta de intervenção e
concluir o mestrado, qual é a concepção de escrita desses professores
egressos? Qual é o papel da escrita em sua sala de aula? Que teorias e
metodologias são usadas para dar suporte as suas práticas?
A fim de atingirmos o nosso objetivo, desenvolvemos o nosso
projeto tomando por base o estudo dos conceitos de relações
dialógicas e de discurso bivocal de Bakhtin (2015) para analisar as
percepções de escrita, por meio dos discursos advindos de um
questionário aplicado aos participantes. Além disso, ancoramos a
nossa pesquisa sobre o ensino de escrita a partir de autores como,
Antunes (2003), Bakhtin (2003), Neves (2000) e Cardoso (1999); no
tocante a relações dialógicas e discurso bivocal, em Bakhtin (2015),
Barbosa (2021), Brait (2015), Francelino (2021) e Souza (2002) e nas
pesquisas de Britto Júnior & Feres Júnior (2011) e Gil (2002) no que
diz respeito ao questionário.
No que concerne aos procedimentos metodológicos, o artigo
apresenta uma pesquisa qualitativa, de cunho exploratório e
descritivo-interpretativista, estando presente o caráter
investigativo, interativo e colaborativo da pesquisa, tendo em vista
que, mediante essa orientação metodológica, informações e

1Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.97) definem sequência didática como “um
conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno
de um gênero textual oral e escrito”. Em outras palavras, trata-se de um
procedimento metodológico organizado a partir de um conjunto de atividades
relacionadas entre si, que tem como objeto unificador um gênero textual.

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conhecimentos são produzidos mais efetivamente, facilitando o
alcance dos objetivos da pesquisa a que nos propomos realizar.
Para tanto, a organização dos tópicos do nosso artigo
apresenta a seguinte estrutura: (1) Considerações iniciais, em que
trataremos do tema com sua respectiva delimitação, objetivo
principal, justificativa, aporte teórico e procedimentos
metodológicos; (2) Conhecendo a teoria, que abordaremos os
conceitos de relações dialógicas e discurso bivocal, assim como
aspectos importante acerca do ensino de escrita; (3) A metodologia,
que descreveremos como será feita a pesquisa; e (4) Para finalizar,
que traremos nossas considerações finais.

2. CONHECENDO A TEORIA

2.1 Uma breve abordagem sobre relações dialógicas e discurso


bivocal

Ao longo da obra do filósofo russo Mikhail Bakhtin, é possível


percebermos uma nova abordagem para os fenômenos da
linguagem, mediante diferentes perspectivas, tais como as
sintáticas, composicionais, estilísticas, com conteúdo dialógico e
também ideológico para o surgimento de uma nova ciência, a
metalinguística.
Com a publicação de Problemas da Poética de Dostoiévski, em
1963, Bakhtin estabelece sua ciência, cujo objeto – relações
dialógicas e discurso bivocal – já era perceptível, em obras
anteriores de modo velado ou explícito.
É importante chamarmos atenção para o fato de que, embora
o cerne das reflexões de Bakhtin estivesse relacionado ao discurso
literário, as considerações ali esboçadas nos levam
a pensar a respeito da realização discursiva mediante uma
perspectiva dialógica da linguagem, que entende o discurso e, por
conseguinte a língua, “[...] em sua integridade concreta e viva”
(BAKHTIN, 2015, p.207 [1963]).

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Nessa esteira, de acordo com Brait (2015, p.55), ao nos
respaldarmos nos estudos bakhtinianos a respeito dos trabalhos de
Dostoiévski, temos aproximação com “[...] textos que vão sendo
costurados com elementos que sinalizam a perspectiva bakhtiniana
de linguagem e não somente seu interesse por Literatura e Poética”.
Concordamos com a referida autora e nos acostamos a essa
perspectiva, uma vez que entendemos que o discurso não é
monológico, e sim, plurivocal, pois é, segundo Barbosa (2021, p.04)
“[...] carregado axiologicamente por uma diversidade de vozes, de
valores, de verdades que se concretiza devido ao processo de
comunicação interlocutiva no qual estamos imersos”.
Nesse viés, o discurso, enquanto fenômeno estudado pela
metalinguística, ultrapassa os limites da linguística. Souza (2002)
ainda nos esclarece que o fenômeno da palavra é o que vai
aproximar e, ao mesmo tempo, separar as duas ciências, ou seja, a
linguística e a metalinguística, levando em consideração os
aspectos abordados por uma e pela outra, assim como do ponto de
vista do ângulo de cada uma delas. Dessa forma, Bakhtin (2015, p.
181[1963]) diferencia a metalinguística da linguística:

As pesquisas metalinguísticas, evidentemente, não podem ignorar a


linguística e devem aplicar os seus resultados. A linguística e a
metalinguística estudam um mesmo fenômeno concreto, muito
complexo e multifacético – o discurso, mas estudam sob diferentes
ângulos de visão. Devem completar-se mutuamente e não se fundir.
Na prática, os limites entre elas são violados com muita frequência.

Conforme podemos notar, o verdadeiro objetivo de Bakhtin e


seu círculo é o de estabelecer uma disciplina que analise
dialogicamente e observe os fenômenos linguísticos sem
desconsiderar uma relação de complementação com outras
disciplinas.
Diante do exposto, entendemos que as relações dialógicas são
extralinguísticas. No entanto, elas não devem ser distanciadas do
discurso, isto é, do fenômeno integral concreto que é a língua. Isto

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acontece porque, conforme o próprio Bakhtin (2015, p.183 [1963]) “A
linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a usam”.
Uma vez estabelecidos os limites da nova ciência da
linguagem, Bakhtin chega mais especificamente ao núcleo das
relações dialógicas: a palavra bivocal, conforme podemos perceber
pela citação abaixo:

O objeto principal do nosso exame, pode-se dizer, seu herói


principal, é o discurso bivocal, que surge inevitavelmente sob as
condições da comunicação dialógica, ou seja, nas condições da vida
autêntica da palavra. A linguística desconhece esse discurso bivocal.
Mas, achamos, é precisamente ela que deve tornar-se o objeto
principal de estudo da metalinguística” BAKHTIN (2015, p. 183-
184[1963]).

Assim, o que marca a bivocalidade da palavra, na perspectiva


bakhtiniana, é a introdução das palavras de outra pessoa em nossa
fala, embora com uma nova refração devido a nossa avaliação. Dito
de outra maneira, “[...] diz respeito ao fato de a palavra estar
voltada, ao mesmo tempo, para o objeto do discurso enquanto
palavra comum e para o discurso de um outro” (FRANCELINO,
2021. p.206).
Bakhtin (2015) nos ensina que uma passagem, por exemplo, da
afirmação de outra pessoa em forma de pergunta pode conduzir a
um dissenso em duas interpretações na mesma palavra, uma vez
que normalmente não apenas questionamos como
problematizamos a afirmação da outra pessoa.
Nesse sentido, notamos que o nosso próprio discurso no
cotidiano está repleto de palavras de outras pessoas, de modo que
algumas palavras são fundidas completamente na nossa voz. Por
vezes, nós nos esquecemos de quem são e, em outros momentos,
nós damos um reforço as “[...] nossas próprias palavras, aceitando
aquelas como autorizadas por nós; por último, revestimos terceiras
das nossas próprias intenções, que são estranhas e hostis a elas.
(BAKHTIN, 2015, p.195 [1963]).

18
Há, portanto, a bivocalidade quando as palavras de outra
pessoa, ao se incorporarem a nossa fala, se revestem de algo novo,
levando em consideração a forma como as compreendemos ou as
avaliamos. Em outras palavras, a bivocalidade diz respeito ao fato
de sempre ouvirmos outra(a)s voz(es) sob/sobre a(s) nossa(s), ou
seja, todos os nossos enunciados trazem eco de enunciados de
outrem, sobre os quais incidem procedimentos estilístico-
composicionais diversos e que geram vários efeitos de sentido,
desde uma simples reiteração de uma ideia (uma paráfrase, por
exemplo) até a deturpação total dela, como pode ocorrer numa
paródia. Exemplificando mais ainda, uma “mera” repetição de
texto de uma afirmação de outra pessoa, mas de forma diferente
como uma pergunta, dúvida, indignação, ironia, já pode ser
considerado como um fenômeno da bivocalidade.
Como podemos perceber, o discurso bivocal é nitidamente um
discurso direcionado ao mesmo tempo para um referente (aquilo
de que se fala) e para o discurso do outro sobre esse referente.
Assim, segundo Bakhtin (2015), há três tipos ou tendências de
orientações. O primeiro tipo é chamado “discurso bivocal de
orientação única”, o qual é definido pelo filósofo russo como efeito
de fusão de vozes, uma vez que o discurso que se apodera da voz
de outrem possui orientação semântica similar, por exemplo, como
ocorre em algumas formas narrativas, na estilização e no discurso
não objetificado das ideias do autor.
O segundo tipo, por sua vez, é nomeado por Bakhtin (2015) de
“discurso bivocal de orientação vária”. Podemos perceber que além
de o diálogo entre as vozes ser mais notório do que ocorre no primeiro
tipo, a palavra de outrem pode ser inserida mediante acentos
valorativos distintos, tal qual o desprezo, o repúdio, a ironia etc.
Finalmente, o terceiro tipo, denominado pelo filósofo russo de
“tipo ativo (discurso refletido do outro), a orientação está voltada ao
diálogo difícil com o outro que ao que tudo indica não está presente
no discurso. Em outras palavras, o enfoque é dirigido para o diálogo
com a voz alheia, conforme ensina Bakhtin (2015, p. 229): “O discurso
do outro influencia de fora para dentro; são possíveis formas

19
sumamente variadas de inter-relação com a palavra do outro e
variados graus de sua influência deformante”. É o caso, por exemplo,
da polêmica interna velada e da réplica do diálogo velado.
É importante ressaltarmos que a bivocalidade de tipo ativo
pode se dar em nuances distintas do que ocorre em uma polêmica
mais velada no discurso. De acordo com o autor, na polêmica
velada, as vozes se chocam antagonicamente, porém de modo
diverso da polêmica aberta, esse choque de vozes ocorre
indiretamente, como se estivesse escondido intrinsecamente no
discurso do autor.
Ademais, a polêmica velada ainda pode aparecer no discurso
bivocal através dos elementos extralinguísticos que fazem parte da
circunstância da interação, como ocorre diante de imagens,
movimentos corporais, semblantes faciais, entonação etc. Em suma,
as polêmicas estão no plano valorativo do conhecimento partilhado
entre os sujeitos do discurso, sendo observáveis apenas na
dimensão dialógica da interação.
A seguir, faremos uma breve discussão sobre a escrita e seu
ensino e, na sequência, apresentamos a nossa proposta de trabalho.

2.2 Alguns aspectos teóricos sobre a Escrita

Partimos do pressuposto de que a leitura e a escrita são duas


atividades de interação que possuem um papel importante na vida
de qualquer indivíduo, na medida em que são atividades que se
complementam e, uma vez que são formas de interação entre
sujeitos, estão frequentemente no dia a dia de todos os seres
humanos. Apesar de geralmente associarmos as práticas de escrita
à leitura, para a presente pesquisa, o nosso enfoque recairá apenas
no processo de escrita.
Neste sentido, Antunes (2003) afirma que o pressuposto para
se escrever é ter o que dizer, mas outros dois aspectos também são
destacados, uma vez que é preciso saber para quem essa escrita será
direcionada e qual o seu objetivo. Em outras palavras, “escreve-se
para dizer algo a alguém num determinado momento”. (Grifo nosso)

20
É importante salientarmos que sempre fazemos algo imbuídos
de alguma finalidade. Desse modo, em nosso cotidiano, ao
falarmos ou escrevermos, temos sempre alguém em mente e isso
ocorre em um certo momento/contexto que inclui tempo e espaço,
tendo em vista um objetivo. Essa é a visão da escrita como
interação.
Quando prestamos atenção à maneira como o ensino da língua
vem sendo configurado, é possível percebermos muitas
dificuldades no que se refere à construção do sentido. Ouvimos
reiteradas reclamações de que os alunos fazem a leitura dos textos,
sem estabelecer, no entanto, ligação entre os textos e os seus
respectivos significados. Diante desse contexto, a pergunta que se
faz é: “quais procedimentos de ensino estão sendo usados em sala
de aula que não favorecem a prática da leitura e escrita?”
Para responder a esse questionamento, é necessário
entendermos que há maneiras distintas ou até mesmo
complementares de tratar o fenômeno da linguagem, e, neste
sentido, percebemos a estreita relação entre a concepção de escrita
e a concepção de linguagem. Em outras palavras, dependendo da
concepção de linguagem adotada, haverá um direcionamento
diferenciado no ensino da escrita, afetando diretamente a
aprendizagem dessa importante habilidade. Passaremos ao
enfoque de cada uma delas a seguir.
A primeira concepção de linguagem a ser abordada é a
concepção dos gregos, segundo a qual a linguagem é vista como
expressão do pensamento. De acordo com esse entendimento, os
indivíduos não se exprimem bem porque não pensam. Assim, a
expressão é concebida internamente, de modo que a sua
manifestação externa é apenas uma tradução. Essa teoria origina-
se da dualidade existente entre a consciência que é o interno e o
próprio ato de se expressar que é o externo, já que o ato de se
expressar advém do interior para o exterior.
Como podemos perceber, o desenvolvimento dessa corrente
se encontra em uma ideia que podemos chamar de “idealista ou
espiritualista”, na medida em que tudo que é essencial é interno,

21
privilegiando, assim, a função expressiva da linguagem em
desfavor da função comunicativa. Uma vez que é centralizada no
locutor, o falante é tido como o início e, ao mesmo tempo, o fim da
linguagem, de forma que o ato de se comunicar seria individual, ou
seja, monológico, não sendo influenciado por outrem, nem
tampouco pelo contexto social em que ocorre a enunciação.
Desse modo, podemos inferir que para essa teoria, a
constituição do texto não está relacionada ao interlocutor, nem ao
contexto situacional. Em outras palavras, essa concepção não se
preocupa com o quando se fala, onde se fala, para quem se fala e,
nesse viés, a escrita seria vista associada apenas ao aprendizado das
normas gramaticais.
Moura Neves (2000), em seu livro “A gramática: conhecimento e
ensino”, chama a atenção para o fato de que, nesta época, o
gramático tinha como atividade o julgamento das obras do
passado, procurando as “virtudes” e os “vícios”, com a finalidade
de oferecer modelos aos usuários. Portanto, foi repassado à cultura
ocidental tal concepção de gramática como descrição que permite
conhecer o padrão a ser seguido no uso da língua, de maneira que
o ensino da língua e da escrita deve iniciar pela apresentação da
gramática, cujo domínio conduzirá à produção escrita.
A próxima concepção que veremos, por sua vez, teve início no
século XX e está relacionada a Ferdinand de Saussure. Para essa
concepção, a linguagem é vista como mecanismo de comunicação,
isto é, funcionando com código – um conjunto de signos que se
estabelecem conforme regras, possibilitando a disseminação de
informações ou mensagem do chamado emissor a um receptor.
Assim, para se comunicar efetivamente, os falantes devem
conhecer e usar esse código, ou seja, a língua, que como sabemos é
um fato social e pressupõe, ao menos, a presença de duas pessoas.
Nessa esteira, podemos perceber o avanço da concepção de
língua de Saussure para a linguística, diante da ruptura com os
estudos anteriores estabelecidos na França, tal como a gramática de
Port-Royal, para a qual, segundo Cardoso (1999, p. 17), “[...] a
língua era vista como expressão do pensamento”.

22
Mesmo sendo um avanço, essa concepção de linguagem sofre
críticas, uma vez que a escrita não muda, e o interlocutor é
inexistente, já que quem domina é a figura do emissor. As
atividades dessa concepção propõem que o discente encontre a
ideia a ser produzida, corrija a língua e enriqueça sua habilidade
de se expressar, com enfoque nos modelos de descrição, narração e
dissertação.
Analisando essa concepção, é possível elencarmos outras
importantes implicações para a escrita, como:
1. A possibilidade de um único sentido, visto que o sentido já se
encontra exposto no papel;
2. A solidão do produtor, já que ele constrói o texto sozinho;
3. A mecanização, pois, enquanto exercício, a repetição ajuda na
fixação das formas;
4. A apresentação da mesma forma, uma vez que faz uso da norma
padrão;
5. O interesse no produto final;
6. A visão dos erros como impropriedades, na medida em que se
distancia do “modelo” considerado como ideal.
Isto acontece porque, de acordo com essa perspectiva, todo o
contexto situacional em volta da fala e da escrita é irrelevante, pois
o cerne é a própria estrutura linguística, ou seja, suas formas.
Em contrapartida, a terceira concepção, proposta por Bakhtin
(1995), entende a linguagem como um processo interativo.
Segundo essa concepção, o que as pessoas fazem face ao emprego
da língua não se limita só a “traduzir” ou a “exteriorizar” um
pensamento, repassar informações, mas, ao invés disso, efetivar
ações, produzir, influir no interlocutor, seja ele ouvinte ou leitor.
Como podemos perceber, o entendimento de Bakhtin acerca
da linguagem vai em oposição ao entendimento de Saussure. Isto
acontece porque a visão saussuriana vê a fala enquanto um
fenômeno individual, ao passo que o sistema linguístico estaria
vinculado ao fenômeno social. Bakhtin, por seu turno, não admite
a separação entre o individual e o social.

23
A linguagem, na visão bakhtiniana, se caracteriza por ser um
fenômeno não apenas social e histórico, mas também axiológico. E,
nesse entendimento, para o filósofo russo, o que se analisa dos
participantes de uma prática comunicativa são os enunciados que
ocorrem em determinadas situações sociais tanto reais quanto
concretas, sendo esses enunciados a expressão de um ponto de
vista, de uma valoração do sujeito falante.
Desse modo, durante a constituição do sujeito, em sua escuta,
ele vai assimilando palavras e discursos de outras pessoas
(inicialmente de sua família e depois de seus colegas, da sua
comunidade etc.), apresentando como consequência o
processamento dessas palavras e discursos que vão se tornar, de
uma forma, palavras dele e, de outra, palavras de outrem.
Esse entendimento da ocupação da existência do limiar do
“eu” com o “outro” é o que verdadeiramente aponta para o lado
social da vida dos seres humanos, que ocorre por meio da
linguagem que “[...] é um instrumento de interação social, visto que
a palavra penetra literalmente em todas relações entre indivíduos,
nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros
fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc.
(BAKHTIN, 2003, p. 41)”.
Bakhtin também nos presenteou com “[...] a incorporação da
situação interlocutiva ao afirmar que a situação social mais
imediata e o meio social mais amplo determinam completamente
e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da
enunciação (BAKHTIN, p. 113 [1929])”. Explicando melhor essa
situação interlocutiva, o autor quis dizer que, no momento da
criação ou da recepção de um texto, o contexto situacional não
poderá ser desconsiderado. Ou seja, quando nos expressamos em
qualquer modalidade, seja ela oral ou escrita, é imprescindível
sabermos o que será dito, onde e para quem, uma vez que esses
elementos fazem parte do ato de expressão.
Portanto, de acordo com essa perspectiva, a escrita é
cooperativa, contextualizada e textual, sem deixarmos de fora o
fato de ser também uma atividade cognitiva, porque fazemos uso,

24
por exemplo, da ativação da memória, seleção de vocabulário, ou
seja, utilizamos muitas tarefas mentais nesse processo.
A partir do que estamos abordando até o presente momento,
podemos entender que a língua vista dentro da perspectiva da
interação social, com finalidades comunicativas, é estabelecida pela
situação de comunicação entre os envolvidos, de maneira que a
língua não é autossuficiente, necessitando, por conseguinte, de um
contexto de produção.
O reconhecimento do ensino da escrita como processo de
cooperação está diretamente relacionado à compreensão do caráter
dialógico da linguagem, expresso, anteriormente, por Bakhtin em
sua obra.
Após abordamos, mesmo que de modo breve, a nossa
fundamentação teórica, passaremos, a seguir, para a explanação da
nossa metodologia.

3. METODOLOGIA

Para realizarmos a nossa pesquisa, pretendemos, inicialmente,


ler e pesquisar mais sobre o referencial teórico que respalda a nossa
análise, a partir de trabalhos científicos, tendo como parâmetro dois
aspectos: o primeiro envolvendo as abordagens sobre o ensino da
escrita em nosso país e o segundo abordando as relações dialógicas
e discurso bivocal.
Em seguida, faremos um questionário que, em virtude da
pandemia, será aplicado de forma online com professores, egressos
do PROFLETRAS dos últimos seis anos, o que corresponde a seis
turmas formadas pelo programa em rede nacional que tiveram
como objeto de estudo o processo de escrita em sala de aula, a fim
de identificar quais são as concepções e as práticas ministradas
atualmente nas aulas de língua portuguesa.
Faremos uma pesquisa no banco de dados do nosso programa
para descobrir, ao longo desses seis anos, quantos professores-
pesquisadores defenderam suas dissertações, tendo como enfoque
principal a escrita. Dessa forma, teremos como corpus de análise os

25
discursos advindos das respostas do questionário, a partir de um
quantitativo representativo desses professores.
É importante esclarecermos que a nossa análise será feita
análise a partir de certas categorias teórico-metodológicas
previamente definidas, quais sejam: as relações dialógicas e o
discurso bivocal
É importante esclarecer que a nossa proposta se trata de uma
pesquisa qualitativa, de cunho exploratório e descritivo-
interpretativista, diante do seu aspecto investigativo, interativo e
colaborativo, uma vez que, conforme essa orientação metodológica,
informações e conhecimentos serão produzidos mais efetivamente,
possibilitando o alcance aos nossos objetivos propostos.
Em uma pesquisa, um dos procedimentos importantes é a
coleta de dados, pois é durante esse processo que o pesquisador
obtém as informações necessárias para o desenvolvimento do seu
estudo. Desse modo, optamos por escolher o questionário por
acreditarmos que seja um meio através do qual o pesquisador tem
a oportunidade de extrair uma boa quantidade de informações e
dados que permitem um trabalho com riqueza de detalhes, além de
um alcance para uma melhor compreensão do tema em questão.
Segundo Gil (2002), a coleta de dados, através do e-mail, pode
estabelecer certas vantagens, tais como: os questionários podem ser
enviados quantas vezes forem necessárias, já que economiza
tempo; há maior velocidade ainda no recebimento das respostas,
além do que eles podem ser respondidos dentro de uma
conveniência e do tempo do entrevistado.
Salientamos que este projeto de pesquisa será apresentado ao
Comité de Ética da Universidade Federal da Paraíba, de modo que
o questionário acontecerá mediante o consentimento esclarecido
dos professores quando tomarem ciência do objetivo da pesquisa,
das perguntas que lhes serão feitas, das razões da entrevista e dos
benefícios que os resultados podem resultar, possuindo a liberdade
de deixar de participar, caso sintam necessidade, independente do
motivo. Portanto, como apontam Britto Júnior & Feres Júnior

26
(2011), esses esclarecimentos fundamentarão as nossas ações nos
momentos da coleta de dados da nossa pesquisa.

4. PARA FINALIZAR

Esperamos que a pesquisa que ora pretendemos realizar no


estágio pós-doutoral possa apaziguar as nossas inquietações,
colaborando para uma possível ampliação das nossas ações
enquanto formadora de professores no programa de Mestrado
Profissional, e como pesquisadora do grupo de estudo: Práticas de
Leitura e Escrita: uma abordagem bakhtiniana dos gêneros do discurso no
ensino de línguas2; como também, contribuindo para as pesquisas
sobre o ensino e a aprendizagem da escrita no contexto atual.
Temos a plena consciência de que o caminho é longo e temos
muito a percorrer quando falamos no contexto de educação no
Brasil. No entanto, conjecturamos que uma pesquisa voltada para
analisar o discurso de professores de língua portuguesa, egressos
de um programa nacional de mestrado, sobre o importante
processo da escrita, pode apontar uma direção para que possamos
repensar o ensino e, consequentemente, a aprendizagem da escrita
em sala de aula, no nosso país, agregando novas concepções e
metodologias advindas de teorias linguísticas do texto e do
discurso, como a que subsidia nosso trabalho.

5. REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São


Paulo: Parábola, 2003.

2 De modo geral, esse projeto tem como objetivo principal desenvolver


investigações voltadas para as práticas de leitura e escrita, a partir de uma
abordagem bakhtiniana dos gêneros do discurso no ensino de línguas no ensino
fundamental, médio e em cursos de graduação presenciais e a distância e vem
sendo desenvolvido na UFPB – Campus IV.

27
BAKHTIN, M./VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da
Linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na
ciência da linguagem. 7. Ed. São Paulo: Hucitec, 1995. [1929].
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo:
Martins fontes, 2003.
_______, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução
direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963].
BARBOSA, V. F. Relações dialógicas e discurso bivocal na
atividade de trabalho do revisor em teses acadêmicas: tensões e(m)
sentidos. Bakhtiniana - Revista de Estudos Do Discurso, v. 16, p.
178-199, 2021.
BRAIT, B. Problemas da Poética de Dostoiévski e estudos da
linguagem. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e polifonia.
São Paulo: Contexto 1.ed. 3. reimpressão, 2015. p.45-72.
BRITTO JÚNIOR, A. F de; FERES JÚNIOR, N. (2011). A utilização
da técnica da entrevista em trabalhos científicos. Revista
Evidência, Araxá, v. 7, n. 7, p. 237-250. Disponível em
https://met2entrevista.webnode.pt/_files/200000032-
64776656e5/200-752-1-PB.pdf. Acesso em 2 de dezembro de 2021.
CARDOSO, Silvia Helena Barbi. Discurso e Ensino. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.
FRANCELINO, Pedro Farias. No(s) (des/re)encontro(s) das vozes,
a construção dialógica da polêmica em enunciados de temática
político-religiosa. Bahktiniana - Revista de estudos do discurso, v.
16, p. 200-220, 2021.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª Ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
NEVES, Maria Helena de Moura A gramática: conhecimento e ensino.
In: AZEREDO, José Carlos de. (Org.). Língua portuguesa em
debate: conhecimento e ensino. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 52-73.
SCHENEUWLY, Bernard. Gêneros e tipos de discurso:
considerações psicológicas e ontogenéticas. In: SCHENEUWLY, B;
NOVERRAZ, Michèle; DOLZ, J. Sequências didáticas para o oral
e a escrita: apresentação de um procedimento. Trad. e org.

28
Roxane Rojo e Gláis Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das
Letras, 2004.
SOUZA, Geraldo Tadeu. A construção da metalinguística
(fragmentos de uma ciência da linguagem na obra de Bakhtin e
seu círculo). Tese (Doutorado em Letras, Área da semiótica e
Linguística geral). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2002.

29
30
CAPÍTULO 2

ANÁLISE DO ROTACISMO NA ESCRITA DE


ALUNOS DO 6° ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL DA EJA

Aline Monteiro da Silva (PROFLETRAS/UEPB)1


Leônidas José da Silva Junior (PROFLETRAS/UEPB)2

1. INTRODUÇÃO

Pensar no ensino de uma língua requer processos complexos de


análises e pesquisas e, também, experiências, vivenciadas, exitosas ou
não. Os estudos fonológicos apresentam-se como um caminho que
auxiliarão na construção dos conhecimentos e também na redução de
deficiências provenientes de práticas de alfabetização até então, com
pouca eficácia, que são transferidas para os próximos estágios da vida
escolar dos jovens e adultos, chegando muitas vezes às instituições de
ensino superior e sendo, posteriormente, reproduzidas pelos
professores em seus fazeres docentes.

1 Mestre em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Professora da


educação básica na Escola Cidadã Integral Dep. Carlos Pessoa Filho, Secretaria de
Educação do Estado da Paraíba, E-mail: <alineletras26@gmail>;
2 Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Pós-

doutorado em Fonética experimental pela Universidade Estadual de Campinas


(UNICAMP/CNPq). Professor Adjunto no Departamento de Letras-CH/UEPB.
Pesquisador de Pós-Doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem na
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/CNPq), E-mail:
<leonidas.silvajr@gmail.com>
Agradeço gentilmente à concessão de Bolsa de Pós-Doutorado (PDJ) do CNPq sob
o nº: 151027/2020-0.

31
A relação da escrita com a fonologia de uma língua é essencial,
pois pode auxiliar o aluno durante a fase de letramento. Em outras
palavras, defendemos aqui que os princípios fonológicos devem
ser levados em conta para que se compreendam determinados
fenômenos da língua; do contrário, os alunos irão apenas
reproduzir os equívocos cometidos ao longo dos anos.
Os alunos chegam ao ensino fundamental, principalmente, os
alunos do programa Educação de Jovens e adultos (EJA),
escrevendo textos que revelam um processo de alfabetização com
certo déficit e, a se considerar o público alvo, em questão, na
maioria das vezes, um processo interrompido, inconcluso das
práticas escolares que acaba refletindo negativamente em suas
práticas de leitura e escrita.
O que é mais perceptível nas produções textuais dos alunos é
a transferência do oral para o escrito, em geral, escreve-se da forma
que se pronuncia, e essa oralização de textos é algo que tem sido
propagado de séries em séries, chegando muitas vezes à
universidade, configurando um problema que precisa ser
amenizado. Sendo assim, o objetivo da presente pesquisa é analisar
o Rotacismo, fenômeno fonológico responsável pela troca da líquida
lateral /l/ pela líquida vibrante simples (tepe) /ɾ/ em que avaliamos,
refletimos e, posteriormente, intervimos no tocante à escrita dos
alunos EJA.
Alguns questionamentos nortearam nosso trabalho de
pesquisa, dentre eles, i) o que provoca inadequações como o
Rotacismo na escrita dos alunos? e, ii) Como, enquanto professores,
usando a fonologia, podemos intervir com o intuito de reduzir as
ocorrências?
Diante desse cenário, a pesquisa teve por objetivos específicos
propor estratégias de ensino para amenizar a problemática do
Rotacismo que provocava desvios ortográficos em produções textuais
de alunos do 6 º Ano da EJA. Para tanto buscou investigar a
recorrência do Rotacismo e suas procedências; conscientizar os alunos
acerca dos desvios apresentados; incentivar, por meio de atividades

32
lúdicas e práticas, o aperfeiçoamento da escrita e orientar quanto aos
procedimentos para resolução dos problemas encontrados.
Assim sendo, por meio da elaboração e aplicação
intervencionista, propomos o desenvolvimento de um material
didático, composto por um jogo que fora disponibilizado para uso
coletivo na escola. Almejávamos contribuir para a apropriação, por
parte dos alunos, de uma escrita mais consciente. Constatamos essa
apropriação por meio de atividades comparativas, utilizando as
etapas de Pré-instrução (atividades que verificaram a ocorrência do
rotacismo), Instrução (atividades que levaram o estudante à
reflexão da ocorrência do fenômeno, para que entendessem as
razões das ocorrências) e Pós-instrução (verificação da efetividade
das atividades aplicadas).
O desenvolvimento analítico da pesquisa ocorreu por vias
quantitativas e qualitativas. No método quantitativo está presente
o levantamento dos dados, quantificando as ocorrências na etapa
da Pré-instrução e Pós-instrução; no qualitativo a análise do que
motivou o fenômeno do rotacismo e suas implicações para o ser
social aluno da EJA.
Ao longo da aplicação das atividades propostas e realizadas
verificamos que mais de 60% da turma apresentava o fenômeno do
rotacismo na fala e na escrita, em sua maioria na posição pré–tônica.
Após todo o trabalho realizado, por meio da aplicação das
atividades de intervenção, obtivemos uma redução significativa e
alcançamos o percentual de apenas 14% de incidências, revelando
o sucesso do trabalho e a efetividade da Fonologia nas aulas de
língua portuguesa.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1.A fonologia, a fonética e o processo de ensino

A Linguística, ciência responsável pelo estudo da língua, reúne


em sua área de estudos, a Fonética e a Fonologia. Tais estudos
tiveram origem em momentos distintos. A Fonética já era motivo de

33
análise antes do século XX, enquanto a Fonologia virou alvo de
pesquisas durante o Círculo de Praga, no início do século XX.
Fonética e Fonologia são duas coisas díspares ao passo que
complementares, uma vez que ambas apresentam como objeto de
estudo os sons da fala. Para Hora (2017) a fonologia visa o estudo
sistemático dos sons, enquanto a Fonética se volta para a produção,
propagação e percepção dos sons. Para Seara (2001) tanto a fonética
quanto a fonologia investigam como os seres humanos produzem
e ouvem os sons da fala. De maneira que chega a ser impossível
estudar uma coisa dissociada da outra.
O fato é que ao longo dos anos, tanto a fonética quanto a
fonologia passaram despercebidas pela escola, restringindo-se
rapidamente a ocupar duas ou três páginas do livro didático com
conceituação e classificação que não promovem reflexão,
mostrando apenas, superficialmente, a relação fonema-grafema em
detrimento da ortografia.
Despreza-se, em geral, a importância de ambas para a
formação docente, enquanto a fonética ajuda o professor no que
tange a sensibilização da compreensão de como ocorre a produção
sonora no ato da fala, observando-se todos os processos
articulatórios envolvidos no momento da produção, quais órgãos
contribuem e participam efetivamente durantes os atos de fala,
fazendo com que o aluno realize conscientemente a produção dos
sons, atribuindo sentido para o que se está sendo estudado, assim
como para as atividades sonoras das quais participa.
Já a fonologia, contribui significativamente para a formação do
professor e, consequentemente, para sua prática docente, uma vez
que auxilia o conhecimento do sistema da língua e seu objeto de
trabalho, possibilitando-o meios para esclarecer a seus alunos o
que, de fato, diverge entre fala e escrita, fornecendo ao aluno
condições para que se aproprie dos princípios de adequação, para
que consiga fazer distinção entre as realidades de oralidade e as
mais formais, atribuindo a condição de escolha, para despertar a
consciência de que não existe linguagem superior, correta, mas
adequada a determinadas situações de comunicação e interação.

34
2.2. Fonologia na educação de jovens e adultos

A alfabetização sempre foi a meta do programa, mas o que


fazer com esse aluno depois que ele se encontra alfabetizado e
apresentando os mesmos problemas daqueles que ainda estão no
processo de alfabetização, aqui tomando como parâmetro a noção
de alfabetizado aquele que possui a habilidade de ler e escrever,
nunca foi de fato pensado.
Roberto (2016) ressalta que mesmo depois de finalizado o
período inicial da alfabetização, o suporta na oralidade, espelho de
pouca leitura e desconhecimento do registro gráfico de algumas
palavras, bem como o desconhecimento da regra na relação
fonográfica ou, ainda, a própria complexidade nessa relação (os
casos de contextos competitivos) se manifestarão na escrita
desviantes. Os casos de relações irregulares, aliás, seguem ao
decorrer da jornada escolar e, também, na fase adulta, sempre que
uma palavra nova surge.
Há uma necessidade real de dar continuidade ao processo de
escolarização dos jovens e adultos na tentativa de solucionar ou
minimizar as deficiências que ficaram de um processo de
alfabetização cheio de lacunas e inconsistências, que comumente é
confundido com incapacidade dos alunos.

2.3. Consciência fonológica na EJA

A consciência fonológica vai além do simples reconhecimento


dos sons da língua. É um trabalho de metalinguagem, levando os
falantes ao exercício de voltar-se para a percepção dos segmentos
que levam a formação da fala. De acordo com Alves (2012, p.31)
remete a uma capacidade de reflexão (o que envolve constatação e
comparação). Logo, o indivíduo se torna capaz de falar sobre seu
próprio código, expondo descobertas e inferências sobre como os
sons se combinam.
Diante do exposto, vale refletir sobre os dizeres de Morais e
Albuquerque (2010, p. 70), quando expõem que não haveria sentido

35
em desenvolver um trabalho que envolva a aprendizagem da
escrita, sem promover algum tipo de reflexão fonológica. Visto que,
todo o nosso sistema de representação alfabética requer uma
elaboração mental, ou seja, um trabalho de meditação. Assim
sendo, concluímos que é improdutivo o trabalho de memorização
de letras ou sons, o que deve ser feito, mesmo na EJA é um trabalho
de reflexão, a partir das semelhanças e diferenças entres fonemas,
grafemas, palavras e assim por diante.

2.4. Aspectos de Variação e fonologia: princípios norteadores


para o ensino na EJA

Discutir variação linguística na escola, na nossa sociedade


atual ainda é motivo de muita divergência. No ano de 2011, uma
polêmica foi gerada em torno de uma passagem de um livro
didático destinado a EJA que se propunha a discutir os diferentes
tratamentos dados a uma mesma proposição em contextos
diferentes. O livro “Por uma Vida melhor” pertencente ao
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) trouxe a afirmação
de que estruturas como “nós pegamos o peixe” em ambientes não
monitorados, ou seja, em contextos espontâneos de fala poderia ser
substituído por “nós pega o peixe”.
Essa informação gerou grande repercussão, inclusive na mídia
que criticou muito a referência feita a linguagem coloquial no livro,
alegando que estaria promovendo um ensino equivocado da língua
aos estudantes. Em contrapartida, estudiosos da língua saíram em
defesa da menção feita na obra, respaldados pela teoria da variação
linguística que prevê e entende como genuínos os episódios de
informalidade para o estudo do idioma, uma vez que é
inquestionável que ocorrem o tempo todo na língua.
Faraco (2015, p.35), em sua obra Pedagogia da variação
linguística, defende que podemos começar essa mudança pelo
professor de português, desenvolvendo uma nova atitude. Para
isso, o autor defende que o professor precisa considerar que o aluno
chega à escola repleto de conhecimentos linguísticos, isto é, não

36
cabe ao professor ensinar o aluno a falar Português, uma vez que
ele já sabe. Ao professor é facultada a tarefa de conduzir, orientar
os alunos em relação às atividades pedagógicas e às competências
comunicativas.

2.5. O rotacismo e sua influência na escrita do aluno EJA

O fenômeno do rotacismo ocorre LP com muito mais


frequência do que se imagina, consistindo, de acordo com Camara
Jr (1970 apud COSTA, 2006, p.16) na realização de um rótico, onde
espraiamos uma lateral, ou seja, a troca de uma lateral líquida por
uma líquida vibrante. Sendo assim, o rotacismo, troca da líquida
lateral /l/ pela lateral vibrante /r/, ocorre geralmente, em ataque, em
sílabas do tipo CCV como nas palavras bloco por broco, mas
podendo ocorrer também em outros contextos como em coda
silábica, que é o caso de palavras como <arça>, em vez de <alça> ou
<carça>, em vez de <calça>.
Historicamente, o rotacismo esteve presente nos falares mais
cultos não só da Língua Portuguesa, como também nos usos
coloquiais da língua, fato comprovado pela presença confirmada
em um dos documentos mais raros do latim, o Appendixprobi, um
conjunto de textos que forma uma espécie de manuscrito datado
em meados do século VIII d.c., sendo composto possivelmente por
um professor, a autoria não é definida, para uso de seus alunos.
Nesse documento, estão dispostas cerca de 227 correções em
relação a fala e escrita de algumas palavras. Dentre os vocábulos,
estariam, por exemplo, “flagellum non fragellum”, ou seja, o provável
professor orienta a produção com o padrão fl e não fro que nos
suscita que, no período em que fora escrito o documento, havia a
produção com a incidência em /r/.
Há várias razões justificáveis para essas ocorrências e nossos
falantes precisam estar cientes que somos usuários de uma língua
viva, dinâmica, que passou por vários processos diacrônicos e
sincrônicos, mas que ainda preserva resquícios de sua origem, o
que não precisa ser motivo de subjugação do outro.

37
Ao adentrar ao mundo escolar, o estudante já vem munido de
suas competências comunicativas, adquiridas ao longo de suas
experiências de vida, o contexto social no qual se encontra inserido,
a cultura que vivencia. Todas essas aquisições são colocadas em
confluência com os saberes e competências escolares, inclusive no
que se refere à fala e escrita. O que vai acontecer na sequência vai
depender dos contratos que serão firmados entre professor e aluno
no que tange a como serão utilizados, em benefício do aluno, o que
ela já traz de conhecimento e como o professor vai inserir na vida
desse estudante de maneira produtiva os novos saberes.
O que ocorre algumas vezes em relação ao aluno EJA é que
essas competências adquiridas ao longo da vida desse estudante
não são levadas em consideração no momento do ensino
aprendizagem.
Entra na discussão um fato muito importante, a relação da fala
com a escrita e a compreensão por parte do professor de que uma
coisa, principalmente na EJA, não está dissociada da outra. O
estudante transfere para a escrita, naturalmente, aspectos da
oralidade. Sobre isso Molica e Loureiro (2008, p. 226) asseveram
que ao educador cabe a ciência de que as variáveis que
caracterizam a influência da fala na escrita estão relacionadas a
fatores linguísticos e não linguísticos. Logo, podemos refletir sobre
todos os fatores que subsidiam os falares dos estudantes adultos
que vão muito além da gramática da língua.

