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PATROLOGIA

CURSO DE LICENCIATURA EM TEOLOGIA – EAD


Patrologia — Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula.

Meu nome é Ronaldo Mazula, sou natural de Barre-


tos, interior de São Paulo. Sou missionário claretia-
no e, além dos estudos sacerdotais, cursei História
da Igreja na Pontifícia Universidade Gregoriana de
Roma, Itália. Lecionei História da Igreja no Studium
Theologicum de Curitiba-PR, durante muitos anos
e, também, em outros institutos. Sou assessor da
Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), regionais
de São Paulo e Paraná, e ministro cursos em vários
outros locais e países. Atualmente, sou pró-reitor
de Extensão, Ação Comunitária e Pastoral do Centro
Universitário Claretiano de Batatais, São Paulo, e co-
ordeno projetos comunitários nos Estados de Mato Grosso, Rondônia e também
em Moçambique.
Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula

PATROLOGIA

Plano de Ensino
Caderno de Referência de Conteúdo
Caderno de Atividades e Interatividades
© Ação Educacional Clareana, 2010 – Batatais (SP)
Trabalho realizado pelo Centro Universitário Clareano de Batatais (SP)

Curso: Bacharelado em Teologia


Disciplina: Patrologia
Versão: set./2010

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Administravo: Pe. Luiz Claudemir Bo!eon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Areres Estevão Romeiro


Coordenador do Curso de Bacharelado em Teologia: Prof. Ms. Pe. Vitor Pedro Calixto
dos Santos
Coordenador de Material Didáco Mediacional: J. Alves

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Preparação Revisão
Aletéia Patrícia de Figueiredo Felipe Aleixo
Aline de Fátima Guedes Isadora de Castro Penholato
Camila Maria Nardi Matos Maiara Andréa Alves
Cáa Aparecida Ribeiro Rodrigo Ferreira Daverni
Dandara Louise Vieira Matavelli Vanessa Vergani Machado
Elaine Aparecida de Lima Moraes
Elaine Cristina de Sousa Goulart
Josiane Marchiori Marns Projeto gráfico, diagramação e capa
Lidiane Maria Magalini Eduardo de Oliveira Azevedo
Luciana A. Mani Adami Joice Cristina Micai
Luciana dos Santos Sançana de Melo Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Luis Henrique de Souza Luis Antônio Guimarães Toloi
Luiz Fernando Trentin Raphael Fantacini de Oliveira
Patrícia Alves Veronez Montera Renato de Oliveira Violin
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Tamires Botta Murakami
Simone Rodrigues de Oliveira Wagner Segato dos Santos

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer
forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na
web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do
autor e da Ação Educacional Claretiana.

Centro Universitário Claretiano


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SUMÁRIO

PLANO DE ENSINO
1 APRESENTAÇÃO.................................................................................................. 7
2 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA........................................................................... 8
3 CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................................................................... 10
4 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ........................................................................................ 10
5 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................................................................ 11

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 13
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA ................................................ 14

UNIDADE 1 ! INTRODUÇÃO À PATROLOGIA


1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 37
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 37
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 38
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .................................................................................. 38
5 NOÇÕES GERAIS DE PATROLOGIA ...................................................................... 38
6 CRONOLOGIA ..................................................................................................... 43
7 DIVISÃO DA ERA PATRÍSTICA .............................................................................. 45
8 CONTEXTO E AMBIENTE DOS SANTOS PADRES .................................................. 46
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 48
10 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 49
11 E" REFERÊNCIA ................................................................................................... 49
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 49

UNIDADE 2 ! ESCRITOS PATRÍSTICOS DOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS


1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 51
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 51
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 52
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .................................................................................. 52
5 PADRES APOSTÓLICOS ...................................................................................... 53
6 APOLOGISTAS .................................................................................................... 64
7 APOLOGISTAS GREGOS....................................................................................... 66
8 APOLOGISTAS LATINOS....................................................................................... 70
9 ESCRITORES ECLESIÁSTICOS DOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS ............................ 72
10 ESCOLAS TEOLÓGICAS ........................................................................................ 77
11 ESCRITOS APÓCRIFOS ........................................................................................ 80
12 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 85
13 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 86
14 E REFERÊNCIA ................................................................................................... 86
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 86

UNIDADE 3  PADRES DO OCIDENTE E DO ORIENTE


1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 87
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 87
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 88
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .................................................................................. 89
5 PADRES DO OCIDENTE LATINO E DO ORIENTE GREGO ...................................... 89
6 ESCRITORES GREGOS.......................................................................................... 94
7 ESCRITORES LATINOS ......................................................................................... 102
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 112
9 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 112
10 E  REFERÊNCIA.................................................................................................. 113
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 113

UNIDADE 4  PATROLOGIA: HERESIAS CRISTÃS E TEMAS DOUTRINAIS CRISTÃOS


1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 115
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 115
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE ..................................................... 116
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .................................................................................. 116
5 SANTOS PADRES E HERESIAS .............................................................................. 116
6 SANTOS PADRES E TEMAS DOUTRINAIS E PASTORAIS ....................................... 123
7 SANTÍSSIMA TRINDADE E CRISTOLOGIA ............................................................ 125
8 PERSEGUIÇÕES E APOLOGIAS ............................................................................ 129
9 QUESTÃO SOCIAL ............................................................................................... 131
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 137
11 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 138
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 139
Plano de Ensino

1
PE

1. APRESENTAÇÃO
Seja bem-vindo ao estudo da disciplina Patrologia, disponi-
bilizada para você em ambiente virtual (Educação a Distância).
Como você poderá observar, nesta parte, denominada Ca-
derno de referência de conteúdo, encontraremos o conteúdo bási-
co das quatro unidades em que se divide a presente disciplina.
O estudo que ora se inicia irá levá-lo ao conhecimento das
noções preliminares sobre a história da literatura cristã referente
aos escritos da antiguidade cristã que nos chegaram por meio dos
escritos dos santos padres e outros escritores.
Iniciaremos estudando as noções gerais de Patrologia, bem
como sua definição, sua cronologia, sua divisão e ainda o ambien-
te sócio-político em que viveram os santos padres.
Na segunda unidade, identificaremos os padres apostólicos,
os apologistas, os escritores eclesiásticos e conheceremos, tam-
bém, as escolas teológicas.
8 © Patrologia

Já na terceira unidade, analisaremos a diferença entre os pa-


dres do Ocidente latino e padres do Oriente grego. Conheceremos,
ainda, o cristianismo no Império Romano cristão, que conquistan-
do a liberdade de culto após o Edito de Milão, em 313, iniciará fase
de grande expansão.
Finalmente, na quarta e última unidade, estudaremos os
santos padres e as heresias, além de conhecer a visão dos mesmos
sobre alguns temas doutrinais como: Fé Cristã, Santíssima Trinda-
de e Cristologia, Catequese, Perseguições e Apologias, Questão
Social etc.
Lembre-se de que faz parte da evolução da vida eclesial, a
produção de uma literatura vasta e ampla. Estudar a Patrologia
coloca-nos em contato com obras produzidas em várias regiões do
Ocidente e do Oriente em um período que se situa do século 1º ao
século 8º; obras escritas por uma gama imensa de autores com os
mais variados temas teológicos e gêneros literários.
Acima de tudo, é importante perceber que a Patrologia nos
coloca em contato com os belos, instigantes e profundos ensina-
mentos do cristianismo primitivo, produzidos sob a luz do Espírito
Santo. São escritos que nos oferecem elementos para nossa vida
cristã atual e orientações para nossa caminhada eclesial.
Bom estudo!

2. DADOS GERAIS DA DISCIPLINA

Ementa
Noções gerais de Patrologia e Patrística; padres apostólicos,
apologistas, escritores eclesiásticos e padres da Igreja; as escolas
teológicas: escolas de Alexandria, Antioquia e Cesaréia; a literatura
cristã latina e a grega; santos padres e heresias (arianismo, apolina-
rismo, nestorianismo, monofisismo, pelagianismo e donatismo).

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© Plano de Ensino 9

Objetivo geral
Os alunos da disciplina de Patrologia do curso de Teologia,
na modalidade EAD do Claretiano, dado o Sistema Gerenciador de
Aprendizagem e suas ferramentas, serão capazes de reconhecer a
História da Igreja nos períodos Moderno e Contemporâneo e os
principais aspectos históricos desses momentos.
Com esse intuito, os alunos contarão com recursos técnico-
pedagógicos facilitadores de aprendizagem, como material didá-
tico mediacional, bibliotecas físicas e virtuais, ambiente virtual,
acompanhamento do tutor complementado por debates no Fó-
rum e na Lista.
Ao final desta disciplina, de acordo com a proposta orientada
pelo tutor, os alunos terão condições de interagir com argumentos
contundentes, além de dissertar com comparações e demonstra-
ções sobre o tema estudado nesta disciplina, elaborar um resumo,
ou uma síntese, entre outras atividades. Para esse fim, levarão em
consideração as ideias debatidas na Sala de Aula Virtual, por meio
de suas ferramentas, bem como o que produziram durante o es-
tudo.

Competências, habilidades e atitudes


Ao final deste estudo, os alunos do curso de Bacharelado em
Teologia contarão com uma sólida base teórica para fundamen-
tar, criticamente, sua prática profissional. Adquirirão não somente
as habilidades necessárias para cumprir seu papel nesta área do
saber, mas também estarão capacitados para agir com ética e res-
ponsabilidade social, contribuindo, assim, para a formação inte-
gral do ser humano.

Modalidade
( ) Presencial ( X ) A distância
10 © Patrologia

Duração e carga horária


A carga horária da disciplina Patrologia é de 60 horas. O
conteúdo programático para o estudo das quatro unidades que a
compõem está desenvolvido no Caderno de Referência de Conte-
údo, anexo a este Plano de Ensino, e os exercícios propostos cons-
tam no Caderno de Atividades e Interatividades.

É importante que você releia no Guia Acadêmico do seu curso as


informações referentes à Metodologia e à Forma de Avaliação
da disciplina Patrologia, descritas pelo tutor na ferramenta “crono-
grama” na Sala de Aula Virtual – SAV.

3. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Neste Plano de ensino você encontrou as orientações e infor-
mações práticas necessárias para o estudo da disciplina Patrologia
e suas etapas de desenvolvimento ao longo do curso.
Para o melhor desenvolvimento e aproveitamento desta dis-
ciplina, é importante que você interaja frequentemente com seus
colegas e tutores na Sala de Aula Virtual. Sua participação será im-
prescindível aos colegas e à avaliação final de seu desempenho.
Faça desta disciplina uma grande oportunidade de cresci-
mento e amadurecimento intelectual. Mais do que um subsídio
pedagógico, esta disciplina pretende estimulá-lo ao estudo e à
pesquisa sobre as religiões.
Bons estudos!

4. BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BOGAZ, A. S.; COUTO, M. A.; HANSEN, J. H. Patrística: caminhos da tradição cristã. São
Paulo: Paulus, 2008.
FIGUEIREDO, A. F. Curso de teologia patrística. Vozes, 1983-1990. Vol. 3.
HAMMAN, A. Os padres da igreja. São Paulo: Paulinas, 1980.

