Você está na página 1de 222

Entrelaces entre questões

éticas e metodológicas
na pesquisa
LUCIANA SANTANA
DEISE JULIANA FRANCISCO
(ORG.)

Entrelaces entre questões


éticas e metodológicas
na pesquisa
Esta obra foi contemplada pelo
Edital FAPEAL/CEPAL/EDUFAL N ° 01/2017 -
Apoio à editoração e publicação de livros.

Maceió, 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

Reitora Conselho Editorial Edufal


Maria Valéria Costa Correia Osvaldo Batista Acioly Maciel (Presidente)
Vice-reitor Fernanda Lins de Lima (Secretária)
José Vieira da Cruz Adriano Nascimento Silva
Diretor da Edufal Ana Cristina Conceição Santos
Osvaldo Batista Acioly Maciel Cid Olival Feitosa
Cristiane Cyrino Estevão Oliveira
Janayna da Silva Ávila
Coordenação editorial: Maria Cristina Soares Figueiredo Trezza
Fernanda Lins Nilton José Melo de Resende
Revisão ortográfica e normalização: Ricardo Carvalho Cabús
Mauricélia Ramos Talvanes Eugênio Maceno
Tania Marta Carvalho dos Santos

Editora afiliada
Direitos desta edição reservados à
Edufal - Editora da Universidade Federal de Alagoas
Av. Lourival Melo Mota, s/n - Campus A. C. Simões, Prédio do CIC
Cidade Universitária, Maceió/AL Cep.: 57072-970
Contatos: www.edufal.com.br | contato@edufal.com.br | (82) 3214-1111/1113
Autores

Amandio Aristides Rihan Geraldes


Aleska Dias Wanderlei
Aliúcha Padilha de Holanda Cavalcanti
Camila Maria Beder Ribeiro
Camila Albuquerque Melo de Carvalho
Carlos Augusto Fogliarini Lemos
Claudia Barcelos de Moura Abreu
Daniele Gonçalves Bezerra
Deise Juliana Francisco
Fátima Maria Lyra Cavalcante
Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
Karla de Oliveira Santos
Laura Cristina Vieira Pizzi
Lizete Dieguez Piber
Luciana Santana
Lucila Pesce
Narciso Vieira Soares
Nelma Camêlo de Araujo
Neusa Maria Gonçalves Salla
Rildete Santos de Oliveira
Vera Regina Medeiros Andrade
Ursula Blattmann
Waldemar Antônio das Neves Júnior
Willian Barbosa Vianna
Governo do Estado de Alagoas Imprensa Oficial Graciliano Ramos

Governador Diretor-presidente
José Renan Vasconcelos Calheiros Filho Marcos José Dantas Kummer
Vice-governador Diretor administrativo-financeiro
José Luciano Barbosa da Silva Jarbas Pereira Ricardo
Secretário-chefe do Gabinete Civil Diretor comercial e industrial
Fábio Luiz Araújo Lopes de Farias José Otílio Damas dos Santos
Secretário de Estado do Coordenadora editorial
Planejamento, Gestão e Patrimônio Patrycia Monteiro
Fabrício Marques Santos Editor de arte
Fernando Rizzotto
Capa
Thiago Oliveira Conselho editorial
Diagramação Enio Lins de Oliveira, Carlos Barros Méro, Celso
Keyla Pugliesi Quintela Brandão, Cicero Péricles de Oliveira
Carvalho, Clébio Correia de Araújo, Marcos José
Dantas Kummer, Carmen Lúcia Tavares Almeida
Dantas e Laura Cristiane de Souza

Av. Fernandes Lima, s/n, km 7,


Gruta de Lourdes – Maceió – Alagoas
Tel.: (82) 3315.8300
www.imprensaoficialal.com.br
Dedicamos essa obra a todos os pesquisadores, participantes,
preocupados e ocupados da ética em pesquisa.
AGRADECIMENTO

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL)


Imprensa Oficial Graciliano Ramos (CEPAL) e a Editora da Universi-
dade Federal de Alagoas (EDUFAL), por intermédio da Fundação Uni-
versitária de Desenvolvimento, Extensão e Pesquisa (FUNDEPES),
pelo apoio à edição desta obra.
Aos membros do CEP/UFAL, pela construção coletiva de práti-
cas éticas em pesquisa, tanto na análise, acompanhamento dos pro-
tocolos quanto nas funções educativas do Comitê.
Aos autores dos capítulos deste livro, que oportunizaram a
continuidade das discussões sobre ética em pesquisa.
LISTA DE QUADROS E TABELAS

BDH Banco de Dentes Humano

CCNE Ciências da Vida e da Saúde

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CEP-San Comitê de Ética em Pesquisa do Campus de Santo Ângelo

CF Constituição Federal

CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CHS Ciências Humanas e Sociais

EC Estudo de Caso

GET Grupo Executivo de Trabalho

IFLF Índice Flesch para facilidade de leitura

ILFK Índice de legibilidade de Flesch-Kincaid

INSERM Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica

INTERCEPs Encontro de Comitês de Ética em Pesquisa

NO Norma Operacional

SBPqO Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica

SISNEP Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa envolvendo Seres


Humanos

TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido

TDIC Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação

TIC Tecnologias da Informação e Comunicação

UFAL Universidade Federal de Alagoas

URI Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões


LISTA DE SIGLAS

TABELA 1 Dados referentes a projetos aprovados com seres humanos e animais do CEP-San,
e reuniões realizadas em 10 anos de existência.

QUADRO 1 Ética do Pesquisador no Fazer Ciência

QUADRO 2 Modelo de Termo de doação de dentes

QUADRO 3 Modelo TCLE

QUADRO 4 Alternativas de desenho de pesquisa utilizados nos três paradigmas


Sumário

Apresentação ............................................................................................................................................................................................. 17

Parte I : Aspectos filosóficos e jurídicos da ética na pesquisa....................................................... 21

A ética nas pesquisas científicas envolvendo seres humanos e a gênese da bioética.........23


Waldemar Antônio das Neves Júnior

Ética em pesquisa no campo da educação: contribuições para o debate..........................................41


Lucila Pesce
Claudia Barcelos de Moura Abreu

Uma reflexão ética e filosfica acerca dos principios norteadores da ética


em pesquisa..................................................................................................................................................................................................55
Rildete Santos de Oliveira
Deise Juliana Francisco

A responsabilidade civil na pesquisa acadêmica com seres humanos................................................69


Fátima Maria Lyra Cavalcante

A trajetória de um comitê de ética em pesquisa de uma universidade comunitária...............81


Carlos Augusto Fogliarini Lemos
Lizete Dieguez Piber
Narciso Vieira Soares
Neusa Maria Gonçalves Salla
Vera Regina Medeiros Andrade

Parte II: Aspectos da operacionalização e procedimentos da ética na pesquisa.............101

TCLE – Entender para aplicar.....................................................................................................................................................103


Camila Albuquerque Melo de Carvalho
Daniele Gonçalves Bezerra

Ética em pesquisa: prontuário de pacientes como fonte primária de informação...................111


Nelma Camêlo de Araujo
Willian Barbosa Vianna
Ursula Blattmann

Pesquisa com dentes humanos sob a luz da bioética ....................................................................................... 129


Camila Maria Beder Ribeiro
Aleska Dias Wanderlei
Aliúcha Padilha de Holanda Cavalcanti
Parte III: Questões éticas e metodológicas na pesquisa................................................................. 143

Variáveis metodológicas e eticidade nas pesquisas quantitativas...................................................... 145


Amandio Aristides Rihan Geraldes
Luciana Santana

Reflexões sobre as questões éticas no uso do questionário online em pesquisas................165


Karla de Oliveira Santos
Laura Cristina Vieira Pizzi

Encaminhamentos éticos de pesquisa com crianças na cultura digital........................................... 183


Fernando Silvio Cavalcante Pimentel

O estudo de caso utilizado como recurso em pesquisas.................................................................................199


Luciana Santana
Amandio Aristides Rihan Geraldes
APRESENTAÇÃO

Este livro é uma produção coletiva que emerge do cotidiano de traba-


lho com as questões éticas em pesquisa, tanto na universidade quan-
to em comitês de ética em pesquisa. Imersos no período histórico de
discussões sobre regulamentações em ética em pesquisa sobre como
conduzir as pesquisas no Brasil, a obra oportuniza reflexões sobre
nosso fazer e na necessária continua qualificação.
O livro é composto de doze capítulos, divididos em três partes,
incluem-se reflexões realizadas no cotidiano dos membros do Comitê
de Ética, em disciplinas ministradas em Pós-Graduações e pesquisas
produzidas na Universidade Federal de Alagoas, e demais universi-
dades brasileiras.
A primeira parte intitulada: “Aspectos filosóficos e jurídicos
da ética na pesquisa” apresenta artigos que tematizam, em espe-
cial, a problematização filosófica e política da ética em pesquisa.
No primeiro capítulo “Ética nas pesquisas científicas envolvendo
seres humanos e a gênese da bioética”, o professor doutor Walde-
mar Antônio das Neves Júnior enfatiza a relação entre bioética e ética
em pesquisa, desde um olhar filosófico. O segundo capítulo “Ética
em pesquisa no campo da educação: contribuições para o debate”,
as professoras Doutoras Lucila Pesce e Claudia Barcelos de Moura
Abreu apresentam o debate ético desde a Educação. Na sequência,
“Uma reflexão ética e filosófica a cerca dos princípios norteadores
da ética em pesquisa”, fruto do Trabalho de conclusão de curso em
Filosofia de Rildete Santos de Oliveira sob a orientação da professora
doutora Deise Juliana Francisco, apresenta a discussão kantiana so-
bre o principialismo. Posteriormente, “A responsabilidade civil na
pesquisa acadêmica com seres humanos”, da professora e mestre
Fátima Maria Lyra Cavalcante traz contribuições desde a perspectiva

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 17
jurídica. Finalizando o primeiro bloco, “A trajetória de um comitê
de ética em pesquisa de uma universidade comunitária”, de au-
toria dos professores mestres e doutores Carlos Augusto Fogliarini
Lemos; Lizete Dieguez Piber; Narciso Vieira Soares; Neusa Maria
Gonçalves Salla; Vera Regina Medeiros Andrade apresenta o Comitê
de Ética da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões – campus Santo Ângelo.
A segunda parte retrata questões práticas sobre a ética em pes-
quisa, denominada: “Aspectos da operacionalização e procedimen-
tos da ética na pesquisa”. Abrindo o capítulo, “TCLE – entender
para aplicar”, das professoras Doutoras, Camila Albuquerque Melo
de Carvalho, membro do CEP/UFAL, e Daniele Gonçalves Bezerra
apresentam cuidados éticos que o pesquisador deve ter quando do
uso de TCLE. Na sequencia o capítulo “Ética em pesquisa: prontu-
ário do paciente como fonte primária de informação” de autoria
dos doutores Nelma Camêlo De Araujo, Willian Barbosa Vianna e
Ursula Blattmann apresenta a discussão sobre prontuários e sua aná-
lise ética. Para fechar, “Pesquisa com dentes humanos sob a luz da
bioética”, de autoria das professoras doutoras Camila Maria Beder
Ribeiro , Aleska Dias Wanderlei e Aliúcha Padilha de Holanda Caval-
canti tematiza banco de dentes e seu uso em pesquisa.
A terceira parte sobre “Questões éticas e metodológicas na
pesquisa” problematiza a relação entre análise ética e metodológica,
apontando a indissociabilidade entre as mesmas. Iniciando com “Im-
portância das variáveis metodológicas para a eticidade das pesqui-
sas quantitativas”, os doutores, membros do CEP/UFAL Amandio
Aristides Rihan Geraldes e Luciana Santana relacionam eticidade da
pesquisa com metodologia, principalmente de cunho quantitativo,
adotada pelo pesquisador. Enfatizando os instrumentos de pesquisa,
“Reflexões sobre as questões éticas no uso do questionário onli-

Entrelaces entre questões éticas


18 | e metodológicas na pesquisa
ne em pesquisas” de autoria da mestre e doutora Karla de Oliveira
Santos e Laura Cristina Vieira Pizzi apresentam a especificidade do
questionário online. Já em “Encaminhamentos éticos de pesquisa
com crianças na cultura digital”, o doutor Fernando Silvio Caval-
cante Pimentel apresenta resultados de sua pesquisa de doutorado.
Finalizando a obra, “O estudo de caso utilizado como recurso em
pesquisas: análises metodológicas em protocolos no CEP”, dos pro-
fessores doutores Luciana Santana e Amandio Aristides Rihan Geral-
des discute a especificidade do estudo de caso quanto à análise ética
em pesquisa.
A reunião dos artigos traz importantes reflexões para analisar,
discutir e problematizar questões éticas e metodológicas que envol-
vem estudos empíricos no país, em conformidade com as Resolu-
ções 466/2012 e 510/2016 do CONEP (Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa).

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 19
Parte I
ASPECTOS FILOSÓFICOS E JURÍDICOS DA
ÉTICA NA PESQUISA
A ÉTICA NAS PESQUISAS CIENTÍFICAS ENVOLVENDO SERES
HUMANOS E A GÊNESE DA BIOÉTICA

Waldemar Antônio das Neves Júnior

1 Introdução

Inúmeros casos são divulgados nos principais meios de comunicação


e trazem à tona novos problemas em pesquisas nas diversas áreas
de conhecimentos, cujas perspectivas de suas descobertas científi-
cas e tecnológicas nos levam a um repensar sobre os seus métodos
e a reflexão sobre os riscos e benefícios desses avanços. Nas últimas
décadas, as eventuais demandas do mercado em face das novas mu-
danças tecnológicas e científicas passaram a requerer dos profissio-
nais não somente o desenvolvimento de competências técnicas, mas,
principalmente, um incremento nas capacidades ética e humanista
para as tomadas de decisões, e desse modo propiciar o desenvolvi-
mento do juízo moral.
No cerne dessas mudanças, algumas transições paradigmáticas
emergiram e tornaram evidente que os modelos vigentes falhavam
na tentativa da ciência em dar respostas a determinados problemas
decorrentes dos avanços científicos (ALMEIDA; SCHRAMM, 1999).
Esses avanços nas pesquisas científicas e tecnológicas desencade-
aram novos conhecimentos e, consequentemente, novas reflexões
éticas acerca dos possíveis impactos biológicos, econômicos, psico-
lógicos e sociais, que tais descobertas poderão causar à humanidade
(ARAÚJO, 2002).
Geralmente, quando se abordam sobre a eticidade nas pesqui-
sas científicas, são comuns alusões às atrocidades e aos horrores co-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 23
metidos principalmente ao povo judeu, como também aos homosse-
xuais, ciganos e outros prisioneiros de guerra, durante as pesquisas
desenvolvidas pelos nazistas nos campos de concentração, e que fo-
ram divulgadas após o término da Segunda Grande Guerra Mundial.
Alguns desses experimentos submetiam os “pacientes” a pesquisas
atrozes e desumanas, como, por exemplo, realizar incisões cirúrgicas
e provocar infecções com terra contaminada ou provocar queima-
duras com gás mostarda em pacientes saudáveis, para depois serem
testados novos medicamentos; submergi-los em tanques com água
gelada para testar a resistência e o tempo de sobrevivência à hipoter-
mia; e, ainda, submetê-los a câmaras de descompressão para testar
a pressão atmosférica, com a finalidade de testar seus limites vitais
(ARAÚJO, 2012). É óbvio que inúmeras dessas pesquisas, quando
não incapacitavam os “pacientes”, os levavam à morte.
O julgamento de Nuremberg (1945) revelou esses terríveis abu-
sos, chamados de experimentos nazistas, perpetrados pelos médi-
cos nazistas nos campos de concentração. O que mais preocupava e
causou perplexidade e comoção mundial não foram somente a má
intenção e a crueldade, mas, sobretudo, a natureza e a postura da
moderna ciência biomédica, pois estas ocasionaram problemas éti-
cos muito graves (JONSEN, 1993). Após o tribunal de Nuremberg,
os criminosos de guerra, segundo Araújo (2012) – vinte médicos e
três administradores –, foram julgados e condenados; nove foram
sentenciados à prisão perpétua, sete à pena de morte e os demais
tiveram outras condenações.
As pesquisas nazistas chocaram a sociedade internacional e
a comunidade científica e desencadearam um efeito em cascata ao
longo de vários anos, de “n” outras pesquisas antiéticas que cada vez
mais se tornavam públicas e revelaram uma realidade até então des-
conhecida: a de que muitos pesquisadores utilizavam seres humanos

Entrelaces entre questões éticas


24 | e metodológicas na pesquisa
como meras cobaias, e que estas não seriam práticas exclusivas dos
nazistas. Posteriormente ao julgamento de Nuremberg, restou clara a
necessidade de normas internacionais para regular estes tipos de prá-
ticas com os seres humanos, o que resultou no Código de Nuremberg
(1947), que de início não obteve a força legal para que fosse devida-
mente estabelecido e incorporado pelas leis americanas e alemãs. Foi
reconhecido através do Tribunal de que certos tipos de experimentos
médicos não eram corretos do ponto de vista ético e que forneceram
subsídios para que fossem delineados os dez princípios que deveriam
ser observados para a satisfação moral, ética e legal dos envolvidos
nas pesquisas (JONSEN, 2000).
Dentre suas principais ideias estão a relação médico-paciente e
a derivação do consentimento informado. Somente depois de quase
duas décadas é que passaram a integrar a Declaração de Helsinque
em 1964, inicialmente elaborada na 18ª Assembleia Médica Mun-
dial, ocorrida na Finlândia, revisada posteriormente mais sete vezes
(1975, 1983, 1989, 1996, 2000, 2008 e 2013) e que até hoje continua
a orientar as pesquisas médicas dos cinco continentes. A seguir, serão
descritos em um breve histórico alguns dos principais acontecimen-
tos que influenciaram para o surgimento da Bioética.

2 A cronologia de alguns acontecimentos da ética em pesquisa

Vários acontecimentos ocorreram ao longo dos anos nas pesquisas


científicas, que contribuíram para o surgimento da Bioética. De acordo
com Albert Jonsen (1993) em seu artigo “The birth of bioethics” (O
nascimento da bioética), três acontecimentos colaboraram para a sua
consolidação como disciplina: o primeiro foi o artigo publicado na Re-
vista Life em novembro de 1962, pela jornalista Shana Alexander, com
o título “They decide who lives, who dies” (Eles decidem quem vive,

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 25
quem morre), que levantou questionamentos sobre quais dos pacien-
tes deveriam receber a hemodiálise para sobreviver por meio de um
novo tratamento e de uma tecnologia experimental (JONSEN, 1993).
O segundo foi o artigo intitulado “Ethics and Clinical Resear-
ch” (Ética e Pesquisa Clínica), do professor de anestesia da Escola de
Medicina de Harvard, Henry K. Beecher (1966), publicado no New
England Journal of Medicine em 1966. Um dos resultados obtidos
através do exame de cinquenta artigos publicados em 1964 em peri-
ódicos internacionais e originalmente compilados para seu estudo foi
que 22 destes haviam sido realizados em pacientes com grande vul-
nerabilidade, como adultos com deficiências mentais, idosos, presidi-
ários, crianças com retardos mentais, recém-nascidos, e com pessoas
incapazes de assumir uma postura moralmente ativa diante do pes-
quisador e do experimento (BEECHER, 1966). Esta discussão trouxe
à tona a eticidade das pesquisas, dos pesquisadores, mas principal-
mente sobre a utilização do consentimento informado e a utilização
de pacientes com autonomia reduzida ou moralmente incapazes nas
pesquisas científicas.
O terceiro caso mencionado por Jonsen (1993) foi o primeiro
transplante cardíaco realizado na África do Sul pelo cirurgião Chris-
tian Barnard, em 1967, que transplantou o coração de uma pessoa
quase morta para um paciente cardíaco com doença terminal (JON-
SEN, 1993). A grande questão ética gerada era como e quando o pa-
ciente fora diagnosticado como morto para a realização do transplan-
te? Para Lolas (2001), uma das principais discussões éticas geradas
era se existe um momento em que a morte pode ser um processo
irreversível e quem determinaria esse momento: a ciência, a práti-
ca ou a lei? Essa questão levou a Escola Médica da Universidade de
Harvard a procurar definir os critérios para a morte encefálica, cujos
preceitos só foram revelados em 1975, mas que ainda hoje servem

Entrelaces entre questões éticas


26 | e metodológicas na pesquisa
de referência para a discussão sobre morte encefálica (DINIZ; GUI-
LHEM, 2006).
É quase consensual entre os bioeticistas que um outro aconte-
cimento contribuiu para o surgimento da Bioética: o caso de Tuskgee,
no Alabama, em 1932. Participaram desse estudo 600 homens negros
voluntários, sendo 399 homens portadores de sífilis e 201 que faziam
parte do grupo controle e que não eram portadores dessa doença.
Esse estudo foi financiado pelo governo norte-americano e condu-
zido pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos (U.S. Public
Health Service – PSH), que utilizou placebo e deixou os participantes
com sífilis sem tratamento (BONFIM, 2010). É importante ressaltar
que essa pesquisa durou quarenta anos, e que a penicilina, que é o
medicamento utilizado para o tratamento da sífilis, já havia sido des-
coberta. O governo norte-americano tinha o intuito de com esta pes-
quisa identificar a história natural da doença; a justificativa alegada
pelo PHS era que com a utilização dos antibióticos não se poderiam
traçar a longo prazo os efeitos da doença (DINIZ; GUILHEM, 2006).
O caso Tuskgee tornou-se público em julho de 1972, na repor-
tagem da jornalista Jean Heller, publicada na primeira página do Wa-
shington Evening Star com o título “Syphilis Patients died untreated”
(Pacientes com sífilis morreram sem tratamento) (BONFIM, 2010).
Mas ganhou notoriedade quando foi publicado, no dia seguinte, pela
mesma jornalista, no jornal The New York Times, desta feita intitula-
do “Syphilis victims in U.S. study went untreated for 40 years” (Ví-
timas de sífilis em estudo nos E.U.A. ficaram sem tratamento por 40
anos). Segundo Heller (1972), alguns indivíduos foram adicionados
ao estudo em seus primeiros anos para substituir os homens que ti-
nham abandonado o programa, mas o número adicionado não era
conhecido. O que mais escandalizou em sua reportagem foi que até o
início de 1972, dos 399 pacientes, apenas 74 dos que não receberam

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 27
tratamento ainda se encontravam vivos (HELLER, 1972). De acordo
com Diniz e Guilhem (2006), os pacientes não foram informados que
estariam participando de uma pesquisa, como também não lhes fora
ofertada nenhuma alternativa do tratamento convencional, não lhes
sendo ofertado o direito de escolha e informações sobre os riscos e
os benefícios da pesquisa.

3 A gênese da Bioética

Nesse ínterim, a Bioética aparece pela primeira vez em 1971, na obra


“Bioethics: a bridge to the future” (Bioética: uma ponte para o futuro),
publicada por Van Rensselaer Potter, que utilizou a palavra bioética
“representando a união entre a ciência biológica e a ética, por con-
seguinte: bio-ética” (POTTER, 1998, p. 23). Também em 1971, Andre
Hellengers, o obstetra/fisiologista fetal e demógrafo holandês da Uni-
versidade de Georgetown, usou o neologismo bioética pela primeira
vez de forma institucional, para denominar a área enfocada na inves-
tigação, que chegou a ser um campo acadêmico de ensino e um mo-
vimento relacionado à política e às ciências da vida (REICH, 1994).
O significado de bioética para Hellegers apresentava o compo-
nente científico que incluía as ciências biológicas e sociais; o ético
incluía um amplo campo da ética religiosa e secular (REICH, 1994).
Hellegers descreveu seu próprio papel na Bioética: como uma pessoa-
-ponte entre a medicina, a filosofia e a ética (REICH, 1994). O que no
início constituía um ideal e uma ilusão de alguns médicos e acadê-
micos de vários países que planejavam difundir o interesse suscita-
do por esta nova disciplina, hoje em dia é uma realidade (CORREA,
2011). Desse modo, a bioética amadureceu para uma forma de filo-
sofia moral prática na medicina (JONSEN, 1993). O tema do valor e
dos limites da pesquisa em e com humanos é um dos mais graves e

Entrelaces entre questões éticas


28 | e metodológicas na pesquisa
que geram consequências no estabelecimento da bioética, concebida
como uma ética aplicada (DINIZ; GUILHEM, 2006). Por se preocupar
com o uso correto das novas tecnologias na área de ciências médicas
e com a solução adequada dos dilemas morais por elas apresenta-
dos, é considerada como uma ética aplicada. “Trata-se, portanto, de
um ramo específico da filosofia moral com características próprias”
(CLOTET, 2003, p. 33).

4 O surgimento da Bioética principialista

Após as revelações dos estudos de Tuskegee e de muitas outras instân-


cias da questionabilidade ética das pesquisas, o Congresso Norte-Ame-
ricano, que fundou e aprovou a maioria dessas pesquisas do Instituto
Nacional de Saúde, estabeleceu a National Commission for the Protec-
tion of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research (Co-
missão para a Proteção dos Sujeitos Humanos das Pesquisas Biomé-
dicas e Comportamentais), recomendando políticas que guiassem os
pesquisadores numa linha de pesquisas éticas (JONSEN, 2000). Essa
Comissão tinha como objetivo elaborar princípios gerais que permitis-
sem resolver os casos apresentados e que, ao mesmo tempo, fossem
aceitos por todos. Tais princípios constituem uma parte do conhecido
Relatório Belmont, publicado pela Comissão em 1978.
Essa comissão permaneceu reunida de 1974 a 1978. Para che-
gar ao resultado final deste relatório, utilizou inicialmente o método
dedutivo, ou seja, partiu dos princípios aos casos concretos; como
não obteve êxito, resolveu então mudar a aplicação para o método
indutivo, passando dos casos concretos aos princípios. A partir des-
sa forma houve acordo quanto aos princípios, que acabaram sendo
utilizados como máximas de atuação prudencial, e as questões fo-
ram então resolvidas mais rapidamente (WETTERNICK, 2005). Esse

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 29
estudo apresentou, pela primeira vez, como resultado para uso siste-
mático na resolução de dilemas éticos ou morais, três princípios bá-
sicos, entre aqueles que, geralmente, são aceitos em nossa tradição
cultural, e que são relevantes para as pesquisas que envolvem seres
humanos: o princípio de respeito às pessoas, beneficência e justiça
(BELMONT REPORT, 1979).
Após o surgimento do Relatório Belmont, o método bioético
passa a ser concebido como indutivo-dedutivo, tornando o princi-
pialismo capaz de justificar as suas exceções, no caso de ocorrerem
conflitos de valores no caso clínico. A consolidação desse método de
análise ética para a resolução de conflitos oriundos da biomedicina
findou com a publicação, em 1978, do livro “Principles of Biomedi-
cal Ethics” (Princípios da Ética Biomédica), dos filósofos Tom Beau-
champ, do Instituto Kennedy de Ética da Universidade Georgetown/
EEUU, e James Childress, da Universidade de Virgínia/EEUU (WET-
TERNICK, 2005). De acordo com Diniz e Guilhem (2006), a proposta
teórica elaborada por Beauchamp e Childress segue o mesmo cami-
nho do Relatório Belmont e defende a ideia de que os conflitos morais
podem ser mediados com base em algumas ferramentas morais, os
chamados princípios éticos.
Existem algumas novidades com relação aos princípios propos-
tos pelo Relatório Belmont. Era necessário o desdobramento da be-
neficência num outro princípio, bem como diferenciá-la da não ma-
leficência. Uma das novidades é o surgimento do princípio da não
maleficência, que para muitos autores seria uma derivação do manda-
mento hipocrático da beneficência; a outra é a substituição do princí-
pio de respeito às pessoas pela autonomia (DINIZ; GUILHEM, 2006).
Dessa forma, para Beauchamp e Childress (2002), a bioética lança mão
de quatro princípios, a saber: princípio da autonomia, que consiste em
respeitar os objetivos e os desejos de pessoas competentes; o da bene-

Entrelaces entre questões éticas


30 | e metodológicas na pesquisa
ficência, que tem por obrigação ajudar as pessoas promovendo seus
interesses legítimos e importantes; o da não maleficência, que parte
da obrigação de não provocar ou causar mais danos aos outros e o da
justiça, que os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais
desigualmente, representando o conceito de equidade (BEAUCHAMP;
CHILDRESS, 2002). Segundo Jungles (2005), por estes serem adquiri-
dos indutivamente mediante a análise dos casos, tornaram-se o núcleo
central e o cerne de desenvolvimento da Bioética.
Além do Código de Nuremberg (1947), da Declaração de Hel-
sinque (1964) e suas atualizações e do Relatório Belmont (1978),
que não constitui uma norma, existem outras como as Diretrizes In-
ternacionais para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos (Council
for International Organizations of Medical Science, 2002) que são um
marco histórico internacional e foram utilizadas como referências
para as regulamentações das pesquisas com seres humanos no Bra-
sil (ARAÚJO, 2012).

5 As resoluções para as pesquisas envolvendo seres humanos no


Brasil

No Brasil, na década de 80, já havia uma preocupação com a ética


nas pesquisas em saúde, que surgia com a discussão de alguns temas,
de forma expressiva, contidos nos códigos deontológicos de diversas
categorias profissionais ligadas ao campo da saúde (FORTES, 2001).
Segundo Rego, Palácio e Siqueira (2009), o surgimento da Bio-
ética no Brasil se deu após a promulgação da Constituição Federal
em 1988, pois “se reconhecia um terreno inóspito e infértil para a di-
fusão de um saber cuja reflexão e prática estão ancoradas no debate
e na tomada de decisões racionais” (2009, p. 27). Buscava-se fazer
com que as liberdades individuais e coletivas e os direitos individuais

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 31
e sociais fossem respeitados. Esse debate representa a luta contínua
que indivíduos, grupos, povos e nações menos privilegiados travam
diariamente em um mundo que, dominado pelo afã do lucro, perpe-
tua suas desigualdades de maneira perversa (ROMERO, 2007).
O marco inicial para a regulamentação ética para as pesquisas
envolvendo seres humanos no Brasil foi a Resolução 1/88 do Con-
selho Nacional de Saúde - CNS que, entretanto, teve pouco impacto
prático, provavelmente devido à forma pouco participativa como foi
preparado (REGO; PALÁCIO; SIQUEIRA BATISTA, 2009). Em 1995,
sete anos mais tarde, foi constituído um Grupo Executivo de Trabalho
- GET, que fez uma consulta prévia e democrática à comunidade cien-
tífica na internet, acatando várias sugestões para o enriquecimento
do documento (BARBOSA et all, 2011). A Resolução 196/96 do CNS,
que regulamenta as pesquisas envolvendo os seres humanos, para al-
guns pesquisadores e bioeticistas constituiu o primeiro marco regula-
tório nacional da ética aplicada à pesquisa (NOVOA, 2014). A Resolu-
ção 196/96 possui grande importância científica e social. Consiste na
instituição de um sistema de avaliação de projetos de pesquisa com
articulação nacional, visando consolidar a criação dos comitês de
ética em pesquisa - CEP (BARBOSA et al., 2011). Outra contribuição
relevante foi a criação e a normatização de um dos mais avançados
sistemas de revisão e controle éticos, onde estão embutidos avanços
técnicos científicos contemporâneos. Estes implicam um forte ali-
nhamento com os princípios bioéticos, para que sejam devidamente
aplicados: no consentimento livre e esclarecido; na proteção a grupos
vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia); na ponderação
entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais
ou coletivos (beneficência); na garantia de que danos previsíveis se-
rão evitados (não maleficência); e por fim, na relevância social da
pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa

Entrelaces entre questões éticas


32 | e metodológicas na pesquisa
e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante
a igual consideração dos interesses envolvidos (justiça e equidade)
(BRASIL, 1996).
Algumas críticas foram realizadas com relação à Resolução
196/96 e aos CEP, sobremodo, de acordo com Diniz e Guerriero
(2008), pelo fato de as particularidades metodológicas e epistemoló-
gicas e das regras adotadas pelos CEP adequarem os saberes biomé-
dicos à análise dos projetos em ciências humanas e sociais, trazen-
do uma série de questionamentos sobre a pertinência das regras de
avaliação para as técnicas qualitativas. Outro aspecto importante é
o fato de se considerar que o ser humano é um ser biopsicossocial e
complexo, que não se restringe somente à dimensão biológica, por-
quanto dotado de outras dimensões, como a psicológica, religiosa,
social e moral. Para Barbosa et al. (2011), é relevante perceber que
mesmo as pesquisas que trabalham apenas com observação, entre-
vistas e questionários podem trazer riscos e/ou desconfortos, já que
uma pergunta e/ou interpretação pode vir a interferir negativamente
na vida do sujeito da pesquisa e causar-lhe algum dano ou prejuízo
(BARBOSA et al., 2011).
A pesquisa qualitativa pode ser definida como um campo de
investigação em si mesmo, o qual permeia disciplinas, áreas de co-
nhecimento e problemas específicos, ainda que utilize estratégias e
momentos distintos, a depender de sua inserção na educação, na co-
municação, na história, nos estudos organizacionais, na psicologia,
nas ciências da saúde e na antropologia (BEZERRA et al., 2007). Na
tentativa de se dirimir as várias discussões sobre os limites e as críti-
cas da Resolução CNS 196/96, depois de decorridos 15 anos, deu-se
início ao seu processo de revisão. Em 12 de outubro de 2012, a Reso-
lução CNS 466/12 é promulgada; são aprovadas as novas diretrizes

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 33
e normas regulamentadoras, e revogadas as anteriores, entre elas a
Resolução CNS 196/96. De acordo com Novoa (2014):

a nova resolução divide-se em 13 partes e apresenta-se mais


longa e filosófica, levando-se em consideração referenciais bá-
sicos da bioética, como o reconhecimento e a afirmação da
dignidade, a liberdade, a autonomia, a beneficência, a não
maleficência, a justiça e a equidade, dentre outros que visam
assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos parti-
cipantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado.
(NOVOA, 2014, p. vii).

Também foram incorporados novos documentos internacio-


nais, como a Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Huma-
nos, a Declaração Universal do Genoma Humano e a Declaração In-
ternacional sobre os Dados Genéticos Humanos. No artigo II, sobre
“Termos e definições”, alguns termos conhecidos passaram a ter ou-
tra designação, como explica Novoa (2014): o que era “sujeito da
pesquisa” passou a ser “participante de pesquisa”, como uma forma
de identificar o indivíduo que, de forma voluntária e esclarecida, ou
sob o esclarecimento e autorização de seu responsável legal, aceita
participar da pesquisa. Ainda segundo a autora, outros termos foram
incorporados como “achados da pesquisa”, a indicar novos fatos ou
informações encontradas pelo pesquisador durante a pesquisa e que
sejam considerados importantes aos participantes; como também, o
“assentimento livre e esclarecido”, que pode ser considerado como a
anuência do participante da pesquisa, seja este criança, adolescente
ou legalmente incapaz, livre de vícios, dependência, subordinação ou
intimidação (NOVOA, 2014).
Uma consideração de suma importância está no artigo XIII.3,
que destaca: “as especificidades éticas das pesquisas nas ciências so-
ciais e humanas e de outras que se utilizam de metodologias próprias
dessas áreas serão contempladas em resolução complementar, dadas

Entrelaces entre questões éticas


34 | e metodológicas na pesquisa
as suas particularidades” (BRASIL, 2012, p.12). Este artigo da 466/12
deu o start para a elaboração da Resolução CNS 510/16, que estipula a
regulamentação das pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais - CHS.
A intenção é que as pesquisas em CHS sejam revisadas pelo sistema
CEP/CONEP à luz da Resolução CHS, e não da Resolução 466/12.
Esta resolução leva em consideração que as Ciências Humanas e So-
ciais possuem especificidades em suas concepções e práticas de pes-
quisa, “na medida em que nelas prevalece uma acepção pluralista
de ciência da qual decorre a adoção de múltiplas perspectivas teóri-
co-metodológicas, bem como lidam com atribuições de significado,
práticas e representações, sem intervenção direta no corpo humano,
com natureza e grau de risco específico” (BRASIL, 2016, p.1). Segun-
do Guerriero (2016), este é um momento para comemoração, porém
de muito trabalho. Começa agora uma fase importante, de divulgação
da Resolução 510/16 para a sua incorporação nas pesquisas em CHS,
a fim de que se estabeleçam relações éticas entre os pesquisadores,
os participantes das investigações e o sistema CEP/CONEP.

6 Considerações finais

Como visto, ao longo da história são incontáveis os casos que ocasio-


naram questões éticas nas experimentações com seres humanos. Esta
breve cronologia de eventos demonstra que toda pesquisa científica
incorre em riscos aos participantes, independentemente da área de
conhecimento, da intencionalidade das ações ou das metodologias
empregadas. Apesar de todas as mortes e sofrimentos causados aos
sujeitos, todos os sacrificios foram significativos e deram exemplos
às gerações futuras, a fim de que as diretrizes internacionais e as re-
soluções nacionais para as pesquisas científicas fossem elaboradas.
Com isto, intentou-se preservar a eticidade das condutas, evitar mais

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 35
infortúnios e garantir a dignidade dos seres humanos utilizados no
desenvolvimento de experimentações.
A maioria das resoluções nacionais foi elaborada por institui-
ções da área das ciências médicas e biológicas, após anos de debates
e discussões. As novas reformulações e resoluções proporcionaram
avanços às pesquisas nas áreas de ciências humanas e sociais, já que
estas não se sentiam contempladas diante de suas particularidades,
principalmente no tocante às especificidades de seus participantes e
aos critérios de análise e avaliação das pesquisas qualitativas. Por fim,
ressalta-se a inegável contribuição da bioética para o resgate da ética
em pesquisa nas diversas áreas, viabilizando a aplicação de seus prin-
cípios e teorias éticas como ferramentas para auxiliar na resolução e no
equacionamento dos conflitos morais, a fim de que os pesquisadores
venham a respeitar a vulnerabilidade e a autonomia, como também
legitimar os direitos dos participantes das pesquisas científicas.

7 Referências

ALMEIDA, J. L. T; SCHRAMM, F. R. Paradigm shift, metamorphosis of


medical ethics, and the rise of bioethics. Caderno de Saúde Pública. Rio
de Janeiro, v. 15, supl. 1, p. 15-25, 1999.

ARAÚJO, L.Z.S. A Bioética nos experimentos com seres humanos e


animais. Montes Claros: Unimontes, 2002.

ARAÚJO, L.Z.S. Breve história da bioética: da ética em pesquisa à bioética.


In: REGO, S; PALACIO, M. (Orgs.). Comitês de Ética em Pesquisa: teoria e
prática. Rio de Janeiro: EAD/Ensp, 2012.

Entrelaces entre questões éticas


36 | e metodológicas na pesquisa
BARBOSA, A. et al. A Resolução 196/96 e o sistema brasileiro de revisão
ética de pesquisas envolvendo seres humanos. Revista Bioética. Brasília,
v. 19, n. 2, p. 523-542, 2011.

BEECHER, H.K. Ethics and Clinical Research. N Engl J Med 1966;


274:1354–1360.

BEZERRA, A.L.Q et al. Pesquisa Qualitativa em saúde: implicações éticas.


In: GUILHEM, D; ZICKER, F. (Eds.). Ética na pesquisa em saúde: avanços
e desafios. Brasília: Letras livres: Ed. UnB, 2007.

BONFIM, J.R. Estudo Tuskegee e a falsa pesquisa de Hwang: nas agendas


da mídia e do público. Revista Redbioética/Unesco, v. 1, nº 1, julho 2010
Disponível em: <http://www.unesco.org.uy/ciencias-naturales/fileadmin/
shs/redbioetica/revista_1/Revista1.pdf> Acesso em: 14 fev. 2017.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde, MS/CNS.


Resolução de nº 196, de 10 de outubro de 1996. Estabelece as diretrizes
e normas regulamentadoras das pesquisas envolvendo seres humanos.
Brasília, 1996.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde, MS/


CNS. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Estabelece as diretrizes
e normas regulamentadoras das pesquisas envolvendo seres humanos.
Brasília, 2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde (Brasil).


Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília . Disponível
em: <http://www.conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/index.
html>. Acesso em 4 jan. 2014.

CLOTET, J. Por que Bioética? In:______. Bioética: uma aproximação.


Porto Alegre: Edipucrs, 2003.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 37
CORREA, F. J. L. Trasmitir conocimientos, actitudes y valores al enseñar
bioética. In:______. Fundamentación de la docencia en bioética y
valores. Madri, 2011. Disponível em: <http://www.bioeticachile.cl/
felaibe/documentos/libros/congreso/FELAIBE%20Docencia.pdf.> Acesso
em: 16 fev. 2017.

DINIZ, D.; GUILHEM, D. O que é Bioética? São Paulo: Brasiliense, 2006.

DINIZ, D; GUERRIERO, I.C.Z. Ética na pesquisa social: desafios ao modelo


biomédico. RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v. 2,
Sup. 1, p.78-90, Dez/2008. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.
br/index.php/reciis/article/viewFile/869/1511> Acesso em: 18 fev. 2017.

FORTES, P.A.C. Resenha: Pesquisa Médica: A Ética e a Metodologia


(1998). Revista de Direito Sanitário. v. 1, n. 2, p. 145-148, 2001.

GUERRIERO, I.C.Z. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Trata das


especificidades éticas das pesquisas nas ciências humanas e sociais e de
outras que utilizam metodologias próprias dessas áreas Ciência & Saúde
Coletiva, v. 2, n.8, p.2619-2629, 2016.

