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Pesquisas, Vivências e Práticas de Educação em

Saúde na Escola
Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva
Tiago Venturi
(orgs.)

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

SILVA, R. A. R., and VENTURI, T., eds. Pesquisas, Vivências e Práticas de


Educação em Saúde na Escola [online]. Chapecó: Editora UFFS, 2022, 461 p.
Ensino de ciências collection. ISBN: 978-65-86545-74-6.
https://doi.org/10.7476/9786586545722.

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Mariah Carraro Smaniotto Epub, mobi e pdf

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MC&G Design Editorial

P474 Pesquisas, Vivências e Práticas de Educação em Saúde na Escola /


Organizadores : Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva, Tiago Venturi.
— Chapecó : Ed. UFFS, 2022. — (Coleção Ensino de Ciências).

ISBN: 978-65-86545-72-2 (EPUB).


978-65-86545-73-9 (MOBI).
978-65-86545-74-6 (PDF).
1. Educação. 2. Saúde. 3. Promoção da saúde. I. Silva, Ronaldo
Adriano Ribeiro da (org.). II. Venturi, Tiago (org.). III. Série.

CDD: 370 . 11

Ficha catalográfica elaborada pela


Divisão de Bibliotecas – UFFS
Franciele Scaglioni da Cruz
CRB -14/1585
SUMÁRIO

NOTA DOS ORGANIZADORES................................................................. 10

PREFÁCIO .................................................................................................... 11

SEÇÃO DE ABERTURA............................................................................... 13

À GUISA DE APERITIVO............................................................................ 14

SEÇÃO I – REFLEXÕES E INVESTIGAÇÕES............................................. 16

1 EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA: UM CAMPO DE


ESTUDOS E PRÁTICAS NO BRASIL.......................................................... 17

2 CARACTERÍSTICAS DOS COLETIVOS DE PENSAMENTO EM


PUBLICAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA............... 36

3 SAÚDE NA ESCOLA: UMA ANÁLISE A PARTIR DE


DOCUMENTOS OFICIAIS NACIONAIS DE ENSINO.............................. 55

4 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA PERSPECTIVA DE


ARTICULAÇÃO DOS CONTEÚDOS DISCIPLINARES COM
TEMÁTICAS RELEVANTES SOCIALMENTE............................................ 72

5 PROPOSTA METODOLÓGICA PARA TRABALHAR A


EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM AULAS DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA.......... 87

6 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE POSTA “EM CIMA DA MESA”:


REVISITANDO O PAPEL DO PROFESSOR E DA INSTITUIÇÃO
ESCOLAR NO DESENVOLVIMENTO DE TEMAS DE SAÚDE..............104

7 EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE EM MEIO ESCOLAR:


CONTRIBUTOS DOS SETORES DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE........... 120
SEÇÃO II – ABORDAGENS E PRÁTICAS................................................ 135

8 “QUANDO PENSO EM SAÚDE, O QUE VEM A MINHA


CABEÇA?” CONCEPÇÕES DE ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL SOBRE SAÚDE............................................................. 136

9 A COOPERAÇÃO DE PESQUISADORES COM PROFESSORES


DA EDUCAÇÃO BÁSICA COMO FORMA DE POTENCIALIZAR O
TRABALHO DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NAS ESCOLAS..................... 154

10 INTERSETORIALIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE NA
INTERAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E FAVELA: EXPERIÊNCIAS
E DESAFIOS DO PROJETO DE EXTENSÃO “EDUCAÇÃO, SAÚDE
E CULTURA EM TERRITÓRIOS DA PERIFERIA URBANA”.................... 166

11 PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE EM ESPAÇOS


ESCOLARES: EXPERIÊNCIAS DE UM PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO PROFISSIONAL EM ENSINO EM SAÚDE...................... 185

12 A INCLUSÃO DA ABORDAGEM SOCIOECOLÓGICA DA


SAÚDE A PARTIR DA MEDITAÇÃO EM UM ABRIGO DE
TEIXEIRA DE FREITAS-BAHIA .............................................................. 199

13 PRESSUPOSTOS DE ABORDAGENS DE EDUCAÇÃO EM


SAÚDE POR MEIO DE PBL NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO.... 218

14 VIVENCIANDO E PRATICANDO EDUCAÇÃO EM SAÚDE


NA ESCOLA ESTADUAL PROFº JOÃO QUEIROZ MARQUES EM
BOTUCATU/SP........................................................................................... 233

15 POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA O CONTROLE


E PREVENÇÃO DAS DOENÇAS NEGLIGENCIADAS NO
PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA (PSE): PANORAMA E
INOVAÇÕES POR MEIO DA CIENCIARTE............................................. 250

16 ABORDAGENS DE SAÚDE EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE


CIÊNCIAS: UM OLHAR PARA AS IMAGENS.......................................... 261
17 OITAVO ANATOMY: SÉRIES MÉDICAS E O ENSINO POR
INVESTIGAÇÃO NAS AULAS DE CIÊNCIAS.......................................... 273

18 FORMAÇÃO DE EDUCADORES: MOMENTOS DE


SENSIBILIZAÇÃO E MOBILIZAÇÃO PEDAGÓGICA PARA A
EDUCAÇÃO EM SAÚDE (SeMoPES)....................................................... 287

19 OFICINAS PEDAGÓGICAS SOBRE EDUCAÇÃO SEXUAL NO


ENSINO FUNDAMENTAL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA............. 300

20 PROCESSO EDUCATIVO CRÍTICO SOBRE A SEXUALIDADE:


CONSTRUÇÃO SUSTENTADA NO ITINERÁRIO
DE PAULO FREIRE..................................................................................... 316

SEÇÃO III – TEMAS E EXPERIÊNCIAS................................................... 331

21 USO DE MATERIAIS DIDÁTICOS TRIDIMENSIONAIS SOBRE


VERMINOSES PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL............... 332

22 A EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE BUCAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA.... 348

23 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL: REFLEXÕES


SOBRE UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO FUNDAMENTAL................ 363

24 APLICAÇÃO DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA SOBRE


ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE
CAMPO GRANDE-MS............................................................................... 379

25 EDUCAÇÃO EM SAÚDE NAS ESCOLAS PROMOTORAS DE


SAÚDE EM PORTUGAL: REFLEXÕES A PARTIR DE ESTÁGIO
CIENTÍFICO NA UNIVERSIDADE DO MINHO – BRAGA.................... 392

26 ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR PARA O ENSINO DO


CÂNCER DE PELE NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA PROPOSTA DE
TEXTO DIDÁTICO PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE........................... 407

SOBRE OS ORGANIZADORES DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS... 439

SOBRE OS ORGANIZADORES DO VOLUME 1......................................441


APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
ENSINO DE CIÊNCIAS

A Educação em Ciências é uma área de pesquisa e atuação em constante ex-


pansão no Brasil, tanto no que se refere à formação de novos pesquisadores como
em relação a sua produção científica. Assim, tentando garantir espaços para sis-
tematização qualificada de resultados de pesquisa, reflexões sobre a ação docen-
te, bem como aprendizagens advindas de experiências a serem compartilhadas, o
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da UFFS (PPGEC/UFFS) e o
Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Ciências e Matemática (GEPECIEM)
ensejaram a criação da Coleção Ensino de Ciências.
A fim de facilitar a formação de novos professores e pesquisadores na área,
bem como disseminar o conhecimento produzido pelas universidades, institutos
de pesquisa e escolas, possibilitamos a edição de livros nas subáreas de Ensino de:
Ciências, Biologia, Física, Química e Saúde. A coleção, que se constitui de oito volu-
mes, também prioriza trabalhos como coletâneas que envolvam diferentes regiões
do Brasil e Instituições do exterior.
Outras discussões também são acolhidas, como História e Epistemologia
da Ciência, Didática, Políticas Públicas, Currículo, Tecnologias da Comunicação
e Informação, Educação Ambiental, Educação no Campo, Educação Indígena,
Divulgação Científica, Pensamento Crítico, Experimentação, Linguagem, Temas
Transversais, Educação sexual, Temas contemporâneos da Educação, Práticas de
Ensino e Estágio Supervisionado, entre outras, sempre mantendo relação direta
com o Ensino de Ciências.
Visando contribuir com a divulgação científica, ampla apresentação e discus-
são de referenciais, currículos, políticas públicas e práticas de Ensino em Ciências,
pautamos o escopo desta coleção em textos que guardam profunda e profícua re-
lação da área com a formação inicial e continuada de professores.

Roque Ismael da Costa Güllich,


Rosangela Inês Matos Uhmann e Rosemar Ayres dos Santos
(Organizadores da Coleção Ensino de Ciências)
NOTA DOS ORGANIZADORES

O livro “Pesquisas, Vivências e Práticas de Educação em Saúde na Escola”


é uma obra que se constitui como um espaço para compartilhar experiências,
reflexões e investigações sobre a Educação em Saúde na Escola, reconhecendo a
diversidade de saberes que circulam nesse espaço. Saúde é uma temática emer-
gente no ensino, e a escola é um espaço privilegiado para trabalhar propostas
educativas que visem à construção de conhecimentos para o exercício da cida-
dania dos sujeitos, de forma a contribuir com a promoção da saúde.
Nas últimas décadas, a Educação em Saúde realizada na escola deixou de
ser apenas um campo de práticas, passando a constituir-se como um campo de
estudos e pesquisas, envolvendo diversas áreas do conhecimento. A pesquisa em
Educação em Saúde destaca-se no campo da Educação Científica, tendo em vista
os vínculos da saúde com a área das Ciências Naturais.
Esta obra tem o objetivo de reunir uma coletânea de textos e dialogar com
as diferentes perspectivas oriundas destes campos de pesquisa, estudos e práticas.
Esperamos que aproveitem!

Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva1


Tiago Venturi2

1 Docente da Universidade Federal do Pará (UFPA), Faculdade de Ciências Biológicas. Doutor em Ensino de Ciên-
cias pelo Programa em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Doutor e Mestre em Educação.
2 Docente do Departamento de Educação, Ensino e Ciências da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor e
Mestre em Educação Científica e Tecnológica pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecno-
lógica (PPGECT), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
PREFÁCIO

Educação em Saúde na Escola pressupõe uma concepção alargada da saúde,


sendo considerada numa perspectiva ampla, muito para além da visão clássica
da ausência de doença. O próprio conceito de saúde abrange, para além da di-
mensão física, também as dimensões psicológicas, sociais e ambientais em que
o indivíduo ou o grupo se insere. Assim, a Educação em Saúde desenvolve-se
no espaço público e no espaço privado, necessitando da mobilização não só dos
indivíduos e comunidades, mas também das forças políticas da área da educação
e da saúde que facilitem e promovam Pesquisas, Vivências e Práticas de Educa-
ção em Saúde na Escola.
Tem-se tornado evidente que a Educação em Saúde na Escola é um agente
proporcionador do reencontro das crianças e jovens com a própria escola, na
medida em que eles são convocados para se empenharem em questões que di-
zem respeito a eles próprios, ao seu bem-estar e ao da sua família. Quando bem
gerida, a Educação em Saúde consegue proporcionar uma eficaz mudança para
um ambiente e vivência mais feliz e saudável na própria escola.
São diversas as perspectivas de Pesquisas, Vivências e Práticas de Educa-
ção em Saúde na Escola, mas todas elas têm como pano de fundo a melhoria
da saúde das crianças e jovens, bem como das famílias e comunidades locais.
Quando falamos em meio escolar, pensamos nas diretrizes políticas e regula-
mentações e, naturalmente, nos alunos, professores e outros profissionais da
escola, e também nas famílias dos alunos. Nesse sentido, os estudos em Edu-
cação em Saúde na Escola implicam uma grande abrangência de Reflexões e
Investigações (Secção I desta obra), Abordagens e Práticas (Secção II) e de
Temas e Experiências (Secção III), apresentando análises interpretativas de
documentos e descrevendo métodos e técnicas diversificadas de coleta e de
análise de dados, como se verifica nesta obra coletiva de 26 capítulos focados
na Educação em Saúde na Escola.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
12

Esta diversidade de capítulos evidencia ainda a importância do comparti-


lhamento de responsabilidades, por um lado das políticas públicas de educação
e de saúde, e por outro das próprias pessoas, em particular crianças e jovens. É
importante saberem interrogar-se sobre as suas próprias escolhas de vida, quer
como sujeitos singulares, quer como participantes de um mundo comum e cole-
tivamente responsável. É para este ponto que a educação é convocada. A escola
deve dar resposta a cada um, qualquer que seja a sua origem social, proporcionan-
do evidentemente o acesso ao conhecimento, mas também, e muito importante,
promovendo a consciencialização, atitudes e práticas de vida saudável, fazendo
com que cada criança e jovem seja um ator e autor da sua própria saúde. Muitos
dos capítulos aqui apresentados desenvolvem-se nesta perspectiva e convocam
a necessidade de diálogo e de parceria entre crianças/jovens, professores, pais,
serviços de saúde e até mesmo serviços sociais locais. Não há educação sem esta
confrontação sadia de pontos de vista diversos, com interlocução de saberes de
especialistas, com opiniões e crenças de diferentes meios familiares ou peque-
nas comunidades. Os confrontos podem ser de vários tipos, sejam eles de ordem
cultural, social, intergeracional ou de gênero, que podem e devem ser claramente
debatidos com vista à promoção da saúde em meio escolar.
Em síntese, este livro apresenta um conjunto diversificado de olhares como
fonte de problematização e de instrumentos de análise e de avaliação, propor-
cionando ao leitor a possibilidade de aprofundar e atualizar os seus saberes no
âmbito de Pesquisas, Vivências e Práticas de Educação em Saúde na Escola.

Graça Simões de Carvalho1


Professora da Universidade do Minho, Portugal

1 Professora Catedrática do Instituto de Educação da Universidade do Minho – Braga, Portugal. É Licenciada em


Biologia (Universidade de Coimbra), Mestre em Imunologia (Universidade de Cambridge, UK) e Mestre em
Educação e Promoção da Saúde (King’s College London, UK). Doutoramento em Biologia (Universidade de
Aveiro) e o título de Agregado na área de Educação para a Saúde (Universidade do Minho). Tem desenvolvido
investigação e promovido formação pós-graduada em Educação e Promoção da saúde, com particular enfoque
em meio escolar. Foi coordenadora do projeto Europeu sobre “Educação em Biologia, Saúde e Ambiente para
uma melhor Cidadania”.
SEÇÃO DE ABERTURA
PESQUISAS, VIVÊNCIAS E PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM
SAÚDE NA ESCOLA
À GUISA DE APERITIVO

Com tripla alegria, satisfação e esperança, recebi o convite para escrever algumas
linhas como abertura da importante obra “Pesquisas, Vivências e Práticas de Educa-
ção em Saúde na Escola”, organizada pelos professores Ronaldo Adriano Ribeiro da
Silva e Tiago Venturi e publicada pela Editora da Universidade Federal da Fronteira
Sul (Editora UFFS) em tempos mais que pertinentes para se discutir saúde e educa-
ção. Em primeiro lugar, alegria pelos organizadores, que vi se formarem e agora já
estão aí: lecionando, pesquisando e organizando obras que fomentam importantes
e necessários debates no campo da Educação em Saúde. Depois, satisfação, porque
muitas das autoras e dos autores das próximas páginas são pessoas companheiras de
jornada de há muito ou de há pouco, de aqui ou de acolá, em diferentes ambientes
acadêmicos e que sempre acrescentam, cada um no seu tema específico, importan-
tes contribuições ao tema da Educação em Saúde. Por fim, muita esperança em ver,
através dos capítulos, o quanto avançamos no pensar e no refletir sobre a natureza e
sobre a prática da Educação em Saúde nos últimos trinta anos, o que permite espe-
rançar sobre o panorama que se descortina a partir destes avanços e das novas ideias
dos pesquisadores e professores que se lançam nesta desafiadora, mas fascinante área
da produção intelectual, do ensino e da prática, seja na escola, seja em outros am-
bientes nos quais a educação, o ensino e a aprendizagem têm lugares de destaque.
Muito feliz e pertinente as imagens que marcam as seções temáticas, resumem
e representam os capítulos que a obra apresenta. Textos de reflexão teórica, de análise
de práticas, de propostas pedagógicas. Todos eles encerram importantes elementos
para a reflexão de pesquisadores, professores em atuação ou em formação inicial
que queiram conhecer e ter elementos para refletir sobre o que é e para que serve
desenvolver Educação em Saúde.
Para apresentar pequena amostra da riqueza a que me refiro, fiz breve exercício
de identificar algumas das temáticas abordadas nos capítulos: constituição e nature-
za do campo da Educação em Saúde como estudos e como prática; sua relação com
modelos de saúde, promoção de saúde, escolas promotoras de saúde e Programa
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
15

Saúde na Escola; tema da saúde e da promoção da saúde em documentos curricula-


res brasileiros e portugueses; relação da Educação em Saúde com outros conteúdos
disciplinares na escola; formação de professores; filmes comerciais como forma de
abordar assuntos de saúde e doença na escola; papel da escola e dos professores no
desenvolvimento da Educação em Saúde; concepções de estudantes sobre a saúde
através de textos multimodais que incorporam tecnologias digitais de informação
e comunicação; planejamento cooperativo para desenvolvimento de atividades de
Educação em Saúde na Escola; saúde, cultura, extensão, transdisciplinaridade e in-
tersetorialidade na interação universidade e favela; práticas de Educação em Saúde
narradas em dissertações de mestrado de um curso dedicado ao Ensino em Saúde;
práticas integrativas com jovens em situação de vulnerabilidade e sua relação com
a Educação em Saúde; temas de saúde desenvolvidos no formato de aprendizagem
baseada em problemas; relato de distintas ações escolares sobre diversos temas
de saúde e de doença realizados por professores da Educação Básica, professores
e estudantes da educação superior; doenças negligenciadas abordadas através da
CienciArte; análise da promoção da saúde em livros didáticos de Ciências; forma-
ção de professores para autocuidado e educação terapêutica; materiais didáticos
tridimensionais para abordagem do tema das verminoses junto a estudantes com
deficiência visual. A lista foi longa, mas com certeza há ainda muitos outros temas e
uma infinidade de enfoques e ideias que cada pessoa leitora, por certo, identificará.
São também múltiplos os gêneros dos textos: ensaios, investigações em cam-
po, pesquisas bibliográficas, relatos de experiências. Os textos tratam da Educação
em Saúde e seus múltiplos aspectos em diferentes níveis: escola básica, educação
superior, pós-graduação, espaços não formais. O urbano e o rural estão presentes.
As vozes são de professores da Educação Básica, estudantes, profissionais da área
da saúde, professores universitários, pesquisadores.
Como se vê, o “menu” é rico, gostoso, variado e farto! Desejo boa degustação e
que as ideias e práticas presentes nestas páginas possam nutrir e ampliar o horizonte
de princípios, fundamentos e práticas da Educação em Saúde entre nós.

Florianópolis, dezembro de 2021.


Adriana Mohr1

1 Doutora em Educação. Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Departamento de
Metodologia de Ensino. Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica. Líder do Grupo de
Pesquisa ‘Casulo: pesquisa e educação em Ciências e em Biologia’.
SEÇÃO I – REFLEXÕES E INVESTIGAÇÕES
1 EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA: UM
CAMPO DE ESTUDOS E PRÁTICAS NO BRASIL

Tiago Venturi1

1 INTRODUÇÃO

A educação escolar ocorre por meio dos processos de ensino e aprendiza-


gem, de forma organizada, planejada e sistemática, com objetivos intencionais,
em um local e em um tempo específico para suas atividades (LIBÂNEO, 1992).
Assim, a educação escolar institucionaliza-se em um sistema de ensino-apren-
dizagem que ocorre na escola, cujos objetivos são aqueles vinculados à constru-
ção de conhecimentos científicos e à formação de cidadãos capazes de pensar,
refletir e participar de debates e desafios postos pela sociedade (LIBÂNEO, 1992;
FOUREZ et al., 1997; LORENZETTI e DELIZOICOV, 2001; MOHR, 2002) e
promover um mundo mais sustentável, democrático, preocupado com a igual-
dade e com a justiça social.
Fourez et al. (1997) e Lorenzetti e Delizoicov (2001) afirmam que o En-
sino de Ciências (EC) é um importante aliado a esses objetivos escolares, pois
tem como propósito a Alfabetização Científica (AC), “processo pelo qual a lin-
guagem das Ciências Naturais adquire significados, constituindo-se um meio
para o indivíduo ampliar seu universo de conhecimento, a sua cultura, como
cidadão inserido na sociedade” (LORENZETTI e DELIZOICOV, 2001, p. 52).

1 Docente do Departamento de Educação, Ensino e Ciências da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor e
Mestre em Educação Científica e Tecnológica pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecno-
lógica (PPGECT), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
18

Nessa perspectiva, o papel do EC é oportunizar aos alunos compreensões de


que a ciência é possuidora de ferramentas intelectuais, capazes de permitir no-
vas formas de ver, compreender e agir no mundo de forma autônoma e crítica
(FOUREZ et al., 1997).
No contexto da educação escolar e do EC, destaco a Educação em Saúde
(ES) como um campo de estudos e práticas multifacetadas “para onde con-
vergem diversas concepções, das áreas tanto da educação, quanto da saúde, as
quais espelham diferentes compreensões do mundo, demarcadas por distin-
tas posições políticas e filosóficas sobre o homem e a sociedade” (SCHALL e
STRUCHINER, 1999, p. 4). Quando desenvolvidas na escola, principalmente
no EC, considero que as atividades de ES deveriam estar estritamente subor-
dinadas e coerentes com os objetivos e as metodologias próprias da instituição
escolar. Dessa forma, deve ser compreendida e conceituada como um conjunto
de atividades intrinsecamente pertencentes ao currículo escolar, desenvolvidas
de forma planejada e com uma intenção pedagógica. Ou seja, com objetivos
vinculados ao ensino e à aprendizagem de algum assunto, tema ou conteúdo
relacionado à saúde individual e coletiva (MOHR, 2002). Além disso, e coe-
rente com os objetivos contemporâneos do EC, a ênfase da ES “deveria ser no
desenvolvimento da capacidade de análise, crítica e percepção das múltiplas
relações sobre a natureza dos fenômenos e questões estudadas com a socieda-
de” (VENTURI e MOHR, 2015, p. 2).
No entanto, inúmeros estudos (MOHR, 2002; VENTURI, 2013; PEDROSO,
2015; HANSEN, 2016; VENTURI, 2018) têm demonstrado que, apesar da estreita
relação existente com o EC e sua importância no espaço educacional, perspecti-
vas pedagógicas para a ES na escola não possuem o devido destaque e desenvol-
vimento. De acordo com Mohr (2002) e Venturi (2013; 2018), a ES realizada na
escola, via de regra, adota os mesmos pressupostos e objetivos das campanhas de
saúde pública (convencimento, mudança de comportamento e ações imediatas),
tornando-se alvo de duras críticas acarretadas por sua ineficiência e desconexão
com os objetivos destacados anteriormente.
Tendo em vista sua origem no encontro de duas grandes áreas, a educação
e a saúde, a ES apresenta objetivos, conteúdos e metodologias distintas. A grande
diversidade de compreensões, os conceitos, os objetivos e as práticas chegam ao
contexto escolar e ao campo de pesquisa com problemas e dificuldades resultan-
tes “deste amálgama que muitas vezes não foi suficientemente compreendido por
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
19

seus atores” (VENTURI e MOHR, 2011, p. 2). A própria designação deste cam-
po é polissêmica: educação em saúde; educação para a saúde; educação e saúde;
educação sanitária. No intuito de refletir sobre perspectivas e designações da ES,
as quais, muitas vezes, são consideradas equivocadamente como perspectivas da
Educação Científica, o presente capítulo objetiva discutir a constituição da Edu-
cação em Saúde na Escola como um campo de estudos e práticas.

2 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA BREVE HISTÓRIA

Silva et al. (2010) afirmam que a ES, atualmente realizada tanto no setor
de saúde quanto na escola básica, é resultante de estruturas sociais complexas e
de seu desenvolvimento ao longo do tempo. Para compreender seus problemas
e dificuldades e para buscar superar uma visão simplista e normativa, uma aná-
lise dos modelos de ES adotados nos diferentes momentos históricos do Brasil
pode trazer inúmeras contribuições. Essa análise não significa uma sequência
evolutiva do campo, mas uma descrição da prática dominante em certos pe-
ríodos, pois será possível perceber que diferentes formas de desenvolver a ES
sempre estiveram presentes concomitantemente (VENTURI, 2013). A seguir,
apresento os caminhos da ES ao longo da história e suas consequências para
o momento presente.

2.1 Medidas de saúde à Educação em Saúde:


as distintas designações para um mesmo objetivo
Os primeiros indícios de preocupação com a saúde da população no Brasil
surgiram na era colonialista. Os padres jesuítas julgaram que bons hábitos de hi-
giene, juntamente com práticas religiosas, poderiam reduzir a disseminação de
moléstias entre a população (JUCÁ, 2008). Os jesuítas podem ser considerados
os precursores da institucionalização de práticas de saúde no Brasil e suas ações
perduraram por cerca de duzentos anos. De acordo com Antunes et al. (1999, p.
167), as atividades, sob responsabilidade das congregações religiosas, eram “vol-
tadas para o alívio da alma do doente e alguns cuidados como os de higiene, de
feridas; o preparo de chás, de alimentos; lavagem de roupas e do ambiente”. Não
havia na época uma designação para tais atividades, no entanto, tais práticas não
se aproximavam do que hoje se denomina ES. Antunes et al. (1999) e Jucá (2008)
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
20

assinalam que, até o final do século XIX, as medidas de saúde tinham objetivos
de fornecer informações para evitar mortes em massa e recuperar os doentes.
Grandes mudanças na esfera educacional e nas medidas de saúde ocorreram
apenas a partir de 1808, após a instalação da Família Real no Brasil. Surgiram
ações decorrentes da necessidade de educar física, intelectual e moralmente a
população para participar da nobreza (JUCÁ, 2008). Nesse período, as medidas
de saúde, assim como a educação formal, eram destinadas à elite, que buscava a
europeização dos hábitos e costumes (SILVA et al., 2010). Schall (2005) afirma
que, naquele período, a educação formal foi orientada pela medicina social, cujos
preceitos, que antes ignoravam as crianças, passaram a torná-las prisioneiras de
exigências sanitaristas e higiênicas. “A educação era, então, sinônimo de disci-
plina e domesticação” (SCHALL, 2005, p. 43).
De acordo com Wendhausen e Saupe (2003), atividades destinadas às clas-
ses populares, visando abordar e sanar problemas de saúde, de forma planejada
e ampliada, iniciaram-se no Brasil na metade do século XIX e início do século
XX, as quais passaram a ser designadas de “educação higiênica”. De acordo com
as autoras, a educação higiênica nasceu devido à necessidade de saneamento
dos portos e combate às epidemias que assolavam o país, como a febre amare-
la, varíola e a peste. Baseava-se em ordens prescritivas, medidas consideradas
científicas pelos técnicos e a política se definia pelo uso da força policial para
tratar de questões relativas à saúde (WENDHAUSEN e SAUPE, 2003). Devido
às medidas autoritárias e da força repressiva utilizada para impô-las, foi criada
a polícia sanitária, ou polícia médica, também conhecida por brigada sanitária.
Essa proposta coloca ao Estado a atribuição de “assegurar bem-estar e seguran-
ça ao povo, mesmo contrariando interesses individuais, justificando-se assim o
controle coercivo dos problemas sanitários como mecanismos de assegurar a
defesa dos interesses gerais da nação” (SILVA et al., 2010, p. 2540). A causa das
doenças era considerada decorrente da falta de informação e ignorância da clas-
se popular. Por esse motivo, poucos eram os momentos em que as autoridades
realizavam atividades de orientação e convencimento, assim, medidas coercitivas
eram a regra e consideradas mais eficazes (SCHALL, 2005 e SILVA et al., 2010).
Este modelo de medidas,

[...] para promover a saúde pública, não pode, em momento algum, sinonimizar-
-se ao que hoje chamamos ES. Apesar de coerentes, ou aparentemente coeren-
tes com a educação da época, tais ações não faziam referência aos processos de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
21

ensino-aprendizagem que devem compor a educação escolar, tal como entende-


mos contemporaneamente, eram caracterizadas apenas como ações educativas,
ou ações que eram consideradas educativas na época (VENTURI, 2013, p. 30).

No início do século XX, Oswaldo Cruz passou a tratar as ações de saúde


com um caráter político, objetivando o convencimento da população, no en-
tanto, ainda com auxílio da força policial, de forma pontual através de campa-
nhas em áreas de epidemia (JUCÁ, 2008; SILVA et al., 2010). Em 1923, Carlos
Chagas, em meio à crise sanitária, provocada pela gripe espanhola, realizou a
primeira reforma sanitária brasileira. As ações educativas passaram a ser de-
signadas como “educação sanitária” e deixaram de ser tratadas pela polícia sa-
nitária, passando a ser atividades de educadores sanitários. Esses profissionais
eram treinados para persuadir e conscientizar os indivíduos, focando espe-
cialmente na saúde da criança e dos trabalhadores, forma pela qual se busca-
va evitar epidemias e prejuízos econômicos no desenvolvimento industrial da
época (SILVA et al., 2010). De acordo com Rocha (2003), as ações desenvol-
vidas eram caracterizadas pela dogmatização científica e pelo autoritarismo.
Freitas e Martins (2008) relatam que concepções higienistas-eugenistas, que
visavam à higienização e à moralização das pessoas e das cidades, adentraram
as escolas caracterizando o período da inspeção escolar. Santos (2011) afirma
que projetos educativos, como os de Belisário Penna, objetivavam modificar
as condições que tornavam o Brasil um país de pobres, doentes e analfabetos,
tornando-se um dos projetos eugenistas de destaque na época. Tal período es-
tendeu-se até meados da década de 1940.
Neste período, as escolas foram responsabilizadas pela educação sanitária,
e os educadores sanitários e professores deveriam atuar no repasse e conscienti-
zação dos princípios de higiene aos alunos, bem como na correção da ignorância
familiar (ROCHA, 2003). De acordo com Rocha (2003, p. 40), a escola deveria
eliminar atitudes viciosas, criar hábitos higiênicos e saudáveis, “[...] modelar
a natureza infantil pela aquisição de hábitos que resguardassem a infância da
debilidade e das moléstias”. Portanto, conforme Silva et al. (2010, p. 2542), “[...]
as escolas seriam, além de espaço de ensino e controle social, espaços terapêu-
ticos, recaindo sobre o professor a tarefa de transformar o mundo”. Segundo
os autores, os professores do ensino primário (atuais séries iniciais do Ensino
Fundamental) eram capacitados para a veiculação de mensagens de higiene e
processos que envolvem saúde-doença.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
22

Para a época, talvez fosse aceitável que a escola tivesse o objetivo de mol-
dar as pessoas, no entanto, é na permanência destas características no momento
histórico atual que reside alguns problemas que a ES enfrenta hoje. Ou seja, ao
adotar características informativas, normativas, vinculadas à mudança de com-
portamento, a ES realizada nos dias atuais torna-se anacrônica e deturpa as fun-
ções do professor, do EC e da escola.
Na década de 1940, no período de guerra, o governo brasileiro firmou um
convênio com o governo americano e criou o Serviço Especial de Saúde Públi-
ca (SESP), o que significou para o Brasil a vinda de novas técnicas preventivas
e também trouxe novas técnicas educacionais. A educação sanitária passou,
de forma sutil, a levar em conta os fatores sociais, econômicos e culturais. No
entanto, a escola continuava buscando técnicas de regulação e normatização,
cujo objetivo era atingir inconscientemente as crianças (ROCHA, 2003).
A partir dos anos 1950, as ações educativas em saúde passam a ser denomi-
nadas Educação para a Saúde, pautando-se, de acordo com Silva et al. (2010, p.
2544), “por uma ideologia modernizadora que tinha por meta remover os obstácu-
los culturais e psicossociais às inovações tecnológicas de controle de doenças [...].”
No entanto, o que continuava sendo praticado era o antigo formato da educação
higiênica, que visava ao indivíduo e era considerada como fundamental para a
redução de doenças. Segundo Antunes (1999) e Freitas e Martins (2008), esta ES
persistiu em um modelo biomédico, com uma visão reducionista e centrada nos
aspectos anatômicos e fisiológicos do processo saúde-doença, uma vez que “a saúde
é vista como uma questão relativa ao organismo, seus aspectos psicológicos, so-
ciais e ambientais não são levados em conta” (FREITAS; MARTINS, 2008, p. 13).
A partir de 1964, nos regimes militares, as atividades educativas em saúde
passaram a ser articuladas entre equipes compostas por diversos profissionais
de saúde e por educadores (SILVA et al., 2010). A partir deste período, essas ati-
vidades passam a ser denominadas Educação em Saúde. Contudo, continuaram
focadas na mudança de comportamento, em medidas prescritivas e preventivas
(MELO, 1984; SILVA et al., 2010). Assim, é possível afirmar que, ao longo des-
ses momentos históricos, surgiram inúmeras designações para as atividades de
educação e promoção da saúde. No entanto, as ações, sejam elas consideradas
educativas ou coercitivas, possuíam os mesmos fundamentos normativos e os
mesmos objetivos comportamentalistas e imediatistas, que desconsideravam a
complexidade social e o contexto em que as pessoas estavam inseridas. Somente
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
23

a partir dos anos 1960, é que a perspectiva das atividades de saúde passara a le-
var em conta outros aspectos, conforme veremos a seguir.

2.2 Pioneirismo e formalização da Educação em Saúde no


contexto escolar: evoluções, críticas e retrocessos
A partir de 1960, surge no cenário nacional Hortênsia Hurpia de Hollan-
da, que imprimiu um enfoque ambientalista e integrador à ES e abriu espaço
para a participação da comunidade (SCHALL, 1999). Hollanda foi pioneira no
desenvolvimento de reflexões sobre os processos metodológicos do ensino de
saúde, ressaltando a necessidade de uma ES mais significativa e contextuali-
zada (DINIZ et al., 2009). Para tanto, ela partiu do princípio de que a ES deve
“estruturar um mínimo de conhecimentos e atitudes capazes de levar o indi-
víduo à compreensão dos problemas de saúde, estimulando sua autonomia e
responsabilidade, associadas a uma ação coletiva” (DINIZ et al., 2009, p. 122).
De acordo com Schall (1999), Hollanda trouxe para a ES uma abordagem
humanista e humanitária, considerando a ES como um momento para oportu-
nizar conversas, nos quais ouvir as pessoas é muito mais importante do que falar,
sendo este um grande diferencial em seu trabalho. Para a autora, em uma época
em que se consideravam os profissionais da saúde como detentores do saber a
ser transmitido, um trabalho de ES que partia daquilo que as pessoas já sabiam
era considerado inovador e desafiador. É importante destacar que, antes mesmo
dos inúmeros trabalhos sobre a importância das concepções alternativas para
o ensino-aprendizagem das ciências, Hollanda já ressaltava a importância dos
conhecimentos prévios, culturais e familiares das pessoas. Para ela, a cultura po-
deria constituir-se uma barreira à aprendizagem, pois

Cada indivíduo tem potencialmente muitos caminhos para se desenvolver, mas


a cultura é uma grande limitadora, no sentido de que todas as necessidades
individuais, mesmo as mais básicas fisiológicas – como de alimentação e de
reprodução –, são, no entanto reguladas pela cultura em que a pessoa nasce.
(HOLLANDA apud DINIZ et al., 2009, p. 550).

O ambiente também teve destaque em seu trabalho, considerando relações


existentes em nível biológico, meio social, econômico, condições de habitação,
bem como relações estabelecidas entre a comunidade e os profissionais da saú-
de. Para Hollanda, as relações entre a comunidade e os profissionais da saúde
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
24

não deveriam pautar-se somente em repasse de informações, pois as pessoas não


mudariam de comportamento somente pela informação. Isso era considerado
“absolutamente sem sentido, não tinha nada com a realidade” (apud SCHALL,
1999, p. 153). Hollanda considerava que:

É preciso desenvolver um processo de compreensão da importância das mu-


danças culturais e ambientais, visando preservar determinado nível de saúde
ou alterá-lo. Só compactuam e participam das mudanças as comunidades que
se sentem efetivamente sensibilizadas. Deve haver, portanto, adesão decorren-
te de reflexão, entendimento, aceitação e incorporação; jamais uma imposição
via decretos ou ordens do mundo da ciência e do poder político (apud DINIZ
et al., 2009. p. 540).

No que diz respeito à instituição escolar, a visão de Hollanda incluía a in-


teração entre escolas, comunidade e serviços de saúde. Ela considerava esse en-
trosamento fundamental para conhecer a comunidade e as situações geradoras
de doenças. Assim, considerava possível desenvolver na escola um trabalho de
ES, que reconhecesse as raízes dos problemas da comunidade e que pudesse au-
xiliar nas mudanças necessárias. Diniz et al. (2009) argumentam que Hollanda
representa seguramente uma das contribuições mais efetivas para a saúde pública,
especialmente para a ES da década de 1970. Seu pioneirismo é fato, pois Hor-
tênsia Hurpia de Hollanda passou a dar voz à população e a preocupar-se com
questões socioambientais, antes negligenciadas. Neste modelo de ES, a popula-
ção e os profissionais compartilham saberes e buscam a melhoria da qualidade
de vida (WENDHAUSEN; SAUPE, 2003).
Na legislação escolar, o período ficou marcado pela instituição dos Progra-
mas de Saúde na escola, que foram estabelecidos pela Lei 5.692 de 1971 – Lei
das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O objetivo foi que a inclusão dessa
atividade escolar promovesse o desenvolvimento de comportamentos adequados
para que os indivíduos alcançassem e mantivessem a saúde. A partir dos Pro-
gramas de Saúde escolares os alunos deveriam ter acesso às noções de higiene,
preservação da saúde e puericultura (LEMÔNACO, 2004). No trabalho de Mar-
condes (1972, p. 91), que caracterizou as atividades de Educação para a Saúde,
verifica-se seu significado na época:

Educação para a saúde na escola significa a formação de atitudes e valores que


levam o escolar ao comportamento inteligente, revertendo em benefício de sua
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
25

saúde e da saúde dos outros. Não se limita a dar conhecimentos; preocupa-se


em motivar a criança a aprender, analisar, avaliar as fontes de informações, em
torná-la capaz de escolher inteligentemente seu comportamento com base no
conhecimento.

Em 1974, o Conselho Federal de Educação aprovou o Parecer 2.264, que


orientava e estabelecia as diretrizes para estruturação e implementação dos Pro-
gramas de Saúde na escola. Até então, ações de ES realizadas tinham por meta
inspecionar e normatizar condutas higiênicas. A partir da aprovação do parecer,
as atividades se convertem em atividades com objetivos de formação de hábitos
e atitudes, sendo considerada uma atividade pedagógica e constante no contexto
escolar. A escola passou a ter a responsabilidade de oferecer formalmente opor-
tunidades que possibilitassem o desenvolvimento do aluno e de sua saúde. Em-
bora o parecer não previsse tal configuração, para cumprir as exigências legais,
as escolas, de um modo geral, atrelaram os Programas de Saúde à disciplina de
Ciências (BAGNATO, 1990; LEMÔNACO, 2004). Houve ainda a modalidade
Prática de Saúde (ou Projeto de Saúde Escolar) desenvolvida por técnicos de
saúde (LEMÔNACO, 2004).
No decorrer das décadas seguintes, a ES foi desenvolvendo novas estratégias,
propostas e ações. No entanto, Schall (2005, p. 42) observou que, no início da dé-
cada de 1980, a ES escolar ainda “caracterizava-se, principalmente, por imposição
de hábitos e transmissão de conhecimentos, focalizados, sobretudo nas relações
de causa e efeitos biológicos, numa visão positivista da saúde e das relações am-
bientais, desconsiderando os aspectos sócio-histórico-culturais”. Dessa forma,
a autora ressaltou a ênfase na educação baseada na transmissão de conteúdos e
informativa que caracterizava o EC na época e que, muitas vezes, se estende até
os dias de hoje quando se trata de ES. As características destes períodos podem
ser verificadas atualmente, pois as mudanças ocorridas nas formas de tratar as
atividades de ES não se caracterizavam como um encerramento de período ou
ciclo, mas, sim, como uma sobreposição de períodos, na qual as atividades edu-
cativas em saúde incorporavam as características dos períodos anteriores.
No contexto educacional, em 1996, foi promulgada a nova Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Quanto à ES, a LDBEN não
prevê nenhuma ação educativa específica ou de forma explicita. No entanto,
prevê ações assistencialistas, pois, ao normatizar o Direito à Educação e do
Dever de Educação no Artigo 4º, Inciso VIII, determina o “atendimento ao
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
26

educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplemen-


tares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”
(BRASIL, 1996). As ações assistencialistas são aquelas destinadas à solução de
problemas de saúde pontuais dos estudantes, como combate a parasitas, pre-
venção de cáries e exames oftalmológicos, e não estão integrados às atividades
curriculares da escola.
Dessa forma, acompanhando as modificações anteriormente sumariza-
das e dando a elas consequências legais, surge, a partir da metade década de
1990, nova mudança nas atividades de ES na escola. Em 1997 e 1998, surgem
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que instituem os temas trans-
versais como sendo a forma de praticar no currículo escolar temas de impor-
tância social e que contribuem para a formação cidadã mencionada. Os PCN
têm como temas transversais Saúde, Sexualidade, Vida Familiar e Social, Meio
Ambiente, Trabalho, Ciência e a Tecnologia, e Cultura e as Linguagens, que
deveriam se articular com os conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento
(BRASIL, 1998).
Os PCN de Ciências Naturais e de Saúde analisados por Jucá (2008) e
Venturi e Mohr (2013), contudo, se assemelham com os antigos Programas de
Saúde desenvolvidos na escola. De acordo com os autores, a tentativa de dis-
sociar a ES dos aspectos sanitários e da higiene do corpo, propondo uma nova
abordagem que fosse discutida por diversas áreas do conhecimento, não foi
totalmente efetivada, mesmo com a ES aparecendo como um dos seis temas
transversais.
Em 2017, a legislação nacional foi alterada com a promulgação da reso-
lução CNE/CP nº 2 de 22/12/2017 que instituiu e orientou a implantação da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no âmbito da Educação Básica.
Essa resolução revogou os PCN, e a BNCC encontra-se em fase de implanta-
ção. Estudos e análises da ES na BNCC estão sendo elaborados por este pes-
quisador. No entanto, é possível adiantar o lamentável retrocesso do documen-
to aos objetivos comportamentalistas e a conteúdos vinculados a ausência de
doenças, a negligência sobre a transversalidade do tema e a quase nulidade de
orientações aos professores acerca da ES. Apesar das críticas aos PCN, eles in-
dicavam a tratativa do tema de forma transversal e aprofundada, perspectiva
que, a partir de uma análise prévia, parece ter sido deixada de lado pela nova
orientação curricular.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
27

Neste período, em que se destacou Hortênsia Hurpia de Hollanda e que


ficou marcado pela formalização da ES no currículo escolar, bem como sua vin-
culação com o EC, iniciaram-se estudos sobre os aspectos teóricos e práticos da
ES, conforme discutirei a seguir.

3 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UM CAMPO DE


ESTUDOS DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

A partir da década de 1990, foram inúmeros os avanços no contexto edu-


cacional, especialmente no EC, decorrentes da promulgação da LDBEN, da
implantação das diretrizes curriculares nacionais, dos PCN, dos estudos e das
pesquisas em Educação Científica e em Didática das Ciências, dentre outros fa-
tores sociais e políticos.
Quando se trata da ES realizada na escola, vimos anteriormente que ela
apresentou diferentes características e designações, sofreu influências dos tra-
balhos de Hortênsia de Hollanda, foi vinculada ao Ensino de Ciências/Biologia
e tornou-se um componente curricular transversal da Educação Básica. No en-
tanto, não foram observados vigorosos avanços na ES, tais como aqueles obser-
vados no EC ou em outras áreas do ensino escolar, tampouco a transversalidade
foi colocada em prática (MOHR, 2002). O que se observa é uma ES tributária
de momentos históricos passados, enraizada em objetivos semelhantes àqueles
da educação higiênica, educação sanitária e da ES normativa e autoritária de-
senvolvida no passado (MOHR, 2002; SILVA et al., 2010; VENTURI, 2013). A
ES permanece, até hoje, associada à veiculação de informações sobre aspectos
fisiológicos e anatômicos dos processos saúde-doença, com o objetivo de incul-
car hábitos higiênicos e preventivos e mudar comportamentos em prol de uma
pretensa saúde ou qualidade de vida (MOHR, 2002; VENTURI, 2013).
A carência de resultados práticos no âmbito da ES, tanto na esfera comunitária
e social quanto no EC, fez com que inúmeros questionamentos e críticas a ES sur-
gissem. A academia científica, especialmente pesquisadores da área do EC, passou
a refletir sobre a ES, buscando diagnosticar seus problemas, obstáculos e a pensar
e propor soluções para a prática da ES realizada na escola. A partir da década de
1990 a ES, além de um campo de práticas na escola, vem se consolidando como um
campo de estudos e pesquisas conforme apontam diversos autores (VENTURI e
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
28

MOHR, 2011; SILVA e TEIXEIRA, 2015; SOUZA et al., 2015; MARINHO e SILVA,
2017; OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2017; VENTURI e MOHR, 2019).
Em meio às discussões no campo da ES no EC, estudos como das pesquisa-
doras Virgínia Torres Schall e Adriana Mohr destacaram-se no contexto nacional.
Suas perspectivas inovadoras contribuíram significativamente para a constituição
deste campo de estudos e são discutidas a seguir.

3.1 Educação em Saúde: reflexões inovadoras e a


constituição de um campo de investigações
Enquanto são raros os estudos que discutem a formação docente para a ES
atualmente (VENTURI, 2018), Adriana Mohr e Virgínia Schall, já na década de
1990, iniciaram seus estudos no campo da ES apontando deficiências formativas
para o seu desenvolvimento na escola:

Quando a formação teórica do docente, no seu campo de especialidade (ciências


biológicas, por exemplo), é de suficiente qualidade, faltam-lhe conhecimentos
teóricos e/ou práticos sobre procedimentos didáticos ou, ainda que estes sejam
de seu domínio, dificuldades se colocam, impedindo-o de desenvolvê-los na
realidade de sua classe (MOHR e SCHALL, 1992, p. 200).

Estas lacunas perduram atualmente, sendo verificadas também nos estudos


de Mohr (2002), Venturi (2013), Pedroso (2015) e Hansen (2016). A maior difi-
culdade está centrada na elaboração de atividades a partir da análise da realidade
dos alunos, da comunidade em que vivem e das condições ambientais.
Schall (1996) diagnosticou a necessidade de estratégias educativas para a ES
que considerem primordialmente os aspectos cognitivos dos alunos, articulando
fantasia e imaginação com a situação cotidiana. A autora considera fundamental
integrar os aspectos afetivos nos processos de ensino e aprendizagem. Para tanto,
é fundamental um professor preparado e atento para o relacionamento em sala
de aula. A autora ainda afirma que:

Não basta saber sobre os fenômenos que causam uma doença ou desequilíbrio
ecológico; é preciso superar a tendência de memorizar nomes científicos e ciclos
de transmissão de endemias; de incutir passivamente regras e hábitos de higiene
ou de como cuidar de hortas e jardins, universo restrito da saúde e ambiente em
grande parte das escolas. É preciso que tais noções e práticas sejam construídas
partindo de motivações internas que as justifiquem e apreciem, compreendendo o
contexto em que se encontram, não se restringindo a elas (SCHALL, 2005, p. 53).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
29

Os estudos de Schall (1996; 2005) são fundamentados por Vigotski, pelo


desenvolvimento sociocultural e cognitivo e por Piaget, ao considerar as rela-
ções afetivas e cognitivas para a construção de conceitos e valores relativos à
saúde na escola. Para a autora, é necessário gerar um diálogo entre cotidiano e
prática, proporcionando uma reflexão sobre a saúde e sobre a vida dos alunos,
em um contexto que proporcione a troca de experiências com os colegas e com
o professor (SCHALL, 2005). Sua proposta avança no sentido de que a ES deve
evidenciar as situações de escolha, reflexão e decisão.
À escola e ao EC cabe o desenvolvimento de uma leitura crítica da realidade,
em um processo desafiador, em que o professor passe a considerar a importância
das experiências culturais e de vida de seus alunos, de acordo com Schall (2005).
A autora (2005) traz avanços para o campo da ES ao objetivar a construção de
conhecimentos que gerem uma atitude reflexiva e que esta seja a base para suas
atitudes e comportamentos a posteriori. É possível afirmar que o conhecimento
é o alvo dos processos de ensino e aprendizagem.
Em cerca de duas décadas, Virgínia Torres Schall2 contribuiu significativa-
mente com o campo de pesquisa, integrando a ES, o EC e a divulgação científi-
ca em inúmeras abordagens interdisciplinares e multidisciplinares (PIMENTA,
SCTRUCHINER e MONTEIRO, 2017; MONTEIRO e PIMENTA, 2018). Sua
principal contribuição está nas reflexões teórico-práticas da ES, que visou inte-
grar os vários saberes – científico, popular e do senso comum – possibilitando o
desenvolvimento de uma visão crítica e a participação responsável e autônoma
sobre as questões de saúde individual e coletiva (PIMENTA, SCTRUCHINER e
MONTEIRO, 2017).
Adriana Mohr (2002), de forma ainda mais ousada propôs uma perspectiva
pedagógica para a ES, defendendo que, quando desenvolvida na escola, ela pre-
cisa ser uma atividade capaz de ajudar os sujeitos a poder – e saber escolher –,
de maneira responsável, livre e esclarecida, suas atitudes e seus comportamentos.
Antes de tudo, a função da ES é levar o indivíduo a uma reflexão, para posterior
ação, se assim julgar necessário. Para Mohr (2002), a ES precisa levar em conta
que o comportamento do indivíduo, relativo à sua saúde, depende de inúmeros

2 Fica aqui registrada uma saudosa homenagem à admirável pesquisadora Virgínia Torres Schall, cujos estudos
inspiraram minha trajetória acadêmica e que, na ocasião de minha defesa de mestrado, em 2013, foi grande in-
centivadora e motivadora da continuidade dos estudos em nível de doutorado. O seu legado permitirá que conti-
nuemos, no presente e no futuro, pensando e refletindo a Educação em Saúde com ela: “Virgínia Schall presente!”
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
30

componentes e condicionantes e que o aspecto cognitivo, ou seja, aquele resultan-


te do ensino-aprendizagem escolar, nem sempre é o determinante de suas ações.
Dessa forma, a escola não pode limitar-se a imitar as campanhas emergen-
ciais que pregam a ação por convencimento, sem que haja reflexão, pois esses
objetivos não combinam com os objetivos da escola (MOHR, 2002) e com os
objetivos do EC, defendidos no início deste texto. Para Mohr (2002), a ES na
escola deve ser estruturada de forma que os objetivos sejam os de possibilitar
ao aluno adquirir conhecimentos e princípios, assim como construir conhe-
cimentos de forma que lhe permitam refletir e decidir com autonomia sobre
suas ações. Mohr (1999, p. 1) afirma que “o objetivo maior é que o indivíduo
possa dispor de conhecimentos significativos e operantes e que estes estejam
disponíveis para integrar o rol dos distintos conhecimentos com os quais se
analisam uma situação e se tomam decisões”. Tais objetivos estão sintonizados
com os objetivos do EC e da alfabetização científica. Fourez et al. (1997) pro-
põem que a Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT) seja desenvolvida a
partir de três marcos interligados entre si: autonomia, comunicação e habili-
dade. Mohr e Venturi (2013, p. 2350) aproximaram essas compreensões da ES
com a ACT, defendendo que:

[...] a autonomia frente ao conhecimento permite ao indivíduo liberar-se de


receitas prontas, regras, ordens e das prescrições ditadas por outrem sobre o
que é adequado ou saudável para manter ou recuperar a saúde. A perspectiva
da comunicação na ACT permite negociação com o conhecimento e a cons-
trução de modelos de ação. Aqui, teoria e conceitos são vistos como mediação
compartilhada na comunicação humana. Esta perspectiva é diametralmente
oposta àquela da receita ou da regra de pensamento e comportamento que
não oportunizam o diálogo. Por fim, a habilidade permite o saber fazer e o
poder fazer que, na prática, materializam-se em um poder de ação definido
por cada um e não por um pretenso especialista que sabe, a priori, o que é
bom, adequado e saudável para todos. Assim, alguém alfabetizado técnica e
cientificamente não receberá passivamente as normas prontas, mas terá ca-
pacidade de negociar com elas. Os conhecimentos científicos e técnicos são
parte do suporte para um debate ético e político sobre as ações do indivíduo
(grifo dos autores).

Ao associar a ES e ACT, Mohr traz avanços para a ES no contexto escolar,


tornando-se uma perspectiva que pode ser considerada arrojada, inovadora e
que defende a ES como componente da formação cidadã. A escola encara esse
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
31

componente como “[...] objetivo geral de desenvolvimento e capacitação huma-


na. Ela não deve ser considerada uma atividade-meio através da qual, em curto
prazo, se atingirão determinadas atitudes, hábitos e comportamentos” (MOHR,
2002, p. 242). Na realidade, ainda segundo a autora, a ES na escola deve corres-
ponder a um objetivo a ser atingido de forma indireta. A partir do olhar crítico
dos estudos de Schall (1996; 2005) e Mohr (2002), novas investigações vêm to-
mando força nos últimos tempos e propondo outras formas de compreender a
ES, tanto na prática escolar quanto na formação docente. São estudos cuja base
de sustentação está centrada na construção de conhecimentos, no diálogo e na
reflexão, aspectos defendidos por estas pesquisadoras e que estão compondo o
campo de investigação.
As reflexões suscitadas ao longo deste texto, juntamente com o mapeamento
da produção acadêmica acerca da ES – Venturi e Mohr, 2011; 2019; Silva e Tei-
xeira, 2015; Souza et al., 2015; Marinho e Silva, 2017; Oliveira e Oliveira, 2017
– me permite afirmar que, nos últimos anos, a ES tem se tornado um campo de
investigações da Educação em Ciências.
Venturi e Mohr (2019) afirmam que, na última década, surgiram estudos
com o objetivo de propor reflexões e soluções para problemas da ES e para su-
perar os paradigmas dominantes, como aqueles dos modelos, normativos, higiê-
nicos, sanitaristas e biomédicos. São investigações que repensam a ES integrada
aos objetivos do EC na escola básica e utilizam-se dos princípios da ACT, funda-
mentam-se na Didática das Ciências e propõem estratégias de ensino e aprendi-
zagem e de formação de professores para o desenvolvimento de uma perspectiva
pedagógica para a ES. A constituição deste campo de investigação na Educação
em Ciências é importante para que novas reflexões, teorias e proposições sejam
desenvolvidas e para que a ES na escola supere os problemas e as dificuldades
atualmente enfrentados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da constituição de um campo de pesquisa e dos resultados já demons-


trados em suas reflexões e investigações, uma perspectiva pedagógica para a ES
na escola básica ainda é uma realidade embrionária. Existem inúmeras lacunas
entre as perspectivas teóricas e a prática da ES na realidade escolar. São inúmeras
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
32

as questões que necessitam de debates e investigações para que novas propostas


possam ser materializadas na prática docente, na realidade da Educação Básica
e, talvez, como proposta de políticas públicas a favor da ES, do empoderamento
das pessoas e da formação para a cidadania.
Dentre as lacunas e questões que envolvem o tema, considero de extrema
importância refletir e investigar o desenvolvimento de uma perspectiva peda-
gógica para a ES na realidade escolar: como ela pode ser desenvolvida no con-
texto escolar? Quais são as necessidades da escola? A perspectiva pedagógica da
Educação em Saúde atende às demandas da escola? Que Educação em Saúde se
pretende no contexto escolar e como ela pode contribuir para a Promoção da
Saúde na escola e na sociedade? Quais os limites e possibilidades da implantação
de uma nova perspectiva para a Educação em Saúde, considerando o contexto
e o novo currículo escolar? Quais metodologias de ensino e aprendizagem são
necessárias e adequadas à proposta? Como integrar Educação em Saúde e a in-
terdisciplinaridade? Quais as necessidades da formação de professores?
Essas, dentre outras indagações, ficam diligenciadas ao campo de estudos e
práticas da ES no EC, na escola. São reflexões necessárias para que possamos avan-
çar na articulação teoria e prática na Educação em Saúde no Ensino de Ciências.

REFERÊNCIAS

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2 CARACTERÍSTICAS DOS COLETIVOS DE
PENSAMENTO EM PUBLICAÇÕES SOBRE
EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA

Maria Cristina Pansera de Araújo1


Tatiane Cristina Possel Greter Schwingel2
Ana Paula Dutra3

1 INTRODUÇÃO

A preocupação com o desenvolvimento de atividades de promoção da


saúde e prevenção de doenças nas escolas constitui tema de discussão há vários
anos, seja em disciplinas ou em campanhas. Collares e Moysés (1985) afirmam
que, desde o início do século XX, o tema saúde adentra as escolas, propondo
regras e ações, em decorrência de epidemias, condições sanitárias inadequa-
das, estilo de vida, entre outros aspectos. Ao mesmo tempo, existe uma rela-
ção entre os conhecimentos de promoção de saúde e autocuidado com aqueles
abordados nas áreas de Ciências da Natureza, Sociais e Humanas, Linguagens
e Matemática. A relação entre educação em saúde e currículo foi tematizada
por Schwingel, Araújo e Boff (2016).

1 Doutora em Genética e Biologia Molecular, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ).
2 Mestre em Educação nas Ciências, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ).  
3 Mestre em Educação nas Ciências, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ).  
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
37

Educar para a Saúde é criar condições para que os sujeitos se transformem,


ao sensibilizarem-se e aprenderem os conceitos relacionados, de modo que, “ao
educar para a Saúde, de forma contextualizada e sistemática, o professor e a co-
munidade escolar contribuem de maneira decisiva na formação de cidadãos ca-
pazes de atuar em favor da melhoria dos níveis de saúde pessoais e da coletivi-
dade” (CARVALHO; CARVALHO, 2006, p. 245). Nesse sentido, cabe ressaltar o
que preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais em Saúde:

Intrincados mecanismos determinam as condições de vida das pessoas e a


maneira como nascem, vivem e morrem, bem como suas vivências em saú-
de e doença. Entre os inúmeros fatores determinantes da condição de saúde,
incluem-se os condicionantes biológicos (sexo, idade, características pessoais
eventualmente determinadas pela herança genética), o meio físico (que abran-
ge condições geográficas, características da ocupação humana, fontes de água
para consumo, disponibilidade e qualidade dos alimentos, condições de habita-
ção), assim como o meio socioeconômico e cultural, que expressa os níveis de
ocupação e renda, o acesso à educação formal e ao lazer, os graus de liberdade,
hábitos e formas de relacionamento interpessoal, as possibilidades de acesso
aos serviços voltados para a promoção e recuperação da saúde e a qualidade
da atenção por eles prestada (BRASIL, 1997b, p. 251).

A escola, nesse contexto, é primordial, pois, por meio de seus professores, os


conceitos relacionados à saúde vão ser ensinados, e “é ela que instrumentalizará
intelectualmente, os alunos para que analisem criticamente a realidade e possam
fazer, no campo da saúde, escolhas autônomas e informadas” (MOHR, 2002, p. 70).
Para compreender a Educação em Saúde, os sujeitos-alvo do processo são
protagonistas convocados a refletirem sobre a organização social e o projeto de
sociedade em que se inserem e como contribuem na sua produção (CABRAL;
VAN DER SAND, 2016). É ainda percebida como expressão do processo teó-
rico-prático planejado e embasado, a fim de obter os resultados desejados, que
visem integrar vários saberes científicos, populares ou do senso comum, propor-
cionando aos atores envolvidos a percepção crítica e a participação responsável
e autônoma (DINIZ et al., 2009).
A Educação em Saúde inclui políticas públicas, ambientes apropriados
e reorientação dos serviços para além dos tratamentos clínicos e curativos,
assim como propostas pedagógicas libertadoras e comprometidas com a soli-
dariedade e a cidadania, em ações focadas na melhoria da qualidade de vida
e promoção do ser humano (SCHALL; STRUCHINER, 1999). Nesse sentido,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
38

Valadão (2004) complementa que a Educação em Saúde se refere às experiências


educativas organizadas, especialmente, em ambiente escolar, com a finalidade
de proporcionar a construção de conhecimentos teóricos e práticos em prol
da saúde individual e coletiva. Na sequência, apresentamos as características
dos modelos de saúde:
1. Biomédico especializado (SILVA e BODSTEIN, 2016)
Saúde, nos currículos escolares, atrelada ao viés biologicista, desde as espe-
cialidades de prática curativa, medicalização e olhar hospitalar. Relaciona o
fracasso escolar dos estudantes aos fatores unicamente orgânicos, desconsi-
derando a complexidade de conceitos de aprendizagem humana. Esse modelo
fragmenta os saberes sem promover articulação entre os setores educativos
e de saúde.
2. Biomédico (MARCO, 2006; MARTINS et al., 2017)
Princípios norteadores de prática, instrumentalização e descrição. O currí-
culo, nesse sentido, prioriza razão, técnica, objetividade e comprovação de
teorias, levando a uma visão reducionista e biologicista da saúde.
3. Biopsicossocial (MARCO, 2006)
Uma visão mais global da saúde, compreendendo as dimensões física, psi-
cológica e social do ser humano.
4. Higienista (SILVA e BODSTEIN, 2016)
Associada à adoção de hábitos e práticas de higiene, o currículo escolar
está bem normatizado, com foco disciplinar, nos conhecimentos anteriores
e únicos, sem preocupação com a produção de novos conhecimentos pelo
estudante, numa postura passiva frente às informações recebidas.
5. Comportamental (MARTINS et al., 2017)
Desenvolvimento de atitudes e comportamentos pelos sujeitos, numa lógica
behaviorista, em que estímulos condicionam as ações de saúde em receptivas
e mecânicas.
6. Socioecológica (MARTINS et al., 2017)
O ambiente propicia bem-estar ao sujeito, na dimensão de si e do seu cor-
po, bem como passa a ser elemento de promoção de saúde e prevenção de
doenças, ao integrar-se na discussão.
7. Promoção da Saúde (SILVA e BODSTEIN, 2016)
O protagonismo do sujeito aprendente, na construção de conhecimentos,
prioriza uma educação ao promover ações conscientes para uma vida saudável.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
39

Os saberes populares são respeitados e articulados aos científicos, tornando


o trabalho pedagógico, um movimento dialógico entre escola, setores públi-
cos e comunidade com objetivos, metas e intencionalidades comuns.
Outro aspecto relacionado à saúde na escola refere-se à instalação de equipa-
mentos e serviços de saúde (SILVA e BODSTEIN, 2016) para práticas assistenciais
e atendimentos ambulatoriais. Assim, o currículo escolar prioriza ações de saúde
de forma descontextualizada e isolada, sem metas e intencionalidades comuns.
Nesse caso, os trabalhos que abordaram tal perspectiva consideraram o desempe-
nho escolar, a educação escolar e hospitalar, a educação física, a ação intersetorial
e os programas de saúde, reduzindo a percepção do que seja educação em saúde.
Fundamentadas nessas considerações, o objetivo deste estudo constituiu-se em
detectar os coletivos de pensamento, temáticas e modelos de saúde, nas pesquisas em
Educação em Saúde na Escola, publicadas em dissertações, teses, artigos e eventos.

2 PERCURSOS DA PESQUISA

O mapeamento de pesquisas sobre Educação em Saúde na Escola (ESE), pu-


blicadas em eventos, dissertações, teses e artigos, constituintes da base de dados
das dissertações de mestrado4 de Schwingel (2016) e Dutra (2017), fundamentou
este texto. Schwingel (2016) analisou os cadastrados nos portais CAPES e SCIELO,
de 2005 a 2015, e Dutra, os publicados em eventos nacionais de Ensino de Ciên-
cias Naturais – Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente
(ENEC), Encontro Nacional de Ensino de Biologia (ENEBIO) e Encontro Nacional
de Pesquisa e Ensino de Ciências (ENPEC), no período de 1997 a 2015. É uma aná-
lise documental do tipo estado do conhecimento (ROMANOWSKI; ENS, 2006),
em que a epistemologia de Fleck (2010) fundamentou a compreensão das contri-
buições das publicações selecionadas, na identificação das marcas dos coletivos de
pensamento, expressos pelas temáticas e pelos modelos de saúde predominantes.
A investigação de caráter qualitativo considerou, como corpus de análise,
os dados primários das duas dissertações, que foram organizados por meio da
Análise Textual Discursiva (ATD) (MORAES; GALIAZZI, 2006). As categorias, a
priori, tiveram como fundamento os conceitos e modelos de autores de Educação

4 Apresentadas no Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências (PPGEC) da Universidade Regional do


Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
40

em Saúde (ES), tais como Marco (2006), Silva e Bodstein (2016) e Martins et al.
(2017), e, a posteriori, conforme as unidades de significado emergidas. Usamos
o software ATLASTI.75 (ATLAS, TI, 2016; FERREIRA, et al., 2012; WALTER e
BACH, 2015), na organização e análise dos dados.
Para discutir as temáticas e reconhecer os modelos de saúde predominantes,
utilizamos excertos dos estudos selecionados. Os excertos das pesquisas, neste
capítulo, foram denominados com a mesma codificação assumida por Schwin-
gel (2016): C1, C2, ..., a Cn aqueles provenientes do Portal Capes e com S1, S2,
…, a Sn, os do “Scielo”, e por Dutra (2017): P1 até P254, gerado na inserção dos
documentos pelo programa Atlas.TI7 (começando pelas edições do ENEBIO;
depois do ENEC e, por fim, do ENPEC).

3 INTERLOCUÇÃO ENTRE AS PESQUISAS

Desde as definições, constituímos a Tabela 1, em que intentamos associar as te-


máticas emergidas dos dados aos modelos de saúde (MARCO, 2006; SILVA e BODS-
TEIN; 2016; MARTINS et al., 2017) como constitutivos dos coletivos de pensamento.

Tabela 1: Distribuição das temáticas e modelos de pesquisas de educação em Saúde constitutivos


dos coletivos de pensamento
Temáticas Modelos – Coletivos de
pensamento
Sobrepeso/Obesidade; Antropometria; Biomédico especializado Saúde:
Fisioterapia; Saúde Ocular; Corpo; Silva e Bodstein (2016) Responsabilidade
Fonoaudiologia; Distúrbios de aprendizagem; objetiva do sujeito
Saúde Bucal; Psicologia; Doenças Crônicas;
Abordagem por temas; Estado do
conhecimento.
Alimentação; Saúde nos livros-didáticos; Biomédico
Cuidado de si; Prevenção de doenças. Marco (2006)
Martins et al., (2017)
Conceitos de Doença/Cura/Higiene. Higienista
Silva e Bodstein (2016)
Drogas/Álcool/Fumo/Sono; Esporte e Comportamental
Atividade Física. Martins et al. (2017)

5 Agradecimento à FAPERGS pelo subsídio financeiro para obtenção do software ATLAS. TI7.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
41

Temáticas Modelos – Coletivos de


pensamento
Envelhecimento; Violência; Políticas Biopsicossocial Saúde: resultado
Educacionais; Segurança; Educação em Saúde; Marco (2006) da interação
Educação em Saúde e Ambiental. sujeito, ambiente e
Saúde e Ambiente. Socioecológico sociedade
Martins et al. (2017)
Educação Sexual; Saúde Docente; Inclusão; Promoção da Saúde
Promoção da Saúde. Silva e Bodstein (2016)
Fonte: Marco (2006); Silva e Bodstein (2016); Martins et al. (2017) – elaborada pelas autoras.

O primeiro coletivo de pensamento – Saúde: Responsabilidade objetiva do


sujeito – ” remete aos modelos Biomédico e Biomédico Especializado, Higienista
e Comportamental, cujas ações educativas estão voltadas à imposição de normas
comportamentais, apoiadas em práticas prescritivas e desvinculadas da realidade
dos sujeitos, tornando-os objetos das intervenções escolares. Essa definição pode
também ser concebida como prática, instrumentalização e descrição, em que se
prioriza a razão, a técnica, a objetividade e a comprovação de teorias, reforçan-
do o conhecimento científico. O Modelo Biomédico de Saúde como “referencial
técnico-instrumental das biociências exclui o contexto psicossocial dos signifi-
cados” (MARCO, 2006, p. 64), o que distancia o ensino de sua contribuição para
a tomada de consciência relativa às práticas de saúde na escola.
Em oposição, o segundo Coletivo de Pensamento – Saúde: resultado da
interação sujeito, ambiente e sociedade – considera a educação em saúde como
possibilidade de intervenções humanizadas, intimamente ligadas ao conceito de
promoção da saúde, visto que o indivíduo é trabalhado de forma holística em suas
interações. Com isso, a abordagem deste tema, no currículo escolar, passa a ser
pelo viés cultural, social e histórico. Para Buss (2000, p. 1), a Promoção de Saúde

[...] refere-se às ações sobre os condicionantes e determinantes sociais da saúde,


dirigidas a impactar favoravelmente a qualidade de vida. Por isso, caracterizam-
-se fundamentalmente por uma composição intersetorial e, intrasetorialmente,
pelas ações de ampliação da consciência sanitária – direitos e deveres da cida-
dania, educação para a saúde, estilos de vida e aspectos comportamentais, etc.

Essa definição, a partir do século XX, tem ganhado força e configura uma
visão mais global da saúde, compreendendo, por sua vez, as dimensões física,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
42

psicológica e social do ser humano (MARCO, 2006). É também entendida a


partir do autocuidado e de ações de saneamento para a promoção da saúde na
escola (com práticas referentes a determinantes de saúde) e no ambiente social
e físico, assim como de ações coletivas de forma saudável e da capacidade de
formação de uma opinião consciente no sujeito aprendente. Assim, a referida
definição comporta a reflexão sobre os conceitos de saúde e a ação pedagógica
escolar conjunta, assumidos pelos professores, para repensar o currículo es-
colar, que coloca o educador numa condição de formação durante sua prática
profissional.
Apoiadas nas definições estabelecidas com os dados das dissertações de Sch-
wingel (2016) e Dutra (2017), alguns excertos foram discutidos na constituição
dos argumentos que caracterizam os coletivos de pensamento constatados. Tais
excertos tematizam as concepções e modelos de saúde nos currículos das esco-
las e permitem elucidar as proposições advindas dos estudos no que se refere à
formação crítica e reflexiva em saúde no contexto educacional.
Na Tabela 2, listamos os títulos, os autores, o tipo de pesquisa e o ano
das publicações, cujos excertos foram discutidos, neste capítulo, de modo a
possibilitar o reconhecimento dos elementos que caracterizam os coletivos de
pensamento.

Tabela 2: Identificação dos textos investigados por Schwingel (2016) e Dutra (2017)
Texto Autores e tipo de publicação Título/Ano de publicação
P4 Gabriela V. da Silva; Marian Penacosta; Caminhos da Sexualidade (2007)
Raoni R. Rodrigues; Vanessa F. Gonçalves;
Felipe W. Amorin, Ar
P24 Paulo Henrique M. Gomes; Mariana de S. Educação em Saúde nos livros didáticos
Zancul Ar de Ciências para o Ensino Fundamental
(2010)
C94 Bianca Assunção Iuliano D Atividades para promoção de alimentação
saudável em escolas de Ensino
Fundamental do município de Guarulhos,
SP (2008)
C159 Cristiane Ramos Voorpostel D Percepções de professores e funcionários
de escola rural sobre a alimentação (2007)
C185 Débora de Souza Santos D Ações intersetoriais de educação e saúde:
entre teoria e prática (2005)
S53 Fernanda Brenner Morés; Esalba Silveira Desvelando a concepção de saúde em um
Ar grupo de crianças inseridas em atividades
de promoção da saúde (2013)
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
43

Texto Autores e tipo de publicação Título/Ano de publicação


P59 Susana Ferreira de Moura; Elisa Flávia; Anemia, percepções de acadêmicos de
Luiz Cardoso Bailão Ar um curso de licenciatura em Ciências
Biológicas (2014)
C377 Julliene Érika Moreira Barreiro Soares D Qualidade de vida de crianças com
deficiência intelectual no contexto da
inclusão escolar (2007)
C295 Heraldo Simões Ferreira D Percepção sobre qualidade de vida entre
crianças de 4 a 6 anos: educação (física) em
saúde na escola (2005)
C436 Lizard Monte Batista D Ações educativas em fonoaudiologia:
promovendo a comunicação saudável no
ambiente escolar (2010)
C459 Maísa Rezende de Melo Ferraro D A concepção de professores sobre saúde
na escola (2011)
S85 Julio Cesar Bresolin Marinho; João A educação em saúde como proposta
Alberto da Silva; Maira Ferreira. Ar transversal: analisando os Parâmetros
Curriculares Nacionais e algumas
concepções docentes (2015)
C669 Rosaldo de Albuquerque Souza Ar Educação sexual na visão dos professores
indígenas do Ensino Fundamental em
uma escola de Dourados (2011)
P100 Andréa Carla Leite Chaves; Fernanda de Imunização na Adolescência: Elaboração
Jesus Costa; Alessandra de Sousa Martins; de Atividades Lúdicas a partir do
Heidy Cardoso Nunes Ar Conhecimento dos adolescentes Sobre o
tema (2012)
P203 Leandro Trindade Pinto; Jair A. G. De Os Mitos Científicos: O Uso de Pregos no
Sant'; Ana Gilson I. de O. Junior; Jorge C. feijão para combater anemia ferropriva
Messeder Ar (2009)
S52 Fernanda D. Gonçalves; Ana Maria F. A promoção da saúde na educação
Catrib; Neiva Francenely C. Vieira; Luiza infantil (2008)
Jane E. de S. Vieira Ar
C211 Elenita Maria D. de S. Aguiar; Emanuelle A promoção da saúde em escolas do
Agda F. de Sousa Ar Ensino Fundamental e médio em
Teresina, PI (2011)
P21 Elita Ferreira Silveira; Leonardo Cardozo Concepção de sexualidade e educação: a
Vieira; Marla Piumbini Rocha; Verno visão dos bolsistas do Pibid / Biologia da
Kruger Universidade Federal de Pelotas (2010)
Ar
C30 Aline Rocha Mendes D. Saúde docente: uma realidade detectada
– em direção ao bem-estar e a realização
profissional (2011)
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
44

Texto Autores e tipo de publicação Título/Ano de publicação


P160 Lúcia Maria Ballester; Simone Monteiro; Experiências de grupos colaborativos
Rosane M. S. Meirelles; Tânia C. Araújo- para educação em saúde e prevenção em
Jorge Ar. dengue (2005)
P40 Daiane Krewer Oliveira; Briseidy Abordagem das Parasitoses nas Aulas
Marchesan Soares Ar. de Ciências das Escolas Estaduais do
Município de Santo Ângelo,RS (2012)
P172 Tânia Souza de Camargo; Nádia Geisa “De bem com o corpo, de bem com a
Silveira de Souza Ar. vida” o que os rótulos de alimentos diet e
light nos ensinam sobre saúde e cuidado
de si (2007)
C171 Dalila Tusset D. Competências em promoção da saúde
no programa saúde na escola no distrito
federal (2012)
C428 Lindelvania M. Santiago; Malvina T. P. Implantação do programa saúde na escola
Rodrigues; Aldivan D. Oliveira Junior; em Fortaleza, CE: atuação de equipe da
Thereza M. M. Moreira Ar estratégia saúde da família (2012)
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Fonte: Schwingel (2016); Dutra (2017)6.
Legenda: Ar. Artigo; D. Dissertação; T. Tese

Os dois coletivos de pensamento de abordagem de saúde, no currículo escolar,


reconhecidos neste estudo – Saúde: responsabilidade objetiva do sujeito ou Saú-
de: resultado da interação sujeito, ambiente e sociedade – possibilitam reconhecer

6 Trata-se de duas referências com o mesmo nome, pois se referem às dissertações e ao artigo decorrente.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
45

algumas linhas de discussões em relação ao tema, em que as argumentações e re-


flexões se relacionam. Entre os excertos apresentados, ficam evidentes os diversos
coletivos de pensamento, reconhecidos por Schwingel (2016) e Dutra (2017).
Ao ponderar o papel da escola no que tange à Educação em Saúde para a
formação de cidadãos críticos e responsáveis pelas suas atitudes, o Ministério
da Educação propõe, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a Orien-
tação Sexual como um tema transversal (BRASIL, 1997). Assim, a perspectiva
da educação sexual clássica, calcada na compreensão biológica e biomédica da
sexualidade, tais como infecções sexualmente transmissíveis e gravidez, foi revi-
sada, nos PCN, ao propor uma visão do indivíduo em sua totalidade. No entanto,
alguns dos textos analisados ainda permaneceram com a interpretação clássica,
como propõe P4 “[...] desenvolvimento de um software educativo para o ensino
de sexualidade para crianças e adolescentes”.
O excerto de P4 apresenta o uso de tecnologias no ensino para abordar o tema
sexualidade, promovendo uma interação entre os estudantes e o professor sobre um
assunto do cotidiano, sob responsabilidade da disciplina de Ciências. Desse modo,
o caráter transversal impõe a necessidade de diálogos entre as diversas áreas do co-
nhecimento (biológico, social, político, filosófico, histórico, geográfico e cultural)
para que o estudante encontre na escola um espaço de acesso aos conhecimentos
produzidos em saúde, com reflexões e significação nas ações cotidianas.
Por outro lado, a abordagem do tema educação sexual de forma contex-
tualizada no currículo escolar se efetiva à medida que perpassa por segmentos
educativos e de saúde.

“É necessário obter apoio de profissionais qualificados sobre a temática, dando


relevância à participação da família no processo de orientação. Neste processo,
a escola pode ser o recurso para ajudar familiares, professores e alunos a com-
preenderem melhor os pressupostos da Educação Sexual, e os profissionais da
saúde são grandes aliados, no sentido de orientá-los” (C669);

“[...] educação/orientação sexual implementada por educadores fundamenta-se


em pressupostos teóricos do planejamento familiar e da prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis” (C375 S84);

“[...] iniciativas criativas de educação para o setor, que são desenvolvidas em


conjunto por professores e profissionais de saúde visando a ampliação da cons-
ciência sanitária” (C185).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
46

Diferentes estratégias, portanto, podem ser utilizadas em meio escolar


para dinamizar e significar conceitos relacionados ao tema saúde. Dentre os
trabalhos investigados por Dutra (2017), alguns apontam as relações com o
ensino de Ciências, como a “[...] aplicação de um questionário sobre anemia
com perguntas abertas e fechadas foi utilizado para coleta de dados dessa pes-
quisa” (P59), ambos numa visão Biomédica de Saúde, corroborando o coletivo
de pensamento proposto.
Em P24, são mostrados os resultados da Educação em Saúde, nos livros do
Ensino Fundamental, em que “[...] a abordagem das questões de Saúde ocorre,
em geral, sem uma preocupação em potencializar mudanças reais e possíveis
de atitudes dos alunos” (P24). Dessa maneira, emerge a necessidade de víncu-
los entre a ES com as questões relativas a aprender a conhecer, compreendendo
os níveis dos processos, na cultura e na sociedade, e que aponte relações com
o conhecimento anterior dos alunos no seu cotidiano. No texto C159, a autora
complementa ao afirmar que a “[...] implementação de estratégias, para alcançar
um melhor nível de saúde, é essencial, nas iniciativas de promoção da saúde”.
Ao entender que o papel da Educação Básica é promover aprendizados es-
colares para a adoção de uma vida saudável, conforme afirmam os autores de
S53 “[...] contribui-se para a escolha de prioridades, para a tomada de decisões
e, acima de tudo, para a fundamentação das estratégias capazes de atingir uma
melhoria na qualidade de saúde”. E, nessa perspectiva, o currículo torna-se um
instrumento para o desenvolvimento da ES pelo viés do conhecimento escolar.
Ainda, segundo a autora de C377, “nas últimas décadas, a promoção da saúde é
entendida como uma estratégia promissora para enfrentar os problemas de saú-
de que afetam a população humana”. Nesse sentido, existe a necessidade do “[...]
desenvolvimento de estratégias que permitam à população maior controle sobre
sua saúde e condições de vida, a níveis individual e coletivo” (C185).
É importante ainda o “[...] incremento do poder técnico e político das co-
munidades na fixação de prioridades, na tomada de decisões, na definição e
implementação de estratégias, para alcançar um melhor nível de saúde” (C159).
E para tal, conforme C295, é necessário que os “[...] mecanismos operacionais
concretos para a implementação da estratégia da promoção da saúde e da quali-
dade de vida tenham ênfase particular no contexto do nível local”.
O currículo, nessas premissas, tem como eixo principal a contextualiza-
ção e a problematização das ações de ES na escola, constituindo o coletivo de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
47

pensamento de “Saúde: resultado da interação sujeito, ambiente e sociedade”. É


o que ilustram os excertos a seguir:

“A escola é um espaço de interação social, sendo muitas vezes o maior referen-


cial da comunidade” (C436);

“[...] elemento de transformação social será capaz de mobilizar ações que con-
cretizem os ideais da promoção da saúde para alcançar a equidade. Entendemos
que quando a escola se descobrir como um espaço democrático, onde profes-
sores, alunos e família se eduquem mutuamente, será possível a socialização
da promoção de saúde” (C377);

“assume a função de contribuir para a formação de cidadãos comprometidos


com a sociedade da qual fazem parte” (C459);

“[...] o sentido e a função da escola como locus de desenvolvimento e a apro-


priação do conhecimento pelos indivíduos” (S85).

Precioso (2004) aponta que as dificuldades da abordagem da ESE estão


relacionadas ao fato de inexistir um currículo transversal de Saúde, na rígida
tradição de organização curricular vertical e disciplinar, e também à carência
de formação inicial e continuada, assim como à sensibilização dos professores.
Krasilchik (2005) destaca que a falta de integração entre as disciplinas que com-
põem o currículo escolar é a causa de grandes dificuldades no aprendizado de
Biologia, por exemplo.
Em relação à Promoção de Saúde, como premissa da saúde escolar, encon-
tramos as seguintes proposições:

“[...] avaliar os conhecimentos de alunos do Ensino Fundamental sobre imu-


nização na adolescência e elaborar e experimentar materiais didáticos lúdicos
sobre o tema” (P100);

“a adição, no cozimento de feijões, de pregos usados na construção civil visando


combater a anemia ferropriva [...] tal fato reflete a importância da alfabetização
científica em todos os setores da Educação” (P203).

Esses excertos fornecem uma noção de estratégias e metodologias para


promover a saúde dos estudantes. Freitas e Martins-Borges (2014) atentam que
o conceito de Promoção da Saúde não se limita ao adoecimento, tampouco está
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
48

relacionado somente às práticas e comportamentos individuais, assim como não


é resultado única e exclusivamente do determinante biológico. Por conseguin-
te, entende-se a “[...] necessidade de serem realizadas, dentro do espaço escolar,
diversas atividades que favorecessem a Promoção da Saúde, e não somente o
trabalho de transmissão de conhecimentos sobre aspectos relacionados à saúde”
(S52), em que “[...] a promoção da saúde propõe a articulação de saberes técnicos
e populares, e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos
e privados, para o seu enfrentamento e resolução” (C159). E, assim, se consti-
tuiriam “[...] como uma estratégia mediadora entre pessoas e ambiente, visando
aumentar a participação dos sujeitos e da coletividade na modificação dos deter-
minantes do processo saúde-doença, como emprego, renda, educação, cultura,
lazer e hábitos de vida” (C211). Do mesmo modo, “[...] melhores relações inter-
pessoais pressupõem a busca da saúde pessoal e social, resistir a uma sociedade e
um mundo que tenta sempre colocar modelos de retrocesso e imposição” (C30).
Sobre a prevenção de doenças como dimensão associada à Promoção da
Saúde, no currículo escolar, ainda numa perspectiva biomédica, Dutra (2017)
destaca algumas situações educativas que possibilitam “[...] identificar o sentido
dado aos conceitos de agente infeccioso da dengue, forma de transmissão, sin-
tomas e medidas de prevenção” (P160), em que “[...] os professores apresenta-
ram as características, o ciclo evolutivo e a prevenção das parasitoses causadas
por helmintos e protozoários, bem como diversas modalidades didáticas” (P40).
Nesse contexto, estão evidenciadas atividades individuais e coletivas, no
que tange ao cuidado de si, em que se destaca a tomada de decisões a respeito
de diagnósticos clínicos, como os excertos exemplificam: “[...] concepção dos
alunos do Curso de Biologia da UFPEL, participantes do Programa Institucio-
nal de Iniciação à Docência, sobre sexualidade e sua importância dentro do
contexto escolar” (P21); e condições de estar, “[...] de bem com o corpo, de bem
com a vida, o que os rótulos de alimentos diet e light nos ensinam sobre saúde e
cuidado de si” (P172).
Carvalho et al. (2007, p. 380-392) ressaltam o modelo biomédico que “leva
em consideração apenas os fatores biológicos como sendo a causa das doenças, o
que por sua vez determina os modelos de tratamento”. Westphal (2006) diferencia
os modelos biomédicos, socioambientais e comportamentais relacionados à Edu-
cação em Saúde, nos quais as concepções mais alargadas de saúde, no currículo
escolar, concebem as atividades de ESE “[...] como comportamento consequente
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
49

e indutor de aspectos mais amplos que simplesmente o biológico” (C94). Isso se


deve ao fato de que “a ampliação de órgãos formadores de recursos humanos
para a saúde não acompanhou inicialmente essa proposta de mudança de visão
na saúde [...]” (ALVES, ARRATIA e SILVA, 1996, p. 3), uma vez que continuou
a formação de profissionais preocupados com a cura e prevenção da doença.
Em relação à concepção e abordagem do tema da saúde no currículo das
escolas, por muito tempo, o foco esteve em levar profissionais da saúde para a
escola a fim de tratar do tema. Não se percebia que desse modo se provocava o
menosprezo ao trabalho do educador, em razão de não configurar uma parceria
entre os setores – escolar e de saúde. Em relação a isso, os textos investigados
por Schwingel (2016) e Dutra (2017) destacam que “[...] é preciso transformar a
escola, começando por desfazer práticas Segregacionistas” (C377), reconhecen-
do a “importância da parceria entre escola, professores, coordenadores e a ESF
para o êxito do programa” (C428). Portanto, é “[...] necessário obter apoio de
profissionais qualificados sobre a temática, dando relevância à participação da
família no processo de orientação” (C669).
No entanto, com o desenvolvimento de estudos e pesquisas na constitui-
ção do campo da ESE, ampliaram-se as definições educativas de saúde, em que
se prioriza a promoção de ações conscientes que conduzam o estudante a uma
vida saudável. Destarte, a principal diferença passa a ser a preocupação, nas ins-
tituições educativas, com o cotidiano e as relações estabelecidas pelo indivíduo e
seu coletivo, na interação com o ambiente e a sociedade. Conforme observaram
Schwingel (2016) e Dutra (2017), alguns caminhos para as concepções e ações
educativas em saúde na escola podem acontecer, com base nas seguintes concep-
ções: “[...] na perspectiva intersetorial, várias parcerias entre políticas públicas
precisam ser efetivadas” (S117); na busca da “[...] participação da comunidade em
todas as etapas do processo de implementação de programas” (C171), em que os
“[...] campos potencializariam suas ações se buscassem trabalhar em parceria, de
forma intersetorial” (C185), assim “[...]como se dá a relação entre família, escola,
comunidade e serviços de saúde, examinando qual a participação da criança no
próprio desenvolvimento” (S182).
Candeias (1997, p. 210) frisa, entretanto, que “na prática, a Educação em
Saúde constitui apenas parte das atividades técnicas voltadas para a promoção da
saúde”. Como afirma Schwingel (2016, p. 33), “no contexto da escola e seus currí-
culos, continua-se a ter características comportamentais e sanitárias delineando
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
50

o ensino com foco na Saúde”. Isso implica a preocupação com a formação pro-
fissional dos professores para o trabalho com o tema da saúde nos contextos es-
colares. Mohr (2002) aponta que a expressão Educação em Saúde assinala um
campo de trabalho e exercício, majoritariamente, pedagógico, o que denota a
importância de uma abordagem de Saúde na formação de professores cunhada
por um trabalho pedagógico, em detrimento de singelas definições conceituais
específicas da área.
Collares e Moysés (1994) ponderam que os professores, em vez de se preo-
cuparem com os problemas educacionais, apresentam uma postura acrítica, en-
caminhando os alunos para os especialistas em Saúde. Zancul e Gomes (2011)
discutem que o papel do docente de Ciências como educador em Saúde escolar
é urgente e necessário. Schwingel (2016, p. 36) revelou a necessidade de ter bem
definidos “os conceitos de Educação em, para e na Saúde, bem como o fato dos
modelos de Saúde influenciarem na maneira de apresentar o tema em foco nos
bancos escolares e também nos cursos de formação de professores”.

“[...] entre os professores, ressaltou-se que é essencial ter grande informação


sobre o assunto e estudos demonstram a importância da atualização dos do-
centes e dos materiais didáticos por eles utilizados” (C142 S34);

“[...] o professor precisa estar educado para a afetividade, pois se tratamos com as
diversidades em nosso cotidiano escolar, precisamos ter respeito e abertura para
compreensão do outro, e noção do inacabamento da condição humana” (C384).

É possível perceber, no conjunto de excertos selecionados, os diversos co-


letivos de pensamento, conforme as temáticas e modelos de saúde expressos nas
publicações investigadas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do estudo empreendido, entendeu-se importante identificar os


coletivos de pensamento, as temáticas e os modelos de saúde nas publicações de
pesquisas em Educação em Saúde na escola. Com a análise e compreensão das
concepções e ações educativas vinculadas à ES nas escolas, foi possível o enten-
dimento da constituição do conhecimento escolar em saúde, como consequência
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
51

da formação docente e do currículo para promoção da saúde, com foco na saúde


como produto da interação entre indivíduo, sociedade e ambiente.
A leitura dos trabalhos relacionados à Educação em Saúde na escola per-
mite reconhecer que discutir esse tema implica transitar por diversos territórios,
caminhos e perspectivas, que são indissociáveis da prática educativa, tais como
currículo, conceitos científicos, posturas, hábitos, práticas e valores. Além do mais,
fomenta o estudo da Educação em Saúde na defesa de uma educação mais com-
prometida com a realidade social do sujeito aprendente, para que ele se torne pro-
tagonista de sua saúde, no cuidado de si e do outro, por meio do empoderamento
e da alfabetização científica em relação aos conceitos de saúde no seu cotidiano.
É igualmente relevante implementar pesquisas relacionadas à Educação em
Saúde, tendo em vista a formação de cidadãos capazes de discernir práticas e va-
lores para a uma qualidade de vida sustentável e saudável. Ademais, investigar
na área da Educação em Saúde possibilita a tomada de consciência das práticas
docentes e o (re)direcionamento de ações curriculares, no intuito de alcançar os
objetivos de uma formação crítica em saúde na escola.

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3 SAÚDE NA ESCOLA: UMA ANÁLISE A
PARTIR DE DOCUMENTOS OFICIAIS
NACIONAIS DE ENSINO

Tânia Aparecida da Silva Klein1


Matheus Vitor2

1 INTRODUÇÃO

Saúde pode ser definida como um estado de bem-estar físico, social e mental
(OMS, 1946). No entanto, há vários fatores condicionantes do conceito dinâmico
do termo “saúde”, entre os quais, estão: nível de desenvolvimento socioeconômico
do País, dos estados e municípios; infraestrutura (saneamento básico, moradia,
trabalho); a subjetividade (afetividade, espiritualidade); sexualidade; diversidade
cultural; grau de desigualdade de renda; presença de agentes transmissores de
doenças; violência; discriminação; drogas; alimentação inadequada (desnutrição
ou obesidade) (BRASIL, 1990).
Já o direito à saúde, presente na Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos (1948), da mesma forma, é previsto na Constituição Federal Brasileira
(BRASIL, 1988), que enfatiza a participação popular na formulação e no con-
trole social das políticas de saúde. Nesse panorama, a escola inclui um espaço
de fortalecimento das pessoas na busca de uma vida mais saudável, pois é o

1 Professora Associada do Depto. de Biologia Geral da Universidade Estadual de Londrina (Londrina, PR, BRASIL),
na área de Metodologia e Prática de Ensino de Ciências e Biologia.
2 Especialista em Ensino de Ciências Biológicas. Analista Acadêmico vinculado a Diretoria de Gestão de Alunos da
Cogna Educação (Londrina, PR, BRASIL).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
56

local de formação de sujeitos sociais, críticos e criativos, capazes de construir


conhecimentos. Assim, não há como falar em saúde, sem falar na escola, pois é
preciso pensar na educação em saúde no espaço escolar, para que haja a refle-
xão e ação sobre o significado de saúde e qualidade de vida, sendo necessário:

Discutir sobre as causas e possíveis soluções para os problemas existentes na


escola e na comunidade e identificar como o conhecimento e a cultura popular
representam a saúde, a doença e os modos de cuidar, considerando que a saúde
se manifesta em todos os momentos da vida, no pensar, agir, atos, decisões, e
não somente aos relacionados aos sinais e sintomas de doenças (BRASIL, 2005).

A escola tem papel político fundamental neste contexto, pois é nele que
se constrói, destrói ou se perpetua uma ideologia realizada a partir da trans-
missão de valores e crenças, além de ser um ambiente propício ao desenvolvi-
mento de ações educativas em saúde. A sociedade da informação nos causa a
impressão de que em nenhum outro momento histórico se falou tanto de saú-
de ou promoção da saúde, ou seja, verifica-se a atribuição de promover saúde
no ambiente escolar como elemento transformador da realidade. A escola cria
uma articulação com outras instâncias, como a família e a comunidade na qual
está inserida, o que assegura, de certa forma, um alcance mais amplo das in-
formações discutidas. Nesse sentido,

A educação para a Saúde cumprirá seus objetivos ao promover a conscientiza-


ção dos alunos para o direito à saúde, sensibilizá-los para a busca permanente
da compreensão de seus condicionantes e capacitá-los para a utilização de me-
didas práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde ao seu alcance
(BRASIL, 1997c, p. 269).

Este capítulo aborda a temática da educação em saúde norteada pelos prin-


cipais documentos diretivos oficiais de educação nacional. Define-se como ponto
inicial de reflexão as diretrizes para ações educativas em saúde na escola, seguin-
do para as instruções normativas publicadas após 1996, ano em que ocorreu o
marco regulatório atual para a educação brasileira, com a publicação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Desse modo, tomamos como base para
a construção das discussões os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997c), Dire-
trizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (2010b) e a Base Nacional
Comum Curricular (2017).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
57

2 PROGRAMAS E AÇÕES EDUCATIVAS EM SAÚDE

Dentre as políticas de promoção da saúde, destaca-se a iniciativa das


Escolas Promotoras da Saúde, lançada oficialmente em 1995 pela Organi-
zação Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Na perspectiva das Escolas
Promotoras da Saúde, os países da América Latina e Caribe desenvolvem e
implementam atividades no campo da saúde escolar, em uma visão integral
do ser humano, especialmente crianças e adolescentes, integrado à família e
comunidade social (BRASIL, 2002). Segundo a OPAS (1998, s. p.), uma Es-
cola Promotora da Saúde deve:

desenvolver um ambiente saudável buscando relações construtivas e harmônicas,


sendo capaz desta forma de despertar nos participantes aptidões e atitudes para
a saúde, promovendo a autonomia, a criatividade e a participação dos alunos,
bem como de toda a comunidade escolar [...] A Escola Promotora da Saúde
busca desenvolver conhecimentos, habilidades e destrezas para o autocuidado
da saúde e a prevenção das condutas de risco.

No Brasil, programas voltados à Educação em Saúde foram criados em


nível federal por iniciativas do Ministério da Saúde e do Ministério da Educa-
ção, com o objetivo de contribuir para uma formação integral dos estudantes
da Educação Básica, contemplando ações para desenvolver conhecimentos em
prevenção, promoção e atenção à saúde (BRASIL, 2007). Dentre tais progra-
mas, podemos citar o Programa de Saúde na Escola (PSE), criado em 2007, o
Programa da Semana Anual de Mobilização Saúde na Escola, em 2012, e, mais
recentemente, o programa #Tamojunto, adaptado do programa de saúde euro-
peu Unplugged, cujas primeiras iniciativas ocorreram de forma experimental
em 2013.
De ordem interministerial, o PSE tem como principal proposta o trabalho
com temas voltados ao estímulo de uma cultura social de prevenção, atenção e
promoção da saúde. Esse trabalho objetiva: o pleno desenvolvimento dos esco-
lares; o estímulo ao desenvolvimento de uma cultura de paz, da cidadania e dos
direitos humanos; o enfrentamento das vulnerabilidades em saúde; o fortaleci-
mento do vínculo entre escolas e unidades de saúde públicas (BRASIL, 2007).
Inicialmente, o programa era ofertado apenas por escolas/municípios formal-
mente autorizados pelos ministérios articuladores.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
58

Apesar de contemplar, em suas diretrizes operacionais, aspectos relaciona-


dos a temáticas como avaliação nutricional, saúde sexual e prevenção ao uso de
drogas, as escolas promotoras, em ação conjunta com os profissionais da saúde,
possuem autonomia para elencar assuntos, estratégias e atividades mais perti-
nentes à realidade local, às necessidades da instituição escolar e dos seus edu-
candos. Do mesmo modo, tais estratégias e atividades devem ter como ponto de
partida o indivíduo e seus conhecimentos prévios e suas perspectivas sobre os
temas. Ou seja, “o que eles sabem” e “o que eles podem saber” sobre saúde, de
maneira a desenvolver em cada um a capacidade de analisar a realidade e atuar
de modo a absorver atitudes adequadas para melhorar a sua qualidade de vida e
da coletividade (BRASIL, 2015).
Também são previstas pelas diretrizes do PSE o repasse de recursos finan-
ceiros às escolas articuladoras, assim como a distribuição de materiais didáticos
pedagógicos confeccionados pelo Ministério da Saúde em parceria com o Minis-
tério da Educação, de maneira a subsidiar suas ações com os educandos. Como
exemplo de tais materiais pedagógicos, podemos citar a coleção de cadernos te-
máticos denominada Educação entre Pares, cujo objetivo é orientar o trabalho
nas escolas por meio de oficinas, leituras e debates entre os jovens sobre temas
atuais na sociedade, como gênero, drogas, etnias e diversidade sexual. Tal pro-
posta é orientada por um processo de ensino-aprendizagem em que adolescentes
seriam os sujeitos facilitadores das atividades e responsáveis pela construção do
conhecimento através da autonomia, da reflexão e do diálogo entre seus pares
(BRASIL, 2010a).
Complementar ao PSE, o programa da Semana Anual de Mobilização Saúde
na Escola foi instituído com o propósito de fortalecer as ações em Educação em
Saúde do PSE nas instituições escolares. Entretanto, ao contrário do seu prede-
cessor, sua realização ocorre apenas uma vez ao ano, caracterizada como o marco
inicial das atividades em Educação em Saúde que serão trabalhadas nas escolas
promotoras ao longo do ano letivo, além das atividades e temáticas sugeridas
pelo Ministério da Saúde e Ministério da Educação (BRASIL, 2013). Por ter ca-
racterísticas próprias, o programa dispunha de repasse de recursos próprios às
instituições escolares para realizar suas ações, que devem ter também por obje-
tivo favorecer a integração entre escola e a comunidade local.
Apesar do caráter abrangente quanto aos assuntos pertinentes à Educação
em Saúde desses programas, assim como o aspecto integrador, que promove a
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
59

articulação dos setores saúde e educação e também o envolvimento da comuni-


dade local em alguns momentos, eles foram alvo de críticas pelos mais diversos
profissionais. Tais críticas ocorreram em razão de que a necessidade da atuação
de profissionais da saúde nas escolas pode acarretar uma desqualificação do pa-
pel do professor, levando a acreditar que tais profissionais não são capazes de
tratar sobre esses temas sem o auxílio de especialistas. Ademais, nem sempre a
articulação intersetorial era possível de ser alcançada, considerando as diferentes
prioridades de atendimento existentes nas unidades básicas de saúde (MONTEI-
RO; BIZZO, 2015).
O programa de Educação em Saúde intitulado #Tamojunto trata-se de uma
iniciativa do Ministério da Saúde, adaptado de um programa desenvolvido em
países da União Europeia, denominado originalmente como Unplugged. No
Brasil, a iniciativa foi realizada primeiramente apenas em algumas cidades, em
caráter experimental, com auxílio de instituições públicas de Ensino Superior
e, em virtude do resultado satisfatório obtido, suas atividades foram publicadas
em uma série de cadernos com orientações para sua implementação nas escolas.
Ao contrário dos outros programas, essa iniciativa não se trata de uma propos-
ta interministerial, uma vez que seu articulador é exclusivamente o Ministério
da Saúde. Além disso, seus objetivos são claros e bem delimitados, propondo
ações nas escolas que visem exclusivamente à prevenção ao uso de drogas pelos
adolescentes.
Um fator interessante a destacar-se é a maneira como é concebido o papel
do professor no projeto, visto que, em contrapartida às propostas anteriores,
prevê o docente como o principal mentor das atividades a serem realizadas.
Cursos de capacitação sobre a temática são ofertados ao docente, proporcio-
nando-lhe a oportunidade de construir/aprofundar seus conhecimentos e suas
habilidades sobre o tema, e a presença de profissionais das unidades básicas
de saúde é sugerida apenas em algumas atividades, porém, sem a intenção de
caráter obrigatório.
A metodologia adotada pelo programa #Tamojunto é outro fator que o dife-
rencia das demais propostas, pois leva em consideração a influência social, tanto
local, quanto em nível global, sobre os indivíduos como fator determinante para
o uso de drogas e, portanto, para a sua saúde (BRASIL, 2019). Nesse sentido, a
Educação em Saúde é compreendida como um produto construído socialmente
e transmitido através das relações humanas.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
60

3 EDUCAÇÃO PARA SAÚDE NOS DOCUMENTOS OFICIAIS


DE ENSINO NO BRASIL

Os conteúdos sobre saúde e doença, historicamente, foram sendo incorpo-


rados ao currículo escolar brasileiro, a partir dos Programas de Saúde, introdu-
zidos na escola em 1971. Assim, o tema Saúde na Escola tornou-se obrigatório
a partir da Lei 5.692 (BRASIL, 1971), que estabeleceu os Programas de Saúde
que deveriam ser abordados na Educação Básica, com enfoque higienista, não
como disciplina, mas como conteúdos e atividades que envolvessem a aquisição
de valores e conhecimentos relativos à promoção da saúde.
Na década de 1980, percebeu-se uma visão reducionista da relação saúde-
-doença, por relacionar somente os aspectos biológicos do desenvolvimento de
determinada patologia e a forma de evitá-la e tratá-la, o que causava dificulda-
de em avançar com a proposta inicial. Em 1995, são iniciadas pelo Ministério da
Educação, discussões para a formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997a, 1997b), e o tema saúde é incluído como tema transversal no do-
cumento (BRASIL, 1997c). Em 1996, com a Lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), ocorreu a revogação da Lei 5.692, e os Programas de Saúde fo-
ram suprimidos. Na LDB (BRASIL, 1996), faz-se somente referência ao dever do
Estado e à garantia do atendimento do educando e da visão de assistência à saúde.
Atualmente, há ênfase na necessidade da prevenção da doença e não somente no
seu tratamento, considerando que a saúde é um direito assegurado pelo Estado
(BRASIL, 1988). Esse modelo estabelecido na legislação nacional inclui práticas
públicas para a promoção da saúde, proteção e recuperação, e não apenas no in-
centivo da assistência, pensando na capacidade do autocuidado (BRASIL, 1997c).