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© Plano de Ensino 11

5. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BERARDI, D. Dicionário de antiguidades cristãs. Petrópolis/São Paulo: Vozes-Paulus,
2002.
DICIONÁRIO DE ANTIGUIDADES CRISTÃS. Petrópolis/São Paulo: Vozes-Paulus, 2002.
FIGUEIREDO, F. A. Introdução à patrística. Petrópolis: Vozes, 2009.
GÓMEZ, A. J. Manual de historia de la iglesia. Madrid: Publicaciones Claretianas, 1987.
PIERINI, F. Mil años de pensamiento cristiano. Bogotá: San Pablo, 1993.
ROST, L. Introdução aos livros apócrifos e pseudoepígrafos. São Paulo: Paulinas, 1980.
SCHLESINGER, H-P. H. Dicionário enciclopédico das religiões. Petrópolis: Vozes, 1995. Vol.
II.
SPANEUT, M. Os padres da igreja. São Paulo: Loyola, 2000-2002.
TREVIJANO, R. Patrología. Madrid: BAC, 1994.
VV. AA. Padres apostólicos: patrística. São Paulo: Paulus, 1995.
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

1. INTRODUÇÃO
A literatura apresentada para a elaboração do nosso mate-
rial de Patrologia é ampla, mas procuramos nos embasar em tex-
tos renomados e respeitados que estudam o assunto.
A bibliografia acerca da Patrologia é vasta, entretanto, deve-
mos levar em consideração que tais orientações seguem por ca-
minhos diversos, que devem ser compreendidos para que possam
ser utilizados.
A História da Igreja é ampla, especialmente devido à lon-
ga existência da instituição católica que perfaz dois mil anos, dos
quais passou em acompanhamento, fundamentação e inúmeras
transformações junto aos homens e sua história. A Patrologia ocu-
pa em torno de sete séculos dentro da História da Igreja e expressa
a produção dos grandes escritos dos tempos primitivos.
14 © Patrologia

O caminhar do homem e das sociedades do Ocidente deve


ser visto em conjunto com o caminhar da própria Igreja, pois,
como se sabe, durante os primeiros séculos a Igreja solidificou-se
e passou a fazer parte da vida dos homens e do Estado de forma
oficial. Durante a Idade Média, a Igreja Católica foi o fundamento
moral e social da sociedade dos homens, ditando as regras, cos-
tumes e valores pelos quais a sociedade medieval se guiava. E foi
nesse contexto que a Patrologia se desenvolveu e se ampliou, pro-
duzindo obras monumentais que dão consistência ao dogma e aos
ensinamentos da Igreja Católica.
Esperamos que este programa atenda às suas expectativas
em relação ao estudo desta disciplina.
Bom estudo!

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA

Abordagem Geral da Disciplina


Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-
tudado nesta disciplina. Aqui, você entrará em contato com os
assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá
a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada
unidade. No entanto, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o
conhecimento básico necessário a partir do qual você possa cons-
truir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural
– para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com
competência cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos co-
meçar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princí-
pios básicos que fundamentam esta disciplina.
Vamos refletir sobre a história da literatura cristã referente
aos escritos da antiguidade cristã que nos chegou por meio dos
escritos dos Santos Padres e outros escritores. Estudaremos:

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© Caderno de Referência de Conteúdo 15

1) Noções Gerais de Patrologia. Definição de Patrologia. A


Nova Patrologia. Cronologia da Patrologia. Divisão da Pa-
trologia. Contexto e ambiente dos Santos Padres.
2) Padres Apostólicos, - Apologistas, - Escritores Eclesiásti-
cos dos 3 primeiros séculos. As Escolas Teológicas: Ale-
xandria, Antioquia, Cesaréia. Escritos Apócrifos.
3) Padres da Igreja: Padres do Ocidente Latino e Padres do
Oriente Grego. O Cristianismo no Império Romano Cris-
tão (313-692).
4) Santos Padres e Heresias (Arianismo, Apolinarismo, Nes-
torianismo, Monofisismo, Pelagianismo e Donatismo) -
Patrologia e temas doutrinais: Fé Cristã, Santíssima Trin-
dade e Cristologia, Catequese, Perseguições e Apologias,
Questão Social etc.
Lembre-se de que faz parte da evolução da vida eclesial a
produção de uma literatura vasta e ampla. Estudar a Patrologia
coloca-nos em contato com obras produzidas em várias regiões
do Ocidente e do Oriente num período que vai do século 1º ao 8º;
obras escritas por uma gama imensa de autores com os mais varia-
dos temas teológicos e gêneros literários. A Patrologia nos coloca
em contato com os belos, instigantes e profundos ensinamentos
do Cristianismo primitivo, produzidos sob a luz do Espírito Santo.
São escritos que oferecem elementos para nossa vida cristã atual e
orientações para nossa caminhada eclesial. Vamos lá!

NOÇÕES GERAIS DE PATROLOGIA


Quando se fala dos autores da Patrologia, podemos usar as
expressões: Santos Padres ou Padres da Igreja, referindo-nos aos
pensadores que sistematizaram a doutrina, com escritos de forte
acento teológico e filosófico.
Estudar os Santos Padres é entrar em contato com a revela-
ção divina manifestada no Cristianismo primitivo, mas continua se
manifestando, com outras linguagens e meios.
16 © Patrologia

Todo povo e toda religião têm seus movimentos internos e


possuem as suas bases, que podemos chamar de seus ´PAIS´. Eles
são a expressão dos dinamismos iniciais do movimento fundacio-
nal e de sua expansão e adequação aos processos históricos.
Os Santos Padres são fonte do pensamento cristão primitivo
e continuam vivos hoje.
São considerados Santos Padres os escritores que preen-
chem quatro critérios:
1) ortodoxia (fidelidade ao ensinamento de Cristo e do Ma-
gistério);
2) santidade de vida (viveram e praticaram os ensinamen-
tos de Cristo e da Igreja);
3) aprovação eclesiástica (a Igreja os acolheu como ínte-
gros e fiéis ao ensinamento cristão);
4) e antiguidade (seus escritos situam-se entre os séculos
2º até o início da Idade Média, no século 8º).
Escritores Eclesiásticos: são os escritores desse período que
não preenchem os quatro critérios anteriores. Com o tempo, a Pa-
trologia passou a estudar não só os escritos dos Santos Padres,
mas também outros escritos contemporâneos a eles: Padres Apos-
tólicos, Apologistas, Apócrifos e, inclusive, escritos considerados
heréticos.
Vamos à definição de Patrologia:
Ciência teológica que abrange em seu estudo o conjunto de escri-
tores da antiguidade cristã. Coincide, quanto à matéria e ao tempo,
com a história da literatura cristã primitiva. Formou-se pelo crité-
rio das razões teológico-dogmáticas, que caracterizaram a tradição
eclesiástica através do testemunho dos Padres da Igreja. O termo
Patrologia foi usado pela primeira vez pelo teólogo luterano João
Gerhard (+1637). Até o século XIX, designava a história da litera-
tura eclesiástico-teológica. Posteriormente, delimitou seu âmbito
a época da cristianização do mundo greco-romano. Esta ciência se
ocupa não só da história da literatura antiga, mas ainda das obras
produzidas por escritores não-eclesiásticos. Há uma estreita cor-
relação entre os escritos dos Padres e dos autores heterodoxos,
no campo da historiografia cultural e literária. Na defesa da fé, os

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© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Padres foram constantemente estimulados pelos seus adversários


e seus argumentos influíram na maneira de articular e resolver as
questões. Os monumentos literários de caráter impessoal perten-
cem indiretamente ao âmbito da patrologia. A época dos Padres da
Igreja fixada dentro dos limites dos seus primeiros séculos, divide-
se, de preferência em três fases: 1) as origens (até o concílio de
Nicéia, em 325); 2) idade de ouro (de 325 ao Concilio de Calcedô-
nia, em 451); o declínio (no Ocidente, até a morte de Isidoro de
Sevilha, em 636; no Oriente, até a morte de João Damasceno, cerca
de 750). (SCHLESINGER, H-PORTO H. Dicionário Enciclopédico das
Religiões. Petrópolis: Vozes, 1995. v.2 ).

PATRÍSTICA:
O termo deriva da expressão teologia patrística que os teólogos
do século 17 desenvolveram para distingui-la da theologia bíblica,
scholastica, speculativa et symbolica. A patrística não se identifica
com a história dos concílios e dos dogmas, embora, ao relacionar a
vida e a produção literária dos Padres da Igreja, também se ocupe
em apreciar-lhes a importância para a atividade sinodal da Igreja e
para o aprofundamento da fé (cf. SCHLESINGER, H-PORTO, H. Di-
cionário Enciclopédico das Religiões. Petrópolis: Vozes, 1995. v. 2).

PADRES DA IGREJA:
Conjunto de escritores eclesiásticos da antiguidade cristã, teste-
munhas da doutrina tradicional da Igreja... Em razão da língua,
dividem-se em Padres Gregos (Orientais) e Padres Latinos (Ociden-
tais). Os quatro maiores da Igreja ocidental são: Ambrósio, Agosti-
nho, Jerônimo e Gregório. Os três nomes mais conspícuos entre os
orientais são: Basílio, Gregório Nazianzeno e João Crisóstomo. O
termo PADRES, atribuído aos bispos e mestres da antiguidade cris-
tã, é de origem eclesiástica. Foi por primeiro aplicado aos Bispos do
Concílio de Nicéia (325). Partia-se da idéia análoga à do judaísmo,
de que personificavam o início da tradição (Eclo 8,9; Flávio Josefo,
Antiqu. 13,297). Gradativamente, as primeiras testemunhas des-
ta tradição, em geral, que eram bispos, passaram a ser os Padres
por excelência. Como o tempo, incluíram sob essa denominação
também presbíteros, como S. Jerônimo, e leigos, como Próspero
de Antioquia. Como a controvérsia nestoriana, o testemunho dos
Padres ganhou maior prestígio, multiplicando-se as coletâneas. No
Ocidente, a substância da doutrina dos Padres foi absorvida pela
teologia do começo da Idade Média. No Oriente, a era dos Padres
se encerrou com a Doctrina Patrum e as obras de João Damasceno
(c.650-754). (SCHLESINGER, H-PORTO H. Dicionário Enciclopédico
das Religiões. Petrópolis: Vozes, 1995, v. 2).
18 © Patrologia

CONTEXTO E AMBIENTE DOS SANTOS PADRES


É importante estar atento ao ambiente em que os Padres da
Igreja viveram, ou seja, ao contexto social do século 1º ao século
10. Os escritos dos Santos Padres foram influenciados pela história
e suas circunstâncias e ajudaram a transformar esta mesma histó-
ria.
A questão geográfica: o espaço dos Santos Padres girou em
torno do Mar Mediterrâneo, abrangendo o norte africano, centro-
sul europeu e médio oriente. Temos, também, escritores na Irlan-
da, na Etiópia e no leste europeu. Nos primeiros séculos, pode-
mos dizer que os Santos Padres viveram em torno do mundo do
Império Romano, bem urbanizado, unido por grandes estradas e
por forte rede de comunicação terrestre e marítima. Este contexto
geográfico sofreu grande crise com as invasões bárbaras a partir
dos séculos 2º - 3º e com a expansão muçulmana a partir do século
7º.
A questão econômica: é marcada pelas crises do Império Ro-
mano e, também, pelas invasões bárbaras e expansão muçulmana.
O mundo romano era marcado pelo domínio de uma elite sobre
uma grande população de escravos, com suas exclusões e injus-
tiças. Muitos pesquisadores aprofundam as mudanças ocorridas
com a influência e aplicação dos princípios cristãos ao mundo ro-
mano: a crítica e restrições à escravidão, a caridade cristã e a pro-
moção dos direitos humanos com críticas sociais de muitos Santos
Padres. Pouco a pouco, mudaram as leis em torno do trabalho e
houve certa liberalização das relações. Tudo isto favoreceu várias
inovações tecnológicas: o uso do moinho, o arado, a ferradura e
outras novidades. No fim do período medieval, o mundo rural foi
entrando em crise e começaram a se fortalecer os comerciantes
em torno do mundo burguês, com novos modos de relações. Os
Santos Padres viveram num mundo marcado pela vida rural e agrá-
ria, pelas pequenas produções artesanais e por uma economia de
subsistência.

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 19

O mundo da Patrologia também foi marcado pela questão


demográfica. Em torno do mundo rural, ocupa espaço insubstituí-
vel a família. Calcula-se que, no início da era cristã, a população do
Império Romano girava em torno de 54 milhões, com uma média
de 16 habitantes por km2.