3. METODOLOGIA

Esta pesquisa apresenta uma abordagem quantitativa em que


foram coletados dados escritos nas produções textuais dos alunos
para verificação da proporção (%) de ocorrência do fenômeno
estudado e, uma abordagem qualitativa, para identificação de
possíveis mudanças causadas pela aplicação dos métodos eleitos
para minimizar os problemas detectados. Além disso, a etapa
qualitativa avaliou a existência do fenômeno fonológico e suas
possíveis causas de ocorrência (se de ordem da aquisição oral,

38
fatores sociais ou de letramento), quais as implicações na vida
social do estudante e quais caminhos a serem trilhados para a
suavização das problemáticas advindas da produção do rotacismo.
Para a coleta dos dados escritos, os alunos escreveram textos
curtos com ambientes “gatilho” para a troca do “l” por “r”, como
exemplo, palavras que apresentam as consoantes laterais
alveolares em ambiente fonológico propício à troca pela vibrante
simples: ‘planeta’ → ‘praneta*’. Essas produções foram coletadas a
partir de textos ditados em sala de aula. A aplicação das atividades
foi dividida em dois momentos: uma etapa teórica, (levantamento
bibliográfico) e uma etapa prática; dividida em três momentos: Pré-
instrução, Instrução e Pós-instrução. A etapa Instrução, por sua vez,
foi dividida em dois blocos, o de leitura e o de escrita.

3.1. Pré-instrução

Na etapa de Pré-instrução foram selecionadas grupos de aulas


para fazer a aferição da ocorrência do rotacismo na escrita dos
alunos. Assim sendo, as atividades propostas foram treinos
ortográficos de palavras isoladas e, posteriormente, de palavras
contextualizadas. Após a realização das duas atividades, os textos
foram recolhidos em folhas separadas para posterior análise que
verificou a ocorrência do fenômeno em vários momentos das duas
atividades em vários estudantes, o que permitiu a continuidade das
demais etapas da pesquisa.

3.2. Instrução

A etapa Instrução foi dividida em dois blocos: bloco de leitura


e bloco de escrita. No bloco de atividades de leitura, as atividades
relacionadas se estruturaram mediante quatro oficinas. No bloco
de atividades de escrita, as atividades se estruturam em duas
oficinas como mostra o Quadro 1.

39
Quadro 1: Bloco de atividades com a descrição das
oficinas de leitura e escrita
BLOCO DE ATIVIDADES
LEITURA
Oficina Atividades
Oficina 01 Atividades de sondagem
Oficina 02 Atividades com trava línguas
Oficina 03 Jogo das rimas complexas
Oficina 04 Jogo da repetição
ESCRITA
Oficina Atividades (cf. APÊNDICES A, B e C)
Cruzada falada (uso do software
Oficina 05
‘Kurupira’)
Roleta das sílabas complexas (com bingo
Oficina 06
de palavras)
Fonte: Os autores.

Cada uma das oficinas do Quadro 1 foi composta por uma


sequência de duas aulas com 01 hora e 10 minutos de duração cada
aula, compondo uma sequência de 14 horas de atividades no total.

3.3. Pós-instrução

Na etapa da Pós-instrução foram reaplicadas as atividades


iniciais, de treino ortográfico e do texto ditado, para que fosse
avaliado se realizando a mesma atividade, depois de todas as aulas,
o comportamento seria o mesmo ou se haveria alguma mudança.
Na, sequência, construímos coletivamente outro material
didático como objetivo tanto da aferição da consolidação dos
aprendizados, quanto para contribuir ainda mais com o processo
de ensino e aprendizagem de outros alunos. A esse novo jogo
demos o nome de “Dominó das líquidas”. Tanto o dominó quanto
a roleta ficaram à disposição da escola para serem utilizados pelos
professores em suas respectivas aulas.
A seguir, o Quadro 2 aponta um resumo de como ocorreu as
três etapas da intervenção.

40
Quadro 2: Total das atividades da proposta de intervenção por etapa,
atividade descrita, material utilizado e quantidade de aulas despendidas.
TOTAL DAS ATIVIDADES DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
DESCRIÇÃO
ATIVIDADE MATERIAL QUANTIDADE
ETAPA DA
PROPOS-TA UTILIZADO DE AULAS
ATIVIDADE
Escrita de
INSTRUÇÃO

Treino
palavras Caneta, papel 02 aulas
ortográfico
PRÉ –

ditadas
Texto Escrita do
Caneta, papel 02 aulas
ditado texto ditado
Exposição
Discussão
sobre
sobre o que
oralidade e
sabiam os
escrita e Tirinhas de
alunos sobre 02 aulas.
discussão e Chico Bento.
oralidade,
interpreta
escrita e
ção de
fonologia.
tirinhas.
Oralização
Trava-
Trava- em voz alta
línguas 02 aulas
línguas dos trava –
INSTRUÇÃO

impressos.
línguas
Fazer
combina- Caixa de
Jogo das ções papelão e
rimas fonéticas palavras 02 aulas
complexas entre as recortadas
sílabas em papelão.
complexas.
Leitura e
memoriza- Palavras
Jogo da ção de recortadas e
02 aulas
repetição palavras que caixa de
apresenta- papelão.
vam onset

41
complexo (/ɾ/
e /l/)
Material
Preenchi-
impresso
Cruzada mento de
desenvolvido 02 aulas
falada cruzadinha
no software
com pistas.
‘Kurupira’
Sorteio de
padrões de
Roleta das Roleta e
sílabas para
sílabas cartelas em 02 aulas
preenchi-
complexas papel.
mento de
cartelas.
Escrita de
Treino
palavras Caneta, papel 02 aulas
ortográfico
ditadas
Texto Escrita do Caneta e
02 aulas
PÓS - INSTRUÇÃO

ditado texto ditado papel


Fazer
combinações
fonéticas e
ortográficas
Dominó
a partir de Dominó 02 aulas
das líquidas
imagens
presentes nas
peças do
dominó.
Fonte: Os autores.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos dados coletados, pudemos observar a proporção


em percentual (%) das ocorrências de rotacismo, nas etapas pré- e
pós-instrução na Figura 1, a fim de verificarmos a presença da
oralidade transferida para a escrita.

42
Figura 1: Porcentagem de ocorrências de rotacismo nas etapas pré- e
pós-instrução (painel à esquerda) e no ambiente silábico (painel à
direita).

Fonte: Elaborado pelos autores.

Observamos, como base em nossos dados que, de modo geral,


não a proporção de realização foi bem maior antes de aplicarmos
uma intervenção (68% contra 32% em que a produção escrita não
desviou da norma padrão). Os resultados apontam para uma
possibilidade de ter havido deficiência no desenvolvimento da
consciência fonológica na fase do processo de alfabetização que não
foi corrigido nos anos posteriores de escolarização. É necessário
que o docente se atenha a uma investigação qualitativa a respeito
das variáveis sociais que circundam seu aluno, por exemplo, idade,
grau de escolaridade, classe social, dentre outras e verificar se há
alguma correlação com a produção escrita do rotacismo, bem
como, de outros fenômenos fonológicos e, dessa forma, encontre
estratégias à redução desses desvios, tanto na fala como na escrita.
Para tanto, o conhecimento em fonologia e fonética pelo professor
de língua portuguesa é imprescindível.
As maiores ocorrências de desvio ortográfico ocorreram nas
sílabas pré-tônicas. A literatura fonética aponta ao longo dos anos

43
que, o ambiente de pré-tônicas e pós-tônicas favorece a incidência
de fenômenos fonológicos como o aqui apresentado (cf. ROBERTO,
2016). Esses resultados representam, de alguma forma, uma alerta
para que reflitamos nossas práticas de ensino que contemple a
escrita e a oralidade do discente. De modo geral, observamos que
os alunos tiveram um bom desempenho na pós-instrução quando
comparado à pré-instrução, apresentando uma redução
proporcional de inadequações, quanto à troca das líquidas,
desenvolvendo uma escrita mais consistente, demonstrando que as
atividades da intervenção lograram êxito.
Observamos que a diferença em termos proporcionais entre as
duas etapas é expressiva, ocorrendo uma redução relevante de
ocorrências entre as etapas, saindo de 68% para 14% de recorrência.
Ainda que de forma preliminar, podemos considerar que as
atividades da intervenção influenciaram positivamente na escrita
dos alunos.
Ao finalizarmos as atividades referentes às três etapas e
comprovarmos as hipóteses anteriormente formuladas,
reconhecemos que não é fácil desenvolver um trabalho semelhante
a esse em todas as turmas, visto que, geralmente o professor de
língua portuguesa preenche sua carga horária com várias turmas
de anos diferentes, durante todo o ano, vários anos consecutivos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhamos o rotacismo na escrita dos alunos EJA como um


reflexo da transposição da fala para a escrita e para levá-los a
compreensão dos motivos que os levaram a cometer essas
inadequações linguísticas, assim como conscientizá-los de que é
preciso adequar a escrita para a inserção nas mais diversas práticas
sócias, elaboramos uma proposta de intervenção fundamentada nos
preceitos da fonologia para suavizar essas inadequações na escrita.
As atividades foram cuidadosamente pensadas para que não
reproduzissem os métodos tradicionais de repetições,
memorizações, estudo essencialmente metalinguístico, sem

44
reflexão e aplicação social. Algumas atividades diagnósticas foram
previamente realizadas, a fim de fazermos um primeiro
levantamento para confirmar a presença do Rotacismo na escrita
de alunos EJA que estão descritas na etapa de Pré-instrução.
Subsidiamos nosso estudo em diversas teorias presentes no nosso
aporte teórico. Aplicamos todas as atividades da proposta descritas
na etapa da Instrução e, por fim aplicamos a etapa Pós-instrução para
finalizar a pesquisa.
Almejávamos que esta pesquisa pudesse contribuir quanto ao
desenvolvimento de uma escrita profícua e que o aluno pudesse
minimizar as deficiências apresentadas na escrita inicial,
substituindo-as por uma escrita independente que fosse refletida
nas práticas sociais. Esperava-se que essa autonomia fosse
conquistada, uma vez que as atividades propostas estavam de
acordo com as necessidades e deficiências do aluno, assim como
estavam atreladas aos pressupostos da Fonologia que explica os
desvios cometidos, além de apontar caminhos para a superação. Ao
finalizar todas as atividades e respectivas avaliações e, embora seja
precoce afirmar, consideramos que a implementação das
atividades de intervenção contribuiu para a redução do Rotacismo
nas produções escritas dos alunos, bem como, para um maior
engajamento entre os discentes (cf. Apêndices B e C para interação
entre os alunos da turma).

6. REFERÊNCIAS

ALVES, U. O que é consciência fonológica. In: LAMPRECHT,


Regina Ritter et al. Consciência dos sons da língua. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2012.
CAGLIARI, L. Alfabetização & Linguística. São Paulo: Scipione,
1999.
COSTA, L. Estudo do rotacismo: variação entre as consoantes
líquidas. Porto Alegre, 2006. 167 f. Dissertação (Mestrado em

45
Estudos da Linguagem) – Programa de Pós - Graduação em Letras,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
FARACO, C. Pedagogia da variação linguística: língua, variedade
e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
MOLLICA, M.; LOUREIRO, F. Aportes sociolinguísticos à
alfabetização. In: RONCARATI, C.; ABRAÇADO, J. (Orgs.).
Português brasileiro II: contato linguístico, heterogeneidade e
história. Rio de Janeiro: EduFF, 2008, p. 223-228.
ROBERTO, T. Fonologia, fonética e ensino: guia introdutório. São
Paulo: Parábola Editorial, 2016.
SEARA, I. Fonética e fonologia do português brasileiro.
Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011.

46
APÊNDICE A - Jogo Roleta das sílabas complexas.

APÊNDICE B – Alunos construindo o jogo Cruzada Falada junto


com a professora e primeira autora desta pesquisa.

47
APÊNDICE C – Alunos manipulando o jogo Roleta das sílabas
complexas.

48
CAPÍTULO 3

NOITE DE LUA:
VIVENCIANDO A POESIA EM SALA DE AULA

Rômulo Rodrigues de Oliveira (PROFLETRAS/UEPB)1


Maria Suely da Costa (PROFLETRAS/UEPB)2

1. INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto de pesquisa realizada no Mestrado Profissional


em Letras – PROFLETRAS/UEPB voltada para a formação do leitor
do texto literário. O objetivo principal tem por foco a proposta de
leitura literária na sala de aula através da poesia de Cordel de modo
viabilizar uma experiência dinâmica aos discentes do 9º ano do Ensino
Fundamental II. Para tanto, tem-se como objeto de leitura o folheto de
Cordel intitulado Noite de Lua do poeta João Gomes Sobrinho,
conhecido por Xexéu. Em função de uma pesquisa com discussão
centrada no letramento literário e oficinas de leitura, adotamos uma
base teórica fundamentada em estudos de Lajolo (2009), Cosson e
Paulino (2009), Cosson (2019), Perrone-Moisés (2006), Marinho e
Pinheiro (2012), Pinheiro (2018) entre outros.
O foco da proposta com a poesia popular de Cordel esteve em
possibilitar ao discente uma nova perspectiva sobre a prática da
leitura do texto literário que desconstruísse visão de tarefa
repetitiva, aborrecida e custosa que muitos alunos possuem
relativas à leitura nas aulas de Língua Portuguesa. Desse modo,

1 Mestre em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba (PROFLETRAS/UEPB).


E-mail: romulorodriguesoli@gmail.com
2 Professora Doutora do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UEPB)E-

mail:mscosta3@hotmail.com

49
acreditamos que a experiência leitora do Cordel em sala de aula
pudesse estimular a busca do texto literário por parte dos discentes,
não só na escola, mas também fora dela, bem como auxiliar na
formação do leitor, uma vez que o ensino de literatura deve estar
intrínseco ao ensino de leitura. Até então, a pesquisa apontou uma
carência quanto às atividades de leitura nas aulas de Língua
Portuguesa que contemplem o texto literário, principalmente o
poético, para além dos aspectos formais, assim como o
entendimento de que a leitura pode ser instrumento de prazer,
liberdade e construção de sentidos.
É consenso que o ensino de literatura é essencial para a
formação dos leitores, uma vez que ensinar literatura é ensinar a
ler, e sem leitura não há cultura (PERRONE-MOISÉS, 2006, p.27).
Contudo, por vezes, essa atividade tem sido negligenciada no
Ensino Fundamental, seja pelos poucos projetos de leitura ou até
mesmo a inexistência de uma biblioteca no ambiente escolar. Além
disso, o professor de Língua Portuguesa enfrenta o desinteresse
dos alunos que, inseridos no mundo tecnológico, apresentam
sentimento de descaso referente às leituras que exigem um pouco
mais de dedicação, como é o caso do texto literário na sua condição
de objeto de estudo.
Nesse cenário, a forma como as atividades têm sido
executadas na sala de aula é um problema, uma vez ser possível
identificar situações em que o texto literário tem sido utilizado
como pretexto para análise de aspectos linguísticos ou tarefas
geralmente superficiais que não medem além da capacidade dos
discentes em selecionar informações ou repetir o que já estava
escrito. Sendo assim, nesse tipo de abordagem, a fruição, o prazer,
os significados vários que a leitura do texto literário pode oferecer
acabam sendo menosprezos.
A literatura deve ter presença constante nas aulas de Língua
Portuguesa, uma vez que, através dela, é possível desenvolver
competências na leitura e apresentar aos alunos diferentes visões de
mundo e realidades, constituindo-se ser fundamental para o exercício
da cidadania e formação humana. Parar isso, a escola deve trabalhar

50
propostas de leituras que ofereçam aos alunos outras possibilidades
que possam ir além daquelas que eles já conhecem, ofertando o direito
de acesso à herança cultural da humanidade que se expressa pela arte
literária. Partindo dessa perspectiva, este trabalho passou a ter por
foco uma proposta que provocasse uma experiência dinâmica com o
texto literário. Assim, a Literatura de Cordel surge como aliada para o
desenvolvimento de uma conduta de leitores nos discentes, visto que
além de ser riquíssima, tanto em forma, como em conteúdo, também
pode estimular o gosto pela leitura.

1.1 O espaço da leitura do texto literário na escola

A leitura em sala de aula é basilar para ampliar o repertório


sobre os mais variados temas, permitindo ao aluno diversos
conhecimentos, o que vem colaborar com a construção do
pensamento crítico do indivíduo, como também com a formação de
um cidadão ativo no meio em que vive. Esse efeito deve-se à prática
leitora. Ferrarezi Júnior e Carvalho (2017, p.17) definem a ato de
ler da seguinte forma:

Ler é um ato iminentemente civilizador. Há algo de disciplinador na


leitura. A necessidade de deter-se respeitosamente diante do livro é
disciplinadora. A necessidade de estar atento e dedicar toda a mente
ao que se lê é um exercício que alarga os horizontes cognitivos,
desenvolve a inteligência, exige do ser um algo mais do que as
efemeridades cotidianas. A obrigação autoimposta de compreender
o que se lê força as capacidades cognitivas e serve de exercício
fortalecedor da mente. Livro bons, de bom conteúdo, livros
instigadores, provocativos, de conteúdo profícuo, educam,
informam, transformam vidas, deixam marcas indeléveis na alma.

Nesse sentido, destacamos que ler não se restringe a apenas


decodificar um texto, não é uma atividade simplória, mas, sim,
complexa, principalmente no que se refere à leitura do texto

51
literário que exigirá do leitor concentração e empenho ou será
realizada de forma insatisfatória, como afirma Lajolo (2009, p. 101):

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um


texto. É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação,
conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para
cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e,
dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se
contra ela, propondo outra não prevista.

Apesar disso, ainda observamos o uso da concepção


tradicional do ensino de Língua Portuguesa por alguns professores
na qual a leitura, em específico a literária, é tratada como pretexto
para execução de tarefas específicas, excluindo, assim, a fruição e o
prazer em ler ao se estabelecer as analogias e intertextualidades. É
importante, portanto, um posicionamento diferenciado da prática
docente, em vista de uma concepção de ensino considerada
ultrapassada e falha. Diante disso, Ferrarezi Júnior e Carvalho
(2017, p.21) afirmam que:

É urgente devolver aos nossos alunos o prazer pela leitura detida,


profunda e transformadora. É urgente que a escola reaprenda como
ensinar a ler. É urgente que haja políticas públicas que atendam com
programas sistemáticos de leitura desde a mais singela escola rural
ou indígena até a maior e mais moderna escola urbana, e que
redimensionem a importância da leitura nos currículos e na
existência escolar básica brasileira. É urgente fazer com que sejam
amigos neste país os livros e as gerações que hoje ainda não são
civilizáveis. Não conseguimos enxergar de outro modo. Ou nossas
crianças aprendem a ler e a gostar de ler, ou perderemos para a
ignorância mais uma geração de potenciais valorosos brasileirinhos
e brasileirinhas.

Nesse viés, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)


assegura que o eixo da leitura compreende as práticas de
linguagem que decorrem da interação ativa do
leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e

52
multissemióticos e de sua interpretação (BRASIL, 2017). Ou seja, a
leitura deve ser um processo no qual o leitor realize um trabalho
ativo de interpretação, não apenas extrair uma informação. Além
disso, o documento também destaca que a leitura possui um
contexto mais abrangente, não só no que se refere ao texto escrito,
mas também a imagens estáticas ou em movimento entre outros
aspectos (BRASIL, 2017). Por esse motivo, é imprescindível que na
escola sejam desenvolvidas atividades voltadas para a formação de
leitores e que estas envolvam toda a comunidade escolar. Com
efeito, segundo Ferrarezi Júnior e Carvalho (2017, p. 21), “os
currículos precisam ser alterados para que haja tempo dedicado ao
desenvolvimento da leitura na escola, devidamente previsto nos
planejamentos de português”.
De acordo com Cosson (2019, p. 36), o processo de leitura deve
ocorrer por meio de diálogos, uma produção de sentidos que seja
dividida em elementos os quais compõe o circuito da leitura.

Em síntese, ler consiste em produzir sentidos por meio de diálogo,


um diálogo que travamos com o passado enquanto experiência do
outro, experiência que compartilhamos e pela qual nos inserimos em
determinada comunidade de leitores. Entendida dessa forma, a
leitura é uma competência individual e social, um processo de
produção de sentidos que envolve quatro elementos: o leitor, o autor,
o texto e o contexto.

Apesar de termos mencionado anteriormente que a escola tem


papel fundamental na formação do aluno leitor, é importante
destacar que ela não é exclusiva. A respeito disso, Cosson (2019,
p.45) afirma que:

[...] a escola não é o único espaço de formação – nem o mais eficiente,


diriam seus críticos, ainda que não devamos esquecer que a escola é
o lugar de aprendizagem sistemática e sistematizada da leitura e de
outros saberes e competências – que temos em nossa sociedade.

53
Nessa perspectiva, a formação do leitor não é limitada
somente ao ambiente escolar, pois também é possível fora dele o
que é permitido pela capacidade de ler. Percebe-se, assim, a
necessidade de estimular os alunos para que estes procurem o texto
literário para além do contexto escolar, uma vez que a leitura deste
tem papel significativo na formação leitora dos alunos. Cosson e
Paulino (2009, p. 63) afirmam que:

Tão ou mais antiga que a própria noção ocidental de literatura, a


ideia de que a leitura de obras literárias cumpre um papel importante
no desenvolvimento do ser humano, quer no sentido estrito de
favorecer o trato com a escrita, quer no mais amplo de educar os
sentimentos e favorecer o entendimento das relações sociais, está na
base dessas preocupações e iniciativas.

Considerando a importância que a literatura possui na formação do


leitor, a preocupação surge quando se verifica o espaço que esta vem
perdendo para a internet, televisão, redes sociais, jogos online entre
outros. Tudo isso tende a consumir quase que completamente o tempo
dos discentes, sobrando muito pouco para a literatura, que não é
enxergada com o mesmo interesse. Segundo Cosson (2019, p.12):

Eternamente plugados pelos fones de ouvido, trocando


incessantemente mensagens nas redes sociais, jogando on-line em
sites especializados ou entretidos nos videogames, navegando de
muitas formas na web, os jovens não parecem ter tempo nem
concentração para a leitura de livros impressos – um hábito que se
apresenta aparentemente contrário ao modo dispersivo e irrequieto
com que se relacionam com os demais produtos e manifestações
culturais contemporâneas.

É importante destacar que não é somente fora da escola que a


literatura perde espaço, mas, até mesmo dentro do ambiente
escolar, pois é comum observarmos, nas aulas de Língua
Portuguesa, o ensino de literatura ficar em segundo plano. Sob o
mesmo ponto de vista, Perrone-Moisés (2006, p.23) afirma que:

54
Esse desprestígio tem numerosas razões: vivemos a época da
informação coletiva e rápida, e a leitura literária é uma atividade
solitária e lenta; o relativismo cultural dominante põe em xeque as
antigas tabelas de valores, sem as substituir por novas; respostas
simples às grandes questões filosóficas e existenciais passaram a ser
buscadas, por aqueles que ainda leem, em manuais de autoajuda,
mais reconfortantes do que os textos literários.

Ademais, muitas atividades desenvolvidas na sala de aula


apresentam a leitura do texto literário como objeto complexo e
distante dos interesses dos alunos, “Para os jovens, a justificativa
de que são obras de grande valor cultural não é argumento
suficiente para levá-los à leitura efetiva desses textos” (COSSON,
2019, p. 13). Em algumas situações, o texto literário é evitado nas
aulas, embora devesse ter o seu merecido destaque, pois possui
papel importantíssimo no desenvolvimento e formação leitora dos
alunos. Sendo assim, é essencial buscar estratégias que atraiam os
discentes para esse tipo de leitura. Nesse contexto, conforme
Perrone-Moisés (2006, p.23), é importante verificar que:

Ouvir o aluno não significa oferecer ao aluno exatamente o que esse


deseja, o que lhe dá prazer imediato, o que confirma suas opiniões e
gostos individuais. Ouvir o aluno significa compreender o patamar
de conhecimento em que ele se encontra, o repertório de que ele
dispõe, não para “respeitar” e confirmar sua “individualidade”
irredutível, mas para, a partir desses dados, estimulá-lo a ascender a
um patamar superior, mais amplo, mais informado. O maior respeito
pelo aluno consiste em considerá-lo apto, qualquer que seja sua
extração social e suas carências culturais, a adquirir maiores
conhecimentos e competências.

Para ilustrar a necessidade do ensino de literatura nas aulas de


Língua Portuguesa, Perrone-Moisés (2006, p. 27-28) elenca diversos
motivos que comprovam o porquê da sua importância para a
formação do leitor:

55
1) porque ensinar literatura é ensinar a ler, e sem leitura não há
cultura; 2) porque os textos literários são aqueles em que a
linguagem atinge seu mais alto grau de precisão e sua maior potência
de significação; 3) porque a significação, no texto literário, não se
reduz ao significado (como acontece nos textos científicos,
jornalísticos, técnicos), mas opera a interação de vários níveis
semânticos e resulta numa possibilidade teoricamente infinita de
interpretações; 4) porque a literatura é um instrumento de
conhecimento e de autoconhecimento; 5) porque a ficção, ao mesmo
tempo que ilumina a realidade, mostra que outros mundos, outras
histórias e outras realidades são possíveis, libertando o leitor de seu
contexto estreito e desenvolvendo nele a capacidade de imaginar,
que é um motor das transformações históricas; 6) porque a poesia
capta níveis de percepção, de fruição e de expressão da realidade que
outros tipos de texto não alcançam.

Diante do exposto, desenvolver estratégias que proporcionem


aos discentes o contato com o texto literário é ação necessária, pois
desenvolve diversas competências que outros tipos de leitura
seriam incapazes de alcançar. No tocante a incentivar os alunos
para esse tipo de leitura, destacamos que a literatura está em
transformação constante, isso possibilita encontrar textos que
atendam aos diversos interesses dos alunos, cabe ao professor,
então, identificar qual deles seja a mais relevante para ser
trabalhado na sala de aula.

1.2 A Literatura de Cordel e a formação do leitor

Nossa proposta surge da preocupação do trabalho com a


leitura do texto literário nas aulas de Língua Portuguesa,
considerando o que a BNCC destaca na terceira Competência Geral
da Educação Básica: “valorizar, e fruir as diversas manifestações
artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar
de práticas diversificadas da produção artístico-cultural” (BRASIL,
2017, p. 9). Assim surgiu a ideia de promover o contato dos
estudantes com o texto literário e, consequentemente, com a cultura

56
popular. A escolha do gênero Cordel ocorre pela sua riqueza
notadamente marcada pela musicalidade, a abrangência de temas,
o humor, a linguagem específica e, principalmente, a possibilidade
do reconhecimento de elementos que estão presentes no contexto o
qual o aluno está inserido, entre outros aspectos que possibilitam
atividades dinâmicas capazes de estimular a leitura. Entendemos,
assim, que o texto literário de Cordel tem muito a oferecer.
Atualmente, é possível identificar diversos trabalhos
realizados com a poesia de Cordel, os quais contribuem no
processo de formação do leitor e, ao mesmo tempo, valorizam uma
arte de origem popular. Marinho e Pinheiro (2012) realçam que
qualquer que seja o trabalho desenvolvido com a poesia de Cordel
necessita de um envolvimento afetivo com a cultura popular.
Ainda, conforme os autores:

Abrir a porta da escola para o conhecimento e a experiência com a


poesia de cordel, e a literatura popular como um todo, é a conquista
da maior importância. Porém, há que se pensar de que modo efetivá-
la tendo em vista a formação de leitores. (MARINHO; PINHEIRO,
2012, p. 11)

Nessa perspectiva, é importante ter em mente que o trabalho


realizado com o Cordel na sala de aula deve ir além dos aspectos
superficiais do texto, ou seja, não deve ser utilizado somente como
um instrumento para a assimilação de conteúdo, mas proporcionar
aos discentes uma experiência leitora do texto literário. Em função
disso, Marinho e Pinheiro (2012, p.12) afirmam:

Acreditamos que a literatura de cordel ou de folhetos deve ter um


espaço na escola, nos níveis fundamental e médio, levando em conta
as especificidades desse tipo de produção artística. Considerá-la
apenas como uma ferramenta que pode contribuir com a assimilação
de conteúdos disseminados nas mais variadas disciplinas (história,
geografia, matemática, língua portuguesa) não nos parece uma
atitude que contribua para a construção de uma significativa
experiência de leitura de folhetos.

57
Entendemos que o Cordel não deve ser utilizado apenas como
ferramenta para assimilação de conteúdos, mas a possibilidade de
discussões referentes às temáticas que estes trazem proporcionam
o desenvolvimento de habilidades de compreensão, pois este
gênero literário não é rico apenas em forma, é possível verificar
cordéis com as mais variadas temáticas, desde aqueles que
realizam denúncias aos que abordam questões sociais, os quais
podem contribuir para a aprendizagem e reflexões dos discentes,
como destacam Marinho e Pinheiro (2012, p.88):

A literatura de cordel, ao longo de sua história, tem sido instrumento


de lazer, de informação, de reivindicações de cunho social,
realizadas, muitas vezes, sem uma intencionalidade clara. Podemos
apontar no Cordel uma acentuação do caráter de denúncia de
injustiças sociais que há séculos estão presentes em nossa sociedade.
Seriam muitos os exemplos desta faceta.

Ademais, a poesia de Cordel se torna um meio de possibilitar a


leitura de um dos gêneros menos apreciados nas aulas de língua
portuguesa, o texto poético. Como afirma Pinheiro (2018), na sua
obra Poesia na sala de aula, de todos os gêneros literários,
provavelmente é a poesia o menos prestigiado no fazer pedagógico
em sala de aula. Há, de certo modo, uma preferência dos professores
de Língua Portuguesa pelos textos em prosa, explorando pouco o
trabalho com o poema. Ou, quando o poema é trabalhado, ainda há
abordagens que se prendem mais a questões formais (tipo de verso,
rimas), atividades que pouco favorecem a aproximação lúdica do
aluno com o texto literário (PINHEIRO, 2018).
Desse modo, com o objetivo de proporcionar uma experiência de
leitura do texto literário na escola, escolhemos o Cordel Noite de Lua
de João Gomes Sobrinho, conhecido sob a alcunha de Xexéu, um poeta
considerado Patrimônio Imaterial da Cultura Popular do Rio Grande
do Norte, que pertenceu a Academia Norte-rio-grandense de
(ANLiC), na qual ocupou a cadeira de número 30, cujo patrono é o

58
poeta Luiz Souza da Costa Pinheiro. Suas obras se destacam pelo forte
apelo pela preservação da natureza e temáticas sociais.

1.3 Noite de lua: uma proposta de leitura literária

O Cordel Noite de lua do autor João Gomes Sobrinho,


conhecido por Xexéu, é composto por quarenta estrofes, escritas em
sextilhas, com versos em redondilha maior e esquema rítmico
marcado. O texto apresenta elementos que são comuns aos alunos
por fazerem parte de suas vivências. A noite de lua cheia é
retratada como algo belo, místico e misterioso. Neste poema, já nos
primeiros versos, observamos a ligação e o sentimento de gratidão
que o eu-poético possui em relação ao divino, assim como a
exaltação da paisagem nordestina que se destaca com enorme
beleza quando esta é iluminada pela luz da lua:

Agradeço a Deus por tudo


Na trajetória que venho
Fazendo traços poéticos
Para expor o desenho
Voltado para o leitor
Avaliar meu engenho.

Muito obrigado senhor


Debaixo da ordem sua
Na correria do tempo
Meu engenho continua
Representando a cultura
No Cordel Noite de Lua.

Até porque não tem outra


Noite de tanta atração
Nem espetáculo mais amplo
Com tanta fascinação
Como uma noite de lua
Enfeitiçando o sertão
[...]
(SOBRINHO, 2018, p. 51)

59
A leitura do poema tende a ser interessante e divertida. Este
explora elementos da cultura local o que possibilita certa
identificação por parte dos alunos que vivem no contexto retratado.
Por esse ângulo, Colomer (2003, p. 133) destaca a perspectiva de
que o leitor literário entende as obras de acordo com a sua
experiência de vida e literária. Dessa forma, a vivência que o leitor
traz para o texto é tão importante quanto a experiência
proporcionada ao leitor. Segundo Saraiva (2006, p.28),

Para legitimar o estudo da literatura, é necessário construir práticas


de leitura que promovam o encontro entre os textos literários e seus
leitores, visando, em decorrência disso, deflagrar uma reflexão sobre
a literatura e sobre a ética dos comportamentos humanos.

Além disso, as brincadeiras, o namoro, as festas religiosas e


populares representadas no poema são elementos que fazem parte
da memória onde o poeta buscou inspiração. Para Morais (2010), a
utilização de tal recurso tem por fim estabelecer uma ligação afetiva
com o vivido. Como podemos observar nas estrofes abaixo:

A noite de lua cheia


Manda através do luar
Incentivar a moçada
Cantar ciranda e dançar
Brinca de anel, pular corda
Fazer fita e namorar.
[...]

Nos terços do mês de maio


Eu faço apresentação
Nos ensaios da quadrilha
Para noite de São João
Casamento da fogueira
E batizado de tição.

Mamulengo dos bonecos


Boi de reis e pastoril

60
Quebra-pote e pau-de-sebo
No Nordeste do Brasil
E o forró de pé de serra
Tira fogo sem fuzil
[...]
(SOBRINHO, 2018, p. 52)

O Cordel Noite de lua enfatiza a cultura popular e provoca uma


reflexão sobre a sua origem e importância; faz referência, inclusive,
à chegada dos portugueses ao Brasil; critica os europeus e reitera
que a nossa cultura tem origem do tupi-guarani. Como podemos
observar nas estrofes abaixo:

Faço parte da cultura


Do povo da nossa aldeia
Onde se toca zambê
Canta coco e sapateia
E dribla o maneiro pau
Festejando a lua cheia.
[...]

Quando Pedro Álvares


Cabral apontou aqui
Os nativos já chamavam
A lua cheia Jaci
Prova que nossa cultura
Vem do Tupi guarani.
[...]
(SOBRINHO, 2018, p. 51)

A partir do que está representado no poema, é possível


observar a importância atribuída à cultura quanto à construção da
uma identidade. A menção à dança de coco zambê, cultura trazida
pelos africanos escravizados e inserida no contexto dos engenhos
de cana de açúcar, a referência à deusa da lua da mitologia tupi
“Jaci” e a chegada dos colonizadores portugueses representam a
cultura produzida que define parte da identidade para além do eu-

61
poético, ou seja, de uma coletividade. Para Martinazzo (2010, p. 34),
o homem constitui sua identidade no momento, em que

entra em contato com o mundo, transforma a natureza e produz


diferentes culturas. As suas características próprias, o modo de
pensar, ser e agir desenvolvem-se no decorrer das suas ações
cotidianas em meio à realidade cultural em que se insere.

No decorrer da leitura, vai-se revelando ao leitor os elementos


de inspiração para a produção da poesia e, pela metalinguagem,
têm-se a referência à escrita do próprio cordel, quando descreve os
diversos estilos aprendidos para compor cordéis:

Cada poeta inspirado


Nos temas dos namorados
Revela segredo oculto
De juramentos quebrados
Suprindo com poesia
Romances mal-acabados.

Foi aonde eu aprendi


A fazer verso medido
Cantar quadrão perguntado
E os dez de queixo caído
O galope a beira mar
E o oitavão rebatido.
[...]
(SOBRINHO, 2018, p. 52)

Os elementos que são retratados na poesia popular e que estão


presentes no contexto cultural dos alunos estimulam a leitura destes,
como nas histórias que mexem com a imaginação, a exemplo das
personagens folclóricas retratadas nos versos a seguir:

Aprendi da natureza
Fiquei tranquilo também
Dizendo comigo mesmo
Amanhã o dia vem

62
Eu acho a vereda e sigo
Com fé em Deus tudo bem.

Lembrei de velhas histórias


Que ouvi antigamente
A do Saci Pererê
Com uma perna somente
A do índio Curupira
Com o calcanhar pra frente.
[...]
(SOBRINHO, 2018, p. 53)

Quanto à metodologia proposta para a leitura do Cordel na


sala de aula, percorremos várias etapas: primeiro, a partir de um
questionário, buscamos descobrir o conhecimento que os alunos
possuíam sobre a literatura de Cordel, uma vez que o gênero é
bastante famoso em todo Brasil, justamente por possuir como
característica a oralidade. Dessa forma, era provável que a turma já
o conhecesse ao menos superficialmente.
Em seguida, preparamos uma exposição sobre o gênero,
destacando sua origem, denominação, a presença no contexto
brasileiro, o preconceito enfrentado por ser de origem popular, o
reconhecimento como parte da nossa cultura, entre outros aspectos
referentes ao gênero. Vários folhetos foram expostos em sala de
aula com fins de promover o levantamento de hipóteses quanto à
ilustração e o título da obra, com o objetivo estimular a curiosidade
dos alunos e tornar a leitura do Cordel desejável. É importante
ressaltar que houve uma seleção dos folhetos antes de expor aos
alunos, em razão de alguns cordéis apresentarem palavras de baixo
calão ou narrativas identificadas como inapropriadas para serem
trabalhadas com alunos na faixa-etária. Daí a importância de se
observar a faixa-etária do público leitor a quem o texto se direciona.
A segunda parte da proposta trata da leitura oralizada em voz
alta do cordel, visto que essa estratégia contribui tanto para o
ouvinte como para o leitor: quem ouve, tem a imaginação, a escuta,
a concentração e a curiosidade estimuladas; quem lê desenvolve

63
habilidades de leitura, principalmente quando observa a
necessidade de se manter um determinado ritmo, a observação das
rimas e da musicalidade presentes no cordel.
Em função da prática leitora do Cordel Noite de lua, cuidamos
antes em ler o texto para sentir suas pulsações, sonoridade e
pausas, com o propósito de realizá-la de modo que garantisse o
ritmo e a musicalidade, como também o envolvimento dos
discentes com o texto. Após a leitura feita pelo professor, os alunos
também foram convidados a realizarem a leitura essa em voz alta.
Solicitamos, ainda, que os estudantes fizessem de forma
compartilhada, em um círculo, no qual cada um realizou a leitura
de uma estrofe. A atividade de leitura e releitura proporcionou que
todos participassem, considerando que “esta repetição ajudará a
perceber o ritmo e encontrar os diferentes andamentos que o
folheto possa comportar e trabalhar as entonações de modo
adequado” (MARINHO, PINHEIRO, 2012, p.129).
Na sequência das atividades, o foco esteve em realizar uma
roda de conversa sobre o tema abordado no folheto Noite de lua. O
objetivo dessa estratégia foi provocar nos alunos a trocar ideias,
momento em que poderiam exercitar a interpretação ao apresentar
e ouvir opiniões diferentes, a partir dos significados verificados no
poema. Essa atividade permitiu uma interação capaz de produzir
reflexão, uma vez que é na interação, isto é, na prática de discutir
em pequenos grupos, seja com o professor ou com os colegas, que
se cria uma situação favorável para que o aluno que ainda não
tenha compreendido o texto o compreenda. Como também,
possibilita reconhecer o texto como lugar de manifestação e
negociação de sentidos, valores e ideologias. (BRASIL, 2017, p. 87)
Desse modo, utilizamos a temática da cultura para instigar o
debate na sala de aula, apresentando questionamentos como: quais
as raízes da nossa cultura? Ela sofre/sofreu alguma influência
estrangeira? Quais são as manifestações da cultura popular que a
turma conhece? Há incentivo para a valorização da cultura no
Brasil? Existe algum tipo de preconceito relacionado às diversas
manifestações culturais no Brasil? Assim, o debate proporcionou

64
diferentes visões, às vezes, conflitantes. Nesse processo, adquire
destaque o papel de mediador do professor a garantir que as
opiniões pudessem ser expostas, ouvidas e discutidas da melhor
forma possível. É importante destacar que embora o debate tenha
iniciado a partir de questionamentos referentes à temática, outros
aspectos elencados pelos alunos sobre o texto também foram
levados em consideração durante a discussão.
Para o encerramento, solicitamos a produção de um sarau de
Cordel pela turma, pois além de ser uma excelente oportunidade
de pôr em prática o aprendizado adquirido durante a proposta no
que se refere à leitura expressiva, também se torna uma forma de
promover um evento cultural na escola a valorizar a estimular
demais alunos para a leitura do gênero. Em função disso, diversos
cordéis foram apresentados aos discentes que tiveram a liberdade
para selecionar cordéis que os agradassem para depois recitá-los;
também possibilitamos espaço para que estes apresentassem
produções próprias, se assim o desejassem.
Sendo assim, a proposta apresentada não só provocou um
encontro dos discentes com o texto literário, como também atendeu
a competência específica de Língua Portuguesa, que orienta o
envolvimento do aluno com “práticas de leitura literária que
possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição,
valorizando a literatura e outras manifestações artísticos-culturais
[...]” (BRASIL, 2017, p. 87). Além disso, estimulou a leitura, o
imaginário e o encantamento, de modo a pôr em prática o potencial
de transformação da literatura, bem como a entender que ela pode
ser objeto de prazer, liberdade, significados e sentidos. Além disso,
também permitiu um espaço nas aulas de Língua Portuguesa para
uma das mais expressivas manifestações populares do Brasil que é
a Literatura de Cordel.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no que foi discutido e sabendo da necessidade de


realizar atividades de leitura que contemplem o texto literário nas

65
aulas de Língua Portuguesa, justamente por seu potencial quanto à
formação de leitores, a proposta de leitura literária do Cordel Noite de
Lua proporcionou para os discentes uma experiência com a literatura
que supera exercícios mecânicos e maçantes, contribuindo para a
formação de leitores na perspectiva do letramento.
Verificamos que apresentar as características do gênero
estudado e provocar o levantamento de hipóteses referentes à obra,
antes de realizar a leitura desta, são estratégias que permitem
estimular os alunos para a leitura do texto. Ademais, a prática da
leitura em voz alta foi extremamente importante na proposta de
leitura, pois através dela é possível estimular o gosto pelo texto
poético e aproximar os leitores para a literatura, fornecendo
conhecimentos tanto para o ouvinte como para o leitor, visto que é
uma “experiência de alegria que nascem dos lábios que narram, que
encenam, que pelejam, que protestam, que dão voz e corpo aos
sonhos e emoções” (MARINHO, PINHEIRO, 2012, p. 15).
Do ponto de vista do exercício de interpretação, no debate
realizado sobre a temática do texto, o êxito esteve em não somente
explorar o tema, mas em realizar uma análise através da troca de
ideias e opiniões diferentes, cooperando, assim, para o
desenvolvimento da capacidade interpretativa dos discentes em
relação ao texto literário e seus diversos sentidos e significados.
O exercício com sarau de cordel, atividade de encerramento,
proporcionou realizar uma festa cultural na escola, favorecendo o
envolvimento dos alunos com a poesia de Cordel e, também,
avaliar o desempenho dos alunos quanto à leitura expressiva. Além
disso, o sarau foi uma forma de apresentar a poesia de Cordel para
aos alunos das demais turmas incentivando, assim, para a leitura
desse gênero.
Com base nesse exercício de leitura com o texto de Cordel,
conclui-se a empreitada de formar leitores de literatura exigem
atividades que envolvam o leitor. Faz-se necessário, pois, uma
interação com o texto capaz de proporcionar um mergulho na obra
de diversas maneiras, nas quais possibilite a busca por sentidos. É
necessário frisar, que essa proposta não tem a pretensão de

66
solucionar todos os problemas relacionados à leitura dos textos
literários, porém o principal argumento para se continuar a ensinar
literatura é o de que a leitura literária é um direito de todos desde
a infância. Negar o contato com qualquer tipo de representação
artístico-literária é privar o aluno de exercer sua humanidade.
Entendemos que a vivência com poesia na sala de aula pode
proporcionar aos leitores em formação o entendimento de que a
leitura pode ser objeto de prazer, liberdade e imaginação, bem
como uma fonte de contato com os conhecimentos de nossa cultura.

3. REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília:


MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.
br/abase/#fundamental/lingua-portuguesa-no-ensino-
fundamental-anos-finais-praticas-de-linguagem-objetos-de-
conhecimento-e habilidades. Acesso em: 09 mai. 2019.
COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa
infantil e juvenil atual; tradução Laura Sandroni. São Paulo: Global,
2003.
COSSON, Rildo. Círculos de leitura e letramento literário. São
Paulo: Contexto, 2019.
COSSON, Rildo; PAULINO, Graça. Letramento literário: para
viver a leitura dentro e fora da escola. In: ROSING, Tania M. K.;
ZILBERMAN, Regina. Escola e leitura: velha crise, novas
alternativas. São Paulo: Global, 2009.
FERRAZI JR., Celso; CARVALHO, Robson Santos. De alunos a
leitores: o ensino da leitura na educação básica. 1. ed. São Paulo:
Parábola Editorial, 2017.
LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. Será que não é mesmo?
In: ROSING, Tania M. K.; ZILBERMAN, Regina. Escola e leitura:
velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Helder. O Cordel no
cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012.

67
MARTINAZZO, Celso José. Identidade humana: Unidade e
Diversidade Enquanto Desafios para uma Educação Planetária.
Contexto & Educação. Rio Grande do Sul, n. 84, p. 31-59, Jul./Dez.
2010. Disponível em: <https://www.revistas.unijui.edu.br/
index.php/contextoeducacao/article/view/460>. Acesso em: 17 fev.
2022.
MORAIS, F. C. Xexéu: do canto versátil ao voo criativo na escrita.
Imburana – Revista do Núcleo de Câmara Cascudo de Estudos
Norte-Rio-Grandenses/UFRN. n. 1, 2010. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/imburana/article/view/857/791. Acesso
em: 03 jan. 2021.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura para todos. Literatura e
Sociedade, 2006, vol. 9, p. 16-29. Disponível em: <https://doi.
org/10.11606/issn.2237-1184.v0i9p16-29> Acesso em: 09 mai. 2019.
PINHEIRO, Helder. Poesia na sala de aula. 1. ed. São Paulo:
Parábola, 2018.
SARAIVA, Juracy Assmann, MÜGGE, Ernani… [et al]. Literatura
na escola: Propostas para o ensino fundamental. Porto Alegre:
Artuned, 2006.
SOBRINHO, J. G. Noite de lua. In. SOBRINHO, J. G. Cantos da
manhã. Natal/ RN: Soluções Gráfica e Editora, 2018. p. 51-55.

68
CAPÍTULO 4

VIVENCIANDO A SEQUÊNCIA DIDÁTICA NA


PRODUÇÃO DO GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO

Iara Ferreira de Melo Martins (PROFLETRAS/UEPB)


Eduardo Souza da Silva (PROFLETRAS/UEPB)

1. INTRODUÇÃO

O ensino de Língua Portuguesa deve tornar o aluno um sujeito


ativo que vê no texto não apenas aquilo que está explícito, mas
também entender os múltiplos processos que constituem seu
significado, nas entrelinhas.
Desta forma, é fato que a maioria das vivências de leitura e de
produção de textos tenta fazer com que os alunos se sintam sujeitos
nessa construção de sentidos. Mas de que forma podemos melhorar a
produção de texto em sala de aula?
Essa problemática impulsiona o foco deste trabalho no qual
nos orientam alguns teóricos como Bakhtin (2011), Marcuschi
(2010) e BNCC (2017) no que se referem aos estudos com gêneros
discursivos; e Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004) com relação à
proposta de intervenção através da sequência didática.
A justificativa da escolha aqui, dentre tantos outros, do gênero
artigo de opinião é pelo fato dele possibilitar que os alunos
manifestem suas opiniões de forma autoral e argumentativa. Assim, a
estrutura do artigo de opinião exige que aquele que escreve tenha
habilidade de criar elementos capazes de convencer o outro.
Esta proposta de intervenção foi direcionada a uma turma de 20
alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da
rede estadual localizada na cidade de Belém-PB. Entretanto, para esse

69
artigo, por uma questão de espaço, fizemos um recorte de produções
textuais de dois alunos. Assim, selecionamos quatro produções (2
iniciais e 2 finais) para compor o corpus desta pesquisa.
O objetivo geral do trabalho é fazer uma análise comparativa de
quatro produções textuais, observando os aspectos composicionais,
estilo e conteúdo temático através da sequência didática. Como
objetivo específico, esperamos desenvolver no discente, através da
instrumentalização do gênero artigo de opinião, a utilização de
argumentos coerentes com seus pontos de vista.
Para uma melhor compreensão, organizamos esse artigo em
seis seções: na primeira, a introdução; na segunda seção
apresentamos uma discussão acerca da leitura e da significação que
ela representa na escola. Na terceira, tecemos algumas
considerações sobre o gênero, em especial o artigo de opinião, no
ambiente escolar; na quarta seção apresentamos um delineamento
dos dispositivos metodológicos; na quinta encontramos a análise
comparativa das produções textuais, obtidas através da sequência
didática. Por último, apresentamos as considerações finais acerca
da realização deste trabalho.

2 O PAPEL DA LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR

É importante ampliar o sentido da leitura. Não devemos


tornar insignificante o processo de decodificação, mas extrapolar
esse processo. Martins (1988) enfatiza o fato de que não podemos
entender o que é leitura sem considerarmos os aspectos sociais
daquele que está aprendendo.
Oliveira (2011) assevera que é preciso que valorizemos o
contexto social do estudante, suas práticas e costumes, além da
forma com que interage no seu cotidiano. Partindo desse
pressuposto, o estudante será considerado em um “estado ou
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e
exerce as práticas que usam a escrita” (SOARES, 2017, p. 47).
Desta forma, precisamos entender que o ato de ler se constrói
no leitor de forma lenta, de um nível ao outro, ou todos ao mesmo

70
tempo, com suas experiências. Lajolo (1993), por exemplo, fala em
uma leitura livre, baseada na escolha do leitor, ou seja, uma
maturidade leitora:

A leitura só se torna livre quando se respeita, ao menos em


momentos iniciais do aprendizado, o prazer ou a aversão de cada
leitor em relação a cada livro. Ou seja, quando não se obriga toda
uma classe à leitura de um mesmo livro, com a justificativa de que
tal livro é apropriado para a faixa etária daqueles alunos, ou que se
trata de um tema que interessa àquele tipo de criança: a relação entre
livros e faixas etárias, entre faixas etárias, interesses e habilidades de
leitura é bem mais relativa do que fazem crer pedagogias e
marketing. (p. 108 – 109).

Lajolo chama a atenção para algo de extrema importância no


ato da leitura quando enfatiza o estímulo. É justamente por isso que
a leitura é chamada aqui de processo, e não de algo que já vem
pronto e acabado. Como vimos, esse processo apresenta vários
níveis e, para que eles se concretizem, é preciso calma e tempo, pois
o gosto pela leitura, como frisa Lajolo, não deve ser um ato forçado,
assim como não se deve negar ao outro a possibilidade de escolha
do que ele quer ler.
Assim, um grande passo nesta construção é não se limitar aos
conceitos de leitura, mas sim mostrar os caminhos possíveis para
que ela se concretize, como um processo que acontece
paulatinamente.

3. O ENSINO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS1

Como afirma Bakhtin (2011), os gêneros existem em


quantidade inesgotável na sociedade, nos mais diversos contextos,
e justamente por estarem ligados aos contextos dos nossos alunos,

1Neste trabalho, consideraremos indistintamente, como muitos autores, os termos


gênero textual e gênero discursivo, ambos se referindo a tipos de enunciados
relativamente estáveis, que estão vinculados a situação de comunicação social.

71
devemos reconhecer os gêneros discursivos como sendo
fundamentais para o ensino de Língua Portuguesa.
Então, é preciso entender os gêneros discursivos como
ferramentas basilares em sala de aula, mesmo contemplando,
também, os estudos gramaticais. O que observamos, entretanto, é
que a maioria dos professores faz uso dessa ferramenta apenas
como pretexto para análise gramatical, negligenciando os aspectos
funcionais e sociocomunicativos do gênero.
Ao contrário de Bakhtin, Marcuschi (2010) não utiliza a
expressão gêneros discursivos, e sim, textuais, e acrescenta que
estão relacionados a necessidades e atividades socioculturais, com
a seguinte definição:

Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente


vaga para se referir os textos materializados que encontramos em nossa
vida diária e que apresentam características sociocomunicativas
definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição
característica. (MARCUSCHI 2010, p. 23)

Percebemos que a definição apresentada acima associa o


gênero às práticas do cotidiano que estejam relacionadas a uma
atividade sociocomunicativa.

3.1 Artigo de opinião: composição, estilo e conteúdo temático

É necessário abordar nas aulas de Língua Portuguesa, como


proposto pela BNCC (2017), os gêneros que contemplem a
realidade dos estudantes e ir muito além dos seus contextos de
convivência, observar que eles se inserem em uma faixa etária, que
se posicionam como sujeitos do discurso cada vez mais e, de certo
modo, interagem com muitos outros interlocutores.
Nesse sentido, o artigo de opinião é um gênero que
trabalha/oportuniza a capacidade argumentativa do educando,
orientando-o a persuadir o outro, partindo de um ponto de vista de

72
que ele pode ou não convencer, se os seus argumentos estiverem
bem estruturados (BRAKLING, 2001).
Rodrigues (2000) ressalta a importância da argumentação,
presente no artigo de opinião, para a aprendizagem em sala de
aula, colocada como fundamental para a concretização do ensino
que ultrapassa o letramento funcional, vejamos:

A argumentação no sentido de demonstrar a pertinência do artigo como


objeto de aprendizagem está na compreensão de que o objetivo da
escola para o ensino da produção escrita também não pode se limitar à
promoção do letramento funcional. Nessa concepção, pode-se dizer que
ser letrado se restringe a possuir conhecimento e domínio de gêneros
considerados suficientes para que a pessoa possa funcionar
adequadamente nos contextos sociais em que a escrita é prevista como
necessária para ela e seu grupo social [...] (p. 219)

Logo, percebemos o gênero artigo de opinião como uma


importante ferramenta para se adquirir/ampliar a capacidade
argumentativa do estudante, o que será concretizado a partir de
condições que lhe proporcionem ter autonomia e ser sujeito de suas
próprias produções textuais.
Ao discorrer sobre a especificidade dos gêneros discursivos,
Bakhtin (2011) apresenta três aspectos essenciais na sua
constituição: estrutura composicional, estilo e o conteúdo temático.
No caso do artigo de opinião, a estrutura composicional é composta
por alguns elementos, como título, introdução e conclusão. O estilo
empregado no texto possibilita refletir a individualidade de quem
o produziu. E por fim, o conteúdo temático sinaliza que apesar de
haver uma liberdade de escolha de tema, ele não deve acontecer
amplamente, pois está atrelado a um determinado assunto.

4. APRESENTAÇÃO DOS MÓDULOS DA PROPOSTA DE


INTERVENÇÃO: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A intervenção em tela foi realizada com uma turma de 20


alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede

73
estadual de ensino, localizada no município de Belém-PB. Porém,
devido ao curto espaço nesse artigo, fizemos um recorte, para
apenas quatro produções textuais (02 iniciais e 02 finais), de dois
alunos, que consistem o corpus desta pesquisa.
Desta forma, este estudo se constitui como uma pesquisa-
ação, de natureza descritiva/intervencionista e abordagem
qualitativa. E tem como objetivo geral fazer uma análise
comparativa de quatro produções, observando os aspectos
composicionais, estilo e conteúdo temático através de uma
sequência didática.
Esta pesquisa se deu mediante a criação de uma sequência
didática que, segundo Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004, p. 97), “é
um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
sistemática, em torno de um gênero textual [...] escrito”. Nessa
perspectiva, abordaremos o gênero artigo de opinião com base em
seus elementos constituintes, para que o estudante possa entender
a importância da apropriação de conhecimentos acerca desse
gênero em um contexto social, no qual opinar com segurança é um
fator extremamente necessário na sociedade atual, que exige
cidadãos que reflitam e se posicionem sobre o que os cercam.
Percebemos que o modelo que os autores propõem é composto
pelos seguintes elementos: apresentação da situação, produção
inicial, os módulos nos quais são desenvolvidas as atividades da
sequência, produção e produção final. Mas, com a finalidade de
adequação desse modelo para atender ao que propomos na nossa
sequência, optamos por fazer algumas modificações e reformulá-
lo, como podemos visualizar na figura abaixo:

74
Quadro 01:– Esquema de Sequência Didática

Fonte: DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, (2004, p.98) adaptado pelos


autores

É nítido que não fizemos grandes alterações, apenas


concentramos nossa sequência em torno de dois módulos, aos
quais nomeamos “Módulo de leitura” e “Módulo de escrita”. Além
disso, acrescentamos o tópico “Divulgação ao público”, já que
houve um momento em que o produto final da nossa pesquisa-ação
foi apresentado à comunidade escolar.
Na produção inicial, os estudantes foram informados que
deveriam produzir um artigo de opinião, mesmo sem muito
conhecer sobre sua estrutura, nem sua linguagem, nem a forma de
abordar o tema. Mas, mesmo com as dificuldades, eles foram
orientados a produzir, da forma que compreendiam ser o gênero,
pois, a partir dessa produção, foram identificadas algumas
deficiências quanto a diversos aspetos, para os quais elaboramos
atividades com a finalidade de agir nessa problemática.
Assim, como nossa ideia era trabalhar algum assunto que
estivesse relacionado à vivência de boa parte ou da maioria dos
nossos alunos, optamos por tratar da temática da corrupção no
Brasil, que é bastante visto e discutido nas diversas mídias, tanto
impressas quanto digitais. Após a realização da produção inicial,
foram feitas análises nos textos dos estudantes, justamente com a
finalidade de identificar os pontos de maior dificuldade, para que
pudéssemos buscar estratégias que viabilizassem melhoria e
evolução deles.
No primeiro módulo, “Módulo de leitura”, desenvolvemos
atividades de leitura do gênero, com foco na temática “corrupção”,
pois está munido de conhecimentos acerca do tema é de extrema

75
importância para que o estudante pudesse falar/argumentar em
seu texto. O primeiro módulo didático foi divido em sete
momentos que envolveram a estruturação do gênero artigo de
opinião e discussões acerca do tema escolhido para trabalhar com
a turma: “Corrupção no Brasil”. Nesse módulo também foi
reservado para a apresentação do filme “O candidato honesto”, um
longa-metragem de comédia de 2014 que aborda e critica, de forma
bem-humorada, o contexto político brasileiro.
No segundo módulo, chamado “Módulo de escrita”,
desenvolvemos atividades de escrita que foram detectadas nas
produções iniciais dos alunos. Assim, entregamos as produções
iniciais aos discentes e pedimos que eles lessem com muita atenção
todo o seu texto, observando atentamente o que escreveram nessa
primeira versão. Orientamos que, com base em tudo o que
aprenderam ao longo do módulo de leitura, observassem se o texto
escrito antes desse momento estava coerente com a estrutura,
linguagem, forma de abordar o conteúdo em um artigo de opinião.
Na sequência da produção do artigo de opinião, os estudantes
fizeram três reescritas das produções iniciais, sendo que a última
dessas foi a produção final. Para esse momento, eles deveriam estar
munidos de todo o conhecimento adquirido acerca do gênero, da sua
estruturação (coesão, coerência, paragrafação); da forma de abordar o
conteúdo; da linguagem mais propícia para esse tipo de escrita
(dificuldades em ortografia, pontuação e acentuação), entre outros
aspectos que foram desenvolvidos ao longo da sequência didática.
No último módulo dedicamos à divulgação das produções dos
alunos à comunidade escolar. Esse módulo foi muito importante
para o projeto, pois foi nele que apresentamos o resultado de nosso
trabalho à comunidade escolar, inclusive com a publicação de um
livro no qual constava os textos de todos os estudantes que
participaram do começo ao fim da sequência didática.

76
5. VIVENCIANDO A SEQUÊNCIA DIDÁTICA: ANÁLISE
COMPARATIVA

Apresentamos, nesta seção, as análises comparativas das


produções iniciais- PI e produções finais-PF, observando os
aspectos composicionais, estilo e conteúdo temático. É importante
frisar que as produções textuais foram frutos da sequência didática
adaptada de Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004), acima
apresentada.

Quadro 02: Análise comparativa da Produção Inicial 1

77
Quadro 03: Análise comparativa da Produção Final 1

78
a) Aspectos composicionais:

Comparando os aspectos composicionais relacionando as


versões das PI1 e PF1, constatamos grandes melhorias que refletem a
ampliação do conhecimento do estudando acerca desse assunto.
Quando nos referimos a elementos estruturais, percebemos que
alguns elementos que não constavam na primeira versão estão
presentes na última, por exemplo, o título “A corrupção está em nós”.
Notamos, além disso, o avanço na construção do texto em mais
de um parágrafo, pois, enquanto PI1 era composta por apenas um
parágrafo, a PF1 foi desenvolvida em torno de cinco parágrafos, o
que permite um maior espaço para o autor tratar do tema.
O autor introduz seu texto apresentando uma preocupação
acerca da presença da corrupção na sociedade brasileira, como
podemos notar no trecho: “O Brasil é um país com muita
capacidade para crescer, mas a corrupção existente nele não
permite que seu desenvolvimento aconteça [...]”. Dessa forma, ele
faz uso do recurso de contextualização do tema na introdução, o
que foi já muito discutido em nossas análises e que é defendido por
Beltrão (1980). Como podemos perceber, o autor apresenta o tema
mostrando um problema que será discutido ao longo do texto.
Quanto à discussão, o autor dedicou três parágrafos para
apresentar suas considerações acerca do tema, inclusive, ao longo
desses parágrafos, ele defende a ideia de que a corrupção é uma
problemática que envolve a classe política, como vemos no trecho:
“[...] pois eles roubam verbas de hospitais, de escolas etc. [...]”.

79
Ele ainda aponta para o fato de que a sociedade também é
corrupta, mas não apresenta argumentos que comprovem seu
posicionamento, focando sua discussão no campo político.
Diferentemente da PF1, na PI1 o autor, ao citar a corrupção no
cotidiano, apresentou exemplos disso, o que deveria ter mantido
na versão final também.
Na finalização do texto, evidenciamos que o autor faz uso de
um articulador para iniciar o parágrafo de conclusão: “Sabendo
disso, todos devemos pensar de uma maneira que mudemos o
mundo [...]”, dessa forma, conectando-se à discussão dos demais
parágrafos. Além disso, propõe que tenhamos consciência dos
nossos atos.

b) Estilo e uso dos mecanismos linguísticos:

Em relação ao estilo e ao uso de mecanismos linguísticos na


PF1, constatamos melhorias em diversos aspectos. Nesse sentido,
diferentemente da primeira versão, na qual há a presença de traços
de oralidade, na PF1 não houve nenhuma ocorrência, sendo
adotada uma linguagem mais formal.
Constatamos, também, quanto à pontuação, que houve
evolução, principalmente, porque na primeira escrita, o autor
concentrou seu texto em apenas um parágrafo, fazendo uso de
vírgulas de forma excessiva durante todo o texto. Já na PF1, não
constatamos isso, pois houve um maior cuidado com a utilização
de elementos de pontuação, devido, justamente, às atividades
trabalhadas nos módulos de leitura e de escrita. Isso é notório no
trecho a seguir: “O Brasil é um país com muita capacidade para
crescer, mas a corrupção existente nele não permite que seu
desenvolvimento aconteça [...]”, no qual percebemos o uso da
pontuação marcando a relação de oposição que é estabelecida pela
conjunção “mas”.
O autor também demonstrou avanços significativos em
acentuação, porque na PI1 constatamos alguns equívocos quanto a
esse aspecto, o que não permaneceu na produção final. Essa

80
evolução é percebida a partir da observação dos trechos: PI - “[...]
principalmente aos políticos [...]” e PF – “[...] vamos logo aos
políticos [...], nos quais a palavra “políticos” aparece sem o acento
agudo na sílaba “lí” na primeira versão, o que não permaneceu na
versão final.
Em relação à articulação das palavras, orações e parágrafos do
texto, evidenciamos que na PF1, diferentemente da PI1, houve esse
cuidado em estabelecer ligações. Contudo, precisamos ressaltar
que na primeira produção o autor também incluiu diversos
elementos coesivos, a diferença de uma versão para outra é,
justamente, a ampliação desses elementos no tocante à quantidade
e à qualidade desse uso.
A utilização dos mecanismos de ligação, na PI1, se deu de
forma ainda muito simplória, pois tivemos um texto construído em
um único parágrafo, o que não impossibilitaria a utilização de
elementos coesivos. Já na PF1, percebemos, além da ligação entre
as orações, como podemos notar no trecho: “[...] praticamente todos
os políticos estão ligados a esquemas de corrupção, pois eles
roubam verbas de hospitais [...]”, em que percebemos a relação de
explicação estabelecida pela conjunção “pois”; e entre os
parágrafos: “Sabendo disso, todos devemos pensar de uma
maneira que mudemos o mundo [...]”, em que a expressão em
destaque apresenta o sentido de conclusão relacionada não só ao
parágrafo anterior, como a todo o texto.

Conteúdo temático:

Quando comparamos PI1 e PF1 podemos evidenciar que


houve melhoria nesse aspecto, sobretudo na organização das ideias
pelo autor. Nesse sentido, ao retomarmos à versão inicial,
constatamos que o autor introduz seu texto citando o Brasil e
relatando sua capacidade de crescimento: “Brasil, um país lindo
que tem tudo pra ser uma grande potência [...]”. Em seguida, ele
direciona essa dificuldade de crescimento de nosso país aos

81
problemas de corrupção que acontecem aqui: “[...] muitas vezes
isso está relacionado a corrupção [...]”.
Enquanto isso, na PF1, o autor faz mesma abordagem: “O
Brasil é um país com muita capacidade para crescer, mas a
corrupção existente nele não permite que seu desenvolvimento
aconteça [...]”. Como podemos notar, o autor diz a mesma coisa nas
duas versões, entretanto, ao fazermos uma comparação,
percebemos que a versão final está bem melhor estruturada.
Na PF1, o autor mostra-se defensor da ideia de que a
corrupção está diretamente relacionada à política partidária, o que
se reforça com a seguinte citação: “No Brasil, praticamente todos os
políticos estão ligados a esquemas de corrupção, pois eles roubam
verbas de hospitais, de escolas etc.”, na qual ele não generaliza essa
ideia, mas afirma veementemente que a maior parte deles está
ligada a esse problema.
Observamos que tanto na versão final quanto na inicial, o
autor menciona a sociedade como praticante de atos corruptos.
Contudo, na primeira versão apresenta exemplos de como essa
corrupção acontece, enquanto, na final, apenas menciona o fato de
que praticamos e, muitas vezes, nem temos consciência disso: “[...]
Todos somos corruptos até mesmo não sabendo disso, e ainda
existem pessoas que não pensam nisso, mesmo assim, dizem que
não são corruptas.”. Dessa forma, o que se destaca é a defesa de que
a corrupção está cada vez mais ligada ao campo político-partidário,
porque o autor até cita a sociedade como praticante de atos
corruptos, mas não cita como isso acontece.

82
Quadro 04: Análise comparativa da Produção Inicial 2

83
Quadro 05: Análise comparativa da Produção Final 2

a) Aspectos composicionais:

Observação os aspectos composicionais, constatamos a


presença dos elementos essenciais na construção/composição do
gênero artigo de opinião. Como ponto de partida, tomemos a PI2,

84
que elaborada antes da aplicação da sequência didática, mostrou-
se insuficiente em alguns critérios. Temos, por exemplo, a ausência
de um título que chame a atenção do leitor (BELTRÃO, 1980), o que
não acontece na PF2, que traz o título: “A corrupção em nosso país
é culpa de toda a sociedade”, sinalizando para o leitor o
posicionamento que o autor terá ao longo do seu texto.
Importante observar nessa análise comparativa é a extensão
do texto. Enquanto a primeira versão é composta por apenas dois
curtos parágrafos, a versão final foi ampliada e desenvolvida em
cinco parágrafos, o que deu margem, também, para a ampliação
dos elementos composicionais.
Na PI2, constatamos que o autor antecipa sua tese logo na
primeira linha da introdução ao iniciá-la com: “Eu acho que todos
somos corruptos [...]”, o que, de acordo com outras análises feitas,
o mais adequado seria que ele contextualizasse o tema nessa parte
do texto. Na PF2, o autor, ao iniciar seu texto com o trecho: “A
corrupção está contaminando o nosso país [...]” demonstrou a
aquisição dessa habilidade, ainda que de forma embrionária.
Devido à curta extensão da PI2, não conseguimos identificar a
parte em que o autor apresenta sua discussão/desenvolvimento
sobre o tema, ou seja, o texto está dividido apenas em começo e fim,
o que não permitiu que seu autor apresentasse argumentos
suficientes para defender seu ponto de vista. Na PF2, o autor leva
o leitor ao dizer que: “Na maioria das vezes, quando alguém nos
pergunta se somos corruptos, sempre dizemos que não, mas essa
não é bem a verdade”, mas se perde nessa discussão ao apresentar
uma ideia generalizada de corrupção: “Somos todos corruptos,
pois sempre cometemos algum ato corrupto, como simplesmente
entrar na frente de alguém em uma fila, por exemplo”.
Independente do equívoco de sentido é válido ressaltar aqui que
ele desenvolveu melhor sua discussão.
Nos demais parágrafos da PF2, constatamos que o autor se
mostra preocupado em apresentar uma proposta de solução para o
problema, o que geralmente é visto no parágrafo de conclusão
(BELTRÃO, 1980). E, entre as propostas, temos: “[...] Temos que

85
buscar soluções para o nosso país [...]” e “[...] enquanto cometermos
corrupção, quem sofrerá as consequências somos nós”, acaba
criando um sinal de alerta para o leitor ao apontar que
consequências maiores poderão surgir.
Na conclusão, não conseguimos perceber na PI2 a finalização
da discussão do tema, apenas a apresentação de uma proposta de
mudança de postura por parte do leitor, ainda que de forma muito
sintetizada: “[...] vamos parar pra pensar no que isso pode causar
para a nossa sociedade”, na qual se limita propor que o leitor reflita,
mas não que mude sua postura.

b) Estilo e uso dos mecanismos linguísticos:

Quando comparamos as versões PI2 e PF2, percebemos


melhorias significativas quanto ao estilo e ao uso de mecanismos
linguísticos. Mesmo não sendo dotada de equívocos de ortografia
e de acentuação tão expressivos, a primeira versão do texto traz
alguns termos que estão em desacordo com o padrão, por exemplo,
atentemos para os termos: ‘plasticos’ (que está sem o acento agudo
na antepenúltima sílaba tônica ‘plás’), ‘concientizar’ (sem o ‘s’
finalizando a primeira sílaba ‘cons’). Outra palavra ‘estar’ (que
deveria estar conjugada na terceira pessoa do singular (está)) e a
palavra ‘pra’ (que se dá por causa de marcas de oralidade do autor).
Isso revela descuidos com a grafia por parte do autor do texto, mas
que não foram suficientes para prejudicar a continuidade da
construção textual. É importante ressaltar que esses equívocos de
grafias, citados acima, não ocorreram na versão final.
Na PI2, além dessas palavras, encontramos outras duas
expressões que chamam a atenção: “Devemos se concientizar
porque nem tudo o que fazemos é certo [...]”, na qual o pronome
‘se’ é utilizado de forma equivocada no lugar de ‘nos’ e “Muitas
das vezes cometemos algo sem pensar [...]”, em que, nesse caso, a
palavra ‘das’ não deveria fazer parte da expressão.
Ressaltamos a melhora significativa, também, da PI2 para a
PF2, na organização oracional, principalmente com a utilização de

86
elementos coesivos. Por mais que na primeira versão haja apenas
um ou outro elemento de ligação, na última, percebemos que
houve um aumento deles tanto na quantidade como qualidade,
como podemos ver em: a) “Somos todos corruptos, pois sempre
cometemos algum ato corrupto [...]”, no qual temos uso da
conjunção ‘pois’ com sentido de explicação entre orações; b)
“Porém, achamos que isso não é corrupção”, observamos que há a
relação de oposição entre o segundo e o terceiro parágrafos; e c)
“[...] os corruptos são só os políticos, mas temos que parar para
pensar que as atitudes simples como as citadas acima são atos
corruptos, sim”, no qual aparece outra conjunção que estabelece
também a ideia de oposição ligando as orações.

c) Conteúdo temático:

Observando o critério de análise “conteúdo temático”,


contatamos que tanto a PI2 quanto a PF2 mostram-se coerentes, pois
as duas versões abordam o tema “corrupção no Brasil”. Assim,
notamos que na primeira versão o autor antecipa sua tese já na
introdução: “Eu acho que todos somos corruptos [...]” e cita exemplos
de atitudes corruptas que se limitam a justificar sua afirmação de que
o problema da corrupção está em todos os cidadãos. Não, como
muitos pensam, apenas no meio da política partidária: “[...] nós
achamos que os políticos são corruptos, mas, não paramos para
pensar que tudo o que fazemos não é certo”, utilizado para defender
seu ponto de vista de que corrupção é algo global.
Na versão final, isto é, PF2, apesar de o autor não trazer muitos
elementos novos que o auxiliem na defesa do seu ponto de vista,
ele trata da questão da corrupção no Brasil de uma maneira mais
ampla e desenvolvida do que na primeira versão do texto.
Atentemos, por exemplo, para o trecho presente no terceiro
parágrafo da versão final: “Devemos abrir os olhos em todos os
sentidos, principalmente quando se fala em corrupção, sempre
pensamos que não a cometemos, e os corruptos são só os políticos,
mas temos que parar para pensar que as atitudes simples como as

87
citadas acima são atos corruptos, sim.”, no qual percebemos que o
autor discute a problemática de forma mais elaborada e
desenvolvida.
Constatamos, de maneira geral, evolução na discussão da
temática da primeira para a última versão, sobretudo na forma de
organizar o discurso. Mas é importante ressaltar que outras
melhoras poderiam ter sido acrescentadas, inclusive para que se
melhorasse o grau de informatividade do texto.
Na conclusão da análise comparativa, constatamos muitos
avanços nos três aspectos constituintes dos gêneros discursivos:
estrutura, estilo e conteúdo temático (BAKHTIN, 2011). Nesse
sentido, evidenciamos os bons resultados a partir da adaptação
feita da sequência didática de Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004)
para a turma do 9º ano no qual desenvolvemos a pesquisa.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vivência da sequência didática para a concretização do trabalho


com artigo de opinião em sala de aula é fundamental para o
desenvolvimento dos alunos, pois, assim como teoriza Bakhtin (2011),
os gêneros fazem parte das atividades comunicativas. Dessa forma,
levar o artigo de opinião foi uma forma de propor uma
instrumentalização desse gênero, assim como oportunizar aos
estudantes momentos em que eles podiam trabalhar sua reflexão acerca
de uma temática bastante pertinente em nossa sociedade, a corrupção.
Logo, ao longo da execução da sequência didática, verificamos
significativos avanços nos estudantes, não somente com relação à
aprendizagem do gênero artigo de opinião (aspectos
composicionais, estilo e conteúdo temático “corrupção”), mas, pela
percepção de fazer parte de algo, de ser visto e valorizado pelas
suas contribuições orais e produções textuais escritas.
Podemos afirmar, em linhas gerais, que o presente trabalhou
alcançou os objetivos propostos, pois as abordagens teóricas e os
módulos permitiram uma melhoria na qualidade da escrita dos alunos,

88
comprovando, assim, que é possível o estudo de um gênero discursivo
em sala de aula através de uma proposta de sequência didática.

7. REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4 ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2011.
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980.
BRAKLING, K. L. Trabalhando com o artigo de opinião. Re-
visitando o eu no exercício de (re) significação da palavra do outro.
In: ROJO, R. A prática de linguagem em sala de aula: praticando os
PCNs. São Paulo: Mercado das Letras, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular – BNCC. Brasília, DF, 2017.
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michèle; SCHNEUWLY, Bernard.
Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e Org. ROJO, R. e
CORDEIRO, G. L. Campinas: Mercado das Letras, 2004.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.
São Paulo: Ática, 1993.
MARCUSCHI, Luís Antônio. Gêneros Textuais: definição e
funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna
Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. (Orgs.) Gêneros textuais &
ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2010.
MARTINS, M. Helena. O que é leitura. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1998.
OLIVERIA, Maria do Socorro (Org.); TINOCO, Glícia Azevedo;
SANTOS, Ivoneide Bezerra de Araújo. Projetos de letramento e
formação de professores de língua materna. Natal: EDUFRN, 2011.
RODRIGUES, R. H. O artigo de jornalístico e o ensino da
produção escrita. In: ROJO, R. A prática de linguagem em sala de aula:
praticando os PCNs. São Paulo: Mercado das Letras, 2000.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3 ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2017.

89
90
CAPÍTULO 5

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DAS


ESTRATÉGIAS DE LEITURA PARA A AMPLIAÇÃO
DA COMPETÊNCIA LEITORA DE DISCENTES DO
9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

João Lucas Pinheiro da Silva (PROFLETRAS/UFPB)


Carla Alecsandra de Melo Bonifácio (PROFLETRAS/UFPB)

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo trata da necessidade de uma maior ênfase no


trabalho desenvolvido com a prática leitora na escola,
considerando a necessidade de um trabalho relacionado a um
processo pedagógico que priorize as ações nas quais o objetivo seja
de fato o desenvolvimento da proficiência leitora dos estudantes.
Nessa perspectiva, a principal finalidade desse capítulo é
apresentar uma proposta didática cujo objetivo é fomentar a
ampliação da competência leitora de discentes do 9º ano do ensino
fundamental, a partir do ensino de estratégias de leitura.
Este trabalho é resultado da pesquisa-ação, “O ensino das
estratégias de leitura no 9º ano do ensino fundamental a partir dos
descritores da prova brasil’, desenvolvida na conclusão do
Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS/UFPB.
A fim de respaldar esta pesquisa, recorremos, enquanto
suporte teórico em relação à leitura e ao texto, aos estudos
desenvolvidos por Antunes (2003), Koch (2010; 2011), Bonifácio
(2015), Bakhtin (1986), Kleiman (2011), entre outros; recorremos
ainda aos documentos oficiais que direcionam a educação no país,
ou seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – BRASIL,

91
1998) e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2017). Em
relação às estratégias de leitura, buscamos respaldo nos trabalhos
desenvolvidos por Solé (1998) e Kleiman (2016).
Para tanto, organizamos esse trabalho com os seguintes itens:
considerações iniciais, concepções teóricas, descrição da proposta
de intervenção, considerações finais e referências.

2. LEITURA: CONCEPÇÕES E PARTICULARIDADES

O ato de ler pode proporcionar ao indivíduo a obtenção de


respostas para os assuntos que permeiam seu dia a dia. No
momento da leitura, o sujeito passa a agregar novos conhecimentos
e, portanto, novas perspectivas a respeito do assunto lido.
Desta forma, o indivíduo a quem a leitura é apresentada desde
a infância desenvolve um caráter questionador e crítico, capaz de
torná-lo um usuário da língua que consegue utilizar-se da leitura
de forma proveitosa, participando ativamente das questões a
respeito do mundo que o cerca.
Diante disso, cabe-nos ressaltar a importância do trabalho com
a leitura, dentro e fora da escola, para a formação de cidadãos, de
sujeitos competentes com o uso da língua nos mais diferentes
contextos.
Quando buscamos conceituar a leitura, inicialmente nos
remetemos à noção de decodificação das palavras e dos signos. Ler
é, nesse caso, garantir que haja atribuição de algum sentido ao texto
lido. Temos consciência da necessidade de desenvolvermos a
competência leitora desde a infância, momento em que iniciamos o
processo de aquisição das primeiras competências comunicativas.
Nessa fase, é comum procurarmos compreender as questões que
nos cercam: a leitura de um livro, a leitura de uma propaganda ou
a leitura de um acontecimento.
A partir do constante contato com a leitura, passamos a observar
que ela acontece por meio da íntima relação entre o autor, o texto e o
leitor, e a compreendemos como um processo dinâmico e social.