3.1 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica


As Diretrizes Curriculares para a Educação Básica (DCN) constituem-se
um conjunto de resoluções e instruções de caráter normativo para as institui-
ções escolares e referência para a construção dos currículos. Na discussão do
tema Saúde, neste capítulo, toma-se como base para análise as resoluções que
definem as diretrizes gerais para a Educação Básica (BRASIL, 2010b), as dire-
trizes para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), as diretrizes que orientam o
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
61

Ensino Fundamental (BRASIL, 2010b) e a resolução que normatiza a etapa do


Ensino Médio (BRASIL, 2018).
De modo geral, os documentos trazem como visão central a impor-
tância da educação na formação integral dos sujeitos, “expressa por valores,
aspectos físicos, cognitivos e socioambientais” (BRASIL, 2018, p. 22). Essa
formação é capaz de assegurar a todos o acesso aos conhecimentos neces-
sários imprescindíveis para o seu desenvolvimento pessoal e para a vida em
sociedade, pautados na referência de educação como cuidar e educar (BRA-
SIL, 2009, 2010c). Compreende-se que a educação para a formação integral
do estudante, mesmo não tratando expressamente do tema Saúde, também se
refere a ele. Isso porque os temas abordados se constituem em saberes e habi-
lidades necessários para o desenvolvimento pessoal e participação consciente
na sociedade, ao exercício da cidadania, contribuindo para a construção de
condições de vida digna.
Os documentos ainda enfatizam a necessidade de uma postura educacional
que garanta e trabalhe os Direitos Humanos, considerados essenciais para o de-
senvolvido do indivíduo, possibilitando, inclusive, situações de aprendizagem à
elaboração da autonomia para o cuidado pessoal, a auto-organização, a saúde e
o bem-estar. Devem guiar-se pelos princípios éticos da justiça, pela solidarieda-
de e pelo compromisso com a promoção do bem de todos. Além disso, reforça a
necessidade de reconhecer direitos e deveres de cidadania, na busca da equidade
no acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens culturais e outros benefí-
cios, princípios que são enumerados como aspectos determinantes do conceito
dinâmico do termo saúde (BRASIL, 1990c).
Os temas transversais, anteriormente tratados pelos Parâmetros Curricula-
res Nacionais, são compreendidos pelos documentos como integrantes da parte
diversificada dos currículos, sendo responsabilidades das instituições educa-
cionais a inclusão e oferta deles aos alunos. Concomitante a isso, salienta-se a
necessidade de tais temas serem incorporados aos processos de ensino-apren-
dizagem de modo transversal aos componentes curriculares e não de maneira
fragmentada. Esse pressuposto, como se verá adiante, também é assumido pelos
PCN (Brasil, 1997a, 1997b, 1997c) como metodologia de intervenção. Ele pre-
vê ainda que as propostas pedagógicas das unidades escolares, principalmente
para o Ensino Médio, incorporem atividades intersetoriais que oportunizem a
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
62

promoção da saúde, em seus aspectos físicos, mental, saúde sexual e reprodu-


tiva e prevenção ao uso de drogas (BRASIL, 2018).

3.2 Parâmetros Curriculares Nacionais: Tema Transversal Saúde


O PCN – Tema Transversal Saúde – traz uma visão dinâmica do termo
saúde e esboça a relação significativa do individuo com o ambiente, incluindo,
além das relações físicas, a relação social e cultural no conceito de saúde. Além
disso, é enfatizado o estilo de vida para a promoção da saúde, tanto de forma
individual como coletiva:

Intrincados mecanismos determinam as condições de vida das pessoas e a


maneira como nascem, vivem e morrem, bem como suas vivências em saú-
de e doença. Entre os inúmeros fatores determinantes da condição de saúde,
incluem-se os condicionantes biológicos (sexo, idade, características pessoais
eventualmente determinadas pela herança genética), o meio físico (que abran-
ge condições geográficas, características da ocupação humana, fontes de água
para consumo, disponibilidade e qualidade dos alimentos, condições de habita-
ção), assim como o meio socioeconômico e cultural, que expressa os níveis de
ocupação e renda, o acesso à educação formal e ao lazer, os graus de liberdade,
hábitos e formas de relacionamento interpessoal, as possibilidades de acesso
aos serviços voltados para a promoção e recuperação da saúde e a qualidade
da atenção por eles prestada (BRASIL, 1997c, p. 251).

A partir desse panorama, o documento propõe ações de melhoria de con-


dições de vida e saúde, apontando a necessidade de promover-se a saúde:

A promoção da saúde ocorre, portanto, quando são asseguradas as condições


para a vida digna dos cidadãos, e, especificamente, por meio da educação, da
adoção de estilos de vida saudáveis, do desenvolvimento de aptidões e capacida-
des individuais, da produção de um ambiente saudável, da eficácia da sociedade
na garantia de implantação de políticas públicas voltadas para a qualidade da
vida e dos serviços de saúde (BRASIL, 1997c, p. 255).

Nesse sentido, a promoção da saúde valoriza a escola como espaço no qual


ela deve atuar, centrando suas ações não apenas na exploração da dimensão bio-
lógica da relação saúde e doença, mas em todas as dimensões da vida, pois sua
ênfase está na melhoria da qualidade de vida das populações (BRASIL, 1997c).
Por isso, o documento propõe a interlocução entre a Educação e a Saúde, na qual
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
63

a escola possa ocupar um espaço de construção de iniciativas e referenciais para


mudança de atitude relacionada à saúde integral. Deve-se garantir também que
os conteúdos de saúde sejam incluídos nas diferentes áreas curriculares, em uma
visão inter e transdisciplinar. A metodologia de abordagem proposta, portanto,
deve ter como centro o aluno, para que ele se torne ativo no processo de ensino e
aprendizagem dos temas da saúde. Por isso se justifica a apresentação dos temas
no formato transversal. Afinal, como previsto nos PCN (Tema Transversal Saúde),

A transversalidade não exclui a possibilidade de organização de projetos de tra-


balho em torno de questões da saúde. O desenvolvimento do tema também se dá
pela organização 265 de campanhas, seminários, trabalhos artísticos, mobilizan-
do diversas classes, divulgando informações, ou utilizando materiais educativos
produzidos pelos serviços de saúde. Espera-se, nessas situações, que os alunos
aprendam a lançar mão de conhecimentos de Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências Naturais, História, Geografia etc., na busca de compreensão do assunto
e na formulação de proposições para questões reais (BRASIL, 1997c, p. 264-265).

Isso se torna um desafio, haja vista que a mera transmissão de informações


não garante a aprendizagem efetiva e transformadora de hábitos e atitudes. Pen-
sando na formação integral do indivíduo, as metodologias de intervenção devem
ser diferenciadas e articuladas, pois não é possível compreender o termo “saúde”
de forma abstrata e isolada, pois, como já mencionado, saúde não inclui apenas
a ausência da doença. Torna-se necessário ampliar a visão do termo com as re-
lações sociais e culturais, em uma concepção mais dinâmica.
Em todo o PCN – Tema Transversal Saúde – há o esclarecimento de que a
ênfase de abordagem sempre deve estar na saúde e não na doença. Essa abordagem,
portanto, pode ser conceitual, mas também deve permitir a discussão e o posicio-
namento, inclusive do ponto de vista teórico e conceitual, com a contextualiza-
ção do processo saúde doença. Nessa contextualização, “busca-se a identificação
dos seus determinantes no nível individual e das coletividades, para possibilitar
o reconhecimento progressivamente mais amplo das correlações sobre as quais
se pode interferir para a promoção da vida saudável” (BRASIL, 1997c, p. 274).
Os conteúdos elencados no documento foram selecionados segundo os cri-
térios de relevância no processo de crescimento e desenvolvimento da criança
e do adolescente, considerando os fatores de risco para esta faixa etária e me-
didas de promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como o exercício da
cidadania (BRASIL, 1997c). Especificamente, os conteúdos foram selecionados
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
64

e organizados em dois eixos temáticos. O primeiro inclui o autoconhecimen-


to para o autocuidado, justificando a busca de medidas práticas em direção ao
bem-estar físico, mental e social, com ênfase nas situações de risco. Os temas
desse bloco incluem a alimentação, a higiene, a imagem corporal e o exercício
físico. O segundo eixo, identificado como vida coletiva, inclui os indicadores de
qualidade de vida, como a relação do indivíduo com o meio ambiente, as doen-
ças transmissíveis, os riscos de acidentes, o uso de drogas e as relações sociais.
Alguns temas – violência social, drogas, AIDS, gravidez precoce e cárie
– são justificados no documento com ênfase na dimensão psicossocial e com
o reconhecimento de que na adolescência a vulnerabilidade é aumentada, po-
dendo ocorrer a facilitação e iniciação precoce no consumo de drogas psicoa-
tivas, por exemplo.

3.3 Base Nacional Comum Curricular


Instituída em 2017, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um do-
cumento de caráter normativo, referência nacional para construção dos currículos
da Educação Básica na atualidade, no qual é definido o conjunto de aprendizagens
básicas essenciais que os estudantes devem desenvolver ao longo de suas etapas
e modalidades. Organizado por etapas – Educação Infantil, Ensino Fundamen-
tal (anos iniciais e anos finais) e Ensino Médio –, o documento apresenta uma
visão moderada dos assuntos ligados aos temas atuais da sociedade, tratados an-
teriormente como “temas transversais” pelos Parâmetros Curriculares Nacionais,
dentre eles o tema saúde, uma vez que afirma:

Cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas
esferas de autonomia e competência, incorporar os currículos e às propostas
pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida huma-
na em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e
integradora(BRASIL, 2017, p. 19).

De maneira complementar, o documento expressa que, na “BNCC, essas te-


máticas são contempladas nas habilidades dos componentes curriculares, cabendo
aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas especificidades, tratá-las de
forma contextualizada” (BRASIL, 2017, p. 20). A partir desse panorama, quan-
do tratamos do tema Educação em Saúde na Escola, a BNCC deixa claro quais
são os setores responsáveis por incluí-lo na formação dos alunos. É importante
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
65

pontuar, contudo, que, apesar de indicar os agentes responsáveis, o documento


não afirma a obrigatoriedade de sua inclusão. Com isso, compreende-se que tais
temáticas podem ser trabalhadas ou não pelas escolas, quando não inclusas nos
conteúdos que são tratados como básicos pelo documento.
Outro aspecto importante é a permanência do caráter transversal do tema
Saúde pelo documento, já adotado anteriormente pelo PCN (BRASIL, 1997c),
o que é evidenciado pela forma diluída com que está articulado em algumas
habilidades das componentes curriculares da BNCC. Isso reforça a ideia de que
esse tema deve ser contextualizado juntamente com os demais conteúdos e em
todas as disciplinas ao longo das etapas de escolarização. Essa ausência de uma
definição própria, porém, coloca a Educação em Saúde, de certo modo, em uma
posição secundária frente a outros saberes, o que pode levar as escolas a não
darem a devida importância ao assunto em seus currículos. Tal questão também
foi fortemente debatida sobre os PCN, uma vez que seu caráter não era obrigatório
e, portanto, nem sempre as escolas desenvolviam os assuntos propostos por eles
com os alunos.
Ao analisar-se o tema por etapa da Educação Básica, percebe-se que na
Educação Infantil ele é amplamente trabalhado no sentido de conhecimento do
corpo, na independência para o cuidado de si, considerando os aspectos alimen-
tação, higiene e na adoção de hábitos saudáveis, principalmente relacionados ao
lazer. Acredita-se ser coerente o trabalho com esses temas nessa etapa educacio-
nal, uma vez que é nessa fase que a criança começa a se descobrir e se construir
enquanto sujeito. Todavia, pouco é abordado sobre as intersecções da saúde com
outras temáticas, como meio ambiente e consumo responsável, que são temas
expostos pela visão dinâmica adotada pelo PCN, incluindo as relações físicas,
sociais e culturais no conceito de saúde.
Pensando na formação integral do estudante, enquanto objetivo também
definido nas DCN da Educação Básica, o ideal é que essas abordagens direcio-
nassem a reflexão dos alunos sobre outros determinantes que impactam na sua
saúde, principalmente em temas de grande importância. Dentre tais determi-
nantes, destacam-se as questões culturais e ambientais relacionadas à poluição,
a cultura do consumismo e a produção de resíduos, procurando construir, ainda
na infância, uma consciência sobre práticas sustentáveis, que são importantes, de
um modo geral, para a manutenção e promoção da saúde de todos.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
66

No Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais), com exceção da


área das Ciências da Natureza, o documento não apresenta de forma tão clara
o tema saúde ao longo dos objetivos de aprendizagens das componentes cur-
riculares. Um exemplo são as disciplinas da área de Linguagens, que, em sua
maioria, evidenciam a necessidade em de articular os saberes com os assuntos
da vida cotidiana dos alunos, como as questões sociais, ambientais e o desen-
volvimento da cidadania, as quais, de certo modo, são determinantes para a
saúde dos sujeitos. Entretanto, não deixam claro que se trata de assuntos rela-
cionados à saúde.
Percebe-se ainda que o documento não orienta sobre como fazer tal arti-
culação ou quais são os temas mais propícios que devem ser tratados. Isso pode
dificultar o entendimento dos responsáveis pela seleção dos conteúdos aos cur-
rículos, uma vez que eles podem não conseguir identificar as interfaces com os
temas propostos pela BNCC aos assuntos da Educação em Saúde.
Esse cenário também é observado na área das Ciências Humanas; contudo,
contempla-se uma pertinência maior com as questões relacionadas aos determinantes
sociais, ambientais, socioeconômicos, dentre outros fatores, que impactam na saúde
dos sujeitos. Um exemplo disso é a proposta de estudo na componente curricular
Geografia sobre a produção de resíduos, problemas gerados a partir disso e suas
interfaces com o consumismo, de modo a desenvolver no aluno a habilidade de:

Relacionar a produção de lixo doméstico ou da escola aos problemas causados


pelo consumo excessivo e construir propostas para o consumo consciente, con-
siderando a ampliação de hábitos de redução, reúso e reciclagem/descarte de
materiais consumidos em casa, na escola e/ou no entorno (BRASIL, 2017, p. 375).

O consumo excessivo e os problemas ambientais gerados a partir dele,


principalmente aqueles pertinentes às questões de saneamento básico, como o
descarte de resíduos, impactam a saúde da população. Esse dado está entre os
grandes responsáveis pela proliferação de vetores de doenças, poluição da água
e das enchentes, que são comuns hoje nos centros urbanos. Entretanto, esse as-
pecto não fica evidenciado no documento e fica a critério da escola/instituição
inserir essa conexão entre o tema e as questões de saúde.
Na área das Ciências da Natureza, o tema Saúde é abordado com certa ênfase
em seu aspecto biológico, muito próximo às propostas do PCN – Saúde (Brasil,
1997c), porquanto define como objetivo que:
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
67

[Os estudantes] estejam aptos a compreender a organização e o funcionamento


de seu corpo, assim como a interpretar as modificações físicas e emocionais que
acompanham a adolescência e a reconhecer o impacto que elas podem ter na
autoestima e na segurança de seu próprio corpo. É também fundamental que
tenham condições de assumir o protagonismo na escolha de posicionamentos
que representem autocuidado com seu corpo e respeito com o corpo do outro,
na perspectiva do cuidado integral à saúde física, mental, sexual e reprodutiva.
Além disso, os estudantes devem ser capazes de compreender o papel do Es-
tado e das políticas públicas [...] no desenvolvimento de condições propícias à
saúde (BRASIL, 2017, p. 327).

Percebe-se que é proposta a exploração do assunto de uma maneira que


sejam contempladas mais as questões biológicas do processo saúde-doença,
principalmente no sentido de promover uma maior consciência crítica nos es-
tudantes para a promoção e manutenção da sua saúde e da coletividade. Além
disso, sugere o debate sobre questões políticas no sentido de suas implicações
na saúde da população.
Na etapa escolar do Ensino Médio, o tema saúde não é tratado de forma
objetiva, mesmo ele sendo de suma importância, principalmente pela faixa etá-
ria dos alunos, já que é nessa fase que muitos aspectos construídos na infância
são substituídos, sobretudo pelas mudanças nos hábitos sociais que são comuns
nessa fase. O que se verifica é o trabalho com temas que são essenciais para o
desenvolvimento de habilidades importantes para a Educação em Saúde. No
entanto, assim como nas áreas das Ciências Humanas e Linguagens do Ensino
Fundamental, cabe às instituições escolares favorecerem a articulação com as
discussões em saúde.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 1998), a promo-


ção da saúde no âmbito escolar possui como componentes principais a educa-
ção para saúde, a criação de entorno saudável e o fornecimento de serviços de
saúde. No entanto, observa-se que, historicamente, as ações propostas têm um
enfoque na doença ou na sua prevenção. Essa forma de pensar a saúde tem sido
insuficiente para fazer da escola um espaço que produz saúde. A OPAS (1998,
s. p.) entende que:
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
68

A saúde escolar tem a possibilidade de avançar e ampliar a sua concepção e


práticas com uma visão integral e interdisciplinar do ser humano, dentro de
um contexto comunitário, ambiental e político mais amplo [...] com estratégias
educativas despertando por meio de uma análise crítica e reflexiva sobre os va-
lores, condutas, condições sociais e estilos de vida, contribui para a melhoria
da saúde e do desenvolvimento humano, colaborando para a construção da ci-
dadania e democracia, e reforçando a solidariedade, o espírito de comunidade
e os direitos humanos.

Nessa perspectiva, deve haver a construção coletiva do conhecimento so-


bre a saúde. Essa construção ocorre por meio do diálogo, das trocas de saberes
e de experiências, de metodologias participativas e de reflexão dos conteúdos a
partir da realidade vivenciada por cada um, associando discussões acerca dos
problemas coletivos, a partir da sensibilização e de um modo multidisciplinar.
É perceptível que, após a publicação da LDB de 1996, a Educação em Saúde na
Escola adquiriu, de certo modo, um caráter secundário na formação dos sujeitos.
Isso foi determinado pelo aspecto como ela está sendo abordada nos documentos
oficiais atuais, a exemplo das DCN da Educação Básica e da BNCC, as quais tra-
balham o tema sem definição clara de objetivos ou ações a serem realizadas pelas
escolas ou pela conjunção não obrigatória adquiriram nas orientações do PCN.
É necessário enfatizar que, quando a Educação em Saúde é tratada pelos
documentos de forma direta, ainda prevalecem as discussões em seu viés bioló-
gico, em descompasso com as necessidades atuais da população. Uma vez que
as pessoas se constroem de maneiras distintas e, portanto, concebem e praticam
a sua saúde de modos diversos, em virtude das diferenças sociais, econômicas,
culturais, étnicas, religiosas e sexuais, é necessário levar isto em conta ao tra-
balhar os conteúdos. Eles devem ser contemplados e discutidos nas ações em
saúde nas escolas atuais para subsidiar de maneira mais consistente a formação
da nova geração.
Além disso, deve haver o apoio e o envolvimento dos professores. O pa-
pel do docente na escola é complexo e merece destaque porque ele é um agente
transformador e representa um elo importante e fundamental nesse contexto,
pois será o multiplicador das ideias e conceitos. Por isso, deve-se pensar ainda na
capacitação profissional do professor como educador na área da saúde, pensan-
do na capacitação não somente do domínio de informações, mas de estratégias
educativas necessárias para a construção integrada do conhecimento.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
69

REFERÊNCIAS

BRASIL. Presidência da República. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Estabelece


as diretrizes e bases para o ensino de 1º. e 2º. Graus. Diário Oficial da União. Brasília,
DF, 12 ago. 1971.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe
sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
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Oficial da União, Brasília, DF, 19 set. 1990.
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4 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA PERSPECTIVA
DE ARTICULAÇÃO DOS CONTEÚDOS
DISCIPLINARES COM TEMÁTICAS
RELEVANTES SOCIALMENTE

Eva Teresinha de Oliveira Boff1


Vidica Biachi2
Karina Andressa Cavalheiro3

1 INTRODUÇÃO

De acordo com a Lei n° 8069/1990, no Art. 2°, que discorre sobre as dispo-
sições preliminares do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o adolescen-
te é considerado a pessoa que está entre a faixa etária de 12 a 18 anos de idade
(BRASIL, 1990). Por tratar-se de adolescentes, tende-se a pensar que se trata de
pessoas saudáveis e, em decorrência disso, eles não recebem a específica atenção
à saúde que necessitam (BRASIL, 2010). Porém, essa fase da vida é marcada por
constantes transformações, o que leva a compreender que é de extrema necessi-
dade a interlocução entre diferentes sujeitos visando contribuir na qualidade de
vida dessa população. Nesse contexto, torna-se essencial desenvolver ações de
promoção à saúde e prevenção de agravos.

1 Doutora em Educação em Ciências (UFRGS). Departamento de Ciências da Vida/PPG Educação nas Ciências/
UNIJUÍ.
2 Doutora em Ecologia (UFRGS). Departamento de Ciências da Vida/PPG Educação nas Ciências/UNIJUÍ.
3 Bolsista de Iniciação Científica – Curso de Enfermagem. Departamento de Ciências da Vida/UNIJUÍ.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
73

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também destaca que a tran-


sição entre infância e adolescência é “marcada por intensas mudanças decorren-
tes de transformações biológicas, psicológicas, sociais e emocionais” (BRASIL,
2017, p. 58). É nessa faixa etária que se ampliam os vínculos sociais e afetivos
e, por isso, é importante a promoção de ações que potencializem a capacida-
de de ler o mundo e tomar decisões conscientes e com autonomia. A partir
da compreensão do funcionamento do corpo, assim como a interpretação das
modificações físicas e emocionais que acompanham a adolescência, é possível
reconhecer o impacto das mudanças, seja na autoestima e na segurança de seu
próprio corpo ou na capacidade de exercer o protagonismo e desenvolvimento
dos processos cognitivos.
A educação em saúde não é uma tarefa que deve ficar apenas sob a in-
cumbência dos profissionais de saúde, mas de todos aqueles que, de forma di-
reta ou indireta, exercem influência na vida dos adolescentes, sejam familiares,
amigos ou educadores. Enfim, é papel de todas as pessoas contribuírem para o
bem-estar dos adolescentes. Tendo em vista o processo de mudanças, tanto de
comportamentos, sentimentos, emoções como de hábitos, percepções ou ações,
as pessoas que rodeiam os adolescentes exercem influência sobre eles, e esse
fator pode repercutir negativa ou positivamente na vida dos mesmos (BRA-
SIL, 2010). Ao encontro disso, a BNCC afirma que todas essas alterações têm
grande potencial de implicar a compreensão do adolescente como indivíduo
que está a desenvolver-se, na formação de suas singularidades e de sua iden-
tidade pessoal e social. Portanto, tal fato demanda práticas escolares capazes
de abordar todas as exigências e demandas dos adolescentes (BRASIL, 2017).
O desafio a ser enfrentado surge a partir da necessidade de articular as
práticas e saberes escolares com a implementação da educação em saúde. Nesse
âmbito, é importante abordar a temática sobre o uso de drogas na adolescência,
uma vez que o abuso dessas substâncias traz grandes prejuízos para a saúde
e o bem-estar dos adolescentes e da sociedade em geral. O uso de drogas ini-
cia já na adolescência, tendo em vista que este é um período frágil, marcado
por angústias, influências e necessidades afetivas, e esse conjunto de fatores
torna-os mais propensos a fazer escolhas, que, à primeira vista, parecem re-
solver os problemas desta faixa etária. No entanto, ao experimentar algumas
substâncias psicoativas, podem facilmente tornar-se dependentes delas, o que
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
74

implica em seu uso de forma abusiva. Então, quanto mais precocemente o as-
sunto for abordado, na perspectiva de compreensão e prevenção aos agravos
e malefícios que as drogas causam para o indivíduo, maior a contribuição ao
adolescente e à sociedade.
Dentre as drogas mais utilizadas no mundo, o álcool está no topo da lista.
Por esse motivo, o consumo de bebidas alcoólicas constitui-se como um problema
de saúde pública, principalmente quando utilizado por adolescentes (BRASIL,
2010). Para superar essa problemática e ampliar ações de educação em saúde
e prevenção do uso de álcool e outras drogas na adolescência, foi elaborado,
em 2015, o documento “Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável”, pelos países que compõem as Nações Unidas.
O documento contém 17 objetivos e 169 metas para serem implementadas em
todos os países, com vistas a impactar positivamente a vida das crianças e dos
adolescentes. O terceiro objetivo visa assegurar uma vida saudável e promo-
ver o bem-estar para todos, em todas as idades, o qual apresenta como meta
o reforço à prevenção e ao tratamento do abuso de substâncias, incluindo o
abuso de drogas entorpecentes e uso nocivo do álcool. O documento aponta
a importância de abordar esse tema com os adolescentes para prevenir que na
vida adulta se tornem indivíduos dependentes dessas substâncias; dessa forma,
busca-se garantir uma vida saudável, evitando prejuízos em longo prazo. Essa é
uma das iniciativas que foi elaborada com intuito de promover transformações
na vida dos adolescentes, o que mostra a necessidade de abordar esse assunto
desde o Ensino Fundamental. É no sentido de compreender a adolescência e os
desafios enfrentados nesta fase para manter uma vida de qualidade que busca-
mos discutir neste capítulo um processo de Educação em Saúde de adolescentes
de uma escola pública do interior do Rio Grande do Sul.
Existem diversas pesquisas que abordam esta temática, mas ainda há mui-
to que avançar, em especial nas escolas de Educação Básica. Para contribuir
na reflexão e no desenvolvimento de estratégias que aproximem as discussões
sobre saberes e práticas escolares com temáticas relevantes na formação de
adolescentes, o estudo apresentado neste capítulo objetiva problematizar e
produzir compreensões sobre o uso de drogas e suas consequências na saúde
e aprendizagem, a partir de práticas educativas que contribuam para articula-
ções dos conteúdos disciplinares com a Educação em Saúde.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
75

2 EM BUSCA DE DADOS

Com vistas a identificar o que vem sendo produzido sobre práticas de edu-
cação em saúde, em escolas de Educação Básica, realizamos, inicialmente, uma
revisão bibliográfica a partir de artigos disponíveis no portal de periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Uti-
lizamos os descritores “adolescência”, “saúde” e “escola” e o operador booleano
“AND”, colocado entre cada um dos descritores. Obtivemos 1.097 resultados.
Refinamos para o período de 2016 até 2019 e resultaram 243 artigos.
Com esse quantitativo de artigos, iniciamos a inclusão e exclusão por títulos
dos estudos que se relacionavam com a educação em saúde, resultando em vinte
e oito estudos. Com objetivo de aperfeiçoar o estudo, por meio da adequada es-
colha dos artigos a serem incluídos, procedemos a etapa da escolha pelo resumo
de cada publicação. Realizamos a leitura dos resumos individuais e, através disso,
chegamos ao número de dezenove artigos que foram lidos na íntegra, visto que
possuíam alguma articulação com a educação em saúde focada em propostas de
práticas educativas escolares.
Posterior à leitura dos artigos, realizamos algumas atividades com uma
turma de 14 estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental, os quais respon-
deram um questionário para identificar suas compreensões sobre o uso abu-
sivo de drogas. Na sequência, a turma foi dividida em grupos para pesquisar
o tema. Cada grupo escolheu uma droga a ser abordada: 1- álcool; 2- cigarro;
3- calmantes e energéticos; 4- solventes e inalantes; 5- esteróides e anabolizan-
tes; 6- maconha. Posteriormente, os estudantes, com auxílio da professora e de
uma bolsista de iniciação científica, aprenderam a utilizar câmeras fotográficas
para filmagem e produção de vídeos sobre o assunto abordado em cada grupo.
Cada estudante elaborou um mapa conceitual em seu caderno e no programa
CmapTools e, a partir dessa produção, foram elaborados cartazes com os ma-
pas conceituais. Na sequência, foram escolhidos dois conceitos de cada gru-
po para serem explicados detalhadamente. Os estudantes foram identificados
pela letra “E” seguida de numeração (E1, E2...E14). Neste capítulo, o foco está
relacionado ao tema álcool.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
76

3 ESCOLA E EDUCAÇÃO EM SAÚDE

A escola é um espaço no qual os indivíduos podem e precisam desenvolver


ideias, valores, conceitos e atitudes em uma perspectiva mobilizadora de saberes
que oportunizem, além do aprendizado escolar, autonomia aos estudantes para
que façam escolhas importantes a fim de manter a vida com qualidade. Por isso,
os educadores não podem se limitar ao desenvolvimento dos conteúdos discipli-
nares desconectados da realidade e das necessidades dos estudantes, em especial
quando se trata de adolescentes.
A partir da revisão da literatura, no entanto, verificamos que ainda existem
poucos trabalhos que buscam articular os conteúdos disciplinares com temáticas
vinculadas a educação em saúde. Na maioria dos artigos selecionados, destacam-
-se trabalhos de revisão da literatura ou levantamento de dados em escolas por
meio de questionários e entrevistas, mas sem indicação da existência de trabalhos
sistemáticos e que articulem os conteúdos disciplinares com educação em saúde.
Destacamos o estudo realizado por Knevitz, Béria e Shermann (2018), que
teve a finalidade de conhecer práticas preventivas sobre ao abuso de drogas em
escolas públicas (municipais e estaduais). Os autores verificaram que pouco mais
da metade das escolas possuíam o tema álcool e/ou outras drogas no seu projeto
político pedagógico (PPP). Também constataram que as atividades desenvolvi-
das com maior frequência eram palestras e distribuição de material informativo.
Além disso, pouco mais da metade dos professores expressaram que participam
de atividades de formação em educação preventiva ao abuso de álcool e outras
drogas, embora a quase totalidade dos entrevistados tenha referido que a escola
deveria trabalhar com o tema. Eles afirmam que:

A educação preventiva ao abuso de substâncias psicoativas pode apresentar


resultados mais efetivos caso venha a ser realizada com abrangência maior, na
linha da promoção da saúde e contemplando outros aspectos da vida, como
o meio ambiente, a ética, a sexualidade e as diferenças culturais (KNEVITZ;
BÉRIA; SHERMANN, 2018, p. 249).

Já o estudo realizado por Souza e Sousa (2017) destaca uma experiência de


participação de acadêmicos de enfermagem em um projeto de extensão voltado
para saúde dos adolescentes, oferecido durante uma disciplina em interação com
o Projeto Saúde na Escola, realizado em uma escola pública. Os autores discutem:
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
77

Considerando que a adolescência é um período de mudanças biopsicossociais


com diferentes formas de encarar seu desenvolvimento mediante a sociedade
e as transformações comportamentais e emocionais, torna-se imperativo o de-
senvolvimento de ações universitárias extensionistas destinadas a esta fase do
desenvolvimento. Desse modo, as experiências vivenciadas no projeto “Ado-
lescer Bem” possibilitaram o enriquecimento na formação profissional dos
participantes envolvidos e principalmente oportunizou aos adolescentes uma
experiência na troca de ideias e conhecimentos (SOUZA; SOUZA, 2017, p. 275).

O estudo realizado por Silva, Bezerra e Medeiros (2019) sobre o tabaco


mostra que, de um total de 390 adolescentes, 5,1% fizeram uso alguma vez e 0,3%
faziam uso regularmente, sendo que os motivos para o uso estão associados à
falta de entendimento dos problemas dos jovens pelos pais ou por ter amigos
que fumam. As autoras afirmam que:

Apesar das bai­xas prevalências de experimentação do tabaco e do seu uso re-


gular, que indicam a adoção de um estilo de vida mais saudável ou ainda uma
maior autonomia e capacidade de decisão para o não consumo, sabe-se que
não existe nível seguro de exposição ao tabaco. Sugere-se o estabelecimento de
parceria intersetorial educação-saúde para for­talecer ações de promoção da
saúde e prevenção de doenças, com ênfase no tabagismo (SILVA; BEZERRA;
MEDEIROS, 2019, p. 431).

O baixo uso de tabaco pode ser resultado do profundo trabalho de educa-


ção sobre os malefícios de seu uso ao organismo humano. Isso mostra que não
é necessário proibir, exceto nos ambientes públicos, mas que a educação é, sem
dúvida, o caminho para escolhas saudáveis.
Considerando que o consumo de drogas se constitui um dos principais de-
safios da atualidade e que os adolescentes estão mais propensos a ele, abordamos
essa temática no espaço real de sala de aula, pois o abuso dessas substâncias traz
grandes prejuízos à saúde, ao bem-estar e à sociedade como um todo.

3.1 A escola como espaço de promoção da saúde pela articulação dos


conteúdos disciplinares
Os docentes de Educação Básica vivenciam diversos desafios no espaço real
de sala de aula, mas nem sempre estão preparados para enfrentá-los de modo
a propiciar uma formação que vá além dos conteúdos disciplinares. Entre esses
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
78

desafios, podemos destacar, entre tantas outras: violência; uso abusivo de dro-
gas; dificuldades de aprendizagem; descompromisso das famílias com o acom-
panhamento da educação das crianças e jovens. No que diz respeito a drogas,
entendemos que a abordagem do tema articulado aos conteúdos escolares pode
contribuir para prevenção do uso indevido, em especial, do álcool, que é uma
das drogas mais utilizadas no mundo. Segundo pesquisas, o álcool se constitui na
porta de entrada para outras drogas, tornando-se um problema de saúde pública,
principalmente quando utilizado por adolescentes (BRASIL, 2010).
Na adolescência, surgem diversas curiosidades a respeito do uso de drogas.
Muitas vezes, por influência de amigos ou por conviver com famílias desestru-
turadas, o uso dessas substâncias acaba sendo também um fator influente para
entrada no mundo do crime, visto que, nessa idade, os jovens são mais vulne-
ráveis ao vício e podem acabar tendo transtornos mentais que podem aparecer
somente no futuro. Nesse sentido, para Silva et al. (2010, p. 610),

Realizar ações de Educação em Saúde durante a adolescência, fase da vida que


impõe transformações e interferências do meio social e familiar, é um grande
desafio. As mudanças que ocorrem durante a adolescência fazem com que os
adolescentes tentem se rebelar contra a realidade vivenciada, manifestando-se
com o uso da sua sexualidade de forma inconsequente, da ingesta de drogas e
de práticas de violência. As estratégias utilizadas em Educação em Saúde de-
vem envolver o adolescente, a família e a sociedade, pois essas táticas auxiliam
os adolescentes nas experiências futuras, formando seus conceitos e valores e
formando padrões de referência.

Apesar da criação de diversas leis que proíbem o uso de drogas ilícitas,


como maconha, crack e cocaína, e restringem o consumo de drogas lícitas, como
o álcool, o que se visualiza na atualidade é a ampliação dos problemas ocasina-
dos por essas drogas. Como a escola tem o papel de propiciar conhecimento e
sensibilizar os estudantes a fim de constituir cidadãos capazes de transformar a
sociedade, cabe a ela, juntamente com a família e profissionais de outras áreas
do conhecimento, proporcionar um ambiente favorável à discussão de temas
polêmicos, a exemplo das drogas.
Considerando a importância de abordar este tema em escolas de Educação
Básica, realizamos a pesquisa apresentada neste capítulo em uma escola públi-
ca de um município do interior do Rio Grande do Sul. Inicialmente, buscamos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
79

compreender o que os estudantes expressam sobre o tema “drogas” e quais os con-


ceitos podem ser significados a partir de atividades que possibilitam a interlocu-
ção de conceitos disciplinares e também dos entendimentos sobre as implicações
do uso abusivo de drogas na saúde e na aprendizagem dos conteúdos escolares.
Ao analisarmos as respostas dos estudantes no questionário sobre a temáti-
ca “drogas”, foi possível identificar suas compreensões diante desse assunto. Eles
foram questionados inicialmente sobre quais os tipos de drogas que mais ouviam
comentar. Nas suas respostas, a droga mais citada foi a maconha, com 26,19 %,
seguida de crack (16,66%) e cocaína (16,66%), álcool (11,90), remédio (11,90),
cigarro (9,52), outras (7,14%).
Quanto ao modo como o uso de drogas afeta a vida do usuário, os estudantes
respondem que implica na sociedade devido à agressividade e ao roubo (33,33%),
na família (33,33%), na saúde (27,27%), e 6,06% não souberam responder.
Em relação aos fatores que levam as pessoas a recorrerem ao uso abusivo
de drogas, apontam: más companhias (44,44%); problemas familiares (22,22%);
infelicidade (16,66%); curiosidade (11,11%); perda de trabalho (5,55%). As res-
postas indicam que os adolescentes sabem as causas que podem levar ao con-
sumo, mas nenhum deles manifestou a possibilidade de inexistência de uma
educação de qualidade.
Quando questionados se conhecem ou convivem com algum usuário de
drogas, 57,14% afirmaram que sim; 42,85% que não.
Conforme os resultados obtidos pelo questionário sobre drogas, pudemos
observar que os estudantes têm o que dizer sobre o assunto e conhecem pessoas
que consomem drogas. Isso mostra a importância de abordar esse tema na es-
cola, pois o aprofundamento das discussões sobre o assunto pode contribuir na
prevenção sobre o uso abusivo de drogas e consequentemente nos agravos na
saúde e na aprendizagem.
Embora o álcool seja a droga mais utilizada no mundo (BRASIL, 2010), so-
mente 11,90% dos estudantes o citaram, sendo que a droga mais apontada foi a
maconha, seguida de crack e cocaína. Cannabis sativa é o nome científio de uma
erva. Em latim, Cannabis significa cânhamo, que denomina o gênero da família
da planta; sativa diz respeito à cultura plantada ou semeada e indica a espécie e
a natureza do desenvolvimento da planta. As implicações mais frequentes do uso
da maconha estão relacionadas aos problemas de concentração e memória, difi-
cultando a aprendizagem e a execução de tarefas de dirigir ou operar máquinas.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
80

O uso contínuo dessa substância pode causar tosse crônica, alteração da imuni-
dade, redução dos níveis de testosterona e desenvolvimento de doenças mentais,
como esquizofrenia, depressão e crises de pânico, redução do interesse e de mo-
tivação pela vida, com a observação da síndrome amotivacional (COUTINHO;
ARAÚJO; GONTIÈS, 2004).
Quanto às consequências do uso abusivo de drogas, os estudantes desta-
cam a sociedade como sendo a mais atingida, devido à agressividade, uma vez
que muitos jovens se tornam hostis, tanto com a própria família, quanto com a
sociedade em si. Outro problema apontado foi a prática de roubo para conseguir
subsídios para a compra dessas drogas.
Em relação aos fatores que levam as pessoas a recorrerem ao uso de dro-
gas, o motivo mais citado foi más companhias, seguido por problemas familia-
res. Outro ponto importante destacado na pesquisa é que 57,14% conhecem ou
convivem com usuários de drogas, as quais, em sua maioria, são ilícitas, o que
acaba se tornando um grande problema, já que muitos jovens são influenciados
pela facilidade em adquirir ou até mesmo são induzidos por traficantes.
Pessoa, Coimbra e Koller (2017, p. 102) afirmam que o “envolvimento de
adolescentes na comercialização de substâncias psicoativas ilícitas é uma reali-
dade de diversos países no mundo”, porém o problema se aprofunda em regiões
de maior desigualdade social. O “envolvimento no tráfico está, notoriamente,
associado a problemas de ordem econômica e social, que coloca muitas famílias
numa condição desprivilegiada”.
Nesse sentido, acreditamos que a escola pode contribuir, além do aprendiza-
do disciplinar, promovendo condições para superação das desigualdades sociais.
Pesquisas realizadas em ambiente escolar (BOFF; DEL PINO, 2013) mostram que
interações produzidas a partir da realização de atividades que focalizam o con-
texto de vivência dos estudantes produzem contribuições significativas, tanto em
relação ao desenvolvimento de conteúdos disciplinares, quanto na compreensão
de questões sociais, culturais e de saúde. Além disso, ao tratar de temáticas que
problematizam situações que envolvem um grande número de adolescentes em
idade escolar, amplia-se o compromisso da escola em estimular nos estudantes
a capacidade de argumentar, relacionar e fazer escolhas conscientes frente aos
problemas associados com o uso abusivo de drogas.
Dessa forma, foram propostas atividades abordando o assunto de modo
problematizador, despertando, nos estudantes, interesse e preocupação com os
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
81

problemas existentes na sociedade atual com relação ao uso abusivo de drogas.


Por isso, após a realização do questionário foram discutidos os conceitos des-
tacados pelos estudantes dando início à produção de vídeo. O objetivo foi o de
compreender aspectos anatômicos e fisiológicos do corpo humano e suas impli-
cações relacionadas ao consumo de drogas.
A seguir apresentamos uma das cenas retiradas de um vídeo produzido por
um grupo de estudantes que destaca efeitos de algumas drogas:

Possuem efeitos depressivos no sistema nervoso e causam sérios danos à saúde.


O uso abusivo dessas substâncias atuam diretamente nos nervos periféricos,
fígado, rins e medula óssea (E1).
O álcool tem efeito depressivo no sistema nervoso central/SNC, reduz inibições,
afeta o autocontrole e os sentidos ficam embaçados. Causa doenças como gastrite,
hepatite ou cirrose hepática, impotência ou infertilidade, infarto e trombose (E2).
O cigarro é composto por nicotina, que tem o poder de tornar as pessoas de-
pendentes com muita facilidade. Ao fumar o cigarro, uma grande quantidade
vai para os pulmões e passa para o sangue, atingindo o cérebro em alguns se-
gundos (E3).
Maconha – seus efeitos são possíveis alucinações e delírios, pode provocar so-
nolência, alteração do sensório (E5).

Os conceitos sublinhados foram ressignificados na disciplina de ciências


permitindo ampliação do conhecimento sobre a temática, sem deixar de lado os
conteúdos disciplinares. Durante a produção do vídeo, foi possível observar que
ocorreu um trabalho coletivo em que os estudantes envolvidos foram protago-
nistas da sua aprendizagem.
Kollas e Boff (2015) também observaram em sua pesquisa que a produção
de vídeo permite estabelecer relações entre a imagem e o áudio, o que possibilita
maior interesse para assimilação dos conteúdos disciplinares. O vídeo propicia
a apresentação dos conteúdos de maneira atraente e pode ser utilizado como
instrumento de pesquisa de modo a problematizar questões emergentes na so-
ciedade, assim como facilita a interdisciplinaridade.
As substâncias psicoativas pesquisadas pelos estudantes foram destacadas
em mapas conceituais, relacionando-os com o estudo do corpo humano e as pos-
síveis consequências ocasionadas pelo uso abusivo dessas substâncias. O estudo
evidencia concepções de que os conceitos/conteúdos relacionados ao corpo hu-
mano podem ser estudados a partir de uma temática importante para a vida, de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
82

modo a produzir sentidos e significados aos estudantes. Os mapas conceituais


elaborados pelos estudantes foram posteriormente aprimorados pelos professo-
res, conforme exemplo da Figura 1, como modo de sistematização de conceitos
disciplinares relacionados com os efeitos e consequências das drogas no ser hu-
mano, no caso o álcool. A produção coletiva de mapas conceituais a partir de
uma temática de vivência dos estudantes promove a consolidação de reflexões
e ações emancipatórias, pois os conteúdos disciplinares não estão prontos nos
livros didáticos de modo linear e fragmentado (BOFF; DEL PINO, 2013).
A Figura 1 mostra as potencialidades em trabalhar com temáticas relevantes
socialmente, para desenvolver conceitos de forma interdisciplinar e de modo a
produzir sentidos e significados para os estudantes.

Figura 1: Relações estabelecidas a partir do estudo dos efeitos e consequências do álcool

Fonte: Kollas; Boff (2015).


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
83

Estudo realizado por Boff e Del Pino (2018) mostra que, para desenvolver
os conteúdos disciplinares a partir de contextos relevantes socialmente, como
evidenciado na Figura 1, é necessário estabelecer interlocuções com profissio-
nais de diferentes áreas do conhecimento. No referido estudo, em determinado
momento, as professoras não estavam visualizando seus conceitos disciplinares,
mas, para enfrentar as dificuldades, foi convidada uma professora de biologia
para contribuir nos entendimentos sobre a atuação das drogas no ser humano.
A professora destaca:

Vou começar falando da função do Sistema Nervoso. Tem uma integração entre
sistema nervoso sensorial que na verdade a gente não deve considerar ele como
uma forma separada: sistema nervoso ou neurosensorial e o sistema endócrino
que coordena todas as funções corporais. A ação conjunta desses dois sistemas
é que leva ao funcionamento normal do corpo, qualquer alteração que ocorra é
ele que faz a regulação. O cérebro tem várias estruturas que acabam se conec-
tando e atuam em conjunto no sistema de recompensa que é justamente onde
as drogas atuam. [...] Então todas essas regiões do cérebro são responsáveis por
aquelas funções: comportamento emocional, memória, aprendizado, emoções,
vida vegetativa (digestão, circulação, excreção etc., em tudo isso as drogas vão
interferir. [...] Como funciona o neurônio efetivamente? Quantidades diferentes
do meio intra e extracelular e como grande parte dessas substâncias são íons
são carregados eletricamente. Então essa distribuição diferenciada vai dar uma
diferença de potencial elétrico entre o meio intra e extracelular. [...] Nos neurô-
nios e músculos a gente pode chegar a ter 60 milivolts de diferença de potencial
elétrico, isso é o que faz funcionar o neurônio (BOFF; DEL PINO, 2018, p. 139).

A partir dos entendimentos do funcionamento do corpo, em especial o sis-


tema nervoso, o mais afetado pelo uso de drogas, é possível perceber a necessi-
dade de explicações: da física, como energia potencial; da química, na busca de
compreensão sobre as substâncias e suas transformações; da biologia, com todos
os sistemas implicados no uso de drogas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas publicações encontradas no portal da CAPES, percebemos que ainda


existem poucos estudos desenvolvidos em escolas de Educação Básica sobre o
tema Educação em Saúde e os que existem são, em sua maioria, palestras pontuais.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
84

Quanto ao trabalho desenvolvido na Educação Básica, houve significativo en-


volvimento dos estudantes e boa articulação dos conteúdos disciplinares com a
temática. Os estudantes produziram vídeos destacando a constituição das drogas
e seus efeitos no organismo. Seus argumentos mostram que a produção de vídeo,
na perspectiva de compreensão de temas relevantes, contribui para a tomada de
consciência sobre as implicações das drogas na saúde e para produção de senti-
dos e significados aos conteúdos escolares.
Conforme os argumentos apontados no decorrer da pesquisa que originou
este capítulo, buscamos trabalhar de forma diversificada os pontos positivos e
negativos do uso de drogas, sem pensar na condenação do uso. Mas procura-
mos fazer com que os estudantes fizessem uma reflexão e tirassem suas próprias
conclusões sobre os problemas provocados à saúde, família, sociedade e apren-
dizagem pelo uso abusivo de drogas.
A produção e o uso do material audiovisual propiciaram envolvimento de
professores e estudantes, permitindo uma interação de todos os participantes,
além de inovar o ensino e ampliar informações que produziram reflexões im-
portantes sobre o uso abusivo de drogas, em especial, durante a adolescência.
Através da criação de mapas conceituais, os alunos puderam desenvolver
seus trabalhos utilizando os meios tecnológicos de forma a ampliar seus entendi-
mentos sobre o tema e sobre conceitos específicos disciplinares. Explicitaram de
forma detalhada as consequências de cada droga no corpo humano, os problemas
sociais e familiares que podem ser causados. Além de aprender sobre as drogas,
os alunos puderam aprofundar seus conhecimentos sobre os meios tecnológicos.
A análise dos dados permitiu verificar que atividades diferenciadas em sala
de aula, principalmente as que permitem ao educando protagonizar seu aprendi-
zado e as que envolvem imagens e manipulação de tecnologias, tanto na produção
de vídeos como nos mapas conceituais, chamam a atenção dos estudantes. São
atividades que despertam neles curiosidade, espírito científico e protagonismo
na construção de aprendizagem, pois esse modo de ensinar e aprender permite
a produção de sentidos e significados aos conteúdos escolares.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
85

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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
86

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5 PROPOSTA METODOLÓGICA PARA
TRABALHAR A EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM
AULAS DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA1

Eliane Gonçalves dos Santos2


Maria Cristina Pansera de Araújo3

1 INTRODUÇÃO

A formação de professores é um vasto campo de discussão e desafios, decor-


rentes das mudanças sociais e culturais em nível mundial, assim como da emer-
gência da cultura midiática e dos avanços científicos e tecnológicos presenciados
nos últimos anos. Nesse contexto de transformações da sociedade do século XXI,
é iminente a necessidade de as instituições de ensino rever seus currículos e (re)
pensar sobre o que é ser professor na atualidade e quais temáticas emergentes
no ensino contribuem para a formação cidadã dos alunos. Conforme Imbernón
(2011, p. 12), “esta nova renovação da instituição educativa e esta nova forma
de educar requerem uma redefinição importante da profissão docente e que se

1 Este capítulo se baseia em parte da tese “A Educação em Saúde nos processos formativos de professores de Ciências
da Natureza mediada por filmes (2018)” desenvolvida no Doutorado em Educação nas Ciências, na UNIJUÍ, pela
primeira autora, Eliane Gonçalves dos Santos.
2 Doutora em Educação nas Ciências (UNIJUÍ). Professora de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Ciên-
cias e Biologia da Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro Largo e docente do Programa de Progra-
ma de Pós-Graduação no Ensino de Ciências (PPGEC).
3 Doutora em Genética e Biologia Molecular, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
– UNIJUÍ.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
88

assumam novas competências profissionais no quadro de um conhecimento pe-


dagógico, científico e cultural revistos”.
É com essa finalidade que apresentamos, neste capítulo, uma reflexão sobre
a abordagem da Saúde no ensino e no processo formativo de professores. Além
disso, discorremos sobre o potencial dos filmes comerciais4 como um instrumento
pedagógico5 para promover e auxiliar na apresentação e discussões de questões
de saúde no espaço escolar, assim como apresentamos algumas sugestões de fil-
mes para trabalhar com questões de saúde no ensino.

2 O CONCEITO DE SAÚDE, AO LONGO DOS


ANOS, NA ESCOLA

Cada vez mais as questões de Saúde e Educação em Saúde no âmbito do en-


sino e da formação de professores ganham espaço nos estudos de pesquisadores
de âmbito nacional (MARTINS, 2017; ZANCUL; GOMES, 2011; WESTPHAL,
2006; MOHR, 2002, 2009; IERVOLINO, 2000; SCHALL; STRUCHINER, 1999)
e internacional (SABOGA-NUNES et al., 2016; CARVALHO; JOURDAN, 2014;
VILAÇA, 2006). Nas investigações desenvolvidas acerca da Saúde e da Educação
em Saúde, observa-se uma preocupação crescente de questões relativas às com-
preensões de saúde de professores e alunos, às práticas pedagógicas sobre saú-
de, educação sexual, saúde escolar, apresentação de saúde nos livros didáticos,
abordagens de saúde nos currículos tanto da escola como do Ensino Superior,
entre outras temáticas que contribuem para um entendimento e novas investi-
gações sobre o assunto.
Barros (2002) e Scliar (2007) apontam que o tema saúde parte de um en-
tendimento interligado ao contexto histórico e cultural de uma determinada so-
ciedade. Portanto, o que entendemos de saúde hoje é muito diferente do que era
compreendido pelos nossos antepassados, que atribuíam as causas ou estado de
saúde/doença a forças sobrenaturais. Com o avanço do conhecimento da ciência

4 Filmes comerciais são aqueles que foram produzidos e comercializados com fins lucrativos, disponíveis em cine-
mas, canais de televisão entre outros.
5 Entendemos com Vigotski (1929, 2008) que o cinema é um instrumento que serve para organizar o conhecimento,
o signo (linguagem) e o pensamento. Dessa maneira, ao utilizar filmes comerciais, em sala de aula, eles se caracte-
rizam como instrumento que permite significações, um meio para desenvolver a ação mental, para pensar sobre
determinadas questões e situações.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
89

e da tecnologia, esse entendimento mágico-religioso de saúde passou por uma


redefinição em meados do século XIX e ganhou nova configuração no século XX.
Esse entendimento influenciou e demarcou as atividades de Educação em
Saúde na escola e na sociedade como um todo. No final do século XIX, as ativi-
dades referentes à saúde no ambiente escolar estavam pautadas por um processo
de higienização. Para Monteiro e Bizzo (2015), a abordagem do tema na escola
foi baseada em preceitos originários da saúde, racionalidade científica, fundadas
na fisiologia. Sob esse viés, a “saúde escolar” seguiu duas vertentes: a primeira,
referente à higiene escolar, pela qual se iniciou a difusão da visão sanitarista; a
segunda, pela incorporação dos temas relacionados à saúde nos currículos esco-
lares, tida como objeto de “trabalho dos professores e de estudos e aprendizagens
por parte dos alunos” (MONTEIRO; BIZZO, 2015, p. 413).
Zancul e Gomes (2011) expressam que há uma forte marca do modelo
biomédico6 nos processos formativos de professores das Ciências da Natureza,
bem como no entendimento de saúde pelos alunos da Educação Básica. Assim,
é importante problematizar essa compreensão e avançar em propostas formati-
vas que possibilitem aos professores conhecimentos sobre Educação em Saúde,
dentro de uma perspectiva de prevenção e promoção da saúde.
A partir dos vários debates e reformas políticas em nível mundial e nacio-
nal sobre saúde, entre as décadas de 1960 a 1990 – Cartas de Ottawa (1986) e
Adelaide (1988), Lei de Diretrizes Bases (LDB) de 1964 e 1996 –, novas perspec-
tivas foram consideradas em relação ao tema. Com base nessas considerações,
identifica-se a necessidade de reconfigurar os currículos dos cursos de gradua-
ção e possibilitar uma formação aos professores que os auxilie a compreender a
complexidade da Saúde e a necessidade de construção de propostas educativas
que contribuem com a promoção da saúde na escola. Essa mudança visa à trans-
formação das condições de vida e saúde, bem como a melhoria da qualidade de
vida dos sujeitos e do contexto no qual se encontram.

6 Na literatura podemos encontrar os seguintes modelos de saúde: Biomédico – saúde como ausência de doenças;
Modelo Comportamental – para se ter saúde, há que se mudar os hábitos e comportamentos; Modelo Biopsicos-
social ou modelo sistêmico, o qual privilegia a visão integral do sujeito nas dimensões física, psicológica e social, e
a prevenção em vez do tratamento e Modelo Ecossistêmico – há uma estreita inter-relação entre a noção de saúde,
qualidade de vida e o ambiente. Dentro dessa perspectiva, a saúde e a doença são decorrentes de fatores que estão
ligados às questões ambientais, tais como: ausência de saneamento básico; poluição das águas, do solo e do ar;
condições precárias de moradia; proliferação de vetores; desmatamento; entre outros ( MARTINS, L.; SANTOS,
G. S.; EL-HANI (2012); GÓMEZ; MINAYO (2006)).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
90

Partindo desse entendimento, Iervolino (2000) diz que a criação de am-


bientes favoráveis à saúde está atrelada ao aumento de poder de deliberação
das pessoas e da comunidade e depende da educação e da maior participação
nos processos de tomada de decisão, fatores essenciais num processo demo-
crático de promoção da saúde. Assim, a busca por novos referenciais para dar
conta do modelo ampliado de saúde, que incorpora a evidente relação entre
saúde e condições de vida, resultou na construção da promoção da saúde como
política. Esse entendimento passou a ser disseminado pela Organização Mun-
dial de Saúde (OMS), a partir da I Conferência Internacional de Promoção
da Saúde, realizada em 1986. O documento resultante dessa conferência foi a
Carta de Ottawa.
A Carta de Ottawa (1986, p. 1) expressa que “a promoção da saúde é o nome
dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua
qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste
processo”. Saboga-Nunes et al. (2016) apontam as capacidades esperadas dos su-
jeitos a partir da promoção da saúde, como atualização, compreensão de infor-
mações e seu significado, interpretação e avaliação das questões e a capacidade
de formar uma opinião consciente.
Como a promoção da saúde se aproxima da ideia de qualidade de vida,
Minayo et al. (2000, p. 8) expressam que ela “abrange muitos significados, que
refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que
a ela se reportam em variadas épocas [...], sendo, portanto uma construção social
com marca da relatividade cultural”.
No movimento de compreensão do “conceito de saúde e doença”, cabe des-
tacar que é quase impossível estabelecer um conceito único e fechado, pois a
saúde e a doença estão relacionadas a fatores do contexto histórico e cultural de
uma determinada época. Nesse contexto, se devem levar em conta aspectos da
conjuntura social, econômica, cultural, política, e o ser humano na complexidade
de suas relações familiares, comunitárias e ambientais.
Nesse sentido, a escola é vista como um espaço privilegiado para a discus-
são e a Educação em Saúde, em vista da sua função social e, principalmente,
pelo trabalho contínuo e integrado com as crianças e os jovens e pela sua capa-
cidade de formação. Cabe destacar que a promoção da saúde depende de toda a
comunidade escolar (RAMOS; STEIN, 2000). Assim, a ES é uma das principais
vias para a promoção da saúde, pois está “colocada a educação (institucional
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
91

ou não) como uma forma de desenvolver o exercício da cidadania, para, desse


modo, fortalecer atitudes que melhorem as condições de saúde e vida” (CAR-
VALHO, 2015, p. 1212). Referente a esta abordagem, concordamos com Schall
(2010, p. 184) ao expressar que “a escola permanece como uma instituição que
pode constituir em espaço genuíno de promoção de qualidade de vida, cons-
truindo condições para que seus alunos se instrumentalizem para a interven-
ção individual e coletiva”.
Para atingir esses objetivos, no entanto, é importante que haja um ensino mais
abrangente sobre saúde nos cursos de licenciatura e mais formações e discussões
tanto em nível de formação inicial quanto continuada para debater sobre o que
de fato seja promoção da saúde e qualidade de vida. Desse modo, auxiliam-se
os professores a pensar e elaborar atividades de ensino com “problemas que têm
sentido na realidade dos estudantes, [...], problematizando os temas por meio de
estratégias pedagógicas diversas, priorizando os valores e a aquisição de hábitos
e atitudes com dimensões fundamentais” (SCHALL, 2010, p. 184).
Considerando que “a formação do professor de Ciências Biológicas também
está comprometida com a formação intelectual, cultural e política dos nossos
alunos da Educação Básica” (SELLES, 2014, p. 14), é primordial que a formação
contemple não apenas o conhecimento acadêmico, mas também práticas sociais
de saúde a partir de situações reais, para não distanciar do contexto que os futu-
ros professores encontrarão. Sob esse ponto de vista, podemos considerar que no
Ensino de Ciências e Biologia, a Educação em Saúde (ES) ainda é apresentada e
discutida, nas escolas e universidades, numa perspectiva reducionista e dentro
dos padrões sanitaristas, visando mais a cura do que propriamente a promoção
da saúde dos sujeitos (MOHR, 2002; CARVALHO; JOURDAN, 2014).
Autores como Talavera e Gavidia (2007) propõem que a implantação de
estratégias educativas no campo da saúde requer comprometimento, vontade e
interesse dos professores em participar do processo. Além do mais, os futuros
professores “necesitarán realizar una lectura crítica y profunda de los contextos
socioculturales y las realidades de las esculas en las que se inserten para construir
propuestas potentes y contextualizadas de EpS integral” (PASTORINO; ASTU-
DILLO; RIVAROSA, 2016, p. 76).
Ao fazer essas defesas em relação à Educação em Saúde no processo forma-
tivo e na prática docente do professor, partilhamos do entendimento de Mohr
(2002, p. 38) sobre a Educação em Saúde como “atividades realizadas como parte
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
92

do currículo escolar, que tenham uma intenção pedagógica definida, relaciona-


da ao ensino-aprendizagem de algum assunto ou tema relacionado com a saú-
de individual ou coletiva”. Concordamos com Precioso (2004, apud ZANCUL;
GOMES, 2011, p. 53) ao afirmar que: “A universidade deve dedicar-se a formar
professores que possam assegurar a construção de escolas promotoras de saúde
e a capacitação dos professores exige uma formação que contemple de maneira
mais ampla a temática Educação em Saúde”. No entendimento de Zancul; Gomes
(2011, p. 53), “A sensibilização e formação do corpo docente têm importância
fundamental para que a Educação em Saúde exista de fato e seja bem trabalhada
dentro das escolas”.
Para uma abordagem mais ampla, que contribua para promoção da saúde
e abandono dos entendimentos higienistas de saúde/doença, há necessidade de
uma retomada de discussão de que é importante ensinar sobre saúde na esco-
la. Dessa forma, é pertinente que a formação inicial contemple essa discussão
e busque um diálogo a fim de provocar mudanças de currículo, visando a uma
formação que trate a saúde dentro de uma abordagem sistêmica, que considera
o sujeito em sua integralidade.
No próximo tópico, discorremos sobre o uso de filmes como um instrumen-
to pedagógico com grande potencial para o ensino e para abordar as questões
de saúde nas salas de aula.

3 FILMES COMERCIAIS PARA ENSINAR E REFLETIR


SOBRE SAÚDE NO ESPAÇO ESCOLAR

Há mais de um século, o cinema atravessa nossas vidas, apresentando-nos


modos de ser, interagir e pensar. Essa mídia exerce grande fascínio em seus es-
pectadores, e seu enredo apresenta conhecimentos e saberes produzidos pela
humanidade. Os filmes comerciais não foram planejados para fins didáticos,
porém, pela diversidade de temas que tratam, caracterizam-se como um instru-
mento com grande potencial para a atividade de ensino, uma vez que encantam
e seduzem. Eles possibilitam novos olhares, percepções e representações men-
tais, transformando e ampliando o conhecimento escolar, a partir das histórias
apresentadas em seu enredo e das marcas que imprimem no processo formativo
dos sujeitos (estudantes e professores).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
93

Os filmes na sala de aula possibilitam discutir conhecimentos conceituais,


temas e situações do cotidiano por meio das histórias narradas. A linguagem ci-
nematográfica pode tornar-se um valioso dispositivo de aprendizagem, visto que
estimula o estudante a pensar e falar sobre seus entendimentos e significações,
tornando viável a instauração de novas formas de estar em sala de aula, propor-
cionando mudanças nesse espaço educativo.
Outro fator importante no trabalho pedagógico com os filmes é garantir
uma abordagem além da experiência cotidiana, sem negá-la (NAPOLITANO,
2013). Para esse autor, o professor deve “propor aos alunos leituras mais ambi-
ciosas além do puro lazer, fazendo a ponte entre emoção e razão de forma mais
direcionada, incentivando o aluno a se tornar um espectador mais exigente e crí-
tico, propondo relações de conteúdo/linguagem” (NAPOLITANO, 2013, p. 15).
É nesse contexto que buscamos nos filmes uma estratégia para fomentar
discussões no ensino e possibilitar reflexões sobre a Educação em Saúde, como
um espaço profícuo de trocas e aprendizagens, de “abertura e diálogo, para além
das palavras” (ANTUNES, 2015, p. 12). Ao aliar o imaginário do cinema com
fatos da vida real, o professor possibilita aos estudantes situações e “cenários que
retratam a diversidade cultural da sociedade e os valores individuais e coletivos,
que posteriormente podem ser discutidos e ampliados por meio de situações
dialógicas mediadas” (VIANA, ROSA, OREY, 2014, p. 139). Isso porque, ao as-
sistir a um filme, um universo imaginário se expõe ao espectador. Nas palavras
de Bernardet (1985, p. 12),

[...] parece tão verdadeiro – embora a gente saiba que é de mentira – que dá
para fazer de conta, enquanto dura o filme, que é verdade. Um pouco como
num sonho: o que a gente vê e faz num sonho não é real, mas isso só sabemos
depois, quando acordamos. Enquanto dura o sonho, pensamos que é verdade.

Ao pensar sobre o “poder” do cinema, partilhamos do entendimento de


Oliveira Jr. (1999) ao expressar que os filmes tocam o sujeito, primeiro, pela
emoção, e, depois, pela razão. Esse processo possibilita ao espectador despertar
sua imaginação e estabelecer aproximações com o seu cotidiano. A dimensão
educativa do cinema como instrumento pedagógico está na proposição de que se
ele “encanta, deslumbra e emociona, ele também ensina” (SILVA, 2007, p. 211).
Bicca (2010, p. 57) debate essa questão apontando que, embora os filmes
“não se valham de um currículo planejado com o objetivo primeiro de ensinar
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
94

um corpo de conhecimentos, tal como um currículo escolar faria, eles ensinam


muitas coisas para as suas audiências”. O contato e o aprofundamento com temas
apresentados nos enredos fílmicos possibilitam que aluno e professor ampliem
o olhar, a reflexão e a discussão de assuntos que muitas vezes estão na periferia
do currículo escolar. E, como afirma Carneiro (2005, p. 103),

[...] os currículos escolares tentam ignorar que fora da sala de aula as crian-
ças muito aprendem sobre o mundo, que a informação que a mídia lhes lega é
acessível. A escola é solicitada a estimular competências não para simplesmente
ler, interpretar, mas para compreender meios e mensagens audiovisuais que os
jovens consomem e com os quais se envolvem afetivamente.

O trabalho com filmes na escola pode ir aos poucos modificando a prática


docente e as salas de aulas, contribuindo para “dar respostas a alguns dos pro-
blemas identificados nas escolas como dificuldade de comunicação entre ado-
lescentes e professores, o desinteresse das crianças pelas atividades escolares e
questões ligadas às diferentes capacidades de percepção e atenção” (DUARTE
et al., 2004, p. 38).
O discurso de incorporar os filmes comerciais no ensino parte da premissa
de que sons, imagens e palavras veiculados por esse instrumento apresentam uma
nova possibilidade de aprender, de interagir e de estar na sala de aula. O profes-
sor tem um papel decisivo no trabalho com essa mídia, pois trazê-la para sala de
aula requer planejamento e comprometimento com os conhecimentos, atitudes,
procedimentos e valores a serem abordados. A escola é o lugar de ampliação e
ressignificação dos conhecimentos produzidos e sistematizados pela humani-
dade. Nesse sentido, a escola tem uma importante função social, que é ensinar.
O filme, como instrumento de mediação das atividades pedagógicas, pos-
sibilita, conforme Varani e Chaluh (2008), outra forma de olhar/enxergar o co-
tidiano da escola. As autoras (2008, p. 4) entendem “que não há um só caminho,
uma forma, uma estratégia para ensinar e aprender, que não há uma só forma de
pensar e que podemos nos relacionar com os conhecimentos de outras formas
das estipuladas pela ciência moderna”.
Embora ofereça potencialidades para o ensino, a incorporação de filmes
nas aulas depende diretamente da atitude do professor, da forma como ele pla-
nejará e desenvolverá suas atividades pedagógicas com este instrumento, como
fará a mediação e a interação entre os sujeitos e o conhecimento que estão sendo
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
95

apresentados no filme. Portanto, alguns cuidados são indispensáveis para o su-


cesso da atividade, como “conhecer e tê-los assistido; escolher um assunto; ela-
borar um roteiro” (SANTOS; PANSERA-DE-ARAUJO, 2016, p. 1272), além de
disponibilizar material de leitura prévia e, posteriormente à sessão, realizar a
discussão sobre a temática em questão. A seguir, apresentaremos uma propos-
ta didática para o trabalho em sala de aula com filmes ou recortes de cenas que
podem contribuir com o ensino e a discussão da saúde na escola.

4 PROPOSTA DIDÁTICA

O uso de filmes, como já mencionado, possibilita outras formas de apresen-


tar os conteúdos curriculares aos estudantes. A partir da exibição dessa mídia
ou mesmo de uma cena, é possível trabalhar e chamar a atenção para questões
importantes da saúde, ultrapassando o entendimento biomédico ao abordar os
diversos fatores que impactam e influenciam a saúde humana.
Há filmes comerciais que podem contribuir com o trabalho do professor
para discutir e diferenciar os modelos de saúde (biomédico, comportamental,
biopsicossocial, ecossistêmico), além de debater e refletir sobre como as con-
dições sociais, econômicas e políticas, entre outras, influenciam a nossa saúde.
Na sequência, de acordo com Santos e Pansera-de-Araujo (2020), apresen-
tamos dez (10) filmes com potencial para abordar questões de saúde:
1) O curandeiro da Selva (1992);
2) E a vida continua (1993);
3) Jardineiro fiel (2005);
4) Uma prova de amor (2009);
5) Exótico Hotel Marigoldi (2012);
6) O físico (2013);
7) Clube de compras Dallas (2013);
8) Divertida Mente (2015);
9) Como eu era antes de você (2016);
10) Nise – O coração da loucura (2016).

Os filmes selecionados permitem ao professor abordar assuntos referentes


à saúde, além de estabelecer aproximações com os conteúdos dos componentes
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
96

de Ciências e Biologia. Por exemplo, no filme “O curandeiro da Selva (1992)”, o


tratamento do câncer, a síntese/extração de medicamentos de plantas e a bio-
diversidade da floresta Amazônica; em “E a vida continua (1993)” e “Clube de
compras Dallas (2013)”, o início da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS), a descoberta do vírus HIV; com o filme “Jardineiro Fiel (2005)”, as
Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), as doenças bacterianas (tuber-
culose) e o saneamento básico; em “Uma prova de amor (2009)”, as neoplasias
humanas, a doação de tecidos e órgãos e o ciclo vital humano; em “O exótico
hotel Marigoldi (2012)”, o envelhecimento humano e as mudanças anatômicas
e fisiológicas do organismo; em “O Físico (2013)”, questões sanitárias e de hi-
giene, morfofisiologia humana; em “Divertida Mente (2015)”, as funções neu-
rais e o desenvolvimento humano; em “Como eu era antes de você (2016)”, as
funções neurais e paralisias musculares, assim como a eutanásia; e, com o filme
“Nise – O coração da loucura (2016)”, a questão da esquizofrenia.
Além do que apresentamos, outras abordagens podem ser exploradas
no ensino, como diferenciar os modelos de saúde a partir de cenas pré-sele-
cionadas. Os modelos biomédicos (filmes 2, 4, 5, 7, 9 e 10), comportamental
(filmes 2, 7 e 9), biopsicossocial (filmes 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10) e ecossistêmi-
co (filmes 1, 3 e 6) podem ser identificados ao longo das narrativas fílmicas,
auxiliando os estudantes a reconhecerem e compreenderem o que caracteriza
um ou outro modelo.
Filmes como “O curandeiro da Selva” apresentam a importância do saber
popular e da preservação da natureza para a busca do conhecimento e desen-
volvimento da Ciência. “Clube de compras Dallas” e “E a vida continua” fazem
referência à história da AIDS e como era ter essa doença nas décadas de 80
e 90 do século XX, no qual o desconhecimento, o preconceito, a exclusão e a
falta de informações foram as principais marcas da história da saúde humana.
Também apresentando no enredo a AIDS como um dos panos de fundo para
discutir outras questões – descaso com o ser humano e não neutralidade da
Ciência –, o filme “Jardineiro fiel” traz à tona a relação entre saúde (AIDS e
ISTs) e questões políticas, econômicas, culturais e sociais envoltas acerca do
assunto. Na atualidade, essa relação se caracteriza como um sério problema de
saúde pública, principalmente em países subdesenvolvidos.
Em “Como eu era antes de você” e “Uma prova de amor” emergem ques-
tões para além da saúde relacionada à ausência de doença, uma vez que esses
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
97

filmes proporcionam refletir sobre o adoecer, relacionando-o a fatores sociais,


ambientais e emocionais. Outro ponto que pode ser debatido é sobre o direito
à vida e à morte – eutanásia. “Nise – O coração da loucura” aborda um assun-
to pouco e talvez nem trabalhado em sala de aula, que são as doenças mentais,
como a esquizofrenia, caracterizada por sintomas como surtos psicóticos, ouvir
vozes, falar sozinho, alterações dos movimentos, concentração e memória. A
psiquiatra brasileira Nise Silveira propõe um trabalho pioneiro e humanizado
para a doença no qual o afeto e a arte são os principais elementos para o tra-
tamento dos pacientes dos hospitais psiquiátricos. Em “O Exótico hotel Mari-
goldi”, o tema saúde e envelhecimento humano podem ser trabalhados a partir
de um entendimento humanizado e ampliado de saúde, para que os estudantes
compreendam essa fase da vida como um processo natural das espécies. Para
Santos e Pansera-de-Araújo (2016, p. 1271),

O filme o Exótico Hotel Marigold apresenta ao espectador elementos para


refletir a velhice na sociedade, indicando as possibilidades de (re) pensar essa
fase da vida como um momento de descobertas, aprendizagens, mas princi-
palmente instigar a sensibilidade e respeito por estas pessoas que são deten-
toras de conhecimento e sabedoria. O filme também aborda temas pontuais
como: homossexualidade, diferença de classes e castas, solidão, tradicionalis-
mo cultural, medo de mudanças, preconceito racial. Temas contemporâneos
que devem estar presentes no ensino não apenas de Ciências, mas de todas
as áreas. Ao propor esse filme para o trabalho com os alunos no ensino dos
conteúdos curriculares de Ciências da Natureza o professor pode abordar
questões como: modelos de saúde (biomédico, comportamental e biopsicos-
social); ciclo vital (nascimento, desenvolvimento, reprodução, envelhecimen-
to, morte), envelhecimento fisiológico no qual ocorre uma série de alterações
nas funções orgânicas e mentais, devido exclusivamente aos efeitos da idade
avançada sobre o organismo.

Pensando em abordar as questões do desenvolvimento humano, principalmen-


te a entrada na adolescência, momento da vida considerado por pais, professores
e adolescentes como um momento de intensas mudanças, descobertas e conflitos,
o filme “Divertida Mente” é uma excelente opção. Ele proporciona reflexões e de-
bates acerca desse período e de temas como saúde mental, questões emocionais,
estresse, distúrbios alimentares, depressão e suicídio. Essas discussões permitem
compreender a saúde nas suas diferentes interfaces, assim como o sujeito na sua
integralidade e nas relações que estabelece no contexto social em que vive.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
98

Os filmes selecionados podem contribuir com o trabalho do professor na


apresentação da saúde de forma ampla e significativa aos estudantes. Eles tam-
bém oportunizam o desenvolvimento de atividades pedagógicas com uma nova
configuração, buscando relacionar conceitos curriculares com assuntos e situa-
ções do cotidiano dos estudantes ao extrapolar a dimensão biológica do processo
saúde-doença. Nessa relação, promovem uma discussão e uma aprendizagem que
perpassam questões socioculturais e que visem à promoção da saúde e à quali-
dade de vida dos sujeitos.
Para tanto, segundo Santos e Pansera-de-Araujo (2020), apresentamos um
modelo de roteiro para o trabalho pedagógico com filmes:

Ficha técnica
– Nome: O Exótico Hotel Marigoldi (2012);
– Direção: John Madden;
– Elenco: Judi Dench, Maggie Smith, Bill Nighy, Penelope Wilton, Tom
Wilkinson, Ronald Pickup, Celia Imrie, Dev Patel, Tena Desae, Lillete
Dubey;
– Gênero: Comédia dramática;
– Nacionalidade: Reino Unido.

Sinopse
– O filme apresenta ao espectador a história de sete aposentados britânicos –
Evelyn, Muriel, Douglas, Jean, Graham, Norman e Madge – que decidem
ir para a Índia passar sua aposentadoria em um luxuoso resort em Jaipur,
onde acabam descobrindo que a estrutura do lugar não é como os anúncios
da internet apresentavam. Antes dos personagens iniciarem a viagem, apre-
senta-se uma breve história da vida de cada um deles e os possíveis motivos
que os levaram a tomar a decisão de ir para a Índia. Evelyn (Judi Dench),
após a recente morte do marido e a venda do apartamento onde moravam
para quitar as dívidas deixadas pelo morto, recusa-se a morar com o filho;
Muriel (Maggie Smith), uma senhora ranzinza e preconceituosa que neces-
sita de uma cirurgia de emergência, é aconselhada a ser operada naquele
país; o casal Douglas (Bill Nighy) e Jean (Penelope Wilton), desgastados
por tantos anos de convivência; Graham (Tom Wilkinson), um jurista re-
cém-aposentado que volta ao local depois de vários anos para prestar contas
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
99

com seu passado; Norman (Ronald Pickup) e Madge (Celia Imrie), que não
perderam as esperanças de encontrar alguém para passar o tempo que ain-
da lhes resta, seja para uma vida a dois ou para redescobrir o prazer do sexo.

Duração da aula: 2-3 h/a

Objetivos
– Refletir sobre o envelhecimento humano e fatores socioculturais;
– Diferenciar/ caracterizar os diferentes modelos de saúde.

Metodologia
– Passo 1 - realizar a leitura do material de apoio;
– Passo 2 - assistir ao filme e/ou às cenas selecionadas;
– Passo 3 - solicitar aos estudantes que apresentem suas impressões da histó-
ria ou cena mostrada pelo filme;
– Passo 4 - fazer perguntas específicas relacionadas ao filme, ao envelheci-
mento e aos modelos de saúde.
– Passo 5 - solicitar a produção de algum material (texto, pesquisa etc.)

Pontos para discussão


a) O que significa envelhecer na atualidade?
b) Os desafios enfrentados pelas pessoas idosas acerca das relações familiares
e sociais, a inserção no mercado de trabalho.
c) Relações sexuais e prevenção de ISTs na velhice.
d) Modelos de saúde identificados no filme O Exótico Hotel Marigoldi.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao propormos a compreensão e a abordagem do tema saúde a partir dos


filmes, o fizemos por compreender que esse instrumento pedagógico possibilita
uma forma contextualizada, dinâmica e reflexiva de trabalhar com os conteúdos
curriculares e proporcionar outra forma de estar em sala de aula e do fazer peda-
gógico. De acordo com pesquisadores da área, há que se ampliar e ressignificar a
forma como a saúde está sendo trabalhada no espaço escolar, mas para que isso
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
100

ocorra é importante que haja mais discussões na formação inicial e continuada


de professores acerca do assunto.
Atualmente, ainda há prevalência do modelo biomédico nos entendimentos
de saúde dos profissionais da educação e do que está posto na apresentação dos
materiais didáticos. Entretanto, é importante salientar que saúde se determina
pelo contexto social dos indivíduos, como acesso à educação, ao atendimento de
saúde, ao saneamento básico, entre outras questões determinantes da qualidade
de vida em nível individual e coletivo, assim como as relações estabelecidas entre
os sujeitos e o meio em que estão inseridos.
Por essa razão, argumentamos que é necessário tratar a saúde nas institui-
ções de ensino sob outro prisma, o da promoção da saúde e do cuidado de si.
Para tanto, a escola tem um papel fundamental nesse processo. Assim, conside-
ramos que os filmes comerciais se constituem como um instrumento pedagógi-
co com potencial ao ensino, pois eles propõem novas ideias para reorganizar o
currículo. E, desse modo, possibilitam tanto que professores em formação inicial
quanto continuada pensem em um novo contexto para perceber que a Educação
em Saúde é crucial para o ensino das Ciências da Natureza.

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6 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE POSTA
“EM CIMA DA MESA”: REVISITANDO O PAPEL
DO PROFESSOR E DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR
NO DESENVOLVIMENTO DE TEMAS DE SAÚDE

Guilherme Mulinari1
Cleiton Lessmann2

1 INTRODUÇÃO

Uma palavra, um termo ou conceito é considerado polissêmico quando


apresenta vários sentidos mesmo que seja possível estabelecer algum grau de
relação entre seus diferentes significados. Além disso, a polissemia afeta prati-
camente todas as palavras de uma língua porque resulta de mecanismos naturais
e inconscientes de atribuição de significado (CORREIA, 2000).
Na atividade cotidiana de pesquisa em Educação e Ensino, é comum en-
contrarmos inúmeros termos cujos significados são possivelmente polissêmicos.
Termos como “problematizar”, “crítico”, “interdisciplinaridade”, dentre outros,
ainda geram ruídos na comunicação acadêmica. Esses termos, quando usados
sem o devido cuidado, geram sentidos múltiplos e, por vezes, tornam-se vagos
quando não recebem devida atenção. Para Cotanda (2014), a polissemia pode
possuir efeitos negativos amplificados quando se trata de termos que, no contexto

1 Mestre em Educação Científica e Tecnológica. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Cientí-


fica e Tecnológica (PPGECT) – UFSC.
2 Licenciado em Ciências Biológicas. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecno-
lógica (PPGECT) – UFSC.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
105

argumentativo, possuem status de conceito. Além disso, “o emprego de palavras


não garante por si só o compartilhamento intersubjetivo de significados, poden-
do ocorrer a produção de significados completamente distintos por aqueles que
buscam se comunicar” (COTANDA, 2014, p. 830).
Nesse contexto, a Educação em Saúde (ES) poderia ser caracterizada como
uma expressão ou um conceito polissêmico? Segundo Venturi e Mohr (2011),
pelo fato de a ES originar-se do encontro de duas grandes áreas – a educação
e a saúde – que, muitas vezes, apresentam objetivos, metodologias e conteúdos
distintos, é natural observarmos uma grande diversidade de compreensões rela-
cionadas a esta área de conhecimento e atuação. Além disso, ES é utilizado para
descrever tanto ações e atividades de professores (MOHR, 2002; IERVOLINO e
PELICIONI, 2005; ZANCUL e GOMES, 2011; CASTANHA et al., 2017) quanto
de profissionais da saúde, como enfermeiros (ROSSO e COLLET, 1999; BARBO-
SA et al., 2010; COLOMÉ e OLIVEIRA, 2012; FALKENBERG et al., 2014), odon-
tólogos (AQUILANTE et al., 2003; MIALHE e SILVA, 2011) e médicos (ALVES
e NUNES, 2006; RODRIGUES et al., 2015; CAVALCANTI et al., 2017). Nesse
sentido, julgamos necessário desdobrarmos o que, de fato, queremos dizer com
ES, bem como seus objetivos, fundamentos teóricos e espaços nos quais estas
atividades são realizadas visto que diferentes profissionais a realizam. Para isso,
neste capítulo, discutiremos o que defendemos como papel da instituição esco-
lar, considerando que ela é espaço para o desenvolvimento da ES e, consequen-
temente, o papel dos professores em tais atividades.
Entendemos a necessidade desta discussão por observarmos, frequente-
mente, a partir de uma breve revisão bibliográfica, algumas problemáticas refe-
rentes à ES desenvolvidas nas escolas e por professores, como: i) a naturalização
em se atribuir exclusivamente aos professores de Ciências e Biologia a discussão
de temas relacionados à saúde; ii) a frequência evidente com que professores são
incentivados a realizarem atividades as quais não condizem com sua formação,
tampouco com os objetivos escolares; e iii) a prevalência de um molde comporta-
mentalista e higienista vinculado à ES escolar. Essas problemáticas relacionam-se
direta e indiretamente com o histórico de criação e implementação de políticas
públicas e documentos orientadores da Educação Básica.
Na década de 1970, principalmente a partir da criação da primeira Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) para o ensino, iniciou-se um movimento que deman-
dou da escola a discussão de temas de saúde. Nesta lei, número 5.692, de 11 de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
106

agosto de 1971, foram instituídos, em caráter obrigatório na época, os Programas


de Saúde na escola (BRASIL, 1971). Mohr e Schall (1992) afirmam que as ações
de saúde eram estabelecidas nas escolas com o objetivo de estimular práticas da
saúde básica e de higiene. Esses programas avançaram em proposta ao incenti-
varem a participação da comunidade escolar como um todo na elaboração de
tais atividades (BRASIL, 1974). Mesmo com este viés integrador, contudo, os
programas de saúde, em seu período de vigência, ainda eram desenvolvidos
majoritariamente por professores de Ciências e Biologia (MEDEIROS, 1989;
GOUVEIA, 2003), reforçando o caráter exclusivamente biológico da saúde, que
almejava a mudança de comportamentos considerados nocivos. Além disso, Mohr
e Schall (1992) destacam o despreparo dos professores, as limitações dos livros
didáticos, bem como as inadequações metodológicas no tratamento curricular
de conteúdos de saúde que podem ter contribuído para os inúmeros obstáculos
dos Programas de Saúde.
Algumas dessas características são encontradas novamente com a divulgação
e implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na década de
1990. As novas propostas curriculares, apesar de tornarem a saúde um tema trans-
versal3 para incentivar uma discussão necessariamente interdisciplinar (BRASIL,
1998; GALLO, 2004), não eram colocadas em prática devido a uma organização
curricular historicamente construída (MARINHO, SILVA e FERREIRA, 2015).
Para Jucá (2008), os PCN se assemelham às propostas dos Programas de Saúde,
principalmente em seus aspectos sanitaristas e pautados na higiene do corpo.
Além disso, na prática, a discussão de temas de saúde manteve-se majorita-
riamente relacionada às aulas de professores de Ciências e Biologia, uma vez que
era comum este tema ser encontrado apenas em livros didáticos destas disciplinas
(MOHR, 2002). Nesse contexto, existe, tanto nos Programas de Saúde quando
nos PCN, a perspectiva de que temas de saúde na escola ainda sejam trabalha-
dos de forma prescritiva e normativa, centrados na aquisição de valores, hábitos
e atitudes (VENTURI e MOHR, 2011; MARINHO, SILVA e FERREIRA, 2015),
visto que essas não seriam atribuições de professores (MOHR, 2002). Com isso,
segundo Venturi e Mohr (2013, p. 5), “os objetivos das campanhas são mudanças
de comportamentos, formação de hábitos e atitudes, deixando os conceitos e os

3 De acordo com a concepção elaborada pela equipe do MEC, os temas transversais devem perpassar os conteúdos
curriculares. Assim, “As áreas convencionais devem acolher as questões dos Temas Transversais de forma que seus
conteúdos as explicitem e que seus objetivos sejam contemplados” (BRASIL, 1998, p. 27).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
107

conhecimentos subordinados às mudanças que devem ocorrer”. Esse cenário se


complexifica ao passo que professores se consideram modelos para seus alunos
e comumente manifestam preocupações em “ter boas atitudes e coerência com o
que ensina, ser correto, procurando errar o menos possível para não influenciar o
aluno de forma negativa” (BYDLOWSKI, LEFÈVRE e PEREIRA, 2011, p. 1176).
Atualmente, deparamo-nos com o amplo alcance das ações desenvolvidas
pelo Programa Saúde na Escola (PSE). Este programa, instituído pelo Decreto
Presidencial n° 6.286, de 5 de dezembro de 2007, e elaborado através de uma
parceria entre o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação (MEC),
possui como um de seus objetivos: “ampliar o acesso da comunidade escolar
aos serviços de saúde e contribuir para a formação integral dos estudantes, por
meio de ações de promoção, prevenção e atenção à saúde” (BRASIL, 2007, p. 1).
Ao longo dos anos, o PSE já registrou a adesão dos 27 estados brasileiros
e federação, contemplando 4.787 municípios, 78.934 escolas e 31.317 equipes
da saúde (BRASIL, 2017) e, até o ano de 2016, contemplou mais de 18 milhões
dos alunos regularmente matriculados em escolas públicas de Educação Básica
(BRASIL, 2017).
Mesmo se tratando de uma política intersetorial entre a Educação e a Saú-
de, Lopes, Nogueira e Rocha (2018), a partir de uma revisão bibliográfica sobre
o PSE, apontam que, dentre as principais críticas feitas ao programa, destaca-se
o modo como ele é apresentado à escola, acontecendo frequentemente de ma-
neira verticalizada. Nesse aspecto, “a equipe de saúde costuma adentrar a escola
‘comunicando’ o que deve ser feito pelos professores para que os alunos tenham
mais saúde” (LOPES, NOGUEIRA e ROCHA, 2018, p. 782), apontando um pro-
tagonismo do setor da saúde no planejamento e desenvolvimento do programa.
Ferreira et al. (2011) verificaram que a participação dos setores da educação e
saúde de fato não é equânime, dados esses que são reafirmados por Mulinari
(2018) ao ressaltar este protagonismo do MS em detrimento do MEC na elabo-
ração dos documentos que orientam o programa.
Frequentemente, não ocorre a participação de representantes da comuni-
dade escolar no planejamento das ações do PSE (CARVALHO, 2015), e a dis-
tância entre os profissionais da educação e os da saúde é um fenômeno corri-
queiro (BRASIL et al., 2017). Carvalho (2015) destaca que, apesar de algumas
atividades realizadas no âmbito do PSE terem superado um viés exclusivamente
assistencialista, valorizando cenas do cotidiano escolar e dos alunos, boa parcela
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
108

mantém-se em seu caráter técnico de avaliação de saúde dos educandos. Obser-


vamos que existe um paradigma medicalizante a ser superado nas atividades de
saúde desenvolvidas na escola (LOPES, NOGUEIRA e ROCHA, 2018) e muitas
vezes professores recebem atribuições equivalentes à dos profissionais da saúde
(MULINARI, 2018).

2 O PROFESSOR E A ESCOLA COMO


ESPAÇO DE IGUALDADE

Considerando que no contexto das pesquisas em ES a figura do professor


ainda nos parece bastante difusa, sua formação possui algumas lacunas e fre-
quentemente se confundem suas atribuições em âmbito escolar. Optamos por
construir, nesta seção, uma reflexão acerca do seu papel e da escola como seu
local de atuação, em busca de novas perspectivas para pensarmos a ES. Faze-
mos isso motivados pela noção de “exercício de pensamento”, proposta por Jan
Masschelein, ao compreender que a filosofia como educação trata de assumir
perguntas, como: o que é educação? O que é a escola? O que faz o professor? E
é também apropriar-se destas perguntas e torná-las públicas (MASSCHELEIN;
SIMONS, 2014). Dessa forma, colocamo-nos a questionar as estruturas e os sig-
nificados com os quais temos convivido até então. Como sugere o autor, “A filo-
sofia da/como educação, então, é tentar mais uma vez as palavras e os verbos, a
fim de expô-los para que eles possam começar de novo a significar algo ou falar
de algo.” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 21). Portanto, no texto que segue,
nós questionamos palavras como igualdade, democracia e educação, suspenden-
do-as do senso comum e tornando-as elementos cruciais na reflexão acerca do
papel da escola e do professor.
Antes de discutirmos diretamente o papel do professor, é necessário que
nos debrucemos inicialmente sobre o propósito da escola. Isso significa buscar
nela seu papel social: para que servem as escolas em nossa sociedade? Diferente
do que circula no senso comum, que vê a escola como espaço de transmissão
do conhecimento, defendemos a concepção de que existe na escola a possibi-
lidade concreta de construí-la como espaço de igualdade. A igualdade da qual
falamos aqui é reflexo do trabalho de Jacques Rancière que, em sua obra “O
mestre ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual”, mobiliza em
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
109

seu personagem Jacotot uma mudança de perspectiva sobre o ensino na qual a


igualdade deixa de ser um ponto de chegada e passa a ser um axioma que baseia
a prática (RANCIÈRE; PANAGIA, 2000). Ou seja, “para Rancière, a igualdade
não é algo que é dado, não é um fato que pode ser observado e provado (ou
falsificado), e não é uma meta ou destino a ser alcançado” (MASSCHELEIN;
SIMONS, 2014, p. 138).
Essa inversão põe em xeque políticas públicas que partam do pressuposto
de que devem sanar a desigualdade (i.e. acesso aos serviços de saúde) e vejam
a escola como espaço para tal, porque, por fim, perpetuam as estruturas ao
estabelecer uma escola que é por princípio desigual. Diferente dessa perspectiva,
permitimo-nos pensar a igualdade como pressuposto da igualdade intelectual,
partindo da premissa de que todos são capazes de falar e entender, sem ser
necessário justificação prévia ou qualificação (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014).
Pensar a igualdade dessa forma nos leva a questionar algumas das premissas que
comumente pautam as políticas públicas desenvolvidas na escola, por exemplo,
aquelas que buscam o combate à desigualdade social. O protagonismo que o
combate da desigualdade recebe em políticas públicas pode, em certa medida,
sobrepor a premissa de igualdade intelectual dos alunos e reforçar um discurso
unilateral de padronização de comportamentos. Nesse sentido, quando se faz
da escola um espaço primeiro para a resolução de desigualdades, podemos
retirar dela a sua função educativa, ao não considerar que todos os alunos são
intelectualmente iguais.
Esta posição que aqui buscamos questionar é também reforçada no mo-
mento em que as desigualdades sociais e problemas de saúde ganham prioridade
como temas de saúde a serem desenvolvidos na escola. Por exemplo, pressupõe-se
que regiões que sofrem com casos de dengue devam tratar esse tema nas escolas
(BRASIL, 2019). Dessa forma, quem tem um problema precisa aprender sobre
ele. Acreditamos que essa é uma clara reprodução de desigualdade, e não uma
solução, pois quem já está em uma situação desfavorecida é responsabilizado pela
busca de soluções sobre ela. Na verdade, defendemos que deveríamos construir
esse tipo de discussão como sociedade, de maneira democrática, respeitando a
igualdade entre os estudantes todos. De fato, é um desafio questionar algumas
dessas noções que por vezes parecem tão simples, mas esse processo evoca jus-
tamente a busca de um propósito mais claro para nossas ações na ES. Afinal de
contas, o que queremos com a escola?
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
110

Nós defendemos a noção de que a escola deve ser o espaço democrático de


expressão da igualdade. De acordo com Masschelein e Simons (2014), é neste
local que as pessoas realizam seus processos de emancipação, que, nesse caso,
não é um destino político ou social, mas uma intervenção individual que de-
monstra e verifica a igualdade do ser diante dos outros. Essa é a base do enten-
dimento de vita democratica, que se trata do poder “das pessoas não qualificadas
ou a capacidade daqueles que são incapazes, isto é, daqueles que não têm qual-
quer justificação, além de serem não qualificados e incompetentes (em vista da
ordem social em jogo)” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 140). Nessa linha,
ainda conforme os mesmos autores, a democracia é o poder daqueles que não
têm poder; aqueles que, quando intervêm, instalam um dissenso (uma divisão
no “senso comum”) ao exercerem a igualdade, demonstrando e verificando que
são intelectualmente iguais e competentes em vista do bem comum do qual,
mesmo assim, são excluídos. Pensando em termos de Saúde, um cidadão social-
mente marginalizado é tão capaz de refletir e tomar decisões sobre seu corpo e
exercer o cuidado de si quanto os privilegiados, mas nem sempre respeitamos
essa premissa em nossas ações. Um exemplo claro disso são as intervenções de
Saúde que prescrevem aos indivíduos o que eles devem ou não fazer, sem que
propiciem qualquer espaço horizontal e colaborativo de reflexão sobre a situação.
Dessa forma, neutralizam a democracia e despolitizam os dissensos. Portanto,
respeitar a premissa democrática da escola como espaço de igualdade é primor-
dial para que esse medo da democracia não paute as ações de ES. Masschelein e
Simons (2014, p. 146) defendem que:

Há um medo de que as escolas possam realmente se tornar locais onde a de-


mocracia ocorre, ou seja, um lugar onde não há nenhuma razão natural (a in-
teligência, por exemplo) ou social (condição financeira, por exemplo) em que
o exercício do poder ou a justificação das diferenças possa ser baseado.

Dentro da nossa sociedade, nenhum outro espaço tem o potencial de pro-


piciar as mesmas discussões e reflexões que a escola, por isso ela nos é tão cara.
Porém, sua estrutura meritocrática clássica e desigual em que “professores espe-
cialistas” ensinam aos “alunos ignorantes” também é um grande obstáculo para
parte das reflexões que propomos aqui. Ou seja, nós não negamos que as estru-
turas postas muitas vezes impossibilitam certas ações e até mesmo discussões,
mas, como buscamos explorar outras perspectivas nesse exercício de pensamento,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
111

optamos, por ora, por voltar nosso foco para como podemos reimaginar a esco-
la. Podemos considerar esse exercício como parte de um utopismo pedagógico,
porque propomos uma prática pedagógica que parte do princípio de que todos
podem aprender tudo, mas reconhecemos que essa premissa está em contradição
com a realidade (VERBURGH et al., 2016).
É importante lembrar também que a escola como a conhecemos nem
sempre teve a mesma configuração. Masschelein e Simons (2014) indicam-nos
que a palavra “escola” tem origem no grego skholé, que significa “tempo livre”,
enquanto pedagogo, derivado da palavra grega paidagogós, indica aquele que
levava até a skholé. Os autores definem tempo livre como:

[…] o tempo de estudo, pensamento e exercício é o tempo que é separado da


vida produtiva, é tempo em que o labor e o trabalho como atividades econô-
micas são colocados a uma distância. É tempo de conhecimento/matéria pelo
conhecimento/matéria, da capacidade pela capacidade (conectada a exercitar-
-se) e da voz/toque de um evento em excesso de um sujeito e seus projetos (que
está comprometido no pensamento) (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 162).

Nessa visão, a escola opera em um tempo que não está determinado a ne-
nhuma atividade específica, o que, evidentemente, gera uma separação do mundo
produtivista, bem como dos contextos aos quais a criança costuma estar restrita
(família, igreja, bairro). A escola é a experiência comum entre sujeitos diferentes
que, neste espaço, suspendem suas necessidades, obrigações, demandas, apro-
priações econômicas, sociais, culturais, religiosas e políticas. Suspender esses
elementos não significa negá-los, mas, sim, gerar um processo de desfamiliari-
zação, dessocialização, desapropriação ou desprivatização, conforme Massche-
lein e Simons (2014). Os autores sugerem que, além da suspensão, a profanação
também é um movimento importante. Eles chamam de profanas as coisas quan-
do libertas de seus nomes sagrados, ou seja, quando estão desconectadas de seu
uso regular. Dessa forma, o que está estabelecido nas estruturas sociais pode ser
questionado na escola. Ademais, a escola é tempo de atenção, de estar atento ao
mundo, um tempo de entrega, de exposição e de encontros, sem as amarras das
orientações e subjetividades sociais. Nestes movimentos (suspensão, profanação
e atenção), a escola realiza seu potencial pedagógico servindo como espaço so-
cial para o questionamento das coisas como estão, por meio do qual os sujeitos
demonstram e verificam sua igualdade. Além de realizar seu potencial político,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
112

o de comunização, dado que a educação “apresenta o mundo, mais uma vez,


inacabado, transforma o mundo em uma coisa comum, e coloca os estudantes
como iguais em posição de começar” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 165).
Ainda de acordo com os autores, na escola, coisas são postas “em cima da mesa”
e se tornam coisas comuns, à disposição de todos para que possam ser usadas
livremente.
A verificação de igualdade a partir do questionamento das coisas no contexto
da skholé é chamada por Masschelein e Simons (2014) de subjetivação pedagó-
gica. Essa subjetivação é descrita como a experiência potente do aluno ao sentir
que ele é tão capaz (de aprender, ler, saber, falar, posicionar-se) quanto os outros,
o que reafirma o pressuposto da igualdade. Essa é uma experiência em que os
estudantes deixam suas famílias e entram de fato na escola. Escola essa que não
funciona como máquina de qualificação ou titulação, mas como espaço social no
qual os estudantes são expostos a coisas em comum, às coisas postas “em cima
da mesa”. Muitas dessas coisas comunizadas serão os materiais escolares (livros
didáticos, textos, vídeo e outros tantos) que passam de materiais a coisas em co-
mum graças ao movimento realizado pelo professor. Dessa forma, as coisas não
são objetos de conhecimento; elas se tornam objetos de interesse em uma expe-
riência de desapropriação e comunalidade (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014).

É por isso que skholé não é tanto sobre aprendizagem, identidade ou subjetivi-
dade. A questão não é saber ou aprender quem eu sou, quem você é ou quem
somos nós, a questão é cuidar de si como sendo um cuidado sobre o que inte-
ressa. Trata-se do mundo comum e o que esse mundo tem a "dizer" a mim ou
a nós, como ele me ou nos "interessa". Skholé é o tempo de estar sendo expostos
juntos (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 166, grifos do autor).

A partir disso, podemos pensar o professor como aquele que reapresenta


o mundo ao torná-lo comum, não só no sentido de mostrar algo, mas também
de profanar os significados do que apresenta. Não se trata de um ato de oferta
passivo ou neutro. O professor atua sobre o princípio de igualdade, suspende
as posições já atribuídas em uma ordem social e institucional desigual, e age
sobre o tempo livre. Masschelein e Simons (2013, p. 71) sugerem que “se os
professores como mestres-escolas têm uma arte especial, essa é a arte de dis-
ciplinar (no sentido positivo de focar a atenção) e apresentar (como em tra-
zer para o presente do indicativo ou tornar público)”. A arte disciplinar não é
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
113

apenas a manutenção da ordem em sala, mas é também a arte de mobilizar a


atenção (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013), enquanto a arte de apresentar é a
arte de criar o interesse a partir de um elemento que até então escapava à aten-
ção. Entretanto, os autores alertam que o processo de criar interesse desperta
sentimentos de ambivalência:

[…] há, por um lado, admiração, fascínio e apreço pela paixão e inspiração dos
professores, e, por outro, a desconfiança (e medo) desta mesma autopaixão e
inspiração por parte dos pais, dos políticos e dos líderes que não a aprovam e
não podem aprová-la (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 71).

Para nós, essa dualidade marca o que significa ser professor e a relação que a
sociedade tem desenvolvido com a escola. As expectativas declaradas são de que
as próximas gerações possam conhecer o mundo e questionar suas estruturas,
porém, os que buscam manter a ordem (pais, líderes, políticos) acreditam que
certas coisas não devem ser postas “em cima da mesa”. Dessa contradição, sur-
gem as políticas públicas que cada vez mais limitam a autonomia docente e talvez
impossibilitem o próprio ser professor. Com essa reflexão, buscamos explorar a
indissociabilidade entre o trabalho do professor e a liberdade para romper com
as posições já atribuídas; sem isso somos meros replicadores das estruturas. A
ambivalência (admiração/desconfiança) tem consequências diretas no que temos
desenvolvido como ES até então. Questionamos-nos, por exemplo, se as ativida-
des de ES têm respeitado o papel do professor, no sentido de que muitas vezes se
prescreve ao professor o tema sobre qual ele deve falar, em quais escolas e como.
Entendemos que essa forma de desenvolver a ES é incoerente com a perspecti-
va que apresentamos até aqui. Acreditamos que não basta dizer que a escola é
espaço para a ES e prescrever o que deve ser feito; é necessário compreender e
respeitar o papel dela e do professor nesse processo.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a construção desta seção final, reiteramos nossas defesas de três prin-
cípios necessários para entendermos a ES escolar: i) a premissa de igualdade
intelectual dos sujeitos, base para o exercício da democracia como o ato em que
os sujeitos exercem sua igualdade; ii) a escola como tempo livre para o estudo e
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
114

o questionamento; iii) o papel do professor como aquele que mobiliza a atenção


dos alunos ao colocar em suspensão diferentes temas de saúde.
Para Mohr (2002), um dos objetivos da ES escolar é a superação de receitas
prontas e modos de agir que são estabelecidos com base em hábitos considerados
saudáveis. Sustentados pelas reflexões da seção anterior, entendemos que, para
superar sensos comuns em torno da saúde e do saudável, precisamos questionar
o porquê de tais receitas prontas e condutas “corretas” existirem, além de serem
incentivadas em políticas públicas tradicionalmente desenvolvidas na escola.
Nesse sentido, Masschelein e Simons (2014) nos ajudam a repensar a escola
como espaço democrático, ou seja, de voz e poder dos alunos e professores ao
questionarem as estruturas postas. Os autores também nos auxiliam a pensar a
igualdade como premissa para a ES, uma vez que os alunos possuem igual capa-
cidade para questionarem o predefinido em torno da saúde. Do mesmo modo,
ao se confrontarem com uma nova leitura do mundo, possuem uma capacidade
individual de reler os fenômenos apresentados para tomarem suas próprias ati-
tudes no que se refere à saúde.
Entendemos que esses princípios da ES combinam com o processo de edu-
cação escolar proposto por Masschelein e Simons (2014), tendo em vista que,
para estes autores, a escola é espaço de suspensão de valores postos, o que pode
incluir também aqueles relacionados à saúde. Essa suspensão de valores, hábitos
e sensos comuns se tornam, portanto, imprescindíveis à autonomia dos alunos no
que se refere à ES. Assim, se torna necessário profanar os significados e os hábitos
predefinidos para que possamos retirar do saudável o status quo de única meta.
Essa forma de pensar a educação se aproxima da ES defendida por Mohr
(2002), ao incitar a participação fundamental de professores neste processo, uma
vez que tais atividades necessitam de uma intenção pedagógica definida. Do
mesmo modo, elas devem vincular-se ao currículo escolar e relacionar-se com
processos de ensino-aprendizagem de algum assunto ou tema relacionado à saú-
de. Nesse sentido, “o qualificativo de intenção pedagógica definida é necessário,
pois caracteriza que a atividade foi planejada e organizada de maneira deliberada,
com o objetivo de ensinar algo a alguém” (MOHR, 2002, p. 38). Essa intenção
pedagógica defendida por Mohr (2002) atribui ao professor o protagonismo no
desenvolvimento da ES escolar e, nesse contexto, caberia ao docente mobilizar a
atenção dos alunos a um tema de saúde, e colocar “em cima da mesa” – em dis-
cussão – os diferentes temas de saúde que envolvem a vida dos alunos. Mesmo
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
115

que restrito à sua disciplina, o professor atuaria como um sujeito que possibilita
e incentiva os alunos a suspender hábitos previamente estabelecidos e incentivar
a criação de um olhar diferenciado sobre os temas de saúde.
Além disso, a forma de pensar a ES que apresentamos é inspirada também
por Mohr e Venturi (2013), que, ao utilizarem princípios de Gerrard Fouréz e
colaboradores (1994), mais especificamente da Alfabetização Científica e tecno-
lógica, sugerem três principais objetivos pedagógicos vinculados à ES: autono-
mia, comunicação e habilidade. Os objetivos são assim explicitados pelos autores:

A autonomia frente ao conhecimento permite ao indivíduo liberar-se de recei-


tas prontas, regras, ordens e das prescrições ditadas por outrem sobre o que
é adequado ou saudável para manter ou recuperar a saúde. A perspectiva da
comunicação na ACT permite negociação com o conhecimento e a construção
de modelos de ação. Aqui, teoria e conceitos são vistos como mediação com-
partilhada na comunicação humana. Esta perspectiva é diametralmente oposta
àquela da receita ou da regra de pensamento e comportamento que não opor-
tunizam o diálogo. Por fim, a habilidade permite o saber fazer e o poder fazer
que, na prática, materializam-se em um poder de ação definido por cada um e
não por um pretenso especialista que sabe, a priori, o que é bom, adequado e
saudável para todos (MOHR e VENTURI, 2013, p. 2350, grifo nosso).