HELLER, J. Syphilis Victims in U.S. Study Went Untreated for 40 Years,


New York Times, July 26, 1972. Disponível em: <http://pages.uoregon.
edu/eherman/teaching/texts/HellerSyphilisVictimsinU.S.Study.pdf>
Acesso em 18 Dez. 2016

JONSEN, A. R. A short history of Medical Ethics. New York: Oxford


University Press, 2000.

JONSEN, A.R. The birth of bioethics. special supplement. v. 23, n. 6, p.


1-4. Hasting Center Report ,1993.

JUNGLES, J. R. Bioética como casuística e como hermenêutica. Revista


Brasileira de Bioética. Ano 1. vol. 1. p. 28-44. Brasília: 2005.

Entrelaces entre questões éticas


38 | e metodológicas na pesquisa
LOLAS, F. Bioética: o que é, e como se faz. São Paulo: Loyola, 2001.

NOVOA, P.C.R. O que muda na Ética em Pesquisa no Brasil: resolução


466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Einstein. São Paulo, v.12, n.1,
p. vii-vix, Mar. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/eins/
v12n1/pt_1679-4508-eins-12-1-0000.pdf> Acesso em: 18 fev. 2017.

POTTER, V. R. Bioetica puente, bioetica global y bioetica profunda.


Cuaderno Programa Regional de Bioética. p. 22-35, 1998.

REGO, S; PALACIOS, M; BATISTA-SIQUEIRA, R. Bioética: histórico e


conceitos. In: ______. Bioética para profissionais da saúde. Rio de
Janeiro: Ed. Fiocruz, 2009.

REICH, W.T. The word “bioethics”: its birth and the legacies of those who
shaped it. Kennedy Institute of Ethics Journal. Ano 4. vol. 4. p. 319-333,
1994.

ROMERO, G.A.S. Ensaios clínicos: reflexões éticas. In: GUILHEM, D;


ZICKER, F. (Eds.). Ética na pesquisa em saúde: avanços e desafios.
Brasília: Letras livres: Ed. UnB, 2007.

The National Commission for the Protection of Human Subjects of


Biomedical and Behavioral Research. Ethical Principles and Guidelines
for the Protection of Human Subjects of Research. The Belmont Report.
Disponível em: http://www.nih.gov:80/grants/oprr/belmont.htm. 1979.
Acesso em: 18 Jan. 2003

WETTERNICK, E. M. L. Alcances e limites do principialismo em


Bioética clínica. Dissertação (Mestrado em Filosofia) Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 39
ÉTICA EM PESQUISA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO:
CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE

Lucila Pesce
Claudia Barcelos de Moura Abreu

1 Introdução

O presente texto busca contribuir para o debate, no campo da éti-


ca em pesquisa educacional. Emanado de uma pesquisa bibliográfi-
ca, de natureza exploratório-descritiva (CHIZZOTTI, 1998), o texto
ergue-se em meio a cinco pontos de reflexão. São eles: a) relevância
para os estudos do campo; b) contribuição para a práxis educativa; c)
questões afeitas à relação com os sujeitos de pesquisa; d) dimensão
ética nos procedimentos de análise e na discussão dos resultados; e)
instâncias reguladoras da ética na pesquisa.
Ao iniciar a discussão é oportuno explicitar o lugar ontológico
de que falam as autoras, no tocante à ética, no âmbito da pesquisa em
educação. Assim como Pereira (2015), assumimos a posição de que
a dimensão ética, no campo da pesquisa em ciências humanas e so-
ciais e, para os propósitos deste texto, no campo da educação, imbri-
ca-se à atitude de responsividade, no sentido bakhtiniano do termo
(2010). Há que se ter em mente que toda e qualquer pesquisa deve
estar compromissada com uma atitude responsável, que implica dar
uma resposta ao campo de estudos ao qual se vincula, bem como aos
sujeitos diretamente envolvidos no processo de investigação. Conver-
gimos com Pereira (2015, p. 56), em relação à ideia de que o conceito
bakhtiniano de responsividade (2010) contempla o compromisso de
responder e de se responsabilizar por algo ou por alguém. Nesse sen-
tido, trazemos à baila Rios (2008, p.83), para quem “A ética funda-se

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 41
nos princípios do respeito, da justiça e da solidariedade, que apon-
tam para a necessidade de reconhecimento do outro”. Tais assunções
devem ser assumidas, a partir da perspectiva de que a ética perpassa
as relações de poder, como alertam Nosella (2008) e Galeffi (2009),
respectivamente: “Em suma, o limite ético da pesquisa é traçado pela
dialética entre consciência individual, sociedade civil e sociedade po-
lítica legitimamente empossada” (NOSELLA, 2008, p. 265).

A validade epistemológica de uma pesquisa qualitativa de-


pende sempre de acordos firmados entre comunidades cien-
tíficas tradicionais. É sempre uma relação de poder que está
por detrás dos processos de validação ou invalidação de pro-
postas e procedimentos de pesquisa. Toda produção discur-
siva de natureza epistemológica é uma produção de sentidos
implicados com circunstâncias organizacionais específicas
[...]. É importante destacar a tendência geral dos processos
de validação das diversas áreas científicas: são baseados em
critérios que na maioria das vezes reificam os procedimentos
investigativos já instituídos e não consideram os processos
instituintes. (GALEFFI, 2009, p. 53-4-5).

Partamos, pois, aos pontos de reflexão.

2 Ética em pesquisa no campo educacional: pontos para reflexão

2.1 Relevância para os estudos do campo

Em nosso entendimento, um dos primeiros compromissos éticos refe-


re-se à atitude de desenvolver uma dada pesquisa, tendo como ponto
de partida uma revisão de literatura, mediante a qual se consiga esta-
belecer um diálogo com outras pesquisas sobre o objeto em questão,
procurando situar a possível contribuição da pesquisa a ser desen-
volvida, aos estudos do campo. Erguida em meio à responsividade
(BAKHTIN, 2010), a pesquisa deve prosseguir com o delineamento de

Entrelaces entre questões éticas


42 | e metodológicas na pesquisa
um quadro teórico de referência, que permita a análise do fenômeno
investigado, com a devida consistência, no diálogo profícuo com os
autores consultados, por meio do qual os dados observados e/ou co-
letados sejam interpretados à luz dos conceitos basilares do estudo.
O campo da ética, na pesquisa em ciências humanas e sociais
e, em particular, na pesquisa educacional, manifesta-se em múlti-
plos aspectos, dentre os quais a estreita relação com as relevâncias
científica e social da investigação acadêmica. Em outras palavras, a
dimensão ética revela-se, em primeira instância, na importância da
pesquisa para os estudos do campo educacional e para a práxis edu-
cativa, desenvolvida nos distintos níveis e modalidades de educação.

2.2 Contribuição para a práxis educativa

Um dos aspectos primordiais que devem perpassar a esteira de pre-


ocupações do/a pesquisador/a é a importância do tema de pesquisa
para o avanço da prática educativa. A responsividade bakhtiniana
(2010) nos conclama à responsabilidade pelo desenvolvimento de
pesquisas educacionais, que estejam atentas às inquietações emana-
das na comunidade educacional, quando do enfrentamento dos de-
safios que se lhe apresentam. Obviamente, é preciso ter em mente os
limites da pesquisa em desenvolvimento para a práxis educativa. To-
davia, a possibilidade de contribuição de um dado estudo acadêmico
para a práxis educativa, ainda que singela, deve se situar como ele-
mento fulcral, no campo da ética em pesquisa educacional. Tal preo-
cupação faz-se ainda mais candente, se a investigação em questão for
desenvolvida com fomento de uma agência de pesquisa. O excerto de
Siquelli e Hayashi (2015) é emblemático do nosso posicionamento:

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 43
Entendemos que o campo da pesquisa em educação contribui
para a socialização de situações-problema, sejam de ordem de
estrutura da escola básica e de suas condições pedagógicas ou
de formação dos profissionais da educação para a promoção
da aprendizagem dos alunos, pois, ao mesmo tempo em que o
pesquisador se aloja nessas instituições com seus objetos e su-
jeitos de pesquisa, num produto final, mostra-se uma fotogra-
fia da escola atual e suas diversas faces e situações-problema
(SIQUELLI; HAYASHI, 2015, p. 78-9).

Vale, ainda, trazer à baila as palavras de Rios (2008, p.84):

Em uma casa de educação como a Universidade, a pesquisa


deve ser entendida como uma prática pedagógica (para além
da didática), a serviço de uma prática construtora, que parti-
lhe a cultura, de forma que todos possam apropriar-se dela e
dela se beneficiar. É necessário perguntar, continuamente, se
a pesquisa que estamos fazendo amplia a qualidade do conhe-
cimento e da vida das pessoas nela envolvidas .

2.3 Questões atinentes à relação com os sujeitos de pesquisa

No campo da pesquisa que envolva seres humanos, a relação com


os sujeitos sociais diretamente implicados na investigação deve se
erguer em meio a preocupações éticas, que contemplem, dentre ou-
tros aspectos:
a) a explicitação do tema de investigação, dos objetivos, dos
métodos, dos procedimentos de coleta de dados e dos eventuais ris-
cos a ela implicados (quando for o caso);
b) a garantia de sigilo das informações fornecidas pelos partici-
pantes, bem como a liberdade para se retirar da pesquisa a qualquer
momento, sem qualquer ônus;
c) o esclarecimento sobre a ausência de quaisquer vantagens
pecuniárias ou de outra natureza ao participante da pesquisa, aten-
do-se apenas ao processo investigativo;

Entrelaces entre questões éticas


44 | e metodológicas na pesquisa
d) a garantia de dar retorno das informações que se tornarão
públicas.

Como ensinam Siquelli e Hayashi (2015, p. 79):

Para não incorrermos na situação de banalizar os aspectos que


determinam os significados da ética em pesquisa, considera-
mos importante que os pesquisadores da educação reafirmem
o compromisso ético de retornar os resultados obtidos em seus
estudos aos participantes. Esse compromisso levaria a pesqui-
sa a cumprir seu papel social e demonstraria a existência de
uma ética de engajamento e responsabilidade por parte dos
pesquisadores com a comunidade investigada.

Com Siquelli e Hayashi (2015, p.75), sinalizamos a importância


de que as ações de investigação “[...] assegurem a confidencialidade,
a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização, garan-
tindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou
das comunidades e selecionando preferencialmente indivíduos com
autonomia plena”. Do mesmo modo, trazemos, também, a observa-
ção dos autores sobre a necessidade de que haja “[...] a observação
do respeito aos valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos,
bem como de hábitos e costumes quando as pesquisas forem reali-
zadas em comunidades” (ibidem, p. 76). O conhecido documento
intitulado “Termo de Consentimento Livre Esclarecido” (TCLE) tem
ocupado importante papel, para garantir que tais preocupações este-
jam no cerne das ações do/a investigador/a. Todavia, seu papel con-
troverso tem se apresentado, na mesma medida da sua importância.
É pertinente a preocupação dos comitês de ética em pesquisa, com
os procedimentos do/a pesquisador/a, em relação aos participantes
da pesquisa, para que esses tenham ciência dos eixos norteadores da
investigação, bem como garantia de sigilo da sua identidade, de re-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 45
torno dos achados da investigação e da liberdade de sair da pesquisa
a qualquer momento.
Contudo, há que se ter clareza de que a natureza da pesquisa
que envolve seres humanos, no âmbito das ciências humanas e so-
ciais, é distinta das realizadas em outros campos do conhecimento,
como, por exemplo, na área da saúde, como indicam diversos estu-
dos, dentre os quais os que integram a obra organizada por Fleischer
e Schuch (2010). Tal problemática será discutida mais adiante.

2.4 A dimensão ética na análise e na discussão dos resultados

Pereira (2015, p. 57) assevera: “É o ato de pensar que coloca em cena


o movimento de aproximação e afastamento necessários para a pro-
dução de uma ciência em permanente dialogo com a vida (BAKHTIN,
2010; PEREIRA e MACEDO, 2012, p. 08)”. O rigor analítico – que per-
passa o ir e vir entre a aproximação e o afastamento do objeto de
investigação – manifesta-se na observação de critérios científicos,
como a objetividade e a validade. Não há consenso, no que diz res-
peito à objetividade do observador. Particularmente, aproximamo-
-nos da ideia de que, dada a dificuldade de se garantir total objeti-
vidade do pesquisador no campo das ciências humanas e sociais,
frente ao fenômeno observado, é imperioso tentar fazer com que as
questões afeitas à subjetividade do/a pesquisador/a não invalidem a
análise de dados e a discussão dos resultados.
Um dos cuidados que o/a pesquisador/a deve tomar é pro-
curar não expressar juízo de valor, frente a um dado que lhe pareça
incomum ou lhe cause estranheza, mas, antes, procurar compreen-
der tal dado, em meio a seus determinantes circunstanciais. A títu-
lo de exemplo trazemos a seguinte situação: não raras vezes um/a
pesquisador/a iniciante, no campo da educação, indigna-se com

Entrelaces entre questões éticas


46 | e metodológicas na pesquisa
determinadas atitudes de um/a professor/a ou estudante para com
seus/suas alunos/as, sem atentar para as circunstâncias que consti-
tuem os modos de objetivação da docência, em boa parte das esco-
las brasileiras. No ato de observação dos fenômenos educacionais,
por exemplo, é possível que o pesquisador considere alguns compor-
tamentos de docentes ou estudantes inadequados, acusando-os de
descompromissados para com seu ofício ou atividade. A princípio,
assumir juízo de valor pode até lhe parecer algo necessário, pois o
olhar do pesquisador iniciante tende a se circunscrever ao objeto em
si, sem situá-lo no contexto sociocultural. Mais adiante, a maturidade
em pesquisa lhe permitirá compreender estes dados, em um contexto
mais amplo, no qual as atitudes, aparentemente descompromissadas
de docentes ou estudantes, resultem de determinadas políticas de
precarização do trabalho docente e/ou diminuição de investimentos
nas estruturas escolares.
Outro ponto a destacar é a importância do/a pesquisador/a
perseguir a validade dos dados coletados. Para tal, deve observar a
natureza do seu objeto de investigação, procurando perceber em que
medida a utilização de distintas formas de coleta de dados e o diálogo
com diversos participantes do fenômeno investigado pode ampliar as
chances de validar os dados coletados, no confronto com seu objeto
e com a problemática de investigação. Tais considerações têm sido si-
nalizadas por diversos pesquisadores, como Chizzotti (1998), André
(2001), Ludke e André (1986), quando em menção à importância da
chamada triangulação de métodos, sujeitos e perspectivas, mediante
a qual a investigação sobre um dado coletado ergue-se em meio a
várias fontes, junto a diversos participantes, em múltiplas situações
e em distintos momentos.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 47
2.5 Ética na pesquisa educacional: instâncias reguladoras

Os autores De La Fare, Machado e Carvalho (2014, p. 258), ao traçar


um painel histórico da regulação da ética em pesquisa no Brasil, si-
nalizam o caráter pioneiro da resolução nº 1/88 do Conselho Nacio-
nal de Saúde, que teve seus mecanismos de controle consolidados na
Resolução nº 196/96, substituída pela resolução nº 466/12.
Os pesquisadores destacam o papel da resolução nº 196/96,
na elaboração das diretrizes para a criação da Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP) e dos Conselhos de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos (CEP). O Conselho Nacional de Saúde criou o
Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa envolven-
do Seres Humanos (SISNEP), anteriormente à instituição da Plata-
forma Brasil, em 2012. Embora reconheçamos os esforços olvidados,
no tocante às questões éticas afeitas a pesquisas que envolvem seres
humanos, não há como trazer a prescrição do sistema CEP/CONEP,
referente à submissão das pesquisas a tais protocolos, sem sinalizar-
mos o campo conflituoso que aí se instala, em meio à pluralidade
dos modos de se fazer ciência. Para tanto, tomamos emprestadas as
palavras de Fleischer e Schuch (2010, p. 260):

Enquanto as análises do sistema CEP/CONEP, baseadas em


uma perspectiva principialista ou biomédica, apontam como
principais problemas questões procedimentais, como proto-
colos preenchidos incorretamente, informações ou partes de
projetos faltantes e problemas com o TCLE; as análises críti-
cas avançam sobre a natureza do sistema de avaliação, de-
nunciando as concepções de ciência que o fundamentam e
apontando conflitos e contradições na regulação ética de pes-
quisas sociais.

O campo conflituoso se manifesta em diversas práticas sociais,


dentre as quais destacamos o debate em curso, materializado na pro-

Entrelaces entre questões éticas


48 | e metodológicas na pesquisa
posta de resolução sobre ética em pesquisa na área das Ciências Hu-
manas e Sociais (CHS), elaborada pelo grupo de trabalho de CHS da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Como podemos
observar, a comunidade acadêmica tem se mobilizado, no sentido de
salvaguardar a realidade plural que se apresenta aos diversos campos
do saber científico, ao tensionar a prescrição universal de determina-
dos protocolos, que acabam por não levar em conta as especificida-
des dos diversos campos do conhecimento e, por consequência, dos
distintos modos de se fazer ciência. Essa problemática vai ao encon-
tro do apontado por De La Fare; Machado e Carvalho (2014, p.264):

Para contextualizar o debate, assinalamos que, passados dezoi-


to anos da promulgação da Resolução no 196/96, reconhece-se
algum consenso na crítica aos efeitos da aplicação dessa nor-
mativa no campo científico, especificamente direcionadas às
tentativas de imposição do modelo biomédico à ética e à prática
científica em todos os campos do conhecimento. [...] da aplica-
ção da regulação pautada por essa normativa, também se critica
o predomínio e a imposição de um modelo formalista, implan-
tado como modo único e compulsório de pensamento ético e
de regulação da ética na pesquisa (2014, p. 264).

Ao sinalizar ser consensual o reconhecimento da necessidade


de uma regulação que considere as especificidades do campo das hu-
manidades, os autores problematizam a universalização dos protoco-
los de pesquisa, do ponto de vista biomédico, advogando em favor
de uma atitude que tensione esta problemática e destacando as espe-
cificidades das diversas tradições científicas, no que diz respeito aos
direitos dos sujeitos de pesquisa. Seguindo essa linha de raciocínio,
os pesquisadores assinalam que o caráter compulsório do TCLE para
todos os campos do conhecimento, conforme Resolução 196/96, se
consubstancia como “um dos principais alvos de crítica e discussão”
(ibidem, p. 265). Ao pensar a relação entre educação e regulação da

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 49
ética em pesquisa como uma questão complexa, transversal e trans-
disciplinar, os autores salientam:

A pesquisa em temas de Educação sempre esteve às voltas


com a reflexão ética, mas, como vimos, ainda não se debru-
çou suficientemente sobre as especificidades da regulação da
ética em pesquisa. O modo como tratamos as diversas cate-
gorias, mais que uma revisão crítica e sistemática, forma um
mosaico de recortes empíricos e argumentativos (DE LA FARE;
MACHADO; CARVALHO, 2014, p. 273).

Nesse movimento, os pesquisadores destacam a relevância de


se preservar espaços plurais de discussão sobre ética, que “contem-
plem os interesses dos grupos vulneráveis e considerem a diversi-
dade de concepções científicas, de destinatários dos conhecimentos
produzidos e de interesses envolvidos” (ibid., p. 274). Corroborando
com este entendimento, Pereira (2015), ao problematizar a prescrição
irrestrita dos atuais protocolos de ética em pesquisa, alerta sobre o
risco de a Ciência tornar-se judicializada, ao negar os diversos modos
de se fazer pesquisa. Em seu dizer:

Tais documentos [como o TCLE, grifo nosso] cada vez mais


assemelham-se aos contratos do campo jurídico, formatando
um conceito de ética nos limites da legalidade [...] O cenário
que se apresenta, portanto, parece caracterizar-se por uma ju-
dicialização da ciência, fenômeno que, se observado em sua
complexidade, encontra-se no bojo de um crescente processo
de judicialização da vida e das relações sociais. [...] A pergun-
ta, portanto, que não podemos nos furtar a fazer é sobre como
a ciência responde a essa judicialização. Em certa medida,
parece legitimá-la, sobretudo quando assume e universaliza
tais protocolos como representativos do que seja a ética na
pesquisa. Essa postura, entretanto, cria para a própria ciên-
cia uma aporia, uma vez que ao delimitar aprioristicamente
o que seja a ética, abre mão justamente do procedimento que
define a sua natureza: a problematização[...] Curiosamente,
é justamente na recusa à diversidade dos modos de fazer pes

Entrelaces entre questões éticas


50 | e metodológicas na pesquisa
quisa que a ciência, abrindo mão de problematizar o que seja
a ética, torna vulneráveis as suas fronteiras a outros campos
de saber ávidos por colonizá-la (PEREIRA, 2015, p. 53-54).

Em nosso entendimento, as observações dos pesquisadores


supracitados, dentre as quais se destacam a inapropriação de uma
prescrição universal dos protocolos de pesquisa e o risco de judiciali-
zarmos a Ciência, devem se situar como importantes pontos de refle-
xão, no atual momento histórico da pesquisa educacional brasileira.

3 Considerações finais: contribuições para o debate

No presente texto tivemos como objetivo discutir a temática afeita


à ética na pesquisa educacional. E o fizemos com base em cinco as-
pectos: a) relevância para os estudos do campo; b) contribuição para
a práxis educativa; c) questões afeitas à relação com os sujeitos de
pesquisa; d) ética nos procedimentos de análise e na discussão dos
resultados; e) instâncias reguladoras da ética na pesquisa. Procura-
mos abordá-los, em um movimento dialético de análise, que busque
evidenciar as contradições inerentes a cada um deles. Ao finalizar
estas linhas, salientamos que concebemos a ética como um aspecto
transversal à investigação acadêmica, no campo da educação. A ética
deve perpassar todas as etapas da pesquisa educacional: na escolha
de um objeto de investigação com relevância não somente pessoal,
mas também social e científica; no respeito para com os sujeitos de
pesquisa; no rigor teórico-metodológico.
Em outras palavras, assumimos a premissa de que a Ciência é
uma construção histórica (ANDERY et al., 2004) e, como tal, a pes-
quisa científica ergue-se em meio a práticas sociais dos investigado-
res. A partir dessa premissa, sinalizamos que, para além da etapa pro-
tocolar de elaboração do TCLE, submissão da pesquisa à Plataforma

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 51
Brasil e aos comitês de ética em pesquisa, a ética deve assumir um
movimento contínuo, que perpasse todas as instâncias da pesquisa.
Caso contrário, corremos o risco de cair no embuste de judicializar a
pesquisa, como adverte Pereira (2015).
Em tempos sombrios, em que ainda se assiste ao desrespeito
aos direitos humanos e à não aceitação das diferenças de qualquer
natureza (religiosa, étnica, de gênero, de orientação sexual etc.), as
questões éticas ainda se consubstanciam como grande desafio para
a humanidade. Como a pesquisa é desenvolvida em meio a práticas
sociais de seres humanos, a ética no campo das ciências humanas e
sociais – aí inclusa a pesquisa educacional – configura-se como um
campo em que ainda há muito por discutir e realizar. Tal foi nosso
intuito, com estas breves linhas: dar uma contribuição, mesmo que
singela, para o debate no campo.

Referências

ANDERY, Maria Amália et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva


histórica. 13ª ed. Rio de Janeiro: Garamond; São Paulo: EDUC, 2004.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Pesquisa em educação: buscando


rigor e qualidade. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Cortez / Fundação
Carlos Chagas, n. 113, p. 51 – 64, julho, 2001.

BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato. São Carlos: Pedro e João
Editores, 2010.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 3ª. ed.


São Paulo: Cortez,1998.

Entrelaces entre questões éticas


52 | e metodológicas na pesquisa
DE LA FARE, Mónica; MACHADO, Frederico Viana; CARVALHO, Isabel
Cristina de Moura. Breve revisão sobre regulação da ética em pesquisa:
subsídios para pensar a pesquisa em educação no Brasil. Práxis
Educativa, Ponta Grossa, v. 9, n. 1, p. 247-283, jan./jun. 2014. Disponível
em:<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/
view/6390/3915> Acesso em: 21 Jan. 2017.

FLEISCHER, Soraia; SCHUCH, Patrice. (orgs.). Ética e regulamentação na


pesquisa antropológica. Brasília: Letras Livres e Editora da UnB, 2010.

GALEFFI, Dante. O rigor nas pesquisas qualitativas: uma abordagem


fenomenológica em chave transdisciplinar. In: MACEDO, Roberto Sidnei;
GALEFFI, Dante; PIMENTEL, Álamo. Um rigor outro sobre a qualidade
na pesquisa qualitativa: educação e ciências humanas. [online]. Salvador:
EDUFBA, 2009, p. 13-74. Available from SciELO Books. Disponível em:
<http://static.scielo.org/scielobooks/s6/pdf/macedo-9788523209278.
pdf> Acesso em: 21 Jan. 2017.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Análise de dados e algumas questões


relacionadas à objetividade e à validade nas abordagens qualitativas. In:
Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
p.45-53.

NOSELLA, Paolo. Ética e pesquisa. Educação e Sociedade, Campinas, vol.


29, n. 102, p. 255-273, jan./abr. 2008. Disponível em:<http://www.scielo.
br/pdf/es/v29n102/a1329102.pdf>. Acesso em: 21 Jan. 2017.

PEREIRA, Rita Marisa Ribes. Por uma ética da responsividade: exposição de


princípios para a pesquisa com crianças. Currículo Sem Fronteiras. v. 15, n. 1,
p. 50-64, jan./abr. 2015 Disponível em:<http://www.curriculosemfronteiras.
org/vol15iss1articles/pereira.pdf> Acesso em: 21 Jan. 2017.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 53
PEREIRA, Rita Ribes; MACEDO, Nélia Mara (orgs.). Infância em pesquisa.
Rio de Janeiro: NAU Editora, 2012.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Análise de documentos em Ciências


Sociais. In: ______. Variações sobre a técnica de gravador no registro da
informação viva. São Paulo: CERU; FFLCH/USP, 1983. p. 87-107.

RIOS, Terezinha. A ética na pesquisa e a epistemologia do pesquisador.


Psicologia em Revista. Belo Horizonte, v. 12, n. 19, p. 80-86, jun. 2006.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v12n19/v12n19a08.
pdf > Acesso em: 21 Jan. 2017.

SIQUELLI, Sonia Aparecida; HAYASHI, Maria Cristina. Ética em pesquisa


de educação: uma leitura a partir da resolução 196/96 com expectativas
da resolução 466/12. História e Perspectivas. Uberlândia, v. 52, 65-
81, jan/jul. 2015. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/
historiaperspectivas/article/view/30961/16903> Acesso em: 21 Jan. 2017.

Entrelaces entre questões éticas


54 | e metodológicas na pesquisa
UMA REFLEXÃO ÉTICA E FILOSFICA ACERCA DOS PRINCIPIOS
NORTEADORES DA ÉTICA EM PESQUISA

Rildete Santos de Oliveira


Deise Juliana Francisco

1 Introdução

O presente estudo tem como finalidade expor a problemática dos


princípios básicos que norteiam o campo da Ética em Pesquisa com
um olhar filosófico. Engelhardt Junior (1998) considera que os prin-
cípios que norteiam a Ética em Pesquisa funcionam como normas,
que por sua vez, direcionam o indivíduo a buscar soluções para os
problemas éticos presentes nas pesquisas científicas. Estabelece que
as práticas científicas devem ser aplicadas de modo que haja respei-
to para com os direitos e as obrigações morais tanto do pesquisador,
bem como para o participante da pesquisa. Nesta acepção, foram
criadas regulamentações baseadas em quatro princípios que devem
ser seguidos e respeitados, levando-se em consideração que as Re-
soluções, no Brasil, que tratam, como a CNS - 466/2012. Estas estão
fundamentadas em um modelo ético principialista, com princípios
que são, também, princípios bioéticos.
Assim, cada um dos princípios da Ética em Pesquisa tem sua
particularidade e defende especificamente cada situação que possi-
velmente venha ocorrer. De modo geral, o principialismo prevê res-
peito à pluralidade e à diversidade, bem como a garantia da liberdade
e dos interesses dos indivíduos.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 55
2 Princípio de não-maleficência

O princípio da não-maleficência é um dos princípios da Ética em


Pesquisa, princípio hipocrático, que afirma que o pesquisador tem o
dever de não causar danos, tampouco mal ao indivíduo pesquisado.
Este princípio é relevante, pois é imprevisível por vezes, ainda que se
tenha os cuidados necessários: na impossibilidade de realizar o bem,
que não se cause nenhum dano ou mal:

(...) Não operarei nem mesmo quem sofre do mal da pedra,


deixando o lugar para homens especialistas nessa pratica. Em
todas as casas em que entrar, irei para ajudar os doentes, abs-
tendo-me de levar voluntariamente injustiça e danos, especial-
mente de qualquer ato de libidinagem nos corpos de mulheres
e homens, livres ou escravos (REALE, 2003, p. 47).

O pesquisador deve buscar os conhecimentos teóricos e técni-


cos necessários à boa elaboração da pesquisa, buscando, dessa for-
ma, a realização de uma investigação científica que vise a produção
de novos conhecimentos e não cause danos tanto aos sujeitos volun-
tários à pesquisa.

3 Princípio de justiça

O princípio da Justiça envolve a equidade para a comunidade, com o


fim de trazer o justo a todos. Tem como herança a caracterização da
pólis grega, em que os homens, no contexto democrático, eram au-
tárquicos e, por sua vez, dependiam uns dos outros para suprir suas
necessidades, no âmbito da organização social que buscava coesão
por decisão coletiva e direito por isonomia
Nessa tradição que, conforme Engehart (1998), constitui a
maior parte da histórica ocidental, a Lei é reguladora dos desejos e

Entrelaces entre questões éticas


56 | e metodológicas na pesquisa
volições individuais, garantindo a isonomia, portanto, a possibilida-
de da justiça como garantia e efetivação do direito de todos. Na me-
dida em que o que é de todos, na Pólis, é de todos por ser de cada
um, por conseguinte, cada um, no campo democrático, deve zelar
pelo exercício da Lei como direito de todos, efetivando a justiça. O
princípio da justiça, no âmbito da ética em pesquisa, visa garantir o
direito à participação como sujeito voluntário à pesquisa, na medida
em que garante o direito do pesquisador em realizar sua investiga-
ção científica como possibilidade de elaborar novos conhecimentos
para o bem comum.
Segundo Engehart Junior (1998) o princípio de Justiça tem com
pano de fundo a preocupação com o que irá ser benéfico ao outro. De-
fendendo a ideia de que as pessoas têm direito a cuidados com a saúde
sendo estes de qualidade, garantindo integridade à vida, igualdade nos
direitos, igualdade no que tange à divisão de bens, liberdade de expres-
são, garantir respeito em relação a diversidade: gênero, religião, racial,
social etc. Respeito aos limites de cada um no que se refere a pesquisa
cientifica como um todo e garantir o respeito entre os homens.

4 Princípio de beneficência

O princípio de beneficência tem relação com o termo benevolência no


que se aplica ao conceito de filantropia, como Kant (1973) nos mos-
tra em sua obra Fundamentação da Metafisica dos Costumes. Nesta,
o autor parte do pressuposto de que a filantropia significa “o amor
posto aos outros seres humanos” no sentido de que haja satisfação
por parte do indivíduo perceber o bem-estar de outras pessoas, como
quando o bem para si é o bem para as outras pessoas. Há uma lei
ética da perfeição que traz a seguinte afirmativa: “ama teu próximo,
como a ti mesmo”, isto significa dizer que é um dever que todos os

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 57
seres humanos temos para com os demais, sendo estes dignos ou não
de amor. Kant (1973) ressalta a existência de uma lei universal que
faz da benevolência uma obrigação, um dever tanto para com o outro
quanto para o indivíduo, que assim será incluso como um objeto be-
névolo. Neste caso, não é necessário que se tenha um comando que
assim o faça o indivíduo amar a si, pois este é o princípio próprio:

Quero que os demais sejam benevolentes comigo. [...] conse-


quentemente, devo ser benevolente com os demais. Mas pos-
to que todos os demais, exceto eu mesmo, não seriam todos,
de sorte que a máxima não encerraria em si a universalidade
de uma lei, que ainda é necessária para impor obrigação, a
lei que faz benevolência um dever que incluirá a mim mes-
mo na qualidade de um objeto da benevolência, no comando
da razão prática isto não significa que em função disso me
encontro submetido a obrigação de amar a mim mesmo [...]
(KANT, 1973, p. 294).

Logo, o homem deve amar tanto aos outros seres humanos


quanto a si. O amor próprio precisa ser dosado de forma que não haja
desigualdade para com os demais. Assim, a benevolência é identifica-
da como a satisfação para com o bem-estar dos outros enquanto que
a beneficência corresponde em fazer a felicidade do outro como fim.
O princípio da beneficência parte de um indivíduo que é cha-
mado de beneficente. Trata-se de uma pessoa que causa a felicida-
de aos outros através de recursos próprios, promovendo, assim, a
felicidade aos outros sem esperar nada em troca. Kant observa que
a conduta egoísta se mostra contraditória em relação ao dever na
medida em que se faz uma lei facultativa no que tange em agir em
prol da felicidade quanto o outro se faz necessitado de ajuda. Logo,
aquele que negar ajuda ao outro, ficaria na situação em que os ouros
negariam assistência, aquele que propôs ser egoísta. Assim, se esta

Entrelaces entre questões éticas


58 | e metodológicas na pesquisa
lei facultativa fosse igualitária, a lei universal esta seria contrária à
conduta do dever.
O dever acima descrito se trata de um dever universal que cor-
responde ao interesse comum agir em beneficência dos necessitados,
num âmbito de seres racionais, que dispõe de necessidades peculia-
res que oferecem ajuda de forma recíproca. A finalidade da benefi-
cência estabelecida por Kant é de que o homem tem obrigação em
ajudar ao que são necessitados. De modo de que o benefício que se
faz ao outro resulte em seu bem-estar, no que tange a agir com gene-
rosidade, agindo de forma espontânea, visando o bem comum sem
humilhar o outro transmitindo a ideia de que sua ação seja um ser-
viço de amor prestado ao outro, assim sendo sem alguma pretensão.

5 Princípio da autonomia

Kant (2001) inaugura o pensamento da chamada Filosofia Crítica,


trazendo ao que tange o humano a possibilidade de um pensamento
livre e de uma ação autônoma. Segundo o autor, o homem é o único
animal que é racional e isso é o que difere o homem dos demais seres
vivos em geral. Mesmo o homem sendo um ser racional, é possível
afirmar que este é um ser que age conforme a sua vontade, no sen-
tido de que a vontade é tida como a capacidade da qual o homem a
utiliza para determinar suas ações.
Por isso, é possível afirmar que a vontade é essencial em tudo
aquilo que está ligado à nossa capacidade de agir segundo as repre-
sentações. Porém, a faculdade do desejo antecede a ideia da vontade
no sentido de que esta é a própria representação em relação a causa
dos objetos e de suas representações. Logo a faculdade do homem
agir conforme suas representações é denominada como vida. Kant
(2001) define a faculdade do desejo como a faculdade que determina

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 59
a ação de fazer ou não fazer as coisas. Esta por sua vez está relacio-
nada à consciência de cada um conforme a capacidade que cada um
tenha em fazer suas escolhas. Desse modo, a faculdade do desejo é
compreendida como a faculdade de fundamento determinante para
que o homem faça suas escolhas e esta por sua vez se encontra na
razão do sujeito que é chamada de vontade.
Kant, em sua obra Crítica da Razão Prática, nos mostra que a
vontade se encontra num dilema entre os princípios racionais e os
objetos empíricos. Desse modo, a vontade é vista como uma relação
entre a faculdade de aptidão e a do entendimento, e muito além dis-
so, essa mesma vontade é a própria Razão Prática, que assim a faz
à vontade ser pura, no sentido de que a vontade é livre de qualquer
interesse da razão diante da representação da lei e esta por sua vez
preestabelece a capacidade da petição.
Logo, a vontade é defendida na Fundamentação da Metafísica
dos Costumes como a faculdade do desejo da qual é a determinante
de seu fundamento íntimo, da qual se trata do livre arbítrio no que
diz respeito ao fazer ou não fazer. A partir dessa afirmação Kant dis-
tingue com clareza a diferença que há entre arbítrio geral e o arbítrio
livre, de modo que o arbítrio livre tem ligação com a vontade. Essa
questão não será esmiuçada aqui e sim compreender a questão da
determinação da vontade pura e que está assim determinada pela
razão, logo a vontade é responsável por gerar o interesse moral do
homem. Porém, é imprescindível compreender a questão da razão
prática e vontade, para que então se possa afirmar a respeito da pos-
sibilidade de uma autodeterminação da vontade que a difere de uma
causa exterior a lei da razão.
Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, a vontade é
estabelecida como uma vontade autônoma no que diz respeito a uma
vontade que não é determinada por ações exteriores, sendo esta uma

Entrelaces entre questões éticas


60 | e metodológicas na pesquisa
liberdade positiva da qual parte da causalidade da razão. Mas a razão
não se mostra suficiente para definir a finalidade da vontade que para
Kant é determinada pelo empirismo.
Desse modo, a razão é posta a dois modos como princípio a
priori e a posteriori, a primeira tem em seu conceito como formal e a
segunda presume ser material. A vontade na obra Fundamentação da
Metafísica dos Costumes é deliberada como a faculdade do desejo, e
esta faculdade tem em sua natureza o livre arbítrio, logo este funda-
mento está situado na razão do ser, ou seja, a vontade trata-se de uma
razão prática. Porém, Kant observa que há restrições que dificultam
que a vontade do homem racional seja afeiçoada com uma determina-
ção pura e racional, visto que a moralidade pode ser corrompida (daí a
necessidade de elaborar uma metafísica dos costumes). O próprio Kant
estabelece a questão da distinção entre razão e vontade, designando
que a razão seja a condição que determina a vontade como a faculdade
de escolher apenas o que seja condizente com a razão, ou seja, o que
é necessário para o homem, ou ainda, aquilo que é bom.

A vontade é, portanto, a faculdade do desejo considerada não


tanto em relação a ação (como é a escolha), porém por mais
em relação ao fundamento que determina a escolha para a
ação. A vontade ela mesma estritamente falando, não possui
fundamento determinante; na medida que é capaz de deter-
minar a escolha, ela é, ao contrario, a própria razão pratica
(KANT, 1973, p. 63).

Podemos inferir então que não há discussão determinada entre


a razão prática e a vontade. Desse modo, a espontaneidade da razão é
entendimento que não se mostra adequado para afirmar que a razão
pode determinar a vontade. Mas se fosse colocado que a razão pura
fosse suficiente para determinar a vontade não apenas como uma regra
para um fim, dessa forma tanto a liberdade como a vontade ficariam

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 61
asseguradas do que ambas representam. Contudo, Kant afirma que a
vontade é dependente de uma legislação da qual lhe é própria. Cabe
dizer que a vontade tem em sua capacidade admitir a causalidade das
leis, tendo a natureza como independente do curso da natureza.
A autonomia está de acordo com o imperativo categórico pré-
-estabelecido por Kant: a forma da lei e universalização são os com-
ponentes que fazem parte da base do imperativo categórico. A fa-
culdade da vontade formula sua própria lei, na medida em que a
universalização é classificada com suas máximas que são abstraídas
de seu elemento material. A partir daí, é possível ter uma lei prática
incondicional embasada na vontade da autonomia, que se baseia em
uma espécie de ética na qual o homem causa consequências não ape-
nas a si mesmo por sua vontade autônoma, mas também a todos os
outros homens da sociedade. Partindo do pressuposto da autonomia
da vontade, é possível encontrar o conceito positivo de liberdade e
que assim pode ser confirmado pela lei da moralidade.
Para Kant (1973), o princípio da liberdade é ponderado a par-
tir do princípio de livre arbítrio que é pressuposto da faculdade de
determinar por si, isento das condições exteriores. A autonomia da
vontade tem em sua característica a auto legislação, da qual advém
a característica de legislador e súdito no sentido de que o súdito se
submete as leis enquanto que o ser racional é pertencente a um rei-
no dos fins do qual é membro e este é legislador, mas ainda assim é
submetido às leis. Logo, esta caraterística denomina a autonomia da
vontade como autônoma, no sentido de que, esta é por sua vez legis-
ladora em relação às leis morais - e é isto que a torna subordinada.
Contudo a liberdade é identificada como positiva, e por assim ser
identificada, tanto a autonomia da verdade quanto a auto legislação
são identificadas como instâncias iguais.

Entrelaces entre questões éticas


62 | e metodológicas na pesquisa
Quando a vontade busca a lei, que deve determiná-la em qual-
quer outro ponto que não seja a aptidão de suas máximas para
a sua própria legislação universal, quando, portanto passan-
do além de si mesma, busca essa lei na natureza de qualquer
um de seus objetos, o resultado é então sempre heteronomia.
(KANT, 1973, p. 69).

Kant deduziu que o princípio da vontade autônoma era o úni-


co capaz de atender aos requisitos da moralidade. Assim, o princípio
da autonomia tinha que ser pressuposto para ser possível pensar no
homem como um ser racional que se auto determine pelas leis de sua
própria racionalidade:

(...) Portanto, a vontade livre e a vontade submetida às leis


morais constituem uma só coisa. É que toda lei moral se fun-
damenta sobre essa autonomia da vontade, isto é, de uma
vontade livre que, necessariamente, tem a possibilidade de
concordar, seguindo as leis universais, com tudo aquilo a que
deva estar submetida (KANT, 1959, p. 12).

Assim conclui-se que o homem é designado como ser autô-


nomo por ser racional e este por sua vez é obediente às leis morais.
Mas para que esse tenha a liberdade em si, se faz necessário que ele
faça suas escolhas sem que haja influência dos meios exteriores na
tomada de sua decisão. Ainda assim o homem é subordinado, pois é
submetido às leis que lhes são impostas.

