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ORALIDADE,

RETÓRICA
E TEXTO
José Nildo Barbosa de Melo Junior
Maria Francisca Oliveira Santos
Max Silva da Rocha
(Orgs.)

ORALIDADE,
RETÓRICA
E TEXTO
Prefácio
Flávia Colen Meniconi

Apresentação
Fabiana Pincho de Oliveira

Arapiraca | Alagoas | 2020


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS
Reitor: Odilon Máximo de Morais
Vice-Reitor: Anderson de Almeida Barros
Diretor da Eduneal: Renildo Ribeiro

CONSELHO EDITORIAL DA EDUNEAL

Presidente: Renildo Ribeiro


Titulares
Professores:
José Lidemberg de Sousa Lopes
João Ferreira da Silva Neto
Luciano Henrique Gonçalves da Silva
Natan Messias de Almeida
Maria Francisca Oliveira Santos
Márcia Janaína Lima de Souza - Sistema de Bibliotecas (SIBI)

Suplentes
José Adelson Lopes Peixoto
Edel Guilherme Silva Pontes
Maryny Dyellen Barbosa Alves Brandão
Ariane Loudemila Silva de Albuquerque
Ahiranie Sales dos Santos Manzoni
Elisângela Dias de Carvalho Marques - Sistema de Bibliotecas (SIBI)

Revisão linguístico-textual: José Nildo Barbosa de Melo Junior


Maria Francisca Oliveira Santos
Max Silva da Rocha
Normalização: José Nildo Barbosa de Melo Junior
Max Silva da Rocha
Capa: José Nildo Barbosa de Melo Junior
Imagem da capa: Canva
Diagramação: Ed Vasconcelos

Esta obra teve apoio financeiro da Fapeal para sua impressão.

Catalogação na Fonte
Universidade Estadual de Alagoas -
Sistema de Bibliotecas- SiBi
Biblioteca Ineide Nogueira - Divisão de Tratamento Técnico da Informação
Bibliotecária Responsável: Márcia Janaina Souza
O63 Oralidade, retórica e texto / José Nildo Barbosa de Melo Júnior; Maria
Francisca Oliveira Santos; Max Silva da Rocha (Organizadores). -
Arapiraca: Eduneal, 2020.
219 p.: il.:color.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-86680-10-2

1. Linguística. 2. Retórica. 3. Linguagem. 4. Análise do discurso. I.


Melo Júnior, José Nildo Barbosa de (Org.); II. Santos, Maria Francisca
Oliveira (Org.); III. Rocha, Max Silva da (Org.).

CDU 80
Direitos desta edição reservados à
Eduneal - Editora da Universidade Estadual de Alagoas
SUMÁRIO

PREFÁCIO..........................................................................................7
Flávia Colen Meniconi

APRESENTAÇÃO................................................................................11
Fabiana Pincho de Oliveira

Capítulo 1
NATUREZA DA QUESTÃO RETÓRICA E A FELICIDADE........................... 17
Luiz Antonio Ferreira e Ana Lúcia Magalhães

Capítulo 2
OS CONFLITOS SOCIAIS E A LINGUAGEM: EMBATES E SOLUÇÕES......39
Maria Francisca Oliveira Santos

Capítulo 3
O ATO DE RESUMIR TEXTOS.............................................................59
José Nildo Barbosa de Melo Junior e Eduardo Pantaleão de Morais

Capítulo 4
AS FIGURAS RETÓRICAS NO GÊNERO DEBATE REGRADO EM SALA
DE AULA..........................................................................................83
Sandra Araujo Lima Cavalcante e Max Silva da Rocha
6 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Capítulo 5
ANÁLISE DA PERSUASÃO NO DEBATE POLÍTICO PRESIDENCIAL
BRASILEIRO...................................................................................103
Romildo Barros da Silva

Capítulo 6
PROCESSOS REFERENCIAIS NO DEBATE POLÍTICO TELEVISIVO:
ASPECTOS ARGUMENTATIVOS E DA TEXTUALIDADE.........................123
Janyellen Martins Santos

Capítulo 7
AS FIGURAS RETÓRICAS EM TEXTOS/DISCURSOS ORAIS NA
ESFERA JURÍDICA...........................................................................139
Deywid Wagner de Melo e Maria Francisca Oliveira Santos

Capítulo 8
A LEITURA EM VOZ ALTA: UMA ANÁLISE DOS ELEMENTOS NÃO
VERBAIS NO CONTEXTO DE SALA DE AULA.......................................163
Marcos Suel dos Santos e Maria Inez Matoso Silveira

Capítulo 9
UM ESTUDO DA ARGUMENTAÇÃO QUASE LÓGICA NO GÊNERO
DISCURSO DE SALA DE AULA..........................................................183
Jonnas Nichollas de Lima Costa e Max Silva da Rocha

REFERÊNCIAS.................................................................................201

SOBRE OS AUTORES.......................................................................213
PREFÁCIO

A vida em sociedade é marcada por conflitos sociais e


políticos de diferentes tipos. As multiplicidades de interesses,
crenças e concepções, muitas vezes, são os principais motivos das
desavenças e dos desentendimentos entre as pessoas, no âmbito da
comunicação, seja ela oral, seja escrita. Nesse contexto, a linguagem,
enquanto prática social, assume o importante papel de elemento
mediador das relações humanas. Por meio dela, pensamentos são
propagados, informações são negociadas, embates ideológicos e
conflitos advindos da interação social são administrados.
As crenças, concepções, experiências e os conhecimentos
construídos ao longo da existência humana exercem uma enorme
influência na forma como o pensamento é articulado e traduzido em
palavras. Esse pensamento direcionará o discurso argumentativo,
entendido como um recurso retórico da linguagem, cujo objetivo
fundamenta-se na comunicação, administração e defesa de
diferentes pontos de vista acerca de temas variados. A argumentação
e a retórica, enquanto elementos básicos da comunicação oral e
escrita, são responsáveis pelo intercâmbio de convicções, ideias,
informações, fatos e, o mais importante, pelo gerenciamento de
negociações discursivas.
Na atual conjuntura, em que diferentes vozes propagam e
naturalizam o discurso conservador, preconceituoso, dominante e
8 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

excludente, torna-se cada vez mais necessário o aprofundamento


dos estudos sobre textos, Retórica e oralidade, principalmente no
que tange à compreensão mais profunda a respeito dos mecanismos
sintáticos, textuais, argumentativos e semânticos que configuram a
linguagem verbal e não verbal da sociedade contemporânea.
A difusão de análises e resultados de pesquisas realizadas
acerca das estratégias retóricas que, por sua vez, caracterizam o
discurso político e o jurídico propagados em diferentes contextos:
rádio, televisão, WhatsApp, Facebook, entre outros, tornam-
se de suma importância no momento atual, caracterizado pelo
desmantelamento das universidades e pela desvalorização das
ciências humanas. Neste atual cenário, é inquestionável a necessidade
de compreender, de forma mais profunda, a linguagem retórica
que veste o debate político, as discussões nos âmbitos jurídico e
educacional, apresentada pelos estudos e pelas investigações que
compõe esta importante obra.
Aqueles que se interessem pelos estudos em torno da
linguagem, do texto e da oralidade encontrarão nas páginas que
compõem este livro uma séria, intensa, profunda e apaixonante
forma de compreender a comunicação oral e escrita, a partir dos
estudos argumentativos e retóricos. Nesta obra, a linguagem
é tratada como prática social. Os autores exploram múltiplos
mecanismos linguístico-discursivos e estudam os elementos da
Retórica em diferentes gêneros textuais, situados historicamente,
em variados contextos de interação comunicativa. Em outras
palavras, nas pesquisas aqui apresentadas, a linguagem é entendida e
trabalhada como instrumento de poder, manipulação, negociação de
informações, mas também como importante elemento de formação
para a cidadania e transformação social.
Esta obra, portanto, convida os leitores a refletirem sobre
os seguintes questionamentos: Como acontecem as tentativas
de persuasão, interação e negociação de informações em textos
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 9

orais e escritos do âmbito político, jurídico e educacional? Quais


são os elementos retórico-linguísticos presentes nesses discursos
e de que maneira são organizados no âmbito discursivo? Como
ocorre a projeção do ethos, pathos e logos e como se articulam
linguisticamente em diferentes contextos de uso da língua? Em que
medida os processos referenciais atuam, interagem e interferem na
construção dos sentidos do gênero oral e escrito? Tais questionamentos
conduzem as pesquisas aqui apresentadas e direcionam o leitor rumo
à construção de reflexões significativas acerca dos mecanismos
retórico-linguísticos implícitos e explícitos na linguagem.
As discussões crítico-discursivas em torno da linguagem, do
texto (oral e escrito) e da Retórica apresentadas pela obra incitam no
leitor o desejo de compreender aquilo que está por trás da linguagem
experimentada e vivenciada em diferentes textos e contextos políticos,
sociais e educacionais. Essa linguagem que ora apaixona, persuade,
convence, ora constrange, indigna e revolta. Essa linguagem que
não surge no vazio, mas que, enquanto prática social, advém de
negociações e acordos prévios partilhados e compartilhados em
situações comunicativas concretas. Nessa perspectiva, os autores
da obra em questão conversam com seus diferentes leitores, em
consonância com uma concepção de linguagem que não é neutra,
mas que, ao contrário disso, instiga, desorganiza um sistema de
crenças, atitudes e que provoca e promove mudanças nas formas de
ver e conceber o funcionamento da língua, do texto e do discurso.
Os leitores são ainda convidados, nesta respeitável obra,
a refletir sobre a importância dos estudos textuais no âmbito
educacional. Nesse contexto, o trabalho em torno do desenvolvimento
de estratégias retóricas para negociações discursivas e interativas se
torna fundamental para a participação em eventos comunicativos
relacionados ao debate oral e à produção de textos acadêmicos, tais
como o resumo e a resenha crítica. Os estudos da linguagem e do
texto, no âmbito formativo, situam a Retórica no plano de ações
10 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

voltadas para o desenvolvimento de práticas educativas pautadas na


construção de conhecimentos e no uso de mecanismos linguístico-
discursivos de diferentes gêneros textuais, como elementos de
formação para a cidadania e participação social. Aqui, os leitores
terão a oportunidade de compreender as perspectivas teóricas que
orientam a análise de textos orais e escritos e, certamente, encontrarão
caminhos para a elaboração de estratégias didático-metodológicas
voltadas para o trabalho com textos em sala de aula.
Por fim, espero que esta obra provoque em seus leitores
indagações e reflexões profundas e significativas nos âmbitos
teórico, linguístico e discursivo e que, ao longo das páginas, desafie
a transformação de olhares e concepções acerca da linguagem
como prática social, situada na história e na política de diferentes
esferas sociais. A linguagem, entendida como prática discursiva
no âmbito retórico, permite a produção e o compartilhamento de
visões, conhecimentos e formas de conceber e agir no mundo, ao
mesmo tempo que intermedeia interações dialéticas com vistas à
transformação social. Essa é uma forma de entender a linguagem e o
texto, não só como elementos de interação comunicativa, mas como
caminhos de luta, participação e transformação social.

Desejo a todos uma inquietante e apaixonante leitura!

Profa. Dra. Flávia Colen Meniconi (UFAL)

Maceió, 05 de maio de 2020.


APRESENTAÇÃO

A apresentação de um livro não é tarefa fácil, principalmente


quando a obra reúne uma diversidade de pesquisas em três áreas de estudo
tão fecundas. É o que acontece com o livro Oralidade, Retórica e Texto.
Trata-se de uma coletânea que mostra a relevância e a produtividade
das pesquisas e reflexões nas áreas da Análise da Conversação, da
Linguística Textual e da Retórica. Nesta obra, o texto é tratado em sua
multimodalidade, na diversidade de gêneros, no jogo argumentativo
com força persuasiva de atender a interesses, preservar faces, atenuar ou
acentuar conflitos verbais. Portanto, aspectos da interação, da cognição,
da estrutura linguística e da textualidade são determinantes na produção
dos textos que, por sua vez, materializam discursos.
Outro destaque que faço a esta obra é a reunião de autores
com duas características marcantes: parte deles é formada por jovens
pesquisadores que, muitas vezes, por meio de uma experiência de
iniciação científica, dedicaram-se à produção acadêmica e, hoje,
escrevem e publicam com maestria. Outra parte é composta por
experientes professores universitários que têm muita contribuição
nas áreas de investigação propostas pelo livro.
A formação acadêmica de cada autor inserido nesta coletânea
atesta credenciais para abordar os grandes temas do livro. São integrantes
de grupos de pesquisa, certificados pelo CNPq e de abrangência
interinstitucional, tais como: Grupo de Estudos do Texto e da Leitura
12 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

(GETEL), Grupo de Pesquisa Linguagem e Retórica e Grupo de Estudos


Retóricos e Argumentativos (ERA).
Parto agora para comentar outro aspecto de sintonia entre os
autores: o estilo da redação. Pois bem, os autores do livro Oralidade,
Retórica e Texto registram suas pesquisas e reflexões com muita segurança
e clareza, justificando cada escolha teórica feita e o percurso metodológico
escolhido. Com certeza, o cuidado e o zelo com a legibilidade do texto
escrito são marcas características de todos os autores desta obra, deixando
para o leitor modelos dos gêneros ensaio e artigo acadêmico.
Considero a sala de aula outro ponto de encontro do livro, seja
nas interações analisadas, contextualizadas em ambiente escolar, seja
na análise de gênero que se volta às práticas de escrita acadêmica,
seja nas reflexões propostas que se aplicam ao contexto escolar. Esse
aspecto deve ser considerado como relevante nesta obra, porque
mostra a viabilidade da pesquisa de intervenção pedagógica e mostra
a escola como lócus de investigação.
Após essas considerações apreciativas da obra, apresento
ao leitor uma descrição sumária do conteúdo do livro Oralidade,
Retórica e Texto.
O primeiro capítulo da obra, intitulado “A natureza da
questão retórica e a felicidade”, trata-se de um belíssimo ensaio
escrito pelo Professor Doutor Luiz Antonio Ferreira e pela Professora
Doutora Ana Lúcia Magalhães. Os autores apresentam ao leitor uma
interessante e bem fundamentada reflexão sobre a construção retórica
da felicidade em algumas canções brasileiras. O texto parece uma
aula de Filosofia e Retórica Clássica, mostrando a Retórica como um
exercício entre a pergunta e a resposta, exigindo razão e emoção do
orador para persuadir o auditório. “A felicidade é persuasiva quando
o outro se sente feliz com a resposta do orador”.
“Os conflitos sociais e a linguagem: embates e soluções” é título
do segundo capítulo escrito pela Professora Doutora Maria Francisca
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 13

Oliveira Santos, ao analisar as categorias linguísticas que suavizam


ou intensificam os conflitos verbais nos gêneros a votação oral e a
exposição de sala de aula. Para isso, são apresentados os conceitos
da polidez positiva e negativa, ligados aos Estudos Conversacionais;
as teorias relacionadas aos paralelismos sintáticos e semânticos no
âmbito da Linguística Textual; e os aspectos teóricos-metodológicos
da pesquisa qualitativa. A autora evidencia o importante papel dos
aspectos interacionais presentes na linguagem verbal e não verbal, que
devem ser considerados na gestão de conflitos sociais imbricados nas
relações sociais contemporâneas.
No terceiro capítulo “O ato de resumir textos”, o Professor
Mestre José Nildo Barbosa de Melo Junior e o Professor Doutor
Eduardo Pantaleão de Morais apresentam relevantes discussões
teóricas em torno do gênero resumo e orientações pertinentes acerca
da compreensão e produção textual de diferentes tipos de resumos,
tais como: o didático, o técnico, o crítico, entre outros. Ao longo
do capítulo, os autores evidenciam a importância da apropriação
dos mecanismos discursivos e linguístico-discursivos do gênero, no
que diz respeito ao contexto de produção e ao conteúdo temático,
chamando a atenção do leitor para a importância do domínio da
escrita do gênero, tanto na educação básica quanto no ensino superior.
Em “As figuras retóricas no gênero debate regrado em sala de
aula”, quarto capítulo da obra, os Professores Mestres Sandra Araujo
Cavalcante e Max Silva da Rocha discutem sobre os papéis e distintas
funções do debate no contexto educacional. Os autores convidam o leitor
a refletir a importância do trabalho com a argumentação e as estratégias
de orientação do debate no contexto da sala de aula, como: a construção
de um ponto de vista sobre um tema, a refutação de opiniões, de maneira
respeitosa e a partir de conhecimentos construídos durante a efetivação
do debate. Os autores realçam a importância do papel da escola no
gerenciamento e na aprendizagem das negociações discursivas para o
desenvolvimento do repertório de argumentos persuasivos.
14 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

No quinto capítulo “Análise da persuasão nas tentativas de


persuadir do debate político presidencial brasileiro”, o doutorando
Romildo Barros da Silva defende que o acordo prévio é um dos
elementos retóricos de destaque no debate político enquanto
gênero textual. Para o autor, negociação e posicionamentos
acerca de fatos sociais são importantes atos interativos do debate
e estratégias argumentativas são utilizadas com o intuito de
persuadir o público televisivo.
No sexto capítulo “Processos referenciais no debate político
televisivo: aspectos argumentativos e da textualidade”, a doutoranda
Janyellen Martins Santos apresenta a análise dos processos
referenciais no debate político e a forma de atuação desses processos
na tessitura textual e na argumentação presentes no gênero. O estudo
evidenciou a funcionalidade dos processos referenciais (anáforas
indireta e associativa, encapsulamento, recategorização anafórica/
catafórica) na cadeia coesiva e a modificação dos objetos do discurso
referentes à construção dos sentidos do gênero oral.
No sétimo capítulo “As figuras retóricas em textos/discursos
orais na esfera jurídica”, o Professor Doutor Deywid Wagner Melo e
a Professora Doutora Maria Francisca Oliveira Santos apresentam a
classificação das figuras retóricas e as analisam nos gêneros acusação
e defesa oral. De forma didática, os autores esclarecem os limites
de noções importantes que podem causar inadequação ao serem
adotados nas análises das pesquisas, a saber: como texto, gênero
e discurso; figuras retóricas e estilísticas, a tríade argumentativa
(ethos, pathos e logos); e Retórica e Nova Retórica.
Mais uma vez a Análise da Conversação e a Linguística
Textual caminham juntas para elucidar a influência dos elementos
não verbais nos protocolos verbais para a compreensão da leitura
em voz alta. Nessa trilha, o doutorando Marcos Suel dos Santos e a
Professora Doutora Maria Inez Matoso Silveira escrevem o oitavo
capítulo, intitulado “A leitura em voz alta: uma análise dos elementos
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 15

não verbais no contexto de sala de aula”. Como pesquisas sobre


o espaço do texto oral na escola são escassas, este capítulo ganha
ainda mais relevância, por mostrar os elementos não verbais (a
paraliguagem, a cinésica e a proxêmica) como recursos que auxiliam
o professor na prática de leitura na sala de aula.
“Um estudo da argumentação quase lógica no gênero
discurso de sala de aula” é o título do nono capítulo escrito pelo
recém-graduado em Letras Jonnas Nichollas de Lima Costa e pelo
Professor Mestre Max Silva da Rocha, finalizando o livro com a
análise retórica do gênero oral discurso de sala de aula no contexto
do ensino superior. Os autores situam a pesquisa na abordagem da
Nova Retórica, buscando entender como os professores conseguem
persuadir os estudantes e identificar os argumentos mais utilizados
nesse tipo de interação.
A partir da minha experiência de professora que atua nos
anos iniciais da graduação e no Mestrado Profissional em Letras
(Profletras), vejo esta coletânea com um potencial de compêndio a ser
adotado nas disciplinas de Leitura e Produção de Textos, de Redação
Acadêmica ou de Elaboração de Projetos, tanto na graduação como
na pós-graduação.
A relevância temática, a qualidade do texto e a formação
acadêmica dos autores, que há tempos dedicam-se aos estudos
conversacionais, textuais e retóricos, com o rigor metodológico
exigido por essas áreas, atestam a qualidade do livro Oralidade,
Retórica e Texto e convidam o leitor para apreciação da obra.

Profa. Dra. Fabiana Pincho de Oliveira (UFAL)

Maceió, 07 de maio de 2020.


NATUREZA DA QUESTÃO RETÓRICA
E A FELICIDADE
Luiz Antonio Ferreira
Ana Lúcia Magalhães

Introdução
A eficácia retórica se consolida quando o orador consegue
imprimir ao dizer o seu poder de influência. Por isso, praticar a
retórica é, com o auxílio forte da percepção, entender, pelo intelecto,
que podemos moldar eventos, desejos, verdades e mentiras nos
cérebros uns dos outros com primorosa precisão. Exercitar a retórica
é, também, dar respostas para questões fundamentais do auditório. As
perguntas, sabemos, possuem intencionalidade e, grosso modo, podem
ser honestas ou capciosas, bem intencionadas ou irônicas, simples ou
complexas. Do mesmo modo, as respostas podem apregoar e alicerçar
valores no discurso dominante de uma comunidade humana. Porque
os valores são complexos e oscilantes, a estrutura retórica da resposta
exige do orador empenho e arte, pois, diante de uma questão, o
orador, no ato retórico, irá - sempre - movimentar razão e emoção se
o propósito é estabelecer acordos pela demonstração do verossímil.
Quando há tensividade retórica, o orador, num contexto em que se situa
uma questão, precisa persuadir e, para realizar esse intento, necessita,
como afirma Aristóteles (Retórica, I, cap. II), encontrar as provas de
persuasão fornecidas pelo discurso, que são de três espécies: umas
18 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

residem no caráter moral do orador (ethos); outras, no modo como


se dispõe o ouvinte (pathos); e outras, no próprio discurso (logos).
As questões e as respostas, nesse plano, situam-se num intrincado
contexto retórico e se concretizam favoravelmente quando o outro,
depois de ter ouvido o orador, se sente confortável e feliz com as
respostas. A felicidade, ressaltemos, é persuasiva. No discurso retórico
bem articulado, é potentemente verosímil e fortemente patética.
Consideremos, inicialmente, que todo ato retórico é um
exercício verbalizado para dar resposta a uma pergunta explícita
ou implícita. Consideremos, também, uma pergunta bem simples
para servir de mote para nossa reflexão neste texto: Há diferenças
fundamentais entre estar feliz e ser feliz?

A pergunta retórica
Em 1983, quando os tempos eram mais felizes,
havia carnaval, festas populares e proximidade
humana sem susto ou medo de vírus, pragas e pestes,
Caetano Veloso fez ecoar pelo Brasil os versos
de Mestrinho e Didi: “Diga, espelho meu, se há
na avenida alguém mais feliz que eu”. A interrogação é indireta.
O orador, porém, não pretende uma resposta: quer, sim, evocar o
espelho como um símbolo tradutor de verdades agradáveis ou cruéis
e faz-nos apenas uma “pergunta retórica”: aquela que não solicita
uma resposta do auditório, pois pretende estimular a reflexão,
chamar a atenção para um estado de coisas ou modo de ser. O orador,
então, já sabe a resposta e, nesse caso, apenas acentua uma proposta
de reação negativa ou positiva sobre um evento do mundo. Esse
tipo de pergunta sem interrogatividade efetiva surge no ato retórico
meramente para reforçar uma ideia sobre algo ou alguém com
objetivo de movimentar as paixões do auditório. Pretende, enfim,
moldar, pelo pathos, um princípio valorativo do mundo. Nesse
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 19

sentido, uma “pergunta retórica” não encerra em si uma questão


de fato, mas um artifício expressivo que objetiva, de modo geral,
expressar uma crítica social, manifestar indignação com alguma
situação, estimular o interlocutor para uma reflexão, convidar para
adesão a uma causa, sensibilizar para enfatizar uma ideia. Vista como
efeito expressivo, como figura, é também chamada Erotema (do
grego ερωτημα), erotese ou eperotese. Nordquist (2018) recupera,
na Gramática Retórica de John Walker, publicada em 1814, uma
afirmação interessante: “Erotesis, ou Interrogatório, é uma figura
pela qual expressamos a emoção de nossa mente, e infundimos um
ardor e energia em nosso discurso propondo perguntas. Como essas
questões têm a força de um clímax, devem ser pronunciadas com
força crescente até o fim.”. Estudiosos das figuras de retórica, sempre
preocupados com especificidades expressivas, atribuíam nomes cada
vez mais definidores para um mesmo fenômeno de fala de cunho
interrogativo: Epiplexis, por exemplo, indica um lamento ou um
insulto feito como pergunta: “Você teve um tumor cerebral no café
da manhã?” (FORSYTH, 2013). Em um sentido amplo, Epiplexis é
uma forma de argumento em que um orador tenta envergonhar um
oponente para adotar um ponto de vista particular. É claramente um
recurso de veemência. Quando um orador levanta uma questão e
imediatamente a responde, a figura é denominada Hypophora. São,
porém, apenas classificações para um mesmo fenômeno retórico: a
pergunta que não exige uma atitude verbal responsiva do auditório.
Na teoria retórica, porém, a verdadeira questão, parte da antiga
tríade quaestio, oratio e orator, possui uma estrutura significativa
bem delineada e, quando articulada racionalmente na inventio,
repercute persuasivamente na actio e exige respostas do auditório
ligadas a decisões efetivas sobre as condições do existir e do estar
no mundo. Diferentemente da pergunta retórica, o propósito de uma
questão é a obtenção de uma resposta, de uma nova informação, de
uma informação que não se tem e que se pretende ter.
20 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Qualquer discurso se constitui a partir de um tema que quando


problematizado faz surgir a questão (TRINGALI, 1988). Como
o questionar traz em si um problema, impõe a resolução de uma
pergunta clara ou pressuposta que pode suscitar resposta ou respostas
em conflito. Quando uma questão se coloca em termos gerais (O que é
felicidade?) chama-se tese e compreende tanto questões teóricas quanto
práticas. A tese se oferece independentemente das circunstâncias, trata
de um tema abstratamente e não se detém em casuísmos. A tese é uma
questão temática. Quando a questão é posta em termos particulares,
chama-se hipótese (É justo, por omissão, privar os brasileiros do direito
à felicidade?). Pode assumir características bem individualizadas
porque envolve circunstâncias temporais e geográficas.

A questão retórica
O verso cantado por Caetano tematiza a felicidade e nos
permite discutir a natureza da quaestio em retórica, as estratégias
patéticas responsivas exercidas sobre o auditório quando o ato
retórico discute a felicidade como valor inalienável do ser humano.
Quaestio é a palavra latina correspondente a pergunta,
interrogação. Liga-se a quaerere, que significa “procurar, indagar,
investigar”. Em Retórica, a quaestio realça o alvo de análise, o que
se procura desvendar e é propulsora de uma discussão. Relaciona-se
também com “perquirere” (intensificativo per- mais quaerere): indagar,
buscar com afinco. A questão, enfim, estimula o desejo de desvendar um
problema. No dizer de Campbel, Huxman e Burkholder (2015, p. 90),
é um “ponto fundamental na disputa, é crucial na tomada de decisão ou
na seleção de um curso de ação”. Para Tringali (1988 p. 48), a “máquina
retórica só se movimenta quando instigada por uma questão”.
Ao compor a canção que abre este texto, Mestrinho e Didi
lançam uma “pergunta retórica” (Há na avenida alguém mais feliz que
eu?), mas não pretendem elaborar uma “quaestio”. Transmutados em
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 21

orador, trabalham, em primeira pessoa, no terreno das paixões (pathé),


das sensações evocadas na liberdade do poético e refletem estados de
espírito já consagrados no discurso dominante, para, no caso, solidificar
opiniões e crenças sobre o ethos do brasileiro e o espírito jubiloso do folião
em contato com as suas tradições mais preciosas. Os primeiros versos
da canção, metafóricos, antropomórficos e hiperbólicos, constituem
um cenário sustentado discursivamente no gênero laudatório: A minha
alegria atravessou o mar e ancorou na passarela/ Fez um desembarque
fascinante no maior show da Terra. O orador cumpre sua parte oratória
e vale-se da retórica para despertar pathos e salientar um estado de
espírito ligado ao bem-estar e à alegria que, no refrão, se transforma em
felicidade”. Mas... estar alegre é ser feliz?
A título de exemplificação, seria possível evocar, a partir da
associação entre alegria e felicidade feita pelo orador, uma efetiva
quaestio, que exigisse uma resposta elaborada e retoricamente pensada:
A alegria demonstrada nos primeiros versos da canção relaciona-se a
um estado de alma perfeitamente localizado no tempo e no espaço e,
por isso, reflete apenas movimentos emocionais passageiros e fugazes
que não poderiam ser chamados propriamente de felicidade? Essa
quaestio levaria o auditório a refletir sobre a natureza dos sentimentos,
das emoções e das paixões. Outras perguntas poderiam advir: Alegria
e felicidade são palavras sinônimas na canção de Mestrinho e
Didi? A construção de uma resposta envolveria um movimento de
racionalização sobre a semântica envolvida nos dois termos. Exigiria,
também, participação do logos para o entendimento (ou não) da
felicidade como um produto consciente e refletido no indivíduo,
não ligado a um estado momentâneo, mas ao ser (e, por isso, mais
duradouro e intelectivo) e à alegria como um estado, sensação
efêmera, fugaz, capaz de causar um bem-estar que desaparecerá tão
logo termine o percurso da avenida. Se assim for, o poeta, que se
considera “feliz”, viveria, de fato, apenas a efemeridade da alegria?
As perguntas servem apenas de exemplo, mas é fundamental entender
22 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

que uma questão retórica é sempre “o mote para a problematização de


um tema”. Pode ter características particulares ou gerais, mas sempre
será uma interrogação estimulante.
A canção se desenvolve, lança duas outras perguntas
e vale-se de mais um termo para exaltar o estado de espírito:
“Será que eu serei o dono dessa festa?/ Um rei no meio de
uma gente tão modesta?/ Eu vim descendo a serra/ cheio de
euforia para desfilar”. Novamente, a questão se liga ao gênero
epidítico (laudatório), aquele que compreende todo discurso que
louva, exalta, glorifica, como também o que vilipendia, censura,
injuria, menospreza e permite ao orador explorar assuntos que se
associam a valores ligados ao belo e ao feio, à virtude e ao vício,
aos desmandos e maus hábitos e, em muitos casos, louvar o que
é detestado pela moral presente no discurso dominante. Como o
gênero epidítico requer do orador uma manifestação ligada ao
gosto/não gosto, ao concordo/não concordo, ao acho/não acho,
as respostas que seriam dadas ao orador na canção exigiriam do
auditório tão somente um julgamento subjetivo sobre o valor
do discurso e não propriamente sobre a natureza do perguntado.
No plano retórico, Campbell, Huxman e Burkholder (2015)
classificam as questões em três grandes divisões: questões de
valor, questões de fato e questões políticas.

Questões de valor
Nos discursos públicos em geral, é sempre possível criar uma
questão polêmica, denominada “de valor”, que provoca respostas
elaboradas sobre o que é bom, desejável e útil, ético e moral. Oradores
que elaboram questões de valor preocupam-se com a reação patética
dos ouvintes, pois a intensidade e profundidade da questão evoca graus
de medida ou de adesão ou de hostilidade do auditório. Uma questão
de valor pode causar discórdia profunda ainda que seja elaborada de
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 23

forma bem simples: “Uma condição absoluta de felicidade humana


está ligada sobretudo ao amor, ao dinheiro ou à saúde? A inserção
dos termos “absoluta” e “sobretudo” no interior da pergunta dificulta
uma resposta consensual. Sabemos que centenas de livros já foram
escritos para encontrar uma resposta adequada para a questão.
Como, porém, é de valor, sempre haverá espaço para muitos outros
discursos. A plausibilidade e verossimilhança, os recursos racionais
e psicológicos determinarão a força dos argumentos e levarão ou não
à persuasão ou ao convencimento pretendidos pelo orador. Questões
de valor, durante a actio, acentuam sobremaneira o ethos do orador
e se movem em função do acento argumentativo dado à sabedoria,
benevolência e virtudes do orador. O quadro a seguir explicita os
aspectos retóricos que precisam ser realçados para ampliar ou
diminuir o poder persuasivo do orador diante de um auditório que se
vê premido a dar respostas para uma questão de valor:

CARACTERÍSTICAS DO ETHOS
PHRONESIS ARETÉ EÚNOIA
sabedoria Virtude benevolência
competência Confiabilidade amabilidade
credibilidade determinação firmeza
discernimento Equanimidade cortesia
prudência Franqueza indulgência
ponderação Tolerância Delicadeza
praticidade Integridade Obsequiosidade
racionalidade Simplicidade Passionalidade
razoabilidade Sinceridade Solidariedade
Elaborado por componentes do Grupo ERA (Grupo de Estudos Retóricos e
Argumentativos), da PUC-SP (2019)

Evidentemente, o ethos é fator importante para tríade


persuasiva (ethos, pathos e logos), mas, nas questões de valor, o
24 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

grau de confiabilidade impresso pelo orador durante a actio é fator


preponderante para a sustentação do discurso retórico.

Questões de fato
Nas lides judiciais, a preocupação com a apuração da
verdade normalmente traz à tona questões de fato, uma vez que
demandam repostas que ofereçam evidências e, a partir delas,
caminhos racionais de interpretação. Nesse caso, como afirmam
Campbell, Huxman e Burkholder (2015), quando um orador propõe
uma questão de fato, “os problemas se concentram na qualidade,
precisão e adequação das provas”. Um exemplo de questão de
fato em nossos dias poderia ser: “Se considerarmos a quantidade
de brasileiros já afetados pela Covid-19, é prudente manter o
isolamento social, a despeito dos prejuízos causados à Economia
do país?”. Uma resposta para essa questão vai impor considerações
interpretativas sobre evidências estatísticas e reais. O auditório
precisará evocar a qualidade, a precisão e a adequação das provas.
Nesse caso, ainda que o ethos do orador seja importante, ressalta-
se o logos, com suas ferramentas de análise racional dos fatos do
mundo. As questões de fato exigem que orador e auditório, diante
de um fato polêmico, encontrem um objetivo comum e determinem
uma política de solução que permita alcançar resultados positivos e
imparciais para a solução de um problema.

Questões políticas
Por fim, os autores citam as questões políticas. A ênfase está
na adequabilidade da resposta e envolve o auditório de modo mais
objetivo nas decisões sobre o que deve ser feito ou não. Por trás
das questões políticas há uma outra, primeira e sempre presente:
“Convém?”. A decisão se projeta sobre o tempo, que é o futuro, e a
complexidade da questão não raro exige que se misturem respostas
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 25

para questões de fato e de valor à decisão política julgada mais


plausível e adequada para uma determinada comunidade. Essas
questões de natureza deliberativa tipificam a retórica das assembleias.
Nessa grande tipologia das questões retóricas, é possível
pensar, internamente, na forma retórica como são articuladas.
Não nos aprofundaremos, aqui, nas especificidades de cada modo
de perguntar, mas é possível afirmar que, quando concebidas e
delimitadas na inventio, as questões retóricas podem ser exteriorizadas
na actio por meio de interrogações nominadas, identificáveis e
com grande alcance persuasivo. Relacionamos algumas delas:
perguntas socráticas, irônicas, determinativas, eletivas, resolutivas,
correlacionais, didáticas e de repetição.
O cancioneiro popular brasileiro, quando tematiza a felicidade,
difunde conceitos, vieses e apreciações valorativas que funcionam
como uma resposta a uma questão maior e digna de preocupação em
todos os tempos e por toda a humanidade: O que é a felicidade?

Hedonismo: estar feliz


O orador do famoso samba-canção da União da Ilha,
cantado por Caetano Veloso, manifesta desejos bem comuns na
festa de Momo: viver a felicidade de curto prazo, num percurso
cumprido em pouco mais de uma hora numa passarela de samba.
Nesse sentido, sentir-se feliz é viver um momento ligado ao sentido
da palavra grega hedonê, que significa “prazer, vontade”. Dela
provém o termo hedonismo, uma corrente filosófico-moral que
considera o prazer como o bem supremo da vida. O mais célebre
representante do hedonismo foi Aristipo de Cirene para quem a
felicidade seria obtida pela totalidade dos momentos agradáveis
experienciados pela pessoa, obtidos pela realização de eventos
comuns. O hedonista precisa de um estímulo de alta intensidade
para sustentar um estado eufórico estimulante, pois a felicidade
26 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

hedônica, concentradora de uma emoção gratificante recebida


com entusiasmo e orgulho de si, é efêmera. O cancioneiro popular
brasileiro reflete bem o que se pode denominar felicidade hedônica
e os poemas podem ser considerados respostas para questões
retóricas de valor como: O que se entende por Felicidade? O que
faz com que as pessoas sejam felizes? O que confere significado às
suas vidas? Deixamos, aqui, dois exemplos bem significativos e
esclarecedores dessa visão hedonista de ser feliz:

Felicidade/É viver na sua companhia/


Felicidade/É estar contigo todo dia/Felicidade/É
sentir o cheiro dessa flor/Felicidade/É saber
que eu tenho seu amor/ Felicidade/É viver na
sua companhia/Felicidade/É estar contigo todo
dia/Felicidade/É sentir o cheiro dessa flor/
Felicidade/É saber que eu tenho seu amor/
Felicidade/É saber de verdade/Que a gente
sente saudade/Quando não consegue se ver
Felicidade/É acordar ao seu lado/Tomar um café
reforçado/Depois sair para correr com você/
Felicidade/É poder jogar um pano/Colar no
show do Caetano/Cantar odara até o dia raiar/
Felicidade/É no fim de semana/Curtir uma praia
bacana/E um pôr do Sol de arrasar.1

Como é possível perceber, o orador ressalta


um dos aspectos essenciais da felicidade hedônica: o
olhar focado no presente ou no futuro mais imediato.
A felicidade associa-se à presença do outro, mas
está centrada nas preferências do próprio orador e
se consubstancia pela realização de condutas banais
e cotidianas. Se os motivadores se afastarem, a própria felicidade

1
MOURA, Gabriel; FAB, Leandro; SERRINHA, Pretinho da. Felicidade. Disponível
em: https://www.letras.mus.br/seu-jorge/felicidade/. Acesso em: 30 abr. 2020.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 27

hedônica irá se dissipar. A felicidade hedônica parece ser um resumo


de emoções altamente gratificantes e estimulantes composta de
momentos vividos com grande intensidade e entusiasmo. Fica nítido
no poema que o orador entende como o objetivo constitutivo da
felicidade a busca do prazer e a fuga de dores, característicos da
filosofia hedonista. De modo amplo, como percebemos, hedonismo
é a atitude humana que busca desenfreadamente o próprio prazer
(OKA, s/d). Há várias canções com esse teor no cancioneiro
brasileiro. Representam esforços hedonistas para conceituar os
instantes felizes. Respondem a questões de valor. No poema a seguir,
o orador metaforiza o ser feliz, mas intensifica o relacionar-se pelo
amor para atingir, momentaneamente, o que se pode conquistar:

Quando estou em sua companhia/E nos teus olhos


me deixo brilhar/Eu vejo aquela estrela fantasia/
Mesmo sabendo que ela não está lá/Felicidade
brilha no ar/Como uma estrela que não está lá/
Conto de fadas, história comum/Como se fosse
uma gota d’água/Descobrindo que é o mar azul.2

Muitos comerciais publicitários valem-se,


também, de questões retóricas ligadas aos valores
para fornecerem respostas hedônicas e acentuarem
uma felicidade passageira e capitalista. Como
afirma Oka (s/d), o hedonismo atualmente é muitas
vezes sinônimo de consumismo ou de individualismo e, em sua
forma extrema, significa também buscar prazeres imediatos sem
medir as consequências ou pensar no outro. Rocha (2011) assevera
que “o significado primeiro da publicidade é revestir o valor, no
sentido econômico, de valor, no sentido cultural” (ROCHA, 2011,

2
RABELLO, Cláudio; BIGAZI, Giancarlo; RIEFOLO, Raffaele; TOZZI, Umberto.
Felicidade. Disponível em: https://www.letras.mus.br/fabio-jr/45840/. Acesso em: 30
abr. 2020.
28 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

p. 161). Para a autora, a publicidade atua globalmente na cultura


quando situa o consumo como sentido maior da existência; é
enfática ao afirmar: “a consequência mais importante da força
que a publicidade tem na cultura contemporânea é o reforço
do hedonismo em detrimento de outras formas de justificação
da existência” (ROCHA, 2011, p. 166). Se uma questão de valor
se impuser sobre o auditório diante de atitudes extremadamente
hedonistas, a reposta de Oka (s/d) poderia servir de argumento
inicial para a constituição de argumentos responsivos:

Essa visão do hedonismo é bastante fomentada


por pessoas que criticam o modo de vida
capitalista atual. Além disso, há frequentemente
uma crítica por parte de religiosos, geralmente
cristãos, que pregam contra a satisfação dos
prazeres carnais. Contudo, é importante lembrar
que definir o que é prazer e o seu papel na
felicidade humana é uma discussão importante
na filosofia hedonista, independentemente de sua
vertente. Desse modo, nem sempre o hedonismo
precisa vir carregado com um peso moral
negativo (OKA, s/d).

Não se pretende aqui um estudo exaustivo das canções


brasileiras sobre felicidade, mas os exemplos citados nos dirigem
para a criação de composições populares retoricamente construídas
para destacar concepções hedonistas de felicidade e poderiam ser
respostas argumentativas para a questões de valor.