Nessa perspectiva, a comunicação apresentada por Mohr e Venturi (2013)


se faria necessária, pois, após o questionamento de um tema de saúde e a possi-
bilidade de gerar um olhar diferente sobre este tema, o aluno passaria a negociar
com seus novos conhecimentos e a reconstruir o que considera relevante para
sua saúde. Por fim, o que Venturi e Mohr (2013) descrevem como habilidade, o
saber e poder fazer, estaria expresso no ato democrático desenvolvido em âmbito
escolar, ou seja, o estudante, ao exercer sua igualdade, se posicionaria de maneira
autônoma no que se refere à sua própria saúde.
Contudo, a escola como instituição, o processo educativo envolvido na ES
e os processos mobilizados pelo professor ainda não recebem a devida aten-
ção. Tais processos são dificultados pela sobreposição do trabalho docente a
ações de saúde externas à escola, que, muitas vezes, demandam atividades in-
coerentes deste espaço e que delegam aos professores ações que não condizem
com sua prática profissional. Com isso, “a partir do momento em que a escola
renuncia a um de seus objetivos principais (aquele de desenvolver nos alunos
conceitos, raciocínio e crítica), não há mais necessidade desta instituição na
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
116

sociedade” (MOHR, 2009, p. 123). Por acreditarmos que outros caminhos são
exequíveis, construímos essa reflexão entre tantas outras possíveis. É urgente
a necessidade de que, como área, possamos voltar nossas reflexões para o que,
de fato, são nossos objetivos com a ES, sem perder de vista as bases que cons-
tituem a escola e a atuação docente.

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7 EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE EM
MEIO ESCOLAR: CONTRIBUTOS DOS SETORES
DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE1

Leonel Lusquinhos2
Graça Simões de Carvalho3

1 INTRODUÇÃO

A estratégia europeia “Saúde 2020” (WHO, 2013), definida no âmbito do


programa quadro das políticas da União Europeia, reforça a importância dada
aos governos e à sociedade para o desenvolvimento de ações transversais para
a saúde e o bem-estar das comunidades, apelando à necessidade do reforço das
capacidades de intervenção no domínio da saúde pública (LOUREIRO; MIRAN-
DA; PEREIRA MIGUEL, 2013). Isso também é enfatizado pelo Comitê Regional
Europeu da Organização Mundial de Saúde (OMS) (WHO, 2012).
As escolas têm vindo a ser consideradas por diversas instituições internacio-
nais, a exemplo da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) ou a Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), como ambientes favoráveis à promoção

1 O estudo do qual se originou este capítulo teve o apoio de fundos nacionais portugueses através da FCT (Fundação
para a Ciência e a Tecnologia) no âmbito do projeto do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança) da
Universidade do Minho, com a referência UID/CED/00317/2019.
2 Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica; Centro de Investigação em Estudos da
Criança (CIEC), Instituto de Educação Universidade do Minho, Portugal.
3 Agregação em Educação para a Saúde; Professora Catedrática da Universidade do Minho e Diretora do Centro de
Investigação em Estudos da Criança (CIEC) da Universidade do Minho, Portugal.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
121

da saúde das crianças e dos jovens, contribuindo não só para a promoção da saú-
de, mas também para a melhoria dos resultados escolares dos alunos (IUHPE,
2009). Nesse sentido, nas últimas décadas têm se desenvolvido, em nível nacional,
regional ou local, diversos programas com estratégias de uma abordagem global
da escola, reconhecendo que todos os aspectos da vida da comunidade escolar
são potencialmente relevantes para a promoção da saúde dos agentes escolares:
alunos, professores e funcionários não docentes. Assim, foi se tornando cada
vez mais evidente que a promoção da saúde em meio escolar vai bem mais além
das clássicas aulas de educação para a saúde, lecionadas em disciplinas como a
biologia ou a educação física, previstas nos programas escolares. Tais estratégias
implicam o desenho de planos estruturados e sistematizados conducentes à me-
lhoria da saúde de todos os agentes escolares.
Esta abordagem global enquadra-se no conceito internacional de Escola
Promotora de Saúde (EPS), enfatizado pela OMS (WHO, 1998), e que tem como
finalidade melhorar os resultados escolares e facilitar ações em favor da saúde,
gerando conhecimentos e habilidades nos domínios cognitivo, social e compor-
tamental (IUHPE, 2009). Para que tal ocorra, é necessário o envolvimento dos
setores da educação e da saúde de cada país (FARIA; CARVALHO, 2004; IUHPE,
2009, 2010; WHO, 1998) como forma de promover as condições para o desen-
volvimento de competências em todos os agentes escolares para a melhoria da
saúde e qualidade de vida, bem como do bom desempenho acadêmico. É preci-
so, portanto, desenvolver-se um eficiente diálogo e trabalho conjunto e contínuo
entre o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde com vista a:

Garantir a existência de um compromisso contínuo, ativo e manifesto por parte


dos governos e das autoridades competentes na implementação, na atualiza-
ção, na monitorização e na avaliação da estratégia de promoção da saúde (uma
forma eficaz de formalizar este compromisso é a assinatura de um acordo de
colaboração entre os ministérios da saúde e da educação do governo nacional)
(IUHPE, 2009, p. 3).

​​ esse sentido, em Portugal, o setor da saúde (através da Direcção-Geral da


N
Saúde) e o setor da educação (através da Direção Geral de Educação) acordaram
os objetivos e as estratégias para a implementação de EPS no país. Portugal ade-
riu, em 1994, à rede European Network of Health Promoting Schools (ENHPS)
com apenas dez escolas piloto e quatro centros de saúde (FARIA; CARVALHO,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
122

2004). A partir de 1997, procedeu-se ao alargamento (FARIA; CARVALHO, 2004)


e, atualmente, segundo a sucessora organização Schools for Health in Europe
(SHE), todas as escolas portuguesas do ensino básico e secundário são conside-
radas Escolas Promotoras de Saúde (SHE, 2013).
Neste capítulo, apresentamos o estudo que analisa as diretrizes ministeriais
de ambos os ministérios da educação e da saúde, verifica se existe articulação
entre as diretrizes dos dois setores e avalia até que ponto tais diretrizes vão ao
encontro do que é preconizado internacionalmente para as EPS.

2 METODOLOGIA

A metodologia desenvolvida no estudo foi essencialmente a análise de


conteúdo (BARDIN, 2009) de documentos do setor da educação e do setor da
saúde. Fizeram parte do corpus do estudo legislação, linhas orientadoras, re-
comendações e pareceres relacionados com a educação e promoção da saúde
em meio escolar, que foram acessados on-line em diversos portais do Minis-
tério da Educação e do Ministério da Saúde e da Ordem dos Enfermeiros (um
documento) de Portugal.
A análise de conteúdo destes 29 documentos foi efetuada com o software
NVivo®11 Pro (22). Inicialmente, procedeu-se à identificação dos termos mais
frequentes em cada documento e seguidamente à categorização predefinida atra-
vés de uma leitura flutuante, mas permitindo a possibilidade de adequação da
análise e da criação de novas categorias emergentes consideradas relevantes para
o estudo (BARDIN, 2009; MORAES; GALIAZZI, 2011). As unidades de análise
dos 29 documentos foram, então, sujeitas à codificação em função das cinco ca-
tegorias: (i) “medidas adotadas”; (ii) “objetivos”; (iii) “avaliação”; (iv) “metodo-
logias/estratégias”; (v) “áreas/temas de intervenção”.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
123

3 APRESENTANDO E DISCUTINDO OS RESULTADOS

3.1 Corpus do estudo


Dos 29 documentos obtidos do setor da educação e do setor da saúde (Fi-
gura 1), encontrou-se a maioria (21) em “Diários da República”, sendo 11 do
Ministério da Educação, cinco do Ministério da Saúde e outros cinco emitidos
por ambos os ministérios. Cinco “Documentos de trabalho” e dois “Relatórios”
foram também encontrados em cada um dos sectores. Por fim, um “Outro do-
cumento” foi encontrado num parecer da Ordem dos Enfermeiros.

Figura 1: Tipo e origem dos documentos do corpus do estudo, nos documentos do setor da
educação, do setor da saúde e de ambos

Tipo de documentos
Setor da Educação Setor da Saúde Ambos os sectores

11

5 5
3
1 1 1 1 1
0 0 0

Dário da Documento de Relatório Outros


República trabalho documentos
Fonte: Dados do presente estudo (2019).

3.2 Frequência de palavras


A partir dos 29 documentos totais, utilizando-se o software NVivo®11 Pro,
conforme se apresenta na Tabela 1, identificaram-se as 30 palavras mais frequentes.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
124

Tabela 1: As 30 palavras mais frequentes nos documentos dos setores da educação e da saúde

Educação Saúde Ambos os sectores


Palavra N Palavra N Palavra N
Educação 1149 Saúde 1780 educação 147
Ensino 1070 Escolar 522 saúde 127
Saúde 562 Health 273 sexual 83
Formação 494 Nacional 257 planeamento 44
Básico 413 Educação 250 familiar 43
Escolar 386 Escola 245 escola 42
Ciclo 367 Alunos 194 ensino 34
Série 338 Crianças 192 escola 27
Desenvolvimento 314 Promoção 175 agosto 25
Secundário 279 Programa 169 informação 25
Superior 279 Cuidados 163 república 25
Escola 276 Intervenção 147 Série 21
Agosto 274 Plano 140 termos 21
Decreto 271 Comunidade 132 despacho 20
Despacho 261 Jovens 126 meios 20
Profissional 255 Funções 123 promoção 20
Cursos 254 Ambiente 122 centros 19
República 250 Informação 119 desenvolvimento 18
Avaliação 249 Desenvolvimento 118 jusnet 18
Alunos 239 Avaliação 115 métodos 18
Escolas 230 Serviços 115 curriculares 17
Geral 228 Social 114 estado 17
Consumo 224 Qualidade 108 formação 17
Identificar 221 Projetos 106 Maria 17
Disciplina 217 Segurança 93 presente 17
Diário 217 Ações 92 direito 16
Termos 216 Projeto 92 jovens 16
Trabalho 207 Implementação 89 prevenção 16
Presente 203 Necessidades 88 secundário 16
Áreas 195 Competências 87 gabinete 15
Fonte: Dados do presente estudo (2019).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
125

Das seis palavras mais frequentes nos documentos de cada setor e de am-
bos (Tabela 1), verifica-se que as palavras que são transversais aos três grupos
são “educação”, “saúde” “escolar” e “escola”, o que se relaciona diretamente com
o conceito de “educação e promoção da saúde em meio escolar”. Estes dados de-
monstram que o corpus do estudo contém documentos relevantes para o objeti-
vo do estudo sobre a análise dos contributos dos dois setores para a educação e
promoção da saúde em meio escolar.
Uma vez que os termos “educação para a saúde” (ES) e “promoção da saúde”
(PS) são conceitos chave das Escolas Promotoras de Saúde, procedeu-se também
à quantificação destes dois termos nos 29 documentos. Tal como esperado, no
setor da educação, o primeiro termo é mais utilizado (ES: 211) do que o segun-
do (PS: 24); pelo contrário, no setor da saúde, o termo PS (71) surge com maior
frequência que ES (57). Por sua vez, nos documentos produzidos em conjunto
por ambos os sectores, o termo ES (43) é bastante mais referenciado que PS (11).
No total dos 29 documentos, o termo “educação para a saúde” (311) é cerca de
três vezes mais utilizado que o de “promoção da saúde” (106).

3.3 Ocorrências por categoria de análise


As cinco categorias de análise (“medidas adotadas”; “objetivos”; “avaliação”;
“metodologias/estratégias”; “áreas/temas de intervenção”) foram aplicadas aos 29
documentos do setor da educação e da saúde, tendo os seis documentos comuns
aos dois setores sido considerados para análise em ambos os sectores. Os resul-
tados obtidos pela análise com o software NVivo®11 Pro mostrou que, do total
de 346 ocorrências, a categoria “medidas adotadas” é a mais frequente, com 105
ocorrências, sendo 66 no setor da educação e 39 no da saúde. Pelo contrário, a
categoria com menor frequência foi “áreas/temas de intervenção”, com 25 ocor-
rências, sendo 17 no setor da saúde e 8 no da educação (Figura 2).
Apenas a categoria “medidas adotadas” apresenta maior número de ocorrên-
cias no setor da educação do que no da saúde; todas as outras categorias são mais
frequentes no setor da saúde. De facto, das 346 ocorrências, 138 (66+30+24+10+8)
são do setor da educação, enquanto 208 (39+45+47+60+17) são do setor da saúde
(Figura 2). A maior discrepância entre a frequência de ocorrências encontrou-
-se nos documentos sobre “Metodologias/estratégias” (10 na educação versus
60 na saúde).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
126

Os resultados do estudo evidenciam que o setor da educação se preocupa


mais com as “medidas a adotar” do que o setor da saúde e que, por outro lado,
o setor da saúde se preocupa mais do que o da educação no que diz respeito à
definição de “metodologias/estratégias”.

Figura 2: Ocorrências por categoria, nos documentos do setor da educação e do setor da saúde

Ocorrências por categoria


Sector da Educação Sector da Saúde

66
60

45 47
39
30
24
17
10 8

Fonte: Dados do presente estudo (2019).

3.4 Análise interpretativa por categoria


A partir dos diversos tipos de documentos – “Diário da República” (DR),
“Documento de trabalho” (DT), “Relatório” (RT) e “Outros documentos” (OD)
–, procedeu-se à análise interpretativa das ocorrências (ou unidades de análi-
se) em cada uma das cinco categorias: “medidas adotadas”, “objetivos”; “avalia-
ção”, “metodologias/estratégias” e “áreas/temas de intervenção”. Essa análise foi
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
127

realizada com vistas à interpretação da contribuição dos setores da educação e da


saúde para a implementação e monitorização das escolas promotoras de saúde.

3.4.1 Medidas adotadas


No que diz respeito às “medidas adotadas”, os documentos do setor da edu-
cação consideram a educação para a saúde no projeto educativo da escola, de-
terminam a criação de uma equipa dedicada à educação para a saúde em cada
agrupamento, conforme exemplificado nos seguintes extratos (E, de Educação):

As escolas, no âmbito da sua autonomia, devem desenvolver projetos e atividades


que contribuam para a formação pessoal e social dos alunos, designadamente
educação cívica, educação para a saúde (E1-DR);
Os Agrupamentos/Escolas devem incluir no Projecto Educativo da Escola (PEE)
as temáticas conexionadas com a Promoção e Educação para a Saúde (E5-DR);
(A) partir de 2005 o Projeto Educativo de Escola tem de incluir a área da Edu-
cação para a Saúde (E13-DT).

Cada agrupamento de escolas e escola não agrupada constitui uma equipa


de educação para a saúde (SE4-DR).
Por sua vez, os documentos do setor da saúde assumem compromissos de
parceria efetiva com os agrupamentos escolares, especificando que as Unidades
de Cuidados na Comunidade (UCC) têm como prioridade atuar na educação
para a saúde e implementar o Programa Nacional de Saúde Escolar, sendo ainda
definidos rácios [proporções] de profissionais de saúde para crianças no âmbito
da saúde escolar, conforme exemplificado nos seguintes extratos (S, de Saúde;
OE, de Ordem dos Enfermeiros):

O Ministério da Saúde assegura as condições de cooperação das unidades de


saúde com os agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas (SE4-DR);
A UCC presta cuidados de saúde […] e atua, ainda, na educação para a saúde,
[…]; Intervenções em programas no âmbito da proteção e promoção de saú-
de e prevenção da doença na comunidade, tais como o Programa Nacional de
Saúde Escolar (S3-DR);
Apoiar a realização e operacionalização de projetos de educação para a saúde
(SE6-DT).

O rácio […] um enfermeiro para cada grupo de 1500 crianças saudáveis, um


Enfermeiro para cada 250 estudantes que requeiram apoio diário de enfermagem
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
128

escolar ou intervenções como ensino especial de inclusão, e um Enfermeiro para


cada 125 estudantes com necessidades especiais de saúde (OE1-OD).
Esses extratos de unidades de análise constituem exemplos de como am-
bos os setores assumem a necessidade de criar as condições de organização e de
cooperação para assegurarem a educação e promoção da saúde em meio escolar.

3.4.2 Objetivos
Os “objetivos” de educação e promoção da saúde em meio escolar delineados
pelos documentos do setor da educação e pelo do setor da saúde parecem
coincidentes, uma vez que ambos salientam a melhoria dos conhecimentos em
saúde e a criação de competências nas crianças, jovens e em toda a comunidade
escolar para a tomada de decisões adequadas à sua saúde e ao seu bem-estar,
como se pode ver nos exemplos extraídos dos documentos da área da educação
e da saúde:

Educação:
– Dotar as crianças e os jovens de conhecimentos, atitudes e valores que os
ajudem a fazer opções e a tomar decisões adequadas à sua saúde e ao seu
bem-estar físico, social e mental (E9-DT);
– Desenvolver e manter uma comunidade escolar democrática, inclusiva e
participativa (E13-DT);
– Consolidar a promoção da saúde em meio escolar e na comunidade edu-
cativa, enquanto vector prioritário das políticas nacionais de educação e de
saúde (SE1-DR).

Saúde:
– Melhorar o seu nível de bem-estar físico, mental e social e contribuir para a
melhoria da sua qualidade de vida (OE1-OD);
– Promover estilos de vida saudável e elevar o nível de literacia para a saúde
da comunidade educativa (S7-DR);
– Desenvolver referênciais e orientações integradas que incentivem as oportu-
nidades de promoção e proteção da saúde e prevenção da doença (S6-DT);
– Contribuir para a melhoria da qualidade do ambiente escolar e para a mini-
mização dos riscos para a saúde (S7-DR).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
129

3.4.3 Metodologias/estratégias
No que diz respeito à categoria “avaliação”, os documentos do setor da
educação consideram a monitorização e avaliação com recurso a métodos
descritivos e correlativos, muito centradas nas unidades orgânicas. Por outro
lado, os documentos do setor da Saúde referem 43 indicadores para aplicação
a nível nacional, em que uns se dirigem a processos e outros aos resultados,
cujos dados são geralmente apresentados em percentagens, tal como se apre-
senta nos exemplos seguintes:

Educação:
– A avaliação recorrerá a métodos descritivos e a métodos correlativos (E13-DR);
– Taxa de Unidades Orgânicas que indicam a participação dos alunos na con-
ceção e elaboração do projeto Promoção e Educação para a Saúde (E13-
DT);
– Número de Unidades Orgânicas que promovem ações de formação para os
diferentes agentes educativos (E13-DT);
– Número de Unidades Orgânicas que indicam pais/encarregados de educa-
ção na equipa Promoção e Educação para a Saúde (E13-DT);
– A avaliação e a monitorização estão centradas nas Unidades Orgânicas
(E13-DT).

Saúde:
– Um set de 43 indicadores (S7-DR);
– Percentagem de crianças/ alunos(as), dos Estabelecimentos de Ensino
abrangidos pelo PNSE alvo de ações de educação para a saúde (EpS) inte-
gradas em Projetos de Promoção e Educação para a Saúde, segundo o nível
de Ensino (S7-DR);
– Percentagem de docentes dos Estabelecimentos de Ensino abrangidos pelo
PNSE alvo de ações de EpS integradas em Projetos de Promoção e Educação
para a Saúde, segundo o nível de Ensino (S7-DR);
– Percentagem de alunos/as dos Estabelecimentos de Ensino abrangidos pelo
PNSE com um nível de literacia para a saúde excelente no 5.º, 7.º, 10.º e 12.º
anos do Ensino Básico e Secundário (EBS) (S7-DR).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
130

3.4.4 Metodologias/estratégias
A análise dos documentos mostrou que ambos os setores, da educação e da
saúde, são adeptos de metodologias ativas (BERBEL, 2011; DIESEL; BALDEZ;
MARTINS, 2017), especialmente a metodologia por projeto, em que o setor da
educação enfatiza o processo de diagnóstico e de avaliação e o da saúde salienta
principalmente a abordagem multidisciplinar e holística, como se apresenta nos
seguintes excertos:
Educação:
– Elaborar o projeto de Educação para a Saúde com base num diagnóstico,
definindo objetivos e metas, abordando áreas prioritárias tendo em conta
os diferentes níveis de ensino (E14-DR);
– […] no plano curricular, melhorando a relação entre os conteúdos progra-
máticos e a vida, ao nível da escola e do contexto de sala de aula (SE1-RT);
– A escola deve promover uma cultura de exigência assente na autoavaliação
e corresponsabilização através da implementação de um sistema de moni-
torização da promoção e educação em saúde (E13-DT).

Saúde:
– A intervenção da Saúde na Escola requer abordagens abrangentes e multis-
sectoriais, para além da Saúde e da Educação, liderança para influenciar a
sociedade como um todo, organização dos recursos em prol da redução das
desigualdades em saúde e corresponsabilização de todos pela sustentabili-
dade do processo (S7-DR);
– A promoção da saúde em meio escolar, assente nos princípios das EPS e
numa metodologia de trabalho por projeto, […] (S7-DR);
– Abordagem holística da Saúde na Escola ou da Escola (…) e uma aproximação
ao modelo de intervenção das EPS nas suas seis componentes: políticas escola-
res saudáveis; ambiente físico; ambiente social; competências individuais e ca-
pacidades para a ação; parcerias; participação ativa da Saúde Escolar (S7-DR).

3.4.5 Áreas/temas de intervenção


Os documentos de ambos os setores, da educação e da saúde, refe-
rem idênticas “áreas/temas de intervenção”, embora o setor da saúde tenda
a apresentar um leque mais alargado das temáticas, como se apresenta nos
seguintes exemplos:
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
131

Educação:
– Saúde mental e prevenção da violência; Educação alimentar e atividade físi-
ca; Prevenção dos comportamentos aditivos e dependências; Afetos e edu-
cação para uma sexualidade responsável (E13-DT);
– Alimentação, saúde oral, segurança, vacinação, sexualidade, prevenção do
tabagismo, do alcoolismo, da toxicodependência e da sida (SE1-DR).
Saúde:
– Saúde mental e competências socioemocionais; educação para os afetos e a
sexualidade; alimentação saudável e atividade física; higiene corporal e saú-
de oral; hábitos de sono e repouso; educação postural; prevenção do con-
sumo de tabaco, bebidas alcoólicas e outras substâncias psicoativas, bem
como de comportamentos aditivos sem substância; desenvolvimento sus-
tentável; ambiente escolar seguro e saudável; avaliação dos riscos ambien-
tais para a saúde; prevenção dos acidentes e primeiros socorros (S7-DR).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo apresentou o estudo de análise de conteúdo de 29 documentos


obtidos do setor da educação e do setor da saúde, que foi elaborado utilizando o
software NVivo®11 Pro, permitiu identificar cinco categorias (“medidas adota-
das”, “objetivos”; “avaliação”, “metodologias/estratégias” e “áreas/temas de inter-
venção”), as quais foram analisadas e interpretadas na perspectiva de ambos os
setores no que diz respeito à implementação da educação e promoção da saúde
em meio escolar. Conseguiu-se assim conhecer e comparar as diretrizes emana-
das dos setores da educação e da saúde, podendo, desse modo, compreender a
articulação entre ambos os setores e verificar se coadunam com as diretrizes in-
ternacionais para a implementação da educação e promoção da saúde em meio
escolar, no âmbito do conceito internacional de escolas promotoras de saúde
(FARIA; CARVALHO, 2004; IUHPE, 2009, 2010; WHO, 1998).
Verificou-se, logo na primeira fase do estudo sobre a análise de frequência de
palavras, que os 29 documentos obtidos para o corpus do estudo incidiam, de fato,
em aspetos relacionados com a educação e a saúde em meio escolar, indicando se-
rem fontes adequadas para o presente estudo que tem como objetivo a análise dos
contributos dos dois setores para a educação e promoção da saúde em meio escolar.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
132

A análise de conteúdo mostrou que o setor da educação utiliza com mais


frequência que o setor da saúde a expressão “educação para a saúde”, definida
como “uma atividade de comunicação que implica um ensino-aprendizagem
respeitante a uma série de conhecimentos, crenças, atitudes, valores, habilidades
e competências” (IUHPE, 2010, p. 3), fortemente relacionada com o desenvol-
vimento do conhecimento e de competências para a saúde. Por seu lado, o setor
da saúde enfatiza, mais do que o setor da educação, o conceito de promoção da
saúde, que é definido como “qualquer atividade que se leva a cabo para melhorar
e/ou proteger a saúde de todos os utentes da escola, […] que inclui a disponibi-
lização e o desenvolvimento de atividades relacionadas com políticas escolares
saudáveis, o ambiente físico e social da escola, o currículo, a interligação com a
comunidade e com os serviços de saúde” (IUHPE, 2010, p. 2), relacionando di-
ferentes variáveis, focando toda a comunidade educativa, numa visão holística.
Ainda a partir da análise de frequência de palavras nas cinco categorias de
análise, verificou-se que o setor da educação se preocupa essencialmente com
as “medidas a adotar” na educação e promoção da saúde em meio escolar. Por
sua vez, o setor da saúde preocupa-se mais com as “metodologias/estratégias” e
as “áreas/temas de intervenção”.
Em síntese, os extratos de unidades de análise nas cinco categorias mostraram
que ambos os setores (educação e da saúde): (i) se preocupam com as “medidas a
adotar” com vista a proporcionar condições de organização e de cooperação para
assegurar a educação e promoção da saúde em meio escolar; (ii) apresentam os
“objetivos” claramente definidos e claramente coincidentes com vista ao aumento
da literacia em saúde e à capacitação para tomadas de decisão favoráveis à saúde
e bem-estar; (iii) consideram a “avaliação” de caráter essencialmente quantitati-
vo, com o setor da educação focado no diagnóstico, monitorização e avaliação,
e o setor da saúde nos processos e nos resultados; (iv) assumem as “metodolo-
gias/estratégias” ativas como muito relevantes, especialmente a metodologia por
projeto, atuando de forma complementar, em que o setor da educação salienta o
processo de diagnóstico e de avaliação e o da saúde enfatiza mais a abordagem
multidisciplinar e holística; (v) propõem idênticas “áreas/temas de intervenção”.
No seu todo, o estudo apresentado neste capítulo revela existir articulação
entre os dois setores da educação e da saúde, os quais têm vindo a publicar do-
cumentos de referência convergentes e complementares para a educação e pro-
moção da saúde em meio escolar, tal como recomendado internacionalmente
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
133

pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2012), pela International Union for
Health Promotion and Education (IUHPE, 2009, 2010) e pela Schools for Health
in Europe (SHE, 2013).
A maioria dos documentos (22 de 29) são publicações no Diário da República,
emitidos pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Saúde, abrangendo,
portanto, todo o território nacional, orientando, desse modo, a implementação
da educação e promoção da saúde em meio escolar de forma a poder tornar-se
potencialmente mais efetiva. O que surge agora como estudo fundamental a ser
levado a cabo é vir a conhecer como, em termos práticos, as escolas desenvolvem
as atividades de educação e promoção da saúde. Assim, poder-se-á verificar se o
ideário teórico do governo português (que o estudo apresentado considera ser
condizente com as diretrizes internacionais) se consubstancia efetivamente na
vida real das escolas, proporcionando uma melhor saúde e bem-estar da comu-
nidade escolar.

REFERÊNCIAS

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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
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government and society for health and well-being. Copenhagen: [s.n.]. Disponível
em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0006/199536/Health2020-Short.
pdf?ua=1. Acesso em: 2 fev. 2018.
SEÇÃO II – ABORDAGENS E PRÁTICAS
8 “QUANDO PENSO EM SAÚDE, O QUE VEM A
MINHA CABEÇA?” CONCEPÇÕES DE ALUNOS
DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE SAÚDE1

Miriam Struchiner2
Judith Bustamante Bautista3
Diana Ciannella4

1 INTRODUÇÃO

Diversos autores apontam a lacuna que predomina na relação entre escola


e desenvolvimento da ciência e tecnologia, os problemas vivenciados pela nossa
sociedade, bem como o cotidiano e a vida sociocultural dos estudantes e de sua
comunidade (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007; SANTOS, 2008). Os fatos
sociais que afetam a vida dos alunos, em geral, passam distantes da escola ou pouco
relacionados com os conteúdos disciplinares (FREIRE, 1987). Os alunos chegam
à escola com vivências em suas comunidades e com informações de diferentes
níveis, veiculadas por diversos canais de comunicação e encontram, no ambien-
te escolar, poucas condições para conhecer, debater, questionar, se posicionar e,
inclusive, tomar decisões sobre temas que identificam como relevantes para si,
sua comunidade e a sociedade em geral (STRUCHINER; GIANNELLA, 2016).

1 Estudo realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2 Doutora em Educação (Boston University) e Professora Associada do Instituto Nutes de Educação em Ciências e
Saúde/UFRJ.
3 Mestre em Educação em Ciências e Saúde pelo Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde /UFRJ.
4 Doutora em Educação em Ciências e Saúde pelo Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde e Técnica em
Assuntos Educacionais /UFRJ.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
137

Esse é o caso da saúde, uma temática que entra na escola por meio de
ações pontuais de Educação para a Saúde, de agentes de políticas públicas (Se-
cretarias de Educação e de Saúde) ou de conteúdos na disciplina de Ciências
e nos livros didáticos. Quase sempre, é tratada de forma descontextualizada
do cotidiano dos alunos, priorizando a visão reducionista de saúde como
ausência de doença e responsabilização dos sujeitos sobre suas condições de
saúde por meio de suas condutas (SOUSA; GUIMARÃES; AMANTES, 2019,
VALADÃO, 2004).
Além disso, os estudantes vêm sendo constantemente expostos tanto às
propagandas veiculadas pela mídia, que cultuam os padrões de corpo e saúde,
quanto às campanhas governamentais de cunho preventivo. Distanciam-se,
assim, da concepção ampla de saúde, que não se limita apenas aos aspectos
biológicos e comportamentais, mas que também envolve os aspectos socioe-
conômicos, culturais e ambientais (VASCONCELOS et al., 2006). Embora a
saúde seja considerada um tema integrador e transversal, em meio a tantas in-
fluências, e na falta de um projeto claro da BNCC de sua inserção nas escolas,
é importante identificar e compreender como os estudantes estão construindo
seus conceitos de Saúde.
Neste mesmo cenário social, as Tecnologias Digitais de Informação e Co-
municação (TDIC) vêm se naturalizando e, em muitas situações, já se torna-
ram transparentes em nossas rotinas tanto de trabalho, quanto de nossas vidas
sociais, influenciando os modos de nos comunicarmos, nos informarmos, nos
conhecermos, nos situarmos no espaço e no tempo, a fim de percebermos a nós
mesmos e ao mundo que nos cerca (KENSKI, 2012). Muito se discute também
sobre a facilidade com que os jovens em idade escolar participam ativamente da
Cultura Digital, explorando seus espaços e ferramentas com facilidade, agilida-
de e criatividade, especialmente nas suas formas de expressão, comunicação e
entretenimento (PRENSKY, 2012).
Nesse contexto, o objetivo deste capítulo é contribuir para este debate, apro-
fundando o conhecimento e analisando as concepções de Saúde de um grupo de
estudantes do Ensino Fundamental, por meio da construção de textos multimo-
dais que incorporam as TDIC.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
138

2 CONCEPÇÕES DE SAÚDE

Concepções de saúde espelham diferentes compreensões do mundo,


demarcadas por distintas posições político-filosóficas sobre o homem e a so-
ciedade (SCHALL; STRUCHINER, 1999). A concepção de saúde que orienta
este capítulo consiste no estado favorável e dinâmico, visando ao “bem-estar,
que integra os aspectos físico e mental (ausência de doença), ambiental (ajus-
tamento ao ambiente), pessoal/emocional (autorrealização pessoal e afetiva) e
sócio ecológico (comprometimento com equidade social e com a preservação
da natureza)” (SCHALL; STRUCHINER, 1999, p. 1). Esse conceito aproxima-
-se daquele proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ampliando
o sentido de saúde para além da "ausência de doença”, propondo uma visão de
qualidade de vida condicionada por vários fatores além dos biológicos, como
moradia, alimentação, educação, recursos econômicos, ecossistema equilibra-
do, sustentabilidade, cidadania e justiça social. Essa definição ampla implica
um processo que abrange a participação da população no contexto de sua vida
cotidiana, na luta por seus direitos de cidadania e de qualidade de vida e saúde
e não apenas daquelas pessoas sob risco de adoecer. Entretanto, a par dessa
noção ampliada de saúde, observando-se a prática, verifica-se a persistência
de outras concepções, que abrangem diferentes abordagens, muitas das quais
reducionistas, manifestadas nos materiais e nas atividades educativas no con-
texto escolar, o que requer questionamentos para o alcance de perspectivas
mais integradas e participativas.
Nesse sentido, Westphal (2006) oferece um quadro conceitual sobre saúde
que pode servir de base para identificar e analisar as concepções de saúde que
permeiam a sociedade atual, no qual se inserem os jovens em idade escolar. A
autora identificou três principais concepções de Saúde, com diferentes raízes his-
tórico-sociais: a biomédica, a comportamental e a socioambiental. A concepção
biomédica de saúde é aquela caracterizada pela ausência de doenças e de incapa-
cidades oriundas de condições biológicas e fisiológicas dos indivíduos, que de-
pendem de diagnósticos clínicos e laboratoriais para diversos tipos de tratamento
e intervenção. Portanto, essa perspectiva compreende o indivíduo e seus agravos
de saúde de forma isolada ao seu meio psicossocial e, desse modo, as estratégias
de promoção da saúde têm como eixo central o gerenciamento e a capacitação
especializada do profissional tratar as doenças. A concepção comportamental está
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
139

mais centrada no entendimento sobre saúde como capacidade físico-funcional e


bem-estar físico e mental dos indivíduos, determinados por aspectos biológicos
e comportamentais, bem como por estilos de vida inadequados. Relaciona-se à
dimensão preventiva, associada às campanhas para mudanças de comportamen-
to e às ações de proteção do sujeito, que implicam abordagens para estimular
ações e criação de hábitos que promovam o gerenciamento de comportamentos
adequados pelos próprios indivíduos e pelos profissionais. Finalmente, a abor-
dagem socioambiental é aquela que se relaciona ao conceito amplo de saúde,
representado pelo estado positivo e de bem-estar biopsicossocial e pelas realiza-
ções de aspirações e de necessidades. Assim, nessa perspectiva, a concepção de
saúde é um complexo de fatores que englobam os aspectos biológicos, psicoló-
gicos, socioeconômicos, educacionais, culturais, políticos e ambientais. Tais as-
pectos abrangem diferentes setores da sociedade, envolvendo advocacia e ação
política, promoção de espaços saudáveis, empoderamento e desenvolvimento de
conhecimentos e atitudes, a partir de programas que envolvam a comunidade
em diálogo crítico e participativo com profissionais e instituições. Dessa forma,
o conceito amplo de saúde, circunstanciado por uma perspectiva transversal,
constitui-se em um fato social fundamental que afeta a vida dos sujeitos e da
sociedade e, portanto, é tema de conscientização relevante no entendimento da
escola como espaço de letramento e formação crítica para a cidadania (STRU-
CHINER; GIANNELLA, 2016).
A integração da temática Saúde na Escola, por sua vez, envolve uma série
de questões permeadas por esta diversidade de concepções no contexto das po-
líticas públicas tanto de educação como de saúde. Ao longo de sua trajetória de
inserção na escola, as ações relacionadas à saúde desenvolveram-se de diferentes
formas, marcadas pelas distintas concepções de saúde. Ações medicalizadas para
prevenção e cura das doenças, bem como as de controle dos comportamentos
dos sujeitos, em uma perspectiva de saúde escolar baseada na Educação Sanitá-
ria, ainda persistem (MOHR, 2002), sendo hegemônicas as concepções biolo-
gicista e comportamental. Configuram-se, portanto, como um projeto de Edu-
cação para a Saúde, distanciando-se de um modelo participativo de construção
de conhecimentos e práticas conscientes de tomada de decisões que constituem
a Educação em Saúde.
No contexto da Educação Básica, foi em 1971 que a temática sobre saúde
humana passou a ser recomendada, por meio da lei 5.692, que promulgou as
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
140

Diretrizes e Bases para a Educação. Em linhas gerais, os Programas de Saúde


tinham como propósito a garantia de que os alunos mudariam de hábitos e de-
monstrariam atitudes positivas frente às questões de saúde. A função da escola,
por meio de tais hábitos, seria a de desenvolver os princípios científicos que expli-
cariam e legitimariam os comportamentos considerados adequados à promoção
da saúde e à prevenção da doença. Essa fase é marcada por uma preocupação
com a capacitação de professores para lidar com a questão da Saúde na escola
(MONTEIRO; BIZZO, 2011).
Com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
(PCN), publicados em 1997, foram incorporadas temáticas de relevância social
tais como ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual e
trabalho e consumo, propondo a articulação ao currículo escolar na perspectiva
da transversalidade (BRASIL, 1997). Assim, os temas transversais deveriam ser
tratados com os conteúdos de todas as disciplinas presentes no currículo nacio-
nal, de tal forma que os conhecimentos escolares fossem apresentados junto com
as necessidades básicas e vitais da sociedade, que passariam também a ser objeto
de estudo e investigação por professores e alunos, dentre as quais, a saúde. Em
termos de abordagem de saúde, preconizavam a perspectiva ampliada de que ela
se determina pelos aspectos biológicos, físicos, econômicos e sociais. No entanto,
alguns estudos apontam que, em geral, experiências na escola, que lidam com os
principais comportamentos de risco dos jovens em suas atividades – negligên-
cia no uso de preservativos, uso de drogas lícitas e ilícitas, alimentação pouco
saudável, entre outras – têm demonstrado ampliar conhecimentos e mudar ati-
tudes, mas não têm tido sucesso na tomada de decisões e efetivas mudanças de
hábitos, o que indica que a perspectiva comportamental, além de não levar em
conta os diferentes fatores biopsicossociais, não produz os resultados esperados
(MEYER et al., 2006).
Uma proposta para trabalhar na escola com a temática saúde na perspec-
tiva socioambiental, procurando superar as limitações de seu alcance entre os
jovens, pressupõe não apenas integrá-la ao currículo praticado, mas partir das
suas próprias concepções, isto é, dos sujeitos da aprendizagem. Sabemos que os
jovens em idade escolar formam suas concepções influenciadas por múltiplos
fatores tanto da escola quanto de sua família, condições de vida e comunidade,
além da forte imposição das mídias contemporâneas. Portanto, neste capítulo,
buscamos identificar as tendências nas concepções de saúde de um grupo de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
141

estudantes do Ensino Fundamental, bem como os elementos semióticos que


configuram as formas de expressão de suas diferentes visões.

3 MULTILETRAMENTO, MULTIMODALIDADE E A
PERSPECTIVA DA SEMIÓTICA SOCIAL

O conceito de letramento, muitas vezes, é tratado como alfabetização,


porém, relaciona-se à escrita e à leitura não apenas em sua dimensão instru-
mental, mas principalmente em sua dimensão crítica (ROJO, 2012). A escola
sempre privilegiou a alfabetização, ou seja, a dimensão instrumental do domínio
da letra, da língua materna e de outras linguagens formais, como é o caso da
Matemática, sem levar em conta os muitos sentidos que os alunos são capazes
de criar a partir de suas experiências pessoais e sociais, para resolver proble-
mas e compreender o mundo a partir de seus contextos. Rojo (2012) enfatiza
que, mesmo o livro impresso é multimodal, já que há, além do texto em si, o
título, as imagens em fotos ou desenhos e um projeto gráfico, os quais confi-
guram significados e precisam ser interpretados (intertextualidade) e tratados
criticamente. Da mesma forma, as linguagens/modos de representação não
são neutros, pois todos emitem uma ideologia embutida em seus discursos e
lançam mão de diferentes recursos linguísticos para o alcance de um objetivo,
permeado pelo contexto histórico, político etc. (STEIN, 2008). Ao discutir as
ideias de multiletramentos, porque já não cabe mais falar apenas em letramento,
Rojo (2012) reforça que é muito importante entender que a sociedade é multi-
modal. E também que nossas atividades cotidianas estão permeadas por dife-
rentes formas de comunicação e linguagens (verbal, audiovisual, gestual, entre
tantas) com as quais nos deparamos, interpretamos e construímos sentidos,
bem como aquelas às quais recorremos para nos expressarmos e resolvermos
problemas práticos cotidianos.
Nossa sociedade tem vivenciado avanços nas Tecnologias Digitais de In-
formação e Comunicação (TDIC), que viabilizam a convergência das mídias e,
portanto, de seus recursos semióticos, influenciando a produção de significados.
Por isso, “conceber o discurso como constituição multimodal é essencial para
compreender os vários modos semióticos que estão integrando as práticas dis-
cursivas presentes no meio digital [...]” (FONTE; CAIADO, 2014, p. 477).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
142

Diante desse panorama, entende-se que a comunicação em nossa sociedade


é multimodal, pois, frequentemente, em relações sociais atuais, as pessoas uti-
lizam diversos recursos semióticos separadamente ou de forma integrada para
comunicarem-se, tais como a fala, a escrita, as imagens, os sons e outros (HO-
LANDA, 2011). Essa é uma realidade bastante presente no cotidiano. Dessa
maneira, os diferentes modos semióticos (texto, imagem etc.) constituem cada
vez mais textos multimodais, que circulam na vida social e estabelecem relações
intersemióticas, de acordo com as distintas potencialidades, para construir um
significado (KRESS, 2010).
O estudo apresentado neste capítulo parte da perspectiva de que os indiví-
duos constroem concepções e atribuem significados sobre saúde com base em
suas práticas sociais. Assim, para analisar as concepções de saúde dos alunos,
representadas em suas construções digitais, adotamos a perspectiva da semió-
tica social, que, segundo Van Leeuwen (2005), se considera uma abordagem
interdisciplinar, cujo foco está centrado nas funções sociais da linguagem e nos
seus processos de significação como parte da construção social (SANTOS; PI-
MENTA, 2014).
Para Hodge e Kress (1988, p. 261 apud SANTOS; PIMENTA, 2014, p. 298),
semiótica é “o estudo da semiose, dos processos e efeitos da produção, reprodu-
ção e circulação de significados em todas as formas, usados por todos os tipos
de agentes da comunicação”. Nesse sentido, a semiótica social está relacionada
com a semiose humana “como um fenômeno social em suas origens, funções,
contexto e efeitos” (SANTOS; PIMENTA, 2014).
A combinação de recursos semióticos, como texto e imagem, é o foco do
estudo realizado para entender como os estudantes constroem e integram essas
modalidades na representação da construção dos significados de saúde de acordo
com suas visões. Para a análise dos textos multimodais dos estudantes, adotou-se
a abordagem de Martinec e Salway (2005), Martinec (2013) e Santaella e Nöth
(1997). Esses autores, com base na semiótica social, trabalham com sistemas
centrados na relação intersemiótica entre texto e imagem.

4 CONTEXTO, SUJEITOS E PROCEDIMENTOS


Por ocasião do Dia Mundial da Saúde, realizou-se uma atividade em parce-
ria com uma escola municipal do Rio de Janeiro, que contou com a participação
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
143

de alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Os alunos foram convida-


dos a expressar suas concepções de saúde por meio de textos multimodais. Essa
atividade se deu a partir da seguinte pergunta: “Quando penso em saúde, o que
vem a minha cabeça?”.
Vinte e sete alunos participaram voluntariamente da atividade. Embora,
inicialmente, a participação fosse individual, seis alunos trabalharam em duplas,
resultando na construção de 24 registros sobre o conceito de saúde. Para realizar a
atividade, foram utilizados microcomputadores com acesso à internet, uma lousa
digital e um projetor multimídia. Ao ser apresentado à pergunta de partida, cada
aluno era encaminhado à lousa digital para selecionar uma imagem na internet
que representasse sua concepção de saúde e, a partir de sua opção, expressar ver-
balmente, escrevendo na lousa digital, construindo textos multimodais compostos
por linguagem visual e verbal. Ao final do dia, as composições dos alunos foram
arquivadas e documentadas com um perfil de seus autores, indicando idade,
sexo e período escolar. Para preservar o anonimato dos alunos participantes, as
narrativas produzidas foram referenciadas como C1 a C24.
Para analisar as concepções de saúde dos alunos e de como os textos multi-
modais foram construídos para significar essas concepções, o primeiro passo foi a
análise descritiva das mensagens, ou seja, uma análise objetiva dos elementos que
compuseram os textos, sem a intencionalidade de sua interpretação semiótica, mas
para servir de base para todas as demais análises. Trata-se do equivalente ao que
Barthes (1990) chama de análise denotativa da imagem, acrescida de sua descrição
verbal. Essa etapa serviu de base para o levantamento dos principais elementos,
objetos e ideias envolvidos nos textos multimodais dos alunos e também para
construir o corpus da pesquisa, a partir do qual todas as análises foram aprofun-
dadas, quais sejam: (1) identificação dos temas/contextos escolhidos pelos alunos
para significar saúde, análise que foi feita a partir da interpretação dos principais
elementos contidos nas imagens e seus significados (KRESS; LEEUWEN, 1996);
(2) análise intersemiótica, ou seja, da relação entre a linguagem visual e verbal
(SANTAELLA; NÖTH, 1997; MARTINEC; SALWAY, 2005). Essa perspectiva
busca identificar qual a relação entre imagem e texto na construção de sentido
em uma mensagem multimodal, de acordo com as seguintes categorias: Status
Igual (imagem e texto são independentes ou complementares); Status Desigual
(texto subordina-se à imagem ou a imagem subordina-se ao texto) e Contradi-
ção (quando o texto e imagem têm significados diferentes). A terceira etapa (3)
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
144

foi a análise das concepções de saúde (WESTPHALL, 2006), com base nos con-
textos e práticas sociais identificadas e na consolidação dos textos multimodais
por meio da relação imagem-texto, que buscou analisar as concepções de saúde
de acordo com as perspectivas: biológica, comportamental ou socioambiental.

5 CONCEPÇÕES DE SAÚDE EXPRESSAS POR ALUNOS EM


TEXTOS MULTIMODAIS

A Figura 1 apresenta os textos multimodais construídos pelos alunos, a


partir da qual foram elaboradas as análises descritivas. A seguir, apresentamos
os resultados.

Figura 1: Produções dos alunos sobre saúde

Fonte: Elaborada pelas autoras (2019).


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
145

Ao pensarem em saúde e selecionarem imagens que representam suas con-


cepções, os alunos integraram os seguintes temas/contextos: alimentação (n=6);
esporte/atividade física (n=6); práticas preventivas (n=5); família (n=3); assis-
tência médica (n=2); equilíbrio corpo-mente (n=2).
Alimentação foi representada por dois tipos de imagem: alimentação vege-
tariana (C3, C14, C16 e C19), com figuras bastante coloridas de frutas e vegetais,
e composição de prato com alimentos em proporções balanceadas (C5 e C7). Ali-
mentação saudável é associada, em geral, ao melhor funcionamento do organismo.
Em esporte/atividade física, foram identificadas práticas de corrida (C2 e
C17), ginástica (C20 e C21) e jogos de vôlei e futebol, respectivamente (C8 e C10).
As imagens mostraram o cuidado ao corpo e a alegria na prática de esportes, e
a rua é o cenário apresentado pela. O esporte é sempre associado ao bom estado
físico e à prevenção de doenças.
Em relação à família (C15, C18 e C24), revelou-se a valorização da harmo-
nia, união e liberdade. Em C15 é enfatizado esses três itens em um cenário de
café da manhã com uma mesa farta, com céu azul e com a presença de avós, pais
e filhos. C18 destaca o cenário ao ar livre com um céu bem azul e a família (pai,
mãe e filho) parada em cima da grama observando a natureza. C24 apresenta,
como cenário, um anoitecer com cores quentes e a silhueta de uma família.
Quanto às práticas preventivas, foram encontrados dois tipos de práticas:
higiene (C4, C6 e C12), um tema com ênfase na preocupação com os cuidados
de higiene pessoal, representada por práticas socialmente consolidadas, como
lavar as mãos, escovar os dentes e tomar banho, composições que estão vincu-
ladas às ações cotidianas do indivíduo para prevenir doenças; outras medidas
de prevenção, em que os alunos apresentaram vacinação (C9) e prevenção de
gravidez na adolescência (C11). Nesses casos, as concepções deixam claras que
saúde depende de ações do sujeito para se prevenir. No caso da mensagem de
C11, fica evidente a preocupação com um problema que tem afetado diretamente
a vida destes jovens para uma vida saudável: gravidez na adolescência, higiene
e alimentação adequada.
No tocante à assistência médica, C1 e C13 apresentam dois cenários dife-
rentes. O primeiro tem elementos como o estetoscópio, prancheta com caneta,
que são instrumentos de trabalho de atendimento médico, símbolos desta prá-
tica. O médico é representado por seus instrumentos, o que lhe dá um status
técnico. A segunda imagem (C13) apresenta um hospital superlotado com falta
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
146

de atendimento. Ambas as mensagens destacam certa impessoalidade do aten-


dimento, como algo técnico por um lado e desumano, por outro.
Em relação ao tema equilíbrio corpo-mente (C22 e C23), em C22, é apre-
sentada uma imagem de uma mulher sentada, sinalizando um equilíbrio entre
uma alimentação balanceada e a prática de exercício. Já em C23 é representado
o equilíbrio entre alimentação e cuidado com a mente. Essa ideia é construída
mais pelo texto do que pela imagem, na qual se observa um rosto de homem co-
mendo maçã. Ambas as mensagens remetem à relação corpo-mente.
Todos os contextos identificados nos textos multimodais apontam os prin-
cipais cenários relacionados à saúde a partir da visão dos alunos.

6 ANÁLISE INTERSEMIÓTICA: RELAÇÃO IMAGEM-TEXTO

As relações estabelecidas entre texto e imagem para a construção da con-


cepção de Saúde foram analisadas de acordo com Santaella e Nöth (1997) e Mar-
tinec e Salway (2005). As análises revelaram as quatro possíveis relações entre
imagem e texto apontadas pelos autores: Status Igual e Complementar (n=12);
Status Desigual/Texto Subordinado à Imagem (n=9); Status Desigual/Imagem
Subordinada ao Texto (n=3); Contradição (n=0).
A maioria dos alunos integrou o texto à imagem de forma complementar
(Status Igual). Essa relação consiste em cada modo semiótico participar da “co-
construção” da mensagem (MARTINEC, 2013, p. 151). Um exemplo dessa classi-
ficação é a construção de C16 (Figura 1), que está inserida no tema alimentação.
A imagem é constituída de frutas coloridas integradas ao texto, que acrescenta
a informação de “um alimento saudável e balanceado”.
A segunda relação mais recorrente (n=9) é a de Status Desigual, quando o
texto está subordinado à imagem. Essa relação consiste na "presença de dispo-
sitivos implícitos no texto, que se referem à imagem" (MARTINEC; SALWAY,
2005, p. 152). Isso pode ser visto em C14, que também está inserida no tema ali-
mentação. Essa construção integra a imagem de um conjunto de frutas, verduras
e legumes em formato de coração ao texto “Para os nossos órgãos funcionarem”,
o qual só é compreendido quando associado à imagem. O dispositivo implícito
neste texto seria a palavra “órgãos”, que se conecta à representação de alimentos
saudáveis em formato de coração na imagem.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
147

Existe ainda a relação Status Desigual, que ocorre quando a imagem se subor-
dina ao texto, o que significa que ela está relacionada apenas a uma parte do texto
que possui mais informação (MARTINEC, 2013). Esse tipo de relação foi pouco
observado nas construções. Por exemplo, o aluno que construiu C24 optou por esse
tipo de relação quando utilizou um texto escrito que expande a ideia da imagem,
pois o texto traz detalhes da sua concepção de saúde, que envolve aspectos físicos,
psicológicos e afetivos. Esses aspectos não seriam percebidos apenas pela imagem.
Essa exploração das potencialidades dos modos semióticos é apontada por
Gibson (1979 apud VAN LEEWEN, 2005, p. 04), que introduz a expressão affor-
dances, um termo referente às potencialidades de uso de um determinado obje-
to. Van Leeuwen (2005, p. 5) acrescenta que esse vocábulo também pode trazer
novos significados, por meio de novos usos do “objeto semiótico”. Portanto, os
tipos de relações estabelecidas ou incorporadas a um significado dependem de
múltiplos fatores.
Esses resultados e análises mostram a forma como os dois modos semióticos
– texto e imagem – se relacionaram e como os temas/contextos e os significados
de saúde se constituíram na construção dos alunos. As relações imagem-texto
encontradas apontam para a coerência no uso entre os elementos semióticos da
imagem selecionada e o significado das mensagens de texto. Assim, com base
nestes elementos, é possível identificar as concepções de saúde dos alunos.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, buscamos analisar as concepções de saúde de alunos de uma


escola pública do Ensino Fundamental, oferecendo-lhes a oportunidade de expres-
sarem suas concepções de saúde por meio da construção de textos multimodais
(texto-imagem). A maioria (n=17) dos alunos manifestou suas concepções com
base na tendência comportamental, que foi expressa por meio de diferentes te-
mas/contextos: alimentação; esporte/atividade física; práticas preventivas; família;
assistência médica; equilíbrio corpo-mente. Essa visão comportamental de saú-
de leva em conta os aspectos biológicos, porém, responsabiliza o indivíduo pelo
cuidado e pelos comportamentos adequados à sua saúde (WESTPHAL, 2006).
Em segundo lugar, a concepção socioambiental manifestou-se por meio de
cinco representações em família (C18 e C24), equilíbrio corpo-mente (C22 e C23)
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
148

e atenção à saúde (C13). Apesar de a imagem ser de ambiente hospitalar, reme-


tendo à concepção de biológica e curativa, na temática atenção à saúde (C13), o
significado da mensagem verbal foi além do contexto biomédico e passou para o
plano socioambiental, ao se introduzirem elementos como preocupação social e
crítica ao contexto da atenção em saúde. Embora a concepção de C13 apresente
uma reflexão sobre saúde como responsabilidade para além do indivíduo, um
compromisso que envolve sociedade e governo, o núcleo das concepções cons-
truídas pelos alunos traz significados envolvendo fortemente contextos com-
portamentais, o que demanda mudanças nas abordagens escolares que almejam
ampliar, de fato, a visão de saúde.
Essas concepções mostraram-se consistentes, em geral, uma vez que texto e
imagem se relacionaram, complementando e/ou conectando elementos, ora pela
imagem, ora pelo texto escrito para comporem suas concepções. A partir das
análises, foi possível constatar que os alunos associaram saúde, principalmente
aos temas/contextos alimentação, esporte/atividade física, família, seguido tanto
por mensagem de higiene pessoal, quanto de outras ações preventivas. Um tema
multifacetado, denominado equilíbrio mente-corpo, apareceu timidamente em
duas representações. As imagens que estavam mais diretamente relacionadas a
uma concepção estritamente biológica e curativa, em que prevalece a concepção
de saúde como ausência de doença, foram modificadas pelo texto, indicando que,
embora muitas vezes hegemônicas em práticas educativas, ela não foi identifica-
da entre os jovens participantes do estudo. Também é importante ressaltar que o
aporte da semiótica social contribuiu para o estudo realizado, que considerou os
múltiplos canais e influências na formação das concepções de saúde e de tantos
outros fenômenos importantes para os jovens em nossa sociedade.
No entanto, ao refletir sobre as possíveis implicações e possibilidades de
mudanças com base em estudos dessa natureza, percebe-se que a escola enfrenta
significativos desafios para a integração da temática da saúde, tanto em relação
ao contexto e às vivências dos alunos quanto às práticas pedagógicas. Dentre es-
ses desafios, podemos destacar: (1) pouca autonomia dos professores para tra-
balharem na perspectiva da transversalidade, tendo em vista a enorme pressão
para dar conta de conteúdos programáticos disciplinares, especialmente aqueles
que serão objetos dos sistemas locais e nacionais, como o istema de Avaliação da
Escola Básica (SAEB), e internacionais de avaliação (LEITE, 2010); (2) dificul-
dade no tratamento de conteúdos, mesmo que sejam os tradicionais e de maior
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
149

apropriação dos professores, de forma contextualizada às questões que afetam


a comunidade escolar e o cotidiano dos alunos, tendo em vista a política curri-
cular de base comum para todo território nacional (BYDLOWSKI et al., 2011);
e (3) falta de preparação e motivação dos professores para o desenvolvimento
dos temas transversais, como é o caso da saúde, uma vez que muitas vezes exi-
gem que eles dominem conhecimentos de diferentes disciplinas. Costa, Gomes
e Zancul (2011), ao analisarem as concepções de professores de Ciências e Bio-
logia, constataram que a falta de sensibilização e a carência de formação ainda
representam uma lacuna para que a Educação em Saúde seja trabalhada de forma
adequada na escola. Resultado semelhante foi encontrado por Zancul e Gomes
(2011) em estudo sobre o conhecimento dos licenciandos em Ciências Biológi-
cas acerca das questões de Educação em Saúde. Concluíram que, em geral, as
disciplinas dos cursos não abordam questões de Educação em Saúde na Escola.
Consequentemente, os graduandos demonstram ter pouca ou nenhuma forma-
ção para trabalhar tais temas em sala de aula.
Em geral, a produção de materiais educativos de qualidade é apontada na
literatura como uma contribuição para a superação desse quadro, propiciando aos
professores melhores condições para se orientarem, abordarem e desenvolverem
temas transversais com seus alunos (FRANÇA; MARGONARI; SCHALL, 2011;
MONTEIRO; BIZZO; GOUW, 2010). No entanto, a revisão de estudos que se
dedicam à análise dos materiais educativos e às representações sobre saúde vei-
culadas em livros didáticos (FRANÇA; MARGONARI; SCHALL, 2011; MON-
TEIRO; BIZZO; GOUW, 2010; BARBI; NETO, 2015) tem apontado a tendência
de tratar a saúde em uma perspectiva biologicista, “que remetem ao cientificismo
como forma de legitimar o discurso em torno da doença” (ASSIS et al., 2010, p.
24), além das tendências comportamentalistas. Outros trabalhos revelam que, em
geral, os conhecimentos são abordados com base na pedagogia da transmissão,
de forma descontextualizada e permeada por prescrições e recomendações ver-
ticalizadas (PIMENTA; LEANDRO; SCHALL, 2006, 2007; MEYER et al., 2006).
Os fatos evidenciados são compatíveis com as críticas apontadas no traba-
lho de Meyer et al. (2006) sobre ações e estratégias de Educação para a Saúde
na Escola, que se caracterizam como comunicações voltadas para mudanças de
comportamento e que têm sido pouco exitosas em seus resultados práticos. Os
autores entendem também que a Educação em Saúde de forma integrada ao
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
150

currículo na perspectiva transversal, partindo dos problemas, das concepções e


dos contextos dos estudantes, oferece maior protagonismo para tomada efetiva
de decisões e agência em suas ações políticas e culturais com cidadania.
Os achados e discussões apresentados neste capítulo precisam ser mais
aprofundados de forma a contribuir para introduzir discussões com base nas
concepções dos estudantes no âmbito escolar. Isso porque, embora a BNCC trate
esse tema de forma transversal, as concepções dos alunos refletem a carência de
uma “compreensão sistêmica” e reforçam a visão comportamental da Saúde no
currículo (SOUZA, GUIMARÃES, AMANTE, 2019, p. 148), tendo em vista a
dinamicidade da sociedade, o que requer constantemente problematizar e ressig-
nificar o currículo. Portanto, professores e escola deveriam ter a oportunidade de
abrir-se para a realidade multimodal do cotidiano da sociedade contemporânea
e dos alunos, “levar o mundo para dentro da escola”, em que todos conheçam,
repensem e reutilizem/remixem os recursos e linguagens para significar saúde,
a partir do seu meio social.

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9 A COOPERAÇÃO DE PESQUISADORES COM
PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA COMO
FORMA DE POTENCIALIZAR O TRABALHO
DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NAS ESCOLAS

Julio Cesar Bresolin Marinho1

1 INTRODUÇÃO

O presente capítulo possui como foco a Educação em Saúde (ES) na esco-


la. Desse modo, de início, julga-se pertinente apresentar o entendimento sobre
esse campo de conhecimento que emerge nos anos 50 (CARDOSO DE MELO,
1981). Para Schall e Struchiner (1999, p. 4), a ES configura-se como “um cam-
po multifacetado, para o qual convergem diversas concepções, das áreas tanto
da educação, quanto da saúde, as quais espelham diferentes compreensões do
mundo, demarcadas por distintas posições político-filosóficas sobre o homem e
a sociedade”. O campo da ES, possuindo esse caráter multifacetado, permite que
imperem variados entendimentos sobre tal expressão.
Adota-se a perspectiva de Mohr (2002), para quem a ES consiste nas ativi-
dades que compõem o currículo escolar, as quais apresentam uma intenção de
caráter pedagógico, contendo relação com o ensino e a aprendizagem de assuntos

1 Doutor em Educação em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências Química da Vida
e Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professor das disciplinas pedagógicas do Curso de Ciên-
cias Biológicas – Licenciatura da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus São Gabriel. Professor
colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências Química da Vida e Saúde da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
155

ou temas correlatos com a saúde. Por esse pensamento, mesmo a ES tendo espaço
nos currículos oficiais (MARINHO; FERREIRA; SILVA, 2015; JESUS; GARCIA,
2019), visualizam-se inúmeras dificuldades encontradas por professores da Edu-
cação Básica para a realização de práticas de ES que promovam uma conscien-
tização e tomada de consciência dos alunos, para que possam tomar decisões
conscientes no que tange à sua saúde.
Mohr e Schall (1992) expressam que são infinitas as possibilidades para se
desenvolver atividades de ES, mas salientam que, quando realizadas na escola,
elas devem ter como ponto de partida situações correlatas à realidade vivida pelos
alunos. No entanto, mesmo tendo variadas possibilidades para promover a ES,
algumas barreiras são encontradas. Um fator limitante que pode ser destacado
reside no fato de a formação do professor nos domínios da ES ser deficitária.
Fernandes, Rocha e Souza (2005), em seu estudo, questionaram as dificuldades
encontradas por professores para trabalhar o tema saúde dentro do ambiente es-
colar, e a questão referente à falta de capacitação docente obteve destaque. Rela-
cionando as dificuldades decorrentes da formação dos professores para trabalhar
com a ES, cabe apresentar o resultado do estudo de Zancul e Gomes (2011), os
quais analisaram o currículo do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas
da Universidade de Brasília (UnB) e constataram que nenhuma disciplina trata-
va realmente das questões de ES. Essa forma de estruturação curricular que ne-
gligencia a abordagem da ES certamente não ocorre apenas no curso da UnB e
acaba contribuindo para uma formação deficitária de professores para trabalhar
com esta temática na escola.
A fim de superar as dificuldades oriundas da formação inicial de professores
para abordar a ES, Mohr e Schall (1992, p. 201) propõem ser necessária a reali-
zação de “cursos de atualização para professores que aperfeiçoem sua eficiência
pedagógica e ampliem sua visão da questão da saúde nos seus múltiplos aspec-
tos”. Evidencia-se que a alternativa de cursos de atualização para os professores
aperfeiçoarem seu fazer pedagógico em torno da ES é uma opção interessante
para a minimização dessa dificuldade.
Mesmo com algumas barreiras para promover a ES no espaço escolar,
vários autores apresentam a importância desta prática na escola. Mohr (2002,
p. 70) acredita que à escola “cabe instrumentalizar intelectualmente, a longo
prazo e em profundidade os alunos para que analisem criticamente a realidade
e possam fazer, no campo da saúde, escolhas autônomas e informadas”. Arteaga
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
156

Rodríguez, Kolling e Mesquida (2007) concebem que as pessoas devam possuir


instrução sobre saúde que lhes permita aprender as medidas indicadas e tomar
consciência delas, assim como acreditam que a escola se configura como um
local importante para isso. Para Zômpero e colaboradores (2010, p. 105), “a
escola é o local apropriado para a aprendizagem de saúde, primeiro por reunir
crianças em faixas etárias propícias à adoção de medidas educativas e preven-
tivas, mas também pela presença do professor no processo de mediação dos
conhecimentos”.
Evidenciando-se a importância da abordagem da ES na escola e tendo em
vista as limitações dos professores na tentativa de minimizar essa problemática,
espera-se apresentar, neste capítulo, uma forma de trabalho cooperativo entre
pesquisadores e professores da Educação Básica. E que se possa, a partir dessa
cooperação, caminhar em direção a um trabalho mais significativo com as te-
máticas da ES na escola.

2 COOPERAÇÃO ENTRE PESQUISADORES E


PROFESSORES

Nos últimos anos, muito se falou e vem se falando sobre a questão da arti-
culação entre as Universidades e as escolas de Educação Básica. Programas fo-
mentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e
Observatório da Educação (OBEDUC) – configuram-se como potentes à con-
cretização dessa articulação, pois promovem o intercâmbio de saberes de pesqui-
sadores e licenciandos das Universidades com professores da Educação Básica.
Marinho, Silva e Silva (2015, p. 122) apostam “na cooperação e na parceria
investigativa entre pesquisadores e professores da Educação Básica como prin-
cípio indissociável de interlocução entre a Universidade e a Escola de Educação
Básica”. Para os autores,

o pesquisador pode encontrar no professor da escola um parceiro que aprende


e ensina os modos de ser e vivenciar da sala de aula. Tal atitude também tem
reflexo no trabalho do docente da escola, pois o provoca a assumir uma postu-
ra investigativa sobre seu cotidiano e sua própria prática (MARINHO, SILVA
e SILVA, 2015, p. 122).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
157

A ideia de cooperação de atividades de ES apresentadas aqui decorre do


estudo de Marinho, Silva e Silva (2015), que cunham a ideia de Planejamento
Cooperativo, a qual se refere “a uma atividade coletiva que reúne pesquisadores
e professores a fim de discutir modos de criação de situações didáticas” (p. 125).
Os autores apontam que o Planejamento Cooperativo é adequado tanto para
possibilitar uma ação-reflexão sobre as práticas dos professores em sala de aula,
qualificando seu trabalho, bem como pela possibilidade de se configurar como
uma estratégia potente para entender as complexas relações do contexto escolar,
já que estabelece uma intensa relação dos pesquisadores com os profissionais da
escola desde o início da proposta. Salienta-se que o foco do Planejamento Coo-
perativo neste capítulo volta-se para defender sua utilização como uma forma
de potencializar as práticas de ES em sala de aula.

2.1 Entendendo o Planejamento Cooperativo


O Planejamento Cooperativo na perspectiva de Marinho, Silva e Silva (2015),
como sintetizado na Figura 1, conta com cinco (5) momentos.

Figura 1: Momentos do Planejamento Cooperativo

Fonte: Marinho; Silva; Silva (2015) – elaborada pelo autor.

1) Discussões iniciais – após a escolha da temática (a qual pode ser propos-


ta previamente pelo pesquisador da Universidade ou emergir da necessidade e
demanda do grupo de professores da Educação Básica), inicia-se uma discussão
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
158

para a elaboração coletiva de abordagens metodológicas. Nesse primeiro mo-


mento, por meio de algumas perguntas – por exemplo, “O que vocês acham do
tema?”, “Vocês já o trabalharam? Como?” –, o pesquisador estimula os profes-
sores a lançarem suas ideias e exporem suas concepções iniciais sobre o tema.
2) Questionamentos – a partir das discussões gerais sobre o tema, o gru-
po se foca na organização dos planejamentos em si. Para isso, novamente, to-
dos participarão levantando possibilidades, discutindo propostas e elencando
o que fará ou não parte de cada planejamento. Algumas perguntas que podem
ser fomentadas pelo pesquisador nesse momento: “Para a turma de vocês seria
interessante tratar desse assunto? Por quê?”; “Vocês gostariam de buscar outros
temas?”; “Acreditam que são assuntos que podem ser tratados com seus alunos?”.
Por meio desses questionamentos, o professor analisa as propostas, não as aca-
tando simplesmente sem pensar sobre elas, explica suas escolhas, refletindo sobre
elas e analisando as possibilidades para o trabalho.
3) Organização da ação – é o momento do professor organizar seus pen-
samentos. Ele é importante, pois as ações são realizadas, muitas vezes, de forma
inconsciente e nem sempre muito elaboradas. É o grupo que sistematizará a ação
a ser desenvolvida. Dessa forma, mais uma vez, os questionamentos do pesqui-
sador auxiliam a forma de organização da ação do professor. Neste momento,
podem ser feitas as seguintes provocações: “Como vamos trabalhar esse tema
com os alunos?”; “Qual seria o primeiro passo de vocês? Por quê?”; “Como vão
introduzir o assunto? Por quê?”; “Quais recursos utilizarão? Por quê?”; “Quanto
tempo será preciso? Por quê?”; “De que maneira vocês preferem organizar o pla-
nejamento? E, se mudarmos a ordem, acham que fica melhor ou não? Qual vocês
preferem?”; “O que esperam que os alunos façam e que aprendizados tenham?”.
Os autores concebem que é nesse momento que o professor acaba sentindo
a necessidade de repensar suas ideias, reorganizá-las, na tentativa de entender
por que deseja proceder dessa maneira ao invés de outra. Assim, “o professor põe
à prova suas escolhas, além de começar a perceber as inúmeras possibilidades
que existem e que cada uma pode resultar em um aprendizado diferente” (MA-
RINHO; SILVA; SILVA, 2015, p. 130).
4) Ação didática – finalizada a elaboração dos planejamentos, é necessária
a organização da ação que foi pensada. Esse momento é realizado preferencial-
mente pelo professor, que pode solicitar a ajuda do pesquisador quando julgar
necessário. Para os autores, é durante o desenvolvimento dos planejamentos em
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
159

sala de aula que o professor “toma consciência das falhas, das descontinuidades,
dos pontos fortes, das metodologias que se adéquam mais para o tema de que
está tratando” (MARINHO; SILVA; SILVA, 2015, p. 131).
5) Avaliação e autoavaliação didática – o pesquisador novamente ques-
tiona os professores quanto as suas experiências durante o desenvolvimento das
atividades em suas turmas. Algumas das perguntas sugeridas pelos autores resi-
dem em: “Qual momento você achou o mais importante e por quê?”; “Quais as
dificuldades que você encontrou?”; “No seu olhar, qual foi o ponto mais signi-
ficativo para os alunos na aplicação dos planejamentos?”; “O que você acha que
deveria ser realizado diferente e o que foi exatamente como o desejado?”. Tais
questionamentos possuem a intenção de promover uma reflexão sobre o que foi
desenvolvido, levando o professor a repensar sua prática.

2.2 Experiências de ES na escola utilizando o Planejamento


Cooperativo
Mesmo com a previsão do trabalho com temas da saúde nos currículos
oficiais, o trabalho com temas da saúde, Marinho, Silva e Ferreira (2015) evi-
denciaram que a ES não é desenvolvida com muita articulação pedagógica nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo marginalizada nos currículos,
concretizando-se, muitas vezes, de forma periférica. Dessa forma, em sua in-
vestigação de mestrado, Marinho (2013) propôs a dois grupos de professores
dos anos iniciais, de duas escolas municipais de Rio Grande, RS, Brasil, a ela-
boração de Planejamentos Cooperativos com temáticas da saúde. Nesta seção
será apresentado o processo de produção dos planejamentos com os grupos.
Com ambos os grupos, após as apresentações iniciais, o primeiro momen-
to (discussões iniciais) residia em uma reflexão sobre a ES. Questionavam-se os
professores sobre “o que compreendiam sobre saúde e como enfocavam tal te-
mática com seus alunos”. Nesse momento era possível visualizar as concepções
e experiências dos professores com a temática, resgatando as que já haviam sido
realizadas por eles, bem como acolhendo os temas que gostariam de abordar com
seus alunos, mas que por alguns fatores ainda não haviam conseguido viabilizar
nas suas práticas docentes.
No segundo momento (questionamentos), eram enfatizadas as ideias/de-
sejos dos professores sobre as atividades de ES que gostariam de planejar para
realizarem com as suas turmas. Pode-se ilustrar como se organiza esse segundo
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
160

momento com o diálogo apresentado a seguir (MARINHO, 2013, apud MARI-


NHO, SILVA e SILVA, 2015):

Professora: “Eu acho que vou trabalhar com sexualidade, porque na minha tur-
ma eles têm 6, 7 anos, mas é gritante, a turma inteira fala de sexo”.
Pesquisador: “E como pensa em trabalhar”?
Professora: “Eu não trabalhei isso ainda, porque, eu vou ser bem sincera, eu
não soube ainda como trabalhar com isso. Eu nem sei dizer agora como eu
trabalharia isso”.
Pesquisador: “Alguém teria uma sugestão para auxiliar a colega no trabalho
com essa temática”?
Uma colega propalou: “Faz uma atividade introdutória com imagens mostrando
um bebê, uma criança, um jovem, adulto e idoso. A partir delas discute com os
alunos como é o corpo de cada um deles, o que fazem, como é o ciclo de vida
do ser humano. Por esta atividade pode ser possível chegar em questões mais
específicas com o que quer trabalhar. Pode ser um início”.

Observam-se, no diálogo, as potencialidades do Planejamento Coopera-


tivo, visto que uma professora apresenta o desejo de trabalhar com sua turma
questões relacionadas com a sexualidade, porém, expressa que não sabe como
poderia trabalhar. No momento em que o pesquisador questiona ao grupo como
ela poderia trabalhar, uma colega sugere uma ação que pode ser incorporada no
início do planejamento da professora.
A organização da ação é o terceiro momento do Planejamento Cooperati-
vo. O diálogo apresentado a seguir ilustra como se operacionaliza (MARINHO,
2013, apud MARINHO, SILVA e SILVA, 2015):

Professora 1: “Eu gostaria de enfocar a questão da alimentação”.


Pesquisador: “Sobre este tema o que pensou”?
Professora 1: “Penso em questionar quais os alimentos que me fazem preservar
o corpo? Quais os alimentos meus alunos conhecem”?
Professora 2: “Eu também gostaria de trabalhar com a questão da alimentação,
mas minha preocupação não é o que eles comem, mas sim o quanto comem,
porque na merenda eles comem a merenda da escola mais o lanche que trazem.
Eles comem muito!”.
Pesquisador: E professora, como pensa em trabalhar isso?
Professora 2: “Penso em mostrar o tamanho do estômago deles, dizer ‘olha quan-
to vocês comem, olha o tamanho do estômago de vocês’”.
Pesquisador: “E após isso, o que faria”?
Professora 2: “A partir de então eu abordaria os seguintes assuntos: alimentos
saudáveis, nutrientes. Traria uma nutricionista para dar uma palestra. Abordaria
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
161

a questão da ansiedade, que é uma das causas do comer tanto. Também penso em
elaborar lanche com os alunos, analisar propagandas de revistas sobre alimentos,
lanches, trabalhar com rótulos e embalagens, para ver valor calórico, light, diet”.

Novamente se observa que o coletivo potencializa o planejamento, pois o


professor, após definir a temática de ES que será abordada, começa a organizar,
juntamente com os demais colegas, o planejamento de sua atividade. Evidencia-
-se que o papel do pesquisador é mediar as trocas e questionar o grupo para que
pensem sobre suas escolhas.
O quarto momento (ação didática) é marcado pelas interações do professor
com seus alunos. Aqui é interessante perceber como o docente organiza as ações
de ES visando à aprendizagem dos estudantes, visto que durante o desenvolvi-
mento dos planejamentos é possível tomar consciência do que foi idealizado. A
seguir, apresenta-se um registro de observação de uma aula dos anos iniciais do
Ensino Fundamental em que uma professora colocou em prática seu planeja-
mento sobre alimentação (MARINHO, 2013, apud MARINHO e SILVA, 2015a):

Observação 1: A professora inicia perguntando aos alunos quais os alimentos


que fazem mal para a saúde. Eles respondem: “o refrigerante”. A professora diz:
“isso, faz mal mesmo”.
Observação 2: Ela solicita para que um aluno leia a parlenda que está no início
do capítulo que trata de alimentação no livro didático (LD) de Ciências. Ela
explica a relação da parlenda com a questão da alimentação e dos alimentos.
Observação 3: A professora pergunta o que os alunos comeram pela manhã. A
maioria responde que não comeu nada. Ela pergunta: “por quê”. Eles respon-
dem: “Não deu tempo”; “Não gosto de comer nada de manhã cedo”. Com isso
a professora fala brevemente sobre a importância de se alimentar pela manhã.
Observação 4: Em seguida, ela solicita que os alunos façam uma atividade do LD
(Essa consiste em listar: o que eu gosto de comer e o que eu não gosto de comer).
Observação 5: A professora solicita que cada aluno leia suas listas. Concluídas
as leituras, a professora diz: “Pessoal, têm coisas que mesmo não gostando, te-
mos que comer”.
Observação 6: Vai se realizando a leitura das páginas do livro e tecendo alguns
comentários. Evidenciamos carência de explicações.

A observação, pelo pesquisador, da prática educativa concretizada pelo


professor possibilita um olhar para o que foi desenvolvido e, na última etapa do
Planejamento Cooperativo (avaliação e autoavaliação didática), pode servir de
elemento para discussão e problematização. É importante ressaltar que, nessa
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
162

etapa, a intenção não é de o pesquisador apontar falhas no trabalho realizado


pelo professor da Educação Básica, mas sim auxiliá-lo a compreender a inten-
cionalidade da forma como conduziu as atividades, como elas contribuíram para
a compreensão dos alunos sobre os aspectos de saúde e o que poderia ser feito
de diferente. Em sequência, apresentam-se duas avaliações de professoras dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, após a realização das atividades planejadas
(MARINHO, 2013, apud MARINHO e SILVA, 2015b):

“Notei mudança de comportamento dos alunos, os quais começaram a trazer


suas escovas e pastas dentais para a escola, assim como começaram a relatar
que lavam as mãos antes das refeições e após ir ao banheiro. [...] As atividades
foram significativas, na medida em que modificou os hábitos de higiene dos
alunos tanto em relação ao seu corpo, quanto em relação com a higiene” (Relato
da avaliação da professora autora do planejamento IA).
A professora julgou como mais significativo em sua atividade: “a impressão
causada nos alunos e consequentemente a mudança de pensamento e hábitos
em relação à alimentação”. Ela acredita que as atividades fizeram com que os
alunos percebessem que “a alimentação é a base para uma boa qualidade de
vida, além de conhecerem as propriedades e funções de muitos alimentos;
como cada alimento pode estar intimamente ligado ao bom funcionamento
do corpo; e questões de higiene na alimentação” (Relato da avaliação da pro-
fessora autora do planejamento IC).

Evidencia-se nesta última etapa a potencialidade do Planejamento Coope-


rativo, visto que promove uma reflexão sobre o que se desenvolveu, levando o
professor a avaliar o que foi feito, bem como repensar sua prática para o desen-
volvimento de atividades de ES futuras. Nesse momento, como é possível verifi-
car nos relatos, as professoras apontaram o que consideraram mais significativo
das atividades que desenvolveram, assim como as potencialidades para a ES.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crítica de que as universidades se encontram distantes das escolas de Edu-


cação Básica está diminuindo, visto a criação de algumas propostas que promovem
uma interação mais consistente entre essas duas instituições educativas. No en-
tanto, a crítica aos pesquisadores que só se inserem nas escolas para coletar dados
e realizar julgamentos do trabalho desenvolvido pelos professores ainda é forte.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
163

Nesse cenário, acredita-se que o Planejamento Cooperativo é uma alterna-


tiva viável para a superação desse modelo de investigação que é repudiado pelos
docentes da Educação Básica. Além disso, esse método auxilia os professores na
elaboração de atividades pedagógicas de ES mais estruturadas, uma vez que são
pensadas no coletivo e, portanto, acabam se potencializando. As cinco etapas do
Planejamento Cooperativo fazem com que o processo de ensino seja complexi-
ficado, pois, desde o início – elaboração dos planejamentos no coletivo – até o
final – avaliação e autoavaliação didática –, as problematizações e reflexões são
constantes.
De tal forma, o Planejamento Cooperativo pode ser uma forma de su-
peração de dois modos de estruturação da ES na escola (aquele que ocorre
“através da ação prática”, bem como o modo “biológico”) e pode se aproximar
do modo que “visa uma compreensão” (MARINHO; SILVA, 2018). O modo
de estruturação da ES que ocorre “através da ação prática” apresenta a ideia de
saúde como ausência de doença; nas práticas educativas se observa um forte
caráter instrucional nas atividades, o qual é alcançado por meio da imposição
de ações. As formas de conceber a ES nesse modo de estruturação “acabam
ocasionando uma aprendizagem de ações práticas, as quais visam uma aquisi-
ção de hábitos, gerando uma mudança de comportamento” (MARINHO; SIL-
VA, 2018, p. 726). O modo de estruturação “biológico” considera que a saúde
consiste apenas no bem-estar do corpo biológico e valoriza “a aprendizagem
de conhecimentos científicos, principalmente nomes de órgãos e funções de
determinados sistemas” (MARINHO e SILVA, 2018, p. 728), caracterizando-se
como uma aprendizagem mecânica e automatizada. Já o modo de estruturação
da ES que “visa uma compreensão” concebe a saúde como bem-estar em um
conjunto, levando em conta o físico e o mental. Desse modo, a aprendizagem
procura ocasionar uma mudança de pensamento, apresentando diversas possi-
bilidades aos sujeitos, o que oportuniza a escolha e favorece o desenvolvimento
da sua autonomia. Acredita-se “na conscientização e na tomada de consciência
para que os alunos possam saber refletir-agir, e assim possam tomar decisões
conscientes” (MARINHO e SILVA, 2018, p. 729).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
164

REFERÊNCIAS

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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
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10 INTERSETORIALIDADE E
TRANSDISCIPLINARIDADE NA INTERAÇÃO
ENTRE UNIVERSIDADE E FAVELA:
EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS DO PROJETO DE
EXTENSÃO "EDUCAÇÃO, SAÚDE E CULTURA
EM TERRITÓRIOS DA PERIFERIA URBANA"

Carlos Henrique Dantas Cardozo1


Gustavo de Oliveira Figueiredo2

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta um relato de experiência do projeto de extensão


"Educação, Saúde e Cultura na Periferia Urbana" desenvolvido pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)3 em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ) e organizações comunitárias em favelas do Rio de Janeiro de forma
ininterrupta desde o ano de 20144. Nosso objetivo não é fazer uma discussão
teórica sobre os conceitos de intersetorialidade e transdisciplinaridade. A intenção
é abordar os desafios para a operacionalização destes princípios na prática
concreta de um projeto de extensão coordenado por uma universidade pública.

1 Educador Social. Assistente Social formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2 Doutor em Psicologia da Comunicação. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3 Agradecemos aos alunos de graduação da UFRJ que participaram do grupo de Manguinhos em 2018 e 2019.
4 Nossos sinceros agradecimentos ao professor Gilberto de Oliveira Reis, da Escola Nacional de Saúde Pública –
Fiocruz, por seu especial companheirismo e inestimável suporte ao desenvolvimento de todas as atividades do
projeto no território de Manguinhos desde 2014.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
167

Desse modo, nosso foco se concentrará no objetivo de compartilhar vivências,


discutir sobre os encontros e refletir sobre os desencontros, para que o projeto seja
levado a cabo em diferentes favelas. Concentraremos nossa abordagem nas ações
desenvolvidas em parceria com a comunidade local da favela de Manguinhos5,
entre 2018 e 2019.
A Extensão Universitária provém de inúmeros debates promovidos por
mobilizações sociais em toda América Latina desde o Movimento de Córdoba
(1918), na Argentina, sempre buscando aproximar a sociedade da vida univer-
sitária. No Brasil, segundo Oliveira (2006), somente em 2001 foi desenvolvido
um Plano Nacional de Extensão Universitária que reafirma a necessidade da
universidade assumir um real compromisso com a transformação da socieda-
de brasileira. É daí que surge o paradigma de que as ações de ensino, pesquisa
e extensão devem ser indissociáveis buscando superar o assistencialismo com a
efetiva participação popular. A extensão passa, então, a ser um dispositivo para
promover a articulação da academia com a população vulnerabilizada social,
econômica e culturalmente.
Como afirma Santos (2005), é preciso compreender a dinâmica do terri-
tório com seus fixos e seus fluxos como um fenômeno vivo, ao que denomina
"território vivo". É neste vivo e complexo contexto que o projeto de extensão
se desenvolve. Atuamos tão somente como mais uma ação nesta rede interse-
torial já existente, na qual pessoas, coletivos e instituições constituem fluxos
de interação, comunicação e ação que muitas vezes são invisibilizados pelo
discurso oficial que associa a vida na favela somente à marginalidade, pobreza
ou violência.

2 A FAVELA COMO LUGAR DO "QUASE"

O Rio de Janeiro é o município brasileiro com maior número de habitantes


vivendo em favelas. São contabilizadas 736 favelas que abrigam 22% da popula-
ção da cidade. A maior parte da classe trabalhadora, que tem apenas sua força
de trabalho para vender, sobrevive nessas favelas. Desprovidas de propriedade

5 Agradecimento especial a todas as pessoas, alunos, professores, profissionais de saúde, lideranças comunitárias,
trabalhadores da cultura e demais parceiros, projetos e instituições que lutam pela melhoria da qualidade de vida
na favela de Manguinhos.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
168

privada e até mesmo despida de sua cidadania, enfrentam a violência e as intem-


péries da natureza, sem estrutura ou amparo, suportando as mortes e enchentes,
que fazem a população perder tudo o que tinham e afogar os sonhos de conquis-
tarem o que parece tão distante, a dignidade.
Manguinhos é uma favela situada na zona norte do Rio de Janeiro onde
moram 37 mil pessoas, aproximadamente. Mais da metade dessa população
mudou-se para lá após o ano 2000, em moradias construídas em alvenaria, em
geral com um único quarto. Cerca de 60 % das casas recebem água por redes
de abastecimento não oficial e somente 30% das residências possuem conexão
com a rede de esgoto. Em 2008, o bairro recebeu investimentos do Governo de
Luis Inácio Lula da Silva por meio do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). Foi construída uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), uma Uni-
dade de Saúde da Família (USF), uma Biblioteca, o Centro de Referência da Ju-
ventude (CRJ) e o Centro de Apoio ao Trabalhador. Na área de abrangência da
favela, existem duas creches, cinco escolas de Ensino Fundamental e uma escola
de Ensino Médio (SCHÜTZ; PIVETTA e ENGSTRON, 2012).
Simultaneamente, já no ano de 2010, começa, no Rio de Janeiro, uma nova
política de controle policial das favelas. Com a Unidade de Polícia Pacificadora
(UPP), o governo novamente interveio no território das favelas com uma forte
política de repressão com objetivo de preparar a cidade para a Copa do Mun-
do de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016. Essa preparação para a
inserção definitiva do Brasil no panorama internacional global representa um
fator de forte tensão social e gera ainda mais contradições e disparidades entre
classes sociais e a angústia em quem luta por democracia e participação política
na favela (FIGUEIREDO, 2016).
Apesar das contradições, a população de Manguinhos mobiliza-se em
torno de instituições públicas e organizações comunitárias dentro da própria
favela, como a Biblioteca Parque, as associações de moradores, o CRJ, as esco-
las públicas, as unidades de saúde pública, a casa do trabalhador, o Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS-Magall) e as diversas outras redes locais, como o
grupo do Hip Hop, o grupo gay de Passinho, o grupo campo de futebol, o gru-
po de capoeira, o grupo do jornal Fala Manguinhos. Além disso, há diversos
outros grupos articulados em maior ou menor grau com partidos políticos,
organizações da sociedade civil, sindicatos, igrejas, milícias, polícia e tráfico de
drogas. Também possuem uma importante atuação na favela de Manguinhos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
169

instituições de pesquisa, como a Fundação Oswaldo Cruz, e universidades, a


exemplo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Entretanto, as instituições do Estado e da Prefeitura do Rio de Janeiro,
localizadas em Manguinhos, assim como na maioria dos bairros periféricos
no Brasil, sobrevivem bravamente devido ao amor e comprometimento de
profissionais dedicados. Há também diversas instituições, mas que, em geral,
não funcionam como deveriam. Uma gama de serviços poderia ser prestada,
porém, infelizmente, se esbarra na falta de recursos e má administração do di-
nheiro público. Há falta de manutenção nos prédios, de verba para pagamentos
de salários que possibilitariam contratar professores, profissionais de saúde,
educadores sociais, produtores culturais, assistentes sociais etc.
O sentimento que pesa sobre esta questão, entendendo que existem os es-
paços, mas falta dinheiro para recursos humanos, é que o Poder Público faz de
Manguinhos o “lugar do Quase”: quase temos uma Biblioteca, pois, em dias de
chuva, ela fecha, já que sofre com goteiras, infiltrações, sem contar a falta de
acesso à internet; quase existe um Centro de Referência da Juventude, já que ele
não possui recursos para contratação de professoras(es) e depende da colabora-
ção de voluntários, inviabilizando a continuidade e frequência das aulas oferta-
das; quase que a escola realmente funciona; quase que as unidades de saúde têm
condições e pessoal para atender as necessidades da população.

3 PRESSUPOSTOS DO PROJETO DE EXTENSÃO

O principal objetivo do projeto é mobilizar e articular estudantes uni-


versitários, profissionais de saúde, professores, lideranças comunitárias e os
moradores para o desenvolvimento de ações coletivas que possam contribuir
para a melhoria das condições de vida na favela. Entendemos nossa função de
provocar, energizar e potencializar aquela rede intersetorial existente. E, si-
multaneamente, proporcionar às(aos) estudantes de graduação provenientes
de qualquer curso de graduação da universidade a vivência de uma experiên-
cia transdisciplinar. Nesta experiência, as barreiras entre as diversas disciplinas
se dissolvem na práxis concreta desenvolvida no território real, em que todas
as diferentes disciplinas e profissões se encontram para trabalhar juntas no
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
170

enfrentamento de desafios muito mais complexos que os casos simulados em


sala de aula. É só na práxis concreta que a transdisciplinaridade pode ocorrer
de verdade. Longe das disputas disciplinares e dos campos de domínio profis-
sional (FIGUEIREDO, 2014; FIGUEIREDO e VERMELHO, 2018; FIGUEI-
REDO et al., 2019).
Nossa experiência prática de trabalhar com os temas da intersetorialidade
e transdisciplinaridade não é recente e pode ser constatada no relato de expe-
riência de Wimmer e Figueiredo (2006), no qual já definíamos teoricamente
ambos os conceitos e abordávamos o trabalho intersetorial e transdisciplinar
como objeto de análise crítica a partir do referencial teórico das ciências sociais
e humanas. Naquela época, também já defendíamos a hipótese de que ações
coletivas intersetoriais e transdisciplinares fortalecem a autonomia dos sujeitos
para o exercício da contra-hegemonia política, contribuem para a melhora da
qualidade de vida da população e proporcionam uma práxis concreta que mo-
difica a visão de mundo compartimentalizada em disciplinas. As experiências
do projeto de extensão corroboraram, fortaleceram e sedimentaram aquelas
ideias embrionárias.
Do ponto de vista epistemológico, o estudo apresentado neste capítulo
orienta-se pelos pressupostos da pesquisa-ação (THIOLLENT, 1987; 1996)
e da investigação-ação-participação (FALS-BORDA, 2015; FIGUEIREDO,
2015), que se constituem em importante alternativa e inovação da ciência la-
tino-americana ao modelo clássico positivista tradicional supervalorizado no
hemisfério norte do mundo. A investigação-ação participativa pressupõe um
compromisso com a causa da transformação social e sua ação participa da luta
concreta contra os processos de exclusão social, afirmando sempre uma po-
sição política apartidária, mas a favor da população. Entretanto, é sempre um
grande desafio vincular a produção de conhecimento à ação transformadora e
a teoria à prática, formando um complexo intrínseco entre forma e conteúdo.
Nosso arcabouço conceitual fundamenta-se principalmente nas teorias críti-
cas da sociologia e da educação (FREIRE, 1970, 1981, 2003; APPLE; BALL e
GANDIN, 2013; BALL, 2001; GADOTTI, 2012; MÉSZÁROS, 2008; SANTOS,
2000). É muito importante enfatizar que não adotamos uma postura dogmática
de oposição binária e sempre fazemos um enorme esforço para apropriar-nos
também de dispositivos e paradigmas das teorias pós-estruturalistas (FOU-
CAULT, 1993; BUTLER, 2014).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
171

Voltando ao projeto de extensão, Figueiredo (2014) destaca que o trabalho


tem girado em torno de três desafios principais:
I. Conhecer a realidade concreta e cotidiana da periferia urbana conhecendo seus
moradores, identificando os fluxos e os fixos do território-vivo e reconhecendo
a diversidade sociocultural da favela e sua potência para a mobilização de redes
intersetoriais;
II. Proporcionar um espaço de práxis transdisciplinar, no qual estudantes de gra-
duação da universidade pública, trabalhadoras(es) de instituições públicas, lí-
deres comunitários e representantes de movimentos sociais possam interagir
para identificar necessidades e potencialidades da favela para desenvolver ações
coletivas e transformar a realidade social;
III. Construir relações de afeto entre as pessoas participantes do projeto e as(os)
moradoras(es) do território, aumentando o vínculo das instituições que atuam
na favela com a comunidade local e possibilitando um efetivo intercâmbio entre
os saberes científicos e os saberes populares, além de mobilizar subjetividades
ao assumir efetivo compromisso social.

4 O RELATO DE EXPERIÊNCIA

Nesta seção, tratamos sobre as atividades desenvolvidas nos anos de 2018


e 2019, analisando os principais desafios para a Educação Popular, a partir das
questões que envolvem os conceitos de transdisciplinaridade e intersetorialida-
de. Fazemos algumas observações sobre a troca de saberes entre a universidade
e a favela, discutindo a complexidade desta relação na práxis e o modo como
a dimensão política – em nível macro e em nível local – atravessa nossas ativi-
dades, fazendo com que a teoria aprendida em sala de aula praticamente nunca
possa ser realmente aplicada na prática. Ou, como fala a sabedoria popular, "na
prática, a teoria é outra".
Escrever sobre o projeto de extensão universitária é uma tarefa desafiadora,
devido ao espectro ético-político que a extensão representa para a sociedade. Ela
é resultado histórico das lutas dos movimentos sociais e movimentos estudan-
tis que contribuíram para revelar a necessidade de mudança das práticas assis-
tencialistas da universidade e os desafios envolvidos na perspectiva de assumir
uma práxis acadêmica comprometida com o objetivo de transformação social.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
172

Também é um grande desafio permanecer fiel à população da favela devi-


do à responsabilidade ética e moral assumida no cotidiano com as pessoas que
vivem no território onde as ações do projeto acontecem, respeitando o lugar em
que residem. Além disso, é importante abordarmos como as/os graduandas/os
afetam e são afetados em sua formação humana, cidadã e profissional ao parti-
cipar do projeto de extensão, tanto pelas atividades planejadas como pelo acaso
e o inesperado que sempre mobilizam com muita força os sentimentos de todos
as(os) envolvidas(os).
Em 2018, o grupo de estudantes foi formado por graduandos de diversos
cursos –Serviço Social, Psicologia, Geografia, Fisioterapia e Enfermagem –,
coordenados por professores da UFRJ e da FIOCRUZ. Esta multidisciplinarida-
de inerente ao grupo é um elemento que enriquece as discussões e análises nos
encontros do projeto e transforma-se em transdisciplinaridade quando enfrenta-
mos os desafios concretos do mundo real. É na práxis coletiva que se desenvolve
uma possibilidade de trabalhos integrados e integradores de diversos cursos e
profissões, que vão ao encontro da ideia de que educação, saúde e cultura são
práticas sociais e, por isso, valem-se das teorias de diversos campos dos saberes.
Um dado que merece ser destacado é que a maioria das(os) graduandas(os)
não recebiam bolsas de estudos para participarem da Extensão, arcando com
todos os custos referentes à locomoção e alimentação. Esta questão do financia-
mento das(os) estudantes tem se constituído em uma questão muito relevante
para o projeto, pois, curiosamente, as(os) estudantes que se inscrevem para par-
ticipar do projeto são, na sua maioria, oriundas(os) de classes populares, também
moradoras(es) da periferia e acessaram a universidade pelo sistema de cotas. A
favela já não era um ambiente estranho; muitas(os) compreendem sua responsa-
bilidade perante a desigualdade social, e isso tem influência na sua escolha para
participar no projeto. Afinal, como disse Paulo Freire (1980, p. 31), “Quem, me-
lhor que os oprimidos, está preparado para compreender o terrível significado
de uma sociedade opressora?”
A primeira ida da equipe a campo, na Favela de Manguinhos, aconteceu no
Colégio Compositor Luiz Carlos da Vila. Teve início uma conversa sobre as pro-
postas de trabalhos que poderiam ir ao encontro das possíveis demandas ligadas
a Manguinhos. Surgiram questões sobre o colégio, e muito foi dito sobre a par-
ticipação de estudantes da Compositor nas ocupações das escolas ocorridas em
todo Brasil, no ano de 2016, e como os impactos relacionados àquele momento
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
173

histórico perpassam o dia a dia daquela instituição de ensino. Percebemos, durante


os encontros no colégio, professoras(es) contra a ocupação e contra o protago-
nismo das(os) estudantes, atitudes de descontentamento quanto à organização
dessas(es) adolescentes e jovens.
Por outro lado, existem aquelas(es) que trabalham ou estudam no colégio
e que entenderam o movimento das ocupações das escolas pelas(os) estudantes,
como se fosse uma aula de democracia dada por secundaristas para toda socie-
dade brasileira. Foram tantas observações, principalmente, sobre a despolitização
no colégio, que o grupo concentrou esforços para planejar uma intervenção que
promovesse o resgate da organização estudantil. Os esforços da equipe traduzi-
ram-se em inúmeras rodas de conversas sobre Movimento Estudantil e Grêmios,
oficinas de cartazes e organização para construir um Grêmio Estudantil, autôno-
mo, propositor e baseado na cogestão pelo próprio coletivo.
Numa tentativa de conhecer um pouco mais aquelas(es) estudantes, mo-
radoras(es) de Manguinhos e adjacências, foi construído um mural com o tema
“Necessidades e Desejos”, que era para as(os) estudantes escreverem livremente
o que pensavam sobre questões relacionadas ao colégio, com críticas e sugestões.
Acreditávamos ter aberto um canal para os estudantes falarem da manutenção do
prédio, seus interesses em novas metodologias de ensino, suas questões subjetivas.
Não foi bem assim que aconteceu. No dia seguinte, após a colocação do
mural, a direção achou por bem retirá-lo. Numa reunião, conversamos sobre os
motivos para a sua retirada: ao invés de aparecerem no mural, como esperado,
frases relacionadas à escola, alguns estudantes escreveram sobre sexualidade.
A direção não concordou e cancelou a continuação da atividade, e isto nos fez
pensar: será que falar sobre sexualidade não vem a ser uma demanda para aque-
las(es) estudantes? Será que este tema não tem que ser abordado na escola para
além da biologização da vida, salientando sobre os aspectos sociais e culturais
que este tema implica? Será que se a escola abordasse sobre o tema sexualidade,
sem moralização ou preconceito, o número de adolescentes grávidas e o alto nú-
mero de pessoas com sífilis seria menor na região?
Participamos também das atividades da própria escola, como a campanha
realizada para resolver o problema da piscina que estava inutilizada e havia se
transformado em um importante foco de dengue. Até o fim da pesquisa que apre-
sentamos neste capítulo, o problema não foi resolvido, mas nossa ação fez com
que ele tivesse visibilidade, entrasse na pauta de discussão, uma vez que forçou
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
174

a articulação da escola com as instituições parceiras locais e causou incômodo.