6 O princípio da autonomia no contexto da bioética

O conceito de liberdade é expresso pelo termo autonomia, este se co-


loca como um dos grandes princípios norteadores da Bioética prees-
tabelecidos em meados de 1979, criado pelos americanos. Autonomia
refere-se à posição social da pessoa e sua aptidão sobre a sua capa-
cidade de escolha, assim se refere Martins (2009). Com o avanço e a

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 63
valorização da autonomia do paciente na área biomédica, mudou-se
a realidade na qual o médico tomava a decisão por seus pacientes
sem levar em conta os desejos e os interesses dos indivíduos pesqui-
sados. Foi estabelecida uma nova forma de relação entre pesquisador
e pesquisado a ponto de impor o direito do pesquisado antes de de-
senvolver a pesquisa: “uma intervenção biomédica só pode ser leva-
da a cabo depois que paciente tenha sido informada de seu propósi-
to, natureza, riscos e consequências e tenha consentido livremente”
(MARTINS, 2009, p. 77).
Com o novo modelo de tratamento de pesquisadores e parti-
cipantes de pesquisa, ocorre a renúncia do modelo paternalista, no
qual incidia que o paciente fosse tratado como um simples objeto
de estudo, sem relevar a pessoa como um ser e que deve ser tratada
com dignidade. O respeito à autonomia não alude que o médico e
pesquisador deva abandonar seu dever profissional nem seu dever de
prezar pela saúde dos que precisam dos cuidados deste profissional.
Nas palavras de Garrafa (2005):

adotada pelo Instituto Kennedy, a bioética sofreu, já em 1971,


uma redução da sua concepção “potteriana” original, restrita
ao âmbito biomédico. O tema da autonomia foi maximizado
hierarquicamente em relação aos outros três, tornando-se uma
espécie de superprincípio. Este fato contribuiu para que, em
alguns países, a visão individual dos conflitos passasse a ser
aceita como a única vertente verdadeira e decisiva para a re-
solução dos mesmos (GARRAFA, 2005, p.128).

Assim, tenta-se estabelecer um equilíbrio entre o bem e a au-


tonomia a fim de que o estudo científico tenha uma visão de relação
do bem, assim resultando na inter-relação do médico e pesquisador
para que não tome uma decisão solitária que condiz apenas ao pa-
ciente pesquisado. Logo, a autonomia tem em seu pano de fundo o
prezar pela dignidade humana.

Entrelaces entre questões éticas


64 | e metodológicas na pesquisa
7 Princípio de vulnerabilidade

O princípio de vulnerabilidade, segundo a Resolução CNS 466/2012,


consiste no estado do qual se encontra um indivíduo ou um grupo
de pessoas das quais tenham a sua capacidade de autodeterminação
restringida por alguma razão que as impedem em fazer as próprias
escolhas:

[...] estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou


motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação redu-
zida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos de
opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento
livre e esclarecido (BRASIL, 2012, p. ).

O consentimento livre e esclarecido também está inserido na


discussão da vulnerabilidade, pois este tem como objetivo esclarecer
ao participante da pesquisa do que se trata a pesquisa na qual estará
participando, bem como a que se destina a mesma, suas etapas, e o
que será feito das informações obtidas pelo pesquisador.
É o princípio da vulnerabilidade que defende os direitos e
deveres daqueles que se encontram em situação desprivilegiada seja
por idade (no caso de crianças e adolescentes que não respondem
judicialmente por suas ações - porém deve ser respeitada e levando
em consideração sua escolha em querer participar de um determina-
do estudo ou não); seja por situação social (em que o indivíduo en-
contra-se em desigualdade social em relação à sociedade e que pode
ser coagido por não dispor de dinheiro ou de condições para realizar
um determinado tratamento do qual necessita):

Uma revisão ética que leve a sério a proteção de grupos e pes-


soas vulneráveis deve considerar aspectos de diferentes natu-
rezas: individuais (idade, sexo, cor, condição de saúde, capa-
cidade cognitiva); sociais (estrutura de proteção social e bens

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 65
sociais, como saúde, educação e segurança); legais (normas e
regulamentos que protegem os participantes de pesquisa); e
culturais (construções sociais de gênero, raça ou idade, bem
como representações sobre a ciência) (DINIZ, 2008, p. 79).

Assim é o princípio de vulnerabilidade que integra os princí-


pios básicos da Ética em Pesquisa que defendem a integridade e a
dignidade do homem que tem como embasamento o princípio da jus-
tiça e da beneficência. Sendo estes os que dão respaldo para que este
princípio se enquadre nos preceitos pré-estabelecidos na Bioética.
Assim, a Ética em Pesquisa tem em suas Diretrizes o compro-
metimento e a responsabilidade social para com o indivíduo vulne-
rável, no sentido de que esta resguarda os direitos e o deveres deste
público. Preservando a integridade humana e autonomia por meio
das regulamentações que acobertam o sujeito quando se tem risco
de sofrer algum tipo de exposição, seja por exposição da imagem, ou
por revelar fatos e informações sigilosas que só condiz ao pesquisa-
dor e ao indivíduo pesquisado, como revela Diniz (2008). Portan-
to, Ética em Pesquisa e Bioética se encontram presentes no cotidiano
cientifico com a finalidade de salva guardar os direitos e deveres dos
sujeitos pesquisados e em particular dos indivíduos vulneráveis que
por alguma razão tem sua autonomia restrita. Dando suporte para que
a dignidade, integridade e autonomia sejam levados em consideração
durante e depois do estudo cientifico. Assegurando que estes serão res-
peitados e que suas decisões serão consideradas, independentemente
da situação da qual este se encontre. Assim é a Ética em Pesquisa e a
Bioética que se entrelaçam em defesa dos direitos humanos.

Entrelaces entre questões éticas


66 | e metodológicas na pesquisa
8 Considerações finais

Neste artigo foram discutidos os entraves que correspondem a Bioé-


tica e a Ética em Pesquisa. No que se refere ao principialismo e aos
ideais que inseridos nos princípios básicos da Ética em Pesquisa que
tem por finalidade assegurar direitos e deveres de pesquisadores e
indivíduos pesquisados, garantindo: justiça, benefício, autonomia,
respeitando a condição ou situação de vulnerabilidade em que o in-
divíduo se encontra, prevendo a não – maleficência ou seja que não
seja causado dano nenhum ou nenhum tipo de prejuízo a saúde do
agente pesquisado. A Filosofia é o pano de fundo deste capítulo, pois
ressalta o entendimento de que a Ética aplicada já está presente desde
a antiguidade. Esta por sua vez era utilizada para a vida como forma
regrar as condutas do homem para com o outro.
A evolução da Ética Aplica se teve a partir do nascimento de
um movimento que veio instituir normas, que pré–estabelecem a for-
ma de agir do homem. Assim a discussão da Bioética tem o caráter de
reflexão filosófica, pois se trata de um tema atual que constantemente
passa por alterações para a melhoria de sua estruturação. E essa es-
truturação requer uma reflexão Filosófica, pois, à medida em que o
universo científico muda logo surgem novas questões que precisam
se adequar a realidade sem que haja prejuízo ou até mesmo deixar
sem respaldo a comunidade cientifica, bem como os participantes
das pesquisas. O olhar filosófico traz à tona o cuidado minucioso em
debater categoricamente cada âmbito do principialismo com a fina-
lidade de que o cuidado Ético se ramifique para as diversas áreas da
ciência que ainda não foram atingidas. Quando se tem pesquisa das
mais diversas áreas, logo a Filosofia mostra que os critérios éticos vão
além das normas pré-existentes. A discussão se faz longa e polêmica.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 67
Referências

CODIGO DE NUREMBERG – 1947: Disponível em: < http://www.ufrgs.


br/bioetica/nurembod.htm > Acesso em: 20 Jan. 2014.

DINIZ, Debora; GUILHEM, Dirce. O que é Ética em Pesquisa. São Paulo:


Brasiliense, 2008. p 110.

ENGELHARDT JUNIOR, H. T. Fundamentos da Bioética. São Paulo:


Loyola, 1999. p 518.

GARRAFA, Volnei; CORDON, Jorge. Pesquisa Em Bioética no Brasil de


Hoje. São Paulo: Global, 2005. p 128 – 142.

HELSINQUE. Declaração de Helsinque VI. 2008. Disponível em: <http://


www.ufrgs.br/bioetica/helsin6.htm>. Acesso em: 06 Abr. 2014

KANT, Imannuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Alex Marins. São Paulo:
Martin Claret, 2001. p 284.

KANT, Imannuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, São


Paulo: Editora Abril, 1973. p 328 Coleção: Os Pensadores.

MARTINS, C. JUDITH; MÖLLER, L. LETÍCIA. Bioética e


Responsabilidade. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009. p 445.

BRASIL.MINISTÉRIO DA SAÚDE: Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes


e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Resolução N.466 de 12 de dezembro de 2012. Brasília.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia. São Paulo:


Paulus, 2003.

Entrelaces entre questões éticas


68 | e metodológicas na pesquisa
A RESPONSABILIDADE CIVIL NA PESQUISA ACADÊMICA COM
SERES HUMANOS

Fátima Maria Lyra Cavalcante

1 Introdução

Este breve trabalho de cunho jurídico foi direcionado a um públi-


co multidisciplinar: os pesquisadores de todas as áreas do saber e
às instituições responsáveis pela realização e fomento da pesquisa
acadêmica. Ao se constatar a carência de escritos sobre a responsa-
bilidade civil dos condutores da pesquisa científica perante o sujeito
pesquisado, percebeu-se a importância de esclarecer a esses atores
os limites de sua responsabilidade. Assim, partindo da Resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, doravante denominada
“Resolução 466/2012”, e sua interação com a Constituição Federal
de 1988 (CF/88) e com o Código Civil, o artigo demonstrará as par-
ticularidades da responsabilidade civil no âmbito das pesquisas aca-
dêmicas com a participação de seres humanos.

2 A ética na pesquisa acadêmica e sua interação com os direitos


fundamentais

A ética na pesquisa com seres humanos nasce guiada pelo respeito


à dignidade humana e na observância dos direitos fundamentais,
enaltecidos pela CF/88. Dentre aqueles direitos essenciais previstos
na Carta Maior, com relevante repercussão na pesquisa acadêmica,
pode-se destacar aquele previsto no art. 5º, X:

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 69
Art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indeni-
zação pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
(BRASIL, 1998, p. )

A Resolução 466/2012, baseando-se nesse comando constitu-


cional, o direcionou à ética na pesquisa acadêmica:

III.1 - A eticidade da pesquisa implica em: [...] i) prever proce-


dimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade,
a proteção da imagem e a não estigmatização dos participan-
tes da pesquisa, garantindo a não utilização das informações
em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em
termos de autoestima, de prestígio e/ou de aspectos econômi-
co-financeiros; (BRASIL, 2012, p. grifo nosso)

Percebe-se que a Resolução 466/2012 manteve um diálogo com


a CF/88, ao garantir aqueles direitos fundamentais no desenvolvi-
mento da pesquisa científica com seres humanos. Não apenas a inti-
midade/privacidade, a honra e a imagem das pessoas são garantidas,
mas também as incolumidades física e psíquica dos pesquisados são
garantidas por ambas as normas.
A Resolução 466/2012 é firme no sentido de proteger o parti-
cipante da pesquisa em sua dignidade e autonomia e preservar a in-
violabilidade de seus direitos fundamentais. É por isso que tem como
um dos critérios de aprovação dos projetos submetidos aos Comitês
de Ética a permissão do participante1. Ninguém é obrigado a partici-
par e se manter voluntário de uma pesquisa acadêmica, em respeito
à sua autonomia. Entretanto, para o ser é preciso outorgar um termo
ao pesquisador formalizando a sua participação. Trata-se do Termo

1. Res. 466/2012, IV - O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe com
consentimento livre e esclarecido dos participantes, indivíduos ou grupos que, por si e/ou por seus
representantes legais, manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.

Entrelaces entre questões éticas


70 | e metodológicas na pesquisa
de Consentimento Livre e Esclarecido2 (TCLE) ou Termo de Assenti-
mento Livre e Esclarecido3.
Um dos documentos mais importantes da pesquisa submetida
ao sistema CEP/CONEP, o TCLE tem a função de esclarecer ao par-
ticipante da pesquisa todo o procedimento ao qual será submetido,
os riscos aos quais ele se sujeita, a garantia de confidencialidade de
seus dados, o direito de se retirar da pesquisa a seu critério e sem
penalidades, dentre outros direitos4.
Cumpre enfatizar que o TCLE não se confunde com um “termo
de isenção de responsabilidade”, no qual o pesquisador exime-se em
ressarcir/indenizar o participante por eventual prejuízo. Sua função
é conferir autonomia ao sujeito em participar ou não da pesquisa, ao
esclarecer o procedimento e os riscos ao qual ele se submeterá. No
mais, “ao se proteger o sujeito da pesquisa, indiretamente se estará
protegendo o pesquisador e demais envolvidos, incluindo o CEP[...]”
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007). Isto porque, ao ser honesto com o
participante, prestando as informações adequadas e não omitindo
dados que possam refletir em sua autonomia, garante-se seu direito
de escolha em se inserir na pesquisa.
É através do TCLE que o sujeito da pesquisa pode se munir
contra as violações a seus direitos fundamentais. Ao mesmo tempo

2. Res. 466/2012, II.5 - consentimento livre e esclarecido - anuência do participante da pesquisa e/ou
de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação
ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus
objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar;
3. Res. 466/2012, II.2 - assentimento livre e esclarecido - anuência do participante da pesquisa, criança,
adolescente ou legalmente incapaz, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, su-
bordinação ou intimidação. Tais participantes devem ser esclarecidos sobre a natureza da pesquisa,
seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa lhes
acarretar, na medida de sua compreensão e respeitados em suas singularidades;
4. O item IV da Res. 466/2012 traz a regulamentação jurídica do TCLE, enfatizando a necessidade de
uma fase inicial de “esclarecimento ao convidado a participar da pesquisa”, onde o pesquisador de-
verá obedecer a três critérios (vide item IV.1) visando à proteção do participante. Passada essa fase,
o pesquisador deverá formalizar o aceite do sujeito da pesquisa através do TCLE que, obrigatoria-
mente deverá prever expressamente oito requisitos (vide item IV.3)

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 71
em que o mencionado art. 5º, X da CF/88 enaltece a inviolabilidade
da intimidade, privacidade, honra e imagem, ele também garante a
reparação por danos morais e materiais decorrentes de sua violação.
Assim, é de se questionar em que medida o participante da pesquisa
pode ser recompensado por danos morais e materiais, caso algum di-
reito fundamental seu seja violado durante os trabalhos acadêmicos.

3 A proteção dos direitos fundamentais do participante da


pesquisa e a garantia de indenização

A Resolução 466/2012, ao proteger o participante de pesquisa, de-


terminou que ele não poderá sofrer prejuízos5, aí se compreendendo
danos à sua incolumidade física ou moral, inclusive, de ordem finan-
ceira. Para tanto estabeleceu meios de reparação, a saber:

II.3 - assistência ao participante da pesquisa:


II.3.1 - assistência imediata – é aquela emergencial e sem
ônus de qualquer espécie ao participante da pesquisa, em si-
tuações em que este dela necessite; e
II.3.2 - assistência integral – é aquela prestada para atender
complicações e danos decorrentes, direta ou indiretamente,
da pesquisa; [...]
II.7 - indenização - cobertura material para reparação a dano,
causado pela pesquisa ao participante da pesquisa; [...]
II.18 - provimento material prévio - compensação material,
exclusivamente para despesas de transporte e alimentação do
participante e seus acompanhantes, quando necessário, ante-
rior à participação deste na pesquisa; [...]
II.21 - ressarcimento - compensação material, exclusivamen-
te de despesas do participante e seus acompanhantes, quan-
do necessário, tais como transporte e alimentação; (BRASIL,
2012, p. grifo nosso)

5. Os danos são previstos na Resolução 466/2012 como o “dano associado” ou “decorrente da pes-
quisa”, assim entendido como “agravo imediato ou posterior, direto ou indireto, ao indivíduo ou à
coletividade, decorrente da pesquisa” (item II.6).

Entrelaces entre questões éticas


72 | e metodológicas na pesquisa
Observa-se que, ao garantir assistência ao participante, seja
imediata ou integral, a Resolução 466/2012 impôs aos responsáveis
pela pesquisa uma obrigação ampla em preservar a integridade física
e psíquica do participante, utilizando-se de seu conhecimento técni-
co e dos meios possíveis para evitar, minimizar ou reparar os danos.
A reparação pecuniária será alcançada através da indenização,
do provimento material prévio ou do ressarcimento. A indenização
se destina a cobrir um dano imprevisto que porventura o participante
venha a sofrer. O provimento material prévio e o ressarcimento ser-
vem para compensar um dispêndio financeiro efetuado pelo indivíduo
para participar da pesquisa, a exemplo dos custos de deslocamento ou
alimentação. A diferença entre eles é que o provimento material prévio
é devido ao participante em momento anterior à pesquisa, enquanto
o ressarcimento ocorre durante a realização da pesquisa. Para fins de
responsabilidade civil, os três meios de compensação financeira ao
participante podem ser denominados como “indenização”.
A Resolução 466/2012 também define os agentes responsáveis
por prestar assistência ao participante da pesquisa e de recompensá-
-lo financeiramente:

V.6 - O pesquisador, o patrocinador e as instituições e/ou or-


ganizações envolvidas nas diferentes fases da pesquisa devem
proporcionar assistência imediata, nos termos do item II.3,
bem como responsabilizarem-se pela assistência integral aos
participantes da pesquisa no que se refere às complicações e
danos decorrentes da pesquisa.
V.7 - Os participantes da pesquisa que vierem a sofrer qual-
quer tipo de dano resultante de sua participação na pesquisa,
previsto ou não no Termo de Consentimento Livre e Esclareci-
do, têm direito à indenização, por parte do pesquisador, do
patrocinador e das instituições envolvidas nas diferentes
fases da pesquisa. [...]
VII.1 - Pesquisas envolvendo seres humanos devem ser sub-
metidas à apreciação do Sistema CEP/CONEP, que, ao anali

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 73
sar e decidir, se torna corresponsável por garantir a proteção
dos participantes. (BRASIL, 2012, p. grifo nosso)

Em outras palavras, estabeleceu-se uma corresponsabilidade


entre três agentes envolvidos no desenvolvimento da pesquisa: o
pesquisador, as instituições envolvidas na pesquisa e o patrocinador.
Para entender as nuances de tal corresponsabilidade, é preciso anali-
sá-la a partir das lições do direito da responsabilidade civil.

4 A responsabilidade civil por danos causados ao participante da


pesquisa

A responsabilidade civil é a área do direito civil em que se investiga


a repercussão de uma ação/omissão praticada por um agente sobre a
esfera de uma terceira pessoa, causando-lhe prejuízos indenizáveis:

Código Civil.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negli-
gência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [...]
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (BRASIL, ano, p. ).

Segundo estudiosos da área, a responsabilidade civil teria três


elementos ou pressupostos gerais: a conduta humana (positiva/ação e
negativa/omissão), o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo (GA-
GLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013). Em outras palavras, para o pes-
quisador ser responsabilizado, uma ação ou omissão sua na condução
da pesquisa, deve ser capaz de provocar um dano ao participante da
pesquisa. Esse elo entre a conduta e o dano seria o nexo causal.
Podem-se imaginar várias situações a envolver o tripé de cor-
responsabilidade pesquisador-instituição-patrocinador: a) uma pes-
quisa realizada com aprovação pelo CEP/CONEP, que não resguar-

Entrelaces entre questões éticas


74 | e metodológicas na pesquisa
dou a privacidade/intimidade das pessoas envolvidas; b) o CEP/
CONEP recebe uma denúncia sobre pesquisa, mas se mantém iner-
te; c) o participante não recebe assistência daqueles que conduzem
a pesquisa, dentre outros.
Nessas situações, uma ação ou omissão do pesquisador ou da
instituição deve encabeçar um nexo com o dano sofrido pelo partici-
pante. Ocorre que, ao se falar na corresponsabilidade daqueles três
atores, ainda que somente um deles tenha ocasionado diretamente o
dano, todos eles podem ser chamados a recompensar o participante.
Nas hipóteses acima elencadas, percebe-se que uma ação ou
omissão direta do pesquisador ou da instituição ocasionaria dano ao
participante. Porém, uma vez presentes os três elementos da responsa-
bilidade civil, em todas as situações o patrocinador pode ser chamado
a responder, mesmo não tendo relação direta com o dano causado, em
razão da corresponsabilidade. Trata-se da responsabilidade solidária. A
responsabilidade será solidária quando, por vontade das partes ou da
lei (no caso, a Resolução 466/2012), a parte prejudicada puder recla-
mar seu prejuízo a qualquer corresponsável (VENOSA, 2006). Quando
a Resolução 466/2012 fala em corresponsabilidade atrai a responsabili-
dade solidária, possibilitando que o participante demande contra qual-
quer dos corresponsáveis ou contra todos eles, a seu critério.
Outra questão merece ser esclarecida: é a que diz respeito à
responsabilidade subjetiva e objetiva, que não foi pontuada pela Re-
solução 466/2012. A responsabilidade subjetiva está presente quando
a culpa6 do agente for relevante para a produção do dano, quer dizer,
ou o agente atuou no sentido deliberado de causa o dano (dolo) ou,
apesar de não desejar o dano, atuou com negligência, imprudência

6. O termo “culpa” foi utilizado no sentido lato, abrangendo tanto o dolo, quando o agente tem a in-
tenção de agir para causar determinado resultado, e a culpa em sentido estrito, quando o agente
produz o resultado sem

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 75
ou imperícia (culpa strictu sensu)7. Porém, há situações em que in-
dependentemente de culpa do agente, ele deve indenizar. É o caso da
responsabilidade objetiva (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013).
Ao se tratar de conduta cometida por uma pessoa física, aí se
entendendo o pesquisador, haverá a incidência da responsabilidade
subjetiva (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013). Uma vez que o
participante da pesquisa lesado resolva perquirir seus prejuízos em
face do pesquisador, faz-se necessário um processo judicial para se
avaliar em que medida sua ação/omissão contribuiu para causar o
dano. Se ficar provado que o dano não teve qualquer conexão com
a conduta do pesquisador, ele não arcará com os prejuízos do par-
ticipante. Quer dizer, se não ficar provado que o pesquisador teve o
intuito de prejudicar o participante ou que atuou com negligência,
imprudência ou imperícia, ele não poderá ser responsabilizado, em
razão da responsabilidade subjetiva.
O mesmo entendimento não poderia ser utilizado em relação
à instituição ou ao patrocinador, pessoas jurídicas ligadas ao Estado
ou prestadoras de serviço público, o que atrai a responsabilidade ob-
jetiva. Ou seja, para esses atores, é irrelevante saber se eles agiram
com culpa para causar o evento danoso. Se há o nexo causal entre
sua ação/omissão e o dano, há suficiência para a sua responsabili-
zação. (FARIAS, et al., 2015). Assim, em razão da responsabilidade
solidária, o participante da pesquisa lesado pode reclamar seu pre-
juízo perante o pesquisador, a instituição e o patrocinador. Porém,
será necessário demonstrar a culpa do pesquisador (responsabilidade
subjetiva), mas não da instituição e do patrocinador (responsabili-

7. A negligência é a falta de observância do dever de cuidado, por omissão. Na imprudência, o agente


não tem cautela necessária na sua ação. A imperícia seria a falta de técnica em determinada situa-
ção.

Entrelaces entre questões éticas


76 | e metodológicas na pesquisa
dade objetiva). O Código Civil traça alguns postulados para se aferir
o valor da indenização, a ser conferida ao lesado no caso concreto:

Código Civil
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitati-
vamente, a indenização.
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o
evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em
conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor
do dano (BRASIL, ano, p. ).

Havendo a constatação de que o participante da pesquisa deve


ser indenizado, é necessário ponderar o seu dano e a gravidade da
culpa e, além disso, a capacidade econômica do causador do dano
(CAVALIERI FILHO, 2009). O magistrado precisa se valer de critérios
de razoabilidade a fim de que a indenização seja suficiente para repa-
rar o dano do participante da pesquisa sem comprometer a existência
digna do pesquisador, da instituição e do patrocinador.
Se é certo que a dignidade humana é o fundamento jurídico da
proteção ao participante da pesquisa, não menos verdade é que essa
mesma dignidade reverte-se à manutenção da vida do pesquisador
e das atividades desenvolvidas pela instituição e pelo patrocinador.
Uma indenização que debilite a subsistência do pesquisador, que vai
além de suas capacidades financeiras, peca no quesito da razoabilida-
de. Uma indenização que comprometa demasiadamente as funções
da instituição e do patrocinador também é desarrazoada, pois pode
prejudicar a realização de outras pesquisas, acarretando um prejuízo
maior à sociedade. Por isso, a necessidade da prudência do magistra-
do ao quantificar a indenização.
Por outro lado, há circunstâncias que podem elidir a respon-
sabilidade do pesquisador, da instituição e do patrocinador, a exem-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 77
plo da culpa exclusiva do participante. É o que o direito chama de
excludente de responsabilidade. Quando o dano decorre da atuação
exclusiva do participante da pesquisa, é ele quem deve assumir todo
o ônus, não se aduzindo pela responsabilidade do pesquisador, da
instituição e do patrocinador. Porém, se o dano surge de culpa con-
corrente, é dizer, tanto o pesquisado quanto os condutores da pesqui-
sa contribuíram para a produção do fato danoso, então a responsabi-
lidade deve ser repartida na proporção da culpa de cada um. Dessa
forma, o dano causado ao participante da pesquisa não gera auto-
maticamente um direito à indenização e em igualdade de condições
perante o pesquisador, a instituição e o patrocinador. As nuances
do caso concreto e a própria conduta do pesquisado servem como
balizas para delimitar a corresponsabilidade prevista na Resolução
466/2012 e a extensão de seus efeitos aos corresponsáveis.

5 Considerações finais

A responsabilidade civil no âmbito da pesquisa acadêmica se funda


na ética e no compromisso ao respeito aos direitos fundamentais.
Ao primar pela corresponsabilidade do pesquisador, das insti-
tuições e do patrocinador perante o participante lesionado, a Reso-
lução não pretendeu inibir a produção da pesquisa acadêmica, mas
preservar direitos fundamentais do participante. Por isso, a previsão
de meios para o resguardar: a assistência, a indenização, o ressarci-
mento e o provimento material prévio. Uma vez que esses direitos
sejam violados e comprovada tal violação é que surge a investigação
da responsabilidade civil dos condutores da pesquisa. Não é porque o
participante sofreu um prejuízo que automaticamente o pesquisador,
a instituição e o patrocinador serão responsabilizados.

Entrelaces entre questões éticas


78 | e metodológicas na pesquisa
A responsabilidade entre os três autores é solidária, por dispo-
sição expressa da Resolução 466/2012, mas é subjetiva, em relação
ao pesquisador e objetiva em relação à instituição e ao patrocinador.
Cada qual responde nos limites de sua responsabilidade, aí abran-
gendo o próprio participante que, de alguma forma, tenha colaborado
na produção do dano. Ademais, na quantificação da indenização, é
insuficiente olhar apenas para o dano causado ao pesquisado. É pre-
ciso que se pondere o prejuízo sofrido com a capacidade econômica
daquele obrigado a indenizar, sob pena de se malferir as atividades
desempenhadas pelo pesquisador, pela instituição e pelo patrocina-
dor, que interessam a toda a sociedade.
Assim, espera-se ter alcançado o intento desse breve trabalho:
esclarecer àqueles envolvidos na pesquisa acadêmica os limites de
sua responsabilidade civil.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado


Federal, 1988.

BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, (Código Civil), Brasília.


Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.
htm, Acesso em 17 jun. 2017.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.


Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012, Brasília. Disponível em: <
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf>, Acesso em:
27 Jan. 2016.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 79
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual operacional para comitês
de ética em pesquisa. 4 ed. rev. atual. Brasília: Editora do Ministério da
Saúde, 2007.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. rev.


e atual. São Paulo: Atlas, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de et al. Curso de Direito Civil – vol. III –


Responsabilidade Civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de


Direito Civil – vol. III – Responsabilidade Civil. 11 ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – vol. II – Teoria Geral das


Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

Entrelaces entre questões éticas


80 | e metodológicas na pesquisa
A TRAJETÓRIA DE UM COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DE
UMA UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA

Carlos Augusto Fogliarini Lemos


Lizete Dieguez Piber
Narciso Vieira Soares
Neusa Maria Gonçalves Salla
Vera Regina Medeiros Andrade

1 Ética: Aspectos históricos e filosóficos

As reflexões sobre a conduta e as formas do agir humano em socie-


dade na tentativa de compreender os critérios e os valores que orien-
tam o julgamento e suas ações, acompanham a evolução da história,
sendo objeto de estudos não apenas de filósofos, mas de pensadores,
pesquisadores e comunidade científica. As doutrinas éticas emergem
em diferentes épocas e sociedades na tentativa de responder às ques-
tões decorrentes do viver em sociedade e nas relações entre os ho-
mens (VÁZQUES, 1997). Estudos mostram que os problemas éticos
passam a ser objeto de atenção na filosofia grega, quando se demo-
cratiza a vida política desta antiga sociedade. Despontam filósofos
como Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais apresentam, em suas
ideias, relações com a existência de uma comunidade democrática
limitada e local, já a filosofia dos estoicos e dos epicuristas emerge na
relação entre indivíduo e a comunidade de modo mais democrático
(VÁZQUES, 1997; BETTINELLI, 2007).
Sócrates apresenta uma concepção de ética do bem (como a
felicidade da alma) e do bom (como o útil para a felicidade). Sócra-
tes apresenta a tese da virtude (areté), como capacidade última do
homem, e o vício como ignorância. Nessa concepção, o ser humano
age adequadamente em relação a si e aos outros, quando tem conhe-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 81
cimento das implicações de suas ações. O conhecimento do bem im-
plica a prática da virtude e o exercício desta faz com que os homens
se sintam felizes. Concebe que ninguém faz o mal voluntariamente,
o faz, muitas vezes por desconhecimento, se tem conhecimento do
bem, o homem não pode deixar de praticá-lo (VÁZQUES, 1997).
O processo de aprendizado, na concepção de Sócrates, é um
processo interno aos homens e que está relacionado à vontade e ao
interesse de aprender. Sócrates preocupava-se com o respeito ao ser
humano e sua individualidade, pois considerava que aqueles que
estudavam o ser humano, podiam aplicar seus conhecimentos para
melhorar a si próprios, ou para melhorar os outros. A aplicação des-
se conhecimento deveria atentar para o respeito para consigo e para
com o outro. A virtude para Sócrates é alcançada através do conhe-
cimento, sendo condição para o homem agir eticamente na relação
com outros sujeitos (VÁZQUES, 1997; NALINI, 2014).
A ética em Platão relaciona-se à identificação do belo, da ver-
dade e do bem, para isso, o homem deveria realizar a ultrapassagem
do sensível para o inteligível. Aponta para alternativas de liberdade
e construção da felicidade. Enfatiza as formas de pensamentos, ou
seja, o mundo das ideias, o mundo das formas e o mundo dos con-
ceitos que passam a ser primordiais em sua forma de ver o mundo,
filosofia e dialética aí se identificam como processos, na busca dos
valores absolutos (NALINI, 2014).
Aristóteles assevera que nossas virtudes e, por conseguinte,
nossos valores, não são dons naturais, são predisposições que pos-
suímos e que apenas se constituem como tal, ou seja, deixam de
ser possibilidade para se transformar em fato, na medida em que as
exercemos em nossos atos (PRUDENTE, 2000). Pode-se depreender
a partir do pensamento de Aristóteles que as aptidões e virtudes dos
homens são apenas possibilidades e que a transformação destas, em

Entrelaces entre questões éticas


82 | e metodológicas na pesquisa
fatos concretos, depende do esforço e da dedicação consciente dos
sujeitos, do processo de refinamento da natureza humana na qual o
agir ético ocorre. Para que ocorra a concretização dessa possibilidade
três elementos são considerados indispensáveis: a educação, a trans-
cendência do ato sobre os costumes e a visibilidade da ação moral.
A saber, Aristóteles se referia à reflexão crítica sobre o agir cotidia-
no; a crença na supremacia do agir consciente sobre o agir habitual
e, necessariamente, a expressão fenomênica do produto final desse
processo em ato (PRUDENTE, 2000).
A ética em Aristóteles era concebida como parte da política,
pois entendia que ambas legislam sobre o que devemos ou não fazer
para buscar os objetivos mais nobres, atingíveis com nossa conduta,
que é o bem humano. Ele considerava que a comunidade social e
política constituía-se um meio necessário à moral, tendo como pres-
suposto que esta só pode ser exercitada coletivamente com outros
sujeitos, na práxis coletiva. Se a ética legisla sobre o que devemos ou
não fazer, para atingirmos o bem, então legisla sobre os meios ne-
cessários para atingir tal fim. Essa ideia de Aristóteles acerca da poli-
ticidade do ser humano é retomada por pensadores contemporâneos
(PRIGOGINE; STRENGERS, 1997; DEMO, 2002) que teorizam sobre a
temática como razão humana fundamental da autonomia, resgatan-
do conceitos da biologia para fundamentar essas características do
sujeito. Essas teorias consideram que “a politicidade no homem se
complexifica assumindo-se próprias do ser dialético que sabe intervir
pela reconstrução permanente da realidade” (PIRES, 2004).
Na obra “Ética a Nicômaco”, Aristóteles (1992) interpreta a éti-
ca como a reflexão filosófica sobre o agir humano e suas finalidades.
Seus questionamentos foram objeto de atenção por parte de outros
filósofos em aspectos envolvendo a moral, a relação entre as normas
e o direito, a relação entre a ética individual e social. Concebia a jus-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 83
tiça como um conceito relacional que implicava em alteridade, em
igualdade e respeito à individualidade do outro. Kant (1974) retoma
as ideias de Sócrates ao abordar aspectos relativos à ética laica sem
fundamento teleológico. Sua filosofia contribuiu de maneira oposta
a Aristóteles na ideia de valor que saiu do cosmos para o domínio da
consciência, assim, a consciência moral torna-se verdadeira prática
dos valores éticos (PRUDENTE, 2000).
Hipócrates é considerado como uma das figuras mais impor-
tantes na história da saúde. Foi um dos pioneiros na formulação de
princípios e leis que visavam defender os direitos dos doentes, em
relação à privacidade e à confidencialidade das informações dadas
aos profissionais da saúde. Preconizava, como dever moral do profis-
sional da saúde, manter sigilo acerca das informações relacionadas à
vida e à saúde do doente por ele atendido. A ética de Hipócrates des-
taca-se no Juramento Hipocrático, escrito há, aproximadamente, 430
anos antes de Cristo, considerado como fundamento para origem da
ética dos profissionais de saúde. Preconiza dentre outros, que “àquilo
que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da
sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu
conservarei em segredo e contarei a ninguém” (HIPÓCRATES, 2009).
Reafirma a importância da manutenção da confidencialidade das in-
formações sobre o outro como uma virtude ética, quando afirma que
“se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado go-
zar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre
entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário acon-
teça” (HIPÓCRATES, 2009, p.).
A dimensão ética do cuidado, a possibilidade de violação da in-
timidade dos sujeitos, de violação de segredos e confidências obtidas
na relação terapeuta/paciente constituíam-se em preocupação para
Hipócrates, pois já visualizava a diferença de poder estabelecido nes-

Entrelaces entre questões éticas


84 | e metodológicas na pesquisa
sa relação, decorrente da fragilidade e vulnerabilidade dos pacientes
em decorrência da doença (NALINI, 2001). A ética, na era Medieval,
caracterizava-se por uma índole religiosa e dogmática, principalmen-
te nos pensamentos de Santo Agostinho, ao reforçar o valor da ex-
periência, da vontade e do amor. Concebe o homem como ser social
e político, entretanto, todo poder deriva de Deus e o poder supremo
cabe à Igreja. Por sua vez, São Tomás de Aquino condena a discri-
minação e a violência, pois os seres humanos têm direitos naturais,
que devem ser respeitados, caso contrário, acena a possibilidade de
rebelião dos que forem submetidos a condições indignas (DALLARI,
2008). A ética religiosa parte de um conjunto de verdades sobre Deus,
revelando-se, nas relações estabelecidas dos homens com seu criador
e do modo de vida, que o homem deverá seguir para obter a salva-
ção no outro mundo (VÁZQUES, 1997). O homem criado à imagem
e semelhança de Deus deve pautar seu comportamento, incluindo a
moral, visando a beatitude, a elevação de uma ordem terrestre para
uma ordem sobrenatural.
A ética moderna apresenta como características principais a
libertação dos pressupostos teológicos, passando a ter como centro
e fundamento o homem, embora este ainda se conceba de uma ma-
neira abstrata. Dentre os filósofos dessa época, destaca-se Espinosa
que defendia que Deus e natureza constituíam-se em uma mesma
realidade, ou seja, a única substância em que consiste o universo
e do qual todas as entidades menores compõem modalidades ou
modificações. A sua visão da natureza, da realidade, então, parecia
tratar os mundos físicos e mentais como dois mundos diferentes ou
submundos paralelos que nem se sobrepõem nem interagem. A éti-
ca de Espinosa evita oferecer um quadro de valores ou de vícios e
virtudes, distanciando-se de Aristóteles e da moral cristã para bus-
car uma ideia moderna de indivíduo livre, constituindo-se, assim, o

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 85
núcleo da ação moral. Espinosa aborda a relação do homem com a
natureza e a sociedade, centrando-se nos aspectos relacionados à in-
tegridade individual e considerando a força interior como essencial
para a concretização das inter-relações homem natureza (VÁZQUES,
1997; CHAUI, 2004).
A liberdade em Espinosa não é a possibilidade de dizer não
àquilo que acontece, mas sim, a possibilidade de dizer sim e com-
preender completamente por que as coisas deverão acontecer de de-
terminada maneira. Embora muitos autores considerem a teoria de
Espinosa determinista, negadora da liberdade, na prática apresenta-
-se em sentido inverso, em direção a uma concepção inovadora da
relação corpo-alma e uma ética da alegria e da liberdade. O propósito
de Espinosa é livrar os homens das cadeias da imaginação, que os
prendem e os impedem de ver a totalidade e, portanto assim chegar
à verdade. Espinosa considerava que todos os seres humanos apre-
sentam um potencial natural de autoconservação que ele denominou
de “conatus”, constituindo-se em uma força vital, afirmativa que se
expressa no corpo como apetite e na alma como desejo (ARANHA;
MARTINS, 2003).
As noções cristãs de pecado e dever, abandonadas por Espino-
sa no século XVII, são retomados por Kant, filósofo da iluminação.
Seus escritos influenciam fortemente a ciência e a ética moderna, sua
ética formal e autônoma caracteriza-se por imperativos categóricos,
encontrando lugar na moralidade atual (VÁZQUES, 1997). Em suas
obras “Crítica da Razão Prática” e “Metafísica dos Costumes”, Kant
estabelece os fundamentos do conhecimento científico da natureza,
estabelecendo, também, os fundamentos que guiam as condutas hu-
manas em suas ações na práxis. Kant (1974) concebe o comporta-
mento moral como pertencente a um sujeito autônomo e livre, ativo e
criador. Ademais, sua ética aponta para um ser humano ativo, capaz

Entrelaces entre questões éticas


86 | e metodológicas na pesquisa
de transformar e transformar-se. Preocupa-se em como o ser huma-
no deve agir para que sua ação seja correta, justa e, por conseguinte,
uma ação moral. Considerava que as exigências da razão prática não
necessariamente coincidem com as da razão teórica, pois o autoco-
nhecimento não garante aos indivíduos agirem de modo mais respon-
sável, ou melhor, porque a razão tem limites. Os seres humanos são
sociais, livres e racionais, o que permite transcender do reino do ser
para o dever. O homem, como ser racional que pertence ao mundo
inteligível, só pode pensar a causalidade da sua vontade própria e,
portanto, autônoma a partir da ideia de liberdade, já que a liberda-
de consiste na possibilidade de independência em relação às causas
que determinam o mundo sensível. Segundo Kant, os seres humanos
devem ser tratados como fim e não como meio (VÁZQUES, 1997).
A ética de Kant é considerada como uma teoria deontológica, a
qual preconiza que as ações humanas certas ou erradas são determi-
nadas características das ações e, não apenas, as suas consequências
(BEUCHAMP; CHILDRESS, 2002). A moralidade se funda na razão
pura, ou seja, o valor moral da ação de um indivíduo depende da
aceitação moral da regra de acordo com a qual a pessoa age. Numa vi-
são Kantiana, devemos agir de acordo com a obrigação moral genera-
lizável, obrigação provinda das regras categóricas, ou seja, o motivo
da ação de uma pessoa tem de provir de um reconhecimento de que
ela deseja aquilo que é moralmente exigido. O bem se impõe como
um dever, a ação é consistente, ou seja, passível de ser concebida e
desejada sem contradição, o que é denominado de máxima categóri-
ca ou imperativo categórico (BEUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Assim
como Aristóteles, Kant coloca sua ética em direção oposta aos hábitos
e costumes, busca construir uma ética coletiva, através de um princí-
pio universal para as ações humanas. Um de seus pressupostos é de
que existem alguns valores que não dependem do discernimento par-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 87
ticular dos homens, contudo, estão presentes nestes de forma inata,
sendo possível o seu conhecimento por dedução racional, podendo,
a partir dessa compreensão, poder agir livremente.
Na contemporaneidade, as comunidades científicas, pesquisa-
dores, filósofos, juristas, dentre outros, vêm refletindo sobre os con-
flitos que se originam dos novos fatos gerados pelo crescente avanço
tecnológico. A ética passa a ser intensamente discutida em diferentes
âmbitos, na tentativa de dar respostas às questões que emergem na
prática cotidiana, especialmente, na área da saúde, parecendo não
mais dar conta de responder a questões cada vez mais complexas,
resultantes das relações que se estabelecem entre profissionais da
saúde e pacientes. A ética se ocupa, fundamentalmente, da reflexão
sobre as ações do ser humano. Assim, busca orientação para a toma-
da de decisão mediante apreciação crítica, envolvendo conhecimen-
tos, razão, sentimentos, vivências e valores socialmente construídos.
Enquanto a moral e a lei estabelecem regras para as ações, a ética
busca justificá-las. A ética busca responder os motivos pelos quais
devemos agir de determinada maneira (CLOTET; GOLDIM; FRANCIS-
CONI, 2000; FERNANDES, 2007).
Hoje se vive um momento de redescoberta da ética, de ânsia
por incorporar valores morais nas nossas práticas cotidianas, nas
atividades científicas, políticas, econômicas. (SCHLEDER; PERIGO,
2016). Isso decorre do lamento geral de que estamos vivendo uma
grave crise, a qual é identificada pelo senso comum, pela falta de
decoro e de compostura e pelos intelectuais como uma anemia, ou
seja, pela ausência de condições que garantam a interiorização do
respeito às leis e às regras sociais por parte dos indivíduos (SOUZA;
CARVALHO, 2016).
De acordo com Passos (2004), a crise é decorrente da contem-
poraneidade, onde se privilegiam a heterogeneidade, a diferença, a

Entrelaces entre questões éticas


88 | e metodológicas na pesquisa
fragmentação e a descontinuidade. Para outros, ela não ultrapassou a
modernidade, ao contrário, se instalou no seu seio, apesar de alicer-
çar-se em novas bases, onde a prática pedagógica do adestramento e
da manipulação está sendo questionada. A supremacia da razão e a
adesão cega às leis já não encontram eco e onde os homens exigem
ser tratados como organismos vivos, capazes de pensar, sofrer, se or-
ganizarem e construírem valores. Assim, neste quadro de “crise” os
cidadãos se organizam e clamam por respeitabilidade, por seriedade,
justiça social e por valores morais. Também os indivíduos, enquan-
to membros de categorias profissionais, investem em criar regras de
conduta que possam garantir a convivência com seus pares, seus
clientes, com as instituições a que fazem parte, etc. (PASSOS, 2004).
Resta saber em que bases essas regras acham-se alicerçadas, a que
elas realmente se propõem, a que elas servem. (PASSOS, 2004).