92
Nessa perspectiva, para Koch e Elias (2010, p. 57), “o sentido de
um texto não existe a priori, mas é construído na interação sujeitos-
texto”. Isto é, a leitura é uma atividade na qual os sujeitos estabelecem
relação, a fim de atribuir determinados sentidos ao texto.
Diante disso, constatamos que o conhecimento adquirido ao
longo da vida do indivíduo é fundamental à atividade de leitura, uma
vez que oportuniza a elaboração de inferências e a construção de
sentidos que contribuem para uma melhor compreensão do que se lê.
Conforme podemos perceber, a leitura possui um importante
papel na vida de qualquer indivíduo, pois é uma atividade de
interação entre sujeitos que está presente no dia a dia do ser humano.
Na escola, não é raro ouvirmos nas aulas de Língua
Portuguesa que os alunos leem, porém não conseguem
desenvolver um nível de compreensão que garanta a construção do
sentido global do texto.
Diante dessa problemática, cabe-nos ressaltar a necessidade de
refletirmos sobre a importância da leitura na formação de
estudantes capazes de extrair significados e construir sentidos para
os textos que lhes são apresentados.
Para tratarmos dessas questões, precisamos, antes de tudo,
salientar a íntima relação existente entre as concepções de
linguagem e as concepções de leitura, ou seja, haverá uma
condução diferenciada a respeito do ensino da leitura, a depender
da concepção de linguagem que se adote.
Sobre esta questão, Travaglia (2009) nos apresenta três
possibilidades distintas de conceber a linguagem. A primeira
concepção vê a linguagem como expressão do pensamento. Assim,
como há uma relação intrínseca entre pensamento e linguagem, se
os falantes não se expressam bem é porque não pensam. Para essa
concepção, a expressão seria construída apenas na mente de cada
sujeito, e a exposição seria tão somente uma transposição daquilo
que se pensava, sem necessariamente uma reflexão.
A segunda concepção, por sua vez, considera a linguagem como
instrumento de comunicação. Nesse caso, “a língua é vista como um
código, ou seja, um conjunto de signos que se combinam segundo

93
regras e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um
emissor a um receptor" (TRAVAGLIA, 2009, p. 22).
Constatamos, portanto, uma íntima relação entre esse ponto
de vista e os elementos comunicativos, a partir dos quais o
enunciador (falante) pretende emitir uma mensagem a um
destinatário (ouvinte).
Na terceira concepção, linguagem como forma ou processo de
interação, a língua é utilizada não só para a comunicação, mas para
o estabelecimento da interação social.
Diferentemente das concepções anteriores, ao utilizar a língua,
o indivíduo não só dirige um pensamento a outro, mas estabelece
relações sociais. Nessa perspectiva percebemos que são atribuídos
aos interlocutores (autor e leitor) novos papéis sociais, uma vez
que, enquanto participantes do processo interativo, eles agem
ativamente enquanto sujeitos que constroem socialmente seu
conhecimento.
Em relação às concepções de leitura, apresentamos a seguir os
modelos conceituais, a fim de exemplificar como a leitura é vista
por cada um deles.
O modelo de leitura ascendente apresenta o autor como
elemento central no processo de geração de sentido do texto e um
leitor a quem cabe simplesmente o dever de extrair o significado
desse texto, ou seja, é um processo no qual a informação é
direcionada do texto para a mente do leitor. “Nesta perspectiva, a
leitura é reduzida a uma decodificação mecânica dos signos
linguísticos” (BONIFÁCIO, 2015, p.16).
Dessa forma, a leitura consiste na captação das informações
presentes na superfície textual, uma vez que no texto estão todas as
informações necessárias à sua compreensão.
Assim, o texto é visto como suficientemente capaz de gerar
sentido a partir unicamente das informações explícitas, captadas
por um processo instantâneo de decodificação.
Diferentemente do modelo ascendente, no qual o autor é o
elemento principal no processo de leitura, no modelo descendente
o leitor é o foco. Ou seja, o processo de leitura acontece do leitor

94
para o texto. Nessa perspectiva, o leitor é colocado em primeiro
plano e torna-se responsável pela construção do sentido, uma vez
que “constrói significado com base na sua capacidade inferencial
de fazer predições, usando informações não linguística,
conhecimento de mundo ou do assunto” (BONIFÁCIO, 2015, p.18).
Além dos modelos ascendente e descendente, temos a
concepção sociointeracionista, cujo foco da leitura é a interação
entre o autor, o texto e o leitor.
Sob o ponto de vista da dessa concepção, leitura como interação,
é necessário que haja a interação entre autor, texto e leitor como
condição para que seja possível a atribuição de sentido ao texto.
Assim, o leitor, nessa perspectiva, não é apenas um receptor, mas
desempenha a função de coautor, garantindo, dessa forma, que o
sentido não se limite ao texto ou ao leitor apenas, mas que esse sentido
seja estabelecido a partir da interação entre autor, texto e leitor.
Após a apresentação das concepções de leitura surgidas ao
longo dos anos, apresentaremos a seguir a visão dos documentos
oficiais sobre o ensino da leitura para o Ensino Fundamental.

3. O ENSINO DA LEITURA NOS PARÂMETROS


CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA PORTUGUESA –
PCN – LP E NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR –
BNCC

Sabemos que é papel da escola garantir a organização


adequada de ações que visem à formação de leitores competentes,
capazes de atuarem efetivamente diante das questões sociais que
lhes são apresentadas diariamente. No entanto, ainda nos
deparamos, nas escolas brasileiras, com práticas didático-
pedagógicas de ensino de leitura que não possibilitam ao aluno o
desenvolvimento de competências leitoras que de fato o preparem
para o uso da leitura como prática social.
Em relação a esse ponto de vista, observemos o que afirma
Antunes:

95
Com enormes dificuldades de leitura, o aluno se vê frustrado no seu
esforço de estudar outras disciplinas e, quase sempre, “deixa” a
escola com a quase inabalável certeza de que é incapaz, de que é
linguisticamente deficiente, inferior, não podendo, portanto, tomar a
palavra ou ter voz para fazer valer seus direitos, para participar ativa
e criticamente daquilo que acontece à sua volta. Naturalmente, como
tantos outros, vai ficar à margem do entendimento e das decisões de
construção da sociedade. (ANTUNES, 2003, p. 20).

A partir da constatação dessa realidade, percebemos a


importância da leitura na construção do conhecimento do leitor,
uma vez que seu papel fundamental deve ser o de tornar o
indivíduo capaz de se posicionar criticamente diante das mais
diversas questões sociais com as quais possa se deparar,
favorecendo, dessa forma, o conhecimento do outro e do mundo.
Ao longo das últimas décadas, houve uma considerável
transformação metodológica na maneira de conceber o ensino e a
aprendizagem, resultante de estudos e de pesquisas que
promoveram reflexões acerca da necessidade de um avanço na
qualidade da educação básica no Brasil.
Nesse cenário, o Ministério da Educação, através da Secretaria
de Educação Fundamental, formulou e implementou os
Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN), como forma
de contribuir para o avanço das competências necessárias ao uso
eficaz da leitura e da escrita e, dessa forma, assegurar ao aluno o
contato com os conhecimentos linguísticos necessários ao pleno
exercício da cidadania.
Os PCN apresentavam, como um dos objetivos gerais de
Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, o trabalho de ensino-
aprendizagem da linguagem na leitura, “de modo a atender a
múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos
comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições
de produção do discurso” (BRASIL, 1998, p. 32).
Compreendendo que a leitura não deve ser vista apenas como
uma simples decodificação de símbolos ou decifração de códigos,

96
mas como uma complexa atividade de interpretação e
compreensão, os PCN defendiam a ideia de que, para compreender
o texto é necessário que o sujeito mobilize seus conhecimentos
prévios e, a partir da ação concomitante de diversos tipos de
conhecimento, seja capaz de produzir sentido ao texto. A utilização
dessa perspectiva no trabalho docente com a leitura viabiliza a
inserção dos diversos gêneros textuais e suas possibilidades
discursivas nas atividades pedagógicas.
Diante disso, cabe à escola criar condições para que o aluno,
além de ter acesso aos mais variados tipos de textos, seja capaz de
compreendê-los e usá-los.
Salientarmos que, apesar de representarem um considerável
avanço para o trabalho com a leitura na escola, os PCN não trazem,
de maneira mais pormenorizada, uma metodologia para o ensino
da compreensão leitora, já que apenas apresenta sucintamente as
estratégias de leitura, sem estabelecer uma relação entre estas e as
habilidades que devem ser apreendidas pelos alunos do Ensino
Fundamental.
Observamos, no entanto, que esse ponto de atenção foi levado
em consideração no mais atual documento oficial curricular
brasileiro, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC.
A necessidade de uma atualização curricular que
possibilitasse o diálogo entre os documentos e as orientações
curriculares produzidos nas últimas décadas e as pesquisas mais
recentes desenvolvidas nas diversas áreas do conhecimento,
sobretudo na área de linguagem, motivou a elaboração e a
implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A perspectiva teórica que embasa a orientação de trabalho
para o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa apresentada
pela BNCC do Ensino Fundamental defende, conforme Brasil
(2017, p. 65), que o texto assume um papel central como unidade
de ensino; e “as práticas de linguagem, discurso e gêneros
discursivos/gêneros textuais, esferas/campos de circulação dos
discursos” aparecem como perspectivas e concepções já abordadas
anteriormente em outros documentos, por exemplo, nos PCN. No

97
entanto, a perspectiva da BNCC atenta para as linguagens verbal
(oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual,
sonora, destacando o letramento digital como ação que possibilita
a atividade de práticas sociais.
Diante disso, a BNCC recomenda que, a fim de atender às
demandas mais atuais em relação ao trabalho com os gêneros
discursivos/gêneros textuais, sejam realizadas durante todo o Ensino
Fundamental atividades que apresentem aos alunos, além dos
gêneros já conhecidos pela escola (notícia, entrevista, artigo de
opinião, charge, tirinha, crônica, etc.), os gêneros digitais,
proporcionando, dessa forma, uma participação mais efetiva e crítica
nas práticas contemporâneas de linguagem por parte dos estudantes.
Desse modo, percebemos que, a fim de promover a expansão
dos letramentos, é necessário que a escola oportunize situações de
leitura nas quais os alunos sejam capazes de fazer uso das práticas
de linguagem nas mais diversas situações reais de uso do dia a dia.
Diante disso, podemos notar um avanço trazido pela BNCC
em comparação aos PCN, no tocante às diretrizes para o ensino da
leitura no Ensino Fundamental. De acordo com as orientações
desse novo documento curricular, é possível constatar a relevância
que é concedida à leitura, uma vez que este enfatiza sua
importância, não apenas nas aulas de Língua Portuguesa, mas em
todos os outros componentes curriculares.
Dessa forma, de acordo com os PCN e a BNCC, podemos
reiterar a importância das estratégias de leitura como ferramenta
relevante para a aprendizagem da leitura no Ensino Fundamental.
A fim de ratificar nossa afirmação, apresentamos a seguir as
estratégias de leitura.

4. ESTRATÉGIAS DE LEITURA

Segundo Kleiman (2016), podemos compreender as estratégias


de leitura como procedimentos regulares de abordagem textual.
Essas estratégias podem ser notadas a partir da compreensão do

98
texto, com base no conhecimento verbal e não verbal do leitor, ou
seja, na maneira como ele responde às questões sobre o texto.
As estratégias do leitor são classificadas em estratégias
cognitivas e estratégias metacognitivas. As primeiras são
procedimentos inconscientes que o leitor realiza automática e
estrategicamente, sem a necessidade de seguir regras, a fim de
alcançar algum objetivo de leitura. As segundas, por sua vez, são
procedimentos realizados com algum objetivo em mente, sobre os
quais temos consciência, haja vista que somos capazes de explicar
nossa ação.
Assim sendo, ressaltamos o importante papel da escola no
desenvolvimento de condições para que o aluno utilize as
estratégias cognitivas e metacognitivas nas atividades de leitura, as
quais irão favorecer seu desenvolvimento enquanto leitor.
Dessa forma, podemos constatar a necessidade de utilização
de práticas de leitura mais direcionadas e respaldadas em
estratégias que contribuam efetivamente para que o aluno
desenvolva, de forma eficaz, sua competência leitora.
A fim de contribuir didaticamente para o enriquecimento do
trabalho pedagógico, Solé (1998) apresenta uma divisão das
estratégias em três partes: antes da leitura, durante a leitura e
depois da leitura. Embora haja essa separação, a autora esclarece
que, por vezes, muitas das estratégias são utilizadas em momentos
distintos dos elencados anteriormente; no entanto, salienta a
importância delas durante toda a atividade de leitura.

4.1 Antes da leitura

Conforme aponta Solé (1998), antes da realização da leitura é


necessário se ater a seis pontos importantes: ideias gerais;
motivação para a leitura, a definição de objetivos, a revisão e a
atualização do conhecimento prévio, o estabelecimento de
previsões sobre o texto e a formulação de perguntas sobre ele.

99
A partir do exposto sobre as estratégias que podem ser
utilizadas antes de iniciar o trabalho com a leitura, apresentamos a
seguir as que podem ser utilizadas durante a leitura.

4.2 Durante a leitura

De acordo com Solé (1998), a fim de favorecer a compreensão


da leitura, o aluno deve realizar a emissão e a comprovação de
previsões que conduzem à compreensão do texto, bem como o
resumo da temática principal desse texto, uma vez que “a
compreensão de um texto envolve a capacidade de elaborar um
resumo, que reproduz seu significado global de forma sucinta”
(SOLÉ, 1998, p. 115).
Assim, é necessário que o leitor realize algumas previsões
sobre o texto, bem como se detenha às suas características.
A fim de contribuir para a melhor compreensão do texto
durante a leitura, Solé (1998) indica que se enfatizem as tarefas nas
quais haja o compartilhamento de leituras.
Diante disso, percebemos que para o aluno desenvolver seu
potencial leitor é indispensável um trabalho pedagógico pensado
pelo professor, a partir de um planejamento que envolva não
apenas as estratégias que podem ser utilizadas antes e durante a
leitura, mas também após a leitura, já que, nesse momento, o leitor
ainda pode utilizar algumas estratégias, conforme podemos
observar a seguir.

4.3 Depois da leitura

Após a leitura do texto, ainda é possível utilizar algumas


estratégias de leitura. Segundo Solé (1998), nesse momento do
processo de leitura podem ser utilizadas as estratégias que já
haviam sido mencionadas anteriormente, como identificação da
ideia principal, elaboração de resumo e formulação e respostas de
perguntas.

100
Em relação à identificação da ideia principal de um texto, o
leitor pode estabelecer vínculos entre os conhecimentos adquiridos
durante sua vida, seus objetivos de leitura e a informação
apresentada pelo autor. Compreendida dessa forma, a ideia
principal seria fundamental para a aprendizagem do leitor a partir
de sua leitura e para que fosse possível a realização de atividades
vinculadas a ela, como fazer anotações ou construir um resumo.
Solé (1998) apresenta ainda outra estratégia a que podemos
recorrer após a leitura: a elaboração de resumo. Para a autora, essa
estratégia “está estreitamente ligada às estratégias necessárias para
estabelecer o tema de um texto, para gerar ou identificar sua ideia
principal e seus detalhes secundários” (SOLÉ,1998, p. 143).
Na próxima seção, trataremos da Prova Brasil, instrumento de
avaliação em larga escala responsável pela aferição da qualidade da
educação básica no Brasil, que foi usado na atividade diagnóstica
como instrumento para verificar a melhoria da proficiência da leitura
dos alunos, após o ensino das estratégias de leitura.

5. A PROVA BRASIL E OS DESCRITORES

A Prova Brasil integra o Sistema de Avaliação da Educação


Básica (SAEB), cujo objetivo principal é a avaliação da qualidade
do ensino nas escolas públicas. Tal instrumento avaliativo visa a
produção de informações que respaldem a criação de políticas e
ações que favoreçam a melhoria do ensino na educação básica.
Criada em 2005 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a Prova Brasil é aplicada a
cada dois anos e investiga a performance dos alunos em Língua
Portuguesa, enfatizando a leitura, e em Matemática, com foco na
resolução de problemas.
Entretanto, essa avaliação não compreende todos os
conteúdos, as competências e as habilidades em Língua Portuguesa
e Matemática. Para realizar a Prova Brasil, a equipe responsável por
sua aplicação precisou fazer um recorte do currículo e definir o que

101
seria necessário avaliar em cada etapa e área do conhecimento. Isso
foi feito por meio da idealização das Matrizes de Referência.
A matriz de referência de leitura é constituída por um conjunto
de conteúdos (tópicos ou temas) e habilidades (descritores) que
devem ser avaliados em cada área do conhecimento, e que retratam o
que se espera que tenha sido desenvolvido pelos alunos ao final do 5º
e do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio.
Dessa forma, a matriz de Língua Portuguesa da Prova Brasil
está organizada em duas dimensões. Na primeira, são
apresentados 6 (seis) tópicos, que se relacionam com as habilidades
que devem ser desenvolvidas pelos alunos, chamados de “eixos”,
e cada um desses eixos representa um aspecto característico da
leitura. Uns enfatizam mais o material textual, outros os
procedimentos de leitura, outros as características da coerência
textual, e há ainda a referência à interação do texto nas diversas
situações sociocomunicativas.
A segunda dimensão trata das competências que devem ser
desenvolvidas pelos alunos. A partir desse ponto de vista, foram
criadas as descrições das habilidades (descritores), para cada um
dos seis tópicos apresentados anteriormente.
A seguir apresentamos o esboço da nossa proposta de
intervenção.

6. DESCRIÇÃO DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Nesta fase foi idealizada a aplicação de uma atividade


diagnóstica composta por questões objetivas com variados gêneros
textuais, que foram aplicadas em edições anteriores do SAEB/Prova
Brasil, a fim de avaliar as habilidades de leitura dos alunos do 9º
ano do ensino fundamental.
Em seguida descrevemos nossa proposta didática para o
trabalho com o ensino das estratégias de leitura, a partir da
realização de oficinas de leitura com o propósito de ensinar
estratégias que contribuam para a melhoria da competência leitora
dos alunos, sujeitos desta pesquisa. Dessa forma, apresentamos a

102
seguir as atividades planejadas para o ensino das estratégias de
leitura relacionadas às habilidades referentes aos descritores D1,
D3, D4, D6 e D14.

Trabalho com o descritor D1: Localizar informações explícitas


em um texto. O desenvolvimento desse tópico aconteceu em três
momentos.
✓ 1º Momento: Apresentação dos conceitos de texto, texto
verbal e não verbal e contexto (uma aula de 50 minutos);
✓ 2º Momento: Explicação dos conceitos de explicitude e
implicitude, a partir da análise da crônica “Notícia de jornal” de
Fernando Sabino e esclarecimento sobre a utilização de estratégias
de leitura como instrumento para a compreensão textual (duas
aulas de 50 minutos);
✓ 3º Momento: Realização de atividade composta por duas
questões referentes à habilidade requerida pelo descritor D1,
correção coletiva da atividade e esclarecimento de possíveis
dúvidas (uma aula de 50 minutos).

Trabalho com o descritor D3: Inferir o sentido de uma palavra


ou expressão. O desenvolvimento desse tópico aconteceu em três
momentos.
✓ 1º Momento: Reflexão sobre o conceito de inferência, a partir
da leitura do texto “Sinceridade de criança” da autora Maria Regina
Weiss e uso das estratégias de leitura na identificação das
inferências (uma aula de 50 minutos);
✓ 2º Momento: Reflexão sobre conhecimento
enciclopédico/conhecimento de mundo, campo semântico,
polissemia e denotação/conotação (sentido literal/sentido figurado)
(duas aulas de 50 minutos);
✓ 3º Momento: Realização de atividade composta por duas
questões referentes à habilidade requerida pelo descritor D3,
correção coletiva da atividade e esclarecimento de possíveis
dúvidas (uma aula de 50 minutos).

103
Trabalho com o descritor D4: Inferir uma informação
implícita em um texto. O desenvolvimento desse tópico aconteceu
em três momentos.
✓ 1º Momento: Retomar as ideias de contexto e de
conhecimento enciclopédico/conhecimento de mundo e utilizar as
estratégias de leitura na identificação das inferências (duas aulas de
50 minutos);
✓ 2º Momento: Reflexão sobre pressuposto e subentendido;
(duas aulas de 50 minutos);
✓ 3º Momento: Realização de atividade composta por quatro
questões referentes à habilidade requerida pelo descritor D4,
correção coletiva da atividade e esclarecimento de possíveis
dúvidas (duas aulas de 50 minutos).

Trabalho com o descritor D6: Identificar o tema de um texto.


O desenvolvimento desse tópico aconteceu em três momentos.
✓ 1º Momento: Apresentação de textos de diversos gêneros
(duas aulas de 50 minutos);
✓ 2º Momento: Identificação do tema do texto a partir do
reconhecimento da ideia principal e das ideias secundárias e
esclarecimento sobre a utilização de estratégias de leitura como
instrumento para identificação do tema de um texto (uma aula de
50 minutos);
✓ 3º Momento: Realização de atividade composta por duas
questões referentes à habilidade requerida pelo descritor D6,
correção coletiva da atividade e esclarecimento de possíveis
dúvidas (uma aula de 50 minutos).

Trabalho com o descritor D14: Distinguir um fato da opinião


relativa a esse fato. . O desenvolvimento desse tópico aconteceu em
três momentos.
✓ 1º Momento: Verificação do entendimento dos alunos em
relação ao conceito de fato e opinião; Construção do conceito de
fato e opinião em conjunto com os alunos; Apresentação de

104
exemplos com o objetivo de especificar os conceitos construídos
(duas alunas de 50 minutos);
✓ 2º Momento: Ensino das estratégias a partir dos textos
“Geração Beijo na boca” de Valéria Propato, “Tímida de 18 anos dá
primeiro beijo e morre minutos depois” notícia do jornal O globo e
“De volta ao primeiro beijo” de Moacyr Scliar (duas aulas de 50
minutos);
✓ 3º Momento: Realização de atividade composta por quatro
questões referentes à habilidade requerida pelo descritor D14,
correção coletiva da atividade e esclarecimento de possíveis
dúvidas (duas aulas de 50 minutos).

Dessa forma foi realizada nossa intervenção. Em seguida


passamos às considerações finais.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da realização desta pesquisa, entendemos que o


professor representa a principal fonte de transformação dos
sujeitos que dividem com ele esse ambiente onde se dará uma
mudança positiva em relação ao contato com a leitura. É na sala de
aula, local mais que propício para que haja a construção de leitores
proficientes, que esta transformação se inicia.
Nessa perspectiva, compreendemos que o fazer pedagógico
reflexivo nos proporciona um maior aperfeiçoamento da nossa
atividade em relação ao ensino da leitura, possibilitando-nos
visualizar, de forma mais consciente, nossa contribuição enquanto
professores de Língua Portuguesa na construção da competência
leitora dos nossos alunos.
Esperamos que as sugestões de atividades apresentadas nesta
pesquisa possam contribuir de forma significativa para a aquisição
de habilidades necessárias ao desenvolvimento da proficiência
leitora, não apenas dos alunos dos anos finais do Ensino
Fundamental da escola onde este trabalho foi desenvolvido, mas

105
também de outras escolas públicas de educação básica que tenham
acesso a este material.

8. REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São


Paulo: Parábola, 2003.
BONIFÁCIO, Carla Alecsandra de Melo. Práticas de Leitura e
Produção textual em Língua Inglesa I. In: CLAUDINO, Barthyra Cabral
Vieira de Andrade (Org.). Licenciatura em Letras - Língua Inglesa a
Distância. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015, v. 2, p. 12-66.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa / Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da
Educação. Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2017.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 16. ed.
Campinas: Pontes, 2016.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o
ensino de gramática. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

106
CAPÍTULO 6

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA:


PROPOSTA DE ATIVIDADE
DISCURSIVO/REFLEXIVA, A PARTIR DE
CHARGES SOBRE O ENSINO REMOTO

Maria Solange de Lima Silva (PROFLETRAS/UEPB)


Juarez Nogueira Lins ((PROFLETRAS/UEPB)

1. INTRODUÇÃO:

O ensino aprendizagem da leitura e escrita ainda é um gargalo


no ensino de língua portuguesa, apesar dos diversos estudos e
debates, apesar das inúmeras tentativas institucionais e apesar do
esforço coletivo/individual de milhares de professores (as), no país.
Apontar culpados não parece ser o caminho mais adequado.
Enquanto professores (as) em formação, acreditamos que o
caminho seria ampliar os estudos, os debates, as ações
institucionais e constituir mais e novas práticas didáticas de leitura
e escrita, nas escolas. E assim, contribuir para minimizar o quadro
de dificuldades, em leitura e escrita, apresentados pelos alunos do
ensino básico. Perante este cenário, algumas indagações surgiram:
para minimizar esse déficit de leitura e escrita, no ensino
fundamental 2, que perspectiva de ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa (LP), o (a) professor (a) deveria levar para a sala
de aula? E a partir de que gênero textual/temática?
Com base nestas duas questões, objetivamos apresentar, uma
proposta de atividade didática discursivo/reflexiva para o ensino
de LP, a partir de charges sobre a pandemia, que possibilite aos
sujeitos-alunos (as) do 9º ano do ensino fundamental se tornarem
sujeitos-leitores/escritores críticos, construtores ativos da língua,
sujeitos sociais. Para concretizar tal perspectiva se faz necessário

107
enfatizar as articulações entre o sujeito e o contexto sócio-histórico
e enfatizar as práticas de linguagem, as vivências e situações
sociocomunicativas dos alunos (as), de modo a responder às
necessidades de interação (orais ou escritas) desses sujeitos sócio-
historicamente constituídos pela linguagem (ORLANDI, 2001).
Acreditamos que o ensino-aprendizagem da leitura e escrita, de
forma conjunta, na perspectiva discursivo-reflexiva e, concretizada
através de gêneros textuais – produtivos e atuais, seja fundamental
para que os estudantes possam se situar no mundo, compreendê-
lo e transformá-lo.
A respeito do ato de ler e escrever, Antunes (2003) ratifica a
complementariedade das duas atividades. É sob essa perspectiva que
devemos entender a relevância de se desenvolver o
ensino/aprendizagem da leitura e escrita, tomando como via de acesso
os gêneros textuais que estimulem o senso crítico do aluno e
incentivem o desejo de descoberta e de curiosidade, de modo que este
aluno não se sinta conformado com o que já está estabelecido nos
textos, mas-seja capaz de achar outros contextos, sentidos e vieses.
No que diz respeito ao trabalho com gêneros textuais há um
leque de possibilidades, no âmbito da leitura e da produção escrita.
Eles são inúmeros e essa diversidade é determinada pelo fato de
que eles diferem entre si dependendo da situação, da posição social
e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da
comunicação (BAKHTIN, 2016). Considerando essas muitas
possibilidades de gêneros, difundidas no dia a dia, e a necessidade
de gêneros que contribuíssem para o trabalho discursivo/reflexivo
partimos das vivências e situações cotidianas construídas e
apresentadas nos discursos chargísticos. E este modo discursivo, vê
a linguagem como uma prática social, histórica e ideológica. Nesse
sentido, o discurso chargísticos e outros, tem sua importância como
elemento que permite a materialização da língua, definindo-se
como o efeito de sentido entre locutores (ORLANDI, 1987).
Colocada acima, a questão teórica, segue a metodologia,
constituída por uma sequência didática a partir das concepções de
Dolz e Schneuwly (2004), na qual o procedimento abrange um

108
conjunto de atividades que fornecem suportes pedagógicos e
sistemáticos com base no gênero textual charge. A sequência
didática será aplicada em uma turma do 9° ano de uma escola da
rede estadual de ensino do município de Serrinha/RN,
empregando o gênero citado, instituindo uma proposta de ensino
discursivo/reflexivo da língua.

2. O VIÉS DISCURSIVO, LEITURA E ESCRITA: ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES

Dentre variadas abordagens aplicadas ao ensino de língua


portuguesa – a gramatical, a textual, a sociointeracionista, a
pragmática, a sociolinguística, a discursiva, escolhemos essa
última, a discursiva1, por vermos nela, uma possibilidade de
leitura/produção de texto que extrapole o sentido único, a
superficialidade dos dizeres, que explique melhor a relação entre o
sujeito e a linguagem e que nos leve a perceber como a língua
funciona para produzir sentidos, e estes não são considerados de
modo absoluto, acabado e predefinido. Enfim, nos proporcione
uma leitura e uma escrita, reflexiva, crítica.
Nesse viés, ver o ensino da língua portuguesa, do ponto de
vista discursivo é entender que o discurso representa uma prática
social, vinculada ao uso da língua. Nessa perspectiva o texto é
concebido como materialidade em que se constitui no discurso. Ou
seja, o texto o lugar que se encontram as marcas discursivas –
aqueles elementos que permitem identificar um conjunto de
concepções ideológicas a respeito de uma determinada realidade
(ORLANDI, 2001). Por exemplo, a realidade das aulas remotas em

1Alinhada à AD Análise do Discurso (francesa) tem como objeto teórico o discurso


e objetiva evidenciá-lo. Para a AD “o discurso é o lugar em que se pode observar
a relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz
sentido por/para os sujeitos” (ORLANDI, 1999, p.17). E explora a seguinte questão:
porque determinado discurso foi produzido e não outro. Entra, nesse momento, o
papel da história. A língua para significar tem de se inscrever na história
(ORLANDI, 2001).

109
suas representações chargísticas, produzidas por inúmeros
sujeitos, professores (as) ou outros sujeitos.
No tocante a questão das aulas durante a pandemia, é
importante frisar que para o sujeito-leitor é possível identificar as
ideologias existentes nos mais variados discursos sobre o ensino-
aprendizagem de língua portuguesa veiculados nas mídias
presentes no seu meio social. E, também, identificar os diversos
sujeitos produtores desses discursos sociais. Ao compreender esses
elementos o sujeito-leitor compreende também o contexto, a
realidade social em que se encontra inserido, seja ela hegemônica
ou não hegemônica. E neste rumo, o ensino de LP pode ser capaz
de contribuir para a construção de consciências capazes de
discernir entre produzir ou reproduzir, transformar ou não, a
realidade em que vive.
Enfim, trabalhar discursivamente a língua é desenvolver a
leitura enquanto prática constitutiva do discurso, possibilitando ao
aluno o acesso a uma diversidade de materialidades discursivas
que permitam o entendimento dos processos de construção do
texto e das múltiplas possibilidades de sentido. No texto não há
apenas um sentido, uma leitura uniforme, completa, como alguns
ainda imaginam, mas sentidos possíveis, pois estes textos são
heterogêneos tendo em vista as diferentes posições que um sujeito-
leitor pode ocupar na formação social, as quais, na escrita,
correspondem às diversas formas de discursos que perpassam tal
texto (ORLANDI, 2001).
Assim como a leitura é uma construção ideológica, a escrita, o
discurso construído pelos alunos, não é um mero conjunto de textos,
mas também, uma prática ideológica, pois não existe discurso sem o
sujeito que o produz e tampouco, sujeito sem ideologia (ORLANDI,
1998). O aluno ao escrever, assume um lugar social e, a partir deste
enuncia, propõe sentidos, sendo que estes sempre podem ser outros,
sentidos diferentes daqueles enunciados.
Ao se posicionar sobre diferentes situações discursivas sobre
aulas durante a pandemia, os sujeitos-alunos se inscrevem em
formações discursivas e redes de memória, as quais permitem que

110
esses sujeitos pensem, sejam críticos, relacionem o antes e o depois,
e que entendam a historicidade como parte do sentido, que
modifica a leitura que realizaram das charges sobre o ensino na
pandemia. E buscam os seus sentidos.
Segundo Orlandi (2001) “o sentido é história e o sujeito se faz
(se significa) na historicidade em que está inscrito”, portanto, o
sujeito pela interpelação de sua ideologia-histórica já formada,
identifica-se a sentidos, que sempre podem ser outros, como dito,
anteriormente. Segundo Pêcheux (1997) toda linguagem é formada
pelo interdiscurso (a memória, ou o já-dito) que resulta no
intradiscurso (o já escrito). O sujeito retoma sentidos pré-existentes,
enunciações anteriores, formações discursivas anteriores, para
então formular seu discurso. No tópico 2, apresentaremos algumas
discussões sobre gêneros textuais/discursivos e o gênero
textual/discursivo charge.

3. OS GÊNEROS TEXTUAIS/DISCURSIVOS E O GÊNERO


CHARGE

3.1 Os gêneros textuais discursivos

Nos mais diversos campos da atividade humana o uso da


linguagem se faz presente. É a partir do uso de uma língua comum
que nós, sujeitos nos constituímos enquanto tal e constituímos o
mundo. Ou seja, interagimos com o Outro no meio social em que
estamos inseridos, seja através palavra oral ou escrita, das múltiplas
imagens, símbolos ou mesmo, como anteriormente, através de
gruídos, gestos, desenhos rudimentares. Ao longo do tempo,
inúmeros gêneros se consolidaram. Conforme afirma Bakhtin:

Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso


sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o
que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O
emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e

111
escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou
daquele campo da atividade humana. (Bakhtin, 2016, p. 11).

Desse modo, é no entorno de uma necessidade de


comunicação social que há o uso multiforme da linguagem e esta,
se efetiva no processo de interação sempre atrelada a formas
socialmente estabelecidas que organizam a comunicação em
diferentes campos de atuação discursiva. Nesse sentido, há uma
riqueza infinita de gêneros do discurso pelas formas multifacetadas
da atividade humana e daí surgem de forma crescente os gêneros
do discurso. Bakhtin elucida que:

Quanto mais dominamos os gêneros, maior é a desenvoltura com


que os empregamos e mais plena e nitidamente descobrimos neles a
nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos
de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação –
em suma, tanto mais plena é a forma com que realizamos o nosso
livre projeto de discurso. (Bakhtin, 2016, p. 41).

Nesses termos, os gêneros do discurso são indispensáveis à


compreensão das formas que a língua se apresenta, mutáveis e
flexíveis, posto que cada gênero do discurso, conforme o autor,
cada campo da comunicação discursiva tem a sua concepção típica
de destinatário que o determina como tal. Assim, os gêneros
sempre estiveram e estão presentes em todas as fases de nossa vida
social, por isso não é exagero dizer que o gênero é essencial para a
interação. De acordo com Bakhtin:

Para falar utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras


palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão
e relativamente estável de estruturação de um todo. Possuímos um
rico repertório dos gêneros do discurso orais (e escritos). Na prática,
usamo-los com segurança e destreza, mas podemos ignorar
totalmente a sua existência teórica [...]. (BAKHTIN; apud KOCH;
ELIAS, 2010, p. 102).

112
As palavras de Bakhtin (2010) revelam que, no uso dos gêneros
do discurso se concretiza a interação humana, o desenvolvimento
do indivíduo, pois se trata de uma competência que compreende o
propósito das mudanças nas práticas sociais, viabiliza o domínio,
dá suporte às práticas de leitura, compreensão e produção de
gêneros textuais. E assim, os gêneros textuais e discursivos
merecem ser contemplados no ensino de Língua Portuguesa com
vistas às inúmeras possibilidades de se trabalhar na escola para a
construção de abordagens que privilegiem um ensino produtivo e
reflexivo de leitura e escrita gerando sentidos e aprendizagens.
Partindo desse pressuposto, é importante que a escola ofereça
aos alunos, um contato amplo com os diferentes gêneros de textos
escritos de modo a desenvolver, no aluno, a capacidade de fazer o
uso da leitura e da escrita para interagir socialmente. E, como já
dito, quanto mais gêneros o aluno, esse sujeito social, dominar,
mais caminhos se abrirão, mais esferas sociais estarão ao seu
alcance. E é, justamente nessa direção que apresentaremos, no
próximo tópico, o gênero charge e suas peculiaridades
sociodiscursivas.

3.2 O gênero charge: uma prática discursiva crítica

A charge é um gênero constituído por um texto curto e de


rápida leitura, sua linguagem varia em torno da sua intenção
comunicativa, compõe-se, geralmente das duas linguagens - verbal
e não verbal e tem como suporte de circulação, principalmente,
jornais, podendo aparecer também em revistas, sites e outros
meios. A charge geralmente provoca o humor, o riso, com objetivo
de atrair o leitor para uma crítica. Porém de forma descontraída,
mais leve que outros gêneros dentro da mesma esfera ou suporte.
E como todo gênero, a charge também tem um propósito, uma
função social. Como diz Espindola (2001) “atacar” algo (uma
instituição, uma situação) ou alguém (pessoa ou pessoas).
Geralmente as críticas, ou “ataques” são geralmente de cunho
político, um campo fértil para os chargistas, mas não se resume

113
somente a essa esfera. A citada autora afirma que para se realizar
uma leitura produtiva de uma charge, o sujeito-leitor deve
conhecer os personagens, os fatos, o contexto sócio-histórico e
político, as circunstâncias e, quando possível, as intenções do
produtor da charge (ESPINDOLA, 2001).
E desse modo, levando-se em consideração os pressupostos
acima e a heterogeneidade discursiva do gênero – o discurso
chargístico origina-se de outros discursos presentes no contexto atual:

“(...) a charge será concebida não apenas como modalidade da


linguagem iconográfica, mas também como prática discursiva
irônica e, consequentemente, ideológica. Os principais aspectos que
compõem o universo de definição da charge, reconhece a sua
historicidade e determina a sua condição de signo ideológico,
portanto, uma discursividade de natureza irônica e humorística, por
isso, reveladora de ideias e expressão ideológica de uma
determinada posição que se encontra no exercício do poder e como
discurso de reflexão de denúncia social” (MELO, 2004 p. 94).

Ao colocar em relevo a questão ideológica e outros aspectos


sociohistóricos, espera-se que a charge ao ilustrar, por meio da
sátira, acontecimentos atuais que despertem o interesse do público
escolar, pode contribuir para a construção dessa proposta de
atividade discursivo/reflexiva para o ensino de LP. Proposta essa
calcada nas situações sociocomunicativas do gênero, pretende
explorar o tom de denúncia e trazer reflexões críticas sobre a
situação dos sujeitos em situação de trabalho/estudo, durante a
pandemia. Fazendo emergir diversos outros discursos que
circulam socialmente gerando ações sociodiscursivas na
construção de sujeitos e de sentidos. Entendemos assim, que o
gênero textual/discursivo charge se adéqua a proposta de atividade
a ser aplicada na turma do 9° ano do Ensino Fundamental, visando
promover e desenvolver a leitura reflexiva e crítica a partir da
perspectiva discursiva. Esta proposta de atividade se apresenta no
próximo tópico deste artigo.

114
4. A PROPOSTA DE ATIVIDADE: SEQUÊNCIA DIDÁTICA
COM A CHARGE SOBRE O ENSINO REMOTO

Esta seção apresenta a nossa proposta didática – o uso da


sequência didática – a partir do gênero textual/discursivo charge,
que por sua vez, aborda o ensino remoto. A presente proposta pode
ser aplicada a turma do 9° Ano de Escolas Públicas. Estas turmas
geralmente são constituídas por alunos que se encontram dentro
da faixa etária de 13 a 15 anos. Alunos inseridos no processo de
Ensino remoto, em virtude da pandemia de Covid-19 e que
participam de aulas através de recursos tecnológicos ou por envio
de materiais impressos. Essa metodologia adotada por boa parte
das escolas públicas do Rio Grande do Norte como meio para dar
continuidade às aulas, em virtude da suspensão das atividades
presenciais. Instrumento principal o Google Meet e seus acessórios.

4.1 Apresentação da proposta de atividade

A proposta de atividade constitui-se através da sequência


didática, modelo proposto por Dolz e Schneuwly (2004) cuja
finalidade é trabalhar com gêneros textuais junto ao aluno. Essa
sequência inicia-se pela apresentação da situação, seguida da
produção inicial, módulos de ensino e a produção final - quando o
aluno poderá incorporar os conhecimentos adquiridos nos
módulos anteriores.
A figura abaixo expõe essa proposta nos moldes de Dolz e
Schneuwly (2004) com a finalidade é trabalhar com gêneros junto
ao aluno.

Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.98)

115
A apresentação da situação começa por uma conversa com a
turma apresentando o gênero textual charge e sua função social. Aqui
o aluno tomará conhecimento sobre o gênero charge enquanto estilo de
ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura,
algum acontecimento atual com uma ou mais personagens envolvidas.
Expõe-se que, esse gênero é de cunho humorístico, e que na maioria das
vezes apresenta uma crítica relacionada aos valores sociais, além de
entender a origem da palavra que vem do francês e significa carga ou
exagero. Discute-se sobre o sujeito produtor das charges e os sujeitos
representados na charge. Quem são esses sujeitos, porque enunciam
determinados dizeres e não outros (ORLANDI, 1998), que formações
discursivas estão presentes, quais as condições de produção, que que
sentidos, ou efeitos de sentido, pretendem comunicar.
A Produção inicial traz como proposta uma charge sobre as
dificuldades enfrentadas pelas famílias durante a pandemia com o
ensino remoto - para ser lida. A partir dessa charge, promove-se
uma discussão sobre os efeitos de sentido, possíveis a partir do
texto. E, o aluno fará sua primeira produção trazendo suas
impressões sobre o gênero e sua interação com o texto e com o
discurso chargístico. O primeiro momento de observação do aluno,
em termos de ensino e aprendizagem sobre o gênero, e o gênero,
enquanto discurso.
Partindo para o módulo 1 (oficina 1), nesse módulo o aluno
manuseará diversas charges sobre o ensino remoto/online. Fará
leituras e observações de diversas charges a partir de abordagem
discursiva, ou seja, relacionando o contexto de produção e outros
contextos. Nessa oficina o aluno será conduzido a reflexão sobre as
denúncias impressas nos textos chargísticos.
Seguindo para o módulo 2 (oficina 2), o aluno terá contato apenas
com charges que abordam sátiras referentes ao ensino remoto/aulas
remotas. Partindo dessas charges e do contato do aluno com o gênero,
eles deverão identificar o acontecimento e alguns elementos
ideológicos presente nelas e, os possíveis efeitos de sentido de críticas
ou denúncias em torno do verbal e do não verbal.

116
A produção 2 da presente sequência didática será desenvolvida
trazendo a proposta de charge, apresentada abaixo. A partir dessa
charge, o aluno fará sua primeira produção trazendo suas impressões
sobre o gênero e os espaços de enunciação, espaços de funcionamento
da língua, espaços habitados por falantes, sujeitos alunos e familiares
(GUIMARÃES, 2002). E enfim, sua interação com o texto. O primeiro
momento de observação do aluno em termos de ensino e
aprendizagem sobre o gênero. Momento de explorar de forma
satisfatória a o entendimento discursivo dos alunos, as marcas na
materialidade linguística do texto que mostram os embates entre as
diferentes dimensões da temática.

Fonte: https://www.google.com/search?q=charges+sobre+ensino+
remoto&rlz=1C1CHZN Acesso em 12/08/2021

No módulo 3 (oficina 3), o aluno observará outras charges


obedecendo a temática discursiva (aulas remotas ou online) e irá
analisá-las em situações reais de uso para que pratique, nesse
momento, não só a leitura discursiva, como também exercite seus
dizeres através da oralidade, de modo a refletir sobre as condições
de produção desse discurso chargístico e sobre outras situações
com as quais o discurso promove outros sentidos.
Para encerrar, a produção final trará uma proposta discursiva
de produção de texto em torno do gênero charge. Essa produção
deverá ser individual e parte da leitura de charges que abordam os
elementos discutidos, anteriormente, e dela desenvolverá sua
produção, procurando situar no texto enquanto sujeito de seus

117
enunciados, atribuir sentidos, situações sócio-históricas idênticas
às vivenciadas no contexto histórico atual. E, a partir dessa
produção, apresentar, criticamente, determinada situação social.
Essa produção retornará ao professor, será revisada e
devolvida ao aluno para a reescrita textual e depois desse processo
o “produto final”, pronto – as produções textuais. A circulação
dessas produções dar-se-á na escola: na sala de aula do 9° ano, na
página do facebook da instituição, além de publicação nas redes
sociais de cada aluno envolvido no processo bem como
apresentadas ao público escolar (e alunos de outras turmas no
retorno gradual das aulas no mês de outubro do presente ano
letivo) que observará e apreciará os textos lidos e escritos pelos
estudantes autores.
Nesse contexto, espera-se como resultado: a) uma melhoria no
ensino discursivo, a oralidade e a escrita do aluno do 9° ano de uma
escola pública, possibilitando a construção de sujeitos e de
sentidos, perante as vivências e situações cotidianas, presentes nas
charges analisadas; b) produção escrita das ações sócio discursivas,
vinculados à vida cultural e social do aluno; c) favorecer um
contato mais positivo do aluno com a língua, para desse modo,
aprimorar os discursos orais dos sujeitos alunos, a escrita e a leitura
adequada e competente em todas as suas potencialidades
comunicativas; d) consolidar o ensino discursivo e reflexivo da
língua, produzindo leitores críticos e conscientes, capazes de
produzir e desenvolver/atribuir sentidos às leituras e produções,
enquanto sujeito social – a ampliação de eventos discursivos e atos
comunicativos dos estudantes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendendo que o discurso representa uma prática social,


vinculada ao uso da língua no dia a dia dos sujeitos, a proposta de
ensino de Língua Portuguesa, com uso do gênero charge pode
mostrar-se fecunda na sala de aula. Neste espaço, os sujeitos podem
ressaltar outros sentidos para/nas leituras e produções,

118
possibilitando assim, a constituição de leitores/produtores de texto,
mais ativos, que fazem diferentes percursos de leitura em um
mesmo texto. Além, de ter acesso a uma maior experiência de olhar
a materialidade textual e seu (s) discurso (s). E, deste modo, ao
abordar os discursos chargísticos sobre aulas remotas na pandemia
podem conduzir os sujeitos alunos a uma melhoria no ensino de
língua portuguesa, através da construção de sujeitos e de sentidos.

6. REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. São


Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12ª ed.
São Paulo: Hucitec, 2006.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34,
2016 (1ª Edição).
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos
na escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2004.
ESPINDOLA, Lucienne. A charge no ensino da língua portuguesa.
Letr@ Viv@ UFPB. 2001.
GUIMARÃES, E. R. J. Semântica do acontecimento: um estudo
enunciativo da designação. Campinas: Pontes, 2002.
KOCK, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e
Compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2010.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros
e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e
funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela P.; MACHADO, Anna R.;
BEZERRA, MARIA A. (org). Gêneros textuais e ensino. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Lucena, 2003.

119
MELO, Francineide Fernandes. Entre o discurso e a ironia: o pintar
o sete e desenhar os outros no discurso humorístico. Dissertação
(Mestrado em Letras). João Pessoa: UFPB, 2004.
ORLANDI, Eni. Discurso e Texto: formação e circulação do sentido.
Campinas, SP: Pontes, 2001.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A leitura e os leitores. Campinas, SP:
Pontes, 1998.
ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: princípios e procedimentos.
4ª. Ed. Campinas: Pontes, 2002.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação
do óbvio. Tradução Eni P. Orlandi [et.al.] – Campinas, SP: editora
da UNICAMP, 1997.
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. 3. ed.
Trad. Eni P. Orlandi. Campinas, SP: Pontes, 2002.

120
CAPÍTULO 7

LÍNGUA, VARIAÇÃO E ENSINO:


UMA PROPOSTA METODOLÓGICA SOBRE
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO 9° ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL

Arethusa Angre do Rego Antero (PROFLETRAS/UEPB)


Braulio Maciel Silva (PROFLETRAS/UEPB)

1. INTRODUÇÃO

A variação linguística é um fenômeno sociológico que


começou a ser tratado de forma técnica e a ser teorizado a partir
dos anos 1960, nos Estados Unidos, com o pesquisador William
Labov, considerado o fundador da sociolinguística variacionista.
Desde então, vem sendo um tema muito abordado e de grande
importância, principalmente nos anos 1990, quando os estudiosos
e pesquisadores começaram a formular uma educação linguística
que levava em consideração os fenômenos sociais da variação.
O presente estudo visa analisar como a escola está encarando
o fenômeno da variação linguística e o que está fazendo a fim de
minimizar a visão preconceituosa que se tem com relação aos
falantes da língua portuguesa, sobretudo quando utilizam
expressões consideradas “inadequadas” pela gramática normativa,
suas implicações nas relações sociais e como os estudantes se veem
nessa situação de uso real da língua.
A partir das variações linguísticas encontradas em tirinhas de
Chico Bento e em trechos do filme Central do Brasil, procuramos
estimular um debate sobre essas variações, apresentando propostas
que deixam claro o quanto a língua sofre transformações com o

121
tempo, evoluindo e modificando-se, conforme as necessidades dos
falantes, e que o preconceito existente com relação a essas variações
deve ser entendido como algo que precisa mudar.
Para fundamentar o trabalho, fizemos uso do aporte teórico
encontrado nas obras: Pedagogia da Variação Linguística, de Ana
Maria Stahl Zilles e Carlos Alberto Faraco (2015); Nada na língua é
por acaso: por uma pedagogia da variação linguística, de Marcos Bagno
(2007); Preconceito Linguístico: O que é, como se faz, também de Marcos
Bagno (2002), Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de
aula, de Stella Maris Bortoni-Ricardo (2004), dentre outras.
Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa-ação, quali-
quantitativa, com abordagem descritiva e interpretativista. O lócus
da pesquisa é uma turma do 9º ano de uma escola de ensino
público da cidade de Campina Grande, Paraíba, com 24 alunos. O
principal instrumento de pesquisa foi um questionário e os
procedimentos utilizados foram: no primeiro momento, cada
estudante respondeu um questionário sobre leitura, escrita e a
importância do estudo na sua vida. No segundo momento, foi feita
uma divisão da sala em doze duplas, com a finalidade de abrir uma
discussão sobre a linguagem empregada nas tirinhas, de modo a
levar os estudantes a escreverem o que entenderam e se mudariam
alguma coisa na parte escrita. No terceiro, a turma assistiu a cenas
do filme “Central do Brasil”, fazendo observações sobre a
linguagem presente nos trechos. Por fim, foi feita uma análise sobre
o conceito de variação linguística e a forma como os estudantes
perceberam a variação, a partir dos preconceitos observados e
destacados na sua própria escrita.
Dividimos este artigo em 2 tópicos : o primeiro traz os
elementos teóricos, traçando um breve resumo da sociolinguística
e sua contribuição no ambiente escolar, a fim de aprimorar as
práticas de educação linguística; O segundo apresenta a proposta
de atividade didática, com textos, questionário e vídeos
fomentadores de debates; e, finalizando as nossas considerações,
em que apresentamos sugestões para o trabalho com a variação
linguística, levando em consideração os conhecimentos prévios dos

122
alunos, bem como suas implicações para a vida escolar e social dos
estudantes.

2. APONTAMENTOS TEÓRICOS

Entre as diversas teorias que tratam sobre o ensino e a


linguagem, optamos por desenvolver nosso trabalho sobre a
Sociolinguística, considerando a sua importância e por ser um tema
que necessita de atenção no que diz respeito a prática docente em
Língua Portuguesa. Neste tópico, traremos uma definição sobre a
Sociolinguística e duas de suas ramificações: a Sociolinguística
Variacionista e a Sociolinguística Educacional, assim como
abordaremos questões relacionadas à Variação Linguística.

2.1. Breve resumo sobre a Sociolinguística

A Sociolinguística surge como a ciência que vai dar um novo


rumo aos estudos da linguagem, ao considerar a língua em sua
heterogeneidade, priorizando a fala e os fatores de mudanças
linguísticas, assim como o social e o contexto de uso. De acordo com
Bagno (2007, p. 12),

[...] como todo fato humano, e a respeito da abordagem iminente, a


língua só existe em uso – e, portanto, na história. Cada uso da língua,
cada uma de suas variações e até mesmo cada ato individual de fala,
é, nesse sentido, umacontecimento, exatamente como aqueles outros
que, por sua importância cultural, viram notícias ou se tornam
marcos históricos. (BAGNO, 2007, p. 12)

Diante disso, a Sociolinguística surge como uma área de


estudo e investigação dofenômeno linguístico que estuda a língua,
a cultura e a sociedade, uma vez que esses fatores estão diretamente
relacionados. Ou seja, é parte da Linguística que estuda a linguagem
seu contexto social e cultural, em situações reais de uso dentro da
comunidade linguística. De acordo com Bagno, (2007, p. 38),

123
“o objetivo central da sociolinguística, como disciplina científica, é
precisamente social. Língua e sociedade estão indissoluvelmente
entrelaçadas, entremeadas, uma influenciando a outra, uma
construindo a outra. Para o sociolinguista, é impossível estudar a
língua sem estudar, ao mesmo tempo, a sociedade em que essa
língua é falada [...].” (BAGNO, 2007, p. 38).

Em outras palavras, não há como estudar a língua sem


considerar os diversos fatores que a constituem e a tornam variável.
Nesse ponto, consideramos essencial o repensar do ensino de
Língua Portuguesa, a inovação da prática docente e,
especificamente, a reflexão sobre o uso do livro didático enquanto
única fonte de pesquisa para o estudo da variação linguística,
fugindo muitas vezes da realidade linguística dos alunos e
tentando esconder que língua e sociedade caminham ladeadas.
Realidade que omite os pressupostos da sociolinguística, que de
acordo com Lehmkuhl (2015, p. 13) é uma área da Linguística que
estuda a relação entre a língua que falamos e a sociedade em que vivemos”,
ou seja, o uso da linguagem nas mais diferentes esferas sociais.

2.2.Compreendendo a Sociolinguística Variacionista

Com as mudanças nos estudos sobre a linguagem, passando a


considerar a língua em uso, a Sociolinguística Variacionista surge
como área específica da Linguística, propondo os estudos da língua
a partir de fatores extralinguísticos, os sociais, considerando a
interação entre fala e sociedade nos seus diversos contextos.
Tomamos essa ciência como um dos referenciais para este trabalho,
considerando que ela tem como objeto de estudo a língua observada
dentro do contexto social, partindo do princípio da
heterogeneidade da língua.
A Sociolinguística Variacionista, tendo como principal
representante Labov, estuda a coexistência de variantes
linguísticas, suas estruturas e evolução no contexto social de
determinada comunidade e suas probabilidades de uso. Conforme

124
Labov (1978),dois enunciados que se referem ao mesmo estado de
coisas com o mesmo valor de verdade, constituem-se como
variantes de uma mesma variável. Ou seja, variantes linguísticas
são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo
contexto e com o mesmo valor de verdade.
Detendo-se à explicação e entendimento da variação
linguística dentro de padrõessociais, culturais, históricos e etários,
é importante ressaltar que a SociolinguísticaVariacionista não usa
termos como “certo” ou “errado” no que se refere à linguagem,
estabelecendo termos como “adequado” e “inadequado”. Sobre
isso, Gomes (2009) considera que,

a Sociolinguística trata a língua em suas variedades, descrevendo os


fatos linguísticos, sem avaliação do que é certo ou errado, já que,
qualquer que seja a variedade linguística utilizada, ao servir para a
comunicação entre as pessoas, ela é legítima. (GOMES, 2009, p. 36).

Refletir sobre a língua em uso dentro de um determinado


contexto, enquanto instrumento de comunicação usada por todos
os falantes da mesma comunidade é o pensamento Sociolinguístico
Variacionista, tendo a língua como meio do qual cada ser se
apresenta na sociedade e revela seu grupo.

2.3. A contribuição da Sociolinguística Educacional

Bortoni-Ricardo é uma das pioneiras que levou os resultados


de estudos sociolinguísticos para o ambiente escolar com o objetivo
de transformar tais resultados “em instrumental pedagógico capaz de
interferir nas práticas de educação linguística, isto é, nas formas de
ensinar a língua [...]” (BAGNO, 2004. p. 7). Portanto, a
Sociolinguística Educacional compreende a variação linguística no
espaço escolar, objetivando explicar e investigar no processo de
ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa os seus
entrelaçamentos, em decorrência do preconceito linguístico

125
presente em diversos ambientes. Bortoni-Ricardo (2005, p. 15)
afirma que,

A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. Os


professores e, por meio deles, os alunos, têm que estar bem
conscientes de que existem duas ou mais formas de dizer a mesma
coisa. E mais que essas formas alternativas servem a propósitos
comunicativos distintos e são recebidos de maneiras diferenciadas
pela sociedade. (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 15)

Compreendemos aqui que a língua é evento, é algo dinâmico


e rico em diversidade. Cabe a escola ser um ambiente em que o
aluno possa se expressar por meio da língua, revelar a sua
identidade, desenvolver competências comunicativas e ser
acolhido em meio as diferenças. Eis o desafio das aulas de Língua
Portuguesa, dar um tratamento especial ao ensino da variação
linguística, favorecendo o entendimento dos diversos usos da
língua, compreendendo o contexto comunicativo relacionado a
determinado uso, sobretudo, combater o preconceito linguístico.
Entretanto, para o bom entendimento do aluno é necessário
que se façam alguns ajustes ao ensino, e para Bortoni-Ricardo, “tal
ajustamento nos processos interacionais éfacilitador da transmissão do
conhecimento, na medida em que se ativam nos educandos processos
cognitivos associados aos processos sociais que lhes são familiares.”
(BORTONI-RICARDO, 2005, p. 128). Ou seja, o ensino e a
aprendizagem são fundamentados na interação verbal,
propiciando a troca de experiências entre professores e alunos.
Sendo assim, o conhecimento não será transmitido de um sujeito a outro
ou adquirido de um sujeito para outro como prezava o ensino tradicional,
mas construído em conjunto por todos os participantes do processo.
Segundo a autora, “o que é preciso, de fato, é contribuir para o
desenvolvimento de uma pedagogia sensível às diferenças sociolinguísticas
e culturais dos alunos e isto requer uma mudança de postura da escola –
professores e alunos – e da sociedade em geral.” (BORTONI-RICARDO,
2005, p. 130) É nessa perspectiva que a Sociolinguística tem

126
procurado desenvolver seus trabalhos e contribuir para o processo
educacional.
Diante do exposto, entendemos que é necessário e urgente que
o ambiente escolar se torne culturalmente sensível à diversidade,
tornando-se apto para lidar de forma eficaz com a variação
linguística e cultural dos estudantes, assim como com o preconceito
linguístico. Sobre o preconceito linguístico, Bagno (2007, p. 27)
explica que

“a língua portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais.


Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como
falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social
relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito
comum se considerarem as variedades linguísticas de menor
prestígio como inferiores ou erradas. [...].” (BRASIL, 2000, p. 26 apud
BAGNO, 2007, p. 27)

O ensino de Língua Portuguesa, deve possibilitar uma visão


de língua na qual o preconceito linguístico seja combatido,
respeitando e aceitando o diferente. Sendo assim, ensino e
letramento se tornarão indissociáveis, visto que no letramento, as
múltiplas formas de linguagem são legítimas em seu uso
comunicativo, e ensino é construção de conhecimento de mundo.

2.4. Desmistificando a Variação Linguística

“Ao contrário da norma-padrão, que é tradicionalmente concebida


como um produto homogêneo, [...] a língua, na concepção dos
sociolinguístas,é intrinsecamente heterogênea, múltipla, variável e
está sempre em desconstrução e em reconstrução. [...] A língua é uma
atividade social, um trabalho coletivo, empreendido por todos os
seus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da fala
ou da escrita.” (BAGNO, 2007, p. 36).

De acordo com a epígrafe acima de Bagno, não existe uma


língua uniforme, igual ou homogênea, como os estudos

127
estruturalistas da língua aplicavam, mas sim uma língua
heterogênea que apresenta um multilinguismo, ou seja, uma
diversidade linguística repleta de variações. O autor ainda pontua
que, “[...] Uma variedade linguística é um dos muitos ‘modos de falar’
uma língua. Esses diferentes modos de falar se relacionam com fatores
sociais como lugar de origem, idade, sexo, classe social, grau de instrução,
etc.” (BAGNO, 2007, p. 47). A língua, portanto, apresenta-se de forma
diferenciada nas modalidades oral e escrita de acordo com o meio
sociocultural e regional em que cada pessoa está inserida.
Diante disso, considerando a dinamicidade da língua nas
práticas sociais, entendemos que sempre ocorrerá o fenômeno da
variação linguística, concretizada na fala ou escrita das pessoas,
demonstrando, assim, que as situações comunicativas
proporcionam o uso de variedades linguísticas distintas que Bagno
(2007, p. 38) vai classificar em:

[...] (1) a variação linguística, isto é, a língua em seu estado


permanente de transformação, de fluidez, de instabilidade e, (2) a
norma-padrão, produto cultural, modelo artificial de língua criado
justamente para tentar ‘neutralizar’ os efeitos da variação, para
servir de padrão para os comportamentos linguísticos considerados
adequados, corretos e convenientes.Entre esses dois existe uma zona
intermediária, em que a norma-padrão influencia a variação
linguística e a variação linguística influencia a norma-padrão.
(BAGNO, 2007, p. 38).

A variação linguística ocorre devido a fatores que são


intrínsecos da língua, constituindo-se de sua estrutura interna e de
fatores extralinguísticos (social). Bagno (2007, p. 43 e 44) selecionou
um conjunto de elementos que determinam a variação a partir de
fatores extralinguísticos, ou seja, social, (origem geográfica, status
socioeconômico, grau de escolarização, idade, sexo, mercado de
trabalho e redes sociais) que poderão nortear os estudos da
variação linguística e identificar os fenômenos que constituem tais
mudanças linguísticas.

128
Em resumo, podemos reafirmar que os processos naturais de
mudança da língua são resultantes de fatores de natureza histórica,
regional, social ou contextual, podendo ocorrer em todos os níveis
da língua: do fonético-fonológico ao estilístico-pragmático,
conforme nos esclarece Faraco,

qualquer parte da língua pode mudar, desde aspectos da pronúncia


até aspectos de sua organização semântica e pragmática. A
classificação geral das mudanças é feita utilizando-se os diferentes
níveis comuns no trabalho de análise linguística. Assim, na história
de uma língua, pode haver mudanças fonético-fonológicas,
morfológicas, sintáticas, semânticas, lexicais e pragmáticas.
(FARACO, 2005, p. 34-5).

Bagno (2007, p. 39 e 40), também abordando esse tema, explica


e exemplifica sua ocorrência em cada um dos níveis mencionados
por Faraco: “a variação fonético-fonológica” ocorre quando uma
palavra é pronunciada de maneiras diferentes; “a variação
morfológica”, ocorre quando termos expressam a mesma ideia,
porém, são construídos com sufixos diferentes; “variação sintática”
ocorre quando os elementos da oração podem ser organizados de
maneiras diferentes, mantendo o sentido geral da mensagem;
“variação semântica” quando uma mesma palavra pode ter
significados distintos; “variação lexical” quando se utiliza de
diferentes vocábulos para expressar uma mesma coisa; e “variação
estilístico pragmático” quando o uso da língua varia de acordo com
o grau de formalidade do ambiente, assim como com a intimidade
entre os interlocutores.
Compreender o estudo das variações citadas acima é essencial ao
professor de Língua Portuguesa para proporcionar uma reflexão sobre
as variedades do português brasileiro durante sua prática educativa,
assim como, elaborar estratégias para uma efetiva desconstrução do
preconceito linguístico apresentado de forma tão evidente em nossa
sociedade. Cabe ao professor refletir sobre seu objeto de trabalho, a
norma culta, e adotar uma postura crítica em relação à língua, “deixando

129
de lado (e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas,
autoritárias e intolerantes” (BAGNO, 2005, p. 115).
Diante do exposto, reconhecemos a necessidade de abordar o
fenômeno da variação da língua nas séries finais do ensino
fundamental, para que os alunos possam lidar de forma eficaz com
o preconceito linguístico e sejam proficientes no uso das variedades
do português brasileiro, compreendendo que estas se subdividem
em três polos, conforme Bagno (2007, p. 104), “a norma-padrão” que
trata de um modelo de língua definido e estabelecido, uma
ideologia linguísticas, entretanto, não representa o uso efetivo e
real da língua, “a norma culta” que o autor substitui por “variedades
prestigiadas” em que a língua ocorre de forma mais monitorada e
resulta do uso em um meio social considerado culto e “a norma
popular ou vernácula” denominada pelo autor de “variedade
estigmatizada”.
Embora reconheçamos a necessidade dos alunos conhecerem
a norma-padrão da língua por ser ela a ‘variedade’ utilizada em
alguns meios de comunicação e em eventospúblicos, a escola não
deve priorizar o ensino de apenas uma variedade da língua, mas
trabalhar as diferentes variedades dialetais, sem preconceitos,
através do uso de diversosgêneros textuais discursivos, uma vez
que a variação da língua se materializa nos gênerosorais e escritos.
Então, como promover um ensino que desenvolva a
competência comunicativa do aluno de forma reflexiva? O que
ensinar e como ensinar? Devemos ensinar a gramática? Para tais
questionamentos, citamos Bagno (2007):

Se for para ensinar gramática como mera repetição da doutrina


tradicional, anacrônica e encharcada de preconceitos sociais,
definitivamente não é para ensinar gramática. Se ensinar gramática
for entendido como decoreba de nomenclatura sem nenhum objetivo
claro e relevante, análise sintática de frases descontextualizadas e às
vezes até ridículas, definitivamente não é para ensinar gramática.
(BAGNO, 2007, p. 69-70).

130
O ensino da variação linguística do português brasileiro precisa
ser repensado e professores de Língua Portuguesa precisam rever
suas práticas educativas, especialmente ao considerar uma
perspectiva de gramática que contemple a relação entre língua e
contextos de uso. Para tal, Bagno (2007) apresenta seu ponto de vista:

[...] se por gramática entendermos o estudo sem preconceitos do


funcionamento da língua, do modo como todo ser humano é capaz
de produzirlinguagem e interagir socialmente através dela, por meio
de textos falados e escritos, portadores de um discurso, então,
definitivamente é para ensinar gramática, sim. Na verdade, mais do
que ensinar, é nossa tarefa construir o conhecimento gramatical dos
nossos alunos, fazer com que eles descubram o quanto já sabem da
gramática da língua e como é importante se conscientizar desse saber
para a produção de textos falados e escritos coesos, coerentes,
criativos, relevantes etc. (BAGNO, 2007, p. 70)

Entendemos aqui que há oposição e combate à prática de


ensino do português baseada num tradicionalismo, com repetições
de conceitos e definições, nas quais o foco de interesse é
extremamente restrito à frase, opondo-se à pluralidade da língua,
vendo a variação como erro e, consequentemente, estigmatizado,
gerando o preconceito linguístico. Para nós, fica clara a
responsabilidade da escola em oferecer um ensino reflexivo de
língua, legitimando as variações. Assim como, possibilitar o uso
eficiente das diversidades linguísticas apresentadas pelos alunos,
enquanto usuários competentes de sua língua, permitindo-lhes o
desempenho em práticas sociais especializadas de forma
autônoma. Nesse sentido, aproveitar o conhecimento internalizado
da língua materna quecada indivíduo carrega pode se constituir em
um aliado para o desenvolvimento das aulasde Língua Portuguesa.

3. PROPOSTA DE ATIVIDADE

Estabelecer uma estratégia didática que encontre sentido na


vida do estudante deve ser pensada a partir de metodologias que

131
acolham diferentes perspectivas de aprendizagens. Devem ser
considerados, portanto, a disciplina, os alunos, o ano/série daturma
e os conteúdos, tudo conforme os objetivos pretendidos para se
alcançar um determinado aprendizado.
Diante disso, é necessário deixar em evidência o quanto a escola
é importante parao ensino do dialeto padrão e da norma culta aos
estudantes, pois essa variedade da língua escrita é a que mais
circula na sociedade e eles precisam dominá-la como forma de
reconhecimento social. O caminho no ensino da gramática
normativa, entretanto, precisaestar conectada à ideia de que não é
por meio de uma correção, baseada na troca de uma expressão por
outra, que o aprendizado deve acontecer, mas com muita leitura,
escrita, e consistente reflexão sobre o respeito às diferenças nas
variedades linguísticas. É preciso ficar claro entre os estudantes que
estudar a língua padrão da escola também tem sua importância e
não pode ser descartado do ambiente educativo. Sobre isso, Possenti
(1996)diz que,

a tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto


padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões
baseia-se em parte no preconceito segundo o qual seria difícil
aprender o padrão. Isto é falso, tanto do ponto de vista da capacidade
dos falantes, quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão.
As razões pelas quais não se aprende, ou se aprende mas não se usa
um dialeto padrão, são de outra ordem, e têm a ver em grande parte
com os valores sociais dominantes e um pouco com estratégias
escolares discutíveis. (POSSENTI, 1996, p. 17)

A partir desta perspectiva, este trabalho, sendo uma pesquisa-


ação, estabeleceu como lócus a Escola Municipal Advogado Otávio
Amorim, situada na zona urbana do município de Campina
Grande, PB. Uma turma do 9º ano das séries finais do ensino
fundamental foi a escolhida para a coleta de dados, com 24 alunos,
sendo 16 meninas e 08 meninos.

132
3.1. Primeira Etapa

No primeiro momento, os alunos responderam a um


questionário social, com o objetivo de colher informações sobre a
forma como eles se relacionam com os estudos. Foram elaboradas
perguntas relacionadas a como os estudantes veem a leitura e a
escrita,bem como a importância do estudo em suas vidas, conforme
a tabela abaixo:

QUESTIONÁRIO
1. Você gosta de estudar? Por quê?

2. Você gosta de ler?


a) ( ) sim b) ( ) não c) ( ) um pouco
3. Quantidade de livros lidos:
a)( ) um por ano
b)( ) dois por ano
c)( ) três por ano
d)( ) quase não leio
e)( ) não leio
Escreva o nome do livro que mais gostou:
4. Suas aulas de português no ensino fundamental se basearam mais
em que?
a)( ) gramática (ortografia, acentuação gráfica)
b)( ) leitura de paradidáticos
c)( ) compreensão e interpretação de texto
d)( ) produção textual
5. Nas aulas de Português, o que você considera importante estudar
mais?
a)( ) gramática
b)( ) leitura
c)( ) compreensão e interpretação de texto
d)( ) produção textual
6. Você já teve, ao longo de sua vida escolar, receio de falar ou escrever
algo que considerasse errado gramaticalmente, deixando de falar ou
escrever alguma coisa na sala de aula?

133
a)( ) nunca
b)( ) raramente
c)( ) frequentemente
d)( ) diversas vezes
7. Você considera importante estudar Português? Por quê?

Tabela 01: Você gosta de estudar?


Tópico Quantidade %
Sim 12 50%
Não 06 25%
Mais ou menos 06 25%
Total 24 100%

Quadro 01: Os que responderam sim. Por quê?


Aluno 01 – “Porque gosto da escola...”
Aluno 02 – “Porque quero melhorar de vida...”
Aluno 03 – “Para aprender coisas diferentes...”

Percebemos que cerca de 50% dos alunos responderam


afirmativamente a pergunta 1, confirmando que gostam de estudar e
são movidos pelo desejo de aprender coisas novas, em linhas gerais.
25% mencionaram que gostavam mais ou menos, porque não
aceitavam de bom grado a imposição dos pais e a obrigação de ir à
escola. Consideram que nada feito de modo impositivo é motivador.
Os outros 25% admitiram que não gostam de estudar, mas que o faz
porque sabem que o seu futuro está em jogo e depende disso.

Tabela 02: Você gosta de ler?


Tópico Quantidade %
Sim 8 33%
Não 2 10%
Um pouco 14 57%
Total 24 100%

134
Na pergunta 2, cerca de 33% dos alunos responderam que
gostavam de ler - umadupla ainda ressaltou que “gostava de ler
apenas romances”. 10% disseram que não gostavam de ler e outros
57 % afirmaram que gostavam um pouco de fazer leituras. De
acordo com estudo realizado pelo Instituto Pró-Livro (IPL), em
levantamento feito em 2019, a quinta edição da pesquisa Retratos
da Leitura no Brasil traz indicadores que revelam que a quantidade
de leitores no país caiu de 56% em 2015 para 52% em 2019.

Tabela 03: Quantidade de livros lidos


Tópico Quantidade %
Um por ano 5 20%
Dois por ano 2 10%
Três por ano 0 -
Quase não leio 0 -
Não leio 17 70%
Total 24 100%

Já na pergunta 3, o resultado chamou ainda mais atenção. 10%


dos que se dizem leitores fizeram a leitura de apenas dois livros no
período de um ano. 20% leram somenteum livro, enquanto que 70%
não chegaram a ler nenhum livro entre novembro de 2020 eoutubro
de 2021. Vale ressaltar que é considerado leitor aquele que leu,
inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses.

Tabela 04: Suas aulas de português no ensino fundamental se basearam


mais em que?
Tópico Quantidade %
Gramática (ortografia, acentuação
6 25%
gráfica)
Leitura de paradidáticos 6 25%
Compreensão e interpretação de
12 50%
texto
Produção textual 0 -
Total 24 100%

135
Os discentes revelaram através da pergunta 4 que a maioria
dos professores de português no ensino fundamental trabalha suas
aulas por meio de atividades que contemplam mais leitura e
compreensão de textos. Seguido por gramática e leitura de
paradidáticos.

Tabela 05: Nas aulas de Português, o que você considera importante


estudar mais?
Tópico Quantidade %
Gramática 8 33%
Leitura 10 42%
Compreensão e 6 25%
interpretação de textos
Produção textual 0 -
Total 24 100%

Na questão de número 5, um terço dos alunos afirmaram


gostar mais de gramática, seguido de leitura e compreensão de
texto.

Tabela 06: Você já teve, ao longo de sua vida escolar, receio de falar ou
escrever algo que considerasse errado gramaticalmente e por isso deixou
de falar ou escrever alguma coisa na sala de aula?
Tópico Quantidade %
Nunca 0 -
Raramente 5 20%
Frequentemente 17 70%
Diversas vezes 2 10%
Total 24 100%

A pergunta de número 6, apresenta a forma como o estudante


lida com a possibilidade de escrever ou falar “errado” diante dos
colegas e do professor. 70% responderam que frequentemente
tinham receio de não falar conforme a norma padrão, ou ainda
escrever textos em desacordo com a expectativa da referida norma.
Embora tal circunstância seja comum no ambiente escolar, Zilles

136
(2015) questiona as práticas escolares que inviabilizam o
protagonismo e a autonomia dos estudantes, afinal,

Que pedagogia estamos adotando quando nossos alunos se sentem


incapazes de falar e de escrever ao longo de toda a sua vida escolar?
Repetir não é suficiente. Enquanto se repete vai-se fortalecendo a voz
do outro e enfraquecendo a do repetidor, até que ela se apague e
morra. Paulo Freire, sustentando seu discurso pedagógico
justamente na busca do que chamou de educação libertadora,
legando-nos importante estratégia ao responder a pergunta
fundamental: como passar do método da transferência de
conhecimento para os métodos dialógicos? (ZILLES, 2015, p.31)

Tabela 07 – Você considera importante estudar Português? Por quê?


Tópico Quantidade %
Sim 24 100%
Não 0 -
Total 24 100%

Por fim, na pergunta 7, 100 % dos alunos confirmaram a


importância da língua portuguesa em suas vidas, a partir do
momento em que a disciplina ensina a “escrever e ler
corretamente”, ou seja, o ensino da língua padrão é visto como o
elemento fundamental para despertar nos educandos a
necessidade de valorizar o estudo de português.

3.2. Segunda Etapa

No segundo momento, foram formadas doze duplas, por meio


de um sorteio, e os alunos entraram em contato com algumas
tirinhas de Chico Bento, de Maurício de Souza; Adão Iturrusgarai;
Fernando Gonsales; DJota e Armandinho, de Alexandre Beck. Na
sequência didática, os alunos escreveram livremente sobre o que
acharam da temática abordada, bem como a linguagem utilizada
pelas personagens das tirinhas. Ainda aproveitaram o momento
para “corrigir” o que para eles se constituía em erros.

137
As tirinhas foram cuidadosamente selecionadas, com o intuito
de despertar no aluno a noção de que as diferenças expostas são
naturais e necessitam de uma maior visibilidade dessa concepção,
quanto a variação linguística. Veja a seguir:

Tirinha 1

Tirinha 2

Tirinha 3

Tirinha 4

138
Tirinha 5

Na análise dos textos imagéticos, especialmente do primeiro,


os alunos destacaram o quanto gostam das tirinhas de Chico Bento,
pelo seu jeito de falar. Segundo alguns estudantes, “os personagens
falam muito errado, mas apesar de tudo são engraçados! Gosto como eles
falam errado, tipo ‘inté’, ‘trabaio,’ etc.”. Outro aluno disse que Chico
Bento teria de “estudar muito para se formar, no caso, terá de estudar
muito português, pra poder ler e escrever corretamente.” Outro disse: “O
seu sotaque do interior impede que ele fale corretamente, mas com algumas
aulas de português resolverá rapidinho.” O que alguns alunos da turma
relataram nos revela a concepção que a sociedade tem através desse
estigma de que língua certa e bonita é aquela falada pelas pessoas
de maior poder aquisitivo e de mais estudo. Enquanto que língua
errada é aquela falada pelos marginalizados, aqueles que não têm
estudo ou que moram em zonas rurais.
Explicamos, a partir do debate gerado pelo posicionamento
dos alunos quanto às leituras feitas, que todo juízo de valor que
indique repulsa ou desrespeito às variedades linguísticas de menor

139
prestígio social, deve ser evitado. O prejulgamento dirigido aos
falantes de uma variedade linguística diferente da nossa, muitas
vezes associado a informalidade é visto como errado, pois trata-se
de uma situação muito comum entre as pessoas que têm um menor
acesso à educação formal ou têm acesso a um modelo educacional
de qualidade deficitária, na opinião da sociedade em geral. Tal
preconceito linguístico deriva da construção de um padrão
imposto por uma elite econômica e intelectual que apresenta uma
visão estereotipada do cidadão que tem sotaque interiorano e que
considera como “erro” e, consequentemente, reprovável, tudo o
que se diferencie desse modelo, de acordo com Bagno (2002). Além
disso, está intimamente ligado a outros preconceitos também muito
presentes na sociedade, como: preconceito socioeconômico,
regional, cultural, dentre outros.
Os preconceitos sociais acabam sendo disseminados pela
escola quando certos conceitos não são debatidos pelos professores.
Antunes (2018) menciona que é um problema quando o professor

[...] deixa de trazer para o debate aberto o princípio do relativismo


cultural, pelo qual se pode admitir que, de fato, não existe língua feia ou
deselegante; não existe língua que desagrade, que entre em decadência.
O que existe é língua que muda, que varia, que incorpora novos sons,
novas entonações, novos vocábulos, que altera seus significados, que
cria associações diferentes, que adota padrões sintáticos novos,
sobretudo quando essa língua é exposta a variadas situações de uso, a
outras interferências culturais. (ANTUNES, 2009, p. 25).

Ao tratar de variação linguística, muitos professores tornam-


se, no mínimo omissos, ao não discutirem o quanto as diversas
manifestações linguísticas no Brasil são naturais. Isso acaba
contribuindo negativamente, pois ver as diferenças entre os
falantes nativos da língua, dentro da perspectiva do certo e do
errado, acaba estimulando ainda mais o preconceito, além de não
proporcionar a autoconfiança aos alunos para emitirem opiniões
sem a preocupação em “errar” ao não utilizar o rigor estético da
norma padrão.