Padres Apostólicos, Apologistas, Escritores Eclesiásticos. Escolas


Teológicas: Alexandria, Antioquia, Cesareia. Escritos Apócrifos
Veremos a literatura cristã do período que vai dos inícios do
Cristianismo até o Concílio de Nicéia (325). Não estudaremos os
escritos neotestamentários, pois eles são estudados na área bí-
blica. Do final do século 1º até meados do século 2º tivemos os
escritos dos Padres Apostólicos (escritos no interior da Igreja, de
edificação mútua e instrução recíproca). Apesar das perseguições
iniciais e do surgimento das primeiras heresias e seitas,surgiram
escritos que defenderam a Igreja dos ataques judeus e das per-
seguições. No final do século 3º surgiram escritores com temas
ligados à dogmática cristã, com destaque para a questão trinitária
e cristológica. Muitos destes escritos foram a base do pensamento
ortodoxo e das heresias do período pósniceno.

PADRES APOSTÓLICOS
Escritos confeccionados após os escritos do novo testamen-
to, situados no fim do século 1º e meados do século 2º. Os Padres
Apostólicos foram discípulos dos Apóstolos, formaram um grupo
heterogêneo, escreveram em grego da koiné e tinham o estilo de
cartas pastorais. Estes escritos tinham um sentido de edificação e
de instrução.
a) DIDAKÉ (90-100);
b) CLEMENTE ROMANO;
c) INÁCIO DE ANTIOQUIA (+110);
d) CARTA DE BARNABÉ ou PSEUDO-BARNABÉ (140);
e) POLICARPO D ESMIRNA (130);
f) PAPIAS (135);
20 © Patrologia

g) O PASTOR DE HERMAS (140);


h) CARTA A DIOGNETO (II-III).

APOLOGISTAS
Durante os três primeiros séculos, os cristãos sofreram com
as várias perseguições promovidas contra eles por parte do Estado
romano, das lideranças judaicas, dos intelectuais e do povo. Neste
contexto, a partir do início do século 2º, surgiu uma forma literária
de defesa e justificativa do Cristianismo: as apologias.
Como afirma Gómez:
[...] no início do século II alguns filósofos e oradores se fazem cris-
tãos. Estes intelectuais se sentem obrigados a sair em defesa do
cristianismo: 1.frente ao Estado, que estabelecera a pena de morte
contra os cristãos, os apologistas respondem que essa lei é injus-
ta porque os cristãos são cidadãos honrados que pagam impostos,
cumprem com suas obrigações civis e rogam pelo Estado e pelo Im-
perador; 2.ao povo, que considera os cristãos causadores de todas
as calamidades públicas, respondem apelando a manifesta morali-
dade e exemplo de vida dos cristãos; 3.aos intelectuais pagãos, que
“gozam” da novidade da religião cristã fundada por um ignorante,
Cristo, respondem que o cristianismo traz suas origens deste Moi-
sés, que é muito anterior aos filósofos gregos; [b]. os apologistas
não escreveram obras sistemáticas, ou verdadeiros tratados de re-
ligião, e sim obras polêmicas para refutar as objeções de seus ad-
versários; [c]. os escritos apologéticos começam no meio do século
II e terminam no século IV, depois da morte de Juliano, o Apóstata
em 363 (cf.: GÓMEZ, J.A. Manual de Historia de la Iglesia. Madrid:
Publicaciones Claretianas, 1995, p.49).

Há autores que dividem os apologistas a partir de seus des-


tinatários. Assim, contra os pagãos temos as obras de Quadrato,
Aristides, Teófilo de Antioquia, Hérmas, Taciano, Apolônio, Atená-
goras etc. Contra os judeus, temos Aristo de Pela e contra ambos
temos Justino, Milcíades e Melitão de Sardes.
• Apologistas Gregos: Quadrato (123-124); Aristides de
Atenas (136-161); Taciano (170); Atenágoras (177); Teó-
filo de Antioquia (180); Melitão de Sardes (170); Justino
(165).

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© Caderno de Referência de Conteúdo 21

• Apologistas Latinos: Arnóbio de Sica (300); Lactâncio


(+317); Minúcio Félix (200) e Tertuliano.

ESCRITORES ECLESIÁSTICOS DOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS


a) Gregos: Panteno; Clemente Alexandrino; Orígenes; Gre-
gório Taumaturgo; Hipólito; Irineu de Esmirna.
b) Latinos: A língua grega esteve em uso na Igreja ocidental
até início do século 3º; inclusive a Bíblia se lia em gre-
go. A Bíblia traduzida para o latim começou a encontrar
leitores só a partir do século 3º. A literatura latina cristã
teve seu primeiro e principal foco na expansão no Nor-
te da África. A figura mais importante foi Tertuliano, e
também Minúcio, Arnóbio e Lactâncio. Destaque para
Cipriano com as obras: Unidade da Igreja, Sobre a Ora-
ção Dominical e As Cartas (85).

ESCOLAS TEOLÓGICAS: ALEXANDRIA, ANTIOQUIA E CESAREIA


Importantes para o desenvolvimento do pensamento cris-
tão. Estas escolas ajudaram a sistematizar a ortodoxia e, com suas
diferenças e disputas, provocaram a evolução da teologia cristã,
não sem gerar também problemas teológicos que provocaram cis-
mas e heresias.
Alexandria: cidade egípcia muito importante na época do
império romano por sua localização estratégica, grande influência
cultural helênica e também por ser uma cidade cosmopolita e com
grandes expressões culturais e religiosas. Teve grande colônia ju-
daica que se tornou um grande centro da ciência judaico-helenista
que traduziu a Bíblia dos Setenta.
Ali também se formou uma importante comunidade cristã
nos primeiros séculos (At. 18, 24; 27,6; 28,11 etc.), confirmada
como patriarcado no Concílio de Nicéia, em 325. Ali se desenvol-
veu o helenismo cristão e heresias de fundo gnóstico. Nela viveram
vários mestres cristãos, com destaque para Panteno, Clemente e
Orígenes, com os quais floresceu a escola Alexandrina, de tendên-
22 © Patrologia

cia alegorizante e especulativa. Grande destaque foi Santo Ata-


násio, Cirilo, Dionísio o Grande, grandes defensores da ortodoxia
trinitária e cristológica. Na época das controvérsias doutrinárias,
Alexandria foi grande opositora de Antioquia, cidade cristã que de-
senvolveu outra linha importante de pensamento teológico.
Antioquia: capital da Síria, onde vivia grande colônia judaica
com grande centro do pensamento cristão antigo, (At. 11,26).
Congrega um punhado de escritores cristãos que praticavam uma
exegese gramatical e histórica, voltada para o sentido literal da Es-
critura, em oposição ao alegorismo alexandrino. A primeira figura
a ilustrá-lo foi Luciano de Antioquia (+312), natural de Samósata e
que foi praticamente o fundador da Escola [...] (SCHLESINGER H-
PORTO H. Dicionário Enciclopédico das Religiões. Petrópolis: verbe-
te: Antioquia.v.1).

Nesta Escola se destacaram Diodóro, no século 4º e Teodoro


de Mopsuéstia, São João Crisóstomo.
Cesareia da Palestina: cidade onde, em 230, Orígenes fun-
dou escola cuja importância durou até os séculos 5º - 6 º. Como
Orígenes foi educado em Alexandria, a Escola de Cesareia segue a
linha alegórica e liberal na interpretação da Bíblia e também é in-
fluenciada pelo platonismo. Nela estudaram Eusébio de Cesareia,
Gregório Taumaturgo, Clemente Alexandrino, São Basílio etc.
Escritos Apócrifos: escritos produzidos no contexto do AT e
do NT, que não são admitidos porque ou não estão incluídos no
cânon bíblico ou porque foram escritos após o encerramento da
Bíblia ou porque foram escritos em gregos ou porque possuem es-
critos heréticos ou fantasiosos. O termo apócrifo quer dizer escon-
dido, falso ou escrito que se apresenta como bíblico ou canônico.
Podem ser: heréticos (contêm ideias heterodoxas) ou ortodoxos
(suprem lacunas das Sagradas Escrituras). Apócrifos do AT: III e IV
Esdras, III e IV Macabeus, Testamento dos 12 Patriarcas, Oração de
Manassés, Salmos de Salomão, Livros de Enoc etc.
Os apócrifos neotestamentários surgiram do século 2º ao
4º e são de origem gnóstica. Com narrações de tipo evangélico,

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© Caderno de Referência de Conteúdo 23

os hereges tentavam apoiar suas ideologias heterodoxas. Exis-


tem, também, “apócrifos ortodoxos” que têm por finalidade sa-
tisfazer a “curiosidade devota” dos fiéis, suprindo: Evangelho de
Tomé, o Evangelho de Pedro e o Evangelho dos Egípcios; Evangelho
dos Nazarenos, Evangelho da Verdade e Evangelho dos Ebionitas;
Evangelho de São Tiago, Evangelho Eclesiástico de Tomé, literatura
de Pilatos, Evangelho de Nicodemos, Evangelho de Bartolomeu);
Proto-Evangelho de São Tiago, Evangelho segundo os Hebreus, os
´Apócrifos de Apóstolos´ (Símbolo dos Apóstolos ou Credo, Atos de
Paulo e Tecla, Atos de Tomé, Apocalipse de Pedro, Atos de João e
os Atos de André).

PADRES DO OCIDENTE LATINO E PADRES DO ORIENTE GREGO


Veremos a literatura cristã dos séculos 4º ao 7º, período áu-
reo da Patrologia.
O CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO CRISTÃO (313 - 692)
No ano 311, com o Edito de Tolerância, Constantino, Licínio e
Galério decretaram o fim das perseguições cristãs e chegou a paz
para os cristãos. Após o ano 313, com o Edito de Milão, Constanti-
no e Licínio concederam a liberdade de culto ao Cristianismo, que
passou a influenciar a sociedade romana (nas leis e manifestações
sociais). No fim do século 4º, com Teodósio, aumentou a aliança
com o Império e o Cristianismo passou a ser a religião oficial do
Estado romano, tendo mais e correndo o risco do cesaropapismo
(influência do poder temporal na Igreja). Cessando as persegui-
ções e com os privilégios, o Cristianismo tornou-se uma religião
fácil, de interesses com muito relaxamento. As massas chegaram à
Igreja e a obra missionária foi intensa, mas muitos neo-convertidos
estavam marcados pela superstição e cultos pagãos e pelo interes-
se de pertença à religião oficial estatal.
Consolidaram-se as heresias trinitárias, cristológicas e sote-
riológicas, que provocaram cismas. A expansão do Cristianismo e
a necessidade de uma maior organização pastoral e o combate às
24 © Patrologia

heresias geraram a convocação dos concílios ecumênicos: Nicéia


(325), 3 em Constantinopla (381, 553 e 681), Éfeso (431) e Calce-
dônia (451).
Este período foi marcado ainda pela organização das ativi-
dades missionárias, pelo surgimento do Monacato, pelas invasões
bárbaras e pela queda do Império Romano do Ocidente no ano 476
e a consequente ascensão do Cristianismo, enquanto liderança da
Europa continental. Foi marcante o surgimento do Islamismo, com
Maomé, em 622, o que provocou instabilidade no Oriente cristão
e em áreas que eram dominadas pelo Cristianismo.
A obra de organização eclesial e de sistematização da orto-
doxia foi a tarefa exigida às lideranças cristãs (Padres da Igreja),
que fomentaram a ciência eclesiástica a partir do século 4º. As
ciências teológicas adquiriram fisionomia. As Escolas teológicas
(Alexandria, Antioquia, Cesareia, Roma e Constantinopla) se con-
solidaram.
Na segunda metade do século 5º começou a decadência da
Ciência Eclesiástica. Não porque faltaram escritores, e sim porque
não houve entre eles, com exceção de Gregório Magno (+604) no
Ocidente e de São João Damasceno (+749) no Oriente, nenhuma
estrela de grande magnitude. Na verdade, as circunstâncias exte-
riores não permitiam entrega absoluta às ciências eclesiásticas; os
transtornos econômicos e sociais, produzidos pelas invasões bár-
baras, paralisaram o florescimento teológico e literário da época
anterior. Neste contexto, a antiguidade antiga foi cedendo espaço
ao mundo medieval, com todas as suas novas características.
Escritores gregos: são ´Santos Padres´ que desenvolveram
suas atividades apostólicas e intelectuais no contexto do antigo
império do Oriente, que inicialmente teve seu centro em Antio-
quia, Jerusalém e Alexandria e depois, a partir do século 4º, em
Constantinopla. Os ´Padres gregos´ são considerados mais especu-
lativos que os latinos e seguiam ou a linha da Escola de Alexandria
ou a da Escola de Antioquia.