Eudaimonia: ser feliz


Um verso de Wave, uma das mais famosas canções do mundo,
composta por Tom Jobim, faz ecoar no auditório uma premissa
significativa que, por ser apodítica, aproxima-se das afirmações
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 29

definitivas: “É impossível ser feliz sozinho”. O poeta não fala mais


de um estado de espírito eivado de alegria, como mostramos nas
canções hedônicas, mas, sim, de um modo existencial de encarar
o fenômeno da felicidade humana. Em grego, felicidade se diz
eudaimonia, palavra formada a partir dos vocábulos eu (prefixo que
significa bom, o bem ou aquilo que é bom) e daemon (deus, semideus
ou gênio, intermediário entre os homens e as divindades superiores);
o termo também se refere a uma concepção ética da Antiguidade que
visava ao alcance da felicidade como finalidade moral. Porfírio (s/d),
em tradução livre, entende o termo como “ética da felicidade” ou o
“voltar-se para a felicidade”. Em latim, felicitas (felicidade) provém
de felix (feliz), a partir do grego phyo (produz), fecundo, produtivo.
De acordo com Olivieri (s/d), a referência filosófica mais
antiga de que se dispõe sobre o tema “felicidade” é um fragmento
de Tales de Mileto (7-6 a.C.), para quem só é feliz aquele que tem
corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada. Mileto traduz um
anseio natural do povo grego mais antigo: a necessidade de ter “boa
sorte”, pois disso dependia a felicidade. Sorte, nessa perspectiva,
era sinônimo de destino, personificado na figura das Moiras, as três
mulheres responsáveis por tecer, na roda da fortuna, o fio da vida de
todos os homens. Como apenas a linguagem precisa é verificável
por expressar ideias também precisas, claras e prováveis, o conceito
de Mileto sedimenta-se na crença do auditório, ainda que reflita, no
processo de articulação do discurso, o propósito do orador e suas
suposições sobre o estado atávico do próprio auditório: ter ou não ter
um bom destino.
Tempos depois, Sócrates (469-399 a.C.), que tem suas
falas propagadas por Platão nos vários Diálogos, fortifica a ideia -
especialmente em A República (PLATÃO, 2020) - de que a virtude
deve ser o fim maior das ações práticas para que se chegue a um
estado de felicidade. A felicidade, nesse caso, não se relaciona
apenas à satisfação dos desejos e necessidades do corpo, mas, sim,
30 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

ao bem da alma que só pode ser atingido por meio de conduta tão
justa quanto virtuosa. Estudos contemporâneos, como os de Dinucci
(2009), resumem a posição eudaimônica socrática em três princípios:
a) busca a própria felicidade em todas as ações racionais; b) procura
a felicidade em si própria; c) indaga qualquer ação racional em prol
da felicidade. Para Sócrates, então, a felicidade é produto da virtude
e da racionalidade. Esse conceito de felicidade, naturalmente, não
está ligado ao de prazer ou dor, mas ao bem e o mal. Lembremos
ainda que, para Sócrates, a prática da filosofia habilita o homem
à felicidade, ou seja, a ação humana requer uma relação entre o
autoconhecimento, o conhecimento (episteme) e a virtude (areté)
para atingir a felicidade (eudaimonia).
Aristóteles (384-322 a.C.) também centra a eudaimonia na
excelência da ação humana, a mediania, aquela que é virtuosa por
ser a justa medida. A ação virtuosa se esquiva dos vícios e promove
a ação prudente, capaz de levar à felicidade. Nos cinco primeiros
capítulos do livro I de Ética a Nicômaco, o estagirita relaciona moral
e caráter como condição necessária para a conquista da felicidade,
vista como o maior bem desejado pelos homens e o fim último
das condutas humanas. O filósofo reflete também sobre a natureza
do Bem – aquilo a que todas as coisas tendem (ARISTÓTELES,
1973) – e tem por objeto a Política, cujo estudo é regrado pela Ética,
porque todas as ações belas e justas admitem uma imensa variedade
de opiniões úteis a um homem que age de acordo com um princípio
racional. Sob esse ângulo, agir passionalmente e não ter experiência
dos fatos da vida são elementos impeditivos para a plena conquista
da felicidade. Nessa visão teleológica, é preciso determinar qual o
fim da natureza humana, ter clareza de como se constitui o bem, o
prazer, a virtude, a felicidade e separar, por exemplo, o bem em si
mesmo daquilo que é útil. Para todas as coisas há um fim e, segundo
o filósofo, esse fim deve ser o Sumo Bem, aquele que merece ser
buscado em si mesmo. O Sumo Bem é absoluto e incondicional, é o
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 31

desejável em si mesmo e não se relaciona com outra coisa: “falamos


dos bens em dois sentidos: uns devem ser bens em si mesmos, e os
outros, em relação aos primeiros” (op. cit., p. 253).
O Bem, então, exige um caminho regrado pelo pensamento
consciente. Tendo em vista que Aristóteles associa a virtude à
felicidade e essa deve ser adquirida pelo homem, é de se pensar
que o exercício do meio-termo seja uma forma de conquista da
felicidade, o que não seria exatamente tarefa fácil e exigiria
esforço filosófico, pois o filósofo é o homem acostumado à busca
da contemplação da verdade e somente onde há contemplação
se chega à felicidade. E complementa: “nesse sentido o filósofo
é o mais feliz dos homens” (ARISTÓTELES, 1973, p. 367). A
felicidade verdadeira, então, seria procurada em si mesma, nunca
com vistas a outra coisa, ao passo que o prazer, por exemplo,
estaria relacionado ao conflito, pois se ligaria ao que cada
indivíduo entende como motivo de prazer, alguma espécie de
bem acessório e, por isso, por ser derivada de qualquer espécie de
prazer desejado, se esgota tão logo tenha sido alcançado. Assim, a
felicidade em si mesma, aquela não resultante de qualquer desejo
passa a ser virtuosa e relacionada à sabedoria filosófica, ou seja,
não se esgota e ajusta-se à atividade virtuosa.
Para o filósofo, a felicidade não pode ser adquirida pela
aprendizagem, pelo hábito ou por adestramento, não é conferida
por providência divina ou pelo acaso, uma vez que é produto da
virtuosidade, o que há de melhor e deveria ser partilhada pelo
maior número de pessoas. Por isso, a felicidade “é o objetivo da
vida política, a ciência que dedica o melhor de seus esforços para
fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações”
(op. cit., p. 259).
No plano ético, enfatiza que o homem verdadeiramente
político “goza a reputação de haver estudado a virtude acima de
todas as coisas, pois deseja fazer com que os seus concidadãos
32 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

sejam bons e obedientes às leis” (op. cit., p. 263). No plano da


essência e da constituição retórica, o político deve saber o que diz
respeito à alma, exatamente porque precisa tratar das virtudes,
divididas em duas espécies: a intelectual e a moral - e nenhuma
delas nasce com o homem, mas é adquirida pela prática. Se o
homem possui, por natureza, a potência, a capacidade de adaptar-
se, a virtude, oposta ao que é inato, é adquirida pelo exercício,
pelo uso, pelo fazer. Potencialmente, afirma, temos a capacidade
da virtude, da justiça e de todos os bens (ou seus contrários),
mas somente pelos atos, ações e pelo exercício, nos tornamos
verdadeiramente virtuosos. As ações, por sua vez, ligam-se ao
agradável e ao desagradável. Se a virtude nem sempre pode ser
exercitada por ser difícil, a ciência política, por sua vez, “gira em
torno de prazeres e dores. O homem que lhes der bom uso será
bom e o que lhe lhes der mau uso será mau” (op. cit., p. 270).
Mas o filósofo não deixa de lembrar que a virtude “está associada
à alma e possui três espécies de coisas” (op. cit., 1975, p. 271):
paixões, faculdades e disposições de caráter. As duas primeiras se
relacionam à terceira, pois ninguém é louvado ou censurado pelas
paixões em geral (cólera, medo, inveja, alegria, ódio, emulação,
compaixão), mas por algumas delas e nem pelas faculdades.
O que se ressalta, então, na perspectiva de Aristóteles, é a
visão da prática política como conduta virtuosa, derivada de duas
formas da própria virtude: a intelectual - que inclui sabedoria
filosófica, entendimento e conhecimento prático - e a moral - que se
aproxima do julgamento e da temperança. Ainda que a felicidade seja
geralmente buscada em si mesma, o homem feliz é aquele que age
com retidão e se vale da sabedoria prática (ou sabedoria filosófica)
para atingir seus objetivos. O ato retórico de natureza política realça,
sobretudo, características muito singulares da constituição do ethos
do orador no ato retórico.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 33

Eudaimonia, hedonismo, política e felicidade

Eu sei, serei feliz de novo/Meu


povo, deixa eu chorar com você/
Serei feliz de novo/Meu povo, deixa eu chorar com
você/Serei feliz de novo/Meu povo, deixa eu chorar.3

A interessante figura de presença contida


nos versos de Djavan evidencia a preocupação de
encontrar um estado de felicidade que não esteja
apenas no outro, mas com os outros. O povo é a
representação de um componente fundamental
para o encontro com a felicidade. O poeta, nesse
sentido, assume-se como ser social e político. Nesse poema, o
orador discute desejos ligados ao querer. No dia a dia, porém, os
governantes encontram perguntas retóricas que reclamam o saber e
o exercício ético do poder.
Um homem público, que atua em meio às situações polêmicas e
conflituosas do existir em sociedade, vale-se de inúmeras competências
e habilidades humanas para agir sobre o mundo por meios persuasivos.
Ao exercer um ato retórico (a retórica é material, dinâmica, ativa) e
exteriorizar uma proposição, oferece ao outro um compromisso de
decisão e, por assim proceder, coloca em jogo seu próprio ser social.
Quando se mostra publicamente, vincula seu dizer a uma estratégia
discursiva ligada à conveniência, geralmente com uma intenção
humana que busca atingir a confiança e provocar o fazer-saber para
fazer-querer e, por fim, fazer-fazer. Nesse plano, se a eudaimonia é
conquistada pela virtude, a felicidade do outro é fator determinante
para composição da própria virtuosidade humana na perseguição do
Bem. A grande questão retórica é: É possível tornar um povo feliz?

3
VIANA, Djavan Caetano. Serrado. Disponível em: https://www.letras.mus.br/
djavan/45548/. Acesso em: 29 abr. 2020.
34 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Considerada pelos positivistas o marco do nascimento dos


direitos humanos, a Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de
16 de junho de 1776, declara que “todos os homens nascem igualmente
livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos
quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua
posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com
os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a
felicidade e a segurança”. No Brasil, um exemplo bem esclarecedor
sobre a inserção da felicidade no discurso político encontra-se numa
proposta de emenda constitucional (PEC-19/2010-SF), apresentada
pelo Senador Cristovam Buarque (PDT/DF), para inserção, no Art.
6º da Constituição Federal, o direito dos brasileiros à felicidade. À
época da tramitação da emenda, 07/07/2010, dizia o Artigo 6º da
Constituição Federal que

São direitos sociais: a educação, a saúde, a


alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.4

Cristovam Buarque comenta que, com a emenda, passaria a


dizer que

São direitos sociais, essenciais à busca da


felicidade, a educação, a saúde, a alimentação,
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.5
4
Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/
con1988_06.06.2017/art_6_.asp. Acesso em: 29 abr. 2020.
5
BUARQUE, Cristovam. Felicidade e Política. Senado Federal, Brasília, maio 2012,
p. 26. Disponível em: www.senado.gov.br_cristovambuarque_arquivos. Acesso em: 29
abr. 2020, grifos do autor.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 35

O próprio autor, para justificar o pedido de alteração


constitucional, escreve:

A vida moderna apresenta diversos


impedimentos que dificultam a vida,
atravancando o caminho das pessoas na
busca da própria felicidade pessoal: a falta
de atendimento de serviços de saúde, de
matrícula na escola, de habitação, de emprego,
de luz, de segurança, a persistência nas filas,
a corrupção, a violência, a inflação, a falta de
liberdade, os engarrafamentos no trânsito, são
alguns exemplos de entulhos colocados por
governos no caminho a ser seguido na busca da
felicidade pessoal. [...] Nenhum governante
assegura a felicidade a uma pessoa, porque
os componentes para a felicidade são pessoais
e subjetivos, e são inúmeras as variáveis que
tocam na vida e na emoção de cada cidadão;
mas os governos podem ser facilitadores
para a busca de felicidade. Por isso, o papel
do dirigente político é eliminar entulhos à
busca da felicidade, construir um quadro
social que auxilie cada morador na busca (não
necessariamente na conquista) da felicidade
pessoal e até no aumento da felicidade comum.6

O senador pretendia, pela constituição, garantir o direito


à conquista da felicidade. Nem todos os auditórios, porém,
admitem a felicidade por meios determinantes e políticos. É o
universo da doxa:


6
BUARQUE, Cristovam. Felicidade e Política. Senado Federal, Brasília, maio 2012,
p. 18-19. Disponível em: www.senado.gov.br_cristovambuarque_arquivos. Acesso em:
29 abr. 2020, grifos do autor.
36 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

PEC da felicidade. É para rir? Falar em “direito à felicidade”


sem educação e com fome, com um sistema de saúde desumano
e degradante à dignidade é mais ou menos como prometer ao
cego a visão do paraíso antes da morte. 3 de junho de 2013, 11:04
h. Atualizado em 9 de julho de 2018, 17:49 h.7

PEC da Felicidade - Mas, que proposta sem-vergonha! - O


Senador Cristovan Buarque, do PDT de Brasília, apresentou uma
proposta de emenda constitucional, cujo intuito é inserir no Art. 6º
da Constituição Federal, o direito dos brasileiros à felicidade - a
indefinível e, intangível felicidade. E creio que está veiculando
o interesse de algum lobby*, porque me lembro de ter visto na
TV Record um comercial a respeito, tempos atrás. [...] Direito à
felicidade? O que é a felicidade? Um ser humano pode garantir
a felicidade a outrem? E o Estado, pode? Se o Estado der de
graça a um indivíduo tudo o que ele deve tratar de conquistar por
obrigação e mediante trabalho, então terá dado a tal da felicidade
ao tal indivíduo? Felicidade tem preço? E pode ser comprada e
doada com o dinheiro suado pelo contribuinte? O que é, afinal
de contas, a tal da felicidade? [...] amanhã, para completar, caro
leitor... (Se Gyn, 18/11/2010).8

Como se percebe, o ato retórico inicial provocou muitas


perguntas e uma grande questão retórica. Assim é: toda ação
humana está alicerçada em crenças e valores que influenciam
decisões sociais e políticas. Mesmo um ato retórico elaborado com
objetivos precisos e técnicas argumentativas adequadas pode não


7
Disponível em: https://www.brasil247.com/brasil/pec-da-felicidade-e-para-rir. Acesso
em: 30 abr. 2020.

8
Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-politica/2608146.
Acesso em: 30 abr. 2020.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 37

persuadir um auditório quando as questões de valor se impõem


às questões de fato. Boas respostas também podem tensionar um
auditório para alterar percepções e conseguir adesão. As questões
políticas sempre suscitam outras e outras. Sempre, porém, diante
de questões efetivamente postas, a Retórica propicia os meios
disponíveis para a regrada utilização da razão e dos sentimentos
e, por meio da elaboração discursiva intencionalmente persuasiva,
levar o auditório a fazer determinadas escolhas. Seja na perspectiva
do orador ou do analista retórico, a tríade ethos, pathos e logos
possui uma relação íntima e intrínseca que se resolve no fazer-saber
para fazer-fazer. Um ato retórico, mesmo quando enfrenta questões
delicadas como essas ligadas ao direito à felicidade, busca meios
para cumprir suas funções básicas de eficácia: persuadir de forma
a induzir à crença e à ação: ensinar (docere), agradar (delectare)
e comover (movere). Enfim, a Retórica concebe a argumentação
como o ato de destinar a palavra a um auditório, a ele submeter
teses não necessariamente verdadeiras, hipóteses verossímeis e
razoáveis. Segundo Amossy (2006), essa característica da Retórica
se justifica porque interessa a ela o que faz parte do humano, e o
que resulta do homem é quase sempre da ordem do verossímil, do
opinável, do plausível (TORRES, 2018).
Nesse território, em que a verdade absoluta não pode
ser garantida, a Retórica encontra seu lugar e permite ao homem
desenvolver raciocínios e comunicar-se com segurança relativa,
garantida por normas mínimas de racionalidade. Por isso, é exercitada
em todos os domínios onde se delibera com liberdade.

Conclusão
Perguntas retóricas, questões retóricas e planos de felicidade
explicam o caráter sociocultural da retórica e sua dimensão
instrumental de exercício da cidadania que, segundo Amossy
38 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

(2006), permitia tanto a boa marcha da justiça, pelo manuseio da


controvérsia, como o bom funcionamento da democracia, pela
prática da palavra pública. Como afirma Meyer (1991) é próprio
do pensamento contemporâneo o reconhecimento da dimensão
problemática da existência e dos valores. Para perguntas plausíveis
e efetivas, o domínio da Retórica permite argumentação construída
a partir do verossímil. Como procuramos demonstrar, o critério de
verossimilhança é subjetivo e demanda a avaliação da qualidade das
premissas aceitas pelo auditório. Ser feliz, estar feliz ou contemplar
a felicidade, sob qualquer ângulo, está sob o jugo da argumentação,
da opinião e do projeto de vida de um auditório.
OS CONFLITOS SOCIAIS
E A LINGUAGEM:
EMBATES E SOLUÇÕES
Maria Francisca Oliveira Santos

Introdução
Este capítulo tem por objetivo mostrar como os elementos da
linguagem propiciam ações de polidez (positiva ou negativa), com
possíveis conflitos verbais, entre diferentes interactantes em espaços
sociais. A análise pretende verificar se os gêneros votação oral e
exposição de sala de aula realmente atendem aos objetivos a que se
destinam e analisar categorias linguísticas recorrentes que suavizem
ou intensifiquem conflitos entre os interlocutores.
O trabalho envolve os Estudos Conversacionais e os Textuais:
os primeiros, por analisar expressões linguísticas que mantêm ou não
a face dos interlocutores; os segundos, por interpretar os referenciais
inseridos nos gêneros analisados, os quais vão requerer dados
cognitivos, reelaborados da realidade ou mesmo negociados para
sua efetivação, completando-se com os primeiros para a transmissão
das informações empáticas ou não.
Desse modo, é a Análise da Conversação a área do
conhecimento voltada à análise de dados empíricos verbais e não
verbais durante o processo conversacional; os estudos referenciais
tomam os elementos linguísticos não como objetos do texto, mas
40 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

do discurso. O trabalho está fundamentado nos estudos da Análise


da Conversação e da Linguística do Texto, com as acepções teóricas
de Dionísio (2001), Fávero, Andrade e Aquino (1999), Kerbrat-
Orecchioni (2006), Koch (2004), Marcuschi ([1986] 2003, 2008),
Preti (1993), Santos (1999, 2004, 2008, 2013), Silva (2008), além
de outros.
O estudo é de linha qualitativa, segundo a qual todas as
ações são analisadas em processo, tomando dois gêneros orais
diferentes: a votação oral (referente ao impeachment da ex-
presidente Dilma Rousseff) e a exposição de sala de aula (aula
de arquitetura), provenientes de corpora diferentes. As análises
indicam que os atores sociais (político votante e professor) usam
em suas produções orais expressões linguísticas, em situações
diferentes, que, se não bem negociadas com seus interlocutores,
podem propiciar o surgimento ou não de situações de falta de
empatia, quando enunciadas. Tal desconforto conversacional será/
seria evitado se os interlocutores selecionarem/selecionassem o
seu repertório verbal com exclusão de elementos linguísticos, o
que, muitas vezes, torna-se impossível, dada a rapidez como se dão
as conversações naturais.
Assim demonstrado, têm-se, no trabalho, três partes: a
primeira discorre acerca dos estudos conversacionais, no que se
refere aos conceitos da Análise da Conversação, do seu objeto de
estudo e das categorias linguísticas que propiciam a negociação
do sentido; a segunda trata de comentários da Linguística Textual,
com considerações acerca dos paralelismos sintáticos e semânticos,
entre outras temáticas; a última trata dos aspectos metodológicos,
apontando as análises dos gêneros discursivos já indicados,
dando ênfase nas categorias tratadas como arcabouço teórico,
estabelecendo-se um possível diálogo entre os aspectos teóricos
apresentados e a sua circulação nos gêneros discursivos tomados
para análise.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 41

Os Estudos Conversacionais
Na linha dos Estudos Conversacionais, merecem destaque
Garfinkel (1967), Sacks, Schegloff e Jefferson (2003), centrados na
perspectiva etnometodológica, na década de 60, bem como Marcuschi
([1986] 2003, 2008), o introdutor dos Estudos Conversacionais no
Brasil e o expoente em pesquisas voltadas à oralidade. Além desses
autores, citam-se Galembeck (1993), Preti (1993), Santos (1999,
2013), entre outros, que se dedicaram à análise da oralidade nas suas
especificidades por meio de categorias linguísticas observadas na
conversação entre falantes de Língua Portuguesa.
As análises conversacionais, antes apenas centradas em
aspectos ligados à estrutura e organização conversacionais, tiveram
outros enfoques com atuações interpretativas, voltadas ao estudo dos
gêneros, com veiculações em outras áreas do conhecimento como
a Sociolinguística Interacional, Pragmática, Linguística Textual,
Análise do Discurso, entre outras, bem como a linha do Letramento.
Em todas essas áreas do pensamento, as manifestações linguísticas
operam significados que geram sentidos nas conversações
espontâneas, a exemplo dos corpora (gêneros discursivos diferentes),
selecionados para este trabalho.
Segue-se uma linha de investigação sociointeracionista, que
é orientada pela perspectiva discursiva e interpretativa dos dados
empíricos analisados. Assim, trata-se de uma atividade interativa
face a face, enquanto formulação textual-discursiva, que exige
dos interlocutores uma cooperação que facilite esse processo em
suas especificidades. Em todos os gêneros discursivos do trabalho,
a interação acontece presencialmente, de maneira face a face: a
exposição de sala de aula, o professor mantém-se na situação de
professor (distância social) para transmissão de saberes; e a votação
oral, o falante (deputado votante está numa câmara de deputados
votantes), de maneira presencial. Em todos esses gêneros, fez-se um
42 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

olhar dialógico de análise em que teoria, dados empíricos e linha


interpretativa se mesclam sociointerativamente.
Na questão relacionada à fala e à escrita, este trabalho atenta
para o continuum entre as duas modalidades de língua. É a escrita
anterior às manifestações linguísticas da língua falada, embora
seja esta precedente àquela. Assim, apesar de haver características
inerentes a cada uma das modalidades, a exemplo do contexto de
produção, do qual a fala depende para sua realização, e a escrita
necessita de planejamento e propriedades inerentes, as duas
modalidades de língua são pertencentes a um mesmo sistema
linguístico, no caso dos gêneros em estudo, à Língua Portuguesa.
Para as considerações acerca da polidez nas conversações,
citam-se Goffman (2012), Brown e Levinson (1987) e Silva (2008).
No entanto, para este trabalho consideram-se os fundamentos teóricos
de Kerbrat-Orecchioni (2006), que, embora considere sua aplicação
no estudo dos comportamentos não verbais e verbais, tratou apenas
da polidez linguística. Considera-se ainda o tributo de Silva (2008)
quanto às formas de tratamento no estudo da polidez. Tudo isso
se justifica para que se apregoe que há categorias linguísticas que
mantêm a face positiva ou negativa dos interlocutores, podendo a
sua elocução gerar verdadeiros conflitos sociais.
Assim, polidez envolve, em Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 77),
“todos os aspectos do discurso que são regidos por regras, cuja função
é preservar o caráter harmonioso da relação interpessoal”. Nesse
sentido, procura-se evitar o surgimento de qualquer ato na interação que
provoque um truncamento na interação, criando um risco de ameaça
entre interlocutores. Para a autora, em se referindo à polidez, há não
somente a positiva como a negativa; esta apresenta suavizadores verbais.
Assim, a polidez negativa acontece de maneira substitutiva
e acompanhante com vários casos: no primeiro, pela formulação
indireta do ato de fala (pergunta com valor de reprovação; confissão
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 43

de incompreensão; pelo condicional; pelos pronomes, entre outros);


no segundo, pela existência de fórmula acompanhante (o uso de por
favor, uso de perguntas, de interpelações, entre outros exemplos.
Por outro lado, a polidez positiva vai indicar a enunciação de
ideias dotadas de sentido de forma a produzir elogio, assentimento,
aceitação do que é dito pelo interlocutor, pois ela

consiste exatamente em produzir algum ato que


tenha um caráter essencialmente ‘antiameaçador’
para seu destinatário: manifestação de acordo,
oferta, convite, elogio, agradecimento,
fórmula votiva ou de boas-vindas (KERBRAT-
ORECCHIONI, 2006, p. 91).

Desse modo, a polidez exerce funções na sociedade ligadas


não somente ao caráter vital da sua necessidade, bem como da sua
universalidade. Quanto ao caráter universal da polidez, constata-
se que ela é requerida pelos interactantes, pois a sua ausência
impossibilita o funcionamento de uma interação adequada. Ora, se,
em pequenos espaços interacionais, há necessidade de que a polidez
se instaure, quanto mais em níveis mais elevados, atingindo grupos
sociais maiores. A universalidade da polidez se estende às diversas
culturas, apresentando-se, muitas vezes diferentemente, em suas
manifestações, mas sem a sua dispensa nas realizações sociais.
Aparecem com grande destaque, neste trabalho, as remissões aos
pronomes de tratamento, uma vez que os fragmentos de análise exibem
formas como: “Senhor presidente...”, “você”, as quais são empregadas
e requeridas pelo ambiente social; podem assumir, pois, uma leitura
cortês nos gêneros discursivos em que estão inseridos, pois,

não se pode dizer que esta ou aquela forma está


marcada pela cortesia, pois é a situação de uso que
44 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

sinalizará que tal forma de tratamento será cortês ou


descortês. Entendemos [...] que tratamentos corteses
são todos aqueles que se inscrevem e contribuem
para que os interactantes estabeleçam desenvolvam
relações interpessoais de harmonia e equilíbrio
durante uma interação. (SILVA, 2008, p. 165).

Além das formas de tratamento, aparecem outras categorias


conversacionais que enfatizam a polidez linguística nos fragmentos
analisados, representadas por pausas, entonações, alongamentos,
repetição, entre outras, que tornam a interação possível, prazerosa,
às vezes conflituosa, mas possível de acontecer nos momentos
interativos analisados.

Os Estudos Textuais
Quanto aos estudos do texto, inseridos na Linguística Textual,
esta reflete uma área concebida num âmbito multidisciplinar,
processual, funcional e dinâmico (MARCUSCHI, 2008), com base
numa visão de língua como um sistema situado historicamente
e como uma prática social, cognitiva e interativa. Nessa linha de
percepção, contempla não apenas o funcionamento da língua e da
interação humana, mas também a diversidade de contribuições
teóricas, ao longo de sua trajetória.
Neste trabalho, categorias textuais acontecem na conversação
entre vários interactantes e constituem, assim, o processo de
textualidade dos gêneros discursivos e fazem com que sejam as
conversações pautadas pela polidez, e suas temáticas coerentes
e informativas, muitas vezes, com referências intertextuais e
referentes sociodiscursivos.
As grandes contribuições textuais para este trabalho fazem
remissão a categorias relacionadas à construção de imagens paralelas
(paralelismo sintático e semântico), isto é, à produção de ideias
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 45

em paralelo para pôr o interactante (ouvinte) à espera do processo


enunciativo; à construção minuciosa dos argumentos, procedendo
do menor ao maior (hiperônimo); e, não menos importantes, pelo uso
de categorias remissivas a espaço, tempo e pessoa, com informações
contextuais (uso da dêixis). Todos esses elementos linguísticos que
circulam na conversação entre os interactantes podem propiciar
ações de polidez positiva/negativa, formando um todo comunicativo
em que eles aparecem com maior intensidade ou não.
Todos os interactantes (informantes deste trabalho) fazem uso
de expressões dêiticas usadas para sinalizar ou localizar elementos ou
objetos relacionados a pessoas, objetos, situações ou entidades, em
uma linha de espaço-tempo, em contexto interativo, com pelo menos
dois participantes (CUSTÓDIO FILHO, 2011). Essa linha dêitica
pode ser de diversas espécies representadas por pessoa, espaço, tempo
e memória, além das caracterizadas como social e textual.
Com muita propriedade, faz-se-remissão à dêixis de pessoa,
pois os interactantes, no uso das suas exposições, ávidos pela
manutenção da sua face positiva ou negativa assim se manifestam,
como está evidenciado no exemplo 1 a seguir:

senhor presidente... em respeito à constituição...[...] eu voto SIM... senhor


presidente...
Fonte: corpus da pesquisadora.

No exemplo 1, um interactante (votante), em ação interativa,


na câmara dos deputados, por ocasião do impeachment da atual ex-
presidente Dilma Rousseff, remete a si mesmo para emissão do seu
voto, cujo significado definiria os destinos dessa presidente, quanto
a sua permanência ou não no cargo. Esse voto destina-se a um
interactante ou a vários, constituindo uma circularidade das pessoas
do discurso (eu-tu); são, pois, formas dêiticas referentes “[...] àquelas
46 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

que representam o eu e o você de uma interação” (CAVALCANTE;


CUSTÓDIO FILHO; BRITO, 2014, p. 87, grifos dos autores).
Quanto ao emprego de ideias paralelas, assim dispostas para
emissão de julgamentos, pressuposições e avaliações, os interactantes
deles fazem uso, para que aconteça a progressão do texto, com fins
pragmático-linguísticos. Isso é representado pelo aparecimento na
linguagem dos paralelismos sintático e semântico que exercem a
função de sequenciadores textuais com contribuições para a clareza,
transparência e objetividade da linguagem. São, pois, recursos de
repetição e facilitadores das atividades interativas e dos processos de
intercompreensão, por dispor de natureza sociocognitiva.
O uso do paralelismo sintático pelo interactante votante indica
o uso repetitivo da disposição de palavras ou expressões em um dado
contexto com estrutura idêntica para reforçar seu pronunciamento
perante o exposto, para manter sua face positiva/negativa de bom
votante; por outro lado, o paralelismo semântico também aparece
pela simetria de construção no plano das ideias para reforçar o caráter
persuasivo do texto oral e/ou escrito e garantir a coerência entre as
ideias/informações articuladas pelos interactantes.

senhor presidente... em respeito à constituição... em respeito à grande maioria da


população [...]em respeito da grande maioria ... em respeito a grande maioria da
população capixaba...[...]..
Fonte: corpus da pesquisadora.

No exemplo 2, o interactante (votante) organiza seu pronunciamento


quanto à permanência ou não da ex-presidente Dilma Rousseff, para o
que repete, de maneira paralela e sintática, “em respeito...” mantendo a
sua face positiva em relação aos outros interactantes (auditório). Esses
paralelismos permitem a assonância de ideias e decisões de um auditório
social que estão ligados e antenados politicamente.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 47

Quanto ainda aos elementos referenciais, representados,


nesta análise, enfatizam-se os hiperônimos por possibilitarem aos
interactantes a possibilidade de “glosar um termo raro e, dessa
forma, atualizar os conhecimentos do interlocutor...” (KOCH, 2004,
p. 72), com contribuições, desse modo, para o entendimento das suas
ideias propostas.
Os interactantes (votantes) mantêm a face positiva ou dela se
distanciam, pois, em seus gêneros, os elementos não são meramente
textuais, mas do discurso, com linha na referenciação, visto que esses
interactantes tentam negociar o sentido por ocasião da construção
das ideias e dos sentimentos; (re)elaborar a realidade, quando da
produção textual, e, enfim, estabelecer um elo entre o cognitivo e
o social, assim explicado por Cavalcante, Custódio Filho e Brito
(2014, p. 40-41), ao afirmarem:

[essa ideia] procura estabelecer uma relação


essencial entre o processo de conhecer (da
alçada da cognição) e as experiências culturais
(da alçada do social), embora não se separem a
rigor, esses dois níveis: o cognitivo e o social.

As considerações acerca das categorias linguísticas, as


conversacionais e textuais, que nortearam as manifestações da
polidez em diferentes interactantes, seguem evidenciadas nos
gêneros discursivos tomados para análise, como evidenciadas nos
aspectos metodológicos apresentados a seguir.

Aspectos metodológicos
Este trabalho segue a linha qualitativa; explica-se assim
pelo fato de o pesquisador não dispor de dados preparados
aprioristicamente, mas com aqueles que são estudados no percurso
48 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

processual do objeto teórico. Nessa linha, Minayo (1994, p. 22)


salienta que essa pesquisa “[...] aprofunda-se no mundo dos
significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível
e não captável em equações, médias e estatísticas”.
O trabalho envolve dois gêneros discursivos estudados em
momentos de escritura diferentes: o gênero votação oral, material de
pesquisa do Grupo de Pesquisa Linguagem e Retórica (UNEAL/CNPq),
2020, com apresentações em congressos, simpósios, entre outros eventos,
e o gênero exposição oral, corpus utilizado em tese de doutoramento, na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), 1999. A transcrição foi
realizada com base nas normas de Marcuschi (2003) e Preti (1993).
O gênero denominado votação oral pertence à área social
de domínio político, que consiste, normalmente, na articulação
decisiva de um interactante (votante), que assume a função de
proceder, decididamente, com uma assertiva ou não, à escolha de
uma ação posta em julgamento. Nesse caso, o/s outro/s interectante/s
(auditório) limita-se/limitam-se a aceitar a decisão que tenha sido
tomada por aquele que tenha emitido sua assertiva ou negação.
Esse gênero aconteceu por ocasião do evento social chamado
impeachment da presidente Dilma Rousseff (2016), entendido
como “o afastamento, no regime presidencialista, do presidente ou
governador, por Crime de Responsabilidade, em processo levado a
efeito pelo Legislativo” (SANTOS, 2001, p. 115), para o qual houve
6 pronunciamentos de deputados votantes com afirmativas de voto
e igual número com negativas. Foram destacados para este trabalho
um pronunciamento assertivo e outro negativo.
Enfim, o gênero exposição oral aparece em um trabalho
realizado em aulas do ensino superior, com a finalidade de identificar
e analisar as categorias linguísticas que, nesse contexto escolar,
propiciam as relações simétricas e assimétricas na interação entre
professor e alunos. Entende-se por esse gênero um
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 49

discurso em que se desenvolve um assunto


(conteúdo referencial), ou transmitindo-se
informações, ou descrevendo-se ou, ainda
explicando-se algum conteúdo a um auditório de
maneira bem estruturada (COSTA, 2009, p. 97).

O corpus foi coletado no primeiro semestre acadêmico de 1994,


durante o mês de abril, na Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
considerado propício à obtenção dos dados no contexto de sala de aula,
por duas razões: a) no início do semestre quando a coleta dos dados não
seria aconselhável, pelo fato de os alunos não estarem adaptados aos
professores e, se iniciantes, ao próprio curso e b) no final do semestre,
quando os alunos poderiam estar preocupados com nota para aprovação
no curso razão por que a coleta de dados não seria recomendável.

As análises
Conforme foi salientado, a exposição oral e a votação oral,
foram analisadas sob a perspectiva dos Estudos Conversacionais e
Textuais, atribuindo-lhes destaque quanto ao conceito de cortesia,
pois não se pode atribuir as caracterizações de cortês e descortês a
expressões, sem que sejam observados o contexto e as razões por
que foram emitidas. Nesse sentido,

outro aspecto importante é o fato de não


podermos afirmar que esta ou aquela forma seja
cortês ou descortês, nem que esta ou aquela
forma ameace ou preserve a face negativa ou
positiva, pois cabe às circunstâncias resolver
essas questões (SILVA, 2008, p. 190-191).

O gênero votação oral


Os dois fragmentos a seguir representam posições diferentes
acerca do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (salienta-
50 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

se que o voto definiria os rumos do processo do impeachment para


o Senado): a) a que votou pela permanência da presidente Dilma
Rousseff, votando afirmativamente “sim”; b) a que optou pela sua
saída do cargo referido, enunciando “não”.
Texto A Texto B

senhor presidente... em respeito a constitui- senhor presidente demais deputados e deputa-


ção... em respeito a grande maioria da popu- das aqui presentes... primeiro eu oro pra que
lação da minha querida cidade São Mateus Deus abençoe a nossa querida nação brasi-
em respeito da grande maioria da popula- leira... segundo: pelo meu querido estado do
ção do norte do estado do Espírito Santo... Piauí... pelo desenvolvimento do meu querido
em respeito a grande maioria da população estado do Piauí... pela democracia... pelo estado
capixaba... e para que o nosso país enco::n- democrático de direito... e em respeito ao::s mi-
tre novamente o rumo:: do desenvolvimen- lhares e milhares de brasileiros e brasileiras que
to...eu voto SIM... senhor presidente... votaram em di::lma: elegendo ela: a primeira
presidenta MULHE::R ... EU VOTO: NÃO...
Fonte: corpus desta pesquisa.

Os dois textos A e B apenas indicam posicionamentos


diferentes, mas apresentam similaridade no que se refere aos
fundamentos da linguagem usados pelos interactantes na sua
argumentação. Assim, em A, de maneira respeitosa, o interactante
(votante em potencial) começa a se posicionar, com o uso do
pronome de tratamento “Senhor Presidente” que, dada a situação de
congresso, em votação de impeachment de uma presidente, realmente
assume uma atitude de polidez perante a assembleia constituída para
esse grande momento. Em seguida, já começam a surgir as pausas
como em: “senhor presidente... em respeito à constituição”, que
continuam no desenrolar de toda a manifestação linguística. Além
disso, aparecem a entonação quando da emissão do voto, em: ...eu
voto SIM, bem como a repetição de expressões que enfatizam a
enunciação do voto, insistindo no paralelismo sintático e semântico:
“em respeito da grande maioria da população do norte do estado
do Espírito Santo... em respeito à grande maioria da população
capixaba...”. Todos esses elementos da linguagem encaminham o
voto decisivo do interactante votante para seu voto negativo.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 51

Além do já referido, o texto A apresenta, ao lado do grande


vocativo “Senhor presidente”, uma série de elementos linguísticos,
dispostos cognitivamente para inclusão da parte para o todo, assim
mostrados: “população da minha querida cidade São Mateus”,
“população do norte do estado do Espírito Santo” e “população
capixaba”, numa disposição do menor ao maior. Isso reforça a maneira
cortês como o interactante se apresenta perante a apresentação do
seu voto.
As manifestações linguísticas emitidas até esse momento
propiciaram que o interactante (votante) apresentasse a finalidade
da sua decisão, possivelmente o motivo da consumação do seu voto,
ao afirmar: “e para que o nosso país enco::ntre novamente o rumo::
do desenvolvimento...”, em que o alongamento das vogais bem
enfatizam o encontro do rumo do desenvolvimento desejado ao Brasil.
Após isso, aparece a dêixis pessoal “eu voto” que assume uma ação
performativa, pois indica uma ação que, ao ser enunciada, efetiva-
se. Associado à enunciação do voto, há a repetição do pronome de
tratamento “Senhor”, o que encerra o tratamento da polidez social,
pois o respeito às regras da polidez “é dar condições para que a
interação funcione adequadamente” (KERBRAT-ORECCHIONI,
2006, p. 101).
O texto B se apresenta na mesma direção que o A, no
sentido de que o interactante (votante) apresenta uma disposição de
argumentos para chegar a seu voto decisivo de caráter afirmativo.
Assim, para enunciar seu voto, começa invocando não somente
“Senhor Presidente”, mas também “demais deputados e deputadas
aqui presentes”, cumprindo as regras sociais que circulam em um
ambiente destinado a uma votação exclusiva de impeachment de
uma presidente da república. Salienta-se também a dêixis espacial
“aqui” como uma necessidade de o interactante indicar o lugar da
sua enunciação para os que recebem os efeitos de sentido gerados
pelo seu voto.
52 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Em sequência, como uma forma cortês de prender a atenção


para sua elocução, o interactante faz surgir a justaposição (uso
de elementos sequenciadores) (KOCH, 2002) de ideias, em sua
linguagem, ao enunciar: “primeiro eu oro pra que Deus abençoe a
nossa querida nação brasileira... segundo: pelo meu querido estado
do Piauí...”, o que coloca expectativa em relação ao que está sendo
enunciado, dispondo social e cognitivamente as ideias em ordem
de manifestação. Além disso, a fim de que o gênero votação oral
seja audível e social, é permeado de construções paralelas, como
em: “pelo desenvolvimento do meu querido estado do Piauí... pela
democracia... pelo estado democrático de direito”, as quais funcionam
como recursos de repetição e elementos facilitadores das atividades
interativas e da intercompreensão, por sua natureza sociocognitiva.
Ainda para completar suas ideias, o interactante usou o
alongamento de vogais quando faz remissão aos que votaram
na presidente, em “... e em respeito ao::s milhares e milhares de
brasileiros e brasileiras que votaram em di::lma”, como uma forma
social e cortês de ativar a memória da grande população que elegeu a
presidente do Brasil. Além disso, aparece a entonação bem decisiva
quando da proferição do voto “... EU VOTO: NÃO...”, o que
caracteriza uma decisão para os rumos da condução presidencial;
é uma ação performativa, pois, para ser enunciada, é preciso haver
todo um contexto propício a sua efetivação, pois ao se enunciar eu
voto não, efetiva-se a ação do não assentimento do voto.
Desse modo, as divergências entre os textos A e B residem
nos argumentos utilizados por cada um deles: em A, a polidez se
manifestou com argumentos indo do menor ao maior; em B, a polidez
se fez presente principalmente pela justaposição, dispondo o que
vem em primeiro lugar e o que vem depois. São antagônicos, pois
A caminha para um voto positivo, e B, para o negativo, no entanto,
ambos se aproximam pelas marcas conversacionais e textuais.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 53

O gênero exposição oral


O fragmento a seguir mostra a exposição de assunto teórico
no Curso de Arquitetura, em espaço específico de sala de aula
do curso superior. É um momento de caráter assimétrico em que
aparecem argumentos alusivos à exposição teórica e às imposições
do interactante expositor.

você vai ter um grande grupo de todos os consumidores com capacidade instalada com
potência instalada di até cinqüenta mil watts ou cinqüenta quilowatts estes consumidores
estão ligados necessariamente na rede ... secundária da CEAL ... ela é composta por três
fios e um quarto de fio o superior que é o que nós chamamos de condutor neutro ...
esses três fios inferiores são os condutores fásicos a b e c tá? vocês vejam como eu falei
no esquema da aula passada que foi colocado por mim na aula anterior e somente uma
colega respondeu respondeu e estava com o caderno aberto não era? que estava com
o apontamento? vocês não têm isso na cabeça não é? então na prova vocês vão querer
decorar isso de um dia pra outro então vão dizer que Nazaré é que está 60 ficando carrasco
... é que está cobrando coisas que vocês é :: queriam ter isso no caderno muita norma e
por que decorar? eu concordo até que estando no papel a gente não precisa decorar isso na
vida prática muita coisa que na vida prática a gente é ... não vai como na teoria não é? mas
eu vou exigir inclusive esses conhecimentos que por favor comece a ler a decorar as
tabelas para depois que vocês não terem aborrecimento ( ) de uma nota não muito boa.

Fonte: corpus desta pesquisadora.