140
3.3. Terceira Etapa

No terceiro momento, os adolescentes assistiram a trechos da


obra cinematográfica Central do Brasil (1998), de Walter Salles e foi
aberto um diálogo sobre as variedades linguísticas presentes no
filme. Os alunos ficaram bastante entusiasmados com asdiscussões,
principalmente porque foram motivados pelo “falar diferente” das
personagens, que em diversos momentos produziu muitos risos.
Além da graça encontrada nos trechos vistos, eles perceberam
também as relações de poder existentes entre analfabetos e
alfabetizados, no filme, principalmente por meio do domínio da fala
escrita que permeia toda a obra. E isso também foi levado em
questão nos debates realizados.
Bortoni-Ricardo (2005) ressalta que a língua é heterogênea e
muda constantemente. A autora reitera que apenas a norma culta é
vista como a correta pela classe dominante e que qualquer posição
contrária a isso será entendida como algo que se necessita resistir e
combater. As escolas acabam repassando por gerações essa forma
deencarar a diversidade linguística, reforçando a ideia de que “[...]
tudo que se afasta desse código é defeituoso e deve ser eliminado”.
(BORTONI, 2005, p.14)
Como já mencionado anteriormente, reconhecer essa
diversidade não significa deixar de se ensinar a norma padrão, já
que a mesma é imprescindível em determinados contextos de fala,
como sugere Bortoni- Ricardo (2005):

Os alunos que chegam à escola falando “nós cheguemu”, “abrido” e


“ele drome”, por exemplo, têm que ser respeitados e ver valorizadas
as suas peculiaridades linguístico-culturais, mas têm o direito
inalienável de aprenderas variantes de prestígio dessas expressões.
Não se lhes pode negar esse conhecimento, sob pena de se fecharem
para eles as portas, já estreitas, da ascensão social. O caminho para
uma democracia é a distribuição justa dos bens culturais, entre os
quais a língua é mais importante. (BORTONI- RICARDO, 2005, p.15)

141
No filme, em diversos momentos, os alunos foram
estimulados a explicar o significado de algumas expressões como
“caçar a carta” e “com muito custo encontrei um escrevedor”. Foi
mostrado, nesse momento, a importância da
comunicação/interação, independente do grau de instrução dos
interlocutores e do conhecimento da norma padrão. Zilles (2015)
evidencia a importância do conhecimento das variedades da língua
e do usoprodutivo da norma padrão, quando declara:

Que fique bem claro isso: não negamos em nenhum momento a


necessidade de garantir a todos o acesso à expressão culta’. O que
queremos questionar é precisamente o que devemos entender por
'expressão culta. Digo isto porque esta questão do que seja a expressão
culta - embora imersa num verdadeiro pântano - tem passado batida,
como se fosse consensual e transparente, quando ela é, na verdade,
problemática, cheia de contornos obscuros não suficientemente
discutidos nos documentos oficiais (ZILLES, 2015, p. 21)

Essa concepção de certo ou errado na língua é uma discussão


que está longe de sechegar a uma conclusão, mas com diálogo e
valorização do que é diferente, os resultados indubitavelmente
aparecerão, principalmente se for fomentado no espaço escolar,
sempre que possível, a noção de que os diferentes usos da língua
precisam ser vistos como algo natural e comum entre os falantes,
caso contrário, correremos o risco de praticar, mesmo sem perceber,
ações de conotação opressora, que estigmatiza e segrega a quem
pertence a uma classe social desprestigiada. As discussões
apresentadas ao longo de cada etapa da pesquisa demonstraram a
necessidade urgente de uma reestruturação, tanto em livros
didáticos ao abordarem o tema da variação, quanto na própria
postura do educador ao tratar do assunto.

4. CONSIDERAÇÕES

A presente pesquisa foi um recorte do que se observa


diariamente em sala de aula quando as variações linguísticas são

142
trabalhadas. A mesma permitiu que os estudantes expusessem a
sua opinião sobre as variações de maneira livre e sem pressão por
respostas prontas. Antes da proposta, os alunos não tinham noção
dos atos preconceituosos cometidos por eles, muitas vezes até
inocentemente.
Através deste trabalho, puderam refletir e perceber o quanto a
questão do preconceito linguístico e das visões que o sustentam,
sobretudo por mecanismos de produção verbal (tirinhas, trechos de
filme, etc.) retratam situações comunicativas comuns e podem
provocar um resultado jocoso e segregador. Assim, todos entenderam
que o preconceito, mais do que linguístico, é cultural e social.
A discussão proposta levou os estudantes a repensarem a língua
de acordo com os mais diversificados usos na sociedade, nos discursos
proferidos nos múltiplos ambientes sociais, com todas as suas
variações e interações existentes. Sabe-se que o caminho ainda é
longo quando se pensa em atenuar os preconceitos a respeito dos
diversos usos da língua, especialmente no ambiente escolar.
Entretanto, devemos promover entre os alunos o pensamento de que
a língua é viva e por isso vive em constante movimento, deixando
claro que ela não é homogênea. É uma tarefa difícil, porém necessária,
seja para pôr fim aos estigmas quanto ao uso da fala, seja para
enfatizar o quanto as distorções sobre o fenômeno linguístico estimula
o preconceito entre falantes da mesma língua. Tal ação recai
diretamente na prática do professor de Língua Portuguesa.
Concluímos que ficou claro para os alunos durante toda a
pesquisa que a Variação Linguística é um fenômeno que sempre
existiu entre nós e que está muito presente na escola. A proposta
serviu para levar os alunos a uma reflexão sobre a heterogeneidade
da língua e sobre o preconceito linguístico. Certo é que existem
muitas crenças, cujas mistificações encontram-se ainda enraizadas
no seio escolar, principalmente na insistência do professor de
português em estimular o uso das regras gramaticais, como
exclusiva ferramenta para a ascensão social.
O que pretendemos alcançar no dia a dia da sala de aula é o
comprometimento detodos com a valorização do outro, com o seu

143
modo de falar, suas expressões e linguagensdiferentes, retirando o
preconceito a partir do ambiente escolar e formando indivíduos
críticos, capazes de compreender a importância das relações sociais
e culturais livres de estigma e aberto a um horizonte de realizações
pessoais, por meio de uma educação verdadeiramente libertadora.

5. REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Língua, Texto e Ensino: outra escola possível.


São Paulo:Parábola Editorial, 2009.
BAGNO, Marcos. Por uma Sociolinguística militante. Prefácio. In:
BORTONI- RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna:
a sociolinguística na sala deaula. São Paulo: Parábola, 2004.
_______, Marcos. Preconceito lingüístico o que é, como se faz. 15
ed. Loyola: SãoPaulo, 2002.
_______, Marcos. Nada na língua é por acaso: Por uma pedagogia
da variação linguística / Marcos Bagno. São Paulo: Parábola
Editorial, 2007.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: A
sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
_______, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora?:
Sociolinguística e educação. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2005.
GOMES, Maria Lúcia Castro. Metodologia do Ensino de Língua
Portuguesa. SãoPaulo: Saraiva, 2009.
LABOV, W. Where does the Linguistic variable stop? A response
to Beatriz Lavandera.In: Sociolinguistic Working Papers, 1978, p.
43-88.
LEHMKUHL, Izete. O estudo da linguagem no contexto social.
In:_______. Para conhecer sociolinguística. São Paulo: Contexto,
2015. p. 11-54.
MORATO, Edwiges Maria. O interacionismo no campo
linguístico. In. BENTES, Anna Christina, MUSSALIM, Fernanda
(Orgs). Introdução à Lingüística: domínios efronteiras, v. 3 – São
Paulo: Cortez, 2004.

144
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola.
Campinas, Mercado deLetras, 1996.
VIEIRA, Silvia Rodrigues (org.) Gramática, variação e ensino:
diagnose & propostas pedagógicas / Vários autores. – Rio de
Janeiro: Letras UFRJ, 2017. 202p.
https://www.culturagenial.com/filme-central-do-brasil/ (Acesso
em 23/11/2021).
https://www.itaucultural.org.br/secoes/noticias/retratos-leitura-
pais-le-menos (Acessoem 28/11/2021).
CENTRAL DO BRASIL; Direção: Walter Salles. Produção: Sony
Pictures Classics,Brasil/França: Europa Filmes, 113 min

145
146
CAPÍTULO 8

O USO DA “PARTÍCULA SE” COMO ÍNDICE DE


INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO OU
PARTÍCULA APASSIVADORA NA GRAMÁTICA
E NO LIVRO DIDÁTICO

Ana Paula Lima da Silva (PROFLETRAS/UEPB)


Jorge da Silva Nunes (PROFLETRAS/UEPB)
Rosa Maria Marques Soares (PROFLETRAS/UEPB)

1. INTRODUÇÃO

O ensino de conteúdos gramaticais, sob o ponto de vista


tradicional, parece não contemplar mais as necessidades de
comunicação e interação exigidas pela sociedade atual. O
desinteresse e o desânimo dos estudantes ao particparem de aulas
descontextualizadas, fragmentadas e improdutivas, do ponto de
vista da aprendizagem, são alguns dos fatores que corroboram para
o mito de que o “português é dificil”.
A instituição escolar e o professor que escolhe utilizar apenas
a gramática normativa ou só o livro didático com suas sugestões de
estudos gramaticais pecam muitas vezes por omissão, à medida
que se omitem de trazer para a sala de aula o uso real e vivo da
língua para se ater apenas as suas normas de uso, o que termina
por valorizar mais a normativização de uma língua padrão que na
maioria das vezes não faz parte do cotidiano nem de alunos nem
de professores. Segundo Antunes (2003) o estudo da gramática
proposto nos manuais refere-se a um ensino fragmentado com
frases soltas, sem levar em consideração o contexto social, os

147
interlocutores, as situações de produção entre outros fatores que
também são relevantes para uma abordagem gramatical.
Diante dessas observações objetivou-se analisar
comparativamente o ensino da partícula SE como índice de
indeterminação do sujeito e S E como partícula apassivadora, em
uma gramática e em um livro didático. Na análise sobre o uso da
partícula SE, levaremos em consideração aspectos verbais da voz
passiva, em destaque a voz passiva sintética, e também refletiremos
sobre a ideia de sujeito da oração, especialmente o sujeito
indeterminado e sua regra de uso do SE, verificando o
comportamento do mesmo como índice de indeterminação do
sujeito. Nesse sentido, abordaremos a partícula SE, enquanto
partícula apassivadora e, enquanto índice de indeterminação do
sujeito, objetivando refletir os principais problemas implicados no
emprego destes dois polos gramaticais.
Utilizaremos como referencial teórico os PCN (2006), as
orientações do SAEB, os estudos de Antunes (2003, 2007), Teixeira
e Santos (2018), Bechara (2001) além das Gramáticas de Celso
Cunha (2017) e Evanildo Bechara (2006) e o livro didático de
Ormundo e Sinalchi (2018). E do ponto de vista metodológico
optamos por uma pesquisa qualitativa, documental (os
manuais/gramática e livro didático) e comparativa. Os
procedimentos de pesquisa são: leitura e sistematização da base
teórica, leitura e estudo da gramática e livro didático. E finalmente,
a análise comparativa.
Didaticamente dividiremos o artigo em duas sessões. A
primeira sessão denominada “ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA: COMO A GRAMÁTICA É APRESENTADAAOS
FALANTES NATIVOS DO PORTUGUÊS EM SALA DE AULA?”,
diz respeito a maneira como o ensino de gramática vem sendo
articulando nas salas de aula levando em consideração os
documentos oficiais/legais em especial os PCNs, as orientações do
sistema SAEB como também o programa Nacional do Livro
Didático PNLD. A segunda sessão diz respeito ao uso da partícula
–SE, ou seja, “A PARTÍCULA “SE” COMO ÍNDICE DE

148
INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO E COMO PARTÍCULA
APASSIVADORA NA LÍNGUA PORTUGUESA DO BRASIL:
ENTRE A GRAMÁTICA E O LIVRO DIDÁTICO UMA ANÁLISE
COMPARATIVA”. Nesta sessão iremos refletir s ob re os
principais contratempos gerados no uso dessa partícula,
principalmente, no que se refere à compreensão desse conteúdo de
acordo com gramática tradicional, o livro didático e o uso real da
língua. Apresenta-se aqui uma abordagem comparativa entre os
tópicos gramaticias referentes à particula SE na gramática
normativa de Evanildo Bechara (2001) e o livro didático “Se liga na
Língua: leitura produção de texto e linguagem”(2018) dos autores
Wilton Ormundo E Cristiane Siniscalchi.

2. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: COMO A


GRAMÁTICA É APRESENTADA AOS FALANTES NATIVOS
DO PORTUGUÊS EM SALA DE AULA?

A depender da concepção de língua adotada nas nossas salas


de aula, o ensino de língua portuguesa será completamente
diferente. No nosso entendimento, atualmente a concepção de
língua adotada – na prática - é ainda um misto grosseiro entre
formalismo e funcionalismo, pois ao considerarmos as aulas de
gramática vemos uma cristalização de normas que são repassadas
como padrão fixo da língua, por outro lado temos as tentativas de
inserir novas concepções ao explicar como acontecem
determinados fenômenos na língua (a exemplo os processos de
variação linguística) levando em consideração ser a língua um
sistema não autônomo que vai sendo definido através dos
contextos em que a língua e seus falantes estão inseridos.
Documentos e entidades oficiais como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), as orientações do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) e ainda o Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD) muito tem feito e orientado para uma
escola mais formadora e eficiente (ANTUNES, 2003). No entanto,
práticas reducionistas do estudo da palavra e da frase

149
descontextualizadas ainda são recorrentes em nossas salas de aula.
E com esse postulado: como ensinar gramática aos falantes nativos
do português em sala de aula? É que queremos iniciar nosso texto,
nos detendo a pensar a relação ensino de gramática e ensino de
língua portuguesa nas nossas salas de aula.
Em um primeiro momento notamos que é de comum acordo
entre os especialistas, pesquisadores e educadores alinhados com
as perspectivas de que: o ensino de língua portuguesa tem como
objetivo o desenvolvimento e ampliação do caráter comunicativo
discursivo dos alunos, habilitando-os na capacidade de
compreender e produzir diferentes gêneros textuais nas mais
diversas situações de interação social (TEIXEIRA E SANTOS, 2018,
p. 149). Em um segundo momento temos então a busca por um
alinhamento entre o ensino de gramática e o ensino de língua
portuguesa que corresponda ao objetivo do ensino delíngua citado
anteriormente, e nesse interim as posições são as mais diversas.
Há quem defenda o ensino de uma gramática normativa
padrão por considerá-la imprescindível ao entendimento do
funcionamento da língua; há os que a consideram inútil e, portanto,
desnecessário; e há os que reconheçam a importância das regras
que regem a língua – a gramática – e optam por fazer um ensino
dialógico que se tenta harmonizar o objetivo doensino de língua
portuguesa com o ensino de gramática. Nesse sentido, nosso
posicionamento, aqui defendido, se adequa a essa terceira opção,
por acreditarmos que a gramática é, junto com o léxico, a base da
língua e que, portanto, o falante/aluno tem o direito de conhecer
essas regras que fazem parte de sua língua natural. E como
preconizam os PCNs o "ensino de gramática não deve ser visto
como um fim em si mesmo, mas como um mecanismo para a
mobilização de recursos úteis à implementação de outras
competências, como a interativa e a textual.” (BRASIL, 2006, p. 81).
E depois de todos esses pressupostos temos ainda a crítica ao
ensino de língua portuguesa tradicionalista que não respeita os
fenômenos da variação linguística, que é uma recorrente entre
teóricos e estudiosos da língua por entender que a gramática ao

150
selecionar, organizar e padronizar regras termina por apresentar aos
estudantes do português uma noção de língua que não existe, é como
se a língua portuguesa ensinada nas escolas pelas gramáticas
tradicionais e apoiadas pelo livro didático fosse uma nova língua,
artificial e portanto sem relação direta com o seu uso real.
Uma tendência de entrever o português brasileiro como se
esse fosse o antigo e imutável português de Portugal é outro ponto
que muito reforça essa perspectiva tradicionalista do ensino da
gramática padronizada, o que termina por gerar dois polos
interessantes: no primeiro temos a presença de professores cuja
base gramatical foi a do ensino clássico com as gramáticas
descritivas, normativas as quais tentam emplacar a todo custo o
padrão de língua culta, o que levanta mais uns questionamentos:
culto para quem? Quem decidiu o que é culto e, portanto, melhor?
Padrão em comparação a quê?
No outro polo temos todos nós, professores, alunos, falantes
da língua portuguesa brasileira que não enxergam no ensino de
regra gramatical pura uma relação com a realidade da língua, o que
resulta muitas vezes nas famosas frases “português é difícil”, “Eu
não sei português” “eu não gosto de língua portuguesa”. Nesse
ínterim o que é preciso mesmo é entendermos que a gramática não
é a língua, e que língua não é gramática, como bem enuncia
Antunes (2007, p. 39):

A concepção de que língua e gramática são uma coisa só deriva do


fato de, ingenuamente, se acreditar que a língua é constituída de um
único componente: a gramática. Por essa ótica, saber uma língua
equivale a saber sua gramática; ou por outro lado, saber a gramática
de uma língua equivale a dominar totalmente essa língua. É o que se
revela, por exemplo, na fala das pessoas quando dizem que “alguém
não sabe falar”. Na verdade, essas pessoas estão querendo dizer que
esse alguém “não saber falar de acordo com a gramática da suposta
norma culta”. Para essas pessoas, língua e gramática se equivalem.
Uma esgota totalmente a outra. Uma preenche inteiramente a outra.
Nenhuma é mais que a outra.

151
Entender o ensino de língua portuguesa como esse ensinar
gramática, e uma gramáticabaseada na norma culta, equivale
também a dizer que é uma metodologia de ensino para
estrangeiro, ou seja, muitas vezes os estudos gramaticais que
fazemos em sala de aula é próprio do ensino de uma língua
estrangeira, o que nos leva a interessante dedução que se ensinar
língua portuguesa fosse assim, todo estrangeiro ao se dedicar em
estudar nossa língua seria um perito e bem melhor que os próprios
falantes naturais.
Não queremos aqui desmerecer o valor que a gramática tem,
nem mesmo levantar bandeira contra o seu ensino em sala, pois como
sabe-se a língua é constituída de dois elementos essenciais: o léxico e
a gramática (ANTUNES, 2007). O que nós queremos chamar atenção
aqui é para o peso que a gramática adquiriu em nossas salas de aulas
e como esse peso tem sido fator asfixiante em nossas aulas de língua
portuguesa, por fazer justamente o aluno pensar que ele não sabe
português porque não domina as regras gramaticais.

Ora, a língua, por ser uma atividade interativa, direcionada para a


comunicação social, supõe outros componentes além da gramática,
todos, relevantes, cada um constitutivo à sua maneira e em interação
com os outros. De maneira que uma línguaé uma entidade complexa,
um conjunto de subsistemas que integram e se interdependem
irremediavelmente. (ANTUNES, 2007, P. 40)

Defendemos que alunos e professores tenham a oportunidade


de estudar a língua, entender suas estruturas e compreender que
esta por ser interativa vai além de normatizações fixas, que assim
como as pessoas e época em que ocorre, a língua acompanha as
mudanças da época e dos seus falantes, que fatores como
escolaridade, nível econômico, idade, gênero, status social, etc.
influenciam diretamente a “essa entidade complexa” que é a nossa
língua portuguesa. Assim sendo, no tópico seguinte discutiremos
o papel gramatical do vocábulo SE em dois dos seus usos – índice
de indeterminação do sujeito e partícula apassivadora –

152
observando como a gramática tradicional e os livros didáticos nos
trazem o emprego desse elemento gramatical, mas principalmente
como ensinamos isso em nossas salas de aula.

3. A PARTÍCULA “SE” COMO ÍNDICE DE INDETERMINAÇÃO DO


SUJEITO E COMO PARTÍCULA APASSIVADORA NA LÍNGUA
PORTUGUESA DO BRASIL: ENTRE A GRAMÁTICA E O LIVRO
DIDÁTICO (LD) UMA ANÁLISE COMPARATIVA

Dentre as várias possibilidades de abordagem de conteúdos


para os alunos em sala de aula percebe-se que existem diversas
práticas que facilitam e outras que dificultam a aprendizagem dos
alunos. Dentre as práticas que facilitam o aprendizado podemos
citar abordagens participativas/discursivas que partem do uso real
da língua, e que levam em consideração aspectos da variedade
linguística, apresentando situações reais por meio de diversificados
gêneros textuais: vídeos, imagens, poesia, propagandas, letras de
música, etc. Esses, por sua vez, são elementos que contribuem de
forma significativa para a aquisição de conhecimento dos alunos.
Por outro lado, temos também algumas práticas que
dificultam este aprendizado, a exemplo, a prática tradicionalista de
exposição de conteúdos e exaltação da norma padrão, aplicação de
frases descontextualizadas como tentativa de mostrar o uso real da
língua, decodificação e memorização de regras que não levam em
consideração o diálogo com os nativos falantes da língua,
tampouco aspectos relacionados à variedade linguística. Estas são
algumas das práticas que só dificultam a aprendizagem dos alunos
fazendo com que não apreciem os estudos da própria língua.
Corroborando com os aspectos anteriores mostrados,
tomemos como ponto de partida as orientações oferecidas nos
PCNs sobre o ensino de gramática (discutido no tópico 1) e sobre
o trabalho em sala de aula que deve ser realizado através de
gêneros. Diz:

153
Nessa perspectiva, é necessário contemplar, nas atividades de
ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de
sua relevância social, mas também pelo fato de que textos
pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes
formas. A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e
escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o
desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser focadas
nas situações de ensino. (BRASIL, 1998, p.23, 24)

Dessa forma, o trabalho em sala de aula com os gêneros já se


configura como orientação pelos próprios documentos oficiais do
Brasil. Somado a isso, faz-se importante destacar o conceito de
gênero. A princípio, MARCUSCHI (2008) destaca que o trabalho
com gênero textual não é algo recente, mas antigo. “O estudo dos
gêneros não é novo, mas está na moda”. Nesse sentido, os gêneros
textuais podem ser compreendidos como entidades
sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis de
qualquer situação comunicativa, tendo em vista que todo processo
de comunicação seja oral ou escrito se dá a partir de um gênero.
Assim, os gêneros surgem como formas da comunicação,
atendendo às necessidades de expressão do ser humano, moldados
sob influência do contexto histórico e social das diversas esferas da
comunicação humana, MARCUSCHI (2005, p.19)
Para melhor visualizar a discussão proposta por
MARCUSCHI, vejamos o seguinte exemplo proposto por
KLEIMAN (2002, p. 121)

Falamos e escrevemos por meio de gêneros. Todas as falas, sejam


cotidianas ou formais, estão articuladas em um gênero de discurso.
Levantamos pela manhã, damos um bom dia a nossos filhos,
fixamos na geladeira um papel pedindo à diarista que limpe o
refrigerador, vemos e respondemos nossos e-mails. A caminho do
trabalho, passamos na agência bancária para entregar à seguradora
um formulário assinado: ao chegar ao emprego, entregamos um
relatório de vendas solicitado pela chefia e que, mais tarde, iremos
apresentar na reunião. Se formos professores, ao entrar em sala de
aula, fazemos a chamada, lemos com ou para os alunos, passamos

154
uma lista de exercícios, pedimos uma redação ou uma opinião para
um fato controverso para postar no blog da turma. Em todas essas
atividades valemo-nos de diversos gêneros discursivos – orais ou
escritos, impressos ou digitais. (KLEIMAN, 200, p. 121)

Deparamo-nos com os gêneros a todo instante, pois, através


deles, podemos nos comunicar com diversos setores sociais,
podemos conhecer e receber informações, assim como construir
sentidos e expressar nossas vontades, desejos, ações e opiniões.
Partindo dessas observações feitas até agora, detenhamo-nos agora
sobre como a gramática e o livro didático tratam do tema partícula
SE: índice de indeterminação ou partícula apassivadora.
Quanto ao livro didático analisado (Se liga na língua: leitura
produção de texto e linguagem (2018)) consideramos que houve
um avanço significativo na construção desse livro didático, tendo
em vista que é possível perceber a presença de textos variados (os
gêneros textuais), os quais refletem de maneira mais eficiente o
funcionamento da Língua em uso, embora não discuta essas
questões em sua amplitude. Percebe-se também que não há um
apego tão forte ao estudo das normas e conceitos tradicionais,
entretanto algumas atividades propostas, através dos gêneros,
ainda se configura na utilização de elementos textuais como
pretexto para trabalhar velhas práticas de ensino, aqui concebidas
como estudo de perguntas, de decodificação e interpretação
textual, assim como o emprego de aspectos gramaticais que
deixam de lado questões importantes que poderiam ser abordadas
em relação a características inerentes ao gêneros e também sobre
aspectos de variação da própria língua.
Em contrapartida, esse avanço percebido nos Livros Didáticos
não é percebido na gramática (que no nosso caso é a gramática de
Bechara (2001) tendo em vista que esta apresenta os conteúdos
gramaticais de forma enxuta e direta, desconsiderando que
estamos diante de uma língua que sofre transformações e evolui.
Percebe-se a presença de conceitos e exemplos prontos, os quais
não oferecem possibilidades de discussão, reflexão e construção do

155
conhecimento por parte dos discentes. Desse modo, espera-se que
o aluno memorize conceitos e regras, os quais pouco têm
contribuído com o processo de aprendizagem. Dessa forma
acreditamos que o Livro Didático, mesmo com algumas falhas, tem
evoluído e tentado se aproximar mais da realidade e vivência dos
estudantes. Vejamos agora como cada um desses normativos
apresenta o uso do vocábulo SE.

3.1 O que diz a gramática sobre uso da partícula “SE”

Ao iniciarmos os estudos acerca do ramo da morfologia,


deparamo-nos com a classe gramatical denominada verbo. De
início estudamos o conceito de que verbo é uma palavra variável
que indica ação, estado ou fenômeno da natureza. Esse conceito
tem sido reproduzido nos ambientes escolares como uma parte
essencial do ensino gramatical da língua. Entretanto, não é
necessária uma análise profunda para perceber que esse conceito é
insuficiente para apresentar a dimensão e complexidade dessa
classe gramatical.
Outro ponto interessante em relação ao verbo, diz respeito às
suas variações, geralmente, nesta seção são apresentadas as
categorias que mostram sua complexidade e amplitude, conforme
seguem: número, pessoa, aspecto, tempo, voz e modo. Aqui nos
deteremos, principalmente, nas discussões em torno da voz passiva
do verbo, analisaremos com destaque a voz passiva sintética, tendo
em vista que acompanhado ao verbo apresenta a partícula SE,
nosso objeto de estudo.
Ainda nesse panorama, refletiremos a ideia de sujeito da
oração, tendo em vista que o sujeito se relaciona diretamente com
o verbo, e para isso daremos ênfase ao sujeito indeterminado,
verificando o comportamento do SE como índice de
indeterminação desse sujeito. Assim, abordaremos a partícula SE,
enquanto partícula apassivadora e, enquanto índice de
indeterminação do sujeito, objetivando refletir os principais
problemas implicadosno uso dessa partícula, principalmente, no

156
que se refere a confusão gerada no momento de estudar o emprego
desta em sala de aula.
A gramática normativa apresenta o vocábulo SE em diferentes
situações de uso da língua portuguesa e dependendo das
circunstâncias, o mesmo pode ser classificado de maneira
diversificada dependendo da função exercida na oração. Dentre as
diversas funções que a partícula exerce no português brasileiro,
destacamos dois usos singulares do SE na gramática: o SE como índice
de indeterminação do sujeito e o SE como partícula apassivadora.
De acordo com Celso Cunha (2017), o SE como índice de
indeterminação do sujeito serve para marcar o sujeito
indeterminado, ou seja, aquele tipo de sujeito que nem está
expresso na oração e nem pode ser identificado pela desinência
verbal. Neste caso o SE sempre aparecerá acompanhado de verbos
em 3ª pessoa do singular, verbos intransitivos ou verbos transitivos
tomados por intransitividade. A exemplos tomemos a oração:
“Precisava-sede novas fontes de riqueza.” O SE aparece diante de um
verbo transitivo indireto e tem comofunção indeterminar o sujeito
já que o mesmo não aparece na oração e nem pode ser identificado
pela desinência verbal, neste caso o SE é classificado como índice
de indeterminação do sujeito.
Já em outras situações de uso da língua o SE também será
classificado como partícula apassivadora, e para isto, devemos
considerar as vozes verbais enunciadas pelo verbo. Em nosso
trabalho veremos como a voz passiva sintética emprega o SE como
a famosa partícula apassivadora. Esta partícula aparece diante de
orações com verbos transitivos em 3ª pessoa dosingular ou plural
sempre em concordância com o sujeito o qual classificamos como
sujeito paciente, aquele que sofre a ação expressa pelo verbo.
Exemplificando com a oração:“Organizou-se o campeonato” o SE
aparece diante de um verbo transitivo direto, ou seja sem auxílio
de preposição e logo em seguida temos o sujeito da oração “o
campeonato” que embora não aparece no início da oração ainda
assim percebe-se claramente que a ação verbal recai sobre ele.

157
Diante do exposto podemos fazer uma primeira distinção
entre o SE - índice deindeterminação do sujeito, e o SE - partícula
apassivadora. No primeiro caso a oração não apresenta um sujeito
determinado e o verbo sempre vem seguido de uma preposição, no
segundo caso a oração possui um sujeito determinado e o verbo
não vem seguido de preposição. Em nossas salas de aula nem
sempre é fácil para professores mostrarem essa distinção no uso da
partícula SE, pois, causas diversas, dentre elas destacamos o uso
descontextualizado que a gramática normativa oferece bem como
a carência de conteúdos preparatórios para esse tipo de discussão
que os alunos muitas vezes não têm.
Outro ponto a ser considerado é o modo como a gramática
tradicional aborda esses conteúdos com ideia metodológica
aplicada, em salas de aula, pautada na exposição e decodificação
da norma padrão da língua portuguesa, ou seja, apresenta a regra
a ser seguida, sem levar em consideração o uso real da língua.
Segundo Antunes (2003) as atividades gramaticais propostas para
o ensino, referem-se a “uma gramática descontextualizada, amorfa,
da língua como potencialidade; gramática que é muito mais “sobre
a língua”, desvinculada, portanto, dos usos reais da língua escrita
ou falada na comunicação do dia a dia”.
Sobre isto, vejamos como as ideias de emprego da partícula -
índice de indeterminação e partícula apassivadora - aparecem.
Comecemos com o conceito de voz verbal presente no livro
Gramática Moderna do Português, do gramático Evanildo Bechara
(2001, p.222):

A voz determina a relação entre o acontecimento comunicado e seus


participantes. O primeiro participante, lógico, o sujeito, pode ser
agente do acontecimento (voz ativa) ou objeto do acontecer (voz
passiva), ou agente e objeto ao mesmo tempo (voz média, incluindo
o reflexo).

Já o conceito de sujeito indeterminado proposto pelo mesmo


gramático na sua Gramática escolar da Língua Portuguesa (2006),

158
diz que o “sujeito é o termo referente de uma predicação”.
Entretanto o autor adverte que não se deve confundir as orações
classificadas como sujeito indeterminado com as orações em que o
sujeito explícito está representado pelo pronome SE, tendo em
vista que aquelas são sintaticamente diferentes, pois não
apresentam nenhuma unidade linguística para ocupar a casa ou
função de sujeito; há uma referência a sujeito, no conteúdo
predicativo, só de maneira indeterminada, imprecisa e genérica.
Os casos de sujeito indeterminado expresso pela 3ª pessoa do
singular + SE ao contrário do indicador de voz passiva sintética,
enfatizam a inclusão da 1ª e da 2ª pessoa do verbo como
possibilidade de determinação do sujeito.
Neste aspecto, apontamos alguns equívocos no trato com o
estudo do emprego da partícula SE em sala de aula. De início
destacamos que o SE, enquanto partícula apassivadora ou índice
de indeterminação do sujeito, geralmente é trabalhado em
momentos distintos nos livros didáticos, este abordado quando se
estuda os tipos de sujeito, especificamente o sujeito indeterminado,
enquanto aquele aparece quando se estuda as vozes verbais,
especificamente,a voz passiva sintética. Acreditamos que o estudo
dessas categorias de forma isolada não contribui para uma análise
efetiva e profunda, ao contrário, interfere no aprendizado do aluno,
tendo em vista que não há a possibilidade de reflexão acerca do uso
e da funcionalidade prática desse elemento.
Outro ponto a ser discutido e que, acreditamos, também interfere
nesta abordagem em sala de aula, é o estudo descontextualizado desse
objeto, já que as gramáticas geralmente abordam esse tema, apenas
com a utilização de exemplos prontos, ou seja, não há a identificação
prática de como esse elemento se comporta em situações efetivas da
fala e do uso do falante nativo do português brasileiro e o livro
didático, como bom discípulo do que preconiza a gramática
tradicionalista, faz esse mesmo trajeto na tentativa de auxiliar o aluno
e professores a compreenderem a língua.

159
3.2 O que diz o livro didático sobre o uso da partícula “SE”

Para este tópico tomamos como base o livro didático (LD) Se


Liga na língua – Leitura,produção de texto e linguagem (2020), dos
autores Wilton Ormundo e Cristiane Siniscalchi, oferecido como
suporte ao estudo de língua portuguesa as turmas de 8º ano
do EnsinoFundamental. Neste LD encontramos na sessão “Mais
da Língua” a introdução aos estudos dosujeito indeterminado. Para
iniciar o assunto os autores escolheram fazer uma tentativa de
contextualização do uso da língua, enfatizando o uso das formas
verbais quanto ao sujeito desinencial, para relembrar o estudante
desse conteúdo. É apresentado de início uma tira do famoso
personagem de Bill Watterson – Calvin. A partir da leitura da
tira é feita uma sequência de perguntas interpretativas sobre a
mesma e em seguida questões sobre o uso gramatical na formação
das orações que compõem as falas dos personagens. Como
percebemos existe uma tentativa de usar os gêneros textuais para
contextualizar a gramática.
Logo em seguida o livro traz as definições dos sujeitos e sua
relação desinencial e finalmente introduz o tema da sessão – Sujeito
Indeterminado. Mais uma vez a metodologia sugerida é da
contextualização com uso do recurso tira (apresenta uma tira, faz
perguntas interpretativas sobre a leitura, e traz algumas questões
sobre o emprego dos verbos) e então apresenta-se as regras do
sujeito indeterminado. O conceito apresentado pelo livro para o
sujeito indeterminado leva em consideração a sua ocorrência
dentro de uma frase: “Ocorre sujeito indeterminado quando o
verbo não se refere a nenhum termo que está no contexto nem é
possível identificar o sujeito pela terminação do verbo (desinência
verbal). (ORMUNDO, SINISCALCHI, 2020, P179).
E assim seguem os autores apresentando o conteúdo de
indeterminação do sujeito usando gêneros textuais para uma
tentativa de contextualização, fazendo perguntas interpretativas
sobre o gênero em uso (para que não se reclame de que o uso dos
gêneros textuais está lá apenas para a análise gramatical). Em

160
sequência a indeterminação do sujeito, os autores trazem a
discussão para o uso das vozes verbais, o que consequentemente
levará o professor atento a perceber a possibilidade detrabalhar o
emprego da partícula SE em dois de seus usos – indeterminação e
apassivadora.
Neste manual didático vejamos um exemplo de como os
gêneros textuais e a gramática são trabalhados. Os autores utilizam
alguns gêneros textuais para exemplificar o conteúdo, dentre eles,
uma charge do cartunista mineiro Nani (ORMUNDO,
SINISCALCHI, 2020, p. 181):

Imagem1

Após a explanação do conteúdo, os autores propõem um


exercício relacionado ao sujeito indeterminado ao qual chamam de
“na prática”. Essa charge Foi utilizada na questão3 na tentativa de
explorar o uso de SE como índice de indeterminação do sujeito, as
questões propostas faz referência a ausência do pronome que
deveria estar na oração ( precisa-se de), no entanto, não é explorado
o uso real da língua na oralidade, ou seja, os autores não
evidenciam que a ausência do SE em construções como esta é algo
comum, principalmente na oralidade.
Os autores abordam o SE da voz passiva sintética, na página
seguinte trazendo (p. 182) exemplos da presença do mesmo em
outras situações de uso da língua com a intenção de diferenciá-lo
do índice de indeterminação do sujeito fazendo referência ao verbo
presente na tirinha. Os autores afirmam que o pronome SE tanto
pode ser usado para classificar um dos casos de sujeito
indeterminado, ao qual recebe o nome de índice de indeterminação

161
do sujeito como também pode exercer diferentes funções na língua,
no tocante a partícula apassivadora, no qual os autores apresentam
a tirinha para exemplificar o uso do - SE como partícula
apassivadora. Mais uma tirinha é usada: (ORMUNDO,
SINISCALCHI, 2020, p. 182):

Imagem 2

A distinção parte da transitividade verbal, ou seja, quando o


SE estiver diante de um verbo transitivo direto como é o caso da
forma verbal (vende-se ou vendem- se) presente na tirinha, o
mesmo é classificado como partícula apassivadora, este verbo por
sua vez deve concordar com o sujeito da oração: Vende-se
refrigerante e vendem-se flores. Nestes casoso SE é chamado de
partícula apassivadora, usada na voz passiva sintética.
Diante do exposto podemos observar a primeira distinção do
pronome SE quando comparado ao SE de índice de indeterminação
e o SE partícula apassivadora. Ou seja, quando o SE aparece diante
de verbos intransitivos, transitivos indiretos ou verbos de ligação,
o mesmo classifica-se como índice de indeterminação do sujeito, no
entanto, quando o SE aparece diante de um verbo transitivo direto
,este por sua vez, passa a ser chamado de partícula apassivadora.
Nota-se, portanto, a preocupação dos autores em,
inicialmente, fazer uma distinção da partícula SE que, quando se
refere ao sujeito indeterminado possui uma função e quando se
refere a voz passiva sintética possui outra função esclarecendo,

162
dessa forma, que embora seja o mesmo vocábulo, dependendo da
situação de produção, possui funções diferentes.
Assim, trabalhar questões relacionadas a aspectos gramaticais
têm se tornado cada vez mais desafiador no ambiente escolar, pois
não se admite mais o estudo e o ensino de uma língua seca, vazia
de sentido, que não dialoga com as necessidades dos alunos. Essa
forma ultrapassada e ainda presente nos ambientes escolares tem
tornado as aulas de Língua Portuguesa cansativas, improdutivas e
pouco eficientes para a formação do indivíduo usuário da própria
língua, tendo em vista que o que é ensinado ou a forma como se
ensina na escola, pouco é percebido pelos alunos em suas vivências,
ou seja, ele não consegue perceber em que situações poderá utilizar
o que está sendo transmitido.
Por conseguinte, propomos que o ensino voltado aos
conteúdos gramaticais devam ser trabalhados a partir do uso real
da língua, para que o aluno consiga perceber que aqueles
conteúdos estão presentes no seu dia a dia e que é possível percebê-
los e refletir o seu emprego, funcionalidade e adequação às diversas
possibilidades de uso. Desse modo, faz-se imperioso que os
estudantes tenham acesso a variadas formas de textos/gêneros,
tendo em vista que estes estão socialmente circulando por todos os
lugares a exemplo de textos publicitários, anúncios, propagandas e
músicas, ou seja, textos que exemplificam de forma prática as
diversas situações e adequações em que os conteúdos estudados na
escola podem ser encontrados e utilizados na escola. Logo, espera-
se que o aluno compreenda que o conteúdo estudado é
significativo e funcional para a sua vida, enquanto estudante e
indivíduo social.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No ensino gramatical escolar da partícula SE é comum nos


depararmos com situações em que os alunos sentem dificuldades para
diferenciá-las, principalmente no que se refere a questão da função
sintática, isso acontece, muitas vezes, devido a maneira como o

163
conteúdo é abordado nos manuais em sala de aula, como também pela
carência de conteúdos indispensáveis para a sua compreensão.
Nesse viés, percebe-se que os conteúdos são explorados de
forma descontextualizada, sendo analisados a partir da
apresentação dos casos, seguidos de exemplos com frases soltas,
que não dizem nada com a realidade do aluno, principalmente nas
gramáticas tradicionais, o que já de diferencia um pouco dos
manuais e livros didáticos tendo em vista que já se percebe a
utilização de gêneros textuais ao abordar os conteúdos e a tentativa
de através desses gêneros selecionados trazer a contextualização do
uso real da língua, entretanto percebe-se ainda que (especialmente
no livro didático) ainda se utiliza o texto apenas como um
“pretexto” para exemplificar o conteúdo, ou seja não se analisa o
uso em situações práticas, assim como não oferece possibilidades
de reflexão e construção do conhecimento por parte do estudante.
As abordagens de ensino de gramática nas escolas
desconsideram quase sempre o uso real da língua portuguesa e a
variedade linguística, e por fim em especial a oralidade. Dessa
forma os alunos têm a impressão de que estão estudando uma
língua que não é a mesma que eles falam no dia a dia, e de fato não
é. A língua estudada nas instituições educacionais de base é uma
língua muito distante da realidade sociocultural na qual estão
inseridos alunos, professores e a comunidade escolar como um
todo. Esse fato conduz o aluno ao desinteresse, pois não percebe
funcionalidade naquilo que está sendo proposto como estudo.
Acreditamos que para compreender a distinção do pronome
SE como índice de indeterminação do sujeito do pronome SE como
partícula apassivadora é necessário fazer referência ao uso real da
língua, como também compreender todo o contexto de produção
em que foram utilizados, como o falante nativo do português chega
a essas soluções na hora de falar, bem como não se pode
desconsiderar os inúmeros processos de variação a qual a língua
está submetida. Além do mais é necessário a aquisição e o mínimo
de domínio sobre vários conhecimentos gramaticais prévios como:
verbos, transitividade verbal, sujeito, predicado, tipos de sujeito

164
(em especial o sujeito indeterminado). Só assim é que o aluno será
capaz de refletir e compreender o conteúdo de modo, significativo.
Logo, acrescentamos que a língua se efetiva através de textos,
ou seja, de gêneros e, portanto, de usos concretos e situados (PCNs,
1997; MARCUSCHI, 2009: KLEIMAN, 2005), desse modo, o
trabalho desenvolvido a partir de gêneros é fundamental para a
melhor aquisição desse conhecimento, principalmente aqueles que
estão na realidade e que se fazem presentes na vida dos estudantes.
É fazer o estudante perceber a adequação das normas gramaticais
a situações reais de aplicabilidade, entender que há objetividade e
funcionalidade no que está sendo ensinado o que
consequentemente facilitará o processo de aprendizagem.