Mas também participamos ativamente da organização da festa junina, resga-
tando um evento tradicional na escola que envolvia toda a comunidade escolar,
mas que estava desativado. Propusemos encontros com dinamizadores culturais
locais, ajudando a articular oficinas de teatro, dança e percussão. Infelizmente, a
realidade da escola pública é muito mais complexa do que podíamos imaginar,
e, à princípio, a realidade social dos alunos nem sempre lhes permite participar
de atividades extras. Conseguimos ativar e mobilizar um grupo reduzido de alu-
nos, embora muito participativo.
Os encontros do projeto são semanais, com encontros práticos no territó-
rio para desenvolver as ações, entremeados com outros encontros na UFRJ para
todo o grupo refletir, em conjunto, sobre as situações vivenciadas em campo.
Apropriamo-nos na práxis de conceitos de Paulo Freire como Educação Popular,
Ação Dialógica e Amorosidade Crítica. Passamos a compreender o significado
real do território-vivo de Milton Santos, com seus fixos e fluxos, além de refletir
sobre aspectos políticos mais amplos que afetam o cotidiano da periferia, como
os processos de globalização e os ataques do neoliberalismo aos direitos sociais.
Por fim, e não menos importante, Foucault, que nos auxiliou a compreender
melhor a dinâmica das subjetividades, das relações de poder e a capilaridade das
microrredes de resistência.
Numa reunião articulada com lideranças comunitárias e trabalhadoras do
Centro de Atenção Psicossocial, foi relatado por essas pessoas o problema dos
“órfãos de pais vivos”. Crianças que moram na favela e que não chegam a ter acesso
às atividades de instituições que acontecem dentro de Manguinhos. São crianças
em situação de extrema pobreza, que, muitas vezes, passam o dia na rua pedindo
dinheiro e estão com os vínculos familiares muito fragilizados devido a inúme-
ros motivos. Esses relatos são necessários para a investigação sobre a dinâmica
do cotidiano insuprimível ao qual estávamos nos familiarizando, as relações de
poder e os interesses correntes nos fluxos do território.
Outra oportunidade de conhecer em maior profundidade o território foi
a caminhada do grupo feita com agentes comunitários numa articulação com a
Unidade de Saúde. Andamos pelo Parque João Goulart, pela Vila Turismo, co-
memos salgados de R$1,00 na lanchonete da Belinha, às margens do rio Faria
Timbó, um valão que corta a favela e provoca alagamentos quando transborda
devido à chuva. Conversamos com as pessoas, vimos a realidade das bocas de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
175

fumo e do tráfico de drogas, observamos inúmeras crianças abandonadas nas


ruas e sentimos o cheiro dos problemas sociais.
Andamos durante certo tempo por inúmeros becos e vielas, fomos convi-
dados a entrar em algumas casas, escutamos diversos relatos de problemas de
saúde, de desemprego, de fome, e fomos também percebendo a movimentação
decorrente de nossa presença no território. A favela é um território vigiado, e a
vivência neste espaço mostra que nem sempre, quando parece tranquilo, inexiste
o perigo. É importante registrar os inúmeros dias em que os encontros do projeto
de extensão não puderam acontecer devido às operações policiais e tiroteios em
Manguinhos. Mais recentemente, os sobrevoos de helicóptero atirando desde cima
de forma aleatória provocaram pânico e trauma nas crianças que nos relatavam
insônia, pesadelos, raiva e um medo que nos comovia, pelo pavor despertado.
Os conflitos no território, envolvendo a Polícia Militar e os varejistas de
entorpecentes, recorrentemente resultam em tiros, mortos e feridos, e aparecem
como um forte limite para o desenvolvimento do trabalho no local. Devido aos
confrontos, a Unidade de Saúde da Família não abre, a escola não funciona, os
projetos são suspensos e as pessoas são cerceadas de seus direitos básicos. Esses
conflitos também prejudicam as(os) trabalhadoras(es), que não conseguem sair
de casa sob tiros e, quando conseguem chegar até a estação de trem, são sur-
preendidas(os) pela inoperância do transporte público que não tem qualidade
nem atende às necessidades dos usuários dos serviços.
O conflito bélico na favela é resultado da política de (in)segurança pública
com modelo proibicionista, baseada na moralização da questão e construindo
o estigma racista que essas(es) moradoras(es) de favela, jovens negras(os), são
considerados como potenciais criminosos por parte da sociedade. Um dado que
demonstra essa política de caça e encarceramento de negras(os), pobres e favela-
das(os), pode ser observado a partir do alto índice de pessoas com estas caracte-
rísticas que morrem decorrente de ações policiais e/ou confrontos entre facções
e, quando vivos, engrossam as fileiras dos encarcerados (RODRIGUES, 2008).
Por outro lado, a intersetorialidade é um dos elementos que sustenta as
ações do projeto com maior vigor, aparecendo a todo instante em nossas ativi-
dades na construção, mobilização ou ativação de redes locais com representantes
de diversos setores. O ponto alto do projeto, em 2018, produziu-se em conjunto
com artistas locais e profissionais da área da saúde que trabalham no local, além
de contar com a participação de professores, funcionários, líderes comunitários
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
176

e estudantes. Realizou-se um encontro, no pátio da escola, em que estudantes


tiveram voz para falarem sobre suas perspectivas de futuro e seus pontos de vis-
ta sobre a mobilização social e política em Manguinhos, assim como puderam
conversar sobre educação, saúde e cultura na favela. Foram momentos de trocas
de saberes e de muitos afetos nos quais foi possível identificar os frutos deste tra-
balho numa roda de conversa sobre o futuro do Grêmio Estudantil e a interação
entre artistas e as instituições de ensino e saúde, do território.
No ano seguinte, já sob a nuvem fascista que trouxe uma tempestade au-
toritária no país e no estado do Rio de Janeiro, houve uma troca arbitrária da
direção na escola, sem que a comunidade escolar tivesse o direito de manifes-
tar-se. E, consequentemente, o trabalho de todos os projetos em parceria com
a escola foi inviabilizado. A nova direção não permitiu darmos continuidade às
nossas atividades, indicou os alunos que seriam os representantes e acabou com
o sonho do Grêmio Estudantil. Os alunos ensaiaram um tímido protesto, mas na
cultura autoritária e punitiva que vem sendo implementada nas escolas, como
diz a sabedoria popular, “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, a escola
isolou-se da rede intersetorial e passou a ditar suas regras.
O ano de 2019, sob a ordem do fascismo neoliberal (GIROUX, 2018; 2019),
começou bem complicado para os trabalhadores de todo o setor público e para
os movimentos sociais. Nas redes intersetoriais que articulam os segmentos da
educação, saúde e cultura no território, as denúncias de abuso policial, de coa-
ção explícita contra os moradores e de ameaças aos trabalhadores circularam de
forma assustadora. Ações arbitrárias do governo estadual e operações policiais
violentas causaram um retrocesso das políticas públicas e atacaram diretamen-
te os Direitos Sociais com contingenciamento de recursos e cortes nas áreas de
educação, saúde e cultura. São fatos que interferem diretamente na vida das
pessoas que moram na periferia e implicam diretamente nos trabalhos que rea-
lizamos na favela.
Por outro lado, na universidade, a situação também não estava nada favorá-
vel. Os ataques sistemáticos do governo Bolsonaro à universidade pública geraram
um clima de medo e perseguição. Muitos projetos foram suspensos por falta de
recursos ou por constrangimento por parte dos departamentos da universidade
que não querem correr o risco de desenvolver atividades que envolvam a par-
ticipação da população. Além desse ambiente tóxico, com o corte de recursos
para assistência estudantil e projetos de extensão, muitas(os) graduandas(os)
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
177

abandonaram o projeto, queixando-se da falta de tempo e de dinheiro para con-


ciliar as demandas do curso e o projeto de extensão. Embora o Plano Nacional
de Educação preveja que 10% da carga horária dos cursos de graduação sejam
realizados em atividades de extensão, a realidade vivida pelos estudantes é outra.
Além da falta de financiamento para os projetos, muitos cursos possuem uma
carga horária teórica que domina a grade curricular inviabilizando a participação
em atividades extracurriculares. Tudo isso faz com que a participação em ativi-
dades de extensão seja muito difícil e onerosa, inviabilizando a presença das(os)
alunas(os) e desmoronando o tripé ensino-pesquisa-extensão.
Em 2019, o grupo que atua em Manguinhos por um número bem menor
de discentes que no ano anterior, os quais eram provenientes dos cursos de
Serviço Social, Psicologia, Saúde Coletiva e Fisioterapia, além das(os) profes-
soras(es) e parceiras(os) locais. Por conta da perda de nossa base operacional
do território na escola, fomos em busca de outras parcerias e fomos muito
bem recebidos e acolhidos pelos companheiros da Biblioteca Parque Marielle
Franco, cuja coordenadora era uma experiente e respeitada líder comunitária
de Manguinhos, que depois também foi demitida e substituída arbitrariamente
pelo governo do Estado.
Ao transferir nossos encontros para a biblioteca, entramos em contato com
outros grupos e, neste momento, foi fundamental a parceria com o movimento
social de comunicação que produz o jornal comunitário Fala Manguinhos. Tam-
bém foi construída uma nova parceria com o Centro de Referência da Juventude,
no qual foram iniciadas novas ações estratégicas do projeto com a formação de
um grupo de acolhimento comunitário juntamente com lideranças comunitárias e
grupos de mulheres, promovendo atividades “político-fisioterapêuticas”. A proposta
de trabalho era de escuta sensível e trabalho corporal junto aos moradores com
atividades de educação em saúde e promoção de cidadania (SILVA et al., 2019).
Ainda que com muitos contratempos, foi possível a continuidade dos
trabalhos realizados com adolescentes e jovens da rede pública de educação
que estão matriculadas(os) na região de Manguinhos. Para isso, estabelecemos
uma nova parceria com a Federação de Associações de Favelas do Rio de Ja-
neiro (FAFERJ) e, a partir dessa parceria, realizamos rodas de conversa com
as(os) estudantes que frequentavam um curso profissionalizante. Pudemos fa-
lar com essas(es) discentes sobre o sistema de cotas, as formas de ingresso nas
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
178

universidades públicas e sobre a possibilidade de pessoas oriundas da perife-


ria, como nós, conseguirmos finalmente ter o acesso ao diploma universitário,
embora as dificuldades para manter-se no curso e conseguir se formar, muitas
vezes, nos façam pensar em desistir.
Ficamos muito surpresos com a falta de informação das(os) jovens sobre
o sistema de cotas, e essa aproximação com elas(es) permitiu que desenvolvês-
semos atividades na UFRJ para que conhecessem a universidade. A aposta foi
que, com esta visita, as(os) alunas(os) da rede pública de educação pudessem
despertar para a possibilidade de cursar uma universidade pública ao conhecer
alguns cursos e as pessoas que estudam por lá. A avaliação dessa atividade foi
muito positiva, pois percebemos o quanto foi desmistificado, para as(o)s jovens,
o ambiente acadêmico. Podemos ilustrar o sentimento do grupo nas palavras de
uma estudante: “aqui dentro o pessoal é que nem a gente, também… Eu pensava
que o pessoal parecia cientista maluco, mas não, é igual a gente...”.
O mais interessante foi demonstrar para pessoas negras, pobres e perifé-
ricas, as quais, por diversas questões, não têm acesso à educação universitária,
que a Universidade é a continuação da formação profissional e também que eles
podem acessar esta modalidade de educação pública e de qualidade. Comparti-
lhando a ideia de que esta ocupação é necessária, para conquista de mais direitos
ao acesso e à permanência neste ambiente, buscando a equidade que parece tão
distante da periferia, das favelas, do gueto.
Paralelamente a esse trabalho com adolescentes e jovens, ocorreram ofici-
nas de cartazes com as crianças que frequentam a biblioteca. Nossa participação
foi igualmente importante no “Sarauzinho”, uma espécie de sarau cultural para
crianças, com música, poesia, desenho, pintura e muita criatividade. Essas inte-
grações com as crianças permitiram entender a interferência que a violência tem
na saúde delas. Elas produziram cartazes que a todo instante refletiam o cotidiano
de tiroteio e violência que vivenciam. O desenho reproduzido a seguir foi o que
mais marcou o nosso grupo, pois explicitou, por meio de uma imagem, o abuso
policial e o discurso violento do governador do Estado, que, além de posar para
as câmeras de cima de um helicóptero, promovendo um verdadeiro espetáculo
de terror e disseminação de medo, afirmou que “é só mirar na cabecinha”. No
desenho, helicópteros da polícia estão atirando do alto enquanto as crianças que
estão brincando num campo de futebol pedem socorro.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
179

Figura 1: Desenho de uma criança de aproximadamente 8 anos produzido durante atividade


desenvolvida pelo projeto de extensão na biblioteca de Manguinhos

Fonte: Arquivo Fotográfico do Projeto de Extensão (2019).

Realizamos, ainda, um trabalho para fortalecer a perspectiva da interseto-


rialidade em conjunto com o CAPS, a Biblioteca, o Centro de Referência da Ju-
ventude e a Clínica da Família. Percebemos que havia muita falta de informação
de uma instituição sobre as atividades desenvolvidas na outra instituição. Mui-
tas vezes, nós acabamos funcionando como que fazendo novas sinapses e ener-
gizando a rede intersetorial. Construímos murais que foram distribuídos entre
essas instituições que compõem a rede de serviços localizadas na principal praça
de Manguinhos. Estabelecemos contato com gestores da Biblioteca, do CAPS e
CRJ, que confirmaram a possibilidade da troca de informações entre esses equi-
pamentos e a exposição dos murais ao público. A confecção dos murais ocorreu
por meio de oficinas de mosaico e pintura com usuárias(os) do CAPS. A relação
estabelecida a partir deste trabalho fortaleceu, ainda mais, o vínculo construído
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
180

pelo projeto com as(os) parceiras(os) do território e permitiu a democratização


de informações úteis a quem utiliza desses serviços.
O planejamento inicial previa a realização de uma culminância no final
do ano: a produção de um evento intersetorial entre Educação, Saúde e Cul-
tura. Para isso, articulamos com o grupo de Hip Hop que organiza o Slam6
Manguinhos, para realizar uma roda sobre a cultura na favela, as dificuldades
e os prazeres em trabalhar e viver num território estigmatizado pela pobreza,
exclusão social e tão violentado. Pensamos em conversar com estudantes da
rede pública de educação e do CAPS sobre como a educação e a cultura, ou a
falta de acesso a elas, podem ser causa de adoecimentos mentais. Pretendeu-se
realizar atividade com as crianças de Manguinhos, produzindo jogos artesa-
nais de madeira, trabalhando o lúdico e o direito à infância. No entanto, essas
ações foram canceladas devido à instabilidade do território, à falta de verbas
para aquisição de materiais necessários às atividades e ao forte estresse emocio-
nal por conta da situação política do país que afetou muito a subjetividade do
grupo e que causou muita indignação, revolta e desesperança. Diversos fatores
afetaram o grupo para que o planejamento não fosse cumprido, dentre esses,
o engajamento do Projeto na Luta junto aos trabalhadores da saúde por conta
das demissões em massa e dos atrasos de até três meses nos salários.
Se o objetivo do projeto é potencializar as redes intersetoriais locais, consi-
deramos que seria inadequado mantermos o nosso planejamento de um evento
cultural enquanto nossos parceiros estão sofrendo na carne os cortes de recursos
para a educação, a saúde e a cultura. No Rio de Janeiro, a partir do segundo se-
mestre de 2019, a saúde pública entrou em colapso, paralisando os atendimentos
na maioria dos hospitais e fechando inúmeras Unidades de Saúde da Família.
Desde então, as nossas ações se voltaram para a mobilização da população em
defesa do Sistema Único de Saúde (SUS).

6 Slam – Evento organizado por grupos de Hip Hop que funcionam como batalhas de rimas, música, dança e poesia
onde os participantes são desafiados a cantar um rap mais inteligente que o outro. Sempre com conteúdo caracte-
rizado por forte discurso de crítica social.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
181

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo apresentou a experiência vivida por estudantes que se com-


prometeram com a educação popular e discutiu os desafios da realidade. Uma
educação dialógica que é capaz de afetar e se fazer afetado, respeitando e valo-
rizando a cultura das classes populares, criando estratégias de superação da ex-
clusão social e trabalhando para a transformação social.
O caminho pelo qual apontamos a materialização das práticas de Educação
Popular foi o Projeto de Extensão Educação, Saúde e Cultura em Territórios de
Periferia Urbana, mais precisamente, relatando experiências da Equipe Man-
guinhos. Buscamos a todo instante demonstrar as implicações da multidisci-
plinaridade e da intersetorialidade nas ações e analisamos as potências e limites
decorrentes deste processo. O projeto é muito potente, e o trabalho vem sendo
desenvolvido com comprometimento e seriedade. Os entraves ainda são a falta
de recursos para mais bolsas de estudos e materiais para desenvolvimento das
ações, os tiroteios deflagrados a partir da incursão violenta da polícia e a falta
de interesse de algumas(uns) gestoras(es) em construir parcerias e desenvolver
trabalhos para além dos muros da instituição.
Trabalhamos para construir ações de extensão que se comuniquem com
a comunidade e valorizem as pessoas e seus conhecimentos de mundo. Não se
trata de levar um conhecimento acadêmico para a população das comunida-
des, mas de construir um novo saber a partir da troca e do respeito. Os desafios
são muitos. Por um lado, a situação de vulnerabilidade social – exclusão social,
desigualdade e pobreza – da comunidade e os determinantes socioeconômicos
do processo de adoecimento com uma violência do Estado que marginaliza os
moradores desses territórios, mas também de outros poderes opressores (Igreja,
Polícia, Milícia, Exército, patrão/patroa etc.). Por outro lado, as potencialidades
da cultura popular, da religiosidade, da afetividade, da solidariedade e da luta na
resistência dos oprimidos frente à opressão e à exclusão (esperança de melhorar,
a luta de cada dia, a fé no futuro das crianças mesmo com toda dificuldade, as
festas, os bailes, os grupos de apoio etc.). Reconhecemos que ainda existe muito
a ser feito em Manguinhos. Ressaltamos a importância da presença e articula-
ção da universidade com a favela, a troca de saberes, o contato da universidade
com a realidade para além dos muros e das salas de aula. Revelamos as contra-
dições a partir dos limites que dificultam os trabalhos, mas, por outro lado, a
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
182

oportunidade para organização e práticas de ações transformadoras. Desse modo,


buscamos romper com o lugar do “quase” que tanto nos incomoda, para colabo-
rar na construção de uma sociedade que (re)conhece e luta pelos seus direitos,
exercer a cidadania e viver dignamente.
A experiência aqui relatada representa um esforço de refletir sobre a prática de
um projeto de extensão universitária na favela, de analisar potências e potencialidades,
como também reconhecer as dificuldades que, por vezes, aparecem como frustrações
e não permitem enxergar as transformações que são frutos do trabalho em
conjunto com as pessoas no território. Podemos considerar como uma janela para
identificar aspectos da realidade de moradoras(es), estudantes e trabalhadoras(es)
que sobrevivem num território estigmatizado e que sofrem com a violência, que
é consequência da política de (in)segurança pública no estado do Rio de Janeiro.
Compreendendo a favela como um “território vivo” e observando as rela-
ções de poderes existentes, percebemos o quanto é difícil, mas ainda possível, a
integração com as redes intersetoriais. Elas buscam estratégias em comum para
alcançar a transformação social, encontrando na educação, saúde e cultura as
ferramentas e nas instituições e na praça um espaço para desenvolvimento dos
trabalhos. É muito importante para a favela o papel dos conselhos gestores, dos
grupos de trabalhos de educação e saúde, entre outras iniciativas que são mo-
vimentadas por suas lideranças e que, neste caso, lutam incansavelmente pelos
direitos da população de Manguinhos. Articulamos muitas ações para enfrentar
os problemas, trabalhando no enfrentamento de desafios que rompem as barrei-
ras disciplinares e efetivamente se constituem em vivências transdisciplinares.
São mobilizações que materializam a intersetorialidade nos trabalhos que envol-
vem as pessoas e as instituições na favela. Por fim, podemos afirmar que nossa
experiência não acredita na neutralidade e luta, junto à classe trabalhadora, pela
transformação social.

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11 PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE EM
ESPAÇOS ESCOLARES: EXPERIÊNCIAS DE
UM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROFISSIONAL EM ENSINO EM SAÚDE

Rogério Dias Renovato1


Cibele de Moura Sales2
Vivian Rahmeier Fietz3

1 INTRODUÇÃO

O Programa de Pós-Graduação Profissional em Ensino em Saúde (PPGES),


da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), na cidade de Dou-
rados, iniciou suas atividades em 2014, abrangendo duas linhas de pesquisa;
uma delas é a de Práticas Educativas em Saúde (SILVA et al., 2019). Dentre as
pesquisas realizadas no âmbito do PPGES, encontram-se aquelas relacionadas
ao desenvolvimento da Educação em Saúde na Educação Básica, conduzida por
profissionais de saúde e alunos do mestrado, que procuraram articular suas vi-
vências profissionais e temas afins com os espaços escolares. A finalidade deste

1 Farmacêutico e Doutor em Educação pela UNICAMP. Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(UEMS), Unidade de Dourados, Docente e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ensino em Saúde.
2 Enfermeira e Doutora em Ciências da Saúde pela UnB. Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul (UEMS), Unidade de Dourados. Docente e Coordenadora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em
Ensino em Saúde.
3 Nutricionista e Doutora em Engenharia de Alimentos pela UNICAMP. Docente da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade de Dourados. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino em
Saúde.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
186

capítulo é discorrer e perscrutar sobre as experiências provenientes destas pes-


quisas, a partir da leitura de suas dissertações e, então, perceber possibilidades,
desafios e potencialidades na realização de práticas educativas em saúde (PES)
junto a estudantes da Educação Básica.
O capítulo está organizado em três partes. Inicialmente, busca-se contex-
tualizar o campo das PES em um percurso histórico, sem ter a perspectiva de
aprofundar, mas tangenciar e situar historicamente. A segunda parte propõe-se
a apresentar o referencial teórico de Maria Helena Salgado Bagnato sobre Edu-
cação em Saúde, que auxiliou o descortinar destas experiências sobre PES. Por
fim, apresenta-se o relato analítico à luz de Bagnato.

2 PERCURSO HISTÓRICO DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS


EM SAÚDE NO BRASIL

As práticas educativas em saúde no Brasil tiveram início a partir do sé-


culo XX, mais especificamente na década de 1920, na cidade de São Paulo,
em que se verificou a congruência de atores representativos do governo local,
da medicina/saúde, das ciências e da educação. Na época, a figura de Geral-
do Horácio de Paula Souza representou o esforço em disseminar o campo da
Higiene, disciplina de cunho científico, que trazia, em seu bojo, elementos da
bacteriologia e da imunologia, em contraposição às teorias miasmáticas, que
ainda estavam presentes. Para isto, e com apoio da Fundação Rockefeller, foi
criado o Instituto de Hygiene, espaço de formação em ciências, e também se
investiu em profissionais, que teriam o papel de divulgar estes novos saberes
à população e, mais especificamente, às escolas primárias, através de práticas
educativas, ou melhor, por meio da Educação Sanitária, nomenclatura adotada
neste período (RENOVATO, 2009).
Paula Souza e sua equipe configuraram a formação de professoras no Insti-
tuto de Hygiene, que, após 18 meses de instrução, tornaram-se educadoras sani-
tárias. Inicialmente o papel destinado a elas foi o de orientar os alunos em seus
hábitos diários, como lavar as mãos antes das refeições, usar sandálias ou sapatos,
alimentar-se corretamente, tomar banhos diários, além de muitos outros infor-
mes que tinham perspectiva prescritiva e fundamentada no campo científico da
Hygiene (RENOVATO; BAGNATO, 2011a).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
187

Este entrelaçar de atores da Saúde e da Educação avançou para outros ce-


nários, quando, em 1942, um acordo entre o Brasil e os Estados Unidos, em ple-
na Segunda Guerra Mundial, criou o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).
Caberia aos Estados Unidos apoio para levar centros de saúde ao “sertão brasi-
leiro”; ao Brasil, a produção de borracha e quartzo, matérias-primas relevantes
para o enfrentamento americano na guerra. O SESP estabeleceu, então, centros
de saúde, constituídos de médico, enfermeira e visitadoras sanitárias nos esta-
dos do Amazonas, Pará, Espírito Santo e depois avançou ao Nordeste brasileiro
e Centro-Oeste. Nesses locais, instituíram-se novamente aliança entre a Saúde
e a Educação. As ações da educação sanitária eram realizadas pelos agentes de
saúde, que se faziam presentes nas atividades das escolas. As professoras também
receberam apoio financeiro para capacitação relacionada à Educação Sanitária,
e, por fim, criaram-se Clubes de Saúde, em que os alunos assumiam o papel de
disseminar, divulgar e prover ações em prol da saúde entre seus pares (RENO-
VATO; BAGNATO, 2010, 2011b).
A partir da década de 1950, observou-se um distanciamento entre essas
áreas. Em 1971, tornou-se obrigatória a inclusão de Programas de Saúde nos
currículos das escolas de 1º e 2º graus, ou seja, Ensino Fundamental e Médio.
Bagnato (1990) analisou como esses programas ocorriam em sala de aula de
uma série do Ensino Fundamental, na cidade de São Carlos (SP). As atividades
dos Programas de Saúde tinham como temas: crescimento e desenvolvimento;
nutrição; higiene física, mental e social; agravos à saúde. Dentre os achados da
pesquisadora, tem-se: realização de método de ensino tradicional centrado no
livro didático; estratégias pedagógicas não participativas e sem levar em conta as
experiências dos alunos; temáticas de saúde desenvolvidas apenas pelo professor
da disciplina de Ciências; conceito de saúde voltado para a doença; adoção de
hábitos de higiene.
Prosseguindo para o final da década de 1990, entre os anos de 1997 e 1999,
publicaram-se os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fun-
damental e Médio, que traziam a Educação em Saúde como um tema transversal.
Isso representaria uma proposta de articulação curricular que deveria romper com
a visão disciplinar e informativa da saúde no espaço escolar. Bassinello (2004), em
reflexões sobre estes documentos, verificou similaridades com as propostas sobre
saúde em manuais de higiene escolar do início do século XX. Por conseguinte,
mesmo percorridos anos e anos, a temática saúde nos espaços escolares ainda
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
188

se caracterizava como prescritiva, fomentando a mudança de comportamentos


individuais e desconsiderando as questões sociais, econômicas e culturais dos
estudantes inseridos nas escolas.
Mohr (2002, p. 81) afirma ser necessário que a Educação em Saúde “ultra-
passe o campo disciplinar das Ciências Naturais e que, dentro desta disciplina, a
tríade tradicional corpo humano/higiene/nutrição seja superada”. Para a autora,
o erro de muitos estudiosos que discutem as questões de Educação em Saúde e
sua relação com os componentes curriculares está em:

Tentar encontrar temas de saúde na ciência ou em qualquer outra área disciplinar


do conhecimento. É um erro epistemológico querer abarcar o complexo fenômeno
da saúde através de qualquer área disciplinar. Ao contrário, o que existe são aspectos
de biologia, de sociologia, de economia, de geografia, de matemática presentes em
determinado problema de saúde que se tome para análise (MOHR, 2002, p. 91).

Mais recentemente, no ano de 2007, foi instituído o Programa Saúde na Escola


(PSE), no âmbito dos Ministérios da Educação e Saúde, tendo como finalidade levar
ações de prevenção, promoção e atenção à saúde aos estudantes da rede pública
de Educação Básica. O PSE tem sido objeto de estudos e análise, apontando, por
vezes, desarticulação entre os setores da Educação e da Saúde (GENTIL, 2015).
Na contemporaneidade, pesquisas têm identificado agravos em relação à saúde
dos escolares, como a obesidade infantil, cada vez mais frequente em crianças a
partir de cinco anos de idade, principalmente nas regiões urbanas (HENRIQUES
et al., 2018). A elevação da pressão arterial foi relatada por Brandão-Souza et
al. (2018), em estudo realizado com estudantes de sete a 10 anos, em amostra de
899 alunos, no Estado do Espírito Santo, sendo mais prevalente em crianças com
excesso de peso. Para Machado et al. (2016), o desenvolvimento das PES têm
assumido cada vez mais relevância nos espaços escolares, visto que as estratégias
educativas para prevenção de diabetes, hipertensão e obesidade mostraram-se
bastante eficazes quando aplicadas a crianças e adolescentes, desde que, por pe-
ríodos longos e contínuos (MACHADO et al., 2016). A articulação da saúde com
a educação poderia ser reforçada apresentando outros estudos e perfazendo ou-
tros transtornos e agravos, como aqueles relacionados à saúde mental, tanto de
alunos, como de professores, ou questões relacionadas às doenças transmissíveis,
como tuberculose, dengue, HPV, dentre outras.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
189

Ao longo da história, assim como na atualidade, artefatos educativos em-


pregados no ensino das PES foram objetos de estudo e questionamentos. A
Cartilha de Hygiene, elaborada pelo Dr. Almeida Júnior, publicada em 1923,
no Estado de São Paulo, teve como público-alvo as crianças em idade escolar
e era de tamanho pequeno, contendo 42 páginas repletas de ilustrações. Seu
propósito foi ensinar os hábitos de higiene por meio da ação vigilante da pro-
fessora. Segundo Rocha (2003), a cartilha trazia representações da infância e
a intencionalidade de impor conhecimentos higiênicos voltados para a nor-
malização do comportamento infantil. Esse artefato foi adotado pelas escolas
primárias dos estados do Ceará, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, num total
de quinze edições até 1936.
Recentemente, Barbi (2018) analisou como as PES foram relatadas nos li-
vros didáticos utilizados nos anos finais do Ensino Fundamental. O resultado
da análise das coleções didáticas encontrou abordagens contextualizadas sobre o
processo científico, mas o predomínio de enfoque individual em detrimento de
ações em saúde coletivas. Quanto aos assuntos abordados, a maioria referiu-se
aos temas biológicos e fisiológicos, enquanto políticas públicas de saúde eram
tratadas apenas de modo tangencial. A desarticulação dos temas de saúde com
os demais conteúdos de Ciências foi verificada, assim como a ausência da abor-
dagem sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da história da ciência estar
presente nos livros didáticos, sua perspectiva problematizadora em relação aos
temas de saúde ainda é pouco explorada.
Sendo assim, ficam evidentes, mesmo que relatados sucintamente, um pou-
co das histórias das PES brasileiras e, principalmente, acerca das permanências,
em que tais PES “se prestaram muito mais para regular, controlar e disciplinar
homens e mulheres, para um certo modelo de sociedade, para um projeto ci-
vilizatório” (BAGNATO; RENOVATO, 2006, p. 88). Então, tem-se a seguinte
questão: quais caminhos poderiam ser trilhados na busca de maior articulação
entre as PES com a Educação Básica? Para isto, após este breve incurso históri-
co, seguem os referenciais teóricos de Bagnato, que permitirão compreender as
experiências de PES realizadas por alunos do PPGES durante o seu mestrado e
que podem ser brechas ou possibilidades de outros caminhos na intersecção da
Educação em Saúde com a Educação Básica.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
190

3 PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE NA


PERSPECTIVA DE BAGNATO4

Maria Helena Salgado Bagnato graduou-se em Licenciatura e Bacharelado em


Enfermagem pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Posteriormente,
tornou-se Mestre em Educação também pela UFSCAR. Fez seu doutorado em Edu-
cação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pós-doutorado em
Educação na Universidade de Barcelona (2004) e Livre Docência pela UNICAMP.
Atuou como professora da UNICAMP e foi coordenadora do Laboratório de Estu-
dos e Pesquisas em Práticas de Educação e Saúde (PRAESA). Também exerceu o
papel de orientadora de doutorado e de mestrado no Programa de Pós-Graduação
em Educação da UNICAMP. Ao longo de sua trajetória acadêmica, pesquisou acer-
ca de temáticas relacionadas à educação e à saúde – formação em saúde, currículo
em saúde, docência em saúde – e também sobre a Educação em Saúde. Portanto,
na atualidade, é uma das principais teorias do campo das Práticas Educativas em
Saúde, tecendo articulações epistemológicas com os campos da Pedagogia Crítica
e dos Estudos Culturais. Estabeleceu diálogo com vários autores, prevalecendo seu
compromisso com a cidadania e dignidade com o ser humano.
Para Bagnato e Renovato (2006), as Práticas Educativas em Saúde (PES) são
práticas sociais, culturais e históricas, que apresentam racionalidades e podem
contribuir para a produção de identidades e subjetividades. As PES são práticas
que circulam nos mais variados espaços e atingem a nossa cotidianidade, em que
se percebem discursos sobre a saúde, sobre o corpo e comportamentos ou sobre
a crença ainda presente de que os problemas da falta de saúde estão interligados
somente à carência de informações técnico-científicas e à necessidade de alguém
(autoridade) capaz de ensinar, orientar e educar como cada indivíduo deve pro-
ceder para ter saúde, disciplinando e homogeneizando condutas.
As PES podem envolver trabalhos junto a famílias, grupos, usuários e traba-
lhadores da área da saúde. E, do mesmo modo, a educação inicial em saúde nos
cursos de nível médio e superior, a educação continuada/permanente em saúde,
como os cursos de atualização e de pós-graduação, além da Educação Básica, en-
volvendo profissionais de saúde, docentes, técnicos administrativos, estudantes,

4 Esta seção, em parte, é proveniente do capítulo Práticas Educativas em Saúde: caminhos históricos e perspectivas
teóricas, do livro Educação em Saúde: prática farmacêutica na gestão clínica do medicamento (RENOVATO, 2017).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
191

pais e/ou responsáveis. Assim, as PES não se restringem a ações informativas,


orientações ou enfoque somente na técnica, mas envolvem intencionalidades edu-
cativas, acolhimento, escuta, vínculo, construção/desconstrução, caos/ordem, lin-
guagem verbal/não verbal, olhares, silêncios, permanências/rupturas, adaptações/
resistências, interdições, sentidos, significados (BAGNATO; RENOVATO, 2006).
As PES apresentam algumas características propostas por Bagnato e Reno-
vato (2006): espaços de encontros; sujeitos com experiências, vivências, repre-
sentações, valores e necessidades diferentes; reciprocidade dialógica; educador
em saúde como mediador cultural. As PES são espaços de encontros com o(s)
outro(s) sujeito(s), que, por sua vez, trazem diferentes saberes, experiências e
representações. E são provenientes de culturas distintas e lugares sociais, assim
como valores e necessidades. Nesses encontros educativos, ocorre a produção
de subjetividades, sentidos e significados que vão sendo construídos e descons-
truídos em um tempo e espaço históricos (RENOVATO, 2017).
Nos encontros educativos, o diálogo é condição importante para a concre-
tização das PES, a fim de possibilitar a mediação cultural do educador em saúde.
Para Bagnato (2007), cabe ao educador em saúde compreender que as identidades
estão se constituindo continuamente e são atravessadas pelos discursos públicos
quanto pelas práticas e experiências dos sujeitos, entranhados numa determinada
conjuntura histórica (BAGNATO, 2007).

4 EXPERIÊNCIAS DE PRÁTICAS EDUCATIVAS


EM SAÚDE NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Esta seção traz o relato analítico de quatro pesquisas sobre PES no espaço
escolar realizadas no PPGES. Inicialmente, descreve-se cada uma delas, obede-
cendo à ordem cronológica; posteriormente, perscrutam-se estas experiências
na perspectiva de Bagnato.

4.1 Doação de sangue: identificação de conceitos no ambiente escolar


Trata-se da pesquisa de Simone de Deus Anzoategui, cujo tema foi a
doação de sangue. Seu público constituiu-se de 66 estudantes de duas escolas
públicas estaduais de Dourados, da terceira série do Ensino Médio. A auto-
ra inicialmente procurou conhecer os saberes prévios acerca de hemoterapia,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
192

sistema ABO/RH, doenças transmitidas pelo sangue, doação de sangue e ci-


dadania. O delineamento da investigação foi do tipo pesquisa participativa,
através de oficinas educativas. Nos encontros, conceitos, mitos e concepções
provenientes da sociedade e família puderam ser trabalhados, sensibilizando
os(as) estudantes em relação à doação de sangue consciente e cidadã. Como
produção técnica educativa, a autora elaborou um guia para o desenvolvimento
de oficinas sobre doação de sangue, a partir de suas experiências no decorrer
de sua pesquisa (ANZOATEGUI, 2017).

4.2 Práticas educativas em saúde no Ensino Médio: uma abordagem


crítica, cultural e interdisciplinar sobre fotoproteção e prevenção de
câncer de pele
A pesquisa de Camila Panzetti Alonso dos Santos teve como tema a foto-
proteção e a prevenção de câncer de pele aplicada a estudantes de Ensino Médio
de escola pública estadual em Dourados. Trata-se de pesquisa-ação realizada em
sete encontros educativos, em que, inicialmente, através de grupos focais, bus-
cou-se conhecer as vivências dos(as) alunos(as) sobre o tema. A pesquisadora
utilizou estratégias educativas lúdicas, bem como a gamificação, com referen-
cial teórico fundamentado em Maria Helena Salgado Bagnato e Ivani Fazenda.
Como produção técnica educativa, foi elaborado o livro didático sobre o tema,
dialogando com as disciplinas escolares de química, física, biologia, geografia e
sociologia (SANTOS, 2017).

4.3 Educação em Saúde no espaço escolar: superando mitos e concepções


Renato Sarmento dos Reis Moreno realizou pesquisa-ação em escola pú-
blica da rede estadual na cidade de Ivinhema (MS), com 20 alunos matriculados
na primeira série do Ensino Médio. Como estratégia, foram realizadas oficinas
educativas, tendo como aporte o referencial de Paulo Freire. A escolha do tema
ocorreu pelos alunos, e foram abordadas questões sobre educação em saúde em
relação às doenças sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS e formas de preven-
ção. Dentre os resultados, verificaram-se troca de saberes, diálogo entre os pares
e pesquisador, relato de experiências, promoção da autonomia, respeito, esperan-
ça e participação. A produção técnica educativa foi o roteiro das oficinas para a
promoção da saúde no espaço escolar (MORENO, 2018).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
193

4.4 Ações educativas em primeiros socorros nos cenários e contextos da


Educação Básica
Em pesquisa de intervenção educativa, Orides Piveta Júnior promoveu
ações educativas sobre primeiros socorros aos 32 alunos da nona série do Ensi-
no Fundamental de escola pública estadual, em Dourados (MS). Os encontros
ocorreram na própria escola e envolveram aula expositiva, discussão em grupo,
trabalho em equipe e dramatização. O pesquisador, graduado em educação física
e bombeiro, empregou várias estratégias para coleta de dados, como entrevistas,
diário de campo e mapa conceitual. O referencial teórico foi David Ausubel, e os
resultados apontaram evidência de aprendizagem significativa e relevante aos(às)
estudantes, fortalecendo, mais uma vez, o vínculo entre Educação, Ensino e Saú-
de. A tecnologia educacional em saúde decorrente desta pesquisa foi a sequên-
cia didática sobre ensino de primeiros socorros no espaço escolar direcionado a
bombeiros (PIVETA JÚNIOR, 2019).

4.5 As experiências sobre PES no âmbito do PPGES


sobre o olhar de Bagnato
As pesquisas foram coordenadas por profissionais de saúde graduados
em Farmácia, Enfermagem e Educação Física, atuando no momento das in-
vestigações em cenários, como a Atenção Básica, o Hemocentro, a Farmácia
de Manipulação, o Centro Universitário (cursos de graduação em saúde) e
Corpo de Bombeiros. Desse modo, trouxeram consigo suas vivências profis-
sionais, e a escolha dos temas esteve vinculada às suas trajetórias biográficas.
Embora não tivessem vínculo inicial com os espaços escolares, relataram em
suas pesquisas que, mesmo diante de uma prévia escolha das temáticas das
pesquisas, não impuseram seus conteúdos. Procuraram conversar e dialo-
gar com a direção, os coordenadores e professores das escolas e, por vezes,
também com os estudantes. As pesquisas somente ocorreram diante de uma
reciprocidade dialógica, respeitando tanto os percursos profissionais dos(as)
pesquisadores(as), como as necessidades relatadas pelo corpo docente e dis-
cente de cada escola.
Nas quatro pesquisas elencadas, os encontros educativos consistiram em
oficinas educativas ou rodas de conversa. Os(as) pesquisadores(as) se preocu-
param em conhecer os saberes, as experiências e vivências dos(as) estudantes
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
194

que participaram de suas pesquisas. Independentemente do referencial teórico


escolhido para a investigação, como David Ausubel, Paulo Freire e Maria Helena
Salgado Bagnato, ficou perceptível, nos relatos das dissertações, o enfoque do(a)
pesquisador(a) em desvelar respeitosamente o que cada estudante entendia, sa-
bia ou compreendia sobre os temas doação de sangue, primeiros socorros, foto-
proteção e DST/HIV/AIDS. A abordagem cultural desses saberes foi claramente
relatada na pesquisa de Anzoategui (2017) e Santos (2017).
Os aportes teóricos e as metodologias educativas empregadas nas pesquisas
convergiram para a perspectiva participativa e dialógica. Elementos da educação
problematizadora, crítica, ativa e emancipadora afloraram nestas investigações.
Como resultado, os(as) pesquisadores(as) relatam acolhimento dos(as) estu-
dantes, o vínculo que se estabeleceu, o desejo deles em participar dos encontros
educativos, o emprego das mídias sociais para fortalecer estes vínculos, o res-
peito entre pesquisadores(as) e estudantes. Com isso tudo, também se salienta a
aprendizagem que percorreu todos esses encontros educativos, não se limitando
apenas a temas relacionados à saúde/doença, mas disparando outras questões,
dentro de uma ótica ampliada da saúde e do ser humano.
As concepções de saúde não se limitam apenas ao biológico, fisiológico e
patológico, mas requerem outras margens conceituais, de acordo com Bagnato
et al. (2009, p. 654):

partimos do conceito de hibridização de Nestor Garcia Canclini, entendendo


que a compreensão de saúde provém de outras margens e intersecções, con-
fluindo para a desterritorização de processos simbólicos, e produzindo a mescla
de vários campos do saber, em que a racionalidade médica é uma das possibi-
lidades. Assim, a saúde envolve um emaranhado de elementos discursivos que
se constituem no cotidiano e circulam componentes dos saberes da ciência, da
cultura, da economia e da política, bem como as experiências vivenciadas pelo
ser humano em espaços e tempos historicamente singulares.

Mesmo respeitando e levando em conta o cotidiano e os saberes dos(as)


estudantes, foi necessário, muitas vezes, confrontar seus mitos, medos, insegu-
rança e o senso comum sobre os temas abordados nas pesquisas com os conceitos
científicos. Por exemplo, o tema fotoproteção e prevenção de câncer de pele foi
relatado pelos(as) estudantes permeado de conceitos novos, complexos e pouco
conhecidos. Em relação ao tema doação de sangue, a pesquisadora deparou-se
com mitos perfilados por grupos sociais ao redor dos estudantes, como a família
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
195

e amigos. Como estratégias adotadas, buscou-se estabelecer conexões com as


disciplinas escolares como ocorreu na pesquisa de Santos (2017) ou integrar os
alunos como facilitadores das oficinas educativas (ANZOATEGUI, 2017).
E, por fim, não se tratou apenas da realização de pesquisas, mas a produ-
ção de PES em ato. Ao longo da formação em saúde realizada no Brasil, o ensi-
no da Educação em Saúde na estrutura curricular dos cursos de graduação foi
negligenciado e muito desvalorizado. Sendo assim, quando o(a) profissional de
saúde atua como educador(a) em saúde, apoiado(a) não apenas em suas vivên-
cias, mas cercado(a) de aportes teóricos, de debates nos seminários do mestrado,
com o suporte de orientação, existe aí uma possibilidade efetiva de exercer seu
papel como educador(a) em saúde. Ele/Ela deve considerar os seres humanos
incompletos, inacabados, dotados de suas próprias histórias, atravessados por di-
mensões simbólicas/culturais e envoltos por questões sociais e econômicas, que
influenciam seus modos de ser e estar no mundo. Sendo assim, a compreensão
dessas várias dimensões que envolvem os(as) estudantes, os(as) professores(as),
suas famílias, os(as) gestores(as) e os(as) técnicos(as) administrativos(as) torna
possível a realização de PES críticas, reflexivas, criativas e comprometidas com
o ser humano. E isto foi o que o resultado destas pesquisas mostraram.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os encontros educativos, o respeito aos diferentes olhares e histórias, o


diálogo estabelecido e a troca de saberes mostraram que estas intersecções entre
Saúde, Ensino e Educação podem e precisam ocorrer. Os temas abordados, por
vezes, foram inusitados para os estudantes, como é o caso da fotoproteção, mas
quando foram empregados caminhos educativos, em que se buscou levar em
conta os saberes prévios dos(as) estudantes, seu cotidiano, assim como oportu-
nizar a aprendizagem ativa, estabelecer estratégias didáticas criativas e lúdicas,
adentrar em espaços mais próprios da adolescência, como as mídias sociais, en-
tão, se comprovou que o encontro entre os(as) pesquisadores(as)/profissionais
da saúde com os(as) estudantes foi bastante potente. Ou seja, é um caminho
possível e com potencialidades.
E os desafios? Ah, os desafios são inúmeros, a começar pela formação dos
profissionais de saúde e pela valorização das PES, como práxis a ser ensinada e
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
196

praticada nos cursos de graduação da saúde. E, portanto, os docentes também


precisam rever suas perspectivas sobre Educação em Saúde, um campo de sa-
ber teórico-prático, que é tão relevante como outros das disciplinas biomédicas.
Outro desafio é a articulação da proximidade dos estudantes de saúde com
a Educação Básica. Se isto ocorrer na graduação, possivelmente, quando os(as)
discentes já são profissionais do mundo do trabalho, esta contiguidade seria mais
tranquila ou, pelo menos, mais familiar. Um caminho seria articular projetos de
extensão nos cursos de graduação em saúde em espaços escolares, inserindo cada
vez mais precocemente este(a) futuro profissional de saúde com o campo da Edu-
cação Básica. E por que não inserir também os futuros professores(as) das discipli-
nas escolares para iniciarem esta aproximação em seus cursos de licenciatura? São
desafios e propostas que podem concretizar-se cada vez mais nos próximos anos.

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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
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12 A INCLUSÃO DA ABORDAGEM
SOCIOECOLÓGICA DA SAÚDE A PARTIR DA
MEDITAÇÃO EM UM ABRIGO DE TEIXEIRA DE
FREITAS – BAHIA

Liziane Martins1
Grégory Alves Dionor2
Gisele Lopes de Oliveira3
Plínio Nossa Santos4
Mariana Barbosa de Pinho5

1 INTRODUÇÃO

A Educação em Saúde (ES) pode ser entendida como ações pedagógicas que
envolvem a saúde individual e/ou coletiva (FURIÓ et al., 2001; MOHR, 2002),
abrangendo intervenções que visem ao empoderamento dos indivíduos frente à
construção de uma vida mais saudável. Dessa forma, a saúde não é vista apenas
como uma mudança comportamental (MOHR, 2002).
No âmbito educacional, a interface entre saúde e educação tem sido in-
tensamente pesquisada (ALVES, 1987; MOHR, 1995; SUCCI; WICKBOLD;

1 Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências. Professora da Universidade Federal do Sul da Bahia e da
Universidade do Estado da Bahia.
2 Mestre em Ensino, Filosofia e História das Ciências. Professor da Universidade do Estado da Bahia.
3 Doutora em Biotecnologia Vegetal. Professora da Universidade Federal do Sul da Bahia.
4 Graduando no Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, da Universidade Federal do Sul da Bahia.
5 Graduanda no Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, da Universidade Federal do Sul da Bahia
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
200

SUCCI, 2005; MARTINS, 2011; 2016; MARTINS; EL-HANI; CARVALHO,


2016). Dentre essas pesquisas, temos estudos que discutem a culpabilização do
indivíduo frente às condições de saúde e doença, excluindo o papel coletivo e
público, bem como os fatores contextuais externos ao indivíduo, nos processos
de saúde e doença (MARTINS, 2016). Entretanto, quando estamos falando de
realidades ligadas à saúde e à educação, esses elementos que formam/interfe-
rem o meio no qual vivemos são importantes para as decisões e práticas. Dessa
forma, pensar e agir de maneira qualificada, crítica e socioambientalmente res-
ponsável se faz uma necessidade na condução da vida pessoal e em sociedade.
Frente a tal necessidade, há trabalhos que versam sobre educação cien-
tífica, em espaços escolares e não escolares, como uma estratégia para o de-
senvolvimento da criticidade a (auto)reflexão dos sujeitos (AMOEDO et al.,
2016; TOTI; SILVA, 2018). Essa realidade está consonante com o crescimento
de uma educação científica que dialogue os aspectos socioambientais com os
científicos e tecnológicos (SANTOS, 2007).
Nesse cenário, emerge a necessidade de se discutir e planejar ações educa-
tivas voltadas para a formação científica e sociopolítica dos indivíduos enquanto
agentes ativos de (transform)ação da saúde. Porém, ressaltamos a primordiali-
dade de que a saúde seja compreendida a partir dos pressupostos da Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS), centrando-se na promoção de saúde a partir de
uma perspectiva mais ampla.
Assim, segundo Vasconcelos (2001), a tríade educação, saúde e práticas deve
estar alicerçada em dimensões estruturais complexas que demandam entendimento
histórico para sua compreensão. Não podemos esquecer que, no plano histórico,
a Educação em Saúde está relacionada às práticas de saúde implantadas em certo
tempo, de acordo com o modelo de saúde vigente naquele momento. A Pedago-
gia Higienista do século XIX, por exemplo, consistia em desenvolver intervenções
para garantir a saúde da elite (VASCONCELOS, 2001). Esse cenário penalizou as
classes mais vulneráveis, compostas por negros, domésticos e serviçais, por serem
taxados como impróprios, a partir de crítica aos seus atributos físicos e mentais.
Entretanto, no final do século XIX e início do XX, o governo iniciou o pla-
nejamento de intervenções em saúde para a classe mais pobre, com o intuito de
controlar as epidemias de febre amarela, varíola e peste, que estavam comprome-
tendo a venda do café. Nesse contexto, as primeiras políticas públicas em saúde
são caracterizadas por intervenções assistencialistas coercitivas, de escolares,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
201

para evitar a disseminação de doenças. Cabe destacar que, nos anos 1950, a
saúde passou a adotar a perspectiva da abordagem biomédica, influenciada por
ações assistencialistas.
Sob essa perspectiva – a biomédica –, os pressupostos teóricos e práti-
cos da saúde estão pautados na prevenção de doenças. Nesta abordagem há a
compreensão de que a saúde está restrita a aspectos biológicos, em detrimento
as dimensões sociais, culturais e ecológicas (MARTINS; SANTOS; EL-HANI,
2012; MARTINS et al., 2014), reduzindo a complexidade dos processos saúde
e doença a características anatômicas e fisiológicas (CARVALHO et al., 2007;
MARTINS, 2011; 2016). Mais tarde, com a emergência de estudos que permitem
um melhor entendimento e reflexão sobre a promoção de saúde – um processo
de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e
saúde dos próprios indivíduos (OPS, 1986) – e com a proeminência da expres-
são “promoção da saúde” após a I Conferência Internacional sobre Cuidados
Primários de Saúde, convocada, em 1978, pela OMS e pela UNICEF, e realizada
em Alma-Ata (República do Cazaquistão), o aspecto exclusivamente individual
e biológico conferido à saúde e doença começa a ser questionado (FREITAS;
MARTINS, 2008), emergindo a abordagem denominada posteriormente de so-
cioecológica (MARTINS, 2011).
A abordagem socioecológica incorpora aos aspectos biológicos, nos pro-
cessos da saúde e doença, as dimensões psíquicas, sociais, culturais, econômicas,
ambientais e políticas ( BUSS, 2000; ALMEIDA FILHO; JUCÁ, 2002; CAMARGO
JÚNIOR, 2003; WESTPHAL, 2006). A saúde e suas práticas estão relacionadas ao
contexto coletivo e plural em que vivem os indivíduos de uma sociedade. Desse
modo, a saúde é compreendida de forma abrangente e global, reconhecendo os
limites e potencialidades de cada ser, já que ela é tratada a partir de dimensões
que influenciam um coletivo, consonante com o preconizado pela OMS (BRA-
SIL, 1997; DIONOR; FERREIRA; MARTINS, 2013).
Uma ferramenta que, teoricamente, está associada a uma visão mais abran-
gente de se pensar e agir em saúde, como as práticas integrativas. Entendemos
tais práticas como sendo sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos
que possuem teorias próprias sobre os processos saúde e doença, diagnóstico e
terapêutica (BRASIL, 2006), também denominados pela OMS de medicina tra-
dicional (MT) e complementar/alternativa (MCA), conforme Who (2002). Cabe
destacar que há, em especial no campo da epistemologia e nas discussões sobre
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
202

demarcação da ciência, questionamentos sobre os termos “medicina tradicional”


e “medicina alternativa”, e como eles podem, por vezes, invisibilizar/subalternizar
outras formas válidas de conhecimento; entretanto, levantar tais discussões não
faz parte do escopo deste capítulo. As práticas integrativas, por sua vez, consi-
deram o indivíduo na sua dimensão global, sem perder de vista a sua singulari-
dade. Elas envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais
de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias efica-
zes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo
terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade
(BRASIL, 2006). Dentre os diversos tipos de práticas integrativas reconhecidas
pelo Ministério da Saúde (MS), encontramos a meditação.
A meditação é uma prática mental individual milenar descrita por várias
culturas tradicionais com foco na interação mente-corpo e baseada na consciên-
cia do momento presente, com atenção plena e não julgadora a cada instante
(DEMARZO, 2011). Para tal, é necessário um conjunto de técnicas que buscam
treinar a focalização da atenção (SHAPIRO et al., 2006). A meditação tradicional
normalmente está associada a um contexto religioso, porém, ao dissociá-la nas
práticas integrativas, facilita-se seu alcance e permite-se que seja uma prática de
cura e um instrumento para o desenvolvimento pessoal e o autoconhecimento
num contexto não religioso (KABAT-ZINN, 2003).
Pensar no bem-estar psicológico é de extrema urgência, visto que tal elemen-
to foi, por muito tempo, subjugado aos fatores anátomo-fisiológicos nos estudos
ligados à saúde. Ademais, vivemos em uma era de instabilidades e incertezas, em
especial para os jovens, o que vem trazendo reflexos nos altos índices de adoe-
cimento psicológico. A contemporaneidade tem se constituído, para os jovens,
de forma incerta, fluida, líquida. Considerar tais contextos nos momentos de in-
tervenções educativas (em especial, as de educação em saúde) é de extrema im-
portância, pois essas “incertezas” não devem ser vistas negativamente, mas como
uma possibilidade de trabalhar com os estudantes valores, como comprometi-
mento, engajamento e empoderamento (DIONOR, 2018; DIONOR et al., 2020).
Mobilizar os fatores psicológicos no processo de formação é necessário, na
medida em que se trata dos momentos nos quais a dimensão atitudinal e afetiva
podem ser mais bem exploradas, auxiliando, inclusive, no crescimento e amadure-
cimento emocional para lidar com situações sobre as quais não temos total controle
dos fatores envolvidos (DIONOR, 2018; DIONOR et al., 2020). Os fatores sociais
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
203

são elementos que também devemos considerar quando abordamos a saúde de


forma inclusiva, considerando diversos aspectos, como proposto na abordagem
socioecológica e associada diretamente a essa preocupação com a saúde mental.
Em um país em desenvolvimento como o Brasil, marcado por variadas opressões
(classe, raça, gênero, sexualidade, entre outras), marcadores sociais construídos
historicamente, os quais geram um intenso processo de marginalização e subalter-
nização de diversos grupos, a vulnerabilidade social se apresenta com muitas faces,
determinando a vida de vários jovens. Apesar de um conceito muito discutido, a
vulnerabilidade social é encarada como um conjunto de fatores, sobrepostos de
diversas maneiras e em várias dimensões, de modo a tornar o indivíduo ou grupo
mais suscetível aos riscos e contingências (BRUSEKE, 2006). A vulnerabilidade não
está somente associada à ausência ou precariedade no acesso à renda, mas atrelada
também às fragilidades de vínculos afetivo-relacionais e desigualdade de acesso a
bens e serviços públicos (BRASIL, 2009). Uma pessoa jovem que enfrenta uma si-
tuação de vulnerabilidade, em um país socialmente fragmentado, na qual a saúde
ainda é, por muitas vezes, pautada numa perspectiva biomédica e com fortes res-
quícios da pedagogia higienista, além do baixo acesso a uma educação pública de
qualidade, acaba por ser um sujeito suscetível a uma realidade contraproducente
para a construção de sua própria saúde e de sua comunidade.
Considerando esse contexto, que mostra a importância da Educação em
Saúde e a complexidade dos processos de saúde e doença, bem como as poten-
cialidades da abordagem socioecológica à promoção da saúde, este capítulo bus-
ca, a partir de uma compreensão epistemológica, entender o papel de práticas
integrativas de saúde para o bem-estar de indivíduos em situação de vulnerabi-
lidade. A relevância do estudo aqui apresentado também fica evidente quando
consideramos que há lacunas entre os pressupostos teóricos e práticos em saúde.
Este fato contribui para a consolidação e disseminação da abordagem biomédi-
ca, hegemônica na sociedade, e dificuldades de incluir diferentes dimensões nos
processos de saúde e doença, que são complexos e envolvem indivíduos diver-
sos. Assim, este capítulo propõe-se a discutir saúde, por meio dos pressupostos
da abordagem socioecológica, conforme já destacado, por meio de uma prática
integrativa preocupada com dimensões para além de biológicas – a meditação.
Portanto, essa é uma ação em saúde que possibilita a análise dos limites e poten-
cialidades de práticas integrativas em escolares para o tratamento da saúde numa
perspectiva socioecológica, no sentido de empoderar, estimular a (auto)reflexão
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
204

e a favorecer a qualidade de vida. Dessa forma, neste capítulo, objetivamos ava-


liar uma intervenção em saúde para escolares em situação de vulnerabilidade, a
partir da inclusão de uma prática integrativa.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Esta seção apresenta a experiência de uma pesquisa interventiva, conforme


defendida por Teixeira e Megid Neto (2017), correspondendo a uma parte da
pesquisa-ação, na medida em que propusemos a inclusão de uma prática inte-
grativa – a meditação, por reconhecer seu papel na qualidade de vida dos envol-
vidos e atender às necessidades reais do abrigo, como promoção de espaço para
reflexão e autoanálise de infanto-juvenis em situações de vulnerabilidade. Além
disso, há preocupação de avaliar as limitações e potencialidades dessa prática de
saúde posteriormente. Essa atividade extensionista envolveu diretamente a insti-
tuição-parceira (o Abrigo Institucional Lar Sagrada Família), a partir de oficinas
realizadas em quatro encontros entre os meses de outubro e novembro de 2019.
Nesta breve reflexão, avaliam-se os comportamentos dos envolvidos na me-
ditação, após a inclusão dessa prática, com base nas avaliações/anamneses reali-
zadas pelas responsáveis da instituição e a partir da análise da contemplação dos
objetivos propostos para cada ação. Assim, a pesquisa, que se caracteriza como
qualitativa, foi usada por nos permitir trabalhar com o universo dos significados,
dos motivos, valores e atitudes com relação à saúde dos envolvidos nos processos
interventivos (MINAYO, 2008).
As ações pedagógicas constituíram quatro encontros, realizados e descritos
da seguinte forma:

Encontro I (40 min/meditação)


Objetivos:
– Compreender, inicialmente, princípios básicos de postura e disciplina rela-
cionados à meditação, de modo a promover autorreflexão.
– Observar o comportamento dos institucionalizados durante a prática da
meditação, para verificar a concentração.
– Refletir sobre o estado pós-meditativo, a partir da (não)melhora na concen-
tração para realizar as atividades escolares.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
205

Desenvolvimento:
– Apresentação da proposta de trabalho do dia e dos próximos encontros.
– Realização de meditações uma vez na semana.
– Socialização a respeito das sensações sentidas durante a prática da medi-
tação.
– Aula dialogada em torno da história da meditação e suas potencialidades.

Avaliação:
– Avaliou-se a capacidade de relaxamento durante a meditação nas crianças
institucionalizadas e seus comportamentos logo após a prática meditativa.
Observação dos comportamentos dos infantos juvenis institucionalizados
antes da meditação e após a atividade e de que modo esta prática potencia-
liza a concentração para os afazeres, posteriores, a exemplo da feitura das
atividades escolares extraclasse.

Encontro II (45 min/meditação)


Objetivos:
– Desenvolver técnicas respiratórias para promover bem-estar.
– Potencializar a capacidade da atenção, de modo a favorecer a tranquilidade
e o reconhecimento das habilidades dos acolhidos.
– Observar o comportamento dos institucionalizados durante a prática da
meditação.

Desenvolvimento:
– Apresentação da proposta de trabalho do dia, com destaque para a reflexão
de atitudes e comportamentos, promovidos com a meditação.
– Utilização de técnicas respiratórias para relaxamento e autorreflexão sobre
as metas de vida.
– Socialização a respeito das sensações sentidas durante a prática da meditação
e de que modo ela tem contribuído com as atividades diárias.

Avaliação:
– Socialização a respeito das sensações sentidas durante a prática da meditação.
– Observação dos comportamentos dos infantos juvenis institucionalizados
antes da meditação e após a atividade.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
206

– Compreensão sobre as potencialidades da meditação, através da fala dos


acolhidos.

Encontro III (40 min/meditação)


Objetivos:
– Desenvolver a capacidade de atenção e foco durante o planejamento e exe-
cução de atividades diárias.
– Observar o comportamento dos institucionalizados durante a prática da
meditação, para avaliar mudanças comportamentais.
– Desenvolver a capacidade da imaginação, despertando para os objetivos de
vida, através de reflexões sobre qualidade de vida e autoestima.

Desenvolvimento:
– Utilização de técnicas para estimular a atenção e sensibilização para a im-
portância de reflexão antes de tomada de atitudes.
– Observação de sinais de relaxamento, para verificar os limites e potenciali-
dades dos exercícios executados.
– Utilização de técnicas que estimulam a imaginação, de modo a desenvolver
autoestima para a promoção da saúde.

Avaliação:
– Avaliou-se a capacidade de relaxamento durante a meditação nas crianças
institucionalizadas e seus comportamentos logo após a prática meditativa.
Observação dos comportamentos dos infantos juvenis institucionalizados
antes e após a meditação.

Encontro IV (40 min/meditação)


Objetivos:
– Promover o relaxamento, para autorreflexão sobre as atividades realizadas
durante a semana.
– Desenvolver a atenção, através da meditação, como recurso a ser incorpo-
rado no dia a dia.
– Refletir sobre o estado meditativo, de modo a mostrar seus benefícios na
vida cotidiana.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
207

Desenvolvimento:
– Utilização de técnicas da meditação que promovam o relaxamento e a
autorreflexão sobre as ações executadas durante a semana anterior.
– Utilização de técnicas que aumentam a atenção e estimulam a concentração
para planejar atitudes antes da execução de comportamentos frente a ques-
tões vivenciadas.
– Socialização a respeito das sensações sentidas durante a prática da medita-
ção, para avaliar de que modo esta atividade tem repercussão no dia a dia.

Avaliação:
– Socialização a respeito das sensações sentidas durante a prática da meditação.
– Observação dos comportamentos dos infantos juvenis institucionalizados
antes e após a meditação.
– Discussão sobre as consequências na vida dos acolhidos, após a inclusão
desta prática integrativa.

Através dessas ações, busca-se potencializar o bem-estar e favorecer a pro-


moção da saúde, a fim de contribuir com a qualidade de vida e uma reflexão
sobre o viver a partir da meditação. Cabe destacar que o planejamento e a exe-
cução desta prática integrativa fazem parte de um projeto “guarda-chuva” que
visa inserir práticas integrativas em espaço não escolar para favorecer a saúde
biopsicossocial dos acolhidos, bem como o seu rendimento escolar. Nossas aná-
lises se dão, portanto, a partir de avaliações de mudanças comportamentais e de
opinião por acreditarmos que tais mudanças são reflexos, em especial, de uma
promoção de saúde efetiva voltada para a qualidade de vida.

3 APRESENTANDO E DISCUTINDO RESULTADOS

A inclusão das práticas integrativas no espaço parte do entendimento de


que a promoção da saúde se constitui como um arcabouço epistemológico, con-
forme defendido por Martins (2010; 2016), que, após um estudo com 5.717 tra-
balhos sobre a interface saúde-educação, mostrou que a promoção da saúde se
configura como um construto prático da saúde. Assim como a compreensão de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
208

que há níveis de promoção, os quais, a partir de características próprias e categó-


ricas, possibilitam verificar de que modo as ações e intervenções da saúde estão
potencializando o engajamento dos indivíduos. Além destes, consideraremos o
trabalho de Miranda, Martins e Castro (2018), que analisaram os aspectos da
promoção da saúde a partir da análise de propostas pedagógicas discutidas nas
pesquisas publicadas nas atas do ENPEC e em quatro periódicos da área de edu-
cação, classificados com A1 e A2 no sistema Qualis/CAPES.
O Abrigo Lar Sagrada Família atende infantos juvenis em estado de susceti-
bilidade psíquica, intelectual, afetiva e social, com público variável, pois se trata
de um lar provisório. No entanto, durante as intervenções, tivemos, aproxima-
damente, 15 participantes, sendo a maioria meninos, com idades entre seis a 16
anos, com dois bebês, filhos de mães acolhidas.
Segundo Siqueira e Dell’Aglio (2010), as crianças institucionalizadas apre-
sentam baixo desempenho cognitivo, como no campo da leitura, além de fato-
res que promovem sua vulnerabilidade, tendo em vista que fazem parte de um
contexto de exclusão social. Nesse local de acolhimento temporário, os infanto
juvenis desenvolvem suas tarefas diárias, como brincar, comer, tomar banho e ir
à escola. Não obstante, grande parte destas crianças e destes adolescentes enfren-
tam dificuldades no campo cognitivo, na convivência com o outro e com os seus
próprios sentimentos. Esta é uma problemática também encontrada no trabalho
de Andrade (2011), ao estudar qualidade da aprendizagem da escrita em crianças
institucionalizadas. Assim, por meio do reconhecimento das necessidades dos
acolhidos, optamos por realizar ações em saúde que dialogam com a meditação,
visto que é uma prática efetiva para o desenvolvimento de potencialidades e ha-
bilidades dos indivíduos envolvidos com esta prática (SILVA, 2016).
A meditação, uma das práticas integrativas, foi escolhida como ação de
saúde promotora da qualidade de vida por ser um saber milenar disseminado
no Oriente há muito mais de um milênio, alastrando-se pelo Ocidente graças à
influência da globalização e aos seus resultados na saúde física e mental (ASSIS,
2013). Segundo Medeiros (2017), a meditação é um conjunto de técnicas que pro-
move a focalização da atenção e da mente de maneira a colaborar para a junção
entre mente, corpo e mundo exterior, possibilitando a autorreflexão que, por sua
vez, contribui para o bem-estar físico, mental e social, característicos da aborda-
gem socioecológica e compatíveis com a redução de transtornos psicossociais.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
209

A meditação tem proporcionado benefícios para uma parcela significativa


da sociedade, como mudanças de hábitos e pensamentos, aumento da atenção,
aprimoramento da cognição, entre outros (MENEZES; DELL, 2009). A sua im-
portância e efetividade é reconhecida pelo Ministério da Saúde, emergindo a
partir de uma Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em
Saúde (PNPIC), integrado à promoção de saúde (BRASIL, 2006). Esta última,
por sua vez, é entendida nos termos da Organização Mundial de Saúde (OMS)
como um direito humano articulado com políticas públicas e ações individuais
e coletivas saudáveis (MARTINS, 2001). Desse modo, a promoção da saúde está
diretamente articulada com os pressupostos práticos da saúde, tendo como seu
alicerce as ações que visam melhorar a saúde.
Antes de se fazer a meditação, as crianças estavam agitadas e ansiosas, par-
te pela situação vulnerável em que se encontram, parte pela transitoriedade dos
acolhidos, além da ansiedade que é fruto da espera por nossas atividades, con-
forme relataram a responsável pelos acolhidos e a psicóloga que os acompanha.
Após breve explicação do que é meditação, de como se deve comportar durante a
atividade, os participantes se envolveram com a ação de maneira surpreendente.
Alguns se acomodaram na cadeira, outros deitados no chão, e, assim, as práticas
iniciavam-se tão logo o grupo ficava em silêncio.
Durante a meditação, vários acontecimentos se sucediam. Alguns dormiam,
outros trepidavam as pálpebras dos olhos, uns relaxavam completamente o corpo
etc. Por exemplo, quando era solicitado aos participantes para imaginarem um
céu cheio de estrelas, alguns levantavam a cabeça sorrindo para o céu, como se
estivessem de fato enxergando uma noite estrelada. Após o término da medita-
ção, eles retornavam ao estado de vigília de maneira segura, calma e equilibra-
da. Uma criança dormiu profundamente em três encontros meditativos, tal foi
o nível de relaxamento que ela conseguiu alcançar. Esse mesmo efeito foi rela-
tado por Menezes e Dell’Aglio (2009), reafirmando a completa entrega dos ins-
titucionalizados para a realização da prática. Também foi possível notar, depois
de um período de 5 a 10 minutos após o término da atividade, que as crianças e
os adolescentes ainda mantinham serenidade, apaziguamento, relaxamento em
si. Além do mais, foi notório o desenvolvimento de sentimentos de gratidão das
crianças ao condutor da meditação, em que algumas agradeciam por palavras
ou por meio de abraços.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
210

Diante desse contexto, há indícios de que essa prática integrativa dialoga


com a abordagem socioecológica, por reconhecer que o bem-estar, a serenidade,
o autoconhecimento e as sociabilidades são fatores que se somam e se incorpo-
ram a valores históricos, culturais e ambientais, ao ponto de entrelaçar na vida do
indivíduo (MARTINS; DIONOR; MIRANDA, 2018). Sendo assim, a meditação
vem cumprindo papel essencial na vida destas crianças e destes adolescentes, uma
vez que sentimentos, pensamentos, cognição, atenção e outros desenvolvimen-
tos psicossomáticos se assemelham com os efeitos produzidos em quem pratica
meditação (MENEZES; DELL, 2009).
A partir de uma análise sensível realizada durante o momento de meditação
e posteriormente aos registros fotográficos, foi possível concluir que a maioria
das crianças e dos adolescentes conseguiu atingir um profundo estado de rela-
xamento, introspecção e até mesmo de sono. Como se verifica nas figuras 1 e 2,
alguns institucionalizados se acomodaram de forma ereta nas cadeiras e perma-
neceram assim por toda a prática, enquanto outros inclinaram a cabeça para trás
à medida que se sentiam mais relaxados e confortáveis.

Figura 1: Participantes em estado de concentração e introspecção durante a meditação

Fonte: Acervo pessoal dos pesquisadores (2019).


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
211

Figura 2: Participantes durante a meditação

Fonte: Acervo pessoal dos pesquisadores (2019).

Na Figura 3, nota-se um dos institucionalizados dormindo durante a me-


ditação, tal qual foi o seu estado de relaxamento. Mesmo quando o mediador
terminou a prática e pediu que as crianças abrissem os olhos ele continuou dor-
mindo profundamente.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
212

Figura 3: Criança em estado profundo de sono e relaxamento durante a meditação

Acervo pessoal dos pesquisadores (2019).


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
213

A meditação, como prática integrativa complementar em saúde em um


espaço não formal apresenta-se, portanto, como ferramenta de extrema impor-
tância no bem-estar físico e emocional de crianças e adolescentes institucionali-
zados, especialmente por estarem em situação de vulnerabilidade social. O alto
grau de relaxamento observado durante as práticas de meditação pode ajudar no
controle da ansiedade e diminuir os sentimentos de sofrimento das crianças e
dos adolescentes do abrigo, pois estão praticando o autocuidado e o autoconhe-
cimento, o que provoca a construção de novos valores e estimula novos hábitos
que poderão diminuir as consequências psicológicas do abandono e/ou ausência
familiar. E, do mesmo modo, pode possibilitar uma melhor qualidade de vida
através de maior bem-estar físico e emocional.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência vivenciada no Abrigo Lar Sagrada Família nos permitiu tecer


algumas reflexões iniciais sobre as potencialidades da meditação entre escolares.
Isto porque a inclusão da prática meditativa como uma ação de saúde alicerçada
na abordagem socioecológica potencializou a promoção da saúde dos infantos
juvenis envolvidos, uma vez que favoreceu o autoconhecimento, o relaxamento
e a concentração dos envolvidos. Essas propriedades foram percebidas durante a
execução das atividades escolares, realizadas após a meditação, bem como através
dos comportamentos dos participantes após a prática, relatados pelos cuidadores
e pela psicóloga responsável por eles.
Outro aspecto que merece destaque é o fato de que a meditação diminui o
estresse e a ansiedade, condições presentes nos acolhidos em estudo, que vivem
em situação de vulnerabilidade social. Desse modo, considerando que a saúde,
para além de fatores biológicos, envolve aspectos psíquicos, sociais e ambientais,
a meditação enquanto prática de saúde favoreceu o bem-estar, uma vez que os
praticantes ficavam mais calmos durante o dia, assim como melhoraram nas re-
lações interpessoais, e a afetividade entre os acolhidos se fortaleceu.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
214

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13 PRESSUPOSTOS DE ABORDAGENS DE
EDUCAÇÃO EM SAÚDE POR MEIO DE PBL NO
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO

Mariana Aparecida Bologna Soares de Andrade1

1 INTRODUÇÃO

Desde a metade do século XIX e começo do século XX, há, no Brasil, preo-
cupação com questões relacionadas à saúde. Nesses quase três séculos, houve um
movimento de mudança na abordagem dos temas ligados à saúde, de uma edu-
cação denominada de higienista e sanitária, com foco nos indivíduos, que visa-
va, além da higienização e moralização, uma visão mais comunitária e coletiva
(VENTURI e MOHR, 2011). Atualmente existem algumas denominações para o
ensino de temas relacionados à saúde. Neste capítulo, adotaremos o termo Edu-
cação em Saúde que se conceitua como toda atividade pedagógica relacionada a
algum tema de saúde individual ou coletiva (MOHR, 2002).
Para Figueiredo, Machado e Abreu (2010), a Educação em Saúde torna-
-se mais significativa se educadores adotarem um discurso sobre a orientação
à saúde de maneira transversal e interdisciplinar, podendo até integrar família
e comunidade na formação de uma postura de prevenção, promoção e adoção
da saúde. A visão de que a Educação em Saúde deve adotar abordagens em que
os alunos possam agir para aprender e desenvolver-se, além de conhecimentos
teóricos, procedimentais e atitudinais, encontra-se presente nas orientações da

1 Doutora em Educação para a Ciência – UNESP/Bauru. Docente do Departamento de Biologia Geral, Universida-
de Estadual de Londrina (UEL).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
219

Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino de Ciências tanto do


Ensino Fundamental como do Ensino Médio (BRASIL, 2017; BRASIL, 2018).
A organização e proposição de todos os conteúdos da BNCC permeiam a
ideia de um ensino que priorize a investigação científica e a resolução de proble-
mas. Entretanto, ao tomar como base esse documento que atualmente legisla os
currículos da Educação Básica no Brasil não se deixa de considerar aspectos con-
flitantes que permeiam a proposta. No caso da Educação em Saúde, já apontada
pela sua relevância interdisciplinar, Miranda, March e Koifman (2019) explicam
que a diminuição de conteúdos da área das Ciências Humanas pode levar a uma
visão exclusivamente biomédica desses temas. Também é importante salientar
que a proposta investigativa apresentada na BNCC que prioriza o agir, sem uma
devida postura crítica pode intervir nas potencialidades da Educação em Saúde.
Nesse sentido, concorda-se com Sasseron (2018), que salienta a importância da
participação não só ativa do aluno, mas também intelectual, articulando o co-
nhecimento da ciência como construção social.
Considerando a importância da Educação em Saúde no âmbito do En-
sino de Ciências e das propostas investigativas e de resolução de problemas
emergentes na Educação Básica brasileira, este capítulo tem como objetivo
apresentar pressupostos que auxiliem na abordagem do PBL para a Educação
Básica. Pretende-se também apresentar argumentos para que os temas de saúde
sejam propostos em unidades contextualizadas e interdisciplinares, buscando
a promoção de um conhecimento pautado na promoção da saúde individual
e coletiva da sociedade.

2 A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS E O PBL: RELAÇÕES


PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE

A resolução de problemas no campo do Ensino de Ciências constitui-se há


décadas como estratégia de ensino que pode auxiliar na aprendizagem de con-
teúdos (POZO, 1998, PERALES, 2000). Inicialmente proposta por autores como
Dewey e Swab, a resolução de problemas opunha-se ao ensino transmissivo e
propunha que os alunos estivessem mais envolvidos nos processos de aprendi-
zagem (SÁ; LIMA; AGUIAR JR., 2011). Atualmente, a resolução de problemas
configura-se como um dos eixos centrais do ensino investigativo, pois, além dos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
220

aspectos metodológicos práticos e laboratoriais, tais propostas buscam favorecer


acesso à cultura científica considerando o contexto histórico, político, cultura,
econômico e social (POZO; CRESPO, 1998; DEBOER, 2006; GRANDY; DUS-
CHL, 2007; VALADARES, 2012; TRIVELATO; TONIDANDEL, 2015).
É possível encontrar na literatura diferentes nomenclaturas de abordagens
investigativas que são estruturadas na resolução de problemas. Elas podem ser
atividades baseadas em projetos, em problemas, ciência autêntica, ciência ci-
dadã, investigação baseada em modelos, ensino por pesquisa, aprendizagem
baseada em problemas de pesquisa na escola, estudo de caso, estudo do meio,
dentre outras (ANDRADE e CAMPOS, 2009; CARVALHO e FERITAS, 2010;
CRAWFORD, 2014).
No âmbito da diversidade de abordagens, este capítulo traz como proposta
uma discussão da possibilidade de adequação do PBL (Problem Based Learning,
ou Aprendizagem Baseada em Problemas) para a educação em saúde no nível
fundamental e médio. Tal proposta se dá pela ampla disseminação do PBL nas
escolas médicas. Originária de faculdades como McMaster e Maastricht (HER-
RIED, 2003), baseia-se no estudo de problemas médicos, integrando disciplinas,
guiando o aluno na busca pela construção do conhecimento com formas de ensino
orientadas para a prática (BERBEL, 1998, SCHMIDT, 2001). Mesmo nas escolas
de medicina, a resolução de problemas não é a única atividade desenvolvida com
os alunos, mas a ideia é que princípios, ideias e mecanismos sejam estudados no
contexto de uma situação concreta relevante e interessante (SCHMIDT, 2001).
Assim, ao adaptá-la para a Educação Básica, pode-se considerar as muitas pos-
sibilidades de articulação com o cotidiano e o currículo escolar.

3 RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Antes de apresentar a proposta de PBL e a articulação para a Educação Bá-


sica, considera-se relevante pontuar o que é um problema e suas características.
A definição de problema como estratégia à promoção da aprendizagem
ocorre quando uma situação é reconhecida como um problema, na medida em
que o(s) sujeito(s) não dispõe/dispõem de procedimentos automáticos para so-
lucioná-los de maneira imediata, sem um processo de reflexão sobre a tomada
de decisões acerca dos passos a serem seguidos para a solução (POZO, 1998).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
221

Nessas atividades, o problema representa o núcleo da aprendizagem que ocorre


em torno de interrogações, possibilita mudança conceitual, aprendizagem de
processos e atitudes e permite uma ressignificação de aulas teóricas e expositivas,
além de tornar o professor um orientador dos trabalhos individuais e coletivos
dos alunos (PERALES, 2000).
Diferentes modalidades de resolução de problemas vêm sendo desenvolvi-
das e pesquisadas. Segundo Pozo (1998) Perales (2000), elas podem ser divididas
em três categorias, como apresentadas a seguir.

1) Tipo de solução:
a. fechada – a solução é unívoca;
b. aberta – os problemas aceitam mais de uma solução.

2) Procedimento seguido:
a. aplicação direta – requerem apenas operações matemáticas;
b. algoritmos – implicam seguimento de operações fechadas;
c. heurísticos –precisam de estratégia de jogo ou plano de ação e requerem
estratégias diferentes;
d. problemas criativos – não se ajustam a padrões predeterminados.

3) Tarefa requerida:
a. problemas qualitativos – os alunos precisam resolver a partir de raciocí-
nios teóricos, sem necessidade de se apoiar em cálculos matemáticos ou
experimentos e, em geral, são problemas abertos que analisam situações do
cotidiano;
b. problemas quantitativos – o aluno deve manipular dados numéricos, pois
são problemas com informações quantitativas mesmo que o seu resultado
não seja;
c. pequenas pesquisas – o aluno obtém respostas para um problema por
meio de um trabalho prático, as quais se aproximam do trabalho científico
porque há a necessidade de formulação de hipóteses, elaboração de plano
metodológico e necessidade de síntese dos resultados.

A resolução de problemas, caracterizada como pequenas pesquisas, adota


também algumas características dos dois outros tipos de problemas (qualitativos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
222

e quantitativos), uma vez que para o desenvolvimento das atividades, raciocínios


teóricos são necessários ao processo de conclusão do trabalho e, dessa forma,
para a aprendizagem dos conceitos. As estratégias de resolução de problemas
possibilitam o desenvolvimento de atividades em pequenos grupos de alunos
especialmente para “a resolução de problemas de maior complexidade (qualita-
tivos, problemas abertos)” (PERALES, 2000, p. 75).
Para a elaboração de atividades que tenham como base da aprendizagem a
resolução de problemas, alguns procedimentos devem ser considerados: o pla-
nejamento de tarefas adaptadas às características do meio no qual devem ser
realizadas; a utilização de fontes de informação de maneira sistemática e orga-
nizada; a observação de fatos e a coleta, a organização e o tratamento de dados;
a identificação e a formulação de problemas; a emissão e o contraste de hipóte-
ses compatíveis com os problemas propostos; a busca de pautas e regularidades
e a predição de possíveis fenômenos; a modelagem de objetos e fenômenos de
diferentes características e dimensões; a utilização de habilidades de pensamen-
to como a tomada de decisões, a análise, a síntese, a inferência, a argumentação
lógica e o juízo crítico; a comunicação de resultados através de diferentes lingua-
gens e gêneros discursivos; a discussão e a elaboração de conclusões; a avaliação
da própria atuação e da atuação dos outros (MONEREO, 2003). Considerando
esses aspectos, é possível a organização de problemas com objetivos diversificados
como aprender a organizar informações, planejamento de ações que modifiquem
o cotidiano da escola, aprendizagem de conteúdos, conhecimentos sociais e cul-
turais e relacionar todos esses conhecimentos à concepção de saúde.
As propostas de resolução de problemas devem priorizar a cooperação entre
os alunos. Em uma organização cooperativa, as “atividades de aprendizagem, os
resultados que cada membro do grupo busca são igualmente benéficos para os
restantes membros” (COLL e COLOMINA, 1996, p. 302). Os autores também
salientam a importância dos trabalhos colaborativos para o processo de socia-
lização, aquisição de competências sociais, controle dos impulsos agressivos, a
relativização dos pontos de vista e o incremento das aspirações e do rendimento
acadêmico.
A relevância das interações entre alunos é determinada, segundo Coll e
Colomina (1996), pelo conflito cognitivo e as controvérsias conceptuais e o nível
de elaboração das contribuições dos participantes. As controvérsias conceptuais
e o conflito cognitivo por meio da confrontação entre os membros do grupo
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
223

possibilitam produções mais elaboradas e resultados duradouros. Entretanto, o


grau de colaboração entre os alunos e a qualidade da ajuda entre os membros de
um mesmo grupo podem interferir de forma positiva ou negativa no rendimento
ou na produtividade de um aluno.
Dessa forma, a conduta do professor para elaborar e conduzir atividades
com grupos deve ser a de um orientador que oferece conselhos. A apresentação
dos temas, o clima e o tipo de interrogações, as modalidades de interações e a
maneira como o professor avalia a aprendizagem (MONEREO, 2003) são pontos
significativos ao adotar atividades de resolução de problemas. Como veremos
no próximo tópico, os problemas desenvolvidos para o PBL possuem caráter de
pequenas pesquisas, mas também adotam características dos problemas quanti-
tativos e qualitativos. Os problemas são elaborados por especialistas (professor
ou grupo de professores), e as situações apresentadas são simulações da realidade.
O PBL tem sido adotado em instituições de Ensino Superior e também na
Educação Básica. O desenvolvimento de atividades de PBL para a Educação Bási-
ca pode ser adotado não para todo o currículo, e os problemas podem ser usados
para introduzir ou finalizar uma unidade de estudo ao longo do desenvolvimento
de um conteúdo, como unidades didáticas ao longo de bimestres, que podem in-
tencionar a contextualização de conteúdos, tomada de atitudes, preparação para
o mercado de trabalho e aproximar o conhecimento científico do cotidiano dos
alunos (HOLT e WILLARD-HOLT, 2000; GORDN et al., 2001; LAMBROS, 2004).
Entretanto, a adoção dessa estratégia para o Ensino Fundamental e Médio tem de
ser discutida e adequada às necessidades e possibilidades nesses níveis de ensino.

4 O PBL E A SAÚDE NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Adotar uma proposta que teve sua origem na educação médica não significa
que a intencionalidade pedagógica seja a mesma. Ao contrário, ao adotar o PBL
para a Educação Básica, ele deve, antes de tudo, partir de concepções sociais e
não profissionais. Ao considerar-se a premissa de que saúde “é o estado de com-
pleto bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doença” (OMS,
1948), as práticas escolares devem priorizar o conhecimento científico relacio-
nado à medicina no sentido de garantir, aos alunos, a compreensão de aspectos
que podem interferir na vida deles para tomada de decisões. Para a Educação
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
224

Básica, em especial, a Educação em Saúde deve refletir em um processo perma-


nente e comunitário (FEIO e OLIVEIRA, 2015).
Identificadas as concepções que norteiam práticas em saúde, volta-se a
elencar os aspectos do PBL que podem ser considerados para a proposição de
atividades para a Educação Básica. Tanto em escolas de medicina quanto na
Educação Básica, existem diferenças entre as propostas de PBL. Essas diferenças
são positivas, visto que, além de ser prescritiva nas escolas, a proposta precisa
ser adaptada às condições e às regiões em que estão inseridos os alunos. Dentre
essas aproximações, “o denominador comum é o uso de problemas em sequên-
cia instrucional” (BARROWS, 1986, p. 481). Sendo assim, os passos ou aspectos
apresentados neste texto devem ser considerados como orientações gerais que
permitam o desenvolvimento de práticas efetivas e contextualizadas na escola.
Para Barrows (1996), o PBL como proposta didática apresenta as seguin-
tes características: a aprendizagem é centrada no aluno; a aprendizagem acon-
tece em pequenos grupos de alunos; os professores são facilitadores ou guias;
os problemas formam o foco organizacional e o estímulo para a aprendizagem;
os problemas são um veículo para o desenvolvimento de habilidades de resolu-
ção de problemas; a nova informação é proveniente por meio da aprendizagem
autodiretiva. Essas características são a base para o desenvolvimento dos currí-
culos de cursos que adotam PBL. Nos cursos médicos, o currículo é organizado
em módulos, e cada módulo caracteriza-se por um conjunto de problemas com
a mesma temática (WEIRS et al., 2002).
As propostas de PBL, mesmo apresentando características singulares, pos-
suem uma base para a elaboração dos problemas e desenvolvimento das atividades
com os alunos. No PBL, os alunos trabalham em grupos colaborativos e aprendem
por meio de resolução de problemas, o professor orienta as atividades, e há ciclos
de aprendizagem ou processo tutorial em que os alunos são apresentados a um
problema. Os alunos formulam e analisam a situação, elaboram roteiro de estudo
individual, tem momentos de estudo individual e um novo momento coletivo para
o fechamento do problema, que ocorre quando os conhecimentos são comparti-
lhados para a elaboração de uma síntese (HMELO-SILVER, 2004). Esta descrição
resume uma atividade da ABP, que envolve componentes centrais para a resolução
dos problemas, orientadores do desenvolvimento dos processos de aprendizagem.
Podem ser identificados seis componentes centrais do PBL: o problema; o tutor; os
grupos tutoriais; os blocos; o estudo individual; e a avaliação (ANDRADE, 2007).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
225

Os problemas no PBL são o componente principal para a estruturação e


desenvolvimento da proposta, pois o problema “conduz o processo de aprendiza-
gem” (MAMEDE, 2001, p. 29). As características de um problema que consigam
orientar a aprendizagem são a complexidade, com final aberto, sem exigir uma
única resposta, mas diferentes possibilidades restritas aos objetivos do problema
e serem realistas (HMELO-SILVER, 2004), pois, mais do que a síntese, é a apren-
dizagem proporcionada pelo problema que deve ser considerada.
A aprendizagem através da resolução dos problemas só será possível se a
elaboração inicial de hipóteses dos alunos tiver como base os conhecimentos
prévios. É a partir das experiências e do conhecimento que os alunos possuem
sobre determinado conteúdo que as discussões serão conduzidas até a identifi-
cação dos conhecimentos deficientes e que serão o objetivo do estudo individual
(ANDRADE, 2007). Nesse ponto, os conhecimentos de saúde que os alunos
apresentam e que serão requisito para identificarem os objetivos dos problemas
devem ser considerados. De nada adianta apresentar um problema que envolva
doenças bem conhecidas em livros didáticos se o contexto de determinada esco-
la e dos alunos envolve outros tipos de doenças. Devem desenvolver problemas
acerca de estilo de vida que envolva espaços e ambientes que são de fácil acesso
aos alunos, uma vez que tratar de assuntos sobre os quais os alunos não tenham
conhecimentos básicos torna as atividades sem significado e desestimulantes.
Para Lambros (2004), a elaboração dos problemas segue quatro passos, que
descrevemos na sequência.
Passo 1: selecionar os objetivos a serem alcançados. Os objetivos a serem
alcançados pelos alunos são o aprendizado de conteúdos de fatos, conceitos e
princípios, procedimentos e atitudes.
Os fatos são ocorrências em um determinado momento, e esse tipo de ob-
jetivo relaciona-se, por exemplo, a fatos históricos, políticos e sociais que podem
ter desencadeado atitudes, problemas e inovações relacionados à saúde na socie-
dade. Pode-se citar como exemplo a revolta das vacinas, o desenvolvimento de
medicamentos, as propostas de ações políticas para o aumento do bem-estar etc.
Os conceitos “representam relações que se estabelecem entre objetivos, fa-
tos ou símbolos e definem os traços essenciais ou o que queremos traçar como
uma determinada finalidade” (COLL et al., 2000, p. 308). Diferente do que foi
proposto em Andrade e Campos (2011), os conceitos não são o objetivo central
de PBL em Educação em Saúde. Na Educação Básica não cabe esperar que a
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
226

aprendizagem de conceitos seja a memorização de nomes e conteúdos, mas sim


a articulação desses conhecimentos e, principalmente, a aproximação dos estu-
dantes à linguagem da saúde. Nesse sentido, saúde, bem-estar, organizações de
saúde e tratamentos são conceitos que devem ser priorizados além dos conteúdos
memorísticos presentes em livros didáticos.
Em se considerando o caráter coletivo e comunitário da Educação em Saú-
de, os princípios configuram-se como objetivos significativos no PBL. Princí-
pios podem ser considerados como “conceitos muito gerais, de um grande nível
de abstração, que conformam a base da organização conceitual de um campo
abrangente do conhecimento” (COLL et al., 2000. p. 308). Nestes objetivos temos
aspectos mais gerais e importantes, como respeito e coletividade, e, da mesma
forma, princípios específicos da área da saúde, por exemplo, os princípios do SUS
de universalização de equidade, integralidade, regionalização e hierarquização,
descentralização e participação popular (MS, s.d).
Procedimentos referem-se a ações efetivas dos alunos como manipular, in-
ferir, associar, calcular, desenhar, planejar (ZABALA, 1998). Em específico, po-
de-se escolher procedimentos de saúde bucal (CARVALHO et al., 2009), proce-
dimentos de exercícios físicos, procedimentos de higiene do corpo, do ambiente
e dos alimentos (MARANHÃO, 2000), argumentação acerca de políticas na área
da saúde etc.
Por fim, a aprendizagem atitudinal remete à construção de atitudes para
a cooperação, o respeito e a tolerância por parte dos alunos perante diferentes
conhecimentos (ZABALA, 1998). Exemplo disso é a tomada de posição para a
mudança de hábitos de saúde e estilo de vida (CARVALHO e CARVALHO, 2006),
assim como a criação de ambientes livres de fumo, abusos e qualquer forma de
violência (FIQUEIREDO, MACHADO e ABREU, 2010). Para tanto, é importante
apresentar aos alunos conteúdos de fatos, conceitos e princípios, procedimentos
e atitudes de forma integrada, pois se configuram como conhecimentos inter-re-
lacionados que se modificam continuamente de acordo com novas experiências
e reflexões coletivas (COLL et al., 2000).
Passo 2: criar uma história que estimule os alunos a buscar os objetivos de
aprendizagem determinados. É necessário que os problemas possibilitem que
os conhecimentos prévios dos alunos sejam ativados nas discussões iniciais do
processo de aprendizagem, pois, assim, será possível a construção de uma orga-
nização básica do conhecimento que norteará a busca pelo novo conhecimento.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
227

Além dos conhecimentos prévios, articular os objetivos de aprendizagem


com o contexto do aluno torna-se aspecto significativo; portanto, é importante
permitir que os problemas extrapolem os muros da escola e envolvam orga-
nizações comunitárias, associações de pais, serviços de referências (FIGUEI-
REDO, MACHADO e ABREUS, 2010), como UBS e outros profissionais além
dos da escola.
Passo 3: após criar a história, tomar cuidado para não deixar o problema
com muita informação. É “mais importante oferecer uma história rica que esti-
mule a curiosidade dos alunos” (LAMBROS, 2004, p. 46) do que um problema
com excesso de informação ou com informações pouco relevantes que podem
atrapalhar o processo de aprendizagem.
Passo 4: apresentar o problema para, pelo menos, uma pessoa antes de
aplicar, pois “isso ajudará prever como outra pessoa vai interpretar o problema”
(LAMBROS, 2004, p. 47). Nesse momento, é possível perceber o excesso ou a
falta de informações importantes para que os alunos consigam desenvolver a
aprendizagem através dos problemas. O ideal é que os problemas sejam elabo-
rados por um grupo de professores.
Os grupos tutoriais são formados de seis a sete alunos e um facilitador. No
primeiro dia de atividades, apresenta-se, aos alunos, um problema e uma tabe-
la para que eles anotem as ideias para a resolução do problema. A estrutura da
atividade com os problemas nos blocos (ou unidades) do PBL possui uma se-
quência de desenvolvimento como a encontrada no trabalho de Gallagher et al.
(1995), apresentação do problema, discussão, elaboração de hipóteses, estudo
individual, elaboração de resultados.
Um exemplo de modelo de tabela para anotações é o proposto por Hme-
lo-Silver (2004). A tabela é dividida em quatro partes: fatos, ideias, metas de
estudo e plano de ação. Segundo a autora, na coluna de fatos, os alunos colo-
cam as ideias centrais do problema; na coluna ideias, as hipóteses; nas metas
de estudos, os conceitos deficientes a serem alcançados; e, na coluna plano de
ação, os alunos colocam os planos para a resolução do problema e como obter
informações adicionais. A tabela de anotações serve como foco para negocia-
ções do problema, como um fórum para os estudantes construírem o conhe-
cimento, e ajuda os alunos a externalizar a solução dos problemas, permitindo
que eles consigam focar em aspectos mais difíceis do processo de resolução de
problemas (HMELO-SILVER, 2004).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
228

Após a discussão e a determinação do plano de estudos, o primeiro dia de


atividade de resolução chega ao final, segue um período de estudo individual e,
em outro encontro, os alunos se reúnem para a elaboração de uma resposta ao
problema. Ao longo das atividades de resolução de problemas, é possível a in-
serção de diferentes atividades, como palestras, atividades laboratoriais, orien-
tação de referenciais teóricos para pesquisa e horário para consultas e visitas a
diferentes espaços (WIERS et al., 2002).
O tutor, professor que no PBL é denominado de facilitador, tem a função
de estimular o processo de aprendizagem dos estudantes e de ajudar o grupo a
conduzir o ciclo de atividades do PBL. Para isso, utiliza-se de diversos meios,
dentre eles a apresentação de perguntas – e não de respostas, como é o papel do
professor nos currículos tradicionais – e sugestões (MAMEDE, 2001).
O estudo individual acontece entre os dois encontros para a resolução de
um problema. É o momento em que o aluno, sozinho, busca as informações para
a resolução do problema. Assume-se que são responsabilidades do estudante a
decisão sobre o que deve ser estudado e a sistematização dos novos conhecimen-
tos para a apresentação subsequente ao grupo (MAMEDE, 2001).
A avaliação dos estudantes é outro ponto relevante nas diferentes propostas.
Mamede (2001) sugere uma avaliação de caráter progressivo, ao final de cada
ciclo (bloco, unidade) de atividades. As propostas apresentam diferentes moda-
lidades de avaliação dos alunos, individuais, coletivas, duas vezes por semestre,
ao longo de todas as atividades. Entretanto, a avaliação deve estar diretamente
ligada aos objetivos de aprendizagem, e a avaliação final de um problema, de
uma unidade, deve ser integradora e considerar não apenas os conceitos, mas
os procedimentos e as atitudes (ZABALA, 1998). Considerando-se o caráter for-
mativo do PBL, adotar instrumentos de avaliação em que o aluno (ou um grupo
de alunos) tenha a possibilidade de expressar-se por meio de uma resposta livre
ou orientada (colocam-se os pontos que devem ser priorizados) corrobora toda
a proposta de integração de saberes e a ação do PBL para os conhecimentos em
saúde (CARVALHO e FREITAS, 2010).
A elaboração do currículo em uma proposta de PBL é orientada através
de blocos ou unidades de ensino, nos quais um único tema é desenvolvido com
problemas que se inter-relacionam ao longo do desenvolvimento da atividade e
que possuem um caráter interdisciplinar. Essa interdisciplinaridade é essencial
para possibilitar que os conhecimentos concernentes a um tema ou problema
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
229

sejam abordados durante o processo educacional, em conexão uns com os ou-


tros, favorecendo a construção de estruturas cognitivas apropriadas para facilitar
sua recuperação posterior (MAMEDE, 2001). Na Educação Básica, o PBL pode
ser considerado como propostas inseridas nos currículos escolares, diferente de
ser o eixo de estruturação do currículo. Por exemplo, a escola pode adotar uni-
dades com problemas que abordem temas, como o reconhecimento do corpo
biológico e social ou serviços de saúde disponíveis no bairro em que a escola
está presente, a exemplo dos aspectos sociais sobre alimentação em diferentes
partes do mundo etc.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao apresentar proposta de reflexão e ação para a Educação em Saúde na


Escola, considera-se importante salientar que, ao longo do capítulo, não houve
referência aos professores de Ciências e Biologia nem à disciplina de Ciências e
Biologia. Tal escolha deu-se pela compreensão da importância de que esse tema
seja abordado de maneira transversal e interdisciplinar na escola. A articulação
de professores de diferentes áreas escolares pode potencializar o caráter coletivo
dessa temática.
As ações coletivas que podem emergir de atividades de PBL na Educa-
ção Básica devem possibilitar ao aluno a capacidade de tomada de decisão por
meio de uma visão crítica da realidade em que vivem, bem como de problemas
em escalas mais amplas. Não foi objetivo deste capítulo apresentar exemplos de
problemas, mas refletir sobre quais aspectos são relevantes para que o PBL seja
efetivo para estudantes, professores e outros atores da área de saúde.
A articulação de contextos e de práticas bem-estruturadas, considerando a
importância do reconhecimento do corpo e do ambiente, as ações políticas e os
diferentes movimentos sociais em relação à saúde, deve ser o eixo integrador do
PBL na Educação Básica. Assim, busca-se superar a visão de que saúde é con-
teúdo de ciências e se resume ao estudo do corpo e de doenças.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
230

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14 VIVENCIANDO E PRATICANDO EDUCAÇÃO
EM SAÚDE NA ESCOLA ESTADUAL PROFº JOÃO
QUEIROZ MARQUES EM BOTUCATU/SP

Luciene Maura Mascarini Serra, Newton Goulart Madeira,


Percilia Cardoso Giaquinto1
Amanda Alves de Oliveira, Andréia Cristina Bronzatto,
Caroline Moraes Pereira, Fabricio Barbieri,
Giulia Escuciato Schick, Isabela Inforzato Guermandi,
Juan de Nicolai, Lais Freitas Lopes, Lais Yasmim Maranho,
Lauane Gonçalves de Araújo, Luiza Côrtes, Mariana Emy Haneda
Ferrarini, Marina Sanson Bellot, Priscila Rezeck Nunes2

1 INTRODUÇÃO

A Educação em Saúde é um campo multifacetado, para o qual convergem


diversas concepções das áreas, tanto da educação, quanto da saúde, as quais es-
pelham diferentes compreensões do mundo (SCHAEL; STRUCHINER, 1999).
A prática educativa com enfoque na saúde é uma interface do conhecimento que
nos permite estabelecer relações mais íntegras, porque permite a mediação da
interdisciplinaridade. Pensando nesse campo, que engloba diferentes saberes, as
práticas e as vivências educativas são essenciais para construir conjuntamente
pesquisa entre a escola, enquanto espaço de prática, e a universidade, espaço de
encontro de saberes teóricos.

1 Docentes – Instituto de Biociências de Botucatu (IBB) – UNESP.


2 Discentes – Instituto de Biociências de Botucatu (IBB) – UNESP.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
234

Esse encontro de saberes propiciou diferentes práticas e vivências de Edu-


cação em Saúde na escola Prof. João Queiroz Marques, localizada no Bairro de
Rubião Junior, bairro que aloca também um campus da Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Em 2016, foi realizada a atividade 1, “Ensinando higiene na
escola”, como trabalho final da disciplina “Tópicos em Educação em Saúde”, cujo
objetivo foi traçar conjuntamente com os professores da escola, dos ciclos I e II
do Ensino Fundamental, diversas abordagens de temas de saúde na escola. Em
2017, foi realizada a atividade 2, “Promoção em Saúde: Alimentação saudável”,
que foi um estudo epidemiológico de intervenção preventiva em saúde, na qual
foram ministradas palestras educativas sobre alimentação saudável utilizando o
Guia Alimentar Brasileiro elaborado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2014),
e os alunos foram avaliados antes e depois das palestras. Em 2019, o Projeto de
Extensão “Meninas na Ciência”, do Instituto de Biociências da UNESP de Botu-
catu, elaborou uma intervenção em saúde (atividade 3). Essa intervenção abor-
dou a trajetória das mulheres no campo da saúde ao longo da história e o quanto
a ausência de higiene, que não faz distinção de gênero, propicia a instalação de
diversos patógenos importantes do ponto de vista da Saúde Pública na escola.
Este capítulo apresenta a descrição destas três atividades, que podem sub-
sidiar intervenções em escolas.

2 ENSINANDO HIGIENE NA ESCOLA

Na escola brasileira, a Educação em Saúde é mencionada pela primeira vez


na antiga Lei nº 5592 de 1971, que fixava diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º
graus (MOHR, 2002). Nessa época, a prática da Educação em Saúde era voltada
aos Programas de Saúde na Escola que visavam formar nos alunos hábitos para
uma vida mais saudável. Atualmente, as atividades nas escolas são sustentadas pela
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que veio a direcionar de forma integra-
dora os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) elaborados em 1997 e 1998, os
quais trazem a saúde como um dos temas transversais, juntamente com ética, meio
ambiente, pluralidade cultural, orientação sexual, trabalho e consumo consciente.
(BRASIL, 1997, 1998). A saúde como tema transversal deve ser tratada de forma
ampla e interdisciplinar, não se limitando somente ao caráter biológico da doen-
ça, mas incluindo os aspectos sociais determinantes do processo de adoecimento
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
235

(MOHR, 2002). Nas séries iniciais do Ensino Fundamental, espera-se que a Edu-
cação em Saúde possa conscientizar os alunos para o direito à saúde, sensibilizá-los
para a busca permanente da compreensão de seus determinantes e capacitá-los para
a utilização de medidas práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Nessa perspectiva, os conteúdos de saúde estão organizados em blocos que
lhes dão sentido e cumprem a função de indicar as dimensões individual e social
da saúde. Esses blocos abordam o autoconhecimento para o autocuidado e a vida
coletiva, possibilitando que se tratem assuntos como o funcionamento do corpo,
a higiene pessoal, a transmissão de doenças e os cuidados com o meio ambiente
que interferem na saúde.
O objetivo desta primeira atividade foi a confecção conjunta entre alunos da
disciplina optativa “Tópicos em Saúde Pública”, ministrada a alunos de gradua-
ção de Ciências Biológicas e Ciências Biomédicas do Instituto de Biociências da
UNESP – Campus de Rubião Junior, no município de Botucatu, e professores da
Escola Estadual João Queiroz Marques, localizada neste mesmo bairro. Inicial-
mente, fomos à escola conversar com os professores sobre quais problemas de
saúde eles achavam importantes para desenvolver na escola, e a higiene pessoal
e do vestuário que destacaram. Dentro deste tema, assinalaram: banho; lavar as
mãos; cuidado com os cabelos; cuidado com os dentes; lavar as roupas; e evitar
o odor dos pés. Com esses tópicos solicitados, dividimos a atuação em três eixos:
1) Manual para os professores sobre noções de parasitologia e microbiologia;
2) Confecção de uma apostila intitulada “Educação em Saúde – Higiene Pessoal
e do Vestuário”;
3) Aulas para serem desenvolvidas pelos professores e o respectivo material de
apoio em relação ao cuidado do corpo e do vestuário.