Para a análise do fragmento, por tratar-se de exposição


oral, aparecem dois posicionamentos diferentes: um relacionado
à exposição do objeto teórico, que por si só exige uma linguagem
objetiva e específica por parte do interactante (professor), com
relações assimétricas entre os interactantes constituídos por professor
universitário e alunos do curso de arquitetura; outro voltado às
relações entre professor e alunos com uso de expressões linguísticas
que podem, ou tornar a relação relativamente assimétrica, com laços
de uma possível polidez justificada por razões sociais, ou contribuir
mais ainda para que o conflito moral e cognitivo se instaure, advindo
das ameaças interpretadas do conteúdo das expressões emitidas
54 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

claramente pelo interactante (professor), em forma de advertências,


conselhos e ameaças verbais.
Assim, em primeiro momento, o fragmento apresenta
as marcas da oralidade, como em “mil watts ou cinquenta...
quilowatts”, “estes consumidores estão ligados necessariamente
na rede ... secundária da CEAL”, entre outros exemplos,
além da entonação justificada pela importância atribuída à
empresa Ceal em “secundária da CEAL”, além do marcador
conversacional “tá?”, empregado com a intenção de obter a
atenção dos interactantes (alunos) para a explicação do conteúdo
ministrado. Dessa maneira, percebe-se, na exposição oral em
sala de aula, que as funções da polidez acontecem claramente
em virtude de ser uma necessidade social e por ter um caráter de
universalidade, isto é, necessita-se da polidez para que se conviva
socialmente, e consegue-se interação, se respeitadas as regras da
polidez (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006). Ainda no trabalho
com o objeto teórico, o interactante faz uso de um modalizador
deôntico, em “ligados necessariamente na rede”, o que mostra seu
posicionamento na situação de relação interactante (professor)/
objeto teórico mediados pela linguagem verbal.
Em segundo momento, em relação ao tratamento do
interactante (professor) com seus interactantes (alunos), nota-se
uma situação de polidez negativa, devidamente expressa pela forma
verbal imperativa, como em: “vejam como eu falei no esquema da
aula passada”, no meio da exposição oral. Essa ação é seguida por
perguntas que equivalem a reprovações, como em: “vocês vejam
como eu falei no esquema da aula passada que foi colocado por mim
na aula anterior e somente uma colega respondeu respondeu e estava
com o caderno aberto não era? que estava com o apontamento? vocês
não têm isso na cabeça não é?”
O momento reservado na sala de aula ao conflito mental
gerado pela falta de polidez do professor continua, quando este
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 55

procura tirar de si a culpa por o aluno não lograr êxito na disciplina,


quando afirma: “vocês não têm isso na cabeça não é? então na prova
vocês vão querer decorar isso de um dia pra outro então vão dizer
que Pedro é que está ficando carrasco... é que está cobrando coisas
que vocês é:: queriam ter isso no caderno muita norma e por que
decorar?”. Além disso, pelo uso de perguntas retóricas, o interactante
(professor) procura responder a seu próprio questionamento, quando
enuncia: “eu concordo até que estando no papel a gente não precisa
decorar isso na vida prática muita coisa que na vida prática a gente
é... não vai como na teoria não é?”. Esse interactante (expositor),
para encerrar o seu ciclo de ameaças verbais, dando realmente um
horizonte quanto às decisões a serem tomadas em sua disciplina,
assim enuncia: “mas eu vou exigir inclusive esses conhecimentos
que por favor comece a ler a decorar as tabelas para depois que
vocês não terem aborrecimento ( ) de uma nota não muito”.
Os dois momentos analisados no gênero exposição oral
evidenciaram como ocorre a polidez na sua realização social, seja
perante a exposição do objeto teórico com o uso específico de
modalizadores, seja face à interação do interactante (professor)
com os outros (interactantes alunos) com o uso de expressões de
crítica, ameaça, interpelações e insinuações, causando, muitas vezes,
verdadeiros conflitos mentais e sociais.

Considerações finais
As manifestações verbais e não verbais que autorizam a
interpretação da presença de ações da polidez positiva ou negativa
entre os interactantes exercem um papel muito importante nas
relações sociais com abrangência em vários ambientes, como o
pedagógico, o político, o religioso, entre outros. Se, por um lado,
tem-se a polidez negativa pela formulação de maneira indireta de atos
de fala (KERBRAT ORECHIONI, 2006), a exemplo de perguntas
56 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

com ares de reprovação; por outro, aparece a positiva com atos não
ameaçadores, como os votos de boas vindas, entre outros exemplos.
Pela sua constituição, os dois tipos se contrapõem, no entanto,
ambos necessitam de um contexto para que se infira realmente a sua
verdadeira designação.
Quanto às perguntas elaboradas no início do trabalho, seguem-
se as ponderações acerca da problemática de cada uma delas. No que
diz respeito aos objetivos a que se destinam os gêneros estudados
(votação oral e exposição oral), na modalidade falada, infere-se
que cumprem sua função social, pois, ensejam a argumentação
por ocasião da temática tratada entre os interactantes nos diversos
espaços sociais.
A segunda pergunta relaciona-se à existència ou não de
categorias linguísticas que suavizam ou intensificam a possibilidade
do surgimento de conflito entre os interactantes no uso dos gêneros
discursivos empregados. Nesse sentido, enfatiza-se o uso dos
pronomes de tratamento que, em determinada situação, a exemplo de
“Senhor Presidente” (votação oral) impregnava clima respeituoso,
mantendo a polidez positiva; no entanto, em outro momento, em
“Senhor”, no discurso da presidente (votação oral) já assumia uma
função de crítica, de desdém e de ameaça. Não se pode afirmar a
priori quais palavras ou expressões linguísticas designam polidez
negativa ou positiva, mas sim após as inferências de interpretação
dadas pelo contexto.
Enfim, quanto à questão alusiva àquelas categorias que foram
mais constantes na negociação do sentido com preservação ou não
da polidez, com possibilidades ou não de conflitos verbais, foram
as marcas conversacionais e as textuais, com especial atenção ao
uso do paralelismo sintático e semântico por possibilitarem um bom
ritmo na emissão das ideias pelos interactantes (professor e político
votante) para prenderem a atenção dos outros interlocutores ao que
está sendo exposto.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 57

A junção para análise de categorias conversacionais e textuais


em gêneros discursivos orais, como votação oral e a exposição em
sala de aula, à luz dos pressupostos da polidez positiva e negativa,
abre caminhos para a execução de muitos trabalhos nessa linha,
pelo fato de permitir que interactantes se autoavaliem e avaliem os
outros, quanto a sua perspectiva interativa, de maneira que possam,
com certeza, por meio de elementos da linguagem verbal, isso
extensivo aos não verbais, dirimir os conflitos sociais que aparecem
nas relações da sociedade contemporânea.
O ATO DE RESUMIR TEXTOS
José Nildo Barbosa de Melo Junior
Eduardo Pantaleão de Morais

Introdução
Há diversos estudos que exploram o gênero textual resumo em
múltiplas abordagens e perspectivas, como um recurso fundamental
ao processo de ensino e de aprendizagem, a exemplo dos autores que
serviram de base à construção deste capítulo. Isso não significa que
a prática de resumos, sobretudo o escolar-acadêmico, seja apenas
papel da escola ou da universidade, posto que outra importante
função da escola é contribuir à formação de sujeitos autônomos no
ensino da leitura e da escrita, com vistas aos seus usos sociais9.
Desse modo, intenta-se que tal prática ultrapasse os limites da
sala de aula, pois é possível que se torne, por um lado, uma atividade
cotidiana requerida ao estudante que pretende ser aprovado num
processo seletivo de universidade ou num concurso público, num
exame de admissão em alguma empresa pública ou privada, seja
para um cargo efetivo, seja para estagiário. Por outro lado, pode ser


9
Nesse tocante, concorda-se com Machado (2003), ao afirmar que a Norma NBR 6028,
da Associação Brasileira de Normas Técnicas, aponta exclusivamente os resumos
científicos como modelo, quando resumir textos, de fato, não se restringe apenas aos
membros de uma comunidade científica.
60 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

um (pré) requisito imprescindível à realização de alguma atividade


profissional em hospitais, escritórios de áreas diversas, notadamente
naqueles de serviços burocráticos, a exemplo de sintetizar
informações de uma reunião e inseri-las num relatório, e noutros
espaços sociais.
Nesse sentido, este capítulo tem por finalidade evidenciar
algumas reflexões teóricas pertinentes acerca do gênero textual
resumo, bem como apresentar orientações que norteiem a escrita de
estudantes e contribuam para a compreensão dos diferentes tipos de
resumo aqui elencados. Para tanto, além dos conceitos de resumos,
com fundamento em diferentes autores, dando ênfase ao resumo
didático ou escolar-acadêmico, apontam-se e caracterizam-se seis
tipologias do gênero textual resumo, utilizadas tanto em práticas
escolares do ensino básico, quanto do ensino superior e de outras
práticas de letramento.

A produção do gênero textual resumo: algumas reflexões teóricas


A atividade de resumir textos permeia o cotidiano escolar
desde os anos finais do ensino fundamental, seja como uma
tarefa de compreensão do texto-base, seja como uma estratégia
de estudo para a pesquisação. Entretanto, essa atividade não
deve apenas ser uma estratégia frequentemente utilizada no
contexto de sala de aula, a exemplo de uma produção textual
requerida pelo professor, mas deve ainda se constituir como uma
prática organizada e sistematizada para atender a propósitos
comunicativos diversos, o que é o caso da utilização do resumo
como uma técnica de estudos por alunos, fora do ambiente de
sala de aula.
No ato de redigir um texto, o sucesso no desenvolvimento das
ações do professor relaciona-se à competência de leitura e de escrita
do aluno, isto é, à sua competência comunicativa, significando dizer
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 61

que ler e fichar a leitura implica resumir (GRAEFF, 2001). Segundo


Coste (1988), reiterado por Graeff (2001), tal competência abrange
as capacidades linguística, textual, referencial e pragmática, mas
depende também de outros níveis de competência comunicativa
– situacional, discursiva, semântica e semiolinguística, em que
se insere a competência leitora (GOUVÊA; PAULIUKONIS;
MONNERAT, 2017).
Nesse sentido, reforça-se o papel da escola em orientar
a prática de resumir textos, ainda que não sejam contemplados
todos os tipos de resumo, os quais, possivelmente, os alunos
conhecerão no ensino superior enquanto uma exigência posta e
não como uma atividade tematicamente orientada. Na verdade,
a responsabilidade de orientar a produção textual atravessa o
ensino básico e superior, sobretudo por o nível básico de ensino
se apropriar de um tipo de resumo, especificamente o didático ou
escolar, e, por inúmeras vezes os estudantes chegarem ao ensino
superior sem o conhecimento necessário à produção de textos
acadêmicos diversos, como o resumo, em virtude de uma série
de fatores desagregantes que incluem o sistema de ensino e o
contexto familiar, entre outros.
Em se tratando dos níveis de competência comunicativa,
dominar cada um deles é essencial para que os sujeitos produtores
de textos falados e escritos construam sentidos em todos os
atos de linguagem praticados. Assim, tais produtores de textos
precisam dispor da capacidade/habilidade de estabelecer as
trocas sociais e construir seu discurso em função da identidade
dos parceiros na troca comunicativa, da finalidade do ato, do
seu propósito e das circunstâncias materiais – competência
situacional ou comunicacional (GOUVÊA; PAULIUKONIS;
MONNERAT, 2017).
Além disso, os sujeitos que produzem os textos precisam
manipular e reconhecer a modalização, isto é, os modos de
62 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

organização discursiva – estratégias discursivas envolvidas no


ato comunicativo (competência discursiva); devem lidar com as
diversas representações sociodiscursivas construídas nos atos
de linguagem, os quais circulam por grupos sociais, envolvendo
saberes distintos – de crença, de experiência e de erudição
–, mas que se entrecruzam (competência semântica); têm de
desenvolver a capacidade de empregar e elaborar mecanismos
de construção de sentido, como as modalidades linguísticas, os
mecanismos de coesão e os elementos implícitos e extratextuais
– nível textual –, têm de conhecer e dominar o sistema da
língua – nível gramatical –, assim como fazer escolhas lexicais
que atendam às suas intenções comunicativas ou perceber
as intenções que determinam tais escolhas – nível lexical –
(competência semiolinguística) (GOUVÊA; PAULIUKONIS;
MONNERAT, 2017).
Aqui, reside a importância de todas essas competências
comunicativas, a fim de que, reunindo tais competências, o produtor
textual e o próprio leitor reflita sobre o texto-base, compreenda
os blocos menores, revisite o texto-fonte e entenda o propósito
comunicativo ou a estratégia específica de produção do referido
texto, a partir de uma leitura minuciosa, pois

A capacidade do leitor de perceber as escolhas do


autor durante o processamento textual e relacioná-
las aos diversos níveis de construção do sentido
caracteriza sua competência leitora (GOUVÊA;
PAULIUKONIS; MONNERAT, 2017, p. 56).

Os entraves que impedem a recuperação das estratégias de


compreensão e produção de textos não estão relacionados somente
ao desconhecimento linguístico e ao conhecimento referencial prévio
(de mundo) do produtor textual, mas também à não percepção dos
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 63

aspectos globais do texto, isto é, das estruturas textuais, chamadas


de superestrutura e macroestrutura, da microestrutura (aspectos
linguísticos e textuais que compõem as porções menores do texto)
e da intencionalidade do texto (GRAEFF, 2001). Essas noções
foram propostas por Dijk (1980a, 1980b) e referem-se à perspectiva
linguística de base cognitiva.
A superestrutura relaciona-se à organização e à ordenação do
sentido global do texto, do seu conteúdo, bem como é um aspecto
global fundamental à produção, compreensão, ao armazenamento
e à reprodução de textos (DIJK, 1980a). A macroestrutura, por
sua vez, diz respeito ao conteúdo global de um texto e remete
às macrorregras que possibilitam reduzir o texto às informações
essenciais; essas macrorregras incluem a seleção, a generalização
e a construção.
Na seleção, elencam-se as proposições do texto-base, as quais
auxiliam na interpretação do texto e apagam-se as proposições que não
são relevantes para tal interpretação; na generalização, seleciona-se
uma proposição, conceptualmente mais geral, que represente uma
sequência de proposições, de maneira superordenada; na construção,
elabora-se uma sentença-tópico que não está explicitada no texto,
mas que substitui uma sequência de proposições por uma proposição
que represente as demais.
Quanto à perspectiva linguística de base sintática, tem-se
a abordagem de Charolles (1991), que apresenta um esquema de
operações cognitivas distintas, o qual implica as capacidades de
compreensão e produção do resumo escolar. Para sistematizar
as informações reformuladas/reduzidas, a partir de um texto-
base, o sujeito utiliza marcas linguísticas/índices linguísticos
que norteiam a construção do novo texto; são os articuladores
textuais (conectores), as marcas de segmentação (separação em
parágrafos) e a referenciação (GRAEFF, 2001), consoante mostra
a figura a seguir:
64 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Figura 1 – Esquema de Charolles

Fonte: GRAEFF (2001, p. 39).

As operações cognitivas, conforme a perspectiva linguística de


base sintática, comprovam os movimentos de elaboração do resumo,
realizados pelo produtor textual, num percurso entre texto-fonte, texto
intermediário e texto resumido. Esses movimentos, de ida e volta ao
texto-base, precisam ser constantes até, de fato, o propósito ser atingido,
isto é, até a obtenção do texto resumido como produto da compreensão
do produtor textual. O texto resumido, sob a ótica do plano linguístico,
seria uma paráfrase resumidora ou paráfrase resumitiva, já que o texto
final apoia-se numa atividade de reformulação do texto-base.
Observando a figura 1, a atividade de resumo ancora-se numa
representação inicial, que se elabora desde a primeira leitura e se refaz
continuamente, ao passo que o trabalho de análise e de controle das
operações de contração e de reformulação desenvolve-se. A partir da
representação inicial, obtém-se a matéria-prima do texto intermediário
(rascunho), que faz uso das operações de resumo até que a versão
intermediária se torne permanente. A observação do texto-fonte, da
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 65

representação do seu conteúdo e do texto intermediário em elaboração


supervisiona todas essas operações, e as regras e restrições do exercício
de resumir condicionam-nas (GRAEFF, 2001).
Antes de conhecer algumas estratégias para resumir um texto,
aplicadas ao resumo didático, escolar ou escolar-acadêmico, mas que
contribui para subsidiar a escrita de outras tipologias, convém expor
algumas definições possíveis para o gênero, também considerado,
conforme se mencionou, uma técnica de estudo, do ponto de vista
acadêmico e metodológico-científico. Estes conceitos, mais bem
visualizados na figura 2 a seguir, trazem contribuições positivas,
tanto sob o viés teórico, quanto prático, por possibilitar aos leitores
inserir o resumo numa tipificação específica de gênero textual, mesmo
com seus desdobramentos, a depender do contexto de circulação e
propósito de uso.

Figura 2 – Conceitos do gênero textual Resumo


Autor Conceito
ABNT
Apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento.
(NBR 6028)
Santos Apresentação concisa das partes mais importantes do estudo, dando uma
(2005, p. 333) versão objetiva e clara do seu conteúdo.
Uma apresentação sintética e seletiva das ideias de um texto, ressaltando
Medeiros
a progressão e a articulação delas. Nele devem aparecer as principais
(2011, p. 128)
ideias do autor do texto.
Pode ser uma apresentação abreviada de um texto ou conteúdo de livro,
peça teatral, argumento de filme etc. Constitui, então, um gênero em
que se reduz um texto qualquer, apresentando-se seu conteúdo de forma
Costa
concisa e coerente, mantendo o tipo textual do texto principal. Também
(2009, p. 179)
pode se referir a uma exposição sintetizada de um acontecimento ou
de uma série de acontecimentos, das características básicas de alguma
coisa, com a finalidade de transmitir uma ideia geral sobre seu sentido.
Marconi e Apresentação concisa e, frequentemente, seletiva do texto, destacando-
Lakatos se os elementos de maior interesse e importância, isto é, as principais
(2017, p. 58) ideias do autor da obra.
Fonte: Elaboração dos autores deste capítulo.
66 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Ao revisitar o conceito de resumos, Machado (2003) traz


reflexões importantes sobre a produção de resumo e recupera a
importância de contemplar características discursivas e linguístico-
discursivas, representações sociais constituídas pelo contexto de
produção e pelo conteúdo temático (BRONCKART, 1999), como
o objetivo de leitura, o conjunto de conhecimentos prévios do
leitor, a situação comunicativa de leitura, a questão dos gêneros,
sua heterogeneidade, o esquema superestrutural de cada tipo de
texto, estratégias no processo de sumarização, o texto resumido, os
resumos produzidos e vários fatores contextuais, na aplicação das
estratégias que regem tal processo e a produção de resumos em si.
Entre os fatores contextuais, é possível citar o fato de que a
produção de resumos ultrapassa os limites do contexto acadêmico,
delimitação observada na NBR 6028/2003 da ABNT, razão por que
se evidenciam, aqui, o resumo escolar, didático ou acadêmico e
estratégias que auxiliem em sua construção, mesmo que se defenda,
assim como Machado (2003), a observação dos diversos elementos
citados anteriormente e se reconheça que tais estratégias contribuem
para forjar as demais tipologias.
A autora elenca dois conjuntos de estratégias na sumarização –
processo que reduz a informação semântica do texto, por intermédio do
qual o leitor retém as informações elementares e chega à significação
básica do texto – e, em seguida, na constituição do resumo, quais sejam: o
apagamento – selecionando conteúdos relevantes do texto e apagando
informações desnecessárias à compreensão de outras proposições ou
de informações redundantes – e a substituição – construindo novas
proposições que englobem informações pressupostas ou expressas no
texto (MACHADO, 2003).
As estratégias de substituição podem ser de generalização e
de construção. A partir da primeira retoma as relações hiperonímicas
sobre as hiponímicas, ou seja, indica-se que o leitor substitua uma
série de nomes de seres, propriedades e ações por termos, expressões
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 67

ou propriedades mais gerais que englobem os específicos; por meio


da segunda, o leitor substitui uma sequência de proposições do
texto original, expressas ou pressupostas, por uma proposição que
se inferiu de tal sequência, por intermédio das relações de sentido,
as quais se constroem entre essas proposições (MACHADO, 2003).
Elaborar um resumo, portanto, implica apresentar, de modo
compreensível, conciso e pontual, as partes mais relevantes do
conteúdo de um texto, traduzindo o ponto de vista do autor, sem
afetar o sentido do conteúdo exposto. Consiste em criar um novo
texto, com suas palavras, conservando as ideias do texto original,
embora de forma breve e seletiva, destacando o assunto do texto, seu
objetivo, a articulação das ideias, as conclusões do autor do texto-
base (texto objeto do resumo), redigindo em linguagem objetiva e
clara, sem apresentar juízo valorativo ou crítico (este último é um
dos objetivos do gênero resenha10 ou resumo crítico, conforme a
NBR 6028).

Tipos de resumo
É possível elucidar aqui duas tipologias de resumo, de maneira
que ambas confluem, traduzem a escolha de um resumo coerente/
adequado a uma proposta e devem conter correção gramatical e
léxico adequado à situação escolar/acadêmica, verbos na voz ativa
ou passiva e na terceira pessoa ou primeira pessoa do plural – a
depender do estilo do autor e da perspectiva teórica que este assuma
–, seleção das informações colocadas como as mais importantes
no texto original, indicação de dados sobre o texto resumido, no
mínimo autor e título, apresentação das principais ideias do texto
e de suas relações, menção ao autor do texto original em diferentes

A resenha é um gênero textual de extensão variada, usado para avaliar – elogiar ou


10

criticar – o resultado da produção intelectual em uma área do conhecimento, seguindo


as ações de apresentar, descrever, avaliar e recomendar ou não o livro (MOTTA-ROTH;
HENDGES, 2010, p.27).
68 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

partes do resumo e de formas diferentes, menção de diferentes ações


(questionar, debater, explicar, argumentar, entre outras) do autor do
texto original, texto compreensível em sua totalidade (MACHADO;
LOUSADA; ABREU-TARDELLI, 2004), alguns desses aspectos já
pontuados anteriormente.
A primeira inclui o resumo didático, escolar ou acadêmico,
o técnico e o expandido; a segunda envolve o resumo indicativo ou
descritivo, o informativo ou analítico e o crítico (NBR 6028, 2003);
ademais, embora cada tipo de resumo possua traços característicos,
a mutabilidade, a dinamicidade e a velocidade com que os gêneros
estão evoluindo não permitem que o gênero textual resumo, mesmo
em seus vários tipos, mantenha-se engessado, mas assuma outras
características linguísticas que não assumia antes.
O resumo didático, escolar ou escolar-acadêmico consiste
na síntese e na extração das ideias centrais de textos didáticos,
livros, palestras, artigos, capítulos de obras, textos de revistas, sendo
utilizado também como uma técnica de estudo e dispondo de um
formato diferente do que dispõe o resumo técnico. Esse tipo de
resumo possibilita ao professor avaliar a compreensão do texto-base
lido, o que abarca a compreensão global, o desenvolvimento das
ideias do texto e a articulação entre elas (MACHADO; LOUSADA;
ABREU-TARDELLI, 2004); um exemplo de resumo escolar-
acadêmico aparece na seguinte figura 3:

Figura 3 – Resumo didático ou escolar-acadêmico


No artigo, intitulado Mesmice ética, Bertero (2004) aponta que o
movimento da ética empresarial surgiu a partir dos anos 70, nos Estados Unidos,
e expandiu-se pelo mundo, transfigurando-se no eixo norteador por meio do
qual as organizações enunciam seus princípios éticos. A propagação desse
movimento resultou no surgimento de empresas de consultoria especializadas
na elaboração e na venda de códigos de ética.
Entretanto, segundo o autor, verifica-se que tais códigos de ética
não apresentam um caráter original e inovador, por não serem baseados nas
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 69

peculiaridades de cada empresa e não terem em vista as especificidades nas


relações interpessoais entre funcionários da própria empresa, seus clientes
e outras empresas de comércio ou de serviço. Não obstante, a maior parte
desses códigos de ética evidenciam duas funções principais incontestáveis,
quais sejam: compõem e sustentam a imagem favorável de uma empresa ante
os vários públicos-alvos, bem como funcionam enquanto um instrumento de
controle gerencial, à disposição dos administradores (BERTERO, 2004).
O autor argumenta que o êxito no uso de um código de ética implica
observar as idiossincrasias da empresa, por intermédio da aplicabilidade de
seus reais valores e da visão dos dirigentes, assim como exige a revisão, o
alinhamento e a atualização do código, fundamentados na estratégia do negócio
e na realidade corporativa. Para tanto, Bertero (2004) sugere que se estabeleça
um sistema responsável pela gestão da ética empresarial, a partir de um ethics
officer (Diretor de Ética).

Elaboração dos autores deste capítulo, a partir da seguinte fonte: BERTERO,


Carlos Osmar. Mesmice ética. RAE GV-executivo, São Paulo, v. 3, n. 1, fev-
abr. 2004. p. 39. Disponível em: https://rae.fgv.br/gv-executivo/vol3-num1-2004/
mesmice-etica. Acesso em: 23 abr. 2020.

O resumo técnico, também chamado de abstract ou resumo


acadêmico, solicitado em situações acadêmicas e científicas
especiais, consiste na apresentação concisa do conteúdo de um
trabalho de cunho científico (pesquisa científica, artigo, monografia,
dissertação e tese), com o objetivo de “sumarizar, indicar e predizer,
em um parágrafo curto, o conteúdo e a estrutura do texto integral que
segue” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 152), constituindo-
se de uma organização retórica semelhante à do artigo científico/
acadêmico, o que inclui título, autores, instituição, objetivo,
base teórica, metodologia, resultados e conclusões, ainda que
tal organização sofra variações, ao elucidar as partes/seções que
constituem o artigo acadêmico – isso significa que a ordem dos
elementos nem sempre será esta: definição do problema, objetivo,
base teórica, metodologia, resultados e conclusões, conforme se
verifica na figura 4 a seguir:
70 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Figura 4 – Resumo técnico, acadêmico ou abstract


Esta tese, inserida na linha de pesquisa Estudo do Texto e Discurso, centra-
se na investigação dos Pronunciamentos de Defesa e de Acusação, à luz
da análise retórico-argumentativa do julgamento de impeachment da ex-
presidente Dilma Rousseff (2011 a 2016), a partir dos ethé, a fim de verificar
como se dá a natureza argumentativa dos Macroethé racional e afetivo ou
transição de um para o outro, na tentativa de entender como o retor 1 e o retor
2 instauraram seus discursos, por meio dos referidos gêneros discursivos,
para ampliar o potencial de persuasão das conclusões argumentativas
durante o momento de posse da palavra. A relevância desta tese justifica-
se, em síntese, por três razões: a) inicialmente, ao explicar como se deram
os funcionamentos argumentativos dos enunciados proferidos pelos retores
de defesa e de acusação no julgamento do impeachment, evento jurídico-
político de grande importância para o cenário nacional, identificando como
essa argumentação foi pautada no caráter dos oradores, possibilitando uma
melhor compreensão dos argumentos que sustentam as discussões durante
o julgamento; b) ao contribuir com os estudos retórico-argumentativos,
produzindo os conceitos de Macroethos racional e Macroethos afetivo,
categorias maiores do caráter dos retores, que remetem a outras imagens
dos ethé dos retores; e c) por fim, ao criar a categoria retórica de caracteres
de Dispositivos Argumentativos que, no conjunto das estratégias utilizadas
pelos retores, validam o reconhecimento do que seria uma argumentação
pautada no Macroethos racional ou no Macroethos afetivo. A análise
segue a linha descritivo-interpretativa no campo da pesquisa qualitativa,
segundo Moreira (2000) e Flick (2004). O suporte teórico em Retórica
argumentativa aponta Aristóteles (2000, 2005), Abreu (2008), Plantin
(2008), Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), Reboul (2005), Santos (2011),
Salmon (1973), Sousa (2001), Savian Filho (2010), Toulmin (2006), além de
outros. A metodologia adotada para a realização da pesquisa é qualitativo-
interpretativa, vislumbrando a interpretação dos argumentos utilizados pelos
retores, advogados de defesa e de acusação, considerando o marco teórico
e conceitual que subsidia a linha teórica escolhida. Os resultados finais
demonstraram a presença de uma maior argumentação pelo Macroethos
afetivo no Pronunciamento de Acusação e uma maior incidência de
Macroethos racional no Pronunciamento de Defesa, porém com uma forte
carga afetiva na direção de sua conclusão. Da análise geral, pudemos verificar
que os ethé, derivados de argumentos pautados nos fundamentos jurídico-
políticos, poderiam conduzir à absolvição da presidente; no entanto, o fato
de o julgamento ter um caráter político complexo e turbulento propiciou à
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 71

acusação pautar-se no Macroethos afetivo, em virtude da falta de provas ou


de evidências para o Crime de Responsabilidade, o que explica a decisão
final contraditória do julgamento.
Palavras-chave: Macroethos racional e afetivo. Argumentação.
Impeachment.

Fonte: MORAIS, Eduardo Pantaleão de. O Macroethos racional e o afetivo


na argumentação do julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff. Maringá, Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Letras do
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Estadual de Maringá,
2019. Disponível em: http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/epmorais_do.pdf. Acesso
em: 23 abr. 2020.

Finalmente, o resumo expandido, requerido por eventos


acadêmicos e científicos, não é simplesmente um resumo alongado,
é um texto que deve incluir título, autores, instituição que representa,
introdução, objetivo do trabalho, metodologia, fundamentação
teórica, resultados e discussão, referências e palavras-chave, cada
um desses tópicos enumerados, diferentemente do resumo técnico
que se constitui de parágrafo único. Uma característica importante
de ser observada na estrutura retórica do resumo expandido liga-se
ao fato de que esse tipo de resumo tem incluído, em sua estrutura,
o resumo acadêmico ou abstract; assim, o resumo acadêmico
ou abstract aparece, no referido contexto, assim como acontece
também no artigo científico, como parte constitutiva do gênero
resumo expandido, segundo se visualiza o exemplo nas figuras 5 e
6, a seguir:
72 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Figura 5 – Resumo expandido

Fonte: SANTOS, Wilma Kelly Gomes dos; VIEIRA, Luzia. Dialogando com
anúncios publicitários: gêneros textuais no ensino da intertextualidade. Anais/
Resumos da 70ª Reunião Anual da SBPC, Maceió, 22 a 28 de julho de 2018.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 73

Figura 6 – Resumo expandido

Fonte: SANTOS, Wilma Kelly Gomes dos; VIEIRA, Luzia. Dialogando com
anúncios publicitários: gêneros textuais no ensino da intertextualidade. Anais/
Resumos da 70ª Reunião Anual da SBPC, Maceió, 22 a 28 de julho de 2018.
74 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Um resumo expandido é um documento, cujas ideias e


relevância possam ser entendidas no menor tempo possível, podendo
conter entre 2 e 5 laudas, a depender das regras de submissão do evento
científico, visto que o abstract e o resumo expandido subordinam-
se a normas acadêmico-científicas de diferentes congressos ou
instituições acadêmicas, no processo de submissão de trabalhos a
serem apresentados ou como parte do Trabalho de Conclusão de
Curso – TCC, em artigos, monografias, dissertações e teses.
Quanto à classificação feita pela NBR 6028 (2003), têm-
se o resumo indicativo ou descritivo, que não apresenta os dados
quantitativos ou qualitativos do texto, indica tão somente os pontos
principais do documento e não dispensa a consulta ao texto completo
(original), por não ser extenso, por utilizar frases curtas, sentenças
breves em tópicos, e referenciar pontos-chave do texto-base, o que
se pode observar na figura 7.

Figura 7 – Resumo indicativo


Exposição das dificuldades apresentadas por executivos, no gerenciamento
de atividades, como gestores. Definição da síndrome de Burnout. Principais
sintomas manifestos pelo gestor. Impactos individuais sofridos pelo profissional
que passa a manifestar os sintomas do Burnout. Principais tensões diárias do
profissional gestor de empresas. Impactos gerados na organização e na equipe
de trabalho, devido ao Burnout. Medidas de combate à síndrome.

Elaboração dos autores deste capítulo, a partir da seguinte fonte: SANTOS,


Eduardo Lopes dos. A Era do Burnout. RAE GV-Executivo, São Paulo, v. 17, n.
2, mar-abr, 2018. p. 16-19. Disponível em: https://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/
gv_v17n2_ce2.pdf. Acesso em: 23 abr. 2020.

O informativo ou analítico, que pode dispensar a consulta


ao texto original e sua leitura, por conter o conteúdo/assunto, as
principais ideias do autor, os objetivos, os métodos e as técnicas, os
resultados, as conclusões, as palavras-chave, apresenta-se de modo
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 75

seletivo, numa sequência de frases concisas. O resumo informativo


ou analítico corresponde ao resumo técnico (figura 4), modelo
preconizado pela NBR 6028/2003.
Como aponta Machado (2003), o resumo pode ser parcial
ou integral, baseado em suas especificidades e seu contexto de
produção, e pode ser parte integrante de outro texto (é o caso dos
resumos técnico ou abstract, descritivo e informativo), mas aparecem
também de forma autônoma e preservam características que definem
os gêneros em geral, por se realizarem em outros espaços sociais e se
desvincularem dos trabalhos científicos a que, geralmente, vinculam-
se. Para Machado (2003, p. 150), esses últimos resumos são:

Textos autônomos que, dentre outras


características distintivas, fazem uma
apresentação concisa dos conteúdos de outro
texto, com uma organização que reproduz a
organização do texto original, com o objetivo de
informar o leitor sobre esses conteúdos e cujo
enunciador é outro que não o autor do texto
original, podem legitimamente ser considerados
como exemplares do gênero resumo de texto.

Conforme a NBR 6028 (2003), a ordem e a extensão dos


resumos dependem do tipo escolhido (informativo ou indicativo), de
acordo com as circunstâncias materiais e com o tratamento que cada
item recebe no documento original. No que se refere à extensão,
os resumos podem conter: de 150 a 500 palavras, para os trabalhos
acadêmicos (artigos, teses, dissertações e monografias) e relatórios
técnico-científicos, de 100 a 250 palavras, para os de artigos de
periódicos, e, de 50 a 100 palavras, para os destinados a indicações
breves, os resumos críticos, por suas características e organização
específicas, não se submetem a limite de palavras.
76 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

O resumo crítico, também chamado de resenha, que


traz uma análise crítica de um documento ou trabalho, expressa
a subjetividade (juízo de valor) do autor da resenha acerca do
texto-base, formula um julgamento sobre aspectos metodológicos,
conteúdo, desenvolvimento e articulação lógico-semântica das ideias,
é redigido por especialistas ou estudantes, enquanto mecanismo de
compreensão e crítica.
Alguns manuais de metodologia científica recomendam
não inserir citações (transcrições) no resumo crítico, certamente,
em função dos próprios conceitos e características do resumo e da
resenha, embora haja linguistas e estudiosos dos gêneros textuais
apresentando, em seus estudos, modelos que trazem fragmentos do
texto-base para o resumo, fazendo alusão a determinadas partes do
texto original.
A estrutura retórica da resenha é flexível, já que o resenhista
ou resenhador pode apresentar, descrever, avaliar e sugerir ou
não a leitura da obra resenhada em ordem e extensão variados
(MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010); todavia, normalmente, a
estrutura é a seguinte: referência bibliográfica da obra resenhada,
credenciais do autor, conhecimento da obra (resumo das ideias
principais), as conclusões do autor (apresentadas no final
dos capítulos ou do livro), quadro de referências do autor e a
apreciação da obra – a descrição das partes mais importantes da
obra e o juízo de valor podem aparecer ao longo da resenha como
um todo (MARCONI; LAKATOS, 2017). Alguns exemplos de
resumos críticos (resenhas) podem ser visualizados nos links11
que acompanham as seguintes referências:
 Rezende, Renato Cabral. Resenha de: BENTES, Anna
Christina; LEITE, Marli Quadros. (Orgs.). Linguística
de texto e Análise da Conversação: panorama das
Disponibilizaram-se apenas as referências e/ou os links dos textos-base, devido à
11

extensão de que esses textos originais dispõem.


ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 77

pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. Revista


Investigações, Pernambuco, v. 24, n. 2, jul. 2011. p. 261-
273. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/
INV/article/view/1325/1008. Acesso em: 23 abr. 2020.
 Stella, Paulo. Resenha de: BRONCKART, Jean-Paul.
Atividades de linguagem, textos e discursos: por um
interacionismo sócio-discursivo. Trad. Anna Rachel
Machado, Pericles Cunha. São Paulo: EDUC, 1999. 353
p. Revista da Anpoll 08: Estudos linguísticos e literários
no Brasil: 500 anos, Florianópolis, v. 1, n. 8, jan.-jun.
2000. p. 225-231. Disponível em: https://revistadaanpoll.
emnuvens.com.br/revista/article/view/359/368. Acesso
em: 23 abr. 2020.
 Martins, Izabella dos Santos. Resenha de:
MAGALHÃES, Célia Maria (org). Reflexões sobre
a Análise Crítica do Discurso. Belo Horizonte:
Faculdade de Letras, UFMG, 2001. Revista Delta-
Documentação e Estudos em Linguística Teórica
e Aplicada, São Paulo, v. 21, n. 2, 2005. p. 313-321.
Disponível em: https://revistas.pucsp.br/delta/article/
view/37723/25518. Acesso em: 23 abr. 2020.

Há resenhas que recuperam trechos do discurso do livro, por


meio de citações para sustentar a avaliação do resenhista, outras
resenhas, além de utilizarem citações da própria obra resenhada,
dialogam com outras obras que endossam os posicionamentos
críticos acerca do texto original a ser resenhado. Embora utilizem
citações, o gênero resumo crítico ou resenha não se divide em tópicos,
como o artigo científico, e se diferencia do ensaio acadêmico, que
faz uma discussão sobre determinado tema, de relevância teórica,
metodológica e/ou científica, sem explorá-lo de forma exaustiva,
78 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

buscando, todavia, originalidade no enfoque e fundamentando-se


em textos já publicados, em formato de livros, capítulos de livros,
textos de revistas de divulgação científica e artigos de periódicos.
O ensaio acadêmico – que apresenta em sua estrutura um
resumo técnico – possibilita que o produtor ensaísta expressa seus
posicionamentos criticamente acerca do tema e argumentos sólidos
para defender tal posição, assim como faz o resumo crítico. No
entanto, além do ponto de vista acerca da obra resenhada, uma
característica específica da resenha, somada à sua estrutura retórica
(MARCONI; LAKATOS, 2017), é descrever sistematicamente as
partes que compõem tal obra.

Algumas estratégias para construção de um resumo didático ou


escolar-acadêmico
De um modo geral, o processo de sumarização é imprescindível
à produção de resumos, notadamente do resumo didático, escolar
ou acadêmico, e tal ação exige que se compreenda o texto original,
identifique-se a ideia principal e as secundárias, podendo eliminar
exemplos, sinônimos, paráfrases, explicações e justificativas,
havendo tal possibilidade, dependendo do plano global típico do
gênero a que pertence o texto resumido, do contexto de produção
e do conteúdo temático (MACHADO, 2003). Assim, consoante
Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2004), ao sumarizar, apagam-
se conteúdos facilmente inferíveis a partir do conhecimento de
mundo do leitor, eliminam-se sequências de expressões que indicam
sinonímia ou explicação, apagam-se exemplos, argumentos contra
a posição do autor e justificativas de uma afirmação, efetuam-se
generalizações e conservam-se informações não resumíveis.
A fim de encontrar as ideias principais do texto, algumas
orientações básicas podem auxiliar na compreensão e nortear a
síntese do material a ser lido, tendo em vista que o resumo, além de
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 79

um gênero, é um importante mecanismo de estudo e exige o uso de


habilidades linguísticas e cognitivas, estas últimas ligadas ao ato de
apreender, compreender, interpretar, analisar o texto-base e sintetizar
as suas informações, por meio de uma paráfrase sintética das ideias
centrais do texto (FIORIN; SAVIOLI, 1990; RESENDE; VIEIRA,
2014). As orientações indicadas se traduzem em:
 Seja em parágrafos, capítulos de livros, seja em obras
completas, realize uma leitura cuidadosa, em função de
um objetivo previamente formulado;
 Leia o texto como um todo, sem interferências, respondendo
a questionamentos centrais (O quê? Quem? Como? Onde?
Quando? Para quê? Por quê?), decodificando as frases
mais complexas, isto é, de difícil compreensão. Caso seja
necessário, consulte um dicionário;
 Verifique a progressão temática do texto, a qual se constrói
com fundamento na expansão e na correlação/conexão
das ideias principais;
 Faça uso da técnica da sublinha e do esquema, para captar
as ideias principais;
 Proceda à segmentação do texto, por meio de blocos
temáticos de ideias, sem comprometer as relações lógicas
entre as partes do texto e sem interferir na progressão
textual;
 Por intermédio de leituras atentas e direcionadas,
identifique o esquema seguido pelo autor. O escritor
desenvolve suas ideias a partir de uma ordem hierárquica
(da mais geral para as mais específicas);
 Selecione as ideias principais dos parágrafos, traduzindo a
mensagem destes por meio de uma frase; posteriormente,
essa estratégia poderá ser utilizada em textos mais
extensos, capítulos e/ou livros;
80 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

 Sublinhe apenas termos essenciais: os termos técnicos, as


definições, as classificações etc.;
 Utilize frases curtas e diretas, linguagem objetiva, clara,
concisa e impessoal, de modo que o resumo apresente
autonomia textual e estimule a consulta ao original (texto-
base);
 Respeite a ordem em que se apresentam as ideias e os
fatos, a menos que seja possível conectar a ideia principal
de um parágrafo à de outro (s), sem interferir no sentido;
 Reconstrua o texto original, reduzindo-o a 1/3, 1/4 ou a
uma fração do texto-base (cerca de 50%), suprimindo,
quando possível, adjetivos, advérbios, detalhes óbvios,
conteúdos facilmente inferíveis e exemplos, mantendo
determinadas explicações e justificativas, apenas se forem
extremamente necessárias à compreensão;
 Quando as ideias principais estiverem implícitas, isole as
frases-chave para determinar as ideias centrais e explicite-
as;
 Evite repetir ou copiar frases e expressões literais do texto-
base, bem como não utilize paráfrases de fragmentos
anteriores do texto, para sinalizar o mesmo conteúdo
semântico no parágrafo seguinte;
 Após selecionar as ideias principais, construa o seu
resumo, recriando e parafraseando as ideias centrais do
texto-base, por meio da reformulação do texto-base.

Fiorin e Savioli (1990) salientam que, na técnica do resumo,


não se deve perder de vista três elementos: cada uma das partes
fundamentais do texto, a progressão das ideias apresentadas e a
correlação das partes do texto. No resumo didático ou escolar-
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 81

acadêmico, não comportam comentários apreciativos e/ou


depreciativos, pois isso caracterizaria o gênero resenha, mas cabe a
síntese das ideias centrais do texto resumido/original.