2 A ética na pesquisa científica

Ao final da Segunda Guerra Mundial, embora já houvesse documen-


tos que coibiam o abuso e o desrespeito à dignidade humana nas
pesquisas, esses foram esquecidos, levando médicos e pesquisadores
alemães cometerem atrocidades. Após guerra e julgamento desses,
no Tribunal de Nuremberg, em 1947, surgiu um documento de cará-
ter internacional, o Código de Nuremberg, com recomendações para
as pesquisas com seres humanos (KOTTOW, 2008; KIPPER, 2010).
Documentos de caráter internacional surgiram para regula-
mentarem a ética em pesquisa, como a Declaração dos Direitos do
Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões pos-
teriores), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pes-
quisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982
e 1993) e as Diretrizes Internacionais para a Revisão Ética de Estu-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 89
dos Epidemiológicos (CIOMS, 1991) (BRASIL, 1996; KOTTOW, 2008;
KIPPER, 2010). Em todos os documentos publicados, desde o início
do século XX, não há menção sobre a necessidade de uma avaliação
prévia dos projetos por um comitê específico, no entanto, isso surge
na Declaração de Helsinque II, de 1975, que propôs a avaliação pré-
via por um comitê independente. Todas as diretrizes e normas que
sucederam a Declaração de Helsinque II incluíram a proposta de ava-
liação prévia das pesquisas por um comitê específico e independente
(GOLDIM; FRANCISCONI, 2005).
No Brasil, o Conselho Nacional de Saúde publicou a Resolução
nº 001, de 1988, aprovando normas de pesquisa em saúde, propondo
a criação de comitês de ética em pesquisa em todas as instituições
que realizassem pesquisa na área da saúde, para avaliar a adequação
ética dos projetos de pesquisa que envolva seres humanos (GOLDIM;
FRANCISCONI, 2005).
Após revisão, em 1995, essa resolução foi revogada e entrou
em vigor a Resolução nº 196, de 1996, contendo as diretrizes e nor-
mas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Essa
regulamentou a criação de um sistema nacional para o seu acompa-
nhamento, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que
regulamentou o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além de reunir
as principais diretrizes para a apreciação da ética dos projetos de pes-
quisa (BRASIL, 1996; OLIVEIRA, 1999; GARBIN et al., 2008). Além
dessa Resolução, a CNS elaborou diversas resoluções complementa-
res, que tratam da regulamentação e do credenciamento do CEP, de
normas para áreas especiais, de cooperação estrangeira, reprodução
e genética humana, com populações indígenas, de projetos multicên-
tricos ou que envolvam o armazenamento e o uso de material bio-
lógico. Durante um período de 16 anos, a Resolução 196/96 foi re-
ferência para os procedimentos éticos da pesquisa envolvendo seres

Entrelaces entre questões éticas


90 | e metodológicas na pesquisa
humanos, sendo substituída pela Resolução 466, de 12 de dezembro
de 2012, que aprova as diretrizes e normas regulamentadoras a serem
observadas a partir de 13 de junho de 2013, data de sua publicação
(BRASIL, 2012).
No ano de 2016, o Conselho Nacional de Saúde propôs a Re-
solução nº 510, de 07 de abril de 2016 que dispõe sobre as normas
aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedi-
mentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente
obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que
possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidia-
na, na forma definida nesta Resolução (BRASIL, 2016).

3 Comitê de Ética em Pesquisa na URI

A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões


(URI), localizada no estado do Rio Grande do Sul, é uma universi-
dade comunitária, com estrutura “multicampi”, formada por quatro
unidades de Campus nas cidades de Santo Ângelo, Erechim, Frede-
rico Westphalen e Santiago, além de duas extensões uma na cidade
de Cerro Largo e a outra na de São Luiz Gonzaga. A Universidade
tem como missão formar pessoal ético e competente, inserido na co-
munidade regional, capaz de construir o conhecimento, promover a
cultura, o intercâmbio, a fim de desenvolver a consciência coletiva na
busca contínua da valorização e solidariedade humanas (URI, 2015).
A trajetória do “Comitê de Ética em Pesquisa” da URI começou em
2001, com a criação do Comitê de Bioética que tinha a finalidade de
analisar, emitir pareceres e expedir certificados em matéria que afe-
tavam problemas éticos do ensino, da pesquisa e da extensão com
seres humanos e também com os que envolviam o uso de animais.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 91
Esse comitê foi criado na Reitoria para atender toda a Universidade
com membros representantes dos quatro “Campi” da URI.
No ano de 2003, a URI adequou o Comitê de Bioética à Resolução
196/96 e fez seu registro na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP/CNS/MS), com membros representantes de todos os “Campi”
da Universidade. Esse comitê funcionou até final de 2005, com reuniões
mensais que se realizavam no Campus de Erechim. No período de 2003
a 2005, o Comitê de Bioética aprovou 268 projetos do Campus de Santo
Ângelo, sendo 14 em 2003, 77 em 2004 e 177 em 2005.
Em novembro de 2005, foi instituído pelo Parecer no 2168.03/
CUN/05 e pela Resolução No 799/CUN/05 da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões e aprovado pela CONEP/
CNS/MS o Comitê de Ética em Pesquisa do Campus de Santo Ângelo
(CEP-San). Constitui-se em um colegiado interdisciplinar e indepen-
dente, formado por quinze membros representantes de seis áreas do
conhecimento e mais um representante dos usuários, indicado pelo
Conselho Municipal de Saúde. Esse colegiado possui “munus públi-
co” criado para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em
sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento
da pesquisa dentro de padrões éticos (Normas e Diretrizes Regu-
lamentadoras da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos - Res. CNS
n.196/96, II.4), vinculados às Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão e
Pós-Graduação da URI.
Para iniciar as atividades foi necessário realizar uma formação
para os membros do CEP e pesquisadores, com objetivo de qualifi-
car os novos membros do Comitê de Ética em Pesquisa; apresentar
o Comitê de Ética em Pesquisa aos professores do Campus de Santo
Ângelo; e informar sobre o parecer consubstanciado e o termo de
consentimento livre e esclarecido aos professores, pesquisadores e
alunos interessados em pesquisa com seres humanos. Nesse sentido,

Entrelaces entre questões éticas


92 | e metodológicas na pesquisa
o CEP-San baseou-se no que orienta o Manual Operacional para Co-
mitês de Ética em Pesquisa, onde afirma que, para um CEP iniciar as
suas atividades, é fundamental realizar uma formação mínima inicial
que deve incluir leitura das Resoluções do CNS sobre ética em pes-
quisa, do Regimento Interno do CEP e deste manual. Além de discutir
sobre a importância dos CEP em proteger a dignidade e os direitos
dos sujeitos da pesquisa e para contribuir com o desenvolvimento
de pesquisas relevantes, acentuando ainda o papel educativo para os
pesquisadores (BRASIL, 2008).
Sempre preocupado com a capacitação discente e docente do
Campus, é que o CEP-San proferiu palestras sempre que solicitado
em semanas acadêmicas, em disciplinas de metodologia da pesqui-
sa, monografias e Trabalhos de Conclusão de Curso, e mais recente
em formações para mestrandos dos “stricto sensu” em Mestrado em
Ensino Científico e Tecnológico, Mestrado em Gestão Estratégica de
Organizações e Mestrado em Direito, atendendo solicitação dos res-
pectivos coordenadores, com o propósito de orientar da importância
de um estudo científico em que o mesmo envolve seres humanos.
A educação continuada é uma preocupação constante da uni-
versidade, pois, anualmente, oferece capacitação para membros do
Comitê Institucional de Avaliação de Pesquisa, Comitê Institucional
de Avaliação de Extensão e Comitê de Ética em Pesquisa para tratar
assuntos referentes à pesquisa e à extensão. Outra forma utilizada
pela Reitoria é o Encontro de Comitês de Ética em Pesquisa (INTER-
CEPs), que já está na sua 8ª edição, acontecendo anualmente e de
maneira itinerante. Esse encontro é direcionado aos membros dos co-
mitês de ética e aos pesquisadores de nossa instituição, e discutem-
-se aspectos legais, éticos e morais que envolvem pesquisa com seres
humanos e pesquisas com animais, além de orientar/avaliar projetos
e/ou procedimentos atentando para sua adequação às leis, normas e

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 93
diretrizes vigentes. Destaca-se a participação CEP-San em eventos re-
gionais e nacionais. Para melhorar o atendimento aos pesquisadores
foi criado na página na web do Campus de Santo Ângelo, no ano de
2009, um link com informações relevantes sobre Ética em Pesquisa e
o funcionamento do Comitê de Ética, bem como um sistema online,
no Portal do Professor, que deu mais agilidade ao processo de pos-
tagem de projetos.
Esse sistema permitiu o registro e a análise de projetos, o que
facilitou a operacionalização do trabalho dos pareceristas e dos pes-
quisadores, e operou até o final de 2011, quando começou a funcionar,
na Plataforma Brasil, o Sistema Nacional de Informação sobre Ética
em Pesquisa envolvendo Seres Humanos (SISNEP), um sistema de in-
formações via internet sobre pesquisas do Conselho Nacional de Saú-
de, Ministério da Saúde. Durante a trajetória do CEP da URI, além de
discussões, estudos e capacitações, o CEP-San aprovou 1.222 projetos
(Tabela 1). Desde o início, houve um crescente número de projetos
analisados. Entretranto, no ano de 2012, ocorreu uma diminuição no
número de projetos submetidos e aprovados, o que pode ser decorren-
te da implantação da Plataforma Brasil a qual, em seu início, apresen-
tou algumas dificuldades de acesso e registros para os pesquisadores.
As reuniões são quinzenais e totalizaram 192 (Tabela 1), nos
últimos dez anos. Nelas também há espaço para discussão de docu-
mentos e resoluções pertinentes ao Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos; apresentação dos protocolos de pesquisa pelos re-
latores, de tal forma que os pontos descritos pelo pesquisador sejam
colocados fielmente; a relevância social da pesquisa; apresentação
dos resultados da pesquisa para a comunidade; acompanhamento
das pesquisas por parte do CEP; estudo do termo de Consentimen-
to Livre e Esclarecido; acompanhamento das pesquisas por parte do
CEP; aperfeiçoamento do sistema CEP-San; inserção de relatório da

Entrelaces entre questões éticas


94 | e metodológicas na pesquisa
pesquisa no sistema CEP-San; respostas da CONEP às consultas fei-
tas pelo CEP.

Tabela 1 – Dados referentes aos projetos aprovados com seres humanos e animais do CEP-San, e reuniões

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Total

Projetos
aprovados 666 128 129 138 160 146 66 148 113 128 1222
Humanos
Projetos
aprovados 08 03 03 - - 01 - - - - 15
Animais

Reuniões 13 14 13 18 16 19 21 27 23 28 192
Fonte: Dados do CEP-San.

As dificuldades encontradas pelo CEP-San, desde o início de


seu funcionamento, vão desde a pouca experiência dos membros pa-
receristas e dos pesquisadores, assim como problemas no manuseio
das ferramentas dos sistemas (SISNEP, Sistema próprio do CEP-San,
Plataforma Brasil); os termos de consentimento livre e esclarecido
incompletos; os objetivos dos projetos pouco claros; na metodologia,
principalmente o recrutamento dos participantes da pesquisa, os cri-
térios de seleção da amostra e os critérios de inclusão/exclusão com
escassa clareza até aos poucos encaminhamentos dos relatórios das
pesquisas analisadas e aprovadas.
Cabe destacar, ainda, a resistência dos pesquisadores, que, por
vezes, entendem a avaliação ética como uma tarefa burocrática, com-
plicada e até desnecessária, desconsiderando a complexidade do que
hoje está pactuado sobre a ética na pesquisa com seres humanos. Ao
longo desses 13 anos houve percalços, momentos de fragilizações, de
novos e, talvez, mais difíceis desafios, mas, acima de tudo, da certeza
da relevância do trabalho desenvolvido, o que sustenta as ações de

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 95
educação, orientação, acompanhamento e avaliação ética de proto-
colos de pesquisa envolvendo seres humanos.

Referências

ARANHA, I. D. A; MARTINS, M. H. Filosofando: introdução à filosofia. 3.


ed. São Paulo: Moderna; 2003.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 3. ed. Brasília: Editora UnB; 1992.

BETTINELLI, L. A, ROSA J, ERDMANN A. L. Internação em unidade de


terapia intensiva: experiência de familiares. Rev Gaúcha de Enfermagem.
v. 28, n. 3, p. 377-88, 2007.

BEUCHAMP, T. CHILDRESS, L. Princípios da ética biomédica. São Paulo:


Loyola; 2002.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde. Comissão


Nacional de Ética em Pesquisa. Manual operacional para comitês de
ética em pesquisa, 3. ed. Brasília; 2005.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde. Comissão


Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 196 de 10 de outubro de
1996. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.
htm> Acesso em: 05 Jun. 2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde. Comissão


Nacional de Ética em Pesquisa. Manual operacional para comitês de
ética em pesquisa / Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde,
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. – 4. ed. rev. atual. – Brasília:
Editora do Ministério da Saúde, 2008. Disponível <http://conselho.saude.

Entrelaces entre questões éticas


96 | e metodológicas na pesquisa
gov.br/web_comissoes/conep/aquivos/materialeducativo/Manual_ceps_
v2.pdf>. Acesso em 05 Jun. 2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde. Comissão


Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 466, de 12 de dezembro
de 2012. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
cns/2013/res0466_12_12_20. 12.html> Acesso em: 05 Jun. 2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde. Comissão


Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016.
Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.
pdf> Acesso em: 05 Jun. 2016.

CHAUÍ M. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática; 2004.

CLOTET, J.; GOLDIM, J. R.; FRANCISCONI, C. F. Consentimento


informado e sua prática na assistência e pesquisa no Brasil. Porto
Alegre: EDIPUCRS; 2000.

DALLARI, D. A. Bioética e direitos humanos. In: COSTA, S.I.F.; GARRAFA,


V; OSELKA, G. (Org.). Iniciação à Bioética. Brasília, DF: Conselho
Federal de Medicina. [internet]. [citado em nov 2008]. Disponível
em: <http://www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/ bioetica/
ParteIIIdireitoshumanos.htm> Acesso em: 24 Jun. 2016.

DEMO, P. Politicidade: razão humana. Campinas: Papirus; 2002.

FERNANDES, M. F. A ética e a bioética no contexto da educação em


enfermagem. In: MALAGUTTI, W. Bioética e enfermagem: controvérsias,
desafios e conquistas. Rio de Janeiro: Rubio; 2007. p. 1-15.

GARBIN, C. A. S.; GARBIN, A. J. I.; DINIZ, D. G. Panorama atual dos


Comitês de ética em Pesquisa nas faculdades de medicina e odontologia
brasileiras. Bioetikos - Centro Universitário São Camilo. v.2, n.2, p.197-
203, 2008.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 97
GOLDIM, J. R. e FRANCISCONI, C. F. Os Comitês de Ética Hospitalar.
Disponível em: <https://www.ufrgs.br/bioetica/comitatm.htm>. Acesso
em 17 jun. 2017.

HIPÓCRATES. Juramento de Hipócrates. Natal: DHnet, 2003. Disponível


em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica> Acesso em: 15 out.
2009.

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril


Cultural, 1974.

KOTTOW, M. História da ética em pesquisa com seres humanos. RECIIS


– R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.2, Sup.1, p.Sup.7-
Sup.18, Dez., 2008.

KIPPER, D. J. Breve história da ética em pesquisa. Revista da AMRIGS.


Porto Alegre, v. 54, n.2, p.224-228, Abr/Jun. 2010.

NALINI, J. R. Ética Geral e Profissional. 11. ed. São Paulo: Revista do


Tribunais, 2014.

OLIVEIRA, M. L. C. Comitês de Ética: Pesquisa em Seres Humanos no


Brasil. R. Bras. Enferm.. Brasilia, v. 52, n. 2, p. 189-194, Abr/Jun. 1999.

PASSOS, E. Ética nas Organizações. São Paulo: Atlas, 2004.

PIRES, M. R. G. M. Politicidade do cuidado como referência


emancipatória para a gestão de políticas de saúde: conhecer para cuidar
melhor, cuidar para confrontar, cuidar para emancipar. [tese]. Brasília:
Departamento de Serviço Social, Universidade de Brasília; 2004.

PRIGOGINE, I. STRENGERS, I. A nova aliança: a metamorfose da


ciência. Brasília: UnB; 1997.

PRUDENTE, M. G. Bioética conceitos fundamentais. Porto Alegre: Editora


do Autor; 2000.

Entrelaces entre questões éticas


98 | e metodológicas na pesquisa
SOUZA, S. J. e CARVALHO, C. S. Ética e pesquisa: o compromisso com o
discurso do outro. Rev. Polis e Psique. v.6, n.1, p.98-112, 2016.

SCHLEDER, K. S. e PERIGO, K. Os marginalizados e a ética de Leonilson.


Revista Vernáculo, n. 37, 2016.

URI. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões.


Plano de Desenvolvimento Institucional. 2016-2020. Resolução 2107/
CUN/2015.

VÁZQUES, A. S. Ética. Tradução João Dell’Anna. 17. ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira; 1997.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 99
Parte II
Aspectos da operacionalização e
procedimentos da ética na pesquisa
TCLE – ENTENDER PARA APLICAR

Camila Albuquerque Melo de Carvalho


Daniele Gonçalves Bezerra

1 Introdução

Segundo Norma Operacional No 001/2013, o Termo de Consentimen-


to Livre e Esclarecido (TCLE) deve constar em todos os protocolos de
pesquisa. É um documento público, específico para cada pesquisa.
É um documento legal, jurídico; com princípios a serem respeitados:
autonomia, não maleficência, justiça e equidade;
Os termos exigidos na apresentação de um projeto de pesquisa
para o Comitê de Ética são muito além de um simples protocolo para
permitir a aprovação, mas sim, para garantir que os direitos do parti-
cipante serão respeitados. Cada pesquisador deve elaborar um TCLE
específico para seu estudo. O uso de modelos prontos não deve ser
encorajado. Ele deve ser aplicado quando o estudo for realizado com
maiores de 18 anos. Quando o estudo for realizado com menores e/
ou com pessoas legalmente incapazes; para os participantes, é apli-
cado o Termo de Assentimento. Para o responsável legal é aplicado
um TCLE específico.
A dispensa do TCLE pode ser requisitada em casos bem espe-
cíficos tais como, por exemplo, quando a pesquisa envolve dados re-
trospectivos; com o uso de prontuários ou laudos de exames; ou em
casos de pacientes que vieram a óbito. Nos casos em que é inviável
a obtenção do TCLE e outros em que esta obtenção possa significar
riscos substanciais à privacidade e confidencialidade dos dados do
participante ou aos vínculos de confiança entre pesquisador e pes-
quisado, também pode ser requisitada. Porém, em ambas as circuns-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 103
tâncias, devem ser justificadamente solicitadas pelo pesquisador res-
ponsável ao Sistema CEP/CONEP, para apreciação, sem prejuízo do
posterior processo de esclarecimento.

2 Roteiro para elaboração de TCLE

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá ser escrito em


linguagem simples e acessível, com direcionamento para o público a
ser atingido. Uma forma interessante para a construção do TCLE é a
disposição em itens. Isso permite a simplificação para entendimento
do participante e possibilita a checagem de todos os itens necessários
para a aprovação do TCLE:
I. Identificação do sujeito da pesquisa: nome do paciente,
documento de identidade, sexo, data de nascimento, endereço com-
pleto, telefones, e-mail;
II. Identificação do responsável legal (nos casos de pesquisa
com menores ou incapazes): nome, documento de identidade, sexo,
data de nascimento, endereço completo, telefones, e-mail;
III. Dados gerais sobre a pesquisa científica: título do proto-
colo de pesquisa; nome completo do pesquisador responsável; cargo/
função do pesquisador responsável, instituição a qual o pesquisador
é vinculado;
IV. Dados específicos sobre a pesquisa científica: duração,
justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados,
com o detalhamento dos métodos a serem utilizados, informando a
possibilidade de inclusão em grupo controle/placebo ou experimen-
tal, quando aplicável e as possíveis consequências desta inclusão;
V. Riscos X Benefícios: descrição detalhada de todos os po-
tenciais benefícios e riscos envolvidos na pesquisa. Deve-se lembrar

Entrelaces entre questões éticas


104 | e metodológicas na pesquisa
que, segundo a Resolução 466/12; todas as pesquisas envolvem risco
mesmo que estes sejam mínimos;
VI. Acompanhamento: descrição da forma de acompanha-
mento e assistência a que terão direito os participantes da pesquisa,
inclusive considerando benefícios e acompanhamentos posteriores
ao encerramento e/ ou a interrupção da pesquisa;
VII. Ressarcimento e Indenização: ambas devem estar previs-
tas no documento. A garantia de ressarcimento das despesas decor-
rentes do estudo tais como transporte e alimentação. Inclusive, estas
despesas devem constar no orçamento do protocolo. Deve constar
no documento também a garantia de indenização diante de eventuais
danos decorrentes da pesquisa sem jamais citar qualquer possibilida-
de de renúncia a este direito. O valor da indenização é determinado
por um juiz em uma possível ação processual;
VIII. Garantias:
- garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa, de
recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer
fase da pesquisa, sem penalização alguma, principalmente nos ca-
sos em que, embora plenamente capazes, os participantes estejam
expostos a condicionamentos específicos, influência de autoridade
e consequente limitação da autonomia, como estudantes, militares,
empregados, presidiários e internos em centros de readaptação, em
casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes, assegu-
rando-lhes inteira liberdade de participar, ou não, da pesquisa, sem
quaisquer represálias;
- garantia de manutenção do sigilo e da privacidade dos parti-
cipantes da pesquisa durante todas as fases da pesquisa;
- garantia de que os dados obtidos na pesquisa não serão utili-
zados para outros fins além dos previstos no protocolo e/ou no con-
sentimento livre e esclarecido,

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 105
- garantia de que o participante da pesquisa receberá uma via
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
IX. Casos especiais:
- Morte encefálica: os requisitos para a realização de estudos
com pacientes nesta condição são: apresentação de documento com-
probatório da morte encefálica; documento comprobatório do con-
sentimento prévio do participante ou dos familiares/representante
legal; inexistência de ônus econômico-financeiro adicional à família;
inexistência de prejuízo para outros pacientes aguardando internação
ou tratamento; e aquisição de conhecimento científico relevante, ou
inédito, sem possibilidade de obtenção através de outros métodos;
- Comunidades: no caso de indígenas, por exemplo, a autoriza-
ção da Fundação Nacional do Índio é necessária. Nas demais comu-
nidades em que há um órgão governamental responsável, o mesmo
procedimento deve ser adotado. Em casos de comunidades em que se
reconhece a autoridade de um líder, este deve emitir a autorização com
o cuidado de que esta não deve prejudicar o consentimento individual;
- Restrição de informações: deverá ser devidamente explicitado
e justificado pelo pesquisador responsável ao Sistema CEP/CONEP.
O modelo do TCLE deve ser anexado junto ao protocolo da
pesquisa no sistema Plataforma Brasil. Este será analisado junto à
plenária do Comitê de Ética em Pesquisa competente. Jamais pode
ser utilizado sem que haja prévia aprovação do CEP.

3 Como aplicar o TCLE

O total esclarecimento ao convidado deve ser realizado pelo pesqui-


sador ou por pessoa por ele delegada, porém sob sua responsabilida-
de. A entrevista deve ser realizada em local adequado respeitando as
peculiaridades e a privacidade do convidado. O indivíduo precisa ser

Entrelaces entre questões éticas


106 | e metodológicas na pesquisa
respeitado e compreendido através do uso de estratégias apropriadas
à cultura, faixa etária, condição socioeconômica e autonomia. A for-
ma e o contexto em que a informação é transmitida são tão impor-
tantes quanto à própria informação.
Após a etapa inicial de esclarecimento, o ideal é realizar a lei-
tura pausada do TCLE para acompanhamento e esclarecimento, em
qualquer momento, dos pontos que ficarem confusos. Todos os possí-
veis riscos e benefícios devem ser explicados ao convidado e, quando
aplicável, para um embrião, feto ou lactante no caso de mulheres que
possam gestar. Além disso, é necessário informar que o participante
pode de qualquer momento e essa decisão não terá repercussão, e
que não resultará em nenhuma punição ou perda de benefícios. O
convidado pode consultar se necessário, seus familiares ou outras
pessoas que possam ajudá-los na tomada de decisão livre e esclare-
cida e deve utilizar o tempo que julgar necessário para isto.
O investigador deve conversar com o participante e esclarecer
todas as suas dúvidas. Somente depois de ter certeza de que o parti-
cipante entendeu o estudo clínico e concordou em participar é que o
investigador vai pedir que ele assine o termo com o consentimento
pós-esclarecido. Nenhum sujeito deve ser admitido em um estudo
antes de esclarecer todas as suas dúvidas e assinar o TCLE. Este ter-
mo é elaborado em duas vias, todas as suas páginas rubricadas e, no
final, assinadas pelo convidado a participar da pesquisa, ou por seu
representante legal, assim como pelo pesquisador responsável, ou
por pessoa por ele indicada. As assinaturas devem estar na mesma
folha. Em ambas as vias deverão constar o endereço e contato tele-
fônico, endereço eletrônico ou outro, dos responsáveis pela pesquisa
e do CEP local e da CONEP, quando pertinente. O participante pre-
cisa assinar e datar, pois esta assinatura vai comprovar que ele está

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 107
participando do estudo voluntariamente. Uma via é do participante
e outra do pesquisador.

4 Pesquisas sobre TCLE

Uma pesquisa realizada no Hospital da Faculdade de Medicina da


USP descreve que, apesar de quase 50% dos entrevistados terem de-
clarado possuir o Ensino Médio, mais de 46,6% dos entrevistados
para a aplicação do TCLE foram classificados como analfabetos fun-
cionais. Desses, 12,7% não foram capazes de entender a tarefa pro-
posta no texto lido (ARAUJO et al., 2010).
Lobato et al. (2013) utilizaram dois índices para analisar dois
TCLE: Flesch (IFLF) , para facilidade de leitura e o índice de legibili-
dade de Flesch-Kincaid (ILFK). O IFLF avalia a estrutura de um texto
em relação à frases, parágrafos e quantidade de sílabas das palavras.
O ILFK classifica o texto de acordo com a dificuldade de leitura. O es-
tudo demonstrou que os TCLE utilizados não foram adequados para
a escolaridade da maioria de seus participantes. Souza e al. (2013)
também avaliaram a legibilidade dos TCLE através dos mesmos tes-
tes do artigo anterior e correlacionaram a aceitação do sujeito da
pesquisa com estado demográfico, fatores sociais, relação risco-be-
nefício e nível de instrução com 793 pacientes. A adesão dos sujeitos
de pesquisa aos protocolos propostos foi maior entre os pacientes de
instituição de tratamento público (99,7%) em comparação com ins-
tituição de tratamento privada (93,7%) e foi maior também entre os
pacientes que participaram de protocolos com menor risco (99,73%)
em comparação com os que participaram de protocolos com maior
risco (81,3%). Os índices demonstraram que os TCLE apresentaram
altos graus de dificuldade para leitura.

Entrelaces entre questões éticas


108 | e metodológicas na pesquisa
Miranda et al (2009) demonstraram que após análise de TCLE,
segundo o IF e o ILFK é necessário aproximadamente 18 anos de es-
tudo para a compreensão, ou seja, um dado incompatível com a re-
alidade de nossa população. A situação piora quando estudos apon-
tam para a maior adesão em relação ao TCLE quando a escolaridade
é menor. Além disso, a relação risco/benefício não interfere nesta
adesão (SOUZA, 2005). Sendo assim, o pesquisador precisa ser ex-
tremamente cauteloso na entrevista para o consentimento. Segundo
Cláudio Lorenzo (2007) existe uma inadequação das normas brasilei-
ras de ética da pesquisa, dirigidas à obtenção do consentimento livre
e esclarecido, no que diz respeito à coerência entre o que prescreve a
norma e a gravidade do analfabetismo funcional no Brasil.

Referências

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde. Resolução


n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova normas regulamentadoras de
pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da União, 2013.

LORENZO, C. O consentimento livre e esclarecido e a realidade do


analfabetismo funcional do Brasil: uma abordagem para a norma e para
além da norma. Rev Bioética. v.15, n. 2, p.268-82, 2007.

ARAUJO D.V.P.; ZOBOLI, E.L.C.P.; MASSAD, E. Como tornar os Termos de


Consentimento mais fáceis de ler? Rev Assoc Med Bras. v. 56, n. 2, p. 151-
6, 2010.

SOUZA, M.K. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE):


fatores que interferem na adesão. Dissertação (Mestrado) Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 109
LOBATO L; Caçador BS; Gazzinelli MF. Legibilidade dos termos de
consentimento livre e esclarecido em ensaios clínicos. Rev. bioética.
(Impr.). v. 21, n. 3, p. 557-65, 2013.

SOUZA, M. K. et al. Termo De Consentimento Livre E Esclarecido (TCLE):


fatores que interferem na adesão. ABCD Arq Bras Cir Dig. v.26, n.3,
p.200-205, 2013.

MIRANDA, V.C. et al. Como consentir sem entender? Rev Assoc Med
Bras. v.55, n.3, p.328-34, 2009.

LORENZO, C. O consentimento livre e esclarecido e a realidade do


analfabetismo funcional no Brasil: uma abordagem para a norma e para
além da norma. Revista Bioética. v.15, n.2, p.268-82, 2007.

Entrelaces entre questões éticas


110 | e metodológicas na pesquisa
ÉTICA EM PESQUISA: PRONTUÁRIO DE PACIENTES COMO
FONTE PRIMÁRIA DE INFORMAÇÃO

Nelma Camêlo de Araujo


Willian Barbosa Vianna
Ursula Blattmann

1 Introdução

A Ciência da Informação está diretamente relacionada a difusão, uso


e organização da informação, se justificando como sendo uma disci-
plina interdisciplinar. Para Câmara (2005) falar de informação é in-
serir a Ciência da Informação no processo da responsabilidade social,
acompanhando as diferentes formas de organizar, recuperar, analisar
os diversos sistemas de informação, seu acesso e a interlocução com
as diversas áreas do conhecimento.
A pesquisa desenvolvida por Zins (2007) utilizando o método
Crítico de Delphi que traça o “Mapa de Conhecimento da Ciência da
Informação” (pesquisa realizada no período de 2003-2005), envol-
vendo pesquisadores da área de diversos países, resultando em qua-
tro trabalhos científicos na Ciência da Informação. O quarto trabalho
especificamente, retrata o olhar de onze pesquisadores (6 america-
nos, 1 canadense, 1 suíço, 1 romeno, 1 italiano, 1 israelense) sobre a
visão que os mesmos têm sobre a área, fornecendo “um diagnóstico
atual da área”, abordando questionamento do Século XXI, que pode-
rá “auxiliar o desenvolvimento de pesquisas futuras, programas edu-
cacionais, publicações e outras perspectivas profissionais e acadêmi-
cas”, tendo como um dos resultados a seguinte afirmação do autor:

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 111
A Ciência da informação pode ser simultaneamente conside-
rada como uma disciplina- mono, uma meta disciplina, uma
área metafísica ou não-meta-física de questionamento ou um
conjunto convergente do Século XXI, mas ainda, uma disci-
plina emergente (semelhante à maneira de evolução anterior
dos grupos das Ciências Biológicas, Sociais ou Físicas) (ZINS,
2007, p.26).

Assim a Ciência da Informação, como uma disciplina que tem


no seu contexto a interdisciplinaridade, sejam da área das Ciências
Exatas, como da área das Ciências Sociais e da Ciência da Saúde, e
as pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação no Brasil,
segue essa linha, ou seja, muitas das dissertações e teses permeiam
as diversas áreas do conhecimento humano, principalmente aborda-
do sob o objeto da Ciência da Informação, qual seja a informação.
Os primeiros trabalhos realizados na área da Ciência da Informação
tendo como foco a ética, começaram por discutir questões relativas
à ética profissional, entre os pesquisadores nessa área está o profes-
sor doutor Francisco das Chagas de Souza, atuante no programa de
pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de
Santa Catarina, como resultado de uma de suas pesquisas na área e
sobre o assunto.

Foi evidenciada [...] a ausência de publicações de textos em


alguns anos do período considerado, em periódicos que es-
tavam abertos, neste período, à aceitação da temática, e que
compõem o conjunto de fontes de difusão reconhecidas pela
comunidade acadêmica brasileira da área de Ciência da In-
formação e Biblioteconomia (SOUZA; STUMPF, 2009, p.112).

Os autores discutem também que a biblioteconomia desde o


início da década de 1960 no Brasil, como uma profissão regulamen-

Entrelaces entre questões éticas


112 | e metodológicas na pesquisa
tada e consequentemente tendo um Código de Ética e mesmo assim
para pesquisadores essa abordagem no campo da Ciência da Informa-
ção ainda é disseminada por poucos. Em trabalho mais recente, exis-
te a publicação sobre “Ética da Informação: conceitos, abordagens
e Organização” de 2010, como resultado do I Simpósio Brasileiro de
Ética em Informação, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba.

Este trabalho é o ponto de partida de nossa pesquisa a ser de-


senvolvida nos próximos quatro anos no âmbito do PROCAD,
qual seja construir uma rede de cooperação e aprendizagem
entre os PPGCIs da UFPB e da UNESP/Marília. A construção
desta rede traz a necessidade de se refletir acerca da ética
que envolve as ações de informação relacionadas a políticas
públicas (FREIRE, 2010, p.164, grifo nosso).

Percebe-se nesse contexto que a temática é relevante para a


área da CI, porém ainda se fundamentando, pois o que foi pesqui-
sando sobre ética profissional, agora toma um novo rumo, a questão
ética da informação e o papel da responsabilidade social, não sendo
apenas de reponsabilidade do profissional bibliotecário, mas também
do pesquisador que atua com pesquisas na área da Ciência da Infor-
mação, principalmente com o advento das Tecnologias da Informa-
ção e Comunicação. Os trabalhos de Witter (2010) apontam as ques-
tões éticas nas pesquisas. No capítulo de livro, a autora apresenta um
quadro (1) que contextualiza a necessidade do comportamento ético
por pesquisadores antes e depois de uma pesquisa.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 113
Quadro 1 – Ética do Pesquisador no Fazer Ciência

Fase da Pesquisa Aspectos éticos a considerar

Escolha do tema/ problema Ética quanto à necessidade social, científica, institucional e do pesquisador

Elaboração do projeto Ética do consumidor de ciência


Ética no verificar o já pesquisado/assimilação do conhecimento
Ética na escolha do título
Ética em relação aos participantes – Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido
Ética em relação ao delineamento / desenho da pesquisa
Ética na escolha dos instrumentos
Ética em relação à competência do pesquisador

Apresentação ao Comitê de Ética (CEP) Ética em relação ao patrocinador, se houver


Ética em atenção ao parecer do CEP
Ética na revisão de aspectos do projeto, se for o caso

Apresentação em evento (pré- Ética no título


publicação) Ética na elaboração do resumo
Ética em relação ao patrocinador, se houver
Ética na apresentação oral/painel
Ética na assimilação de sugestões
Encaminhamento Ética em relação à editoração para publicação
Ética ao atender a pareceres de pareceristas
Ética quanto aos créditos do patrocinador

Após publicação Ética no uso do material publicado


Ética em relação ao Comitê de Ética
Ética em relação ao patrocinador

Fonte: WITTER (2010a, p. 18).   

A autora reforça que esses indicativos apontados no quadro


são apenas uma parte do que se espera do comportamento ético do
pesquisador, mas que para cada indicativo é necessário muito conhe-
cimento, incluindo a legislação sobre o assunto. Seguindo a linha do
tempo sobre ética em pesquisa na área da Ciência da Informação,
Capurro (2010) cita que no Brasil o primeiro trabalho sobre o assunto
sobre ética que expande a questão da ética profissional foi o de Fer-
reira; Bottentuit e Oliveira sob o título “A ética na sociedade, na área
da informação e da atuação profissional” de 2009.

Entrelaces entre questões éticas


114 | e metodológicas na pesquisa
A proposta deste ensaio trata-se de uma reflexão sobre o pron-
tuário do paciente como fonte de informação primária e o uso do Ter-
mo de Consentimento Livre Esclarecido para uso dessa fonte de infor-
mação por pesquisadores, para fins de pesquisa em qualquer área do
conhecimento, isso significa que as abordagens não serão considera-
das explanações conceituais sobre ética e nem o agir do ser humano.

2 Fontes de informação em pesquisa com seres humanos:


prontuário de pacientes

Perceber a ética no contexto humano é um exercício que exige co-


nhecimento empírico, conhecimento científico e bom senso, pois os
valores humanos são a fonte da ética, mas precisamos repensar nosso
agir para entendermos o que é ser ético, voltado principalmente para
as relações entre indivíduos e as suas consequências, dessa forma
segue uma citação de Blattmann que exprime bem esse olhar ético.

Na vida cotidiana, o indivíduo exerce diferentes papéis e exe-


cuta diversas funções nos quais os princípios éticos norteiam
seus atos, suas reflexões e afazeres. Diferenciar a verdade da
falsidade, o certo do errado, o bom do mau, sempre em bus-
ca do melhor, manter as virtudes e cultivar os bons hábitos
requer disciplina, agir com moderação, honestidade e persis-
tência. (BLATTMANN, 2010, p. 161)

Considerando a evolução da Ciência da Informação, sua inter-


disciplinaridade com as diversas áreas do conhecimento, e também
seus princípios de organização, acesso e uso de informações, abor-
dar a questão das fontes de informação em pesquisa com seres hu-
manos a luz da literatura na área, faz com que a pesquisadora utilize
uma literatura especifica sobre as fontes de informações primárias,
qual seja, prontuário de paciente. Na Ciência da Informação, fontes

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 115
primárias de informação é contextualizada como aquelas que se en-
contram sob o ponto de vista da pesquisa, desorganizadas e dispersas
para divulgação. Os prontuários de pacientes recebem tratamento de
organização física, porém as informações contidas nos mesmos são
de exclusividade do paciente e do médico que o acompanha. Assim,
a priori o pesquisador terá que solicitar autorização ao paciente para
que ele possa ter acesso às informações contidas em seu prontuário.

No âmbito da saúde, o prontuário do paciente é a forma de


registro mais utilizada em instituições hospitalares. É uma
fonte de informação primária, essencial para o paciente
no acompanhamento da sua saúde e doença, e, estratégica
para o serviço de saúde, pois gera conhecimentos de ordem
administrativa, de ensino, pesquisa e aspectos legais (JENAL;
ÉVORA, 2012, p. 177).