A participação dos professores foi essencial na construção do manual, deli-


neando diretrizes para professores dos ciclos I e II do Ensino Fundamental para
desenvolverem com os alunos as múltiplas abordagens de temas de Saúde na
Escola, procurando motivar os alunos para transformar novos conhecimentos,
atitudes e crenças em comportamentos desejáveis.
“Higiene: conhecendo o assunto” foi a primeira atividade prática e consistiu
em conversa com as crianças sobre higiene e a importância de manter hábitos
higiênicos. Nessa conversa, entre outros aspectos, exploramos conceitos de hi-
giene e higiene pessoal, assim como a importância de manter hábitos de higiene.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
236

Figura 1: Atividade prática 1

Para conhecer os hábitos de higiene e verificar o conhecimento dos alunos em relação ao assunto, podemos usar
a técnica de construção conjunta de painel. O professor selecionará os temas centrais e os colará, previamente,
no painel. Os alunos receberão fichas com ações referentes ao assunto e terão que adequar as ações aos temas
selecionados. Dessa maneira, espera-se que os alunos conheçam mais ações de hábitos de higiene.

Higiene - Hora do banho Higiene - Hora do banho

Higiene - Escovando os dentes

Fonte: Elaborada pelos autores (2019).

A segunda atividade prática – Presença de microrganismos no ambiente –


foi elaborada com o objetivo de proporcionar aos alunos a observação dos mi-
crorganismos. Como são organismos microscópicos, poder visualizá-los ajuda
a compreender que eles estão em nosso ambiente e que hábitos de higiene visam
eliminá-los do nosso corpo.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
237

Figura 2: Atividade prática 2

Fonte: Elaborada pelos autores (2019).

A terceira atividade prática – Higiene: limpeza das mãos – constituiu-se de


uma conversa com os alunos sobre a importância de lavar as mãos. Destacamos
que, através das mãos sujas, podemos contaminar nossos alimentos e levar micror-
ganismos para o interior do nosso corpo, o que pode gerar doenças, como vermi-
noses, e causar sintomas, como diarreia e vômito. Também provocamos o diálogo
sobre algumas doenças causadas pela falta de higiene das mãos. A aprendizagem
do modo correto de lavar as mãos foi o aspecto relevante desta atividade, uma vez
que essa prática de higiene é muito importante para que os microrganismos, que
estão presentes em nosso ambiente, não permaneçam em nosso corpo.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
238

Figura 3: Atividade prática 3

Fonte: Elaborada pelos autores (2019).

As demais atividades elaboradas no manual confeccionado são relativas a


outros hábitos de higiene, como tomar banho e trocar de roupas todos os dias,
lavar os cabelos, , e às doenças relacionadas à falta de higiene pessoal e ambiental
comuns no ambiente escolar, como escabiose, pediculose, giardíase, bicho geo-
gráfico (larva migrans cutânea). Segundo a OMS (UNICEF, 2009), em todo o
mundo morrem cerca de 1,5 milhões de crianças de diarreia por ano. Esses dados
indicam que, além das necessidades inerentes à área de saneamento e infraes-
trutura pública, há o componente comportamental na população, expressado na
transformação dos hábitos e de práticas de higiene a partir da compreensão dos
fatores que afetam sua saúde. A Educação em Saúde na escola pretende colabo-
rar na formação de uma consciência crítica no escolar, resultando na aquisição
de práticas que visem à promoção, manutenção e recuperação da própria saúde
e da saúde da comunidade da qual faz parte (FOCESI, 1992).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
239

Constatamos que muitos cursos de preparação dos professores não levam em


consideração atividades didáticas que possam ser desenvolvidas pelos docentes
em sala de aula, na escola ou mesmo na comunidade em relação aos problemas
de saúde, apesar de ser uma necessidade sentida pelos educadores no seu dia a
dia na sala de aula. Essas atividades podem ser executadas utilizando a instrução
que se apoia na instrução, proporcionando conhecimento e, ao mesmo tempo,
usando-as como forma de educação. A Educação em Saúde passou a ser um an-
seio de muitos pais, visto as várias situações e agentes que podem comprometer
a saúde dos seus filhos e a ampla gama de conhecimentos necessários que são
requeridos para proporcionar esta educação e que lhes falta.

3 PROMOÇÃO EM SAÚDE – ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL

Um dos graves problemas de saúde é o das Doenças Crônicas Não Trans-


missíveis (DCNT). Elas possuem fatores comportamentais ou atitudinais, por
exemplo, a alimentação saudável, que pode ser realizada adequadamente, evi-
tando manifestação ou redução dos sintomas desses agravos que são um dos
maiores responsáveis pelas mortes de pessoas no mundo. A Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) estimou que 68% de 38 milhões de mortes foram causadas
por essas doenças (OMS, 2014).
Alimentação adequada e saudável perfaz um conjunto de ações que busca
promover a saúde e o bem-estar nas pessoas, visando o ato de se alimentar, o que
se ingere (nutrientes e combinação dos pratos), local onde a pessoa se alimenta,
bem como o âmbito social, cultural e econômico de cada um. Segundo o Guia
de Alimentação Saudável do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), a alimentação
do brasileiro deve seguir os 10 passos para uma alimentação saudável:
– 1º Fazer a alimentação com produtos in natura ou minimamente proces-
sados;
– 2º Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao tempe-
rar, criar preparações culinárias e cozinhar alimentos;
– 3º Limitar o consumo de alimentos processados;
– 4º Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados;
– 5º Comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e, sempre
que possível, em companhia;
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
240

– 6º Fazer compras em locais que ofertem variedades de alimentos in natura


ou minimamente processados;
– 7º Desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias;
– 8º Planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece;
– 9º Dar preferência, quando fora de casa, a locais que servem refeições feitas
na hora;
– 10º Ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre ali-
mentação veiculadas em propagandas comerciais.

Uma das estratégias apontadas pelo guia é a escolha adequada de quais ti-
pos/classes de alimento seriam consideradas ideais para promover a saúde e o
bem-estar. As refeições devem ser realizadas ingerindo majoritariamente pro-
dutos in natura e minimamente processados, consumindo limitadamente/con-
troladamente alimentos processados e o não consumo ou a privação total dos
alimentos ultraprocessados, pois eles contêm vários produtos artificiais e com
altas quantidades de açúcar e gordura.
Na sequência, apresentamos as classes, principais características de alimen-
tos que compõem uma alimentação saudável e alguns exemplos (BRASIL, 2004):
a) In natura: produtos obtidos diretamente de plantas ou de animais e não so-
frem qualquer alteração após deixar a natureza.
Exemplos: legumes, verduras, frutas, batata, mandioca e outras raízes e tu-
bérculos embalados, fracionados, refrigerados ou congelados.
b) Minimamente processados: alimentos in natura submetidos a processos
que não alterem propriedades químicas do alimento e que não envolvam
agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias ao alimento
original.
Exemplos: arroz branco e integral; milho em grão ou na espiga; grãos de tri-
go e de outros cereais; feijões, lentilhas, grão de bico; cogumelos; sucos de
frutas sem adição de açúcar ou outras substâncias.
c) Processados: alimentos fabricados pela indústria com a adição de sal ou
açúcar ou outra substância de uso culinário para torná-los duráveis e mais
agradáveis ao paladar.
Exemplos: extrato ou concentrados de tomate (com sal e ou açúcar); frutas em
calda e frutas cristalizadas; carne seca e toucinho; sardinha e atum enlatados;
queijos; pães feitos de farinha de trigo, leveduras, água e sal.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
241

d) Ultraprocessados: alimentos que passam por diversos processamentos


(fritura, refinamento), aos quais são acrescentados, na indústria, aditivos
alimentares, como corantes, conservantes, estabilizantes, aromatizantes e
realçadores de sabor, normalmente com muito açúcar, sal e/ou gordura.
Exemplos: vários tipos de biscoitos, sorvetes, balas e guloseimas em geral,
cereais açucarados, bolos, barras de cereal, sopas, macarrão e temperos “ins-
tantâneos”, molhos, salgadinhos “de pacote”, refrescos e refrigerantes, iogurtes
e bebidas lácteas adoçados e aromatizados (BRASIL, 2004).

Foi realizado um estudo epidemiológico de intervenção preventiva em saú-


de na escola João Queiroz Marques e com os alunos que frequentavam o Cur-
sinho Comunitário Pré-vestibular da Unesp, em Botucatu (SP). Esta atividade
constituiu-se de palestras educativas sobre alimentação saudável ministrada
por profissionais da área nutricional, norteadas pelo Guia Alimentar Brasileiro
elaborado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2004). Verificaram-se, através de
questionários semiestruturados, os conhecimentos sobre alimentação saudável
desses alunos, antes e após a palestra, observando a efetividade e o impacto da
atividade neles. Os questionários foram confeccionados e testados (validados)
anteriormente ao início das atividades de intervenção. A análise de dados foi
realizada utilizando o programa Epi InfoTM.
Foram respondidos 108 questionários por alunos do primeiro até o terceiro
ano do Ensino Médio da escola e alunos do cursinho universitário, do período
matutino e noturno, com a idade dos alunos variando de 14 até 22 anos. Em re-
lação à pergunta aberta “O que é para você uma alimentação saudável”, 43,5%
mostraram ter conhecimento limitado sobre o assunto, 38,7% elaboraram resposta
que revelou conhecimento considerado adequado, e 17,8% admitiram não saber
nada sobre o assunto. Na pergunta “Quantas vezes você se alimenta por dia?”,
64,8% dos alunos responderam que realizam mais de três refeições/dia, 12,9% se
alimentam duas vezes por dia, e 22,2% dos adolescentes responderam que reali-
zam mais de três refeições diárias. Em relação aos tipos de alimentos consumi-
dos em maior frequência/maior quantidade durante a semana, verificou-se que
o consumo de alimentos in natura e minimamente processados foram respostas
obtidas por 70% das crianças; alimentos processados, por 4,5%; e ultraprocessados
constituíram resposta de 5,5% dos adolescentes; 21% das crianças responderam
que consomem indistintamente todos os tipos de alimentos.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
242

Para verificar o hábito alimentar durante o horário escolar, foi perguntado:


“Você se alimenta na escola no intervalo entre as aulas (recreio)?” Constatou-se
que 42,59% dos alunos não se alimentam na escola, enquanto 55,55% dos alunos
comem na escola, dos quais 48,15% se alimentam da merenda da escola e 5,56%
dos alunos trazem lanche de casa. Ao serem questionados “No seu dia a dia, o
que você faz para ter uma alimentação saudável?”, 58% dos alunos disseram que
consomem alimentos adequados e equilibrados, e o restante respondeu que não
faz nada para ter uma alimentação saudável. Sobre as principais refeições do dia,
29,63% dos alunos se alimentam assistindo TV ou em frente à tela de microcom-
putadores; 28,7% fazem as refeições na mesa; 22,22% das crianças se alimentam
acompanhadas, e 25% dos alunos comem sozinhos. Verificou-se que 84% dos
alunos praticam três (3) horas ou menos de atividade física ao longo da semana;
25,9% admitiram não praticar nenhuma forma de exercício com duração de pelo
menos uma hora ao longo da semana.
Após a palestra, foi solicitado aos alunos que montassem um prato saudável
que eles comeriam no almoço ou jantar. Para a refeição almoço, 78% dos alunos
escolheram, principalmente, alimentos in natura e minimamente processados;
20% escolheram alimentos processados, enquanto 11% escolheram os ultrapro-
cessados. Em relação à bebida, 51% dos alunos escolheram alguma opção natural
(suco de frutas), enquanto 46% escolheram uma opção processada e ultraproces-
sada. Sobre as sobremesas escolhidas, 56% das escolhas recaíram em alimentos
processados e ultraprocessados.
Nos últimos anos, no Brasil, notou-se um decréscimo nos níveis de desnu-
trição no âmbito nacional e um aumento do número de pessoas com sobrepeso
e obesidade. Houve um aumento dessas duas últimas condições ao longo dos
últimos anos, no qual o número de pessoas com sobrepeso cresceu 26,3% em
dez anos, passando de 42,6%, em 2006, para 53,8% em 2016. A obesidade cres-
ceu 60% em dez anos: de 11,8%, em 2006, para 18,9%, em 2016 (BRASIL, 2017).
O sobrepeso, a obesidade, o diabetes e a hipertensão, consideradas Doenças
Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), podem ser controladas pela alimenta-
ção adequada e a prática de atividades físicas (BRASIL, 2010). No estudo que
apresentamos neste capítulo, vários alunos escolheram alimentos da categoria
de processados/ultraprocessados, sendo que esses alimentos contêm diversos
fatores que contribuem para o surgimento e a manifestação dessas doenças,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
243

como a grande quantidade de açúcares e gorduras contidas neles. Como apon-


tado pelo guia, para ter uma alimentação saudável, é importante estar em um
local adequado e dedicar a atenção ao ato de alimentar-se, porém 29,63% alu-
nos se alimentam em frente à TV ou à tela de microcomputadores, dividindo
atenção do alimento com o eletrônico. Isso faz com que a pessoa se alimente
rápido e mastigue inadequadamente, alterando o processo natural de digestão
do alimento.
O sedentarismo na juventude, ou seja, a falta de exercício e o uso excessivo
de eletrônicos são apontados pelo Guia Alimentar (BRASIL, 2014) e pela OMS
como fatores prejudiciais à saúde dos jovens. Os alunos do estudo mostraram estar
em um alto nível de sedentarismo, praticando quantidade de exercício inferior
do que o recomendado para um indivíduo saudável, visto que o sedentarismo é
o quarto maior fator de risco de mortalidade global (OMS, 2014).
Com o aumento de indivíduos apresentando DCNT nos últimos anos, tor-
na-se necessário e urgente a implantação de estratégias para promover a dimi-
nuição dos fatores que podem causar essas doenças, reduzindo as consequências
no futuro, como diminuição na qualidade de vida e mortes prematuras. Uma
das melhores maneiras de diminuir as DCNT é a prevenção, pois elas possuem
fatores comportamentais e atitudinais como causas, sendo doenças possíveis de
serem controladas ou prevenidas pela implantação de intervenções em saúde na
comunidade, a fim de gerar controle dos potenciais riscos, amplificando a pro-
teção nessa população.
As atividades de intervenção evidenciam a dificuldade enfrentada em ten-
tar ocasionar mudanças nos hábitos de saúde em pessoas de uma determinada
comunidade, nesse caso, nos alunos adolescentes da escola do distrito de Ru-
bião Jr. e do cursinho comunitário da Unesp, ao considerar a realidade social
e econômica. A ocorrência de diversos hábitos e atitudes dos alunos, como o
sedentarismo e problemas na alimentação evidenciados previamente, colabo-
ram, portanto, para um possível prejuízo na saúde desses indivíduos no futuro.
Intervenções como as realizadas na escola tentam aprofundar esse tema, exem-
plificando e detalhando como essas doenças vão surgindo discreta e lentamente
com o passar dos anos, contribuindo para as mudanças no perfil epidemioló-
gico desses agravos.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
244

4 INTERVENÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA –


HIGIENE PESSOAL

Através da articulação entre os pilares do ensino, da pesquisa, da articulação


extramuros, da gestão e desenvolvimento de projetos, a extensão se apresenta cada
vez mais como uma concepção íntegra a ser desenvolvida entre a universidade
e a sociedade. Seu papel transformador, que atende especificidades e demandas
locais, se constitui como um dos espaços mais democráticos dentro da universi-
dade (PROEX, 2018). Dessa forma, nossa intervenção na saúde se articulou com
demandas locais, através do espaço escolar, no qual atua o projeto de extensão
“Meninas na Ciência” (UNESP, Botucatu), por compreender a escola como es-
paço único de socialização de saberes e vivências que influenciam a construção
da nossa cidadania.
A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que
possibilitam o acesso ao saber elaborado (Ciência), bem como o próprio aces-
so aos rudimentos desse saber. A compreensão da “ciência como um processo
de produção de conhecimento e uma atividade humana, histórica, associada
a aspectos de ordem social, econômica, política e cultural" pelos estudantes
é um dos objetivos do ensino de Ciências no Ensino Fundamental (BRASIL,
1998). A partir da corrente pedagógica histórico-crítica, a educação é conce-
bida como ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo sin-
gular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens (SAVIANI, 2011).
Assim sendo, é papel da escola problematizar as compreensões de ciência
e favorecer a elaboração de um conhecimento científico de forma não dogmáti-
ca, histórica, que dispõe de vários métodos e que considere as crises e remode-
lações do fazer científico (PÉREZ et al., 2001). A ciência, assim como qualquer
atividade humana, não pode ser desvinculada de seu contexto sócio-histórico
e, nessa perspectiva, fenômenos sociais (como questões de gênero, de classe e
de raça, por exemplo) precisam ser considerados como fatores que determinam
quais rumos ela pode tomar (SAVIANI, 2011).
Tendo em vista a concepção de ciência não utilitarista, que considera o
movimento histórico e sua influência nas descobertas científicas, adotada pelo
projeto de extensão “Meninas na Ciência”, realizamos a intervenção de Higiene
Pessoal & Saúde na Escola Estadual João Queiroz Marques. De acordo com a
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
245

demanda da gestão da escola e o objetivo do projeto de extensão (trazer discus-


sões às escolas sobre a construção do conhecimento científico, com enfoque nas
questões de gênero ao longo da história da Ciência), abordamos o tema “higie-
ne pessoal”. Nesta abordagem, consideramos a formação de conceitos científi-
cos sobre microbiologia e parasitologia, assim como desenvolvemos debates de
gênero, de classe e raças, como as teorias eugenistas, a “histeria de mulheres” e a
marginalização de minorias, que influenciaram na construção do conhecimento
científico de higiene pessoal e na cidadania da sociedade.
Trabalhamos com as turmas B e C do 8º ano do Ensino Fundamental durante
1h30 ao longo de uma semana, totalizando uma média de aproximadamente 25
alunos por encontro. Como estratégia para nos aproximarmos dos alunos, antes
de introduzirmos novos conceitos, trabalhamos, através de uma dinâmica, com
alguns conceitos prévios que eles possuíam sobre gênero. A partir da construção
de duas colunas, uma para homens e outra para mulheres, pedimos aos alunos
que dissessem as primeiras coisas que pensavam quando falávamos de profissões,
características físicas e de personalidade para ambos os sexos. Características
como “limpa e cheirosa” apareceram na coluna da mulher, assim como “dona
de casa”, “enfermeira”, “professora” ou profissões em que a força física é menos
exigida que o ato do cuidado; ao contrário, na coluna dos homens, apareceram
palavras como “médico” (e não “enfermeiro” ou “cuidador”), “policial”, “pedrei-
ro” e “bombeiro”. Com isso, conseguimos iniciar a primeira discussão: por que
a mulher é mais relacionada à profissão de enfermeira e o homem à de médico?
Assim, introduzimos o contexto histórico-social do nascimento da Medicina, des-
de a época dos feudos e da caça às bruxas até o nascimento de uma nova ciência,
capaz de curar pessoas, como as mulheres curandeiras já praticavam, mas agora
composta apenas por homens.
Como o controle social se repete em todos os períodos da história e da ad-
ministração de governos, atingindo não só as mulheres, mas todos aqueles que
representam ameaças ao controle de reis, governantes, elite e burguesia, conse-
guimos abordar como o controle social se refletiu no Brasil junto à classe operá-
ria e de ex-escravos durante o período higienista pós-república. Foi nesse mo-
mento que a higiene e limpeza também entraram como justificativa de controle
de uma população considerada pejorativamente como “suja”, “inferior”, que não
deveria se reproduzir. O mesmo aconteceu com as mulheres, que deveriam ter
como funções exclusivas o trabalho doméstico, cuidado com os filhos, com sua
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
246

aparência e corpo, que deveriam ser os mais “limpos” e “belos” possíveis, geran-
do a submissão de mulheres a procedimentos de hiper-higienização, padrões de
beleza e justificativas para internações compulsórias de mulheres acusadas de
“histeria” por parte da área da psiquiatria.
Desenvolvemos a atividade em três etapas ao longo da semana e seus con-
teúdos trabalhados com as turmas foram estruturados da seguinte maneira:
1) Na primeira etapa, abordamos: a inquisição e caça às bruxas como controle
social de mulheres camponesas que detinham os conhecimentos empíricos
de saúde da época; o nascimento da Medicina e da Ciência, que foi necessá-
rio após a morte das mulheres que possuíam os conhecimentos medicinais;
como a Medicina influenciou propagandas, campanhas governamentais e
definições preconceituosas de “limpeza” e “higiene”, diferenciando esses
conceitos entre homens e mulheres, entre classes baixas e altas, durante a
construção do Brasil como país e não mais colônia (determinação da iden-
tidade do “povo brasileiro”); notícias atuais e falas do senso comum que
ainda reforçam ideais errados e preconceituosos de higiene pessoal; cole-
ta de materiais para desenvolvimento de uma atividade de microbiologia
(desenvolvimento de culturas de bactérias e fungos em meios de cultura
nas placas de Petri).
2) Na segunda etapa, trouxemos conceitos científicos de microbiologia e pa-
rasitologia para introduzir o debate sobre doenças relacionadas com maus
hábitos de higiene pessoal, com a participação de um docente da UNESP,
especialista em parasitologia. Também abordamos medidas de profilaxia e
veículos de transmissão das principais doenças relacionadas a maus hábi-
tos de higiene pessoal, destacando que elas não se diferem entre os gêneros,
raças ou classes sociais.
3) Na terceira e última etapa, discutimos como o movimento feminista e as
ciências contribuíram para a transformação dos conceitos associados à
higiene pessoal de forma a não justificar ou reforçar diferenças de gêne-
ro, classe e de raça. Retomamos a atividade de microbiologia do primeiro
dia, mostrando os resultados da cultura com diversos microrganismos e
suas respectivas colônias. Dessa forma, os resultados levaram os alunos
a concluir que a falta de higiene não faz distinção de gênero e propicia a
instalação de diversos patógenos, importantes do ponto de vista da Saúde
Pública na escola.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
247

Uma das preocupações no ensino de Ciências está associada com estratégias


de ensino que, efetivamente, promovam a interdisciplinaridade e a contextua-
lização dos conteúdos (TEIXEIRA, 2003). Por isso, além da educação formal, o
desenvolvimento de atividades de ensino não formal, como a articulação com
extensão no espaço escolar, pode promover diferentes formas de trabalhar con-
ceitos, buscando maior integridade. De acordo com os Padrões Curriculares
Nacionais, os conhecimentos de importância universal podem ser trabalhados
em diferentes abordagens (BRASIL, 1998). A prática educativa, com enfoque na
saúde, é uma interface do conhecimento que nos permite estabelecer relações
mais íntegras, porque permite a mediação da interdisciplinaridade tanto em
questões do próprio conhecimento científico específico da área – no caso, higie-
ne pessoal – bem como a sua construção histórica, debatendo quais influências
atuaram nos cientistas e nas políticas públicas de saúde.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A garantia de projetos envolvendo o ambiente no qual o aluno vive é um


recurso essencial à cidadania. É importante que os alunos entrem em contato
direto com o que estão estudando, de forma que o ensino dos ambientes não
seja exclusivamente livresco (BRASIL, 1998). As primeiras aproximações com
os conteúdos obtidos pela demanda local auxiliam na formação do cidadão, pois
os alunos discutem entre si e compreendem o ambiente de forma a permear essa
relação com os conhecimentos adquiridos, a qual ressignifica a percepção dos
alunos sobre a realidade do mundo. Quanto mais próximos de uma visão realista
de mundo, maior é a preparação para o exercício da cidadania pensando numa
transformação social.
A promoção da saúde no âmbito escolar parte de uma visão integral e mul-
tidisciplinar do ser humano, que considera as pessoas em seu contexto familiar,
comunitário, social e ambiental. Assim, as ações de promoção em saúde visam
desenvolver conhecimentos, habilidades e promoção para o autocuidado da saú-
de (GOLDSCHMIDT; LORETO, 2012).
As atividades intervencionistas aqui elencadas e descritas foram alocadas
no intuito de serem apropriadas, transformadas e inseridas no contexto escolar,
pois acreditamos ser imprescindível a discussão e construção conjunta de práticas
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
248

de Educação em Saúde na escola. Entendemos ser imprescindível que alunos e


professores conjuntamente promovam mudanças comportamentais/atitudinais
na escola, expressada na transformação dos hábitos e práticas sejam de higiene,
alimentação saudável, atividade física ou outras que visem compreender os fa-
tores que afetam a saúde individual e coletiva.

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Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 11, n. 2, p. 455-470, 2012.
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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
249

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universitária e iniciação à extensão universitária. 2018. Disponível em: https://www2.
unesp.br/portal#!/proex/projetos-de-extensao/manual-dinamico. Acesso em: 12 nov. 2019.
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Organization (WHO). Diarrhoea: why children are still dying and what can be done.
Nova Iorque: Genebra: WHO, 2009. 60 p.
15 POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA O
CONTROLE E PREVENÇÃO DAS DOENÇAS
NEGLIGENCIADAS NO PROGRAMA SAÚDE NA
ESCOLA (PSE): PANORAMA E INOVAÇÕES POR
MEIO DA CIENCIARTE

Sheila Soares de Assis1


Marcelo de Oliveira Mendes2
Juranir Badaró3
Tania Cremonini de Araújo-Jorge4

1 INTRODUÇÃO

Com cerca de um bilhão de pessoas no mundo acometidas pelas doenças


negligenciadas, seu controle e prevenção envolvem o desenvolvimento de es-
tratégias integradas, incluindo as propostas educativas (WHO, 2012). No Bra-
sil, o Programa Saúde na Escola (PSE) possui papel central neste cenário, visto
a sua estrutura que articula os campos da saúde e educação (BRASIL, 2011a).

1 Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde. Fundação Oswaldo Cruz –


Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ/IOC). Apoio financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).
2 Assistente técnico de gestão em saúde da Fundação Oswaldo Cruz. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Ensino em Biociências e Saúde.
3 Especialista em Ciência, Arte e Cultura na Saúde pelo Instituto Oswaldo Cruz.
4 Pesquisadora titular e chefe do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos (LITEB). Fundação
Oswaldo Cruz – Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ/IOC). Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
251

Embora haja avanços no campo teórico da Educação em Saúde, as práticas


ainda têm se mostrado ancoradas em uma perspectiva sanitarista na qual a preo-
cupação central é o repasse de informações, bem como a mudança de hábitos e
atitudes. Frente a isso, discutimos neste capítulo o espaço ocupado pela Educa-
ção em Saúde no cenário do PSE e o desenvolvimento de atividades práticas de
Educação em Saúde em torno do tema das doenças negligenciadas, envolvendo
a CienciArte como mote.

2 PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA (PSE) –


QUAL O LUGAR DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE?

A ideia da elaboração de políticas voltadas para a promoção da saúde da


população não é nova. Desde a Idade Média e o Período Renascentista, elas es-
tão presentes para controlar, exercendo a vigilância de surtos de doenças, por
exemplo, o estabelecimento de procedimentos de quarentena e o estabelecimento
de uma “polícia sanitária” (LEEUW, 2019). A Educação em Saúde, por sua vez,
surge neste contexto sendo utilizada com caráter instrumental para as políticas
sanitárias. A escola como instituição social não se furta a este modelo. No Brasil,
desde o século XIX e de forma mais acentuada no início do século XX, a escola é
percebida como espaço para ações médico-higienistas (ROCHA, 2000).
Criado através do decreto presidencial nº 6.286, em 5 de dezembro de 2007,
o Programa Saúde na Escola tem por objetivo contribuir para a formação integral
dos estudantes da rede pública, por meio de ações voltadas à prevenção, promo-
ção e atenção à saúde (BRASIL, 2007). O PSE possui objetivo amplo, inspirado
na perspectiva das Escolas Promotoras de Saúde, visando superar o modelo de
“saúde do escolar” em que se buscava um enfoque puramente biomédico e ainda
a perspectiva sanitarista de moldar comportamentos. No PSE, almeja-se a rea-
lização de ações subsidiadas por múltiplos olhares para a promoção da saúde.
Dentre os pilares do PSE, está a consolidação de alguns objetivos do Siste-
ma Único de Saúde (SUS) voltados para a universalização, equidade e integrali-
dade por meio de suas ações (BRASIL, 2014). Atualmente, o PSE atende a todo
o Ensino Básico, incluindo a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2013). Ao
todo, sete objetivos compõem o PSE: 1) Promover a cultura de paz, reforçando
a prevenção de agravos à saúde; 2) Articular ações associadas entre a escola e as
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
252

unidades básicas de saúde, assegurando o potencial multiplicador da comunidade


escolar; 3) Contribuir para a constituição de condições para a formação integral
dos educandos; 4) Contribuir para a formação de um sistema de atenção social;
5) Fortalecer o enfrentamento das vulnerabilidades no campo da saúde, que
põem em risco o pleno desenvolvimento escolar; 6) Promover a comunicação
entre escolas e unidades de saúde, assegurando a troca de informações sobre as
condições de saúde dos estudantes; 7) Fortalecer a participação comunitária nas
políticas de Educação Básica e Saúde, nos três níveis de governo (BRASIL, 2007).
No escopo dessa política pública, também se inserem três componentes que
envolvem: I) avaliação das condições de saúde; II) promoção da saúde e preven-
ção de agravos; e III) formação. As práticas de educação em saúde estão presen-
tes nos componentes II e III. As ações relacionadas às doenças negligenciadas
no âmbito do PSE foram indicadas no manual do programa de 2011 como parte
do componente I. Nele é traçada a linha de ação que as equipes de saúde devem
seguir, como a detecção precoce de agravos e até as atividades educativas junto
a alunos e à comunidade escolar (BRASIL, 2011b). Contudo, esse indicativo não
é permanente. A mesma recomendação não permaneceu nos anos consecutivos.
Já em 2017, a Portaria Interministerial 1.055, de 25 de abril de 2017 considerou
dentre as atividades “ações de combate [grifo nosso] ao mosquito Aedes aegyp-
ti (BRASIL, 2017, p. 4)”. Portanto, a inconstância quanto às recomendações de
abordagem das doenças negligenciadas e a prioridade que é estabelecida não
necessariamente abrangem os agravos presentes nos diferentes territórios.
Nesse sentido, é importante destacar que doenças como tuberculose, han-
seníase, doença de Chagas, leishmanioses, geohelmintoses e outras associadas às
condições de vulnerabilidade social estão presentes no Brasil e requerem ações
integradas, permanentes e compromissadas com a formação cidadã para o seu
controle, tal como estamos advogando desde o início deste texto. Além disso, é
emergente que as ações de controle destes agravos ocorram de forma alinhada
com um viés que supere o modelo sanitário que se apropria de termos militaris-
tas (como o termo grifado no parágrafo anterior) ainda presente nas práticas de
educação em saúde desenvolvidas no Brasil.
Ações de Educação em Saúde e Promoção da Saúde são expressões fre-
quentemente encontradas ao se visitar os documentos norteadores do PSE,
assim como o indicativo sobre a necessidade de articulação entre profissionais
da atenção básica e comunidade escolar. Entretanto, se perpetua a crença de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
253

que o conhecimento para a realização de atividades no espaço escolar e a ar-


ticulação entre diferentes setores é algo inato dos atores sociais que compõem
estes espaços. Reforçamos a necessidade de formação permanente (aquela que
ocorre em serviço e continuamente, não necessariamente em sistema formal
escolarizado) para os profissionais que integram o PSE, incluindo gestores.
Além disso, é necessária maior integração com centros de pesquisa a fim de
aprimorar e ampliar a perspectiva teórico-metodológica expressa nas ações de
Educação em Saúde desenvolvidas dentro das escolas e nas Unidades Básicas
de Saúde (UBS).
O PSE, em linhas gerais, caracteriza-se como um avanço dentre as políti-
cas históricas em que se direciona o tema da saúde dentro da escola. Todavia,
há desafios a serem superados. Suas ações, de modo geral, podem ser descritas
como híbridas, pois, ao mesmo tempo em que remetem a uma busca por ações
que visem uma abordagem mais ampla da saúde, fazendo menção ao território
e à integração entre dois ou mais setores, resguardam ainda uma maior preocu-
pação com a obtenção de indicadores epidemiológicos e de saúde. Na prática,
tal valorização resulta em um protagonismo para o alcance destes dados ao invés
da valorização de outros temas também pertinentes ao território. Portanto, são
priorizadas as ações de busca ativa de patologias ou de aferição da saúde física
em detrimento das ações educativas que deveriam ser desenvolvidas entre pro-
fissionais da saúde e educação. Essa perspectiva se alinha aos moldes da antiga
política de saúde do escolar, em que há valorização apenas dos aspectos bioló-
gicos e medicalização.

3 CIENCIARTE, CRIATIVIDADE E EDUCAÇÃO EM SAÚDE

A associação entre a Ciência e a Arte está presente desde o nascimento da


Filosofia no século VI a.C. até o nascimento do Positivismo no Século XIX (SIL-
VEIRA, 2018). Em todo mundo, a associação entre a Ciência e Arte tem ganhado
cada vez mais espaço. Nesse sentido, destaca Silveira (2018, p. 24-25):

Além do aprofundamento da relação entre arte e ciência em projetos de pes-


quisa em centros de referência e nas mais diferentes áreas acadêmicas, a relação
entre esses campos tem sido discutida e cada vez mais aplicada na educação. O
movimento STEM (acrônimo em inglês para science, technology, engineering
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
254

and mathematics) surgiu nos Estados Unidos na década de 1990 para identifi-
car qualquer ação ou prática educacional envolvendo as disciplinas de ciência,
tecnologia, engenharia e/ou matemática. Depois de alguns anos, pesquisadores
passam a advogar que a arte deveria ser integrada às demais áreas, dando origem
ao movimento STEM to STEAM. O principal argumento da educação STEAM
é promover uma educação sem barreiras entre as disciplinas, que promova a
criatividade e a inovação. A rede de educadores que abordam essa prática tem
gradativamente se espalhado pelo mundo.

No Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz/RJ), o Laboratório de Terapias, Ensino e


Bioprodutos (LITEB) possui a CienciArte dentre suas linhas de pesquisa. CienciArte
é um conceito adaptado pela equipe do LITEB que suscita exatamente a integração
entre os campos da Ciência e da Arte na perspectiva da transdisciplinaridade. Te-
mos um percurso de um pouco mais de 30 anos desenvolvendo atividades nesse
campo. As propostas realizadas no âmbito em associação entre a arte e a educação
científica permitem que o indivíduo amplie a compreensão do mundo por meio
características artísticas e outros processos investigativos (ARAÚJO-JORGE et al.,
2018). Nesse sentido, o Manifesto CienciArte reporta que um mundo visto somente
pelo prisma da Ciência possui uma compreensão incompleta, bem como aquele
observado somente com olhar da Arte. A associação entre os campos proporciona
um olhar holístico para o mundo, bem como os fenômenos que nos cercam pro-
porcionando o estímulo à criatividade (ROOT-BERNSTEIN et al., 2011).
Consequentemente, atividades pautadas na perspectiva da CienciArte atuam
como facilitadoras na construção de soluções inovadoras para problemas encon-
trados no território (GARZONI et al., 2019; ASSIS et al., 2019). Desse modo, o
campo se mostra promissor para abordagens no âmbito da educação em saúde
e educação popular, conforme tem experimentado o nosso grupo de pesquisa.
Discutimos a seguir duas dessas experiências desenvolvidas especialmente para a
abordagem das doenças negligenciadas junto aos profissionais de ensino e de saúde.
Na contemporaneidade, vários pesquisadores pelo mundo advogam em fa-
vor da associação entre Ciência e Arte. Exemplo disso é o casal Robert e Michelle
Root-Bernstein (2001), que sistematizaram 13 categorias cognitivas promotoras
de criatividade na arte ou na ciência: 1) observar; 2) evocar imagens; 3) abstrair;
4) reconhecer padrões; 5) formar padrões; 6) estabelecer analogias; 7) pensar com
o corpo; 8) ter empatia; 9) pensar de modo dimensional; 10) criar modelos; 11)
brincar; 12) transformar; e 13) sintetizar. No desenvolvimento de atividades de
CienciArte, espera-se que estas categorias estejam presentes.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
255

A Educação em Saúde em abordagem contemporânea deve englobar os


aspectos históricos e culturais dos diferentes indivíduos. Como resultante desse
processo, busca-se a interação de saberes dos sujeitos, autonomia de decisão, visão
multidimensional e controle social (REIS, 2006). A superação de uma aborda-
gem reducionista em relação à educação em saúde envolve a busca de estratégias
formativas diferenciadas, participativas, pautadas no diálogo, estimuladoras de
criatividade e criticidade. Portanto, a articulação entre a CienciArte e a Educação
em Saúde se constitui em um campo fecundo.

3.1 Oficinas articulando CienciArte e Educação em Saúde – abordagens


sobre as doenças negligenciadas
O estudo que apresentamos deriva da tese de doutorado desenvolvida e
defendida em 2017, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ensino em
Biociências e Saúde (PG EBS) do Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz (RJ). As ex-
periências das oficinas aqui discutidas para a abordagem das doenças negligen-
ciadas foram realizadas em julho de 2014 em duas edições (ASSIS, 2017).
As atividades foram desenvolvidas no Instituto Federal do Acre (IFAC).
No primeiro grupo participaram doutorandos do Instituto Oswaldo Cruz, gra-
duandos do IFAC que atuam no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
à Docência (PIBID), coordenadores do PIBID e professores do Ensino Básico
de escolas que estão inclusas nas ações do PIBID do IFAC. Todos os sujeitos en-
volvidos são dos municípios de Rio Branco, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul,
Acre. Já o segundo grupo contou com a participação de profissionais de saúde
(Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Endemias) e agentes de assistência
social do município de Rio Branco. Ao todo, 81 profissionais de saúde participa-
ram das atividades e 20 profissionais vinculados à educação.
Ao propor uma atividade educativa sobre o tema das doenças negligencia-
das, almejamos a superação do modelo vertical de transmissão de conhecimento
recorrente nas práticas pedagógicas. Para tal, empregamos a estratégia de oficina
dialógica que transcende as práticas pedagógicas tradicionais direcionadas no
campo da saúde (AFONSO, 2003). O emprego desta estratégia visou à criação
de um espaço de diálogo próprio para negociações e enfrentamento de conflitos,
uma vez que o contexto no qual as doenças negligenciadas estão inseridas envol-
ve uma série de sentimentos e está intimamente relacionado aos determinantes
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
256

sociais da saúde que são seus geradores e sustentadores. Portanto, as oficinas


dialógicas possuem o potencial de atuar nesse sentido, como facilitadoras no
processo (AMARAL e FONSECA, 2006).
As oficinas desenvolvidas utilizam quatro motes: comunicação, ciência, saú-
de e doenças negligenciadas. Elas partem da problematização de materiais jor-
nalísticos (vídeo) sobre doenças negligenciadas de importância local. A escolha
do uso de matérias televisionadas que abordassem o tema no contexto local em
que se realizava a oficina foi intencional. Preferencialmente, buscamos emissoras
que fizessem uma cobertura local.
As oficinas são compostas por cinco etapas: 1) apresentação; 2) dinâmica
de ambientação; 3) exposição das reportagens e roda de discussão; 4) produção
de recurso educativo (animação do tipo stop motion ou telejornal fictício; e 5)
avaliação da oficina (ASSIS, 2017; ASSIS et al., 2019; GARZONI et al., 2019).
As oficinas alinharam-se com as 13 categorias cognitivas conforme descritas na
sequência.
Etapa 1 (Categorias cognitivas envolvidas: observar, ter empatia e sintetizar.)
O mediador da oficina apresenta-se e, neste momento, deve indicar tam-
bém a motivação para a realização da oficina. Neste momento, o mediador deve
buscar conhecer também um pouco mais dos interesses e da atuação profissional
dos participantes da atividade.
Etapa 2 (Categorias cognitivas envolvidas: observar, evocar imagens, abs-
trair, estabelecer analogias, pensar com o corpo, ter empatia e brincar.)
Os participantes da oficina são, inicialmente, convidados a se reunirem e
escreverem duas características boas do trabalho em grupo e outras duas ruins.
Preparam assim placas de papel com as palavras escolhidas. Em seguida, o media-
dor da oficina dispõe as placas nas mesas, cadeiras e demais objetos que estejam
no espaço. Propõe-se que os participantes se agrupem em um extremo do local
onde estão e atravessem juntos, de mãos dadas, para o outro lado do ambiente. No
entanto, mesas e outros objetos do local aparecem como “obstáculos” ao percur-
so e cada “barreira” terá recebido uma placa preparada por eles próprios, com as
características boas e ruins apontadas anteriormente pelo grupo. As placas com
características boas devem ser recolhidas no percurso e aquelas que fazem men-
ção a coisas ruins devem ser abandonadas. Todos os integrantes precisam chegar
ao outro lado da sala juntos e ao mesmo tempo. Após a realização da atividade,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
257

em um clima de descontração, pode ser discutida com os participantes a fina-


lidade da atividade, pois terá sido vencida a dificuldade de trabalhar em grupo.
Etapa 3 (Categorias cognitivas envolvidas: observar, evocar imagens, abs-
trair, reconhecer padrões, ter empatia, pensar de modo dimensional e sintetizar.)
A roda de discussão é orientada por perguntas pré-estruturadas que são
apresentadas após a exibição de uma reportagem (inteira ou trecho). Os vídeos
escolhidos versam sobre doenças negligenciadas de destaque nas localidades em
que as oficinas foram realizadas. Através da roda de discussão, os participantes
expõem seu ponto de vista em relação aos determinantes sociais, contexto epi-
demiológico das doenças negligenciadas, papel exercido pela mídia e potencial
de colaboração para as estratégias educativas.
Etapa 4 (Categorias cognitivas envolvidas: observar, evocar imagens, abs-
trair, formar padrões, estabelecer analogias, pensar com o corpo, ter empatia,
pensar de modo dimensional, criar modelos, brincar, transformar e sintetizar.)
Os participantes da oficina preparam um roteiro sobre o tema ou a situa-
ção que retrataram. Duas estratégias são empregadas: produção de um telejornal
educativo e produção de animações do tipo stop motion. Ambas proporcionam a
reconstrução do cotidiano e a exposição das ideias que circundam a questão das
doenças negligenciadas. Tanto o telejornal quanto as animações são gravados, e
o material é posteriormente editado pela mediadora da oficina.
Etapa 5 (Categorias cognitivas envolvidas: observar, reconhecer padrões,
estabelecer analogias, ter empatia e sintetizar.)
A avaliação ocorre logo após a realização da oficina. Os participantes são
indagados sobre os pontos positivos da experiência e o que poderia melhorar
para as próximas edições da atividade. O momento é descontraído, e as falas são
voluntárias e se dão em um ambiente de conversa informal.
A produção dos recursos educativos telejornal e animações do tipo stop
motion caracterizaram-se como um momento ímpar no decorrer das oficinas,
visto que ambos consistem em recursos que abordam de forma crítica a realida-
de, alcançando, deste modo, uma das finalidades da Educação em Saúde. Além
disso, as estratégias desenvolvidas e empregadas junto aos profissionais da saúde
e educação atuaram como dispositivos estimuladores da cooperação e trabalho
grupal, pontos considerados nevrálgicos no âmbito do PSE.
Em uma perspectiva mais recente, o conceito de health literacy (alfabetização
em saúde) está em voga. Nesta linha, espera-se que os diferentes sujeitos sejam
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
258

capazes de acessar, entender e avaliar ações referentes à sua saúde (GUGGL-


BERGER, 2019). Nas oficinas que desenvolvemos, buscamos sempre um diálogo
fomentador da reflexão e não apenas a construção e compreensão de conceitos
científicos. Reportamos que, no atual momento, em nossa sociedade, em que
notícias falsas adquirem o status de dogmas, atividades como a que propomos
são essenciais para sensibilizar a população para a reflexão e a importância da
Ciência e da Arte para compreensão do contexto social.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caracterizado como um tema que intercruza a agenda de diferentes seto-


res, entre eles a educação e a saúde, as doenças negligenciadas são um problema
crítico, principalmente em regiões em desenvolvimento. Neste capítulo, discu-
timos a potencialidade do PSE para a abordagem das doenças negligenciadas,
assim como as convergências entre a Educação em Saúde e a CienciArte. Aliás,
o desenvolvimento de uma proposta que conciliasse a Educação em Saúde e
CienciArte se mostrou bem-sucedida, pois foi capaz de proporcionar a com-
preensão da saúde e da doença como algo mais amplo que o aspecto biológico
e promoveu a cooperação entre os sujeitos participantes das atividades.
É importante ressaltar que nossa intenção em momento algum foi de forne-
cer um passo a passo metodológico fechado e tampouco esgotar as possibilidades
e desafios em torno da associação entre a educação em saúde e a CienciArte. Pela
nossa experiência, a atividade pode ser replicada em espaços diversificados, com
outros sujeitos sociais e é possível a realização com outros temas de interesse. Re-
forçamos a necessidade de desenvolvimento de propostas horizontalizadas que pro-
piciam a troca de experiências, fortalecem a criticidade e o exercício da cidadania.

REFERÊNCIAS

AFONSO, M. L. M. Oficinas e dinâmicas de grupo na área da saúde. Belo Horizonte:


Campo Social, 2003.
AMARAL, M. A.; FONSECA, R. M. Entre o desejo e o medo: as representações sociais
das adolescentes acerca da iniciação sexual. Revista da Escola de Enfermagem da
USP, São Paulo, v. 40, n. 4, 2006.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
259

ARAÚJO-JORGE, T. C. et al. CienciArte © no Instituto Oswaldo Cruz: 30 anos de


experiências na construção de um conceito interdisciplinar. Ciência e Cultura, v. 70,
n. 2, 2018.
ASSIS, S. S. Programa Saúde na Escola (PSE): contribuições para a integração de
estratégias envolvendo as doenças negligenciadas e o Plano Brasil sem Miséria. 2017.
229f. Tese (doutorado em Ensino em Biociências e Saúde). Instituto Oswaldo Cruz,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017.
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Passo a passo PSE: Programa Saúde na Escola: tecendo caminhos da
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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
260

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M. F.; REIS, D. C.; MARQUES, R. C. Educação em saúde: teoria, método e
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SILVEIRA, J. R. A. Arte e ciência: uma reconexão entre as áreas. Ciência e Cultura,
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WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Sustaining the drive to overcome
the global impact of neglected tropical diseases: second WHO report on neglected
diseases. Geneva: WHO Publication, 2012.
16 ABORDAGENS DE SAÚDE EM UMA
COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS:
UM OLHAR PARA AS IMAGENS

Karine Rudek1
Erica do Espirito Santo Hermel2

1 INTRODUÇÃO

Na década de 1970, as questões sociais ganham relevância, e discussões


sobre o processo saúde/doença são evidenciadas, marcando um novo momento
histórico para o país (OLIVEIRA, 1996). De acordo com a autora, nesse perío-
do “o conceito de saúde ampliava a visão dos profissionais de saúde e estimulava
uma nova postura – a postura educativa – devendo ser contribuição marcante
no avanço das ações de atenção primária em saúde” (OLIVEIRA, 1996, p. 80). A
Educação em Saúde incorporou-se ao currículo escolar brasileiro com a Lei n°
5.692/71 (BRASIL, 1971), que tornou obrigatório o ensino de saúde na Escola
Básica, visando ao desenvolvimento de ações educativas nas discussões em sala
de aula através de hábitos e comportamentos de vida saudáveis nos educandos,
como a alimentação saudável, dentre outras.
Compreendemos a necessidade de discutir saúde em uma abordagem mais
dinâmica e inclusiva, em que ações individuais e coletivas sejam permanentes,

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Universidade Federal da Fronteira Sul –


Campus Cerro Largo.
2 Doutora em Ciências Biológicas: Neurociências, pela UFRGS. Docente no Programa de Pós-Graduação em Ensi-
no de Ciências da Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro Largo.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
262

e a saúde não se restrinja somente à existência ou não da doença. A partir do


início da década de 1980, a ideia de promoção da saúde começa a relacionar-
-se mais com autonomia e emancipação do que com as abordagens simplistas
e prevencionistas (BRASIL, 1997). Pesquisas realizadas (MOHR, 1994; MON-
TEIRO; GOUW; BIZZO, 2009; MARTINS, 2011; MARTINS, 2017) abordam
a necessidade de mudanças no currículo escolar em busca da superação do
modelo biomédico de saúde, por atitudes em prol da promoção da saúde indi-
vidual e coletiva através de abordagens mais críticas de saúde.
Dessa maneira, torna-se importante investigar o livro didático (LD), uma vez
que ele é um instrumento ainda muito utilizado nas salas de aulas, constituindo-
-se o mais importante material impresso que circula no universo escolar, o qual
exerce grande influência na formação dos alunos, bem como na prática docente
(PRALON, 2019). Neste capítulo, buscamos apresentar algumas discussões sobre
a promoção da saúde em LD de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental,
a partir das imagens presentes nos LD, pensando que elas representam diferentes
abordagens de saúde e, assim, destacar na abordagem socioecológica a presença
de perspectivas mais significativas de saúde. Como consequência, esperamos que
as abordagens de saúde estejam comprometidas com essa perspectiva e estabele-
çam ações voltadas tanto para o indivíduo quanto para coletivo e que ponderem
para a melhoria da sua qualidade de vida.

2 ABORDAGENS DE SAÚDE NAS IMAGENS DOS


LIVROS DIDÁTICOS

Pesquisas realizadas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), os


Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental (1998), o Plano Nacional de Educação (2014-2024),
o Programa Saúde na Escola (2007) e com a nova Base Nacional Comum Curri-
cular (2017) evidenciam a Educação em Saúde baseada em uma abordagem de
saúde ampliada. Ao mesmo tempo, investigações realizadas em LD (MARTINS,
2011; 2017) destacam as abordagens biomédica, comportamental e socioecológica
de saúde presentes em coleções didáticas de Ciências e Biologia. Essas pesquisas
apontam que o conceito de saúde tem sido historicamente marcado pela predo-
minância da visão biomédica, compreendendo saúde como ausência de doença.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
263

Nesta abordagem, a saúde é discutida em oposição à doença, o tratamento e a


cura do corpo são privilegiados, e as influências sobre a saúde, oriundas de níveis
mais elevados do que o biológico, como os níveis social, cultural e psicológico,
são negligenciadas (MARTINS, 2017).
A abordagem comportamental define a saúde como resultado das escolhas
individuais de vida do sujeito. Nesta abordagem, priorizam-se hábitos e com-
portamentos de vida, entendendo-se o controle e a prevenção de doenças como
uma consequência das ações. A saúde, nessa perspectiva, está interligada com
as ações individuais de cada um, sendo de responsabilidade do sujeito o seu es-
tado de saúde. Destacamos que a abordagem comportamental se relaciona com
a biomédica visando à prevenção de doenças (CASTIEL, 2004).
A abordagem socioecológica, por sua vez, defende a saúde como um con-
junto de ações coletivas, considerando-se saúde o bem-estar biopsicossocial e
ecológico. Visa à implantação de ações que possam integrar aspectos políticos,
econômicos, sociais, culturais, e ambientais de uma sociedade, visando à pro-
moção da saúde (MARTINS, 2017). É preciso, nesse sentido,

[...] compreender os problemas ambientais de modo integrado aos problemas


sociais, bem como aos demais fatores que podem definir o processo saúde-
-doença. Ademais, em nossa perspectiva, o termo socioecológica reforça o
papel ativo do indivíduo no processo de transformação/mudança social [...]
(MARTINS, 2017, p. 38).

Ressaltando a necessidade de compreender como as abordagens de saúde


circulam pelo contexto escolar, fica visível a importância de novas pesquisas sobre
a temática Educação em Saúde. Pensando nas diversas linguagens trazidas pelas
obras didáticas, como textos, imagens, tabelas, entre outras, consideramos im-
portante neste capítulo analisar as imagens e suas legendas relacionadas à saúde.
No que diz respeito às imagens, o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) orienta que as ilustrações tenham “[...] referência explícita ao conteú-
do textual” (BRASIL, 2017b, p. 26), ou seja, que venham colaborando para o
entendimento do conteúdo. Dessa forma, restringe a possibilidade de que no
LD a imagem desempenhe a função substitutiva, pois para isso ela precisaria
ser usada sem complementar ou ser complementada pelo texto verbal. Calado
(1994) discute ainda sobre a função de complemento das imagens, em que a
imagem traz novos aspectos, casos e exemplos, acrescentando novas informações
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
264

aos conhecimentos apresentados e que, na maioria das vezes, as imagens são


utilizadas com a função representativa, ou seja, elas reforçam informações
transmitidas pelo texto verbal.
Os LD têm se tornado cada vez mais ilustrados. As imagens são utilizadas
para comunicar-se com os leitores, colaborando na construção do conhecimen-
to, sendo intencional para chamar a atenção do leitor, porém o uso excessivo das
ilustrações pode representar que o autor quer suprir a ausência de textos (PE-
RALES; JIMÉNEZ, 2002).

3 CAMINHOS PERCORRIDOS

Nesta seção, apresentamos uma pesquisa qualitativa, do tipo documental


(LUDKE; ANDRÉ, 2001), em que foram analisadas as imagens sobre saúde em
uma coleção de LDs de Ciências recomendada pelo PNLD 2017. A coleção é
composta de quatro livros, destinados aos anos finais do Ensino Fundamental
(6° ao 9° ano), identificados como L1, L2, L3 e L4:
– L1 – CARNEVALLE, M, R. Projeto Araribá 6° ano: Ciências. 4. ed. São
Paulo: Moderna, 2014.
– L2 – CARNEVALLE, M, R. Projeto Araribá 7° ano: Ciências. 4. ed. São
Paulo: Moderna, 2014.
– L3 – CARNEVALLE, M, R. Projeto Araribá 8° ano: Ciências. 4. ed. São
Paulo: Moderna, 2014.
– L4 – CARNEVALLE, M, R. Projeto Araribá 9° ano: Ciências. 4. ed. São
Paulo: Moderna, 2014.

A escolha dessa coleção se justifica por ter sido aprovada no PNLD e apre-
sentar-se no balanço estatístico de livros como uma das coleções mais distribuídas
e escolhidas nacionalmente pelos professores para efetivo uso em sala de aula no
triênio 2017/2018/2019 (BRASIL – FNDE, 2017). De acordo com dados dispo-
nibilizados publicamente no Portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), foram distribuídos em todo o Brasil 10.234.801 livros de 13
diferentes coleções didáticas de Ciências. Na coleção escolhida, foram analisadas
as imagens, a fim de identificar as abordagens de Educação em Saúde: biomédica,
comportamental e socioecológica de saúde (MARTINS, 2011).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
265

A análise dos livros foi desenvolvida em duas etapas: exploração do material


com levantamento da visualidade dos livros e análise do conjunto das imagens
e legendas de saúde. Na primeira etapa da análise, foram analisados os quatro
livros que compõem a coleção selecionada. Para a contagem das imagens, es-
tabeleceu-se como critério para definir o que é uma imagem, quando ela apre-
senta uma legenda relacionada ou ainda um conjunto de imagens com legenda
única. Consideramos as unidades fotográficas e os desenhos que apresentavam
um enunciado ligado a ela. Não foram contabilizados mapas, gráficos e imagens
do sumário.
A primeira atividade consistiu em contabilizar as imagens presentes em cada
livro, relacionando a quantidade total de imagens com o número de imagens que
abordam a temática saúde. A coleção analisada possui os conteúdos organizados
em unidades e subdivididos em temas, contendo 889 imagens, sendo 33 sobre saú-
de. A análise das imagens de saúde envolveu dois processos: a quantidade de ima-
gens ao todo e as abordagens em saúde percebidas na imagem e no texto referente
à imagem do livro. No L1, num total de 233 páginas, há 207 imagens, das quais
12 são de saúde; no L2, com 248 páginas, há 287 imagens, com apenas oito (8) da
saúde; no L3, com 224 páginas, há 174 imagens, com 10 da saúde; no L4, num to-
tal de 246 páginas, constam 221 imagens, das quais somente três (3) são da saúde.
Consideramos como imagens relacionadas à Educação em Saúde aquelas
que remetem aspectos relacionados à saúde. Por exemplo, quando o texto no
qual as imagens estavam inseridas continha uma relação direta, usando termos
associados, como doença, enfermidade, medicamentos, qualidade de vida, saúde,
prevenção e promoção da saúde, condições de vida, entre outros. Desse modo,
procuramos identificar nas imagens aspectos que direcionassem seu foco para a
abordagem biomédica, quando se relaciona às questões biológicas e fisiológicas;
para uma abordagem comportamental, quando se investigam as ações indivi-
duais que promovem saúde e bem-estar; e para uma abordagem socioecológica,
quando os determinantes de saúde geram condições de risco.
Em relação à categorização das imagens que abordam em seu contexto a
temática saúde, das 33 imagens encontradas, nove foram biomédicas, dezesseis
comportamentais e oito socioecológicas (Tabela 1). Em relação ao predomínio das
imagens com abordagem comportamental, elas revelam o estímulo à adoção de
práticas saudáveis, como praticar atividades físicas e adotar hábitos de alimentares
saudáveis, que nos bombardeiam por todos os lados nas mais diferentes mídias.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
266

Tabela 1: Abordagens de saúde nas imagens analisadas

Livro Número de Imagens de Biomédica Comportamental Socioecológica


páginas Saúde
L1 223 12 5 4 3
L2 248 8 4 2 2
L3 224 10 - 10 -
L4 246 3 - - 3
Fonte: Elaborada pelas autoras (2019).

Incorporando diferentes abordagens e enriquecendo a discussão sobre as


doenças, os LD poderiam contribuir de forma mais significativa para a formação
de sujeitos críticos e conscientes quanto aos estilos de vida adotados. Pensando
na qualidade de vida e na promoção da saúde, é preciso fazer com que os alunos
percebam a importância de suas escolhas de vida como sendo agentes promo-
tores da sua saúde. Nesse sentido, a Educação em Saúde, segundo Carvalho e
Jourdan (2014, p. 102),

[...] deve proporcionar aos alunos a aquisição de conhecimentos que lhes per-
mitem atuarem como cidadãos livres e responsáveis no campo da saúde. Isto
implica serem capazes de compreender não só o impacto dos determinantes
de saúde, mas também a necessidade de mudarem para estilos de vida mais
saudáveis e criarem melhores condições de vida, a fim de melhorar a sua saúde
pessoal e comunitária.

A Figura 1 traz o exemplo de uma abordagem biomédica, em que, de acor-


do com nossos parâmetros teórico/analíticos, os elementos icônicos presentes
evidenciam aspectos de transmissão da doença de Chagas, caracterizando uma
ênfase Biomédica em sua abordagem de saúde.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
267

Figura 1: Ilustração característica da abordagem biomédica

Fonte: Projeto Araribá – Ciências 7° ano (L2, p. 81).

A abordagem biomédica, representada na imagem da Figura 1, evidencia


o processo de transmissão da Doença de Chagas. Destacamos que ela pode ser
mais bem explorada, não apenas destacando o agente patológico, mas as ações
individuais e coletivas para evitar-se a contaminação, adotando a abordagem
comportamental e socioecológica e não apenas biomédica.
A abordagem comportamental foi a única abordagem evidenciada em L3
(Figura 2), também presente em L1 e L2 e ausente em La4. Nessa abordagem, é
possível relacionar ações provenientes de escolhas individuais, adoções de há-
bitos e comportamentos de vida. Ela se interessa principalmente em alterar os
padrões individuais de exposição ao risco, por meio das chamadas “mudanças
comportamentais” (CASTIEL, 2004). Em L1 e L2, foi possível destacar algumas
ilustrações relacionadas à abordagem comportamental; no L4 não encontramos
esta abordagem.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
268

Figura 2: Imagem representativa da saúde com enfoque na abordagem comportamental

Fonte: Projeto Araribá – Ciências 8° ano (L3, p. 87).

Na Figura 2, a abordagem comportamental é demonstrada pelas escolhas de


hábitos alimentares inadequados para obtenção da saúde, o consumo de doces
e industrializados. A legenda proposta evidencia a relação dos hábitos alimen-
tares inadequados, obesidade e sedentarismo como sendo considerados fatores
relevantes para o aumento de crianças e adolescentes com obesidade e como
consequência a hipertensão.
Ao ilustrar os conteúdos referentes à saúde, a abordagem socioecológica
predominou na obra L4, ainda que de forma muito singela, com apenas três
ilustrações características.

Figura 3: Ilustração da escovação dentária, em uma perspectiva socioecológica

Fonte: Projeto Araribá – Ciências 9° ano (L4, p. 84).


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
269

A abordagem socioecológica foi enfatizada em meio ao conteúdo de sais e


óxidos, promovendo uma reflexão sobre um hábito de vida saudável, mostrando
aos alunos que a maioria dos cremes dentais apresenta caráter básico, que ajuda
a neutralizar a acidez produzida pelos alimentos, contribuindo para a formação
de cáries. Nesse contexto, a ilustração enfatiza o predominante das ações indi-
viduais e coletivas de saúde, mediante a compreensão de saúde relacionada ao
bem-estar e aos hábitos saudáveis.
Em L1, foi encontrada uma imagem (Figura 4) que enfoca a saúde a partir
de intervenções coletivas, fruto de ações políticas capazes de atuar na promoção
da saúde: a criação de ciclovias como alternativa de mobilidade dentro da cida-
de e como proposta para redução de gases poluentes no ar, poluição que pode
provocar perda da capacidade pulmonar e doenças características do câncer.

Figura 4: Imagem da abordagem socioecológica de saúde

Fonte: Projeto Araribá – Ciências 6° ano (L1, p. 163).

A imagem que constitui a Figura 4 remete a indicativos do papel dos órgãos


governamentais na promoção da saúde. Evidencia a relação de ações saudáveis
individuais e coletivas em conjunto de ações que visam integrar aspectos políti-
cos, econômicos, sociais, culturais e ambientais visando à promoção da saúde.
Ramos e Stein (2000) destacam que a promoção da saúde depende também da
comunidade escolar, sendo a Educação em Saúde uma das principais vias para
fortalecer atitudes que melhorem as condições de saúde e vida.
Toda imagem é produzida por alguém com algum objetivo para outro
alguém. A escolha das imagens e seus aspectos em meio ao livro não é apenas
para ilustração e sim intencional. Macedo (2004, p. 107), ao discutir sobre as
imagens apresentadas pelos LDs, afirma que “[...] ao apresentarem suas imagens
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
270

utilizam consciente ou inconscientemente, uma estrutura narrativa determinada


que localiza o espectador na posição da qual a imagem deve ser vista”.
Entendendo que as imagens também são capazes de transmitir mensagens
e conceitos, consideramos que elas desempenham papel importante na forma-
ção de sujeitos críticos. Não somente os textos merecem cuidado nos LD, mas o
conteúdo visual necessita estar a favor do aprendizado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da coleção nos permitiu categorizar as imagens de acordo com


as abordagens biomédica, comportamental e socioecológica, sendo que a com-
portamental foi a mais evidenciada no presente capítulo. Essas investigações são
relevantes, pois apontam para a urgência da ampliação de abordagens mais crí-
ticas de saúde em todo o contexto. Além disso, salienta-se que são necessárias
mais discussões envolvendo a Educação em Saúde nos LD, pois o estudo aqui
apresentado retratou a deficiência de tais abordagens, analisando em sua singu-
laridade as imagens.
Ressaltamos que não procuramos classificar a coleção, mas colaborar com
discussões possíveis na reformulação dos novos LD, bem como propiciar reflexões
sobre a temática saúde abordada a partir das imagens nesta coleção. O estudo
apresentado neste capítulo amplia, portanto, a visão para novas investigações, a
fim de verificar se os textos presentes em meio às obras didáticas condizem com
as abordagens de saúde representadas nas imagens.

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Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
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17 OITAVO ANATOMY: SÉRIES MÉDICAS
E O ENSINO POR INVESTIGAÇÃO NAS
AULAS DE CIÊNCIAS

Bruna Larissa Ramalho Diniz1


Ana Carolina Biscalquini Talamoni2

1 INTRODUÇÃO

Quando convidadas a participar deste livro e traçar uma escrita sobre o


tema Educação em Saúde na Escola, na qualidade de professoras de Ciências
e Biologia, optamos pela descrição de uma experiência didático-pedagógica
denominada “Oitavo Anatomy”. Objetiva-se que, com o presente capítulo,
seja possível contribuir para a área de formação de professores no sentido de
instrumentalizá-los para a abordagem investigativa no ensino da Anatomia,
Fisiologia e Educação em Saúde (ES) nas aulas de Ciências.
A atividade docente é complexa por definição, uma vez que concilia esferas
múltiplas como as pedagógicas, afetivas, administrativas, conceituais e epistemoló-
gicas (SASSERON, 2011). Os professores de Ciências, por sua vez, lidam tanto com
as especificidades dos conteúdos biológicos quanto com a diversidade de alunos que
trazem para a escola vivências, saberes e interesses, que são, muitas vezes, distintos
daqueles propostos pelo currículo escolar. Assim, direcionar esses interesses para o

1 Mestra em Ensino de Ciências e Matemática, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação para a


Ciência – UNESP/Bauru e professora colaboradora do Departamento de Biologia da Universidade Estadual do
Norte do Paraná – Campus Luiz Meneghel.
2 Doutora em Ensino de Ciências, professora assistente do Instituto de Biociências do Campus Litoral Paulista –
UNESP/São Vicente e docente credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Facul-
dade de Ciências da UNESP/Bauru.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
274

que se pretende trabalhar nas aulas de Ciências torna-se uma tarefa bastante com-
plexa, uma vez que há uma lacuna entre os conteúdos programáticos das disciplinas
escolares e a importância e ou significado deles atribuídos pelos próprios alunos.
No que tange ao ensino e à aprendizagem do corpo humano em suas perspec-
tivas anatômicas e fisiológicas, destaca-se o distanciamento imposto pelas próprias
áreas disciplinares na contextualização do conteúdo (TALAMONI; BERTOLLI
FILHO, 2011). Historicamente, isto tem dificultado a compreensão e apropriação,
pelos alunos, de conhecimentos que deveriam integrar-se em benefício de um co-
nhecimento sistêmico que efetivamente pudesse contribuir para o reconhecimento
do próprio corpo e, consequentemente, ao desenvolvimento de práticas de auto-
cuidado, em prol da saúde e qualidade de vida (TALAMONI; CALDEIRA, 2017).
A ideia do projeto “Oitavo Anatomy” surgiu do interesse de alunos do oitavo
ano a respeito da série médica americana Grey’s Anatomy. Segundo os estudantes,
o seriado era “sensacional”, e eles gostariam de saber mais a respeito das doen-
ças abordadas nos episódios, o que poderia acontecer nas aulas de Ciências. A
série americana, uma das séries médicas mais longas da história da TV, aborda
a rotina profissional de médicos e residentes do fictício hospital cirúrgico Seattle
Grace – mais tarde Hospital Memorial Grey-Sloan. Esse hospital, na série, apre-
senta um dos programas de residência em cirurgia médica mais rígidos do país.
Após reflexão a respeito dos objetivos da disciplina de Ciências e o que ela
representava para os próprios alunos, optou-se pelo uso de trechos da série em
algumas das aulas destinadas a trabalhar a ES, a fim de torná-las mais atrativas
e significativas. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
o papel da disciplina de Ciências é o de colaborar para que os alunos possam
compreender o mundo e suas transformações, bem como reconhecer-se como
parte do Universo (BRASIL, 1996).
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz em seu texto competên-
cias esperadas para a área de Ciências da Natureza. Entre elas, está a de conhecer,
apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo-se na diversi-
dade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro, recorrendo aos conhe-
cimentos das Ciências da Natureza e às suas tecnologias (BRASIL, 2017). Dessa
forma, o estudo do corpo humano como uma unidade funcional pode colaborar
para o desenvolvimento da integridade pessoal e da autoestima, da postura de
respeito com seu próprio corpo e também com os outros e para o entendimen-
to da saúde como um valor pessoal e social. Todavia, como supramencionado,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
275

o corpo humano é geralmente trabalhado nas aulas de Ciências de forma frag-


mentada, seguindo esquemas, sistemas e compartimentos nos quais cada órgão
é classificado segundo sua função. E essa organização pedagógica pode dificultar
a compreensão do aluno a respeito do corpo como um todo e como um único
organismo que, para funcionar, necessita da integração de todos os seus órgãos e
sistemas (RABELLO, 1994; DAMASCENO 2018). Assim, o processo de ensino-
-aprendizagem da Anatomia e Fisiologia do corpo humano se apresenta complexo
e difícil, uma vez que a memorização das estruturas e dos processos fisiológicos
torna as aulas de Ciências monótonas e desestimulantes para a maioria dos es-
tudantes (RAMOS et al., 2008).
É importante considerar ainda que, segundo Alencar et al. (2008), não conhe-
cer o corpo humano influencia em questões cotidianas na vida dos jovens, uma vez
que a compreensão da Anatomia e Fisiologia humana auxilia na aceitabilidade do
indivíduo diante das mudanças do corpo durante a puberdade. Além disso, esse
desconhecimento é considerado uma vulnerabilidade social (VALLINOTO et al.,
2004) que pode estar associada à gravidez precoce, ao aumento dos índices de In-
fecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e ao abuso de drogas. Nesse contexto,
ensinar Ciências torna-se um desafio que requer dos professores uma reflexão acerca
de suas estratégias de ensino, que devem ser diversificadas, a fim de contribuir para
a construção do conhecimento científico e do senso crítico dos sujeitos envolvidos
no processo de ensino-aprendizagem (PAGEL; CAMPOS; BATITUCCI, 2015).
O uso de diferentes estratégias de ensino em sala de aula pode promover
atitudes reflexivas por parte dos estudantes, conforme o professor lhes oferece
a oportunidade de participação e vivência em diferentes experiências, nas quais
possam atuar tomando decisões, fazendo julgamentos e construindo conclusões
de forma autônoma, significativa e libertadora (BENETTI; CARVALHO, 2002;
FREIRE, 2006). Antes de relatar o trabalho realizado no projeto “Oitavo Ana-
tomy”, importantes considerações precisam ser realizadas a respeito dos funda-
mentos teóricos que o sustentaram.

2 O ENSINO POR INVESTIGAÇÃO NAS AULAS DE CIÊNCIAS

O ensino por investigação é, segundo Carvalho (2011), uma abordagem di-


dática que privilegia a problematização e proporciona aos alunos oportunidades
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
276

para olharem os problemas do mundo de forma consciente e racional e, assim,


elaborar estratégias e planos de ação que possam ser executados para além do
contexto escolar. Segundo Sasseron e Carvalho (2011), é essencial o desenvol-
vimento de atividades em sala de aula que possibilitem a argumentação entre
alunos e professores em momentos de investigação. Interações desta natureza
permitem aos alunos levantar hipóteses, criar argumentos para defendê-las
e reunir fatos que levem à explicação do fenômeno que está sendo estudado.
Com relação às características das atividades investigativas, Sá et al. (2007, p.
11) esclarecem:

O que distingue uma atividade investigativa das outras é um conjunto de


características e circunstancias que contribuem para que o aluno inicie uma
atividade dotada de motivações, inquietações e demandas que vão acabar
por conduzi-lo a construção de novos saberes, valores e atitudes. Não há um
conjunto de característica intrínsecas capazes de definir, a priori, um caráter
investigativo a uma dada atividade. Todavia, existem características e cir-
cunstâncias propícias [...]

Considerando o entendimento dos autores citados, é importante desta-


car que não há um único modo de realizar atividades investigativas, sendo que
elas podem ser mais ou menos direcionadas pelo professor dependendo do co-
nhecimento que os alunos possuem ou dos objetivos pedagógicos propostos.
Portanto, abordar ciências por meio do ensino por investigação requer atenção
em diferentes momentos didáticos. Para Carvalho (2011), quatro principais
etapas fundamentam propostas investigativas na sala de aula: o problema para
a construção do conhecimento; a passagem da ação manipulativa para a ação
intelectual na resolução do problema; a tomada de consciência; e a construção
das explicações.
A passagem da ação manipulativa para a ação intelectual na resolução do
problema é importante para a compreensão dos fenômenos, já que considera
aspectos que não podem ser vistos e manipulados em uma dada situação, o que
colabora para a construção abstrata de pensamento. A tomada de consciência
não acontece espontaneamente. Todavia, ela permite a reorganização mental de
ideias trabalhadas, novas informações e conhecimentos anteriores, sendo essen-
cial para perceber quais variáveis são importantes para um problema. A etapa
de construção de explicações decorre das etapas anteriores e caracteriza-se por
ser um momento em que o fenômeno estudado pode ser compreendido a partir
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
277

de relações construídas entre as variáveis analisadas e, portanto, deixa de estar


vinculado a ações específicas de um indivíduo. Nessa fase, surge a necessidade
de nomear os fenômenos, na associação entre o que se construiu e o conceito
científico associado a ele (CARVALHO, 2011).
O professor tem um importante papel no ensino por investigação e, de acor-
do com Sasseron (2011), esta prática o torna inovador, uma vez que, em sala de
aula, ele deve criar condições para que os alunos possam pensar. Deve levar em
conta a estrutura do conhecimento, falar, evidenciando seus argumentos e co-
nhecimentos construídos, ler, entendendo criticamente o conteúdo e escrever,
mostrando autoria e clareza nas ideias expostas (CARVALHO, 2018).
Assim, concorda-se com Brito e Fireman (2018), os quais, baseados nos
estudos de Carvalho et al. (1998), consideram que a introdução do ensino por
investigação nas aulas de ciências implica trabalhar os conteúdos científicos em
forma de problemas que considerem procedimentos, como testes de hipóteses,
controle de variáveis, observação de evidências, sistematização e socialização
de resultados. Tais procedimentos tornam o conteúdo mais atrativo ao passo
que permitem ao aluno aprender por meio das suas próprias ações criativas,
habilitando-os a lidar de maneira crítica e reflexiva, com diversas situações
cotidianas.

3 SÉRIES MÉDICAS COMO INSTRUMENTO


PEDAGÓGICO NAS AULAS DE CIÊNCIAS

Nas últimas décadas, não tem sido possível falar em educação sem ao me-
nos citar o uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) na valoriza-
ção e na melhoria do processo de ensino-aprendizagem (FEITOSA, 2011). Esta
inserção tem sido demandada pelas práticas pedagógicas no Brasil, sobretudo
"[...] a partir da década de 1990, quando as tecnologias passaram a ser empre-
gadas para além dos setores produtivos, aos de consumo e lazer" (TALAMONI;
SISDELI, 2017, p. 12).
De acordo com Costa (2002), a televisão (TV) é considerada o mais po-
deroso artefato midiático da segunda metade do século XX, pois permitiu o
acesso a populações mais carentes e geograficamente distantes. Ela apresen-
tou uma rede diversificada de programas com finalidade educativa e de lazer,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
278

destacando-se, entre outros, os programas educativos, jornalísticos e de audi-


tório, as novelas, os filmes, as séries e os documentários, voltados para todas as
idades, preferências e culturas. Assim, quando usada de maneira apropriada,
pode constituir-se como um recurso pedagógico atraente, motivador e estimu-
lante para aproximar o assunto abordado nos livros didáticos do cotidiano dos
alunos (MARCELINO et al., 2004).
Para Arroio e Giordan (2007), a linguagem audiovisual de filmes e séries,
por exemplo, apresenta-se como um recurso facilitador na construção de co-
nhecimentos científicos, uma vez que possibilita aos alunos um maior desenvol-
vimento da sensibilidade e da percepção do meio. Além disso, o uso de mate-
riais audiovisuais como recurso pedagógico possibilita ao professor ir além das
palavras, explorando também o universo das imagens, que são esteticamente
atraentes e, por isso, facilitam a compreensão acerca do que está sendo estudado
(MANDARINO, 2002).
De acordo com Setton (2004), os filmes, por serem instrumentos comuns
do nosso cotidiano, possibilitam que professores e alunos possam refletir sobre
condições de vida e processos de construção da realidade, bem como estimu-
lam a manipulação e reelaboração do conhecimento formal e informal sobre o
mundo. O mesmo se aplica às séries, que, atualmente, são recursos tecnológicos
cotidianos na vida da maioria dos alunos.
A série médica Grey’s Anatomy, original da rede americana ABC, retrata,
desde sua estreia, em 27 de março de 2005, os dramas da protagonista Meredith
Grey e de seus colegas residentes, inicialmente internos de cirurgia do fictício
Hospital Seattle Grace – mais tarde Hospital Memorial Grey-Sloan (WIKIPÉ-
DIA, 2019). Em 2019, a série estava em sua 16ª temporada e, durante mais de
quize anos, ganhou uma legião de fãs pelo mundo, enquanto retratava diversos
casos médicos complexos e curiosos. No Brasil, Grey’s Anatomy é exibida no ca-
nal pago Sony Entertainment Television e na provedora global de filmes e séries
de televisão Netflix, sendo bastante popular, inclusive entre adolescentes e jo-
vens. Assim, uma vez que fantasias e ficções apresentam de uma forma não ar-
gumentativa, mas figurativa, as possibilidades e os desdobramentos da ciência,
o que permite uma visualização e vivência através da linguagem cinematográfica
(OLIVEIRA, 2006), considera-se a série um rico recurso didático para o estudo
da Anatomia e Fisiologia Humana. Do mesmo modo, serve para o campo do
Ensino em Saúde, devido à rica diversidade de casos médicos e cirúrgicos que
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
279

retrata e que podem ser transformados em objetos de pesquisa no ensino por


investigação dentro de sala de aula.
Os recursos tecnológicos presentes em filmes e séries como Grey’s Anatomy
podem tornar agradável e visível conceitos básicos do Ensino de Ciências por se-
rem atrativos e dinâmicos. E isso favorece a construção de conhecimentos, uma
vez que eles são inseridos na forma de entretenimento, o que pode aumentar o
interesse do aluno, bem como motivá-lo.

4 O PROJETO OITAVO ANATOMY

O projeto Oitavo Anatomy, cujo objetivo era possibilitar aos alunos o


entendimento do corpo como uma unidade funcional por meio do estudo de
doenças ligadas aos Sistemas Biológicos estudados, foi desenvolvido em uma
escola pública da rede estadual de ensino do Estado do Paraná, na cidade de
São José dos Pinhais, com quatro turmas de oitavo ano, com cerca de 30 alunos
cada. Nessa série, até 2019, o conteúdo estruturante, de acordo com as Diretri-
zes Curriculares Estaduais (DCE) (PARANÁ, 2008), era Sistemas Biológicos
e, ao longo do ano letivo, trabalhavam-se conteúdos básicos, como níveis de
organização, célula, morfologia e fisiologia dos seres vivos e mecanismos de
herança genética. O ensino da morfologia e fisiologia dos seres vivos se dava,
geralmente, de forma fragmentada, sendo que cada sistema era trabalhado
isoladamente.
O projeto aconteceu no decorrer de dois trimestres e, por isso, foram con-
siderados para sua programação a seleção de atividades e a divisão do tempo de
modo que não interferissem no calendário de avaliação dos alunos. Dividiu-se,
portanto, em quatro etapas: 1) Parte teórica: estudo da Anatomia e Fisiologia dos
Sistemas Biológicos; 2) Entrega dos prontuários às “equipes médicas”; 3) “Junta
Médica”; 4) “Cirurgias”.

1ª etapa: Parte teórica – Estudo da Anatomia e Fisiologia dos Sistemas Biológicos


Durante as aulas teóricas, eram abordados os órgãos e suas respectivas fun-
ções dentro de cada Sistema Biológico. Realizava-se uma seleção de imagens e
vídeos, incluindo trechos da série Grey’s Anatomy, a fim de tornar as explicações
menos abstratas acerca da Anatomia e Fisiologia dos órgãos e sistemas.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
280

2ª etapa: Entrega dos prontuários às equipes médicas


Depois das aulas teóricas, a turma era dividida em “equipes médicas”, sen-
do que cada equipe recebia um prontuário, que trazia uma breve descrição dos
sintomas que o “paciente” apresentava, bem como perguntas para orientar os
“médicos” na investigação do problema de saúde do paciente.

HOSPITAL REGIONAL OITAVO ANATOMY


Chefe de Cirurgia: Bruna Larissa Ramalho Diniz

Médicos/as responsáveis:

CRM:

Paciente: Priscilla Mendes de Sá


Idade: 54 anos, dez meses e três dias Peso: 66 quilos
Altura: 1, 67 m Cor: negra
Fumante: não Temperatura: 37º

Exame físico: a paciente, diabética, apresenta dor no estômago – tipo azia –, enjoo, sudorese
excessiva e batimentos cardíacos irregulares. A respiração está ofegante. Não se queixa de
dores no peito.
Que outras perguntas a equipe médica deve fazer à paciente?

Quais exames pedir?

A qual(is) sistema(s) biológico(s) estudado(s) a doença dessa paciente se relaciona? Justifique.

Diagnóstico:

Tratamento:

É possível evitar que essa doença se manifeste outra vez? Se sim, quais recomendações
médicas você terá que dar ao paciente?
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
281

As equipes tinham uma semana para chegar ao diagnóstico e indicar o


tratamento mais adequado. A professora de Ciências era a chefe de cirurgia,
que deveria orientá-los diante das decisões médicas tomadas. Cada prontuá-
rio trazia um campo destinado aos médicos responsáveis, ao qual deveria ser
preenchido com o nome dos alunos. O CRM, referente à Inscrição no Conse-
lho Regional de Medicina, correspondia ao número de chamada dos alunos e
deveria ser preenchido para facilitar o controle da participação e atuação dos
mesmos no projeto.

3ª etapa: Junta Médica


Após uma semana, a professora reunia-se com os alunos na chamada “Jun-
ta Médica” e, neste momento, cada equipe apresentava o prontuário pelo qual
ficou responsável, bem como o diagnóstico alcançado e o tratamento indicado,
justificando suas conclusões e escolhas. As demais equipes deviam ouvir os co-
legas com atenção e questioná-los a respeito das suas decisões médicas, podendo
discordar ou não do tratamento indicado.

4ª etapa: Cirurgias
“Cirurgias” foi o nome dado pelos alunos às aulas práticas de Anatomia e
Fisiologia que aconteciam paralelamente às aulas de Ciências. Ao todo, foram
seis atividades práticas realizadas durante os dois trimestres de desenvolvimento
do projeto Oitavo Anatomy: a) Digestão dos alimentos; b) Na batida da Zumba;
c) Cérebro de gesso; d) Montando meu Sistema Sexual; e) Hora do parto. Em
síntese, assim era cada atividade prática realizada durante as “cirurgias”:
a) Digestão dos alimentos
– No laboratório, simulamos o processo de digestão com o auxílio de um saco
plástico, biscoitos, água e vinagre. Durante a prática, discutimos os proces-
sos físicos e químicos relacionados à digestão.

b) Na batida da zumba
– Essa atividade aconteceu no pátio da escola em parceria com a professora
de Educação Física. Durante a atividade, os alunos mediram os batimentos
cardíacos e refletiram a respeito do que estava acontecendo com o corpo
(aumento da frequência cardíaca e respiratória, aumento da temperatura,
sudorese e pele avermelhada).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
282

c) Cérebro de gesso
– No laboratório, confeccionamos cérebros de gesso, identificando com cores
diferentes as principais estruturas e regiões do órgão.

d) Montando meu Sistema Sexual


– Em sala de aula, conforme íamos estudando cada órgão do sistema se-
xual feminino e masculino, os alunos iam montando o seu sistema em um
contorno de corpo humano, desenhando em papel Kraft, com peças feitas
pela professora em papel EVA, que representavam os órgãos dos sistemas
estudados.

e) Hora do parto
– Com o auxílio de vídeos, imagens e da boneca grávida artesanal sexuada e
articulada, confeccionada em tecido, estudamos os diferentes tipos de par-
to, discutindo as características de cada um.

4.1 Avaliação do projeto


Os resultados foram bastante satisfatórios, considerando as atividades de
uma maneira geral. A participação de todos os alunos envolvidos no projeto
Oitavo Anatomy sugeriu muito interesse, entusiasmo e dedicação. Os alunos
empenharam-se nas pesquisas das doenças, na construção dos diagnósticos e na
proposição dos tratamentos. Em uma das aulas, na qual um dos grupos deveria
diagnosticar um paciente com sintomas de infarto, os alunos trouxeram para a
“junta médica” a discussão de que os sintomas desta doença são diferentes entre
homens e mulheres e entre mulheres brancas e negras. Inclusive, essa discussão
fez com que a diversidade racial passasse a fazer parte dos prontuários como
sugestão dos alunos.
A etapa das “juntas médicas” permitiu também inserir nas aulas de Ciências
a Educação em Saúde, uma vez que era tarefa da equipe aconselhar os “pacientes”,
caso sobrevivessem, a como evitar que o problema e/ou doença diagnosticados se
manifestassem novamente. Assim, uma vez que o conceito de ES pressupõe uma
educação global, autônoma e reflexiva para a vida, com o objetivo de promover
a saúde de indivíduos, grupos e sociedade (BRANCO, 2005), considera-se que
o projeto Oitavo Anatomy foi uma alternativa viável para se promover a ES no
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
283

espaço da escola. Ele oportunizou a investigação, reflexão e discussão acerca de


diversas doenças, bem como suas causas e consequências, que são, muitas vezes,
desconhecidas por boa parte da população.
Outro fator a ser considerado foi a diminuição da indisciplina durante as aulas.
Em sua pesquisa, Souza (2007) observou que muitos alunos, até os mais desafia-
dores, se sentiam mais à vontade para participar das aulas durante práticas experi-
mentais e investigativas e foi exatamente o que aconteceu com o Oitavo Anatomy.
Segundo Patrick (2004) apud Bzuneck (2010), o poderoso apelo motivacional na
escola reside justamente em se trabalhar com tarefas autênticas, ou seja, extraídas
da vida real dos alunos. Além disso, a ludicidade incorporada ao papel de médico
que os alunos assumiram durante as aulas deu a eles a oportunidade de, ludica-
mente, observar, experimentar, comparar e formular hipóteses. Inserir a série Grey’s
Anatomy nas aulas, bem como simular aspectos da vida profissional médica fez
com que os alunos se interessassem e participassem ativamente das aulas de Ciên-
cias. Cabe ressaltar também que, durante o desenvolvimento do projeto, os alunos
aprenderam a trabalhar de forma colaborativa e em grupos, mostrando-se como
um recurso socializante de ensino, bastante frutífero. Além disso, o desempenho
dos alunos nas avaliações escritas de Ciências melhorou consideravelmente, prin-
cipalmente no que diz respeito à leitura e interpretação das questões propostas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto que relatamos neste capítulo – “Oitavo Anatomy” – surgiu de uma


demanda dos próprios alunos em utilizar o recurso midiático disponibilizado
pela série Grey´s Anatomy nas aulas de Ciências. Tornou-se uma frutífera estra-
tégia para o desenvolvimento de conteúdos de Anatomia e Fisiologia do corpo
humano, bem como para a abordagem investigativa interdisciplinar da Educa-
ção em Saúde nas aulas de Ciências. Essa diversificação das estratégias de ensino
mostrou-se consoante tanto com o ensino por investigação, amplamente debatido
na área de Ensino de Ciências, como com a própria Psicologia da Educação que,
desde o advento das "inteligências múltiplas" (GARDNER, 1985), sugere que as
diferentes formas de inteligência dos estudantes precisam ser contempladas em
prol da aprendizagem com significado.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
284

Pela experiência de ensino ora relatada, entendemos que o Ensino de Ciên-


cias não deve concentrar-se apenas na descrição de fenômenos e na reprodução
de termos científicos, pois ele possui a função de disseminar o conhecimento
científico e agregar valores significativos a esse conhecimento. Deve despertar
nos alunos a curiosidade de aprender mais ao mesmo tempo em que deve pro-
porcionar o desenvolvimento de habilidades e competências para a resolução
de problemas cotidianos. Desse modo, pode contribuir também para o autoco-
nhecimento, o autocuidado e a melhoria da qualidade de vida, ou seja, para a
formação de cidadãos críticos, engajados e felizes (LONGO; BAHIENSE, 1994).

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18 FORMAÇÃO DE EDUCADORES:
MOMENTOS DE SENSIBILIZAÇÃO E
MOBILIZAÇÃO PEDAGÓGICA PARA A
EDUCAÇÃO EM SAÚDE (SeMoPES)1

Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva2

1 INTRODUÇÃO

Conforme a International Diabetes Federation (IDF), estima-se que a popu-


lação mundial com diabetes esteja em torno de 387 milhões e que alcance 471
milhões em 2035. Contudo, 80% desses indivíduos vivem em países em desenvol-
vimento, onde a epidemia tem maior intensidade e o crescente número de pessoas
acometidas em grupos etários mais jovens. O crescente aumento de diabéticos
decorre do crescimento e do envelhecimento populacional, da maior urbaniza-
ção, da prevalência da obesidade e sedentarismo, bem como da maior sobrevida
de pacientes com Diabetes Mellitus (DM). Quantificar o predomínio de DM e
estimar o número de pessoas com diabetes no futuro é importante, pois possibi-
lita o planejamento e a alocação de recursos de maneira racional (WHO, 2002).
No levantamento teórico realizado na investigação apresentada neste ca-
pítulo, há ausência de pesquisas que abordem sobre a educação em saúde em

1 Este texto é adaptado de parte da tese “Educação em Saúde Escolar: formação dos educadores para o autocuidado
em diabetes”, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade
Estadual de Londrina – Paraná.
2 Doutor em Ensino de Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade Federal do
Pará (UFPA) / Campus Altamira e LaPECBio – Laboratório de Pesquisa em Educação em Ciências e Biologia.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
288

diabetes na escola com foco na formação e atuação docente para ensinar e lidar
com a DM. A partir de suas perspectivas de saberes docentes e ensino, Tardif
(2014, p. 23) também afirma a necessidade de que sejam reformuladas as formas
com que ocorrem os cursos de formação docente, de maneira que esses levem em
consideração os saberes dos docentes e as “realidades específicas de seu trabalho
cotidiano”. Para ele, os cursos de formação docente necessitam encontrar “uma
nova articulação e um novo equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pelas
universidades a respeito do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores
em suas práticas cotidianas” (TARDIF, 2014, p. 23).
A formação docente necessita reconhecer os educadores como sujeitos de
conhecimento, o que implica reconhecer, segundo Tardif (2014, p. 240), que
“deveriam ter o direito de dizer algo a respeito de sua própria formação profis-
sional”, isto é, “ter o poder e o direito de determinar, com outros atores da edu-
cação, seus conteúdos e formas”. Além disso, a formação docente (inicial ou em
serviço) precisaria integrar os conhecimentos profissionais aos conhecimentos
disciplinares. Ela deveria relacionar-se com “as realidades cotidianas do ofício
de professor” e não ocorrer de forma fragmentada, mas, pelo contrário, sem se
despir da lógica disciplinar, deveria

abrir um espaço maior para a lógica de formação profissional que reconheça


os alunos como sujeitos do conhecimento e não simplesmente como espíritos
virgens aos quais nos limitamos a fornecer conhecimentos disciplinares e infor-
mações procedimentais, sem realizar um trabalho profundo relativo às crenças e
expectativas cognitivas, sociais e afetivas através das quais os futuros professores
recebem e processam esses conhecimentos e informações. Essa lógica profissio-
nal deve ser baseada na análise das práticas, das tarefas e dos conhecimentos
dos professores de profissão; ela deve proceder por meio de enfoque reflexivo,
levando em conta os condicionantes reais do trabalho docente e as estratégias
utilizadas para eliminar esses condicionantes na ação (TARDIF, 2014, p. 242).

A abordagem de Tardif, conforme exposta até aqui, trouxe elementos para a


elaboração da proposta de formação, que partiu de uma perspectiva de educação
para a promoção de saúde. A prática educativa, na perspectiva promotora de saú-
de, não é uma atividade simples. Pode-se observar, conforme tipologia do autor
(2014), a carência de saberes profissionais, pedagógicos e disciplinares por parte
dos educadores para o tratamento dos temas de saúde e de diabetes. Tal carência
tem se constituído em barreiras à elaboração de saberes curriculares e experienciais
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
289

necessários ao tratamento dos temas saúde e diabetes e para lidar com situações
envolvendo educandos diabéticos. Apesar das dificuldades apresentadas pelos edu-
cadores em promover a educação em diabetes, eles são os agentes fundamentais
desse processo, visto que a educação e o ensino formais são considerados meios
fundamentais para a emancipação dos sujeitos e de transformação da realidade.
Isso pode ser notado, por exemplo, no The Diabetes Educator (2000), que afirma ser
responsabilidade das escolas fornecer informações básicas sobre diabetes, incluin-
do conhecimentos sobre hipoglicemia e hiperglicemia a todos os seus profissionais
e professores. Além disso, devem oferecer às crianças com diabetes segurança no
dia a dia, bem-estar em longo prazo e melhor desempenho escolar. No Brasil, foi
publicado, no Diário Oficial de 25 de março de 2011, o Projeto de Lei Nº 183/2011,
de 2011, no qual consta em seu artigo 2º: “O estabelecimento de ensino, creche ou
similar, deverá capacitar seu corpo docente e equipe de apoio para acolher e prestar
a assistência que as crianças e os adolescentes com diabetes necessitam.”
Uma proposta em educação em diabetes deve considerar as características
complexas de qualquer tipo de educação em saúde. Dessa forma, uma perspectiva
de Educação em Saúde, conforme educação tradicional, mostra-se insuficiente
para informar tais propostas, mas elas se harmonizam com perspectivas dialógi-
cas ou crítico-reflexivas. A esse respeito, para o desenvolvimento da abordagem
proposta (SeMoPES), outro referencial no qual nos pautamos foi a Pedagogia de
Paulo Freire, uma vez que, de acordo com Pereira et al. (2014), o processo educa-
tivo não se constitui somente em transmitir informações, mas na integração da
história de vida dos sujeitos com vistas à sua reflexão, de forma que eles possam
transformar ativamente as condições de opressões de suas vidas.
Dentro do contexto descrito anteriormente, este capítulo apresenta uma
proposta de curso de educação continuada com ênfase na formação dos edu-
cadores para o autocuidado em diabetes realizado em duas escolas públicas,
ambas situadas no município de Altamira (PA). Antes de descrever o processo
metodológico da abordagem realizada na formação, gostaria de explicitar ter-
mos ou expressões adotados por mim para justificar sua utilização da realização
da pesquisa. Adotei os termos educadores/educandos, pela necessidade de criar,
segundo Freire (1996), uma nova relação entre os seres humanos que partici-
pam na educação dos sujeitos, enfatizando o fato de que o aluno (o educando)
e o professor (o educador) aprendem conjuntamente, procuram conhecer para
transformar a sociedade em que vivem e não a aceitam tal como é. Essa relação
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
290

é um elo para a prática de emancipação e um caminho a ser percorrido para a


libertação e exercício da cidadania consciente.
Outro ponto relevante é o motivo de intitular os momentos como “Se-
MoPES” para a abordagem dada na formação dos educadores/ participantes.
Primeiramente, fui entender o significado do verbo sensibilizar (Se), segundo
Ferreira (1986, p. 1570) a definição diz: “tornar sensível, comover, impressionar
vivamente, a fundo”. Sensibilização tem uma ligação direta com o sentir, o tornar
sensível para a área da Educação e da patologia em estudo. Outro termo mobilizar
(Mo), conforme Houaiss (2010, p. 526) define-se em: “pôr (-se) em movimen-
to, pôr (-se) em ação (conjunto de pessoas para tarefa, campanha, chamar para
participar em atividade social, política ou em uso), incitar (-se) à participação”.
Mobilização, nesse contexto, tem o significado de estimular a participação no
compartilhamento dos conhecimentos e saberes pedagógicos mediante a edu-
cação em saúde (PES). A mobilização desenvolvida abordou ações de diálogos,
artes, criação, trabalho participativo e colaborativo entre os pares com o objetivo
de integrar e socializar os sujeitos em momentos de aprendizagem.

2 PERCURSO PARA PLANEJAMENTO E REALIZAÇÃO DOS


MOMENTOS SeMoPES

Os educadores participantes da pesquisa pertenciam aos níveis de Ensino


Fundamental II (5º ao 9º ano) e Ensino Médio (1º ao 3º ano), sendo de diferentes
áreas do conhecimento ou funções escolares. Na realização da formação partici-
param 34 educadores, sendo 18 do Ensino Médio e 16 do Ensino Fundamental II.
Para planejar, elaborar as estratégias e selecionar os recursos instrucionais e
execução dos momentos SeMoPES, usei como o instrumento-guia as respostas dadas
nos questionários e entrevistas aplicadas nas 1ª e 2ª etapas da pesquisa. Nesta etapa,
ocorreu o contato com a direção da Faculdade de Ciências Biológicas da UFPA/
Campus Altamira, para explicar que faria um convite aos alunos do 4 º período do
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas para colaboração na realização de
sua pesquisa de campo. Mediante a aceitação e concordância da direção da facul-
dade foi explanado para a turma o objetivo da pesquisa e da importância de sua
colaboração para a realização do trabalho. Durante dois dias, foi disponibilizada,
na secretaria do curso, uma ficha para a inscrição dos interessados. Logo após o
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
291

encerramento das inscrições, realizou-se um curso de formação com uma carga


horária de quatro horas, com o objetivo de informar e esclarecer sobre a dinâmica
de execução do SeMoPES e determinar a funções destinadas a cada colaborador,
de acordo com sua habilidade. A realização SeMoPES ocorreu durante dois mo-
mentos diferentes nas duas escolas participantes da formação.

3 CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS EDUCADORES

Os momentos de Sensibilização e Mobilização Pedagógica para a Educação


em Saúde (SeMoPES) foram planejados como está descrito na sequência, con-
siderando o nome do momento, os objetivos, o tempo de duração, os materiais
e os métodos utilizados.

1º Momento – Apresentação dos dados prévios relativos ao questionário e à


entrevista
01. Objetivos:
– Relatar aos educadores os resultados prévios dos questionários e das en-
trevistas referentes às suas concepções e os relatos referentes ao ensino de
saúde e do conhecimento sobre o Diabetes;
– Explicar o planejamento dos momentos do SeMoPEs a partir dos dados dos
instrumentos utilizados na pesquisa.

02. Tempo de duração: 30 min

03. Materiais: dados dos resultados relativos aos questionários e entrevista apli-
cados na 1ª etapa da pesquisa; Datashow e PowerPoint.

04. Método:
No primeiro momento, o educador/pesquisador3 fez os agradecimentos à di-
reção da escola e aos educadores pela participação e colaboração no desenvol-
vimento da pesquisa. Logo após, foram projetados os resultados prévios das

3 Educador / pesquisador: termo designado pelo próprio autor para denominar sua função durante a realização da
pesquisa.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
292

concepções, conhecimentos e saberes dos educadores referentes à educação


em saúde e do diabetes.

2º Momento – Apresentação de imagens com cenas do cotidiano


01. Objetivos:
– Utilizar as imagens como mediadoras no processo de construção de conhe-
cimentos e interação de conhecimentos;
– Observar e quantificar entre os educadores quais eram os hábitos e com-
portamentos saudáveis e não saudáveis praticados por eles no seu dia a dia
referentes às imagens apresentadas;
– Sensibilizar os educadores para adoção de comportamentos e hábitos que
promovam uma melhor qualidade de vida e bem-estar físico, mental e social.

02. Tempo de duração: 30 min

03. Materiais: Datashow; PowerPoint de imagens de situações do cotidiano.

04. Método:
A seleção e a exposição de imagens foram realizadas com o intuito de identifi-
car e discutir, com os educadores, situações de seu cotidiano, relacionadas com
os hábitos saudáveis e não saudáveis de vida.

Em relação à inserção das imagens nas práticas de educação em saúde Reis


e Gazzinelli (2006, p. 138) destacam que:

No campo da educação em saúde a linguagem das imagens é muito utilizada


como uma forma de propiciar interação entre o saber do profissional de saúde/
educador e o saber da comunidade ou do indivíduo. Desse modo, podemos di-
zer que as imagens, entre outras finalidades, possibilitam conhecer as maneiras
como as pessoas fazem a “leitura” de uma realidade ou de fatos ligados à saúde,
ao ambiente e ao cotidiano.

Dentro do contexto mencionado para a seleção das imagens, foram prio-


rizadas várias situações e momentos do cotidiano, como alimentação, atividade
física, uso de cigarro e bebida alcoólica, sedentarismo, estresse, emocional, lazer,
relacionamento familiar, ansiedade e trabalho. As imagens foram projetadas, e os
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
293

educadores se manifestaram mediante a fala do educador/pesquisador, enquanto


a equipe colaboradora anotava o quantitativo das manifestações.

3º Momento - Roda de Conversa: Noções básicas de Educação em Saúde


01. Objetivos:
– Apresentar e discutir sobre Educação em Saúde;
– Explicar os aspectos históricos e concepções da Educação em Saúde;
– Exemplificar a diferença do modelo biomédico e do modelo preventivo;
– Demonstrar os pré-requisitos para a saúde da Carta de Ottawa;
– Conceituar Educação em Saúde;
– Explicar as abordagens na Educação para a Saúde;
– Discutir o objetivo da Educação em Saúde na Escola.

02. Tempo de duração: 01h30min

03. Materiais: Datashow; PowerPoint.

04. Método:
A roda de conversa foi escolhida por ser um método que abrange um coletivo
de sujeitos e utiliza o diálogo como vertente principal para as trocas de saberes
e respeito às vozes que expressam suas ideias, crenças a partir das palavras que
têm significados a cada pensamento.

Segundo Moura e Lima (2014, p. 101), a roda de conversa é definida como:

método de participação coletiva de debate acerca de determinada temática em


que é possível dialogar com os sujeitos, que se expressam e escutam seus pa-
res e a si mesmos por meio do exercício reflexivo. Um dos seus objetivos é de
socializar saberes e implementar a troca de experiências, de conversas, de di-
vulgação e de conhecimentos entre os envolvidos, na perspectiva de construir
e reconstruir novos conhecimentos sobre a temática proposta.

Nessa perspectiva, a roda de conversa foi mediada pelo educador/pesqui-


sador, projetando um roteiro com as principais ideias de noções básicas de Edu-
cação em Saúde, oportunizando aos educadores exporem seus conhecimentos
prévios e a realidade de seu cotidiano.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
294

4º Momento - Roda de Conversa: Educação em Saúde em Diabetes


01. Objetivos:
– Definir o que é Diabetes;
– Apresentar uma visão geral da situação do Diabetes no mundo e do Brasil;
– Diferenciar os tipos do Diabetes 1 e 2;
– Explicar fisiopatologia e como identificar a doença;
– Identificar os nutrientes de uma alimentação saudável na Pirâmide Ali-
mentar;
– Diferenciar a composição de alimentos diet e light e realizar a contagem
de carboidratos;
– Demonstrar como deve ser feita a leitura da composição nutricional dos
rótulos dos alimentos;
– Discutir a obesidade e o Índice de Massa Corporal (IMC) adequado;
– Explicar como são realizados o diagnóstico e o tratamento do Diabetes.