Considerações finais
O presente capítulo teve por objetivo explicitar algumas
reflexões teóricas acerca do gênero textual resumo, além de
esclarecer pontos importantes no processo de caracterização da
sua tipologia, com o intuito de mostrar a estudantes, professores
e graduandos especificidades que cada tipo de resumo exposto
apresenta em sua estrutura retórica, observando o propósito com
que se escreve. Isso pode contribuir, em alguma medida, para
sanar um problema, saber qual a tipologia conveniente ao contexto
de aplicação do gênero, além de possibilitar a sistematização e o
encontro dos seis tipos – entre os quais dois são sinônimos (resumo
informativo e abstract/acadêmico).
As dificuldades em resumir textos são resultantes da
complexidade do texto (vocabulário, estrutura sintática, relações
lógicas) e das competências de quem resume o texto (FIORIN;
SAVIOLI, 1990), quer na produção efetiva do gênero, quer do tipo
textual (narrativo, descritivo, dissertativo de natureza expositiva
ou argumentativa). Incluem-se, nesse contexto, as competências
comunicativas, nos níveis situacional, discursivo, semântico e
semiolinguístico (GOUVÊA; PAULIUKONIS; MONNERAT, 2017).
Isso é uma questão que precisa ser pensada, refletida, sobretudo,
porque se o produtor textual não dispõe do conhecimento prévio
necessário, para estabelecer inferências e links com pontos que não
estão explícitos no texto, a compreensão deste será comprometida.
Nesse sentido, não há uma fórmula, uma regra ou um modelo
padrão e fixo para resumir; o que há são princípios que norteiam ou
orientam o uso dessa técnica, pois a seleção ou o apagamento das
82 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

ideias, em um texto, depende do propósito linguístico do produtor


textual na construção do resumo. Ademais, é possível verificar
que, em resumos elaborados a partir do mesmo texto-fonte, há
diferenças entre os diferentes resumos, em função da compreensão,
das competências de cada sujeito, incluindo o estilo de escrita. Isso
ocorre, entre outros aspectos, porque os leitores possuem capacidades
cognitivas diferentes para abstrair as ideias ou de transferir as
informações, do plano das ideias para o plano do texto propriamente
dito, de sintetizar as informações, transferindo-as à fala ou à escrita,
no que se refere aos conhecimentos linguísticos e textuais.
Dessa maneira, alguns mecanismos costumeiramente
usados para a prática do resumo são o apagamento de elementos
redundantes e supérfluos ou não relevantes (adjetivos, advérbios e
respectivas locuções); a generalização de ideias do texto; a seleção
das ideias principais; a combinação de dois ou três tópicos frasais
de diferentes parágrafos, quando houver repetição de ideias; a
criação ou construção de frases sintéticas que agrupem várias ideias
expostas no texto (FIORIN; SAVIOLI, 1990). Independentemente
de macrorregras ou de mecanismos, não se pode perder de vista
que a leitura é uma das atividades mais importantes que forma os
sujeitos, na perspectiva acadêmica e, principalmente, no viés social.
AS FIGURAS RETÓRICAS NO GÊNERO
DEBATE REGRADO EM SALA DE AULA
Sandra Araujo Lima Cavalcante
Max Silva da Rocha

Introdução
Este capítulo insere-se nos estudos retóricos da linguagem,
numa vertente mais moderna, a chamada Nova Retórica. Intenta-se,
em linhas gerais, proceder a uma análise acerca de figuras retóricas
utilizadas no gênero debate regrado, no contexto de sala de aula, a
fim de mostrar como essa categoria da Retórica Moderna objetiva
persuadir outro participante durante o debate. Busca responder aos
seguintes questionamentos norteadores: De que maneira acontecem as
tentativas de persuadir no gênero debate regrado? Como os oradores
utilizam as figuras retóricas no gênero debate regrado? A busca por
respostas é o que fundamenta o interesse em realizar o presente estudo.
O fragmento elencado para a análise foi extraído do corpus
de uma pesquisa de Mestrado em Linguística, intitulada “Uma
abordagem retórica do gênero debate em sala de aula”, realizada por
Soares (2017). Dos 6 debates que constituem o corpus, selecionou-
se um, de onde se retirou um fragmento para compor a análise deste
capítulo. Assim, não houve uma pesquisa de intervenção ou uma
busca de material em campo, mas a efetivação de um estudo, a partir
de um corpus já constituído.
84 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Há muitos trabalhos sobre o gênero debate regrado,


a exemplo de Ribeiro (2009) que estudou a construção da
argumentação no contexto do ensino. Com base nos estudos
retóricos contemporâneos, a autora mostrou a tipologia dos
argumentos, presentes no gênero debate regrado. Diferentemente
de Ribeiro (2009), este estudo propõe um olhar direcionado às
figuras retóricas e ao viés persuasivo que elas exercem no gênero
oral debate regrado, no contexto de sala de aula.
Metodologicamente, este estudo segue os postulados da
pesquisa de abordagem qualitativa (FLICK, 2009), pois trabalha
com a ênfase na qualidade e não na quantidade das informações
apreendidas no processo da pesquisa. Por isso, utiliza-se da
abordagem processual e interpretativa associada à análise retórica,
observando especificidades retóricas no debate regrado, no contexto
de sala de aula. Com base nisso será possível verificar como as
figuras retóricas estão dispostas no gênero em tela.
O trabalho se divide nas seguintes etapas: a primeira trata
dos estudos retóricos da linguagem, enfatizando a definição de
Retórica e a tríade aristotélica e o auditório; a segunda discute a
definição de gênero, bem como a importância do estudo de gêneros
orais no contexto de sala de aula; a terceira mostra as características
do gênero debate regrado e a importância de trabalhá-lo em sala de
aula; a quarta caracteriza e define as figuras retóricas, com base
em Abreu (2009); e a quinta apresenta a análise das figuras no
fragmento selecionado.
Nesse sentido, todas essas etapas foram devidamente seguidas
para contemplar o objetivo de analisar as figuras retóricas no gênero
debate regrado, no contexto de sala de aula. Certamente, será possível
adquirir um entendimento retórico consistente, especialmente no
que concerne ao uso de figuras retóricas em um gênero que é muito
praticado na esfera escolar: o debate regrado.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 85

Os Estudos Retóricos da linguagem


As práticas discursivas cotidianas se voltam constantemente
à argumentação, tanto em casa quanto na escola, nos mais diversos
meios onde os sujeitos interagem. Em um mundo globalizado, onde
a comunicação tornou-se bem mais prática e fácil, seja verbalmente,
seja de maneira não verbal, argumentar é algo natural. A bem da
verdade, essa prática já se revela na infância, quando as negociações
entre pais e filhos são iniciadas. De acordo com Abreu (2009, p. 25),
argumentar é a arte de “convencer e persuadir”, o autor explica que
“convencer é saber gerenciar informação, é falar à razão do outro,
demonstrando, provando. Etimologicamente, significa vencer junto
com o outro (com + vencer) e não contra o outro”.
Diante disso, acredita-se que é a escola, por excelência,
o espaço ideal para o gerenciamento e o aprendizado das
negociações discursivas, ações estas que podem contribuir para a
construção de um repertório de argumentos persuasivos. Assim,
ao valorizar, na escola, o ensino de gêneros orais ancorados na
argumentação, o professor possibilita ao aprendiz a oportunidade
de se colocar com segurança em situações discursivas diversas e,
por conseguinte, buscar a adesão do seu parceiro comunicativo.
É nesse ato argumentativo que surge a Retórica, pois ela ocupa o
lugar da tensão, do conflito, das opiniões, da doxa. Nesse sentido,
este trabalho toma a definição de Retórica como sendo “a arte de
persuadir pelo discurso” (REBOUL, 1998, p. XIV).
Em Retórica, o discurso é entendido como uma produção
de sentido independente de sua extensão, que apresenta começo,
meio e fim, conforme Reboul (1998). Desse modo, todo discurso
persuasivo engloba ingredientes retóricos, a exemplo dos argumentos
e das próprias figuras retóricas. Estas, por sua vez, assim como os
argumentos, estão a serviço de oradores e da própria persuasão.
A análise aqui realizada volta-se às figuras retóricas, enquanto
86 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

elementos importantes para a argumentação, com efeitos persuasivos,


e compreende o lugar do orador, do auditório e do discurso numa
ação imbricada.
Aristóteles (2011, p. 45) postula que há três meios para
persuadir pela palavra falada: “o primeiro depende do caráter pessoal
do orador; o segundo, de levar o auditório a uma certa disposição de
espíritos; e o terceiro, do próprio discurso no que diz respeito ao
que demonstra ou parece demonstrar”. Essa relação imbricada a que
se refere o filósofo grego faz referência ao ethos, pathos e logos, a
conhecida tríade aristotélica.
O ethos é definido como o caráter, a imagem que o orador
cria de si, quando está diante de um auditório social. Pode ser
realmente a imagem do orador, mas também uma imagem criada,
forjada para aquele momento específico de argumentação retórica.
Assim, “a persuasão é obtida graças ao caráter pessoal do orador,
quando o discurso é proferido de tal maneira que nos faz pensar
que o orador é digno de crédito” (ARISTÓTELES, 2011, p. 45).
No gênero debate regrado em sala de aula, o ethos se configura de
acordo com as imagens criadas e projetadas pelos participantes do
referido evento comunicativo.
O pathos é caracterizado pelos sentimentos, pelas emoções,
pelas paixões que o orador consegue despertar no auditório. No
debate regrado, tem-se que o pathos é sensibilizado por meio do uso
de figuras retóricas com a intenção de tentar convencer e persuadir o
auditório. O orador que argumenta

passionalmente, ainda que seu discurso careça


de fundamento, consegue que o auditório
compartilhe de seus sentimentos, o que
explica, inclusive, porque muitos oradores
procuram impressionar e dominar seu auditório
(ARISTÓTELES, 2011, p. 228).
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 87

O logos diz respeito à argumentação propriamente dita, ou


seja, a tudo aquilo que emana e é proferido durante a argumentação,
a exemplo de argumentos, de figuras, entre outros dispositivos
retóricos. “Enfim, a persuasão é obtida através do próprio discurso
quando demonstramos a verdade, ou o que parece ser a verdade,
graças à argumentação persuasiva apropriada ao caso em pauta”
(ARISTÓTELES, 2011, p. 46). Desse modo, o logos corresponde à
própria argumentação dos oradores do gênero debate regrado, e o uso
de figuras retóricas é o que caracteriza o logos no gênero destacado.
Assim, a tríade retórica é a base de sustentação do discurso
argumentativo, pois, de modo conjunto, constitui-se por aquele que
fala, com quem se fala e do que se fala. Com base nisso, surge a
questão do auditório, isto é, o público-alvo para quem se dirige à
argumentação retórica. Abreu (2009, p. 39) definiu o auditório como
sendo “o conjunto de pessoas que queremos convencer e persuadir”.
Além disso, o citado autor classificou o auditório em, pelo menos,
dois tipos específicos: universal e particular.
O auditório universal constitui-se por um conjunto de pessoas
que o orador não consegue controlar as variáveis, como sexo, idade,
escolaridade, entre outras características importantes. Como exemplo, o

público que assiste a um programa de televisão


configura um auditório universal. São homens e
mulheres de todas as classes sociais, de idades
diferentes, diferentes profissões, diferentes
níveis de instrução e de diferentes regiões do
país (ABREU, 2009, p. 40).

O auditório particular, diferentemente do universal, preconiza


o controle das variáveis pelo orador. Assim, o auditório particular
caracteriza-se por um conjunto de pessoas conhecidas. Conforme
Abreu (2009, p. 40), “Uma turma de alunas de uma escola de segundo
88 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

grau configura um auditório particular. Trata-se de pessoas jovens,


do sexo feminino, com o mesmo nível de escolaridade”.
O gênero debate regrado também tem um auditório específico
e é a ele que o orador dirige a argumentação, procurando persuadi-lo
no plano racional e afetivo (macroethos), conforme assegura Morais
(2019). No debate regrado em sala de aula, o auditório é particular,
pois se trata de alunos e alunas de uma série específica (terceira série
do ensino médio), da mesma cidade, da mesma faixa etária, todos se
conhecem e são conhecidos, razão por que se imprime a classificação
de um auditório particular.
Defende-se que o debate regrado em sala de aula é uma
ação retórica que, além de promover um diálogo simétrico, também
engendra a função pedagógica da Retórica, pois evidencia o ensino
e o aprendizado de técnicas argumentativas, uma vez que, em sala
de aula, se estudam os argumentos e outras práticas argumentativas.

Gêneros orais e práticas discursivas na escola


O estudo dos gêneros surgiu na Grécia Antiga, com Platão,
e concentrava-se na literatura com os chamados gêneros lírico,
épico e dramático, e com Aristóteles na tradição retórica, em que se
enfatizavam três instâncias de atuação representadas pelos gêneros:
deliberativo (aconselhar ou desaconselhar); judiciário (acusar
ou defender) e o epidíctico (censurar ou elogiar). No entanto, já
faz algum tempo que a noção de gênero ultrapassa esse domínio,
passando a se referir, conforme Marcuschi (2008, p. 155), “a textos
materializados em situações comunicativas recorrentes [...], formas
textuais escritas ou orais bastante estáveis”.
Os chamados gêneros são os textos orais e escritos que
apresentam uma intenção comunicativa e uma função social definidas.
O debate é um gênero porque apresenta os caracteres exigidos. Ele
configura-se como um importante meio de desenvolvimento da
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 89

oralidade e de capacidades argumentativas. Desse modo, o debate,


enquanto um gênero da oralidade e da argumentação, é prenhe de
elementos de natureza retórica que engendram a função de persuadir
o outro. Para tanto, é preciso que o orador acione dispositivos
argumentativos que resultem na defesa ou na elaboração de um ponto
de vista. Isso possibilita que os oradores (alunos) confrontem suas
próprias ideias e suas opiniões de maneira coerente, aprofundando as
questões discutidas (RIBEIRO, 2009).
No Brasil, embora os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (1998, p. 23) atestem:

a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa


ser tomada como objeto de ensino, ainda é
possível verificar escolas e professores que
encontram dificuldade em realizar um trabalho
significativo com gêneros discursivos.

Além disso, considera-se recorrente um ensino marcado


pela valorização da modalidade escrita da língua, a produção oral é
comumente negligenciada e, quando se torna objeto de atenção, tem
por finalidade a escrita, notadamente nas séries do ensino médio, em
que as atividades visam ao ingresso na universidade, de preferência
por meio do exame nacional do ensino médio (ENEM), procurando
então atender às exigências desse certame.
Ademais, em se tratando do Livro Didático de Português
(doravante LDP), algumas páginas do referido material apresentam
estudos voltados à oralidade, de certo modo ainda influenciados
pelos PCNs (1998), que orientam a escola a ensinar o emprego da
linguagem oral no planejamento e na realização de apresentações
públicas, propondo situações didáticas em que essas atividades, de
fato, façam sentido. Apesar dessas orientações, o LDP ainda aborda
os gêneros orais de forma limitada, ratificando o hiato entre essa
90 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

modalidade da língua e a escrita nas instituições de ensino básico. Na


escola, “o oral que se aprende é oral da escrita; aquele que prepara
a escrita, pois permite encontrar ideias, elaborar uma primeira
formulação; [...] aquele que não é senão a oralização de um escrito”,
como bem lembra Schneuwly (2004, p. 133).
Nesse tocante, trata-se de uma atividade oral com vistas a uma
posterior produção escrita, apenas técnica, repetitiva, que não leva o
aluno a pensar na função social do próprio gênero e, por extensão, na
linguagem que caracteriza essa função. E, infelizmente, a oralidade
é deixada de lado por ser considerada, de forma equivocada, uma
dicotomia em que as ideias são desorganizadas. No caso dos gêneros,
vale salientar que, em relação à missão de ensinar leitura, escrita e
oralidade, a escola forçosamente sempre trabalhou com eles, pois toda
forma de comunicação, igualmente aquela centrada na aprendizagem,
cristaliza-se em linguagem específica, conforme explicam Schneuwly
e Dolz (2004). Provavelmente, o trabalho “forçoso” continua
restringindo-se aos aspectos gramaticais e estruturais do texto,
desconsiderando o enunciador, o discurso e o propósito comunicativo,
o que impede um estudo significativo da língua em uso.
Ao organizar um trabalho com essas formas discursivas,
com especial atenção aos gêneros orais, a exemplo do debate, é
necessário preparar os discentes quanto à função, às estratégias
argumentativas, à linguagem, aos elementos sociais, bem como
obedecer a regras preestabelecidas e, desse modo, construir
conhecimento, a partir da interação face a face. Por meio dessa
interação verbal e não verbal (SANTOS, 2002), é possível resolver
problemas e buscar soluções para um fato levantado e discutido.
Assim, o debate regrado fundamenta-se no confronto de opiniões,
procurando, a todo o momento, mudar a opinião do outro. Exige-
se, durante o debate regrado, o uso das dimensões cognitivas e
sociais para, dessa maneira, se aprofundar nas questões da temática
discutida (RIBEIRO, 2009).
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 91

O gênero debate regrado na sala de aula


O gênero debate regrado pertence à modalidade oral da língua e é
definido como um “espaço privilegiado de construção do conhecimento
e de posicionamento frente às questões que se apresentam na vida e em
sociedade” (AQUINO, 2015, p. 231). Na vida, porque as pessoas se
deparam com situações em que necessitam da argumentação (tribunal,
assembleias, escolas, sindicatos); na sociedade, porque a própria
linguagem é imersa nos valores sociais e há, em determinados momentos,
a necessidade de confrontar pontos de vista ou até mesmo ideologias.
Para um trabalho com o gênero debate regrado no contexto de
sala de aula, deve-se ter prudência com alguns aspectos. O primeiro diz
respeito ao tema, pois precisa ser escolhida uma temática coerente, que
os alunos possam dominá-la e proceder à argumentação. O segundo diz
respeito ao conhecimento do funcionamento do próprio gênero debate,
que apresenta as seguintes características (respeito ao turno do outro,
organização da fala, sustentação do posicionamento por meio do uso de
argumentos, réplica, contra-argumentação, entre outras). Ratifica-se que
a refutação é a chave do debate, pois sem refutação, não há diferença, e,
por conseguinte, não haverá debate (RIBEIRO, 2009).
De acordo com Schneuwly e Dolz (2004), o gênero debate
regrado é imediatamente reconhecível por todos e tornou-se um termo
representativo de modelo televisivo12, cujas características extrapolam
aquelas que o identificam. Assim, o debate se constrói de forma contrária
a uma característica que lhe é peculiar: apresentar, respeitosamente,
argumentos que devem mostrar, de forma clara e objetiva, o conhecimento
que os oradores têm tanto de si quanto do auditório, bem como do tema
ali tratado, e assim tentar convencer e persuadir.
A dualidade convencer-persuadir também aparece no gênero
debate regrado, pois os debatedores almejam fazer com que o outro

Ver o trabalho de Silva (2018) sobre o debate regrado político brasileiro televisivo,
12

numa perspectiva retórica.


92 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

aceite e, posteriormente, se comporte de acordo com o propósito


desejado. A fim de esclarecer a diferença entre esses termos retóricos
(convencer e persuadir), recorre-se a Abreu (2009, p. 25), que explica:

convencer é construir algo no campo das ideias.


Quando convencemos alguém, esse alguém
passa a pensar como nós. Persuadir é construir no
terreno das emoções, é sensibilizar o outro para
agir. Quando persuadimos alguém, esse alguém
realiza algo que desejamos que ele realize.

O debate regrado é formado pelos seguintes componentes:


moderador, debatedores e auditório. Cada um deles marca papéis e
funções distintas na construção do citado gênero oral. O moderador é
o responsável por organizar e controlar a discussão, iniciar e encerrar
o debate, cumprimentar o auditório e os debatedores, além de ditar
as regras e expor o tema a ser debatido; os debatedores são os que
se posicionam e apresentam seus argumentos a favor ou contra a
temática em pauta; o auditório, por sua vez, questiona os debatedores,
promovendo a ampliação do debate regrado (RIBEIRO, 2009).
Devido os gêneros orais permitirem a espontaneidade
durante a exposição de argumentos, no debate ocorrem situações
em que a formalidade se faz necessária e, por isso, destaca-se, nos
posicionamentos, a apresentação de argumentos e contra-argumentos.
Além desses mecanismos, outros, tais como as refutações e
reformulações, também orientam a reflexão coletiva de problemas
sociais vividos pelo auditório ou reconhecidos por ele. Ao se apropriar
desse conhecimento, o aluno passa a se organizar discursivamente para
expor, argumentar, contestar, sugerir e, assim, participar de práticas
sociais que exijam tais habilidades argumentativas.
Conforme Schneuwly e Dolz (2004), o trabalho em sala de
aula a partir do gênero debate promove o desenvolvimento de algumas
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 93

habilidades discursivas importantes para a formação argumentativa


dos alunos: a) modos de um posicionamento próprio a partir do
desenvolvimento de argumentos e da modalização de enunciados; b)
a possibilidade de cada um (por meio do funcionamento do debate)
intervir livremente quando quiser; c) a capacidade de centralizar-se nos
objetos em jogo e de engendrar novos temas que daí decorram; e d) o
respeito à palavra dos outros e a integração desta ao próprio discurso.
Com efeito, levar o debate à sala de aula é ensinar ao aluno
o modo de inteirar-se com precisão dos acontecimentos do mundo
e dos que estão a sua volta, e, dessa maneira, construir um ponto de
vista sobre o assunto em discussão, assim como refutar os argumentos
do outro, de maneira respeitosa, com respaldo no conhecimento
adquirido durante a efetivação do gênero. De certa forma, trata-se de
uma prática que reveste o aluno de autoridade no momento durante o
qual toma a palavra, além de formá-lo para situações em que precise
cobrar opiniões, defender-se ao assumir um determinado ponto de
vista ante um grupo específico e/ou a sociedade mediante reflexão
acerca dos problemas sociais que enfrentam.

Acerca das figuras retóricas


As figuras retóricas são recursos persuasivos que estão à
disposição para uso de qualquer orador em momento de necessidade
argumentativa. Nas palavras de Reboul (1998), há figuras que não são
retóricas, pois não desempenham uma função argumentativa, mas
sim funções poéticas, humorísticas ou simplesmente de ornamento
das palavras. “A figura só é de retórica quando desempenha papel
persuasivo” (REBOUL, 1998, p. 113). Por assim dizer, compreende-
se que a figura retórica possui, em sua gênese, uma funcionalidade
específica: fornecer meios para o orador tornar o discurso persuasivo.
Sem essa intencionalidade, a figura ocupa um lugar apenas de estilo,
de ornamentação.
94 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Meyer (2007) defende que o objetivo do uso da figura retórica


no discurso é instaurar uma identidade que salienta um traço comum
para chamar a atenção sobre o tema em questão, principalmente,
sensibilizar o outro para que aceite as teses que lhe são apresentadas.
“A figura impõe fazendo ver. Ela torna presente o que deve aparecer
como irrefutável, como resposta” (MEYER, 2007, p. 80). As figuras
retóricas são, de fato, um argumento, e, embora não estejam agrupadas
entre os quatro grandes grupos de argumento da Nova Retórica, elas
têm o seu lugar definido, ocupando uma posição igualitária, ao serem
comparadas com os outros dispositivos argumentativos provindos da
retórica. Como diz Reboul (1998, p. 114), “se o argumento é o prego,
a figura é o modo de pregá-lo”.
De acordo com Citelli (2002), as figuras retóricas cumprem a
função de ressignificar um determinado campo de informação. Para
isso, criam efeitos novos e recategorizados que sejam capazes de atrair
a atenção do auditório. “São expressões figurativas que conseguem
quebrar a significação própria e esperada daquele campo de palavras”
(CITELLI, 2002, p. 20). Assim, tais figuras são recursos persuasivos
que propiciam a aproximação entre o orador e o auditório, devido ao
efeito retórico que instauram no discurso argumentativo.
Como cenas de um filme, as figuras retóricas criam
atmosferas de suspense, humor e encantamento que corroboram para
o fortalecimento da ação retórica, conforme Abreu (2009) pontua.
Elas são mecanismos linguísticos utilizados para tornar o discurso
persuasivo. Abreu (2009) também alerta para não confundir figuras
retóricas (que têm um caráter funcional) com figuras estilísticas
(cujo objetivo é causar a emoção estética).
Embora haja outros agrupamentos das figuras retóricas, este
trabalho segue os caminhos de Abreu (2009) pelo fato de o referido autor
apresentá-las de uma forma mais didática. Segundo ele, as figuras retóricas
dividem-se em quatro grupos: figuras de som, de palavra, de construção e
de pensamento, conforme é possível observar no quadro a seguir:
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 95

Quadro 1 – Figuras retóricas


SOM PALAVRA CONSTRUÇÃO PENSAMENTO
Paronomásia Metonímia Pleonasmo Antítese
Metáfora Hipálage Paradoxo
Anáfora Alusão
Concatenação
Epístrofe
Fonte: Adaptação de Abreu (2009).

Essas figuras, como recursos retóricos, não servem apenas


para embelezar o texto ou o discurso, elas são empregadas em função
de um resultado, enquadram-se estrategicamente em um pensamento,
são carregadas de intencionalidade, que comanda o uso das palavras
com fins persuasivos. Isso porque os discursos não são neutros,
sempre partem de uma intenção e por esse caminho se constroem e
se concretizam efeitos de sentido ancorados na argumentação, cuja
função é a de persuadir alguém ou um auditório, seja este universal
ou particular. Assim, é nesse jogo de ideias, de intenções que
aparecem as figuras retóricas. Mesmo partindo do agrupamento feito
por Abreu (2009), não se fará uma análise de todas as figuras, mas
sim daquelas que apareceram de forma acentuada no fragmento do
debate regrado que ocorreu no contexto de sala de aula.

As figuras retóricas num debate regrado de sala de aula


A análise aqui apresentada volta-se ao fragmento do gênero
debate regrado retirados do trabalho de Soares (2017); aponta como
objeto as figuras retóricas no gênero debate. O tema do debate
regrado versa sobre “Os direitos dos povos indígenas no Brasil”,
com as discussões gravadas em áudio, em 31/10/2014, com o tempo
de duração correspondente a 23 minutos e 53 segundos. O contexto
de produção do discurso se deu numa sala de aula com alunos da
96 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

terceira série do ensino médio, de uma escola da esfera pública


do interior de Alagoas. Para uma didatização, utiliza-se D para os
debatedores e M para o moderador. A seguir, tem-se o movimento
retórico do debate regrado no contexto de sala de aula:

M: nós daremos início ao debate no 3º ê... 3º ê né isso? é isso 3º é... então eu


acho que uma primeira questão que poderia ser... discutida é/ seria a seguinte...
QUAIS direitos os povos indígenas teriam?... vocês teriam alguns direitos a
levantar? Quais seriam os direitos dos povos indígenas? eles teriam direito a
alguma coisa?
D1: sim os mesmos direitos
M: [quais?
D1: que a gente eles têm que ter
D2: [ou até mais
M: um por vez... um por vez... ((muitas sobreposições de vozes)) quem primeiro?
D3: vai ((D4))
M: você? pode falar
D4: direito às terras
M: alguém mais concorda com D4? acha que eles deveriam ter direito a terras?
D5: ((incompreensível))
M: certo... então perceberam o que ela falou ((dirigindo-se a D5))?... os índios
deveriam ter um espaço específico pra conviver assim como nós deveríamos ter...
vocês acham que deveria ser isso os índios com o espaço deles e nós com o nosso
espaço ((fala muito rápido))
D6: seria excluir... de qualquer jeito assim... eles iam tá no mundinho deles e nós
num mundo nosso eu acho...
Fonte: corpus de Soares (2017)

Logo de início, perfazendo a organização do gênero debate


regrado, verifica-se que o moderador (M) é quem controla o
turno conversacional13. É possível identificar na fala de M o uso
de perguntas retóricas nos seguintes trechos: “nós daremos início
ao debate no 3º ê... 3º ê né isso? é isso 3º”; “QUAIS direitos os

O turno conversacional diz respeito ao momento de fala de cada interlocutor.


13
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 97

povos indígenas teriam?... vocês teriam alguns direitos a levantar?


Quais seriam os direitos dos povos indígenas? eles teriam direito a
alguma coisa?”. A intenção de tais questionamentos é despertar nos
debatedores a argumentação em torno da temática em debate.
No primeiro caso, observa-se a repetição da expressão
pronominal “isso”, a fim de recapitular uma ideia passada. No
segundo caso, constata-se o uso repetitivo da expressão “direitos”.
No terceiro caso, o uso do verbo indicativo “teriam”. Retoricamente,
isso faz com que se enfatize a pertinência dos termos para a discussão
que se inicia. Além disso, a palavra “direitos” está presente no título
do debate, por isso a necessidade de destacá-la a fim de determinar o
percurso do debate, ou seja, acerca dos direitos dos povos indígenas
do Brasil. Portanto, a presença elementos repetidos e o uso de
perguntas retóricas não é por acaso, mas com intenções persuasivas.
Em seguida, aparece uma figura retórica de construção, a
epístrofe. De acordo com Abreu (2009), essa figura se caracteriza
pela repetição de palavras no final de frases sucessivas. Após M
apresentar a temática dos direitos dos índios brasileiros, ele faz
algumas perguntas, entre elas, esta: “eles teriam direito a alguma
coisa?”. Como resposta, o debatedor D1 diz: “sim os mesmos
direitos”. Nota-se que D1 aproveitou a “deixa”, ou seja, a expressão
“direitos” que acabara de ser enunciada por M e a repetiu em no
fim de seu discurso, causando, dessa maneira, um efeito persuasivo,
caracterizado pelo uso da citada figura retórica de construção.
Ao continuar o debate regrado, M questiona quais os
direitos que os índios deveriam ter. Como resposta, ouve de D1:
“que a gente eles têm que ter”. Observa-se que D1 se refere aos
direitos, isto é, segundo ele, os índios precisam ter os mesmos
direitos que todas as pessoas têm. Ao encaixar esse discurso,
observa-se que não diz respeito a uma mera comparação, mas
sim a uma discrepância, ou seja, uma incompatibilidade com a
realidade vivida na sociedade brasileira.
98 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Nesse sentido, D1 imprime a figura retórica de pensamento


nomeada de paradoxo. Segundo Abreu (2009), essa figura se
caracteriza por ser algo contrário à opinião comum, reunindo ideias
contraditórias. A contradição se dá porque os índios brasileiros,
de acordo com leis constitucionais, não podem e não devem ser
tratados apenas da mesma maneira que os não índios, pois foram
escravizados, torturados e mortos durante o período colonial. Em
compensação para tantas atrocidades cometidas, o Estado brasileiro
concedeu aos indígenas alguns benefícios conquistados por meio de
muitas lutas, a exemplo dos sistemas de cotas, do direito à terra, entre
outras assistências provindas de leis aprovadas. Assim, D1 deixou
transparecer uma ideia de que o índio não deve ter “benefícios”, mas
sim ser tratado como qualquer pessoa e isso engatilhou um sentido
contrário à opinião comum da sociedade.
Após D1 afirmar que os índios devem ter os mesmos
direitos que as outras pessoas não indígenas, D2 interrompe a fala
de D1 e afirma: “ou até mais”, novamente se referindo aos direitos.
Como houve uma sobreposição de vozes, M recorre a elementos
de repetição para controlar o debate: “um por vez... um por vez...
((muitas sobreposições de vozes)) quem primeiro?”. Como é
comum no espaço de sala de aula, observa-se que D3 não fala, mas
“força” D4 a participar do debate. Em seguida, M nota a situação e
convida D4 para falar: “você? pode falar”, e D4 enuncia: “direito
às terras”.
Percebe-se, na fala de D4, que ele tem um conhecimento
de mundo, pois associa diretamente uma das principais lutas
indígenas no Brasil: a luta pelo direito à terra. Ao dizer que o índio
brasileiro deve ter o direito sobre a terra, D4 contraria o discurso
de D1 e faz uso da figura retórica de pensamento, a alusão. De
acordo com Abreu (2009), a citada figura se caracteriza por fazer
referência a um fato real ou fictício conhecido do auditório. Na fala
de D4, é possível vislumbrar uma alusão às lutas e aos conflitos
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 99

indígenas pelo direito às terras. Sem dúvida, atualmente, essa é a


principal luta indígena no contexto brasileiro, e os adversários são
os grandes latifundiários.
Ao prosseguir o debate, M questiona se alguém mais
concorda com a opinião do aluno D4. Depois, verifica-se que D5
se manifesta, mas o áudio não consegue captar o entendimento da
fala. Então, M ressalta o que possivelmente D5 tenha dito: “certo...
então perceberam o que ela falou ((dirigindo-se a D5))?... os índios
deveriam ter um espaço específico pra conviver assim como nós
deveríamos ter... vocês acham que deveria ser isso os índios com o
espaço deles e nós com o nosso espaço ((fala muito rápido))”.
Algumas figuras retóricas foram utilizadas por M. A primeira
que se apresenta é a figura de construção anáfora. Para Abreu (2009),
essa figura indica a repetição da mesma palavra de modo sucessivo.
Quando se afirma: “os índios deveriam ter um espaço específico pra
conviver assim como nós deveríamos ter... vocês acham que deveria
ser isso”. Assim, a repetição entre “deveriam, deveríamos e deveria”
indica sentidos iguais quanto ao uso do verbo, embora o contexto
mostre que se trata dos índios e dos não índios.
A segunda figura retórica que aparece na fala de M é a de
pensamento nomeada de antítese. Nas palavras de Abreu (2009), a
referida figura consiste em contrapor uma palavra ou uma frase a
outra, de significação oposta. Isso pode ser percebido no seguinte
trecho: “vocês acham que deveria ser isso os índios com o espaço
deles e nós com o nosso espaço”. Nota-se a oposição entre os índios
e os não índios, ocupando espaços sociais diferentes e de conflito,
oposição, pois os índios, muitas vezes, são vistos como “preguiçosos”
e agraciados de forma exagerada pelo Estado. A figura retórica
antítese, na fala de M, engatilha a tentativa de provocação por parte
do debatedor para que os alunos argumentem acerca dessa oposição
de lugares sociais.
100 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Como resposta da provocação de M, D6 diz: “seria excluir...


de qualquer jeito assim... eles iam tá no mundinho deles e nós num
mundo nosso eu acho...”. Nesse momento de fala, visualiza-se,
novamente, o recurso da figura retórica de pensamento, a alusão.
Isso se dá porque a argumentação de D6 faz referência a uma
sociedade ou a um ambiente restrito, dos quais participa um grupo
de indivíduos que, de certa forma, mantém-se afastado dos demais
meios sociais, mediante a palavra “mundinho”. Essa expressão
também pode aludir a uma vida insignificante, quando comparada ao
vocábulo “mundo”. Assim, presume-se uma tentativa de persuadir
o auditório a concordar com a ideia de exclusão social dos índios,
ratificando, implicitamente, um discurso autoritário e que manifesta
uma relação de poder.
Diante da análise, percebeu-se que algumas figuras retóricas
catalogadas por Abreu (2009) estão presentes no fragmento analisado
do gênero debate regrado na sala de aula. Mesmo que os oradores
não saibam disso, eles utilizaram as figuras retóricas para tentar
convencer e persuadir o auditório, neste caso, os colegas de sala que
compunham o público-alvo, caracterizando um auditório particular,
conhecido de todos. Portanto, as figuras encontradas no fragmento
não atuam como um simples ornamento, mas sim com a função
persuasiva da arte retórica.

Considerações finais
Este capítulo teve como principal objetivo realizar um estudo
acerca do uso de figuras retóricas no gênero debate regrado no
contexto de sala de aula. A partir da análise empreendida, percebeu-se
que os oradores recorreram às figuras retóricas para tentar persuadir
o auditório particular. Quanto à tipologia das figuras, verificou-se
que apareceram as seguintes: antítese, paradoxo e alusão (figuras de
pensamento); anáfora e epístrofe (figuras de construção). No tocante
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 101

às figuras de som e de palavras, nenhuma delas foi contemplada no


fragmento analisado.
Retomando aos questionamentos iniciais: De que maneira
acontecem as tentativas de persuadir no gênero debate regrado?
Como os oradores utilizam as figuras retóricas no gênero debate
regrado? Com relação às perguntas, observou-se que os oradores
utilizaram figuras retóricas para tentar persuadir o auditório
particular. Assim, verificou-se que as figuras de pensamento foram as
que mais recorreram no debate regrado em tela. Provavelmente, isso
se deu pelo fato de o referido gênero pertencer à linha argumentativa
e se caracterizar pelo confronto de ideias, a exemplo da contra-
argumentação, a fim de mostrar as contradições do discurso do outro.
Para isso figuras como antítese e paradoxo estão a serviço do orador
para uso argumentativo.
A análise, neste trabalho, desperta para outro modo de levar
as figuras retóricas à sala de aula, além do seu valor literário apenas,
mas também a partir da função que elas detêm enquanto recurso
persuasivo da linguagem. Assim é que se chega à constatação da
eficácia do trabalho com o gênero debate regrado, quando se pensa
em levar os discentes aos caminhos da persuasão e, antes de tudo,
aos meios para se chegar a isso.
ANÁLISE DA PERSUASÃO NO DEBATE
POLÍTICO PRESIDENCIAL BRASILEIRO
Romildo Barros da Silva

Introdução
Este capítulo analisa as tentativas de persuadir no debate
político televisivo das eleições presidenciais brasileiras de 2014.
Essas tentativas ocorrem por meio de um fenômeno retórico-
linguístico aqui denominado de persuasão textual, uma vez que é,
a partir do texto e suas nuances, que a ação persuasiva surge. Para
delimitar a análise retórica e textual, foram levantados pressupostos
teóricos sobre a projeção de ethos e os argumentos utilizados pelos
debatedores/retores. A partir disso, fez-se a análise de três tentativas
de persuadir, seguindo os métodos da pesquisa qualitativa com texto
e retórica, fundamentados em Bauer e Gaskell (2015).
Dessa observação, contatou-se que o acordo prévio é
criado discursivamente durante o debate televisivo. Além disso,
essa negociação trata dos valores aceitos por grande parte do
auditório televisivo, principalmente aqueles considerados indecisos.
Entretanto, muitas dessas dúvidas que o auditório tem são sanadas no
intercurso do debate, já que, além de ser persuasivo, o debate é um
gênero de caráter, ocasionalmente, informacional. Essas informações
apresentadas no debate são, por sua vez, os fatos sociais críveis por
cada debatedor e seu provável auditório social.
104 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Este capítulo possui duas seções teóricas: a primeira versa


sobre o debate político como gênero textual, que está sediado na
democracia; a segunda explica as tentativas de persuadir, que são
constituídas pela projeção de ethé dos debatedores, por argumentos
persuasivos e pela negociação do acordo prévio entre debatedor
e auditório social. As análises, os resultados e a conclusão são as
últimas seções deste estudo. Todas as discussões teóricas e as análises
aqui realizadas estão ancoradas nos seguintes autores: Aristóteles
(2011), Fiorin (2015), Marcuschi (2008), Meyer (2007), Perelman
e Olbrechts-Tyteca (2014), Reboul (1998), Souza (2001) e Silva e
Santos (2019).
Além de discutir os pressupostos teóricos desses estudiosos,
este trabalho relata uma das etapas do projeto de pesquisa de
doutorado, denominado “análise retórico-textual dos argumentos
do gênero debate político: atos de persuadir fundados no acordo
social”, que está sendo desenvolvido no Programa de Pós-
Graduação em Linguística e Literatura, da Universidade Federal de
Alagoas (PPGLL/UFAL). Portanto, este recorte de pesquisa tratou
de responder a alguns questionamentos emanados do citado projeto,
tais como: Por que os argumentos se situam no contraditório e na
projeção de ethos? E como o ethos discursivo é construído no debate
político televisivo? Essas indagações foram explicadas nas análises
e na conclusão deste trabalho.

Debate político televisivo


Tratar uma manifestação linguística como gênero requer,
antes de tudo, uma abordagem empírica sobre uma categoria de
uso da língua. Uma dessas abordagens estabelece que o gênero
debate é uma prática de linguagem que tem por meta a discussão
de temas controversos e, geralmente, há trocas verbais entre dois ou
mais debatedores, um ou mais moderadores, controlando as regras
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 105

e um público (plateia, assessores, telespectadores etc.). Com essa


definição, pode-se evidentemente compreender o debate como: um
gênero argumentativo, devido as suas discussões contraditórias; um
gênero interativo, por causa da alternância de turnos de fala; um
gênero regrado, uma vez que seu planejamento e suas regras são
essenciais; e um gênero público, já que seu alvo é cativar o público,
e os assuntos são do interesse do auditório social.
Essa conceituação torna-se ainda mais ampla ao conceber
que o gênero que está em análise é o debate político presidencial
televisivo. Assim, o aspecto político endossa a abordagem de
gênero argumentativo e público, afinal fazer política é lidar com
as dinâmicas de uma sociedade democrática, que justamente é a
única que possibilita e promove debates. Além disso, pelo fato
de ser presidencial – sabe-se que a relevância social e midiática
ascende, já que a escolha via eleições do representante do Poder
Executivo de um país tem caráter primordial nas tarefas de todo
cidadão. O jornalismo, juntamente com o suporte televisivo, faz
com que o gênero se popularize e seja divulgado nos mais diversos
meios de comunicação acessíveis à massa populacional. Diante
disso, reconhece-se que o debate político sobrevive em sociedades
democráticas e que, de fato, a mídia possibilita seu acesso aos
telespectadores e demais interessados.
Outras abordagens sobre o debate político televisivo acabam
concordando com os postulados ora apresentados; é o que se percebe em
Braga (2006) e Kerbrat-Orecchioni (1990). A primeira autora afirma:
“o debate político televisivo é uma categoria discursiva suficientemente
específica e delimitável, com uma estrutura e funcionamento particulares”
(BRAGA, 2006, p. 3). Kerbrat-Orecchioni (1990 apud BRAGA, 2006,
p. 4, itálicos da autora), por sua vez, verifica:

enquanto interação específica, o debate é,


portanto, uma discussão em que se verifica
106 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

um confronto de opiniões, mas que possui um


carácter mais organizado, desenrolando-se
dentro de um quadro “pré-fixado”, ou seja, o seu
quadro comunicativo [...] e algumas coordenadas
são pré-determinadas.

A linguista francesa salienta, desse modo, que o planejamento


e o embate de opiniões caracterizam esse gênero textual. Além
disso, “a sua natureza política conduz ao discurso polêmico, espaço
de argumentação e dialogismo” (BRAGA, 2006, p. 1). Entretanto,
essas polêmicas oriundas do debate não surgem de per si, afinal,
“o debate tem regras, possui uma espécie de código que consiste
em jogar/cooperar de modo competitivo” (BRAGA, 2006, p. 5).
Essa negociação acirrada deve sempre ser moderada pelas regras
combinadas previamente, pois os participantes devem ter papéis
equilibrados e simétricos, conforme Braga (2006) e Kerbrat-
Orecchioni (1990).
Desse modo, o debate político na televisão surge de
necessidades (divulgar as propostas políticas) e atividades
socioculturais (eleições), de acordo com Marcuschi (2008).
Ademais, o debate político, sendo um gênero textual, instaura o
contraditório em suas argumentações de maneira diversificada,
uma vez que seu suporte e sua finalidade são alinhados
pelos interesses do político (debatedor), do canal televisivo
(jornalismo) e, principalmente, do público (auditório social). O
debate político presidencial televisivo faz parte, portanto, de
uma situação comunicativa planejada (debate regrado) que visa à
discussão de temas relevantes e, para tanto, move diversificados
elementos persuasivos. Três desses elementos serão detalhados
no tópico seguinte.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 107

Tentativas de persuadir
A expressão tentativa de persuadir se justifica por dois
fatores: o primeiro é que, neste trabalho, não foram adotados
métodos de percepção das reações do público, dado à universalidade
do auditório do debate e o próprio alinhamento da pesquisa, que
se direciona para os elementos em imanência no texto; o segundo
fator é que toda ação textual-discursiva é um empreendimento
persuasivo, ou seja, não se pode ter garantias que, de fato, somente
determinados recortes textuais foram capazes de mover o auditório
para uma mudança de comportamento ou uma ação aos moldes
de quem argumentou. Assim, a partir das transcrições dos dados
orais do debate, juntamente com os comentários da transcrição
quanto aos elementos não verbais, foram interpretadas as ações
retóricas dos debatedores das eleições presidenciais brasileiras
de 2014.
O que se sabe de antemão, dada a execução de pesquisas
anteriores pelo Grupo de Estudos do Texto e da Leitura (GETEL/
UFAL), é que as tentativas de persuadir se manifestam por meio
de argumentos que, por sua vez, se tipificam em dois grandes
grupos/objetivos: aqueles que visam contrariar as teses e opiniões
adversárias e os que objetivam a promoção e/ou a desqualificação
do ethos. Esses dois procedimentos das tentativas de persuadir serão
detalhados nas próximas subseções.