Para Pinto (2012, p.304) o prontuário de paciente é uma fonte


de informação primária importante, descreve que “Esses documentos
são redigidos de modo bem particular, tanto do ponto de vista dos
atores envolvidos em sua redação, como também das linguagens de
especialidades adotadas e dos aspectos linguísticos empregados nes-
sa redação”. Araujo, Lunardelli e Castro (2014, p.45) afirmam que de
acordo com o Conselho Federal de Medicina, “o prontuário tem im-
portância fundamental no registro de informações de pacientes, no
atendimento à saúde da população [...] sejam ele impresso ou digi-
tal”. Diante da afirmação dos autores, os prontuários de pacientes são
fontes de informações importantes, principalmente na área da saúde,
pois contém dados de pessoas, sendo seu acesso limitado a autoriza-
ção das mesmas. Independentemente do meio ou da mídia em que
se insere o prontuário, esse dossiê é do paciente, como claramente
seu nome indica. Em que pese essa premissa, é a instituição de saúde
que detém a guarda deste documento com o objetivo de manter o his-

Entrelaces entre questões éticas


116 | e metodológicas na pesquisa
tórico de atendimento de seus pacientes, a integridade e a fidedigni-
dade dos registros dessas informações. Outros profissionais que não
aqueles que atendem diretamente o paciente, tais como, funcionários
administrativos dessas instituições têm que ter autorização (escrita,
no caso do prontuário do paciente ou liberação de níveis de acesso
como no caso do prontuário eletrônico) para consultar as informa-
ções contidas nesses documentos. Nessa perspectiva, ressalta-se que
demais pessoas não podem ter acesso às informações do prontuário
além do próprio paciente ou seu responsável, quando este não tiver
condições psicológicas ou idade suficiente. Mesmo que esse acesso
seja necessário para fins de pesquisa é importante atentar para a le-
gislação sobre o assunto (Constituição Federal do Brasil, Resoluções
do Conselho Federal de Medicina, Resoluções do Conselho Nacional
de Saúde, e aquelas que envolvam pesquisa com Seres Humanos).
(ARAUJO, LUNARDELLI, CASTRO, 2014).
Ainda sobre fontes de informação na área da Ciência da Infor-
mação, são o uso de dados para realização de pesquisas, sejam elas
desenvolvidas a partir de fontes primárias, ou não, os dados em qual-
quer área do conhecimento são interpretados como dados primários
ou secundários, os dados primários são aqueles coletados em campo
pelos responsáveis pelo estudo, para responder ao problema de pes-
quisa, e dados secundários são aqueles que reúnem dados coletados
para outro fim e já tratados.
Diante do exposto comparando o prontuário de pacientes, o
mesmo trata-se de fonte primária de informação que contém dados pri-
mários, indiferente ao suporte físico ou eletrônico. Para Garcia (2010)
as pesquisas no Brasil são oriundas das instituições acadêmicas, ad-
vindos dos programas de pós-graduação, sendo os mesmos responsá-
veis pelo desenvolvimento da ciência, porém as autonomias desses
pesquisadores não são completas, pois em alguns casos as pesquisas

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 117
são desenvolvidas por meio do uso de questionários e entrevistas, que
exigem a participação de pessoas, individual, em grupo ou de organi-
zações, Questionários respondidos geram resultados quantitativos, e
entrevistas concedidas, estudos qualitativos, cujas análises e conclu-
sões revelam novidades “[...] Assim, o pesquisador/ cientista/autor
inclui outras vozes e outros textos em sua criação, mas devem tomar
precauções éticas ao fazê-lo” (GARCIA, 2010, p.129).
Diante disso, para que se possa ter acesso às informações dos
pacientes por meio de seu prontuário, se faz necessário a anuência
do mesmo, ou de seu representante legal, conforme orienta as Reso-
luções do Conselho Nacional de Saúde – CNS, a Resolução 196/96 e a
Resolução 466/12 e, também como se trata de uma fonte primária de
informação, o mesmo contém dados primários, pois ainda não foram
devidamente tratados esses dados, conforme aponta a literatura so-
bre o assunto na área da Ciência da Informação. Ainda sobre as ques-
tões legais Teixeira (2008, p.10) afirma que o prontuário do paciente
“constitui meio de prova idôneo para instruir processos disciplinares
e/ou judiciais”. Nesse sentido, qualquer área do conhecimento que se
proponha a realizar pesquisas com prontuários de pacientes necessi-
ta aplicar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido:

O TCLE é um processo bastante complexo. Não se trata apenas


de um formulário que deve ser assinado, ainda que muitos pes-
quisadores pensem dessa forma. Embora tenha sido criado como
uma “regra de ouro” no domínio da ética em pesquisa, o TCLE
ainda hoje enfrenta muitos problemas em sua implementação.
Por exemplo, uma questão é a grande quantidade de informação
que ele tem de fornecer (LUNA, 2008, p.45, grifo nosso).

Voltando a questão das fontes de informação e dados secundá-


rios, Souto et al (2011) afirma que os estudos sobre dados secundários
no Brasil, não são destaques nas pesquisas, pois em seu estudo so-

Entrelaces entre questões éticas


118 | e metodológicas na pesquisa
bre “Aspectos éticos na pesquisa com dados secundários” o resultado
aponta que não foi identificado nenhum artigo sobre o tema no Bra-
sil, sendo sua base de pesquisa as bases de dados, Cochrane Library,
Scientific Electronic Library Online, MEDLINE, IBECS e LILACS, no
período de 1999 a 2009. A autora destaca as pesquisas que envol-
vem o uso de prontuários de pacientes, observando que no Brasil o
problema é o próprio sistema de informação em saúde, administrado
pelo Governo Federal, pois possibilita o registro e acesso a essas in-
formações sem o consentimento do paciente, mas isso não ocorre em
outros países, especificamente nos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, a regulamentação da Health Insurance


Portability Act (HIPAA), cria restrições à divulgação de infor-
mações de pacientes e ao acesso de pesquisadores as mesmas,
uma vez que possibilita aos pacientes um maior acesso a seus
próprios registros médicos e mais controle sobre como suas
informações de saúde pessoalmente identificáveis são usadas
(SOUTO et al, 2011, p.46).

Na área da Ciência da Informação o conceito de informação


primária e dados secundários, estão consolidados, pois os pesquisa-
dores tem clareza sobre o uso de informações, independente de seu
suporte, porém ao que parece no campo da saúde, diante das in-
formações de prontuários os pesquisadores veem como sendo uma
fonte de informação que contém dados secundários, mas se as infor-
mações contidas no prontuário de paciente ainda não foram devida-
mente tratadas para que se possa ter acesso a essas informações, esse
documento (processo, dossiê, registro, etc.), não pode ser conside-
rado como dados secundários, assim não se justifica a não aplicação
do TCLE, quando de pesquisas realizadas em prontuário do paciente.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 119
3 Ética em pesquisa com seres humanos

Ao contextualizar questões relativas à fonte de informação primária


em prontuários de pacientes entramos em áreas além da Ciência da
Informação. Para tanto são necessários abordar a evolução da Ética
em Pesquisa com Seres Humanos, a Bioética e a legislação sobre o
assunto. Cabe mencionar que existem polêmicas e divergências con-
ceituais sobre a abordagem relativas à Bioética, na aplicação e nas
discussões das áreas.
As Questões Éticas em Pesquisa com Seres Humanos, apesar
da difusão do código de Nuremberg (1947) e Helsinque (1964), após
a Segunda Guerra, não se limitam as atrocidades cometidas apenas
durante a Guerra, em nome da Ciência e em benefício do próprio Ser
Humano, pesquisadores já praticavam algum tipo de procedimento
considerado no mínimo imoral, como afirma Kottow (2008, p.9). O
Código de Nuremberg e de Helsinque, foram orientações sobre os
procedimentos a serem utilizados por pesquisadores, principalmente
na área da saúde, no trato que envolvessem serem humanos, que im-
plicasse a pesquisa básica. O Código de Nuremberg, proporcionou a
criação de “grupos de estudo no interior da Associação Médica Mun-
dial”. Assim, esses grupos devidamente organizados, propuseram em
1953 uma Resolução sobre Experimentação Humana, e evoluíram
para a criação de um Código Ético para Pesquisadores sendo publi-
cado em 1955. Já a Declaração de Helsinque, “prescrevia a inclusão,
como participantes, de prisioneiros de guerra, civis detidos durante
ocupações militares, pessoas encarceradas e indivíduos mentalmen-
te incapazes de dar consentimento livre e esclarecido válido” (KOT-
TOW, 2008, p.22).
Para Kottow (2008) a promulgação da Declaração Universal so-
bre Bioética e Direitos Humanos, de 2005, é um marco relevante para

Entrelaces entre questões éticas


120 | e metodológicas na pesquisa
pesquisa com seres humanos, pois a declaração indica “novos rumos
para a ética em pesquisa”, mesmo que para alguns pesquisadores a
Declaração pareça apenas uma disciplina que não avança muito em re-
lação a atualização da Declaração de Helsinque, de 2000. Melhorando
um pouco a linguagem onde o uso do termo predominante do condi-
cional que “deveriam” ser considerados os interesses das comunida-
des, bem como dos vulneráveis e dos mentalmente incapazes (KOT-
TOW,2008). Durand (2003) afirma que o termo Bioética surgiu em
1970, em artigo do autor americano, Van Rensselaer Porter, intitulado
Bioethics, the Science of Survival. Esse pesquisador além de cunhar o
termo, também proporcionou eventos sobre o assunto. Preocupado
principalmente com o avanço das questões da ciência na área da Bio-
logia, propondo assim uma nova ciência, com a junção do saber Bioló-
gico (bio) e dos valores humanos (ética). Assim, as questões da bioéti-
ca, não estão necessariamente voltadas exclusivamente para pesquisas
voltadas para a área da saúde, tão pouco da biologia, como querem
alguns pesquisadores, dado a Declaração da Bioética e Direitos Hu-
manos, sendo adotado quase que exclusivamente pelas áreas citadas.
As questões éticas em pesquisa envolvendo seres humanos
são focos também na área da educação, do direito e demais áreas
do conhecimento, pois os valores sociais e as pesquisas quem veem
sendo desenvolvidas a priori envolvem a responsabilidade social dos
grupos envolvidos, bem como a questão do acesso e uso da informa-
ção, nos meios ditos tecnológicos. A institucionalização da Bioética
se deu por intermédio de organizações internacionais, Durand (2003)
afirma que os Estados Unidos foram os primeiros a se organizarem
no contexto de criar uma legislação especifica para pesquisas com
seres humanos, as instituições responsáveis, partindo dos grupos de-
vidamente organizados, como descrito anteriormente foi a Associa-
ção Médica Mundial; A Organização Mundial da Saúde e o Conselho

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 121
Mundial das Igrejas. Na Europa por intermédio do Conselho Europeu,
“que reúne quarenta países, criou o Comitê Diretor para a Bioética
em 1985” (DURAND, 2003, p.359), esse Comitê é responsável por ar-
ticular eventos, capacitação e debates sobre as pesquisas que envol-
vam seres humanos. Ainda na Europa, existem algumas associações
que também auxiliam para orientar sobre legislação e atuação dos
pesquisadores, profissionais e sujeitos de pesquisas, sendo as mes-
mas: Associação Européia dos Centros de Ética Médica; Associação
Internacional Direito, Ética e Ciência; European Society for Philoso-
phy of Medicine and Health Care e a Societas Ethica: European So-
ciety for Research in Ethics.
Na França existe o Comitê Consultivo Nacional de Ética para as
Ciências da Vida e da Saúde (CCNE); Instituto Nacional da Saúde e
da Pesquisa Médica (INSERM); o Centro de Documentação e de Infor-
mação Ética “por intermédio desse centro de documentação, o CCNE
estabeleceu numerosos contatos com outros organismos, especialmen-
te os diferentes ministérios, os comitês de ética regionais ou locais, as
instituições de pesquisa e os meios de comunicação” (DURAND, 2003,
p.361, grifo nosso) e, a Comissão Nacional de Medicina e de Sociologia
da Reprodução. Existem também organizações na Bélgica, Canadá, Su-
íça, Dinamarca, Itália, Tchecoslováquia, Espanha e Portugal.
Esses são os principais organismos nos Estados Unidos e na
Europa, no Brasil, seguindo as orientações internacionais, a partir de
1995 começam a ser criados os organismos relativos a Pesquisas que
envolvam Seres Humanos.

3.1 Informação no Brasil sobre Pesquisa com Seres Humanos

No Brasil, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS nº 1,


de 13 de junho de 1988, é o primeiro documento oficial brasileiro que

Entrelaces entre questões éticas


122 | e metodológicas na pesquisa
procurou regulamentar as normas da pesquisa em saúde, essa reso-
lução levou em conta os princípios da Bioética.

Em 1995, sete anos após a aplicação da Resolução CNS nº


1/88, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) decidiu pela re-
visão da mesma, com o objetivo de atualizá-la e preencher
lacunas geradas pelo desenvolvimento científico. Um Grupo
Executivo de Trabalho (GET), integrado por representantes de
diversas áreas sociais e profissionais, contando com o apoio
de médicos, teólogos, juristas, biólogos, engenheiros biomé-
dicos, empresários e representantes de usuários elaborou uma
nova resolução (CNS nº 196/96) que estabelece as normas de
pesquisa envolvendo seres humanos (FREITAS; HOSSNE, 8)

A Resolução CNS 196/96, orienta aos pesquisadores para apli-


carem procedimentos éticos em suas pesquisas, principalmente na
área da Saúde e com “sujeitos” vulneráveis, destacando, as crianças,
população indígena, quilombolas, dentre outros. A Resolução está es-
truturada em seções, tendo um Preâmbulo, sobre as questões legais
que juridicamente são respaldadas, os referenciais da bioética e con-
texto da própria. Como sugeriu o documento sua atualização, a mes-
ma foi atualizada e substituída pela CNS a Resolução nº 466/2012.
Um dos principais pontos em destaque na Resolução 466/2012
diz respeito ao Termo de Consentimento Livre Esclarecimento, exi-
ge que toda pesquisa se processe após consentimento livre e escla-
recido e, no caso de crianças e adolescentes ou legalmente incapaz
também do assentimento dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por
si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à
participação na pesquisa. À luz das Resoluções no Brasil, os precei-
tos da Bioética são considerados, principalmente aqueles em relação

8. FREITAS, C.B.D; HOSSNE, W. S. Pesquisa com Seres Humanos. Disponível em : <http://www.por-


talmedico.org.br/biblioteca_virtual/bioetica/ParteIIIsereshumanos.htm>

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 123
à pesquisa com seres humanos, pois existe legislação própria para
pesquisa com animais, constituindo também legislação e resoluções
próprias. A questão articulada por alguns pesquisadores é que as re-
soluções citadas e as orientações do Conselho Nacional de Saúde e
do Sistema Comitê de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional de Ética
em Pesquisa – CEP/CONEP não são leis, portanto algumas áreas do
conhecimento Brasil ainda não utilizam essas resoluções para perme-
arem suas pesquisa, porém enfrentam barreiras para publicações de
seus trabalhos quando apresentados internacionalmente, pois existe
uma exigência legal para que trabalhos que envolvam seres humanos
em qualquer área do conhecimento tenha a anuência do Comitê de
Ética em Pesquisa de sua instituição de origem.
Na explicitação das revistas brasileiras da área de Ciência da
Informação se indicam a necessidade dos textos oriundos de pes-
quisas autorizadas pelos Comitês de Ética. Neste contexto pode-se
perceber que se faz necessário a discussão sobre o assunto na área,
uma vez que o campo da Ciência da Informação tem características
da interdisciplinaridade, tendo como objeto a informação, em vários
níveis, meios e pressupostos.

Considerações

A área da Ciência da Informação que tem como objeto de estudo


produtos e serviços sobre organização, tratamento, acesso e uso da
informação, precisa considerar como mediar esclarecimentos éticos
sobre o uso das informações contidas nos prontuários de pacientes
e a obrigatoriedade da aplicação do TCLE. É responsabilidade do
pesquisador da área da Ciência da Informação, difundir nas demais
áreas do conhecimento alguns conceitos utilizados na área, princi-
palmente quando discutimos as questões que abordem a responsabi-

Entrelaces entre questões éticas


124 | e metodológicas na pesquisa
lidade social, inclusive sua participação efetiva nos comitês de ética
em pesquisa em suas instituições de origem, auxiliando aos demais
pesquisadores de área relacionadas ou não, sobre esclarecimentos
pertinentes ao desenvolvimento de pesquisas e as informações neces-
sárias para tal, principalmente sobre as fontes de informações utili-
zadas e a metodologia, a luz da legislação existe sobre o assunto, no
Brasil e no cenário internacional.
Percebe-se a falta de informação sobre o assunto em questão,
confusão de conceitos (fonte de informação primária e dados secundá-
rios), há também poucos esclarecimentos em áreas do conhecimento
sobre a aplicação adequada da Resolução CNS 466/12, bem como a
implicação da utilização da resolução e suas implicações legais, no que
tange a participação de pessoas em trabalhos de pesquisa, inclusive na
área da Ciência da Informação, observou-se que no universo de mais
de trinta títulos de periódicos nacionais (fonte BRAPCI9, 2015), apenas
um periódico exige a carta de aprovação do Comitê de Ética em Pes-
quisa, para que o pesquisador possa publicar seu artigo.
Pesquisas desenvolvidas com a participação de pessoas são
frequentes na área de Ciência da Informação, por exemplo, os es-
tudos de usuários usam produtos ou serviços de informação, nos
quais aplicação do TCLE é necessário. Desde a autorização das infor-
mações orientações oriundas de entrevistas, questionários ou mes-
mo em observações diretas. Nota-se questões culturais que precisam
ser investigadas, pois desde reportagem jornalística com descaso de
publicar informações de pessoas são expostas de maneira antiética
(gravações, publicações de imagens, situações, sem anuência do su-
jeito). Entre as iniciativas de compreender e incorporar os princípios
em assumir atitudes éticas, compete aos pesquisadores (iniciantes e

9. BRAPCI. Disponível: <http://www.brapci.ufpr.br/brapci/>

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 125
sêniores) participarem de debates palestras e os Comitês de Éticas
de Pesquisas para a evolução da necessidade do uso e das melhores
práticas. O assunto insipiente na Ciência da Informação demonstra a
necessidade de trabalhos de pesquisas na área para possibilitar a cria-
ção de um referencial teórico especifico, como a percepção de fontes
de informação, entre prontuários de pacientes e as informações do
Termo de Consentimento Livre Esclarecido na Ética em Pesquisa com
Seres Humanos.

Referências

ARAUJO, Nelma Camêlo de; LUNARDELLI, Rosane; CASTRO, Gardênia


de. O Prontuário do paciente e o acesso às informações. In: FRANCISCO,
Deise Juliana; SANTANA, Luciana (orgs.). Problematizações éticas em
pesquisa. Maceió: Edufal, 2014. p.53-68

BLATTMANN, Ursula. A Ética na Internet. In: OLIVEIRA, M.O.E.;


FERREIRA, G.I.S.; LUNARDELLI. Ética Profissional na prática do
Bibliotecário. Brasília: Conselho Federal de Biblioteconomia/Usina de
Letras, 2011. p.160-167.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução


n.º 196. Brasília, DF: Ministério da Saúde, de 10 de outubro de 1996.
Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/comissao/conep/
resolucao.html>. Acesso em: 05 abr. 2015.

BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução nº. 466. Brasília, DF: Ministério


da Saúde, de 12 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://conselho.
saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf> . Acesso em: 13 abr. 2015.

Entrelaces entre questões éticas


126 | e metodológicas na pesquisa
CAMÂRA, Mauro. Telecentros como instrumento de inclusão digital:
perspectiva comparada em Minas Gerais. 2005.134f. Dissertação (Mestrado
em Ciência da Informação) – Escola de Ciência da Informação da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

CAPURRO, Rafael. Desafíos teóricos y prácticos de la ética intercultural de


la información. In: FREIRE, Gustavo Henrique Araujo. Ética da Informação:
conceitos, aboragens, aplicações. João Pessoa: Ideia, 2010. p.11-51.

DURAND, Guy. Introdução geral à Bioética: história, conceitos e


instrumentos. São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo/
Edições Loyola, 2003.

FREIRE, Gustavo Henrique Araujo. Ética e políticas de informação: uma


ação de informação no programa de cooperação acadêmica - novas
fronteiras da CAPES. In: ___ Ética da Informação: conceitos, abordagens,
aplicações. João Pessoa: Ideia, 2010. p.164-183.

FREITAS, Corina Bontempo D; HOSSNE, Willian Saad. Pesquisa com Seres


Humanos. Disponível em : <http://www.portalmedico.org.br/biblioteca_
virtual/bioetica/ParteIIIsereshumanos.htm> Acesso em: 04 abr. 2015.

GARCIA, Joana Coeli. R. Por uma ética da informação. In: FREIRE,


Gustavo Henrique Araújo. Ética da Informação: conceitos, abordagens,
aplicações. João Pessoa: Ideia, 2010. p. 126-146.

JENEL, Sabine; ÉVORA, Yolanda Dora Martinez. Revisão de literatura:


Implantação de Prontuário Eletrônico do Paciente. J. Health Inform. São
Paulo, v.4, n.4, p.176-81, Out.-Dez. 2012.

KOTOW, Miguel. História da ética em pesquisa com seres humanos.


RECIIS – Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em
Saúde. Rio de Janeiro, v.2, Sup.1, p.Sup.7-Sup.18, p. 7-18, Dez., 2008.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 127
LUNA, Florencia. Consentimento livre e esclarecido: ainda uma ferramenta
útil na ética em pesquisa. RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde.
Rio de Janeiro, v.2, Sup.1, p.Sup.7-Sup.18, p.42-53, Dez., 2008.

PINTO, Virginia Bentes. Epistemologia do registro e da organização do


conhecimento no contexto da saúde. In: CAVALCANTE, Lidia Eugenia;
PINTO, Virginia Bentes; VIDOTTI, Silvana Aparecida Borsetti Gregório.
(Org.). Ciência da Informação e Contemporaneidade: tessituras e olhares.
Fortaleza: Edições UFC, 2012, p. 303-330.

SOUTO, Rafaella Queiroga et al. Aspectos éticos na pesquisa com dados


secundários: uma revisão sistemática. Revista Espaço para a Saúde,
Londrina, v. 13, n. 1, p. 45-53, dez. 2011.

SOUZA, Francisco das Chagas; STUFF, Katiusca. Presença do tema


ética profissional nos periódicos brasileiros de Ciência da Informação
e Biblioteconomia. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo
Horizonte, v.14, n.3, p.94-115, set./dez. 2009.

WITTER, Geraldina Porto. Ética e pesquisa: gestores e pesquisadores.


In: CURTY, Renata Gonçalves (Org.). Produção intelectual no ambiente
acadêmico. Londrina : UEL/CIN, 2010a. Cap. 1, p. 09-30. Disponível em:
< http://www.youblisher.com/p/30588-PRODUCAO-INTELECTUAL-NO-
AMBIENTE-ACADEMICO/ >. Acesso: 4 jul. 2015.

ZINS, Chaim et al. Knowledge map of information science: implications


for the future of the field. Brazilian Journal of Information Science, v. 1,
n. 1, p. 3-29, 2007. Disponível em: http://www.doaj.org/doaj?func=openu
rl&genre=journal&issn=19811640&volume=1 &issue=1&date=2007&uiL
anguage=em>. Acesso: 13 jun. 2015.

Entrelaces entre questões éticas


128 | e metodológicas na pesquisa
PESQUISA COM DENTES HUMANOS SOB A LUZ DA BIOÉTICA

Camila Maria Beder Ribeiro


Aleska Dias Wanderlei
Aliúcha Padilha de Holanda Cavalcanti

1 Introdução

O dente é definido como um órgão do corpo humano, pois é com-


posto por diferentes tecidos, tem forma definida e apresenta funções
específicas (NASSIF et al., 2003; PEREIRA, J.; PEREIRA, D.; RODRI-
GUES, 2005); são componentes da cavidade bucal compostos por
tecidos orgânicos e inorgânicos em proporções variáveis que servem
de material biológico para a realização de pesquisas em odontologia
(KATCHBURIAN, 2012). O órgão dentário, por conservar sua anato-
mia, possuir satisfatória durabilidade e resistir à abrasão, é o material
de escolha em treinamentos laboratoriais e atividades didáticas, além
de ser utilizado para pesquisas (MARIN et al., 2005).
A possibilidade de dentes naturais serem utilizados como fonte
de pesquisa é uma realidade (FEREIRA et al., 2003). Contudo, o rea-
proveitamento do órgão dentário, tendo sido esfoliado naturalmente
ou extraído por diversos motivos, necessita estar de acordo com a
legislação vigente, com o posicionamento da bioética e cumprir nor-
mas de biossegurança (MARIN et al., 2005).
Os dentes podem ser obtidos dos pacientes em casos de exo-
dontia indicada, quando o profissional lhe pergunta se aceita doar os
dentes e informa acerca do destino dos mesmos e com qual finalidade
serão utilizados (MIRANDA et al.,2009). O uso de dentes humanos
extraídos é fundamental para consolidar o ensino e a pesquisa nos

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 129
cursos de odontologia. Por meio da lei de transplantes no Brasil, lei
9434 (BRASIL, 1997).
Em 1997, a Lei de Transplante no Brasil reconheceu os dentes
como órgãos, requerendo autorização do doador para o uso de dentes
extraídos (NASSIF et al, 2003a). Em complementação, o Código de
Ética Odontológica reafirma em 2012 (CFO, 2012) que, o não cumpri-
mento das legislações que regulam o uso do cadáver para estudo ou
exercício de técnicas cirúrgicas e os transplantes de órgãos, é consi-
derado infração ética (CFO, 2012). Fato já salientado em 2003 (CFO,
2003). Nesse contexto, o Banco de Dentes deve ser visto como um
banco de órgãos. A utilização de dentes humanos extraídos reves-
te-se de aspectos éticos importantes, principalmente quando esses
procedimentos não estão atrelados às necessidades terapêuticas dos
sujeitos envolvidos. Para obtenção desses dentes naturais de forma
ética e legal, é necessário que os mesmos sejam obtidos em um Ban-
co de Dentes, onde eles são armazenados e mantidos até a época de
sua utilização. Além dessa função de armazenar e fornecer dentes,
o Banco de Dentes tem por objetivo principal promover a conscien-
tização dos indivíduos sobre a importância dos dentes como órgão e
sua relação com a saúde geral, levando informações relativas a sua
utilização em pesquisas científicas e tratamentos. A existência deste
banco é reforçada e justificada por aspectos legais, culturais e cientí-
ficos, visando evitar o “comércio” de estruturas dentais sabidamente
utilizadas nos cursos de Odontologia, racionalizando assim seu uso.
Somam-se a isso uma nova forma de visão do dente como parte in-
tegrante do quadro de saúde e formas de educação que, através da
conscientização, estabelece uma mudança de hábitos e a valorização
real do dente como órgão (MIRANDA et al.,2009).
Diante da importância dos dentes extraídos para o ensino
odontológico, cabe à universidade perceber as demandas da socie-

Entrelaces entre questões éticas


130 | e metodológicas na pesquisa
dade e propor estratégias para melhorar o ensino e as condições de
vida das populações, por meio da tríade ensino-pesquisa-extensão.
As atividades de extensão na área da saúde devem integrar o ensino
e pesquisa, propiciando a melhor formação em saúde.

2 Banco de dentes

O uso de dentes humanos extraídos é fundamental para consolidar


o ensino e a pesquisa nos cursos de odontologia. Através da lei de
transplantes no Brasil, lei 9434 (BRASIL, 1997), os dentes passaram a
ser considerados órgãos. O dente é um órgão cuja origem deve ser co-
nhecida. Neste contexto, a fonte legal da disponibilização de dentes
é um Banco de Dentes Humano (BDH). (MOREIRA et al., 2009). Um
estudo sobre o uso de dentes, relatados na 17ª e 18ª Reuniões Anuais
da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO), demons-
trou que, de 2.569 trabalhos apresentados, 834 utilizaram dentes na-
turais, o que resultou em 34 dentes por pesquisa. No mesmo artigo
foi estimado que para a realização de aulas práticas em um curso de
odontologia da cidade de São Paulo gasta-se em média de três a qua-
tro mil dentes por semestre. Portanto, como existem 196 faculdades
de Odontologia no Brasil, hoje seriam necessários aproximadamente
de 600mil a 800mil dentes para as atividades acadêmicas. (COSTA et
al.,2007). Uma pesquisa realizada em 2010 verificou a utilização de
dentes extraídos, humanos ou não, nas pesquisas publicadas a partir
de 1996, em periódicos brasileiros de acesso online gratuito. Quator-
ze periódicos publicaram artigos que se serviram de dentes extraí-
dos, totalizando 254 artigos. Foram utilizados 8.921 dentes humanos
e 2.920 não humanos. Esse estudo demonstrou a importância da Im-
plantação do BDH nas pesquisas odontológicas (FREITAS et al.,2010).

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 131
A criação do BDH nas instituições de ensino superior no Brasil
teve início por volta do ano 2000 com o objetivo de minimizar o co-
mércio ilegal de estruturas dentárias, assim como desenvolver uma
percepção dos discentes e profissionais da área de Odontologia acer-
ca da Biossegurança, das questões legais e das discussões em Bioética
(PEREIRA, 2012a).
Um BDH é uma instituição sem fins lucrativos, que deve estar
vinculada a uma faculdade, universidade ou outra instituição. O BDH
não apenas diminui o risco de infecções cruzadas advindas do manu-
seio incorreto do órgão dental, mas também organiza o fornecimen-
to desses elementos para os alunos da graduação e pós-graduação,
eliminando o comércio ilegal de dentes. (NASSIF et al., 2003; IMPA-
RATO, 2003). A produção do conhecimento, por meio de pesquisas,
depende diretamente da existência de dentes naturais oficialmente
doados. (FERREIRA et al., 2003). O BDH é responsável pelas ativi-
dades de recepção, preparação, desinfecção, manipulação, seleção,
preservação, catalogação, estocagem, cessão, empréstimo, adminis-
tração dos dentes doados e educação para ética (PEREIRA, 2012b).

3 Captação e preparo dos dentes

O Banco de dentes recebe doações de duas formas, a primeira é in-


terna, das próprias disciplinas do curso. A outra forma é a doação
externa, em que cirurgiões-dentistas ou qualquer indivíduo doa ele-
mentos dentais extraídos em estabelecimentos públicos ou privados
(JUNIOR et al., 2012).É importante incentivar a arrecadação dos den-
tes humanos, pois através das doações é possível a complementação
e manutenção de um estoque de dentes suficiente para suprir as ne-
cessidades de ensino e de pesquisas da instituição a que o BDH está
vinculado (NASSIF et al.,2003).

Entrelaces entre questões éticas


132 | e metodológicas na pesquisa
A preparação dos dentes compreende as etapas de manipu-
lação, limpeza, seleção, armazenamento e esterilização. Os dentes
são distribuídos em recipientes específicos e identificados por gru-
pos (incisivos, caninos, molares, anômalos e seccionados) (MARIN,
ZORZIN, MINARDI, OLIVEIRA, 2005). A manipulação dos elementos
dentais deve ser feita somente por indivíduo paramentado com os
equipamentos de proteção individual, a fim de evitar a contaminação
cruzada. A preparação, seleção, e os métodos de desinfecção\ esteri-
lização dos dentes podem variar de acordo com a pesquisa e, princi-
palmente, com a finalidade para a qual os dentes destinam (NASSIF
et al., 2003). A entrada e saída dos dentes em um Banco de dentes
deverão ser computadas em fichas específicas, obtendo-se, assim, o
controle do número de dentes em estoque. Nestas fichas, anota-se o
tipo e o número de dentes que entram ou saem, assim como a data
da movimentação (NASSIF et al., 2003).

4 Ética e legalidade no BDH

A utilização de dentes humanos para fins de pesquisa ou realização


de procedimentos laboratoriais ou clínicos deve respeitar aspectos
éticos e legais, e precisa ser uma preocupação de pesquisadores, alu-
nos e da população em geral (VANZELLI; IMPARATO, 2003). A lei de
transplantes no Brasil (Brasil, 1997), não permite a remoção, ainda
post-mortem, de “tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não
identificadas” e prevê pena de 3 a 8 anos de reclusão e multa para
quem compra ou vende e incorre na mesma pena quem promove,
intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação
(BRASIL, 2009).
A resolução do CNS nº 196, de 10 de outubro de 1996 dentre
outras atribuições, incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coleti-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 133
vidades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não
maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os
direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos
sujeitos da pesquisa e ao Estado (BRASIL, 1996). A portaria nº 1686/
GM autoriza o funcionamento e cadastramento de Bancos de Tecidos
musculoesqueléticos pelo Sistema único de Saúde (BRASIL, 2002).
Segundo os artigos 50 e 51 do código de ética odontológica, o não
cumprimento das legislações que regulam os transplantes de órgãos
e o uso do cadáver para estudo e\ ou exercícios de técnicas cirúrgicas
é considerado infração ética, podendo determinar penalidades que
vão de uma simples advertência confidencial à cassação do exercício
profissional (CFO, 2016).
A resolução do CNS nº 441, de 12 de maio de 2011, que dis-
põe sobre a regulamentação dos Biobancos e Biorrepositórios para os
materiais biológicos, considerou a necessidade de atualizar a comple-
mentação da regulamentação da Resolução CNS no 196/96 no que
diz respeito ao armazenamento e à utilização de material biológico
humano com finalidade de pesquisa (BRASIL, 2011). A Resolução do
CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012, considerando dentre outros
pontos, o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção
devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres
humanos; aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pes-
quisa envolvendo seres humanos, enfatizando cuidados acerca do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as atribuições do CEP
e CONEP (BRASIL, 2012).
Não existe legislação específica que contemple o “Banco de
Dentes Humanos na legislação brasileira”, além da condição do órgão
dental para transplante ou fins científicos de tratamento, e o ensino
continua sem regulamentação própria para suas atribuições acadê-
micas, no que se refere ás atividades de ensino nas pré-clínicas dos

Entrelaces entre questões éticas


134 | e metodológicas na pesquisa
laboratórios durante o curso de Odontologia e nas pós-graduações
(PEREIRA, 2012a). O dente, como qualquer outro órgão, somente
poderá ser doado com o consentimento do paciente ou responsável,
o que é expresso, para o BDH, mediante assinatura do termo de con-
sentimento livre e esclarecido (TCLE) (MIRANDA, CARNEIRO, 2012).
Esse termo é individual e pode ser usado em clínicas particulares,
postos de saúde, clínicas de instituições de ensino e hospitais (NAS-
SIF et al., 2003). Na elaboração do TCLE deve-se procurar a efetiva
informação ao sujeito doador para assegurar o seu direito de escolha.
Para tal, o TCLE deve ser escrito em termos acessíveis e contemplar
todas as informações pertinentes a doação que está sendo realizada,
bem como a finalidade de utilização do dente. Deve ser apresentado
por indivíduo treinado, ser confidencial e explicado ao paciente antes
ou após a extração do dente (MIRANDA, CARNEIRO, 2012).

5 Etapas para a implantação do BDH

Segundo Pereira (2012b), para implantação do BDH são necessárias


várias etapas:
1-Formação da equipe para elaboração do projeto;
2-Elaboração do projeto de extensão;
3-Infra- estrutura: desenho da construção da estrutura física;
4-Equipamento permanente e material de consumo;
5-Formação da equipe de trabalho do BDH;
6-Apresentação do projeto de implantação do BDH para apre-
ciação na pró-reitoria de extensão na universidade;
7-Aprovação no Conselho Superior de Ensino e Pesquisa;
8-Normatização do BDH junto à Vigilância Sanitária da Secre-
taria de Saúde da prefeitura municipal;
9-Adequação às normas da ANVISA para o BDH;

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 135
10-Elaboração de regulamento próprio, tendo como base as leis
vigentes no país para Biobancos;
11-Divulgação dos aspectos legais de doação de órgãos (ativi-
dades educativas, palestras);
12-Elaboração dos Termos de Doação e do Termo de Consenti-
mento Livre e Esclarecido;
13-Fluxograma do BDH (arrecadação e preparo das unidades
dentárias) e registro das atividades de ensino, pesquisa e ex-
tensão;
14- Parcerias e convênios.

6 Funcionamento e organização do Banco de Dentes

O funcionamento de um banco de dentes é similar ao de um banco


de órgãos, tornando-se necessários a organização criteriosa e o em-
penho dos membros do banco para uma ampla funcionalidade, dife-
renciando-se, por isso, de uma coleção de dentes (BEGOSSO, IMPA-
RATO; DUARTE, 2001). A normatização do BDH segue as definições
propostas pela diretoria ou reitoria, quando então é indicado um co-
ordenador responsável que seja, preferencialmente, um docente qua-
lificado. Este coordenador será o representante do BDH em reuniões
ou conselhos, assim como deverá sugerir uma equipe para gerenciar
o BDH, responsabilizando-se pela mesma (NASSIF et al., 2003). As
diretrizes do BDH serão definidas através de um regimento interno,
baseadas nos objetivos de tal instituição. Cada membro terá uma fun-
ção específica em um grupo onde deverão participar também alunos
da graduação (NASSIF et al., 2003).
Segundo o Manual de Prevenção e Controle de riscos em Ser-
viços Odontológicos, para o funcionamento de um BDH são necessá-
rios alguns requisitos como, infra-estrutura adequada, equipamentos

Entrelaces entre questões éticas


136 | e metodológicas na pesquisa
próprios e a contratação de pessoal técnico especializado e auxiliar,
bem como o estabelecimento de fluxos e rotinas próprias que nor-
teiam todas as etapas referentes á capitação e distribuição dos órgãos
dentários (BRASIL, 2006). Para a realização das funções do BDH, é
necessário um laboratório e uma sala de suporte. O laboratório de-
verá ser construído de acordo com as normas de vigilância sanitária
correntes. Os equipamentos necessários são: refrigeradores para esto-
cagem dos dentes, bancada para seleção e limpeza dos dentes, pias,
armários, materiais de biossegurança pessoal, soluções desinfetan-
tes, ultrassom, instrumental, vidraria de laboratório, dentre outros.
Para a administração, é conveniente que se tenha uma sala anexa
composta de microcomputador, arquivo, fax, telefone, mesas e armá-
rios (NASSIF et al., 2003, ALBRECHT et al., 2013)
Segundo a legislação, a Secretaria de Estado da Saúde deve
ser consultada quanto á importância e necessidade da criação de um
banco de órgãos específico e após o aval desta, o banco deve ser ca-
dastrado nesta jurisdição que por sua vez, determinará à Vigilância
Sanitária a avaliação inicial das condições de funcionamento do ban-
co, por meio de vistoria in loco (FERREIRA et al., 2003). Recomenda-
-se que as instalações do banco de dentes, no tocante ás condições
higiênico-sanitárias e estruturais, sejam previamente aprovadas pela
Vigilância Sanitária, a começar pela aprovação da planta arquitetôni-
ca (FERREIRA et al., 2003). Os BDH ainda não participam da rotina
de muitos cursos de graduação em odontologia no Brasil, o que foi
constatado na pesquisa de doutorado feita por Pereira (2012b), atra-
vés do levantamento dos BDH dos Cursos de Odontologia no Brasil.
Segundo o autor, dos 196 cursos de odontologia, apenas 64 cursos
apresentam o BDH, sendo 8 deles na região Nordeste.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 137
7 Modelos de Termo de Doação e Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido

Quadro 2 – Modelo de Termo de doação de dentes

TERMO DE DOAÇÃO DE DENTES HUMANOS

Eu, ___________, portador do RG _______, residente à _______,


bairro ____, cidade ____, UF __, CEP ___, telefone ______, dôo ___
dentes para o BANCO DE DENTES HUMANOS DA FACULDADE DE
ODONTOLOGIA, estando ciente de que estes dentes serão utilizados
pelos alunos e pesquisadores desta Faculdade para estudo, treina-
mento laboratorial pré-clínico e realização de pesquisas.

Origem dos dentes: _________________


__________, ____ de _______ de 20___.
_____________________________
Assinatura

*Adaptado do modelo Unoeste

Entrelaces entre questões éticas


138 | e metodológicas na pesquisa
Quadro 3 – Modelo TCLE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, ________ RG no. ___ CPF no. ___ Prontuário no. ___________
Telefone ____________________

( ) sim ( ) não

Autorizo a doação do(s) dente(s)_____ extraído(s) nesta data para o


BANCO DE DENTES HUMANOS DA FACULDADE DE ODONTOLO-
GIA, ciente de que o(s) mesmo(s) será(ão) utilizado(s) pelos alunos
desta Faculdade para estudo e treinamento pré-clínico. Estou cons-
ciente de que este(s) dente(s) foi(foram) extraído(s) por indicação
terapêutica para a melhoria da minha saúde, como documentado
em meu prontuário. Caso este(s) dente(s) seja(m) utilizado(s) em
pesquisa, esta deverá ter sido previamente aprovada pelo Comitê
de Ética em Pesquisa, sendo preservada a minha identidade na di-
vulgação.
____ de ______________ de 20___.
_____________________________
Assinatura do doador ou responsável

Disciplina: ________________________________
Professor: _________________ CRO: __________
Testemunha: ________________RA:___________

__________________________
Assinatura do professor

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 139
Referências

ALBRECHT, L.; FERREIRA, E.L; PASSOS, M.L.M, CECCHETTI, R.T. Teeth


processing in human teeth bank – proposal of protocol , RSBO.v.10,n.4,
p.386-93, oct/dec. 2013.