02. Tempo de duração:1h30min

03. Materiais: Datashow; PowerPoint.

04. Método:
O método utilizado para esse momento foi a roda de conversa. Os procedi-
mentos são idênticos ao descrito na Roda de Conversa – Noções Básicas de
Educação em Saúde.

5º Momento – Teatro do Oprimido


01. Objetivos
– Favorecer a comunicação, expressão, o diálogo e aprendizado, por
meio da representação de cenas situações do cotidiano de portadores
de diabetes;
– Estimular as habilidades e a autonomia dos participantes para superar
os obstáculos (situações de opressão) vivenciados em seu cotidiano;
– Incentivar o autocuidado em diabetes: alimentação saudável, prática de
atividade física;
– Promover um ambiente propício para a expressão dos sentimentos rela-
cionados à convivência com o diabetes.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
295

02. Tempo de duração: 1h

03. Materiais: figuras de alimentos (doces, massas, bebidas, frituras, comida sau-
dável); jaleco branco; estetoscópio (construído com 03 copinhos plástico de café
e barbante); paletó; vassoura.

04. Método:
Teatro do Oprimido (TO)
Augusto Boal (1931-2009) foi um dos dramaturgos que mais contribuiu
para a criação de um teatro genuinamente brasileiro e latino-americano.
Seu trabalho imprime uma dimensão política e social, concebendo o tea-
tro como instrumento de transformação alicerçada na temática e na lin-
guagem. Para ele, o teatro era utilizado como resposta às questões sociais
e como meio de analisar conflitos e apresentar alternativas. Segundo Boal
(1979), o Teatro do Oprimido tem dois princípios fundamentais: primeiro,
a transformação do espectador, de ser passivo, depositário, em um prota-
gonista de ação dramática, sujeito, criador, transformador; segundo, não
apenas refletir sobre o passado, mas pensar e preparar para o futuro.
Realizou-se o convite para participação espontânea dos professores ao
TO. Foram apresentadas cenas que configuram situações da realidade de
opressão aos portadores de diabetes. O educador/pesquisador realizou o
convite a quem seria voluntário para participar do TO. Logo após o convi-
te, foram projetados os títulos das cenas, e os educadores se manifestaram
de forma espontânea para participarem. Em seguida, mostrou-se a situa-
ção de cada cena a ser interpretada. Ao fim de cada uma das três cenas, o
educador/pesquisador solicitou aos participantes do TO que expressassem
suas opiniões e concepções de como foi vivenciar a situação de opressão
protagonizada e como eles se portariam diante da realidade.

6º Momento - Elaboração de Projeto Interdisciplinar com ênfase na Diabetes


01. Objetivos
– Possibilitar a realização de diálogo, socialização e trocas de saberes e ex-
periências profissionais entre os educadores de diferentes áreas de conhe-
cimentos;
– Simular a elaboração de um projeto interdisciplinar referente a Diabetes.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
296

02. Tempo de duração: 01h30min

03. Materiais: ficha com os itens do projeto; canetas.

04. Método:
O educador/pesquisador convidou os educadores a realizarem uma apresentação
em relação a sua área de atuação profissional na escola. Mediante a apresenta-
ção de cada educador foram organizados grupos e conduzidos pela equipe de
colaboração a ocuparem um lugar nos círculos de mesas e cadeiras dispostos,
do qual cada grupo foi organizado com cinco ou seis educadores de áreas de
conhecimento diversificadas.
Logo após a organização dos grupos, foi entregue aos educadores uma ficha
com roteiro para preenchimento com a seguinte estrutura: tema ou título; jus-
tificativa ou relevância do tema; série/anos; sujeitos envolvidos; áreas de co-
nhecimento; objetivo geral; objetivos específicos; conteúdos abordados; meto-
dologia; recursos humanos e materiais; cronograma; métodos de avaliação e
referências consultadas.
Após todos os grupos terem finalizado a escrita da simulação dos projetos,
houve a apresentação deles e os comentários.

7º Momento - Dinâmica da Árvore da Felicidade


01. Objetivos
– Oportunizar aos educadores relatar quais seriam as metas e dificuldades/
obstáculos para se trabalhar com o tema do Diabetes na escola;
– Promover uma reflexão aos participantes juntos às metas e dificuldades /
obstáculos apresentados;
– Buscar alternativas viáveis para se trabalhar as dificuldades/obstáculos.

02. Tempo de duração: 01h

03. Materiais: duas folhas de papel kraftt; uma folha de papel cartão vermelho
(confecção de frutos que representam as metas); uma folha de papel cartão ama-
relo (confecção de frutos que representam as dificuldades/obstáculos); uma folha
de papel fantasia verde (confecção das folhas); duas folhas de cartolina branca;
pincel atômico; fita crepe para afixar os frutos.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
297

04. Método:
Afixar a árvore em um local que permita a visualização de todos. Explicar aos
educadores que os frutos vermelhos representam as metas que eles consegui-
riam alcançar e os amarelos seriam as dificuldades / os obstáculos encontrados
para trabalhar com a temática. Ao lado da árvore, foi afixada uma cartolina
branca na qual estava escrito METAS e, do outro lado, outra cartolina branca,
cuja escrita era DIFICULDADES/OBSTACULOS, para que a equipe de apoio
escrevesse as metas alcançadas ou não.
O educador/pesquisador solicitou a cada educador/participante que escolhesse
uma cor do fruto na árvore e dissesse para todos os outros participantes qual
era a meta ou dificuldades/obstáculos ou ambos. Logo após a escolha e ex-
planação dos seus motivos, o(s) fruto(s) foi (foram) afixado(s) na cartolina e
escrito o motivo pela equipe de colaboração. Em seguida, o educador/pesqui-
sador chama a atenção para o tronco e raiz da árvore que representava a base/
alicerce, o que é necessário para atingir as metas, e então se dá um espaço para
o desenvolvimento dessa reflexão.

8º Momento - Avaliação do SeMoPES pelos educadores


01. Objetivo:
– Avaliar junto aos educadores/participantes as contribuições positivas e ne-
gativas da participação dos momentos SeMoPES;
– Coletar dados para futuras formações.

02. Tempo de duração: 30 min

03. Materiais: ficha de avaliação.

04. Método:
No final de todos os momentos realizados, foi distribuído a cada educador/partici-
pante uma ficha de avaliação que consistia em identificar as visões dos participantes
em relação aos seguintes momentos desenvolvidos durante o SeMoPES: conteúdo,
material didático, metodologia, tempo e opinião de satisfação. A outra parte da
avaliação consistia na descrição de importância da participação no curso, pontos
importantes para a promoção da Educação em Saúde para o diabetes no contexto
escolar e comentários livres sobre os momentos.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
298

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos no SeMoPES são evidentes nos relatos dos participan-


tes acerca da importância da realização nos diálogos, expressão dos saberes em
relação ao diabetes, bem como apresentação de possibilidades de estratégias de
ensino em relação à temática. Essa proposta de curso de formação possibilitou
identificar a carência que se tem em relação à formação de educadores sobre o
assunto. Contudo, almejo que os momentos SeMoPEs utilizados nessa forma-
ção possam ser utilizados como pilares de novas propostas para a introdução
de novas temáticas relacionadas a saúde escolar na formação dos educadores.
Por fim, acredito que o SeMoPES proporcionou troca de experiências, re-
flexão para tomada de decisão, sensibilização e mudanças de atitudes, elementos
que são pertinentes com os recursos teóricos adotados para a construção desses
momentos, segundo os preceitos de Paulo Freire.

REFERÊNCIAS

BOAL, A. Técnicas latino-americanas de teatro popular: uma revolução


copernicana ao contrário (com o anexo teatro do oprimido na Europa). São Paulo:
Hucitec, 1979.
FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
HOUAISS, A. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa – com nova
ortografia. 4. ed. Rio de Janeiro: Objetiva/Moderna, 2010.
INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION. IDF Diabetes Atlas (Internet). 6. ed.
Brussels: International Diabetes Federation, 2014. Disponível em: http://www.idf.org/
diabetesatlas. Acesso em: 02 fev. 2019.
PEREIRA, W. V. C. Avaliação do nível de conhecimento dos professores do
primeiro ciclo do ensino fundamental frente à atuação com crianças com diabetes
nas aulas de educação física em escolas públicas municipais de Belo Horizonte.
2014. 68 f. Dissertação (Mestrado em Educação em Diabetes) – Mestrado Profissional
de Educação em Diabetes, Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Belo
Horizonte, Belo Horizonte (MG), 2014.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
299

REIS, D. C.; GAZZINELLI, M. F. Abordagem das imagens. In: GAZZINELLI, M. F.;


REIS, D. C.; Marques, R. C. (org.). Educação em saúde: teoria, método e imaginação.
Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 137-144.
SILVA, R. A. R. da. Educação em Saúde Escolar: formação dos educadores para
o autocuidado em diabetes. Londrina, 2018. 166 f. Tese (Doutorado em Ensino de
Ciências e Educação Matemática) – Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual
de Londrina, Londrina (PR), 2018.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 2014.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. The World Health Organization Report
2002: reducing risks, promoting healthy life. Geneve: WHO, 2002.
19 OFICINAS PEDAGÓGICAS SOBRE
EDUCAÇÃO SEXUAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA

Andréia de Freitas Zompero1


Andréia Merenciano2
Camila da Veiga Sambatti3
Teresa Vilaça4

1 INTRODUÇÃO

A adolescência é um período de intensas modificações físicas e psicológicas


e, também, de descobertas. A liberação de hormônios sexuais nessa fase promo-
ve tanto o desenvolvimento sexual secundário e o interesse mais aguçado por
questões que envolvem a sexualidade. Dessa maneira, fatores biológicos, psíqui-
cos e sociais podem aumentar a vulnerabilidade dos adolescentes às Infecções
Sexualmente Transmissíveis (IST) e a outros problemas de saúde (TAQUETTE;
VILHENA; PAULA, 2004).
Dantas (2013) define a adolescência como uma etapa da vida em que ocor-
rem inúmeras transformações biológicas, emocionais, psicológicas e sociais.

1 Pós-doutora em Ensino de Ciências na Universidade Estadual de Londrina e Universidade Pitágoras – Unopar.


2 Mestranda em metodologias para Ensino de Linguagens e Tecnologias pela Universidade Pitágoras – Unopar.
3 Mestra em metodologias para Ensino de Linguagens e Tecnologias pela Universidade Pitágoras – Unopar.
4 Doutora em Educação-Metodologia do Ensino das Ciências pela Universidade do Minho – Portugal.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
301

A Organização Mundial da Saúde (OMS) demarca essa fase da vida entre 10 e


19 anos de idade, enquanto o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) estabe-
lece que esse período se situa entre 12 e 18 anos incompletos (MAGALHÃES
SENNA; DESSEN, 2015).
Dados do Ministério da Saúde alertam que os adolescentes têm iniciado
a vida sexual mais cedo. Em se tratando de IST, pesquisas recentes têm apon-
tado o crescimento dessas doenças, especialmente AIDS e Sífilis. O número
de gravidez precoce diminuiu, mas ainda é preocupante entre as adolescentes
(BRASIL, 2014). Todos esses fatores indicam a necessidade de esclarecimen-
tos aos jovens e o papel fundamental da educação nessa fase da vida. Assim,
a escola tem significativa importância na formação dos adolescentes frente a
questões que se referem à prevenção. Cardoso, Reis e Iervolino (2008) afirmam
que por ser a escola responsável pelo aprendizado do aluno e de sua instru-
mentalização para enfrentar situações da vida, torna-se um ambiente ideal à
prática da educação para saúde.
Nesse sentido, pesquisas apontam que programas efetivos realizados em
escolas ajudam a adiar o início da vida sexual e protegem jovens sexualmente
ativos de infecções sexualmente transmissíveis e da gravidez precoce (ANTU-
NES et al., 2002; FERNANDEZ, FERNADEZ e CASTRO, 2007). Os autores ar-
gumentam também que apenas aumentar o nível de informação sobre as vias de
transmissão do HIV não traz efetividade; é necessário um trabalho de conscien-
tização. Nesse sentido, “a temática da saúde na escola recebe importante atenção
de diversos organismos internacionais, em especial, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) e a UNESCO, o que confirma sua relevância em âmbito mundial”
(CARVALHO, 2015, p. 1210).
Ao encontro da perspectiva de as escolas atuarem mais diretamente bus-
cando a formação em saúde de seus alunos, surge, na década de 1980, a proposta
de Escolas Promotoras da Saúde, visando mudanças conceituais e metodológi-
cas que incorporam o conceito de promoção de saúde, envolvendo o entorno
escolar. Nessa perspectiva, a proposta da Escola Promotora da Saúde é desen-
volver conhecimentos, habilidades e destrezas para o autocuidado da saúde e a
prevenção das condutas de risco em todas as oportunidades educativas, além de
propor uma análise crítica e reflexiva sobre valores, condutas, condições sociais
e estilos de vida, contribuindo para a melhoria da saúde e do desenvolvimento
humano (CARDOSO; REIS; IERVOLINO, 2008). De acordo com os autores, a
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
302

proposta de escolas promotoras da saúde tem por intuito o desenvolvimento de


atividades intersetoriais entre a instituição educativa, o setor de saúde e a co-
munidade com identificação das necessidades e linhas de enfrentamento pelos
próprios envolvidos.
As atividades intersetoriais buscam o trabalho integrado entre escolas, co-
munidade e setores de saúde. Dessa maneira, este capítulo apresenta um relato
de experiência de um projeto, visando à intersetorialidade, que é desenvolvido
em uma escola da periferia da cidade de Londrina em parceria com alunos do
Curso de Enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior situada no mesmo
bairro em que a escola se localiza. O trabalho da equipe de enfermagem tem por
intuito a realização de oficinas pedagógicas com assuntos relativos à prevenção
de IST e gravidez precoce, promovendo diálogo entre adolescentes, professores,
discentes e docentes do Curso de Enfermagem.
É de conhecimento por parte da sociedade em geral que a temática sobre
prevenção da gravidez precoce e de IST causa certo desconforto na abordagem
para muitos indivíduos, principalmente para a família. Entretanto, é de extrema
relevância encontrar meios para auxiliar a família e a sociedade para o enfrenta-
mento dessas questões por meio de uma perspectiva científica. A Enfermagem
é uma área comprometida com a prevenção e promoção da saúde, visando ao
bem-estar total do indivíduo e sua qualidade de vida. Isso inclui ações voltadas
para a Educação em Saúde, na qual a prevenção é importante, devendo permear
a prática do trabalho da enfermagem.
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) vigentes para o Ensino de Gra-
duação em Enfermagem foram instituídas pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE), por meio da Resolução CNE/CES n° 3 de 7 de novembro de 2001. Elas
ressaltam as competências e habilidades gerais, no seu art. 4º, para o profissional
enfermeiro, que compreende: atenção à saúde; tomada de decisões; comunica-
ção; liderança; administração e gerenciamento; educação permanente (BRASIL,
2001). O desenvolvimento dessas habilidades necessárias aos graduandos de
Enfermagem ocorre ao longo de atividades que permitam a vivência na prática
durante a graduação.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
303

2 O AVANÇO DAS INFECÇÕES SEXUALMENTE


TRANSMISSÍVEIS (IST) NA ATUALIDADE E A GRAVIDEZ
PRECOCE ENTRE OS ADOLESCENTES

As IST ainda são um problema de saúde pública comum em todo o mundo,


tanto em homens como em mulheres, tornando essas pessoas mais vulneráveis
a outras doenças. As IST são causadas por mais de 30 agentes etiológicos, en-
tre eles vírus, bactérias, fungos e protozoários, com sua transmissão ocorrendo,
principalmente, por contato sexual (BRASIL, 2019). A terminologia Infecções
Sexualmente Transmissíveis (IST) passou a ser adotada em substituição à ex-
pressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) a partir do Decreto nº 8.901
de 10 de novembro de 2016, porque destaca a possibilidade de uma pessoa ter e
transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas (BRASIL, 2016).
Por meio da integração de sentimentos e desejos, os adolescentes e jovens
iniciam sua atividade sexual simultaneamente com a construção da sua identi-
dade. Essas mudanças nem sempre estão acompanhadas de uma educação sexual
adequada, seja em casa ou nas escolas, e esses jovens se envolvem em comporta-
mentos de descobertas arriscadas, não aderindo, em geral, à prevenção das IST,
o que os torna mais suscetíveis a elas. A educação sexual e a promoção da saúde
devem iniciar antes da vida sexual. Isso reporta para a necessidade do desenvol-
vimento de ações conjuntas entre educação e saúde, as quais têm sido estabele-
cidas pelas políticas públicas (BRASIL, 2014). Assim, torna-se necessário trilhar
um caminho que apoie efetivamente os adolescentes em suas necessidades, que
lhes permita acesso rápido a informações corretas, para que haja a participação
de cada um na vida sexual e reprodutiva de forma segura e satisfatória, possibili-
tando também a liberdade de decisão, livre de discriminação, coerção e violência
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). Além disso, é imprescindível que se garanta
a elaboração e a aplicabilidade de políticas públicas e serviços de saúde e m prol
da saúde sexual e reprodutiva do adolescente.
A maioria dos adolescentes tem como principais fontes de informação
sobre as IST a escola, a televisão e a internet, e alguns procuram os serviços de
saúde. Considera-se preocupante o valor atribuído à televisão e à internet pelos
adolescentes. O início da fase da adolescência vem precedida de uma série de
transformações, medos, insegurança e dúvidas relativas à atividade sexual e às
transformações do corpo, além de envolver como esse adolescente é visto pelo
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
304

círculo de amizades. Por isso, a gravidez precoce gera uma grande modificação
na vida social e escolar, afetando psicologicamente e socialmente a vida dos ado-
lescentes que não estão preparados para tantas transformações. Observa-se que a
ocorrência da gravidez na adolescência atinge a fase escolar e, com isso, ocorre o
atraso nos estudos da mãe adolescente e um plano para um futuro melhor. Essa
situação se agrava quando a adolescente sofre abandono do parceiro, podendo
passar por depressão ou ainda realizar escolhas como o aborto.
No Brasil, os avanços e as ocorrências de IST têm aumentado considera-
velmente devido aos jovens que, cada vez mais, vêm praticando relações sexuais
desprotegidas. Conforme o Ministério da Saúde (2017), entre 1980 a junho de
2018, o Brasil registrou 926.742 casos de AIDS, uma média de 40 mil novos ca-
sos por ano. Atualmente, há 866 mil pessoas portadoras do vírus HIV ou com
AIDS, segundo estimativa do Ministério da Saúde (2018). Dessas, 92% estão
com o vírus inativo.
Com relação à Sífilis, dados do Boletim Epidemiológico da Sífilis 2018 (Fi-
gura 1) mostram que a taxa de detecção da sífilis adquirida aumentou de 44,1
para cada grupo de 100 mil habitantes em 2016 e para 58,1/100 mil em 2017. No
mesmo período, a infecção em gestantes cresceu de 10,8 casos por mil nascidos
vivos para 17,2 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017; 2018).

Figura 1: Aumento da sífilis entre 2016 e 2017 no Brasil

Fonte: Ministério da Saúde: Boletim epidemiológico do Instituto Nacional de Infectologia INI/Fiocruz (2018).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
305

De acordo com o Boletim Epidemiológico, a sífilis congênita passou de


21.183 casos em 2015-2016 para 24.666 em 2017-2018. A alta taxa de pessoas
infectadas no Brasil tem sido motivo de preocupação para especialistas da
saúde. A falta do uso de preservativos e o abandono ao tratamento são fatores
que dificultam o combate às IST, e a sífilis se tornou uma epidemia no país e
no mundo.
Com relação à gravidez precoce, os índices também preocupam. De acor-
do com a OMS, a gravidez é considerada precoce quando a menina engravida
entre os 10 e os 19 anos. Segundo dados da ONU, a taxa mundial de gravidez na
adolescência no Brasil é de 46 nascimentos para cada mil meninas entre 15 e 19
anos (OPAS/OMS, 2018). A OMS, em 2015, revelou que:

[...] 22% dos adolescentes iniciam a atividade sexual aos 15 anos de idade e que
a iniciação sexual precoce está associada ao não uso, ou uso inadequado de pre-
servativos e suas consequências são a gravidez precoce e Infecções Sexualmente
Transmissíveis/ISTs (OMS, 2015, p. 12).

Observa-se, portanto, que, de acordo com os índices de IST e gravidez pre-


coce na adolescência, ainda é recorrente a necessidade de trabalhos que promo-
vam a intersetorialidade, visando à saúde e qualidade de vida dos adolescentes
e futuros adultos.

3 A PROPOSTA INTERSETORIAL E O TRABALHO COM


OFICINAS PEDAGÓGICAS PELA EQUIPE DE ENFERMAGEM

A intersetorialidade é um conceito que vem sendo discutido no campo das


políticas públicas, das organizações, da transdisciplinaridade e no campo do
conhecimento científico (INOJOSA, 2001). As ações intersetoriais dependem
das articulações de diversos setores e segmentos sociais, como educação, saú-
de, esporte, lazer, empresas privadas, organizações não governamentais (ONG),
fundações, entidades religiosas, organizações comunitárias e esferas de governo
(SILVA; RODRIGUES, 2010). Dessa maneira, a intersetorialidade surge como
uma ferramenta fundamental para a realização da Promoção da Saúde (PS) a
partir da ação compartilhada, visando à construção coletiva de uma nova forma
de compreender e agir em saúde (GOMES, 2012).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
306

Atualmente, a educação para a saúde busca uma visão integrada envol-


vendo a qualidade de vida e seus determinantes políticos, econômicos e sociais;
dessa maneira, o trabalho em saúde não pode ficar restrito apenas a um setor.
Há necessidade de articulação e um trabalho integrado entre diversos campos
para enfrentar problemas que incidem sobre a população. O paradigma da saú-
de como qualidade de vida exige uma ação abrangente que extrapola o setor da
saúde como único responsável. Faz-se necessária uma ação interdisciplinar e
intersetorial envolvendo os vários setores do poder público e também as orga-
nizações não governamentais.
Com base no exposto, surgem algumas iniciativas e ações entre setores da
saúde e educação para o trabalho nas escolas. O trabalho por meio de realiza-
ção de oficinas pedagógicas é um exemplo de ações voltadas a essa finalidade.
Paviani e Fontana (2009) mencionam que a oficina é uma forma de construir
conhecimento, com ênfase na ação, sem perder de vista a base teórica. As au-
toras ainda apontam que a “metodologia da oficina muda o foco tradicional
da aprendizagem (cognição), passando a incorporar a ação e a reflexão. Em
outras palavras, numa oficina ocorrem apropriação, construção e produção
de conhecimentos teóricos e práticos, de forma ativa e reflexiva” (PAVIANI;
FONTANA, 2009, p. 78).
Nesse sentido, apresentamos o trabalho com oficinas pedagógicas, cuja
implementação das oficinas foi parte de um projeto de educação para saúde, em
parceria com a Universidade do Minho – Portugal, que visava à integração entre
escolas e universidade, e realizadas com turmas dos 8º e 9º anos do Ensino Fun-
damental. O projeto teve início com a organização e sistematização de algumas
etapas junto aos acadêmicos de Enfermagem, visando uma participação efetiva
e comprometida. Primeiramente, foi necessário o recrutamento e a seleção dos
graduandos em Enfermagem interessados em participar do trabalho. Nesta etapa,
foi feita uma divulgação, a partir da qual, posteriormente, os interessados fize-
ram sua inscrição. Foram realizadas reuniões com os interessados e as docentes
responsáveis pelo projeto, para explicação de todo o processo de elaboração do
trabalho e capacitação dos acadêmicos, como também a disponibilidade de cada
um para a participação de acordo com o planejamento de trabalho.
Terminada a etapa de inscrição e seleção dos graduandos de Enfermagem
para a participação nas oficinas foram realizados encontros para a capacitação,
que foi desenvolvida pelas docentes do curso de Enfermagem na qual foram
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
307

abordados temas relacionados a IST e sua prevenção, gravidez precoce e, princi-


palmente, às adequações dessas temáticas ao currículo dos anos finais do Ensino
Fundamental, como também à linguagem a ser utilizada com os alunos. Todos os
graduandos receberam uma apostila sobre o conteúdo, elaborada pelas docentes,
para que pudessem conhecer o tema com que iriam trabalhar e se aprofundarem
nele. Com essas reuniões de capacitação, foi possível esclarecer dúvidas acerca
de questões que os graduandos apresentavam às docentes.
Posteriormente, os participantes elaboraram uma apresentação em Power-
Point para as docentes do projeto com orientações sobre IST, métodos contra-
ceptivos e quatro oficinas com as temáticas propostas, no intuito de adequarem
as oficinas e definirem alguns pontos importantes quanto ao desenvolvimento
do trabalho na escola. Ao todo, participaram do projeto 10 graduandos do curso
de Enfermagem, dois docentes do curso e uma docente que coordenou o projeto.
Para a realização do trabalho nas escolas, os graduandos foram acompanhados
pelas docentes do Curso de Enfermagem e pela docente coordenadora.
Em cada turma de 8º e 9º ano do Ensino Fundamental, foi realizada uma
palestra inicial em torno de 40 minutos, com orientações sobre a temática com
os seguintes pontos apresentados: nomenclatura IST; o que são as IST; quem
pode adquirir IST; transmissão das IST; dados epistemológicos em Londrina;
principais IST com sinais, sintomas e tratamento (AIDS, HPV, Cancro mole,
Hepatite B, Herpes genital, Sífilis, Candidíase); prevenção das IST; gravidez na
adolescência; métodos contraceptivos, pílula do dia seguinte, preservativo mas-
culino e feminino, diafragma, DIU; dúvidas mais frequentes; o que fazer se ad-
quirir uma IST; teste rápido para sífilis, hepatite, HIV e gravidez.
Após a palestra, desenvolveram-se as quatro oficinas, de forma lúdica e
interativa, com o objetivo de informar e educar os estudantes acerca de pre-
venção de IST e gravidez precoce. Para a realização das oficinas, separamos os
alunos do Ensino Fundamental em dois grupos. Cada grupo teve a presença
de quatro graduandos e uma docente de Enfermagem para coordenarem as
atividades. O grupo 1 aplicou as oficinas Dinâmica do Semáforo e Negociação
do uso da Camisinha; o grupo 2 realizou as oficinas Cadeia de Transmissão e
Métodos Contraceptivos.
Dessa maneira, os alunos dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental foram
organizados em grupos em torno de 20 alunos para a participação nas oficinas.
As quatro oficinas ocorreram simultaneamente em ambientes separados e em
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
308

dois momentos: primeiramente, o grupo A participou de duas oficinas, Dinâmica


do Semáforo e Negociação do uso da Camisinha, enquanto o grupo B participou
das oficinas Cadeia de Transmissão e Métodos Contraceptivos. Na sequência,
os alunos trocaram de salas. Assim, tanto o grupo A como o B participaram de
todas as oficinas. O tempo total de participação dos alunos em todas as oficinas
foi em torno de uma hora e dez minutos.
Com o intuito de permitir aos alunos uma abordagem mais interativa, eles
foram incentivados a participarem, expondo suas vivências ou somente mostrando
suas incertezas. A intenção das atividades foi de deixá-los livres, sem limitações
e impedimentos, fornecendo-lhes orientações para que tudo ocorresse de forma
simples e natural. A seguir, descrevemos cada uma das oficinas, as quais foram
adaptadas de Lopes et al. (2019).

1ª Oficina: Dinâmica do Semáforo


A oficina “Dinâmica do Semáforo” teve como objetivo realizar alguns ques-
tionamentos acerca de riscos de contrair as IST, fazendo com que os alunos refle-
tissem sobre preconceitos e julgamentos preestabelecidos pela sociedade sem o
devido conhecimento científico de como se adquire uma IST ou gestação precoce.
Para sua realização foram confeccionadas várias plaquinhas com palito de sorvete
e papel EVA de cor vermelha, amarela e verde para indicar as cores do semáforo.
Também foi confeccionado um cartaz com a indicação de um semáforo com as
cores, correlacionando com os riscos para adquirir uma IST. Na dinâmica, os
graduandos de Enfermagem realizaram as seguintes perguntas:
a) Que tipo de risco ocorre ao beijar e abraçar alguém que tem AIDS?
b) Qual o risco de transmissão de IST na relação homoafetiva sem o uso de
preservativo?
c) Pessoas com um único parceiro sexual ao longo da vida correm o risco de
adquirir uma IST?
d) Qual o risco de engravidar durante a relação sexual sem o uso de métodos
contraceptivo?
e) Qual o risco de “pegar” alguma IST, quando você usar o vaso sanitário e to-
mar água no mesmo copo de alguém que tem IST?
f) Qual o risco de transmissão de IST da mãe para o bebê durante gestação,
parto e amamentação?
g) Qual o risco de pegar uma IST por meio do sexo oral?
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
309

h) Qual o risco de contaminação de IST por picada de insetos como pernilon-


go, mosquitos, abelha, entre outros?
i) Qual o risco de contrair uma IST por equipamento de salão de beleza e de
tatuagem?

Foram distribuídas aos alunos três placas de cores diferentes – vermelho,


amarelo e verde – e explicado o significado dessas cores, relacionando-as com o
semáforo e os riscos para se adquirir uma IST. A cor vermelha indica alto risco
para se adquirir uma IST; amarelo significa baixo risco; verde equivale a livre de
riscos. Na explicação, esclareceu-se que realizaríamos algumas perguntas e, de
acordo com o conhecimento deles, cada aluno ergueria uma placa da cor cor-
respondente à resposta da questão. Realizaram-se as oito questões subsequentes;
a cada pergunta, os alunos respondiam levantando a placa indicativa com a cor
para a resposta correta.
Depois de realizadas as perguntas e os alunos exporem suas opiniões, os
graduandos fizeram indagações acerca das respostas e, em seguida, foram clari-
ficados os riscos envolvendo a questão abordada de acordo com as dúvidas e os
erros nas respostas. A maneira como o trabalho foi desenvolvido com os alunos
permitiu um envolvimento maior do que se as perguntas partissem diretamente
da iniciativa deles, pois permitiu maior envolvimento dos estudantes.

2ª Oficina: Negociação do Uso da Camisinha


A oficina “Negociação do Uso da Camisinha” objetivou proporcionar aos
estudantes uma reflexão sobre a necessidade de negociação do preservativo com
o(a) parceiro(a) e debater quando falar sobre isso com ele(a). Para confecção do
material, foram utilizados lápis, cartolina, cola e tiras de papel, com as seguintes
frases: a) Negociar o uso da camisinha; b) Dançar; c) Acariciar; d) Tirar a roupa;
e) Relação sexual; f) Ejacular; g) Ir até minha casa ou a outro local apropriado;
h) Beijar; i) Convidar para tomar um suco ou sorvete; j) Apresentar-se.
Os 20 alunos foram divididos em quatro grupos com cinco participantes
em cada um para o início da oficina. Cada grupo recebeu cartolina, cola e as
tiras de papel com as frases escritas. Solicitou-se aos alunos que colocassem
as atividades (frases) citadas na ordem em que acreditavam ser mais correta,
decidindo em que momento a negociação da camisinha deveria ser mencio-
nada. Foi dado um tempo para os grupos conversarem, organizarem as ideias
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
310

e, posteriormente, colarem as tiras de papel na cartolina na ordem em que o


grupo decidiu.
Quando terminaram, solicitou-se que o representante de cada grupo lesse
a ordem em que foram colocadas as tiras de papel e em que momento acharam
que deveria ser negociado o sexo seguro. Cada grupo colocou os argumentos que
poderiam ser usados para negociar com o(a) parceiro(a) o uso da camisinha e,
por fim, os graduandos realizaram os comentários sobre as apresentações com
o intuito de esclarecer as dúvidas que surgiram.

Oficina: Cadeia de Transmissão


Na oficina “Cadeia de Transmissão”, o objetivo foi proporcionar aos alunos
a identificação da cadeia de transmissão e refletir sobre a vivência sexual res-
ponsável. Os materiais utilizados foram aparelho de som, lápis, cartolina com
as legendas das figuras e fichas de papel com uma das figuras (triângulo verde,
círculo vermelho ou estrela azul). Entre os 20 alunos participantes, distribuímos
as fichas da seguinte forma: uma ficha única com o triângulo verde; 10 alunos
com a ficha com círculo vermelho; e 9 alunos com a ficha com a estrela azul. Para
a realização dessa oficina, foi necessário utilizarmos um espaço para os alunos
circularem e dançarem durante o trabalho.
De posse de um lápis e uma ficha com uma figura colada, os alunos dan-
çaram conforme o ritmo musical assim que a música iniciou. Quando a música
parou, os alunos se aproximaram de um colega e copiaram o desenho de sua fi-
cha. Novamente a música voltou a tocar e, quando parou, todos se aproximaram
de outro colega e copiaram os desenhos contidos em sua ficha. Essa dinâmica
foi repetida por quatro ou cinco vezes e depois se apresentou ao grupo a legenda
com as seguintes figuras:
• Portador de IST (triângulo verde);
• Fez uso de Preservativo (círculo vermelho);
• Não fez uso de preservativo (estrela azul).

Indagamos os participantes sobre quais os desenhos cada um tinha na sua


ficha após a dinâmica. Ao lado da legenda indicada, colocamos o número de pes-
soas que teve na sua ficha pelo menos um triângulo verde copiado. Os graduandos
explicaram aos alunos o resultado dessa dinâmica, estabelecendo algumas corre-
lações como: todas as vezes que a música parou, era como se tivéssemos trocado
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
311

de parceiro(a) sexual; quando copiamos os desenhos do colega, foi análogo aos


relacionamentos anteriores que acompanham os novos relacionamentos. O único
portador de IST tinha o triângulo verde na ficha ou copiado, transmitindo assim
as IST para as pessoas com quem obteve contato.
Quem fez uso do preservativo − ficha com círculo vermelho − e entrou
em contato com a situação de risco − triângulo verde − como estava protegido
não adquiriu a doença, mas quem não usou − estrela azul − correu risco de ad-
quirir uma IST. Essa abordagem teve o intuito de promover uma reflexão sobre
autocuidado, vivência sexual prazerosa e responsável, comportamento de risco
e cadeia de transmissão.

4ª Oficina: Métodos Contraceptivos


O objetivo da oficina “Métodos Contraceptivos” foi reconhecer a impor-
tância dos métodos contraceptivos para prevenir uma gestação indesejada. Os
materiais utilizados foram aparelho de som, bexiga, papel e caneta. Essa dinâmica
baseia-se na tradicional brincadeira da batata quente.
Inicialmente, organizou-se um círculo com os alunos e uma única bexiga
foi cheia. A brincadeira começou quando colocamos uma música. Os alunos
então passaram a bexiga de mão em mão até que a música foi interrompida. A
pessoa que estava com a bexiga no momento em que a música parou respon-
deu à seguinte pergunta: qual método contraceptivo você usaria para evitar
uma gravidez indesejada? Então, a resposta foi analisada pelos graduandos de
Enfermagem verificando se o método proposto realmente impede uma gesta-
ção. Se sim, a brincadeira continuava. Caso a resposta não fosse satisfatória,
a bexiga passava a ser usada como uma “barriga de grávida” por essa pessoa.
Também responderam à seguinte pergunta formulada pelos graduandos: como
sua vida será afetada pela gravidez?
A brincadeira continuou com uma nova bexiga até que a grande maio-
ria tivesse participado ou todos os contraceptivos tenham sido lembrados.
Os alunos anotaram todos os métodos já ditos pelos colegas. Aqueles que
colocaram a bexiga sob suas roupas, simulando uma gravidez, ficaram dessa
maneira até o fim da dinâmica. Ao final da brincadeira, os graduandos de
Enfermagem fizeram um apanhado geral a respeito do que foi ouvido. Dis-
cutiu-se o relato de dados sobre a eficácia de cada método e quais garantem
proteção contra as IST.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
312

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relato da experiência com oficinas pedagógicas sobre educação sexual


no Ensino Fundamental apresentado neste capítulo evidencia a necessidade de
mais estudos, discussões e reflexões sobre a prevenção da gravidez precoce e
IST. Acreditamos que a maneira como a temática foi abordada contribui para
que os adolescentes consigam fazer as escolhas certas e de maneira consciente
para o seu futuro.
Durante a execução das oficinas, foi possível esclarecer as dúvidas, realizar
troca de conhecimento e experiências pessoais. Além disso, possibilitou verificar
a existência de carência de conhecimento nos temas tratados e a dificuldade dos
professores para abordarem o tema na sala de aula, pois alguns professores da
escola estiveram presentes durante a realização da palestra e das oficinas apenas
para acompanhar os alunos, sem interferirem nos trabalhos. Existe certa resis-
tência sobre o tema e em como apresentá-lo de uma forma clara e específica ao
adolescente nessa fase de transição.
A interação e participação ativa dos alunos participantes do Ensino Fun-
damental nas oficinas permitiu uma troca de informações e esclarecimentos de
acordo com as dúvidas expostas. O ambiente escolar também contribuiu de forma
significativa para o envolvimento dos alunos, tornando o momento do trabalho
o mais natural possível, o que possibilitou que alguns alunos procurassem tanto
os graduando como as docentes, ao término das oficinas, para esclarecerem dú-
vidas específicas ou mesmo contarem suas vivências pessoais. Importante res-
saltar que os professores que acompanharam os estudantes durante a realização
das oficinas também procuraram os graduandos e as docentes de Enfermagem
para esclarecimento de dúvidas.
Sabemos que no ambiente e nas rodas sociais que os adolescentes vivenciam
surge o assunto sobre a sexualidade e a saúde reprodutiva, mas quase sempre de
uma maneira superficial, sem o conhecimento específico sobre os métodos con-
traceptivos e as várias formas de contágio de IST, o que gera muitas dúvidas. Desse
modo, para uma abordagem efetiva sobre saúde sexual e reprodutiva admitimos ser
relevante a presença de profissionais da área da saúde que trabalhem em parceria
com os professores na escola. Assim, é de extrema importância que o trabalho das
equipes de saúde, principalmente do enfermeiro, venha contribuir com a educa-
ção em saúde nas escolas. O profissional enfermeiro é dotado de conhecimentos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
313

específicos sobre prevenção e manutenção da saúde e seu papel junto à comuni-


dade escolar coopera para a qualidade de vida da população. Corroborando essa
reflexão, os estudos de Costa, Figueiredo e Ribeiro (2013) apontam que educadores
consideram importante a participação do trabalho do enfermeiro nas escolas por
promover ações de educação, promoção e prevenção à saúde.
Admitimos que a aproximação do enfermeiro à escola trouxe para o gra-
duando de Enfermagem a possibilidade de reconhecer quais são os problemas
mais relevantes para aquele público e desenvolver ações que auxiliem na resolução
desses problemas. Além disso, possibilita que o graduando tenha uma visão das
necessidades dessa comunidade, ajudando e desenvolvendo práticas em Educa-
ção para Saúde. Assim, a experiência em participar de um trabalho voltado para
as necessidades da população foi de grande relevância para os graduandos. Para
as docentes do Curso de Enfermagem, a participação foi efetiva e satisfatória por
proporcionar aos graduandos esta experiência de aprendizado para o aperfeiçoa-
mento profissional dos futuros enfermeiros.

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20 PROCESSO EDUCATIVO CRÍTICO SOBRE A
SEXUALIDADE: CONSTRUÇÃO SUSTENTADA
NO ITINERÁRIO DE PAULO FREIRE

Adriana Marcela Monroy Garzon1


Kênia Lara da Silva2

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo está centrado no relato da construção de uma experiência de


educação para a sexualidade com adolescentes de escolas rurais, com base nos
conceitos emancipadores e dialógicos da Pedagogia de Paulo Freire. Adotou-se
a proposta freiriana que, além de ser um método, é uma postura de vida corpo-
rificada nos processos de ensino. Compreende-se que ela significa uma extensão
do “eu” como ser humano no rol de educador e o compromisso assumido com
a sociedade.
Na perspectiva do estudo, a escola apresenta-se como um espaço privilegiado
para a promoção da saúde com foco na saúde sexual e reprodutiva, embora haja
grandes desafios e tensões ideológicas na atualidade no campo da educação para
a sexualidade. É perceptível a resistência em reconhecer e tentar ensinar a edu-
cação sexual aos jovens, evidenciando-se as dificuldades em aceitar que eles são
sexualmente ativos. Assim, a educação sexual é representada de forma negativa

1 Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Faculdade de Enfer-
magem Universidade del Bosque-Bogotá.
2 Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora e coordenadora de
Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da UFMG.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
317

e heterossexista, favorecendo o desconforto, a hostilidade e o constrangimento


pela relação de poder estabelecida entre professor e estudante. Na sala de aula, o
tema da sexualidade ainda é, em geral,

[...] um tabu geracional, pelo menos nos discursos legitimados pelos/as profes-
sores/as ao trabalhar com a educação sexual, obscurecendo a multiplicidade de
concepções e as consequências sociopolíticas e culturais ao entendê-la como
uma dificuldade individualizada. Na sala de aula, são visualizados corpos sem
desejo, [..] os jovens são tidos como des-sexualizados na escola, como se corpo
e mente existissem separadamente ou se os significados constitutivos daquilo
que somos, sabemos e aprendemos existissem desvinculados de nossos desejos
(LOPES, 2008, p. 125).

Por conseguinte, as atitudes pedagógicas, o grau de confiança, a afinidade


com os adolescentes, o respeito da cultura e dos conceitos preestabelecidos da
sexualidade de quem ensina são elementos-chave para o desenvolvimento da
educação para sexualidade (MATOS et al., 2016). A despeito dos desafios e das
situações-limites da educação à sexualidade identificados, bem como a precarie-
dade da educação rural, a padronização das ações educativas que desconhecem
a cultura das diversas comunidades rurais e os saberes em torno da sexualidade,
a pedagogia freiriana oferece elementos teóricos e metodológicos valiosos para
uma abordagem transformadora.

2 DESCRIÇÃO DO CAMPO

Alinhando-se com as etapas do itinerário freiriano – investigação vocabu-


lar, tematização, problematização e avaliação –, foi desenvolvida uma pesquisa
ação em duas escolas públicas de dois contextos culturalmente e geograficamente
diferentes. O contexto brasileiro é uma escola do distrito rural de Ipoema, no
município de Itabira (MG), localizado a 85 km da cidade de Belo Horizonte, com
aproximadamente 2.746 habitantes, que guarda boa parte da história dos tropeiros
preservada no Museu do Tropeiro local. Ipoema é reconhecida tanto pela oferta
de turismo histórico quanto ecológico. As fontes econômicas são derivadas do
turismo ecológico e da produção de biscoitos e quitandas em uma pequena fá-
brica localizada na zona rural, onde trabalham alguns pais das crianças da escola
local. Conta também com a produção familiar de cachaça artesanal, cultivos de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
318

café, milho, produção de queijo, entre outros. O distrito de Ipoema conta apenas
com a escola Estadual Professor Manoel Soares, cenário desta pesquisa. A ins-
tituição educativa acolhe crianças e adolescentes da zona urbana do distrito de
Ipoema e de 20 comunidades rurais. A escola apresenta três jornadas (manhã,
tarde e noite), além da jornada integral. A jornada da manhã acolhe estudantes
do Ensino Fundamental até o Ensino Médio, sendo a maioria das zonas rurais.
Quanto à jornada da tarde, atende as Séries Iniciais e uma turma do Ensino Mé-
dio da área urbana. À noite, funciona a modalidade Educação de Jovens e Adul-
tos (EJA). Por último, a jornada integral é voltada ao atendimento de estudantes
que têm maior risco social.
O segundo contexto foi uma escola localizada no município de Supatá, na
região central da Colômbia, situado a 76 km de distância da capital colombiana,
Bogotá. Na atualidade, o referido município tem 5.027 mil habitantes (zona ur-
bana e rural) e 18 povoados rurais. A escola adota uma modalidade agroindus-
trial e, desde o ano de 2014, encontra-se em nova sede, com ampla infraestrutura
física. Dispõe de dois prédios de salas de aula, sendo que cada sala possui uma
televisão. A instituição educativa tem, ainda, sala de informática, laboratório de
química, restaurante escolar, lanchonete, sala de professores, quadra de futebol,
três amplas zonas verdes para o lazer e uma biblioteca com acesso à internet.
Os sujeitos do estudo aqui apresentado eram adolescentes escolarizados,
com idades variáveis entre 14 e 17 anos, e que moravam nos povoados do distrito
rural de Ipoema, no Brasil, e do município de Supatá, na Colômbia.

3 DESENVOLVIMENTO DO PERCURSO
METODOLÓGICO FREIRIANO

No cenário da educação tradicional e frente ao cotidiano da escola rural,


carregado de práticas bancárias, passivas e silenciadoras da educação para a se-
xualidade, a proposta exigiu a utilização de ferramentas que privilegiassem a
criatividade e o bom senso, a fim de superar as diversas barreiras e resistências
históricas e culturais instauradas nos contextos. Dessa forma, buscou-se uma
práxis educativa que fosse coletiva e transformadora.
Foram realizados círculos de cultura para cumprir as fases de tematização,
problematização e avaliação após um intenso trabalho de investigação vocabular.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
319

Na sequência, apresentamos a implementação do percurso adotado, que se cons-


titui de quatro fases, com a descrição das estratégias, das técnicas de registro e
do tempo de investimento correspondentes a cada uma.

Fase 1: Investigação
– Estratégias: observação, observação participante e conversas informais;
– Técnicas de registro: Diário de campo, gravações de voz e fotos;
– Tempo de investimento: seis semanas na escola brasileira; quatro semanas
na escola colombiana.

Fase 2: Tematização
– Estratégias: observação participante e grupos focais;
– Técnicas de registro: gravações de áudio e vídeo, notas de diário de campo
e fotos;
– Tempo de investimento: dois círculos de cultura no Brasil e dois círculos de
cultura na Colômbia.

Fase 3: Problematização
– Estratégias: observação participante e grupos focais;
– Técnicas de registro: gravações de áudio e vídeo, fotos;
– Tempo de investimento: quatro círculos de cultura no Brasil e três círculos
de cultura na Colômbia.

Fase 4: Avaliação
– Estratégias: observação participante e grupos focais;
– Técnicas de registro: mapa corporal coletivo, gravação áudio e vídeo e fotos;
– Tempo de investimento: quatro mapas corporais grupais (BR) e três mapas
corporais grupais (CL).

Em cada círculo de cultura, foram utilizados jogos e dinâmicas como estra-


tégias de codificação dos elementos para a construção social da temática (CAS-
TRO; TREDEZIN, 2014), acreditando que as pessoas que participam de ativida-
des lúdicas na prática educativa conseguem trazer significados e representações
de seus cotidianos. Com isso, pode-se favorecer processos como criatividade,
coesão de grupo e motivação. Araújo (2000) refere-se à importância do lúdico
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
320

quando defende que “O jogo é construtivo, pois pressupõe uma ação do indiví-
duo sobre a realidade, motivando e possibilitando a criação de novas ações. De-
senvolve sua imaginação, levando-o a compreender o mundo que o cerca. Por
esta razão, a escola o utiliza no processo de ensino-aprendizagem” (CASTRO;
TREDEZIN, 2014 p. 17).
As atividades lúdicas funcionam como recursos mediadores na prática edu-
cativa, dado que os elementos-chave extraídos durante a fase investigativa e a de
tematização se corporificaram dentro dos círculos de cultura. Importa ressaltar
que cada elemento lúdico foi cuidadosamente construído e adaptado para ser-
vir como elemento provocador durante o desenvolvimento de cada círculo de
cultura, longe de ser tão somente um elemento ingênuo e espontâneo inserido
na prática pedagógica.
Na “Pedagogia da Autonomia”, Paulo Freire defende que o educador, para
construir uma prática docente crítica e reflexiva, precisa desenvolver saberes
indispensáveis, dentre eles a exigência de uma rigorosidade metódica e de se
pensar sobre o fazer (FREIRE, 1996). A maneira como foram desenvolvidos os
círculos permitiu afastar de processos simplesmente transmissores de informação
e aproximar de maneiras mais criativas e tangíveis, as quais contribuíram para
despertar a curiosidade dos adolescentes, possibilitando, com isso, outros olhares.

3.1 Fase de investigação vocabular


Para Freire, nesta primeira fase, investigam-se as relações do homem com o
mundo, os pensamentos-linguagem referidos à realidade, os níveis de percepção
dessa realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus
“temas geradores” (FREIRE, 1987). Essa fase exige do educador bom senso,
capacidade de observação, de escuta respeitosa, disponibilidade de tempo para
participar, acompanhar o cotidiano dos adolescentes e desvelar as relações com a
realidade. Educador e educandos tecem uma relação de empatia que, ao longo do
processo pedagógico crítico, torna-se vínculo de afetividade pelo compromisso
assumido reciprocamente para superar as situações limites e deterministas da
realidade. Não há questionários nem roteiros predeterminados para a pesquisa.
“Se houvesse, eles seriam como uma cartilha” (BRANDÃO, 1994, p. 12). Explorar
a perspectiva do adolescente sobre a sexualidade requereu, primeiro, a construção
de uma relação de empatia, fortemente necessária para depois construir um
vínculo de confiança.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
321

A principal ferramenta utilizada nessa etapa foi o diário de campo, enri-


quecido todos os dias, ao final da jornada, com notas de voz, registros e fotos. O
diário de campo, na perspectiva da pesquisa qualitativa em saúde, além de ser
o caderno e a fonte no qual se registram situações, conversas informais, fatos,
impressões pessoais, faz parte também da construção e da análise do objeto de
estudo, pois nele é descrito aquilo que é vivenciado no cotidiano dos sujeitos
envolvidos e constitui-se parte da memória do pesquisador e sua pesquisa (OLI-
VEIRA, 2014; SANTOS DE ARAÚJO et al., 2013).
As estratégias utilizadas para vivenciar o campo, compreender a dinâmica
organizacional e o cotidiano da escola tiveram foco no acompanhamento e na
observação, em várias turmas, ao longo das diferentes disciplinas, nos intervalos
de aula, nos momentos das refeições, nos torneios escolares, nas atividades na
biblioteca e no acompanhamento dos estudantes durante suas rotas escolares.
O trabalho de campo resultou em 106 horas de observação e registro, sendo 59
horas no contexto brasileiro e 47 horas no contexto colombiano.
Ao término da fase investigativa, houve a percepção de que já se havia con-
seguido estabelecer uma relação de simpatia e confiança com os adolescentes e
compreender sua linguagem, ou seja, a maneira como se expressavam com suas
gírias e como a sexualidade permeava diferentes espaços no cotidiano daqueles
meninos e meninas.

3.2 Fase de tematização


Na fase de tematização, os temas geradores são concebidos como a cons-
trução de um conjunto de enunciados linguísticos, gírias e formas autênticas
de pronunciar a realidade e as situações limites. Consequentemente, os temas
geradores contêm palavras geradoras como elementos de codificação, geran-
do uma cadeia de enunciados e desdobrando-se em outros temas instigadores
(FREIRE, 1979). Essa fase exige ao educador compreender a ressonância das
palavras, isto é, o conjunto de reações, sentimentos que geram uma frase, uma
conversa, uma palavra. Estas formações linguísticas, com mais ressonância no
grupo, carregam simbolismos e significados de como se faz a leitura do mundo,
desvelando, de certa forma, a consciência ingênua dessa leitura. A codificação
pressupõe uma análise com profundidade das situações-limites, representados
de maneira criativa aos participantes, agindo como elementos provocadores de
uma discussão crítica e reflexiva sobre a palavra codificada.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
322

Assim, os temas geradores representam a relação entre a realidade do grupo


e o mundo. É, portanto, de grande interesse para os participantes porque faz par-
te de suas vidas diárias e incentiva-os a querer saber mais sobre o que está em
discussão. Para a concretização dos temas, foram desenvolvidos dois círculos de
cultura, buscando ser coerente com os princípios da pedagogia crítica e reflexi-
va, na medida em que se conseguiu possibilitar envolvimento/participação dos
educandos durante todas as fases do processo.
O primeiro círculo apontou desafios, principalmente, no que se refere a di-
zer e escutar a palavra “sexualidade”, pois há uma predominância de sentimentos
como vergonha e julgamento entre os pares. Evidenciou-se que o tema da sexua-
lidade tem sido silenciado, além de haver uma resistência nos diferentes contextos
de convivência dos adolescentes. Contudo, ressalta-se a curiosidade dos adoles-
centes como um elemento potencial para a descoberta de informações e a partilha
de experiências entre os grupos de amigos mais íntimos. Nessa mesma linha de
pensamento, o contexto no qual sejam desenvolvidas as atividades e os círculos de
cultura deve propiciar confiança e privacidade para os adolescentes, ao abordar-se
o assunto. No contexto brasileiro, foram identificadas 35 frases ou gírias carrega-
das de ressonância, e, no contexto colombiano, 34 frases extraídas tanto da etapa
de investigação, quanto da transcrição na íntegra do primeiro círculo de cultura.
No segundo círculo de cultura, cujo objetivo foi explorar ainda mais o uni-
verso vocabular dos adolescentes, concretizar as palavras-chave, bem como os
temas geradores, foram desenvolvidas duas dinâmicas, a primeira, “desenhando
o monstrinho”, e a segunda, o “retorno das palavras”. A primeira dinâmica indi-
vidual – “desenhando o monstrinho” – foi realizada com a finalidade de refletir
sobre as diferentes percepções das pessoas a respeito da mesma realidade. Nessa
dinâmica, cada adolescente desenhou em uma folha de papel “o seu monstro”, de
acordo com as instruções específicas dadas para o grupo sobre como deveriam
pintá-lo. Em seguida, todos os participantes colocaram seu desenho individual
no chão. Nenhum monstro era igual ao outro, mesmo os adolescentes tendo re-
cebido as mesmas indicações para desenhá-lo. Essas gravuras serviram como
elementos provocadores a fim de facilitar o desenvolvimento da discussão, a
partir da seguinte pergunta: “meninos, por favor, olhem e digam: o que vocês
conseguem perceber dos desenhos?”. Dessa forma, o grupo refletiu sobre como a
realidade é percebida de maneira singular, dependendo das experiências de vida,
habilidades e oportunidades de cada um.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
323

A segunda dinâmica – “retorno das palavras” – aconteceu da seguinte ma-


neira: as frases identificadas, escritas em diversos papéis coloridos, serviram como
elementos disparadores para que o grupo de adolescentes fizesse uma releitura
a partir de suas visões e opiniões. Durante a releitura das frases, os grupos de-
senvolveram discussões e reflexões, problematizando as palavras, na tentativa
de agrupá-las dentro de diversas caixas de papelão, de acordo com a relação e o
significado que elas tinham para eles. Assim, as frases foram agrupadas em cinco
caixas de papelão, transformando-se em palavras-chave e sendo concretizadas
em temas geradores. No caso do contexto brasileiro, foram 21 palavras-chave,
concretizadas em cinco temas geradores; no contexto colombiano, foram 16
palavras-chave concretizadas em três temas geradores. A seguir, apresentamos
os temas geradores construídos em cada contexto.

Temas geradores no contexto brasileiro


1) A procura do saber na sexualidade;
2) Desafios para o diálogo sobre a sexualidade;
3) A diversidade da sexualidade;
4) O silêncio da sexualidade;
5) O corpo - entre informações dialogamos.

Temas geradores no contexto colombiano


1) Os desafios do diálogo sobre sexualidade;
2) Os preconceitos e desigualdades de gênero na sexualidade;
3) Minha sexualidade é um perigo?

3.3 Fase de problematização


Na fase de problematização, considerada como uma continuidade da fase
de tematização, os participantes e o pesquisador buscaram superar uma primeira
visão mágica por uma visão crítica do mundo, concretizada nos temas propostos.
A problematização desenvolveu-se nos demais círculos de cultura, nos quais os
temas geradores concretizados e suas situações limites se desdobraram e foram
decodificados por meio de debates, discussões e reflexões construídas pelos
estudantes, permitindo a compreensão da sua natureza.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
324

Em cada círculo de cultura, foram introduzidos elementos provocadores


(gravuras, jogos, dinâmicas, charges) como formas criativas de apresentar a co-
dificação do tema gerador. Os elementos foram cuidadosamente criados e en-
volvidos nos círculos de cultura, sempre com uma intencionalidade de motivar
a dizer a palavra, acompanhados por perguntas norteadoras, instigadoras para
os participantes. Desse modo, foram construídos cinco círculos de cultura no
contexto brasileiro e três no contexto colombiano.
O formato do círculo facilita uma interação mais horizontal de todos os
participantes. Percebe-se um fluxo de comunicação em igualdade de condições
entre educandos e educador. Tal formato, de alguma forma, contribui para a
ruptura de relações hierárquicas e impositivas ao longo das discussões e debates.
A seguir é apresentada a descrição de dois círculos de cultura que corres-
pondem a problematização de dois temas geradores.

3.3.1 A procura do saber na sexualidade


A problematização do tema gerador “a procura do saber na sexualidade”
tinha como objetivo problematizar como se configuram as relações de confiança
e as ferramentas informativas disponibilizadas para dialogar sobre a sexualida-
de. O círculo iniciou-se com uma atividade chamada “círculo no ar”, destinada
a convocar uma reflexão da construção da confiança.
Nesta dinâmica, os participantes, reunidos no formato de círculo, senta-
dos cada um numa cadeira tinham que deitar-se no colo do colega que ficava
atrás dele e tentar segurar o companheiro com as pernas enquanto a pesqui-
sadora puxava as cadeiras. Assim, conseguiram construir um círculo no ar
com seus corpos. A dinâmica foi desenvolvida pelos adolescentes entre risos,
alegria e ansiedade, levando em consideração que era necessário ter respon-
sabilidade com o colega para não o deixar cair no chão. Após o término da
dinâmica, foi feita uma discussão, buscando refletir sobre os elementos que
são necessários para a construção da confiança e os desafios que se apresen-
tam em nossas relações.
A seguir, para a segunda dinâmica, colocamos no chão algumas gravuras,
como o modo de codificação, que remetessem às palavras-chave, (diálogo, con-
fiança, internet, maturidade) que constituíram o tema gerador na fase de tema-
tização. Ao fazer esse exercício, relembramos o porquê foram escritas aquelas
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
325

palavras, construindo, assim, um círculo de memória que, na metodologia frei-


riana ocupa um lugar importante, pois é através dela que refletimos o dito, o
falado e também nossas ações.
Posteriormente, foi lançada a primeira pergunta provocadora sobre os de-
senhos: quais eram os elementos que compunham aqueles desenhos? O segun-
do questionamento foi: qual é o lugar que ocupam as pessoas nesses desenhos?
A terceira pergunta foi: dos desenhos visualizados vocês acham algo parecido
com a realidade de vocês? A ideia, ao se fazer essa pergunta, foi a de levá-los ao
processo de decodificação a partir das gravuras que representavam uma concre-
tização dos seus cotidianos. Dando continuidade ao processo de decodificação,
durante a discussão foi lançada a pergunta: qual era o lugar que ocupavam as
pessoas nessas gravuras e a internet, quando se procuravam informações sobre
a sexualidade?
Na discussão, foi debatido sobre as ferramentas que os adolescentes utili-
zam para “discernir” quais informações recebidas pela mídia e pela internet são
confiáveis. No final deste círculo, foram explorados os tipos de ações que podem
favorecer o diálogo sobre a sexualidade.

3.3.2 Preconceito e desigualdades de gênero na sexualidade


O objetivo principal deste círculo foi criar, por meio do diálogo, possibilida-
des de ruptura para desnaturalizar as atitudes do machismo e o preconceito em
relação à diversidade sexual. O primeiro elemento de codificação desse círculo
foi a dinâmica “ os cegos”, na qual os participantes foram dispostos em uma fila
horizontal, com os olhos fechados por uma fita adesiva e em silêncio total. Em
seguida, deveriam escutar nove perguntas e respondê-las. Caso a resposta indi-
vidual fosse o sim, daria um passo para trás; se para alguma pergunta a resposta
fosse o não, deveria permanecer quieto no lugar em que se encontrava. Na se-
quência, as seguintes perguntas foram lançadas:
1) Alguém já lhe falou ou você escutou que, pelo fato de ser homem ou mulher
ou homossexual, faz errada alguma atividade?
2) Você já foi excluído de alguma atividade de lazer, jogos e conversas pelo seu
gênero?
3) Você já sentiu medo de expressar sua maneira de pensar?
4) Você envergonhou alguém pelo seu gênero ou orientação sexual?
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
326

5) Você tem dito palavras ofensivas ou humilhantes para dirigir-se a alguém


de um sexo diferente do seu?
6) Você já vivenciou uma situação como um tapa, um grito ou algum tipo de
violência física em uma discussão com o(a) seu/sua parceiro(a) ou amigos(as)?
7) Tem sido vítima de atitudes machistas na escola?
8) Você maltratou alguém ou foi sexista com um parceiro na escola?
9) Tem discriminado alguém porque ele é de um gênero diferente do seu?

Ao longo dessa dinâmica, os adolescentes tiveram muita vontade de ex-


pressar suas respostas verbalmente, de perguntar para seus colegas ou indicar
para os outros o que deveriam responder. Nesse sentido, foi necessário intervir
lembrando ao grupo sobre as indicações em relação à dinâmica. O silêncio, para
propiciar um ambiente de anonimato e evitar julgamento entre pares, era impres-
cindível nessa atividade. As perguntas feitas trouxeram situações relacionadas
com a realidade na qual temos sido oprimidos ou opressores.
Após terminar as perguntas, eles permaneceram no posto e abriram os olhos,
conferindo a posição em que estava cada colega. Observaram que nenhum de-
les ficou no posto inicial da fila horizontal, pois todos caminharam para frente.
A discussão começou, então, pela reflexão sobre o lugar em que cada um deles
ocupou ao final da dinâmica. Evidenciou-se que todos os adolescentes tiveram
alguma experiência relacionada com situações de desigualdade de gênero ou
violência enunciadas nas perguntas. Somos, portanto, tão vítimas como replica-
dores de atitudes preconceituosas na sexualidade.
Por meio da dinâmica dos cegos, promoveu-se o senso de anonimato
e intimidade diminuindo a percepção de julgamento entre pares, por expor
diante das outras pessoas as situações vivenciadas. A atividade visibilizou de
uma maneira silenciosa as relações emocionais e sociais estabelecidas com seus
colegas, familiares e amigos. Foi de certa maneira um silêncio que precedeu a
reflexão, o diálogo crítico interno e de questionar-se sobre a própria postura
relativa à sexualidade.
Posteriormente, foi configurada uma segunda atividade de codificação e
decodificação, apresentando, ao grupo, charges que enunciavam atitudes pre-
conceituosas sobre o gênero na sociedade. A charge, como elemento ilustrati-
vo humorístico cultural e temporal, representa um discurso sarcástico e crítico
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
327

sobre um modo de pensar, uma situação atual, ou contexto através do humor,


possibilitando ao sujeito uma leitura e reflexão de uma situação (BIDARRA; REIS,
2013; TOLEDO, EDILAINE GONÇALVES, 2011). A discussão sobre as charges
foi orientada pelas perguntas:
1) O que está representando as charges? Qual é sua percepção sobre elas?
2) Temos experiências no dia a dia que têm a ver com essas charges? Por que
acontece esse tipo de situação em meu contexto?
3) Será que eu tenho atitudes radicais de preconceito pelo gênero? Por que será
que acontecem essas posturas radicais ou extremistas?
4) Quais são as possibilidades de mudar um olhar preconceituoso e de julga-
mento na minha comunidade?

Ao longo dos círculos de cultura, foi possível uma problematização do cor-


po biológico para um corpo social, em que perguntas disparadoras convocam
essa transição da consciência dos adolescentes em suas interlocuções para uma
possível visão mais crítica da sexualidade e de sua realidade.

3.4 Fase de avaliação


O processo de avaliação preconizado por Paulo Freire, “Avaliar a prática
é analisar o que se faz”, propõe fazer uma avaliação do significado do percurso
pedagógico mantendo a coletividade como ponto de referência dos processos
educativos. Reforça-se que eles são horizontais e dialogados e que constroem
uma perspectiva crítica e respeitosa pela deferência ao outro, pela diversidade
dos olhares e da sexualidade.
O objetivo desta fase foi aprofundar a percepção individual e coletiva dos
participantes sobre o processo educativo, dialogado e crítico, desenvolvido ao
longo dos círculos de cultura. Foi também uma forma de avaliação utilizada para,
assim, reconstruir um novo olhar crítico da sexualidade. A técnica envolvia o
mapeamento corporal, estimulando a criatividade, usando desenho, pintura ou
outros materiais para representar visualmente aspectos das vidas das pessoas,
bem como seus corpos.
O mapeamento corporal, originado na África do Sul, foi um método de-
senvolvido como terapia de arte para mulheres vivendo com HIV/AIDS em 2002.
Essa técnica artística pode ser entendida como uma maneira de contar histórias e
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
328

percepções através do desenho do corpo, muito parecido com os totens, contendo


símbolos com diferentes significados e que só podem ser entendidos em relação
ao criador e sua experiência (GASTALDO et al., 2012).
Assim, sendo coerente com os conceitos freirianos, foi realizada uma adap-
tação desta técnica individual para uma construção coletiva, resultando na cons-
trução e no desenho de sete mapas corporais grupais.
A primeira dinâmica deste círculo de cultura avaliativo foi um exercício
de valorização da memória coletiva do processo pedagógico construído com
o grupo. O lugar da memória é afirmar que a nossa história, enquanto sujei-
tos, é estar presente nela para nos tornar agentes de mudança (STRECK et al.,
2010, p. 205).
A memória lembra quem e por que somos. Para isso, foram colados, nas
prateleiras e em espaços da biblioteca, registros fotográficos de todos os círculos
e dinâmicas feitas durante o percurso do processo educativo. Na sequência, cada
grupo visualizou as fotos, lembrando o itinerário e as experiências vivenciadas
nos anteriores círculos de cultura. Isso posto, a memória dos eventos vividos
trouxe risos, gargalhadas e comentários positivos aos adolescentes. Para a pes-
quisadora significou, sem dúvida, a alegria de aprender e ensinar, a esperança
de poder dialogar e de dizer a palavra sexualidade sem medo.
Após o momento inicial, cada grupo teve diversos materiais à sua disposição,
como tinta, lápis de cores, papel de cores, tecidos, cola, dentre outros, para serem
utilizados na criação dos seus desenhos. Antes de começar, os participantes re-
tiraram os calçados e qualquer roupa/acessório excessivo, a exemplo de chapéu/
boné, blusa/jaqueta volumosa, bolsa e outros. O roteiro utilizado para a constru-
ção e o desenho do mapa corporal continha perguntas norteadoras individuais
e grupais que exploravam os significados atribuídos na construção coletiva do
processo educativo sobre a sexualidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de construir uma experiência educativa para a sexualidade, no


contexto da escola rural sustentado teórica e metodologicamente no itinerário
freiriano, possibilitou envolver o adolescente e sua cultura em todas as fases do
processo. Com isso, foi possível promover a participação ativa, o diálogo reflexivo
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
329

e crítico, favorecendo o exercício à autonomia da sexualidade, a exploração e


compreensão da cultura e da realidade para transformar padrões de comporta-
mento que reconheçam atitudes consideradas de risco para sua saúde sexual re-
produtiva e permitir escolhas conscientes entorno á sexualidade. Portanto, con-
sidera-se o diálogo crítico e reflexivo como uma ferramenta de cuidado eficaz
para promover a saúde da sexualidade nos adolescentes.
Em um contexto de educação burocrática, formal e impositiva, Paulo Frei-
re aponta formas de contraposição aos modelos autoritários vigentes, em uma
perspectiva que propicia a participação ativa e consciente, considerando as neces-
sidades e diferenças dos indivíduos e das comunidades em que eles se inserem.
É nesse sentido que ocorre o verdadeiro processo educativo transformador e,
sobretudo, humanizador, possibilitando, ainda, que nós, educadores, possamos
refletir sobre nossa práxis educativa, acolhendo as singularidades que configuram
as visões de nossos educandos, sendo o ponto de partida para um verdadeiro
processo educativo transformador e, sobretudo, humanizador.

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uma perspectiva interdisciplinar e dinâmica da Silva Reis. Signo Santa Cruz do Sul, v.
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330

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ago. 2018.
SEÇÃO III – TEMAS E EXPERIÊNCIAS
21 USO DE MATERIAIS DIDÁTICOS
TRIDIMENSIONAIS SOBRE VERMINOSES PARA
ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

Camila Ribeiro de Matozinhos1


Marco Antonio Melo Franco2

1 INTRODUÇÃO

As verminoses fazem parte do cotidiano brasileiro e apresentam grande


importância no contexto da saúde pública, razão pela qual merecem um olhar
mais cuidadoso por parte de pesquisadores e profissionais do campo da saúde
(BRASIL, 2005). Carvalho et al. (2002) e Ferreira et al. (2006) constataram que
é difícil encontrar trabalhos e informações acerca da prevalência de parasitoses
intestinais e que, quando encontrados, são fragmentados, desatualizados e basea-
dos em técnicas parasitológicas não coincidentes, o que impede a comparação de
dados. As crianças são as mais acometidas por doenças, devido a vários fatores,
como hábitos de higiene precários e ausência de imunidade efetiva, afetando até
mesmo o rendimento escolar (NASCIMENTO, 2013).
Por tratar-se de uma temática complexa, este capítulo se limita a abordar
três doenças: ascaridíase (lombriga), teníase (solitária) e esquistossomose (barri-
ga d’água). A opção se deu em função de serem as parasitoses mais referidas nos
livros didáticos do Ensino Fundamental. Ademais, segundo Rocha et al. (2000),

1 Mestre em Ensino de Ciências, Escola Estadual Senador Melo Viana.


2 Doutor em Ciências da Saúde, Prof. do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção da Universidade Federal de Ouro Preto.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
333

Carvalho et al. (2002), Brasil (2005) e Orlandini e Matsumoto (2008), tais doen-
ças são as que apresentam maior incidência no país. O enfoque em determinada
patologia varia de acordo com a região e a ocorrência de casos registrados, como
apontado por Castro e Madeira (2013). A educação mostra-se, pois, como uma
medida profilática dessas verminoses.
Considerando essa perspectiva profilática da educação e seu caráter peda-
gógico, vale ressaltar que o estudo que constitui este capítulo buscou utilizar os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais (PCN – BRASIL, 1998)
como uma das bases para desenvolver a investigação do tema e o ensino a pes-
soas com deficiência visual. Cabe salientar que o material foi aplicado no ano de
2016, período no qual os PCN eram vigentes. Como atualmente está em vigor a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC – BRASIL, 2018), foi necessário atua-
lizar os dados da pesquisa. Consoante o novo documento de referência, uma das
habilidades a serem desenvolvidas consiste em:

Interpretar as condições de saúde da comunidade, cidade ou estado, com base


na análise e comparação de indicadores de saúde (como taxa de mortalidade
infantil, cobertura de saneamento básico e incidência de doenças de veiculação
hídrica, atmosférica entre outras) e dos resultados de políticas públicas desti-
nadas à saúde (BRASIL, 2018, p. 374).

Considerando a importância de associar o conteúdo com as situações que


envolvem o cotidiano dos alunos, é possível inferir que, ao abordar as vermi-
noses, a educação formal exerce um papel educativo pedagógico fundamental,
sobretudo quando se relacionam às medidas de tratamento e a prevenção, como
argumentam Boeira et al. (2009), bem como Castro e Madeira (2013). Esses au-
tores, contudo, mostram que a relevância desse papel não é atingida facilmente.
É comum, por exemplo, que os docentes se sintam despreparados para o ensino
de tal conteúdo.
Quando se aborda o aspecto pedagógico e educacional sobre a temática das
verminoses no ensino regular, sabe-se que, por mais que se debata a esse res-
peito, muitos alunos terminam sua formação pouco conscientes da importância
social do tema. No caso de pessoas com deficiência visual, o ensino do tópico
é muito mais complexo. Como conduzir deficientes visuais à compreensão e à
construção mental do que sejam os vermes? A partir desta questão, decidiu-se
confeccionar materiais didáticos tridimensionais, com o intuito de promover o
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
334

ensino e possibilitar a construção da imagem mental dos respectivos parasitas.


Essa proposta partiu do estudo da morfologia dos vermes em livros de Parasito-
logia, como em Neves e Filippis (2003) e Neves et al. (2005).
Após a escolha dos tecidos e das dimensões (tamanhos), produziram-se
dez modelos didáticos (Figura 1) correspondentes às três doenças selecionadas
e às respectivas fases de desenvolvimento, conforme critérios estabelecidos por
Cerqueira e Ferreira (2000). Esses critérios são sugeridos para atingir a eficácia
almejada, tanto para alunos cegos como para alunos de baixa visão, além de po-
derem ser explorados inclusive por videntes.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
335

Figura 1: Modelos didáticos tridimensionais desenvolvidos

Fonte: Matozinhos (2017).

Legendas: A) Modelo da tênia adulta. B) Elástico representando a tênia. C) Ovo da tênia ampliado. D) Ovo da tênia repre-
sentado por miçanga. E) Modelo ampliado da fêmea da esquistossomose. F) Representação do tamanho natural da fêmea da
esquistossomose. G) Modelo ampliado do macho da esquistossomose. H) Representação do tamanho natural do macho da
esquistossomose. I) Ovo da esquistossomose ampliado. J) Ovo da esquistossomose representado por miçanga. K) Miracídio
ampliado. L) Miracídio em tamanho natural. M) Caramujo ampliado. N) Caramujo em tamanho natural. O) Cercária ampliada.
P) Cercária em tamanho natural. Q) Ascaridíase ampliada. R) Ascaridíase em tamanho natural. S) Ovo da ascaridíase ampliado.
T) Ovo da ascaridíase em tamanho natural.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
336

Além dos materiais didáticos tridimensionais, elaborou-se um manual sobre


as verminoses abordadas. Assim como nos modelos didáticos, para a redação do
manual, desenvolveu-se um estudo prévio sobre a morfologia dos vermes. A par-
tir disso, planejou-se como cada material poderia ser explorado pelo professor,
que partes da estrutura deveriam ser evidenciadas e quais explicações poderiam
ser formuladas sobre a morfologia de cada um.
Cabe esclarecer que não se redigiu o manual para engessar ou limitar o
professor no ensino das verminoses, mas para instruir, inspirar e expandir a
criatividade e as possibilidades de desenvolvimento da atividade. O documento
fornece orientações detalhadas sobre a morfologia das verminoses e esclarece
que é necessário apresentar as estruturas de tamanho aproximado ao real para
depois introduzir o modelo ampliado, a fim de que os alunos não criem a ima-
gem distorcida de que os vermes são de tamanho ampliado. Desse modo, pode
ser explorada cada estrutura, como as ventosas, que possuem diferentes formas
e texturas entre a tênia e a esquistossomose.
A partir dessas sugestões sobre as doenças supracitadas, o manual per-
mite ao professor expandir a discussão, partindo da descrição da morfologia
do verme até aspectos como nome popular, agente etiológico, distribuição
geográfica, contaminação, sintomas e tratamento; e utilizar os modelos di-
dáticos para explicar e enfatizar cada etapa do ciclo da doença. Além dis-
so, o professor pode aprofundar o conteúdo, pois há um glossário sobre as
principais palavras utilizadas na caracterização das parasitoses, de maneira
a construir com os alunos um contexto significativo para o vocabulário em
questão (MEDEIROS, 2016).
Ao desenvolver os materiais didáticos tridimensionais sobre as vermino-
ses, pensou-se em possibilitar aos estudantes conhecer a morfologia e a forma
de contaminação, além de auxiliar o docente durante as aulas. Foi selecionada
uma escola especial, porque o objetivo da pesquisa era verificar as implicações da
aplicação dos modelos exclusivamente com os alunos cegos e não com videntes.
É de extrema relevância desenvolver recursos didáticos para cegos e pessoas
de baixa visão, uma vez que “a carência de material adequado pode conduzir a
aprendizagem da pessoa com deficiência visual a um mero verbalismo, desvin-
culado da realidade” (CERQUEIRA; FERREIRA, 2000, p. 1). Os materiais didá-
ticos tridimensionais proporcionam construir diversas noções do objeto, como
a percepção de estruturas pequenas em um tamanho ampliado e as de grandes
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
337

dimensões em miniaturas. Permitem integrar o mundo e torná-lo mais vasto


para os cegos (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007; CARDINALI; FERREIRA, 2010; PA-
GANO; MARTINS, 2014). Esse recurso auxilia no atendimento ao aluno com
deficiência visual, já que proporciona não somente a apropriação de conceitos,
como também o aumento da motivação para aprender.
Mais especificamente, o público-alvo da pesquisa foram alunos do 8º ano do
Ensino Fundamental, todos cegos, de uma turma composta por seis indivíduos,
sendo três do sexo feminino e três do sexo masculino, na faixa etária entre 12 e
14 anos, de uma escola de Educação Especial do município de Belo Horizonte,
inserida na rede pública do estado de Minas Gerais. Vale dizer que todos os no-
mes apresentados na pesquisa são fictícios, a fim de manter a confidencialidade
dos participantes e da instituição, como acordado no termo de consentimento
livre e esclarecido.
Além da morfologia dos vermes em suas diferentes fases de desenvolvimento
e do tipo de material de construção, outros critérios foram utilizados para confec-
cionar os modelos, como os critérios estabelecidos por Cerqueira e Ferreira (2000)
para alcançar a eficiência desejada: i) tamanho; ii) significação tátil; iii) aceitação;
iv) estimulação visual; v) fidelidade; vi) facilidade de manuseio; vii) resistência; e
viii) segurança. Diante disso, elaboraram-se estruturas de tamanho aproximado ao
real e em modelo ampliado, para permitir a observação dos detalhes morfológicos.
Considerou-se pertinente para este estudo adotar uma abordagem meto-
dológica qualitativa, pois ela “considera que há uma relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo
e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números” (ZAM-
BERLAN et al., 2014, p. 94). Nessa perspectiva, parte do processo foi realizada
pela pesquisa interpretativista, de modo que o acesso ao fato ocorresse “de uma
forma indireta através da interpretação dos vários significados que o constituem”
(MOITA LOPES, 1994, p. 331).

2 ALGUMAS REFLEXÕES E DISCUSSÕES

Durante o desenvolvimento do estudo, foi possível analisar a interação


dos participantes com o material aplicado em sala de aula e verificar os efeitos
do seu uso. Trabalhamos com dois momentos: as aulas sem o uso dos materiais
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
338

didáticos tridimensionais, que foram observadas antes da aplicação dos mode-


los; e a manipulação do material.
A primeira aula observada, acerca de nutrientes, chamou a atenção para
a perspectiva metodológica adotada. A professora fez um ditado de nomes de
alguns nutrientes e suas características e fez o uso de materiais como rótulos de
alimentos. O objetivo dessa atividade era permitir que os alunos conhecessem
os tipos de ingredientes e as informações nutricionais existem nos alimentos, le-
vando-os a refletir sobre a alimentação saudável, rica em fibras, com baixa quan-
tidade de gorduras, sódio e açúcar. Para isso, a professora realizou a leitura dos
rótulos, uma vez que estes não estavam escritos em braile. Foi notável a surpresa
dos alunos diante dos componentes dos rótulos. Algumas inferências a partir do
conhecimento prévio deles foram importantes para se ter ideia do quão distante
está a sociedade da realidade desses alunos e do quão difícil é o acesso a deter-
minadas informações por parte deles. Uma dessas informações diz respeito às
calorias, das quais eles não tinham noção alguma do que fossem, mas puderam
fazer várias inferências, a partir das intervenções da professora.
Cabe destacar que o trabalho com alunos cegos e com a deficiência visual
exige do professor uma perspectiva pedagógica que deve apoiar-se em estratégias
que tornem as informações o mais claras possível. A dificuldade de os alunos
examinarem um material que exige deles a visão coloca-os em lugar de excluídos
e impossibilitados de acesso às informações que circulam na sociedade. Nesse
sentido, o papel da escola e, principalmente, do professor é o de promover a di-
minuição de barreiras, entendidas aqui tanto no aspecto do acesso à informação,
como no da promoção do aprendizado.
Outro momento a ser aludido foi posterior à aplicação do material: a pro-
fessora utilizou algumas estratégias de consulta na condução da aula, como o
manual didático disponibilizado com os modelos, um caderno de anotações
e o livro didático. É importante observar que os materiais tridimensionais e o
manual de instruções foram entregues à docente com bastante antecedência, a
fim de que ela tivesse a oportunidade de realizar uma leitura serena para definir
a melhor maneira de conciliar as explicações das doenças com o manuseio dos
modelos. Ainda assim, durante a aplicação do material, reparou-se que a docente
consultou o manual por diversas vezes, principalmente quando realizava a leitura
de trechos que descreviam os modelos e quando precisava recordar a sequência
em que eles deveriam ser explorados.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
339

Segundo a sequência de aplicação dos modelos sugerida no manual, pri-


meiro deveriam ser apresentados os representantes dos platelmintos (teníase e
esquistossomose) e, em seguida, do nematódeo (ascaridíase). Entretanto, a pro-
fessora preferiu adotar outra ordem: a teníase e a ascaridíase no primeiro dia e
a esquistossomose no segundo. De acordo com a docente, ela preferiu mudar a
sequência sugerida porque os ciclos da teníase e da ascaridíase são mais curtos,
podendo, então, ser trabalhados no mesmo dia. Além disso, o fato de o ciclo da
esquistossomose contar com muitos modelos (durante a fase de desenvolvimento
do verme) poderia gerar uma confusão na aprendizagem dos alunos.
Diante do excesso de informações, observa-se que o desenvolvimento escolar
fica reduzido e que os estudantes retêm apenas uma pequena fração do conteúdo
exposto (MICARONI; CRENITTE; CIASCA, 2010), porém há de considerar-se
que os alunos também possuem seus conhecimentos. Nota-se, pela postura da
docente, que ela levava em consideração o conhecimento prévio dos alunos, ao
questioná-los sobre o assunto ministrado e, a partir disso, construir significados
junto com eles.
A docente acrescentou de próprio punho, no manual de instruções, o nome
popular das verminoses e destacou, com marca-texto, a informação dos filos aos
quais eles pertencem, diferenciando os achatados dos cilíndricos. Os pontos des-
tacados no texto referiam-se, geralmente, a tamanho, característica morfológica
e local onde o verme fica alojado no hospedeiro. Isso remete aos PCN, quanto
ao tema transversal saúde: “os nomes de doenças, seus agentes e sintomas são
conteúdos desenvolvidos em temas de trabalho significativos para os estudantes”
(BRASIL, 1998, p. 46). Demonstra, nesse sentido, que os materiais podem ser
utilizados como recursos alternativos para o ensino.
A BNCC (BRASIL, 2018) refere-se ao modelo didático como uma ferra-
menta para representar dados e auxiliar o desenvolvimento e aprendizado dos
alunos. Isso implica buscar novos meios de trabalhar o conhecimento científico,
aguçando a curiosidade e levando a reflexão sobre a interferência que o ser hu-
mano exerce em seu ambiente.
Observou-se que a docente, apoiada em seu caderno e no livro didático,
ampliou as informações durante a aplicação do material, ao relatar, por exemplo,
sobre o papel de outros países na ocorrência da esquistossomose no Brasil. Tal
informação pode ser confirmada no histórico epidemiológico de Melo e Coelho
(2005, p. 207), segundo os quais essa verminose foi introduzida no Brasil em
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
340

“decorrência da importação de escravos africanos que traziam consigo o para-


sito”. Além disso, Neves et al. (2005, p. 62-63) demonstram que, relativamente
à distribuição geográfica da esquistossomose, esta “é uma das poucas doenças
tipicamente tropicais, pois necessita de sol e calor, para a existência do molusco,
como das formas livres do parasito”. Na abordagem das cercárias, a professora
também expandiu o conteúdo, ao informar que elas liberam enzimas na pele do
hospedeiro, para poder penetrá-la, como pode ser constatado no trabalho de
Raso, Pedroso e Neves (1986).
Houve outras informações que a professora acrescentou à exposição: a quan-
tidade de ovos que a fêmea da esquistossomose deposita por dia são cerca de 400
ovos; o nome do medicamento consumido para eliminar os vermes é “vermífu-
go”; e a importância de importante cozinhar bem a carne, pois os ovos da tênia
são inativados ao atingirem a temperatura acima de 90ºC durante o preparo da
carne. Tais explicações são corroboradas por livros de Parasitologia, como Neves
e Filippis (2003) e Neves et al. (2005). Essa atitude de ampliar o conteúdo pode
ser justificada pela intenção de despertar a curiosidade dos alunos e trazer pontos
que são relevantes para o cotidiano deles. Durante a manipulação do material,
diferenciou-se a postura dos alunos em dois momentos: a exposição do conteúdo
teórico e a prática, ou seja, a manipulação dos modelos.
No decorrer da explanação da teoria, os alunos permaneceram em silêncio,
na maior parte do tempo, mas, às vezes, havia conversa paralela. Enquanto os
modelos não eram utilizados, eles costumavam abaixar a cabeça e se acomodar
na mesa. Quando era dito algo que chamava atenção, erguiam-se e questionavam,
porém, nem sempre sabiam responder às perguntas da docente, mesmo quan-
do ela já havia explicado a respeito do assunto. Infere-se que essa atitude de se
manterem calados e cabisbaixos deveu-se à atenção que estavam desprendendo
para o campo auditivo, que era o sentido mais demandado pela situação. Quan-
do, porém, eles manuseavam o material e a professora começava a discorrer, eles
ficavam mexendo com os modelos, algumas vezes aparentando estar dispersos.
Por serem materiais inéditos para os alunos, acabaram despertando a curiosidade
e estimulando a exploração manual, o que justificaria a agitação.
No que se refere à relativa passividade dos alunos, Cerqueira e Ferreira (2000,
p. 1) recordam que “um dos problemas básicos do deficiente visual, em especial
o cego, é a dificuldade de contato com o ambiente físico; [...] alguns recursos po-
dem suprir lacunas na aquisição de informações pela criança deficiente visual”.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
341

Depreende-se desta citação que restringir o ensino para o deficiente visual ao


mero verbalismo limita substancialmente as percepções. Nesse viés, a utilização
de recursos táteis representa uma estratégia promissora para que o aluno com
deficiência visual se torne protagonista de sua aprendizagem, uma vez que não
se pode trabalhar única e exclusivamente com o sentido auditivo. Esse sujeito
precisa de algo mais para despertar o interesse pelo conhecimento, e uma alter-
nativa possivelmente eficaz seria o uso de materiais didáticos tridimensionais,
dado que possibilitam, mediante a exploração tátil, a construção de imagens
mentais do conteúdo trabalhado.
Para exemplificar a situação em que os alunos se envolviam ativamente
durante a aula, citamos o período em que a docente iniciou a explicação sobre
a teníase. Todos os alunos prestaram atenção e participaram respondendo aos
questionamentos, como:

Professora: Vocês sabem como se pegam essas verminoses?


Mateus: Alimentos que não foram lavados direito.
Guilherme: Temos que observar as águas também.

A partir disso, a professora introduziu os nomes populares da teníase,


dizendo que essa doença também é conhecida por solitária. Nesse momen-
to, uma das alunas (Estefani) mencionou que já havia escutado o nome po-
pular dessa doença. A professora explicou que o verme “vai se alojar dentro
do nosso corpo”, e o aluno Mateus disse: “e ela é solitária”. Posteriormente,
indagou-se sobre o comprimento que esse verme pode atingir, ao que o alu-
no Mateus respondeu: “10 metros”. Em seguida, apresentou-se o modelo da
tênia em elástico. Os alunos ficaram bastante eufóricos com a medida de 10
metros, extensão que o verme pode atingir dentro do intestino humano. Eles
saíram para o corredor esticando o elástico para terem a dimensão, que, ini-
cialmente, tinha sido esticado no próprio laboratório, local da realização da
atividade. A professora recolheu o material e retomou a explicação, momento
em que houve a comentada mudança na postura dos estudantes, que ficaram
cabisbaixos e em silêncio.
Vale acrescentar à discussão sobre a referida alteração de comportamento
que as representações mentais (imagens e conceitos) em pessoas cegas se dão pela
percepção do espaço, por meio da conjunção de sensações táteis, cinestésicas,
auditivas e olfativas, aliadas às experiências mentais vividas pelo sujeito. Com
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
342

isso, eles podem, a partir de sua própria matriz referencial, formar conceitos con-
sistentes, ainda que nunca tenham experimentado diretamente (sensorialmente)
seus significados. A falta da visão não pode ser encarada como um impedimento
ao desenvolvimento pleno, pois apenas impõe caminhos diferenciados, uma vez
que a obtenção de conhecimentos depende de uma organização sensorial dife-
rente da que é constatada no vidente (SILVA, 2014).
As representações mentais potencializam o processo de ensino-aprendi-
zagem, motivo pelo qual vale ressaltar a importância do conhecimento prévio
dos alunos, que foi explorado pela docente quando ela realizou algumas per-
guntas. A partir das indagações, ela foi dando prosseguimento à aula, com o
intuito de aprimorar e promover o conhecimento, visto que isso “fomenta o
encontro dos saberes da vida vivida com os saberes escolares” (BRASIL, 2006,
p. 19). Nesse sentido,

O conhecimento prévio auxilia na organização, incorporação, compreensão e


fixação das novas informações [...]. Sendo assim, novos conceitos podem ser
aprendidos à medida que haja outros conceitos relevantes, adequadamente claro
e disponível [sic] na estrutura cognitiva do indivíduo, estes conceitos relevantes
funcionarão como pontos de ancoragem para os novos conceitos (MEDINA;
KLEIN, 2015, p. 49).

Percebe-se que o conhecimento científico pode ser desenvolvido a partir do


conhecimento preexistente. Cabe exemplificar essa ampliação do conhecimento
com o momento em que a docente questionou os alunos sobre as proglótides
(ou anéis) da tênia, as quais são estruturas subdivididas em jovens, maduras e
grávidas, sendo as últimas repletas de ovos. A professora lhes indagou como elas
se soltavam do intestino do ser humano infectado, e os alunos responderam que
era pelas fezes, já que, se o verme está alojado no intestino, a única saída prová-
vel seria por meio do ânus.
Outro momento relevante foi quando se questionou os alunos como o mé-
dico diagnostica um paciente com ascaridíase, ao que um deles logo respondeu
que seria pelo exame de fezes, justificando pelo fato de que a verminose está
presente no sistema digestivo. Assim, além da avaliação dos sintomas, um dos
meios mais eficazes para o diagnóstico seria o exame parasitológico.
No segundo dia de aplicação, durante a explanação da esquistossomose, a
professora perguntou aos alunos qual dos vermes geralmente é maior, se o macho
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
343

ou a fêmea. Todos disseram que era a fêmea, visto que, no modelo explorado na
aula anterior, da ascaridíase em fio de lã, isso foi bem esclarecido.
Os professores podem oferecer recursos aos alunos, porém vale ressaltar
que os alunos também possuem estratégias de aprendizagem, como por exemplo,
por meio da criação da representação mental, e também por meio de analogias.
Dentre as diversas definições da analogia, essa envolve basicamente “o estabe-
lecimento de comparações ou relações, entre o conhecido e o pouco conhecido
ou desconhecido” (DUARTE, 2005, p. 8). Tal recurso também é utilizado pelos
docentes, para auxiliar na explicação do conteúdo. Durante a manipulação do
material, a prática da analogia foi bastante recorrente, desde o uso do primeiro
modelo: a tênia, por ser um verme achatado, foi comparado a uma fita, que, ao
ser esticada, assemelhou-se a uma fita cassete desenrolando-se. Como o elástico
estava enrolado, os alunos pensaram que o verme ficava dessa maneira no orga-
nismo, porém essa hipótese foi corrigida logo depois.
Ao manusearem o ovo da tênia ampliado, os alunos apertaram e ficaram
perguntando o que era e compararam o formato a diversos elementos do coti-
diano, como pão de queijo, almofada, empada e cupcake. Relacionaram o ovo da
tênia, representado pela miçanga, a um grão de areia. Cotejaram as ventosas do
parasita às ventosas utilizadas no banheiro para fixar objetos, o que condiz com
a função dessa estrutura no verme, pois o auxilia na fixação na parede do intes-
tino. Neste momento, o estudante Mateus pegou a cabeça da tênia, em modelo
ampliado, e encenou fixá-la à mesa, representando a função por ela exercida.
A fêmea da esquistossomose, em tamanho próximo do real, foi comparada
a um grão de arroz cortado, por estar com as pontas retas. Já o modelo ampliado
pareceu-lhes um boneco ou uma perna; por ser mais fino que o macho, relaciona-
ram-no a um chicote. Houve outras analogias, como a comparação da cercária, re-
presentada em miçanga, a um grão de açúcar, e especificamente a cauda da cercária
a um dragão; e o caramujo, em tamanho próximo do real, a uma moeda de um real.
Durante a aplicação, notou-se que o material didático auxiliou não apenas
no aprendizado do aluno, mas na explicação da professora. Por tratar-se de um
assunto de difícil abstração, os modelos possibilitaram (como sugere o nome do
recurso) a “materialização” do que estava sendo explicado. Esse processo de in-
teração entre sujeito e objeto pode ter auxiliado os estudantes a construírem as
representações mentais dos vermes, quanto a tamanho, forma, comportamento,
entre outros aspectos.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
344

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao realizar a revisão da literatura sobre as verminoses, é evidente a carência


de recursos didáticos para deficientes visuais. A fim de oferecer uma alternativa
eficaz para atenuar essa carência, procurou-se aplicar cuidadosamente os crité-
rios apontados por Cerqueira e Ferreira (2000): i) tamanho; ii) significação tátil;
iii) aceitação; iv) estimulação visual; v) fidelidade; vi) facilidade de manuseio;
vii) resistência; e viii) segurança.
Os modelos das verminoses, então, surgiram para auxiliar na explicação
sobre as parasitoses, ao aproximar do concreto um conteúdo que, a princípio, era
abstrato. A partir do material, os alunos puderam construir uma representação
mental da morfologia dos vermes, até o momento desconhecidos ou compreen-
didos de forma equivocada. Como nenhum recurso didático substitui o aspecto
humano, salienta-se a importância do professor na exploração do material. Sem
a mediação de uma docente capacitada e motivada, os modelos não teriam pro-
duzido o efeito que se pôde observar.
O principal objetivo do estudo que constitui este capítulo foi fornecer uma
nova ferramenta didática ao professor e ao aluno para auxiliar no processo de
ensino-aprendizagem. Essa experiência foi direcionada a alunos de escola especial
porque a aplicação dos materiais em uma escola regular exigiria uma dimensão
teórico-metodológica mais ampla. Sabe-se claramente que o desejável, em um
processo de inclusão em educação, é que todos participem das diversidades pe-
dagógicas e sociais em sala de aula.
Com relação à docente, observou-se que ela destacou o papel das ferra-
mentas didáticas diferenciadas no ensino para alunos com deficiência visual, e
os alunos confirmaram a opinião dela ao relatarem que não imaginavam os ver-
mes da maneira como são. Esse foi um dos achados mais relevantes do estudo.
A proposta de uso do material logrou suprir essa lacuna do desconhecido, ao
possibilitar a construção de representações mentais dos vermes. Essa construção
manifestou-se pelo uso recorrente de analogias, tanto por parte da professora
quanto por parte dos alunos.
Em relação à postura dos discentes, quando eles manuseavam os materiais,
verificou-se que ficavam eufóricos, animados e demonstravam grande curio-
sidade. No momento, contudo, em que a aula se restringia a exposição oral
do conteúdo, sem a utilização do material didático tridimensional, os alunos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
345

aparentavam desinteresse. Percebe-se que o ensino focado na exposição teórica


pode limitar a aquisição do conhecimento. O uso dos modelos foi um atrativo,
uma vez que ilustraram o que estava sendo verbalmente apresentado. Cabe res-
saltar que a utilização desse tipo de ferramenta no ensino pode favorecer não
apenas os alunos com deficiência visual, mas a todo o meio escolar, pois nem
todos os alunos conseguem abstrair-se facilmente.
Acredita-se que os materiais didáticos tridimensionais construídos, valida-
dos e testados constituem uma ferramenta diferenciada para o docente, visto que
possibilitam a transposição didática do conhecimento científico de maneira lúdica
e interativa, evitando que o ensino permaneça tão restrito ao verbalismo. Espera-
-se que os resultados aqui apresentados incentivem a produção de novos recur-
sos didáticos voltados ao ensino de Ciências para alunos com deficiência visual.

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ZAMBERLAN, L. et al. Pesquisa em ciências sociais aplicadas. Ijuí: Unijuí, 2014.
22 A EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE BUCAL
NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Eva Aparecida de Souza Silva1


Hiraldo Serra2
Ademir de Souza Pereira3

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como objetivo propor a discussão a respeito da necessidade


de se implementar ações que ofereçam uma melhor formação em educação para a
saúde bucal na Educação Básica. O foco são ações relativas à educação para a saú-
de bucal, levando em conta aspectos relacionados ao tema, bem como discussões
e reflexões sobre relatos de pesquisas realizadas, seus resultados e considerações.
As ações educativas podem ser importantes para a promoção da saúde bu-
cal no contexto da saúde pública junto aos estudantes. Existe a necessidade de se
ampliar conteúdos relativos à educação para a saúde bucal no currículo escolar,
sendo esses conteúdos fundamentais para uma conscientização e mudança de
postura quanto aos cuidados e prevenção. A promoção de saúde nas escolas deve
levar em conta as aptidões das crianças e adolescentes e o potencial que eles têm
de serem agentes de saúde no sentido da disseminação de informações.

1 Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Educação (FAED), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
2 Doutor em Ciências Biológicas, Docente na Faculdade de Educação (FAED), Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD).
3 Doutor em Educação em Ciências, Docente na Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia (FACET), Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
349

A escola tem como missão primordial desenvolver processos de ensino-


-aprendizagem, pois desempenha papel fundamental na formação e atuação
das pessoas em todas as áreas da vida social. Juntamente com outras entidades
sociais, a escola pode ter papel decisivo na formação dos estudantes para a per-
cepção de seus direitos e deveres e construção da cidadania. Nesse sentido, pro-
curamos descrever experiências de pesquisadores em programas de diagnóstico,
educação e prevenção, ou seja, trabalhos que objetivaram identificar problemas
que podem afetar a saúde bucal das crianças. Os resultados e conclusões desses
trabalhos foram relatados, bem como foram feitas considerações com base em
concepções de estudiosos da área.

2 RELATOS E CONSIDERAÇÕES SOBRE PESQUISAS


REALIZADAS COM ENFOQUE NA EDUCAÇÃO PARA
A SÁUDE BUCAL

Pesquisas em educação para a Saúde Bucal têm mostrado que quanto mais
cedo forem disponibilizados procedimentos de higiene bucal para uma pessoa,
maior é a probabilidade de essa pessoa desenvolver uma atitude preventiva em
longo prazo (VASCONCELOS, 2004; VOLPATO, 2004; ANTUNES et al., 2006).
Segundo Flores e Drehmer (2003), a implantação de programas promotores de
saúde bucal na população, principalmente em crianças deve ser adequada à rea-
lidade e ao nível social da população alvo, desenvolvida de maneira contínua e
em longo prazo, propiciando, assim, mudanças de comportamento em relação
a seus hábitos.
É muito importante que atividades de pesquisa sobre higiene bucal sejam
realizadas, já na primeira infância, porque é nos primeiros anos de vida que a
formação dos hábitos e interesses se estabelecem, auxiliando na manutenção da
saúde bucal (FREIRE; SOARES; PEREIRA, 2002). Na sequência, descrevemos
alguns trabalhos de pesquisa realizados na área de educação para a Saúde Bu-
cal e a cada relato elaboramos considerações sobre sua pertinência e relevância.

1) Aquilante et al. (2003)


Os autores realizaram investigação de atividade experimental com uma
amostra composta por 44 crianças com seis anos de idade de uma das turmas da
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
350

pré-escola da EMEI Gasparzinho (Bauru-SP) no ano de 2001. Foram realizados


exames para verificação do índice PHP (Patient Hygiene Performance), propos-
to por Podshadley e Haley (1968) que tiveram por objetivo avaliar a eficácia de
programas de higiene bucal.
Nos exames foram utilizados: solução evidenciadora Verde de Malaquita,
espátulas de madeira, cotonetes, escova dental, creme dental, luvas e máscaras
descartáveis, fichas clínicas e um questionário para verificar os conhecimentos
das crianças sobre saúde bucal. A adequação do questionário, planejamento e
forma de abordagem das palestras foram orientados por uma pedagoga para que
a linguagem fosse apropriada às crianças participantes.
O método consistiu na evidenciação de placa bacteriana e registro dos casos
encontrados. Após o exame, os pré-escolares realizaram a escovação para remo-
ção de placa e, em seguida, passaram por uma entrevista, quando responderam
a um questionário composto de 15 questões acerca dos seus conhecimentos so-
bre saúde bucal. Nas visitas mensais à escola, foram ministradas palestras sobre
assuntos pertinentes à saúde bucal para as 143 crianças que correspondiam às
cinco turmas da pré-escola da EMEI Gasparzinho (Bauru-SP).
O objetivo foi, segundo os autores, orientar e motivar as crianças em relação
aos cuidados com a saúde bucal. O material didático utilizado para motivação
constituiu-se de macromodelos, cartazes, gincanas, fantoches e atividades audio-
visuais. Ao final da jornada educativa, foram ministradas cinco aulas e somen-
te as crianças que haviam participado dos primeiros exames e da entrevista no
início do experimento passaram novamente pelo levantamento do índice PHP
e pela entrevista para novo preenchimento do questionário. Os autores também
destacam que foram coletados os dados referentes ao índice proposto por Knut-
son (1944) para avaliar a prevalência de cárie e o percentual de livres de cárie.
Os questionários foram analisados e os valores percentuais atribuídos de acordo
com o exposto: BOM (71-100%), REGULAR (36-70%) e RUIM (0-35%).
Das 44 crianças que compuseram a amostra, 24 (54,5%) eram do gênero
feminino e 20 (45,5%) do masculino. Pelo índice de Knutson, dentre as crianças
do sexo feminino, 45,8% se apresentaram como livres de cárie e dentre as crianças
do sexo masculino, foram 60%, portanto, 52,3% do total. Os conceitos obtidos
no 1º questionário foram: RUIM: 9,1%; REGULAR: 79,5%; BOM: 11,4%; já no
questionário final, o nível de conhecimento sobre saúde bucal apresentou uma
melhora significativa: RUIM: 0%; REGULAR: 47,7%; BOM: 52,3%.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
351

Os programas educativos podem promover o aumento do conhecimento


sobre Saúde Bucal e propiciar a redução do índice de placa, de acordo com os
autores. Para eles, é na infância que a criança vai incorporando em sua vida os
hábitos de higiene, fase propícia ao aprendizado, de forma que as pré-escolas
são locais importantes para o desenvolvimento de programas de educação em
Saúde Bucal.
Este trabalho foi considerado de grande importância, pois ocorreram ações
conjuntas de conscientização, por meio de palestras, tanto para os pais quanto para
as crianças, com enfoque nas orientações para que eles adquirissem bons hábitos de
higiene bucal. Nessa perspectiva, o estudo mostrou que a metodologia utilizada foi
uma forma bastante eficiente de conscientização de doenças relacionadas à boca,
a criança a partir disso pode ter mais disposição de se atentar para os cuidados
necessários para garantir sua saúde bucal. Assim, é importante evidenciar a escola
como uma das principais instituições na qual se fomenta a saúde, pois, ao se pro-
mover a saúde nas escolas, é possível estimular aptidões de crianças e adolescentes
que mesmo estando saudáveis, podem aproveitar ao máximo toda oportunidade
de aprender. Dessa forma, fundamenta-se nossa posição sobre o discurso de alguns
estudiosos. As escolas de educação infantil se tornam locais importantes para o
desenvolvimento de programas de saúde bucal (FREIRE et al., 1996).
Segundo Moraes e Cesar (1981), a época mais apropriada para que a criança
desenvolva hábitos alimentares e de higiene de forma correta é quando se en-
contra na faixa etária de quatro a sete anos, pois os modelos de comportamento
aprendidos nessa idade são profundamente fixados e resistentes a alterações. A
criança, nos primeiros anos de vida, começa a incorporar hábitos em sua vida,
as noções de higiene, um comportamento que, perante a coletividade e a família,
contribuirá para a formação de sua personalidade e determinará o seu estilo de
vida no futuro (RAYNER, 1992).