5. REFERÊNCIAS

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línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
_______ .Aula de Português: encontro & interação. São Paulo:
Parábola Editorial,2003.
BAGNO. Marcos. Português ou brasileiro? Um convite à
pesquisa. São Paulo: ParábolaEditorial, 2001.
BECHARA, Evanildo. Gramática escolar da língua portuguesa. 1.
ed. 6. reimpr. – Rio deJaneiro: Lucerna, 2006.
_______. Moderna gramática portuguesa. 37ª. ed. rev. E ampli.
– Rio de Janeiro:Lucerna, 2001.
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Nacionais para o Ensino Médio. Secretaria de Ensino Médio.
Brasília: MEC.: 2006.
_______. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa – 1º e 2º ciclos.
Brasília: 1998.
_______. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018.

165
CASTILHO, Ataliba de. A língua falada no ensino de
português. São Paulo: Contexto,1998.
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[recurso eletrônico) / CelsoCunha, Lindley Cintra. - 7. ed., reimpr.
— Rio de Janeiro: Lexikon, 2017.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e
escritos na escola. São Paulo:Mercado das Letras, 2004.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: Teoria e Prática. Angela
Kleiman. 9ª edição,Campinas, SP. PONTES, 2002.
_______. Projeto temático de letramento do professor. São Paulo:
UNICAMP,2005.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de
Gênero e compreensão. SãoPaulo: Parábola, 2008.
_______. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:
DIONÍSIO, A. P. MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.).
Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
ORMUNDO, Wilton. SINISCALCHI, Cristiane. Se liga na língua:
leitura produção de texto e linguagem. – 1ª.ed, – São Paulo:
Moderna, 2018.
TEIXEIRA, Claudia de Souza. SANTOS, Leonor Werneck dos.
Ensino de Gramática nas Escolas Brasileiras: abordagens,
equívocos e perspectivas. In OSÓRIO, Paulo; LEURQUIN, Eulália;
COELHO, Maria da Conceição (Orgs.). Lugar da Gramática na
Aula de Português. – Coleção AILP. Vol. 1 Rio de Janeiro,
Dialogarts. 2018.

166
CAPÍTULO 9

O ENSINO DO FUTURO DO PRETÉRITO


NO LIVRO DIDÁTICO
PORTUGUÊS: LINGUAGENS 7º ANO

Sandoval Alves Ferreira (PROFLETRAS/UEPB)


Suzana Pereira Araújo (PROFLETRAS/UEPB)

1. INTRODUÇÃO

Pensar no processo de ensino-aprendizagem de língua


portuguesa é uma questão fundamental para garantir, aos
estudantes da educação básica, uma formação de qualidade.
Partindo desse pressuposto, torna-se necessário analisar como o
estudo da língua portuguesa é apresentado nos manuais didáticos
a fim de que, enquanto professores, possamos pensar e repensar
nossa prática, no intuito de corroborar com o entendimento do
aluno em relação à nossa língua.
Posto isso, formulamos os seguintes questionamentos que
darão direcionamento à nossa pesquisa: Como o livro didático
Português: linguagens de Cereja e Magalhães aborda o ensino do
futuro do pretérito? Essa abordagem é eficiente no sentido de
promover no aluno uma reflexão sobre o uso da língua ou se limita
a apresentar conceitos e definições prescritos pela gramática
normativa? Caso o LD não apresente um ensino produtivo, no que
diz respeito ao futuro do pretérito, que estratégia didática
poderíamos utilizar para ampliar as possibilidades de ensino a fim
de construir uma proposta metodológica que pudesse amenizar
essa problemática?

167
Nesse sentido, nosso objetivo é analisar o ensino do futuro do
pretérito do indicativo no livro didático (DIZER QUAL) de Cereja
e Magalhães e, a partir dessa análise, caso se apresente pouco
produtiva, apresentar uma proposta metodológica que minimize
que venha atenuar essa questão.
Para tanto, nos apoiaremos em estudos sobre variação
linguística e ensino de gramática (Vieira, 2017) e no uso do tempo
verbal futuro do pretérito (Cegalla, 2009). Além disso, o corpus de
análise consiste em um livro didático de língua portuguesa para o
6º ano do Ensino Fundamental – anos finais – de autoria de William
Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, 2012.
Após apresentarmos essas linhas iniciais da nossa pesquisa,
descreveremos então, os procedimentos metodológicos adotados
para sua realização. Primeiramente, faremos um levantamento
bibliográfico a fim de fundamentar nosso trabalho como se pode
ver em algumas das referências supracitadas. Em seguida, faremos
uma breve contextualização sobre o assunto referente aos verbos,
dando enfoque especial ao tempo verbal futuro do pretérito.
Depois, faremos uma análise comparativa observando como o
futuro do pretérito é visto pela gramática normativa e pelo livro
didático de Cereja e Magalhães (2012). Feito isso, passaremos a
discutir como esse assunto é visto pelos alunos, observando qual a
forma que é mais usual entre eles. Além disso, montaremos e
apresentaremos uma estratégia didática para a abordagem desse
assunto na sala de aula, buscando minimizar os problemas
apresentados pelos educandos. Por fim, exporemos nossas
considerações finais acerca desse assunto.
Nosso estudo está organizado em uma introdução, uma breve
contextualização do conteúdo a ser analisado, uma análise
comparativa sobre como a gramática e o livro didático abordam
essa temática, a apresentação de uma proposta de abordagem do
conteúdo em sala de aula e nossas considerações finais.

168
2. TECENDO AS IDEIAS INICIAIS ACERCA DO VERBO

Antes de adentrarmos especificamente à temática do futuro do


pretérito do modo indicativo, é importante tecermos alguns
adendos sobre a classe gramatical dos verbos.
Conforme Silva (2021, p. 7), os verbos correspondem a um grupo
de palavras com funções semelhantes: representam ações físicas
(quebrar, vender), mentais (pensar, gostar), comportamentais (sorrir,
dormir) e realizações de falas (dizer, gritar), além de existências
(existir, haver) e caracterizações (ser; parecer).
Silva (2021, p. 7 e 8) ainda destaca que as formas verbais se
constituem de distintas particularidades, ganhando diferentes
formas linguísticas (a partir da flexão verbal) para expressar
tempos (passado, presente e futuro), aspectos (perfeito, imperfeito,
mais-que-perfeito) e modos (indicativo, subjuntivo, imperativo) de
realização de fatos textualizados, dentre outros sentidos – gênero,
número, pessoa, estado, voz. Ou seja, para Bechara (2000), o verbo
é uma “unidade que significa ação ou processo, unidade esta
organizada para expressar o modo, o tempo, a pessoa e o número”
(Silva, 2021, p. 8). Assim, podemos perceber que a classe dos verbos
é a mais abundante das classes gramaticais da língua portuguesa,
considerando as colocações acima apresentadas pelos autores
supracitados.
E é pensando nessa variedade que lançamos um olhar para um
ponto específico de análise nessa imensidão do mundo dos verbos:
o futuro do pretérito. Sabemos que os verbos, em relação ao tempo,
se organizam em passado (pretérito), presente e futuro. O tempo
futuro, por sua vez, dentro do modo indicativo, organiza-se em
futuro do presente e futuro do pretérito. Este, como já
mencionamos, será o foco do nosso estudo tanto na gramática, mas
especialmente no livro didático. Nessa vertente, apresentaremos a
seguir o modo como a gramática aborda esse assunto, ao passo que
também observaremos como o livro didático o apresenta.

169
3. O FUTURO DO PRETÉRITO NA GRAMÁTICA E NO LIVRO
DIDÁTICO

Conforme discorre Freitag (2017), tratar de ensino de gramática


não é tarefa fácil. A questão já é vista como objeto de pensamento
há muito tempo, mas se mostra incipiente no que diz respeito a
resolutividades. Atualmente, a discussão não é se devemos ensinar
gramática; as questões em aberto são como, por quê e para quê
ensinar gramática.
Dessa forma, Vieira (2017, p.65) faz uma breve incursão no que
diz respeito ao ensino de gramática nos documentos oficiais,
mostrando que

o intuito de ampliar o domínio da língua se vincula, não só a “ler e


escrever” e a “expressar-se apropriadamente” em situações diversas,
mas também a refletir sobre os fenômenos de linguagem,
particularmente os que tocam a questão de variação linguística,
combatendo a estigmatização, discriminação e preconceitos relativos
ao uso da língua e levar os alunos a pensar sobre a linguagem para
poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos
propósitos definidos.

É preciso sim, repensar o modo como abordar o ensino de


gramática na sala de aula, haja vista que o modelo tradicional de
ensino não é suficiente para abarcar a pluralidade e
heterogeneidade da língua. Nesse sentido, faz-se necessário adotar
uma metodologia de ensino que promova a reflexão da língua, a
fim de que os estudantes construam uma nova visão e
compreensão acerca da língua portuguesa.
A partir dessa observação, Vieira (2017, p. 66) infere que a
“reflexão linguística tem espaço garantido, no que se refere não só
à compreensão da linguagem em si mesma, mas também às
questões relacionadas ao domínio de norma(s) frente à
complexidade da variação linguística”.
O interessante é que essa fala da autora só vem a ratificar
aquilo que temos colocado: é de fundamental importância mostrar

170
para o aluno que o ensino de língua não se limita apenas ao que
está proposto na gramática normativa. Caso contrário, teremos
apenas uma reprodução acrítica de conceitos e nomenclaturas.
Nessa perspectiva, os PCNs ainda afirmam que:

Não existem, portanto, variedades fixas: em um mesmo espaço social


convivem mescladas diferentes variedades linguísticas [sic],
geralmente associadas a diferentes valores sociais. Mais ainda, em
uma sociedade como a brasileira, marcada por intensa
movimentação de pessoas e intercâmbio cultural constante, o que se
identifica é um intenso fenômeno de mescla linguística, isto é, em um
mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades
linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais.
(BRASIL, 1998, p. 29)

Como se pode perceber nas palavras supracitadas, não basta


trabalhar o ensino de língua portuguesa apenas sob a perspectiva
da gramática normativa, ou seja, sob a óptica da norma-padrão,
mas considerar dentro desse processo as demais variedades, a fim
de construir um ambiente escolar reflexivo da língua e não apenas
prescritivo. Afinal, a aula deve ser o espaço privilegiado de
desenvolvimento de capacidade intelectual e linguística dos
alunos, oferecendo-lhes condições de desenvolvimento de sua
competência discursiva. Além disso, os PCNs destacam que, em
relação aos conteúdos para o nível fundamental, o ensino deve se
pautar sob três aspectos importantes, a saber: “(i) a linguagem deve
ser abordada como atividade discursiva, (ii) o texto deve ser o
objeto de ensino e (iii) a diversidade de gêneros textuais (orais e
escritos) deve ser privilegiada” (BRASIL, 1998, p.28). Portanto, o
ensino de gramática não deve ser visto como um fim em si mesmo,
mas como um mecanismo para a mobilização de recursos úteis à
implementação de outras competências, como a interativa e a
textual (BRASIL, 2000, p. 78). Considerando esses pontos
imprescindíveis para o ensino da língua no ambiente escolar, Vieira
(2017, p.68) declara:

171
a submissão dos conteúdos gramaticais – seja no âmbito teórico-
descritivo (com a natural categorização dos objetos linguísticos), seja
no âmbito das estruturas em uso (muitas delas em situação de
variação linguística) – ao desenvolvimento de atividades discursivas
no plano da interação a partir de textos, orais ou escritos.

Assim, a autora propõe um ensino de língua que tenha como


ponto de partida o texto, ou seja, os gêneros; quer sejam escritos,
quer sejam orais. Partindo desse pressuposto, é que nós iremos,
então, adentrarmos à análise de como o futuro do pretérito do
indicativo é trabalhado na gramática. Para tanto, selecionamos a
Novíssima Gramática do Português Brasileiro. Cegalla (2009, p.
194) abre o capítulo sobre verbo apresentando para o leitor três
enunciados simples, e em cada um deles há uma palavra destaca; o
que ele vai denominar de verbo. Veja:

• O criado abriu o portão. [abriu exprime uma ação]


• Fernando estava doente. [estava exprime um estado, uma
situação]
• Nevou em São Joaquim. [nevou exprime um fato, um fenômeno]

Feito isso, logo em seguida, ele assevera que o “verbo é uma


palavra que exprime ação, estado, fato ou fenômeno” (idem, p.194).
Ele ainda acrescenta que “dentre as classes de palavras, o verbo é a
mais rica em flexões. Com efeito, o verbo reveste diferentes formas
para indicar a pessoa do discurso, o número, o tempo, o modo e a
voz. Ao conjunto ordenado das flexões ou formas de um verbo dá-
se o nome de conjugação” (idem, p.194). Logo depois, ele discorre
acerca da variação do verbo no que diz respeito às pessoas verbais,
enfatizando a classificação que se dá à distinção entre as três
pessoas do singular e às três pessoas do plural, como se pode ver
na imagem abaixo:

172
Depois disso, Cegalla (2009, p. 194, 195) se atém a outro
aspecto da variação verbal: o tempo. Aqui o autor inicia esse tópico
expondo que “os tempos situam o fato ou a ação verbal dentro de
determinado momento (durante o ato da comunicação, antes ou
depois dele)”. Acrescenta também que os tempos verbais se
classificam em três: presente, passado e futuro. Observe abaixo:

Como podemos verificar, Cegalla (2009), em relação ao futuro


do pretérito, aborda o assunto de forma muito genérica. Conforme
os trechos acima extraídos de sua gramática, não há uma busca pela
reflexão do aluno em relação aos usos da língua, bem como aos seus
contextos. Isso reforça a ideia de um ensino de gramática que
focaliza apenas as prescrições da norma-padrão, da gramática
normativa e que não consegue estabelecer uma análise da língua.
Depois disso, ainda sobre os tempos verbais, ele faz uma ressalva
apontando que

173
na conjugação ativa, os tempos simples apresentam-se sob formas
simples (leio, andava, corremos, etc.) e os compostos, sob formas
compostas (tenho lido, tinham andado, havia corrido, etc.)”, e que
“na voz passiva, tanto os tempos simples como os compostos
apresentam formas compostas: sou premiado, fomos chamados, tens
sido visto, etc (Cegalla, 2009, p. 195).

Analisado esse ponto, passemos à observação de como o futuro


do pretérito é apresentado no livro didático. Essa análise é importante,
porque a partir dela poderemos fazer um contraponto entre a forma
que o verbo é trabalhado na gramática e como o mesmo assunto é
apresentado no livro didático para, a partir de então, construirmos
uma sugestão de atividade didático-pedagógica que venha corroborar
para uma melhora no ensino de língua dentro do ambiente escolar,
em especial, sobre o futuro do pretérito. O livro escolhido para ser
analisado foi o de Cereja e Magalhães (2012) dirigido ao sexto ano do
ensino fundamental – anos finais.
Os autores abrem o tópico sobre tempos verbais com uma
pequena narrativa de autoria de Ziraldo, falando sobre as
condições climáticas e a realização de uma partida de futebol em
um campo local, como se pode observar na imagem abaixo:

Fonte: Português: linguagens. 7ª ed., pág. 246, 2012.

174
Um ponto positivo que já podemos salientar quando
comparamos a abertura do tópico sobre verbo na gramática de
Cegalla (2009) e no livro didático de Cereja e Magalhães (2012) é a
forma introdutiva de conteúdo. Enquanto Domingos apresenta o
assunto a partir de frases soltas e descontextualizadas, Cereja e
Magalhães o trazem a partir de um gênero textual, no caso, a piada.
Por outro lado, um ponto que poderia ser melhorado é o trato com o
texto, pois o mesmo deixou de ser explorado. A impressão que temos
é a de que o texto foi posto ali, meramente, para dele extrair os
enunciados que se referiam às formas verbais. Dito isso, logo em
seguida, eles fazem um recorte de dois enunciados e apresentam três
questionamentos para o leitor como se pode ver na imagem abaixo.

Fonte: Português: linguagens. 7ª ed., pág. 246, 2012.

Os autores buscam conduzir o leitor a uma breve reflexão


sobre os sentidos que as palavras em destaque promovem no texto.
A intenção aqui é levar o interlocutor ao conceito de tempos
verbais, em especial, explorando a noção de presente, passado e
futuro. Ainda nesse viés eles fazem um novo recorte de enunciados
do texto narrativo e expõem mais três questionamentos como
podemos ver a seguir:

175
Fonte: Português: linguagens. 7ª ed., pág. 246, 2012.

Como pode ser verificado, o propósito para a apresentação


destes questionamentos foi uma tentativa de contextualizar a
abordagem sobre a classificação dos tempos verbais, reforçando a
ideia de ações no passado, presente e futuro, bem como tratando
da forma como o verbo se apresenta, ou seja, na forma simples ou
na forma de locução verbal.
Conforme o livro trata, os autores apresentam a classificação
dos tempos verbais em: presente, pretérito: perfeito, imperfeito e
mais-que-perfeito e futuro: do presente e do pretérito.
De maneira geral, o conteúdo sobre tempos verbais aparece de
forma mais contextualizada, diferentemente de como vimos na
gramática de Paschoal que se vale apenas de frases soltas. Aqui os
autores buscam conduzir o interlocutor a uma pequena reflexão
acerca do fenômeno linguístico dos tempos verbais, mesmo que
ainda bastante atrelada à concepção da gramática, sem explorar
pontos de variação. Na página 247, por exemplo, Cereja traz a
imagem de dois livros literários e chama a atenção para o emprego
das formas verbais no enunciado de textos literários e jornalísticos,
como se vê a seguir:

176
Fonte: Português: linguagens. 7ª ed., pág. 247, 2012.

Logo após discorrer sobre o presente do indicativo, os autores


tratam do pretérito e suas subdivisões: pretérito perfeito,
imperfeito e mais-que-perfeito, ora apresentando enunciados
extraídos do texto a priori apresentado, ora enunciados isolados.
Adentrando o tópico referente ao futuro, os autores mostram que
esse tempo verbal se subdivide em dois tipos: futuro do presente e
futuro do pretérito. Sobre aquele, o dado interessante é um texto
auxiliar que se é trazido, cujo propósito é promover uma reflexão no
leitor quando trata dos tempos futuros na modalidade coloquial.

Fonte: Português: linguagens. 7ª ed., pág. 248, 2012.

177
Esse é um aspecto que merece ser ressaltado, porque se
estabeleceu um deslocamento da visão engessada da gramática
tradicional e passou-se a atentar para outra variante, a de uso comum.
Pontos como estes são de suma relevância, haja vista que o ensino de
língua não se deve dar de forma não reflexiva, sem direcionar o
estudante para ver a língua e a linguagem sobre outros prismas.
Entretanto, no que tange ao futuro do pretérito, os autores se
limitam apenas a discorrer sobre o que se entende por futuro do
pretérito, mas não conseguem desenvolver um olhar mais
ampliado do que àquele que se apresenta na descrição gramatical
normativa.

Fonte: Português: linguagens. 7ª ed., pág. 248, 2012.

Podemos dizer que há uma tentativa, por parte dos autores,


em fazer essa ampliação, mas tudo fica restrito à noção de
condicionalidade que as ações verbais desse tempo estão sujeitas
como se pode ver:

Fonte: Português: linguagens. 7ª ed., pág. 248, 2012.

178
É nesse sentido que Fernandes (2018, p. 4) diz que

[...] o LDP de língua portuguesa é um instrumento comum nas aulas


de língua portuguesa e é visto como um auxílio à atividade
pedagógica. Entretanto, (...) é fundamental problematizar e discutir
as propostas apresentadas pelo LDP e não o tomar como um produto
pronto e acabado.

Se assim o fizermos, estaremos demarcando demais o processo


de ensino-aprendizagem com a língua numa visão limitada e
engessada da linguagem, o que não é um fato interessante, haja
vista que, como outrora já mencionamos, esse modelo de ensino
não proporcionará um desenvolvimento mais efetivo no sentido de
o aluno ter um aprofundamento no estudo da língua e da
linguagem.

4. O ENSINO DE GRAMÁTICA POR TRÊS EIXOS:


LINGUÍSTICO, EPILINGUÍSTICO E METALINGUÍSTICO

Em nossas experiências em sala de aula, já nos deparamos com


muitos relatos de alunos que dizem: “português é muito chato,
professor”. Lamentavelmente, essa visão distorcida da língua
potuguesa foi construída ao longo da história, mediada por uma
pedagogia que acabara por privilegiar determinados grupos e
marginalizar outros.
Como bem afirma Vieira (2017, p. 70 e 71), é inegável que a
escola precisa trabalhar com gramática, haja vista que esse
conhecimento é cobrado do discente nos mais diversos contextos
sociais como no trabalho, na escola, na universidade, no concurso
público e entre outros. Contudo, o ensino desses conhecimentos
gramaticais deve considerar os seguintes pontos:

(i) o funcionamento de recursos linguísticos em diferentes níveis


(fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico-discursivo);
(ii) o acesso às práticas de leitura e produção de textos orais e
escritos, de modo a fazer o aluno reconhecer e utilizar os recursos

179
linguísticos como elementos fundamentais à produção de sentidos;
e, ainda, (iii) propiciando condições para que o aluno tenha acesso a
variedades de prestígio na sociedade, segundo os contínuos de
variação (Cf. BORTONI-RICARDO, 2005, p.47).

Infelizmente, enquanto professores, convivemos com uma


realidade bastante adversa no ambiente escolar. Nossos alunos têm
grandes dificuldades em relação ao processo de ensino-
aprendizagem de língua portuguesa. Em certa parcela, como frisa
Durval (2017, p. 83), isso se deve a “um ensino baseado na
transmissão acrítica de conteúdos que coloca o aprendiz numa
posição passiva durante o processo de escolarização, o que gera
alunos desencantados com o aprendizado e poucos estimulados a
questionarem”.
Ainda sobre essa questão, o autor destaca que “Não é raro
ouvirmos afirmativas como “português é muito difícil”, “eu nunca
consegui aprender português na escola” ou “quem é pouco
escolarizado fala muito errado” (p. 83).

Apesar de reconhecermos que essas falas possam ter diferentes


motivações, é sabido que isso se deve, em grande parte, a uma
abordagem inadequada do ensino da língua, sobretudo do
componente gramatical. Com o uso da metalinguagem pela
metalinguagem, um ensino que consiste apenas em listas infindáveis
de definições e classificações a serem decoradas e cobradas em
avaliações, a sala de aula torna-se um ambiente improdutivo, um
espaço de manutenção de preconceitos sem fundamento
(Durval,2017 p.83).

Luiz Durval ressalta que “o ensino tradicional de Português


transmitiu, por várias gerações, sem significativas mudanças um
conhecimento gramatical e toda sua nomenclatura como algo
definitivo e incontestável” (p. 84).
Já Vieira (p. 84) fala que: “para se atingir um grande objetivo
do ensino de Português, que é o de desenvolver a competência de
leitura e produção de textos, a educação linguística precisa ser

180
dinâmica, viva”. Nesse contexto, ela evoca o papel que o professor
tem a desempenhar nesse processo, alegando que “o professor
precisa vislumbrar com os alunos os mecanismos de
funcionamento da língua e seu universo de possibilidades” (p.84).
Dentro dessa pesrpectiva, a autora, fundamentando-se em
Franchi (2006), vem propor uma metodologia de ensino de língua
fundamentada em atividade que contemplem três eixos: o
linguístico, o epilinguístico e o metalinguístico. De acordo com ela,

a atividade linguística consiste no “exercício do ‘saber linguístico’


das crianças dessa ‘gramática’ que interiorizaram no intercâmbio
verbal com os adultos e seus colegas”, ou seja, “trata-se, portanto, de
produzir e compreender textos, criando “as condições para o
desenvolvimento sintático dos alunos (p. 71 e 72),

Partindo das atividades linguísticas comuns que o discente


teve e tem em seu dia a dia fora do ambiente escolar. Por sua vez,

a atividade epilinguística constitui uma prática intensiva que opera


sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma-as,
experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com
a linguagem, investe as formas linguísticas de novas gerações (p. 72).

Em relação a essa atividade, a autora aponta: “trata-se de levar


os alunos, desde cedo, a diversificar os recursos expressivos com
que fala e escreve, a operar sobre sua própria linguagem,
praticando a diversidade dos fatos gramaticais de sua língua” (p.
72). Dessa maneira, essa atividade fomenta no aluno a
oportunidade pensar sobre a língua, ao passo que, a usa
explorando os aspectos criativos da linguagem. Isso faz com que o
processo de ensino se dê de forma prazerosa e até lúdica, haja vista
que o professor pode lançar mão de diversas ferramentas para
dinamizar essa aprendizagem.
Posto isso, à medida que leva em conta essas ponderações
acerca desses dois tipos de atividade, a autora frisa que é a partir
das atividades linguística e epilinguística, que surge a necessidade

181
de se sistematizar um ‘saber’ linguístico que se aprimorou e se
tornou consciente (p. 72). E é nesse contexto que entra a atividade
metalinguística

como um “trabalho inteligente de sistematização gramatical” (em


um quadro intuitivo ou teórico) que permite descrever a linguagem
a partir da observação do caráter sistemático das construções,
repletas de significação (p. 72).

Isso não significa dizer que as aulas possuirão um caráter


descontextualizado, “nem tampouco de um contato com o
componente linguístico puramente intuitivo e desplanejado” (p. 73
e 74), mas de atividades contextualizadas, de caráter reflexivo e
dinâmico.
Durval (2017, p. 106) ainda pondera que “o professor não pode
se valer de um único aporte teórico como recurso exclusivo,
esperando que este dê conta de todos os objetivos do ensino de
Língua Portuguesa”. Segundo ele:

o trabalho com a língua em sala de aula, como se observa na proposta


de Vieira (2014; 2017), só tem a ganhar com a utilização de diferentes
quadros teóricos que forneçam uma base sólida para todo o processo
de aprendizagem e que instrumentalizem o professor para os
procedimentos didático-pedagógicos necessários para uma efetiva
educação linguística (2017, p. 106).

Isso nos permite inferir que temos, enquanto docentes, um


árduo caminho a nossa frente no intuito de, aos poucos, ir causando
uma ruptura com a análise dos aspectos linguísticos apenas pelo
viés da norma-padrão, ao passo que buscamos diversas fontes de
material didático e ferramentas tecnológicas a fim de ampliar os
nossos horizontes de estudos sobre a língua.
Além disso, ao fazermos uma relação entre as perspectivas
aqui abordadas e o futuro do pretérito apresentado no livro
didático, pudemos perceber que os autores deste não
fundamentam o estudo desse assunto a partir dos três eixos

182
supracitados. Entretanto, baseiam-se numa perspectiva apenas
metalinguística, o que acaba corroborando para um processo de
ensino-aprendizagem engessado e restritivo da língua portuguesa.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo o que foi apresentado durante o


desenvolvimento desse estudo, observa-se que precisamos ficar
atentos à forma como os livros didáticos trazem os conteúdos de
gramática para nossos alunos, uma vez que, concordamos no ponto
de que não podemos avançar no estudo da língua abolindo o trato
com aquela que rege todas as normas da escrita. Contudo, nosso
trabalho deve está voltado para a análise da gramática, tanto do
ponto de vista histórico quanto do ponto de vista dos contextos de
usos da língua escrita, e porque não dizer da língua falada.
Dessa forma, o próprio ato da escolha do livro didático,
atualmente realizado por professores (quando não influenciados)
deve estar guiado por um olhar crítico e reflexivo. Esse olhar pode
ser adquirido através da busca pela compreensão do que venha ser
um estudo de gramática voltado para um ensino, que proporcione
aos nossos educandos um nível de proficiência tanto no campo da
leitura quanto no da escrita. Os documentos oficiais têm defendido
um ensino reflexivo voltado para a diversidade da língua e seus
usos, como também a possibilidade de práticas com os mais
diversos recursos tecnológicos tomando sempre por base os
gêneros textuais nas suas mais diversas modalidades e dentro da
perspectiva do letramento.
O docente consciente da importância de um ensino
significativo precisa buscar direcionar o trabalho com gramática a
partir dos três eixos apresentados por Vieira, de forma integrada,
dado que esses contemplam uma abordagem gramatical que leva o
aluno ao domínio consciente dos conceitos, e à compreensão de
sentidos tanto no campo da leitura quanto da produção textual:
oral e/ou escrito. E quando falamos nessas modalidades textuais é
necessário está consciente de que as normas e as variedades sempre

183
estarão permeando as discussões sobre a língua. A forma como o
professor irá guiar seu trabalho. Assim como acontece com o trato
da classe gramatical dos verbos, muitas vezes em separado por
infinitos quadros que pedem realização de conjugações temporais,
também podemos verificar em outras classes esses usos
desconectados de uma situação real de produção, o que justifica no
momento da escrita, tantos alunos apresentarem dificuldade de
concordância verbal.
Posto isso, conclui-se então que o livro didático de Cereja e
Magalhães (2012) trata o estudo do futuro do pretérito a partir de
uma abordagem apenas metalinguística, o que caracteriza um
trabalho intuitivo e teórico de sistematização gramatical que
permite descrever a linguagem. Por outro lado, observamos que,
de forma geral, houve um avanço na abordagem do verbo no livro
didático, porém, especificamente em relação ao futuro do pretérito,
não houve avanços. Nesse sentido, entendemos que há a
necessidade de reformulação das atividades do livro didático a fim
de que haja, de fato, um aperfeiçoamento na abordagem desse
conteúdo no LD.

6. REFERÊNCIAS

BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de


Janeiro: Lucerna, 2000.
BORTONI-RICARDO, S. M. Um modelo para a análise
sociolinguística do português brasileiro. In: ______. Nós
cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística e Educação. São
Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 45-52.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. PCN + Ensino
médio: orientações educacionais complementares aos parâmetros

184
curriculares nacionais: Linguagem, códigos e suas tecnologias.
Brasília: MEC/SEF, 2000.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua
portuguesa. 48. Ed. São Paulo: IBEP, 2009.
CEREJA, Willian Roberto. Magalhães, Thereza Cochar Magalhães.
Português: linguagens. 7ª ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2012.
DURVAL, Luiz Felipe da Silva. Uma experiência didática com o
futuro do presente: reflexão linguística, variação e ensino. p. 83-
106. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues (org.) Gramática, variação e
ensino: diagnose & propostas pedagógicas / Vários autores. – Rio
de Janeiro: Letras UFRJ, 2017.
FERNANDES, Lucinete Alberto de Bessa. Carvalhaes, Wesley Luís. O
ensino dos verbos no 6º ano do ensino fundamental: análise de um
livro didático de português. Inhumas-GO: V CEPE – UEG, 2018.
FRANCHI, C. Mas o que é mesmo “gramática”? São Paulo:
Parábola Editorial, 2006.
FREITAG, Raquel Meister Ko. A mudança linguística, a gramática
e a escola. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 18, n.37, p. 63 – 91,
maio/ago. 2017a.
HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Halliday’s
introduction to functional grammar. 4. ed. New York: Routledge, 2014.
SILVA, W. R., Andrade, A. A., & Batista-Santos, D. O. (2021). Estudo do
verbo em livros didáticos: excesso permanente de metalinguagens
para crianças. Itatiba: Horizontes, 39(1), e021013, 2021.
VIEIRA, Silvia Rodrigues (org.) Gramática, variação e ensino:
diagnose & propostas pedagógicas / Vários autores. – Rio de
Janeiro: Letras UFRJ, 2017.

185
186
CAPÍTULO 10

SUBSTANTIVAÇÃO DE VERBOS E DERIVAÇÃO


IMPRÓPRIA: CONVERSÕES GRAMATICAIS

Maria Josely dos Santos Ferreira (PROFLETRAS/UEPB)


Maria Solange de Lima Silva (PROFLETRAS/UEPB)

1. INTRODUÇÃO

O ensino da Língua Portuguesa necessita de um olhar voltado


para uma reflexão sobre os fenômenos gramaticais com base numa
concepção de língua heterogênea e sócio historicamente situada,
levando-a em consideração através do uso, nas suas modalidades
oral e escrita de modo que ela faça sentido e se configure em uma
atividade de interação.
Nesses termos, o ensino de gramática deve considerar o estudo
da língua em suas verdadeiras condições de uso e as diferentes formas
de comunicação, de modo a ampliar o discurso linguístico do aluno a
partir dos conhecimentos gramaticais já adquiridos em língua
materna. É urgente trabalhar no aluno do Ensino Fundamental
conversões que o confunde, sobretudo, no trabalho com a escrita, nas
diversas práticas sociais dentro e fora da escola.
Nesse sentido, a ausência de um ensino de gramática
contextualizado tem dificultado a aprendizagem dos estudantes nos
vários segmentos da educação básica, e quando os objetos de
aprendizagem surgem em detrimento das regras utilizadas na
constituição de palavras, há que submeter o aluno ao reconhecimento
da flexibilidade na aplicação de regras gramaticais que exigem, por
exemplo, o emprego de um vocábulo em vez de outro para melhor

187
atender uma necessidade comunicativa, o que requer um processo de
conversão contextual dos aspectos morfológicos.
Não é sobre tratar a regra pela norma gramatical apenas, mas
revelar para o aluno que o verbo jantar pode assumir a função do
substantivo ou sujeito jantar e que, por sua vez, ocorrem
possibilidades de mudança de classe gramatical partindo de uma
derivação imprópria, gerando uma conversão, por exemplo, entre:
“Lívia fez um jantar delicioso”. E entre o exemplo: Hoje podemos
jantar no restaurante. Conforme os Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa (2018, p. 65) asseveram, “a própria
definição dos conteúdos já é, em si, uma questão didática que tem
relação direta com os objetivos colocados”.
Nossa inquietação, parte da necessidade de tentarmos minimizar
essa problemática nas aulas de português, no sentido de proporcionar
um ensino de gramática cada vez mais útil e contextualizado, pois,
identifica-se as inadequações com substantivação de verbos, tão
semelhantes em derivação imprópria, o que tem acarretado dúvidas
nos padrões da escrita posto que, na oralidade, esse fenômeno
gramatical não causa desarmonia.
Dentro desse raciocínio, este trabalho parte da seguinte
questão-problema: que estratégia didática usar para minimizar as
dificuldades com o emprego das conversões gramaticais com
alunos do Ensino Fundamental?
Para responder a esse questionamento, delimitamos os
objetivos dessa proposta da seguinte forma:
Geral – Analisar o ensino da substantivação e derivação
imprópria no livro didático de português e discutir uma estratégia
metodológica que amenize possíveis inadequações do aluno
quanto ao uso gramatical da substantivação de verbos e dos casos
de derivação imprópria, cotidianamente.
Específicos: analisar as propostas do livro didático de
Português do 7° ano intitulado” Se Liga na Língua – Leitura,
Produção de Texto e Linguagem” quanto ao tópico de
substantivação e de derivação imprópria; discutir atividades
didáticas que contribuem para amenizar as inadequações quanto

188
ao uso gramatical da substantivação de verbos e dos casos de
derivação imprópria e desenvolver no aluno a capacidade de usar
produtivamente a substantivação de verbos e a derivação
imprópria na sua escrita do dia a dia.
No que se refere a justificativa deste trabalho, assumimos que
ele se revela como uma estratégia didática em torno dos
conhecimentos gramaticais, articula-se aos processos de ensino-
aprendizagem a serem adquiridos no plano do ensino de gramática
contextualizada. Para tanto, do ponto de vista teórico, tomaremos
como pressupostos: os estudos de Antunes (2005, 2014), Marcushi
(2016), Brasil (2008), Soares (2009), Basílio (1999, 2011), Cunha
(2017), Kehdi (1992) dentre outros.
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa vincula-se ao tipo
documental/analítica de base qualitativa como uma possibilidade de
construir conhecimentos em torno dos usos gramaticais da língua. Os
procedimentos da pesquisa serão: análise da coleção - livro didático
de Português: Se Liga na língua – Leitura, produção de texto e linguagem -
do 7º ano do Ensino Fundamental, da editora Moderna, aprovado no PNLD
2020 e a construção de uma proposta didática.

2. CONVERSÕES GRAMATICAIS: SITUANDO O ASSUNTO

Em se tratando de conversões, o que leva um verbo se converter


em substantivo talvez seja justificado por Antunes (2005) ao dizer que
de fato, essa é a classe de palavra que tem propriedade de se
evidenciar mais que outras, o que não quer dizer que os verbos ou os
adjetivos não possam criar laços de sentido em um texto.
Conforme Celso Cunha (2017), as palavras podem mudar de
classe gramatical sem sofrer modificação na forma. Basta, nesse
conteúdo, por exemplo, antepor-se o artigo a qualquer vocábulo da
língua para que ele se torne um substantivo. Nesse intento, o ensino
de conversões gramaticais precisa ser trabalhado na sala de aula
com ênfase ao que se configura uma classe X em uma classe y. O
que queremos dizer?

189
No trabalho com o ensino de Português somos
frequentemente flagrados com textos dos alunos que trazem
desvios quanto ao uso do verbo no infinitivo e ao escreverem, por
exemplo: “Meu pai vai anda de avião pela primeira vez”, suprimindo
a marca verbal de infinitivo, em vez de “Meu pai vai andar de avião
pela primeira vez”. É bem comum também observarmos o emprego de:
“O anda da professora é elegante” em vez de “O andar da professora é
elegante”. É notório que a dificuldade desse aluno se dá pela forma
gramatical que aprendeu (ou não aprendeu) ao empregar
vocábulos que ocupam, na grafia, a mesma escrita em detrimento
de uma derivação imprópria.
Nesse exemplo, e segundo Antunes (2003), dentro do trabalho
com a gramática pode-se constatar o ensino de:

Uma gramática descontextualizada , amorfa, da língua como


potencialidade; gramática que é muito mais “sobre a língua”,
desvinculada, portanto, dos usos reais da língua escrita ou falada na
comunicação do dia a dia...uma gramática da irrelevância, com
primazia em questões sem importância para a competência
comunicativa dos falantes. (ANTUNES, 2003, p.31)

Nesses termos, concentrar-se em atividades de mera


identificação da norma gramatical, sem ter em vista um certo
contexto, torna as atividadades vazias de natureza interacional, sem
que haja a real produção de sentido. Em outro momento, Antunes
(2014, p.25) assevera que “ na concepção da gramática como interação,
ela não se constitui sozinha, ou separadamente das atividades verbais
realizadas por seus falantes”. Em outras palavras, é na interação que
a gramática se consolida, é assim no plano das conversões, quando
um determinado vocábulo exerce uma função sintática diferente de
outro e identifica o contexto em que ocorre.
Vale advertir que a grande importância de se promover a
aprendizagem da gramática na forma contextualizada na escola, é
fazendo-a em textos reais produzidos pelos próprios alunos, textos
que atendam as necessidades sociais desses estudantes. Mas se ele

190
não conseguir empregar no texto escrito – jantar na sua forma
verbal ou jantar na sua forma substantivada, justifica a insuficiência
gramatical em função dos contextos situacionais e verbais, ou seja,
dentro do uso da linguagem.
É uma realidade bastante visível nos textos virtuais
publicados, escritos ou legendados nas redes sociais de alunos não
só de Ensino Fundamental, como também de nível médio.
Legendas do tipo: “Para desopila um pouco” em vez de “Para
desopilar um pouco” ou do tipo “Vamos toma um café?” em vez de
“Vamos tomar um café?” para se legendar um momento de parada
para o café, seja em casa, no trabalho ou em outro ambiente que se
poste na rede. É o tipo de exemplo que parte de um contexto social
e se esbarra na escrita social no formato virtual de se manifestar a
língua como prática social.