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© Caderno de Referência de Conteúdo 25

1) Santo Atanásio (295-373): de Alexandria, é considerado


como o pai da ciência teológica e defensor da ortodo-
xia.
2) Eusébio de Cesareia (265-340): é o pai da História Eclesi-
ástica e defendeu a relação da Igreja com o Estado.
3) São Cirilo de Jerusalém (313-387): bispo de Jerusalém,
defendeu a fé nicena, combatendo a heresia ariana.
4) São Gregório Nazianzeno (330-390): poeta, orador e
monge. Combateu arianos no I Concílio de Constantino-
pla.
5) São Basílio de Cesaréia (331-379): teólogo, filósofo e
monge. Combateu o arianinsmo e apolinarismo.
6) São Gregório de Nissa (334-394): exegeta e místico, com-
bateu heresias apolinarista e macedonianismo.
7) Dídimo, o Cego (+395): leigo, teólogo asceta e grande
sábio. Foi diretor da Escola de Alexandria.
8) Santo Epifânio (+403): nascido na Palestina, foi monge e
bispo de Salamina, em Chipre. Lutou contra as heresias.
9) São João Crisóstomo (+407, Antioquia): advogado, mon-
ge, patriarca de Constantinopla, príncipe dos exegetas.
10) São Cirilo de Alexandria (+444): foi patriarca de Alexan-
dria e opositor do nestorianismo. Participou do Concílio
de Éfeso no ano 431 e escreveu obras teológicas e po-
lêmicas contra Nestório, Apolinário, Teodoreto de Ciro
etc.
11) Outros: historiadores da Igreja (Filostorgio (+380), Só-
crates (+440), Sozomeno (+440), Paládio (+430): escre-
veu a “História lausiaca”, coleção de vidas de monges.
Isidoro Pelusiota (+440): é o autor de mais de mil cartas.
Sofrônio de Jerusalém (+638): orador, poeta, apologista
contra os monotelistas; autor de “Prado espiritual”, uma
coleção de exemplos de virtudes praticadas por alguns
contemporâneos. João Clímaco (+600): autor da “Esca-
da do Paraíso”. Máximo o Confessor (580-662): autor da
Mistagogia e de um comentário sobre Dionísio Areopa-
gita.
26 © Patrologia

12) A partir do século 2º a Síria foi um centro importante de


atividade literária cristã. No século 4º floresceu a Escola
de Edessa, com destaque para: Afrates (+345) e Santo
Efrém (+373) autor de hinos religiosos e homilias.

ESCRITORES LATINOS
Viveram em torno do mundo ocidental (Roma e Europa oci-
dental, norte da África). Nos séculos 4º e 5º houve grande flores-
cimento da literatura eclesiástica, que entrou em crise com as in-
vasões bárbaras e a queda de Roma. Estes escritores são menos
especulativos que os orientais, mais orientados às questões práti-
cas e disciplinares.
1) Santo Hilário de Poitiers (315-366): pagão e nobre, se
converteu ao ler a Bíblia. Combateu o arianismo.
2) Santo Ambrósio (340-397): nobre, advogado e gover-
nador de Milão. Foi grande orador e influenciou Agos-
tinho.
3) Prudêncio (348-405): espanhol, dominava o latim com
perfeição e é considerado o maior poeta cristão latino.
4) Rufino de Aquiléia (+410): monge e combateu questões
origenistas.
5) São Jerônimo (347-420): asceta e monge, o mais erudito
dos Padres do Ocidente e por seus escritos bíblicos.
6) Santo Agostinho (354-430): maior filósofo da era pa-
trística e um dos grandes gênios de todos os tempos.
Converteu-se ao Cristianismo. Escreveu e lutou contra as
heresias: maniqueísmo, donatismo, pelagianismo.
7) Cassiano (+435): teólogo, monge e autor clássico da vida
monástica.
8) São Leão o Grande (+461): é um dos papas mais ilustres
da antiguidade cristã. É autor da doutrina sobre as duas
naturezas de Cristo contra Eutiques.
9) Temos de citar vários outros: São Gregório Magno, Santo
Isidoro de Sevelha, Salviano de Marselha (+480); Vicente
de Lerins (+450); Santo Fulgêncio de Ruspe (+533); Cas-
siodoro (485-570); Venâncio Fortunato (+603).

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© Caderno de Referência de Conteúdo 27

Santos Padres e Heresias (Arianismo, Apolinarismo, Nesto-


rianismo, Monofisismo, Pelagianismo e Donatismo). Patrologia e
temas doutrinais: Fé Cristã, Santíssima Trindade e Cristologia, Ca-
tequese, Perseguições e Apologias, Questão Social.
Com os erros na doutrina cristã, houve a necessidade de sis-
tematizá-la. Muitos aspectos sistemáticos da doutrina cristã foram
organizados na tentativa de dar respostas às dúvidas levantadas
pelos hereges. Conheceremos algumas heresias e sua relação com
os Santos Padres e, a seguir, trechos dos escritos por eles em rela-
ção a alguns temas específicos.

SANTOS PADRES E HERESIAS


• Arianismo: heresia trinitária que defendia a superiorida-
de do Pai em relação ao Filho e ao Espírito Santo. No início
do século 4º, Ário, sacerdote da Líbia que vivia em Alexan-
dria, passou a negar a divindade, eternidade e consubs-
tancialidade de Cristo, o Filho, na sua relação com o Pai.
Segundo ele, o Cristo, sendo criatura do Pai, não podia ser
da mesma substância e natureza que o Pai e, sendo cria-
tura, era subordinado ou inferior a Ele e não era também
eterno e da mesma substância do Pai. Ário foi condenado
no Sínodo de Alexandria no ano 321 e não se submeteu
a isto, provocando a convocação do I Concílio de Nicéia,
no ano 325. O Concílio de Nicéia defendeu a igualdade
entre as três pessoas divinas e confirmou a doutrina da
divindade do Filho e sua consubstancialidade na relação
com o Pai, o que não foi aceito por Ário e a discussão só
foi solucionada no I Concílio de Constantinopla, no ano
381. Opositores do Arianismo: Atanásio, Alexandre de
Alexandria, Ósio de Córdoba, Marcelo de Ancira, Eusébio
de Vercelli.
• Apolinarismo: Apolinário foi bispo de Laodicéia, Síria, e
sendo escritor e erudito, foi um dos primeiros a defender
uma heresia cristológica. Com Atanásio, foi opositor do
28 © Patrologia

Arianismo, que negava a divindade do Filho e chegou ao


extremo contrário: comprometeu a alma humana de Cris-
to ao afirmar a sua divindade, afirmando que a natureza
humana de Cristo era incompleta. Esta doutrina foi con-
denada no I Concílio de Constantinopla e já encontrara
opositores em Santo Atanásio e no Papa Damaso.
• Nestorianismo: Nestório foi monge e sacerdote em An-
tioquia e patriarca de Constantinopla no ano 428. Afirma-
va a humanidade incompleta do Cristo, dizendo que Jesus
(o homem) e o Filho de Deus eram duas pessoas distintas.
Assim, negava também que a Virgem Maria era mãe só do
homem Jesus e não do Filho de Deus ou do Verbo divino,
ou seja, negava a maternidade divina de Maria. Foi con-
denado no Concílio de Éfeso, do ano 431 e fechado num
mosteiro. Hoje há igrejas que seguem esta doutrina: cal-
deus no Iraque e Irã e sírio-malabar na Índia. Opositores:
Dióscoro e Cirilo de Alexandria.
• Monofisismo: doutrina cristológica surgida em Constan-
tinopla, iniciada pelo monge Eutiques. Afirmava que no
Cristo só existia uma natureza, isto é, a natureza divina,
que absorve a natureza humana após a chamada ´união
hipostática´, ou seja, a união entre as naturezas divina e
humana. Foi condenado no Concílio de Calcedônia, no
ano 451 e se afirmou a doutrina das duas naturezas no
Cristo na carta do Papa Leão Magno, chamada ´Tomo a
Flaviano´. Atualmente, existem igrejas do Egito e da Síria
que ainda professam a fé monofisita. Opositores: Cirilo de
Alexandria, Flaviano, Papa Leão I.
• Monotelismo: heresia cristológica defendida pelo patriar-
ca Sérgio de Constantinopla. Afirmava que Cristo possuía
uma única vontade ou energia por causa da unidade de
sua pessoa e natureza. Foi condenado pelo III Concílio de
Constantinopla, no ano 681, e a doutrina correta foi ex-
posta na carta dogmática do Papa Agatão. Foi combatido

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© Caderno de Referência de Conteúdo 29

por Sofrônio de Jerusalém, Máximo o Confessor.


• Donatismo: heresia soteriológica (que trata do tema da
salvação e dos meios para conseguir a mesma), surgiu no
contexto do mundo ocidental, em Cartago, na época da
perseguição de Diocleciano. Era uma doutrina rigorista,
que leva o nome do bispo Donato, afirmava que a Igreja
não podia ter pecadores no seu meio e negava a ela o
perdão dos pecados, como também duvidava da eficácia
dos sacramentos, que dependiam mais da santidade e
moralidade dos ministros do que da graça divina. Doutri-
na condenada no sínodo de Cartago, no ano 411 e logo
desapareceu. Opositor: Santo Agostinho.
• Pelagianismo: heresia soteriológica do monge inglês Pe-
lágio (360-420). Sua doutrina comprometia a ação da gra-
ça divina, confiando totalmente no esforço humano para
se conseguir a salvação e a superação dos pecados huma-
nos. Negava o pecado original (que só afetou a Adão) e
comprometia a dimensão salvífica e redentora do próprio
Cristo, que só nos deu um bom exemplo. Afirmava que
não existe pecado original e somente os pecados pesso-
ais. Opositor: Santo Agostinho com Tratado da Graça, O
Livre Arbítrio etc.

SANTOS PADRES E TEMAS DOUTRINAIS E PASTORAIS


Os Santos Padres refletiram e escreveram sobre temas dou-
trinais, pastorais e organizacionais da vida eclesial.