2) Alves, Volschan e Haas (2004)


As autoras desenvolveram um programa de atividades, denominado
“Oficinas de Promoção de Saúde”, realizado na disciplina de Odontopediatria
em duas faculdades privadas do Estado do Rio de Janeiro. Esse programa teve
como objetivo reforçar a importância da educação em saúde para a manuten-
ção da saúde bucal dos pacientes, bem como para a formação humanística dos
graduandos em Odontologia.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
352

Os graduandos do 7º período trabalharam a técnica de grupos focais com


pacientes crianças e seus pais, procurando captar qual era o grau de conhecimen-
to da população-alvo sobre saúde bucal (THIOLLENT, 1987; BARBIER, 2002).
A população-alvo constituiu-se de pais ou responsáveis por crianças atendidas
nas clínicas infantis integradas dessas duas instituições privadas. Durante o pe-
ríodo de espera da consulta de seus filhos, os responsáveis eram convidados a
participar de atividades de educação em saúde. O programa foi apresentado ao
grupo de pais através de reuniões semanais, com duração de duas horas cada,
com presença, em média, de 15 a 20 responsáveis pelas crianças.
Todas as atividades foram desenvolvidas de maneira a envolver e motivar a
participação da população-alvo. Para essa finalidade, os pais foram incentivados
a falar livremente sobre o que pensavam sobre saúde bucal, o que se poderia fazer
para obtê-la e mantê-la, além de como os profissionais de Odontologia poderiam
proceder para que a população obtivesse esse bem. Foram utilizados recursos
audiovisuais, tais como álbuns seriados, cartazes com recortes de revistas popu-
lares (confeccionados durante os encontros), macromodelos, bingos, espelhos,
experimentos que simularam as situações dos temas abordados e teatralização
de procedimentos de higiene bucal.
De acordo com as autoras, os resultados dessas atividades foram surpreenden-
tes, uma vez que os pais participaram de forma extremamente atuante, mostran-
do-se motivados em melhorar as condições de saúde bucal das crianças, através
de monitoramento da higiene bucal e da dieta de seus filhos. Ao analisarem as
falas dos pais, Alves, Volschan e Haas (2004) constataram a falta de programas de
saúde que pudessem estimular as atividades de higiene bucal de forma rotineira,
hábitos viciosos (até no ato de escovar os dentes) e, principalmente, melhores
orientações por parte dos profissionais que atuam na área.
Ao final da pesquisa, consideraram que houve uma boa interação dos parti-
cipantes devido à utilização de linguagem bastante simples e clara, adequada ao
nível sociocultural da população-alvo. Os resultados mostraram que atividades
de educação para a saúde que propiciam interações com a comunidade podem
promover a conscientização tanto das crianças, bem como de seus responsáveis.
Ações como essas contribuem para melhoria das condições de saúde bucal da
coletividade e, por meio de uma abordagem humanística, mais próxima da rea-
lidade social e menos tecnicista, é possível propiciar uma reflexão sobre gran-
de parte dos problemas dessa ordem, como cárie e doença periodontal, que
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
353

acometem as populações infantis. Por fim, as pesquisadoras concluíram que o


profissional de saúde na sociedade contemporânea deve priorizar a promoção
de saúde, necessitando, portanto, de forte base humanística para deixar de ver
a população como seres fragmentados, mas sim como seres completos que ne-
cessitam de orientação.
Considera-se o trabalho de grande relevância, pois a conscientização e mo-
tivação para o exercício da higiene bucal foi importante tanto para as crianças
como para seus responsáveis, no sentido de que eles podem exercer a função
de orientadores e supervisores no cotidiano da criança. Neste contexto, a moti-
vação pode ser entendida como um processo, ou seja, iniciativa que suscita ou
incita uma conduta, que sustenta uma atividade progressiva, que canaliza essa
atividade para um dado sentido (DUARTE et al., 2015). A educação pode ser
vista como um instrumento de transformação social, pois é capaz de propiciar
a reformulação de hábitos e a aceitação de novos valores, assim como a melhora
na autoestima (COLAK, 2015).

3) Lozer e Enumo (2007)


As autoras desenvolveram uma pesquisa com 60 alunos do Ensino Funda-
mental de uma escola pública localizada próxima ao centro da cidade de Vitória
(ES). O objetivo foi identificar e analisar possíveis relações entre dificuldade de
aprendizagem e autocuidado dentário. Para selecionar os alunos participantes,
as pesquisadoras realizaram um teste de desempenho escolar (TDE) – (STEIN,
1994) com 144 alunos dessa escola, que cursaram, em 2001, a segunda e terceira
série. O TDE é um teste brasileiro composto por três subtestes: leitura, escrita e
aritmética. A classificação do TDE tem três níveis: inferior, médio e superior, e
é obtida por uma tabela correspondente a cada série.
Analisando o número de alunos que retornaram à escola no ano de 2002,
foi possível obter uma amostra de 60 alunos, com idade entre oito e 14 anos,
que cursavam, em 2002, a terceira e quarta série do Ensino Fundamental. Eles
foram divididos em dois grupos, sendo o Grupo 1 (G1) composto por 30 alu-
nos com classificação “superior” e “médio-superior” no TDE (média=107,1
pontos), os quais tinham pais e mães com Ensino Fundamental incompleto. No
Grupo 2 (G2), os 30 alunos participantes obtiveram desempenho “inferior” no
TDE (média=75 pontos), considerados como tendo indicação de dificuldade de
aprendizagem (DA), e suas mães e os pais também tinham Ensino Fundamental
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
354

incompleto. Os responsáveis pelas crianças de ambos os grupos assinaram um


termo de compromisso para participarem da pesquisa, que foi autorizada pelo
Comitê de Ética do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Espírito Santo.
Após as avaliações do TDE, as pesquisadoras realizaram análise do biofil-
me dental, utilizando fucsina básica e o índice de biofilme (IB) de acordo com
o “Índice de Higiene Oral Simplificado (IHO-S)” (GREENE e VERMILLION,
1964). O índice IOH-S é baseado em índices que variam entre zero e três, zero
(quando não há biofilme corado), um (quando o biofilme corado cobre menos
que a metade do dente), dois (quando o biofilme corado cobre entre metade e
dois terços do dente) e três (quando o biofilme corado cobre mais de dois terços
da superfície exposta do dente). Para realizar o exame, utilizaram espelho bucal
plano número cinco, espátula descartável, sob a iluminação natural. Em seguida,
o aluno recebeu uma escova de dente infantil para que realizasse a escovação ha-
bitual, sem limitação de tempo. Após a escovação, os dentes das crianças foram
examinados novamente para constatar o índice de IOH-S.
Lozer e Enumo (2007) realizaram também uma entrevista individual com
os alunos, utilizando um gravador para registro de toda conversa, buscando iden-
tificar quais informações eles tinham sobre o autocuidado dentário e cárie, quais
eram os hábitos praticados em casa e o que lhes havia sido ensinado a respeito
de autocuidado em relação à saúde bucal. Segundo os pesquisadores, a primeira
revelação do biofilme dental mostrou que 29 alunos, 48,3% do total, estava com
índice 2 (biofilme corado cobrindo entre metade e dois terços da superfície den-
tária). Foram encontradas discrepâncias entre os grupos, com menores índices
(0 e 1) para G2 (sem DA), porém, sem significância estatística. Após a escovação
dos dentes, os índices de biofilme também foram melhores no G2, sem signifi-
cância estatística. Houve diferenças significativas (p≤0,01) apenas para o tempo
de escovação, que foi menor para G1 (DA).
Os dados registrados nas entrevistas permitiram identificar que muitos alu-
nos tinham informações sobre os dentes e seus cuidados, embora incompletas.
De modo geral, os alunos que mostraram uma melhor informação em relação
à cárie também tiveram um grau de higiene bucal melhor. Os alunos, em sua
maioria (40), disseram que escovavam os dentes para evitar estímulos aversivos,
ou seja, para esquivar-se de consequências negativas provocadas pela não esco-
vação, como ter cárie, por exemplo.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
355

Foi perguntado o que os pais falavam ou faziam quando eles escovavam os


dentes corretamente, e como se sentiam em relação à reação dos pais. No G2,
vinte alunos verbalizaram receber estímulos positivos e afirmaram sentirem-se
bem e ficarem felizes com os elogios. As autoras concluíram que o comporta-
mento desses alunos de escovar os dentes era basicamente uma esquiva a estí-
mulos aversivos, sendo controlado pela ameaça do aparecimento futuro da cárie.
Para 27 alunos, em ambos os grupos, “brincar” foi a principal atividade con-
corrente à escovação dentária. O motivo mais referido por ambos os grupos (34
alunos) para não escovar os dentes foi o esquecimento. Dessa forma, concluíram
que a “desculpa” usada para a não escovação dos dentes foi semelhante entre os
dois grupos, e os alunos argumentaram que esqueciam ou que tinham pregui-
ça de realizá-la, preferindo praticar outras atividades no lugar da higiene bucal.
Segundo as pesquisadoras, é preciso buscar soluções mais efetivas no ensino
de práticas de higiene bucal, desenvolvendo metodologia de ensino que torne mais
frequente o hábito de escovar os dentes no cotidiano das crianças, especialmente
para aquelas que mereçam atenção educativa especial. Após as análises, perce-
beram o quanto é necessário que existam pesquisas e programas direcionados à
prevenção de saúde bucal, buscando atender e entender o comportamento das
crianças, seja ela com dificuldade de aprendizagem ou não, e que esses progra-
mas não sejam apenas meras informações, mas que possam intervir de forma a
mudar os maus hábitos.
Considera-se o trabalho realizado de muita importância, pois busca levantar
informações sobre uma possível relação entre cuidados com os dentes e a apren-
dizagem das crianças. Embora não tenham sido encontradas diferenças signifi-
cativas estatisticamente entre os dois grupos, o trabalho pode mostrar diferenças
de comportamentos entre os dois grupos em relação à higiene e saúde bucal.
Segundo Marturano e Ferreira (2004), muitas crianças com Deficiência
Auditiva (DA) apresentam um alto nível de impaciência para realização de ativi-
dades, bem como dificuldades para seguir instruções e falta de destreza, podendo
apresentar também limitada coordenação motora fina. Assim, essa criança pode
ter um comportamento caracterizado por distrair-se facilmente e se sentir a par-
te no grupo. Essa questão vem reafirmar a necessidade do trabalho contínuo de
educação para a saúde bucal e, por meio dele, ser possível inserir procedimentos
metodológicos que contribuam para o reforço da autoestima e autoconfiança na
criança para sua melhor vivência na sociedade.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
356

Acreditamos que a motivação para uma ação de promoção e prevenção


relacionada à saúde bucal pode ser provocada ou estimulada com o professor
como mediador do conhecimento. Ele também pode ser o motivador das ações
de seus alunos para a aquisição de novas informações, novos hábitos e, dessa
forma, direcionar os escolares para um futuro com mais consciência sobre sua
própria saúde.

4) Melo, Freire e Bastos (2005)


Os autores realizaram um trabalho de capacitação com duas professoras
das séries iniciais do Ensino Fundamental I de uma escola da rede pública esta-
dual, em Garanhuns, agreste pernambucano, visando discutir a construção de
conceitos em saúde bucal. A saúde bucal foi tema central da gravação em vídeo
de duas aulas de cada professora enquanto mediadoras, com tempo médio de
40 minutos cada aula. Essas aulas se deram durante um processo de capacitação
em parceria com um cirurgião-dentista e aconteceram ao longo do ano letivo
de 2004. O tema das aulas foi previamente escolhido para gravação em vídeo
em comum acordo com as professoras, a partir do interesse dos pesquisadores
em explorarem o mesmo tema em níveis diferentes do Ensino Fundamental I.
As aulas foram, em um primeiro momento, estabelecidas da seguinte ma-
neira: a professora que ministrava o primeiro ciclo abordou o tema saúde bucal
com a utilização do Livrinho de Atividades “Doutor Dentuço” fornecido pela
empresa Colgate S/A. Enquanto isso, a professora mediadora do segundo ciclo
fez uma revisão dos conceitos através de uma exposição dialogada entre aluno/
professor seguida de confecção de painéis. Em um segundo momento, foi apre-
sentada, para a turma de primeiro ciclo, uma peça teatral executada por um gru-
po de alunos com intervenção da professora mediadora. Já os alunos do segundo
ciclo apresentaram a peça teatral sem a intervenção da professora.
Os temas tratados durante o processo de capacitação logo se materializa-
ram no cotidiano escolar por meio da sua abordagem em sala de aula pelas pro-
fessoras. As professoras mediadoras consideraram de fundamental importância
incluir as atividades propostas como conteúdos para avaliação dos alunos. Dessa
maneira, elas chamaram a atenção dos alunos para o cumprimento das atividades
propostas, tanto no primeiro como no segundo ciclo.
Melo, Freire e Bastos (2005) destacaram que, nos questionamentos aos alu-
nos sobre dentições, prevenção de doenças bucais, as professoras acabavam, em
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
357

alguns momentos, dando respostas erradas às perguntas das crianças. A troca


de dentições foi tratada pelas professoras, que falharam ao se referirem aos den-
tes decíduos (de leite), apresentando-os como dentes sem raízes, que, por conta
disso, caíam com o tempo. Segundo os autores, houve também falha no trabalho
realizado pelas professoras mediadoras no sentido do incentivo que propiciasse
uma maior interação entre os alunos durante a aula.
Esses momentos poderiam, ainda de acordo com os autores, ter sido mais
bem aproveitados pela professora para trabalhar as dúvidas do aluno, de modo a
introduzir os conceitos científicos. Durante a apresentação da peça teatral, ocor-
reram inúmeras atividades referentes à prevenção de cárie, o uso do fio dental, a
vida útil da escova dental e a importância de uma alimentação balanceada. Neste
momento, Melo, Freire e Bastos (2005) verificaram ausência de algumas infor-
mações relevantes que poderiam ter sido indicadas pelas professoras mediadoras
que poderiam enriquecer e valorizar a atividade.
Ao final do trabalho, concluíram que foi viável realizar a capacitação na
perspectiva de implementar práticas pedagógicas que tratassem dos conceitos
relativos à saúde bucal nas séries iniciais. Acreditam que, mesmo sendo verifi-
cadas, em diversos momentos, falhas conceituais por parte das docentes refe-
rentes a esse conteúdo, a atividade se mostrou de muita importância no sentido
de evidenciar a necessidade de transformar o processo de capacitação numa
formação continuada.
Neste contexto, considera-se muito importante e necessário que existam
não só programas de capacitação, mas também iniciativas de formação conti-
nuada para os professores em assuntos referentes à saúde bucal. De acordo com
Granville-Garcia et al. (2007), para que o professor obtenha sucesso como agente
multiplicador nessa área é necessário que seu conhecimento e suas atitudes se-
jam revistos, para que possam participar nas atividades cooperativas com outros
profissionais no processo de educação em saúde bucal.

5) Taglietta et al. (2011)


Os autores desenvolveram um trabalho nas escolas da rede municipal de en-
sino da cidade de Piracicaba no estado de São Paulo, visando avaliar a influência
dos programas de promoção da saúde escolar na prevalência de cárie em crianças
do primeiro ano do Ensino Fundamental. Para a amostra, foram selecionados 811
alunos das 3.061 crianças matriculadas no primeiro ano do Ensino Fundamental
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
358

no ano de 2007. Crianças, oriundas de 19 escolas, receberam tratamento curativo


e preventivo odontológico pelo convênio FOP-Unicamp/Prefeitura de Piracica-
ba/Fundação Arcellor no ano de 2007.
Agentes escolares de saúde realizaram um levantamento da data de admissão
de cada criança incluída no estudo, dividindo-as em dois grupos: o grupo 1 foi
formado por crianças com data de admissão na escola anterior a 2007; e o grupo
2 composto por crianças com data de admissão na escola em 2007.
Foi utilizado o índice CPOD, índice recomendado pela Organização Mundial
da Saúde (WHO, 1997) para medir e comparar a experiência de cárie dentária em
populações, uma vez que seu valor expressa a média de dentes cariados, perdidos
e obturados em um grupo de indivíduos. Os dados de CPOD foram coletados
no primeiro semestre de 2007 por dois cirurgiões-dentistas da rede municipal
de saúde com experiência na coleta de dados, e os valores de CPOD utilizados
para categorizar as crianças foram: com história de cárie (cárie ≥ 1) e sem histó-
ria de cárie (cárie = 0). Assim, objetivou-se encaminhá-las para tratamento no
convênio extramuros Prefeitura de Piracicaba /FOP-Unicamp.
Das 811 crianças examinadas, 397 eram do gênero feminino e 414 do gênero
masculino. Desse total, 368 foram admitidas na rede municipal de ensino antes de
2007, sendo 177 do gênero feminino e 191 do masculino. As 443 restantes foram
admitidas no ano de 2007, sendo 220 do gênero feminino e 223 do masculino.
Para as crianças admitidas antes de 2007, ou seja, com participação nos
anos anteriores em programas preventivo-educativos e que receberam atenção
especial do agente escolar de saúde, a média do índice foi de 0,98 para o gêne-
ro feminino e 1,07 para o masculino, totalizando um índice médio de 1,03, sem
presença de dimorfismo sexual. Para as crianças admitidas em 2007, a média do
índice foi de 1,84 para o gênero feminino e 1,72 para o masculino, totalizando
um índice médio de 1,78 sem presença de dimorfismo sexual.
Com relação à prevalência de cárie, das 443 crianças admitidas em 2007, 256
(57,79%) apresentaram índice médio CPOD igual a zero e 187 (42,21%), índice
médio CPOD maior ou igual a 1. Das 368 crianças admitidas antes de 2007, 250
(67,93%) apresentaram índice médio CPOD igual a zero e 118 (32,07%), índice
médio CPOD maior ou igual a 1.
Conforme relatam os autores, os resultados obtidos no estudo em questão
mostraram que crianças admitidas nas escolas antes de 2007 apresentaram ín-
dice médio de cárie de 1,03, portanto, menor que o índice médio das crianças
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
359

admitidas em 2007 que foi de 1,78. Dessa forma, eles concluíram que os progra-
mas preventivo-educativos recebidos nos anos anteriores foram favoráveis para
a redução desse índice.
A escola assume um papel muito importante no desenvolvimento da crian-
ça, de acordo com os autores. Na cidade de Piracicaba, além de ocorrerem visitas
periódicas de dentistas da rede municipal de saúde para reproduzir ensinamentos
e aplicar a técnica de escovação correta, trabalhos preventivos e de promoção da
saúde bucal também são realizados. As unidades de ensino infantil contam no
seu quadro funcional com o profissional “agente escolar” que assume o papel de
elo entre a educação e a saúde, conferindo caráter permanente às ações de saúde
bucal na escola.
Diante do referido estudo, os autores concluíram que os programas de pro-
moção da saúde escolar realizados na educação infantil de rede municipal de
ensino de Piracicaba apresentaram impacto positivo na redução da prevalência
de cárie em crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental. Tal fato ressalta
a importância dos programas preventivo-educativos de promoção de saúde bu-
cal nas escolas, além da importância do acompanhamento diário pelos agentes
escolares de saúde.
Considera-se o trabalho como de grande importância e destaca-se a necessi-
dade de que as escolas incluam em seu currículo, programas orientação aos seus
escolares, orientações estas que envolvam educação e prevenção em saúde bucal.
Gosuen (1997) enfatiza que programas educativos sobre higiene bucal devem ser
incluídos já no início da educação escolar, pois a faixa etária de quatro a sete anos
é considerada mais oportuna para que as crianças desenvolvam hábitos corretos
de alimentação e de higiene, considerando-se que os modelos de comportamen-
to aprendidos nessa idade são profundamente fixados e resistentes a alterações.
Diversas pesquisas e estudos populacionais têm revelado informações im-
portantes sobre a efetividade de ações adotadas em educação para a saúde no
contexto da escola (SANTOS; RODRIGUES; GARCIA, 2002; MOYSÉS; WATT,
2000). Segundo Moysés e Watt (2000), o enfoque na saúde bucal do escolar é
parte da saúde pública, e a forma mais eficiente de desenvolver programas edu-
cativos preventivos de saúde nas escolas é por meio do trabalho conjunto entre
profissionais de saúde e da educação. Dessa forma, iniciativas de realização de
um trabalho conjunto de profissionais das duas áreas para prevenção e promo-
ção da saúde nas escolas devem sempre ser incentivadas.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
360

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos apresentados neste capítulo possibilitaram a compreensão do


quanto a educação e a saúde estão interligadas. Educar para a saúde deve ser uma
ação de responsabilidade de diversas instâncias, inclusive dos próprios serviços
de saúde em parceria com as instituições de ensino. A escola possui papel fun-
damental no que diz respeito à saúde, pois, além de possuir ambiente adequado
para promover a educação em saúde, abrangendo diferentes faixas etárias que
favorecem a absorção das medidas preventivas que lhes forem apresentadas, a
escola também é capaz de retratar as necessidades da população.
Diante disso, verifica-se o quanto é necessário incluir conteúdos relativos
ao tema saúde nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas. E, mais especifica-
mente, que a saúde bucal possa estar inserida em uma constante prática educati-
va em saúde, desde os primeiros anos da Educação Básica, momento primordial
para aquisição de conhecimentos, assim como para os demais níveis de ensino.
Considerando que educar para a saúde bucal não é papel exclusivo do cirurgião
dentista, o professor como mediador dos conhecimentos passa a ser um importante
agente multiplicador de questões dessa natureza; portanto, é imprescindível que ele
esteja muito bem preparado. Para isso, nota-se a necessidade de constantes abordagens
do tema através de formação inicial e continuada. Espera-se que as discussões
apresentadas neste capítulo possam contribuir para reflexão e aprofundamento sobre
aspectos relevantes relacionados à educação e à saúde bucal na Educação Básica.

REFERÊNCIAS

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23 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL:
REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA NO
ENSINO FUNDAMENTAL

Fernanda Frasson1
Carlos Eduardo Laburú2

1 INTRODUÇÃO

Documentos oficiais que regem as ações educativas nas escolas brasileiras


têm estabelecido e orientado que as abordagens escolares devem concorrer para
assegurar aos estudantes o desenvolvimento de competências para suas forma-
ções humanas integrais. (BRASIL, 1996, 1997, 1998, 2017). Competências, nesses
textos, devem ser entendidas como “a mobilização de conhecimentos (conceitos
e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício
da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2017, p. 8).
Dentre as responsabilidades que a escola assume na formação do cidadão,
está a Educação Alimentar e Nutricional. Essa responsabilidade é subjacente a um
dos objetivos do Ensino Fundamental descritos nos Parâmetros Curriculares Na-
cionais (PCN): “conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando
hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com
responsabilidade em relação a sua saúde e a saúde coletiva” (BRASIL, 1997, p. 2).

1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática (UEL). Bolsista
CAPES.
2 Doutor em Educação (USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Mate-
mática (UEL). Bolsista CNPq-Brasil (processo 302281/2015-0).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
364

Estimular alguém para formação e/ou mudança de hábitos alimentares é ir


além da explicação do tópico de ensino; é saber combinar atividades informa-
tivas e educativas que despertem nas pessoas o desejo de ter uma alimentação
saudável, bem como as ensinem a alcançar tal alimentação, de forma que ga-
rantam o atendimento de suas necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais.
Segundo Ausubel, Novak e Hanesian ([1978] 1980), o ensino e a aprendizagem,
de qualquer tópico de ensino, dependem do compartilhamento de significados
que ocorre entre a tríade professor–tópico de ensino–aluno. De maneira geral,
estes autores propõem que, para atingir o compartilhamento de significados, é
necessário que, ao planejar o evento educativo, se programe o uso de linguagens
relevantes, facilitadoras da aprendizagem significativa.
Diante do exposto, neste capítulo, apresentamos os resultados de uma pes-
quisa em que investigamos qual a sensibilização e a conscientização atitudinal
alcançadas por estudantes participantes de um programa de Educação Alimentar
e Nutricional, estimulado e sustentado por múltiplas representações.3

1.1 Arcabouço teórico que sustentou a pesquisa


Com vistas à problemática recém-exposta, optamos pelo uso dos seguintes
referenciais: Educação Alimentar e Nutricional (BRASIL, 1997, 1998, 2012; BIZ-
ZO; LEDER, 2005); Teoria da Aprendizagem Significativa (AUSUBEL, 1963, 2000;
MOREIRA; MASINI, 1982; MOREIRA 2006); Aprendizagem Atitudinal (COLL et
al., 1998; ZABALA, 1998); Multiplicidade Representacional (AINSWORTH, 1999;
PRAIN; WALDRIP, 2006; LABURÚ; SILVA, 2011). Esses referenciais serviram para
a construção de uma metodologia de ensino e de avaliação que nos permitiu imple-
mentar um programa de Educação Alimentar e Nutricional, em ambiente escolar.

2 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL:


CONCEITO E ALCANCE

O Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para Políticas


Públicas concebe que a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) é “um campo de

3 Este capítulo apresenta parte dos resultados da pesquisa de mestrado realizada por um dos autores (FRASSON,
2016).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
365

conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial


e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos
alimentares saudáveis” (BRASIL, 2012, p. 23). Para Boog (2004), compete à EAN
o desenvolvimento de estratégias sistematizadas para impulsionar a cultura e a
valorização da alimentação saudável a partir do reconhecimento da necessidade
não somente de respeitar crenças, valores, atitudes, práticas e relações sociais que
se estabelecem em torno da alimentação, mas também de modificá-las.
No campo da Ciência da Nutrição, programas de EAN podem ser desen-
volvidos em várias esferas de atendimento à comunidade – clínicas, unidades
básicas de saúde, empresas, indústrias, igrejas, escolas etc. No que tange às ações
educativas em escolas, a Lei das Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que foi
promulgada em 1996, iniciou o processo de incentivo às práticas de alimenta-
ção saudável no ambiente escolar, estimulando a inclusão desse tema nos docu-
mentos oficiais de ensino. Bizzo e Leder (2005) afirmam que a inserção da EAN
no Ensino Fundamental terá mérito se estiver fundamentada em metodologia
pedagógica que se configure dialogal, significativa, problematizadora, transver-
sal, lúdica e construtivista. Nessa mesma linha reflexiva, os autores do Marco de
Referência de EAN (BRASIL, 2012) defendem que, na prática, a EAN deve fazer
uso de abordagens e recursos educacionais problematizadores e ativos que favo-
reçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais, considerando todas
as fases do curso da vida, etapas do sistema alimentar e as interações e significa-
dos que formam o comportamento alimentar.
Diante das considerações desses autores, vislumbramos a possibilidade de
planejar e implementar um programa de EAN com base na Teoria da Aprendiza-
gem Significativa, no modelo teórico da Aprendizagem Atitudinal e na utilização
de múltiplas formas de representar um mesmo tópico de ensino.

2.1 Aprendizagem significativa para além de conceitos:


um novo olhar sobre a teoria ausubeliana
Na década de 1960, David Ausubel elaborou a Teoria da Aprendizagem
Significativa (TAS) e descreveu a Aprendizagem Significativa como sendo o pro-
cesso pelo qual uma informação nova associa-se a outra informação especifica-
mente relevante já existente na estrutura de conhecimento do indivíduo. Esse
processo envolve a interação da nova informação com um conceito subsunçor,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
366

ou simplesmente subsunçor (AUSUBEL, 1963), pertencente à estrutura cogniti-


va do indivíduo (MOREIRA; MANSINI, 1982). Na Figura 1 apresentamos um
esquema, elaborado por Moreira (2011), que expressa como Ausubel imaginou
a interação entre subsunçor e novo conhecimento.

Figura 1: O processo de assimilação

Fonte: Moreira (2011, p. 158).

Conforme o esquema apresentado na Figura 1, Ausubel idealizou que a


interação entre um conhecimento potencialmente significativo (a) e o subsun-
çor (A) ocorre na fase denominada assimilação e gera, inicialmente, um produ-
to divisível, porém, tanto o novo conhecimento quanto o subsunçor passam a
apresentar marcas um do outro (a’A’). À medida que ocorre a exposição ao novo
saber, a assimilação possibilita que o subsunçor seja modificado, enriquecido e
elaborado, de forma que não se percebe mais a dissociabilidade entre o saber
novo e o prévio (A’).
Em 1978, Ausubel, Novak e Hanesian ([1978] 1980) ampliaram as conside-
rações acerca da TAS e afirmaram que, para a aprendizagem significativa acon-
tecer, além da presença de subsunçores, é necessário que aprendiz e material de
ensino cumpram algumas condições. Na Figura 2, apresentamos um esquema,
adaptado de Pozo e Gómez Crespo (2009), em que estão descritas essas condições.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
367

Figura 2: Condições para a aprendizagem significativa

Fonte: Adaptado de Pozo; Crespo (2009, p. 85).

Conforme o esquema apresentado na Figura 2, para que a aprendizagem


significativa ocorra, o aprendiz deve ter subsunçores sobre o tema a ser apren-
dido e apresentar predisposição para aprender. Além disso, o tópico de ensino
deve possuir organização interna (estrutura lógica e conceitual) e fazer uso de
linguagens, vocabulários e terminologias adaptadas aos alunos.
Apesar de Ausubel tratar em sua teoria o subsunçor como um conceito,
uma ideia ou uma proposição existente na estrutura cognitiva do indivíduo,
Pozo (1998) advoga que, além de fatos e conceitos, considerar os conhecimen-
tos procedimentais e atitudinais que o aluno já possui é essencial para a pro-
moção da aprendizagem que leva à sua formação integral. Em conformidade
com Pozo (1998), Moreira (2012) diz que, no presente, considerar apenas os
conhecimentos conceituais como subsunçores não parece mais adequado, pois
limita o significado de conhecimento prévio, induzindo ao pensamento de que
ele seja relacionado apenas a conceitos. Nesse sentido, é preciso considerar o
subsunçor como um conhecimento prévio especificamente importante para
uma nova aprendizagem, sendo que tal conhecimento pode ser de natureza
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
368

procedimental ou atitudinal, complementando o conceitual (FRASSON; LA-


BURÚ; ZÔMPERO, 2019).

2.2 Atitudes enquanto conteúdos de aprendizagem


Como afirmado na seção anterior, os saberes presentes no cognitivo dos
sujeitos podem ser de natureza conceitual, procedimental ou atitudinal. Apesar
de ser uma classificação simples, carrega certa força pedagógica, pois diferencia
os conhecimentos em conteúdos de aprendizagem, de acordo com o uso que de-
les se deve fazer. Assim, para Zabala (1998), há conteúdos que é preciso “saber”
(conceituais), conteúdos que ensinam a “fazer” (procedimentais) e conteúdos
que formam o “ser” (atitudinais).
No atual contexto escolar, os conteúdos atitudinais são os mais complexos
de serem tratados, pois as atitudes parecem ser construídas mais a partir da in-
fluência social e cultural que se sobrepõem ao aprendiz, do que pelos discursos
éticos e científicos proferidos pelos professores. Entretanto, a função social que a
formação atitudinal ocupa torna indispensável sua presença no ambiente escolar.
Os debates que envolvem a formação e a mudança do comportamento humano
consideram que as ações, ou atuações, dos indivíduos são resultantes da obediên-
cia deles às normas estabelecidas pelo grupo social no qual estão inseridos ou das
reflexões e interiorizações particulares, que levam à formação de valores pessoais.
Em Sarábia (1998, p. 122), encontramos que as atitudes são “tendências
ou disposições adquiridas e relativamente duradouras a avaliar de um modo
determinado um objeto, pessoa, acontecimento ou situação e a atuar de acordo
com essa avaliação”. Esse mesmo autor define valores e normas como “princí-
pios éticos com respeito aos quais as pessoas sentem um forte compromisso
emocional e que empregam para julgar condutas” e “padrões de conduta com-
partilhados pelos membros de um grupo social” (SARABIA, 1998, p. 127; p.
128), respectivamente. Essas definições apontam que os comportamentos têm
três componentes básicos: o cognitivo (conhecimentos e crenças), o afetivo
(sentimentos e preferências) e o condutual (ações manifestas e declarações de
intenção) (ZABALA, 1998).
Nesse contexto, em congruência com El-Hani e Mortimer (2007), para os
alunos compreenderem um conteúdo atitudinal aproximando-o do conhecimen-
to científico de forma a mudarem suas atitudes e construírem comportamentos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
369

com consciência, fruto da reflexão sobre normas e valores, os professores, mais


do que discursos éticos, devem utilizar estratégias que levem a reflexões e elabo-
rações complexas de caráter pessoal.

2.3 Funções da Multiplicidade Representacional na construção do


conhecimento
Tanto na EAN quanto na TAS e no modelo teórico que pensa a formação
atitudinal, o objetivo principal é que os temas abordados na escola ganhem sig-
nificado para o aprendiz, de forma que de lógicos se tornem psicológicos. Apesar
de olhares de autores diferentes, encontramos em comum o incentivo de todos
para que, ao planejar o evento educativo, programe-se o emprego de linguagens
relevantes, facilitadoras da aprendizagem.
Tytler, Prain e Peterson (2007) constataram em suas pesquisas haver vín-
culo entre atividade científica, processo de produção de significados e escolhas
semióticas representacionais que subsidiam a aprendizagem científica de estu-
dantes. Nesse sentido, representações semióticas incluem tanto comunicações
escritas e orais, como desenhos, gestos, manipulação de objetos físicos e vários
tipos de movimento corporal (RADFORD; EDWARDS; ARZARELLO, 2009).
Em 1999, Ainsworth já havia afirmado que o emprego de múltiplas re-
presentações desempenha três papéis principais na compreensão de determi-
nado objeto de estudo: a complementariedade, pois, ao usar diferentes formas
de representar um mesmo tópico de ensino, pode haver complementação de
informações e, assim, apoio para a construção desse saber na estrutura cog-
nitiva; a restrição, porque o uso de várias representações semióticas para o
mesmo tema pode delimitar possíveis interpretações distorcidas sobre ele; e o
aprofundamento, uma vez que, ao usar múltiplas formas para representar um
mesmo conteúdo, pode haver aprofundamento na compreensão desse conhe-
cimento científico.
A partir do trabalho de Ainsworth (1999), Laburú e Silva (2011) adicio-
naram mais dois papéis ao uso da multimodalidade semiótica na concretização
da aprendizagem. O primeiro refere-se a determinados modos serem mais ade-
quados a certos indivíduos, devido à existência de esquemas mentais previa-
mente construídos por eles, presentes em suas estruturas cognitivas sob a égide
de determinada forma de representação semiótica. O segundo está relacionado
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
370

a questões emocionais que os aprendizes mantêm com o conhecimento, ou seja,


a individualidade dos aprendizes lhes permite ter apreços diferentes em relação
aos diferentes modos de representação de um mesmo conteúdo científico, o que
pode ser explorado pelo professor nas ocasiões de ensino.
Com base nesses papéis, Camargo Filho (2014) realizou pesquisa e reiterou
que o uso de estratégias de ensino baseadas nas múltiplas representações, além
de favorecer que aprendizes com diferentes estilos de aprendizagem aprendam,
também confere benefícios motivacionais frente às atividades escolares. Da mes-
ma forma, conduz o aluno a um profundo entendimento do conteúdo científico
que se pretende ensinar; isso porque as modalidades, enquanto usadas indivi-
dualmente, expressam pouco significado. O significado global dos conceitos e
processos científicos é construído por meio do uso simultâneo de modalidades
semióticas diferentes. Encontramos, então, no referencial teórico da multimo-
dalidade e das múltiplas representações, que aqui denominamos Multiplicidade
Representacional (MR) por uma questão terminológica, material de valor a ser
agregado à base teórica da nossa pesquisa.

3 ESTUDO REALIZADO EM UMA ESCOLA PÚBLICA


NO MUNICÍPIO DE LONDRINA-PR

A fim de investigarmos sobre a sensibilização e a conscientização atitu-


dinal alcançadas por estudantes participantes de um programa de Educação
Alimentar e Nutricional, estimulado e sustentado por múltiplas representa-
ções, realizamos um trabalho de natureza qualitativo-descritiva. A pesquisa
ocorreu em uma escola da rede estadual de ensino da periferia de Londrina-
-PR, em setembro de 2015. As atividades foram levadas a cabo no decorrer de
4 semanas, totalizando 10 encontros, dos quais participaram 22 alunos, com
idade entre 12 e 14 anos, de uma turma de 7º ano do Ensino Fundamental,
entretanto, por conveniência, delimitamos como público-alvo para análise as
produções de um aluno.
Ao planejar a estratégia didática que executamos, consideramos as eta-
pas para implementação da TAS, segundo as Unidades de Ensino Potencial-
mente Significativas (UEPS) de acordo com Moreira (2006), e as sugestões
de atividades de ensino/aprendizagem incentivadas pelos autores da TAS,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
371

do modelo teórico para Aprendizagem Atitudinal e da MR. Tendo em vista


ser a EAN uma área temática bastante abrangente, optamos por delimitar as
abordagens no subtema “Consumo de frutas”. Para implementação da estra-
tégia didática, dividimos os 10 encontros nas quatro etapas das UEPS: Orga-
nização Prévia, Avaliação de Subsunçores, Intervenções Didáticas de Ensino
e Avaliação da Aprendizagem.
Na 1ª etapa, fizemos um encontro. Utilizamos o recurso da Organização Pré-
via para introduzir o tema da pesquisa. Fizemos aos alunos a pergunta “O que é
alimentação saudável para você?”, estimulamos a participação deles e escrevemos
as ideias centrais de suas respostas no quadro. Finalizamos comentando como o
tema “alimentação saudável” é abrangente e oferece margem para discussões que
incluem saberes ora mais populares e culturais, ora mais científicos, bem como
naturezas conceituais, procedimentais e atitudinais.
Reservamos para a 2ª etapa a avaliação de Atitudes Prévias. Realizamos, em
um único encontro, duas atividades. Inicialmente, pedimos que os alunos respon-
dessem a um “Questionário de Frequência de Consumo de Frutas”, instrumento
próprio da área da Ciência da Nutrição, que permitiu identificar o comporta-
mento alimentar dos estudantes quanto ao consumo de frutas. A segunda ativi-
dade foi prática e de inserção. Convidamos os alunos a participarem de um café
da manhã em que servimos suco natural de laranja, suco natural de melancia,
salada de frutas, maçã, banana, uva, pêssego, nectarina, suco artificial (caixa) de
laranja, suco artificial (caixa) de uva, bolacha recheada de chocolate, refrigerante
Coca-Cola e bolo de coco. Orientamos que eles escolhessem os alimentos para
o consumo na ordem que lhes interessasse. Nesse momento utilizamos como
instrumento para coleta de dados registros de percepções da pesquisadora em
diário de campo e fotos.
A 3ª etapa foi destinada às intervenções didáticas planejadas para a pro-
moção da reorganização de significados nos aprendizes. Realizamos seis inter-
venções (equivalente a seis encontros): 1ª) Exposição oral sobre o tema, feita
por parte dos pesquisadores; 2ª) Apresentação e discussão sobre o programa
jornalístico “O poder das frutas”; 3ª) Aula experimental em laboratório: ma-
nuseio de frutas/preparação de um prato gourmet à base de frutas feita pelos
alunos; 4ª) Análise de informações nutricionais presentes no rótulo de três
marcas de suco de laranja em comparação às informações nutricionais sobre
suco de laranja natural; 5ª) Análise de artigos de divulgação científica sobre
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
372

o tema, seguida de debate fomentado pela pergunta “Qual a opinião de vocês


sobre o consumo de frutas?”; e 6ª) Produção de história em quadrinhos pelos
alunos, a partir do tema “incentivo ao consumo adequado de frutas”. A esco-
lha por essas atividades teve o objetivo de levar os alunos a reflexões pessoais
sobre seus comportamentos alimentares frente às considerações científicas que
são feitas sobre o tema4.
Finalizando o programa de EAN, realizamos a 4ª etapa da UEPS, com dois
encontros. Nela fizemos a avaliação da significação, conscientização e sensi-
bilização atitudinal mobilizada nos aprendizes. Para isso, realizamos três ati-
vidades: aplicamos novamente o Questionário de Frequência de Consumo de
Frutas; solicitamos que os aprendizes levassem frutas para prepararmos uma
salada de frutas com a colaboração de todos; entrevistamos os alunos para in-
vestigar as reflexões finais pessoais/individuais deles sobre o consumo de frutas.
Ao planejar as atividades implementadas, buscamos contemplar várias re-
presentações semióticas (descrições verbais, textuais, tabulares e matemáticas;
figurações pictóricas e metafóricas; manipulações de objetos 3D; experimen-
tações; movimentações corporais) tanto para os momentos de ensino, em que
fica evidente nosso discurso, quanto para os de aprendizagem e avaliação, em
que aparecem as produções dos alunos.

4 REGISTROS DAS ATITUDES DO ALUNO QUANTO


AO CONSUMO DE FRUTAS ANTES E APÓS A
INTERVENÇÃO DIDÁTICA

Como resultados, trazemos, nesta seção, a comparação entre os dados cole-


tados na etapa 2 e 4 do programa implementado. Como afirmado anteriormente,
optamos por um estudo tipo análise de caso.

4.1 Registros da Etapa 2


A Figura 3 apresenta os resultados que obtivemos em resposta ao 1º Ques-
tionário de Frequência de Consumo de Frutas que aplicamos.

4 Considerações aprofundadas sobre o papel dessas atividades, especificamente, na promoção de reflexões de cará-
ter pessoal podem ser encontradas em Frasson (2016) e Frasson e Laburú (2018).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
373

Figura 3: Frequência de consumo de frutas e sucos do aluno participante da pesquisa (1)

Fonte: Frasson (2015).

Ao analisar a Figura 3, temos que o aluno disse que sua ingestão de frutas
frescas se enquadrava na escala de uma vez na semana; frutas secas e enlatadas,
menos de uma vez por mês; sucos de frutas frescas, uma a três vezes por mês;
sucos de polpa, nunca; e sucos artificiais, mais de duas vezes por dia. Entretanto,
ao comparar os dados sobre o consumo de frutas frescas geral com o consumo
de algumas frutas específicas, tais como banana, laranja e maçã, percebemos
incongruência nas respostas, pois ele relatou consumir banana diariamente e
laranja e maçã de duas a quatro vezes na semana. Com outro enfoque, a análise
dos dados permitiu verificar que, independentemente da discussão apresentada,
o consumo de frutas do aluno é inferior à preconização feita pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), que é de três a cinco porções/dia, julgando que sucos
artificiais não substituem as frutas e os sucos de frutas in natura (WHO, 2002).
Sobre o envolvimento do aluno na 2ª atividade que realizamos para avaliação
de atitudes prévias, descrevemos em nossas observações de campo que ele teve
participação passiva durante o café da manhã, sem demonstrações de interesse
pela situação e pelos objetos sobre os quais estávamos realizando a avaliação.
Contudo, escolheu ingerir bolachas recheadas e uma porção de salada de frutas,
após um colega lhe oferecer.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
374

4.2 Registros da Etapa 4


Após participar de todas as atividades da etapa 3, o aluno respondeu ao 2º
Questionário de Frequência de Consumo de Frutas e chegamos aos dados apre-
sentados na próxima figura.

Figura 4: Frequência de consumo de frutas e sucos do aluno participante da pesquisa (2)

Fonte: Frasson (2015).

Pela análise da Figura 4, temos que o aluno disse que sua ingestão de frutas
frescas se enquadra na escala de duas ou mais vezes por dia; frutas secas e enlatadas,
menos de uma vez por mês; sucos naturais de frutas frescas, uma a três vezes por
mês; sucos de polpa, nunca; e sucos artificiais, duas ou mais vezes por dia. Nesse
caso, ao comparar os dados do consumo de frutas frescas em geral, com o consumo
de algumas frutas específicas, tais como laranja e manga, percebemos congruência
nas respostas. Entendemos que estimulado pelo desafio de responder ao questio-
nário na fase inicial das intervenções, provavelmente o aluno tenha prestado mais
atenção às suas práticas de consumo alimentar, de forma que reconheceu, nesta
etapa final, com maior clareza, a frequência com que ingere frutas.
A análise dos dados nos permitiu, ainda, verificar que o consumo de frutas
do aluno passou a estar de acordo com a preconização feita pela OMS (WHO,
2002). Uma análise das Figuras 3 e 4 nos permite inferir que o aluno apresentou
mudança atitudinal em relação ao seu consumo de frutas. Aumentou a ingestão
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
375

diária destes alimentos e progrediu na questão da variação deles no decorrer


do consumo, aumentando, por exemplo, a frequência no consumo de abacate,
abacaxi, laranja, melão, melancia, manga, goiaba e uva. Considerando esse novo
panorama, interpretamos que o enfoque na natureza atitudinal do material de
ensino durante as intervenções didáticas de implementação da TAS foi impor-
tante e eficiente para a mudança comportamental do aluno, ou seja, contribuiu
para o desenvolvimento de hábitos de conduta e consumo.
Sobre a 2ª atividade para avaliação da aprendizagem atitudinal, entende-
mos que ele não participou ativamente, não trouxe sua parte da tarefa (uma fru-
ta para compor a salada de frutas feita em sistema de colaboração pela turma)
e, provavelmente, por constrangimento preferiu não participar do momento de
consumo do prato preparado pelos colegas.
A última participação do aluno na pesquisa foi a concessão de uma entre-
vista em que registramos as reflexões finais dele sobre os eventos educativos em
que esteve envolvido e seu comportamento alimentar. Na sequência, descreve-
mos os dados coletados.

Reflexões finais pessoais/individuais


Durante as últimas semanas tivemos alguns encontros em que discutimos
a importância do consumo de frutas para os homens. Hoje estamos encerrando
nossas atividades. Então, pense e responda com sinceridade:
– P: Qual atividade você mais gostou? Por quê?
– R: Do dia do master chef no laboratório, porque a gente pode criar nossos
próprios pratos.
– P: O que você aprendeu durante nossos encontros?
– R: Que a fruta é muito importante para a saúde.
– P: Você mudou alguma atitude sua quanto ao consumo de frutas, por causa
de alguma informação nova que discutimos em nossos encontros?
– R: Sim, eu comecei a variar as frutas.
– P: Você acredita que mudará alguma atitude sua quanto ao consumo de fru-
tas, por causa das informações novas que discutimos em nossos encontros?
– R: Sim.

Pelas respostas fornecidas, percebemos que a sequência de eventos educativos


culminou em reflexões pessoais que levaram à sensibilização e conscientização
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
376

sobre a conduta alimentar do aprendiz. A percepção de que a fruta é importante


para a saúde, o engajamento gerado pela atividade experimental realizada em
laboratório, a decisão de variar as frutas consumidas e a consciência sobre a pos-
sibilidade de mudar mais atitudes em relação ao consumo alimentar nos levam a
concluir que a estratégia empregada foi promotora de aprendizagem significativa
atitudinal para o aluno.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que expusemos neste capítulo, evidenciamos que a congrega-


ção dos referenciais teóricos da Educação Alimentar e Nutricional, da Teoria da
Aprendizagem Significativa, da Aprendizagem Atitudinal e da Multiplicidade
Representacional para a construção de uma metodologia de ensino e avalia-
ção nos permitiram favorecer e reconhecer, respectivamente, a sensibilização e
a conscientização do aluno para a formação/mudança de seu comportamento
alimentar relativo ao consumo de frutas, de forma que consideramos que ele al-
cançou aprendizagem significativa atitudinal sobre o tema.
Temos ciência de que o estudo apresentado oferece respostas iniciais à pro-
blemática levantada, de forma que há espaço para muitas outras investigações
que levem à consolidação das conclusões aqui descritas.

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24 APLICAÇÃO DE UMA SEQUÊNCIA
DIDÁTICA SOBRE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CAMPO
GRANDE-MS

Maikel da Silva Ferreira Luiz1


Simone Vilhalva Dering2
Antonio Sales3

1 INTRODUÇÃO

A alimentação faz parte do currículo do ensino de Ciências da Natureza


e do Tema Transversal Saúde, consolidados pelos Parâmetros Curriculares Na-
cionais (PCN). Sabe-se que a adolescência é um período determinante para a
escolha de hábitos que podem perdurar ao longo de toda a vida e que a alimen-
tação é um processo fundamental para o crescimento e desenvolvimento do or-
ganismo. O atual referencial disponibilizado para as escolas estaduais de Mato
Grosso do Sul afirma que o estudante do Ensino Fundamental deve “reconhecer
o alimento como fonte de matéria e energia para o crescimento e manutenção
do corpo” (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 288), distinguindo os diferentes

1 Professor de Ciências e Biologia na Rede Pública de Ensino de Mato Grosso do Sul Pós-Graduando em Educação
Científica pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
2 Professora de Ciências e Biologia na Rede Pública de Ensino de Mato Grosso do Sul Pós-Graduanda em Educação
Científica pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
3 Professor Doutor, Docente Sênior no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da UEMS. Professor da UNIDERP
nos cursos de Matemática, Medicina e Mestrado em Ensino de Ciência e Matemática.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
380

tipos de nutrientes, seus papéis na constituição e saúde do organismo, conforme


suas necessidades (BRASIL, 1998).
Ao relacionar a prática de hábitos alimentares inadequados de adolescentes
e o desenvolvimento de determinadas enfermidades na idade adulta, a alimenta-
ção saudável na adolescência vem recebendo grande atenção no que se refere ao
consumo alimentar, aos saberes relacionados e suas representações nessa fase da
vida (LAGO; RIBEIRO; COSTA DE SOUZA, 2016). Conforme Pinheiro, Recine
e Carvalho (BRASIL, 2005) não existe uma fórmula específica e única para uma
alimentação saudável, isso restringiria seu entendimento e prática. Ela é diversa
em seu contexto e deve respeitar atributos coletivos e individuais impossíveis de
serem quantificados dentro de uma receita. Porém, existem princípios que podem
regê-la: respeito aos aspectos sociais e culturais da prática alimentar; acessibilidade
(física e financeira) aos produtos de qualidade; variedade; cor; harmonia (quanti-
dade e qualidade) dos alimentos e segurança; e a integração nas atividades físicas.
Portanto, na adolescência, é importante uma educação nutricional como
ferramenta da promoção de hábitos alimentares saudáveis e suas relações com a
saúde futura. Na educação escolar, a disciplina de Ciências da Natureza estuda
a vida como um todo e, inseridos nela, estão presentes os conteúdos sobre ali-
mentação, nutrição e saúde (JESUS; GARCIA, 2018).
De acordo com o Guia Alimentar da População Brasileira (BRASIL, 2014),
entre aqueles que utilizam alimentos in natura e minimamente processados, as
três principais refeições do dia – café da manhã, almoço e jantar – oferecem cerca
de 90% do total de calorias utilizadas ao longo do dia, há um excesso de consu-
mo em carne vermelha e baixo consumo em legumes. Conforme o documento,
no café da manhã devem estar presentes café com leite e frutas e, de acordo com
a região, uma variedade com preparações à base de cereais ou de tubérculos,
ovos, tapioca, cuscuz, bolos, pães e queijos. No almoço, a mistura de feijão com
arroz prevalece na mesa, e há substituições como lentilhas, farinha de mandio-
ca, preparações à base de milho (angu e polenta), acompanhados de verduras
ou legumes. Embora essa situação não seja comum no Brasil, é prescrição. Para
diversificar o consumo desses alimentos, diferentes tipos de verduras e legumes
(alface, tomate, acelga, couve, repolho, abóbora, beterraba, quiabo, berinjela, jiló)
podem ser preparados, crus em saladas ou em preparações cozidas ou refogadas.
Carnes vermelhas (de gado ou de porco) estão restritas a um terço das refeições
apresentadas no guia, priorizando-se cortes magros e preparações grelhadas ou
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
381

assadas. Como sobremesa, deve-se dar preferência a frutas e doces caseiros. Con-
sidera o uso de alimentos processados como ingredientes, mas não substitutos
de preparações culinárias típicas.
Na grande maioria das refeições do jantar, a combinação de feijão com arroz
é encontrada. Há substituições, como macarrão, nesse caso, servida com frango,
sopas, peixe, ovos e vários tipos de preparações de legumes e verduras. Nova-
mente a carne vermelha é presença marcante. Frutas aparecem como sobremesas
ou como parte do jantar, por exemplo, o açaí misturado à farinha de mandioca.
Crianças e adolescentes, por se encontrarem em fase de crescimento, nor-
malmente precisam fazer uma pequena refeição diária – ou mais –, além das três
refeições principais, mas para adultos em outras fases do curso da vida é apenas
uma recomendação. Frutas frescas ou secas são uma excelente alternativa, bem
como leite, iogurte natural e castanhas ou nozes, na medida em que são alimentos
com alto teor de nutrientes e grande poder de saciedade, além de serem práticos
para transportar e consumir (BRASIL, 2014).
Este capítulo apresenta, portanto, um estudo que surgiu como necessidade de
melhorar o conhecimento sobre a alimentação e práticas alimentares e provocar
uma discussão sobre o tema em sala de aula. Trata-se de uma sequência didática
(SD4), elaborada de acordo com a teoria da tipologia de conteúdos de Zabala
(1998), com a qual se buscou sensibilizar os estudantes do Ensino Fundamental
de uma escola pública sobre os hábitos alimentares. A finalidade foi a de debater
o tema entre eles e estimular a possibilidade de mudança em suas atitudes quanto
a hábitos mais saudáveis. Partindo da premissa de que é fundamental discutir a
questão alimentar em sala de aula, essa sequência didática (SD) buscou sensibi-
lizar estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental sobre a alimentação saudável,
por meio de uma série de atividades sequenciadas.

2 TIPOLOGIA DE CONTEÚDOS SEGUNDO ZABALA

Para determinar os objetivos da educação, segundo Zabala (1998), é ne-


cessário analisar as capacidades que se pretende desenvolver nos estudantes. A

4 A experiência fez parte de um projeto de Pós-Graduação em Educação Científica da Universidade Estadual de


Mato Grosso do Sul (UEMS), que teve como objetivo a construção, aplicação e avaliação de sequências didáticas
(SD) baseada nos teóricos estudados ao longo do curso.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
382

tipologia dos conteúdos proposta por esse autor classifica-os em factuais, con-
ceituais, procedimentais e atitudinais. Nessa perspectiva, o ensino contempla
variadas dimensões da formação do estudante: contempla a sua relação com o
saber (conteúdos conceituais), com o saber fazer (conteúdos procedimentais)
e com o ser (conteúdos atitudinais). Os conteúdos factuais estão relaciona-
dos com as informações que serão manipuladas para que os conceitos sejam
compreendidos.
As atividades que formam uma SD no cotidiano escolar podem ficar restri-
tas aos conteúdos conceituais e são muitas vezes voltadas apenas para cumprir o
referencial curricular proposto para as escolas (SOUZA, 2009). Desse modo, os
conteúdos são articulados como método único e exclusivo de realizar o processo
de ensino-aprendizagem, forma essa criticada por Zabala (1998).
Uma concepção mais ampla de conteúdos e do que se precisa aprender para
alcançar todas as capacidades e não somente as de alguns aspectos cognitivos
exige um entendimento sobre educação e escolaridade que vai além da visão im-
posta e mantida pela proposta tradicional5. O professor deve atentar para o fato
de que o estudante aprende de forma ativa. Mesmo quando ouvinte, deve sê-lo
de forma operante, ou seja, não apenas escutar e reproduzir o que o professor diz,
mas ser colocado em situação de mobilizar os seus conhecimentos prévios e com
isso reordenar e reclassificar o que ele já sabe (INFORSATO; ROBSON, 2011).
Segundo Zabala, a SD é uma metodologia realizada por meio da ordenação
e articulação de atividades que formam unidades didáticas. Para ele, a unidade
didática é “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para
a realização de certos objetivos educacionais, que tem um princípio e um fim
conhecido tanto pelos professores como pelos estudantes” (ZABALA, 1998, p.
18). Desse modo, as unidades didáticas devem ser elaboradas de modo a tornar
significante o aprendizado para os estudantes, pois a SD é construída atendendo
a realidade e necessidade do estudante.
Ao ensinar um conteúdo novo, deve-se fazer uma abordagem de concei-
tos já conhecidos pelos estudantes para que a aprendizagem seja significativa
(ZABALA, 1998). Uma das características dos conteúdos conceituais é que a
aprendizagem nunca pode ser considerada acabada, pois existe a possibilidade
de ampliação ou aprofundamento de conteúdos já apropriados (SOUZA, 2009).

5 No sentido de algo culturalmente herdado e que tende a se manter, ser persistente.


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
383

Já os conteúdos factuais abrangem os conhecimentos de fatos, acontecimen-


tos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares. Os nomes dos alimentos,
os dados de uma receita e os componentes de cada alimento são exemplos de
conteúdos factuais. Esses conhecimentos podem ser esquecidos mais facilmente
se o estudante for mero repetidor (ZABALA, 1998).
Os conteúdos caracterizados como conceitos e princípios são mais abstra-
tos. E, para que um estudante aprenda efetivamente um conceito, ele não deve
ser apenas capaz de repetir a definição, mas utilizá-la para a interpretação, com-
preensão ou exposição de um fenômeno ou situação, tornando-se capaz de situar
os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui. Ainda de
acordo com o autor:

Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que tem


características comuns, e os princípios se referem às mudanças que produzem
num fato, objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e
que normalmente descrevem relações de causa-efeito ou correlação (ZABALA,
1998, p. 42).

Alimentação saudável, por exemplo, é um conceito a ser construído pelo


estudante a partir das atividades propostas na sequência didática. Zabala (1998)
afirma que conteúdos procedimentais apresentam um conjunto de ações orde-
nadas e com um fim, portanto, dirigidas para a realização de um objetivo. São
procedimentos: andar, ler, alimentar-se, classificar, inferir, discutir etc. A esses
procedimentos, acrescentamos escolher e preparar devidamente os alimentos,
observar os rótulos, comparar produtos, higienizar adequadamente os alimentos
a serem ingeridos cru, entre outros.
Conteúdos atitudinais, diz Zabala, englobam valores, atitudes e normas. Al-
guns valores muito citados são a solidariedade, a responsabilidade e a liberdade;
exemplos de atitudes são cooperar, ajudar e respeitar. No caso desta sequência,
podem ser citados, por exemplo, a disposição para mudar o hábito alimentar, o
cuidado na aquisição e no preparo dos alimentos. Já as normas são padrões ou
regras de comportamento que um grupo social deve ter. Pode-se pensar também
nas “normas” biológicas do bom funcionamento do organismo. Considera-se
que o estudante adquiriu um valor quando ele é interiorizado e foram elabora-
dos critérios para tomar posição frente àquilo que deve se considerar positivo
ou negativo. A atitude é demonstrada quando a pessoa “pensa, sente e atua de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
384

uma forma mais ou menos constante diante do objeto concreto”. E considera-se


que aprendeu uma norma, apontando três graus: primeiro consiste na simples
aceitação; o segundo é indicado por colocar-se em conformidade com os prin-
cípios aprendidos porque implica certa reflexão sobre o que significa a norma;
e o último ocorre quando há sua interiorização, automatizando as sua prática
(ZABALA, 1998).
Uma norma importante sobre o tema em pauta diz respeito ao sentir-se
responsável por cuidar da sua saúde e discutir sobre isso espontaneamente. Essa
aquisição será revelada pelos argumentos utilizados pelos mesmos usando a me-
todologia da dialogicidade. Dentro do tema a ser abordado, alimentação saudável,
são fatos que contribuirão para a compreensão desse conceito: ter saúde é dese-
jável, e é possível, no nosso contexto socioeconômico, organizar produtos que
contribuam para uma vida saudável. Encontramos também informações cien-
tíficas em quantidade suficiente para que o estudante construa um conjunto de
valores a respeito do conceito de alimentação saudável. Alguns procedimentos são
necessários para que esses fatos contribuam para o conhecimento devido, como
leitura e discussão dos textos científicos. Do mesmo modo, quando no supermer-
cado, a escolha dos alimentos que estão ao alcance de suas posses e que supram
as suas necessidades, como também o cuidado na preparação desses alimentos.
Como um dos objetivos é induzir o estudante a uma atitude de cuidado
com o seu bem-estar através da alimentação, faz-se necessário discutir uma me-
todologia de trabalho que possa contribuir para isso. Zabala (1998) adverte que
o objetivo de compartimentar os tipos de conteúdo é facilitar a compreensão so-
bre como ocorre o processo da aprendizagem. Entretanto, ele ressalta que a linha
divisória entre um conteúdo e outro é muito sutil e confusa, visto que um con-
teúdo sempre está associado e será aprendido junto com os demais. Dessa forma
é atualizando, comparando, identificando diferenças e semelhanças que se pode
potencializar uma aprendizagem significativa dos conhecimentos apresentados.

3 O ENSINO DE CIÊNCIA E A PRÁTICA


DIALÓGICA DE PAULO FREIRE

Segundo Leite e Feitosa (2011), o Ensino de Ciências está ligado a uma visão
que tem caráter enciclopédico e conteudista. Essa caracterização foi denominada
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
385

por Paulo Freire de “educação bancária”. Conforme Freire (1987), essa forma de
educação na qual o professor aparece como o sujeito principal e detentor do co-
nhecimento, que não pode ser discutido, tem por função depositar nos educan-
dos os conteúdos de narração docente que, por sua vez, baseia-se no prescrito
nos livros tais como se apresenta, sem acréscimos. Tais conteúdos são partes da
realidade e não apresentam conexão com a totalidade em que estão inseridos.
Desse modo, perdem a sua significação. A palavra perde o poder de transforma-
ção, e o ensinado perde a essência.
No entendimento “bancário” da educação, o professor adquire seus conhe-
cimentos que posteriormente são transmitidos aos estudantes por meio de uma
narração, e cabe aos educandos apenas a memorização dos conceitos e fatos re-
latados. Não ocorre, portanto, a construção do conhecimento, pois não há diá-
logo entre os envolvidos, são apenas “depósitos bancários” de conteúdos. Uma
educação que ocorre de forma vertical, sem diálogo, nem criticidade, passiva e
apolítica, segundo Leite e Feitosa (2011).
Para Freire (1996), o ensino e a aprendizagem exigem disponibilidade para
o diálogo. A segurança do professor não deve estar pautada na quantidade de
conhecimento que detém, mas na possibilidade de aprender com o outro, no ca-
minho para continuar conhecendo, não havendo razão para envergonhar-se de
não saber algo. Estar aberto ao diálogo é um saber necessário à prática educativa.
A base pedagógica para Freire é, portanto, o diálogo. A relação dialógica deve
existir entre educador, educando e o objeto do conhecimento, entre natureza e
cultura. Quando a educação acontece de forma mediada pelo diálogo promove
a ampliação da visão de mundo. Ela não se configura em um monólogo, no qual
o conhecimento fica a cargo de apenas uma pessoa, que, se considerando deten-
tor do conhecimento, deposita no que menos ou nada sabe (FEITOSA, 1999). A
educação dialógica também considera a problematização coletiva dos saberes, a
partir da vivência dos educandos. Desse modo, os conteúdos a serem trabalhado
não são uma doação ou uma imposição, mas ganham valor e são abordados a
partir das experiências sociais vividas no cotidiano dos estudantes. Essa tendência
fortalece o papel que a escola deve exercer em mediar às vivências individuais e
suas articulações com diferentes questões sociais e políticas no contexto de mun-
do ao qual estão inseridos (LEITE; FEITOSA, 2011).
A metodologia dialógica permite a articulação de questões referentes
ao homem, seu ambiente e sua cultura, entre o homem e o trabalho e, por
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
386

fim, entre o homem e o mundo em que vive. É uma prática pedagógica que
prepara o homem para viver o seu período histórico, com as contradições
e os conflitos existentes, levando-o a entender o seu papel de intervir em
seu período histórico para a constituição e realização de um futuro melhor
(FEITOSA, 1999).
Nota-se, então, que a metodologia utilizada na sala de aula pode potencia-
lizar a aprendizagem dos estudantes e fortalecer a função do professor em seu
papel como mediador, bem como prejudicá-la. É papel do professor perceber e
questionar a efetividade do método empregado em sua didática e, acima disso,
analisar se ele favorece o pensamento crítico e a autonomia para a vida em so-
ciedade (FILADELFO; GURIDI, 2014). De acordo com Feitosa (1999), o apren-
dizado é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real
vivida pelo estudante e só tem significado se resultar de uma aproximação crítica
de sua realidade.
A alimentação saudável é um tema bastante debatido na sociedade atual e
sabe-se que a forma de alimentação da sociedade tem sido influenciada pela sua
crescente modernização e avanços das ciências e suas tecnologias, gerando um
quadro de doenças bastantes preocupantes causadas por maus hábitos alimenta-
res. O ensino de Ciências da Natureza deve potencializar a conscientização dos
estudantes, utilizando metodologias que desenvolvam a participação e criticida-
de do educando (FILADELFO; GURIDI, 2014). A busca por metodologias no
Ensino de Ciências que facilitem o alcance de uma educação de valores e signi-
ficados aos estudantes, que permitam fazer suas escolhas de forma participativa
entre as mais diferentes questões da humanidade, torna-se fundamental. Dessa
forma, apresentamos aqui a prática dialógica de Paulo Freire como sendo uma
alternativa para as salas de aulas.

4 SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Nesta seção, descrevemos a sequência didática (SD) sobre alimentação sau-


dável que desenvolvemos com uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental de
uma escola da rede estadual de ensino, localizada na periferia de Campo Grande.
Trata-se de uma turma de frequência flutuante, constituída de 37 estudantes, com
idade entre 13 e 16 anos. A SD, elaborada tendo em vista a alimentação saudável
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
387

como tema principal e de acordo com a tipologia de conteúdos de Zabala, foi


projetada no início do ano letivo d 2018 e realizada entre os meses de maio e ju-
nho. Ao todo foram sete etapas com duração de duas horas-aula, com atividades
desenvolvidas de forma individual e em grupo. A turma selecionada para aplicar
essa atividade já havia estudado o conteúdo da SD didática em questão durante
o 8º ano, e a opção por debater esse tema tem como justificativa a sua relevância
para a saúde dos estudantes e sua contribuição para evitar hábitos alimentares
inadequados nessa fase da vida. Os participantes, independentemente do sexo
biológico, foram denominados “estudante”. Para conduzir a didática das aulas foi
utilizada a dialogicidade de Paulo Freire, permitindo aos estudantes a participa-
ção na construção e reconstrução do seu conhecimento.
Antes de iniciar a sequência didática, elaborou-se uma tabela para verificar
os hábitos alimentares da turma. Cada estudante preencheu uma ficha simples
ao longo da semana para verificar suas refeições diárias: café da manhã, lanche
matutino, almoço, lanche da tarde, janta e lanche da noite. Posteriormente, essa
ficha foi utilizada em sala na forma de grupos, na qual os integrantes do mesmo
grupo listariam dois ou três dos alimentos mais consumidos por eles em cada
refeição. Assim, foram estimulados a analisar e debater sobre seus hábitos ali-
mentares. Na sequência, apresentamos cada etapa da SD.

1) Primeira etapa
A primeira etapa consistiu numa Roda de Conversa com o objetivo de fazer
um levantamento dos conhecimentos prévios dos estudantes em relação à ali-
mentação. O procedimento adotado consistiu em dividir a turma em grupos de
três a quatro estudantes. A tarefa proposta consistiu em responder em grupo as
seguintes perguntas: “O que você entende por alimentação saudável?” (conteú-
do conceitual); “Qual a importância da alimentação para o nosso organismo?”
(conteúdo conceitual); “A sua alimentação atende aos critérios de uma alimen-
tação saudável? Por quê?” (conteúdo conceitual). As respostas foram anotadas
em uma folha e depois apresentadas por um dos estudantes do grupo ao restante
da turma em uma roda de conversa. Uma tabela foi construída com as princi-
pais respostas no quadro, onde foram elencadas as três principais respostas em
comum entre os grupos. Após o debate, apresentou-se um vídeo sobre a impor-
tância da alimentação. Dessa forma, foram englobados os conteúdos procedi-
mentais factuais no processo.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
388

2) Segunda etapa
A segunda etapa, intitulada “Tabela Com a Classificação Dos Alimentos”,
teve por objetivo construir a tabela nutricional dos alimentos consumidos pelos
estudantes, relacionando esses alimentos com sua classificação e com a pirâmi-
de alimentar. Dessa forma, foram estudados os conceitos de tabela nutricional
e pirâmide alimentar, através do procedimento de comparação e discussão. O
procedimento metodológico consistiu em dividir os estudantes em grupos pe-
quenos (dois ou três componentes), com a incumbência de elaborar uma tabela
com os principais nutrientes dos alimentos consumidos por eles. Para relembrar
os conceitos e os nutrientes relacionados, utilizaram-se livros didáticos do oita-
vo ano do Ensino Fundamental para a pesquisa, bem como de consulta em sites
diversos da internet. Ao final dessa atividade, eles confeccionaram, em cartolina,
uma pirâmide alimentar, utilizando recortes de figuras de panfletos de mercados
e desenhos por eles realizados e expuseram para a classe.

3) Terceira etapa
A “Análise de Rótulos de Alimentos Industrializados” foi a tarefa proposta
na terceira etapa. O objetivo consistiu em analisar rótulos de alimentos indus-
trializados relacionando a sua propaganda com a sua funcionalidade, tendo em
vista o estudado na etapa anterior. Também deveriam criticar as propagandas
veiculadas, levando em conta os fatores “veracidade” e “interesses não explíci-
tos”. O procedimento, desta vez, incluiu o acesso à Sala de Tecnologias Educa-
cionais (STE), na qual, utilizando rótulos digitalizados, os grupos, de dois a três
estudantes, fizeram um levantamento de material referente à propaganda dos
produtos. Ao observar as informações nutricionais de cada produto e as propa-
gandas veiculadas na mídia, os estudantes foram estimulados a escrever sobre a
funcionalidade dos alimentos para o organismo, apontando aspectos positivos e
negativos de seu consumo. De igual modo, deveriam discutir como a propaganda
veiculada na mídia pode influenciar no seu consumo.

4) Quarta etapa
Na quarta etapa, desenvolveu-se a “Pesquisa Sobre Alimentação Saudável”,
com o objetivo de proporcionar uma oportunidade de reflexão sobre o tema. Os
procedimentos incluíram a apresentação do vídeo “Conhecendo os Alimentos
com o Sr. Banana” (https://www.youtube.com/watch?v=qUN9i3RCYl8), que é
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
389

uma animação, com a classificação, de modo simples e objetivo, sobre os tipos


de alimentos e dicas de higiene e opções de escolhas na alimentação saudável.
Nessa aula, os estudantes, em duplas, pesquisaram na STE o que é considerado
uma alimentação saudável. A partir da criação de dois personagens no Power-
Point, fizeram uma comparação entre dois modos de alimentação, caracteri-
zando os alimentos presentes em uma alimentação adequada e uma alimenta-
ção inadequada.

5) Quinta etapa
“Leitura e Discussão Artigos Científicos Sobre Alimentação Saudável”, cujo
objetivo foi propiciar aos estudantes conhecer e analisar artigos científicos sobre o
tema, constituiu a quinta etapa. Novamente o procedimento incluiu a divisão em
grupos (dois ou três elementos) na STE, no qual os participantes foram orienta-
dos sobre o que e como fazer. Foram propostos a elaboração de um resumo com
as principais ideias dos artigos e um debate sobre a leitura que fizeram.

6) Sexta etapa
Na sexta etapa, ocorreu a análise e a discussão sobre as músicas que falam
sobre comidas. Seu objetivo foi levar o estudante a perceber os nutrientes citados
nas canções e discutir pontos positivos e negativos contidas nas letras de cada
uma. Adotaram-se os seguintes procedimentos: as letras das músicas “Eu quero
mais” (Sandy e Junior), “Não é proibido” (Marisa Monte), “Comer, comer” (Patati
e Patata) foram acompanhadas pelos estudantes por meio de tablets; em grupos
(três ou quatro estudantes), as letras foram analisadas na perspectiva de perceber
como a alimentação é exposta, quais as mensagens são apresentadas, se a música
trata de alimentação saudável ou apresenta uma alimentação equivocada e como
ela pode influenciar nos hábitos alimentares das pessoas.

7) Sétima etapa
A sétima etapa consistiu na confecção de apresentações, cujo objetivo foi o
de propiciar o estudante a produzir um material de incentivo a uma alimentação
saudável. Nestas aulas, os procedimentos consistiram na produção de uma apre-
sentação a critério do grupo para expor suas ideias aos colegas; houve apresenta-
ção de teatro, música, cartazes, poesia. Na STE, os estudantes ficaram responsá-
veis por criar um fôlder com as principais ideias trabalhadas durante a SD para
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
390

documentação do estudo realizado e conscientização de outros estudantes. Os


melhores foram escolhidos para disponibilização virtual no Facebook da escola.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação de uma sequência didática sobre alimentação saudável em uma


escola pública de Campo Grande, estudo que constitui este capítulo, permitiu ob-
servar que grande parte dos estudantes possui entendimento sobre a alimentação
saudável e sua importância para o bom funcionamento e desenvolvimento do
corpo. Do mesmo modo, eles identificam os alimentos considerados adequados
à manutenção de boas condições de saúde.
No entanto, relatam sobre a dependência dos pais, a atratividade dos sabores
dos alimentos de fácil consumo e não saudáveis e a falta de rotina nas refeições
como fatores que influenciam para não seguir uma alimentação de boa qualida-
de. E eles não relacionaram a importância da prática de exercícios físicos com
a qualidade da alimentação; quando questionados sobre suas atividades físicas,
poucos demonstraram interesse nessa prática.
A utilização dessa SD contribuiu de forma a fortalecer os conceitos relacio-
nados à alimentação saudável, sensibilizar os estudantes sobre a importância da
mudança de atitude na escolha dos alimentos, além de propiciar a compreensão
de sua influência na qualidade de vida. Portanto, torna-se importante a busca
por metodologias no Ensino de Ciências que facilitem o alcance de uma educa-
ção de valores e significados aos estudantes, que permitam fazer suas escolhas
de forma crítica.

REFERÊNCIAS

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Ciências Naturais Brasília: MEC /SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. O que é uma alimentação saudável?: considerações sobre o conceito,
princípios, características: uma abordagem ampliada. Brasília, DF, 2005. Disponível em:
http://189.28.128.100/nutricao/docs/geral/oQueEAlimentacaoSaudavel.pdf. Acesso em:
10 jan. 2012.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
391

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira 2. ed., 1. reimpr.
Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
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ESTADUAL PAULISTA. PROGRAD. Caderno de Formação: formação de professores
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de Educação, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1999.
FILADELFO, C.; GURIDI, V. M. O ensino de temas relacionados com alimentação e
nutrição através de atividades lúdicas. V Jornada das Licenciaturas da USP/IX Semana
da Licenciatura em Ciências Exatas – SeLic: A Universidade Pública na Formação
de Professores: ensino, pesquisa e extensão. São Carlos, 23 e 24 de outubro de 2014.
Disponível em: http://vjornadalicenciaturas.icmc.usp.br/CD/EIXO%205/515.pdf acesso
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LEITE, R. C. M.; FEITOSA, R. As contribuições de Paulo Freire para um ensino de
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EnCiMat_SouzaLC_1.pdf . Acesso em: 07 out. 2019.
25 EDUCAÇÃO EM SAÚDE NAS ESCOLAS
PROMOTORAS DE SAÚDE EM PORTUGAL:
REFLEXÕES A PARTIR DE ESTÁGIO
CIENTÍFICO NA UNIVERSIDADE DO
MINHO – BRAGA

Tiago Venturi1
Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva2

1 INTRODUÇÃO

A saúde é um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, defini-


da pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “um estado de completo
bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença
ou de enfermidade” (OMS, 1946, p. 1). Trata-se de um direito que depende da
cooperação entre indivíduos e Estado para ser alcançado. A Carta de Ottawa,
resultante da I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, ocorrida

1 Docente do Departamento de Ensino, Educação e Ciências da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor
e Mestre em Educação Científica e Tecnológica pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e
Tecnológica (PPGECT), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoramento Sanduíche (Bolsa
CAPES) na Universidade do Minho – Portugal (Instituto de Educação – Centro de Investigação de Saúde da
Criança – CIEC). Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade para o Desenvolvimento do
Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI). Pesquisas e interesses em Educação em Saúde, Alfabetização Científica e Tec-
nológica, Ilhotas Interdisciplinares de Racionalidade, Didática das Ciências, Formação de Professores, Prática
Pedagógica, Conhecimentos Profissionais Docentes e Educação Científica. É membro dos grupos de pesquisa
JANO (UFPR) e CASULO (UFSC).
2 Doutor em Ensino de Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade Federal do
Pará (UFPA) / Campus Altamira e LaPECBio – Laboratório de Pesquisa em Educação em Ciências e Biologia.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
393

em Ottawa, em 1986, acrescenta que a “saúde deve ser vista como um recurso
para a vida, e não como objetivo de viver. Neste sentido, a saúde é um conceito
positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades
físicas” (OMS, 1986). Ficaram estabelecidos nesse documento os pré-requisitos
básicos para a saúde: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema
estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade.
Essa concepção de saúde orienta inúmeras políticas públicas nas áreas da
saúde e educação, resultando em atividades de Educação em Saúde (ES) na Escola.
O conceito de ES já foi discutido em capítulos anteriores desta obra; neste, somos
orientados pelo conceito de Mohr (2002), que considera a ES um conjunto de ati-
vidades realizadas na escola, pertencentes ao currículo escolar, desenvolvidas de
forma planejada e com uma intenção pedagógica, a de construir conhecimentos
sobre assuntos, temas ou conteúdos, relacionados à saúde individual e coletiva.
No entanto, Martins et al. (2015) identificaram distintas interpretações e
abordagens de saúde que adentram o contexto educacional, abordagens estas
que impactam as atividades de ES realizadas na escola. Os autores afirmam que
a abordagem biomédica é predominante e apresenta uma perspectiva funciona-
lista, na qual saúde e doença são resultados da normalidade, ou não, do funcio-
namento dos órgãos de cada indivíduo. Nesse modelo, admite-se o binômio saú-
de-doença, formulando-se saúde como a ausência de doenças e apresenta taxas
e valores corpóreos dentro de limites estabelecidos como normais (MARTINS
et al., 2015). Para Canguilhem (2011), quando se determina o que é saudável e o
que é doentio a partir de taxas e valores determinados estatisticamente, busca-se
um ideal de perfeição do organismo humano, perfeição que vai muito além de
um funcionamento equilibrado e desconsidera as distinções individuais, entre
raças, culturas, ambientes e sociedades. Esse autor ressalta que é fundamental
compreender a instabilidade e a irregularidade como características essenciais
aos processos vitais e que podem fazer parte da saúde. Segundo Carvalho (2006),
o modelo biomédico, quando adentra o campo educacional, reproduz uma vi-
são limitada de saúde com implicações para o ensino e a aprendizagem do tema.
Já se destacou nesta obra que a ES vem se consolidando no Brasil como
um campo de estudos, pesquisas e práticas (VENTURI e MOHR, 2011; SILVA e
TEIXEIRA, 2015; SOUZA et al., 2015; MARINHO e SILVA, 2017; OLIVEIRA e
OLIVEIRA, 2017; VENTURI e MOHR, 2019). Esse campo de estudos está se ex-
pandindo internacionalmente através de parcerias entre Brasil e Portugal. Como
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
394

resultados destas pesquisas conjuntas há estudos que discutem abordagens de ES


na escola e nos livros didáticos3 (MARTINS et al., 2015) e analisam concepções
de saúde em currículos de cursos de formação de professores, especialmente
cursos de Ciências Biológicas (EMMEL et al., 2015).
Essas parcerias também ocorrem por meio de intercâmbios entre pesqui-
sadores, em estágios científicos (em nível de doutorado sanduíche ou pós-dou-
torado). Dessa forma, o presente capítulo visa relatar e discutir nossa vivência
em um Estágio Científico4 realizado em 2017, no Centro de Investigação em
Estudos da Criança (CIEC) da Universidade do Minho, em Braga, Portugal.
O estágio ocorreu sob orientação da Professora Dra. Maria da Graça Simões
de Carvalho, pesquisadora de referência no campo da Educação em Saúde em
Portugal e na Europa.
Apesar de reduzido, o período de Estágio Científico permitiu-nos uma
compreensão, de certa forma global, do que vem sendo feito acerca da ES em
Portugal. Portanto, são objetivos deste capítulo: (a) apresentar e discutir os ob-
jetivos e as concepções das políticas públicas de Educação em Saúde nas escolas
portuguesas; (b) relatar nossas observações acerca da realidade da ES nas Escolas
Promotoras de Saúde. Caracterizamos o texto que constitui este capítulo como
um relato de experiência, tendo em vista sua característica descritiva e, além
disso, as análises e discussões são oriundas da vivência dos autores em uma ex-
periência de intercâmbio acadêmico.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE


NA EDUCAÇÃO BÁSICA EM PORTUGAL

A Educação em Saúde, designada em Portugal como Educação para a Saúde


(EpS)5, era regida em 2017 por documentos importantes como o Decreto Regu-
lamentar 14/2012 da Divisão Geral de Saúde e a Norma 015/2015, que instituiu o
Programa Nacional de Saúde Escolar 2015. No ano de 2017, ocorreram reuniões

3 Livros didáticos são denominados manuais didáticos em Portugal.


4 Agradecimento muito especial à nossa orientadora e supervisora, Dra. Graça Simões de Carvalho, ao Centro de
Investigação em Estudos da Criança (CIEC) da UMinho, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pela bolsa de doutorado sanduíche concedida.
5 Utilizaremos o termo Educação para a Saúde (EpS) para caracterizar o relato e a análise como exclusivos do con-
texto educacional português.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
395

para discussão do documento Referencial de Educação para a Saúde 2017, que


foi aprovado, atualizando e propondo novas ações e metodologias às propostas
anteriores. Trata-se de documentos oficiais complementares, os quais foram li-
dos e por nós analisados.
Nossa análise utilizou-se dos critérios “objetivos”, “concepção de Educação
para a Saúde”, “temas/conteúdos propostos” e “encaminhamento e metodologias”,
conforme relatamos a seguir.

2.1 Objetivos
Analisamos os objetivos claramente delimitados nos documentos; o PNSE
(PORTUGAL, 2015, p. 12) traz expressamente definidos os seus objetivos para EpS:

a) Promover estilos de vida saudável e elevar o nível de literacia para a saúde da


comunidade educativa;
b) Contribuir para a melhoria da qualidade do ambiente escolar e para a mini-
mização dos riscos para a saúde;
c) Promover a saúde, prevenir a doença da comunidade educativa e reduzir
o impacto dos problemas de saúde no desempenho escolar dos/as alunos/as;
d) Estabelecer parcerias para a qualificação profissional, a investigação e a ino-
vação em promoção e educação para a saúde em meio escolar.

Podemos observar dois grandes objetivos no documento: um deles vincula-


do ao desenvolvimento da literacia para a saúde, vinculado ao desenvolvimento
de conhecimentos científicos para a promoção da saúde individual e coletiva;
o segundo grande objetivo estabelece ações de saúde que minimizem os riscos
de adoecimento da comunidade e prejuízos ao desempenho escolar do aluno.
Para este segundo objetivo, o documento orienta que sejam firmadas parcerias.
Já o segundo documento, Referencial de Educação para a Saúde de 20176,
que estava em fase de discussão quando da realização de nosso Estágio Científico
em Portugal, traz como objetivo geral:

Garantir que todos os indivíduos adquiram os conhecimentos e as capacidades


necessários para promover o desenvolvimento sustentável, através, entre outros,

6 Tendo em vista que o documento foi elaborado conjuntamente pelo Ministério da Educação e Direção-Geral da
Saúde de Portugal, vamos referenciá-lo por suas iniciais REpS – Referencial de Educação para a Saúde, publicado
na página do Ministério da Educação em maio de 2017, disponível em https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/
Esaude/referencial_educacao_saude_vf_junho2017.pdf Acesso em: 02. jan. 2020.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
396

da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis,


dos direitos humanos, da igualdade de género, da promoção de uma cultura
de paz e de não violência, da cidadania global e da valorização da diversidade
cultural e do contributo da cultura para o desenvolvimento sustentável (POR-
TUGAL, 2017, p. 06).

Aqui podemos ver que a saúde deixa de estar relacionada apenas a aspectos
vinculados a ausência de doenças, ou funcionalidades do corpo humano e passa a
estar relacionada à sustentabilidade ambiental e social, que envolve a valorização
e respeito à diversidade cultural, sexual e aos direitos humanos. Consideramos
que tais objetivos trazem enormes avanços para a EpS, que podem contribuir
com a formação para a cidadania, com o desenvolvimento do senso crítico, bem
como com a promoção da justiça social.
No entanto, existem algumas indagações que surgem ao analisarmos tais
objetivos: quem serão os profissionais envolvidos nesta atividade e como será
a sua formação para alcançar tais objetivos? E como esses objetivos podem ser
colocados em prática? Quais as articulações com o conteúdo/currículo escolar?
São questões ainda sem respostas, uma vez que carecem de investigação após a
implantação da proposta de 2017. No entanto, temos a ciência de que estes avan-
ços na legislação precisam estar vigilantes e articulados com os processos de en-
sino-aprendizagem para que não ocorram perdas de sentido nas metodologias
que venham a orientar a prática da EpS na escola.

2.2 Concepção de Educação para Saúde


O PNSE 2015 defende que a EpS é um processo contínuo de desenvolvi-
mento de competências que visam à capacidade de fazer escolhas individuais,
conscientes e responsáveis acerca da saúde. O documento afirma que, quando
desenvolvida na escola, a EpS deve estimular a aquisição de competências pes-
soais, cognitivas e socioemocionais, tratando-se de um processo de capacitação
e de literacia em saúde.
Para o documento,

Capacitar é muito mais do que ter informação de saúde e compreendê-la. É estar


habilitado a usá-la e sentir-se competente para tomar decisões. A capacitação
da comunidade caracteriza-se pelo aumento das competências dos seus grupos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
397

para definir, avaliar, analisar e agir sobre as necessidades em educação, saúde e


outros campos. (PORTUGAL, 2015, p. 22).

Já a literacia em saúde é definida como a “conscientização da pessoa apren-


dente e atuante no desenvolvimento das suas capacidades de compreensão, ges-
tão e investimento, favoráveis à promoção da saúde, estendendo-se o seu alcan-
ce também à cura e prevenção da doença” (PORTUGAL 2015, p. 22). Enquanto
isso, no Referencial (PORTUGAL, 2017, p. 06), ela é definida de forma mais clara
como o desenvolvimento de “habilidades cognitivas e sociais que determinam a
motivação e a capacidade dos indivíduos para obter acesso, compreender e uti-
lizar a informação de forma a promover e manter uma boa saúde”.
Tanto os objetivos quanto a concepção de EpS estabelecidos pelo Referencial
de 2017 firmam uma concepção holística da EpS. Essa visão holística da saúde
e da EpS parece avançar em uma proposta que pode contribuir com a formação
pessoal e social dos alunos por meio de uma articulação entre os objetivos pro-
postos internacionalmente pela OMS, projeto educativo da escola e a formação
para a cidadania.

2.3 Temas/conteúdos propostos


Após verificar os objetivos e a concepção de EpS presentes nas políticas
institucionais, fomos em busca das temáticas ou conteúdos recomendados pe-
los documentos. O PNSE 2015 previa em seus “Eixos Estratégicos e Áreas de
Intervenção” o desenvolvimento de temas, como saúde mental, competências
socioemocionais, educação sexual, alimentação saudável, atividade física, higie-
ne corporal, prevenção para o consumo de tabaco, álcool e outras substâncias
psicoativas, bem como a prevenção de comportamentos aditivos sem substância.
O documento também ressalta a importância de outras temáticas, como desen-
volvimento sustentável, ambiente escolar seguro e saudável, avaliação dos riscos
ambientais para a saúde, prevenção dos acidentes e primeiros socorros.
No Referencial de EpS de 2017, observamos aprofundamento e avanços nas
temáticas propostas. Os debates atuais e objetivos estão vinculados ao desenvol-
vimento sustentável, respeito à diversidade, democracia e justiça social, que es-
tão presentes nos cinco grandes temas para discussão no contexto escolar: Saúde
Mental e Prevenção da Violência; Educação Alimentar; Atividade Física; Com-
portamentos Aditivos e Dependências; Afetos e Educação para a Sexualidade.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
398

Julgamos importante para o campo da Educação em Saúde apresentarmos quais


os debates que cada um desses temas sugere para o contexto escolar português.
A seguir, apresentaremos a proposta do REpS (2017) para cada temática.
O tema “Saúde Mental e Prevenção da Violência” propõe o desenvolvimen-
to de uma consciência individual e social e de uma comunicação positiva, eficaz
e assertiva. Dentre os temas para debate nesse tópico, destacam-se: autoconhe-
cimento e emoções; relações sociais positivas; identificação de riscos e com-
portamentos de risco; fatores protetores; identificação de violência dirigida aos
outros e a si próprio; cultura de respeito e tolerância. Além disso, o documento
favorece: abordagem das fases do processo de tomada de decisão; necessidade de
definir objetivos e gerir emoções e valores associados; discussões acerca do luto
e adaptações emocionais relacionadas à perda; desenvolvimento dos valores de
cidadania, de solidariedade e de respeito pelas diferenças; adoção de comporta-
mentos resilientes.
A temática “Educação Alimentar” propõe discussões acerca das questões
sociais, culturais e econômicas que: influenciam os consumos alimentares; fa-
voreçam o debate acerca dos benefícios da dieta mediterrânica que faz parte da
cultura portuguesa; reconheçam a alimentação como um dos principais deter-
minantes da saúde; permitam analisar criticamente os comportamentos de risco
na alimentação; reconheçam a origem dos alimentos – ciclo do alimento do pro-
dutor ao consumidor, incluindo a produção agrícola, transformação industrial
e a distribuição; incentivem o reconhecimento do papel do cidadão e das suas
escolhas alimentares na sustentabilidade ambiental; favoreçam o debate sobre o
direito à alimentação como um direito humano consagrado pelas Nações Unidas.
No que se refere à “Atividade Física”, o documento propõe que sejam pro-
porcionadas reflexões sobre a importância de se evitar comportamentos sedentá-
rios, e que se favoreça a prática das atividades física e esportiva, reconhecendo-as
como parte do desenvolvimento integral do cidadão.
Acerca dos “Comportamentos Aditivos e Dependências”, ficam explícitos
no documento as recomendações em prol da redução do consumo do tabaco
e álcool, considerados problemas crônicos da sociedade portuguesa. Assim,
são propostos debates sobre tabaco e suas consequências, tais como doenças
pulmonares, câncer e morte prematura, assim como sobre os efeitos do álcool
na saúde, imediatos e em longo prazo. Associadas a essas temáticas, surgem
as recomendações sobre os debates acerca dos comportamentos de risco, a
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
399

utilização de outras substâncias psicoativas e os tipos de adições e dependên-


cias sem substância (conduta repetitiva que produz prazer e alívio tensional
– jogo, internet, celular).
Por fim, o documento traz para o debate da temática “Afetos e Educação
para a Sexualidade”, a necessidade de discutir sobre o respeito à sexualidade, à
identidade, à expressão de gênero e à orientação sexual. Além disso, propõe que
sejam desenvolvidas atitudes de respeito à igualdade de gênero, de valorização
dos afetos e das relações interpessoais para a cooperação e ajuda mútua entre
as pessoas. Fica extremamente claro no documento a proposição do desenvol-
vimento de “valores de respeito, tolerância e partilha; ser capaz de aceitar e in-
tegrar as mudanças físicas e emocionais associadas à sexualidade, ao longo da
vida” (PORTUGAL, 2017, p. 13).
As propostas recomendadas para o debate em cada uma das temáticas de-
monstram que as políticas públicas de EpS na escola portuguesa estão buscando
avançar e romper com os paradigmas normativos, biomédicos e, muitas vezes,
preconceituosos e eugenistas, adotados em um passado recente no contexto
escolar. Podemos considerar que a visão holística advinda, especialmente do
documento elaborado em 2017, parece, de fato, estar preocupada com o desen-
volvimento de um cidadão ativo, crítico, respeitoso consigo e com a sociedade.
Observações que podemos considerar avanços, mesmo que sejam em termos
documentais e teóricos.

2.4 Encaminhamentos e Metodologias


Ao tratar dos encaminhamentos e metodologias propostos pelos documentos,
observamos algo bastante interessante: o PNSE 2015, que normatiza legalmente
o programa, preconiza uma estrutura mínima para o desenvolvimento das polí-
ticas públicas de EpS nas escolas portuguesas. A estrutura organizacional ficou
sistematizada da seguinte forma:
a) Em nível nacional: departamento de saúde pública, coordenação nacional,
conselho executivo, conselho consultivo e grupos de peritos, responsáveis
pelo programa e pelas proposições e avaliações em nível nacional. Contam
com representantes regionais.
b) Em nível regional: equipe técnica, constituída por profissionais com co-
nhecimento e experiência na área e dedicação de, no mínimo, trinta e duas
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
400

horas semanais (32h) para toda equipe. Cada membro da equipe regional
deverá ter, no mínimo, oito horas semanais de dedicação às atividades.
c) Em nível local: equipes de saúde escolar, que devem contar com diversos
profissionais (equipe multidisciplinar) como enfermeiros, psicólogos, as-
sistentes sociais, odontólogos, médicos etc., dedicadas exclusivamente a
esta área – 30 horas semanais para cada grupo de 2500 alunos.
d) Na escola: coordenador de EpS é um professor responsável, com carga ho-
rária específica (determinada pela escola) para coordenar as atividades de
EpS e integrar a equipe de saúde escolar (local).

Essa estrutura se mantém no documento Referencial de 2017, tendo em


vista a recomendação da União Europeia para as Escolas Promotoras de Saúde7.
Do mesmo modo, ambos os documentos recomendam que as metodologias de
EpS sejam pautadas pelas recomendações das Escolas Promotoras de Saúde na
União Europeia, mantendo a visão holística da saúde. Dessa forma, o documen-
to Referencial de 2017 recomenda que a EpS seja uma temática interdisciplinar
e transversal, que deve ser desenvolvida em todas as disciplinas escolares e em
todos os níveis de ensino.
Seguindo o modelo recomendado pelas Escolas Promotoras de Saúde, em
cada escola é constituído um grupo de trabalho com coordenador de EpS, profes-
sores e equipe multidisciplinar local, para que sejam levantados as necessidades,
os objetivos, as metas, os planos de comunicação, as ações e a execução de ações
curriculares e não curriculares no ambiente educacional. O grupo de trabalho
deve articular-se e trabalhar em conjunto, no entanto, a equipe multidisciplinar
divide-se entre outras escolas de seu domínio, atuando no suporte, no monito-
ramento e na avaliação de resultados em cada grupamento escolar ao qual faz
parte (PORTUGAL, 2017).

7 A União Europeia financia ações nas Escolas Promotoras de Saúde, desde que elas sigam os princípios estabe-
lecidos internacionalmente: a) promover a saúde e o bem-estar dos alunos; b) melhorar os resultados escolares;
c) defender os princípios de justiça social e equidade; d) fornecer um ambiente seguro e de apoio; e) fomentar
a participação dos alunos e desenvolver as suas competências (empowerment); f) articular as questões e os
sistemas da saúde e da educação; g) abordar as questões de saúde e bem-estar de todo o pessoal da escola; h)
colaborar com os pais dos alunos e com a comunidade; i) integrar a saúde nas atividades correntes da escola,
no programa escolar e nos critérios de avaliação; j) estabelecer objetivos realistas com base em dados precisos
e com sólidas evidências científicas; e h) procurar melhora constante através de uma supervisão e a avaliação
contínua. Disponível em: https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/ficheiros/iuhpe_hps_guidelinesii_2009_
portuguese.pdf. Acesso em: 02 jan. 2020.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
401

A escola e os professores ficam com o papel de promover a construção de


conhecimentos em nível conceitual e cognitivo, bem como a aprendizagem ex-
periencial e interativa, considerando as vivências dos alunos em suas comuni-
dades (PORTUGAL, 2017). O documento Referencial de 2017 dá a liberdade ao
professor e à equipe de trabalho de cada escola de selecionar quais os conteúdos
serão abordados, bem como os momentos e as metodologias que serão utilizadas.
Não encontramos indicativo teórico-metodológico a ser seguido pelos
professores e grupos de trabalho; os documentos analisados mencionam apenas
a necessidade de interdisciplinaridade e integração das atividades ao currículo
escolas. Por fim, o Referencial de Educação para a Saúde integra a perspectiva
holística da saúde, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, indicando
que as metodologias e ações de EpS devem pressupor e desenvolver:

(i) uma interpretação em espiral com todas as suas áreas interligadas ao longo
de todo o percurso escolar; (ii) uma perspetiva de intervenção consciente,
criativa e intencional; (iii) uma posição de negociação permanente por pro-
cessos éticos centrados em quem aprende; (iv) uma visão holística, porque
as competências devem ser desenvolvidas transversalmente em todas as áreas
curriculares. Complementarmente, a PES pode ainda suportar-se em ofertas
curriculares complementares no ensino básico, ou em projetos e atividades
definidas pelas escolas com o objetivo de contribuir para a formação pessoal
e social dos alunos, em articulação com o projeto educativo de cada escola
(PORTUGAL, 2017, p. 7).

Assim, observamos que o documento de 2015 traz uma primeira proposta


de desenvolvimento da EpS nas Escolas Promotoras de Saúde, com inúmeros
avanços, como a perspectiva de literacia em saúde e a constituição de grupos
multidisciplinares de trabalho. No entanto, o documento ainda possuía inúmeras
limitações, dentre as quais, a falta de objetivos amplos e indicativos de ativida-
des e metodologias para chegar à literacia em saúde proposta. Já o documento
de 2017 soluciona parte destes problemas e avança ainda mais, em uma visão
holística da saúde, que é convertida em uma política de EpS que objetiva uma
formação ampla.
As temáticas recomendadas e a visão interdisciplinar sugerida pelo docu-
mento nos permitem inferir que seja possível que o desenvolvimento das políticas
públicas de EpS nas escolas portuguesas aproximem-se de uma formação cidadã,
para a sustentabilidade ambiental e social, que valoriza e respeita a diversidade
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
402

humana, como se objetiva no documento Referencial de 2017. No entanto, fa-


z-se necessário conhecer como estas políticas públicas são desenvolvidas na
realidade e na prática das Escolas Promotoras de Saúde em Portugal, conforme
discutiremos a seguir.

3 UM OLHAR PARA A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO


PARA A SAÚDE EM PORTUGAL

Em nossa vivência em Portugal, tivemos a oportunidade de visitar as escolas,


conversar com docentes e conhecer os manuais escolares (denominados no Brasil
como livros didáticos) e observar as práticas e projetos de EpS desenvolvidos nas
escolas. Percebemos que a escola e os professores ficam com o papel de promo-
ver a construção de conhecimentos em nível conceitual e cognitivo, bem como
promover a aprendizagem experiencial e interativa, considerando as vivências
dos alunos em suas comunidades (PORTUGAL, 2017). É importante destacar
que o documento Referencial de 2017, dá a liberdade ao professor e à equipe de
trabalho de cada escola em selecionar quais os conteúdos serão abordados, bem
como os momentos e as metodologias que serão utilizadas.
Inicialmente, analisamos os manuais escolares e observamos que a temática de
EpS é abordada nos 6º e 9º anos do Ensino Básico. No 6º ano, são abordados temas
como agressões ao meio ambiente, integridade do organismo, higiene e problemas
sociais. Nos manuais do 9º ano, observamos que os temas estão centrados em viver
melhor na Terra, saúde individual e coletiva e organismo humano em equilíbrio.
Em relação aos conteúdos sugeridos pelos manuais para o desenvolvimento
da EpS na escola, podemos observar: educação para a sexualidade; câncer; taba-
gismo; qualidade do sono; drogas; alcoolismo; alimentação saudável; transmissão
da vida; suporte básico para a vida; mundo em transformação; vida e sustentabi-
lidade na terra. É claro que permanecem temas, assuntos e conteúdos oriundos
de um modelo biomédico, mas podemos observar os avanços quando a temática
adentra a sustentabilidade, a educação para sexualidade, as compreensões com-
plexas de mundo, dentre outros. Além disso, esses temas também são desenvol-
vidos nas escolas portuguesas a partir de projetos escolares.
Em nossa experiência no Estágio Científico, buscamos compreender a rea-
lidade das escolas portuguesas, principalmente da atuação do professor. Para
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
403

tanto, foram utilizados para a coleta de dados um questionário e entrevista me-


diante ao Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE). Entrevistamos
três professores coordenadores de EpS e um enfermeiro escolar. Os professores
apresentavam a seguinte formação: licenciatura em Biologia e Geologia e licen-
ciatura em Química e Física. Todos possuem especialização (pós-graduação
stricto sensu). A atuação profissional ocorre na Educação Básica regular, na qual
dois professores lecionam no 3º ciclo (7º, 8º e 9º anos), um professor no ensino
secundário (1º aos 3º anos do Ensino Médio).
Em relação aos conteúdos desenvolvidos na escola com foco na EpS, os
professores relataram trabalhar as seguintes temáticas: educação para a sexua-
lidade; sono; cancro; saúde individual e comunitária; alimentação; transmissão
da vida; suporte básico de vida; mundo em transformação e sustentabilidade
na Terra. No aspecto relacionado às atividades, estratégias e recursos didáticos
utilizados pelos entrevistados em suas atividades escolares foram mencionadas:
palestras; workshops; visitas de estudo ao Instituto Português de Oncologia do
Porto (IPO /Porto); exploração de imagens; exploração de modelos anatômi-
cos; elaboração de maquetes sobre métodos contraceptivos; dinamização de
ações de sensibilização; debates com alunos e especialistas da área; aplicação e
uso de materiais do Programa Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar
(PRESSE); pesquisa; entrevistas; teatro; filmes; jogos; interpretação (role playing).
Os professores consideram a participação em projetos de EpS de suma
importância, pois oportuniza a prática dos conhecimentos adquiridos em cur-
sos de graduação e pós-graduação e também na formação continuada que re-
cebem. Assim, consideram uma forma de desenvolver técnicas inovadoras de
EpS. Outro fator importante relacionado à atuação docente e da enfermagem
escolar é a participação em cursos de educação contínua que o governo portu-
guês oferece regularmente para capacitação profissional. Segundo os professo-
res, são capacitações que objetivam possibilitar a formação das crianças e dos
jovens com conhecimentos, atitudes e valores que os auxiliem a fazer escolhas
e tomar decisões conscientes sobre saúde e bem-estar físico, social e mental,
incluindo a saúde dos que os rodeiam, conferindo-lhes um papel interventivo.
Os projetos de EpS nas escolas são idealizados pelo coordenador de EpS na
escola e pela equipe multidisciplinar. Na realidade e na prática escolar, observa-
mos que essa equipe multiprofissional é responsável por desenvolver atividades
de EpS nas Escolas Promotoras de Saúde com a intenção de atender aos objetivos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
404

estabelecidos nas políticas públicas. Essa equipe será a responsável por atender aos
novos objetivos, desenvolver os temas e as abordagens propostos pelo novo Refe-
rencial. No entanto, desde já, nos parece que as escolas possuem estrutura (médica
e psicossocial) para desenvolver ações pontuais de saúde ou campanhas de saúde
pública, que se diferenciam dos programas e projetos contínuos de EpS. Algo que
demonstra um avanço considerável quando se compreende que, em muitas reali-
dades, o professor de Ciências e Biologia acabam desenvolvendo ações pontuais e
normativas, similares às campanhas de saúde pública (VENTURI, 2013). Assim,
pode-se pensar em processos de ensino-aprendizagem para a EpS que, de fato, se
aproximem de uma perspectiva pedagógica, tal qual defendida no início deste texto.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do ano de 2017, em nosso Estágio Científico, vivenciamos a rea-


lidade da pesquisa acadêmica e da prática escolar em EpS na escola portuguesa.
Conhecemos uma realidade bastante diferente da brasileira. Não que seja nosso
objetivo estabelecer comparativos entre diferentes contextos, mas compreendemos
que Portugal já avançou em inúmeros aspectos. É claro que existem inúmeros
desafios e obstáculos a serem superados. No entanto, é importante ressaltar que
as políticas públicas de EpS estão buscando avançar e romper com os paradigmas
normativos e biomédicos. Além da estrutura física escolar, a Educação Básica
portuguesa fornece subsídios para uma equipe multiprofissional atuar na esco-
la. Além disso, mesmo em termos teóricos e documentais, o novo documento
elaborado em 2017 está preocupado com a construção de conhecimentos sobre
a saúde individual e coletiva e visa ao desenvolvimento de competências para a
autonomia do estudante. Esta experiência nos permitiu compreender uma nova
realidade e lutar para que avanços ocorram no Brasil, tanto em termos docu-
mentais quanto na prática da ES.
O Estágio Científico em Portugal também nos permitiu aprofundamentos
teóricos em um campo de pesquisa profícuo e frutífero como o da Universidade
do Minho. Ressaltamos importantes debates vivenciados acerca do panorama da
pesquisa acadêmica no campo da Educação em Saúde em Portugal e das análises
da prática de Educação em Saúde no Ensino de Ciências e sua integração com o
currículo escolar, dentre outros. Nossa experiência em terras lusas nos permitiu
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
405

ampliar olhares, horizontes e estabelecer uma interlocução entre a realidade bra-


sileira e portuguesa.
Em tempos sombrios, no contexto atual brasileiro, vivenciar e relembrar
propostas, projetos e ações de EpS em prol do desenvolvimento social, susten-
tável e saudável, nos permite manter acesa chamas de esperança em um futuro
educacional preocupado com mais igualdade, democracia e justiça social.