Ethos retórico-discursivo
O questionamento relacionado ao fato da maneira como
o debatedor deve se portar diante de um público que ele pretende
persuadir gerou e tem gerado estudos sobre argumentação e
manipulação no discurso. O interesse deste estudo reside no aspecto
da argumentação que pode ser fortalecida pela imagem que o
enunciador/retor projeta ao discursivizar o que pensa e defende,
108 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

isto é, na criação de seu ethos, que tem, notadamente, caráter duplo:


retórico e discursivo.
O ethos discursivo/retórico diz respeito ao orador (REBOUL,
1998), entretanto esse termo não é de domínio individual de quem
argumenta, uma vez que, em uma discussão polêmica, ocorre sempre
uma negociação/troca de valores, de informações e de ideologias.
Nesse sentido, o ethos é interindividual, pois o público enxerga o
ethos do orador a partir daquilo que ele enuncia, mas também por
meio daquilo que o próprio público pretendia ver naquele retor.
Nessa descrição, está evidente o aspecto emotivo desse meio de
persuasão proposto por Aristóteles (2011).
Além disso, se, de fato, o ethos surge de um compartilhamento
de virtudes entre o retor e o auditório, ele é equipado por valores
e crenças de cada comunidade. Nisso, pode-se associar o ethos ao
comportamento discursivo do enunciador que é influenciado pela
cultura local. Dotado desses valores culturais, o ethos de um orador
será aceito com mais facilidade pelo público que dispõe atenção a esse
retor, que poderá progredir na sua argumentação e, possivelmente,
persuadir esse auditório. No entanto, essa é uma tarefa complexa,
pois o debatedor/retor deseja que

os diferentes comportamentos de uma mesma


comunidade obedeçam a alguma coerência
profunda e [...] que sua descrição sistemática
permita depreender o ‘perfil comunicativo’ ou o
ethos dessa comunidade (ou seja, sua maneira
de se comportar e de se apresentar na interação
– mais ou menos calorosa ou fria, próxima ou
distante, modesta ou imodesta, ‘à vontade” ou
respeitosa para com o território alheio, suscetível
ou indiferente à ofensa etc.). (KERBRAT-
ORECCHIONI, 2006, p. 119).
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 109

Com tal definição, o ethos discursivo do debatedor político é


mediado pelas impressões que ele tem do seu auditório (comunidade).
Assim, comprova-se que esse meio de persuadir depende sempre do
pathos, isto é, as paixões e valores do auditório, uma vez que são
elas que irão compor parte do ethos do debatedor persuasivo.
Aristóteles (2011) destaca bem quanto a essa postura moral e
ética que os retores devem ter; afinal, a retórica é um bem útil, porém,
quando mal utilizada, para defender causas injustas, por exemplo,
ela se torna danosa. O responsável direto disso ou daquilo que se faz
com a técnica persuasiva é sempre o retor (ARISTÓTELES, 2011).
Diante disso,

o ethos designa, portanto, uma postura moral, que


deve estar presente por quem argumenta. Desse
modo, a ética de um discurso contribui para
efetivação de um ethos, pois além de demonstrar
a sinceridade, o retor deve estabelecer seus
pontos de vista de uma forma que não prejudique
seus argumentos, mas sempre almeje a confiança
do auditório, que necessita de uma prática moral.
(SILVA; SANTOS, 2019, p. 33).

Ainda no escopo dessas características morais, as quais


o debatedor deve projetar em seu ethos durante uma tentativa de
persuadir, têm-se as seguintes: prudência (phrónesis), integridade
(aréte) e agradabilidade (eunóia) (MEYER, 2007); virtude
(ARISTÓTELES, 2011); confiança, bom senso, sabedoria prática e
benevolência (FIORIN, 2015).
Com essas considerações, de acordo com Silva e Santos
(2019), nota-se que o ethos se configura por meio de sentimentos
projetados e demonstrados. Contudo, todas essas virtudes emanadas
por esse meio de persuadir são detectadas pelo discurso e não se
110 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

isolam na consciência do enunciador, ou seja, não se trata dos


aspectos psicológicos de cada retor, mas sim dos traços discursivos
de suas enunciações quando marcam seus posicionamentos numa
discussão contraditória. A partir disso, Fiorin (2015. p. 70) confirma:
“a análise do éthos do enunciador nada tem de psicologismo [...]
trata-se de apreender um sujeito construído pelo discurso”, por isso,
“o éthos é uma imagem do autor, não é o autor real; é um autor
discursivo, um autor implícito.”.
Sobre esse aspecto da projeção do ethos no discurso retórico
(logos), a seguir serão explicados alguns tipos de argumento, que
realmente demarcam a ação retórica, por isso aqui são nomeados de
argumentos persuasivos.

Argumentos persuasivos
Argumento é um esquema que permite defender/refutar uma
tese. Os gregos antigos entendiam que argumentar era uma prática
da natureza humana, por isso era essencial defender-se com palavras,
evitando a força/violência para conseguir algo. Os argumentos,
portanto, servem para um objetivo específico de cada orador, porém
dada a infinidade de propósitos com os quais a sociedade lida, os
argumentos também são numerosos. Diante disso, neste recorte de
trabalho, deu-se ênfase apenas naqueles argumentos ditos persuasivos
para o debate político, a exemplo dos de natureza do contraditório,
como o de incompatibilidade, retorsão e antimodelo, e, também, os
que enfatizam a projeção do ethos, como o modelo, quantidade e
regra de justiça.
Além desses argumentos citados, os argumentos quase
lógicos também serão detalhados, uma vez que eles apresentam uma
notável saliência nos debates políticos de segundo turno, conforme
Silva e Santos (2019). Esses argumentos são denominados de quase
lógicos pela sua semelhança com a lógica formal e a demonstração.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 111

Por esse motivo, a pessoa que faz uso desse tipo de argumento “se
prevalece [...] do prestígio do raciocínio rigoroso” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2014, p. 220). Dessa maneira, seu
argumento será superior porque se ampara na razão.
Há dois grupos de argumentos quase lógicos: “os que
apelam para estruturas lógicas – contradição, identidade total ou
parcial, transitividade” e “os que apelam para relações matemáticas
– relação da parte com o todo, do menor com o maior, relação
de frequência” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2014,
p. 220). A partir desses esquemas argumentativos, surgem outros
argumentos já conhecidos, como a retorsão, a ironia, a regra de
justiça etc.
A seguir, há um quadro com os tipos de argumento aqui
analisados e suas respectivas funções:

Quadro 1: Tipos de argumento


Argumento Função
Retomar o argumento do outro,
Retorsão mostrando que ele está contra a sua
própria argumentação.
Determinar o que ou quem não se deve
Antimodelo
imitar.
Imitar bons exemplos de pessoas e
Modelo
ações.
Sugerir números e estatísticas para
Quantidade
defender que o que é maior é melhor.
Tratar da mesma maneira seres da
Regra de justiça
mesma categoria.
Fonte: Adaptado de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014) e Reboul (1998).

Acordo social e fatos


O acordo prévio é a condição primordial para que a
argumentação aconteça. Sem esse acordo, o retor não terá atenção
112 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

nem interesse do público; será um discurso produzido a esmo.


Assim, esse acordo deve ser feito de alguma forma, seja de modo
explícito ou disfarçado no discurso; e, para iniciar essa negociação
com o público, o debatedor deve se apoiar em fatos. Desse modo,
ambas as categorias (acordo e fatos) se situam no meio social, no
público, e suas vivências, portanto, se encontram no pathos do
auditório social.
Dessa forma, para que a tentativa de persuadir possa ser
completa, os retores devem se apropriar dos fatos sociais para, a
partir deles, tentar construir um acordo inconsciente e persuadir o
público televisivo. Esses fatos produzidos em sociedade mobilizam
os acordos, os argumentos e as ideologias. Nesse sentido, “os fatos
sociais são as coisas que as pessoas acreditam que sejam verdadeiras
[...]. As pessoas, então, agem como se esses fatos fossem verdades”
(BAZERMAN, 2005, p. 23-24).
Isso não implica que o cidadão comum acredite apenas no
que for conveniente; afinal, as pessoas que constituem o auditório
universal são movidas por fatos – aquilo que é verossímil, aceitável
e provável, ou seja, tudo que diz respeito à argumentação. Por essa
razão, os fatos sociais estão imbricados nos argumentos contraditórios
e, sobretudo, persuasivos do gênero debate.
Além disso, o fato social é o único elemento visível do acordo
prévio do debate político, pois o retor, ao afirmar determinado fato,
que o debatedor adversário empregou toda a sua família em cargos
comissionados, por exemplo, para o público televisivo, pode ser
aceito, se for do conhecimento desse auditório, ou recusado caso
eles saibam que esse fato não proceda ou gere dúvidas. Quando um
fato incutido em um argumento é aceito pelo público, ele o toma
como verdade. Esse, portanto, é o ponto de partida para a persuasão,
assim como também é um dos indícios do pathos que se revela na
argumentação política.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 113

Dessa maneira,

na argumentação a palavra ou [...] as premissas,


as razões invocadas e as provas fornecidas pelo
orador não têm a força nem o rigor do cálculo
matemático, pelo que nunca poderiam conduzir
à evidência, à necessidade ou à verdade única
(SOUZA, 2001, p. 151).

Diante disso, um discurso persuasivo não carece da demonstração


para se efetivar, basta que, de certo modo, esteja em concordância com
os argumentos verossímeis e aceitos pelo auditório social.

Persuasão textual
Os argumentos, o ethos, o acordo e os fatos sociais são
percebidos somente por intermédio do texto. Por essa razão, a
persuasão tem por natureza a linguagem humana e reside em todo
texto que tenha potencial persuasivo, daí decorre a concepção de
entendê-la como persuasão textual.
A persuasão como fenômeno retórico e linguístico “é tarefa
delegada aos retores que vão alinhar sentimentos que permitam mover
ações de um determinado auditório” (SILVA; SANTOS, 2019, p. 59).
O espaço em que se expressam sentimentos e se defendem ideologias é
o texto, por isso, a persuasão sempre o terá como suporte. Além disso,
as ações no mundo são movidas por discursos, que fazem a gestão
sobre o que é mais ou menos preferível, provável e aceitável. Assim,
pode-se compreender que, de fato, o texto move ações na sociedade,
independente do gênero textual que ele esteja projetando.
Desde a antiguidade grega, a persuasão era tida como
objetivo dos discursos retóricos. Entretanto, “ela é mais que
uma simples finalidade da ação retórica (persuadir) ou um meio
de obter consentimento do outro sobre certas ideias” (SILVA;
114 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

SANTOS, 2019, p. 60). A persuasão é um fenômeno de linguagem


essencial para todo aquele que pretende argumentar em seu meio
social, por mais que não queira admitir ou demonstrar que está
persuadindo. Além disso, a persuasão seria o prêmio de quem
“vence” um debate ou qualquer outra prática de linguagem
argumentativa, porém para alcançá-lo não necessita revelar que
o tem como meta, uma vez que “quem pretende persuadir oculta
suas intenções e fatores intelectuais em prol da sua argumentação
e de seu respectivo êxito” (SILVA; SANTOS, 2019, p. 60). O
texto e a persuasão estão, portanto, em comunhão também nesse
aspecto, pois o primeiro serve para ocultar essas intencionalidades
do debatedor/retor com o fito de cumprir com a finalidade da ação
de linguagem, seja ela um debate político, uma entrevista, uma
conferência ou uma conversa espontânea.

Análises
Na pesquisa qualitativa, este estudo definiu como objetivo
interpretar as tentativas de persuadir dos debatedores políticos das
eleições presidenciais brasileiras no ano de 2014. Entretanto, para fazer
tal estudo, com a ancoragem teórica da Retórica e dos Estudos Textuais,
necessitou definir uma análise interpretativa, que se deu a partir dos
fatos elencados nas falas dos debatedores, denominados RA (Retor A)
e RB (Retor B). Assim, este estudo processual e que não faz análises
quantitativas, de recorrência e comparações (BAUER; GASKELL,
2015) parte do pressuposto que, de fato, todo enunciado é argumentativo,
por isso eles dão margem à análise dos recursos que evidenciam ou não
atuação da Retórica no texto transcrito de debate político televisivo.
Aqui, foram selecionadas três tentativas de persuadir,
contextualizadas e permitindo a compreensão da temática abordada. O
foco geral está na atuação da persuasão textual, por meio dos argumentos
que favorecem a projeção de ethos e a instauração do contraditório.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 115

Tentativa de persuadir 1
RA – candidato... o Brasil... é um país... que se destaca hoje no mundo... pelo
fa::to de ter criado miLHÕES de empregos... nós não só criamos empregos...
como também... tivemos um aumento significativo... do -- da renda... neste...
mês de setembro... um e meio por cento real... o senhor concorda... com o que
fala... o seu candida::to a ministro... da fazenda... que diz... que o salário
mínimo está alto demais? (00:08:15 - 00:08:47. PERG. 2; DEBATE 4 – 2T).14

O Retor A inicia sua argumentação projetando valores no seu


ethos discursivo, que se associa ao termo “Brasil”, uma vez que esse
debatedor era o candidato da situação. Assim, ao mencionar que o
Brasil se destaca na criação de emprego e aumento de renda, essas
ações são atribuídas ao ethos de RA.
O retor A faz uso do argumento do antimodelo, ao citar a
imagem de um ministro da fazenda, que afirma que o salário mínimo
está alto demais. Essa inserção do argumento do antimodelo está
vinculada tanto à projeção de ethos de RA, quanto à desconstrução
da imagem discursiva de RB. Além disso, o antimodelo abre espaço
também para visões opostas perante o que se estabelece como
alguém que não deve ser seguido, devido às suas supostas ações
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2014). É notável, desse
modo, o quanto nessa simples enunciação estão sendo negociados
fatos sociais, a respeito das ações econômicas de RA e as afirmações
do provável ministro da fazenda do retor adversário.
Dessa maneira, ao construir o antimodelo, o Retor A fragiliza
o ethos do seu opositor, isto é, o Retor B é alvo do argumento pelo
antimodelo utilizado pelo Retor A. Essa ferramenta persuasiva é
sugerida ao término da pergunta de RA: “o senhor concorda... com o
que fala... o seu candida::to a ministro... da fazenda... que diz... que
o salário mínimo está alto demais?” A leitura que deveria ser feita

Debate
14
disponível em: https://drive.google.com/file/
d/1kes0pWOZnmVn0K9WEeI6aaj8-iaFpkQy/view.
116 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

sobre essa pergunta seria: RA, o senhor concorda com essa medida
prejudicial à população que ganha salário mínimo? Em outras
palavras, o Retor A quer saber se o Retor B defende o posicionamento
de um possível antimodelo (ministro da fazenda) para o auditório
que provavelmente está em desacordo com a opinião do ministro.
Assim, o argumento pelo antimodelo requer, de certo modo,
um acordo prévio entre retor e auditório, por isso que o Retor A,
ao conhecer que tal medida anunciada pelo ministro do opositor
seria nociva ao público, faz uso do argumento do antimodelo para
fragilizar o ethos de RB.
Além disso, o Retor A faz uso do argumento de
quantidade em: “o Brasil... é um país... que se destaca hoje no
mundo... pelo fa::to de ter criado miLHÕES de empregos”; fica
evidente o quanto esse elemento retórico subsidia a projeção de
virtudes do ethos do retor A.
Esses dois argumentos utilizados: o antimodelo e o de quantidade
possuem características semelhantes no que diz respeito à simplicidade
de percepção pelo público em geral, por reconhecer que uma ação/pessoa
não deve ser imitada e os vultosos investimentos de um determinado
candidato é um processo simples, gerando uma aceitabilidade das teses
defendidas pelo debatedor que apresenta esses argumentos. Entretanto,
o antimodelo se situa formalmente na contradição e tem cunho afetivo,
por instruir quanto às paixões e aos valores do público.
Desse modo, o antimodelo seria um argumento que divide
espaço entre racionalidade e emoção. O aspecto racional de sua
construção reside na contestação de um comportamento por meio de
exposição de fatos e o racional na sugestão do que é preferível para
o público, apelando para condutas morais que, por sua vez, estão
arraigadas na cultura do auditório social.
O argumento de quantidade é inicialmente lógico e com
aspecto demonstrativo, por isso se situa nos argumentos quase
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 117

lógicos. Entretanto, essa quantificação, inevitavelmente, mexe


com hierarquias em que se determina o que vale mais ou menos,
por isso, apesar de lidar com números e estatísticas, o argumento
de quantidade tem uma raiz no alinhamento ideológico do público
para o qual foi criado. Assim, “a criação de milhões de empregos
e o crescimento da renda”, não demonstra apenas cifras, mas sim
uma ação que agrada o público televisivo, ou seja, o Retor A está
investindo na agradabilidade do seu público ao mencionar tais
ações de seu ethos.
A próxima tentativa de persuadir é a resposta à pergunta
feita pelo Retor A na primeira tentativa ora analisada. Nota-se,
antecipadamente, como o Retor B faz um espelhamento de alguns
argumentos já construídos pelo Retor A e contra-argumenta utilizando
os fatos sociais já apresentados e acrescenta novos para progredir e
situar a sua argumentação.

Tentativa de persuadir 2
RB – candidata... não é justo colocar palavras nas bocas... de quem não está aqui
anh... para respondê-la... eu tenho orgulho... enorme... do meu... candidato a
ministro da fazenda... a senhora parece que não tem do seu... até porque já demitiu...
o atual ministro da fazenda... mas o Brasil candidata... é visto sim pela comunidade
internacional como um dos países que menos cresce na nossa região... temos uma
taxa de investimentos hoje de dezesseis e meio por cento do PIB... a pior da década...
porque o se::u governo afugentou os investimentos... e a inflação infelizmente está de
volta... a situação do Brasil... é extremamente grave candidata... e é preciso que/o
seu governo... reconheça isso... porque os merca::dos... outros países... os brasileiros
já... reconhecem... o governo do do P... e o governo da candidata D. R... fracaSSOU
na condução da economia... pois nos deixará... uma inflação saindo de controle... por
mais que ela não a reconheça... um crescimento pífio... fracassou na gestão do estado
nacional... o Brasil é hoje um cemitério de obras abandonadas... inacabadas... e com
sobrepreços... e FORtes denúncias de desvios... por toda a parte... e fracassou na
melhoria dos nossos indicadores sociais... lamentavelmente candidata... esse é o retrato
do Brasil real... não é... o retrato do Brasil da propaganda... do seu marqueteiro...
mas nós... vamos muito mal na saúde... ou a senhora acha que vai bem?... vamos mal
na segurança pública... com uma omissão criminosa do Governo Federal... e vamos
muito mal na educação... a senhora será... a primeira Presidente da República... pós-
plano real... que deixará o país com uma inflação maior:: do que aquela que recebeu...
(00:08:48 - 00:10:21. RESP. À PERG. 2; DEBATE 4 – 2T).
118 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

A resposta do Retor B, por sua vez, apresenta um argumento


da regra de justiça: “não é justo colocar palavras nas bocas... de
quem não está aqui anh... para respondê-la...”. A regra de justiça
propõe tratar situações/pessoas de forma igualitária (REBOUL,
1998). Assim, na perspectiva de RB, não é justo falar do ministro
que não está no debate para defender-se (regra de justiça), já que os
debatedores presentes podem dialogar, porém o referido ministro,
por estar fora do debate, não pode discutir.
Ainda sobre esse fato, o Retor B projeta no futuro ministro a
essência de uma pessoa especialista e responsável para ocupar o cargo
de ministro da fazenda, sugerindo o argumento pelo modelo. RB
ainda afirma que o candidato adversário não se orgulha do ministro
que tem, já que o demitiu, o que pode ser confirmado em: “...eu tenho
orgulho... enorme... do meu... candidato a ministro da fazenda... a
senhora parece que não tem do seu... até porque já demitiu... o atual
ministro da fazenda.../.../”. Todas essas afirmações e proposições
são formuladoras das imagens discursivas dos candidatos do debate.
Assim, toda estratégia de argumentação utilizada contribui para a
construção/desconstrução do ethos dos retores.
Ainda nesse âmbito das projeções de ethos, o Retor B faz uma
associação entre o ethos de RA às referências a Brasil. Desse modo,
o Brasil ou o ethos projetivo de RA perdeu investimentos e não
cresceu. Na compreensão de RB, isso mostra certa incompatibilidade
com o que RA havia afirmado em sua pergunta, uma vez que RA
constatou: “nós não só criamos empregos... como também... tivemos
um aumento significativo... do -- da renda”. Com isso, apresenta-se
o argumento de retorsão para desconstruir as argumentações de RA
e também o seu ethos.
Esse desmonte do ethos adversário é ainda mais fortificado
quando o Retor B relata enfaticamente que o governo de RA afugentou
investimentos, ou seja, o Retor A, de certo modo, prejudicou o
povo (pathos). Assim, os valores e disposições do auditório são
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 119

movimentados nessa simples enunciação, que se torna complexa,


dado que ela é situada sócio-historicamente.
Nesse viés de mobilizar as paixões do público, o Retor B
tenta construir ou fortalecer um acordo com seu auditório. Isso é
registrado em: “os brasileiros já... reconhecem... o governo do do
P... e o governo de RA fracassou”. Nisso reside também a possível
ausência de prudência por parte do ethos de RA, já que o fracasso
insinua que determinada pessoa falhou nos seus objetivos ou que
não agiu considerando os riscos de sua ação. Essa projeção negativa
do ethos adversário é destacada por meio da repetição do termo
“fracassou” nos momentos finais da resposta de RB. A repetição,
nesse caso, serviu para realçar as possíveis falhas do Retor A.
O Retor B faz também uma dissociação de noção15 entre
o Brasil real e o aparente, por meio da expressão “esse é o retrato
do Brasil real... não é... o retrato do Brasil da propaganda... do seu
marqueteiro...”. Nota-se que esse retrato diz respeito ao fracasso do
governo de RA, já comentado nas falas anteriores de RB. Assim, ao
inserir a dissociação entre aparência e realidade, o Retor B cria uma
hierarquia de valores e propõe duas realidades distintas.
Possivelmente, ao considerarem Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2014), essa dissociação serve para excluir uma ideia
incompatível. Assim, o Retor B toma como realidade e fato o que
ele afirma sobre o retor adversário e, desse modo, não aceita a noção
de realidade apresentada na propaganda de RA. Esse argumento de
dissociação de noções, por sua vez, afeta a manifestação discursiva
do ethos de RA que, como fora demonstrado, está conectado com
o termo Brasil e, de acordo com os fatos mencionados por RB,
não possui integridade (MEYER, 2007), visto que sua propaganda
engana os eleitores.

É um esquema argumentativo que dissocia noções em pares hierarquizados, e, disso,


15

surgem duas realidades (aparente/verdadeira). A dissociação de noções visa dirimir


incompatibilidades.
120 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Considerações finais
A grande maioria dos argumentos aqui estudados se situam na
incompatibilidade, na discordância dos fatos, nas crenças, as quais o
provável auditório possui e no posicionamento político e ideológico
do partido a que os debatedores pertencem. Entretanto, mesmo no
movimento do contradiscurso, há projeção e desconstrução das
imagens retórico-discursivas (ethos) dos debatedores. Ademais,
quando fora afirmado que a persuasão textual necessita do ethos do
retor, dos argumentos produzidos por ele e do acordo social do
público, volta-se para a inevitável tríade aristotélica: ethos, logos e
pathos. Dessa forma, a análise de categorias retóricas nunca deve ser
feita fora do seu sistema, uma vez que a tríade argumentativa (ethos,
logos e pathos) sempre está atuando sobre as argumentações, sejam
elas de teor político, jurídico, educacional etc.
Com esta análise, ficaram evidentes três observações gerais:
a) o debatedor (retor) deve construir um acordo inconsciente com o
seu auditório; b) esse acordo está sedimentado nos valores defendidos
pela média dos componentes de cada auditório; e c) o auditório do
debate político (auditório universal) acredita em fatos.
Aqui, portanto, fez-se uma aproximação entre fato social
e argumento. Entretanto, os fatos, na verdade, evidenciam os
argumentos; mas nem todo argumento pode ser considerado um
fato, uma vez que ele pode trazer mais de um, pode também não se
sustentar em um fato ou pode fazer uma ficção/exemplo/alegoria/
comparação etc.
Dada essa complexidade em fazer uma análise exaustiva
dos argumentos e dos fatos válidos pelo auditório social do debate
político televisivo, este recorte respondeu suficientemente aos
questionamentos iniciais da seguinte forma: a) os argumentos estão
situados no contraditório e na projeção de ethos porque são as
possibilidades disponíveis ao debatedor, dado o público do debate
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 121

e os participantes imediatos dessa situação comunicativa; assim,


o debatedor contradiz o candidato opositor e, nesse caminho, visa
agradar seu público por meio de uma projeção positiva de sua
imagem e uma descaracterização da imagem discursiva do retor
adversário; e b) o ethos tem duas naturezas - a efetiva e a projetiva
(MEYER, 2007), contudo, no debate, o ethos projetivo domina quase
toda a discussão, pois, inevitavelmente, ao começar a exposição de
seus ideais e crenças, os debatedores demonstram, textualmente, seu
caráter e virtudes (ARISTÓTELES, 2011), ou seja, não interessa para
o debate político televisivo as virtudes intelectuais que se restringem
ao espaço de convívio particular de cada debatedor, interessam sim
as virtudes conhecidas e praticadas publicamente, e essas só se
manifestam pela prática da língua (enunciação).
Viu-se, com tudo isso, que nos atos interativos do debate, os
retores políticos negociam acirradamente os fatos e posicionamentos
sobre esses fatos sociais. Na verdade, eles argumentam tentando
persuadir o público televisivo e, para isso, relatam aquilo que possa
ser aceito como verossímil por esse auditório médio.
Há, nesse processo persuasivo, as tentativas de promover
as imagens discursivas dos debatedores, desvalorizando a do
seu oponente e, para tanto, fundamentam suas teses por meio de
argumentos que movam seu auditório social. Assim, esse auditório
colabora, mesmo distante, na construção do acordo inconsciente que
rege o gênero debate político televisionado.
PROCESSOS REFERENCIAIS NO
DEBATE POLÍTICO TELEVISIVO:
ASPECTOS ARGUMENTATIVOS
E DA TEXTUALIDADE
Janyellen Martins Santos

Introdução
O presente capítulo analisa processos referenciais no debate
político, atentando para a forma como esses processos contribuem
para a construção da textualidade e da argumentação nesse gênero
oral. Para isso, promoveu-se uma discussão sobre a referenciação,
no que concerne aos seus conceitos e às suas evoluções nos
estudos da Linguística Textual; tratou-se especificamente sobre
os processos referenciais em estudo; discutiu-se sobre alguns
aspectos argumentativos da referenciação; buscou-se discutir
sobre o gênero debate político televisivo, atentando para sua
caracterização e definição; apresentou-se a metodologia utilizada
para o desenvolvimento deste trabalho. Finalmente, foram dispostas
as análises do corpus e dispôs-se a conclusão do estudo.
Este estudo adveio de um trabalho de mestrado, concluído
em 2018, intitulado “A referenciação no debate político: processos
referenciais na construção do sentido”, desenvolvido no Programa
de Pós-Graduação em Linguística e Literatura, da Universidade
Federal de Alagoas. Nesse sentido, este capítulo traz contribuições
importantes no campo da Linguística Textual, por analisar
124 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

a referenciação em um gênero oral, símbolo da democracia,


evidenciando, sobretudo, os objetos de discurso que circulam
no dizer dos enunciadores por meio dos processos referenciais,
tais como a anáfora indireta, a associativa, o encapsulamento e
a recategorização, atuando, dessa forma, tanto na argumentação
quanto na tessitura textual do debate político.

Referenciação: conceitos e reflexões

No atual estágio da Linguística Textual (LT), os estudos


voltados à coesão textual evoluíram bastante, sobretudo no
que concerne às pesquisas em referenciação. Nesse sentido, as
investigações nessa categoria buscam analisar de que forma
as ações linguísticas, cognitivas e humanas podem dar sentido
e estruturar o mundo e a realidade16 (MONDADA; DUBOIS,
1995 apud CAVALCANTE; RODRIGUES; CIULLA, 2014).
Dessa forma, a questão é ver como a realidade é reconstruída
pela linguagem e não simplesmente representada por ela. Assim,
o sujeito promove essa reconstrução mediante os seus pontos de
vista, por isso, a referenciação é caracterizada como um fenômeno
constituído na (re)construção discursiva dos objetos de discurso
(KOCH; ELIAS, 2015).
Vale destacar que essa terminologia se deve ao fato de essa
categoria ser mais abrangente do que se configurava inicialmente nos
estudos da LT, pois falava-se em referência e não em referenciação.
Nessa perspectiva, Halliday e Hasan (1976) em sua classificação dos
tipos de coesão, tratavam da referência como a relação de elementos
linguísticos com outros que são importantes para a sua interpretação,
já que aqueles não poderiam ser interpretados sozinhos.

Entende-se por realidade aquilo que existe de forma efetiva, ancorada naquilo que um
16

grupo de pessoas aceita como existente.


ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 125

Assim, nessa relação, seria construída uma representação


do referente do mundo extramental, a fim de que se formasse uma
cadeia coesiva à formação de uma unidade de sentido (texto). O fato
é que, como já foi dito, a linguagem não representa a realidade, mas
a modifica, transforma-a, portanto, reconstrói-a por meio da visão de
mundo dos sujeitos.
Isso é possível pelo fato de o referente não refletir a realidade,
pois ele pode ser modificado ao longo da cadeia textual, a partir das
crenças e dos valores dos sujeitos, por isso se diz que ele é dinâmico
e denominado como objeto de discurso. De acordo com Custódio
Filho (2011), é por essa dinamicidade dos objetos de discurso que
se justifica o uso do termo referenciação, ao contrário de referência.
Diante dessas colocações, viu-se como essa categoria da
coesão textual evoluiu em seus estudos, pois não se trata apenas de
uma análise entre uma forma referencial e o referente, mas sim de um
evento muito maior, que promove um novo olhar sobre as relações
referenciais e o mundo. Isso mostra a capacidade que a linguagem
tem de transformar a realidade ao curso da perspectiva dos sujeitos.

Processos referenciais: textualidade e argumentação


Com a evolução das pesquisas em referenciação, os estudos
não se limitam à anáfora ou à catáfora, por exemplo. Há uma gama
de possibilidades no que se refere aos processos referenciais que
podem ser analisados, tanto no âmbito da textualidade quanto na
argumentação. Isso é possível devido ao caráter multifuncional
que as diversas expressões referenciais podem apresentar, segundo
Koch (2011).
Nesse sentido, este trabalho procurou mostrar a
funcionalidade de processos referenciais e, por uma questão de
recorte, foram analisados alguns processos, como a anáfora indireta
e associativa, o encapsulamento e a recategorização anafórica/
126 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

catafórica. Dessa forma, esses processos fazem muito mais que


formar uma cadeia coesiva, pois atuam na perspectiva de modificar
os objetos de discurso no que se refere à construção dos sentidos,
já que nesses processos de recuo e avanço do texto, todo o texto
é unificado por laços referenciais que permitem a atualização e,
portanto, promovem e mantêm a textualidade. A seguir, serão
explanados os processos já referidos.
A anáfora, de modo geral, pode ser compreendida como
um movimento de recuo, de retrospecção referente a um item ou
segmento textual que fora introduzido no texto. Esse processo
se apresenta de formas diferentes em um texto. Assim, quando
elementos ou expressões referenciais reiteram um mesmo objeto de
discurso que já foi introduzido anteriormente, a anáfora se denomina
como direta ou correferencial (CAVALCANTE; CUSTÓDIO
FILHO; BRITO, 2014).
Além da chamada introdução não-ancorada, há a ancorada,
na qual um referente novo é introduzido no texto a partir de uma
espécie de associação implícita a itens presentes no cotexto ou no
contexto sociocognitivo (KOCH; ELIAS, 2015). Assim, a introdução
ocorre como se o objeto de discurso já fosse conhecido. As anáforas
indireta e associativa são tipos de introdução de referente ancorada.
A anáfora indireta é um tipo de introdução de referente
ancorada que se caracteriza pelo fato de não se relacionar diretamente
a um elemento explícito no cotexto, mas a “um elemento de relação que
se pode denominar âncora” (KOCH; ELIAS, 2015, p. 128, grifo das
autoras), o qual é extremamente importante para a sua identificação.
Em outras palavras, traz um novo objeto de discurso que aparenta
já ser conhecido no universo textual. Esse fenômeno, por sua vez,
é resultado “do fato de o contexto estabelecido até um determinado
momento permitir uma gama de referentes potencialmente ativáveis,
os quais, quando aparecem, já são esperados” (CUSTÓDIO FILHO,
2011, p. 131).
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 127

Nesse processo referencial, utiliza-se de uma inferência mais


complexa, de conhecimento de mundo e, também, de conhecimento
semântico (verbal/nominal), de acordo com Koch (2004). Dessa
forma, nesse processo as

formas nominais [...] se encontram em


dependência interpretativa de determinadas
expressões da estrutura textual em
desenvolvimento, o que permite que seus
referentes sejam ativados por meio de processos
cognitivos inferenciais, possibilitando, assim,
a mobilização de conhecimentos dos mais
diversos tipos armazenados na memória dos
interlocutores. (KOCH, 2011, p. 107).

Além da mobilização do processo inferencial, as anáforas


indiretas possuem outra característica que as diferencia das anáforas
diretas: o fato de elas não retomarem um mesmo referente, sendo
esse último recategorizado ou não. Por isso são chamadas também
de não correferenciais, pois não remetem a nenhuma entidade
já mencionada no texto (CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO;
BRITO, 2014). Nesse sentido, por não reiterarem um mesmo
referente, introduzirem um objeto de discurso como este já fosse
conhecido na superfície textual, as anáforas indiretas exigem que
o interlocutor inter-relacione as pistas do cotexto, bem como os
aspectos contextuais.
A anáfora associativa é um modo de ativação ancorada do
objeto de discurso, numa perspectiva metonímica, em que as partes
retomam um elemento já posto, relacionando-se com ele por meio de
uma associação, segundo Koch (2004, 2015). Elas se valem de um
processo interpretativo menos complexo e de relações semânticas
mais estritas (CUSTÓDIO FILHO, 2011). Dessa forma, é necessário
a inter-relação entre partes para se estabelecer o referente.
128 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

A partir dessas explanações, vê-se como a anáfora é um


processo referencial multifacetado, que não se limita a uma
referência direta a um item já introduzido, mas sim necessita de
inferências e associações semânticas entre contexto e cotexto para
que não somente se faça o texto progredir, mas, sobretudo, permita a
instauração e manutenção da superfície textual.
O encapsulamento ocorre tanto anafórica quanto
cataforicamente; consiste na sumarização, na condensação de
informações de segmentos textuais precedentes ou subsequentes por
meio de expressões nominais, pronomes (demonstrativos), segundo
Koch e Elias (2009, 2015) e, principalmente, por nominalizações, as
quais são consideradas por Koch (2004, 2011) e Koch e Elias (2015)
como o recurso próprio desse fenômeno. Nele, um determinado
segmento de texto é encapsulado e transformado em objeto de
discurso (KOCH; ELIAS, 2015).
Os encapsulamentos também são considerados por Koch
(2004, 2011) como anáforas complexas, pois “não nomeiam um
referente específico, mas referentes textuais abstratos, como estado,
fato, evento, atividade, questão etc.” (KOCH, 2011, p. 94). Koch
(2011) afirma que a interpretação desse tipo de anáfora exige
muito do interlocutor, pois, este último, além de necessitar do uso
de estratégias cognitivas de formação de complexos, ele precisa
ter a habilidade de interpretar informações adicionais. Isso remete
diretamente à questão da participação ativa do interlocutor no
processo da construção de sentidos no texto, corroborando muito
para a referenciação como fruto de uma negociação.
O encapsulamento realizado por meio de expressões nominais
funciona como um rótulo, que designa e/ou classifica o segmento
encapsulado. O processo de rotulação pode ocorrer das seguintes
formas, de acordo com Koch e Elias (2009): há a que ocorre em
relação a eventos, fatos e situações que estão inscritas no segmento
encapsulado; há a rotulação que designa as ações atribuídas aos
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 129

personagens de um segmento de texto encapsulado; e, por fim, há


aquela que repete outro rótulo já apresentado textualmente como
forma de mostrar crítica ou ironia, por isso, em geral, esse tipo de
rótulo vem entre aspas.
Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014) ressaltam que nem
sempre a rotulação é clara ou evidente para o interlocutor, exigindo deste,
por sua vez, usar a inferência para compreender a existência de um rótulo,
além da própria sumarização de uma porção textual e, assim, permitir a
manutenção do sentido. Outra questão a ser observada sobre os rótulos é
que eles podem designar o gênero textual que o locutor produz(iu) a partir
da nomeação e/ou classificação da própria atividade interativa.
Dessa forma, Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014, p.
84) atentam para o fato de esse processo referencial ser complexo,

pois exige do produtor, ao mesmo tempo,


a percepção apurada de como a expressão
escolhida para encapsular se refere ao contexto
precedente e o vislumbre de como ela pode
contribuir para a progressão textual.

Além disso, o interlocutor também precisa ativar estratégias


cognitivas, fazendo uso, por exemplo, da inferência para fazer relações
de sentido a fim de perceber não só a sumarização, como também a
rotulação, caso esse fenômeno esteja presente, mas não tão evidente.
A recategorização, por sua vez, é um processo referencial que
se configura em uma reativação de objetos de discurso, promovendo
sua transformação e não somente sua reiteração no texto. Isso ocorre
porque um mesmo referente recebe, ao longo do texto, diferentes
designações por intermédio de variadas formas referenciais
(expressões nominais) que vão mudando o seu status no universo
textual (CUSTÓDIO FILHO, 2011). Essas expressões nominais,
formadas em geral por artigos definidos ou pronomes demonstrativos,
130 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

seguidos de um nome, definem, descrevem e caracterizam o objeto


de discurso, adicionando-lhe informações novas.
Vale destacar que essas reconstruções do referente são feitas
à luz das opiniões do sujeito; isso implica dizer que esse processo
além de promover a progressão do texto e sua textualidade, atua
argumentativamente por revelar a maneira como esse sujeito vê,
descreve e caracteriza um objeto de discurso e, portanto, como ele
deseja que o interlocutor também o veja.
Com a explanação desses processos, percebe-se como a
referenciação é um processo, de fato, multifacetado, que atua na
progressão e na manutenção da tessitura textual, porém vai muito
além da estruturação da cadeia coesiva, atuando argumentativamente
no universo textual, para sua demonstração.

Argumentação no debate
Como se viu no tópico anterior, a referenciação é um
fenômeno plurifacetado que não se reduz, portanto, às retomadas de
referentes, já que pode atuar de maneira argumentativa em um texto,
sobretudo nos gêneros argumentativos, como é o caso do debate
político televisivo. Isso mostra que, ao se falar em argumentação na
língua, pode-se ir além da ideia de que a força argumentativa de um
texto só pode ser dada pela sequenciação (fenômeno da coesão que
atua na progressão e argumentação textuais por meio de operadores
lógicos e argumentativos).
Nesse sentido, é interessante ver como a língua dispõe de
formas e processos textuais para atuar argumentativamente em textos,
uma vez que a linguagem é efetivamente argumentativa (KOCH,
2012), pois “os indivíduos produzem textos com determinados
objetivos a serem alcançados e sempre direcionados a alguém, afinal,
ninguém se comunica sem um propósito e sem a existência do outro”
(SANTOS J.M.; SANTOS M.F.O., 2018, p. 211).
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 131

Neste trabalho, vê-se a atuação da argumentação no debate


político por meio de processos referenciais como a recategorização
e a anáfora indireta. O primeiro, como foi abordado no subitem
2.2, promove uma modificação do referente ao reiterá-lo, a partir
das diferentes caracterizações atribuídas a ele, por meio do uso de
expressões nominais. As variadas designações feitas nos objetos de
discurso são realizadas mediante as crenças e visões de mundo do
sujeito, ou seja, da maneira como ele enxerga esse objeto e como
deseja que seus interlocutores também o vejam.
O segundo processo, por sua vez, ao reiterar um referente
por meio de um processo inferencial, pode recategorizá-lo.
Dessa maneira, o sujeito pode reconstruir um objeto de discurso
procurando convencer seu interlocutor que a forma como ele o
descreve/caracteriza, é a mais acertada, atuando, portanto, de forma
argumentativa. Será possível verificar a atuação argumentativa
desses processos mais adiante, nas análises do debate político.
Assim, em um gênero que apresenta exposição de ideias e
propostas de governo por candidatos, a atividade argumentativa é
“custosa, tanto do ponto de vista cognitivo como do ponto de vista
interpessoal; só nos engajamos nela pressionados pela resistência
do outro à opinião que estamos expondo” (PLANTIN, 2008, p. 63).
A partir disso, faz-se necessário o uso dos mais diversos recursos
referenciais para poder argumentar e contradizer o candidato opositor.

O debate político televisivo e suas características


De uma maneira geral, pode-se dizer que o debate é um gênero
bastante presente na sociedade e difundido nas mais diversas esferas
comunicativas, desde as mais comuns, como as discussões entre
familiares e amigos sobre assuntos cotidianos, religião, política etc., até as
mais formais, como debates em universidades, as discussões em tribunais
e sessões parlamentares. De acordo com o Dicionário Aurélio (2010, p.
132 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

218), o debate é definido como uma “discussão em que se alegam razões


pró ou contra”. Dessa forma, o debate é um gênero pautado em discussões,
nas quais duas partes ou mais expõem seus posicionamentos, defendem
seus pontos de vista e refutam ideias contrárias.
No contexto político, entende-se o debate como “a
argumentação e resolução formais de uma monção diante de uma
assembleia legislativa ou outro corpo deliberativo público, de
acordo com regras do procedimento parlamentar ou regulamentar”
(COSTA, 2009, p. 75). Nessa perspectiva, o debate político
televisivo se configura como tal por conter participantes dessa
categoria, promovendo discussões em emissoras de televisão. Em
geral, esses debates ocorrem no período eleitoral, sendo, portanto,
uma manifestação clara de democracia, uma vez que os candidatos
estão discutindo suas propostas e ideias, a fim de convencerem os
eleitores de que são os melhores e que merecem ser eleitos.
Nesse gênero, como os candidatos buscam o voto do público
e, para tanto, procuram convencê-lo do quanto estão aptos a assumir
um determinado cargo público (prefeito, vereador, deputado, senador,
governador e presidente), o debate político televisivo se configura
como um gênero textual argumentativo, visto que os debatedores
argumentam, contra-argumentam na defesa ou refutação dos mais
diversos assuntos perante o público.
Para que esse processo ocorra da melhor forma possível, sem
distrações ou desvios, há regras que coordenam todo o debate, as
quais são definidas pelas emissoras e acordadas entre os participantes
previamente. No debate em análise neste trabalho, debate do segundo
turno da Rede Bandeirantes, os dois candidatos tinham um minuto
para perguntas, réplicas e tréplicas e dois minutos para respostas,
bem como para as exposições iniciais e finais. A posição e ordem de
participação foram definidas a partir de um sorteio na presença dos
seus respectivos assessores antes do debate.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 133

Os temas discutidos eram introduzidos a cada pergunta de


forma livre durante os quatro blocos do debate, que foi mediado por
um âncora de um dos principais jornais da emissora. Vale lembrar
que em cada emissora há algumas variações, como, por exemplo, a
participação da plateia ou sorteio dos temas a serem discutidos, mas,
quanto à estrutura de funcionamento, é quase a mesma. Ressalta-
se que, com pequenas diferenças ou não, a essência do debate é
mantida, que é mostrar como cada candidato é e se posiciona frente
a diversas temáticas.