Glossário de Conceitos
Este glossário permite a você uma consulta rápida e preci-
sa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio
dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento
dos temas tratados na disciplina Patrologia.
30 © Patrologia

Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos desta dis-


ciplina:
1) Patrologia: ciência teológica que tem por objetivo estu-
dar os escritores da antiguidade cristã, conhecidos como
padres da igreja ou santos padres.
2) Patrística: estudo do pensamento teológico dos padres
da igreja ou santos padres.
3) Ortodoxia: doutrina correta ou fiel a uma tradição. Quan-
do se fala de igrejas ortodoxas se faz referência às igrejas
que se separam da comunhão romana, seguindo o rito
grego e permanecendo fiéis à Constantinopla.
4) Apologias: conjunto de escritos cristãos, situados entre
os séculos 1º ao 4º, que tinham por objetivo defender
o cristianismo primitivo dos ataques dos imperadores,
intelectuais e povo que eram contrários à ortodoxia e às
práticas cristãs.
5) Padres Apostólicos: conjunto dos escritores cristãos, dis-
cípulos dos apóstolos, situados nos séculos 1º e 2º que
ajudaram a construir a ortodoxia. Eles se caracterizam
por serem escritos pastorais e com forte acento comu-
nitário.
6) Apócrifos: escritos cristãos dos primeiros séculos que
visavam dar notícias e informações da vida de Cristo,
apóstolos e comunidade cristã primitiva, mas que conti-
nham erros teológicos e históricos e lendas fantasiosas.
Eles não fazem parte do escritos canônicos do novo tes-
tamento e, por isso, foram considerados espúrios.
7) Heresia: palavra que designa uma doutrina heterodoxa,
ou seja, que vai contra a ortodoxia ou doutrina correta.
8) Concílio Ecumênico: reunião dos representantes das
igrejas cristãs em todo o mundo para tratar de temas
doutrinais, pastorais e disciplinares da igreja. A igreja
católica romana reconhece 21 concílios: o primeiro foi
realizado em Nicéia, no ano 325 e o último foi o concílio
vaticano II, de 1962 a 1965.
9) Cristologia: é o tratado teológico que estuda sobre a
pessoa e doutrina a respeito de Jesus Cristo, fundador
do cristianismo. Vários temas fazem parte deste estudo:

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© Caderno de Referência de Conteúdo 31

encarnação e nascimento de Jesus, natureza humana e


divina, ressurreição etc.
10) Santíssima Trindade: doutrina do cristianismo que afir-
ma a união do pai, do filho e do espírito santo. São três
pessoas distintas, mas que formam um só deus.
11) Arianismo: doutrina cristã que, na relação trinitária, ne-
gava a divindade de Jesus Cristo, subordinando-o com-
pletamente a deus pai. Assim, Jesus seria unicamente
um homem que foi adotado pelo pai.
12) Monofisismo: doutrina herética cristã em torno das na-
turezas humana e divina de Jesus Cristo, que afirmava
que, após a união entre elas, a natureza divina dominava
e absorvia completamente a humana, gerando uma de-
sigualdade e desequilíbrio entre elas
13) Donatismo: doutrina herética cristã do século 4º que
relativizava a identidade da igreja enquanto instituição
de salvação e que negava a validade dos sacramentos,
fazendo-os depender da santidade ou integridade do
ministro.
14) Pelagianismo: doutrina herética cristã do início do sécu-
los 5º que afirmava que o homem pode se santificar pelo
esforço pessoal e próprio e que não necessita da graça
divina para isso negava também a o pecado original e a
corrupção da natureza humana.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-
quema dos Conceitos-chave da disciplina. O mais aconselhável é
que você mesmo faça o seu esquema ou, até mesmo, seu mapa
mental. Esse exercício é uma forma construir seu conhecimento,
ressignificando as informações com base em suas próprias percep-
ções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
32 © Patrologia

complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você


na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-
se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em
esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir seu conhe-
cimento de maneira mais produtiva e, assim, obter ganhos peda-
gógicos significativos em seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar, tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação, o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na
ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que estabe-
lece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos concei-
tos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas
ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos
de ancoragem.
Tem-se de destacar que “aprendizagem” não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para tanto, é importante
considerar as entradas de conhecimento e organizar bem os mate-
riais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos con-
ceitos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma
vez que, ao fixar esses conceitos em suas já existentes estruturas
cognitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações in-
ternas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por ob-
jetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o
seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja,
estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de co-
nhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo

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© Caderno de Referência de Conteúdo 33

(adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/eduto-


ols/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em:
11 mar. 2010). Padres Apostólicos:

Didaké, Pastor, Clemente


Discípulos dos apóstolos (séculos I
Romano, Inácio de
e II): estilo de cartas pastorais
Antioquia, Papias...
para edificação e instrução.

Escritores dos Apologistas: defesa do Gregos: Quadrato, Taciano, Justino

primeiros séculos Cristianismo, contra Latinos: Lactâncio, Arnóbio de Sica,


CRONOLOGIA: século I ao VIII
perseguições, dos Minúcio Félix, Tertuliano
DIVISÃO: Oriente e Ocidente séculos II ao IV
Alexandria: alegorizante e especulativa
CONTEXTO E AMBINTE DOS
SANTOS PADRES Escolas Teológicas: Antioquia: exegese gramatical e histórica
ajudaram a aprofundar
Cesaréia: alegórica e liberal (Orígenes)
e sistematizar doutrina
cristã
Padres gregos/orientais: especulativos.
Atanásio, Eusébio de Cesaréia, Cirilo de
Patrologia: estuda escritores
da antiguidade cristã.
PATROLOGIA O Cristianismo no Império Alexandria, Basílio, Gregório de Nissa,
Gregório Nazianzeno, Dídimo, Epifânio,
Romano cristão (séculos IV- João Crisóstomo, Cirilo de Jerusalém
Patrística: estuda a teologia
VIII): expansão cristã, heresias
dos santos padres.
concílios ecumênicos e
Padres Latinos: prático-disciplinares.
monacato Hilário de Poitiers, Ambrósio, Prudêncio,
Pensamento dos Santos
Jerônimo, Agostinho, Cassiano, Leão
Padres: formação e Magno, Gregório Magno, Isidoro de
consolidação da ortodoxia e Sevilha, Rufino de Aquiléia
combate às heresias

Heresias: exigiram respostas ajudaram na Temas principais: Outros temas: fé cristã, Sagrada Escritura,
formação da ortodoxia (arianismo, catequese, penitência, liturgia, sacramentos,
apolinarismo, nestorianismo, monofisismo, -Santíssima Trindade mariologia, questão social, moral e
monotelismo, donatismo, pelagianismo). jurisprudência...
-Cristologia e Pneumatologia

-Graça Divina e Sacramentos

Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes desse estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
um e outro conceito desta disciplina e descobrir o caminho para
construir o seu processo de ensino-aprendizagem.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EAD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
34 © Patrologia

ser de múltipla escolha ou abertas com respostas objetivas ou dis-


sertativas. Vale ressaltar que se entendem as respostas objetivas
como as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles
que exigem uma resposta determinada, inalterada.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-la pode ser uma forma de você avaliar o seu conheci-
mento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes ao
assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final,
que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada
de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida
para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas (as de múltipla escolha e as abertas objetivas).

As questões dissertativas obtêm por resposta uma interpretação


pessoal sobre o tema tratado. Por isso, não há nada relacionado a
elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o
seu tutor ou com seus colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus es-
tudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as bibliogra-
fias apresentadas no Plano de Ensino e no item Orientações para o
estudo da unidade.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustrativas,
pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto.
Não deixe de observar a relação dessas figuras com os conteúdos
da disciplina, pois relacionar aquilo que está no campo visual com
o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

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© Caderno de Referência de Conteúdo 35

Dicas (motivacionais)
O estudo desta disciplina convida você a olhar, de forma
mais apurada, a Educação como processo de emancipação do
ser humano. É importante que você se atente às explicações
teóricas, prácas e cienficas que estão presentes nos meios de
comunicação, bem como parlhe suas descobertas com seus
colegas, pois, ao comparlhar com outras pessoas aquilo que você
observa, permite-se descobrir algo que ainda não se conhece,
aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido
antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à
maturidade.
Você, como aluno do curso de Bacharelado em Teologia na
modalidade EAD e futuro profissional da educação, necessita de
uma formação conceitual sólida e consistente. Para isso, você con-
tará com a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobre-
tudo, da interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organi-
ze bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
36 © Patrologia

Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a


esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto
para ajudar você.

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EAD
Introdução à
Patrologia

1
1. OBJETIVOS
• Conhecer e aprofundar os temas ligados à Patrologia.
• Compreender as noções gerais de Patrologia.
• Analisar e interpretar divisão da era patrística.
• Reconhecer e identificar o contexto e ambiente dos san-
tos padres.

2. CONTEÚDOS
• Noções gerais de Patrologia.
• Nova Patrologia.
• Cronologia.
• Divisão da era patrística.
• Contexto e ambiente dos santos padres.
38 © Patrologia

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para a maior compreensão desta Unidade, sugerimos
que você retome a Introdução ao Cristianismo com as
obras: PIERRARD, P. História da Igreja. São Paulo: Pau-
linas, 1982.; COMBY, J. Para ler a História da Igreja. São
Paulo: Loyola, 1994. v.2.
2) Sugerimos, também, que você leia as seguintes obras:
FIGUEIREDO, F. A. Introdução à Patrística. Petrópolis: Vo-
zes, 2009. HAMMAN, A. Os Padres da Igreja. São Paulo:
Paulinas, 1980. TREVIJANO, R. Patrología. Madrid: BAC,
1994.; BOGAZ, A. S.; COUTO, M.A.; HANSEN, J. H. Patro-
logia. Caminhos da tradição cristã. São Paulo: Paulus,
2008.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Bem-vindo ao estudo da disciplina de Patrologia!
Nesta primeira unidade, você estudará noções gerais de Pa-
trologia e aprofundará seus conhecimentos sobre o contexto e
ambiente dos santos padres.
Lembre-se de que, para acompanhar nossa reflexão e apro-
veitar este estudo, é imprescindível a leitura dos textos indicados.
Bom estudo!

5. NOÇÕES GERAIS DE PATROLOGIA


A PATROLOGIA é uma ciência da área Teológica, cujo objetivo
é estudar os escritores cristãos dos primeiros séculos, conhecidos
como Santos Padres ou Padres da Igreja. Como afirma LIMA:
Este conceito de Patrologia foi utilizado pela primeira vez pelo teó-
logo protestante João Gerhard (1637) como título de sua obra pós-
tuma publicada com o título Patrologia sive de primitivae Ecclesiae
Christianae Doctorum vita ac lucubrationibus (Patrologia ou vida e
obras dos Doutores da Igreja cristã primitiva), no sentido de estu-
dos dos Padres do ponto de vista histórico e literário (Disponível
em:< www.veritatis.com.br/area/32>. Acesso em: 02 ago.2010).

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© Introdução à Patrologia 39

Vamos iniciar nosso estudo com a definição de Schlesinger,


segundo a qual a Patrologia pode ser definida como:
Ciência teológica que abrange em seu estudo o conjunto de escri-
tores da antiguidade cristã. Coincide, quanto à matéria e ao tempo,
com a história da literatura cristã primitiva. Formou-se pelo crité-
rio das razões teológico-dogmáticas, que caracterizaram a tradição
eclesiástica através do testemunho dos Padres da Igreja. [...] Até o
século XIX, designava a história da literatura eclesiástico-teológica.
Posteriormente, delimitou seu âmbito a época da cristianização do
mundo greco-romano. Esta ciência se ocupa não só da história da
literatura antiga, mas ainda das obras produzidas por escritores
não-eclesiásticos. Há uma estreita correlação entre os escritos dos
Padres e dos autores heterodoxos, no campo da historiografia cul-
tural e literária. Na defesa da fé, os Padres foram constantemente
estimulados pelos seus adversários e seus argumentos influíram na
maneira de articular e resolver as questões. Os monumentos lite-
rários de caráter impessoal pertencem indiretamente ao âmbito da
Patrologia. A época dos Padres da Igreja fixada dentro dos limites
dos seus primeiros séculos divide-se, de preferência, em três fases:
1) as origens (até o Concílio de Nicéia, em 325); 2) idade de ouro
(de 325 ao Concilio de Calcedônia, em 451); 3) o declínio (no Oci-
dente, até a morte de Isidoro de Sevilha, em 636; no Oriente, até
a morte de João Damasceno, cerca de 750) (SCHLESINGER, 1995,
p. 2005).

Tradicionalmente, quando se fala dos autores da Patrologia,


podemos usar as expressões: santos padres ou padres da igreja,
fazendo referência aos pensadores que sistematizaram O pensa-
mento Cristão, partindo de um contexto histórico preciso, com es-
critos de forte acento teológico e filosófico.
Dessa maneira, estudar os santos padres é entrar em conta-
to com as revelações do Verbo de Deus que continuou a se mani-
festar nos primeiros séculos do cristianismo, e continua se mani-
festando atualmente, com outras linguagens e meios.
Podemos até dizer que todo povo, toda cultura, toda religião
têm seus movimentos internos e possuem as suas bases que po-
demos chamar de origens. Eles são a expressão dos dinamismos e
ardores iniciais de um movimento fundacional e de sua expansão
e adequação aos processos históricos.
40 © Patrologia

Os santos padres são as fontes do pensamento cristão primitivo e


continuam vivos ainda hoje.