BEGOSSO, M. P.; IMPARATO, J. C. P.; DUARTE, D.A. Estágio atual da


organização dos bancos de dentes humanos nas faculdades de odontologia
do território brasileiro. RPG Revista. pósgrad., v. 8, n. 1, p.23-28, jan./
mar. 2001.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Agência nacional de vigilância


sanitária. Serviços odontológicos: prevenção e controle de riscos /
ministério da saúde, agência nacional de vigilância sanitária. – Brasília:
Ministério da Saúde, 2006.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolução nº 196, de 10 de outubro de


1996, dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos. Brasilia,DF,1996. Disponível em: < <http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/1996/res0196_10_10_1996.html>
Acesso em : 10 Nov. 2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolução do CNS nº 441, de 12 de


maio de 2011, dispõe sobre as diretrizes para análise ética de projetos de
pesquisas que envolvam armazenamento de material biológico humano
ou uso de material armazenado em pesquisas anteriores. Brasilia, DF,
2001. Disponível em: < <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2011/
reso441.pdf>Acesso em: 19 out. 2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolução nº 466, de 12 de dezembro


de 2012, dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de
pesquisas envolvendo seres humanos. Brasilia, DF, 2012. Disponível

Entrelaces entre questões éticas


140 | e metodológicas na pesquisa
em: < <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/
res0466_12_12_2012.html> Acesso em: 23 Dez. 2016.

BRASIL. Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção


de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamento e dá outras providências. Diário oficial união, Brasília, DF,
05 fev. 1997. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/
listatextointegral.action?id=123711>. Acesso em: 15 Ago. 2015.

BRASIL. Código de ética odontológica. 2016. Disponível em: <http://


www.cfo.org.br/wpcontent/uploads/2016/codigo_etica.pdf> Acesso em : 12
Jan. 2017.

COSTA, S.M; MAMELUQUE, S; LIMA, E.B; MELO, A.E.M. A; PIRES,


C.P.A.B; REZENDE, E.J.C; ALVES, K. M. Dentes humanos no ensino
odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento
pelos acadêmicos da Unimontes. Rev. Abeno, v. 7, n.1, p.6-12, 2007.

FERREIRA, E. L; FARINIUK, L. F; CAVALI, A. É. C; BARATTO, F. F;


AMBRÓSIO, A. R. Banco de dentes: ética e legalidade no ensino, pesquisa
e tratamento odontológico. RBO Revista Brasileira de Odontologia, v. 60,
n. 2, p. 120-122, mar./abr., 2003.

FREITAS, A. B. D. A; CASTRO, C. D. L; SETT, G. S; BARROS, L. M;


MOREIRA, A. N, MAGALHÃES, C. S. Uso de dentes extraídos nas
pesquisas odontológicas publicadas em periódicos brasileiros de acesso
online gratuito um estudo sob o prisma da bioética. Arquivos em
Odontologia.v.46, n.3, p.136-143,2010.

IMPARATO, J.C.P. Banco de dentes humanos. Curitiba: ed. Maio, 2003

MIRANDA, G. E.; CARNEIRO, F. B. Banco de dentes humanas: uma análise


bioética. Revista bioética. Belo horizonte: v. 20, n 2, mar. 2012.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 141
NASSIF, A.C.S; TIERI, F.; ANA, PA.; BOTTA,SB, IMPARATO, J. C. P.
Estruturação de um banco de dentes humanos. Pesq. Odontol. Bras. São
Paulo, v. 17, p. 70-74, maio 2003.

PEREIRA, Q. D. Banco de dentes humanos no brasil: revisão de literatura,


Revista da Abeno. Bahia, v.12, n.2, p.178-84, 2012a.

PEREIRA, D.Q. Levantamento dos bancos de dentes humanos dos cursos


de odontologia no brasil e experiência na criação do banco de dentes
humanos da Universidade Estadual De Feira De Santana – Bahia. p.1-
111, 2012b. tese de doutorado. UFBA, 2012. Disponível em < https://
repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/13103/1/Dayliz%20Pereira.pdf.>.
Acesso em 17 jun. 2017.

VANZELLI, M.; IMPARATO, J.C.P. Banco de dentes: uma ideia promissoras


tomatus. RGS, v.9, n.16, p.59-60, 2003.

Entrelaces entre questões éticas


142 | e metodológicas na pesquisa
Parte III
Questões éticas e metodológicas na
pesquisa
VARIÁVEIS METODOLÓGICAS E ETICIDADE NAS PESQUISAS
QUANTITATIVAS

Amandio Aristides Rihan Geraldes


Luciana Santana

It may be accepted as a maxim that a poorly or improperly designed


study involving human subjscts is by definition unethical. Moreover,
when a study is in itself scientifically invalid, all other ethical conside-
rations become irrelevant (RUTSTEIN, 1969, p. 384).

1 Introdução

Este capítulo busca discutir a importância de variáveis metodológi-


cas para garantir a eticidade das pesquisas quantitativas. A propos-
ta está diretamente relacionada a questões que recorrentemente são
levantadas em nossas reuniões no âmbito do Comitê de Ética (CEP)
em pesquisa, da UFAL.
Por ser algo que não consensual, entendemos por bem, apre-
sentar considerações e elementos que justificam a necessidade da
avaliação metodológica nas pesquisas quantitativas. A exposição do
texto contemplará aspectos relacionados a Ética, Bioética e as Resolu-
ções do Conselho Nacional da Saúde, bem como sobre a importância
da Metodologia para a Eticidade das Pesquisas Quantitativas.

2 A Ética e a Bioética

A ética é uma palavra de origem grega éthos que pode ser traduzida
por caráter. Pelo exposto, a ética tem sido entendida como a “ciência
da moral” ou “filosofia da moral”, representando o conjunto de prin-
cípios morais que regem os direitos e deveres de cada pessoa, sendo

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 145
estabelecidos e aceitos - em uma determinada época específica - por
uma comunidade (KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005).
Clotet (2009) observa que, de forma geral, a ética trata do que
é bom ou correto e do que é mau ou incorreto no agir humano, por-
tanto, conclui Carneiro et al. (2010), reflete-se nas condutas e normas
resultantes do exercício da razão e da crítica estando vinculada a três
pré-requisitos: consciência, autonomia e coerência. Do ponto de vis-
ta filosófico, desde as suas origens, a ética busca estudar e fornecer
princípios orientadores para o agir humano, amparada no ideal gre-
go de justa medida, do equilíbrio nas ações (CENCI, 2000). A justa
medida é a busca do agenciamento do agir humano de tal forma que
o mesmo seja bom para todos, isto é, que todos os indivíduos sejam
contemplados de forma equânime. A Bioética pode ser compreendida
como o estudo sistemático, de caráter multidisciplinar, da conduta
humana na área das ciências da vida e da saúde, na medida em que
esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais (KO-
ERICH; MACHADO; COSTA, 2005). Os princípios éticos que pautam
as pesquisas realizadas com seres humanos originaram-se a partir
de pesquisas médicas, devido às pesquisas com anestésicos, conge-
lamento e o estudo sobre sífilis em Tuskegee, pautando-se, segundo
Clotet (1997), em vários documentos internacionais, como por exem-
plo: Código de Nuremberg (resultante das discussões e julgamentos
no Tribunal de Nuremberg, após a 2ª Guerra Mundial); Declaração
dos Direitos do Homem (documento proposto pela Organização das
Nações Unidas); Declaração de Helsinque (1964 e versões posteriores
de 1975, 1983, 1989, 1996, 2000 e 2008) e o Relatório Belmont que de-
finiu princípios éticos norteadores de pesquisas com seres humanos.
Nesse contexto, com o objetivo de garantir o mínimo respeito
necessário aos referenciais da ética em pesquisas com seres huma-
nos, em 1996 foram criados, em nosso país, a Comissão Nacional

Entrelaces entre questões éticas


146 | e metodológicas na pesquisa
de Ética em Pesquisa (CONEP) e os Comitês de Ética em Pesquisa
(BRASIL, 1996). Como seria esperado, devido à relativa juventude
do CONEP e dos CEP, ainda são muitas as dúvidas e problemas com
os quais, principalmente os CEP de Instituições Públicas, se depa-
ram. Do ponto de vista legal, em nosso país, as primeiras diretrizes e
normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos
foram estabelecidas pela Resolução nº 1 de 18 de junho de 1988 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Em 1996, a Resolução 196/96 criou a Comissão Nacional de


Ética em Pesquisa (CONEP) que tem, entre outras atribuições,
zelar pelo cumprimento da Resolução, bem como, monitorar e
aconselhar os pesquisadores, entretanto, sem ser policialesca
(VIEIRA, 2005). Desde 12 de dezembro de 2012, a Resolução
466/12 substituiu a 196/96 (BRASIL, 2012). Como a Resolução
466/12 não propõe claramente um conceito para a ética, quan-
do for necessário discutir tal termo, nos apoiaremos em dois
textos: 1) a definição de ética proposta por Clotet (2009): “a
ética trata do que é bom ou correto e do que é mau ou incor-
reto no agir humano, estando vinculada a três pré-requisitos:
consciência, autonomia e coerência” e, 2) as recomendações
da Resolução 466/12 no que se refere às condições necessárias
para respeitar a eticidade em pesquisa, descritas na. A saber:
a) respeito ao participante da pesquisa em sua dignidade e au-
tonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua
vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por
intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida; b)
ponderação entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como
potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com
o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos; c) ga-
rantia de que danos previsíveis serão evitados; e d) relevância
social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos in-
teresses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação
sócio humanitária (BRASIL, 2012).

A Resolução 510/2016 (CNS), homologada em 07 de maio de


2016, apresenta uma ponderação enfática sobre a avaliação para pes-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 147
quisas que utilizam técnicas qualitativas de coletas de dados, pró-
prias das ciências sociais e humanas:

Art. 25. A avaliação a ser feita pelo Sistema CEP/CONEP in-


cidirá sobre os aspectos éticos dos projetos, considerando os
riscos e a devida proteção dos direitos dos participantes da
pesquisa.
§1º. A avaliação científica dos aspectos teóricos dos projetos
submetidos a essa Resolução compete às instâncias acadêmi-
cas específicas, tais como comissões acadêmicas de pesquisa,
bancas de pós-graduação, instituições de fomento à pesquisa,
dentre outros. Não cabe ao Sistema CEP/CONEP a análise do
desenho metodológico em si.
§ 2º. A avaliação a ser realizada pelo Sistema CEP/CONEP
incidirá somente sobre os procedimentos metodológicos que
impliquem em riscos aos participantes (BRASIL, 2016).

Quanto à avaliação do mérito dos projetos, há um entendimen-


to amplo que não é competência do CEP ditar sobre este aspecto,
entretanto, a análise dos procedimentos metodológicos não é algo
consensual. Esse tipo de situação ocorre, muitas vezes, porque não
há clareza sobre quais e como determinados procedimentos metodo-
lógicos podem ou não implicar riscos aos participantes. E isso inde-
pende da área da pesquisa, relacionasse com a escolha metodológica
feita no âmbito da pesquisa. Ademais, a resolução 510/2016 mantém
essa questão de forma muito genérica, qualquer pesquisa que não se
encaixe nos parâmetros dessa resolução está submetida à resolução
466/13, cabendo ao colegiado dos CEP identificá-los durante o pro-
cesso de avaliação dos projetos.

3 Relações entre a metodologia e a eticidade nas pesquisas


quantitativas

Dentre as muitas dúvidas que têm surgido em nossas reuniões do


CEP da UFAL, uma das mais recorrentes refere-se à pergunta: a me-

Entrelaces entre questões éticas


148 | e metodológicas na pesquisa
todologia selecionada para o estudo deve ser alvo da avaliação do
colegiado? Embora alguns colegas, principalmente os pesquisado-
res qualitativos, defendam que não cabe ao CEP avaliar a metodo-
logia selecionada para os estudos submetidos ao nosso CEP, nossa
leitura e experiência como revisores nos fazem discordar e defender
que, diante das relações entre a ética e a metodologia, para garantir
a eticidade das pesquisas, inclusive em Ciências sociais e humanas,
é imprescindível que a metodologia utilizada no estudo seja a mais
adequada e rigorosa possível.
Um texto interessante, que claramente demonstra as relações
entre a ética e a metodologia da pesquisa, pode ser observado na
Norma Operacional 001/2013 (NO001/13), elaborada e aprovada pelo
Plenário do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2013b), com o
objetivo de complementar o texto da Resolução 466/12. De acordo
com esta norma, o projeto de pesquisa é o documento fundamental
para que o Sistema CEP-CONEP possa proceder a análise ética da
proposta, devendo ser formulado pelo pesquisador responsável pela
pesquisa. Diz o manual que, embora, os itens do projeto possam va-
riar, de acordo com a natureza e os procedimentos metodológicos
utilizados, todos os protocolos de pesquisa devem conter, obrigato-
riamente: 1) Tema; 2) Objeto da pesquisa; 3) Relevância social; 4)
Objetivos; 5) Local de realização da pesquisa; 6) População a ser es-
tudada; 7) Garantias éticas aos participantes da pesquisa; 8) Método
a ser utilizado; 9) Cronograma; 10) Orçamento; 11) Critérios de inclu-
são e exclusão dos participantes da pesquisa; 12) Riscos e benefícios
envolvidos na execução da pesquisa; 13) Critérios de encerramento
ou suspensão de pesquisa; 14) Resultados do estudo; 15) Divulgação
dos resultados; 16) Declarações de responsabilidade, devidamente
assinadas, do pesquisador, por responsável maior com competência
da instituição, do promotor e do patrocinador, conforme Anexo II,

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 149
observada a Área Temática e; 17) Declaração assinada pelo respon-
sável institucional, disponibilizando a existência de infraestrutura
necessária ao desenvolvimento da pesquisa e para atender eventuais
problemas dela resultantes.
Embora, para um pesquisador qualitativista, tais itens possam
causar estranheza, para o leitor acostumado com abordagens quan-
titativas, os itens descritos na NO001/13 senão idênticos, muito se
assemelham às etapas do método científico quantitativo. Interessan-
te destacar que, a mesma sequência é utilizada durante o preen-
chimento da submissão do projeto na Plataforma Brasil. Durante a
submissão na plataforma, os investigadores que lidam com a abor-
dagem qualitativa se deparam com a necessidade de declarar hipó-
teses, desfechos primários e secundários e critérios de inclusão e/ou
de exclusão, dentre outros. Entretanto, devido às características das
pesquisas qualitativas, tais itens não são considerados nessa abor-
dagem paradigmática. Certamente, tal problema senão solucionado,
será minimizado com o reconhecimento oficial das diferenças entre
os dois tipos de abordagens, através da publicação da Resolução 510
de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Ainda sobre o assunto, na norma NO001/13 são descritas as
exigências de considerações sobre variáveis, como por exemplo: po-
pulação/amostra e critérios de inclusão e exclusão. Embora, tais va-
riáveis sejam imprescindíveis para as pesquisas quantitativas, não
têm o mesmo valor ou rigor para as pesquisas qualitativas. Para eco-
nomizar tempo, nos ateremos ao texto utilizado para descrever as
características e exigências relacionadas aos três itens que mais se
associam à escolha do método, descritos na Resolução 466/13: Po-
pulação, Método a ser utilizado e os Critérios de inclusão e exclusão
dos participantes da pesquisa e se relacionam com a ética nas pes-
quisas quantitativas.

Entrelaces entre questões éticas


150 | e metodológicas na pesquisa
4 Caracterização e seleção da população/amostra

A Resolução 466/12 prevê, em seu item XIII.5, que “Os aspectos pro-
cedimentais e administrativos do Sistema CEP/CONEP serão tratados
em Norma Operacional do CNS”. Sendo assim, para embasar nossas
discussões sobre seleção da população e amostra, utilizaremos como
referência a primeira e última Norma Operacional emitida pelo CO-
NEP, a NO001/13. No 6º item da NO001/13, as seguintes recomen-
dações são feitas aos pesquisadores:

As características esperadas da população, tais como: tama-


nho, faixa etária, sexo, cor/raça (classificação do IBGE) e et-
nia, orientação sexual e 10/14 identidade de gênero, classes
e grupos sociais, e outras que sejam pertinentes à descrição
da população e que possam, de fato, ser significativas para a
análise ética da pesquisa; na ausência da delimitação da po-
pulação, deve ser apresentada justificativa para a não apre-
sentação da descrição da população, e das razões para a uti-
lização de grupos vulneráveis, quando for o caso (CONEP,
2013, p.9-14).

Embora e infelizmente, o texto seja formulado de forma que


admite outras interpretações, sugerindo ser a ética a principal variá-
vel, quando diz: “(...) ser significativas para análise da ética em pes-
quisa” (Brasil, 2012), quem lida com pesquisas quantitativas sabe,
que a delimitação da população, incluindo: as características dos
sujeitos, os motivos que levaram o pesquisador a selecionar deter-
minada população, bem como, o tamanho da amostra, além de ser
da responsabilidade exclusiva do pesquisador, afeta sobremaneira
a validade do estudo. Portanto, e consequentemente, essa variável
influencia (positiva ou negativamente) a validade e, consequente-
mente, o poder de generalização e/ou inferência dos resultados do
estudo. Segundo Triola (1999), uma população representa uma cole-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 151
ção completa de todos os elementos de um grupo (valores, pessoas,
medidas, coisas, entre outros) a ser estudado. Por outro lado, uma
amostra pode ser considerada como uma subcoleção de elementos
extraídos de uma dada população. Uma amostra é utilizada quan-
do for muito difícil o acesso a todos os componentes da população.
Embora, e de acordo com a lei da probabilidade, para minimizar
possíveis erros amostrais, seja preferível utilizar todos os sujeitos de
uma população, raramente isso será possível. Na realidade, a lei da
probabilidade demonstra que, quando adequadamente selecionada,
uma amostra de 500 pessoas pode ser igualmente útil para examinar
e generalizar as opiniões de 100.000 ou 1.000.000 de pessoas. Ade-
mais, as amostras desnecessariamente grandes acarretam desperdí-
cio de tempo e de dinheiro enquanto que, amostras demasiadamente
pequena geram resultados não confiáveis (TRIOLA, 1999). Ainda em
se tratando da amostra, em seu item 8º, a NO001/13 recomenda que
os pesquisadores realizem a:

Descrição detalhada dos métodos e procedimentos justificados


com base em fundamentação científica; a descrição da forma de
abordagem ou plano de recrutamento dos possíveis indivíduos
participantes, os métodos que afetem diretamente ou indireta-
mente os participantes da pesquisa, e que possam, de fato, ser
significativos para a análise ética (CONEP, 2013, p.10-14).

Embora o texto sugira a existência e a importância de relações


entre a ética, o método e o processo de amostragem, mais uma vez,
dá liberdade a mais que uma interpretação, quando diz: “que possam,
de fato, ser significativos para a análise ética”. O problema é que, a
interpretação sobre o que significa: “ser de fato significativo para a éti-
ca”, depende de muitas coisas, inclusive da vontade do pesquisador. É
importante notar que, para que os objetivos dos estudos quantitativos
(especialmente os experimentais) sejam alcançados de maneira váli-

Entrelaces entre questões éticas


152 | e metodológicas na pesquisa
da, é necessário o teste de hipóteses, o cálculo do tamanho ou núme-
ro de sujeitos (potência amostral) mais adequado para uma amostra,
bem como a seleção e descrição da maneira como a amostra deverá
ser selecionada (probabilística ou não probabilística ou, randômica ou
não randômica). Afinal, todas as variáveis descritas, são capazes de
influenciar a validade do estudo e, portanto, a ética.
Ainda em termos de amostra e ética, temos que considerar
duas possibilidades: 1) uma amostra demasiadamente pequena pode
invalidar o estudo e, 2) uma amostra muito grande, além de ser des-
necessária e economicamente imprópria, pode colocar em risco um
número demasiado de pessoas. Devido ao fato de, muitas vezes, tra-
tarem de doenças ou testes de drogas ou novas técnicas, para os es-
tudos experimentais utilizados na epidemiologia (clínico-epidemio-
lógicos), a tarefa de selecionar o processo amostral torna-se mais
importante ainda. Visto que nesses estudos, raramente a existência
de um universo populacional é possível, torna-se necessário dispor
de uma amostra representativa para a realização de inferências à po-
pulação-alvo. Sendo assim, sob o risco de serem invalidados, além
da determinação do número ideal de sujeitos (sample power), as
técnicas de seleção de amostras (coleta/seleção) devem ser as mais
adequadas possíveis (AZEVEDO, 2008). Sempre que o tamanho da
amostra do estudo for menor que 30 sujeitos, a análise de subgrupos
será dificultada, comprometendo a seleção dos testes estatísticos. Por
outro lado, o superdimensionamento amostral também é inadequado
para a relevância clínica (WEYNE, 2004). Para esses tipos de aborda-
gens, o planejamento amostral adequado depende do conhecimento
básico da estatística do estudo e do conhecimento profundo do pro-
blema investigado, a fim de que se possa unir a significância estatís-
tica dos testes ao significado clínico dos resultados.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 153
Ainda sobre a epidemiologia, por necessitarem do prossegui-
mento dos pacientes em função do tempo, os estudos longitudinais
(coortes prospectivas e ensaios clínicos) podem ser invalidados pela
mortalidade experimental (morte, desistência ou perda, dentre ou-
tros). Portanto, é indispensável que, durante o cálculo da amostra,
se considere essa variável, adicionando-se à amostra originalmente
calculada, um número adicional de elementos, capaz de compensar
as possíveis perdas. Com o objetivo de prevenir os efeitos da morta-
lidade experimental em estudos de acompanhamento ou longitudi-
nais, Miot (2011) sugere a adição de um número de elementos equiva-
lente a 30% do número (inicialmente) calculado como ideal. Diante
do exposto, pode-se concluir que, garantir a validade dos estudos
quantitativos na área da saúde e do desempenho, é também garantir
a eticidade da pesquisa.

5 Critérios de inclusão e exclusão

Mais uma vez utilizando a NO001/13 como referência, no item 11º


se lê: “Critérios de inclusão e exclusão devem ser apresentados de
acordo com as exigências da metodologia a ser utilizada”. Antes de
discutir a importância dos critérios de inclusão e exclusão, voltamos
a observar que os projetos submetidos ao CEP, independentemente
de serem monografias, dissertações ou teses, todos são considerados
pela NO001/13, como projetos de pesquisas. Portanto, têm como ob-
jetivo final, a apresentação ou submissão da pesquisa. Consequen-
temente, seus resultados serão submetidos à avaliação (formal ou
informal) de especialistas, seja em apresentações de Programa Ins-
titucional de Bolsas de Iniciação Científica, Congresso, Seminários,
Encontros e/ou, perante bancas examinadoras. Diante do exposto,
entendemos que o CEP de uma instituição de ensino superior, além

Entrelaces entre questões éticas


154 | e metodológicas na pesquisa
de garantir os direitos dos sujeitos, representar a instituição de en-
sino superior e seus pares, acaba sendo uma das últimas possibili-
dades de se discutir a adequação ou a necessidade de correção das
metodologias utilizadas nos projetos de pesquisa, a ele submetido.
Embora, devido às suas características exploratórias, as pesquisas
qualitativas não utilizem critérios de inclusão ou exclusão definidos,
para as pesquisas quantitativas, a delimitação da população/amostra
e a declaração dos critérios de inclusão e exclusão são essenciais e
imprescindíveis, visto que, são variáveis importantes para garantir a
validade do estudo.
Na verdade, os critérios de inclusão garantem que a população e
a amostra a serem utilizadas, apesentem os atributos (ou os critérios)
mínimos que permitirão aos investigadores alcançar os propósitos da
pesquisa. Pode-se dizer que os critérios de inclusão são as caracterís-
ticas ou qualidades que se deseja que os sujeitos (ou componentes de
uma amostra) tenham, para que sejam incluídos na amostra do estudo.
Os critérios de inclusão têm a função de remover ou minimizar a influ-
ência de variáveis de confusão (aquelas que, embora não manipuladas,
podem influenciar os resultados de um estudo), como por exemplo:
níveis de aptidão física ou experiência, fase do ciclo menstrual, idade,
uso de medicações, riscos ou presença de doenças, tabagismo, alco-
olismo e ausência de exercícios ou uso de suplementos ou atividades
físicas sistemáticas nos últimos seis meses.
Por outro lado, os critérios de exclusão são as características
que desqualificam aqueles sujeitos que, embora tenham sido inclu-
sos em uma amostra, não devem mais participar da mesma. Na prá-
tica, muitas vezes, a declaração desses itens é feita de maneira ina-
dequada. É comum que alguns pesquisadores após declararem os
critérios de inclusão, declarem os mesmos critérios - entretanto, de
maneira negativa - como critérios de exclusão. Por exemplo: dian-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 155
te de uma pesquisa destinada a verificar os efeitos do exercício de
caminhada sobre a aptidão funcional de idosos de ambos os sexos
funcionalmente independentes. Devido às exigências do protocolo:
ambos os sexos, idosos e funcionalmente independentes, poderíamos
declarar os seguintes critérios de inclusão: 1) ser de ambos os sexos;
2) ter entre 60 e 75 anos e; 3) não apresentar dependências funcio-
nais, além de 4) compreender as explicações sobre os testes a serem
utilizados e 5) não apresentar doenças ou problemas de saúde que
possam ser agravados com a realização dos testes utilizados no estu-
do (exemplo: hipertensão não controlada, amputações de membros
inferiores, dentre outras), dentre outras.
Utilizando o mesmo exemplo citado anteriormente, seriam ex-
cluídos da amostra, os sujeitos que, por qualquer motivo, não qui-
sessem continuar no estudo e os que faltarem a mais que 80% das
sessões de treinamento. A verdade é que os critérios de exclusão não
podem ser uma negativa dos critérios de inclusão. Isso é uma contra-
dição. Se os sujeitos foram inclusos na amostra por um motivo “X”,
o mesmo motivo não poderá servir como razão para excluí-lo. Afinal,
não podemos excluir da amostra, os sujeitos que não atenderam aos
critérios para compor a mesma. É muito comum recebermos, em nos-
so CEP projetos com declarações de critérios de inclusão e exclusão
inadequados. Entretanto e, embora seja muito recorrente esse tipo
de problema, ainda existem dúvidas sobre o fato dos critérios de in-
clusão e exclusão servirem de motivos para a devolução de um pro-
jeto. As mesmas questões continuam nos incomodando: a correção
do problema deve ser sugerida ou recomendada? Se as sugestões ou
recomendações não forem acatadas, o que devemos fazer?

Entrelaces entre questões éticas


156 | e metodológicas na pesquisa
6 O uso da Estatística e a Eticidade dos Estudos Quantitativos

Amador (2015) observa que a estatística é um conjunto de técnicas


ou processos que permite observar, descrever, organizar, comparar e
analisar matematicamente um determinado fenômeno e dele extrair
conclusões e possíveis generalizações e inferências. De acordo com
Triola (1999), as aplicações da estatística se desenvolveram de tal
forma que, praticamente todo campo de estudo se beneficia da utili-
zação de métodos estatísticos. Doenças são controladas com auxílio
de análises que antecipam epidemias; espécies ameaçadas são pro-
tegidas por regulamentos e leis que reagem a estimativas estatísticas
de modificação do tamanho das populações; os legisladores têm me-
lhor justificativa para leis como as que regem a poluição atmosférica,
inspeções de automóveis, utilização do cinto de segurança e dirigir
em estado de embriaguez, visando reduzir as taxas de casos fatais.
Os procedimentos estatísticos utilizados para testar hipóteses
e estimar a construção de modelos predição, representam somente
uma parte do processo de tomada de decisão. Na realidade, a esta-
tística não deve ser utilizada, como a única responsável pela tomada
de decisão. A extrapolação (generalização e/ou inferência) de uma
amostra ou de várias amostras, para uma população incompletamen-
te observada, implica também em boa dose de fé (crença) e experi-
ência do investigador (GOOD; HARDIN, 2006). Good e Hardin (2006)
observam que as fontes de erro decorrentes do uso dos procedimen-
tos estatísticos incluem: utilizar amostras selecionadas de popula-
ções inadequadas ou diferentes daquelas para as quais se pretende
fazer inferências; utilizar um número inadequado de sujeitos para
compor uma amostra; falhas em selecionar amostras randômicas e
representativas; medir as variáveis erradas ou, falhar em medir o que
você realmente pretende medir (validade instrumental); utilização de

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 157
técnicas estatísticas inadequadas ou ineficientes, falha na validação
de modelos e gráficos enganosos, dentre outros. Na realidade, o uso
da estatística é um dos importantes responsáveis pela qualidade da
validade da pesquisa quantitativa. Portanto, relaciona-se de maneira
importante com a eticidade do projeto.

7 Considerações finais

Na verdade, ainda são muitas as dúvidas e os problemas a serem


sanados em se tratando do sistema CEP/CONEP. Felizmente, nossas
dúvidas são compartilhadas por vários outros atores. Sobre o assunto
Nóvoa (2014, p.4) escreve:

É importante reforçar a ideia de que a Resolução CNS 466/12


não é, nem poderia ser, um código de regras rígidas. Ela contém
diretrizes que norteiam o julgamento ético dos protocolos e
estabelecem normas operacionais. Rotineiramente, nós nos
deparamos com o fato de que a análise da eticidade de uma
pesquisa não pode ser dissociada da análise de sua cientifi-
cidade. Todavia, isso não significa que o CEP emita pareceres
sobre a metodologia utilizada na pesquisa, mas sim sobre as
possíveis implicações ou repercussões éticas decorrentes das
opções metodológicas adotadas. Vamos além: os dilemas iden-
tificados nos protocolos e não contemplados nas diretrizes
devem ser objeto da reflexão e da decisão do CEP. Este ainda
pode contar com a CONEP, desempenhando seu papel de su-
pervisionar, coordenar e orientar todo o sistema. Há outros
que deverão ser elucidados e, portanto, concluímos que deve-
rão ser publicadas Normas Operacionais para complementar
a Resolução CNS 466/12, portanto, concluímos que deverão
ser publicadas Normas Operacionais para complementar a Re-
solução CNS 466/12.

Temos que admitir que, muitas vezes, os próprios textos ori-


ginados do CEP-CONEP, são confusos e/ou admitem diferentes in-
terpretações. Ademais, o fato de não descrever uma clara definição

Entrelaces entre questões éticas


158 | e metodológicas na pesquisa
de ética ajuda a aumentar as dúvidas. Entretanto, mesmo que indi-
retamente, a Resolução 466/12 admite a relação entre cientificidade
e ética quando, em seu item: III – Dos Aspectos éticos da Pesquisa
Envolvendo Seres Humanos, descreve:

Em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres huma-


nos, as pesquisas deverão observar as seguintes exigências:
Ser adequada aos princípios científicos que as justifiquem e
com possibilidades concretas de responder a incertezas;
Estar fundamentada em fatos científicos, experimentação pré-
via e/ou pressupostos adequados à área específica das pes-
quisas;
Ser realizada somente quando o conhecimento que se preten-
de obter não possa ser obtido por outro meio defendo que a
metodologia deva ser avaliada pelos CEPs (BRASIL, 2012).

Em vários outros documentos, como por exemplo, na publica-


ção denominada: Capacitação de Comitês de ética em Pesquisa do
Ministério da Saúde – Vol. 1 (BRASIL-MS, 2006) autores, como por
exemplo: Ezekiel Emanuel chamam a atenção para a relação e a im-
portância da metodologia para avalição ética quando descreve: “Até
mesmo uma pesquisa valiosa pode ser mal delineada ou realizada
de forma questionável, produzindo resultados cientificamente pou-
co confiáveis ou inválidos. Neste sentido, a má ciência não é ética”
(p.68). Freedman (1987) aponta a importância da metodologia e da
validade para a eticidade de um estudo afirmando que: “Para que um
protocolo de pesquisa clínica seja ético, a metodologia deve ser válida
e passível de ser aplicada na prática”. Para o autor, a pesquisa precisa
ter objetivos claros, desenhos selecionados - baseados em princípios,
métodos e práticas eficazes, seguros, além de aceitos -, ter força es-
tatística para comprovar o objetivo, um plano de análise dos dados
verossímil e, principalmente, demonstrar claramente a possibilidade
de ser realizada (FREEDMAN, 1987). Finalmente, esperamos que a

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 159
recente Resolução 510/2016 possa trazer luz às discussões sobre a te-
mática e que este capítulo possa contribuir com o aperfeiçoamento
das análises metodológicas e éticas nas pesquisas.

Referências

ALLENDE, J. (2012). Rigor – The essence of scientific work. Electronic


Journal Of Biotechnology, v. 7, n. 1. Retrieved September 19, 2015,
Disponível em: <http://www.ejbiotechnology.info/index.php/
ejbiotechnology/article/view/1112/1494> Acesso em: 17 jun. 2017.

AMADOR, J.P. Caderno Didático de Estatística. Disponível em: <http://


w3.ufsm.br/jpa/CiEnciasSociais/Conce.in.CS.pdf> Acesso em: 10 Dez.
2015.

AMERICAN ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF SCIENCE (AAAS).


The Liberal Art of Science: Agenda for Action, Washington, DC, 1990.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724-2005:


informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de
Janeiro, 2005.

AZEVEDO, R.S. Qual o tamanho da amostra ideal para se realizar um


ensaio clínico? Rev Assoc Med Bras. v.54, p. 289, 2008

BANNIGAN, K. ; WATSON, R. Reliability and validity in a nutshell.


Journal of Clinical Nursing. v.18, p.3237-3243, 2009.

BERG, K.E.; LATIN, R.W. Research methods in health, physical


education, exercise Science, and recreation (3th ed.). Philadelphia:
Lippincot Williams &Wilkins, 2008.

Entrelaces entre questões éticas


160 | e metodológicas na pesquisa
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Capacitação para Comitês de Ética em
Pesquisa. Comunicação e Educação em Saúde, 2006. Série F, vol. 1 e 2.

BRASIL. Resolução 466/2012 de 12 de dezembro de 2012. Conselho


Nacional de Saúde, Brasília, DF. 2013. Disponível em: <http://conselho.
saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf> Acesso em:

CARNEIRO, L.A. et al. O ensino da ética nos cursos de graduação da área


de saúde. Rev. bras. educ. med. v.34, n.3, p.412-421, 2010.

CASTRO, G.R. Discussão conceitual sobre dados, informações e


conhecimento, perspectiva dos alunos concluintes do Curso de
Biblioteconomia da UFPB. Monografia de Conclusão da Graduação em
Biblioteconomia na João Pessoa: UFPB/CCSA, 2011.

CENCI, Ângelo Vitório. O que é ética? Elementos em torno de uma ética


geral. Passo Fundo, 2000.

CLOTET J. Bioética como ética aplicada e genética. Bioética. v.5, n.2,


p.173-183, 1997.

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão Nacional De Ética


Em Pesquisa. Norma Operacional 001/2013 de 1 e 12 de setembro
de 2013. Conselho Nacional de Saúde, Brasília, DF. 2013. Disponível
em: <http://conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/aquivos/
CNSNormaOperacionaconepfinalizada2030-09.pdf.>. Acesso em: 09 fev.
2017.

COOK, T. D.; CAMPBELL, D. T. Quasi-experimentation: Design and


analysis issues for field settings. Boston, MA: Houghton Mifflin
Company, 1979.

CRESWELL, J.W. Research Design - Qualitative, Quantitative and Mixed


Methods Approaches. (4 th. Ed.). Thousand Oaks, Cal: Sage, 2012.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 161
CRONBACH L.J.; MEEHL, P.E. Construct Validity in Psychlogical Tests.
Psychological Bulletin. v. 52, p. 281-302, 1955.

FREEDMAN B. Equipoise and the Ethics of Clinical Research. New


England Journal of Medicine. v. 317, p.141-145, 1987

GOOD, P.I.; HARDIN, J.W. Common Errors in Statistics (and How to Avoid
Them), 4th Edition. John Wiley & Sons, Inc., Hoboken, New Jersey: 2012.

GUBA, E. G. Criteria for assessing the trustworthiness of naturalistic


inquiries. Educational Communication and Technology Journal. v.29,
p.75-92, 1988.

GUERRA, Rafael Angel Torquemada (org) et al. Cadernos Cb Virtual 2.


UFPB, João Pessoa, 2013

KAPLAN, R.M.; SACUZZO, D.P. Psychological Testing Principles,


Applications, and Issues. (7th ed.). Belmont, CA: Wadsworth/Cengage
Learning. 2009.

KENT, Michael. The Oxford Dictionary of Sports Science and Medicine


(7th ed). Oxford: Oxford University Press, 2007.

KOERICH, M.S.; MACHADO, R.R.; COSTA, E. Ética e bioética: para dar


início à reflexão. Texto & contexto enferm., v.14, n. 1, p.106-110, 2005.

LAKATOS, E.M.; MARCONI, M.A. Fundamentos de metodologia


científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991. p. 83.

LIMA, T.C.S.; MIOTO, R.C.T. Procedimentos metodológicos na construção


do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Rev. katálysis.
v.10(esp), p. 37-45, 2007

LUZ, Madel Therezinha. Especificidade da contribuição dos saberes


e práticas das Ciências Sociais e Humanas para a saúde. Saude
soc. [online]. v.20, n.1, p. 22-31, 2011.

Entrelaces entre questões éticas


162 | e metodológicas na pesquisa
MIOT, Hélio Amante. Tamanho da amostra em estudos clínicos e
experimentais. J. vasc. bras. v.10, n. 4, p.275-278, 2011.

MOOREGE. Principia ethica. Cambridge: Cambridge University Press, 1971.

NOVOA, Patricia Correia Rodrigues. O que muda na Ética em Pesquisa no


Brasil: Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Einstein (São
Paulo). 2014; 12(1): vii-vix.

PASQUALI, L. Validade dos Testes Psicológicos: Será Possível Reencontrar


o Caminho? Psic.: Teor. e Pesq., v. 23(especial), p.99-107, 2007

PASQUALOTTI, A. A ética na pesquisa: um procedimento metodológico


indispensável. Disponível em: <http://usuarios.upf.br/~pasqualotti/
etica.htm>. Acesso em: 10 Dez. 2015.

RUTSTEIN, D. D. The Ethical Design of Human Experiments. Daedalus, v.


98, n. 2, p. 523–541, 1969

SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências na transição para uma


ciência pós-moderna. Estud. av.. São Paulo, v.2, n. 2, p. 46-71, 1988

STRAUB, D. W. ; CARLSON, C. L. Validating instruments in MIS research.


MIS Quarterly. v. 13, n. 2, 147- 169, 1989

SULLIVAN GM. A Primer on the Validity of Assessment Instruments. J


Grad Med Educ. v.3, n. 2, p.119–120, 2011.

TASHAKKORI, A.; TEDDLIE, C. (Eds.). Handbook of mixed methods in


the social & behavioral sciences. Thousand Oaks. CA: Sage, 2003.

TRIOLA, Mario F. Introdução à estatística. Livros Técnicos e Científicos,


1999.

VIEIRA, S. Ética e metodologia na pesquisa médica. Rev. Bras. Saúde


Mater. Infant. v.5, n. 2, p. 241-245, 2005.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 163
WEYNE, G.R.S. Determinação do tamanho da amostra em pesquisas
experimentais na área de saúde. Arq Med ABC, v. 29, p.87-90, 2009.

Entrelaces entre questões éticas


164 | e metodológicas na pesquisa
REFLEXÕES SOBRE AS QUESTÕES ÉTICAS NO USO DO
QUESTIONÁRIO ONLINE EM PESQUISAS

Karla de Oliveira Santos


Laura Cristina Vieira Pizzi

1 Introdução

Atualmente estamos vivendo e convivendo em uma sociedade tecno-


lógica que redesenha novos aspectos e novas formulações nos modos
de vida e nos modos de se relacionar com os outros.
Podemos observar que as tecnologias da sociedade contem-
porânea provocam mudanças no comportamento humano, possibi-
litando um acesso rápido e eficiente na obtenção de informações
importantes e diversificadas. Tais avanços também vêm trazendo mu-
danças nas formas de realizar pesquisa e consequentemente nos ins-
trumentos a serem utilizados para a obtenção de dados em resposta
ao problema de pesquisa, emergindo assim, a possibilidade do uso do
questionário online como um artefato a ser usado para se obter da-
dos abrangentes, com um baixo custo, rapidez e com uma capacida-
de de atingir públicos específicos. Entretanto, é preciso refletir sobre
as questões éticas envolvidas nestes processos de coleta de dados a
partir da utilização do questionário online, como forma de garantir a
segurança, confiabilidade e a preservação dos dados coletados, assim
como o anonimato dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 165
2 A Ética em Pesquisa: uma breve análise da Resolução nº
466/12

A partir da década de 1990, há um aumento no Brasil com as preo-


cupações dos pesquisadores com as questões éticas no desenvolvi-
mento de pesquisas que envolvem seres humanos e não humanos. O
Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), órgão ligado ao
Conselho Nacional de Saúde, institui a Resolução de nº 196/1996.
O CONEP é responsável por orientar profissionais e coordenar
os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP). Este último tem entre suas
responsabilidades o compromisso de amparar os sujeitos participan-
tes da pesquisa em nome da sociedade, zelando pela sua integridade
física e mental, através de normatizações que orientam os pesquisa-
dores com tais questões.
Os CEP são estruturas cuja atribuição mais importante é asse-
gurar a proteção dos sujeitos participantes de pesquisa clínica, bem
como a relevância e correção dos protocolos de pesquisa que são
submetidos para apreciação. Sua composição é multidisciplinar, reu-
nindo as principais diretrizes que orientam as questões da ética dos
projetos de pesquisa das instituições.
Francisco e Santana (2014) acrescentam que o objeto do ofício
dos CEP é a ética em pesquisa com seres humanos, independente-
mente da metodologia adotada e da área do conhecimento da pes-
quisa. Apesar de seu foco ser a proteção aos sujeitos participantes de
pesquisas, inclui também os pesquisadores, patrocinadores, institui-
ções envolvidas em pesquisa e o Estado, de forma a contemplar as
instituições e sujeitos envolvidos na complexa prática da pesquisa.
Santana et. al. (2014, p. 186) alertam sobre a necessidade de
uma maior preocupação e debate da relação ética e a pesquisa por-
que, ainda que os riscos sejam menores ou não haja riscos imediatos

Entrelaces entre questões éticas


166 | e metodológicas na pesquisa
para a vida humana, é imprescindível que as ciências e a universi-
dade sejam conscientes dos alcances e impactos que podem surgir
a partir da divulgação de determinados resultados para a sociedade.
A Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/12 apre-
senta em seu título III. 1. questões inerentes ao desenvolvimento da
pesquisa, a partir da eticidade, estabelecendo o respeito ao partici-
pante, sua dignidade e autonomia, considerando os riscos e benefí-
cios, assim como os danos. Além de ressaltar também a livre esco-
lha do partícipe da pesquisa em contribuir ou não de acordo com a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
De acordo com as orientações da referida Resolução, o TCLE
deve conter obrigatoriamente justificativa, objetivos, procedimentos e
detalhamento dos métodos a serem utilizados, apresentar também os
riscos, desconfortos, benefícios e danos que podem ocorrer e sua res-
ponsabilidade em evitar ou reduzir tais prejuízos para o sujeito da pes-
quisa, dando o direito para que os mesmos interrompam sua participa-
ção, garantindo o princípio de liberdade e a explicitação de garantias
em caso de indenização ou ressarcimento provocadas por um eventual
dano. Outra questão de salutar importância é a garantia do sigilo e da
privacidade dos participantes durante todas as fases da pesquisa.
Uma observação feita por Francisco e Santana (2014) é que
muitas vezes o TCLE é considerado apenas como uma formalidade da
pesquisa, uma segurança para o pesquisador e o sujeito da pesquisa.
A partir da Resolução nº 466/2012 as autoras afirmam que:

O TCLE como parte significativa da pesquisa e sua apresenta-


ção é imprescindível na apresentação do protocolo, sendo en-
tendido como a anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu
representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro),
dependência, subordinação ou intimidação, após explicação
completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus
objetivos, métodos, benefícios previsto, potenciais

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 167
riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um
termo de consentimento, autorizando sua participação volun-
tária na pesquisa (FRANCISCO; SANTANA, 2014, p. 136-137).