Método de pesquisa
Este trabalho se enquadra na linha de estudos qualitativos,
pois o estudo se voltou à análise interpretativa dos dados, cujo
objetivo fora a atribuição de sentidos ao corpus (CAJUEIRO, 2013).
Por não se valer da quantificação, mas sim da funcionalidade dos
processos referenciais no debate, este estudo seguiu de forma flexível
e dinâmica (MOREIRA, 2002).
Para compor o corpus da pesquisa, selecionou-se um debate
político televisivo entre os nove ocorridos nas eleições de 2014
(do primeiro e do segundo turno) para a transcrição, a seleção de
fragmentos e a sua respectiva análise. Nesse sentido, foi selecionado
aleatoriamente o debate transmitido pela Rede Bandeirantes de
televisão no segundo turno. A transcrição seguiu uma adaptação das
normas de transcrição de Preti (2000) e Marcuschi (2003) e procurou-
se manter certa fidelidade à modalidade oral pelo fato de o debate
nela enquadrar-se. Assim, momentos de fuga ao padrão da língua
escrita foram mantidos para mostrar justamente as características da
língua falada (MARCUSCHI, 2010).
Em relação às análises, buscou-se averiguar a funcionalidade
dos processos referenciais discutidos anteriormente (anáfora indireta,
associativa, encapsulamento e recategorização) na constituição e
134 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

manutenção da textualidade e na construção da argumentação no


debate político televisivo.

Processos referenciais no debate político


Nas análises, são apresentados quatro excertos retirados
de diferentes momentos do debate. As temáticas abordadas foram
segurança, considerações finais, serviços públicos e educação. Nesse
primeiro excerto, tem-se um recorte de uma resposta de E2.

Excerto 1
E2: mas a coisa vai bem?... claro que não vai... não vai em Minas... não vai em
parte alguma do BraSIL... foram cinquenta e seis mil assassinatos no ano passado... e o
governo federal?... o que diz?... terceiriza responsabilidades... essa é a marca principal
do seu governo... na econoMIA... o problema é da crise internacional /.../

Fonte: corpus da pesquisa.

Esse excerto apresenta uma resposta de E2 a um questionamento


de E1 sobre segurança. Aqui, o candidato afirmou que a questão
da segurança pública não ia bem no país e destacou números que
atestavam o seu argumento a respeito disso. Adiante, questionou
seu oponente quanto à responsabilidade do governo em relação à
violência no país, afirmando que “terceiriza responsabilidades... essa
é a marca principal do seu governo...”.
A expressão “essa é a marca principal” reitera um referente
implícito e passível de ser identificado pelo contexto, que seria
a terceirização de responsabilidades. Esse objeto de discurso é
apresentado como sendo conhecido e é retomado pelas pistas co(n)
textuais. Além disso, essa expressão não só reitera esse referente,
como também traz a ideia de que terceirizar responsabilidades por
problemas do país foi um símbolo do governo de seu oponente, o
que funcionou como argumento a favor de E2 e contra E1. Assim, E2
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 135

procura mostrar para o telespectador que o governo de seu opositor


(que então era o presidente do Brasil) não se responsabilizava pelos
problemas com a segurança pública.

Excerto 2
E2: /.../ eu sou imensamente grato:: a cada um... a cada uma... desses
companheiros... de lá para cá várias forças políticas extremamente importantes se
somaram a nós... agradeço... a cada uma delas... na figura de dois companheiros aqui
presentes... B A... candidato a vice... de M S... e W F... porta voz... da rede /.../

Fonte: corpus da pesquisa.

Esse recorte se insere nas considerações finais de E2 no debate.


Nesse trecho, esse candidato expressa sua gratidão às pessoas que o
apoiaram na campanha e aos apoios políticos que obteve, o que ele
denomina de “várias forças políticas”. Essa expressão designa o objeto
de discurso, o qual é retomado de forma associativa pelas expressões
“na figura de dois companheiros /.../ B A... candidato a vice... de M
S... e W F... porta-voz... da rede...” que trazem dois apoios políticos
que designam parte das forças políticas tratadas por E2 e, portanto,
reiteram o referente. Isso mostra como a anáfora associativa estabelece
a tessitura textual ao promover amarrações textuais que unificam as
partes do texto, tornando-o uma unidade de sentido.

Excerto 3
E2: /.../ eu introduzi em Minas Gerais a me-ri-to-cra-cia... nós passamos
candidata... a remunerar melhor:: aqueles que apresentavam... melhores resultados... essa
foi a razão pela qual... nós tivemos os resultados que tivemos extremamente positivos
na educação... OUtros ahn na saúde... infelizmente... nenhuma proposta no campo da
valorizaÇÃO do servidor que presta serviço de boa qualidade... foi incorporado no seu
governo /.../

Fonte: corpus da pesquisa.


136 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

No excerto 3, há um trecho de uma pergunta de E2 sobre


educação direcionada ao seu oponente. Esse debatedor afirma que
introduziu a prática da meritocracia em Minas Gerais (estado em
que fora governador), declarando que o estado passou a remunerar
de uma maneira melhor os profissionais que mostravam melhores
resultados, destacando que “... essa foi a razão pela qual... nós tivemos
os resultados que tivemos extremamente positivos na educação...”.
É possível ver que o termo “meritocracia” é retomado e
recategorizado por meio da expressão definida “essa foi a razão”,
que redefine o referente como o motivo que levou o estado de Minas
Gerais a ter bons resultados na educação, segundo E2, como se vê no
enunciado “nós passamos candidata... a remunerar melhor:: aqueles que
apresentavam... melhores resultados...”, explicando o procedimento da
meritocracia, o objeto de discurso recategorizado. Isso traz um aspecto
argumentativo a sua fala, visto que esse debatedor procura mostrar
ao telespectador que uma de suas intervenções na educação desse
estado permitiu que este obtivesse resultados positivos, ao contrário
do governo de seu oponente, como afirmou E2.
Além disso, esse processo permitiu a manutenção da
textualidade por esse movimento que atualizou as temáticas tratadas
no texto, como também reconstruiu o referente por meio da visão
do referido candidato, que destacou como o motivo, o fundamento
pelos bons resultados da educação em Minas Gerais.

Excerto 4
E1: é... FUNdamental reforMAR os currículos... de TANto do ensino
fundamental... mas SOBRETUDO do ensino médio... por quê?... porque HOje...
uma pessoa que faz... as DOZE matérias... se for reprovada em UMA DELAS...
é obrigada... a repetir... TOdas as outras doze – as onze matérias... por exemplo...
ISSO vai levar a uma per::da de estímulo... a um NÍvel de evasão /.../

Fonte: corpus da pesquisa.


ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 137

No excerto 4, E1 responde a uma pergunta de E2 sobre


educação, o qual questionou sobre o que ele faria para melhorar a
educação do país. Em sua reposta, E1 trata da flexibilização dos
currículos do ensino fundamental e médio como ponto importante,
para se evitar a evasão escolar, já que afirma que “HOje... uma
pessoa que faz... as DOZE matérias... se for reprovada em UMA
DELAS... é obrigada... a repetir... TOdas as outras doze – as onze
matérias... por exemplo... ISSO vai levar a uma per::da de estímulo...
a um NÍvel de evasão”.
A situação é retomada e resumida adiante pelo demonstrativo
“isso”, que encapsula todo o enunciado anterior em destaque,
caraterizado como o referente. Nesse caso, vê-se que a condensação
foi feita em parte do que foi enunciado anteriormente pelo locutor, o
que implica dizer que a sumarização pode acontecer com segmentos
textuais maiores ou menores, desde um enunciado a um parágrafo
inteiro. Isso permite que o texto se torne mais fluido e conciso.
A partir dessas análises, envolvendo os processos referenciais
tratados neste trabalho (anáfora indireta, associativa, encapsulamento
e recategorização), foi possível ver como eles auxiliaram tanto
na tessitura textual quanto na argumentação no debate político
televisivo, demonstrando como os movimentos de retrospecção,
instaurados pelos referidos processos referenciais permitiram a
manutenção dos sentidos e mostrando como em um gênero oral cada
segmento está interligado.
Além disso, esses processos funcionaram como recursos
argumentativos no debate político, sobretudo a anáfora indireta
e a recategorização, uma vez que, por se tratar de um gênero
argumentativo, os candidatos utilizaram-se desses recursos para
mostrar que eram os melhores candidatos e que deveriam ser eleitos.
Essas colocações demonstraram, portanto, como a referenciação é,
de fato, multifuncional.
138 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Considerações finais
Diante do que foi desenvolvido neste estudo, foi observado
que a referenciação encontrou-se manifestada no gênero oral debate
político televisivo e que os processos referenciais em análise atuaram
tanto na tessitura textual quanto na argumentação desse gênero, os
quais exerceram uma reconstrução dos objetos de discurso a partir dos
processos analisados (anáfora indireta, associativa, encapsulamento
e recategorização).
Dessa forma, por meio da anáfora indireta, viu-se como as
pistas co(n)textuais são importantes para a reconstrução de objetos
de discurso. Além do mais, esse processo referencial pode atuar
argumentativamente em enunciados dos debatedores, uma vez que,
como ocorreu nas análises, uma anáfora indireta pode reconstruir
o referente implícito por meio do uso de expressões nominais que
imprimem a opinião do candidato, que se utiliza disso para defender
seus pontos de vista ou contra-argumentar as ideias de seu adversário.
Por meio da anáfora associativa, constatou-se como um
referente pode ser retomado por subpartes que o retomam; observou-
se como o encapsulamento foi importante para a sumarização de
informações e segmentos textuais; com a recategorização, percebeu-se
como o referente pôde ser reconstruído a partir da visão de mundo do
debatedor, logo, a própria realidade foi reconstruída discursivamente.
Além disso, ao recategorizar um referente, o candidato (E2)
promoveu uma imagem de si para o telespectador, apresentando sua
opinião e visões de mundo em sua fala a partir das reconstruções
feitas nos objetos de discurso, argumentando a favor de suas ideias
ou refutando propostas de seu oponente.
Assim, com a atuação desses processos, viu-se como a
referenciação não se resume a retomadas, abrange um fenômeno
maior que transforma a realidade posta nos debates, como auxiliar
na instauração da textualidade e, sobretudo, na argumentação.
AS FIGURAS RETÓRICAS EM
TEXTOS/DISCURSOS ORAIS
NA ESFERA JURÍDICA
Deywid Wagner de Melo
Maria Francisca Oliveira Santos

Introdução
O que mais se utiliza na interação verbal no meio social é
o texto/discurso. Isso porque ao abrirmos a boca já produzimos
textos, conforme afirma Marcuschi (2003). Nesse sentido, o texto
é a ferramenta básica para a interação entre os sujeitos que, a todo
instante, buscam negociar suas verdades a fim de obter adesão,
ou seja, argumentam no intuito de iluminar o outro para que este
compreenda aquilo que defendem bem como aceitem o que se
propõem. Entretanto, os sujeitos apresentam diferenças, o que exige
mais esforço daquele que busca obter a almejada adesão.
Nesse jogo argumentativo, a Retórica surge como o bem
que serve aos sujeitos para convencerem ou persuadirem uns aos
outros, pois a Retórica é a arte de persuadir pelo discurso, conforme
Reboul (1998) argumenta. Para uma argumentação acontecer, há
algumas condições, como o acordo, por exemplo, que é quando
há quem queira falar e há quem aceita ouvir e interagir, sendo os
pilares constituídos pelo orador, auditório e pela argumentação
propriamente dita.
140 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

O orador refere-se ao sujeito que argumenta no intuito de


persuadir o outro; o auditório constitui-se pelos interlocutores do
orador, podendo ser do tipo universal17 ou particular18, estando atento
ao orador a fim de aceitar ou não o que ele propõe; e a argumentação
se apresenta no texto/discurso por meio de recursos retóricos,
materializando as pretensões discursivas dos falantes.
Assim, essa técnica milenar apresenta vários recursos
linguísticos, como os argumentos e sua tipologia, os lugares da
argumentação, as figuras retóricas, entre tantos outros. Diante da
variedade de recursos retóricos, destacam-se, na ocasião, as figuras,
com foco em sua funcionalidade, conforme a recorrência nos diversos
textos/discursos da modalidade oral da língua que são produzidos
pelos sujeitos falantes na sociedade.
A seguir, discutiu-se sobre o conceito de figuras retóricas,
inclusive, diferenciando-as das figuras de linguagem, geralmente
estudadas nas aulas de Língua Portuguesa, muitas vezes, associadas
ao texto literário e à ideia de embelezamento; abordaram-se também as
classificações das figuras com exemplificações intuitivas ou aquelas
retiradas de textos/discursos orais diversos, além de considerações
teóricas necessárias aos textos/discursos orais, nos quais, as figuras
retóricas se materializam.

A noção de figuras retóricas


As figuras retóricas são mais alguns, entre tantos outros,
recursos linguísticos que podem ser utilizados a serviço da persuasão,
surgindo como argumento no momento da defesa da tese que se
apresente, conforme as pretensões comunicativas do sujeito que
interage com o outro, seja de modo imediato ou não. Segundo Abreu
(2009, p. 105):

Formado por todos as pessoas ditas normais, um público genérico.


17

Formado por um grupo de pessoas seletas.


18
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 141

as figuras retóricas possuem um poder persuasivo


subliminar, ativando nosso sistema límbico,
região do cérebro responsável pelas emoções.
Elas funcionam como cenas de um filme, criando
atmosferas de suspense, humor, encantamento, a
serviço de nossos argumentos.

É importante destacar que há as figuras estilísticas que podem


confundir com as retóricas. Entretanto, deve-se distingui-las, pois
podem até receber o mesmo nome, porém, a utilidade e o objetivo
são bem diferentes. As figuras estilísticas não estão preocupadas com
o persuadir, mas apenas com a forma, a estética, a beleza do texto,
enquanto as figuras retóricas são usadas a serviço da persuasão, de
modo que a sua presença assume um valor de argumento necessário
ao contexto e à situação retórica em análise.
Seja tomado o exemplo: “uma criança precisa desde a
mais tenra idade ter responsabilidade assim como um peixinho
que precisa de asas para voar”. Ora, há um confronto entre a ideia
ilógica de um peixe ter asas para voar, bem como uma criança de
ter responsabilidade desde a mais tenra idade, isso tem um efeito
persuasivo. Assim, a figura retórica busca o persuadir, enquanto a
estilística versará apenas acerca da forma, do sentido na perspectiva
do literário. Enquanto as figuras retóricas têm um caráter funcional,
as estilísticas têm o objetivo de causar a emoção estética.
Sendo assim, as figuras retóricas, propostas para estudo nesta
ocasião, apresentam diversas classificações entre os autores; algumas
se aproximam; outras se condensam e outras ainda divergem. Nesse
sentido, a seguir, apresentam-se algumas dessas classificações.

Classificações das figuras retóricas


Segundo Abreu (2009), as figuras retóricas podem-se dividir
em quatro grupos: figuras de som, de palavra, de construção e de
142 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

pensamento. Reboul (1998) apresenta uma outra classificação, em


que aparecem algumas figuras que, em Abreu (2009), fazem parte
de um grupo e, em Reboul (1998), fazem parte de outro, como a
metáfora, por exemplo, que faz parte das figuras de sentido em
Reboul (1998) e, em Abreu (2009), faz parte das figuras de palavra.
Na classificação de Reboul (1998), aparecem as principais,
segundo ele, figuras de retórica que estão classificadas, conforme a relação
que estabelecem com o discurso em que se encaixam, quais sejam: figuras
de palavras, de sentido, de construção e de pensamento. Salienta-se,
entretanto, que o objetivo deste trabalho é mostrar, de forma genérica, as
figuras retóricas, sem que haja aprofundamento nelas, mesmo porque só a
metáfora seria suficiente para um estudo dessa natureza.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014) trazem uma classificação
diferente dessas figuras aqui apresentadas, mas destacam que, para
facilitar um melhor entendimento do leitor, vale designar as figuras
pelos nomes mais bem conhecidos tradicionalmente. Para os autores,
há as figuras da escolha, da presença e da comunhão. Segundo eles,

Esses termos não designam gêneros dos quais


certas figuras tradicionais seriam as espécies.
Significam somente que o efeito, ou um dos
efeitos, de certas figuras é, na apresentação
dos dados, impor ou sugerir uma escolha,
aumentar a presença ou realizar a comunhão
com o auditório [...] um dos modos essenciais da
escolha, a interpretação, pode, ao que parece, dar
azo a uma figura argumentativa. (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2014, p. 195).

Nesse sentido, a interpretação vai surgir como um fato


percebido, como uma figura argumentativa ou de estilo, de acordo
com o efeito produzido sobre o auditório. Ferreira (2010) apresenta
uma classificação que coincide com a de Perelman e Olbrechts-Tyteca
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 143

(2014). Trata das figuras de presença, de comunhão e de escolha. Este


trabalho adota essa classificação para fins de análise. Nesse sentido,
seguem as figuras de presença na perspectiva desses autores.

Figuras de presença

As figuras de presença despertam o sentimento de presença


do objeto do discurso na mente do auditório. Entre as figuras de
presença, podem-se destacar a repetição, a anáfora e a anadiplose.
Entretanto, segundo Ferreira (2010, p. 125):

saber o nome das figuras não é tão importante


para o analista (depende da profundidade
empreendida à análise), mas o olhar atento sobre
elas pode revelar artimanhas persuasivas.

De todo modo, entende-se repetição como a figura que explora


a recorrência de termos ou ideias iguais ao longo do discurso, fixando
e destacando determinado tópico. Já a anáfora é a figura que consiste
na repetição da mesma palavra no início do enunciado seguinte,
é muito comum no discurso religioso. Como exemplo, vemos um
trecho de Melo (2013):

[...] senhores presentes aqui… cumprimento a pessoa do Senhor P o qual tive o


prazer de trabalhar no juizado especial aqui de A. ((cidade))… D. J… senhores membros
do conselho de sentença… e:: por último – até invertendo a ordem – [ ] os senhores
serventuários a quem cumprimento na pessoa da A. e por motivo especial ESPECIAL
tanto na inversão da ordem em cumprimentar os senhores serventuários.

Fonte: corpora de Melo (2013)

A palavra especial é repetida três vezes, inclusive uma delas,


em caixa alta, o que quer dizer que foi proferida numa tonalidade
mais alta. A repetição objetiva destacar o termo repetido, voltando
144 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

às atenções sobre ele, provocando um efeito persuasivo. A anáfora se


faz por meio do termo senhores que é repetido no início de cada ato
de fala do retor, provocando uma invocação voltada para o auditório
a quem o orador se dirige; reforça a ideia de presença do auditório,
assumindo um tom bastante persuasivo.
A anadiplose é a repetição da mesma palavra ou expressão no final
de uma frase ou oração e no começo da frase ou oração seguinte, é o que
outros autores chamam de concatenação. Observa-se isso no exemplo
anterior, no enunciado que diz: “e por motivo especial ESPECIAL tanto...”,
a palavra especial encerra um enunciado e inicia outro, realizando assim
uma anadiplose, concatenando as ideias e constituindo argumento.
Segundo Ferreira (2010), há possibilidades de se criar um
efeito de presença que realce o próprio argumento, transformando
uma figura de estilo em argumentativa, quais sejam:

- dividir o todo nas suas partes (amplificação);


- terminar com a síntese do que foi dito (conglomeração);
- repetir a mesma ideia com outras palavras (sinonímia);
- insistir em certos tópicos, apesar de já entendidos pelo
auditório (repetição);
- perguntar sobre algo quando já se conhece a resposta
(interrogação);
- descrever as coisas de modo tão vívido que apreçam passar-
se sob os nossos olhos (hipotipose).

As figuras de presença, que partem de técnicas de


apresentação, são fundamentais para que o orador possa evocar
realidades afastadas no tempo e no espaço e são bastante relevantes
para o meio jurídico em que são necessários recapitular os fatos
passados, a fim de esclarecê-los para o melhor entendimento,
colaborando no processo persuasivo.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 145

Figuras de comunhão
Quanto às figuras de comunhão, elas remetem a um conjunto
de caracteres referentes ao acordo, à comunhão com as hierarquias e
os valores do auditório, pretendendo a participação ativa do auditório
na exposição. Entre essas figuras, destacam-se: a alusão, a citação e
os provérbios.
A alusão serve para criar ou confirmar a comunhão com o
auditório por meio de referências a uma cultura, a uma tradição, a um
passado comum entre o orador e o auditório. A alusão é um recurso
argumentativo que busca aproximar o auditório do retor, utilizando
um contexto compartilhado.
A citação aparece como outro recurso de comunhão. O orador
corrobora o que diz com o peso da autoridade e, assim, cria uma
relação de dependência do auditório ao texto citado. Como exemplo
disso, tem-se:

[...] Então… diz o seguinte um dos doutrinadores Roberto Silva Franco diz o
seguinte olha… o infanticídio é o crime da genitora… da ( ) é por a mãe que se acha sob
a influência do estado pós-operal…

Fonte: corpora de Melo (2013)

O texto citado ratifica o que vem sendo defendido pelo


retor, assim a citação vai assumir o valor de argumento, o chamado
argumento de autoridade. Além da citação propriamente, os
provérbios e máximas podem ser considerados também citação.

Figuras de escolha
As figuras de escolha ocorrem quando um fato é selecionado
e contextualizado. Segundo Ferreira (2010, p. 128):
146 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

o orador, por meio da linguagem figurada (perífrase


e epíteto, por exemplo), encontra uma maneira
de qualificá-lo, caracterizá-lo e interpretá-lo, de
acordo com seu interesse argumentativo.

Como o próprio nome sugere, as figuras de escolha estão


voltadas para o ato de selecionar os fatos que sejam mais relevantes
para a questão em foco, devendo o orador considerar os valores do
auditório, pois esses valores influenciam na hora do acordo entre
orador e seus interlocutores bem como na escolha dos argumentos.
Como exemplo, no caso de um julgamento de um filho que mata
seu pai, o retor pode interpretar que o auditório esteja diante de
um vingador de sua mãe; outro orador pode, dependendo das
circunstâncias, defender que há um frio assassino de seu pai.
A organização dos dados argumentativos consiste não apenas
na interpretação, mas também no modo de apresentar determinados
aspectos desses mesmos dados, em consonância com os valores
do auditório. Como foi dito anteriormente, o orador se utiliza de
perífrase que, por sua vez, consiste na substituição de um nome por
uma palavra ou expressão qualificativa, do tipo “cidade das águas”
referindo-se à cidade de Maceió, Estado de Alagoas. A perífrase
quando se refere a pessoas é chamada de antonomásia, como em:
“o presidente dos pobres”, referindo ao presidente Lula. Já o epíteto
consiste em tirar vantagens da adjetivação e em usar qualificativos
de efeito. Todos esses recursos têm como base a escolha lexical.
Além da perífrase e do epíteto, há a correção como figura
de escolha que consiste em substituir uma palavra ou expressão
por outra com o objetivo de modificar o sentido da afirmação.
Como exemplos, há os programas dos governos federais no Brasil,
quais sejam: “Programa Nacional de Transferência de Renda” por
simplesmente “Bolsa Família” e “Programa Nacional de Incentivo
ao Estudo” por “Pro-Uni”. Os mais extensos exigem muito esforço
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 147

da memória além de não serem envolventes, enquanto os mais


curtos são sintéticos, claros e de fácil reconhecimento, não exigindo
esforços da memória.
Entre as figuras de escolha, há as analogias que são decorrentes
do próprio discurso que busca criar sobre as imagens que provocam
a sensibilidade do interlocutor. E o orador, em busca das reações
de ordem emotiva, sentimental ou de prazer, proporcionadas pelas
palavras, preocupa-se com a expressividade.

A expressividade é uma conquista e, como recurso


argumentativo, funciona duplamente, a serviço
do raciocínio: por um lado, prepara o espírito
do auditório para que se disponha positivamente
a acompanhar a argumentação desenvolvida e
procura sensibilizá-lo para a crença ou a atitude
que o orador pretende alcançar por meio da
argumentação (FERREIRA, 2010, p. 130).

Assim, a metáfora e a metonímia, que são analogias, ganham
contornos importantes para a produção de sentidos. A metáfora,
que é herdada dos gregos, significa transporte, em outras palavras,
quer dizer uma comparação sem os conectivos como, que nem,
igual a. Permite uma ampliação dos significados daquilo que se
quer dizer. Compara dois termos, enfocando suas similaridades,
bem como suas dissimilaridades. Essa comparação não é de forma
simples, mas condensa a conclusão de um raciocínio, podendo
refletir um argumento.
Ao analista compete refazer a analogia que lhe deu origem ou
a que a fundamenta para encontrar as características persuasivas. Já
a metonímia é uma comparação da parte pelo todo; a palavra vem do
grego metonymía que significa emprego de um nome por outro. Ainda
a respeito das metáforas, são usadas com a finalidade de aproximar
148 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

campos diferentes do conhecimento no intuito de enriquecer e


ampliar significados, de levar conceitos de uma área para outra e
vice-versa. Assim, têm-se os diversos tipos de retórica, baseados em
metáforas, como a retórica da cura, comum nos discursos políticos,
e a retórica da manutenção.
É importante para o analista de retórica observar se o orador,
por uma razão ou outra, reforça, por intermédio das metáforas,
impressões ideológicas, concepções filosóficas do existir ou mesmo
artimanhas políticas, pois, em defesa da ideologia, utiliza-se muito a
Retórica. Quando os oradores estão diante de um debate ideológico
mostram parte da verdade, escondem objetivos escusos, não têm
interesse em revelar facetas menos agradáveis de uma determinada
ideia contida no conjunto ideológico.
A ideologia “relaciona-se com os pontos de partida do
preferível: o bom, o justo e o belo –, e pode manifestar-se por meio de
figuras como um efeito retórico que fortalece um argumento fraco”,
segundo Ferreira (2010, p. 136). Nesse sentido, são várias as figuras
que fortalecem os aspectos ideológicos, tais como: vacina, omissão
histórica, identificação, tautologia19, ninismo20, quantificação de
qualidade e constatação.
Desde que o homem meditou sobre a linguagem, percebeu-se
a existência de certos modos de expressão que não se enquadram no
comum, cujo estudo foi em geral incluído nos tratados de Retórica,
daí o nome de figuras de retórica (PERELMAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 2014). As tradicionais figuras de linguagem deixam de
ser interpretadas como elementos de embelezamento do discurso e
passam a exercer o papel emotivo e argumentativo na medida em que
impressionam e se colocam como condensadoras de determinados
valores em torno dos quais a argumentação se estabelece.
Define-se o mesmo pelo mesmo. Provas são provas.
19

Colocam-se em frente dois contrários, equilibra-se um com o outro, de modo a rejeitar


20

os dois (nem isso, nem aquilo).


ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 149

Considerações acerca de texto/discurso oral


Nesta parte, foram feitos comentários acerca de texto/discurso
oral/gênero, na sua relação com a Retórica, bem como análises de
figuras retóricas em gênero discursivo oral na esfera jurídica.

Texto/discurso oral/gênero
As considerações feitas acerca das figuras retóricas
naturalmente acontecem em quaisquer tipos de texto, que se
concretizam em gêneros, como os da ação do narrar, do argumentar,
do descrever, do dialogar, enfim, em todos em que orador e auditório
discutam sobre uma temática, seu objeto de estudo, e estejam
intrinsecamente interligados pela categoria da interação. Dessa
maneira, é conveniente pensar talvez, numa ordem didática, em que
apareça inicialmente o discurso, caracterizado como o objeto do
dizer, representado por uma prática da linguagem, que se associa
também a uma prática social e institucional, localizada em tempo
determinado, necessitando para sua enunciação de participantes e de
sua situação sócio-histórica (MARCUSCHI, 2008).
Após isso, aparece a categoria do texto, não considerado como
antagônico a discurso, mas como elemento que reitera a ideia deste;
o que se pode dizer, pois, é que o primeiro acontece na enunciação,
enquanto o segundo, na configuração. Koch e Elias (2016, p. 16), em
se referindo a texto, enunciam que pensar nessa categoria “implica
considerar, além do conhecimento da língua, conhecimentos
enciclopédicos que compõem os frames ou enquadres, ou os nossos
modelos mentais”. Para que o texto e o discurso se efetivem, é
necessária a alusão a gênero, de estabilidade relativa em relação ao
momento histórico; é também uma “prática social e prática textual
discursiva” (MARCUSCHI, 2008, p. 84).
Além das considerações feitas neste trabalho, salienta-se que
as manifestações da linguagem se dão na modalidade de língua oral e
150 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

escrita. Ambas não são antagônicas; formam um contínuo tipológico


explicado pelo fato de haver gêneros que são exclusivamente
da modalidade escrita ou falada, mas há outros em que essas
modalidades se intercomunicam entre si. Assim, poderá haver textos
escritos formais com resquícios da oralidade e vice-versa, o que se
pode chamar marcas da oralidade. Nesse sentido, tem-se que dizer
que não há cisão entre as duas modalidades de língua, cada uma
tem suas particularidades, havendo um mesmo sistema, o da língua
portuguesa. O excerto abaixo elucidará o conceito de texto, discurso
e gênero.

MP: ... a ARma de LV é um revólver calibre trinta-e-oito, senhores, que ele ( )... mas
a sociedade, senhores, e a ÚNICA arma que a sociedade tem a ÚNICA arma que
a sociedade dispõe É o poder de sentença É o conselho de sentença... é a resposta
que o conselho de sentença tem que dar a conDUtas como essa... é o conselho de
sentença que ao que ver e dizer NÃO aceitamos NÃO convivemos NÃO toleramos ( )...
qual o motivo que LEVA o que PASSA na CABEÇA na CONSCIÊNCIA da pessoa que
simplesmente dispara arma saca uma arma e dispara uma arma (num) ser humano? Ele
ESQUECE, senhores, que ALI ALI é uma vida ALI é um ser HUMANO, senhores,
AMADO como ele... um ser humano que tem o direito de erRAR tem o direito de
choRAR de soFRER de sorRIR... de LV/ pessoas como LV, senhores, NÃO TEM O
PODER, senhores, NÃO TEM O DIREITO de decidir quem ficará vivo quem morrerá...
porque ELE, senhores, ele quando bota o revólver calibre trinta-e-oito na cintura...
ELE é senhor de si... ELE DECIDE...
Fonte: corpora de Melo (2013)

Ao se fazer a leitura do texto, logo se depreende que se trata


de um discurso da área jurídica, por as unidades lexicais como:
“arma”, “revólver calibre trinta-e-oito”, “poder de sentença”,
entre outras, circularem na esfera jurídica e, para sua realização,
há necessidade de um retor (advogado de acusação), auditório
(interlocutores) em um tribunal, durante uma sessão de júri. Esse
discurso se apresenta na forma de um texto na modalidade de língua
oral, caracterizada por pausas: “É o conselho de sentença...”, “é a
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 151

resposta que o conselho de sentença tem que dar a conDUtas como


essa...”; por entonações: “NÃO aceitamos NÃO convivemos NÃO
toleramos ( )”, “Ele ESQUECE, senhores”; por repetições como em:
“Ele ESQUECE, senhores, que ALI ALI é uma vida ALI é um ser
HUMANO, senhores, AMADO como ele... um ser humano que tem
o direito direito de erRAR tem o direito de choRAR de soFRER de
sorRIR...” entre outras marcas da oralidade.
O que se pode inferir no caso das pausas é que, como o
discurso é oral, as pausas dão a melodia ao dizer, tornando a elocução
do retor mais susceptível para ser ouvida pelo auditório; já quanto
às entonações, estas significam os conteúdos semânticos de maior
valor para o retor; e, enfim, pela repetição, seu uso infere que o retor
solicita a atenção do auditório para o que enuncia ou está impondo
suas ideias, não permitindo ser interpelado por outros interlocutores
do auditório.
Outro elemento que merece destaque porque vai dar melodia
ao dizer, trata-se do paralelismo, que designa a organização de
expressões e ideias de estrutura idêntica, cuja divisão é do tipo
sintático e semântico: o primeiro está relacionado a termos da mesma
estrutura sintática dentro de uma frase; o segundo (semântico), a
termos que designam ideias semelhantes. Isso pode ser evidenciado
no exemplo a seguir:

1º. Exemplo 2º. Exemplo


É o poder de sentença NÃO aceitamos
É o conselho de sentença... NÃO convivemos
é a resposta que o conselho de sentença tem NÃO toleramos ( ) ...
que dar a condutas como essa...
é o conselho de sentença que ao que ver e
dizer

Fonte: corpora de Melo (2013)


152 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

No 1º exemplo, as ideias são organizadas de forma


sequencial, paralela: é o poder..., é o conselho..., é a resposta
e é o conselho em que as construções iniciais são as mesmas,
posicionando-se na mesma função sintática, exercendo funções
semânticas equivalentes. Igual procedimento acontece no
segundo exemplo, pois, paralelamente, em posição assindética
estão colocados os sintagmas oracionais “NÃO aceitamos, NÃO
convivemos, NÃO toleramos”, tendo um significado descendente,
vindo da ação de não aceitar, para outra um pouco mais forte
não conviver, para finalizar em não tolerar; esta última encerra o
sentido total, caracterizando a harmonia na linguagem.
Ainda em observância ao fragmento destacado, observa-se
a figura de um retor, que, em nome da lei e da justiça, acusa o réu
pelo dano causado, apresentando-se com uma linguagem de maneira
altiva, decisiva e arrogante, com o intuito de provocar ou fazer nascer
no pathos, um sentimento de repulsa, de revolta e de condenação,
por se tratar de um acusado abominável e não integrado à sociedade.
A temática de que trata esse ethos vai constituir-se evidentemente o
logos, acerca da qual o júri se instaura. Os três elementos formam a
chamada tríade argumentativa de Aristóteles.
Assim, temos, de acordo com Aristóteles (2011), três elementos:
o ethos, o pathos e o logos. Os dois primeiros, no caso em destaque, um
advogado, que acusa e um auditório, que assiste a ele, para a decisão da
sentença, ambos têm uma ordem afetiva, enquanto o ethos é de linha
racional. Esses elementos constituem assim a base persuasiva de todo
discurso, sendo assim explicados por Aristóteles (2011, p. 45):

O primeiro depende do caráter pessoal do orador;


o segundo, de levar o auditório a uma certa
disposição de espíritos; e o terceiro, do próprio
discurso no que diz respeito ao que demonstra ou
parece demonstrar.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 153

O ethos bem representado pelo retor (advogado de defesa)


procura trabalhar a sua imagem, bem como o seu caráter a fim de que
consiga a confiança dos que constituem o seu auditório, para que sejam
realmente persuadidos pelo sentimento, resultando na absolvição
do condenado, pois “a persuasão é obtida graças ao caráter pessoal
do orador, quando o discurso é proferido de tal maneira que nos faz
pensar que o orador é digno de crédito” (ARISTÓTELES 2011, p. 45).
No cenário jurídico, faltam alusões ao pathos, que constrói
um modo de verdade baseada nas explicações do orador, uma vez
que a mesma persuasão se diz realizada quando o próprio discurso
afeta as suas emoções, pois os julgamentos variam de acordo com os
sentimentos de alegria, de hostilidade ou de quaisquer ações emotivas.
Quanto ao logos, centrado principalmente na explicação dos
argumentos, assim pode ser explicado:

O logos é a disposição dos argumentos,


encadeados em ordem lógica e convincente,
estruturando o discurso e, por sua vez, a persuasão.
Refere-se à argumentação propriamente dita, ou
seja, ao discurso oral ou escrito que é proferido
pelo orador (ROCHA, 2019, p. 26).

Ainda observando o fragmento quanto ao acordo estabelecido


entre o retor e o seu auditório, há determinadas exigências que
devem ser cumpridas a fim de que a sessão do júri se realize. Assim,
é preciso, quando o orador estiver na proferição do seu discurso, que
o auditório lhe dê atenção, por meio da linguagem verbal ou não
verbal, a fim de que a comunicação venha a se estabelecer. Para que
isso aconteça, muitas vezes é preciso que o orador faça conjecturas
acerca do que se passa na mente do seu auditório, para empregar no
tempo certo as artimanhas do seu dizer. Nesse sentido, Fiorin (2015)
assim enuncia em relação aos parceiros do discurso:
154 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Os parceiros, ao considerar uma proposição


como sendo um ponto de vista comum, admitem-
no como aceitável. Eles não precisam aceitá-la
de fato, pois podem não ser sinceros. Isso, no
entanto, não tem a menor importância para a
análise. O que é realmente significativo é que
eles a tratam como se, de fato, estivessem de
acordo com ela. (FIORIN, 2015, p. 91).

Se se olhar o fragmento à luz das funções retóricas


(REBOUL, 1998), observa-se que elas nele estão representadas.
Inicialmente, pelo fato de o retor, principalmente, tentar persuadir
um auditório, apontando as causas que o conduzem a condenar seu
cliente, realizando-se, assim, a função persuasiva, assim explicada
por Reboul (1998, p. XVII): “A primeira função da retórica decorre
de sua definição: arte de persuadir”. A seguir, aparece a função
hermenêutica, que também aqui se insere pelo fato de o retor tentar
sempre buscar o que está nas entrelinhas para elucidar o caso, e isso
se dá na interpretação de quaisquer textos.
Ainda, aponta-se a função heurística, que se centra na
elucidação do caso, explicado em argumentos pelo retor. Essa função
é muito importante, pois, para Reboul (1998, p. XX):

Na realidade, quando realizamos a retórica não


o fazemos só para obter certo poder; é também
para saber, para encontrar alguma coisa. E essa é
a terceira função da retórica, que denominaremos
‘heurística’, do grego euro, eureca, que significa
encontrar. Em resumo, uma função de descoberta.

Aparece ainda no fragmento a função pedagógica explicada por


todo tipo de aprendizagem que se faz pela disposição dos argumentos,
na defesa ou acusação de qualquer júri. Expor-se a uma sessão de
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 155

júri significa aprender todo um arsenal de conhecimentos, além do


funcionamento do evento comunicativo. Todo esse alinhamento dos
retores faz com que houvesse uma boa efetivação linguística.

Figuras retóricas em gênero discursivo oral


Para melhor análise das figuras retóricas em gênero textual/
discursivo na modalidade oral, analisam-se algumas delas que
aparecem no fragmento disposto neste trabalho. Para isso, convém
destacar não somente o processo de identificação da figura retórica,
mas também de constituição da sua importância: o primeiro se
explica por haver diferença entre figura estilística e figura retórica;
o segundo, por a própria figura, quando retórica, encerrar em si um
forte poder persuasivo. Nesse sentido, Abreu (2009, p. 105) enfatiza
a função retórica:

As funções retóricas possuem um poder


persuasivo sublimar, ativando nosso sistema
límbico, região do cérebro responsável pelas
emoções. Elas funcionam como cenas de um
filme, criando atmosferas de suspense, humor,
encantamento, a serviço dos nossos argumentos.

Quanto à diferença entre figura estilística e retórica, salienta-


se que a primeira está voltada para a ênfase na escritura do autor,
emprestando-lhe qualidades ligadas ao som, à assonância, à
musicalidade, tornando-o um texto que seja audível, atrativo e
convidativo à leitura. Diferentemente, a figura retórica constitui-se
um argumento utilizado por um retor a serviço da defesa da sua tese,
que se encontra construída com argumentos que podem conseguir a
persuasão do auditório. Assim explicado, procede-se à explicação da
figura retórica em destaque no fragmento:
156 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

MP: ... a ARma de LV é um revólver calibre trinta-e-oito, senhores, que ele ( )... mas a socie-
dade, senhores, e a ÚNICA arma que a sociedade tem a ÚNICA arma que a sociedade dispõe
É o poder de sentença É o conselho de sentença... é a resposta que o conselho de sentença
tem que dar a conDUtas como essa... é o conselho de sentença que ao que ver e dizer
Fonte: corpora de Melo (2013)

Após leitura do excerto, depreende-se, pelos argumentos


dispostos em paralelo, como em: “um revólver calibre trinta-e-
oito, senhores, que ele ( )... mas a sociedade, senhores, e a ÚNICA
arma que a sociedade tem a ÚNICA arma que a sociedade dispõe”,
formando uma sequência lógica e acessível à apreensão do sentido
pelo retor, há o argumento da definição, considerado um dos mais
fortes elementos persuasivos da argumentação na linguagem humana.
Entre os diversos tipos das definições como as lógicas, as normativas
e as etimológicas, o retor utilizou a definição expressiva ao enunciar:
“... mas a sociedade, senhores, e a ÚNICA arma que a sociedade tem a
ÚNICA arma que a sociedade dispõe É o poder de sentença” ao definir
a arma que a sociedade apresenta como “o poder da sentença”, em que
ao definir um elemento abstrato, que poderia ser um dispositivo, um
elemento, o retor o define como sendo o agente que confere “poder à
sentença” expedida por ocasião de um júri.
O argumento se diz por definição expressiva por não ter
qualquer compromisso com a lógica, não sendo também etimológica
pelo fato de o retor não buscar a etimologia das palavras para persuadir
o leitor na ideia que transmite; da mesma forma, não é normativa por
não restringir o sentido atribuído à “arma” no contexto do discurso.
Define-se expressivamente o termo “arma” para que o auditório seja
persuadido a aceitar as intenções do retor.
O mesmo argumento conduz à concretização da figura retórica
chamada metáfora, pois trata-se da relação entre arma e poder de
sentença. Nesse sentido, há toda uma construção argumentativa
que conduz o retor a proferir tal enunciado: “ÚNICA arma que a
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 157

sociedade dispõe É o poder de sentença”. Por a metáfora ter origem no


grego metaphora, com o significado de “transferência”, e aquela ser
derivada de metapherein (trocar de lugar), composta de meta (sobre)
e pherein (levar), a metáfora faz uma transposição do sentido literal
para o figurado. Assim, justifica-se que o sentido também figurado
de “arma da sociedade” seja visualizado no “poder de sentença”,
sendo essa ideia continuada nos termos subsequentes do discurso.