São considerados santos padres ou padres da Igreja, os escri-


tores que preenchem quatro critérios:
a) ortodoxia (fidelidade ao ensinamento de Cristo e do
Magistério);
b) santidade de vida (viveram e praticaram os ensinamen-
tos de Cristo e da Igreja);
c) aprovação eclesiástica (a Igreja os acolheu como ínte-
gros e fiéis ao ensinamento cristão);
d) antiguidade (seus escritos situam-se entre os primeiros
séculos do cristianismo até o início da Idade Média, no
século 8º).
São considerados escritores eclesiásticos aqueles padres
desse período que não preenchem totalmente os quatro critérios
anteriores. Assim, com o tempo, a Patrologia passou a estudar não
só os escritos dos santos padres, mas também outros escritos con-
temporâneos a eles:
a) Padres apostólicos.
b) Apologistas.
c) Apócrifos.
d) Escritos considerados heréticos.

Estudo da doutrina dos Santos Padres da Igreja–––––––––––


O título cristão de “Pai/Padre” aplica-se aos homens que foram considerados
Pais espirituais dos Cristãos. Foram homens que ouviram a pregação dos Após-
tolos, foram seus discípulos, por eles instituídos Bispos da Igreja e guardavam
de cabeça a doutrina apostólica. Após a morte dos Santos Apóstolos, eram con-
siderados a única referência segura quanto à Sã Doutrina, tornando-se os novos
Pais espirituais dos cristãos, não só pela pregação mas também porque através
do batismo inseriam as pessoas na Igreja.
A Igreja Antiga a partir do séc. IV restringiu o título de “Pai” somente aos Bispos.
No séc. V foi estendido também aos presbíteros (ex: São Jerônimo) e aos diáco-
nos (ex: São Efrém, o Sírio). Até hoje em algumas línguas ainda se conserva o
título de “pai/padre” para designar o sacerdote.
O Título de “Pai da Igreja” apresenta toda a rica figura paterna: o Bispo como au-

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© Introdução à Patrologia 41

têntico transmissor da sã doutrina, aquele que vela pela sucessão ininterrupta da


fé desde os apóstolos bem como pela continuidade e unidade da fé na comunhão
da Santa Igreja. A autoridade do Pai da Igreja não torna individualmente inerrante
em todos os pormenores - devendo ser fiel à Sagrada Escritura e à Regra da Fé
de toda a Igreja (Sagrada Tradição e Sagrado Magistério) - mas, em sintonia com
elas, ele é testemunha autêntica da fé e da doutrina universal da Igreja.
A partir do séc. IV, os Bispos que se destacaram particularmente na transmissão,
na exposição e defesa da sã doutrina (ex.: os Padres do Concílio de Nicéia, 325
DC) receberam o título de “Padres da Igreja” ou “Santos Padres”. A fé transmitida
pelos Santos Padres gozava de imensa credibilidade e foi base para a teologia
da Igreja.
Devido à importância que os Santos Padres tinham como testemunhas privile-
giadas do Depositum Fidei (Depósito da Fé) da Santa Igreja, esta desenvolveu o
conceito da “prova patrística”. A prova patrística foi utilizada pela primeira vez por
São Basílio Magno, que acrescentou em sua obra “O Espírito Santo” (374/75 DC)
uma lista de Padres da Igreja para apoiar sua opinião doutrinária sobre o Espírito
Santo. Esta obra de São Basílio serviu de base para o Concílio de Constantinopla
declarar o dogma da Divindade do Espírito Santo. Vemos que foi a fé dos Santos
Padres que foi usada para o fundamento da fé que hoje temos na Divindade do
Espírito Santo, pilar fundamental da doutrina da Santíssima Trindade.
Santo Agostinho serve-se também da prova patrística a partir de 412, especial-
mente na controvérsia contra o pelagianismo. São Cirilo de Alexandria também
se utilizou dela durante o Concílio de Éfeso, lendo as obras dos Santos Padres,
fazendo com que o Sínodo aceitasse oficialmente o título Theotókos (Mãe de
Deus) para Santa Maria. O uso constante da prova patrística como verificação
da autenticidade da fé, fez com que São Vicente de Lérins criasse o clássico
conceito de “magistri probabiles” em seu Communitorium (434), desenvolvendo
a teoria da prova Patrística.
O estudo da fé dos Santos Padres é de fundamental importância para todo cris-
tão que deseja estar posse de fé comum da Igreja Primitiva. Nosso Senhor Jesus
Cristo orou ao Pai pela união dos Cristãos (cf. Jô 17, 6-24). Assim, todo cristão
tem a obrigação de buscar a unidade da fé; e o primeiro passo para isto é conhe-
cendo a antiga fé dos cristãos, deixada pelos Santos Apóstolos e assegurada pe-
los Pais da Igreja. Passo seguro para a unidade dos cristãos é estar de posse do
que nos era comum, ter conhecimento e professar a fé da Igreja indivisa. (LIMA.
Disponível em:< www.veritatis.com.br/area/32>. Acesso em: 02 ago. 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Patrística
Vejamos agora uma definição de Patrística, bem como de pa-
dres da Igreja segundo Schlesinger:
O termo deriva da expressão teologia patrís!ca que os teó-
logos do século XVII desenvolveram para dis!ngui-la da theologia
bíblica, scholas!ca, specula!va et symbolica. A patrís!ca não se
iden!fica com a história dos concílios e dos dogmas, embora, ao re-
lacionar a vida e a produção literária dos Padres da Igreja, também
se ocupe em apreciar-lhes a importância para a a!vidade sinodal
42 © Patrologia

da Igreja e para o aprofundamento da fé (SCHLESINGER, 1995, p.


2005).

Padres Da Igreja
Conjunto de escritores eclesiásticos da antiguidade cristã, teste-
munhas da doutrina tradicional da Igreja [...] Em razão da língua,
dividem-se em Padres Gregos (orientais) e Padres Latinos (ociden-
tais). Os quatro maiores da Igreja ocidental são: Ambrósio, Agos-
tinho, Jerônimo e Gregório. Os três nomes mais conspícuos entre
os orientais são: Basílio, Gregório Nazianzeno e João Crisóstomo.
O termo PADRES, atribuído aos bispos e mestres da antiguidade
cristã, é de origem eclesiástica. Foi primeiro aplicado aos Bispos do
Concílio de Nicéia (325). Partia-se da ideia análoga à do judaísmo,
de que personificavam o início da tradição (Eclo 8,9; Flávio Josefo,
Antiqu. 13,297). Gradativamente, as primeiras testemunhas des-
ta tradição, em geral, que eram bispos, passaram a ser os padres
por excelência. Como o tempo,,incluíram sob essa denominação
também presbíteros, como S. Jerônimo, e leigos, como Próspero
de Antioquia. Com a controvérsia nestoriana, o testemunho dos
padres ganhou maior prestígio, multiplicando-se as coletâneas. No
Ocidente, a substância da doutrina dos padres foi absorvida pela
teologia do começo da Idade Média. No Oriente, a era dos padres
se encerrou com a Doctrina Patrum e as obras de João Damasceno
(c.650-754) (SCHLESINGER, 1995, p. 2005).

Nova Patrologia
O estudo da Patrologia, no decorrer dos séculos, passou por
processos de evolução e ampliação, Assim, Pierini, em sua obra
Mil Años de Pensamiento Cristiano, fala da nova Patrologia, com a
intenção de dar resposta a alguns critérios fundamentais que ele
expressa sinteticamente desta maneira:
a) O pensamento cristão representa a expressão de uma novidade.
b) A novidade cristã se expressa como uma atividade de comunica-
ção social que abarca todos os documentos, sob todos os aspec-
tos.
c) A novidade cristã, sendo uma atividade de comunicação social,
não abarca só documentos, mas também os monumentos.
d) A novidade cristã, em sua primeira fase, se estende por um arco
de mil anos.

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© Introdução à Patrologia 43

e) A novidade cristã se encontra na raiz das culturas nacionais nascidas


da cepa da antiga civilização mediterrânea (PIERINI, 1993, p. 8).

6. CRONOLOGIA
Quando se fala na divisão da Patrologia, pode-se pensar
numa divisão por assuntos, por grupos de escritores cristãos ou
cronologia. Propomos aqui a divisão feita em períodos de um sé-
culo, exposta por Pierini:
Vejamos:
SÉCULO 1º
O cristianismo começa sua difusão no âmbito do Império Roma-
no. Aparecem os escritos dos mais antigos testemunhos cristãos,
a partir da I carta aos tessalonicenses, escrita por Paulo em torno
do ano 50. Nasce também uma literatura dos denominados padres
apostólicos, como a carta do papa Clemente aos coríntios, do ano
96. É a época na qual domina a mentalidade ´judeu-cristã(s)´. De-
clamação e cantos, salmodia de tipo responsorial, hinos e cânticos
são as formas originárias do canto e da música cristã.
SÉCULO 2º
O cristianismo vai se consolidando apesar das primeiras persegui-
ções. Seguem aparecendo as obras dos ´padres apostólicos´ (como
Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna), mas começa também
a apologética cristã, particularmente por obra de Justino. No final
do século, por causa do nascimento das heresias gnósticas, apare-
cem as controvérsias, com Irineu de Lyon. Começa a transição para
a mentalidade clássica. A língua usada é quase exclusivamente a
grega.
SÉCULO 3º
É o século no qual o cristianismo, que se consolidou definitivamen-
te, dá origem às primeiras verdadeiras correntes e escolas teológi-
cas e literárias: em Roma, com Hipólito e Novaciano; em Cartago,
com Tertuliano e Cipriano; em Alexandria do Egito, com Clemente
e Orígenes. A literatura cristã segue cada vez mais a linha clássica,
tanto na língua grega como na latina. Nasce a arte cristã nas cata-
cumbas e nas domus ecclesiae.
SÉCULO 4º
Começa a era constantiniana: o cristianismo obtém a paz e o reco-
nhecimento oficial por parte do império. Este momento de transi-
44 © Patrologia

ção está representado principalmente pelas obras de Lactâncio e


de Eusébio de Cesaréia. Neste tempo estalam as crises donatista e
ariana, e se convoca o primeiro concílio ecumênico em Nicéia (325).
A polêmica teológica estimula a atividade literária tanto no Oriente
(Atanásio, os Capadócios, João Crisóstomo etc.) e no Ocidente (Hi-
lário, Ambrósio, Jerônimo etc.). Surgem as primeiras grandes basí-
licas, desenvolvem-se as artes figurativas, os ambientes cidadãos
adquirem fisionomia cristã, nasce o fenômeno do monaquismo. O
canto cristão se enriquece com os diferentes tipos de execução an-
tifônica, aleluiática, e com os grandes hinos ambrosianos.
SÉCULO 5º
Também este século, açoitado pelas invasões bárbaras, está do-
minado pelas controvérsias teológicas: seguem o donatismo e o
arianismo, logo o pelagianismo, o nestorianismo e o monofisismo.
Foram celebrados os concílios de Éfeso (431) e de Calcedônia (451).
No Ocidente sobressaem Agostinho e o papa Leão I; no Oriente,
Cirilo de Alexandria, Teodoro de Mopsuéstia e Teodoreto de Ciro.
A arte figurativa foi se estilizando e adquiriu não só conteúdos cris-
tãos crescentes, mas também formas caracteristicamente espiritu-
ais. Desenvolveram-se os cantos das diferentes liturgias do Oriente
(especialmente a bizantina e a ciríaca) e do Ocidente (romana, ga-
licana e visigótica).
SÉCULO 6º
É o século do imperador Justiniano I e do papa Gregório I. As con-
trovérsias teológicas foram se apagando no Ocidente, enquan-
to permaneceram vivas no Oriente, onde se reuniu o Concílio de
Constantinopla (553). Boécio, Cassiodoro, Cesário de Arles, Gregó-
rio de Tours servem como mediadores entre os romano-cristãos e
os bárbaros. Na Síria, aparece a obra do denominado Dionísio, o
Areopagita. Consolidam-se as primeiras literaturas nacionais cris-
tãs (armênia, siríaca etc.). A arte bizantina cria suas obras mestras,
enquanto o Ocidente adquire formas tipicamente bárbaras. No Oci-
dente avança a ´reforma´ litúrgica que receberá o nome do papa
Gregório I (canto gregoriano).
SÉCULO 7º
O monofisismo renasce sob a forma de monotelismo, mas é con-
denado pelo III Concílio de Constantinopla (680-681), enquanto se
verifica a primeira expansão do islamismo. No Oriente, a atividade
teológica e literária tem dois pontos de referência ilustres, que são
Sofrônio de Jerusalém e Máximo, ´o Confessor´. No Ocidente, en-
quanto se realiza a fusão entre os elementos romanos e bárbaros,
é a época dos compiladores como Isidoro de Sevilha. A arte está em
decadência e apresenta aspectos repetitivos. Começa o desenvolvi-
mento das músicas litúrgicas armênia, copta e etiópica. No Ociden-
te se difunde o canto gregoriano.