Nesse sentido, é preciso (re) pensar as problematizações éti-


cas apresentadas em uma pesquisa, a partir do uso do questionário
online, como forma de adotar procedimentos mais criteriosos, que
garantam de forma abrangente, um maior rigor metodológico, assim
como a garantia no sigilo e no resguardo da identidade dos sujeitos
envolvidos na pesquisa. GIBBS (2009, p. 129) afirma que “a chave
para a ética na pesquisa é minimizar o dano ou custo e maximizar
o benefício”.

3 O Uso do Questionário Online

O questionário, segundo Gil (1999, p.128) pode ser definido “como


a técnica de investigação composta por um número mais ou menos
elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por
objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interes-
ses, expectativas, situações vivenciadas, etc.”.
Segundo Lakatos (2010), questionário é um instrumento de co-
leta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que
devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador.
Os questionários podem ser entregues pessoalmente pelo pesquisa-
dor ou pelo correio. É de suma importância que durante o envio do
questionário, sejam encaminhadas as informações necessárias em
linguagem acessível, de acordo com o público a que se destina, para
que o sujeito da pesquisa tenha conhecimento sobre a importância
e a necessidade do pesquisador de obter as informações necessárias
dentro de um prazo considerado razoável.

Entrelaces entre questões éticas


168 | e metodológicas na pesquisa
Em muitas pesquisas planejadas e conduzidas em universida-
des, emprega-se o questionário como um dos principais instrumen-
tos. Aliada à sua versatilidade, o questionário apresenta ainda uma
outra característica que pode estar entre as razões responsáveis pela
sua vasta utilização. Trata-se da sua relativa facilidade de aplicação.
O questionário pode ser aplicado em sessões individuais ou em pe-
quenos e grandes grupos pelo próprio pesquisador ou por algum au-
xiliar de pesquisa convenientemente treinado (OMOTE et al., 2005).
Esse instrumento pode ser utilizado em pesquisas com abor-
dagem quantitativa, qualitativa ou mista. Assim como qualquer ins-
trumento de pesquisa, os questionários possuem algumas vantagens
e desvantagens. As vantagens da utilização de questionário de acor-
do com Lakatos (2010) são: a economia de tempo; o fato de conse-
guir atingir um número grande de pessoas simultaneamente; abran-
ge uma área geográfica mais ampla; obtém respostas mais rápidas e
precisas; há maior liberdade nas respostas, em razão do anonimato;
há mais segurança, pelo fato de as respostas não serem identificadas;
há menos riscos de distorção, por não haver influência direta do pes-
quisador; há mais tempo para responder e em hora favorável; há mais
uniformidade na avaliação, em virtude da natureza impessoal do ins-
trumento; obtém respostas que materialmente seriam inacessíveis.
O questionário como forma de coleta de dados, pode ser utili-
zado tanto nas perspectivas quantitativas de pesquisa, que buscam
compreender um universo mais amplo de informações, quanto nas
pesquisas qualitativas, que desejam aprofundar determinadas pro-
blemáticas em um contexto específico. Nessa abordagem, o ques-
tionário pode ser útil tanto para as pesquisas que buscam desvelar
determinadas verdades, quanto para aquelas que visam detectar os
discursos autorizados e os discursos impedidos, dentro de determi-
nadas relações de poder institucionalizadas (PIZZI, 2006).

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 169
No entanto, de acordo com Lakatos (2010), o questionário pos-
sui também algumas desvantagens, como por exemplo: tende a haver
um percentual considerado pequena dos questionários que retornam;
grande número de perguntas sem respostas; não pode ser aplicado
para pessoas analfabetas; impossibilidade de ajudar o informante
em questões mal compreendidas; dificuldades de compreensão, por
parte dos informantes; leva a uma uniformidade aparente; a influên-
cia que uma questão pode ter sobre a outra; a devolução tardia pre-
judica o cronograma da análise dos dados; o desconhecimento das
circunstâncias em que foram preenchidos torna difícil o controle e a
verificação e exige um universo mais homogêneo.
Apesar de haver algumas desvantagens, o questionário ainda é
um instrumento de coleta de dados largamente utilizado. A tendência
de massificação do uso da internet tornou-a um meio de comunica-
ção que pode oferecer várias oportunidades a serem exploradas para
a realização de pesquisa, ganhando certa popularidade entre os pes-
quisadores. Isso se deve ao fato da internet apresentar algumas van-
tagens como menores custos, tais como impressão e envio, rapidez e
a capacidade de atingir populações específicas. O questionário online
pode oferecer aos respondentes maior conforto no preenchimento do
questionário online, por ser muitas vezes auto preenchidos, facilida-
de de leitura, interatividade, correção imediata do texto, já que há
uma preocupação por parte do pesquisador com o layout, como por
exemplo; o tamanho e cor da letra, o uso de imagens, espaçamento
entre as linhas, etc.; e a possibilidade de refazer alguma questão, sem
que haja rasura ou mesmo descarte do questionário.
De acordo com Silva et al. (2014), os questionários online
tornaram-se um dos mais populares métodos de pesquisa online e
têm sido utilizadas em áreas distintas como Marketing e Ciências
Sociais. Pesquisadores dessas áreas têm buscado aplicar e investigar

Entrelaces entre questões éticas


170 | e metodológicas na pesquisa
as possíveis vantagens e limitações desse instrumento, no intuito de
revelar o potencial desse método para a coleta de dados tanto nas
pesquisas quantitativas quanto qualitativas. As aplicações de ques-
tionário podem ser feitas através do correio eletrônico, navegação em
sites de redes, participação em redes sociais ou em outros grupos.
Essa forma de envio do documento contribui para um custo mínimo,
grande rapidez e aproximação com grupos que estão à longa distân-
cia, dando atenção à conveniência, o tempo e o melhor local para
que o respondente participe da pesquisa. Como também, por ser mais
fácil preencher um questionário via email do que impresso.
De acordo com Vasconcelos e Guedes (2007), a aplicação atra-
vés da internet para coleta de dados primários tem sido feita de duas
formas:

• Envio do questionário por e-mail: o questionário é enviado


diretamente para o participante da pesquisa, que deve respon-
der a mensagem com as questões preenchidas. O questionário
pode ser enviado como um arquivo anexo ou no próprio corpo
da mensagem.
• Disponibilização do questionário em uma página da inter-
net: o respondente é informado sobre o endereço da página do
questionário na internet, através de um email, carta ou anún-
cio na internet. Para responder as questões, o participante da
pesquisa deve acessar a home page do questionário, responder
e normalmente ao final, clicar em um botão que envia as in-
formações para o responsável pela pesquisa. Observe-se que
neste caso o respondente pode ter a opção de não se identificar.

Os questionários enviados por email nos permite enviá-los


quantas vezes forem necessárias, com uma maior velocidade, as-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 171
sim como o seu retorno também será rápido. É preciso estar atento
à possibilidade desses questionários serem percebidos como spam,
prejudicando o desenvolvimento da pesquisa.
Uma questão que merece ressalva é a formulação das ques-
tões propostas, que devem transmitir confiança, ser bem redigidas
e elaboradas para atender os objetivos da pesquisa e permitir que o
respondente compreenda, através de uma linguagem acessível, o que
se está perguntando, já que não terá diretamente a intervenção do
entrevistador. Deve-se evitar, por exemplo, combinar duas perguntas
em uma no processo de formulação do questionário, evitando confu-
sões e respostas parciais, para não colocar em risco a confiabilidade
dos dados do seu questionário.
Para Omote (2005), além da imensa versatilidade no uso em
pesquisas, os questionários têm diferentes características, podendo
conter perguntas abertas, fechadas ou ambas. Parece ser comum a
ideia de que as perguntas abertas são de mais fácil elaboração for-
necendo, contudo, dados mais difíceis de serem analisados. As per-
guntas fechadas, por sua vez, são mais difíceis de serem elaboradas,
porém podem produzir dados mais facilmente analisáveis, mas que,
no entanto, para pesquisas qualitativas, podem ser demasiadamente
simples, não favorecendo aprofundamentos. Cada caso requer um
conjunto apropriado de procedimentos e técnicas para elaboração
e posterior análise dos dados, assim como cada um possui limites e
possibilidades. A escolha do tipo de pergunta é essencial tanto para
a estrutura lógica do instrumento quanto para o custo de resposta
exigido dos sujeitos.
De acordo com Joly Silveira (2003), as perguntas abertas são
essenciais numa pesquisa exploratória, quando se quer verificar a
abrangência das respostas, apesar de implicarem alto custo para o
respondente, por exigirem maior esforço, principalmente em ques-

Entrelaces entre questões éticas


172 | e metodológicas na pesquisa
tionários auto aplicados, o que pode diminuir a probabilidade de o
sujeito completar a tarefa. As perguntas fechadas, por sua vez, são
indicadas para investigar temas mais pesquisados e também conheci-
dos pelos sujeitos, principalmente quando os respondentes são mui-
tos e dispõe–se de pouco tempo.
Essa possibilidade não só torna ágil e rápida a organização
dos dados, como também torna inteiramente confiável a tabulação,
reduzindo a zero qualquer possibilidade de erro nesse sentido, espe-
cialmente para as pesquisas qualitativas, que não estão interessadas
nos aspectos subjetivos, conflituosos e ambíguos dos sujeitos parti-
cipantes da pesquisa da mesma forma que as qualitativas, em que os
critérios de verdade objetiva não se aplicam da mesma forma.
É importante que este email responsável pelo envio do ques-
tionário esteja vinculado a um endereço institucional para garantir
maior credibilidade à pesquisa. A aproximação e conhecimento com
o uso dos recursos tecnológicos é importante, pois contribuirá para
que os sujeitos envolvidos na pesquisa possam dar um retorno rápido
e satisfatório no alcance dos objetivos propostos. Entretanto, o uso
da internet ainda pode apresentar problemas como dificuldades de
acesso e limitação das amostras representativas da população, pois
exige que os sujeitos possuam habilidade no uso da internet.
A utilização de questionário online garantirá agilidade na for-
matação e tabulação dos dados coletados, pois de acordo com Silva
et. al. (2014) garantirá maior confiabilidade nas informações coleta-
das. Vasconcelos e Guedes (2007) apontam que do ponto de vista do
pesquisador, destaca-se o controle sobre o preenchimento incorreto
do questionário, impedindo, por exemplo; que o respondente avance
para um item seguinte, se a questão presente não for respondida de
modo correto, obedecendo rigorosamente às instruções fornecidas.
E ainda contribui com a discussão afirmando que esse recurso pode

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 173
ser particularmente vantajoso na aplicação de questionários compos-
tos por itens que exigem diferentes comportamentos do respondente,
como o assinalamento de uma única alternativa, obrigatoriedade de
preenchimento de espaços em branco, ordenação de um conjunto de
alternativas mediante atribuição de postos (ranking).
O questionário online tem sido uma ferramenta muito utilizada
nas pesquisas por seu caráter prático, eficiente e ágil na obtenção dos
dados, no entanto, algumas questões éticas precisam ser repensadas,
para não ferir o princípio de autonomia, como um direito legal dos
participantes da pesquisa.

4 Relato de experiência: a aplicabilidade e a eficiência no uso do


questionário online.

A disciplina Seminário de Pesquisa em Tecnologia da Informação


e Comunicação I do Programa de Pós-Graduação em Educação, do
Centro de Educação, da Universidade Federal de Alagoas, nos propôs
como atividade a realização de um laboratório de pesquisa online uti-
lizando os seguintes instrumentos: questionário online, observação
em fórum, grupo focal online, entrevista online e etnografia online.
A atividade de utilização do questionário online, relatada a se-
guir, foi realizada com a colaboração de outro pesquisador10. Nossa
preocupação não foi realizar uma análise no campo téorico-metodo-
lógico de conceitos e estabelecer categorias de análise, mas a partir
de uma problemática que estivesse presente no cotidiano dos sujei-
tos que seriam selecionados e convidados a participar da experiência

10. Roberto Amorim contribuiu com a experiência desenvolvida sobre a aplicabilidade no uso do ques-
tionário online.

Entrelaces entre questões éticas


174 | e metodológicas na pesquisa
com o objetivo de avaliar a aplicabilidade e a eficiência desse instru-
mento de pesquisa.
A partir de estudos preliminares, observamos que há um cres-
cimento significativo no uso de Redes Sociais no Brasil nos últimos
anos, que nos permitem compreender novas práticas sociais. Sendo
assim, a pesquisa buscou analisar o perfil dos discentes da referida
disciplina, desenvolvida no primeiro semestre de 2014, usuários de
redes sociais, almejando verificar quais ambientes os sujeitos da pes-
quisa mais participavam, como utilizavam e sua influência no seu co-
tidiano. A participação se deu através do convite individual enviado
para o email pessoal dos discentes, conjuntamente com o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o questionário. Ressalta-
mos que apenas os pesquisadores tinham acesso ao email do grupo.
O segundo momento foi discutir e identificar um software viá-
vel para as condições da pesquisa. A partir das investigações optamos
pelo Google Docs por ser gratuito e de maior acesso aos pesquisado-
res, como também aos respondentes, já que a utilização de outros sof-
twares poderia causar um estranhamento para os sujeitos envolvidos
com a pesquisa, prejudicando o retorno dos dados. Segundo Silva et.
al (2014) há outros aplicativos que podem ser utilizados nas pesqui-
sas, como por exemplo: Formsite, Wufoo, JotForm e FormFácil Alpha.
Cada um possui suas especificidades e no que diz respeito ao Google
Docs, as autoras apontam algumas características importantes:

Sua ferramenta “formulário” permite criar questionários, en-


quetes e provas online com diferentes tipos de recursos, que
servem de auxílio para o professor e/ou pesquisador. Nesse
aplicativo é possível utilizar escalas, grades e perguntas en-
cadeadas, que dependendo da resposta o usuário poderá ser
direcionado para páginas diferentes ou encerrar de forma an-
tecipada seus questionamentos, no caso de ter inserido crité-
rios de exclusão nas questões elencadas. É necessário ter uma
conta no gmail, para então acessar o ambiente (p.8).

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 175
Após elaborado o questionário, para também propiciar condi-
ções favoráveis aos respondentes e viabilidade para os pesquisadores
com um retorno imediato do TCLE, decidimos encaminhá-lo junto
ao questionário online. O sujeito da pesquisa realizava a leitura do
TCLE, consentia e logo após respondia o questionário proposto. No
processo de elaboração das questões procuramos utilizar enunciados
curtos e coerentes, que não possibilitasse ao sujeito qualquer dúvida
no momento de responder o questionário. Utilizamos palavras-cha-
ves como: mais, principalmente e principal, para dar ênfase ao que se
estava pedindo. No entanto, de acordo com os relatos apresentados
no momento da socialização dos dados da pesquisa, os respondentes
colocaram que as questões estavam bem redigidas, claras e objeti-
vas, mas sentiram dúvidas, pois em algumas questões, as alternati-
vas apresentadas não contemplavam a opção ou o posicionamento
que o sujeito tinha em mente naquele momento, necessitando ter a
opção “outro”.
A partir do exposto, não compreendemos muito bem a res-
salva, pois em algumas questões deixamos margem para que o res-
pondente apontasse outras possibilidades, denominando a letra “e”
como “outros” e o espaço para a escrita por parte do respondente.
Acreditamos que este equívoco, tenha sido causado por falha no sof-
tware, que não possibilitou aos respondentes a escrita de outra opção
ou falta de atenção por parte dos respondentes. Uma das orientações
dadas durante a socialização foi a possibilidade de ampliar o questio-
nário, dando margem para que os respondentes tivessem a liberdade
de elencar uma margem de prioridade das alternativas propostas em
algumas questões que permitissem a expressão de um posicionamen-
to mais pessoal ou subjetivo.
Com relação ao número de questões, pensamos em utilizar
10, divididas em duas etapas. A etapa A referia-se ao perfil dos su-

Entrelaces entre questões éticas


176 | e metodológicas na pesquisa
jeitos envolvidos na pesquisa. E a etapa B, relacionavam-se às ques-
tões específicas, que buscavam responder ao nosso problema inicial.
Uma problemática suscitada durante o processo foi a possibilidade
de o questionário ser respondido por terceiros e não expor realmente
as posições do sujeito convidados, abrindo margem para falhas no
controle dos dados apresentados e que eles não sejam fidedignos.
No entanto, esse mesmo problema pode ocorrer no caso dos ques-
tionários impressos. A participação dos sujeitos foi considerada sa-
tisfatória, com um retorno dentro da margem mínima estabelecida,
de 30%. Realizamos o convite para 11 pessoas, tendo o retorno de 6
participantes. Com a experiência apresentada, percebemos que deve
existir um elo de confiança entre os pesquisadores e os respondentes,
no sentido de que, os pesquisadores tenham acesso ao email pessoal
dos sujeitos envolvidos na pesquisa e este fato pode gerar uma des-
confiança e insegurança dos respondentes. Uma vantagem observada
pelos responsáveis pela pesquisa foi o uso do software que realiza-
va a tabulação dos dados automaticamente, como também produzia
um gráfico que controlava o número de retorno dos questionários
enviados a cada dia. (Que software? Tem que informar pois a análise
é uma etapa importante).

5 Refletindo acerca de algumas implicações éticas

[Com o advento dos avanços tecnológicos, principalmente o cresci-


mento nestas últimas décadas do uso do ambiente virtual, há uma
intensificação na sociedade contemporânea de novas relações éticas
nas relações cotidianas dos sujeitos e na pesquisa. As questões éti-
cas almejam garantir questões como sigilo, integridade, anonimato,
autenticidade e fidedignidade no campo da pesquisa online, que res-
peitem os valores morais e éticos dos envolvidos. Francisco e Santana

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 177
(2014) alertam que não pode haver descaso no resguardo do cuidado
com os participantes e com o rigor metodológico, sob a alegação de
a pesquisa online ser uma prática relativamente recente no cenário
acadêmico e científico, carecendo de regulamentações específicas,
quanto à privacidade e proteção dos dados, devendo haver uma pre-
ocupação especial com riscos e benefícios da mesma.
Seguindo a discussão acerca da necessidade do rigor metodo-
lógico na análise, Gibbs (2009) pontua que a prática ética contribui
para a qualidade de sua análise. Ao mesmo tempo que esclarece que
uma análise malfeita e mal relatada quase sempre é uma pesquisa an-
tiética. Ou seja, pesquisas cujos dados são precariamente coletados,
organizados e analisados podem ser consideradas antiéticas, pois
podem descontextualizar os dados. Iniciamos a nossa problematiza-
ção pela seleção dos sujeitos que participarão da pesquisa. É neces-
sário estabelecer critérios para a escolha dos membros, o que exige
do pesquisador um certo poder de convencimento. Isso já implica
na atenção a uma eticidade, pelo fato de se manter o sigilo absoluto
e anonimato dos envolvidos, mesmo que o recrutamento tenha sido
por conveniência e o pesquisador tenha conhecimento de quem são
os envolvidos.
A segunda problematização levantada, é que o respondente
também tem autonomia em suas respostas, garantida pelo anonima-
to, fazendo com que ele se sinta livre para responder o questionário
da maneira como ele achar conveniente, mesmo que as informações
expostas não sejam claras de imediato, expressando sua verdadeira
opinião. Para Joly e Silveira (2003), a questão da segurança de aces-
so às informações é algo pouco discutido ou não discutido cientifica-
mente, mas vale lembrar que instrumentos eletrônicos, quando dis-
ponibilizados via Internet, devem estar alojados em portais seguros e

Entrelaces entre questões éticas


178 | e metodológicas na pesquisa
confiáveis, a fim de que sejam respeitadas as normas técnicas e éticas
de qualquer tipo de avaliação.
A terceira questão é a preservação da integridade física e men-
tal, que deverá estar exposta de forma clara no TCLE, o compromis-
so do pesquisador em ressarcir e se responsabilizar com o sujeito da
pesquisa em caso de algum dano. E por último, é de responsabilidade
do pesquisador pensar na manutenção do sigilo dos dados. Primeira-
mente pelo fato do email ser algo pessoal e íntimo, que será conhe-
cido pelo pesquisador. Segundo, a segurança nas respostas dadas,
pois o pesquisador terá o controle dos dados coletados, cabendo ao
mesmo o sigilo das respostas para que o respondente não seja iden-
tificado. Segundo Gibbs (2009), a chave para a ética é equilibrar o re-
sultado (mesmo que mínimo) que a pesquisa pode causar em relação
a seus benefícios, como os dados qualitativos são muito detalhados,
sempre há risco de que a confidencialidade possa ser rompida, de for-
ma que o anonimato seja garantido em todas as etapas da pesquisa.

6 A Guisa de (In) Conclusões

A pesquisa online deve levar em conta a especificidade do meio virtu-


al. A internet já está se tornando pauta de legislação, mesmo que esse
espaço ainda seja relativamente novo. A decisão deve ser motivada
pela infinidade de possibilidades que a internet oferece. Santos e Sil-
va (2014) afirmam que a discussão acerca da ética se torna cada vez
mais eminente nos diversos contextos em nossa sociedade. Todavia,
ainda se percebe uma carência desta discussão de maneira mais apro-
fundada no espaço da academia, especialmente, por ser este o espaço
formal da produção de conhecimento e saber científico. Tal discussão
se mostra ainda mais necessária ao falarmos da pesquisa no ambien-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 179
te online, por ainda ser uma metodologia relativamente nova e com
restritas regulamentações específicas que amparem tal prática.
O uso do questionário online ainda é recente nas pesquisas
online, no entanto, é bastante complexo, pelo fato de exigir do pes-
quisador rigor teórico-metodológico para que não produzam incoe-
rências nas informações e consequentemente falta de integridade,
culminando na falta de confiabilidade dos dados coletados. Elaborar
questionários de boa qualidade são pré-requisitos para a validade
das conclusões dos estudos e o cumprimento dos princípios éticos,
não sendo tarefa fácil elaborar um questionário que possa reunir
informações válidas. Destarte, as questões éticas na pesquisa preci-
sam ser mais discutidas no espaço da academia para propiciar às/
aos pesquisadoras/es em formação, perspectivas teóricas sobre ética
que possam fomentar uma reflexão crítica e o respeito à vida humana
no fazer pesquisa, assegurando a lisura, a legitimidade e autonomia
dos sujeitos.

Referências

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução CNS nº 466 de 12 de


dezembro de 2012. Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras
de pesquisas envolvendo seres humanos. 2012. Diário Oficial da União,
Seção 1, nº 112, quinta-feira, 13 de junho de 2013, p. 59-62.

FRANCISCO, Deise Juliana; SANTANA, Luciana. Problematizações éticas


em pesquisa. Maceió: EDUFAL, 2014.

GIBBS, Graham. Análise de dados qualitativos. Tradução: COSTA,


Roberto Cataldo. Porto Alegre: Atmed, 2009.

Entrelaces entre questões éticas


180 | e metodológicas na pesquisa
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 1999.

JOLY, Maria Cristina Rodrigues Azevedo; SILVEIRA, Márcia Adriana.


Avaliação preliminar do questionário de informática educacional (QIE) em
formato eletrônico. Psicologia em Estudo. Maringá, v.8, n. 1, p. 85-92,
jan/jun 2003. Disponível: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-73722003000100011> Acesso em: 19 Jun. 2014.

LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 7 ed. São


Paulo: Atlas, 2010.

OMOTE, Sadão et al. Versão eletrônica de questionário e o controle


de erros de resposta. Estudos de Psicologia, 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
294X2005000300008> Acesso em: 19 Jun. 2014.

PIZZI, Laura C. V. Pesquisando as diferenças no currículo: contribuições


da análise do discurso. In: CAVALCANTE, Maria Auxiliadora S.; FUMES,
Neiza L. F. Educação e Linguagem: saberes, discursos e práticas.
Maceió: EDUFAL, 2006.

SANTANA, Luciana; LÓPEZ, F.S.; BARAHONA, E.M. Problematizações


Éticas em Pesquisas Sociais: Reflexões sobre Diretrizes Internacionais e
Especificidades Nacionais. In: FRANCISCO, Deise Juliana; SANTANA,
Luciana. Problematizações éticas em pesquisa. Maceió: EDUFAL, 2014.

SANTOS, Adriana Paula Nogueira dos; SILVA, Jacqueline Felix da. Ética
na pesquisa online: as concepções de alunos de Mestrado em Educação.
Disponível em: <http://dmd2.webfactional.com/media/anais/ETICA-NA-
PESQUISA-ONLINE-AS-CONCEPCOES-DE-ALUNOS-DE-MESTRADO-EM-
EDUCACAO.pdf> Acesso em 23 Mai. 2014.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 181
SILVA, Jacqueline Felix da; SANTANA, Clésia Maria Hora; FRANCISCO,
Deise Juliana. Uso do Questionário Online em Pesquisa com Google
Docs. MIMEO, 2014.

VASCONCELOS, Liliana; GUEDES, Luís Fernando Ascenção. E-Survey:


Vantagens e limitações dos questionários eletrônicos via internet no
contexto da pesquisa científica. X SEMEAD. Seminários de Administração
FEA-USP. Anais... São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.ead.
fea.usp.br/Semead/10semead/sistema/resultado/trabalhosPDF/420.pdf>
Acesso em: 03 Jun. 2014.

Sítio Consultado:

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. http://conselho.saude.gov.br/web_


comissoes/conep/index.html

Entrelaces entre questões éticas


182 | e metodológicas na pesquisa
ENCAMINHAMENTOS ÉTICOS DE PESQUISA COM CRIANÇAS
NA CULTURA DIGITAL

Fernando Silvio Cavalcante Pimentel

1 Introdução

O desafio de pensar e executar investigações com crianças é sempre


uma questão de muitas reflexões, inclusive pela transitoriedade de
tudo o que aparentemente pode estar estabelecido, mas que coexis-
te em mutação e transformação de ideias e convicções. A exemplo
disso, as crianças, sujeitos deste estudo, não são mais as mesmas de
quando iniciamos a investigação. Já cresceram, já descobriram novos
saberes, já realizaram novas experiências e, no mundo, já surgiram
novos costumes, hábitos, ferramentas (digitais e analógicas, ou não).
Elementos de uma nova cultura se estabeleceram, outros surgiram e
alguns foram deixados no tempo.
O avanço das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)
e sua inclusão no cotidiano da escola tem proporcionado às crianças
uma nova forma de aprender. Com o advento de novas tecnologias,
possibilitando a fabricação de computadores pessoais em formatos
cada vez mais miniaturizados e que promovem outra característica
deste novo tempo (a mobilidade), notebooks, laptops, computado-
res de mão (palmtop), games e celulares smartphones, também Go-
vernos buscam investir na distribuição e uso destas tecnologias em
ambientes educacionais. Estes novos artefatos digitais proporcionam
uma maneira peculiar de interagir com o mundo, com os conteúdos,
com os professores e com outros estudantes, apesar de não se ter da-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 183
dos empíricos suficientes que corroborem com a afirmação (COLL;
MONEREO, 2010).
Esta nova forma de ser e interagir na cultura digital, ou nas
culturas digitais, implica também em refletir sobre os aspectos éticos
que constituem a pesquisa com crianças. Neste sentido, este texto
tem dois objetivos distintos e complementares: apresentar os encami-
nhamentos metodológicos de uma pesquisa com crianças inseridas
numa realidade de cultura digital e refletir sobre as questões éticas
que emergiram da pesquisa11.
Pensar na cultura digital e como as crianças usam as Tecno-
logias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) para aprender,
implica reconhecer que este tema não é e não será uma unanimida-
de. Também é relevante considerar que reconhecer a existência da
cultura digital implica reconhecer que ela já é um fato. Ela já existe,
independente se ainda existem lugares ao redor do planeta que ainda
nem experienciaram a revolução industrial.
Toda cultura predispõe o conflito, a dicotomia e a complexi-
dade, e no campo da ética em pesquisa com crianças, precisamos
avançar no diálogo e no entendimento de procedimentos e encami-
nhamentos.

2 As crianças na cultura digital

A sociedade conectada em rede, geradora da cultura digital, apre-


senta-se com uma variedade de incógnitas, descrevendo novos para-
digmas relacionais, ao mesmo tempo que, em alguns segmentos co-
munitários, apresentam um “forte apego” a elementos tradicionais.

11. Este texto foi elaborado a partir de um recorte da tese de doutoramento em Educação junto ao Pro-
grama de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas.

Entrelaces entre questões éticas


184 | e metodológicas na pesquisa
Estas incertezas conduzem a perspectivas de pesquisas empíricas
que possam promover a compreensão daquilo que realmente é opor-
tuno e que agrega valor à sociedade (COLL; MONEREO, 2010). Nesta
nova forma de ser, de comunicar-se e relacionar-se neste contexto
social-digital, é possível se deparar com um novo perfil de ser hu-
mano, inclusive com uma nova postura frente à cultura, fortemente
delineada pelas relações das crianças com o mundo. Mas, quem são
estas crianças?
No intuito de se esboçar um perfil de como as crianças da atu-
alidade agem, em contraposição às crianças de 30 anos atrás, é opor-
tuno observar a análise social apresentada por Castells (2007) que, ao
descrever as mudanças paradigmáticas dos últimos anos, alerta para
o fato de que as crianças de hoje já nascem imersas num emaranhado
de tecnologias que fazem parte de suas vidas, e que não faziam parte
da vida das crianças das gerações anteriores. Neste sentido, Santos
e Braga (2012, p. 21) afirmam que “as crianças constituem vetores
importantes na implantação da Sociedade Informacional ou Socie-
dade da Informação”, sendo necessário um olhar criterioso sobre as
implicações do uso das TDIC por estas crianças e com elas, seja na
escola ou em outros espaços. Todavia, o fato de ter nascido numa era
digital não garante que a criança está incorporada a esta realidade.
As características apresentadas para as crianças na cultura di-
gital costumam ser evidentes em contextos em que as crianças têm
acesso as TDIC, e que normalmente pertencem a uma situação social
mais privilegiada (CGI. br, 2012; 2013). Há crianças que nasceram
nesta era digital, mas que ainda não estão inseridas neste contex-
to, por questões econômicas, implicando numa limitação de acesso
as TDIC, inclusive nas escolas. Estas crianças podem ser reconheci-
das como excluídas digitalmente, mesmo pertencendo a geração das
crianças da cultura digital. Para existir no contexto da sociedade, para

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 185
interagir com os outros e com o mundo as crianças na cultura digital
fazem uso de várias TDIC, e normalmente de forma concomitante.
Entre as principais tecnologias utilizadas pelos nativos estão os vi-
deogames, internet, telefone celular, MP3, iPod e mais recentemente
laptops, tablets e smartphones, e muitas vezes substituindo o papel
e lápis, nas tarefas cotidianas.
Piscitelli (2009, p. 73) adverte que um dos grandes erros da
atualidade é não perceber que os estudantes de hoje mudaram radi-
calmente, e que “no son los sujeitos para los quales el sistema edu-
cativo fue diseñado durante siglos y que querría tenerlos como pobla-
ción nativa”. O autor apresenta sua preocupação com a realidade da
escola, que muitas vezes está aquém da realidade das crianças, con-
tinuando a ensinar da mesma forma que a 50 ou 100 anos, não sen-
do apenas uma questão de metodologia, como também de currículo.

3 A pesquisa com as crianças da cultura digital

Qualquer pesquisa no campo das ciências humanas é sempre um


desafio, inclusive por suas subjetividades, tanto por parte do pes-
quisador, como da parte dos sujeitos integrantes e respondentes da
pesquisa. Aqui registramos o passo a passo metodológico e as opções
que tomamos no intento de melhor atender ao objeto da pesquisa, a
tempo que apresentamos uma reflexão sobre as considerações éticas
de pesquisas com crianças, sujeitos desta investigação.
Sendo uma pesquisa exploratória e sob os encaminhamentos
do estudo de caso (YIN, 2005), o objetivo do estudo foi de analisar
como as crianças incorporam e usam as TDIC em seus processos de
aprendizagem, no contexto escolar e fora da escola, considerando
que estas tecnologias digitais fazem parte do cotidiano destas crian-
ças e influenciam diretamente no seu desenvolvimento cognitivo.

Entrelaces entre questões éticas


186 | e metodológicas na pesquisa
3.1 Como trilhamos o percurso

Dada a natureza da problematização desta investigação, e na


busca de corresponder a especificidade do objeto desta pesquisa, foi
necessário nos debruçar de forma intensa na análise de qual méto-
do melhor atenderia nossa perspectiva investigativa. Nosso primeiro
passo foi optar por uma metodologia mista, buscando oferecer ao
estudo das relações sociais uma análise plural da vida. Outra opção
significativa, tendo em vista que o tema pesquisado é pouco explo-
rado, foi delimitar a investigação como uma pesquisa exploratória.
Para Coll e Monereo (2010) o que sabemos, ou dizemos saber sobre o
aprendizado com as TDIC, ainda está a nível de especulação e exige
o desenvolvimento de investigações empíricas. Sabemos, por exem-
plo, que as crianças usam as TDIC para aprender, pois estes artefatos
estão no cotidiano delas e nada lhes é estranho.
A partir destas duas opções, a pesquisa desenvolveu-se bus-
cando reunir dados que permitissem um maior aprofundamento do
objeto em questão. Evidentemente que, observando o porte da in-
vestigação, a escolha da abordagem foi resultado de um processo
dialético entre as leituras realizadas e a análise do objetivo da inves-
tigação. Nessa pesquisa em particular, na qual se buscou investigar
um fenômeno social junto a crianças, a análise concentrou-se nas
relações de aprendizagem das crianças da cultura digital. Conforme
postulado por Yin (2005), optamos pela utilização de um estudo de
caso único, a saber, o caso dos estudantes do 5º ano do ensino fun-
damental. Objetivando cumprir os objetivos específicos do processo,
após os ajustes realizados no projeto, sob o entendimento do comitê
de ética, a pesquisa utilizou-se dos seguintes procedimentos:

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 187
a) pesquisa documental do Projeto Político Pedagógico da es-
cola e dos Planos de Aula de três professoras da série estudada,
sendo analisados 108 planos; e
b) coleta de dados empíricos: solicitação de autorização junto
aos pais e familiares para acesso e captura dos dados; aplicação
de questionário, tabulação e análise; realização de entrevistas
com utilização de recursos de gravação de vídeo, transcrição,
categorização e análise; e elaboração de mapa conceitual com
base nas entrevistas e análise comparativa dos mapas.

Optamos pela coleta sistemática dos dados, num contexto que


minimizasse distorções ou que apresentassem novos fatos e elemen-
tos que exigissem outras interpretações. Sendo assim, nosso primei-
ro período de contato com o lócus da pesquisa realizamos algumas
visitas aleatórias, buscando compreender o espaço, sua dinâmica e
suas relações com a comunidade do entorno e a comunidade-escola.

3.2 Aonde estão as crianças da cultura digital

Nosso percurso se deu indo ao encontro das crianças em seu


habitat educacional, tendo como critério para escolha da escola duas
questões objetivas. A primeira, de ordem conjuntural, quando em
outra investigação identificamos que na rede pública não seria possí-
vel coletarmos dados significativos que pudesse esclarecer a questão
desta investigação. O segundo critério, de cunho prático e seguindo
a orientação de Velho (2003) e a opção de Menezes (2013), elegen-
do pela pesquisa em minha própria cidade e assumindo a “rede de
relações previamente existente e anterior à investigação” (VELHO,
2003, p.12).

Entrelaces entre questões éticas


188 | e metodológicas na pesquisa
Neste ponto, a familiaridade com a gestão, com o corpo do-
cente e com a história da escola facilitou a realização da coleta de
dados. Para Costa M. (2002, p. 14) não há implicações éticas negati-
vas. Neste sentido, a familiaridade com o colégio e sua comunidade
escolar, como também o conhecimento das práticas de uso das TDIC
no cotidiano das propostas pedagógicas foi ponto favorável para a
escolha do lócus e da coleta dos dados.

3.3 Sujeitos da investigação

A coleta de dados desta investigação foi realizada junto aos es-


tudantes de três turmas do 5º ano do Ensino Fundamental. No total,
83 crianças estudavam nesta série, com idade entre 9 e 10 anos. A
média de estudantes em cada sala era de 27 crianças.
A escolha por esta série se deu tendo em vista a idade das
crianças e do projeto que existe na escola de utilização de tablets no
cotidiano das atividades. A partir do entendimento de que as crianças
nesta fase são capazes de aceitar o ponto de vista do outro, levando
em conta mais de uma perspectiva. Elas têm capacidade de represen-
tar transformações, assim como situações estáticas e possuem capa-
cidade de classificação, agrupamento, reversibilidade e conseguem
realizar atividades concretas, que não exigem abstração.
Para os encaminhamentos junto às crianças realizamos dois
procedimentos legais que dão suporte às questões éticas na pesquisa
com crianças. Inicialmente uma explicação junto às crianças do que
seria a pesquisa e que procedimentos seriam adotados. Livremente,
os que estavam dispostos a participar da pesquisa receberam duas
cópias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que
deveria ser levado para casa no intuito de seus pais ou responsáveis
terem ciência, preencherem e assinarem se estivessem de acordo.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 189
Também foi entregue duas cópias do Termo de Assentimento, a ser
preenchido pela própria criança após o consentimento de seus pais.
Após o retorno do TCLE preenchido pelos pais, e do Termo de Assen-
timento preenchido pelas crianças, chegamos a delimitação inicial
dos sujeitos da pesquisa (SP = P1-P2), sendo P1 = População geral
(83 estudantes) e P2 = Estudantes autorizados pelos pais. O quantita-
tivo SP no início da pesquisa foi de 54 estudantes, ou 65, 03% da P1.