... qual o motivo que LEVA o que PASSA na CABEÇA na CONSCIÊNCIA da pessoa que
simplesmente dispara arma saca uma arma e dispara uma arma (num) ser humano? Ele
ESQUECE, senhores, que ALI ALI é uma vida ALI é um ser HUMANO, senhores,
AMADO como ele... um ser humano que tem o direito de erRAR tem o direito de
choRAR de soFRER de sorRIR... de LV/ pessoas como LV, senhores, NÃO TEM O
PODER, senhores, NÃO TEM O DIREITO de decidir quem ficará vivo quem morrerá...
porque ELE, senhores, ele quando bota o revólver calibre trinta-e-oito na cintura...
ELE é senhor de si... ELE DECIDE...
Fonte: corpora de Melo (2013)

No excerto em destaque, o retor, na ênfase de mais ainda obter


a persuasão do auditório, utiliza em sua argumentação a pergunta
retórica, mesmo não acontecendo declaradamente a realização do
par adjacente pergunta/resposta, embora a resposta possa acontecer
por meio da linguagem não verbal (gestos, acenos, olhares, piscar de
olhos, entre outras manifestações visíveis e audíveis). Como o próprio
nome indica, a pergunta retórica em “... qual o motivo que LEVA o que
PASSA na CABEÇA na CONSCIÊNCIA da pessoa que simplesmente
dispara arma saca uma arma e dispara uma arma (num) ser humano?”
leva o auditório a imaginar criativamente sobre as razões do disparar
uma arma em alguém, o que o torna perplexo e atento à exposição do
advogado de acusação.
A resposta à pergunta retórica já é do conhecimento do retor e
mesmo do auditório, estando de maneira clara ou subentendida. Essa
pergunta, diferentemente da pergunta real, é tão eficiente que pode
158 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

atender a vários objetivos como a expressão de uma crítica social, a


manifestação de indignação por alguma situação, a sensibilidade e
persuasão do auditório, bem como o estímulo à reflexão. No exemplo
destacado, a pergunta retórica pode ter sido proferida pelo advogado
de acusação, tendo em vista essas motivações.
Ainda se observa no excerto a presença da comparação ou
símile, que se dá quando o retor, após questionar o auditório acerca
do motivo que levou o assassino àquele dano, assim argumenta: “...
pessoas como LV, senhores, NÃO TEM O PODER, senhores, NÃO
TEM O DIREITO de decidir quem ficará vivo quem morrerá...”,
em que aparece a expressão “como ele” que estabelece o elo da
comparação entre as pessoas que tiram a vida da outra e a figura
do assassino em destaque no discurso. Assim, está explicada a
comparação que Reboul (1998, p. 122-123) a ela se refere:

[...] se devolvermos a metáfora e lhe restituirmos


seu como, teremos uma figura de comparação
especial, que os antigos chamam de eikon,
simile, e que, como os ingleses, chamaremos de
símile. O símile é uma comparação entre termos
heterogêneos: Ela canta como um rouxinol, que
se abrevia em metáfora como O rouxinol. O
símile, como a metáfora que dele deriva, é fonte
de poesia, pois aproxima seres cuja semelhança
antes fora percebida[...].

Outro elemento linguístico que teve importância no excerto


com forte poder argumentativo está contido em “... qual o motivo
que LEVA o que PASSA na CABEÇA na CONSCIÊNCIA da pessoa
que simplesmente dispara arma saca uma arma e dispara uma arma
(num) ser humano? Ele ESQUECE, senhores, que ALI ALI é uma
vida ALI é um ser HUMANO”, representado pelo elemento anafórico
“ALI”, pronunciado de maneira repetida, uma categoria adverbial de
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 159

lugar, que assume no texto a remissão a ser humano. Não é elemento


dêitico, mas anafórico; sua distinção se dá porque “ali” se refere a
um termo dito anteriormente “ser humano”; o dêitico indica o lugar
em que cada enunciado é produzido, sendo entendido se houvesse
uma explicitação dentro da própria situação comunicativa.
Ainda à procura do todo argumentativo da linguagem,
evidencia-se o assíndeto, conhecida como figura de estilo caracterizada
pela omissão de conectores, daí resultando a justaposição de ideias
expressas pelas orações coordenadas. Isso se evidencia no fragmento
a seguir: “... É o poder de sentença É o conselho de sentença... é a
resposta que o conselho de sentença tem que dar a conDUtas como
essa... é o conselho de sentença que ao que ver e dizer NÃO aceitamos
NÃO convivemos NÃO toleramos” em que vários pensamentos são
propostos pelo retor de maneira justaposta. Essa figura tem grande
poder argumentativo, pelo que enuncia Reboul (1998 , p. 126):

O assíndeto é uma elipse que suprime os termos


conectivos, tanto cronológicos (antes, depois)
quanto lógicos (porém, pois, portanto). O assíndeto
é ao mesmo tempo expressivo, pelo efeito surpresa
(Vim, vi, venci), e pedagógico, pois deixa por conta
do auditório o trabalho de restabelecer o elo que
falta, e isso o arregimenta, torna-se cúmplice do
orador, a despeito de suas reticências.

Quanto a elementos linguísticos que aparecem de maneira


repetida no excerto do discurso jurídico, há dois caminhos
interpretativos quanto a essa repetição: um voltado à presença da
figura retórica no discurso do retor para manifestação das ideias com
o intuito realmente persuasivo; outro centrado nas manifestações
e características da linguagem oral, as quais ratificam as intenções
desse retor. Desse modo, as repetições do excerto a seguir devem ser
consideradas com base no que foi observado.
160 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

... qual o motivo que LEVA o que PASSA na CABEÇA na CONSCIÊNCIA da pessoa que
simplesmente dispara arma saca uma arma e dispara uma arma (num) ser humano? Ele
ESQUECE, senhores, que ALI ALI é uma vida ALI é um ser HUMANO, senhores,
AMADO como ele... um ser humano que tem o direito de erRAR tem o direito de
choRAR de soFRER de sorRIR... de LV/ pessoas como LV, senhores, NÃO TEM O
PODER, senhores, NÃO TEM O DIREITO de decidir quem ficará vivo quem morrerá...
porque ELE, senhores, ele quando bota o revólver calibre trinta-e-oito na cintura...
ELE é senhor de si... ELE DECIDE...
Fonte: corpora de Melo (2013)

As considerações acerca da repetição no fragmento: “qual o


motivo que LEVA o que PASSA na CABEÇA na CONSCIÊNCIA da
pessoa que simplesmente dispara arma saca uma arma e dispara uma
arma (num) ser humano?” dizem respeito à palavra arma, que aparece
repetida com o objetivo principal de centrar a atenção do auditório
para esse foco. Em continuidade, tem-se no seguinte: “Ele ESQUECE,
senhores, que ALI ALI é uma vida ALI é um ser HUMANO, senhores,
AMADO como ele... um ser humano que tem o direito de erRAR tem o
direito de choRAR de soFRER de sorRIR...” em que palavras anafóricas
como “ali” e “um ser humano” são repetidas e são justificadas pela
presença da figura retórica chamada anáfora. Nesse sentido, para Abreu
(2009, p. 127), a anáfora “é a repetição da mesma palavra no início de
frases sucessivas ou de membros sucessivos, em uma mesma frase”.
Complementando o que fora salientado, quanto aos propósitos
da figura retórica, no sentido de apontar para a persuasão do auditório,
a repetição das palavras do ponto de vista da oralidade refere-se à
produção de qualquer segmento textual (produção linguística de
um texto oral), de maneira semelhante ou idêntica, duas ou mais
vezes, em um mesmo evento comunicativo. Assim, essa repetição
vai contribuir para que aconteça o processo textual-interativo,
contribuindo para que o retor por meio desse artifício de linguagem
consiga persuadir o auditório haja vista o conteúdo condenatório que
o processo judicial exige.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 161

Considerações finais
Considera-se que a Retórica, definida como a arte de persuadir
pelo discurso, teve um percurso histórico com tendência ascendente
nos seus primórdios, momentos de luz, que enveredaram para sua
própria decadência e decorrente esquecimento. Após isso, entrou em
pleno vigor, sobretudo, no século XX, com Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2014) com seu famoso Tratado da Argumentação, quando
houve a instauração do que se pode chamar a Nova Retórica.
Desse modo, no fervor das ideias dessa nova fase, Meyer
(2007, p. 25) define a Retórica como “a negociação da diferença entre
os indivíduos sobre uma questão dada” e aceita a igualdade entre o
orador, o auditório e a linguagem, o que vai conferir à própria retórica,
explicitamente, categorias de plena circulação nos estudos retóricos.
Dessa maneira, têm-se um logos, um pathos e um ethos, não apenas
em estudos separados, mas em consonância entre si para a constituição
do sentido quando da realização de um discurso persuasivo.
Este trabalho prestou relevância às categorias persuasivas
apontadas pela Retórica, apontando algumas dela nos gêneros
orais da esfera jurídica. Assim, reviram-se categorias da Retórica,
a exemplo da própria tríade argumentativa com comentários acerca
do acordo entre parceiros discursivos, com foco especificamente
nas figuras retóricas com o objetivo principal de deixar nítida a
diferença entre a figura estilística e a retórica: aquela ornamenta
o texto em que está inserida (poema, artigos de opinião, crônica,
entre outras manifestações da linguagem), emprestando-lhe ares
poéticos e suaves, e esta tem a finalidade precípua de persuadir
com continuidades alusivas à sua presença no texto para que seja
ratificada a ideia que o retor transmite para a persuasão do auditório.
Ainda completando as exposições apresentadas neste
trabalho, aparecem exemplos de várias figuras retóricas em excertos
textuais do gênero da esfera discursiva judiciária. Essas figuras
162 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

como a metáfora, a comparação, a repetição, entre outras, mostram


claramente as razões contextuais por que estão a serviço da persuasão
em discurso jurídico em sessões de júri.
A LEITURA EM VOZ ALTA:
UMA ANÁLISE DOS ELEMENTOS
NÃO VERBAIS NO CONTEXTO
DE SALA DE AULA
Marcos Suel dos Santos
Maria Inez Matoso Silveira

Introdução
A leitura em voz alta é uma prática de leitura que demanda
diferentes estratégias para que sua realização seja efetiva tanto para
quem lê como para quem a ouve. Para essa prática de leitura, a voz
é o elemento essencial, uma vez que dá forma e corpo à leitura.
Além disso, esse tipo de leitura demanda, da parte de quem lê,
expressividade e desenvoltura no uso dos elementos linguísticos e
paralinguísticos, já que as palavras, ao serem pronunciadas, precisam
ser sentidas pelo ouvinte, e, de certa forma, ter a identidade do leitor.
É no jogo das linguagens verbal e não verbal que o leitor busca,
mesmo que inconscientemente, se emocionar e, assim, emocionar o
seu leitor.
Nessa perspectiva, a leitura em voz alta aproxima, por
meio do texto, o leitor e o ouvinte, mantendo-os numa relação de
intimidade, pois um empresta a voz para o outro, que empresta seus
ouvidos para aquele, numa relação também de cumplicidade. Desse
modo, a compreensão advinda dessa prática depende de ambos.
Por outro lado, a leitura pode ter trazido excelente prosódia, mas
164 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

se o ouvinte não tiver conhecimentos prévios sobre o tema, ela não


lhe será significativa. Por outro lado, se o ouvinte detiver esses
conhecimentos, mas se o leitor não for fluente, provavelmente a
compreensão será prejudicada.
À medida que lê em voz alta, o leitor centra sua atenção
em vários elementos do texto, porque direciona seu olhar não só
para a decodificação das palavras, mas também se preocupa com
a progressão e a organização do texto, em termos de pontuação e
de palavras novas que podem vir a surgir. Isso implica o uso de
procedimentos e estratégias e que auxiliam o leitor a compreender
melhor o texto, a partir dessa prática leitora. Dentre elas, está o
protocolo verbal, um procedimento que visa ao engajamento do
leitor com o texto, sob a mediação, em sala de aula, do professor.
Dos protocolos verbais, por se tratar de uma conversação
face a face, observa-se que os elementos linguísticos, muitas vezes,
são insuficientes para a compreensão do texto, pois os elementos
paralinguísticos fornecem ao leitor e ao ouvinte condições
comunicativas próprias da linguagem oral, como gestos, entonação
da voz, expressões faciais, corporais, risos e sorrisos, pausas, dentre
tantos outros.
À vista disso, este trabalho objetiva verificar a presença dos
elementos não verbais, por meio das categorias paralinguagem,
cinésica e proxêmica, e sua contribuição para a leitura em voz
alta, sob intervenção dos protocolos verbais. Com isso, busca-se
responder à seguinte questão: em que medida os elementos não
verbais e os protocolos verbais contribuem para a compreensão da
leitura em voz alta?
Para analisar os fragmentos, os fundamentos teóricos
reportam à Linguística Textual, na concepção sociocognitiva, para
a análise do texto, cujas questões de compreensão relacionam-se às
habilidades do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 165

no que se refere ao eixo leitura. Quanto aos aspectos não verbais,


a Análise da Conversação embasa as análises nas categorias
da paralinguagem, cinésica e proxêmica. Além da Linguística
Textual, recorre-se aos aspectos cognitivos para fundamentar os
estudos sobre o processamento da leitura e a prática da leitura em
voz alta.
Por fim, este trabalho apresenta uma proposta que dá
condições possíveis de trabalhar a leitura em voz alta em sala de
aula, considerando as categorias que estruturam a comunicação oral,
a partir do procedimento do protocolo verbal, favorecendo, assim, a
dimensão do entendimento do texto.

O ato de ler e a leitura em voz alta


A leitura é eminentemente um ato pessoal, carregada de
sensações e sentimentos os mais diversos. É um encontro de
intimidade entre o leitor e o texto, proveniente de uma relação,
geralmente distante, entre o leitor e o autor. Entretanto, à efetivação
desse encontro, processos cognitivos, linguísticos e paralinguísticos
são mobilizados para o entendimento do texto lido, a partir de
estratégias, práticas e procedimentos de leitura que concorrem aos
objetivos pretendidos pelo leitor a cada atividade leitora.
À medida que lê, o leitor esboça diferentes reações
independentemente da prática de leitura utilizada. Claro que há
práticas em que as suas reações físicas são mais visíveis, como
a leitura em voz alta, o que contribui para o engajamento e a
situacionalidade do ouvinte em relação ao texto. Devido ao seu
caráter mentalístico, a leitura constitui-se não só de processamentos
cognitivos e afetivos, mas principalmente de subjetividades, visto
não haver desvinculamento dos pensamentos, das experiências e
dos conhecimentos do leitor durante a leitura, pois desses aspectos
dependem os sentidos que ele constrói para atribuir ao que lê.
166 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Nesse sentido, a leitura em voz alta é uma prática que


perpassa diferentes níveis de leitura, se considerarmos que
sensorialmente utiliza a visão e a audição, sob a mediação da
voz que, segundo Zumthor (2005, p. 63), “se coloca como uma
presença”. Assim, é também fundamental para que o leitor se
emocione e emocione o seu ouvinte, possibilitando-lhes acessar
experiências guardadas na memória, além de fazê-los refletir sobre
o tópico discursivo presente no texto. Ao utilizar-se da voz para
emitir sua leitura, o leitor torna-se responsável pela compreensão
eficiente ou ineficiente do ouvinte.
A leitura em voz alta na sala de aula pode ser realizada pelo
professor ou pelo aluno. Quando pelo professor, tem como função
contribuir na formação do leitor, favorecendo uma compreensão
mais eficiente, sobretudo, quando o aluno não lê habilmente,
favorecendo, pela audição, o acesso à estrutura e à compreensão
do texto, à linguagem presente em diferentes gêneros textuais. Para
o aluno, a leitura em voz alta é um procedimento importante para
compreender o texto. Recentemente, um estudo de Oliveira e Araújo
(2019) evidenciou que a leitura em voz alta é fator necessário para o
entendimento e o engajamento do texto.
A prática da leitura em voz alta é um importante recurso para o
entendimento do texto, visto a aproximação entre leitor e ouvinte no
compartilhamento de um mesmo texto, de modo a construírem uma
interpretação mediada pela voz. A isso, Bajard (2014a) denomina
de exercício de convivialidade, uma forma de sociabilidade, pois
quando uma pessoa não sabe ler, alguém pode fazê-lo por ela.
A compreensão do texto a partir da leitura em voz alta
depende da expressividade dada à leitura, da relação do leitor
com o texto e dos conhecimentos que o primeiro tem sobre o
segundo. Conforme Oliveira e Araújo (2019), há na leitura em voz
alta um engajamento maior dos alunos, assim como uma menor
quantidade de dúvidas nas discussões orais sobre o texto, do que
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 167

na leitura silenciosa, já que os questionamentos foram essenciais


ao entendimento do texto.
A partir da expressividade, o leitor utiliza-se de elementos não
somente linguísticos para compreender o texto e levar o ouvinte a
também compreendê-lo, mas também de elementos paralinguísticos
(olhar, gestos, expressões faciais e corporais, entonação da voz) ao
transmiti-lo vocalmente. Bajard (2014b) chama esses elementos
de “gestos” da transmissão vocal, pois aparecem regularmente na
leitura em voz alta. São eles: a extração do texto pelos olhos, a
emissão vocal, o olhar endereçado ao ouvinte e a exposição do livro
ao público. Os dois primeiros reportam-se à língua, enquanto os dois
últimos remetem a linguagens corporais. A extração de um trecho ou
resgate ocorre rapidamente por meio da exploração visual, ou seja, é
o contato visual antes de ser emitido pela voz. Já o olhar é essencial
na leitura em voz alta, uma vez que aproxima leitor e ouvinte, pois

o mediador que não usa o olhar não aproveita


plenamente a comunicação ‘ao vivo’. Ele se
ausenta da transmissão, como acontece no
rádio. Ao contrário, o locutor que conhece
o texto de cor, por estar liberado do resgate,
dedica plenamente o olhar e a gestualidade à
comunicação. (BAJARD, 2014b, p. 57, grifos
do autor).

Por fim, a exposição do livro ocorre tanto pela materialidade


gráfica quanto pela sonora, pois, por intermédio da voz, o leitor revela
o texto escrito, expondo-o ao ouvinte. Esses elementos corporificam
a leitura em voz alta e contribuem para a compreensão do texto
lido, não só pelo leitor, que concentra sua atenção na decodificação
automática (extração e emissão das palavras), mas pelo ouvinte, que
escuta e avalia a leitura.
168 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Os elementos não verbais nos protocolos verbais


Consideramos que o procedimento dos protocolos verbais
configura um tipo de conversação na qual aluno e professor
interagem face a face, podendo ocorrer em turnos simétricos
ou assimétricos, dependendo dos objetivos e das intervenções
do professor. Os elementos não verbais que se apresentam na
enunciação são fundamentais para revelar sentimentos do aluno
em relação ao texto e com isso pode demonstrar seu engajamento
sobre o conteúdo abordado. Além disso, os não verbais permitem
explicar as marcas prosódicas, os movimentos corporais, os gestos,
as expressões fisionômicas, o comportamento ocular e a postura que
o leitor empreende durante os turnos de fala.
Santos (2004) observa que os estudos dos não verbais têm sido
comumente tratados como uma cisão com os verbais. Entretanto, a
autora adota uma posição contrária, pois os elementos verbais e não
verbais integram um continuum, visto que

há conversações que dispensam os elementos


não-linguísticos ou que se efetivam com a
recorrência a eles. Fortifica-se a interação em
sala de aula, quando professor e alunos fazem
um uso adequado dos elementos não-verbais
(sic) (SANTOS, 2004, p. 39).

Oliveira (2012, p. 148) acrescenta:

sendo os elementos não verbais e verbais


considerados uma unidade linguístico-não
verbal, eles melhoram as condições de sentido
em sala de aula, permitindo haver uma melhor
negociação interativa entre professor e alunos.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 169

É nessa negociação interativa que os sentidos do texto vão


sendo construídos a partir da intervenção com os protocolos verbais.
Com os protocolos verbais, o professor oferece ao aluno
alguns subsídios, isto é, perguntas, orientações e encaminhamentos,
tendo por base habilidades de leitura consideradas relevantes pelo
professor naquela situação investigativa e interativo-discursiva.
As respostas dadas a essas habilidades podem vir seguidas de um
sorriso, de uma expressão de espanto, de movimentação de mãos, de
afirmação ou negação com a cabeça, dentre outras, que ampliem no
professor o entendimento de sua intervenção e revelem as estratégias
adotadas na compreensão leitora pelo aluno.
Por meio da permanente interação entre professor e aluno em
sala de aula e com o objetivo de entender como se dá o processo de
comunicação dos não verbais na enunciação, Knapp e Hall (1999, p.
13) propõem algumas questões fundamentais que contribuem para a
compreensão dos elementos não verbais nas relações interpessoais,
cotidianamente. São elas:

o que é comunicação não-verbal? Por que


é importante compreender esse tipo de
comportamento humano? Como funciona
o comportamento não-verbal em relação ao
comportamento verbal? Como a comunicação
não-verbal afeta o nosso dia-a-dia?.

Com base em Oliveira (2012) e em Knapp e Hall (1999),


os não verbais se diferenciam dos verbais porque se apresentam
diferentes no plano comunicativo, contudo o termo torna-se menos
preciso quando tem seus aspectos não verbais estudados em
profundidade. Assim sendo, Knapp e Hall (1999, p. 48) defendem
teoricamente que o termo em discussão se define como “todos os
eventos da comunicação humana que transcendem as palavras
170 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

escritas ou faladas”. Isso pressupõe que os estudos dos não verbais


não dispensam os verbais, sendo, pois, inseparáveis.
Na esfera da comunicação humana, interagir é uma atividade
essencial, quer seja por meio de elementos verbais, quer seja por meio
de elementos não verbais. A interação tanto nos textos orais, quanto nos
textos escritos que serão lidos revela, muitas vezes inconscientemente,
traços que corroboram ou contradizem com o que foi dito. Ou seja,
durante uma leitura, por exemplo, o leitor lê uma passagem do texto,
mas sua expressão facial, seus gestos podem conduzir o ouvinte a uma
outra compreensão leitora, que não a que vinha construindo, havendo,
pois, traços atrativos no comportamento do leitor. Nesse sentido,
Kerbrat-Orecchioni (1992 apud FERREIRO, 2005, p. 5):

evidencia a importância dos elementos não-


verbais para a leitura e interpretação dos verbais,
já que a sua interpretação esclarece, explica
e complementa as mensagens fornecidas pela
linguagem verbal.

Rector e Trinta (1985) apresentam uma estrutura da


comunicação dos não verbais: a paralinguagem, a cinésica e a
proxêmica. A paralinguagem configura-se como uma atividade de
comunicação não verbal que se associa ao comportamento verbal
numa atividade conversacional. De acordo com Santos (2004, p. 30),
a paralinguagem estuda “as entonações ascendentes e descendentes,
as pausas, que podem ser preenchidas (humm) e não preenchidas (o
silêncio é representado pelas reticências), o riso e o olhar”. Assim,
esta categoria reporta-se a uma série de atividades extralinguísticas,
que a ela estão associadas, pois a acompanham.
A cinésica é a categoria que trata das análises dos gestos e
movimentos corporais que transmitem informações numa atividade
conversacional. Assim, ela estuda, segundo Knapp e Hall (1999, p. 26),
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 171

“gestos, movimentos do corpo (membros, mãos, cabeça, pés e pernas),


expressões faciais (sorrisos), comportamento ocular (a direção e duração
do olhar, o piscar e a dilatação da pupila) e a postura”. Com isso, toda
expressão corporal e gestual implica a significação no contexto em que se
apresenta, pois “podemos dizer que a posição do corpo nas conversações,
sobretudo as assimétricas, têm uma leitura relativa ao lugar que os sujeitos
ocupam na esfera social [...]” (SANTOS, 2004, p. 31).
Quanto à proxêmica, relaciona-se ao estudo do espaço
(distância) entre os interlocutores numa interação face a face. De
acordo com Santos (2004, p. 31-32):

numa conversação, a distância entre os


interlocutores é um elemento indicativo
das relações comunicativas entre eles,
diferenciando-se de acordo com os objetivos
firmados nessa conversação.

Como exemplo, a autora discorre sobre a distância social e


a distância individual entre professor e alunos em sala de aula. No
primeiro, o professor mantém certa distância dos alunos, permanecendo
numa posição de autoridade, adotando uma imobilidade corporal;
no segundo, ao circular na sala, em meio aos alunos, o professor se
aproxima, interage e compartilha dos olhares dos alunos.
Essas categorias tornam a comunicação mais compreensível,
pois os interlocutores ampliam, por meio das entonações, gestos,
expressões corporais e distância, a construção de sentidos na
instauração da interação face a face. Neste trabalho, foram escolhidas
as três categorias para as análises dos não verbais na interação face
a face entre pesquisador e alunos. Para isso, os protocolos verbais,
enquanto gênero textual, concebem à comunicação elementos não
verbais que merecem ser estudados a fim de verificar a contribuição
desse procedimento na compreensão leitora.
172 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Pontuações sobre os protocolos verbais


A leitura implica a automatização dos processos de
decodificação, a atribuição de sentidos por meio da interação com
o texto e o acionamento de processos mentais mais sofisticados,
numa dimensão mais complexa, como as operações inferenciais
e intertextuais, por exemplo. Entretanto, as operações que ocorrem
na leitura requerem a utilização de atividades sistematizadas que
envolvam estratégias, técnicas ou procedimentos de leitura por
meio da mediação do professor, de modo a desenvolver no aluno a
compreensão leitora.
Para isso, o professor pode valer-se de procedimentos que
verifiquem os níveis de compreensão leitora dos alunos, apropriando-
se dos resultados, avaliando e analisando a situação geradora das
dificuldades e, consequentemente, intervir no processo de ensino
da leitura e da compreensão leitora na sala de aula. Dentre os
procedimentos, os protocolos verbais constituem-se uma importante
ferramenta de pesquisa, cuja finalidade é avaliar e investigar aquilo
que é pensado e exteriorizado pelo aluno, ou seja, o que ele entende
e como entende o texto na leitura. Tomitch (2007, p. 42) observa:

na área da leitura, os protocolos verbais têm sido


utilizados para investigar diferentes processos
cognitivos, tais como as inferências produzidas
pelo leitor na construção da representação
mental do texto [...].

Apesar de sua relevante contribuição para a investigação


dos processos de leitura, parece haver pouca divulgação desse
procedimento nos cursos de formação inicial de professores e nas
formações continuadas. Entretanto, há muitos estudos e pesquisas
nos cursos de pós-graduação nas áreas de educação e linguagem,
conforme verificam Silva, Morais e Silveira (2016).
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 173

Segundo Magalhães e Machado (2012), os protocolos verbais


são provenientes da teoria de solução de problemas, desenvolvida
por Newell e Simon, a partir de 1957. Com esse procedimento, “o
pesquisador pede ao sujeito que pense alto enquanto se desincumbe
de uma tarefa” (MAGALHÃES; MACHADO, 2012, p. 47). Nesse
sentido, buscava-se verificar de que forma esse sujeito pensava alto,
tendo como base uma atividade lógica. Para isso, as gravações e
transcrições das primeiras fitas ocorreram em 1957.
Os protocolos verbais como instrumento de avaliação e
verificação de leitura do aluno tornam-se necessários, visto a sua
iminente devolutiva, ao revelar as dificuldades e/ou os avanços dos
processos cognitivos da leitura de forma imediata, durante a mediação
do professor, além de mostrar como se dá o processamento das
informações na mente do aluno, durante ou após a leitura, sendo esta
por meio da prática silenciosa ou em voz alta. Os protocolos verbais
são de natureza oral, ou seja, independentemente da prática de leitura
utilizada, devem ocorrer sempre por meio da fala, da comunicação
oral, em voz alta, pois, consoante Leffa (1996, p. 80-81):

a análise de protocolos, aplicada à leitura,


consiste essencialmente numa entrevista feita
com o leitor, na gravação das respostas dadas e
análise detalhada dessas respostas. O objetivo é
descrever as estratégias usadas pelo leitor na sua
interação com o texto escrito.

Por se tratar de uma ferramenta que implica o oral, a


comunicação em voz alta, os protocolos verbais ainda fornecem
ao ouvinte, ao professor, outros elementos, além dos linguísticos,
ou seja, os recursos paralinguísticos: gestos, movimentos, pausas,
repetições, dentre outros, necessários à compreensão do texto. Ao
esboçar as reações gesto-visuais, o aluno possibilita ao ouvinte, ou
174 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

seja, ao professor, clarear alguns pontos que somente na leitura ou na


fala estavam, de alguma forma, obscuros à compreensão textual. Se a
ideia é falar sobre suas estratégias de leitura, não há como dispensar
a importância dos paralinguísticos para a construção de sentidos do
texto para o ouvinte, para o professor.

Tipos de protocolos verbais


Com base nos estudos de Cohen (1987), Tomitch (2007) e Dias
(2013) concordam haver três tipos de protocolos verbais: o autorrelatório,
a auto-observação e a autorrevelação. Esses protocolos são usados
para verificar as estratégias de leitura utilizadas pelos alunos-leitores.
O autorrelatório é um instrumento que tem como função descrever a
postura comportamental do aluno na leitura de textos, evidenciando seu
modo de agir durante uma situação qualquer de leitura. Esse instrumento,
segundo Tomitch (2007), pode ser utilizado em duas situações: para
avaliar os hábitos de leitura, assim como a percepção subjetiva do aluno
sobre a leitura; para coletar dados, de forma, diagnóstica, no início das
aulas, de modo ainda que essa situação permite ao professor elaborar um
plano de leitura que atenda às necessidades e aos interesses dos alunos.
Concernente à auto-observação, “refere-se à descrição que o
leitor faz de uma situação específica de leitura que acabou de fazer”
(TOMITCH, 2007, p. 43). Nesse instrumento, o foco principal de
verificação é a percepção do leitor em relação às estratégias que ele
desenvolveu em seu próprio processo de compreensão leitora numa
situação específica de leitura, visto que os dados sobre a leitura já não
estão na memória de trabalho do leitor. Esse tipo de protocolo verbal
é também chamado de retrospecção ou verbalização retrospectiva.
Na autorrevelação, também chamada de verbalização
coocorrente ou concorrente, o leitor utiliza-se de estratégias no
momento em que lê, o que difere dos dois últimos protocolos verbais.
Na autorrevelação, a concomitância é elemento imprescindível,
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 175

pois as informações ainda estão na memória de trabalho do leitor,


tornando o acesso às informações mais fidedignas. “Essa última
modalidade parece ser a que permite uma maior probabilidade de
acesso ao que possivelmente ocorre na mente do leitor durante a
leitura, isto é, o processo de leitura”, segundo Dias (2013, p. 51).

Os procedimentos metodológicos do trabalho


Tecidas as considerações teóricas que embasam este texto,
apresentar o delineamento teórico-metodológico que contribuiu
para a coleta, a interpretação, a análise e a apresentação dos
dados e dos resultados torna-se necessário para a compreensão
do processo investigativo. Nesse sentido, adotou-se a pesquisa
qualitativa, uma vez que visa à interpretação dos dados em
processo e não como um produto final. A pesquisa qualitativa,
segundo Moreira e Caleffe (2008, p. 73):

explora as características dos indivíduos e


cenários que não podem ser facilmente descritos
numericamente. O dado é frequentemente verbal
e é coletado pela observação, descrição, gravação.

Em vista disso, a leitura em voz alta sinaliza concepções


da Linguística Textual, quando enviesada por meio dos protocolos
verbais, considerando a relação sociointeracionista da linguagem
entre os interlocutores (pesquisador e alunos). As questões
configurativas dos protocolos relacionam-se às habilidades de
leitura propostas pelas matrizes de referências do Saeb (Sistema de
Avaliação da Educação Básica), que avalia alunos no eixo leitura, a
partir da compreensão de textos. A abordagem cognitiva da leitura
está presente em todo o processo das leituras realizadas pelos alunos
uma vez que, para isso, entraram em cena aspectos mentais, visuais,
operações cognitivas e metacognitivas.
176 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Em interface a essas concepções está a Análise da


Conversação, que contribuiu com as categorias referentes aos
elementos paralinguísticos presentes na linguagem oral no ato
dos protocolos verbais, pois, por meio deles, pode-se verificar a
importância dos não verbais na construção de sentidos do texto em
conjunto com os conhecimentos prévios do leitor.
Especificamente, os dados apresentados partiram, em princípio,
das leituras dos fichamentos dos textos lidos e que serviram de base
teórica para a fundamentação do texto e posteriormente as gravações
dos informantes lendo o miniconto “O retorno do Patinho Feio”. A
escolha desse texto/gênero deu-se por ser um exemplar curto, de fácil
acessibilidade aos informantes em termos de leitura e compreensão, o
que não significa dizer que as questões apresentam somente em níveis
simples, pois houve complexas também.
Para isso, foram selecionados quatro informantes que
sustentam o teste piloto de uma pesquisa mais ampla, uma tese de
doutorado. Para este capítulo, foram trazidos fragmentos de apenas
2 informantes. À medida que liam, eram questionados sobre algum
fragmento do texto (significado de palavras e expressões, distinção
entre fato e opinião), por meio do protocolo verbal, com o objetivo
de verificar a compreensão do texto.
Os informantes da pesquisa frequentavam uma escola pública
do município de São Sebastião, Alagoas. Estavam nos anos finais
do ensino fundamental, com idade entre 12 e 15 anos. Destaca-se
que eles tiveram acesso ao texto um dia antes das gravações, uma
vez que teriam de ler o miniconto em voz alta, o que pressupõe
leitura prévia e uma relação de intimidade com o texto. A leitura
em voz alta requer atenção maior que a leitura silenciosa, pois está
sujeita a fatores intervenientes físicos e emocionais que podem
dificultar a leitura e, consequentemente, a compreensão textual.
Com o corpus em mãos, passamos às seguintes etapas: a
transcrição desse corpus, a verificação de elementos não verbais
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 177

na leitura em voz alta e nos protocolos verbais, a análise desses


elementos e a apresentação dos resultados. Os fragmentos escolhidos
não foram aleatórios, porque havia a pretensão de verificar a
contribuição dos elementos não verbais na leitura e no protocolo
verbal para a compreensão do texto no leitor. Com isso, todas as
etapas concorreram para o processo de verificação e análise das
questões que norteiam o trabalho.

Coleta e tratamento dado aos resultados


A coleta dos dados constituiu-se de gravações em vídeo e áudio
das leituras em voz alta realizadas pelos informantes da pesquisa
durante os protocolos verbais mediados pelo pesquisador. Os dados
apresentaram elementos que contribuíram para a compreensão
leitora do texto, a partir da mediação do pesquisador e conforme
pontuaram os informantes quando questionados sobre a relevância
da leitura silenciosa e da leitura em voz alta antes, durante e após a
leitura do texto.
Presencialmente, a leitura em voz alta aconteceu sem a
intervenção do pesquisador, uma vez que os informantes já tinham
tido acesso ao texto um dia antes da coleta. Os protocolos verbais
ocorreram numa interação face a face em turnos simétricos,
com a presença de turnos assimétricos, principalmente nas falas
do pesquisador. Nesses turnos, foram observados elementos
paralinguísticos que serão analisados, a seguir, à luz das categorias
dos elementos não verbais. Assim sendo, serão apresentados e
analisados três fragmentos: o primeiro se refere à presença dos gestos
na transmissão vocal; o segundo focaliza, sob o viés da estrutura
da comunicação dos não verbais, os elementos paralinguísticos
nos protocolos verbais e, no terceiro, discute-se a importância dos
protocolos verbais para a compreensão do texto.
178 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Fragmento 1
Informante: o retorno do patinho feio Alfonso era o mais belo cisne do lago príncipe da::
de astúrias... ((balança a cabeça e movimenta o corpo)) todos os dias... ele contemplava
sua imagem refletida nas águas daquele chiquérrimo e exclusivo condomínio para aves
milionárias... mas Alfonso não se esquecia de sua origem humilde... pensar que... não faz
muito tempo... eu era conhecido como o patinho feio... um dia... ele sentiu saudades da
mãe dos irmãos e dos amiguinhos da escola... voou até a lagoa do quaquenhá... o pequeno
e barrento local de sua infância...
Fonte: corpus da pesquisa (2020)

No que se refere à leitura em voz alta, percebe-se que a voz


corporifica o texto escrito e traz para o ouvinte aspectos sensoriais
(audição e visualização dos espaços), emocionais (expectativas
criadas pelo ouvinte sobre o destino de Alfonso) e racionais
(momento de reflexão acerca da intertextualidade entre esse texto e
o texto original “O Patinho Feio”, ou sobre o sentimento de saudade,
ou ainda temas como preconceito e discriminação ocasionados
pelo texto). A leitura possibilita ainda que o ouvinte acesse suas
experiências em relação ao texto, reflita a contradição que veste a
personagem principal nos dois textos.
Para que uma leitura em voz alta faça sentido, sabe-se que é
necessário haver expressividade. No fragmento, embora entendível, a
leitura apresenta alguns elementos paralinguísticos, o que são comuns
durante a emissão sonora da leitura, se consideradas a exploração visual
do texto e a emissão vocal. A partir do contato visual, observa-se na
leitura do informante muitas pausas (astúrias..., dias..., milionárias...,
humilde...), provavelmente, sinalizando estratégias de leitura do trecho
a seguir para que não houvesse erro de decodificação.
Além disso, a intensidade e/ou a entonação presente no início
do nome “ALfonso” demonstra a ênfase dada, pelo informante, ao
iniciar a leitura, o que não é observado ao longo do fragmento.
Os gestos de movimentação corporal (cabeça e corpo) revelaram
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 179

inquietação (não nervosismo) durante a leitura, principalmente após


ter se confundido, trocando “de” por “da”, ao ler príncipe da:: de
astúrias... ((balança a cabeça e movimenta o corpo)). Convém
pontuar que o informante não olhou para o pesquisador enquanto
lia, demonstrando não ter domínio sobre o texto e deixando de usar
o olhar e a gestualidade durante a comunicação.
Com isso, verificou-se que a leitura em voz alta poderia
ter comunicado mais, poderia ter levado o leitor a movimentar-se
mais e fornecido mais elementos paralinguísticos ao ouvinte para
que a compreensão leitora fosse significativa. Além disso, as pausas
podem provocar, no ouvinte, insatisfação e lentidão na compreensão
do texto, quando a leitura não se apresenta fluente. As pausas não
puseram o informante numa condição de mau leitor; contudo, foram
entendidas como estratégias utilizadas por ele para ler fluentemente
o trecho que se seguia após a pausa.

Fragmento 2
Pesquisador: ((enquanto falo, ele ri, coça a cabeça e gesticula com as mãos)) muito bem
Eduardo você concluiu a leitura aí você reparou que algumas mudanças aconteceram na
vida de Alfonso ao longo do texto... você observou isso?
Informante: ((gesto afirmativo com a cabeça))
Pesquisador: quais mudanças... foram?
Informante: ((sorrindo e contando as mudanças nos dedos)) antes ele morava num lugar
chique... bonito depois disso... ele era lindo também... tinha tudo que ele queria... aí depois
que ele foi pra esse lugar ele começou a morar num lugar feio né?
Pesquisador: que era o local dele de infân::cia
Informante: [é::]
Informante: quaquenhá... virou feio... ninguém queria queria não (sorrindo e movimentando
o corpo) só só a pata né? queria ele e teve muita mudança nele
Fonte: corpus da pesquisa (2020).

No fragmento, o protocolo verbal forneceu, na interação face


a face, a visualização de elementos não verbais que reforçaram o
entendimento do texto, pois quando não houve a fala, houve o gesto,
180 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

que desempenhava semelhante função na comunicação, sendo que, em


outros eventos comunicativos, fala e gestos uniam-se com a mesma
intenção e finalidade. Nesse sentido, o protocolo teve como função
apresentar a percepção subjetiva do informante sobre a leitura, numa
perspectiva de auto-observação, visto que o informante esboçou uma
descrição das estratégias utilizadas por ele no processo de compreensão
leitora. Essas estratégias foram de ordens linguística e paralinguística.
Ao considerar a categoria da paralinguagem, o informante
apresentou pausas não preenchidas (chique... bonito depois disso...
ele era lindo também... tinha tudo que ele queria... aí), assim como
riso, tanto na fala dele quanto na fala do pesquisador (((enquanto
falo ele, ri, coça a cabeça e gesticula com as mãos))). Em relação à
cinésica, a transmissão das informações se deu por meio de ((gesto
afirmativo com a cabeça)), ao confirmar que já tinha observado as
mudanças na vida de Alfonso; por meio de ((sorrindo e contando as
mudanças nos dedos)), reforçando o que falava, ou seja, os gestos
com os dedos representavam o movimento de mudança na vida do
cisne. Durante todo o protocolo, ele respondia às questões sorrindo,
demonstrando satisfação diante do que fazia, o que pode ser entendido
também como um gesto de cortesia. Com base nessa categoria, os
gestos implicaram a significação do contexto, contribuindo para
que o ouvinte pudesse ampliar suas estratégias de compreensão
não só por meio da audição, mas também pela visão. Em termos de
proxêmica, a distância se deu de maneira aproximada, com interação
e contato visual próximos, aproximando pesquisador e informante.
Essas categorias não apenas complementam a fala, mas
desempenham, muitas vezes e com bastante frequência, a função que
a fala possui – comunicar. Para responder algo afirmativamente, não
é necessário um sim falado, mas um gesto balançando a cabeça para
cima e para baixo já comunica. Juntas, elas tornam a comunicação
mais compreensível, sobretudo, quando se trata dessas categorias em
protocolos verbais de leitura.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 181

Fragmento 3
Pesquisador: é:: Luan mas aí eu vou te pergun/... fazer só mais uma pergunta que é a
ques/... você teve acesso ao ao texto né? um dia antes teve acesso ao texto ontem você
leu você compreendeu para você foi mais fácil compreender o texto... a partir da leitura
que você fez silenciosa em casa ou a partir dessa leitura em voz alta e a partir dessa nossa
interação?
Informante: a par/... pela leitura em voz alta ((bate com o dedo na folha)) pois você meio
que me questionava então eu pensava ((gesto com os dedos como se estivesse escrevendo))
então eu compreendia ((movimento circulatório com a mão)) o texto entendeu?
Pesquisador: a aí no caso há um engajamento uma interação a partir daquilo que eu ia
colocando pra você como questões
Informante: certo ((balanço afirmativo com a cabeça))
Pesquisador: muito bem Luan

Fonte: corpus da pesquisa (2020)

Nesse caso específico, a discussão do fragmento é sobre


a contribuição da leitura em voz alta na compreensão do texto
lido. Observa-se que o informante é enfático ao afirmar que essa
prática de leitura é melhor (a par/... pela leitura em voz alta ((bate
com o dedo na folha)) pois você meio que me questionava então
eu pensava ((gesto com os dedos como se estivesse escrevendo))
então eu compreendia ((movimento circulatório com a mão)) o
texto entendeu?), já que o pesquisador o questionava e isso o fazia
pensar e compreender melhor o texto. Ele concorda também que o
engajamento e a interação são importantes nesse tipo de estratégia.
Os elementos não verbais também concorrem para a
afirmação do informante quando ((bate com o dedo na folha)),
como se quisesse dizer que aquela leitura, ou seja, a que acabou de
fazer, confirmando-a. Em ((gesto com os dedos como se estivesse
escrevendo)), é uma forma de dizer que o pensar pode ser oralizado
e isso também serve para a escrita, pois muitas pessoas falam o que
pensam antes de escrever. Além disso, o gesto ((balanço afirmativo
com a cabeça)) confirma a fala do informante (certo), quando
182 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

concorda com o pesquisador sobre o engajamento e a interação que


a leitura em voz alta propicia a ele a compreensão do texto lido.
De modo geral, os elementos não verbais nos protocolos, a partir
da leitura em voz alta, conduziram o leitor a compreender melhor o texto,
assim como permitiram um entendimento significativo ao ouvinte na
comunicação face a face. Nesse sentido, a mediação opera no plano da
oralidade como um procedimento necessário para o desenvolvimento
de atividades de leitura e de oralidade em sala de aula.