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© Introdução à Patrologia 45

SÉCULO 8º
No Oriente se desencadeou a luta contra os ícones, defendidos por
Germano de Constantinopla e João Damasceno. O II Concílio de Ni-
céia (787) aprova a doutrina dos ícones. No Ocidente está se desen-
volvendo um renascimento cultural e literário no ambiente anglo-
saxão, representado por Beda, o Venerável. Esse renascimento está
na raiz do incipiente renascimento carolíngio, tanto literário como
artístico, estimulado pela atividade de Alcuíno de York. No Império
Carolíngio, enquanto começam a entrar na práxis as fórmulas mu-
sicais da sequência, do tropo e do versus, se abre caminho para a
unificação das liturgias na liturgia romano-galicana (PIERINI, 1993,
p. 254-257).

7. DIVISÃO DA ERA PATRÍSTICA


Para alguns autores, a Patrologia dividiu-se, além da questão
contextual e cronológica, no contexto teológico e histórico-políti-
co.
Vejamos o que diz Figueiredo sobre esses dois aspectos:

a) TEOLÓGICO – Nota-se certa diferença teológica entre o Ocidente


e o Oriente. Por razões históricas, Roma e as Igrejas imediatamen-
te unidas a ela (Gália, Espanha, África do Norte) se desenvolvem
numa relativa independência em relação às Igrejas do Oriente: isto
se reflete nas diferentes profissões de fé, nas celebrações litúrgicas
em na atitude doutrinária. Os teólogos orientais se mostram mais
audaciosos e inclinados à especulação enquanto os latinos (ociden-
tais) se dedicam mais à exposição da Regra de Fé. Estes refletem
certa hostilidade para com a filosofia e limitam a teologia a uma
simples apresentação das doutrinas contidas na Sagrada Escritura;
aprovam os ´simples crentes´ que se contentam com a Regra de Fé.
Faz-se, pois, uma distinção entre a razão e a fé, como uma superio-
ridade incontestável desta sobre aquela. Surge por consequência
certo personalismo, acentuando a autoridade pessoal no que tan-
ge à transmissão e ao ensinamento da doutrina cristã. Os orientais
acentuam mais o aspecto mistérico, buscando, a partir da Escritura
e da Tradição, a significação mais profunda do mistério de Deus,
de seu universo e de seu desígnio de salvação. Ela deverá conduzir
normalmente à contemplação e ao êxtase. Em vista disto, os orien-
tais distinguem os cristãos em ´simples crentes´, com tendência a
desprezá-los, e em ´espirituais´ ou ´gnósticos´ ou ´perfeitos´, consi-
derados especialmente privilegiados por Deus.
46 © Patrologia

b) HISTÓRICO-POLÍTICO – Tal aspecto é marcado, de modo especial,


pela reconciliação da Igreja com o Império Romano realizada por
Constantino (306-337), da qual o Concílio de Nicéia (325) é o símbo-
lo. Até Constantino a Igreja era perseguida, devendo adaptar-se ao
meio ambiente e ao mesmo tempo defender-se de outras doutrinas,
tais como o gnosticismo. A situação então se transforma e a Igreja
começa a gozar dos favores do Estado. O cristianismo é um poder
no Império que vai substituindo pouco a pouco a religião oficial,
o que se dá definitivamente com Teodósio I. Cresce sempre mais
a convicção de que as coisas de César, ainda que distintas das de
Deus, não são separadas; pelo contrário, unidas de tal modo que as
primeiras sejam subordinadas às segundas. Pouco a pouco se modi-
fica a imagem do imperador: ele se torna representante de Cristo,
encarregado de conduzir a humanidade a Deus e preocupado em
zelar pela aplicação das decisões dos bispos. Isso obriga o cristia-
nismo a exercer a função específica que a religião pagã possuía em
relação ao Império, isto é, a de unificação e consolidação. Mas para
tanto ele devia resolver o conflito existente no interior dela mes-
ma, chegando à formulação duma autêntica Regra de fé que fosse
adotada igualmente por todas as igrejas. E provar que era capaz de
atrair uma grande e importante porcentagem da população pagã,
mesmo dentre os que a ela se opunham. Em consequência, inicia-se
na Igreja uma era de vivas controvérsias e os bispos e os concílios
tornam-se os instrumentos reconhecidos na definição do dogma. A
teologia cristã se desenvolve, e as definições elaboradas em uma
atmosfera de controvérsia e de rivalidade muitas vezes pouco edi-
ficantes se revelam de caráter duradouro ( FIGUEIREDO , 1986, p.
18-20).

8. CONTEXTO E AMBIENTE DOS SANTOS PADRES


Ao estudar a Patrologia, é importante estarmos atentos ao
ambiente e às circunstâncias em que os padres da Igreja viveram,
ou seja, a sociedade do século 1º ao século 10, com suas caracte-
rísticas:
a) históricas;
b) geográficas;
c) demográficas;
d) econômicas;
e) sociais.

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© Introdução à Patrologia 47

Os escritos dos santos padres foram influenciados pela histó-


ria e suas circunstâncias que ajudaram a transformá-la.
Assim, sobre a questão geográfica, podemos afirmar que o
espaço do santos padres ocorreu, essencialmente, em torno do
mar Mediterrâneo, abrangendo o norte africano, centro-sul euro-
peu e médio oriente. Temos, também, alguns escritores na Irlanda,
na Etiópia e no leste europeu.
Com base nos primeiros séculos, podemos dizer que os san-
tos padres viveram em torno do Império Romano, bem urbaniza-
do, unido por grandes estradas e por forte rede de comunicação
terrestre e marítima. Esse contexto geográfico sofreu grande crise
com as invasões bárbaras dos séculos 2º e 3º e com a expansão
muçulmana a partir do século 7º, que influenciou a questão eco-
nômica naquele momento.
Surgiu, dessa forma, um mundo romano marcado pelo do-
mínio de uma elite sobre uma grande população de escravos, com
suas exclusões e injustiças. Muitos pesquisadores aprofundaram
as mudanças ocorridas com a influência e aplicação dos princípios
cristãos ao mundo romano: a crítica e restrições à escravidão, a
caridade cristã e a promoção dos direitos humanos com críticas
sociais de muitos santos padres. Dessa maneira, pouco a pouco,
as leis em torno do trabalho foram mudando, e, com isso, certa
liberalização das relações. Tudo isso favoreceu várias inovações
tecnológicas, tais como:
a) o uso do moinho;
b) o arado;
c) a ferradura e outras novidades.
No fim do período medieval, o mundo rural foi entrando em
crise, e os comerciantes começaram a se fortalecer em torno do
mundo burguês, com novos modos de relações. Assim, podemos
afirmar que os santos padres viveram num mundo marcado pela
vida rural e agrária, pelas pequenas produções artesanais e por
uma economia de subsistência.
48 © Patrologia

O mundo da Patrologia também foi marcado pela questão


demográfica. Em torno do mundo rural, ocupava espaço, insubsti-
tuível, a família. Calcula-se que, no início da era cristã, a população
do Império Romano girava em torno de 54 milhões, com uma mé-
dia de 16 habitantes por quilômetro quadrado.
Vejamos o que nos fala Pierini:
Os séculos I e II constituem verossimilmente os séculos mais feli-
zes, desde o ponto de vista econômico-demográfico para o mun-
do mediterrâneo subterrâneo sob o Império Romano. Mas logo
intervieram as crises demográficas, a partir dos meados do século
III, devidas a uma multiplicidade de fatores, como as epidemias, as
invasões e as guerras, as carestias, o fiscalismo, a própria vontade
de limitação de natalidade. As invasões dos séculos V-VIII não in-
troduzem no império grandes massas de povos, se tem em conta
que as populações bárbaras que se deslocavam nunca conseguiram
superar isoladamente, as duzentas mil unidades. Por isso, neste pe-
ríodo, o recesso demográfico, na parte ocidental do Mediterrâneo,
se acentuou nos anos sucessivos e o crescimento populacional se
notou somente a partir do século VIII na Itália, e logo em outros
países... Na parte oriental do Mediterrâneo se pode supor que a
população, pelo contrário, foi crescendo até a época de Justiniano
(século VI) e, depois de uma crise com a peste dos anos 746-747
até os séculos IX-X. Também no campo demográfico, a influência
do cristianismo foi profunda, mas se manifestou progressivamente.
As práticas antidemográficas muito difundidas como a contracep-
ção, o aborto e o abandono dos recém-nascidos foram rejeitadas
pelos padres repetidas vezes até o período ao qual nos referimos.
Incidência profunda sobre a situação da família e da população ti-
veram particularmente a exaltação e a prática da castidade e da
virgindade, a difusão do celibato clerical e a atração à solidão do
´deserto´. Todos estes elementos, unidos à promoção da dignidade
da mulher, transformaram os costumes, as leis, as estruturas, des-
de o ponto de vista da sexualidade e da família. (PIERINI, 1993. p.
247-249).

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder

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© Introdução à Patrologia 49

a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para


sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Ficou clara a definição de Patrogologia?
2) Em qual contexto eclesial e social se inserem a vida e os
escritos dos Santos Padres?
3) Você assimilou a divisão cronológica da Patrologia?

10. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao final da primeira unidade introdutória de Pa-
trologia, com noções básicas para que você possa compreender os
objetivos deste curso e os principais temas a serem estudados.
Esperamos que agora possamos iniciar a próxima unidade,
aprofundando-nos mais sobre os autores e escritos patrísticos.
Bom estudo!

11. E! REFERÊNCIA
LIMA, A. R. ESTUDO DA DOUTRINA DOS SANTOS PADRES DA IGREJA. Disponível em: <
www.veritatis.com.br/area/32>. Acesso em: 02 ago. 2010.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DOBRENER, R. H. Manual de patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003.
FIGUEIREDO, F. A. Introdução à patrística. Petrópolis: Vozes, 2009
HAMMAN, A. Os padres da igreja. São Paulo: Paulinas, 1980.
PIERINI, F. Mil años de pensamiento cristiano. Bogotá: San Pablo, 1993.
SPANEUT, M. Os padres da igreja. São Paulo: Loyola, 2000-2002.
50 © Patrologia

TREVIJANO, R. Patrología. Madrid: BAC, 1994.


ALBERIGO, G. História dos concílios ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1995.
DICIONÁRIO DE ANTIGUIDADES CRISTÃS. Petrópolis/São Paulo: Vozes-Paulus, 2002.
FIGUEIREDO, A. F. Curso de teologia patrística. Petrópolis: Vozes, 1983 a 1990 V. 1, 2 e 3.
______. Curso de teologia patrística I. Petrópolis: Vozes, 1986.
GOMES, C. F. Antologia dos santos padres. São Paulo: Paulinas, 1979.
HAMMAN, A. Para ler os padres da igreja. São Paulo: Paulus, 1995.
SCHLESINGER, H-Porto H. Dicionário enciclopédico das religiões. Petrópolis: Vozes, 1995
v.2.