REFERÊNCIAS

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CARVALHO, G. S.; JOURDAN, D. Literacia em Saúde na Escola: a importância dos
contextos sociais. In: MAGALHÃES JR., C. A. de O.; LORENCINI JR., A.; CORAZZA,
M. J. (org.). Ensino de Ciências: múltiplas perspectivas, diferentes olhares. Curitiba:
CRV, 2014. p. 99-122.
EMMEL, R.; PANSERA-DE-ARAÚJO, M. C.; CARVALHO, M. G. F. S.; BOFF, E. T.
O. Concepções de Saúde e Educação para a Saúde nos currículos da Licenciatura
e Bacharelado em Ciências Biológicas. Atas do III Congresso Internacional de
Educação Científica e Tecnológica, Santo Ângelo (RS), 2015.
MARINHO, J. C. B; SILVA, J. A. Educação em Saúde e adolescente: uma análise da
produção da comunidade de pesquisadores de Educação em Ciências. Atas do XI
Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), Florianópolis
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MARTINS, L.; DIONOR, G. A.; EL-HANI, C. N.; CARVALHO, G. S. Construtos
Teóricos e Práticos da Saúde: As Abordagens Biomédica e Socioecológica. Atas do
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Lindóia (SP), 2015.
MOHR, A. A natureza da educação em saúde no ensino fundamental e os
professores de ciências. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Centro de
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http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/carta_ottawa.pdf. Acesso em: 10 nov. 2019.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
406

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Carta da Organização Mundial de


Saúde, 1946. Disponível em: http://www.onuportugal.pt/oms.doc. Acesso em: 12 nov.
2019.
PORTUGAL. Programa Nacional de Saúde Escolar. Diretoria Geral de Saúde e
Diretoria Geral de Educação – Lisboa – PT, 2015.
PORTUGAL. Referencial de Educação para a Saúde. Diretoria Geral de Saúde e
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SILVA, M. G. B.; TEIXEIRA, P. M. M. A Educação e Saúde nas dissertações e teses em
Ensino de Biologia: um estudo preliminar. Atas do X Encontro Nacional de Pesquisa
em Educação em Ciências (ENPEC), Águas de Lindóia (SP), 2015.
VENTURI, T.; MOHR, A. Análise da Educação em Saúde em publicações da área da
Educação em Ciências. Atas do VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação
em Ciências e I Congresso Iberoamericano de Investigação e Ensino de Ciências,
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VENTURI, T.; MOHR, A. Educação em Saúde: análise do campo de pesquisa em
vinte anos de ENPEC. Atas do XII Encontro de Pesquisa em Educação em Ciências
(ENPEC), Belém (PA), 2019.
VENTURI, Tiago. Educação em Saúde: investigando relações entre Professores e
Profissionais da Saúde. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Tecnológica)
– Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), 2013.
26 ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR PARA O
ENSINO DO CÂNCER DE PELE NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: UMA PROPOSTA DE TEXTO
DIDÁTICO PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Angelisa Benetti Clebsch1


Tiago Venturi2
Anelise Grünfeldt de Luca3
Frederico Firmo de Souza Cruz4

1 INTRODUÇÃO

A Lei 13.415 (BRASIL, 2017) alterou a redação da Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional (BRASIL, 1996), estabelecendo nova organização para o
currículo do Ensino Médio no Brasil, aumento gradativo de sua carga horária e
ampliação das escolas de tempo integral. A referida lei determinou que o cur-
rículo do novo Ensino Médio deve ser composto pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) e por itinerários formativos, assim definidos: “I. linguagens
e suas tecnologias; II. matemática e suas tecnologias; III. ciências da natureza e

1 Doutora em Educação Científica e Tecnológica (UFSC). Docente do Instituto Federal Catarinense (IFC) Campus
Rio do Sul.
2 Doutor em Educação Científica e Tecnológica (UFSC). Docente do Departamento de Ensino, Educação e Ciências
da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
3 Doutora Educação em Ciências Química da Vida e Saúde (UFRGS). Docente do Instituto Federal Catarinense
(IFC) Campus Araquari.
4 Doutor em Física (USP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PP-
GECT) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
408

suas tecnologias; IV. ciências humanas e sociais aplicadas; V, formação técnica e


profissional” (BRASIL, 2017, p. 2).
A Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018, que atualizou as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, aponta como o diálogo entre as
disciplinas de uma área pode ser estabelecido:

§ 1º A organização por áreas do conhecimento implica o fortalecimento das


relações entre os saberes e a sua contextualização para apreensão e intervenção
na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos
dos seus professores.
§ 2º O currículo por área de conhecimento deve ser organizado e planejado
dentro das áreas de forma interdisciplinar e transdisciplinar. [...]
§ 5º Os estudos e práticas destacados nos incisos de I a IX do § 4º devem ser
tratados de forma contextualizada e interdisciplinar, podendo ser desenvolvidos
por projetos, oficinas, laboratórios, dentre outras estratégias de ensino-apren-
dizagem que rompam com o trabalho isolado apenas em disciplinas (BRASIL,
2018a, p. 6, grifo nosso).

No inciso 1º, fica explícita a necessária articulação das disciplinas da área


de modo a buscar “e fortalecer” relações entre os saberes e realizar práticas pe-
dagógicas interdisciplinares e, ao mesmo tempo, possibilitar aos estudantes a
compreensão do seu contexto e atuação social. Pelo inciso 5o, infere-se que o
trabalho interdisciplinar pode ser realizado em torno de temas, projeto, “estudos”
ou “práticas” que necessitem de diferentes disciplinas para sua realização. Aqui
fazemos uma crítica à legislação oficial. A integração não pode ficar apenas no
âmbito de uma área. Em nosso entendimento, saberes de disciplinas escolares e
não escolares poderão ser necessários ao entendimento de um tema quando con-
textualizado. Por outro lado, defendemos que a realização de projetos, oficinas ou
outras práticas que demandem a contribuição de várias disciplinas carecem da
criação de um espaço-tempo escolar destinado a essas atividades. Defendemos
a manutenção das disciplinas escolares com o intuito de proporcionar aos estu-
dantes o aprofundamento dos conhecimentos disciplinares que pode contribuir
significativamente com o desenvolvimento de projetos interdisciplinares. Tal fato
justifica nosso grifo no final do inciso 5.
Ainda em 2018, o Conselho Nacional de Educação publicou a Resolução n.
4/2018 (BRASIL, 2018b), que instituiu a BNCC do Ensino Médio. No documento,
fica explícito que os direitos e objetivos de aprendizagem para o Ensino Médio são
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
409

expressos na BNCC em competências e habilidades. Para a área ciências da natureza


e suas tecnologias, o documento apresenta, no artigo 11, as seguintes competências:

a) Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas interações


e relações entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que
aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e me-
lhorem as condições de vida em âmbito local, regional e global.
b) Analisar e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos
para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução
dos seres vivos e do Universo, e fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis.
c) Investigar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e
tecnológico e suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens
próprios das Ciências da Natureza, para propor soluções que considerem deman-
das locais, regionais, nacionais e/ou globais, e comunicar suas descobertas e con-
clusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes mídias
e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) (BRASIL, 2018b, p.
8, grifos nossos).

Cada uma das competências citadas se desdobra em habilidades na Base


Nacional Comum Curricular – Ensino Médio5. Nossa pretensão não é discutir
a base em si, mas apenas apresentar um panorama do cenário atual no âmbito
das políticas públicas e contribuir com uma proposta de “tema” para o ensino
interdisciplinar na nossa área (ciências da natureza e suas tecnologias) no novo
Ensino Médio. Para tanto, neste capítulo, apresentaremos subsídios para o es-
tudo do Câncer de Pele, um tema que, por uma questão de saúde pública, deve
fazer parte do currículo do Ensino Médio. Além disso, tem potencial para de-
senvolver as três competências apresentadas anteriormente: permite a análise de
relações entre matéria e energia (competência a); traz argumentos para decisões
com relação à utilização ou não de protetor solar e exposição solar (competência
b); é um problema que pode ser investigado pelos alunos e cujos resultados po-
dem ser comunicados em informativos a um público escolhido (competência c).
É importante mencionar a limitação dos tradicionais livros didáticos de
Ensino Médio ao desenvolvimento de temas pelos professores. Nesse sentido,
a divulgação científica6, um campo de trabalho por meio do qual os conheci-

5 A BNCC – Ensino Médio está disponível em: http://novoensinomedio.mec.gov.br/?fbclid=IwAR2F8SCzf26Mp-


60Zgoh1slLYXtL6uwoOy4hLOKdl7RSKGwu05HiDNkF8kdw#!/saiba-mais.
6 Na atualidade, além da educação formal, há a disponibilidade de informações científicas divulgadas em filmes e
documentários, vídeos, cinema, teatro, jornais, revistas, redes sociais e sites, entre outros.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
410

mentos são divulgados e difundidos, sem propósitos didático-pedagógicos, sem


objetivos de formar especialistas e tampouco aperfeiçoar ainda mais os especia-
listas (ROCHA, 2012), pode ser aliada ao ensino. Dentre os objetivos da divul-
gação científica, Rocha (2012, p. 49) destaca a “possibilidade de mostrar tanto
resultados da pesquisa como processos de construção dos conhecimentos a um
público não-especialista”.
Pesquisas na área de Ensino de Ciências, como as de Valério e Bazzo (2006),
vêm sugerindo que os textos de divulgação científica são capazes de complementar
o uso dos livros didáticos. Sendo assim, os professores podem incorporar determi-
nados conhecimentos que circulam fora da escola e que estão acessíveis ao público
em geral em materiais de divulgação científica. Essas produções têm potencial para
contribuir com o tratamento interdisciplinar de temas no ensino formal, pois trazem
conhecimentos importantes e atualizados que não estão nos materiais didáticos.
Em 2001, Ferrari e Souza Cruz (2001) apontavam para a importância da transpo-
sição didática da divulgação científica para o tratamento de temas interdisciplina-
res na educação em ciências. No artigo, os autores utilizam o tema Câncer de Pele.
A interdisciplinaridade envolve processos de ensino e aprendizagem que
visam, segundo Maingain e Dufour (2008, p. 36), “a convocação de diversas
disciplinas, a construção de uma representação, com vista a analisar uma si-
tuação, tomar uma decisão ou orientar uma ação com racionalidade”. Os auto-
res consideram essa representação como resultado da integração de diferentes
conhecimentos disciplinares. A abordagem interdisciplinar de temas pode
ensejar a utilização de conhecimentos escolares e não escolares, integrando
a especificidade das disciplinas sem segregá-las, com o objetivo de contribuir
com o entendimento, por exemplo, das inúmeras questões que envolvem o
câncer de pele.
Propomos o tema “câncer de pele” como uma possibilidade de integração na
área de ciências da natureza e suas tecnologias no novo Ensino Médio. O câncer
de pele é uma doença silenciosa que se manifesta tardiamente em decorrência
de exposições solares realizadas ao longo da vida. Seus efeitos são cumulativos,
dependem do tipo de pele e de questões climáticas e geográficas. A população
brasileira é miscigenada, o que inclui os caucasianos de pele clara e com maior
propensão ao desenvolvimento de um câncer de pele. Embora em menor taxa, é
importante frisar que outras etnias – negros, índios e mestiços – também estão
sujeitos aos efeitos danosos da radiação solar.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
411

Infelizmente, no Brasil, a importância da prevenção não é disseminada. Apesar


da existência de monitoramento em sites públicos7 e propagandas incentivando o
uso de protetores solares, a prevenção e o acompanhamento diário ainda não fa-
zem parte da cultura, talvez porque tais informações não têm sido veiculadas em
escolas, por meios de comunicação de massa e/ou em campanhas de saúde pública.
Com o objetivo de oferecer, aos professores do Ensino Médio, subsídios
para incluir o ensino do tema câncer de pele em abordagens interdisciplinares,
desenvolvemos o texto didático aqui apresentado, a partir da tradução e adapta-
ção do artigo Sunlight and Skin Cancer (Luz do Sol e Câncer de Pele), de Leffell
e Brash (1996). Apresentaremos a metodologia utilizada na elaboração do tex-
to, bem como implicações e desdobramentos para a formação de professores.

2 APORTES E PERCURSO PARA A CONSTRUÇÃO


DO TEXTO DIDÁTICO

O mote para o estudo do câncer de pele veio do artigo de Leffell e Brash


(1996) publicado na Scientif American8, um periódico americano de divulgação
científica. A primeira etapa para a construção do texto do professor constituiu-se
no estudo do artigo com a identificação de grandes ideias relacionados ao tema.
Na segunda etapa, procedeu-se uma busca exploratória em outras referências
para aprofundamento de conceitos relacionados ao tema. Foram explorados
trabalhos publicados em congressos (Lima, 1992; Balogh et al., 2011), artigos
(Souza, Fischer e Souza, 2004; Araújo e Souza, 2008; Oliveira, 2013), disserta-
ções (Santos, 2010), livros (Okuno et al., 1982; Okuno e Vilela, 2005) e o site da
Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Nessas primeiras etapas, com base em Novak e Cañas (2010), buscou-se
identificar os conceitos mais gerais e os periféricos. Na terceira etapa, foi cons-
truído um mapa conceitual para organizar e relacionar os conceitos envolvidos.
A sua construção exigiu que os autores (professores de Biologia, Física e Quí-
mica) compartilhassem significados e chegassem a um consenso com relação às
conexões entre os conceitos sobre câncer de pele.

7 No site http://satelite.cptec.inpe.br/uv/, pode-se acompanhar a incidência da radiação ultravioleta.


8 A Scientif American foi fundada em 1845. De acordo com o site de publicação da revista no Brasil (https://www2.
uol.com.br/sciam/agenda/), circula atualmente em 30 países e é publicado em 14 idiomas.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
412

Na quarta etapa, realizou-se a produção do texto apresentado na próxima


seção. Na sua elaboração foram consideradas as três condições que segundo
Novak e Cañas (2010) são necessárias à aprendizagem de um assunto novo: que
o material a ser utilizado seja conceitualmente claro, que o aprendiz tenha co-
nhecimentos anteriores relevantes e que o aprendiz tenha vontade de aprender
(NOVAK, CAÑAS, 2010). Por isso, utilizamos outras fontes além do texto de
divulgação científica de Leffell e Brash (1996), trazendo explicações para tornar
o texto claro e compreensível. Foram inseridas, por exemplo, explicações sobre
radiação eletromagnética e sua interação com a matéria, tipos de pele e reações
causadas pela exposição solar e fator de proteção solar. Para promover a predis-
posição para aprender, iniciamos o texto com questionamentos que podem servir
tanto para aguçar a curiosidade e interesse, quanto para identificar os subsunço-
res presentes na estrutura cognitiva dos estudantes.

3 TEXTO DIDÁTICO: ABORDAGEM


INTERDISCIPLINAR DO CÂNCER DE PELE

Uma forma de contextualizar os conhecimentos escolares pode ser através


de abordagens interdisciplinares, com a escolha de temas que tragam fenôme-
nos da realidade concreta dos estudantes. Além de possibilitar uma integração
entre disciplinas do currículo para explicar uma situação, o estudo de um tema/
problema pode contribuir para que o estudante construa uma representação do
mundo. Por trazer uma visão integrada, tal representação pode ensejar a apren-
dizagem significativa de conteúdos escolares, que, em outras situações, poderiam
não fazer sentido para o aluno.
Para termos uma ideia de número de casos de câncer de pele no Brasil, o
Instituto Nacional do Câncer (INCA) previu 98.420 novos casos de câncer de
pele não melanoma nos homens e em 83.710 nas mulheres para 2014. Segundo
Oliveira (2013, p. 61),

[...] esses valores correspondem a um risco estimado de 100.75 casos novos a


cada 100 mil homens e 82.24 a cada 100 mil mulheres. O câncer de pele não
melanoma é o mais incidente em homens nas regiões Sul (159.51/100 mil), Su-
deste (133.48/100 mil) e Centro-Oeste (110.94/100 mil); nas regiões Nordeste
(40.37/100 mil) e Norte (28.34/100 mil), encontra-se na segunda posição. Nas
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
413

mulheres é o mais frequente em todas as regiões, com um risco estimado de


112.28/100 mil no Sudeste, 99.31/100 mil Centro-Oeste, 86.03/100 mil no Sul,
46.68/100 mil no Nordeste e 24.73/100 mil no Norte.

Algumas questões preliminares podem originar uma reflexão inicial sobre


o câncer de pele: quais as possíveis relações entre a exposição solar e o câncer de
pele? Você costuma tomar sol com protetor solar ou sem protetor solar? Em caso
afirmativo, qual o fator de proteção solar que utiliza? Qual a composição química
de um filtro solar que permite essa função? Você acredita nas informações con-
tidas no rótulo do protetor solar? Quais as consequências imediatas e futuras da
exposição solar? O que é importante saber sobre o câncer de pele e sobre a pro-
dução de vitamina D? Como harmonizar a necessidade de vitamina D com a ne-
cessidade de evitar câncer de pele? Esses são alguns questionamentos, veiculados
em mídias, jornais e revistas que talvez expressem curiosidades dos estudantes.
No entanto, a sua discussão não faz parte implicitamente do currículo escolar.
O texto que apresentamos visa contribuir para a abordagem desta temática na
escola de uma forma integrada na área de ciências da natureza e suas tecnologias.
Iniciamos apresentando David J. Leffell e Douglas E. Brash, pesquisadores
sobre câncer de pele e professores na faculdade de Medicina da Universidade de
Yale, localizada em New Haven, no estado de Connecticut, Estados Unidos. Leffell
é professor de dermatologia e cirurgia, reconhecido internacionalmente pela sua
atividade clínica e pelas suas pesquisas envolvendo câncer de pele. Brash é bacharel
em Engenharia Física, estudou Biologia Física e ficou por cinco anos no Instituto
Nacional de Câncer antes de fazer parte do corpo docente da Universidade de Yale.
Os pesquisadores publicaram o artigo Sunlight and Skin Cancer em uma
revista de divulgação científica para que seus achados ficassem acessíveis ao pú-
blico em geral (LEFFELL; BRASH, 1996). Além de adaptarmos o artigo para o
ensino, atualizamos o texto, aprofundamos algumas questões da área da Biologia,
Física, Geografia e Química, além de outras áreas que consideramos fundamen-
tais para o entendimento do tema, como Dermatologia, Saúde e Meteorologia.

3.1 Luz do Sol e câncer de pele


Leffell e Brash (1996) iniciam seu artigo abordando o caso de Pott, um
médico britânico que investigou a causa das dores nos testículos dos limpa-
dores de chaminés de Londres. Enquanto outros médicos atribuíam as dores
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
414

a doenças venéreas, relatam que Pott (1975) as associou a um tipo de câncer


de pele causado pelo piche do carvão das chaminés. Essa constatação foi um
marco na medicina, pois, pela primeira vez, documentou-se que o câncer de
pele pode ser causado por agentes químicos externos. Em seguida, os autores
mencionam pesquisas sobre a identificação de outro agente externo como cau-
sador de vários tipos de câncer de pele, a luz do sol. Mas dos primeiros estudos
indicando esta correlação estatística entre luz do sol e câncer de pele, muitas
questões ainda precisam ser compreendidas. Algumas delas foram investigadas
por Leffell e Brash, como veremos ao longo deste texto.
Leffell e Brash (1996) explicam que o câncer de pele9 pode assumir três for-
mas correspondentes aos três tipos principais de células da pele (células basais,
células escamosas e melanócitos). Na base da epiderme, ficam células basais arre-
dondadas; em seguida, perto da superfície ficam as células achatadas escamosas
(produtoras de queratina). Os melanócitos (células protetoras que produzem o
pigmento melanina) estão intercalados na camada basal e têm inúmeras exten-
sões que atingem o exterior (LEFFELL e BRASH, 1996).
O câncer dos melanócitos, considerado maligno, é também chamado de
melanoma. De acordo com os autores (1996), é o mais letal e também o tipo de
câncer de pele mais complexo de ser compreendido, tendo em vista seus meca-
nismos de ação. As outras duas formas de câncer de pele são chamadas de não
melanoma. O câncer de pele não melanoma, quando diagnosticado no início,
pode ser facilmente tratado no consultório de um dermatologista, segundo Leffell
e Brash (1996, p. 52), através de técnicas simples como “scraping, burning, freezing
or surgically excising the malignant tissue” (raspagem, queimadura, congelamento
ou excisão cirúrgica do tecido maligno). Até mesmo o melanoma, se descoberto
logo no início, quando ainda for menor que um milímetro de espessura, pode
ser tratado por excisão simples.
Algumas questões em aberto que motivaram os pesquisadores: por que o
câncer de pele atinge todas as faixas etárias? Por que pode desfigurar e matar se
não for tratado? Assim, centraram suas pesquisas para desvendar os mecanis-
mos que causam a doença. Leffell e Brasch relatam um episódio histórico que
contribuiu com essa busca.

9 A Sociedade Brasileira de Dermatologia conceitua o câncer de pele como um tumor causado pela alteração e
replicação desordenada de células epiteliais que tiveram seu DNA alterado (SBD, 2015).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
415

3.2 Episódio histórico


A pena de morte na Inglaterra10, considerada muito severa para peque-
nos delitos, foi substituída pela prisão, que levou à superlotação dos presí-
dios. A partir de 1780, para resolver a situação, a Câmara dos Deputados da
Inglaterra julgou pertinente banir os criminosos do país, mandando-os para
a fronteira Sul do Oceano Pacífico (costa Leste da Austrália). Antes a região
era pouco conhecida, mas em poucas décadas ficou povoada por britânicos
e irlandeses.
Incidentalmente, a reforma penal levou a um verdadeiro experimento em
medicina social. Observou-se um aumento muito significativo da taxa de câncer
de pele em descendentes de irlandeses e britânicos na Austrália. A correlação
entre a alta exposição ao sol e as populações de pele clara, foi rapidamente com-
provada. Constatou-se que os brancos australianos, continuamente expostos ao
sol, têm a maior taxa de todos os tipos de câncer de pele no mundo. Curiosa-
mente, os aborígenes australianos e os britânicos e irlandeses que vivem sob o
céu do norte (mais nebuloso) têm muito menos risco de contrair câncer de pele.
Apesar de cientistas constatarem, nos anos 50, que pele branca e sol forte são
fatores de risco para o câncer de pele, não conseguiam explicar os efeitos do sol
sobre as células da pele.
Já se sabia que radiação solar é um nome que incorpora uma família de
ondas eletromagnéticas, que diferem entre si pelos valores de frequência. A
dúvida dos cientistas era qual/quais radiação/radiações estaria(m) associada(s)
ao surgimento do câncer. Mas estas perguntas precisaram de alguns anos até
que a genética se desenvolvesse e se aprendesse mais sobre o que é um câncer.
Numa possível aplicação do projeto temático, o professor pode dar ênfase à
relação disciplinar e interdisciplinar. Se, por um lado, desvendar os segredos da
radiação cabe à física, por outro, conhecimentos sobre células e genética cabem
à biologia. Mas é importante que isto gere atividades para responder pergun-
tas originadas da temática, isto é, mobilize conhecimentos para compreender

10 A Irlanda do Norte e a Inglaterra ficam no Hemisfério Norte, no continente europeu. Em geral, há muitos períodos
de chuva, o céu é nebuloso e o verão é ameno. Já a Austrália fica no Hemisfério Sul, o clima no litoral é mediter-
râneo, com muitos períodos de céu claro. A diferença geográfica dos locais nos instiga alguns questionamentos:
será que as pessoas claras que vivem na Europa são adaptadas ao clima local? E os aborígenes australianos que
eram a maioria da população da Austrália antes de os emigrantes europeus chegarem, já não estavam adaptados (e
resistentes) ao sol forte?
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
416

os pontos em questão e não se transforme no ensino da teoria da radiação


eletromagnética e teoria genética. Importante explorar no desenvolvimento
o contexto das perguntas feitas pelos pesquisadores e a importância delas na
compreensão do fenômeno ou tema.
Leffel e Brash (1996) iniciaram sua pesquisa considerando estudos realizados
anteriormente, relacionados a efeitos tardios da exposição solar em moradores
da Austrália. As observações resultaram na seguinte constatação: os brancos aus-
tralianos que adquiriam câncer de pele emigraram antes dos 18 anos, enquanto
os que emigraram com idade mais avançada mantinham os mesmos riscos dos
que permaneciam na Europa. Os resultados indicavam que os pacientes (a partir
da meia idade) estavam expostos à luz solar por anos antes do aparecimento do
câncer, revelando que mutações genéticas provocadas pelo sol eram persistentes
e passavam de uma geração de células para outra.
Assim, Leffell e Brash (1996) começaram a investigar mutações nas células
induzidas pela luz do sol e que levariam ao desenvolvimento de câncer com o
passar dos anos. Percebe-se que os autores partiram de um problema geral e,
a partir de um refinamento na pesquisa, definiram questões mais específicas,
relacionadas a mutações genéticas ocasionadas em genes. Apesar da constatação
genérica – a radiação solar está fortemente correlacionada com os casos de câncer
de pele –, ainda não havia conhecimento suficiente e preciso a respeito de como
a radiação solar causava um câncer, o que, ao avançar a investigação, se tornou a
pergunta mais precisa feita pelos pesquisadores mencionados. Eles começaram
sua investigação com a hipótese de existirem duas categorias de efeitos do sol
relacionados ao câncer de pele. Em uma categoria estavam as mutações de
genes específicos das células da pele, como afirmam Leffell e Brash (1996, p. 56,
tradução nossa): “Uma célula pode reproduzir excessivamente se uma mutação
ou transforma um gene normal em um promotor do crescimento (um oncogene)
ou desativa um gene que normalmente conduz ao seu crescimento celular (um
gene supressor de tumores)”.11 A outra categoria reunia eventos generalizados
que afetam cada célula exposta ao sol, como redução da capacidade natural de
eliminação de células de tumor ou estímulo à divisão celular.

11 No original: A cell may reproduce excessively if a mutation either turns a normal gene into an overzealous growth
promoter (an oncogene) or inactivates a gene that normally limits cell growth (a tumor suppressor gene).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
417

3.3 Mutação no DNA: a causa do câncer


Os dados da pesquisa de Leffell e Brash (1996) mostram as dificuldades
assustadoras de uma pesquisa, pois o DNA em uma célula humana possui cerca
de 100.000 genes, que, por sua vez, são compostos por milhares de nucleotídeos
(bases nitrogenadas que formam a estrutura helicoidal do DNA), dos quais
apenas alguns teriam vestígios de danos causados pelo sol. Os pesquisadores
questionavam-se: caso identificassem as mutações, como teriam a certeza de
que o sol era o responsável por elas? Outros pesquisadores, no entanto, haviam
investigado e obtido uma correlação entre câncer e a radiação ultravioleta B
(UVB). Os estudos que analisavam o efeito em diferentes tecidos mostraram
que este tipo de radiação cujas frequências estão numa determinada faixa ge-
rava efeitos cancerígenos. Investigações mais detalhadas mostraram a Leffell
e Brash que a luz ultravioleta causa mutações em pontos específicos em uma
fita de DNA.
O DNA, portador da informação genética, é uma macromolécula gigantesca
que absorve radiações da faixa do UV. O DNA tem uma probabilidade máxima de
absorção de fótons de ultravioleta C (UVC). Essa eficiência na absorção diminui
progressivamente com o aumento do comprimento de onda, isto é, do UVB ao
UVA (a radiação ultravioleta com maior comprimento de onda), ao passo que o
DNA não absorve na faixa da luz visível.
Leffell e Brash (1996) explicaram as mutações que acontecem no DNA,
o qual tem, em sua estrutura de dupla hélice e bases nitrogenadas, que são as
partes variáveis de nucleotídeos: Adenina (A); Guanina (G); Citosina (C); Ti-
mina (T). As duas fitas de DNA são unidas através das ligações entre as bases
nitrogenadas pirimídicas (Citosina e Timina) e as chamadas púricas (Guanina
e Adenina). No caso do câncer de pele, a radiação UVC (de 260 nm12) pode, ao
atingir bases pirimídicas, causar a formação de dímeros de pirimidinas (Figu-
ra 1). Isto é, duas bases em posições adjacentes numa mesma fita se ligam e se
desligam, ao mesmo tempo, das bases na outra fita.

12 O namômetro (nm) é uma unidade de comprimento que equivale a bilionésima parte de um metro. Assim, 1 nm
= 10-9 m.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
418

Figura 1: Duas timinas adjacentes, após a incidência do UV criam ligações entre os seus átomos
de Carbono, formando o dímero de timina Ciclobutano ou o Fotoproduto

Fonte: Leffell; Brasch (1996) – elaborada pelos autores.


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
419

A formação deste dímero gera uma “lesão”, mas, no interior das células, en-
zimas catalíticas podem reparar a área lesionada com auxílio de fótons na faixa
visível. Esstas enzimas podem desfazer as ligações do dímero reativando as bases
e religando as duas fitas. Outro mecanismo pode ser a excisão, com a retirada
da região lesionada e a substituição por novas bases. No entanto, nesse processo
pode ocorrer que bases diferentes substituam as anteriores modificando o orde-
namento na fita do DNA.
Num processo posterior de replicação durante a divisão celular, isto pode
gerar uma mutação. Porém, existem proteínas, sintetizadas pelo próprio DNA,
que, durante o processo de replicação celular, identificam as lesões e promovem
outros mecanismos de reparação e/ou impedem a replicação. Uma das proteínas
mais importantes neste mecanismo é a p53, a qual, durante o ciclo de divisão
celular, verifica possíveis ocorrências de uma mutação na sequência do código
genético. Caso seja identificada a existência de mutações, a p53 ativa outras pro-
teínas que devolvem ao DNA o seu ordenamento original ou impedem a repli-
cação, levando à morte celular, isto é, à apoptose.
Cerca de 10% dessas mudanças ocorrem em duas Cs adjacentes, com ambas
as bases mudando para Ts. Descobriu-se que a formação de dímeros de pirimidina
ocorre apenas quando o UV, com uma frequência de 260 nm, incide sobre o DNA.
Esta é a impressão digital, provando o papel da radiação na geração do câncer. Na
próxima seção falaremos sobre por que há este comportamento tão seletivo da ra-
diação. Na Figura 2, observa-se a mutação que ocorre: a substituição de C por T.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
420

Figura 2: Processo de alteração genética causada nas células pela luz ultravioleta

Fonte: Leffell; Brash (1996) – adaptada pelos autores.

A Figura 2 deixa claro que as ligações entre as fitas de DNA se dão sempre
entre pares de purinas (que são adenina e guanina) e pirimidinas (que são cito-
sina e guanina), segundo a lei de Chargaff. Essa classificação ocorre porque as
purinas são moléculas orgânicas com constituintes distribuídos em dois anéis,
enquanto que as pirimidinas em um anel.
Leffell e Brash (1996) precisavam identificar quais os grupos de genes eram
afetados pelas mutações. Relataram que havia registros de pesquisadores do Ins-
tituto Nacional do Câncer dos EUA que mostravam que o papiloma vírus produz
uma proteína capaz de inativar a proteína p53 (produto do gene p53). Sendo as-
sim, eles tinham indicações suficientes de que o gene p53 poderia estar envolvido
com o câncer de pele não melanoma, porém eram necessárias confirmações. Para
obter uma confirmação sobre este papel do p53 mutado, estudaram carcinomas
em células escamosas, descobrindo que 90% dos casos analisados possuíam uma
mutação em algum lugar do gene supressor de tumor – p53. Observaram ainda
que estas mutações ocorriam sempre em bases adjacentes de pirimidina, sendo
originadas no processo de reparo da lesão causada pela luz ultravioleta quando
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
421

havia a substituição de uma base C por T. Essas mesmas características foram


encontradas posteriormente nos carcinomas de células basais.
Os autores citam que, após a análise de amostras em laboratório, Annemarie
Ziegler descobriu que a pele pré-cancerosa também contém mutações no gene
p53, indicando que as alterações genéticas ocorrem antes mesmo de os tumores
aparecerem. Mas seriam essas mutações a causa do câncer de pele não melanoma
ou seriam simplesmente indicadores irrelevantes de tempo de exposição à luz
solar? Os autores consideram que esta última possibilidade pode ser descartada,
visto a maneira peculiar das mutações no código genético.
Os nucleotídeos, mencionados anteriormente, são dispostos em locais bem
definidos, formando trincas de bases nitrogenadas, denominadas códons e que
especificam diferentes aminoácidos. A sequência de códons de um gene deter-
mina a sequência de aminoácidos que unidos formarão uma proteína. No en-
tanto, códons diferentes podem especificar um mesmo aminoácido, como se o
mesmo aminoácido pudesse ter diferentes nomes. De acordo com Leffel e Brash
(1996, p. 57, tradução nossa),

Normalmente os aminoácidos não mudam quando as duas primeiras bases do


códon são constantes e apenas a terceira varia. Portanto, se as mutações do gene
p53 encontradas em câncer de pele eram apenas um acaso, efeito de exposição
ao Sol, nós esperaríamos encontrar alterações ocorrendo na terceira posição
assim como frequentemente na primeira ou na segunda. Ou seja, haveria uma
abundância de exemplos em que o códon mutado (submetido a uma base de
substituição de nucleotídeos) não alterava o seu aminoácido correspondente.13

No entanto, estudos desse gene, em casos de câncer de pele ao redor do


mundo, revelaram, de forma consistente, mutações que modificaram aminoácidos
na proteína p53. Leffell e Bash concluíram que essas mutações não eram apenas
um efeito colateral de exposição ao ultravioleta, mas eram de fato o que vinha
causando os cânceres de pele. Para compreender como o gene p53 era afetado
nos casos de câncer de pele, os pesquisadores investigaram quais segmentos do
gene eram mais propensos à mutação, sabendo que a luz solar alterava as bases

13 No original: Typically the amino acid does not change when the first two bases of the codon are constant and only
the third varies. Hence, if the p53 mutations found in skin cancer were just a random effect of exposure to the sun, we
would expect to find changes in the third position occurring as often as in the first or second. That is, there would be
plenty of examples where the codon mutated (underwent a nucleotide base substitution) without altering its corres-
ponding amino acid.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
422

adjacentes de pirimidina. Com auxílio de biólogos, identificaram cerca de nove


pontos da cadeia de DNA que, quando expostos ao sol, podem ser mutados, os
quais foram denominados hot spots. Em outros cânceres não relacionados à luz
solar (como o câncer de cólon ou bexiga), cinco códons de p53 são frequente-
mente mutados, três dos quais estão entre os hot spots para o câncer de pele. E,
no caso de ausência de uma base adjacente de pirimidina, verificaram que a ca-
deia de DNA está protegida de mutações.
Das centenas de lugares no gene p53 com pirimidinas adjacentes, por que
apenas alguns locais do corpo humano atuavam como hot spots, quando as célu-
las eram expostas à luz solar? Leffell e Brash comentam que vários pesquisadores
estavam contribuindo para responder à pergunta, considerando a descoberta de
que as células podem reverter danos ultravioleta em seu DNA por um processo
enzimático chamado de reparação por excisão. Eles afirmam:

[…] em 1992, Subrahmanyam Kunala mostraram que as células reparam danos


de forma particularmente lenta em alguns pares de pirimidina. Posteriormen-
te, Gerd P. Pfeifer e seus colegas do City of Hope Beckman Research Institute
em Duarte, Califórnia, descobriram que as células repararam os locais do p53
mutados no câncer de pele não-melanoma de forma mais lenta do que fazem
nos vários outros lugares no gene. Portanto, parece bastante provável que os
hot spots que encontramos para o câncer de pele devem sua existência a uma
incapacidade das células da pele para consertar esses locais de forma eficiente
(LEFFELL, BRASH, 1996, p. 58, tradução nossa).14

3.4 Reparação celular e os efeitos da luz ultravioleta na pele


Após as descobertas relacionadas à mutação genética e ao envolvimento
do gene p53, Leffell e Brash (1996) ainda tinham dúvidas sobre o mecanismo
de ação do p53, uma vez que genes não desenvolvem câncer, mas sim as células.
Para os autores, era claro que a proteína p53 possuía algum mecanismo de ação
em células normais para prevenir o câncer, mas não sabiam como. Buscaram
outros pesquisadores para auxiliá-los. Encontraram estudos os quais verificaram

14 No original: [...] in 1992, Subrahmanyam Kunala showed that cells repair damage particularly slowly at some pyrim-
idine pairs. Subsequently, Gerd P. Pfeifer and his colleagues at the City of Hope Beckman Research Institute in Duarte,
Calif., found that cells repair the p53 sites mutated in nonmelanoma skin cancer more sluggishly than they do many
other sites in the gene. Hence, it seems quite likely that the hot spots we found for skin cancer owe their existence to an
inability of skin cells to mend these sites efficiently.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
423

que células submetidas a raios-x aumentaram a produção da proteína p53, cuja


resposta impediu que estas células se dividissem.
Tiveram acesso a Peter A. Hall e David P. Lane, que demonstraram um efeito
similar sobre a proteína p53 em células da pele expostas à radiação ultravioleta.
Tomaram conhecimento de que outros pesquisadores em câncer especulavam
a proteína p53. Assim, concluíram que níveis elevados da proteína p53 numa
célula conduz para a morte celular por apoptose15. No caso do câncer de pele, o
"suicídio" de uma célula danificada pelo sol a impediria de tornar-se cancerosa,
apagando permanentemente seus erros genéticos. Na Figura 3, observa-se essa
apoptose denominada, pelos pesquisadores, revisão celular.

Figura 3: Representação do crescimento de um tumor não melanoma de pele

Fonte: Leffell; Brash (1996, p. 56-57) – adaptada pelos autores.

15 Morte celular é um mecanismo normal de muitos processos biológicos, incluindo o desenvolvimento em-
brionário.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
424

Leffell e Brash (1996) verificaram como ocorre a falha na revisão celular


que leva ao câncer de pele. Para eles, a pele normal exposta à luz solar vai acu-
mulando danos no DNA, causados em sua maioria pela UVB do espectro solar.
As células incapazes de reparar seu DNA em tempo hábil morrem por apopto-
se. No entanto, se o gene p53 numa célula sofreu mutação durante um episódio
anterior de exposição à luz solar, a célula resistirá à autodestruição, mesmo se
tiver sido gravemente lesionada. A situação é ainda pior nesse caso, pois uma
célula na iminência de tornar-se cancerosa está rodeada de células normais que
sofrerão apoptose quando danificadas, abrindo espaço para que a célula mutada
em p53 (sem capacidade de apoptose) se desenvolva e se multiplique. De forma
mais clara, significa dizer que, por indução, as células saudáveis “se matam”, e
a luz solar favorece a proliferação de células com mutação do gene p53. Sendo
assim, a luz solar tem ação dupla para causar câncer de pele: uma vez na muta-
ção do gene p53 e depois, criando condições para o crescimento desenfreado da
linha celular alterada.
Essas duas ações – mutação e promoção de tumores – são os dois golpes da
carcinogênese. Apesar de a mutação e a promoção serem realizadas por agentes
diferentes em outros tumores, a radiação ultravioleta tem a capacidade de dar
os dois golpes para o aparecimento do câncer de pele.
A adaptação do artigo de Leffell e Brash (1996) apresentada traz contribui-
ções para uma abordagem didática do câncer de pele que pode ser associado a
assuntos na Química, Física, Biologia ou para o ensino do tema dentro da área
de ciências da natureza e suas tecnologias.

3.5 A frequência da luz e sua interação com a matéria


Como todos os seres do planeta, não apenas convivemos com a radia-
ção solar, mas dela depende praticamente toda nossa vida. No dia a dia, nosso
corpo está sujeito a uma alta dose de radiação originária do sol. Usualmente,
percebemos apenas a luz visível, porém, a radiação solar é uma família gigan-
tesca de ondas eletromagnéticas. Como mostra a Figura 4, os componentes
desta família diferem entre si pelo comprimento de onda (ou frequência) e são
subdivididas em faixas.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
425

Figura 4: Faixas de frequência e comprimentos de onda do espectro eletromagnético

Fonte: Elaborada pelos autores (2018).

A radiação mais energética está na faixa dos raios ; decrescendo em


energia e aumentando em comprimento de onda, temos a faixa do raio-X,
a radiação ultravioleta, a pequena faixa da luz visível, seguida da conhecida
infravermelho, presente em nossos controles de televisão. Diminuindo ainda
mais a energia, chega-se ao micro-ondas e, posteriormente, às ondas de rá-
dio etc. A radiação originária do sol é, portanto, uma composição de várias
radiações. Nossos bastonetes (células responsáveis pela visão), entretanto, só
conseguem captar a pequena faixa da luz visível, cujos comprimentos de onda
vão de 400 a 700 nm.
Várias das radiações emitidas pelo sol (dos raios até o ultravioleta C (UVC))
são absorvidas ao passar pela atmosfera e praticamente não alcançam a superfície
da Terra. Ou seja, a parcela mais energética da radiação UV, denominada UVC,
em grande parte, é absorvida pela camada de Ozônio. Das várias componentes
que alcançam a Terra, as que geram maior número de efeitos biológicos estão na
faixa que vai do UV (UVB, UVA) até o infravermelho. Toda essa radiação car-
rega muita energia, e podemos nos perguntar: o nosso corpo absorve toda esta
energia? A resposta a essa pergunta é não, pois de forma análoga ao vidro, que é
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
426

transparente à luz visível, nosso corpo é transparente à grande parte dessa radia-
ção. Isto é uma evidência de que a interação da radiação com a matéria depende
do tipo de radiação e do tipo de matéria.
Essa transparência ocorre porque a radiação eletromagnética interage sele-
tivamente, dependendo de sua frequência. Como veremos, a matéria constituída
de átomos e moléculas também é seletiva. Isto é, dependendo de seus átomos e
moléculas constituintes, um tecido ou pedaço de matéria absorve apenas radia-
ção com determinadas frequências e é transparente às outras. A ideia de absor-
ver e ou emitir apenas quantidades discretas de energia está presente no modelo
de Bohr de 1911 (SEARS et al., 2009). Nesse modelo, os elétrons, como objetos
quânticos, só podem existir de forma estável em algumas órbitas e, portanto, só
podem absorver ou perder uma quantidade de energia que numa transição o faça
saltar de uma órbita para outra. Isto significa que apenas fótons com energias,
exatamente iguais às diferenças de energia entre duas órbitas podem ser absor-
vidos, sendo o átomo transparente aos outros tipos de fótons.
Embora descreva as variações na energia do átomo, absorção e transpa-
rência, o modelo de Bohr é limitado, pois não nos permite compreender outros
efeitos da radiação. Na teoria quântica de Schröedinger desenvolvida em 1926
(SEARS et al., 2009), no lugar de elétrons como partículas girando em órbitas
planetárias, há uma nuvem eletrônica (orbital) em que a carga do elétron está
distribuída. Cada orbital corresponde a um estado com uma dada energia.
Na Figura 5, vemos três orbitais com energias diferentes, que são estados
do sistema, isto é, são configurações de equilíbrio. A forma esférica da nuvem
eletrônica corresponde ao orbital S, o estado de menor energia. Ao absorver um
fóton com frequência de energia – , – exatamente igual à diferen-
ça de energia entre os estados S e P, o átomo muda sua configuração espacial, e
a nuvem assume a forma P. Se o fóton tivesse frequência e energia
haveria uma transição para o estado D. Átomos e moléculas podem ter um
conjunto de configurações de equilíbrio com formatos de nuvens diferentes e
energias diferentes. Como no modelo de Bohr, as diferenças de energia entre os
estados, são características para cada átomo ou molécula. Isso vai im-
plicar que, para cada átomo e/ou molécula, apenas um conjunto de fótons com
frequências características e bem definidas podem ser absorvidos. E isto explica
por que dependendo dos átomos e moléculas que constituem os nossos tecidos,
absorvemos apenas radiação com determinadas frequências.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
427

Figura 5: Orbitais atômicos exibindo as configurações s, p e d correspondentes a estados atômi-


cos com energias E1, E2 e E3

Fonte: Elaborada pelos autores (2018).

Sabemos que uma reação causada pela luz é o bronzeamento que envolve a
ação do ultravioleta sobre um pigmento, a melanina. De acordo com Souza, Ficher
e Souza (2004), a melanina é um pigmento produzido na epiderme, em células
denominadas melanócitos, da qual é transferida para um outro tipo de célula, os
queratinócitos, que constituem 95% das células da epiderme. Nestas células, a melanina
exerce um papel de proteção contra os raios solares, absorvendo principalmente
o UVB e servindo como defesa contra efeitos maléficos deste tipo de radiação.
Os queratinócitos migram através da epiderme, sofrendo várias modificações até
completar o seu ciclo de vida de 30 dias, em média, quando, então, formam uma
camada de células mortas na região externa da pele (SOUZA, FISCHER e SOUZA,
2004). A incidência da radiação solar estimula a produção de melanina, que, por
possuir uma cor escura, provoca a pigmentação característica do bronzeamento.
Os mesmos raios solares que produzem bronzeamento provocam alterações
moleculares nas células da pele. Por exemplo, as queimaduras de sol ocorrem
quando a radiação solar, principalmente a UVB, causa transformações no DNA,
o que estimula a síntese de certas enzimas e proteínas, as quais, ao se difundirem,
causam vasodilatação, aumento do fluxo sanguíneo, provocando a vermelhidão
da área afetada ou ruptura de tecidos.
As radiações solares absorvidas causam efeitos diferentes nos seres vivos, pois
eles não são igualmente sensíveis a tais emissões. Por exemplo, temos a sensibili-
dade à luz solar dos diferentes tipos de pele que abordaremos na próxima seção.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
428

Os efeitos somáticos (não transmitidos às gerações futuras) dependem do tipo de


radiação absorvida, profundidade atingida, área ou volume do corpo exposto, dose
total recebida e tempo de irradiação (OKUNO et al., 1982, p. 72).
A UV, com comprimento entre 100nm e 320nm, tem capacidade de inte-
ração biológica com a pele podendo trazer benefícios ou desencadear o câncer
de pele. Como as radiações UV causam ações biológicas diferenciadas no cor-
po humano, são separadas nas três partes: ultravioleta A (UVA), ultravioleta B
(UVB) e ultravioleta C (UVC) que já mencionamos. As radiações UVA são as de
menor frequência, portanto, são menos energéticas. São indutoras de processos
oxidativos na pele, reagindo com o oxigênio molecular disponível nas células e
produzindo reações inflamatórias na pele e danos ao DNA (SOUZA, FISCHER
e SOUZA, 2004). As UVA penetram mais profundamente que as UVB, atingindo
a derme, de acordo com Araújo e Souza (2008, p. 2): “As radiações UVA origi-
nam radicais livres oxidativos, sendo responsáveis pelo envelhecimento cutâneo
precoce (fotoenvelhecimento ou envelhecimento actínico), por doenças de fotos-
sensibilidade e também contribuem para o desenvolvimento do câncer”.
As radiações UVB, quando absorvidas pela epiderme, causam “danos agudos
e crônicos à pele, tais como manchas, queimaduras (vermelhidão e até bolhas),
descamação e câncer de pele” (ARAÚJO e SOUZA, 2008, p. 1). Mas também são
benéficas e necessárias, pois, além de produzirem pigmentação, formam a vita-
mina D a partir da pró-vitamina D (LIMA, 1992). Os raios UVC são os que me-
nos penetram na epiderme (SOUZA, FISCHER e SOUZA, 2004). No entanto, a
radiação UVC é a mais prejudicial para o homem por ser um tipo de radiação
ionizante (capaz de arrancar elétrons dos átomos), se o comprimento de onda
for menor que 124 nm. Felizmente, a maior parte desta radiação é absorvida pela
camada de ozônio. Vê-se então que a radiação eletromagnética, dependendo da
sua frequência, age de forma diferente no corpo humano. As características da
pele também são determinantes.

3.6 Tipos de pele


Ao estudar o câncer de pele, é pertinente mencionar a influência da cor
de pele (Tabela 1), que torna os caucasianos menos privilegiados em relação a
pessoas com pele mais escura, como no caso dos aborígenes australianos em
relação aos europeus.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
429

Tabela 1: tipos de pele e relações com a exposição ao sol

TIPO CARACTERÍSTICAS SOFRE QUEIMADURAS BRONZEIA APÓS


EXPOSIÇÃO
I Pele clara – pouca Sempre Raramente
II melanina Usualmente Às vezes
III Pele morena – quantidade Às vezes Usualmente
intermediária de melanina
IV Raramente Sempre
V Pele escura – muita Pele mulata ---------
proteção de melanina (naturalmente)
VI Pele negra ---------
(naturalmente)
Fonte: Santos (2010, p. 48).

Nota-se que cada tipo de pele tem uma sensibilidade diferente à UV, sendo
que a maior probabilidade de contrair câncer é em pessoas com pele e cabelos
claros, pois tais biotipos necessitam de menos energia para a produção de reações
perceptíveis na pele. O DEM é uma grandeza que representa a quantidade de
energia efetiva, expressa em Joules/cm2, necessária para a produção da primeira
reação eritematógena que seja perceptível (a olho nu) por um especialista. Esse
valor é definido considerando a pele sem proteção. No quadro 2 apresenta-se a
classificação dos tipos de pele, as reações quando expostas a radiação UV e o DEM.

Tabela 2: Tipos de pele e sensibilidade à radiação UV

TIPO COR REAÇÕES DA PELE DEM


(J/cm2)
Pele Olhos Cabelo
I. Branca Azuis ou Loiro ou Nunca se bronzeiam, mas 20-30
(alva) verdes ruivo sempre se queimam; a pele
sempre descasca.
II. Branca Claros ou Loiro ou Queimam-se com facilidade 25-35
castanhos ruivo e bronzeiam-se muito
claros pouco; a pele também
descasca.
III. Branca Castanhos Loiro escuro Queima-se moderadamente 30-50
(caucasia- claros ou castanho e apresenta bronzeamento
no) médio.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
430

TIPO COR REAÇÕES DA PELE DEM


(J/cm2)
Pele Olhos Cabelo
IV. Morena Castanhos Castanho Queima-se pouco, 45-50
(moderada) escuros escuro bronzeia-se com facilidade
e acima da média em cada
exposição.
V. Mulata Castanhos Castanho Raramente se queima, 60-100
(morena escuros ou escuro ou bronzeia-se fácil e
escura) negros negro substancialmente.
VI. Negra Negros Negro Nunca queima e se bronzeia 100-200
abundantemente.
Fonte: Santos (2010, p. 49).

3.7 Índice ultravioleta: um parâmetro para os efeitos na pele


Tendo em vista os vários casos de câncer de pele e as pesquisas relativas à sua
relação com a UV, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu, junta-
mente com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), a Or-
ganização Meteorológica Mundial (OMM), a Comissão Internacional de Proteção
às Radiações Não-Ionizantes (IC-NIRP), um projeto para alertar a população com
relação à proteção da UV. O projeto resultou na definição do Índice Ultravioleta
(IUV), uma escala de números inteiros que associa os níveis de UV com os efeitos
biológicos nos seres humanos (OLIVEIRA, 2013). Ele representa o valor de máxi-
ma intensidade diária de UV referente ao horário do meio-dia sem cobertura de
nuvens. A OMS define as seguintes categorias: alto (IUV 2); moderado (IUV de 3
a 5); alto (IUV de 6 a 7); muito alto (IUV de 8 a 10); extremo (IUV 11).
Quando o índice ultravioleta é baixo, não há necessidade de precaução na
exposição solar. No caso das categorias moderado e alto, é necessário precaução
e utilização de proteção para atenuar a absorção da UV. Quando o IUV é muito
alto ou extremo, o sol deve ser evitado, especialmente no horário do meio-dia. O
IUV depende de vários fatores, como concentração do ozônio, altitude, hora do
dia, estação do ano, condições atmosféricas, tipo de superfície e posição geográ-
fica da localidade. A incidência de radiação solar não é constante, nem temporal,
nem localmente, sendo afetada por fatores geográficos, temporais e metereológi-
cos. São citados por Okuno e Vilela (2005) alguns fatores: hora do dia – a maior
parte da radiação solar atinge a terra entre 11 e 13 horas; estação do ano, latitude
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
431

geográfica – o fluxo de UV diminui com o afastamento do Equador; altitude – o


fluxo de UV aumenta em torno de 6% a cada km de aumento de altitude; pre-
sença de nuvens – reduz pouco a UV e muito a radiação infravermelho, reflexão
da superfície, camada de ozônio (apud OLIVEIRA, 2013).
A posição geográfica do Brasil não é muito diferente da Austrália, conforme
episódio histórico que resultou em vários casos de câncer de pele. Ambos ficam
no Hemisfério Sul e têm condições climáticas similares. Por estarem localizados
nos trópicos, possuem regiões com altos índices de radiação ultravioleta. Para
atenuar a absorção da radiação UV pela pele, podem ser utilizados mecanismos
de proteção, como roupas e guarda-sóis de cores e tecidos adequados, assim
como óculos e chapéus, que também são bons instrumentos físicos de proteção.
Os protetores solares, que, em alguns países, são considerados medicamentos,
são importantes aliados para atenuar a absorção da radiação UV, conforme tra-
taremos na próxima seção.

3.8 Composição do protetor solar químico e físico


Um aspecto importante do protetor solar é o Fator de Proteção Solar (FPS).
O grau de proteção depende de sua composição química, da capacidade de seus
componentes de absorver ou transmitir a radiação solar e das interações com os
demais ingredientes que compõe o protetor.
Para Balogh et al. (2011), os filtros dos protetores solares são moléculas ou
complexos moleculares químicos que podem absorver, refletir ou dispersar a
radiação ultravioleta, seja UVA ou UVB. Se utilizados corretamente e de acordo
com o FPS, podem bloquear e reduzir de forma considerável o risco de queima-
duras e mutações no DNA das células epiteliais. No entanto, Balogh et al. (2011)
mencionam a controvérsia da proteção solar exacerbada frente à necessidade de
síntese de Vitamina D (calciferol). Tal síntese é realizada na presença dos raios
UVB, que tem sua absorção reduzida quando da utilização de protetor solar.
Estes pesquisadores afirmam que existem poucos estudos relacionados ao papel
da vitamina D, exposição solar e câncer de pele. Dessa forma, não temos clareza
quanto à quantidade ideal de exposição solar para a produção de vitamina D e
que não proporcione o aumento do risco de câncer de pele.
A definição de protetor solar está associada à prevenção do envelhecimento
cutâneo, pois o processo de envelhecimento da pele relaciona-se à formação dos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
432

radicais livres, espécies altamente reativas, “a partir das moléculas ou dos átomos
na pele, devido à sua interação com luz ultravioleta (UV), quanto a reações quí-
micas em que as moléculas de oxigênio ganham elétrons e se tornam reativas”
(GUTERRES et. al., 2012, p. 76). Os fotoprotetores representam uma estratégia
imprescindível à proteção cutânea. Podem ser orgânicos e inorgânicos, absor-
vendo ou refletindo a radiação UV, antes que ela penetre na pele, desencadeando
as reações de formação dos radicais livres. Esses agentes podem ter ação física
ou química, sendo denominados bloqueadores físicos e químicos, atenuando o
efeito da UV. Sua qualidade depende de seu FPS e de suas propriedades físico-
-químicas (formação de uma película ideal sobre a pele, estabilidade, baixa hi-
drossolubilidade e hipoalergenicidade).
Os bloqueadores físicos são substâncias opacas que refletem e dispersam a
radiação solar incidentes no corpo humano, formam uma barreira física às ra-
diações (UVA, UVB, infravermelho e radiações visíveis), constituindo-se em um
filtro protetor na pele. Os compostos inorgânicos mais utilizados são dióxido de
titânio, óxido de zinco, óxido de magnésio, caulim e óxido de ferro. De acordo
com Tofetti e Oliveira (2006, p. 62), “os produtos que refletem a radiação UVB
e, em menor grau, a radiação UVA, por meio de filme de partículas metálicas
inertes, são usualmente à base de óxido de zinco ou dióxido de titânio, em veí-
culo apropriado”.
Já os bloqueadores químicos absorvem radiação ultravioleta (UV) e pos-
suem estrutura química não saturada. As principais substâncias utilizadas são
PABA (ácido para-aminobenzóico), cinamatos, benzofenos, salicilatos e antitra-
linatos. Atualmente, devido ao potencial de toxicidade e a produção de reações
alérgicas, os PABAs estão sendo substituídos por derivados do ácido cinâmico e
pela benzofenona e seus derivados.
O desempenho de um protetor solar depende da concentração do filtro
solar e de sua capacidade de permanecer na pele. Aumentando a concentração
de filtro solar, consequentemente, aumentará o FPS. De acordo com Draelos
(1991), fatores como calor, vento, umidade, perspiração e espessura da
aplicação do filme do produto sobre a pele influenciam no desempenho do
protetor solar.
As três substâncias que fazem parte da composição química dos protetores
solares e que estão associadas a alguma polêmica são PABA, Oxibenzona e
Retinil Palmitato. Por meio da leitura do rótulo de qualquer protetor solar,
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
433

com certeza, se encontra, pelo menos, uma dessas substâncias. É importante


apresentar informações sobre cada uma delas, já que tornam questionável o seu
uso devido à toxicidade e às reações indesejáveis que podem ocasionar.
A primeira delas é a oxibenzona, também conhecida como benzofenona-3.
É um dos componentes mais comuns em protetores, e sua função primária é
absorver a luz ultravioleta. Essa substância foi banida em alguns países, como a
Suécia, tendo em vista características que podem ocasionar disfunção hormonal
e efeitos cardiovasculares em doses moderadas.
Outra substância considerada perigosa é o retinil palmitato, encontrado na
composição de alguns protetores. Dados disponíveis a partir de um estudo da
Food and Drug Administration (FDA) indicam que o retinil palmitato, quando
aplicado à pele na presença de luz solar, pode acelerar o desenvolvimento de
tumores e lesões. Estudos realizados pela FDA, in vitro, apontam resultados po-
sitivos para mutação tanto em células de mamíferos quanto de não mamíferos.
O PABA, considerado vilão, está na lista das substâncias proibidas pelo go-
verno canadense, pois pode ser absorvido pela pele, causar dermatite de contato
e fotossensibilidade. Além disso, pode gerar radicais livres e danificar o DNA das
células, aumentando o risco de cancro e, consequentemente, câncer.
Outras substâncias – ensulizole (PBI), octinoxate (etilhexil, metoxicina-
mato), avobezone, padimato-O (derivado do PABA), octocrilene, homosalate
e sulisobenzona – também merecem mais atenção, pois estudos indicam que
algumas podem produzir espécies reativas de oxigênio que causariam muta-
ções e morte celular, além de algumas delas estarem ligadas a disfunções hor-
monais e alergias.
Os parabenos (metil, propil, butil e benzil parabeno) são conservantes
usados em cosméticos para prevenir a proliferação de micro-organismos, au-
mentando a estabilidade e a vida útil do produto. Eles também são encontrados
em maquiagens, hidratantes, produtos para cabelos e para barbear. Há indícios
de que os parabenos aumentariam a predisposição ao câncer de mama, pela
ação semelhante a um estrógeno. Mesmo que as concentrações utilizadas sejam
muito pequenas (geralmente de 0,01 a 0,3%, enquanto o nível de segurança é
de 25%), é necessária atenção, tendo cuidado e evitando seu uso, uma vez que
sua presença em vários cosméticos e produtos de higiene pessoal. Ainda é im-
portante não confundir PABA com parabeno; são substâncias distintas e com
ações diferenciadas.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
434

Longe de qualquer polêmica, é importante que o consumidor conheça as


substâncias que utiliza e procure verificar a veracidade das informações. Essencial
é o hábito da leitura de rótulos e também a possibilidade de escolha. Atualmente,
existem protetores solares no mercado sem o PABA, os PABA-free.

4 DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES PARA A


FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Alguns dos tópicos do texto didático apresentado neste capítulo foram uti-
lizados na disciplina de Pesquisa e Processos Educativos III do curso de Licen-
ciatura em Física do Instituto Federal Catarinense (IFC), em 2018. A atividade
teve como objetivo geral construir conhecimentos pedagógicos acerca de temas
a serem tratados no Ensino Médio, bem como entender as relações da Física
com outras áreas.
Para o tópico da ementa “Radiações ionizantes e não ionizantes e suas in-
terações com os seres vivos”, foi estudada a metodologia de Ilhotas Interdisci-
plinares de Racionalidade (IIR), com o objetivo de o licenciando “Vivenciar a
elaboração coletiva e execução de um projeto interdisciplinar envolvendo o tema
radiações.” Foram destinadas cinco semanas para o desenvolvimento de IIR. Ini-
cialmente, foram apresentados os propósitos da Alfabetização Científica e Técnica
(FOUREZ, 1997) e as etapas de uma IIR (FOUREZ, 1997; PIETROCOLA et al.,
2000). Em seguida, foi elaborada uma IIR sobre o câncer de pele, para a qual a
professora trouxe subsídios do texto didático apresentado neste capítulo. A IIR
foi elaborada em conjunto, envolvendo os acadêmicos e a professora, inspirada
em trabalhos (BETTANIN, 2003; PIETROCOLA et al., 2003) que relatam o de-
senvolvimento de IIR.
Inicialmente foi apresentado aos acadêmicos o problema (câncer de pele),
e eles tiveram a possibilidade de dizer tudo o que entendiam estar envolvido
com o tema. Em seguida, foi construído o projeto e definido o produto, as
pesquisas que seriam realizadas, os especialistas que seriam consultados, os
conhecimentos que estariam envolvidos nos estudos, o público-alvo ao qual
se destinava o produto. Também foi elaborado um cronograma, e selecionados
os responsáveis pelo desenvolvimento de cada uma das atividades previstas no
projeto interdisciplinar.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
435

O produto definido pelo grupo foi um banner, pensado como um material


de divulgação científica a ser exposto nas escolas, sem compromisso de utilização
em uma sala de aula para atividade específica. Assim, o público-alvo foram os es-
tudantes das escolas nas quais alguns dos acadêmicos atuavam como professores.
O banner foi elaborado coletivamente, utilizando a contribuição das pesquisas
da turma. Com o objetivo de ser exposto em escolas, o material deveria ter uma
linguagem simples, visando informar e fazer com que os leitores refletissem so-
bre o assunto. Com o título “Informações importantes sobre a exposição solar”,
o material foi organizado com quatro subtítulos: 1º) “Radiação Ulltravioleta e a
Pele Humana”, que explica os riscos da exposição aos diferentes tipos de radiação
ultravioleta, a sensibilidade dos diferentes tipos de pele e a função protetitva ao
DNA da melanina; 2º) “Proteção Solar e índice UV”, que informa sobre a pro-
teção solar com o uso de “guarda-sol, bonés, roupas adequadas”, explica sobre o
fator de proteção solar, horários de exposição, além de informar sobre o índice
ultravioleta; 3º) “Incidência Solar e Problema de Pele em Santa Catarina”, o qual
fala da localização geográfica do estado e da espessura da camada de ozônio no
outono e primavera, alerta para a “necessidade de proteção da pele mesmo em
épocas que aparentam ter uma quantidade menor de radiação” e menciona ainda
que “Santa Catarina é o estado com maiores índices de ocorrência de câncer de
pele em relação a outras regiões do Brasil”; 4º) “Sol e Vitamina D”, apresentado
para chamar atenção sobre a necessidade de tomar sol, “pois a radiação também
interfere na produção de vitamina D pelo nosso corpo”.
A importância do desenvolvimento de um projeto interdisciplinar pelos
licenciandos foi a participação no processo em si, que, segundo Fourez (1997), é
a condição para que quando formados consigam realizar projetos interdiscipli-
nares com seus alunos. O produto elaborado demonstrou que o texto didático
é um material com potencial formativo, tanto no desenvolvimento de conhe-
cimentos sobre o câncer de pele quanto na operacionalização de metodologias
interdisciplinares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Focalizar temas a partir dos fenômenos e não a partir das teorias científicas
pode ser um caminho interessante para implementar atividades interdisciplinares
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
436

na Educação Básica. Em particular, a divulgação científica pode ser uma fonte


importante de temas e fenômenos com características diversas, interessantes,
contextualizadas e interdisciplinares. Contudo, é fundamental compreender que
materiais de divulgação científica não têm como objetivo precípuo o ensino, e
por isso é necessário que se faça uma transposição para transformar o texto de
divulgação num instrumento didático.
Para tanto, é imprescindível que a formação docente se preocupe com o de-
senvolvimento de conhecimentos profissionais para a implementação de aborda-
gens e metodologias interdisciplinares. Parece-nos de fundamental importância a
criação de espaços formativos que proporcionem uma vivência verdadeiramen-
te interdisciplinar aos licenciandos e professores em exercício. O texto didático
construído demonstra, em um caso concreto, a necessidade de articulação de
saberes para compreender um fenômeno de natureza interdisciplinar.

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dez. 2006.
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
439

SOBRE OS ORGANIZADORES DA COLEÇÃO


ENSINO DE CIÊNCIAS

Roque Ismael da Costa Güllich


Licenciado em Ciências Biológicas, Especialista em Educação Ambiental,
Mestre e Doutor em Educação nas Ciências. Professor do Ensino Superior na
área de Didática e Prática de Ensino em Ciências e Biologia desde 2001. Profes-
sor efetivo da rede federal de educação superior desde 2008, trabalhando com a
formação de professores, práticas de ensino e estágio supervisionado em Ciên-
cias e Biologia. Coordenou Curso de Graduação, Projetos de Extensão, Progra-
mas de Ensino e Extensão como Ciclos formativos em Ensino de Ciências, PI-
BID Ciências e Biologia e PETCiências, dos quais teve bolsa e financiamentos
da CAPES, SISFOR, FNDE, FAPERGS, CNPQ e UFFS. Atualmente é Professor
da Universidade Federal da Fronteira Sul, Pesquisador Líder do Grupo de Es-
tudos e Pesquisa em Ensino de Ciências e Matemática – GEPECIEM, Tutor do
PETCiências – Bolsista FNDE – MEC/SESU. . Editor chefe da Revista Insignare
Scientia, Diretor Científico da Coleção Ensino de Ciências da Editora APPRIS.
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC)
da UFFS – Campus Cerro Largo.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9570948289140345

Rosangela Inês Matos Uhmann


Licenciatura em Ciências, Habilitação Química pela Universidade Regio-
nal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), em 2003, Mestrado
(2011) e Doutorado em Educação nas Ciências pela UNIJUÍ (2015). Atualmente é
professora de Práticas de Ensino e Estágio Curricular Supervisionado da Univer-
sidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) desde 2012. Tem experiência no Ensino
de Química, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação Ambiental;
Experimentação no Ensino de Ciências; Avaliação Educacional; Formação de
Professores, Aprendizagem Química, Políticas Educacionais e Currículo. Coor-
denou o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID/CA-
PES), Subprojeto Química até 2018. Atualmente é Coordenadora do núcleo PIBID
Biologia, professora e Coordenadora Adjunta do Programa de Pós-Graduação
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
440

em Ensino de Ciências (PPGEC), Coordenadora de Seção da Revista Insignare


Scientia (RIS) e Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ciên-
cias e Matemática – GEPECIEM, na UFFS, Cerro Largo-RS.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4842408797839388

Rosemar Ayres dos Santos


Licenciada em Física pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
Mestre e Doutora em Educação na linha de pesquisa Práticas Escolares e Políticas
Públicas pela UFSM. Atualmente é Professora da Universidade Federal da Fron-
teira Sul (UFFS). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ciências e
Matemática (GEPECIEM) e Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas
Educacionais e Práticas Pedagógicas (GEPPEPPE), vinculados à UFFS. Atua na
área de Ensino de Ciências/Física, com ênfase em Currículo, Abordagem Temá-
tica, Movimento CTS, PLACTS, Formação de Professores e Práticas Pedagógicas.
É bolsista CAPES do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência,
coordenando o subprojeto PIBID Física. Em pesquisas desenvolvidas teve bol-
sas e financiamento da FAPERGS, CNPQ e UFFS. É editora da área de Ensino
de Física da Revista Insignare Scientia (RIS).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0438370356373868
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
441

SOBRE OS ORGANIZADORES DO VOLUME 1

Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva


Docente da Universidade Federal do Pará (UFPA), Faculdade de Ciências
Biológicas. Doutor em Ensino de Ciências pelo Programa em Ensino de Ciências
e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutora-
mento Sanduíche (Bolsa CAPES) na Universidade do Minho – Portugal (Insti-
tuto de Educação – Centro de Investigação de Saúde da Criança (CIEC). Mestre
em Educação, linha de pesquisa: o professor e suas práticas educativas (UNIN-
COR-MG). Licenciatura Plena em Biologia (UNIFEMM/ UNIFOR – MG) e em
Pedagogia (ISEED/MG). Atuou como coordenador do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Faculdade de Ciências Biológicas
da UFPA – Campus Altamira. Áreas de concentração de pesquisas: formação de
professores de Ciências e Biologia, materiais didáticos, metodologia de Ensino de
Ciências e Biologia, Educação em Saúde Escolar, Educação em Saúde e Diabetes.
Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Ambientais (PROFCIAMB). É membro do grupo de pesquisa GEMPEA (UEL)
e Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Educação na Amazônia (GEPSEA)
da UFPA/ Campus Altamira.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2020211060475648

Tiago Venturi
Docente do Departamento de Educação, Ensino e Ciências da Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Doutor e Mestre em Educação Científica e Tecno-
lógica pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica
(PPGECT), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoramento
Sanduíche (Bolsa CAPES) na Universidade do Minho – Portugal, no Instituto
de Educação – Centro de Investigação de Saúde da Criança (CIEC). Bacharel e
Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade para o Desenvolvimento
do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI). Pesquisas e interesses em Educação em Saú-
de, Alfabetização Científica e Tecnológica, Ilhotas Interdisciplinares de Racio-
nalidade, Didática das Ciências, Formação de Professores, Prática Pedagógica,
Conhecimentos Profissionais Docentes e Educação Científica. É membro dos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
442

grupos de pesquisa JANO (UFPR) e CASULO (UFSC) e docente do Programa


de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática e Tecnolo-
gias Educativas – PPGECEMTE/UFPR.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8085615025613066

SOBRE OS AUTORES

Ademir de Sousa Pereira


Doutor em Educação em Ciências. Docente na Faculdade de Ciências Exa-
tas e Tecnologia (FACET), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9540322627481045

Adriana Marcela Monroy Garzón


Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mes-
tra em Enfermagem pela Universidade de la Sabana na Colômbia. Graduada
em Enfermagem. Professora na Faculdade de Enfermagem da Universidade El
Bosque na Colômbia.
Currículo: https://scienti.minciencias.gov.co/cvlac/visualizador/generar-
CurriculoCv.do?cod_rh=0001491842

Adriana Mohr
Doutora em Educação. Professora Titular da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Departamento de Metodologia de Ensino. Programa de Pós-
-Graduação em Educação Científica e Tecnológica. Líder do Grupo de Pesquisa
“Casulo: pesquisa e educação em Ciências e em Biologia”.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3231406048465358

Amanda Alves de Oliveira


Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (UNESP). Técnica de laboratório do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Botucatu.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3097512000601349
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
443

Ana Carolina Biscalquini Talamoni


Doutora e Mestra em Educação para a Ciência pela Faculdade de Ciências
da UNESP Bauru. Pós-doutora em Ensino de Ciências. Psicóloga e pedagoga.
Nas pesquisas realizadas, busca fazer a interface entre a Psicologia, a Pedagogia
e o Ensino de Biologia. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Inter-
disciplinares em Biologia e Educação (GEPIBE). Vice-coordenadora do Grupo
de Pesquisa GEPEASA/CNPq. Autora dos livros “No anfiteatro de Anatomia: a
morte e o cadáver” (Cultura Acadêmica, 2012) e “Os nervos e ossos do oficio:
uma análise etnológica da aula de anatomia” (Editora Unesp, 2015). Professora
Assistente Doutora do Instituto de Biociências do Campus do Litoral Paulista,
UNESP, São Vicente. Docente credenciada no PPG em Educação para a Ciência
da Faculdade de Ciências da UNESP, Bauru. Tutora do Programa de Educação
Tutorial da UNESP, grupo PET Litoral.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4487235425259358

Andréia Cristina Bronzatto


Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4892981856898700

Andréia de Freitas Zômpero


Doutora e Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Lon-
drina. Graduada em Ciências Biológicas. Realizou parte de seu Pós-Doutorado na
Universidade do Minho em Portugal. Professora Adjunta do departamento de Bio-
logia Geral da Universidade Estadual de Londrina e docente permanente do Pro-
grama de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da UEL.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2231621376375299

Andréia Merenciano
Graduada em Enfermagem pela Universidade Norte do Paraná (2009).
Atualmente é professora da Universidade Norte do Paraná. Tem experiência na
área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem do Trabalho
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8541694823710772
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
444

Ana Paula Dutra


Mestra em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ (2017). Licenciada em Ciências Bio-
lógicas pela Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro Largo, RS
(2014). Professora substituta na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6791838470866737

Angelisa Benetti Clebsch


Doutora em Educação Científica e Tecnológica pela UFSC (2018). Mestra em
Ensino de Física pela UFRGS (2004). Especialista (1996) e licenciada (1993) em
Física pela UNIJUÍ. Docente do Instituto Federal Catarinense – Campus Rio do
Sul, onde exerce atividades de docência em cursos de Licenciatura e cursos técni-
cos de nível médio. Realiza pesquisas sobre docência em Física e ensino de Física.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7011871290957566

Anelise Grünfeldt de Luca


Doutora em Educação em Ciências Química da Vida e Saúde (UFSM - FURG)
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2018). Mestra em Educação
e Cultura pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2002). Graduada em
Ciências Licenciatura de 1º Grau (1991) e Licenciatura Plena pela Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1994). Atualmente é pro-
fessora EBTT no Instituto Federal Catarinense (IFC) – Campus Araquari (SC).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9660221537454268

Antonio Sales
Doutor em Educação. Docente Sênior no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu
da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS). Professor da UNIDERP
nos cursos de Matemática, Medicina e Mestrado em Ensino de Ciência e Matemática.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4297904237292516

Bruna Larissa Ramalho Diniz


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência
da UNESP/Bauru. Mestra em Educação para a Ciência e a Matemática (PCM -
CCE - UEM). Fez parte do seu mestrado na Universidade de Alcalá de Henares,
na Espanha. Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
445

Maringá (UEM). Atuou como professora colaboradora na Universidade Estadual


do Norte do Paraná (UENP) nas áreas da Didática e Metodologia e Prática para
o Ensino de Ciências e como professora de Ciências e Biologia na Rede Básica
de Ensino do estado do Paraná. Interesse e linhas de pesquisa: Educação Sexual;
Ensino de Ciências e Biologia; Metodologia e Prática do Ensino de Ciências e
Biologia; Formação de Professores; Sexualidade e Gênero.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7322175272405162

Camila Ribeiro de Matozinhos


Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP). Especialista em Metodologia de Ensino de Biologia e Química pela
Faculdade FAVENI. Graduada em Ciências Biológicas (Licenciatura e Bachare-
lado) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Pro-
fessora do ensino fundamental e médio da Rede Estadual de Minas Gerais e da
Prefeitura de Contagem.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3083208149075536

Camila da Veiga Sambati


Mestra em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias
pela Universidade Pitágoras Unopar (2020). Graduada em Enfermagem pelo
Centro Universitário Filadélfia (2001). Atualmente é docente do Curso de En-
fermagem da Universidade Pitágoras UNOPAR.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7828286767601569

Carlos Eduardo Laburú


Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Mestre em Ensino
de Ciências pela Universidade de São Paulo. Bacharel e licenciado pelo Institu-
to de Física da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Associado C
do Departamento de Física da Universidade Estadual de Londrina e pertence
ao programa de Doutorado e Mestrado em Ensino de Ciências/UEL. Áreas de
pesquisa: problemas de ensino e aprendizagem relacionados à multimodalidade
representacional, assim como às atividades experimentais no ensino de ciências,
a relação teoria e evidência, a questão da medida, a formulação de hipóteses en-
tre outros temas relacionados.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7608531416003323
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
446

Carlos Henrique Dantas Cardozo


Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Educador Social na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPS-
JV-FIOCRUZ). Integra a pesquisa Inquérito COmVIDa, sobre o COVID-19 no
Instituto Nacional de Infectologia INI -FIOCRUZ Integra o Grupo de pesquisa
Cogitare NUTES-UFRJ sobre o tema Educação Popular em territórios de Favelas
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6662328454248578

Caroline Moraes Pereira


Acadêmica do Curso Ciências Biomédicas da Universidade Júlio de Mes-
quita Filho (UNESP). Integra a comissão organizadora dos seguintes projetos de
extensão universitária: Encontro Nacional de Biomedicina (ENBM), Meninas na
Ciência, ENACTUS Botucatu, Simpósio de Vegetarianismo e grupos de estudo
de Vegetarianismo e Plantas Medicinais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3187767080259696

Cibele de Moura Sales


Doutora em Ciências da Saúde pela UnB, com Pós-Doutorado em Educação
pela UFPB. Mestra em Saúde Coletiva pela UFMS. Graduada em Enfermagem
pela UFMS e em Psicologia pela Faculdade Anhanguera de Dourados. Professora
efetiva da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Docente Perma-
nente do Programa de Pós-Graduação Ensino em Saúde e coordenadora do Curso
de Pós-Graduação lato sensu Vivências Pedagógicas Ativas no Ensino Superior.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8201122827352544

Cleiton Lessmann
Doutorando e mestre no Programa de Pós-Graduação em Educação Cien-
tífica e Tecnológica da mesma universidade (PPGECT- UFSC). Graduado em
Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4784450251298573

Diana Ciannella Martins de Oliveira


Doutora em Educação em Ciências e Saúde pela UFRJ. Mestra em Ciências
Biológicas (modalidade Biofísica) pela UFRJ. Graduada em Ciências Biológicas
(Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
447

Servidora Técnica em Assuntos Educacionais do Instituto NUTES de Educação


em Ciências e Saúde (UFRJ).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8390182692045258

Eliane Gonçalves dos Santos


Doutora em Educação nas Ciências (UNIJUÍ), com período sanduíche na
Universidade do Minho em Braga, Portugal. Mestra em Ensino Científico e Tec-
nológico URI. Graduada em Ciências Biológicas (Licenciatura) pela Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). Professora Adjunta da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Cerro Largo e docente
permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7052372053643735

Erica do Espirito Santo Hermel


Doutora e Mestra em Ciências Biológicas: Neurociências pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em Ciências Biológicas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou parte de seu douto-
ramento na Universidad Miguel Hernandez, na Espanha. Professora Associada da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Cerro Largo. Docente per-
manente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC) da UFFS.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2259324544213176

Eva Teresinha de Oliveira Boff


Doutora em Ensino de Ciências pela UFRGS. Mestra em Ciências Bioló-
gicas-Bioquímica pela UFRGS. Graduada em Ciências – Habilitação Química
(Licenciatura) pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Gran-
de do Sul (UNIJUÍ). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação
nas Ciências/UNIJUÍ. Faz parte do Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre
Educação em Ciências (Gipec-Unijuí).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2030857590136290

Fabricio Barbieri
Acadêmico em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5491474469660595
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
448

Fernanda Frasson
Doutoranda em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universida-
de Estadual de Londrina (UEL). Bolsista CAPES. Mestra em Ensino de Ciências
e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Gra-
duada em Nutrição pelo Centro Universitário Filadélfia (Unifil). Graduada em
Ciências Biológicas (Licenciatura) pela Universidade Nove de Julho (Uninove).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0189590918960221

Frederico Firmo de Souza Cruz


Doutor em Física pela Universidade de São Paulo (1987). Mestre em Física
pela Universidade de São Paulo (1979). Bacharel em Física pela Universidade de
São Paulo (1976). Atualmente é professor associado I da Universidade Federal
de Santa Catarina. Tem experiência na área de Física, com ênfase em Teorias de
Muitos Corpos em sistemas bosônicos e fermionicos, atuando principalmente nos
seguintes temas: teoria de condensados bosônicos, métodos não perturbativos
de teoria de Campos aplicados a física de Condensados, movimentos coletivos,
método de coordenadas geradoras.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9454167759132243

Gisele Lopes de Oliveira


Mestra em Ensino, Filosofia e História das Ciências. Professora da Univer-
sidade do Estado da Bahia.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9018193468807389

Giulia Escuciato Schick


Graduada em Ciências Biomédicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (UNESP). Participou da organização do “Encontro Nacional
de Biomedicina” e do projeto “Meninas na Ciência”. Participou da Liga Acadê-
mica de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB).
Realizou o projeto de Iniciação Científica no Laboratório de Neuromorfologia
do Instituto de Biociências.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1325936505542857
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
449

Graça Simões de Carvalho


Doutora em Biologia (Universidade de Aveiro). Mestra em Educação e Pro-
moção da Saúde (King’s College London, UK). Licenciada em Biologia (Univer-
sidade de Coimbra), Mestre em Imunologia (Universidade de Cambridge, UK).
Professora Catedrática do Instituto de Educação da Universidade do Minho
– Braga, Portugal. Tem o título de Agregado na área de Educação para a Saúde
(Universidade do Minho). Investiga e promove formação pós-graduada em Edu-
cação e Promoção da saúde, com particular enfoque em meio escolar. Foi coor-
denadora do projeto Europeu sobre “Educação em Biologia, Saúde e Ambiente
para uma melhor Cidadania”.
Currículo: https://sites.google.com/site/gracascarvalhocv/

Guilherme Mulinari
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tec-
nológica (PPGECT) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre
em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT), pela UFSC. Graduado em
Ciências Biológicas pela UFSC (2015). Coordenador do Grupo de Estudos em
Educação em Saúde e Formação de Professores (GEFES) e membro do grupo
CASULO – Pesquisa e Educação em Ciências e Biologia, que, atualmente, de-
senvolve pesquisa sobre o papel das escolas e da docência no planejamento, de-
senvolvimento e avaliação do Programa Saúde na Escola (PSE), política pública
Intersetorial e interministerial implementada em escolas públicas brasileiras.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6750418036433301

Gustavo de Oliveira Figueiredo


Doutor e Mestre em Psicologia da Comunicação, pela Universitat Autò-
noma de Barcelona, Espanha. Mestre em Tecnologia Educacional para a Saúde,
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bacharel em Odontologia,
pela UFRJ. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador
no Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde, onde coordena o Labo-
ratório de Estudo das Ciências e lidera o grupo de pesquisa Cogitare – Estudos
em Política, Trabalho e Formação humana. Recentemente, concluiu o pós-dou-
torado em Estudos Culturais pela McMaster University, Canadá, onde atua como
professor visitante desde 2019.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2774615732286626
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
450

Gregory Alves Dionor


Doutorando e Mestre em Ensino, Filosofia e História das Ciências (PPGE-
FHC – UFBA/UEFS). Especialista em Docência no Ensino de Ciências Biológi-
cas (UniBF) e em Metodologias Ativas e Prática Docente (UniBF). Licenciado
em Ciências Biológicas (UNEB/DEDC-X). Atualmente, é Professor substituto
do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado da
Bahia – Campus X/DEDC. No curso em que leciona, também é coordenador/
orientador voluntário do Programa de Residência Pedagógica no subprojeto
vinculado, e coordena o GEPECED - Grupo de Estudos e Pesquisas em Ciên-
cia, Ensino e Diversidade. Desenvolve pesquisas acerca de Ensino de Ciências e
Biologia, Educação CTSA e Epistemologia da Ciência; também tendo interesse
por temas como Metodologia do Trabalho Científico, Educação e Diversidades,
e Educação em Saúde.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8896216055217460

Hiraldo Serra
Doutor (2005) e Mestre (2003) em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Uni-
versidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Licenciado em:
Ciências, pela Faculdade de Educação Ciências e Letras de Moji Mirim (1986);
Matemática, pelas Faculdades Integradas Maria Imaculada (1995); Física, pela
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Guaxupé (1997). Realizou estágio
de pós-doutoramento no Instituto de Física, Departamento de Física Geral da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) em Salvador (BA), com Modelagem de
Sistemas Biológicos e Biomédicos por Equações Diferenciais. Atualmente, é pro-
fessor adjunto da Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3238771623742678

Isabela Inforzato Guermandi


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação de Biologia Geral e Aplica-
da da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu. Mestra em Ciências
Biológicas (Zoologia) pela UNESP, Botucatu. Graduada em Ciências Biológicas
pela UNESP). Membro do grupo de pesquisa Fisiologia Aplicada e Comporta-
mento Animal.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1111091714345145
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
451

Juan de Nicolai
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Botâ-
nica) pela UNESP-Botucatu. Mestre e Graduado em Ciências Biológicas (Botâni-
ca) pela UNESP. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em anatomia
vegetal e estruturas secretoras.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1444054925741477

Judith Bustamante Bautista


Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde (Instituto Nutes/UFRJ).
Mestra em Educação em Ciências e Saúde pelo Instituto Nutes, Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada em Enfermagem (Licenciatura e
Bacharelado) pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9298528766053888

Julio Cesar Bresolin Marinho


Doutor e Mestre em Educação em Ciências pelo Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúda da Universidade Federal
do Rio Grande (FURG). Realizou parte de seu doutoramento na Universidade
de Cabo Verde (UniCV). Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade
Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus São Gabriel. Professor Adjunto da
UNIPAMPA, Campus São Gabriel e docente colaborador do Programa de Pós-
-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúda da Universi-
dade Federal de Santa Maria (UFSM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7724745358129837

Juranir Badaró Alves


Pós-graduado em Ciência, Arte e Cultura na Saúde (Instituto Oswaldo Cruz/
Fiocruz). Formado em Comunicação Social pelo Centro Universitário Augusto
Motta (2011). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Co-
municação. É servidor da Secretaria de Saúde do Município do Rio de Janeiro.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8541409466976610

Lais Freitas Lopes


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Animais Selvagens pela
Faculdade de Medicina Veterinária a Zootecnia-UNESP Botucatu. Mestra em
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
452

manejo de animais. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Esta-


dual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1725757006787211

Lais Yasmim Maranho


Acadêmica de Ciências Biomédicas pela Universidade Júlio de Mesquita
Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6244565357151927

Lauane Gonçalves de Araújo


Mestra em Clínica Médica, área de concentração Infectologia Clínica e
Molecular e Microbiologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Especialista em Microbiologia em Saúde Pública pelo Instituto Adolfo Lutz de
Sorocaba. Graduada em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências de Bo-
tucatu (IBB) da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7778362471294672

Liziane Martins
Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências, pela Universidade
Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana. Licenciada em
Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Jorge Amado. Pesquisadora e pro-
fessora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e da Universidade Federal
do Sul da Bahia (UFSB).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0875190888563790

Leonel Lusquinhos
Doutorando em Estudos da Criança pela Universidade do Minho. Licen-
ciado em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem de Santa Maria. É
Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica na Ad-
ministração Regional de Saúde do Norte IP – ACES Cávado I Braga, na Unidade
de Cuidados na Comunidade Assucena Lopes Teixeira.
Lattes: https://www.cienciavitae.pt/portal/8816-DD7C-47EA

Luciene Maura Mascarini Serra


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
453

Doutora em Saúde Coletiva (2004) e Mestra em Parasitologia (1995) pela


Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Realizou estágio de pós-doutora-
mento no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
no ano de 2008. Graduada em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (PUC-Minas), em 1985. Atualmente é professor assistente
doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), no
Departamento de Parasitologia, Instituto de Biociências, Botucatu/SP. Trabalha
na área de Epidemiologia das Doenças Infecciosas e Parasitárias, com ênfase na
epidemiologia das parasitoses intestinais em diferentes populações humanas,
desenvolvendo projetos e cursos de Promoção em saúde, com ênfase em profi-
laxia de parasitoses.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5385706179871634

Luiza Côrtes
Graduada em Ciências Biológicas Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8163690560743154

Karina Andressa Cavalheiro Zimmermann


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da
UNIJUÍ. Bacharel em Enfermagem pela Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3552246412317629

Karine Rudek
Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS). Graduada em Ciências Biológicas (UFFS) e Pedagogia (UNINTER).
Professora Municipal na Educação Infantil e Professora do curso de Pedagogia
na Faculdade Santo Ângelo (FASA).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1133558869089826

Kênia Lara da Silva


Doutora em Enfermagem. Enfermeira. Professora da Escola de Enfermagem
da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Núcleo de Estudos
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
454

e Pesquisas sobre Ensino e Prática de Enfermagem (NUPEPE). Bolsista de Pro-


dutividade do CNPq.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2616665500018369

Maikel da Silva Ferreira Luiz


Especialista em Educação Científica pela Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul (UEMS). Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela Uni-
versidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7333755574547416

Marcelo de Oliveira Mendes


Mestre em Ensino pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino em Bio-
ciências e Saúde (Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz). ArteCientista. Especialista
Ciência, Arte e Cultura na Saúde (IOC/Fiocruz). Especialista em Promoção de
Espaços Saudáveis e Sustentáveis pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/
Fiocruz). Especialista Técnico em Informação e informática em Saúde (EPS-
JV/Fiocruz), com ênfase em Codificação Internacional de Doenças 10ª ver-
são (CID10). Licenciado em Artes Visuais pela Universidade do Grande Rio.
Atualmente é assistente técnico de gestão em saúde da Fundação Oswaldo Cruz.
Desenvolve atividades em Ensino, Pesquisa e Extensão em CienciArte no Labo-
ratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do Instituto Oswaldo
Cruz (LITEB/IOC/Fiocruz).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4276800184312895

Marco Antônio de Melo Franco


Doutor em Ciências da Saúde, com ênfase em Saúde da criança e do adoles-
cente (Faculdade de Medicina / UFMG-2009). Mestre em Educação (Faculdade
de Educação / UFMG-2002). Graduado em Pedagogia (Faculdade de Educação
/ UFMG-1998). Professor do Departamento de Educação e do Programa de Pós-
-Graduação em Educação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Uni-
versidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Coordenador do Núcleo de Estudos e
Pesquisa sobre Práticas na Alfabetização e na Inclusão em Educação (NEPPAI/
CNPQ). Membro do Observatório Internacional de Inclusão, Interculturalidade
e Inovação Pedagógica (OIIIIPe/CNPQ). Coordenador do OIIIIPe-UFOP. Mem-
bro do Nucleo de Estudos Sociedade, Família Escola (NESFE/CNPQ). Áreas de
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
455

interesse e experiência: Práticas educacionais/escolares e formação de professo-


res no campo da Inclusão em Educação, Educação especial (Educação básica) e
Alfabetização (anos iniciais).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0405381045544126

Maria Cristina Pansera de Araújo


Doutora (1997) e Mestra (1981) em Genética e Biologia Molecular pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em Ciências
Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professora
titular da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ) e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências
da UNIJUÍ. Sócia fundadora da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBE-
BIO). Coordenadora do Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação
em Ciências (GIPEC-UNIJUÍ). Editora gerente da Revista Contexto & Educação.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6707424118316750

Mariana Aparecida Bologna Soares de Andrade


Doutora (2011) e Mestra (2007) em Educação Para a Ciência e pela Universi-
dade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Atualmente é professora
adjunta da Universidade Estadual de Londrina (UEL), coordenadora do Progra-
ma de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática (PECEM/
UEL) pesquisadora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Tem expe-
riência na área de Educação, com ênfase em Ensino de Ciências e Matemática,
atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de biologia, epistemologia
da biologia, aprendizagem baseada em problemas, resolução de problemas.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0078830840463434

Mariana Barbosa de Pinho


Acadêmica do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, da Universidade
Federal do Sul da Bahia.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3007833411682374

Mariana Emy Haneda Ferrarini


Mestranda em Horticultura no Programa de Pós-Graduação em Agronomia
(Horticultura) da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA/Unesp). Também
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
456

cursa Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual de Campinas


(UNICAMP). Graduada em Ciências Biológicas Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0423895773463384

Marina Sanson Bellot


Mestra em Aquicultura pelo Centro de Aquicultura da UNESP (CAUNESP)
com projeto desenvolvido na área de bem-estar e comportamento social em pei-
xes. Graduada em Ciências Biológicas Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3355115515913771

Matheus Vitor
Mestrando em Ensino na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UT-
FPR). Especialista em Educação a Distância pela Faculdade Instituto de Educa-
ção Superior do Paraná (FAINSEP), em 2020. Graduado em Ciências Biológicas
pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), em 2016. Especialista em En-
sino de Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), em
2018. Atua no Ensino Superior, na área de análises e gestão dados censitários e
com estudos nos seguintes temas: Formação de Professores, Saúde, Sexualidade
e Políticas Públicas Educacionais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4142372771175649

Miriam Struchiner
Doutora e Mestra em Educação pela Boston University, USA. Graduada
em Desenho Industrial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Professora Titular e Coordenadora do Laboratório de Tecnologias Cognitivas do
Instituto NUTES da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Líder do Grupo de
Pesquisa do CNPq “Pesquisa e Desenvolvimento de Ambientes Construtivistas
de Aprendizagem Presenciais e a Distância com o uso de Tecnologias de Infor-
mação e Comunicação”.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4637203974207161

Newton Goulart Madeira


Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
457

Doutor em Parasitologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),


em 1991. Mestre em Parasitologia pela UFMG, em 1985. Graduado em Ciências
Biológicas pela UFMG. Professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho. Atua principalmente nos seguintes temas: dengue, health education,
education, pediculus capitis e aedes aegypti.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2573361275809992

Percilia Cardoso Giaquinto


Doutora (2000) e Mestra em Ciências Biológicas (Fisiologia e Compor-
tamento Animal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP). Bióloga. Docente em Comportamento Animal pelo Instituto de Bio-
ciências, UNESP, Botucatu. Tem experiência nas áreas de Fisiologia, Fisiologia
Comparada e Comportamento Animal.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5986784435727980

Plínio Nossa Santos


Acadêmico no Bacharelado interdisciplinar em Saúde pela Universidade
Federal do Sul da Bahia (UFSB), Campus Paulo Freire.Desenvolve pesquisas no
campo da Educação em Saúde e práticas integrativas e complementares da saúde.

Priscila Rezeck Nunes


Pesquisadora de Pós-Doutorado no Instituto de Biociências de Botucatu/
UNESP com financiamento da FAPESP. Doutora pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Tocoginecologia (grande área Ciências da Saúde) da Faculdade de
Medicina de Botucatu (FMB) – UMESP, com período sanduíche no Karolinska
Institutet, Suécia. Mestra em Ginecologia e Obstetrícia (grande área Ciências
da Saúde) pela Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) – UNESP. Graduada
em Ciências Biológicas (Licenciatura/Bacharelado) no Instituto de Biociências
– UMESP/Botucatu. Tem experiência na área de inflamação na relação mater-
no-fetal. Desenvolve atividades como coleta e processamento de tecido placen-
tário, cultura celular, ensaio imunoenzimático, Western Blot, PCR e citometria
de fluxo. Seus principais interesses são marcadores imunológicos, bioquímicos
e genéticos de disfunção endotelial e inflamação, assim como terapias farmaco-
lógicas na pré-eclâmpsia.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1431974680961025
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
458

Rogério Dias Renovato


Doutor em Educação pela UNICAMP. Professor Associado da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade de Dourados. Graduado em
Farmácia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). É docente do Curso
de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação Ensino em Saúde, Mestrado
Profissional da UEMS. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e
Saúde (GEPES).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2997348632653524

Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva


Doutor em Ensino de Ciências pelo Programa em Ensino de Ciências e
Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutora-
mento Sanduíche (Bolsa CAPES) na Universidade do Minho – Portugal (Insti-
tuto de Educação – Centro de Investigação de Saúde da Criança (CIEC). Mestre
em Educação, linha de pesquisa: o professor e suas práticas educativas (UNIN-
COR-MG). Licenciatura Plena em Biologia (UNIFEMM/ UNIFOR – MG) e em
Pedagogia (ISEED/MG). Atuou como coordenador do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Faculdade de Ciências Biológicas
da UFPA – Campus Altamira. Docente da Universidade Federal do Pará (UFPA),
Faculdade de Ciências Biológicas. Áreas de concentração de pesquisas: forma-
ção de professores de Ciências e Biologia, materiais didáticos, metodologia de
Ensino de Ciências e Biologia, Educação em Saúde Escolar, Educação em Saúde
e Diabetes. Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências Ambientais (PROFCIAMB). É membro do grupo de pesquisa GEM-
PEA (UEL) e Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Educação na Amazônia
(GEPSEA) da UFPA/ Campus Altamira.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2020211060475648

Sheila Soares de Assis


Doutora e Mestra em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino
em Biociências e Saúde (IOC/FIOCRUZ). Especialista em educação a distância.
Bacharel em Ciências Biológicas – ênfase em Biologia Marinha. Licenciada em
Ciências Biológicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem experiên-
cia nas seguintes áreas: formação de professores, formação permanente na área
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
459

da saúde, Ensino de Ciências e Biologia, educação em saúde, intersetorialidade,


doenças negligenciadas, divulgação científica e educação à distância.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7169855766420552

Simone Vilhalva Dering


Especialista em Gestão ambiental pelo Centro Universitário da Grande Dou-
rados (UNIGRAN), em 2002. Especialista em Educação Cientifica pela UEMS,
em 2018. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul (UEMS), em 2009. Professora efetiva da Secretaria de Estado de
Educação e Professora Efetiva de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal
de Nova Alvorada do Sul. Tem experiência na área de Biologia Geral.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2020211060475648

Tania Aparecida da Silva Klein


Doutora em Ensino de Ciências e Educação Matemática, pela Universida-
de Estadual de Londrina (UEL). Mestra em Genética. Graduada em Ciências
Biológicas. Professora Associada na área de Metodologia e Ensino de Ciências
Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3204312460365052

Tania Cremonini de Araujo-Jorge


Doutora e Mestra em Ciências (Biofísica) pela UFRJ. Fez Pós-Doutorado
em 1989-90 na Bélgica (ULB) e na França (Inserm). Formada em Medicina pela
UFRJ, em 1980. Pesquisadora Titular em Saúde Pública da Fundação Oswaldo
Cruz desde 1983. Atua nas áreas de inovações em doenças negligenciadas, far-
macologia aplicada e ensino de ciências, com foco em criatividade e no concei-
to interdisciplinar de CienciArte. Atualmente é diretora do centenário Instituto
Oswaldo Cruz (2021-2025). Atua no desenvolvimento de materiais educativos e
de tecnologias sociais articulando ciência, arte, saúde e alegria.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1782386890431709

Tatiane Cristina Possel Greter Schwingel


Doutora (2020) e Mestra (2017) em Educação nas Ciências pela Universida-
de Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Licenciada
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
460

em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em


2014, e em Pedagogia pelo Centro Universitário (UNINTER), em 2018.
Link: http://lattes.cnpq.br/9926472245643694

Teresa Vilaça
Professora Auxiliar do Instituto de Educação da Universidade do Minho,
Braga, Portugal. É orientadora dos programas de doutorado em Educação para o
Meio Ambiente e Sustentabilidade e Supervisão Pedagógica. Atuou como presi-
dente por nove anos da Comunidade de Pesquisa e Desenvolvimento “Educação
em Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade” da Associação para a Formação
de Professores na Europa (ATEE), coorganizadora da Rede 8.
Lattes: https://www.cienciavitae.pt/portal/9612-7A1A-004B

Tiago Venturi
Doutor e Mestre em Educação Científica e Tecnológica pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT), da Universi-
dade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoramento Sanduíche (Bolsa CA-
PES) na Universidade do Minho – Portugal, no Instituto de Educação – Centro
de Investigação de Saúde da Criança (CIEC). Bacharel e Licenciado em Ciên-
cias Biológicas pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Ita-
jaí (UNIDAVI). Docente do Departamento de Educação, Ensino e Ciências da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisas e interesses em Educação em
Saúde, Alfabetização Científica e Tecnológica, Ilhotas Interdisciplinares de Ra-
cionalidade, Didática das Ciências, Formação de Professores, Prática Pedagógi-
ca, Conhecimentos Profissionais Docentes e Educação Científica. É membro dos
grupos de pesquisa JANO (UFPR) e CASULO (UFSC) e docente do Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática e Tecnologias
Educativas – PPGECEMTE/UFPR.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8085615025613066

Vidica Bianchi
Doutora em Ecologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Mestra em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Licenciada em Ciências
Biológicas. Professora efetiva Adjunta Nível 2 da UNIJUÍ. Atua no Programa
Pesquisas, vivências e práticas de Educação em Saúde na Escola
461

de Pós-Graduação em Educação nas Ciências e no Programa de Pós-Graduação


em Sistemas Ambientais e Sustentabilidade da UNIJUÍ.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3979701002447139

Vivian Rahmeier Fietz


Doutora em Engenharia de Alimentos pela Universidade Estadual de Cam-
pinas (UNICAMP), em 2007. Mestra em Nutrição Humana Aplicada pela Univer-
sidade de São Paulo (USP), em 1998. Graduada em Nutrição pelo Instituto Meto-
dista de Educação e Cultura, em 1987. Professora aposentada pela Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Tem experiência na área de Nutrição,
com ênfase em Bioquímica da Nutrição, Fisiologia Humana e Dietoterapia. In-
serida como docente permanente sênior do programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Ensino em Saúde, Mestrado Profissional (PPGES), linha de Pesquisa:
Práticas Educativas em Saúde.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7417338374376762

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