3.4 Procedimentos da coleta e análise dos dados

A investigação foi subdividida em três fases. A primeira fase


consistiu na análise do Projeto Político Pedagógico da escola e dos
planos de aula das três professoras das turmas, verificando quais os
encaminhamentos pedagógicos de atividades com o uso das TDIC
eram determinados nos planos de aula e realizados com os estudan-
tes. Em reunião com a coordenadora pedagógica, solicitamos a dispo-
nibilização dos planos de aula das professoras que atuam na referida
série. Recebemos 108 documentos e realizamos o procedimento de
análise, buscando identificar quais TDIC ou mídias eram indicadas
na proposta da metodologia de cada aula. Os planos disponibilizados
correspondem ao período de um semestre letivo.
Também fez parte da primeira fase da pesquisa o desenho e
validação de um instrumento de coleta de dados sobre as estratégias
de aprendizagem (cognitivas e metacognitivas) com o uso das TDIC.
Foi então elaborado um questionário, subdividido em quatro etapas e
definido com base na literatura e aplicado a uma turma de estudantes
de uma outra escola e não contidos na população a ser investigada. A
escolha desta população para a validação foi aleatória e o instrumen-
to também foi aplicado também a alguns estudantes de graduação
do Curso Y. Esse procedimento possibilitou diminuir as dificuldades

Entrelaces entre questões éticas


190 | e metodológicas na pesquisa
de compreensões dos termos utilizados e do modo de preenchimento
do questionário aplicado.
Sobre as quatro etapas do questionário, sua constituição se-
guiu a seguinte estrutura: na etapa 1 foram elaboradas 12 questões
objetivas visando identificar a realidade dos estudantes, se possuem
artefatos digitais e se possuem perfis em algumas interfaces da in-
ternet. As crianças deveriam escolher entre duas alternativas (SIM
ou NÃO). Na etapa 2 elaboramos 33 questões objetivas que tinham
como objetivo fazer o levantamento de como as crianças estão usan-
do as interfaces para finalidades educacionais em dois contextos: na
escola e fora da escola. Como esta etapa buscava identificar a con-
cordância no uso das interfaces enquanto estratégias de aprendiza-
gem nos dois contextos, e para uma melhor análise dos resultados,
neste momento foi realizada uma abordagem quantitativa. Para isso
utilizamos a escala de frequência verbal (MEIRELES, 2009). A tercei-
ra etapa do questionário, com apenas duas questões objetivas, tinha
como finalidade o levantamento da quantidade de horas que as crian-
ças costumam ficar conectadas na internet na lan house e no total
de horas por semana. A quarta etapa do questionário foi composta
por 6 questões subjetivas que tinham como objetivo identificar as
estratégias de aprendizagem utilizadas pelas crianças. Na aplicação
da validação observamos que as crianças tiveram mais dificuldades
nestas questões, seja por razões de interpretação, seja por questões
de limitação em vocabulário ou de organização do pensamento para
poder responder. Esta constatação foi favorável para que pudéssemos
realizar algumas adequações na formulação de cada uma das ques-
tões. Para a análise das respostas destas questões utilizamos a aná-
lise do conteúdo, identificando as coincidências entre as respostas.
O segundo momento da primeira fase pesquisa deteve-se na
coleta de dados, com o uso do questionário já validado. A população

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 191
foi composta de 57 crianças do 5º ano do Ensino Fundamental, tendo
como critério de exclusão todos aqueles que os pais informaram no
preenchimento do TCLE, que não desejavam que seus filhos partici-
passem deste estudo ou aquelas crianças que se expressaram negati-
vamente, rejeitando o preenchimento e assinatura do Termo de Assen-
timento. Este quantitativo de crianças corresponde a 69% do total de
crianças na série. Com a aplicação do questionário passamos para o
terceiro e último momento da primeira fase, que consistiu em analisar:
a) as estratégias de aprendizagem com uso das TDIC utilizadas
pelas crianças;
b) as ferramentas mais utilizadas pelas crianças para a intera-
ção e aprendizagem;
c) paralelismo entre as estratégias de aprendizagem nos con-
textos em que se desenvolvem.
Com os dados coletados e registrados, efetuou-se a tabulação
e a organização por meio de tabelas e gráficos, o que permitiu uma
melhor visualização de alguns aspectos dos dados e conduziu a uma
análise mais depurada deles. Após a tabulação e análise destes dados,
passamos a elaboração do segundo instrumento: uma entrevista. O
roteiro, composto por 7 perguntas subjetivas, buscou esclarecer so-
bre as estratégias de aprendizagem usando as TDIC nos contextos da
escola e fora da escola.
Neste momento todas as crianças foram recordadas desta nova
fase, com um novo instrumento, passando-se a realização das en-
trevistas para coleta de dados da pesquisa. A comunicação junto às
crianças buscou evitar situações de constrangimento para os que não
seguiriam para a segunda fase, tendo o cuidado de não inferir juízo
de valor aos que participariam da nova fase e nem aos que não fo-
ram selecionados. Obtivemos o consentimento de 55 crianças para a
realização das entrevistas.

Entrelaces entre questões éticas


192 | e metodológicas na pesquisa
O roteiro de questões foi elaborado por perguntas controladas
pela teoria e direcionadas para as hipóteses, que objetivaram iden-
tificar o conhecimento do entrevistado sobre o tema da entrevista/
pesquisa. As entrevistas foram realizadas e gravadas no ambiente da
própria escola, utilizando-se de uma câmera de vídeo e uma câmera
fotográfica que dispõe do modo “gravar vídeo”, sendo necessários
quatro dias de gravação. Cada entrevista gravada foi salva em dois
HD’s externos, objetivando a segurança dos dados. Após a gravação
de todas as entrevistas, realizamos a transcrição de cada uma delas
e realizamos o procedimento de categorização, buscando identificar
como as crianças usam as TDIC nos dois contextos e destacando
elementos que formariam os elementos dos mapas conceituais. Con-
cluída a análise passamos para a terceira e última fase da pesquisa
composta pela análise das implicações educacionais do uso das TDIC
como estratégias de aprendizagem das crianças na cultura digital e
a apresentação dos modelos de estratégias de aprendizagem com o
uso das TDIC.
A análise envolveu a confrontação dos dados, enfatizando os
aspectos qualitativos e focando o objeto de estudo e os dados cole-
tados. O resultado da triangulação permitiu avaliar se os dados eram
válidos, como também se foram alcançados os objetivos da pesquisa.
Entretanto, um elemento foi fundamental neste contexto da pesquisa:
refletir sobre nossa postura diante das crianças, ou com as crianças.

4 Considerações Éticas sobre a Pesquisa com Crianças

Em pesquisa realizada com crianças, buscando observar suas rela-


ções com o uso das TIC, especificamente suas interações na inter-
net, Barra (2004) apresenta o significado de estar com as crianças e
percebê-las como sujeitos, sendo necessário pesquisar com elas, e

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 193
não somente sobre elas, dando-lhes voz, permitindo que indiquem
que elementos são significativos em seu cotidiano ou no objeto em
investigação.
Assim como Barra (2004), e após longa discussão e reflexão
sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2002), como
também da Resolução nº 466, expedida em 12/12/2012 pelo Conse-
lho Nacional de Saúde (CNS) - Ministério da Saúde (MS), analisa-
mos alguns elementos da pesquisa com crianças, tendo as próprias
crianças como sujeitos da investigação, sendo uma prática comum
nas pesquisas na área da educação, principalmente no Brasil. Apesar
das crianças serem os sujeitos diretos da investigação, nossa pers-
pectiva foi de recolher dados diretos, por meio do questionário e da
entrevista com registro de vídeo e dados observacionais nos momen-
tos de intervalo de aula, como também nas aulas de informática pro-
movidas pela escola.
Também realizamos com as 57 crianças participantes deste es-
tudo um momento de escuta sobre a participação na pesquisa. Com-
preendemos, neste ponto da investigação, que valorizar a “voz” das
crianças seria um elemento positivo, assim como o apresentado por
Barra (2004). Realizamos uma sessão conjunta em cada uma das três
salas de aula, apresentando para elas nossa proposta, assim como as
perspectivas de benefício com a investigação para outras crianças, in-
clusive em outros lugares do país. Explicamos como realizaríamos a
pesquisa, utilizando de uma linguagem clara e objetiva para explicar
os procedimentos metodológicos e tirando as dúvidas das crianças.
Percebemos como elas ficaram satisfeitas em poder contribuir com a
pesquisa, principalmente porque queriam dizer como gostavam de
estudar numa escola que tem computador. Apesar do fato de que se-
riam os pais ou responsáveis legais pela autorização, realizamos todo
o esclarecimento inicialmente com as crianças, entendendo que é um

Entrelaces entre questões éticas


194 | e metodológicas na pesquisa
direito da criança questionar, buscar esclarecimento e, inclusive, re-
cusar a participação na pesquisa.
Deste processo, destacamos duas observações: (1) nenhuma
criança aparentou desconforto ou recusa. Desta forma entregamos
o TCLE para todos os 83 estudantes e, no retorno dos documentos,
solicitamos que cada criança que iria participar da pesquisa preen-
chesse o Termo de Assentimento; (2) como a criança tem sua própria
interpretação do mundo e de suas relações (BARRA, 2004), compre-
endemos que precisaríamos entender o próprio entendimento das
crianças, o significado de ser criança e como elas interpretam o uso
das TDIC nos contextos da escola e fora da escola. Nossa pesquisa
então foi com crianças, e não ‘as’ ou ‘para’ as crianças, ou seja, nossa
pesquisa teve relação direta com as crianças enquanto participantes
diretas da investigação, onde vez e voz foram garantidos, não só nas
respostas do questionário ou nas entrevistas, mas no cotidiano do
tempo que estávamos com elas. Buscamos uma interação e reconhe-
cimento das crianças enquanto crianças e enquanto seres humanos
com personalidade, desejos, sentimentos, posturas e pensamentos
próprios.

Referências

BARRA, M. Infância e Internet: interacções na rede. Azeitão: Autonomia


27, 2004.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei federal nº 8069, de 13


de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 195
CASTELLS, M. A Sociedade em rede: a era da informação: economia,
sociedade e cultural. São Paulo: Paz e Terra, 2007. Vol 1

CGI.br. Pesquisa sobre o uso das tecnologías da informação e da


comunicação no Brasil: TIC Domicílios e TIC Usuários 2011. São Paulo:
Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2012.

______. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de informação e


comunicação nas escolas brasileiras: TIC Educação 2012. São Paulo:
Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2013.

COLL, C.; MONEREO, C. Psicologia da educação virtual: aprender e


ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre:
Artmed, 2010.

COSTA, M. (Org.) Caminhos investigativos: outros modos de pensar e


fazer a pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

MEIRELES, M. Gestão das Informações organizacionais. Itu: Ottoni, 2009.

MENEZES, J. A criança na cibercultura: brincar, consumir e cuidar do


corpo. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.

PISCITELLI, A. Nativos e inmigrantes digitales: uma dialéctica intrincada


pero indispensable. In: CARNEIRO, R.; TOSCANO, J.; DIAZ, T. (Org.) Los
desafios de las TIC para el cambio educativo. Madrid: OEI e Fundação
Santillana, 2009, p. 71-78.

SANTOS, G.; BRAGA, C. Tablets, laptops, computadores e crianças


pequenas: novas linguagens, velhas situações na educação infantil.
Brasília: Liber, 2012.

Entrelaces entre questões éticas


196 | e metodológicas na pesquisa
VELHO, G. O desafio da proximidade. In: VELHO, Gilberto; KUSHNIR,
Karina (orgs.). Pesquisas Urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p. 208-220.

YIN, R. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman,


2005.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 197
O ESTUDO DE CASO UTILIZADO COMO RECURSO EM
PESQUISAS

Luciana Santana
Amandio Aristides Rihan Geraldes

1 Introdução

Embora o uso do Estudo de Caso (EC) como método de ensino ou


recurso de pesquisa seja crescente, devido às limitações metodológi-
cas (validade, reprodutibilidade e imparcialidade) relacionadas a esse
recurso de ensino ou desenho de pesquisa, são muitas as críticas me-
todológicas ao EC. Nossa experiência ministrando disciplinas meto-
dológicas e como membros do Comitê de ética da UFAL demonstram
que muitas vezes, esse desenho de pesquisa é utilizado de maneira e
por motivos inadequados. Portanto, e nesse contexto, o objetivo do
presente artigo é apresentar e discutir vários aspectos do EC utilizado
como desenho de pesquisa.
Para além da descrição do paradigma a ser utilizado pelos in-
vestigadores (qualitativo, quantitativo e misto), no projeto de pesqui-
sa devem estar contidos, dentre outras coisas, a descrição detalhada
da abordagem (ou design) a ser utilizada, bem como, o planejamento
dos métodos utilizados para a coleta de dados, análise e interpreta-
ção dos resultados.
Por outro lado, a escolha do paradigma e dos procedimentos a
serem utilizados na pesquisa, não devem se basear, exclusivamente,
na preferência ou experiência dos pesquisadores, mas também, na
natureza, justificativa e relevância do problema de pesquisa (ou na
questão a respondida pela pesquisa), além da audiência e do público-
-alvo (amostra/população) para o qual a pesquisa está sendo direcio-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 199
nada. De acordo com Creswell (2013), as três assunções filosóficas,
abordagens ou paradigmas de pesquisa mais utilizados são classifi-
cados em: qualitativo, quantitativo e misto. É importante destacar
que os dois paradigmas primários: qualitativo e quantitativo, não
devem ser vistos como categorias distintas, discretas, exclusivas ou
dicotômicas. Na verdade, representam as duas extremidades finais de
um mesmo continuum. A realidade é que, os estudos quantatitivos
(dedutivos) retroalimentam-se através dos qualitativos (indutivos) e
vice-versa. Nesse contexto, os métodos ou paradigmas mistos, loca-
lizam-se no meio desse continuum, visto que incorporam elementos
dos dois paradigmas (CRISWELL, 2014).
As principais alternativas de desenhos de pesquisa disponíveis
para os três principais paradigmas propostos por Criswell (2013) po-
dem ser observados no quadro a seguir:

QUADRO 4 – Alternativas de desenho de pesquisa utilizados nos três paradigmas

QUANTITATIVO QUALITATIVO MISTO

EXPERIMENTAIS NARRATIVA CONVERGENTE

- Verdadeiro Fenomenologia Explanatório sequencial

- Quase Etnografia Exploratório sequencial

- Semi Estudos de caso Transformativo ou


multifásico

NÃO EXPERIMENTAIS

- Descritivos

-Levantamentos

- Outros

FONTE: Modificado de Creswell (2014).

Entrelaces entre questões éticas


200 | e metodológicas na pesquisa
2 Breve histórico sobre os estudos de caso

Embora, possa parecer uma novidade para os estudantes mais jo-


vens, o EC vem sendo utilizado há muitos anos, especialmente na
medicina, psicologia/psicanálise e ciências sociais. Ventura (2007)
relata que o EC tem origem nas pesquisas médica e psicológica, atra-
vés da análise detalhada de um caso clínico que ajuda a explicar
a dinâmica e a patologia de uma determinada doença. É esperado
que com auxílio desse recurso, fenômeno estudado, a partir da ex-
ploração intensa de um único caso, possam ser melhor explicado.
Pelo fato de ter como objetivo principal, o conhecimento detalhado e
profundo de um determinado e específico problema, os EC têm con-
tribuído para a solução de vários problemas do “mundo real” (YIN,
2012). Mais recentemente, o uso dos EC vem sendo crescentemen-
te utilizado por pesquisadores das mais variadas disciplinas, como
por exemplo: Contabilidade (CAVALCANTE LIMA, 2013), Tecnologia
(IGBARIA, LIVARI e MARAGAHH, 1995), Administração de Empresas
(de ALMEIDA MORAES et al., 2012), inclusive em trabalhos acadê-
micos, como Trabalhos de Conclusão de Cursos, e Pós Graduações:
Lato e Stricto-Senso (dissertações e teses).
Na realidade, os EC podem ser utilizados em muitas e diferen-
tes situações, nas quais se incluem: política, ciência política e pes-
quisa em administração pública; sociologia e psicologia comunitária;
estudos organizacionais e gerenciais; pesquisa de planejamento re-
gional e municipal, como estudos de plantas, bairros ou instituições
públicas; supervisão de dissertações e teses nas ciências sociais - dis-
ciplinas acadêmicas e áreas profissionais como administração empre-
sarial, ciência administrativa e trabalho social (YIN, 2001). Embora,
historicamente, os EC mais conhecidos relacionam-se com os estudos
psicanalíticos realizados por Freud, o EC não tem seu uso restrito à

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 201
pesquisa ou produção de conhecimento acadêmico. Há algum tempo,
o EC vem sendo utilizado com outros fins, como por exemplo, mé-
todo de ensino em cursos de graduação, especialmente na Educação
(ARMISTEAD, 1984; McWILLIAM, 1992) e, principalmente, como
recurso de avaliação para programas e projetos, públicos e privados,
realizados por gestores públicos e privados, das mais diversas áreas
(ZAIDAH, 2007).

3 Características do EC

O EC é um recurso de caráter qualitativo que, utilizando diferentes


meios, tem como objetivo o aprofundamento do conhecimento so-
bre uma unidade individual. Em termos práticos, os EC contribuem
para uma maior compreensão de fenômenos individuais, processos
organizacionais e políticos da sociedade sendo utilizado para melhor
entender a forma e os motivos que levaram a determinada decisão
(YIN, 2012). O uso do EC permite que os pesquisadores conheçam
profundamente um determinado caso ou problema relevante. Com
tal objetivo, os pesquisadores têm a liberdade de utilizar diferentes
instrumentos e técnicas de coletas de dados (observações diretas,
questionários, entrevistas, documentos, protocolos, testes, exames
de registros e coleções de amostras), entre outros (YIN, 2012). Os
EC são particularmente úteis nas situações em que, para além do fe-
nômeno a ser estudado ser amplo e complexo, o mesmo não possa
ser estudado fora do contexto onde ocorre naturalmente. Embora,
na grande maioria das vezes o EC, quando utilizado como desenho
de pesquisa, seja utilizado em pesquisas qualitativas, é comum o
seu uso como recurso para avaliar projetos e programas diversos e,
em estudos quantitativos, como estudo piloto. É importante destacar
que, ao invés da descoberta de uma verdade universal ou de conclu-

Entrelaces entre questões éticas


202 | e metodológicas na pesquisa
sões generalizáveis, os EC objetivam a exploração, a descoberta, o
conhecer e o descrever, com detalhes e aprofundamento o problema
de pesquisa. Portanto, diferentemente de outras abordagens, além
de objetivas e/ou convenientes, as amostras utilizadas nos EC, são
reduzidas - muitas vezes, um único caso ou unidade amostral (uma
pessoa, por exemplo).

4 Tipos de estudo de caso

Para Yin (2001) os EC podem ser classificados em duas categorias: os


descritivos, ilustrativos ou explanatórios e os exploratórios. Entretan-
to, é comum encontrar na literatura (MANN, 2006), outras categorias
de EC, como por exemplo, os cumulativos e os EC com exemplos crí-
ticos. Para os objetivos do presente texto, descreveremos as caracte-
rísticas das seguintes quatro categorias de EC a seguir:
Estudos de Caso Descritivos (ou ainda: Ilustrativos e Expla-
natórios): nesse tipo de EC, as informações obtidas no estudo são
utilizadas para caracterizar e descrever uma situação antes desco-
nhecida. Esses tipos de EC servem, principalmente, para tornar o es-
tranho ou o desconhecido, familiar e conhecido, permitindo que os
interessados tenham acesso a determinadas informações.
Estudos de Caso Exploratórios (ou piloto): são estudos - có-
pias idênticas de uma proposta de estudo principal - realizados preli-
minarmente com o objetivo de guiar projetos maiores e futuros. Tais
estudos têm dois objetos possíveis: identificar questões de pesquisa
e possíveis abordagens a serem utilizadas no futuro e/ou, testar, uti-
lizando preliminarmente uma amostra reduzida (estudo piloto), os
métodos selecionados para serem utilizados em um projeto maior
(projeto piloto). Com relação aos EC utilizados como estudos piloto,
cabe ressaltar a necessidade de cuidados com o fato de, muitas vezes,

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 203
em EC exploratórios, os resultados iniciais podem parecer suficiente-
mente convincentes a ponto de interferirem, de maneira prematura,
com as futuras conclusões dos pesquisadores.
Estudos de Caso Cumulativos: esse tipo de estudo agrega in-
formações de diferentes estudos que, com objetivos semelhantes, fo-
ram realizados em diferentes locais (MANN, 2006). Na realidade, os
EC cumulativos são realizados com o objetivo de aumentar o poder
de generalização dos EC comuns. Dependendo do momento em que
os dados são ou foram coletados, os EC podem ser subclassificados
em retrospectivos – utilização de informações coletadas em estudos
já realizados - ou, prospectivos – utilizando as informações a serem
coletadas em pesquisas a serem realizados em um momento futuro.
Enquanto os EC cumulativos não têm custos adicionais, por outro
lado os prospectivos, além de necessitarem de mais tempo para sua
realização, demandam maiores custos (MANN, 2006).
Estudos de Caso com Exemplos Críticos: EC de acordo com
Mann (2006), geralmente, tem como foco um caso único, entretanto,
sem um propósito geral. Exemplos incluem um estudo descritivo de
um paciente que tem uma doença rara, ou a pesquisa de um caso
específico para determinar se uma teoria universal poderia ser apli-
cada ou útil em todos os casos. Ainda de acordo com o autor, esse
recurso útil para responder questões que investigam relações de cau-
sa e efeito. Portanto, utilizado como parte das pesquisas quantitati-
vas ou mistas.

5 Pontos fracos e fortes do uso do EC

Desde a ascensão da corrente positivista, entre as décadas de 1920 e


1930, a principal crítica feita ao EC tem sido a ameaça representada
pelo tipo de amostra utilizada nesse desenho de pesquisa. Em ou-
tras palavras, é regra geral que nos EC, além de serem objetivas ou
convenientes, as amostras sejam demasiadamente reduzidas (muitas
vezes uma única unidade amostral). Sendo assim, devido ao proble-
ma da amostragem do desenho, os resultados do EC carecem de base
estatística e científica para o controle de adequadas qualidades psi-
cométricas (objetividade, confiabilidade, imparcialidade e validade).
Ademais, é bem provável que, devido à exposição intensa
dos investigadores ao estudo, a imparcialidade possa ser ameaça-
da de maneira importante. Embora muito criticado, desde a década
de 1950, quando a Harvard Business School iniciou a utilizar os EC
como um método primário de ensino em cursos de graduação, os EC
têm sido crescentemente utilizados em salas de aula e palestras rela-
cionadas ao ensino (ARMISTEAD, 1984; McWILLIAM, 1992). Muito
provavelmente, tal ocorrência incentivou o uso crescente do EC, não
só como método de ensino, mas também, como recurso ou desenho
de pesquisa, nomeadamente, pelos estudiosos da Sociologia, Educa-
ção, Medicina e Psicologia.

5.1Pontos Fracos do Desenho

Baseados no exposto e na literatura disponível, destacamos e


discutimos os seguintes e principais pontos fracos do EC utilizado com
objetivos acadêmicos e científicos. Devido às características do dese-
nho, os resultados de um EC não devem ser generalizados, Nesse tipo
de desenho, a possibilidade dos resultados serem influenciados pelo
avaliador (imparcialidade) é relativamente grande. Devido ao pequeno
tamanho e especificidade da amostra os EC são muito difíceis de serem
replicados. A duração da pesquisa pode ser muito longa.
Devido ao reduzido tamanho da amostra (uma pessoa, peque-
no grupo de pessoas, evento, programa) é muito pouco provável ter
a “certeza” de que as conclusões de um EC (caso específico) possam
ser aplicadas a outras pessoas (população). Em outras palavras, os
resultados de um EC não podem ser generalizados devido à incerteza
do caso investigado poder (ou não) representar uma dada população.
Pelo fato de, na maioria das vezes, o EC ter caráter descritivo e emi-
nentemente qualitativo e, principalmente, o pesquisador ser o prin-
cipal instrumento utilizado para a avaliação dos resultados, as con-
clusões de um EC são grandemente dependentes da interpretação do
pesquisador (subjetividade). Portanto, considerando que diferentes
investigadores, a depender de sua experiência e vivência, possam ver
de maneira diferente os mesmos resultados, pode ficar prejudicada
as qualidades psicométricas nesse tipo de estudo. Devido ao exposto,
embora o número de EC seja crescente, por conta da possível falta de
um adequado rigor metodológico, muitas vezes, esse desenho tem
sido considerado pouco científico, tendo sua qualidade e validade
colocadas sob dúvida (CAVALCANTE LIMA et al., 2012).

5.2 Pontos fortes do Desenho

De acordo com o exposto e a literatura disponível, entendemos


que os principais pontos fortes relacionados ao uso do EC relacio-
nam-se com o fato do recurso permitir a obtenção de informações de-
talhadas sobre o problema observado; Aquisição de informações para
futuras pesquisas (caráter exploratório); A investigação de situações
que não poderiam ser abordadas, devido à ética, de outra maneira.
Em decorrência do aprofundamento temático e a possibilidade
do recurso permitir o uso de variados instrumentos de coleta, o EC
tem condições de trazer luz sobre aspectos do pensamento e do com-
portamento que, de outras formas, poderiam ser considerados antié-
ticos. Ademais, o EC pode trazer interessantes informações e insights
sobre a dimensão subjetiva da vida e à experiência dos observados.
Em outras palavras, a principal vantagem do EC como desenho de
pesquisa é o fato do pesquisador poder se concentrar em casos es-
pecíficos e interessantes realizando investigações meticulosas, apro-
fundadas e sistemáticas. Devido às suas características, os EC podem
servir como projeto piloto ou pesquisas exploratórias, auxiliando os
pesquisadores a avaliar suas escolhas e processos, gerando novas
ideias, ilustrando teorias e ajudando a mostrar como diferentes as-
pectos da vida de uma pessoa relacionam-se com outros. Além do
exposto, em termos pragmáticos, para a maioria dos leitores, os rela-
tórios estatísticos são enfadonhos, cansativos e pouco interessantes.
Sendo assim, uma das possíveis e objetivas vantagens dos EC seria
tornar as discussões dos resultados de uma pesquisa, mais interes-
santes e elucidativas. A afirmação precedente pode explicar o cres-
cente uso de EC em pesquisas com abordagens mistas ou pragmáticas
(CRESWELL, 2014). Finalmente, a despeito das vantagens do EC, em
termos acadêmicos ou científicos, para além da importância da temá-
tica ou do conteúdo abordado, a coisa mais importante relacionada
ao uso desse recurso como instrumento de pesquisa é a relevância do
“caso” para a área de conhecimento. Afinal, nos EC os investigado-
res, com o objetivo de melhor conhecer um determinado problema,
propositalmente, isolam e estudam um único ou pequeno e específico
grupo (um caso individual ou uma população específica).

6 Usos e abusos do EC

Começamos esse último item do texto utilizando como referência o


interessante e elucidativo artigo crítico de Alves-Mazzoti (2006). No
citado artigo, a autora observa que o maior problema do uso dos EC
relaciona-se com o fato de que, como desenho de pesquisa, o EC di-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 207
ficilmente atende aos critérios necessários para serem classificados
como um método de pesquisa. É um grande problema, o fato de
muitos estudos denominados de EC, refletirem uma visão equivo-
cada sobre a natureza desse tipo de pesquisa. Alves-Mazzoti (2006,
p.640) informa que “Muitas pesquisas são denominadas de EC devi-
do ao fato de terem utilizado uma amostra composta por um redu-
zido número de sujeitos”. A verdade é que não é raro que um autor,
após aplicar um questionário ou uma entrevista em uma escola, por
exemplo, não justifique ou explique adequadamente, o motivo de ter
escolhido aquele “caso” e não outro, para observação. Stake (2000)
destaca que a principal característica dos EC é o interesse em um
caso individual, não os métodos utilizados na investigação. O autor
chama a atenção para o fato de nem tudo pode ser considerado um
“caso”, pois um caso é “uma unidade específica, um sistema delimi-
tado cujas partes são integradas”. Ainda na mesma direção, Lüdke
e André (1986), explicam que o estudo de caso como estratégia de
pesquisa é o estudo de um “caso único”, simples e específico ou com-
plexo e abstrato e deve ser sempre bem delimitado. De acordo com
os autores, embora um determinado caso possa ser semelhante a ou-
tros, é também distinto, pois tem características únicas ou atende ao
interesse particular de um pesquisador, no sentido de ter potencial
ou relevância para a temática.
Apesar do exposto, infelizmente, tem sido comum que, em
muitos estudos, a unidade amostral selecionada para estudo não pos-
sa ser considerada um “caso”, visto que, parece ter sido selecionada
para o estudo, devido ao fato de ser mais disponível ou acessível para
o interessado. O pior é que alguns autores reforçam tais ocorrências.
Nesse sentido, Bogdan e Biklen (1994), por exemplo, sugerem que
devido ao fato dos EC serem mais “fáceis” de serem desenvolvidos,
os alunos ou pesquisadores iniciantes deveriam iniciar sua aprendi-

Entrelaces entre questões éticas


208 | e metodológicas na pesquisa
zagem sobre pesquisa com auxílio desse desenho. A proposta dos
autores, além de minimizar a complexidade e as dificuldades rela-
cionadas com as pesquisas qualitativas (ALVES-MAZZOTI, 2006), ao
nosso entender, denota uma inversão de valores que não é incomum
nas pesquisas qualitativas. Muitos pesquisadores, infelizmente não
só os iniciantes, não conseguem perceber ou entender a importância
e responsabilidade do investigador qualitativista. Não podemos es-
quecer que os pesquisadores qualitativistas estudam as coisas em seu
setting natural, tentando dar sentido ou interpretar fenômenos nos
termos das significações que as pessoas trazem para estes (DENZIN;
LINCOLN, 1994). Devido ao exposto e, principalmente, pelo fato do
pesquisador ser o principal instrumento de coleta e avaliação das in-
formações coletadas, nas pesquisas qualitativas, para além de conhe-
cer o problema, o pesquisador deve possuir vivência e experiência
suficientes para interpretar adequadamente o observado. Afinal, di-
ferentemente das pesquisas quantitativas, nas quais os instrumentos
de coleta e análise são previamente selecionados devido à sua com-
provada validade, nas pesquisas qualitativas, cabe exclusivamente
ao investigador, a responsabilidade de dar à pesquisa um mínimo de
validade aceitável.

Referências

ALMEIDA, MORAES, S.T.; SENRA, M.; ROCHA, A. A internacionalização


da marca Melissa. Revista Brasileira de Casos de Ensino em
Administração. v. 2, n. 1, 2012.

ALVES-MAZZOTI, A.J. Usos e abusos dos estudos de caso. Cad. Pesqui.


v.36, n. 129, p. 637-651, 2006.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 209
ARMISTEAD, C. How useful are case studies? Training and Development
Journal. v. 38, n. 2, p. 75-77, 1984.

BOGDAN, R., BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma


introdução à teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora, 1994.

CAVALCANTE LIMA, J.P. et al. Estudos de caso e sua aplicação: proposta


de um esquema teórico para pesquisas no campo da contabilidade.
Revista de Contabilidade e Organizações. v. 6, n.14, p.127-144, 2012.

CRESWELL, J.W. Research Design: Qualitative, Quantitative, and Mixed


Methods Approaches (4th ed.). Thousand Oaks, CA: Sage; 2014.

DENZIN, N.K.; LINCOLN, Y.S. Handbook of qualitative research.


Thousand Oaks, CA: Sage; 1994.

IGBARIA, M.; LIVARI, J.; MARAGAHH, H. Why do individuals use


computer technology? A Finnish case study. Information & Management.
v.29, n.5, p. 227–238. 1995

MANN, B.L. An Intrinsic, Quantitative Case Study Of WebCT


Developers. Styles Book, Chapter 6; 2006.

McWILLIAM, P.J. The Case Method of Instruction: Teaching Application


and Problem-Solving Skills to Early Interventionists. Journal of Early
Intervention. v.16, n. 4, p. 360-73, 1992.

VENTURA, MM. Estudo de caso como modalidade de pesquisa. Rev


SOCERJ. v.20, n.5, p. 383-386, 2007.

YIN, R.K. Estudo de caso: planeamento e métodos. 2.ed.- Porto Alegre:


Bookman, 2001.

YIN, R.K. Applications of case study research (3rd ed.). Thousand Oaks,
CA: Sage, 2012.

Entrelaces entre questões éticas


210 | e metodológicas na pesquisa
ZAINAL, Z. Case study as a research method. Journal Kemanusiaan, 9.
Retrieved Janeiro 12, 2017. Disponível em: <http://www.management.
utm.my/jurnal-kemanusiaan/attachments/article/163/JK9_163.pdf>
Acesso em: 17 jun. 2017.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 211
SOBRE OS AUTORES

Amandio Aristides Rihan Geraldes


Graduado em Educação Física pela Universidade Castelo Branco-RJ
(UCB-RJ), Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela UCB-RJ
e doutor em Ciência do Desporto pela Faculdade de Desportos da
Universidade do Porto (FADE-UPT) - considerado reconhecido pela
Universidade de São Paulo (USP) como Doutor em Educação Física
- Área: Biodinâmica do Movimento Humano. Professor do Curso de
Educação Física do Centro de Educação da Universidade Federal de
Alagoas (CEDU/UFAL), Membro do CEP/UFAL.

Aleska Dias Vanderlei


Graduada em Odontologia (UFAL). Especialista em Prótese Dentária
(UNIP). Mestre e Doutora em Odontologia Restauradora pela (UNESP
- São José dos Campos). Atua como Professora Titular do Centro Uni-
versitário Cesmac. Membro do corpo docente efetivo e do colegiado
do Mestrado em Ciência da Saúde do Centro Universitário CESMAC.
Tem experiência em pesquisa na área de Odontologia, com ênfase em
Materiais Odontológicos.

Aliúcha Padilha de Holanda Cavalcanti


Possui graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Ala-
goas(2007) e especialização em especialização em ortodontia pela
faculdade CIODONTO (2011). Atualmente é ortodontista da clínica
odontopop e odontologa da Prefeitura Municipal de Matriz de Cama-
ragibe. Tem experiência na área de Odontologia. Atualmente é aluna
regular do Mestrado Profissional Pesquisa em Saúde do Centro Uni-
versitário Cesmac

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 213
Camila Maria Beder Ribeiro
Possui graduação em odontologia – UPE, mestrado em Odontolo-
gia - UFPE; doutora em Estomatopatologia pela FOP-UNICAMP com
área de concentração em Patologia. Atualmente é professora de
Patologia Geral e Bucal na FOUFAL. Atua como Professora Titular do
Centro Universitário Cesmac nas áreas de Patologia Geral e Mestrado
Profissional Pesquisa em Saúde. É membro do comitê de ética na
UFAL e Cesmac. Tem experiência na área de Odontologia, com ênfase
em estomatopatologia e ética em saúde.

Camila Albuquerque Melo de Carvalho


Professora Adjunta da Universidade Federal de Alagoas- UFAL. Possui
graduação em Fisioterapia, Especialização em fisioterapia cardiorres-
piratória, Mestrado e Doutorado em Ciências Médicas pelo Depar-
tamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina da USP.

Carlos Augusto Fogliarini Lemos


Licenciado em Educação Física e Especialista em Esporte Escolar (Uni-
versidade de Cruz Alta) Mestre em Educação Física (Universidade Fe-
deral de Santa Catarina). Sócio-proprietário do Centro Aquático Raia
3; Professor titular dos Cursos de Educação Física bacharelado e licen-
ciatura; Coordenador da área do conhecimento de Ciências da Saúde
- Campus Santo Ângelo e membro do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões.

Claudia Barcelos de Moura Abreu


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Uber-
lândia (1987), Mestrado em Educação pela Universidade Federal de
São Carlos (1993) e Doutorado em Educação: História, Política, So-
ciedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998). É

Entrelaces entre questões éticas


214 | e metodológicas na pesquisa
professora associada nível 2 da Universidade Federal de São Paulo
- UNIFESP. Está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da UNIFESP.

Daniele Gonçalves Bezerra


Professora Adjunta da Universidade Federal de Alagoas- UFAL. Possui
graduação em Biologia Licenciatura, Mestrado em Morfologia Huma-
na e Experimental e Doutorado em Biologia Humana e Experimental
pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Deise Juliana Francisco


Psicóloga (1993) e Licenciada em Psicologia (1996), Mestre em Edu-
cação (1998) e Doutora em Informática na Educação pela Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul (2007). Professora adjunto IV do
Centro de Educação da UFAL, membro do Comitê de Ética em Pesqui-
sa da UFAL desde 2010. Docente do Programa de Pós Graduação em
Educação da UFAL e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Cognição, Tecnologias e Instituições – PPGCTI (UFERSA).

Fátima Maria Lyra Cavalcante


Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas, ad-
vogada e professora na Sociedade de Ensino Universitário do Nor-
deste (SEUNE) e no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNI-
NASSAU), com a disciplina de Direito Administrativo e Direito do
Consumidor.

Fernando Silvio Cavalcante Pimentel


Possui graduação em Pedagogia, Especialização em Tecnologias em
Educação pela PUC do Rio de Janeiro e especialização em Docência
do Ensino Superior na Universidade Castelo Branco, UCB-RJ. É mes-

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 215
tre e doutor em Educação em Educação pela Universidade Federal de
Alagoas. É membro do Programa de Pós-Graduação em Educação da
mesma instituição

Karla de Oliveira Santos


Graduada em Pedagogia, Especialista em Gestão Escolar, Mestre em
Educação e Doutoranda em Educação, pela Universidade Federal de
Alagoas. Professora assistente da Universidade Estadual de Alagoas
(UNEAL), vice coordenadora do Curso de Pedagogia, Campus II –
Santana do Ipanema (UNEAL) e professora da Educação Básica do
município de São Miguel dos Campos - AL.

Laura Cristina Vieira Pizzi


Pedagoga pela Universidade Federal de Uberlandia (1988), Mestre em
Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1992) e
Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo (1999). Visiting Scholar na School of Education da
Univeristy of Berkeley - CA/USA (2002) e Pós-doutorado Sênior no
Dipartimento di Scienze della Formazione e Psicologia da Universi-
tà degli Studi di Firenze/IT (2014). Professora Titular no Centro de
Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), atuando no
Mestrado e Doutorado da UFAL.

Lizete Dieguez Piber


Psicóloga pela Universidade Católica de Pelotas, especialista em Edu-
cação: Psicopedagogia pela Universidade Federal de Pelotas e Mestre
em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Santa Maria.
Professora titular da Universidade Regional Integrada do Alto Uru-
guai e das Missões, Coordenadorada área do conhecimento de Ciên-
cias da Humanas - Campus Santo Ângelo e Coordenadora do Comitê

Entrelaces entre questões éticas


216 | e metodológicas na pesquisa
de Ética em Pesquisa - Campus Santo Ângelo da Universidade Regio-
nal Integrada do Alto Uruguai e das Missões.

Luciana Santana
Professora adjunta de Ciência política no Instituto de Ciências So-
ciais da UFAL. Graduada em História, é Mestre e Doutora em Ciência
Política pelo DCP/UFMG, com instância sanduíche na Universidade
de Salamanca. É coordenadora do curso de Ciências Sociais da UFAL
na modalidade a distancia. Líder do grupo de pesquisa “Instituições,
comportamento político e democracia”. É membro do Comitê de ética
em Pesquisa da UFAL desde 2011, ocupando, atualmente, a função
de coordenadora.

Lucila Pesce
Doutora (2003) e mestre (1999) em Educação: Currículo, pela Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com pós-douto-
rado (2007) em Filosofia e História da Educação, pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP); bacharel e licenciada em Letras
- Português e Inglês (1985), pela Universidade Presbiteriana Macken-
zie (UPM). Professora do Departamento de Educação da Universida-
de Federal de São Paulo (UNIFESP); professora credenciada no Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação da UNIFESP.

Narciso Vieira Soares


Doutor em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Graduado em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Fe-
deral do Rio Grande; Licenciatura Plena em Enfermagem pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande; Mestrado em Enfermagem pela
Universidade Federal de Santa Catarina. Professor tempo integral

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 217
da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões.
Membro do Comitê de Ética em Pesquisa – URI-Campus Santo Ângelo

Nelma Camêlo de Araujo


Professora Adjunta do Curso de Biblioteconomia da UFAL. Professora
Assistente B, Coordenadora dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu
e Graduação em Arquivologia na Universidade Estadual de Londrina
(2010). Doutora e Mestre no Programa de Pós-graduação em Ciência
da Informação/UFSC (2017/2005). Especialista em Gestão Estratégica
da Informação e Bacharel em Biblioteconomia pela Escola de Ciência
da Informação da UFMG (2000 / 1990). Membro do Comitê de Ética
da UFAL desde 2012

Neusa Maria Gonçalves Salla


Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Regional do No-
roeste do Estado do Rio Grande do Sul, Graduada em Administração
pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões,
Mestre em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São
Paulo, Doutora em Ciências Contábeis e Administração pela Funda-
ção Universidade de Blumenau. Professora titular e coordenadora do
curso de Ciências Contábeis da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e Missões. Professora do corpo docente permanente do
Programa de Mestrado em Gestão Estratégica das Organizações na
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões. Membro
do Comitê de Ética em Pesquisa – URI-Campus Santo Ângelo.

Rildete Santos de Oliveira


Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Alagoas.

Entrelaces entre questões éticas


218 | e metodológicas na pesquisa
Vera Regina Medeiros Andrade
Graduada em Farmácia e Bioquímica pela Universidade Federal de
Santa Maria, Pós Graduação Lato Senso em Citologia Clínica pela
Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, mestrado em Gerontologia
Biomédica, doutorado em Biologia Celular e Molecular pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora
tempo integral no Departamento de Ciências da Saúde e Coordena-
dora do Curso de Farmácia da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões. Membro do Comitê de Ética em Pesqui-
sa – URI-Campus Santo Ângelo.

Ursula Blattmann
Atua como Professora Associada II no Departamento de Ciência da
Informação da Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutora
pela Universidade Federal de Pernambuco (2015), no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação. Possui graduação em Bi-
blioteconomia pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
(1986), mestrado em Biblioteconomia pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (1994) e doutorado em Engenharia de Produ-
ção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001).

Waldemar Antônio das Neves Júnior


Fisioterapeuta pela UNCISAL; mestre em Educação pela UFAL; dou-
tor em Bioética, Ética aplicada e Saúde Coletiva pela Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) em associação com
a UERJ, UFRJ e UFF; professor adjunto da disciplina de Bioética da
Faculdade de Medicina da UFAL.

Entrelaces entre questões éticas


e metodológicas na pesquisa | 219
Willian Barbosa Vianna
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Santa Catarina. Atual-
mente é Chefe do Departamento de Ciência da Informação. Doutorado
em Engenharia de Produção (2011). Mestrado Profissional em Admi-
nistração (USF, 2004). Mestrado em Engenharia de Produção (UFSC,
2008). Graduação em Ciências Humanas - Filosofia (UCDB-1989).

Entrelaces entre questões éticas


220 | e metodológicas na pesquisa
Formato 150mm x 210mm,
Composição: fontes TT Teds e ITC Slimbach Std.
Miolo: Papel off-set imune 75g/m²
Capa : Papel triplex 250g/m².
Tiragem : 300 exemplares.

Maceió, 2017

Impresso e diagramado
: por:

Você também pode gostar