3. CONVERSÕES1 GRAMATICAIS NA VISÃO DO ALUNO


DO ENSINO FUNDAMENTAL

O trabalho com conversões gramaticais no Ensino


Fundamental surge com o objetivo de mostrar ao aluno que,
quando substantivados, muitos vocábulos, na condição de átonos
(sem autonomia fonética), tornam-se tônicos e que palavras
geralmente invariáveis, quando substantivadas, podem
perfeitamente receber flexão.
Sendo assim, na visão do aluno, ainda há o estigma da
gramática como sendo um obstáculo para a aprendizagem de
língua materna, há sempre o discurso de que “português é difícil”
e isso tem limitado o aluno a compreender sobre análise
morfológica e sobre aspectos estruturais do enunciado travando
assim, seu repertório gramatical no ensino da língua.
Os desvios cometidos pelos alunos no uso das conversões
começam no fato deles não conseguirem identificar uma mudança
de classe gramatical de uma palavra obtida pela formação de uma

1 Tipo de derivação que acontece pela mudança de classe gramatical da palavra.

191
nova palavra, as inadequações são geradas mais em torno das
dificuldades em não saber utilizar a derivação imprópria pelo fato
de não compreender a nova palavra ao desempenhar outro papel
gramatical no texto, de acordo com o contexto em que está inserida.
Muitas vezes, ao se deparar com o estudo das classses de
palavras, os alunos que, na maior parte das vezes, apreendem esse
conhecimento de maneira descontextualizada não conseguem
fazer relações entre conversões de sentidos quando uma mesma
palavra se apresenta em uma situação incomum ao seu uso, como
é o caso das substanttivações de verbos, por exemplo, fazendo com
que eles entendam que palavras como olhar, andar, cantar, sejam
vistas apenas como verbos.
Estudantes que durante muitos dos anos de sua escolarização
vêm sendo submetidos a uma prática que se esgota na identificação
de categorias gramaticais, se vêem diante da grande necessidade de
se aprender uma gramática que não se dá separadamente das
atividades verbais realizadas pelos seus usuários no cotidiano social.

4. DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA: O QUE DIZ A GRAMÁTICA E O


QUE MOSTRA O LIVRO DIDÁTICO

De acordo com as gramáticas normativas, Nova Gramática do


Português Contemporâneo (Cunha, Celso, 2017) e Novíssima
Gramática da língua Portuguesa (Cegalla, 2000), a derivação
imprópria ou conversão ocorre quando a nova palavra surge pela
mudança de classe gramatical mantendo a palavra primitiva. Em:
Vou olhar o que está acontecendo e em O olhar do garoto dizia tudo, a
palavra olhar assume classificações morfológicas diferentes, tendo
em vista que na primeira frase, olhar assume a função mais usual
da palavra que é de verbo e na segunda sentença temos sua
substantivação que acontece ao acrescentarmos o artigo “o”.
Perceber que esse processo demanda uma concepção de língua
como interação, ou seja, levando em consideração o contexto real
de uso. De acordo com Basílio (1989), a razão básica da formação
de palavras acontece em virtude da dificuldade existente em nossa

192
memória de captar e guardar formas diferentes para cada
necessidade de uso em diferentes contextos e situações.
Sobre a derivação imprópria Kehdi (1992, p. 29) nos informa
que “Um vocábulo também pode ser formado quando passa de
uma classe gramatical a outra, aparentemente sem alterações
formais; é o que se denomina derivação imprópria ou, mais
comumente, conversão.
O livro Se Liga na língua – Leitura, produção de texto e linguagem,
do 7º ano do Ensino Fundamental, da editora Moderna, aprovado
no PNLD 2020 faz referência a derivação e composição na seção
Mais da língua. (pág. 266) Trazendo a seguinte nota explicativa: “A
seção analisa objetos léxico-morfológicos, no caso o processo de
formação de palavras, centrado na composição e na derivação”.
No entanto, a derivação imprópria não é contemplada. É o que
também observamos nos outros volumes da mesma coleção.
Encontramos informações sobre derivação prefixal ou prefixação,
derivação sufixal ou sufixação e derivação parassintética ou
parassíntese sem deter-se aos estudos da derivação imprópria,
como também a ausência da substantivação a partir dos verbos.
Diante disso, pensamos em trazer para a discussão em sala de
aula observações acerca da derivação imprópria, mais
especificamente da substantivação dos verbos, objeto de estudo e
análise deste artigo e de grande relevância, tendo em vista a
observação e constatação de que a grande maioria dos alunos ao
reconhecer e classificar algumas palavras como verbos cometem
alguns enganos, como por exemplo, acreditar que em todos os
contexos aquela palavra será sempre classificada como tal,
independentemente do contexto ao qual está inserida e isso
respinga na sua escrita textual.
Por muito tempo, estudamos conceitos e regras de forma
descontextualizada e era comum colocar, agrupar, memorizar cada
conhecimento adquirido dentro de suas determinadas ‘caixinhas’.
Por exemplo, cantar, andar, correr, partir, entre outros, fazia parte
do mesmo grupo, o grupo dos verbos. Geralmente, não
estudávamos na escola, (aqui nos referimos aos anos Finais do

193
Ensino Fundamental), que estas mesmas palavras poderiam ter
outra classificação, pertencer a categorias lexicais diferentes, tendo
em vista o contexto que estivessem inseridas.

Ora, os processos de formação de palavras apresentam tanto funções


gramaticais quanto funções semânticas; e seus produtos, as palavras
formadas através de sua operação, apresentam propriedades
morfológicas, sintáticas e semânticas. Assim, a definição das classes de
palavras, para atender às necessidades de descrição dos processos de
formação de palavras, deve corresponder a uma combinação de
propriedades morfológicas, sintáticas e semânticas. (BASILIO, 2011. p. 20)

Então, ao apresentarmos as classes de palavras aos alunos em


formação, é essencial que os conhecimentos relativos aos aspectos
morfológicos, sintáticos e semânticos sejam contemplados, para que a
prendizagem em torno daquele conteúdo seja amplo e contemple a
lígua em diferentes usos. Assim ao utilizar : Vou olhar o que está
acontecendo e em, O olhar do garoto dizia tudo, o aluno perceberá que
a palavra olhar se apresenta graficamente da mesma forma, mas
apresenta função e classificação diferentes nas duas frases.
Chegamos até aqui trazendo essas inquietações e discussões para
que possamos refletir sobre a importância de apresentarmos aos
nossos alunos, ainda no ensino fundamental, essas possibilidades e
assim, desde cedo, fazê-los perceber a importância da percepção da
língua e dos sentidos construídos em contexto de uso.

[...] a mudança de classe de palavras pode estar associada a um processo


não de derivação, mas de conversão, o que ocorre quando uma palavra
de uma dada classe passa a ter também as propriedades de uma outra
classe, mas sem uma marca morfológica correspondente. Alguns
gramáticos dão a esse caso o nome de derivação imprópria. O nome é
adequado, pois não se trata, propriamente, de uma derivação; a rigor, a
conversão é o resultado de uma expansão de propriedades de uma
palavra, a qual passa a ser usada em situações próprias de outra classe.
(BASILIO, 2011, pág. 69).

194
À luz dessa perspectiva, cabe a escola, promover uma
dinâmica de estudo de gramática que possa ser caracterizada como
contextualizada visto que, os usos da gramática somente se
justificam nos contextos e nas ocorrências das ações de linguagem.
Chamamos atenção para o não aparecimento dessas questões
relacionadas a derivação em questão, nos livros didáticos da coleção
anteriormente citada, e entendendo a necessidade de contemplar tais
informações e esclarecimentos, tendo em vista os frequentes enganos
no que tange a classificação de algumas classes de palavras, pensamos
que mesmo não estando presente nos livros didáticos, devemos
apresentar aos alunos esse conhecimento, chamando atenção para a
importância da observação e modificação de sentido e classificação de
uma mesma palavra que embora apareça sem alterações gráficas pode
ser utilizada e compreendida de diferentes formas.
Quando os grupos de palavras são apresentados
separadamente, sem muitas vezes estarem conectados a uma
situação de uso, o processo de aprendizagem torna-se mecãnico e
inconsistente.

A defesa de um ensino que tenha o texto como eixo do trabalho


pedagógico é relativamente recente, pelo menos nos documentos
oficiais de orientação pedagógica. Por exemplo, os PCN, cuja versão
inical data de 1997 – é que explicitam a orientação de que os usos
orais e escritos da língua constituem o eixo de seu ensino, o que
equivale a colocar, no centro de toda atvidade pedagógica de
trabalho com a linguagem, o texto. (ANTUNES, 2014, pág. 79-80)

As orientações acerca do trabalho com a língua ainda é recente,


dessa forma, é comum encontrarmos e utilizarmos práticas que não
contemplam a contextualização como centro do trabalho
pedagógico. Reforçamos a importância de práticas alicerçadas em
situações reais de uso, para que o que está sendo ensinado faça
sentido e possa enfim tirar a ensino de gramática do lugar que vem
ocupando há anos e sendo reproduzido em salas de aulas até os

195
dias atuais, o lugar de memorização de regras, de ensino
descontextualizado e desconectado a outros conhecimentos.
Ao ensinar as classes gramaticais, por exemplo, nada nos
impede de inserir informações acerca de conteúdos já
apresentados, ou seja, grupos de palavras já visto pelos alunos, ou
que ainda estão por vir para enriquecer e ilustrar o conteúdo
estudado em deteminado momento. Esse retorno ou antecipação
do conhecimento tende a contribuir para o fortalecimento e
melhorar a aquisição do conhecimento do aluno. Contudo,

(...) A gramática é concebida como um manual como regra de bom


uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar
adequadamente. Observando essa conceituação percebemos que
para se expressar adequadamente é necessário ter certo
conhecimento das regras de gramatica que auxiliam ao falante para
um domínio correto da língua. (TRAVAGLIA, 2005, pág.24)

É essa a definição de gramática apresentada na escola através


do livro didádico. Os conceitos, as classificações e os exemplos são
colocados para o aluno via de regras de modo a auxiliar o estudante
para o correto domínio da língua. Sendo assim, gramática e livro
didático estão cumprindo seu papel. Contudo, no que cerne ao
ensino da substantivação e derivação imprópria, essas abordagens
têm se limitado ao conceito ou mera classificação do tópico
gramatical, uma falha que acaba por limitar também o
conhecimento do aluno.
Recorrer a gramática é, pois, uma forma de ampliar os estudos
em torno do livro didático. É tambem uma maneira de aprofundar
e aperfeiçoar o conhecimento das regras que devem ser dominadas
pelo aluno/falante da língua. Defendemos, portanto, que esse
conhecimento deve ser transmitido ao estudante de forma
contextualizada, com atividadades didáticas que incorporem
gêneros textuais que possam contribuir para a eficiência do ensino
e da aprendizagem da gramática.

196
5. ALGUMAS ATIVIDADES DIDÁTICAS

Para que o processo de ensino e de aprendizagem de


gramática produzam efeitos desejáveis na formação do aluno, é
indispensável criar estratégias didáticas que promovam
competências linguísticas ao conteúdo e os objetivos pretendidos
para que haja a aquisição de conhecimentos além do
desenvolvimento de habilidades.
Abaixo, apresentamos algumas propostas de atividades para
trabalhar a substantivação e derivação imprópria.
Nesta, o professor pode elaborar um atividade esquematizada
que o leve a escrever sobre o próprio desempenho de seu papel na
sociedade. Para isso, a proposta deverá sugerir uma lista de
palavras que leve o estudante a evidenciar as ações (no texto) como
“andar”, “falar”, “brincar”, “pensar” e a partir dessa etapa, operar
com a derivação imprópria ou substantivação de verbos ocorridos
mediante a inconsciência ou desvio na formação de palvras
cometidos pelos estudantes.
Tal proposta conduzirá o aluno a usar e fazer verbos com
locuções no infinitivo transformar-se em substantivo com vistas ao
contexto específico ou não de uso, a depender da competência do
aluno na produção de unidades lexicais – diferenciar do usual –
pelo fato de serem determinadas por um artigo, nesse caso, o verbo
transforma-se em substantivo com a presença do determinante “o”
(artigo definido): “O andar da garota é um charme”.
O exemplo a seguir, é uma opção de apresentar aos alunos
uma suposta postagem que (que não é real mas que simula uma
inadequação) com o uso da derivação imprópria, pode ser usada
com o intuito de ativar o conhecimento prévio e pode servir de
pontapé inicial para uma aula na perspectiva das conversões
gramaticais.

197
Fonte: Arquivo pessoal das autoras – simulação de uma postagem no
Instagram.

Partindo dessa postagem fictícia, os alunos perceberão o erro


de conversão colocado como legenda de stories (usada para
Instagram e Facebook) e tal demonstração abrirá possibilidades de
uma escrita monitorada partindo das orientações acerca dos
aspectos regrados em torno de “O janta de hoje está de acordo com
a diete” em vez de “O jantar de hoje está de acordo com a dieta”.
Nesse aspecto, o aluno passará a entender que a formação de desta
palavra é obtida pela mudança da função gramatical, o que seria
um verbo (jantar) se converte em um substantivo (jantar) o que foi
possível pelo uso do artigo que o antecede.
Nesse contexto e na tentativa de chegar a resultados
diferentes, uma segunda estratégia que poderá conduzir o aluno a
escrever textos com conversões gramaticais, é sugerir o uso de
legendas em imagens que retrate o seu próprio contexto social,
antes mesmo de fazê-lo na própria rede social, fazer legendas de
seus próprios registros fotográficos, na escola, com os amigos,
andando de bicilceta, à cavalo, fotos com a família, típicas de quem
as faz para postar no Facebook ou Instagram poderá ser uma
atividade prazerosa para os estudantes.

198
A sugestão é o professor orientar o aluno a preparar uma
legenda para o gênero postagem na rede social e instigá-lo a usar textos
que fomentem a substantivação de palavras, tais como o uso de:
andar, olhar, jantar, cavalgar, ou mesmo para mudança de classes
de adjetivos para substabtivos a exemplo de – alto, belo, cabeça etc.
No caso de: “Vamos andar de bicicleta?”, para uma postagem de foto
de um aluno que está indo pedalar; “O olhar da garota é incrível”,
para uma legenda na postagem de uma foto do rosto de uma colega
(aqui, caberia orientar o aluno a escrever a legenda sobre o olhar da
pessoa já que envolvera o seu rosto na imagem); “Indo jantar com
os amigos!” para se referir a uma legenda em que garotas e garotos
estão prontos para irem a um jantar”.
Atividades dessa natureza levarão os alunos a escreverem
derivação sem acréscimo de prefixo ou sufixo à nova palavra, não
ocorrendo qualquer mudança na estrutura do termo, mas podendo
surgir no significado dele. Ou seja, a formação de novas palavras
serão obtidas pela mudança da função gramatical (substantivo,
adjetivo, verbo, advérbio) no texto da postagem, o que se configura
numa substantivação ou conversão.Todavia, a nova palavra
desempenhará, nas legendas, outro papel gramatical de acordo
com o contexto em que a fotografia (de cada aluno) está inserida.
No decorrer das produções, caberá ao professor o
acompanhamento dos textos dos alunos para indenficar os desvios
que forem surgindo a fim de ir mostrando-os onde e por que razão
eles ocorrem. A proposta aqui elencada é uma tentaiva de amenizar
esses desvios e passar a diferenciar esses usos e utilizá-los na forma
mais adequada.
Uma outra estratégia para abordagem da substantivação dos
verbos em sala de aula, seria apresentar e analisar o substantivo em
um contexto de uso através do gênero anúncio. Para ilustrar a
proposta, faremos uso do anúncio abaixo.

199
Fonte: Disponível em: https://www.varzimlazer.com/2016/11/07/jantar-
de-natal-vl/ . Acesso em 17/11/2021

Ao ser apresentado aos alunos, chamar a atenção para todos os


elementos presentes no gênero, como texto verbal, imagens, cores,
tamanho das letras. Em seguida, discutiremos sobre o ojetivo do
anúncio, o que ele anuncia, quem anuncia, quais são as informações
presentes, a quem se destina... Depois desse primeiro momento,
passaríamos para as questões escritas, que além de desenvolver
habilidades de busca de informações explícitas e implícitas no texto,
chamaríamos atenção para a frase Jantar de Natal, que está em
destaque no anúncio,, e desenvolveríamos questionamentos como por
exemplo, a palavra jantar no anúncio tem o mesmo sentido da palavra
em uma frase como, Eu vou jantar mais tarde hoje?
Espera-se que o aluno perceba a diferença existente entre a
palavra apresentada no anúncio e a palavra da frase colocada aqui
como exemplo para ilustrar um questionamento acerca do uso de
jantar como substantivo e como verbo, ou seja, mesma palavra
usada em contextos diferentes.
Só depois de desenvolver uma discussão e reflexão em relação
ao gênero apresentado, sugerimos sistematizar a abordagem do
conteúdo, nesse caso, trazer informações inerentes a derivação
imprópria, mais especificamente a substantivação dos verbos.

200
6. CONCLUSÃO

Ao longo dessas reflexões em torno do ensino de substantivação


de verbos e derivação imprópria nas conversões gramaticais,
propomos fazê-lo partindo de uma perspectiva de gramática
contextualizada sem negar o dinamismo e a complexidade da
língua materna.
Nessas discussões, consideramos que a grande dificuldade de
lidar com as conversões gramaticais, dentro e fora da escola, decorre
da não compreensão da língua e suas condições de uso e das
diferentes formas de comunicação em torno dos conhecimentos
gramaticais que durante muito tempo esteve desvinculada dos usos.
O que propusemos aqui e de acordo com referenciais teóricos
do estudo de língua e em comunhão com documentos curriculares
nacionais para esta área, foi buscar mais de uma estratégia didática
para minimizar as dificuldades com o emprego das conversões
gramaticais com alunos do Ensino Fundamental e possíveis formas
de desenvolver no aluno a capacidade de usar corretamente a
substantivação de verbos e a derivação imprópria na sua escrita do
dia a dia.
A investigação das propostas do livro didático de Português
da Coleção “Se Liga na Língua – Leitura, Produção de Texto e
Linguagem, pouco contemplou o tópico de substantivação e de
derivação imprópria. Um assunto que deveria ser muito bem
explandao nos livros do ensino fundamental, atenta-se apenas ao
ensino de aspectos gramaticais postos na derivação e na
composição de palavras, pura morfologia e b) aplicar estratégia
metodológica que amenize as inadequações quanto ao uso
gramatical da substantivação de verbos e dos casos de derivação
imprópria. A coleção (de 6° ao 9° ano) do Ensino Fundamental
abrange o conhecimento do léxico-morfológico e tangencia a
possibilidade de trabalhar a gramática de forma contextualidada.
Na contramão do que apresenta a gramática e o livro didático,
as atividades aqui propostas preocupam-se com o ensino na
perspectiva de uma gramática contextualizada e a viabilidade

201
dessas atividades tendem a desempenhar a língua concretizada em
ações e atuações comunicativas para um melhor avanço da fluência
verbal, da compreensão e elaboração de textos pelos estudantes.
Na ótica de uma gramática contextualizada , caberia inserir no
ensino o que de fato se usa nas atividades de falantes do dia a dia,
fazendo-o em textos reais produzidos pelos próprios alunos, textos
que atendam as necessidades sociais desses estudantes. Essa
postura caracteriza o que propomos aqui em torno do estudo das
conversões gramaticais.

7. REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. São


Paulo: Parábola Editorial, 2003.
ANTUNES, Irandé. Gramática Contextualizada: limpando o pó
das ideias simples. – 1. ed. São Paulo. Parábola Editoria, 2014.
BASILIO, Margarida. Formação e classes de palavras no
português do Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2011.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa.
Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CEGALLA, D. P. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. 43.
ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 2000.
CUNHA, Celso. Nova gramática do português contemporâneo
[recurso eletrônico) / Celso Cunha, Lindley Cintra. - 7. ed., reimpr.
— Rio de Janeiro: Lexikon, 2017.
KEHDI, Valter. Formação de palavras em português. São Paulo.
Ática, 1992. (Princípios)
Ormundo, Wilton. Se liga na língua: leitura, produção de texto e
linguagem: Manual do professor/Wilton Ormundo, Cristiane
Siniscalchi. – 1. Ed. -São Paulo: Moderna, 2018.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta
para o ensino de gramática. 10 ed. São Paulo. Cortez, 2005.

202
CAPÍTULO 11

O MODO IMPERATIVO EM PROPAGANDAS DE


ALIMENTOS – ALGUMAS REFLEXÕES

Gilderlane Guimaraes Sousa SANTOS (PROFLETRAS/UEPB)


Ana Paula da Silva LOPES (PROFLETRAS/UEPB)

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos 30 anos, aproximadamente, o ensino da gramática


passou a ser mais questionado, principalmente com o advento dos
PCN. O paradigma de ensino, centrado na transmissão de
conhecimento, perdeu ainda mais força e a metodologia tradicional
de ensino, em que se desenvolveu o ensino de gramática, foi e
continua sendo objeto de críticas. Hoje, busca-se contextualizar as
aulas, ensinar, a partir de textos, como já previa os PCN, no final
do século passado.
E, hoje, ainda é possível ver resquícios do tradicionalismo, no
ensino de conteúdos gramaticais, de aulas descontextualizadas,
seja na exposição dos professores, seja no livro didático. Nesse
cenário, objetivamos discutir essa questão e, apresentar uma breve
proposta de atividade contextualizada, com o uso do imperativo.
Partiremos de uma perspectiva reflexiva, real e significativa, que
leve nossos alunos a pensar, sistematizar e utilizar o que foi
aprendido no seu dia a dia, e consiga selecionar de acordo com o
efeito que deseja produzir no seu discurso.
Os textos devem ser o centro do estudo da língua como afirma
o texto da BNCC, e é por esse viés que abordaremos nossa
proposta, utilizando o gênero propaganda, não como pretexto para
ensinar gramática, mas para analisar o uso desse modo verbal na

203
intenção de persuadir seu leitor consumidor, tendo em vista que
essa é uma das funções do gênero em questão.
Nossa proposta de pesquisa, de cunho qualitativo,
documental está referenciada nos textos dos PCN’S (1998), BNCC
(2018), ANTUNES (2009), CUNHA E CINTRA (2004), FERRAREZI
JÚNIOR (2021), ROCHA LIMA (2011), VARGAS (2011).
Esse trabalho trará uma breve discussão sobre o ensino da
gramática em gramáticas escolares e em livros didáticos utilizados
nas escolas públicas. Traremos ainda a abordagem dos Parâmetros
Curriculares e a Base Nacional Comum Curricular. Analisaremos
em seguida, algumas atividades presentes nos livros didáticos do
programa PNLD, e, por fim apresentaremos uma estratégia
pedagógica com algumas atividades que abordem o ensino da
classe gramatical verbo, no gênero propaganda.

2. O MODO IMPERATIVO NA GRAMÁTICA NORMATIVA E


NO LIVRO DIDÁTICO

Na sala de aula, conforme se observa, o verbo é uma das classes


gramaticais que mais apresentam dificuldade no ensino-
aprendizagem da gramática. E isso ocorre, devido a forma ainda
tradicional de ensino que não os vincula às práticas sociais, sem
contextualizá-los, sem articulá-los ao uso real da língua. Nas aulas e
nos livros didáticos é possível perceber a presença de recortes
conceituais sobre os assuntos, atividades descontextualizadas,
exercícios repetitivos e pouca ligação com as práticas discursivas reais.
A questão nos leva as estratégias didáticas utilizadas,
estratégias que apresentam poucas oportunidades de colocar o
aluno diante da realidade da linguagem, em uso. Nesse sentido,
vejamos estratégias para o ensino do modo verbal do imperativo
em gramáticas e em alguns livros, utilizados em escolas públicas
do programa PNLD (Programa Nacional do Livro didático). Na
gramática de CUNHA E CINTRA, podemos observar a seguinte
definição para o modo verbal do imperativo.

204
Embora a palavra imperativo esteja ligada, pela origem, ao latim
imperare, não é para ordem ou comando que, na maioria dos casos, nos
servimos desse modo. Há, como veremos, outros meios mais eficazes
para expressarmos tal noção. Quando empregamos o imperativo, em
geral, temos o intuito de exortar o nosso interlocutor a cumprir a ação
indicada pelo verbo. (CUNHA e CINTRA, 2017, p. 340)

Esse conceito, articulamos aquele apresentando pela


gramática de Rocha Lima, que diz “o modo verbal caracteriza as
diversas maneiras sob as quais a pessoa que fala encara a
significação contida no verbo; distinguem-se três modos:
indicativo, subjuntivo e imperativo.” (ROCHALIMA, 2011, P. 168).
O conceito melhora, pois amplia a articulação com os outros modos
verbais. No conceito dado por Cunha e Cintra, é possível vermos
uma abordagem um pouco mais completa da que é que dada por
Rocha Lima. No primeiro, ele avança no sentido mais amplo
quando fala que quando usamos o imperativo temos o intuito de
exortar. Vemos nessa parte uma informação a mais na de que diz o
segundo que apenas faz uma nomenclatura do que seja esse modo.
Costumeiramente, essas gramáticas possuem uma lista de
exercícios que devem ser resolvidos para que o que se aprendeu seja
verificado (avaliado. É o chamado exercício de fixação, produzindo
assim um conhecimento diminuto, sendo impossível o aluno utilizar
desse recurso para suas possíveis práticas de linguagem, quando
necessário, enquanto cidadão. E essa relação com o social é a função
do ensino da língua, possibilitar o aluno a utilizar de maneira ampla
a língua e linguagem, a fim de que possa usufruir seus direitos como
cidadão, como fala os PCNs. (PCN, 1998, p. 58)
Observemos, agora, o conceito do modo imperativo,
apresentado nos livros didáticos distribuídos nas escolas públicas.
Analisaremos o livro de Oliveira e Araújo, intitulado, Tecendo
linguagens: língua portuguesa, do PNLD 2020. O texto apresenta a
seguinte definição para o imperativo:

Além do tempo e da pessoa do discurso, os verbos expressam o


modo como as ações acontecem, ou seja, a forma como são

205
flexionados também revela a atitude ou a intenção do falante em
relação ao fato expresso. [...] modo imperativo: expressa uma ordem,
um pedido, um conselho, um convite. [...] (OLIVEIRA E ARAÚJO,
2020, p. 151)

Na obra, antes da apresentação do conceito, há uma atividade


para os alunos identificarem os sentidos dos verbos indicados.
Observe a imagem 01 do exercício em questão.

Imagem 01: Exercício do Livro Didático

Fonte: Livro didático Tecendo linguagens, língua portuguesa, 6º ano, p. 150

A atividade traz algumas orações para serem analisadas pelos


alunos antes de ser exposto ou explicado o assunto em si, modo
verbal. Uma tentativa de chegar ao conceito, através dos exercícios.
No entanto, a estratégia da forma como se apresenta, parece não
trazer grandes contribuições para a aprendizagem dos alunos. Os
alunos irão identificar o sentido dos verbos, em cada oração
isolada, sem contexto. E, adiante, seguem os exercícios repetitivos,
para fixação (decorar) aquele conteúdo. A relação desses conteúdos
com a realidade sociocultural do aluno, não é enfatizado. Trata da
metalinguagem, a gramática, pela gramática, e não, a gramática no
texto, nos gêneros textuais. A gramática faz partes de todos os
gêneros e é importante para interpretá-los e produzi-los. Texto e
gramática são indissociáveis, uma não podendo ser independente
da outra. Segundo Antunes (2003):

A gramática está naturalmente incluída na interação verbal, uma vez


que ela é uma condição indispensável para a produção e

206
interpretação de textos coerentes, relevantes e adequados
socialmente. Tanto é assim que a questão, posta por alguns
professores “Texto ou gramática” não passa de uma falsa questão.
Na verdade, o professor deve encorajar e promover a produção e
análise de textos, o mais frequentemente possível (diariamente!),
levando o aluno a confrontar-se com circunstâncias de aplicação das
regularidades estudadas. (ANTUNES, 2003, p. 97)

Como vimos, é necessário permitir ao aluno que ele possa


produzir, analisar textos que fazem parte de sua interação social, e
não frases soltas que não trarão um conhecimento ampliado da
língua e tão pouco demostram o aspecto social e interacional da
linguagem. E principalmente, quando falamos da gramática, que
não deve ser vista como um caso à parte na língua, estudada
isoladamente, como foi o caso da atividade. “A gramática sozinha
nunca foi suficiente para alguém ampliar e aperfeiçoar seu
desempenho comunicativo.” (ANTUNES, 2003, p. 88). Na página
seguinte, do mesmo livro didático (Imagem 02), foi abordado o
conceito dos três modos verbais, na tentativa de distingui-los e
assim, tornar claro, cada conceito.

Imagem 02

Fonte: livro didático Tecendo a linguagem, língua portuguesa, 6º ano, p. 151

Observemos que na imagem 02 a estratégia utilizada ainda é a


de frases soltas sem contextualização e sem uma prática discursiva
na abordagem. Acreditamos que tal estratégia oferece poucas
chances de ampliar a competência comunicativa do aluno. Na

207
imagem 03 iremos observar mais uma atividade do livro. Mesmo
trazendo um gênero discursivo, este não exploração em suas
possibilidades comunicativas. Foi abordando, apenas aspectos da
gramática normativa e poucas questões sobre o texto. A abordagem
discursiva não foi explorada.

Imagem 03

Fonte: Livro didático Tecendo a linguagem, 6º ano, p. 151.

Mesmo sendo a abordagem utilizando o gênero discursivo


Panfleto, a atividade que foi proposta traz em sua natureza apenas
um exercício metalinguístico, não abordando a prática discursiva
do gênero e sua função social em consonância com o uso do modo
verbal no texto.
É um aspecto que devemos ter bastante cuidado, pois temos
que observar se estamos, de fato, trabalhando de maneira
adequada e interessante com os conteúdos gramaticais, que não
podem ser abolidos das nossas escolas, mas explorados de maneira
significativa para o aluno. Antunes em seu texto afirma que

Apesar de muitas “análises sintáticas”, apesar de muitas vezes nos


darmos ao insano ( e inglório!) trabalho de tentar diferenciar um “

208
adjunto adnominal” de um “ complemento nominal”, e outros
pormenores classificatórios, apesar de tanto quebrar a cabeça com
essas irrelevâncias metalinguísticas, faltou tempo- e talvez
capacidade-para se descobrir as regularidades do funcionamento
interativo da língua, que somente acontece por meio de textos orais
e escritos, em práticas discursivas as mais diversas, conforme as
situações sociais em que se inserem. (ANTUNES, 2003, p. 16)

É evidente, por meio dessas reflexões, que é necessário


redirecionar nossas práticas pedagógicas, e não utilizarmos apenas
a gramática tradicional e o livro didático como norte para nossas
aulas. É importante ampliar a visão dos alunos com relação à
gramática e sua função social, que não é memorizar conceitos e
regras rígidas, em trechos considerados exemplares únicos de uso
correto. Mas levar o aluno a reflexão e uso da mesma, mediante
suas necessidades, seja na fala ou na escrita.

3. O ENSINO DO MODO IMPERATIVO DE ACORDO COM


OS PCNS E A BNCC

Agora, abordaremos a forma como os PCNs e a BNCC tratam


o ensino da gramática no ensino da língua portuguesa, no ensino
fundamental. O texto que compõe os Parâmetros Curriculares
Nacionais quanto o da Base Nacional Comum Curricular deixam
de lado um ensino normativo e tradicional e apostam em uma visão
dialógica, socialmente praticada e ampliada, em que o aluno possa
desfrutar das mais variadas competências de linguagem, em suas
práticas sociais.
Com a publicação dos parâmetros, esse ensino passou a ser
repensado e discutido, deixando de privilegiar atividades com a
gramática isolada, e o texto passou a ser o centro das atenções,
melhor dizendo das aulas, no caso, aqui, de língua portuguesa.

Uma vez que as práticas de linguagem são uma totalidade e que o


sujeito expande sua capacidade de uso da linguagem e de reflexão
sobre ela em situações significativas de interlocução, as propostas

209
didáticas de ensino de língua portuguesa devem organizar-se
tomando o texto (oral ou escrito), como unidade básica do trabalho,
[...] (PCN, 1998, 59)

O texto tornou-se o elemento direcionador da aula de LP, pois


é por meio dele que há a interação verbal seja escrita ou oral,
utilizando as convenções adequadas a cada situação comunicativa,
tornando assim um ensino mais efetivo da língua,
contextualizando a gramática ao uso real. Contrariando assim, o
ensino pautado em palavras e frases soltas, que não ampliam a
capacidade comunicativa dos alunos.
Quando focamos apenas na gramática normativa em nossas
aulas, subtraímos a oportunidade dos nossos alunos de avançar em
sua vida profissional e social. Não é interessante classificar as
conjunções se não soubermos usá-las em um texto Por isso, muitas
vezes nossos alunos não vão bem nas avaliações externas, seja
ENEM, Prova Brasil e etc... Na escola sempre veem uma gramática
que só é vista lá e em nenhum lugar mais.
É desse ensino que os parâmetros falam desde 1998, porém até
hoje, ainda vemos metodologias pouco eficazes, construída a partir
de bases tradicionais. Após os parâmetros, a BNCC também traz
essa visão já abordada pelos PCN. E, na BNCC, enfatiza-se a
necessidade de mudar a maneira como é trabalhada a nossa língua.
A BNCC retoma a ideia dos PCN de que o texto deva ser o
centro do ensino na língua. Por esse motivo, a gramática que está
inserida nas práticas de linguagem como análise linguística. Essa
perspectiva de análise linguística deixa de trabalhar a gramática
normativa e sugere um ensino que desenvolva no aluno
competências, ou seja, “mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e
socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas
complexas da vida cotidiana...” (BNCC, 2018, p. 08).

210
4. ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA PARA TRABALHAR O
MODO IMPERATIVO NO GÊNERO PROPAGANDA.

A proposta, a seguir, possibilitará ao aluno não apenas o


conhecimento gramatical, que também é importante, mas a
reflexão de uso real da língua. A gramática contextualizada com
um gênero discursivo permite ao aluno a ampliação da
competência discursiva. “É necessário que os alunos compreendam
primeiro os fenômenos gramaticais, conforme se realizam nos
textos e no uso efetivo da linguagem, para, depois, organizar
sistematicamente os conteúdos, fase também importante no
aprendizado da língua.” (VARGAS, 2011, p. 88) Na primeira
estratégia, abordaremos o conhecimento prévio do aluno sobre a
finalidade, linguagem e o efeito de sentido do modo imperativo, na
propaganda abaixo. As atividades dessa estratégia têm como base
a propaganda da figura 04.

Imagem 04

Fonte: Portal do professor. acesso em 9 de fevereiro de 2022.

211
Atividade 01
Em uma roda de conversa, pode-se pedir aos alunos que
observem a propaganda, que pode estar exposta em uma mídia ou
em folhas impressas. Em seguida, direcionar algumas perguntas
que se refira ao contexto de produção do texto. Seria interessante e
se possível, apresentar em um suporte comum a esses tipos de
gêneros textuais.
a. Onde podemos encontrar esse tipo de texto e qual a função
social dele, ou seja, para que e quem ele é produzido?
b. Esse texto despertaria interesse do consumidor para
comprar?
c. Vocês comprariam esse produto oferecido? Por quê?

Atividade 02
Após os direcionamentos da atividade 01, iremos propor a
seguinte atividade na sequência, onde será analisado ainda
oralmente a construção composicional, os recursos visuais e a
relação com a verbal.
a. Se você estivesse em um supermercado e visse essa
propaganda, se interessaria pelo produto? Por quê?
b. A feição da criança, suas mãos, refletem que sentimento com
relação ao produto?
c. Qual a relação entre a emoção demonstrada pela criança e a
frase que é repetida na propaganda “Compre batom”?
d. Qual palavra na frase “Compre batom” nos dá ideia de
convencimento? E qual a sua relação com o produto oferecido?
e. Se trocarmos a frase “Compre batom” por “Compramos
batom” ou “Comprar batom” obteremos o mesmo efeito da
propaganda? Explique.

Atividade 03
Por fim, analisaremos com os alunos a composição da frase e
seu significado metalinguístico. Mostraremos a função do verbo
nessa construção e o modo pelo qual ele está sendo declarado.
Podemos colocar no quadro o conceito de modo verbal e discuti-lo

212
expositivamente. A atividade abordará um viés metalinguístico de
sistematização do conteúdo.
a. Escreva as três sentenças no caderno e explique o valor de
cada uma, qual significado foi construído nas três?
b. Qual ação o verbo representa e como poderíamos classificar
com relação ao tempo, modo?

Nessa segunda estratégia iremos fazer um diálogo entre textos


que também utilizam o modo imperativo, na sua composição, para
construção do efeito de sentido. Os gêneros que compararemos
ainda será a propaganda e a receita, mas podem utilizar outros
gêneros que utilizam esse modo verbal para efeito de sentido:
propagandas, anúncios, manuais, receitas, slogans, entre outros.
Nosso objetivo será apresentar duas funções diferentes do modo
imperativo. Na receita que é um texto instrucional paralelo à
propaganda que como já vimos é convencer o consumidor a
comprar o produto/ideia oferecidos.
Nesta estratégia, que pode ser aplicada após a estratégia 1,
faremos um diálogo entre a receita, que é um gênero textual que
orienta a realização de algo, uma instrução e em relação à
propaganda. A intenção da atividade é mostrar mais uma função
social de um texto que utiliza o modo imperativo para produzir
sentido, mostrando assim a diferença. Veja os dois textos abaixo,
uma receita na imagem 05 e uma propaganda na imagem 06. São
dois textos com funções distintas que utilizam o modo imperativo
na construção do seu sentido.

213
Imagem 05

Fonte: receiteria.com.br. acesso em 10 de fevereiro de 2022

Imagem 06

Fonte: portal do marketing net. acesso em 10 de fevereiro de 2022.

Pedir aos alunos que observem o uso das formas verbais


“Abra” e “coloque”, “acrescente”, “desligue”, “corte” e expliquem,

214
no contexto dos gêneros quais as funções dessas palavras e o que
elas representam no texto. Os textos podem ser expostos em slides
ou impresso para os alunos.
Em seguida, conversar com eles sobre a função de cada texto e
finalizar com quadro comparativo em que eles transformarão os
verbos que estão no imperativo para o modo indicativo e
subjuntivo. Por fim, fazer um apanhado geral sobre os modos
verbais, sintetizando os conceitos.

Atividade 03
A proposta 3, os alunos irão escolher um produto de sua
preferência e produzirão uma propaganda desse produto. O
objetivo dessa atividade é fazer com que o aluno utilize o
conhecimento adquirido no decorrer das atividades para realizar
essa tarefa.
Essa propaganda pode ser de um livro novo que chegou à
escola e que o aluno já leu. Ele utilizará seus conhecimentos para
promover o produto. É interessante que essa atividade seja
realizada com o professor de artes, pois o aluno terá que utilizar
uma linguagem não verbal junto à verbal.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que quando trabalhamos unicamente à luz da


gramática normativa/ tradicional, engessamos a língua, limitando
o raciocínio dos nossos estudantes. É necessário mostrar uma
gramática real da língua, que é cheia de significados e discursos
diversos, e que o verbo faz parte dessa construção, dessa
construção de sentido, seja na fala ou na escrita.
Já que o conceito tradicional de verbo, muitas vezes, abstrato,
é quem traz essa confusão, devemos partir de um conceito mais
prático e concreto. E essa praticidade, concretude, podemos
encontrar nos gêneros textuais, formas de linguagem e de vida.
Assim, pensando em uma proposta que possibilitasse ao nosso
aluno uma visão ampla da língua, utilizamos o gênero publicitário,

215
para a partir dele, ajudar a minimizar os problemas enfrentados
pelos alunos com relação ao modo imperativo. E, sabendo que o
verbo é uma categoria importante, em qualquer texto (gênero
textual), a proposta justifica a nossa pesquisa.

6. REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. 1ª ed.


São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
ARAÚJO, Lucy Aparecida Melo; OLIVEIRA, Tânia Amaral. Tecendo
linguagens: língua portuguesa. 5ª ed. São Paulo: IBEP, 2018.
BRASIL. Ministério da educação. Base nacional comum curricular.
Brasília, 2018.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos
do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares
nacionais. Brasília, 1998.
COSTA VAL, M. G. A gramática do texto, no texto. Rev. Est. Ling.,
Belo Horizonte, v.10, n.º 2, p.107-133, jul./dez. 2002.
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Breve gramática do português
contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
LIMA, Rocha. Gramática normativa da Língua Portuguesa. 49ª ed.
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2011.
VARGAS, Maria Valíria. Verbo e práticas discursivas. São Paulo:
editora Contexto, 2011.

216

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