Considerações finais
Sendo a leitura uma atividade reveladora das informações
contidas no texto, analisá-las pressupõe a intervenção de procedimentos
que permitem ao leitor e ao seu ouvinte o engajamento e a interação
necessários à construção do conhecimento de sentidos do texto. À
vista disso, os protocolos verbais subsidiaram significativamente as
atividades mediadas pelo pesquisador durante a leitura em voz alta
realizada pelos informantes (alunos). Para eles, a mediação ajudou a
pensar e compreender o texto.
Ainda nesse procedimento, foi observado que os informantes
apresentaram, enquanto respondiam às questões acerca do texto,
elementos não verbais da comunicação em duas categorias, as
quais apresentaram gestos faciais, corporais e outras condições
como as pausas.
Nessa perspectiva, este texto sinaliza considerações
relevantes para o desenvolvimento de atividades em sala de aula que
atentem para os estudos dos elementos não verbais e sua função na
interação face a face, que se fazem presentes nos protocolos verbais,
de modo, ainda, a ampliar a compreensão na leitura em voz alta.
Posto isso, essa prática de leitura pressupõe uma leitura lenta, uma
vez que o leitor concentra grande parte da atenção na decodificação
das palavras, mesmo as tendo automatizadas.
UM ESTUDO DA ARGUMENTAÇÃO
QUASE LÓGICA NO GÊNERO
DISCURSO DE SALA DE AULA
Jonnas Nichollas de Lima Costa
Max Silva da Rocha

Introdução
Estudar a Retórica é procurar entender como um discurso
é capaz de ser dotado de aspectos persuasivos organizados
estrategicamente com o objetivo de conseguir fazer alguém crer em
determinada proposição. A partir desse entendimento, este trabalho,
inserido nos postulados teórico-metodológicos da Nova Retórica,
tem por objetivo principal estudar os argumentos quase lógicos
presentes no gênero discurso de sala de aula a fim de verificar como
os retores tentam persuadir o auditório social (alunos).
O trabalho fundamenta-se numa perspectiva de análise retórica,
cujo embasamento se dá com o estudo dos argumentos quase lógicos
presentes no gênero discurso de sala de aula, procurando reconhecer
o teor persuasivo a partir do uso dos argumentos. Acredita-se que, a
partir das análises realizadas, será possível entender como os retores
(professores) conseguem persuadir o auditório social (alunos), bem
como constatar os encadeamentos argumentativos no discurso retórico.
Nesse sentido, mesmo havendo vários trabalhos de cunho
retórico que analisaram gêneros textuais, inclusive o discurso de
184 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

sala de aula (SANTOS, 1999), defende-se que este estudo promove


uma contribuição a mais no sentido de analisar um material de aulas
oriundo de disciplinas ministradas em cursos de nível superior da
Universidade Federal de Alagoas – UFAL21.
Para a consecução deste estudo, alguns aspectos precisaram
ser definidos e esclarecidos. O primeiro deles diz respeito aos
próprios métodos utilizados, pois este estudo seguiu os postulados
da pesquisa de abordagem qualitativa, por meio da qual é possível
estudar os dados de maneira processual e dinâmica. Este trabalho
embasa-se em Abreu (2009), Aristóteles (2011), Fiorin (2015),
Marcuschi (2010; 2008), Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958]
2014), Reboul (1998), entre outros.
O segundo refere-se ao embasamento da Teoria Retórica, tendo
em vista que, embora haja quatro grandes grupos de argumento, este
trabalho se detém em analisar apenas os argumentos quase lógicos,
definidos e classificados conforme o agrupamento da Nova Retórica
de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2014). Os argumentos,
sejam eles quais forem, são mecanismos, elementos de natureza
discursiva, que tornam os discursos persuasivos. Compreendê-los no
gênero discurso de sala de aula é a grande tarefa desta investigação.
Para o cumprimento do trabalho, alguns questionamentos
norteadores foram feitos: a) por que o gênero discurso de sala de
aula é um gênero que tem como função principal persuadir? b) quais
argumentos quase lógicos são utilizados pelos retores para engatilhar/
criar o fenômeno da persuasão no gênero destacado? Assim, a busca
constante pelas respostas motivou a realização desta investigação.
O trabalho está dividido em alguns pontos: o primeiro
tece reflexões sobre os aspectos históricos da Retórica; o segundo
aborda o gênero discurso de sala de aula; o terceiro discorre acerca

Os fragmentos analisados neste trabalho fazem parte do corpus de pesquisa de


21

doutorado de Santos (1999), na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.


ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 185

da conceituação dos argumentos quase lógicos, bem como dos


outros argumentos a ele pertencentes; o quarto destaca os aspectos
metodológicos do trabalho, enfatizando o passo a passo para que
fosse possível a realização desta investigação. Como principal ponto,
têm-se os momentos de análises com a aplicação dos postulados
teóricos aos dados selecionados; e, por fim, as considerações finais
e as referências.

Aspectos históricos da Retórica


De acordo com Reboul (1998), a Retórica é anterior a
sua própria história e não é possível conceber o tempo exato ou
aproximado que o homem utilizou a linguagem pela primeira vez
a fim de persuadir alguém. Segundo o referido autor, “a Retórica
é anterior à sua história, e mesmo a qualquer história, pois é
inconcebível que os homens não tenham utilizado a linguagem para
persuadir” (REBOUL, 1998, p. 1). Mesmo assim, compreende-se
que a presença acentuada da Retórica apareceu decisivamente nos
debates e na justiça da Grécia Antiga, por meios tribunais da época.
Segundo Reboul (1998), a origem da Retórica foi na Sicília
e o seu direcionamento estava na justiça, pois foi por meio da
necessidade de defender causas, conflitos etc. que ela surgiu. Por
meio da Retórica, os debates eram resolvidos judicialmente, nos
famosos tribunais gregos. Assim, “a retórica não nasceu em Atenas,
mas na Sicília grega por volta de 465, após a expulsão dos tiranos.
E sua origem não é literária, mas judiciária” (REBOUL, 1998, p. 2).
Compreende-se que a Retórica servia como uma arte e/
ou técnica que se prestava de forma eficaz para que os cidadãos
procurassem professores que ensinassem a argumentar perante o
tribunal. Muitas pessoas tiveram terras tomadas por usurpadores do
poder. Após a queda dos poderes opressores, as terras que outrora
foram roubadas passaram a ser devolvidas por meio de sessões nos
186 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

tribunais. No entanto, era preciso que os donos das terras soubessem


argumentar para defender a respectiva propriedade e, a partir disso,
surgiu a necessidade de saber utilizar as estratégias persuasivas para
convencer e persuadir.
Mesmo antes da história, por volta dos séculos IV e V, os
homens falavam, expunham seus argumentos a fim de construir uma
emoção nos ouvintes, mas era necessário dar nome a essa habilidade
de persuadir um público, por isso, Reboul (1998, p. XIV) propõe
a seguinte definição: “Retórica é a arte de persuadir o outro pelo
discurso”. A Retórica não diz respeito apenas a uma técnica em
que os oradores têm unicamente o objetivo de ganhar pessoas com
seus argumentos, ao contrário disso, ela é bem maior do que todos
imaginam, ela toca na emoção, nos sentimentos do auditório.
Reboul (1998) assegura quem são os criadores da Retórica.
Nas palavras do autor, “de qualquer forma, pode-se dizer que os
sofistas criaram a Retórica como arte do discurso persuasivo, objeto
de um ensino sistemático e global que se fundava numa visão de
mundo” (REBOUL, 1998, p. 9). Nesse sentido, falar de discurso
persuasivo, bem construído para o público é algo que somente os
retores praticavam com eficácia. Eles sabiam que era por meio do
discurso retórico que iam obter sucesso durante uma argumentação.
O logos, ou seja, o discurso era proferido de maneira estratégica,
visando conseguir persuadir todos que estivessem presentes no
momento da argumentação.
Para proferir o discurso retórico, é necessário que o retor
demonstre habilidades, aspectos imprescindíveis para efetivar uma
argumentação retórica. As habilidades podem ser: a entonação da
voz, o uso de mídias que chamem a atenção do público, músicas,
vestimentas, postura corporal, a gesticulação correta e aparência
são fatores que contribuem para uma boa argumentação e para a
construção de um orador digno de confiança.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 187

Assim, a Retórica fornece meios para que a persuasão seja


criada e/ou efetivada por meio do discurso. Se um retor souber
utilizar as artimanhas persuasivas provindas da Retórica poderá,
possivelmente, conseguir convencer e persuadir a quem desejar.

O gênero discurso de sala de aula


De acordo com Marcuschi (2008, p. 147-8), a noção de
gênero provém de Aristóteles (2011), em que este, na obra Retórica,
classifica o gênero em três características: discurso deliberativo, que
tem a função de aconselhar ou desaconselhar; discurso judiciário,
que serve para acusação, defesa e reflexão sobre os fatos passados;
e, por fim, o discurso demonstrativo, que é utilizado para elogio ou
censura, expresso em tempo presente.
O discurso de sala de aula proferido por professores é
construído a fim de explicar, definir e transmitir os assuntos
significativos do currículo da área estudada, procurando fazer uma
mediação do conhecimento. Além desses caracteres, é importante
ressaltar que se trata de um gênero fundamentado no argumento de
autoridade, tendo em vista que o professor é o que domina a fala
e os alunos são aqueles que ouvem, podendo se manifestar apenas
quando convocados pelo professor.
Em seu trabalho de doutoramento, Santos (1999) estudou
como se dá a relação entre professor e aluno por meio do gênero
discurso de sala de aula. A autora recorre aos Estudos Conversacionais
e Críticos do Discurso para entender as relações de poder. Nesse
sentido, ela afirma:

o discurso de sala de aula, caracterizado, com


frequência, como autoritário, apresenta, muitas
vezes, o professor como agente exclusivo e
direcionador do saber, além de responsável pelo
controle da interação (SANTOS, 1999, p. 7).
188 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Na elaboração do discurso de sala de aula, tanto o professor quanto


o aluno devem construí-lo de acordo com fatores socialmente ligados às
vivências de cada um, para que não desviem o foco de suas falas. Desse
modo, Santos (1999, p. 11) assegura que “o discurso de sala de aula é
constituído socialmente na interação entre o professor e alunos”.
Levar em consideração os aspectos sociais, econômicos,
políticos, históricos etc. dos próprios alunos e estudá-los em sala
de aula pode possibilitar um melhor entendimento da situação, do
contexto em que alunos e professores estão inseridos cotidianamente.
Santos (1999, p. 12) ratifica:

a escola é o espaço em que acontecem as


interações entre professor e aluno. É uma
instituição influenciada ideologicamente pelas
relações sociais, ou seja, pelas relações de poder
na sociedade em que está inserida.

Diante disso, o gênero discurso de sala de aula é dotado de


elementos da própria linguagem, bem como da prática social. O
estudo do gênero discurso de sala de aula possibilita um olhar crítico
para as interações entre professor e aluno, além de contribuir com
o entendimento mais apurado dos elementos persuasivos presentes
no referido gênero escolar. Por esses e outros motivos, escolheu-se
o discurso de sala de aula como objeto de análise deste trabalho.

Considerações acerca dos argumentos quase lógicos


Este trabalho se propõe a estudar apenas os argumentos quase
lógicos e isso acontece pelo fato de esses argumentos organizarem
o acontecimento persuasivo do gênero discurso de sala de aula.
Embora haja as outras tipologias, não se fará menção a elas. A
argumentação retórica está fundamentada nas técnicas que servem
para persuadir e convencer alguém sobre uma determinada questão.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 189

A isso inserem-se os argumentos quase lógicos como recursos


disponíveis para que qualquer retor possa utilizar em momentos de
necessidade argumentativa.
O nome “quase lógico” remete ao entendimento de que
esta tipologia dos argumentos se fundamenta no raciocínio lógico,
formal. No entanto, o que acontece é uma aparência, pois os
argumentos quase lógicos podem ser refutados assim como os
outros argumentos. Assim, raciocínio lógico e argumentação quase
lógica são coisas diferentes. Mesmo havendo outros autores que
tratem dos argumentos quase lógicos, este trabalho toma o conceito
de Fiorin (2015, p. 116), quando define que “os argumentos quase
lógicos são os que lembram a estrutura de um raciocínio lógico,
mas suas conclusões não são logicamente necessárias”.
A ideia transmitida é a de que o campo dos argumentos quase
lógicos não é o mesmo da lógica, mas apenas de uma suposta aparência
de logicidade que autoriza o pensamento de uma argumentação
irrefutável. Os argumentos quase lógicos se prestam aos mais
diversos fins persuasivos. Diante disso, Fiorin (2015, p. 116) ressalta
que o uso de argumentos quase lógicos não é uma particularidade
de pessoas que não conseguem raciocinar de forma lógica. “É um
argumento de que nos valemos todos quando falamos de coisas
possíveis, plausíveis, prováveis, mas que não são necessárias do
ponto de vista lógico”. Na maioria das vezes, a argumentação quase
lógica é colocada quando quem a utiliza acredita que o discurso é
incontestável, plausível.
No bojo dos argumentos quase lógicos aparecem ramificações,
ou seja, outros argumentos derivados. São eles: definição, inclusão,
autofagia, divisão, comparação, regra de justiça. Há outros, mas
esses mencionados são os que apareceram de forma acentuada nas
análises. Como este trabalho estuda o uso dos argumentos quase
lógicos no discurso de sala de aula, é importante explicar cada
argumento mencionado.
190 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

O argumento da definição é fundamentado no princípio da


identidade, tendo em vista que não há uma única maneira de definir
um determinado objeto. Desse modo, “definir é estabelecer uma
relação de equivalência que visa a dar sentido a um dado termo”
(FIORIN, 2015, p. 118).
O argumento da comparação diz respeito ao modo como as
coisas são aproximadas, havendo aí relações de semelhanças. Por
isso, uma maneira de definir é aproximar ou

diferenciar um objeto de outros. Quando se


faz comparações, não se toma o objeto em si,
expondo suas características ou suas funções,
mas se escolhe outro objeto mais conhecido e se
fazem aproximações entre eles (FIORIN, 2015,
p. 122).

O argumento da inclusão acontece quando as partes de


um todo são concatenadas para reconstruir o elemento principal.
Nesse sentido, “quando se considera que uma parte tem as mesmas
características do todo, ou seja, o que vale para o todo vale para as
partes” (FIORIN, 2015, p. 128).
O argumento da divisão, ao contrário da inclusão, é aquele que
visa decompor o todo em suas partes, a fim de melhor compreendê-
lo em suas especificidades. Então, “a parte não é a fração de um
conjunto, mas símbolo dele, ou ainda, mais precisamente, é
equivalente ao todo, representa-o” (FIORIN, 2015, p. 128).
O argumento da autofagia é fundado no princípio da não
contradição. Ele refere-se à incompatibilidade. “A palavra autofagia quer
dizer ‘que se devora a si mesma’, ou seja, que ela se autodestrói, porque
faz surgir uma incoerência num argumento” (FIORIN, 2015, p. 141).
Todos esses argumentos quase lógicos foram utilizados
pelos retores (professores) com o objetivo de persuadir o
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 191

auditório (alunos). Provavelmente, sem o uso desses argumentos,


o gênero discurso de sala de aula não estaria classificado entre os
de natureza persuasiva.

Os aspectos metodológicos do estudo


Este tópico aborda os princípios norteadores da pesquisa
de abordagem qualitativa, visto que trabalha com as informações
de modo processual, dando ênfase aos processos pelos quais os
dados foram selecionados e analisados. Assim,

na pesquisa qualitativa, de forma muito


geral, segue-se a mesma rota ao realizar uma
investigação. Isto é, existe uma escolha de um
assunto ou problema, uma coleta e análise de
informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 131).

O assunto deste trabalho é o discurso de sala de aula e os


argumentos quase lógicos que organizam esse gênero; a aquisição
do corpus foi obtida por meio do material analítico encontrado em
Santos (1999). Logo depois, foram retirados dois fragmentos das
aulas que já estavam transcritos; as análises seguiram a linha de
análise retórica, conforme Ferreira (2010), Santos (2018), Fiorin
(2015), entre outros autores.
Para a realização deste trabalho, alguns passos foram
imprescindíveis como: a) leitura e fichamentos dos estudos
retóricos; b) seleção dos fragmentos do corpus de Santos (1999);
c) reconhecimento dos argumentos quase lógicos nos fragmentos
selecionados; d) análise e interpretação da presença dos argumentos
quase lógicos no discurso de sala de aula; e e) apresentação dos
resultados por meio deste trabalho. O universo da pesquisa é o espaço
de sala de aula e os atores sociais são os professores e os alunos.
192 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Momento de análise 1
Este primeiro momento de análise faz parte do discurso de
sala de aula datado de 08/04/1994. A aula foi de leitura e produção
de textos no curso de História, no departamento de Letras da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), ocasião quando um dos
informantes caracterizado anonimamente por L2 faz uma crítica
ferrenha ao modo como a leitura estava sendo tratada no fim da
década de 1990. Verifica-se isso no fragmento a seguir:

L2 aos observadores ingênuos... aqueles que não enxergam nem um palmo diante do nariz... as
nossas crianças e jovens não leem porque a imagem da televisão está aí... fazendo com que o
código escrito se torne obsoleto e antiquado... outros mais radicalmente inocentes entre aspas
dizem que... o brasileiro não é muito afeito à leitura... por problemas raciais e climáticos ou
por falta de tradição... tais argumentos... dentro dessa ótica recorrente e superficial... levam a
pensar que a crise da leitura será solucionada quando... coisinhas miúdas... forem devidamente
corrigidas... nessa perspectiva... as coi/coisas graúdas isto é... aqueles fatores mais relevantes e
pertinentes... da sociedade e educação brasileira não recebem a mínima consideração...
Fonte: Santos (1999)

É possível observar no fragmento em análise que o aluno


L2 elabora uma crítica ferrenha aos que dizem que a televisão é
um dos principais meios que prejudicam o hábito da leitura. Nesse
sentido, conforme o entendimento transmitido pela ideia de L2, para
os ingênuos, basta tirar a televisão das crianças e jovens que eles
vão ter gosto e afeição pela leitura. Neste primeiro momento de
análise, percebe-se a utilização do argumento da definição, quando
o informante afirma: “aos observadores ingênuos... aqueles que não
enxergam nem um palmo diante do nariz...”. Ou seja, o informante
define os críticos como sendo apenas simples observadores ingênuos.
Em seguida, é possível identificar que L2 recorre ao
argumento da inclusão das partes no todo, quando se diz: “as nossas
crianças e jovens não leem porque a imagem da televisão está aí...
fazendo com que o código escrito se torne obsoleto e antiquado...”. O
informante começa argumentando a partir das crianças, passa pelos
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 193

jovens e, de forma implícita, chega ao todo, que são todas as pessoas


que estudam. O argumento encadeado não aparece por acaso, mas
objetivando ganhar a adesão do auditório.
Evidencia-se, também, a presença do argumento da autofagia,
pois relaciona-se com o sentido de conflito, tensão, em que há uma
incoerência na argumentação. É possível ver esse argumento quando
o informante ressalta: “as nossas crianças e jovens não leem porque a
imagem da televisão está aí... fazendo com que o código escrito se torne
obsoleto e antiquado...”. O excerto destacado se destrói por si mesmo,
pois não é consensual que a televisão consiga impedir o desenvolvimento
da leitura e ainda tornar a escrita algo sem relevância e utilidade.
Depois, verifica-se novamente o uso do argumento da
autofagia, com vistas a mostrar mais uma vez o sentido de incoerência
na seguinte sequência argumentativa: “outros mais radicalmente
inocentes entre aspas dizem que... o brasileiro não é muito afeito à
leitura... por problemas raciais e climáticos ou por falta de tradição...”.
O argumento se destrói pelos seguintes motivos apresentados: ao dizer
que o brasileiro não é muito afeito à leitura; por dizer que problemas
raciais e climáticos colaboram com o gosto da leitura; e, por último,
por afirmar que a tradição diz que o brasileiro não gosta de ler. Não há
provas acerca desse posicionamento no discurso, por isso esses pontos
não estão comprovados, razão por que é uma autofagia.
No final do fragmento analisado, o informante traz, ao seu
modo de pensar, possíveis caminhos para que os problemas que
afetam a leitura possam ser solucionados, quando frisa: “a crise
da leitura será solucionada quando... coisinhas miúdas... forem
devidamente corrigidas... nessa perspectiva... as coi/coisas graúdas
isto é... aqueles fatores mais relevantes e pertinentes... da sociedade
e educação brasileira não recebem a mínima consideração”.
Na fala do retor, verifica-se a presença do argumento da
inclusão das partes no todo. Quando se diz que “coisinhas miúdas”
serão corrigidas, está-se falando da televisão, dos problemas raciais,
194 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

climáticos, tradicionais, entre outros, que já foram ditos. Assim, o


todo se caracteriza por ser o entrave do gosto pela leitura e as partes
são os outros aspectos que impedem a leitura.
O retor também argumenta no mesmo excerto: “as coi/coisas
graúdas isto é... aqueles fatores mais relevantes e pertinentes...
da sociedade e educação brasileira não recebem a mínima
consideração”. Nesse momento, o retor promove uma definição do
que seriam as coisas graúdas. Segundo ele, seriam: “aqueles fatores
mais relevantes e pertinentes... da sociedade e educação brasileira”.
Mais uma vez, o argumento da definição foi utilizado a fim de tentar
persuadir aqueles que ouviam o discurso.

Momento de análise 2
Este segundo momento de análise diz respeito a uma aula
ministrada para o curso de Letras, na disciplina prática de ensino
de inglês, no departamento de métodos e técnicas em educação
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). A aquisição deste
material foi realizada em 08/04/1994. A terminologia L1 refere-se à
professora e L3, ao aluno. Eis o fragmento a seguir:

L1 sim mas o que seria metodologia?


L3 uma forma...
L1 uma forma... uma maneira
L3 uma maneira... um caminho
L1 caminho... isso... um caminho método é justamente isso é um caminho... um caminho
pra ‘cê chegar a alguns fins... tá certo? ((vozes)) pois é... é a a o método é justamente
esse...a a definição melhor seria essa... o conceito melhor seria esse... um método realmente
são caminhos que são tomados visando à consecução de alguns fins... pra ser pra ser
realmente cientificamente um método... é preciso que você tenha traçado um percurso
cientificamente testado provado e prove-se econômico... a razão de ser do método é isso é
se chegar a determinados fins sem... é de alguma forma mais econômica possível num é?
[...]
L1 num é? método um método dois... técnica a técnica b num é? a: por exemplo... o método a
abordagem estrutural gerou vários métodos... gerou o método audiolingual... o audiovisual... o
audiovisual lingual... entendeu? A abordagem comunicativa gerou o a a:... o inglês instrumental
que é um método gerou o método funcional... num é? E a abordagem tradicional gerou o
método da leitura... da tradução... o método gramatical... num é?... ((ruídos))
Fonte: Santos (1999)
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 195

De início, a professora do curso de inglês pergunta para um


aluno o que seria metodologia. A partir do questionamento, é possível
observar as tentativas do aluno em responder ao que foi solicitado
pela docente. Para proceder às respostas, o discente utilizou-se do
argumento da definição, ao dizer primeiramente que a metodologia é
“uma forma”; secundariamente, ele diz que se trata de “um caminho”.
Entre as opções ditas pelo aluno, a professora confirma a
última: “L1 caminho... isso... um caminho método é justamente isso
é um caminho... um caminho pra ‘cê chegar a alguns fins... tá certo?
((vozes)) pois é... é a a o método é justamente esse...a a definição
melhor seria essa... o conceito melhor seria esse...”. Logo, por meio
do argumento da definição, estabelecem-se as relações entre os
retores (a professora e o aluno).
Em seguida, a professora ajuda o aluno na resposta sobre o
que seria a metodologia. A docente define o que perguntou ao aluno:
“um método realmente são caminhos que são tomados visando à
consecução de alguns fins...”. O argumento da definição foi utilizado
para responder à indagação anteriormente feita. Talvez, se outro
argumento tivesse sido colocado não teria efeitos tão persuasivos
quanto o da definição. Nesse sentido, o uso do argumento é estratégico
e, sobretudo, retórico.
Durante a explicação da professora, não só o argumento da
definição é evocado para confirmar a ideia postulada. É possível
observar a presença do argumento a regra de justiça, no momento em
que se diz: “pra ser pra ser realmente cientificamente um método... é
preciso que você tenha traçado um percurso cientificamente testado
provado e prove-se econômico... a razão de ser do método é isso é se
chegar a determinados fins sem... é de alguma forma mais econômica
possível num é?”.
Pode-se entender que qualquer categoria que seja classificada
como método necessita, obrigatoriamente, da comprovação
196 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

científica. Seria injusto, nesses termos, se apenas o método não


fosse comprovado pela ciência, tendo em vista que outras categorias
como pesquisa, teses, abordagens, teorias, entre outras, precisam de
comprovações por meio da ciência. É nesse princípio em que se dá o
uso do argumento a regra de justiça no trecho destacado.
No fim do discurso, observa-se a presença do argumento a
divisão do todo em suas partes: “L1 [...] a abordagem estrutural gerou
vários métodos... gerou o método audiolingual... o audiovisual... o
audiovisual lingual... entendeu? A abordagem comunicativa gerou
o a a:... o inglês instrumental que é um método gerou o método
funcional... num é? E a abordagem tradicional gerou o método da
leitura... da tradução... o método gramatical... num é?... ((ruídos))”.
No primeiro momento, o argumento da divisão acontece quando a
professora divide a abordagem estrutural em vários métodos, e os
métodos foram gerando outras partes, mas ligadas ao todo.
No segundo momento, a professora divide a abordagem
comunicativa, afirmando que o inglês instrumental, na condição
de método, gerou outros, mas também ligados ao todo. No
terceiro e último momento, conforme o relato da professora, a
abordagem tradicional gerou o método da leitura e esse, por sua
vez, gerou outros métodos, que também estão ligados ao todo.
Portanto, a fala da docente está fundamentada no argumento da
divisão do todo e suas partes e é por meio desse argumento que se
dá a construção argumentativa.

A discussão dos resultados alcançados


O quadro a seguir ilustra como os argumentos quase lógicos
estão dispostos no discurso de sala de aula. O professor, a todo
o momento, recorreu a essa tipologia para persuadir os alunos e
estabelecer a dominação (assimetria) do discurso em detrimento
aos discentes.
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 197

CATEGORIA ENCONTRADA TIPOS


Definição (4)
Inclusão das partes no todo (1)
ARGUMENTOS QUASE LÓGICOS Autofagia (2)
Divisão do todo em suas partes (1)
Regra de justiça (1)
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo

Pela síntese ilustrada no quadro, é possível perceber que


os retores (professores) recorreram à argumentação quase lógica
no discurso de sala de aula. Além disso, atesta-se que, entre todos
os argumentos quase lógicos teorizados por Fiorin (2015), os que
apareceram foram: definição (quatro vezes), inclusão das partes no
todo (uma vez), autofagia (duas vezes), divisão do todo em suas
partes (uma vez), e regra de justiça (uma vez).
Notou-se que o argumento da definição foi o mais recorrente
nos dois momentos de análise. Isso autoriza a dizer que, nos
fragmentos analisados, o argumento de definição é o que engatilha
as tentativas de persuasão. Em segundo lugar, apareceu o argumento
da autofagia, evidenciando contradições, incompatibilidades; e, por
fim, os demais argumentos quase lógicos. Diante dos resultados,
confirma-se o entendimento prévio de que o gênero discurso de sala
de aula possui aspectos retóricos que servem para persuadir.

Considerações finais
Este trabalho buscou estudar os argumentos quase lógicos
no gênero discurso de sala aula. Ao observar o caminho dos
estudos retóricos, foi possível perceber que os retores utilizaram
a argumentação quase lógica (argumentos da definição, a divisão
e a inclusão, autofagia, entre outros) para persuadir o auditório
particular (alunos/as).
198 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Assim, por meio da Retórica, foi possível utilizar subsídios


teórico-analíticos condizentes com os métodos empreendidos para
estudar um gênero na modalidade de língua oral, no contexto de sala
de aula. Embora haja outras categorias retóricas (funções, lugares,
sistema, figuras, tríade, entre outras), estudaram-se os argumentos
quase lógicos pelo fato de eles aparecerem de forma acentuada nos
fragmentos selecionados.
Os resultados só foram possíveis porque alguns passos
nortearam todo o estudo: a) leituras e fichamentos dos estudos
retóricos; b) seleção do corpus para ser estudado de acordo com
a teoria retórica; c) análise dos momentos retóricos escolhidos.
Mesmo o corpus já tendo sido apreciado em outras perspectivas
(SANTOS, 1999), acredita-se que o olhar retórico, com destaque
para os argumentos quase lógicos, é uma novidade, tendo em
vista que mostrou como esses argumentos estão dispostos no
gênero destacado.
Este trabalho apresentou ponderações acerca da historicidade
da Retórica e focalizou a Nova Retórica, com destaque para a
tipologia dos argumentos quase lógicos no discurso de sala de
aula, explicando como eles atuam no referido gênero. Com relação
à análise, ela serviu para que os objetivos do trabalho fossem
alcançados, pois respondeu aos questionamentos levantados: a) por
que o gênero discurso de sala de aula é um gênero que tem como
função principal persuadir? b) quais argumentos quase lógicos são
utilizados pelo professor para engatilhar o fenômeno da persuasão
no citado gênero? Além disso, mostrou a relevância dos Estudos
Retóricos para a análise do discurso do professor em sala de aula,
tendo em vista o uso dos argumentos quase lógicos. Nesse sentido,
os argumentos encontrados mostram como acontecem as pretensões
persuasivas dos retores no gênero discurso de sala de aula.
O assunto tratado, neste trabalho, pode servir de material de
estudo para professores e alunos que se interessarem pela Retórica
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 199

e, em especial, o discurso de sala de aula, pois demonstrou como os


argumentos quase lógicos aparecem no discurso dos professores e
alunos com o intuito de persuadir. Este trabalho pode exibir relevância,
pois estudou um gênero do espaço de sala de aula e mostrou as
artimanhas persuasivas empreendidas pelos retores para conseguir
ganhar adesão do auditório. Mesmo sabendo que muitos trabalhos
já foram realizados com os argumentos quase lógicos, acredita-se
que este se diferencia, pois enfatiza tais argumentos no discurso de
sala de aula, entendendo como se dão as estratégias persuasivas. Por
fim, espera-se que este estudo sirva, de algum modo, para outras
futuras investigações na área dos estudos persuasivos da linguagem,
sobretudo, quando se toma a Retórica como uma arte de persuadir
pelo discurso.
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SOBRE OS AUTORES
Ana Lúcia Magalhães
Pós-doutora em Retórica e Argumentação, doutora e mestre em
Língua Portuguesa pela PUC-SP. Especialista em Comunicação
Organizacional, atualmente é coordenadora do Curso de Tecnologia
em Eventos e professora titular de Comunicação Empresarial,
Métodos da Produção do Conhecimento e Leitura e Produção do Texto
na Faculdade de Tecnologia de Cruzeiro. É consultora em Gestão
Empresarial e professora-autora nas disciplinas de Comunicação
Empresarial e Comunicação e Expressão, no Centro Paula Souza. É
membro da ABC-Association for Business Communication (USA),
da ISHR-International Society of the History of Rhetoric e da SBR-
Sociedade Brasileira de Retórica. Faz parte do Grupo de Estudos
Retóricos e Argumentativos (PUC-SP/CNPq) e do Grupo de Estudos
de Leitura (CNPq). É editora do International Journal on Active
Learning e das revistas H-Tec (da Fatec de Cruzeiro), Tecnologia,
Gestão e Humanismo (Fatec de Guaratinguetá) e revisora da Revista
Janus (Unifatea-Lorena). E-mail: almchle@gmail.com

Deywid Wagner de Melo


Possui Graduação (2005) em Letras - Português/Inglês pela
Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Mestre (2008) e Doutor
(2013) em Linguística pelo Programa de Pós-graduação em Linguística
e Literatura (PPGLL), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Tem Especialização em Gestão e Desenvolvimento Universitário
214 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

(UFAL/2009). Atualmente, é Professor Adjunto II, Coordenador de


TCC e da área de Língua Portuguesa do Programa Institucional de
Iniciação à Docência, no Curso de Letras UFAL – Campus Arapiraca, e
Procurador Educacional Institucional da UFAL. Leciona as disciplinas
Processos de Leitura e Produção de Textos de Língua Portuguesa,
Linguística do Texto e do Discurso, Pesquisa Educacional, Semântica
e Pragmática de Língua Portuguesa, Análise da Conversação e Análise
do Discurso Crítica. Atua na área de Linguística, mais precisamente
em Linguística Textual, com ênfase nas teorias e análise de gêneros
orais e escritos, nos Estudos Conversacionais e nos Estudos Retóricos
do Texto e do Discurso. E-mail: deywid@arapiraca.ufal.br

Eduardo Pantaleão de Morais


É graduado em Letras pelo Centro Universitário CESMAC (2010),
especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela
Academia Alagoana de Letras/Universidade Cidade de São Paulo
(2011), mestre em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas
(2015) e doutor em Letras pela Universidade Estadual de Maringá
(2019). É professor de Linguística e Língua Portuguesa, do Curso
de Letras da Universidade Estadual de Alagoas – São Miguel dos
Campos. Além disso, é membro do Grupo de Estudos do Texto e da
Leitura (GETEL/CNPq/UFAL), do Grupo de Pesquisa Linguagem e
Retórica (CNPq/UNEAL), do Grupo de Estudos Político-Midiáticos
(GEPOMI/UEM) e atua na linha dos Estudos Textuais e Retóricos,
tendo por base os seguintes temas: retórica, argumentação, gêneros
textuais/discursivos, oralidade, radiojornalismo, metáfora retórica e
discurso político. E-mail: epmoraisal@gmail.com

Janyellen Martins Santos


Doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística e Literatura, da Universidade Federal de Alagoas-
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 215

UFAL. É mestre em Linguística pela mesma universidade (2018).


Possui graduação em Letras-Português pela Universidade Estadual
de Alagoas (2016). É integrante do Grupo de Pesquisa Linguagem
e Retórica da UNEAL e do Grupo de Estudos do Texto e da Leitura
- Perspectivas Interdisciplinares (GETEL/CNPq/UFAL). Tem
experiência na área de Linguística, atuando, sobretudo, na área
de Linguística Textual, com foco nos estudos da referenciação e
da argumentação em gêneros textuais. E-mail: janyellenmartins@
gmail.com

Jonnas Nichollas de Lima Costa


Possui graduação em Letras-Português pela Universidade Estadual
de Alagoas (2019), em Arapiraca. É integrante do Grupo de Pesquisa
Linguagem e Retórica (CNPq/UNEAL). Tem interesse de pesquisa
em Análise da Conversação, Linguística Textual e Retórica, com foco
nas seguintes temáticas: gêneros orais e escritos, discurso de sala de
aula e argumentação quase lógica. E-mail: jonnas_04@hotmail.com

José Nildo Barbosa de Melo Junior


Possui graduação em Letras - Português/Espanhol pelo Centro
Universitário Cesmac (2013); especialização em Linguística
pela Faculdade Unyleya (2018); mestrado em Linguística (2016)
pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura, da
Universidade Federal de Alagoas. Cursa doutorado em Linguística,
na mesma universidade, e realiza pesquisas nas áreas de Análise
da Conversação, Análise Crítica do Discurso, Linguística Textual
e Retórica. Atualmente, é professor efetivo da área de Língua
Portuguesa do Ensino Médio, Técnico e Tecnológico do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IFAL). É
membro do Grupo de Estudos do Texto e da Leitura: Perspectivas
Interdisciplinares (GETEL/CNPq/UFAL) e do Grupo de Pesquisa
216 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

Linguagem e Retórica (CNPq/UNEAL). E-mail: nildo.barbosa@


ifal.edu.br

Luiz Antonio Ferreira


Possui graduação em Letras-Português/Inglês pela Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras Farias Brito (1973), mestrado em
Educação pela Universidade de São Paulo (1989), doutorado em
Educação pela Universidade de São Paulo (1995) e pós-doutorado
em Letras Clássicas e Vernáculas na Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo (2015).
Atualmente é professor titular do Departamento de Português da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, coordenador do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da PUC-
SP e coordenador do Grupo de Estudos Retóricos e Argumentativos
(ERA), com sede na PUC-SP. Tem experiência na área de Letras e
Ensino, com ênfase em Língua Portuguesa e suas pesquisas enfocam
os seguintes temas: retórica, argumentação, metodologia de ensino
de línguas, língua portuguesa, Linguística e ensino-aprendizagem.
E-mail: luizanferreira@terra.com.br

Maria Francisca Oliveira Santos


Possui doutorado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco
(1998) e Pós-Doutorado, na mesma área, pela Universidade Federal
da Bahia (2009). Atualmente, é professora titular da Universidade
Estadual de Alagoas (UNEAL) e líder do Grupo de Pesquisa
Linguagem e Retórica. Também é professora do Programa de Pós-
Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal
de Alagoas (PPGLL/UFAL). Tem experiência na área de Letras e
Linguística, com ênfase em Análise da Conversação, Linguística
do Texto e Retórica, atuando principalmente nos seguintes temas:
interação, língua falada e escrita, discurso, sala de aula, gêneros
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 217

textuais, texto, relações de poder, estudos argumentativos da


linguagem. E-mail: mfosal@gmail.com

Maria Inez Matoso Silveira


Possui graduação em Licenciatura em Letras Português/Inglês
pela Universidade Federal de Alagoas (1974), mestrado em Letras
e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (1993) e
doutorado em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco
(2002). É professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação
em Linguística e Literatura e do Mestrado Profissional em Letras, da
UFAL. É líder Grupo de Estudos do Texto e da Leitura: Perspectivas
Interdisciplinares (GETEL/CNPq/UFAL). Tem experiência nas
áreas de Leitura e Cognição, Linguística Textual, com ênfase em
componentes sociocognitivos no processamento de compreensão de
textos, atuando principalmente nos seguintes campos: formação de
professores, ensino de línguas, leitura instrumental, teoria e análise
de gênero textual (concepção sociorretórica) e letramento. E-mail:
mimatoso@uol.com.br

Marcos Suel dos Santos


É Doutorando em Linguística (PPGLL) pela Universidade Federal de
Alagoas (UFAL). Mestre em Letras (ProfLetras) pela Universidade
Federal de Alagoas (UFAL). Especialista em Letras: Português-Inglês
pela Faculdade São Luís de França (FSLF) e em Neuroaprendizagem
pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Cursa especialização
em Linguística Aplicada na Educação pela Universidade Cândido
Mendes (UCAM). Graduado em Letras pela Universidade Norte do
Paraná (UNOPAR). Atualmente, é técnico pedagógico na Secretaria
Municipal de Educação de São Sebastião, Alagoas. Interessa-se pela
Linguística Textual e pelos estudos da Leitura e Cognição, com foco
no processamento de reconhecimento das palavras escritas na leitura
218 José Nildo Barbosa de Melo Junior | Maria Francisca Oliveira Santos | Max Silva da Rocha - (Orgs.)

em voz alta, nos processos de decodificação e na leitura em voz alta.


É integrante do Grupo de Estudos do Texto e da Leitura: perspectivas
interdisciplinares. E-mail: markus-christie@uol.com.br

Max Silva da Rocha


Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística e Literatura, da Universidade Federal de Alagoas
(PPGLL/UFAL). Possui mestrado em Linguística (2020) pela
mesma universidade e especialização em Linguística Aplicada na
Educação pela Universidade Candido Mendes (2017). É licenciado
em Letras-Português pela Universidade Estadual de Alagoas (2017),
Campus Palmeira dos Índios. É professor voluntário de Linguística,
da Universidade Estadual de Alagoas, Campus Palmeira dos Índios.
Atua nas áreas da Análise da Conversação, Análise do Discurso,
Análise Dialógica do Discurso, Linguística Textual e Retórica, a
partir dos seguintes temas: gêneros orais e escritos, referenciação,
discurso religioso cristão, discurso teológico bíblico e argumentação
retórica. É integrante do Grupo de Pesquisa Linguagem e Retórica
(CNPq/UNEAL) e do Grupo de Estudos do Texto e da Leitura:
Perspectivas Interdisciplinares (GETEL/CNPq/UFAL). É sócio
efetivo da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) e do
Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste (GELNE). E-mail:
msrletras@gmail.com

Romildo Barros da Silva


Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística e Literatura, da Universidade Federal de Alagoas.
Mestre em Linguística pela mesma universidade, com ênfase em
Retórica. Possui graduação em Letras-Língua Portuguesa e suas
Respectivas Literaturas pela Universidade Estadual de Alagoas. É
professor de Língua Portuguesa no ensino médio da rede estadual de
ORALIDADE, RETÓRICA E TEXTO 219

ensino de Alagoas. Tem experiência na área de Linguística, atuando


principalmente nos seguintes temas: gêneros argumentativos,
especificamente o debate político, numa perspectiva retórica.
Atualmente, sua pesquisa se concentra em aspectos retóricos do
gênero debate político televisionado. E-mail: romildomi@hotmail.
com

Sandra Araujo Lima Cavalcante


Atualmente, é doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-
Graduação em Linguística e Literatura, da Universidade Federal
de Alagoas (PPGLL/UFAL). Possui graduação em Letras pela
Faculdade de Formação de Professores de Arapiraca (1991) e
mestrado em Educação pela Universidade Federal de Alagoas
(2012). É professora efetiva do Instituto Federal de Alagoas (IFAL),
Campus Arapiraca. Tem experiência na área de Linguística, com
ênfase em Linguística Textual, atuando principalmente nos seguintes
temas: leitura e escrita de gêneros textuais no ensino médio, gêneros
textuais profissionais e escrita colaborativa. É integrante do Grupo
de Estudos do Texto e da Leitura – Perspectivas Interdisciplinares
(GETEL/CNPq/UFAL). E-mail: sandra_araujolima@yahoo.com.br
Formato: 155mm x 215mm
Tipologia: Texto Times New Roman, titulos Oswald
Papel miolo: Pólen 70g/m²
Papel capa: Cartão Supremo 250g/m²
Impresso em 2020.

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