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EAD
Escritos Patrísticos
dos Três Primeiros
Séculos
2
1. OBJETIVOS
• Compreender e identificar a literatura cristã dos três pri-
meiros séculos.
• Conhecer e classificar os padres apostólicos e apologis-
tas.
• Apontar e analisar os apologistas gregos e latinos.
• Identificar e distinguir os escritores eclesiásticos, bem
como os escritos apócrifos e as escolas teológicas.

2. CONTEÚDOS
• Padres apostólicos.
• Apologistas.
• Apologistas gregos.
• Apologistas latinos.
52 © Patrologia

• Escritores eclesiásticos dos três primeiros séculos.


• Escolas teológicas.
• Escritos apócrifos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para que seu estudo seja proveitoso, é preciso levar em
consideração que o conteúdo desta unidade pressupõe
familiaridade, conhecimento e contato pessoal com as
obras indicadas. Desse modo, sugerimos que você leia
a seguinte obra: FRANGIOTTI, R. Padres Apologistas. 2.
ed. Tradução de Ivo Storniolo; Euclides M. Balancini. São
Paulo: Paulus, 1995..
2) Sugerimos, também, a obra: FARIA, F.J. As Origens Apó-
crifas do Cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2003.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
No estudo da unidade anterior, você foi subsidiado com con-
teúdos relacionados à Patrologia.
Já nesta unidade entraremos em contato especialmente com
a literatura cristã dos três primeiros séculos, ou seja, o período que
vai do início do cristianismo até o Concílio de Nicéia (325).
Não nos deteremos nos escritos neotestamentários, pois
os mesmos são estudados na área bíblica. Do final do século 1°
até meados do século 2°, temos os chamados escritos dos padres
apostólicos, registrados no interior da Igreja e voltados para ela
mesma. São escritos de edificação mútua e instrução recíproca.
Apesar das perseguições iniciais e do surgimento das primei-
ras heresias e seitas, temos uma expansão do número dos cristãos.
Surgem, assim, os escritos que giram em torno da organização
eclesial e os que visam defender a Igreja dos ataques judeus e das
perseguições. No final do século 3°, surgirão escritores que apro-
fundarão vários temas ligados à dogmática cristã, com destaque

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 53

para a questão trinitária e cristológica. Muitos desses escritos se-


rão, ao mesmo tempo, a base do pensamento ortodoxo com gran-
des elaborações teológicas, como também das grandes heresias
do período pós-niceno.

5. PADRES APOSTÓLICOS
Neste grupo elencamos os textos cristãos que foram escritos
logo depois dos escritos do Novo Testamento, situados no fim do
século 1° e meados do século 2° (alguns situam-nos entre os anos
70 a 170). Os padres apostólicos foram discípulos dos apóstolos e
mantiveram viva a tradição apostólica.
A denominação “Padres Apostólicos” foi usada pela primeira
vez por Cotelier, em 1672, fazendo menção aos escritos de Barna-
bé, Clemente Romano, Hermas, Inácio de Antioquia e Policarpo
de Esmirna. Posteriormente, foram incluídos neste grupo, Pápias,
Carta a Diogneto e a Didaqué ou Doutrina dos Apóstolos.
Tecnicamente, esses padres formam um grupo bem hetero-
gêneo; escrevem em grego da koiné e têm o estilo de cartas pas-
torais. Esses escritos são geralmente dirigidos em um sentido de
edificação e de instrução: eles entendem corroborar, explicar e
aprofundar a pregação oral.
Falando de suas características, Santidrián afirma que estes
escritos:
Representam a passagem ou ponte entre os escritos canônicos do
NT e a literatura subseqüente dos finais do século II, em que apare-
ce outro tio de escritos: apologistas, santos padres, historiadores,
etc. ´Dois dos santos evangelhos, Atos e cartas dos apóstolos, não
tem conjunto algum de obras que nos dêem uma impressão tão
imediata, tão íntima, tão cálida da vida da Igreja´. Os padres apos-
tólicos constituem a fonte primeira da tradição viva não canônica.
Nos permitem descobrir a fé e a práxis de uma Igreja que caminha
nutrindo-se da eucaristia e do evangelho, permanecendo na ora-
ção do Senhor e obediente aos pastores, representantes do único
pastor, Cristo. Esta Igreja primitiva, tal como aparece nos escritos
dos padres apostólicos, se apresenta como exemplo vivo da Igreja
54 © Patrologia

de todos os tempos: fiel ao Senhor e aos apóstolos, à espera da


segunda vinda (SANTIDRIÁN, 1991).
Cons!tuindo a fonte mais an!ga depois dos escritos neotes-
tamentários, assumem para a história do cris!anismo primordial,
da sua doutrina, da sua cons!tuição, da piedade e dos costumes,
uma importância absolutamente singular (BYHLMEYER-TUECHLE,
1963 p. 172).

Padres Apostólicos
Vejamos, a seguir, os principais escritos:

Didaké (90-100)
A Doctrina apostolorum foi descoberta no ano 1883, em
Constantinopla, foi redigida entre os anos 90-100 d.C. em Antio-
quia e não se conhece o seu autor. É o documento mais importan-
te da era pós-apostólica e:
Uma espécie de manual de religião, que contém um catecismo mo-
ral (capítulo 1-6, a doutrina das duas vias, da vida e da morte) e um
ritual; este último trata do batismo, do jejum, da prece eucarísti-
ca e dita normas sobre o modo de receber os apóstolos, isto é, os
pregadores ambulantes, os profetas e os irmãos viajantes e, além
disso, sobre a celebração do domingo, sobre a eleição dos bispos e
diáconos (BYHLMEYER-TUECHLE, 1963, p. 173).

Seu texto, que encabeça o gênero literário das ordens ou


constituições eclesiásticas, está dividido nos seguintes capítulos:
a) Capítulo 1 a 6: é um texto em que fala dos deveres do
cristão, seguindo a proposta das duas vias (a via da vida
e a via da morte).
b) Capítulo 7 a 10: instruções litúrgicas ou uma catequese
ética pré-batismal, em que fala do batismo, jejum, ora-
ção e Eucaristia.
c) Capítulo 11 a 15: normas disciplinares com regulamento
para as comunidades; trata das obrigações espirituais,
da caridade e governo interno da comunidade.
d) Capítulo 16: um epílogo, no qual trata da segunda vin-
da do Senhor e dos deveres cristãos a serem preparados

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 55

para a vinda, ou seja, é um texto com discurso escato-


lógico.

TRECHOS DA DIDAKÉ ––––––––––––––––––––––––––––––––


1. Existem dois caminhos: um é o caminho da vida, e o outro, o da morte. A
diferença entre os dois é grande. Viver é amar. O caminho da vida é este: em
primeiro lugar, ame a Deus que criou você. Em segundo lugar, ame a seu próxi-
mo como a si mesmo. Não faça a outro nada daquilo que você quer que façam
a você.
A violência do amor: não se deixe levar pelos impulsos instintivos. Se alguém lhe
dá uma bofetada na face direita, ofereça-lhe também a outra face, e você será
perfeito.
2. Exigências do amor ao próximo. O segundo mandamento da instrução é este:
não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não rou-
be, não pratique magia, nem feitiçaria. Não mate a criança no sei de sua mãe,
nem depois que ela tenha nascido. Não cobice os bens do próximo, não jure fal-
so, nem preste falso testemunho. Não seja maledicente, nem vingativo. Não seja
duplo no pensar e no falar, porque a duplicidade e armadilha mortal. Que a sua
palavra não seja falsa ou vazia, mas e comprove na prática. Não seja avarento,
nem ladrão, nem fingido, nem malicioso, nem soberbo. Não planeje o mal contra
seu próximo. Não odeie a ninguém, mas corrija uns, reze por outros, e ainda ame
os outros, mais do que a si mesmo.
3. Meu filho, procure evitar tudo o que é mau e tudo o que se pareça com o
mal. Não seja colérico [...] não seja cobiçoso de mulheres [...] não seja dado à
adivinhação, pois a adivinhação leva à idolatria [...] não seja mentiroso, porque
a mentira leva ao roubo [...] não seja murmurador, porque a murmuração leva à
blasfêmia [...]
16. Vigiem sobre a vida de vocês. Não deixem que suas lâmpadas se apaguem,
nem soltem o cinto dos rins [...] Reúnam-se com freqüência para procurar o que
convém a vocês [...] (FRANGIOTTI, 1995. p. 343-359).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Clemente Romano (Ano 95)


O papa Clemente foi o terceiro sucessor de Pedro, posterior
a Lino e Anacleto. Depois do ano 95 escreveu uma Carta à Igreja
de Corinto em nome da Igreja de Roma, contra alguns infiéis que
destituíram os seus presbíteros, recusando obediência aos mes-
mos. Diante do conflito, ele foi chamado a intervir e agiu como
chefe da Igreja. A intervenção da Igreja romana em um assunto
particular de outra Igreja, que tem por fundador Paulo, indica a
preeminência daquela. Foi atribuída a Clemente uma segunda car-
ta (homilia), falsamente.
56 © Patrologia

Clemente possuía, na sua época, grande autoridade, embora te-


nha sido conservado apenas um escrito de sua autoria: a carta aos
Coríntios. A Igreja na Síria atribuiu a esta carta valor canônico, e o
Codex Alexandrinus da Bíblia a incluiu entre os livros inspirados. Em
torno do ano 170 o bispo Dionísio de Corinto atesta a sua leitura
litúrgica. Orígenes e Eusébio identificam Clemente com o colabo-
rador de Paulo citado em Fl 4,3. De acordo com Santo Ireneu, ele
foi o terceiro sucessor de Pedro em Roma (Pedro, Lino, Anacleto,
Clemente). Para Tertuliano, no entanto, Clemente recebeu a Ordem
diretamente do Príncipe dos Apóstolos. O seu exílio para o Querso-
neso Taurino e o seu martírio no mar Negro não podem ser consi-
derados como fatos históricos.
A carta aos Coríntios, de Clemente, foi redigida nos últimos anos
de Domiciano imperador (c. de 96). A razão de tal carta foram
contendas naquela igreja. Membros mais jovens da comunidade
haviam deposto os presbíteros. Quando a notícia chegou a Roma,
Clemente interveio. Nesta carta podemos detectar já a presença e
o exercício do carisma petrino. Com autoridade, o bispo da Cida-
de Eterna exorta os coríntios a se submeterem aos seus superiores
eclesiásticos, exigindo que a estrutura hierárquica da Igreja de Deus
seja respeitada (Disponível em: <www.bibliacatolica.com.br/histo-
ria_igreja12php>. Acesso em: 2 ago. 2010).

O texto estabelece alguns princípios gerais no que diz res-


peito à posição hierárquica na comunidade e sobre a convivência
da comunidade cristã. Está assim dividido: relação entre os dois
testamentos e afirmação de que existe uma única história da salva-
ção; conceito de Igreja, povo de Deus; composição da assembleia
e distinção entre presbíteros e leigos.
TRECHOS DA CARTA:
SAUDAÇÃO. A igreja de Deus que vive como estrangeira em Roma,
para a Igreja de Deus que vive como estrangeira em Corinto. Aos
que se chamam santificados na vontade de Deus, por nosso Senhor
Jesus Cristo. Que a graça e a paz da parte de Deus todo-poderoo,
por meio de Jesus Cristo, se multipliquem entre vos.
A REVOLTA. Irmãos, pelas desgraças e adversidades imprevistas,
que nos aconteceram uma após outra, acreditamos ter demorado
muito para dar atenção às coisas que entre vós se discutem. Ca-
ríssimos não nos referimos à revolta abominável e sacrílega, que
é estranha e alheia aos eleitos de Deus. Alguns poucos insensatos
e arrogantes acederam-na, chegando a tal ponto de loucura que
o vosso nome venerável, célebre e amado por todos os homens,
ficou fortemente comprometido.

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 57

A SANTIDADE DE OUTRORA. De fato, quem esteve convosco, sem


reconhecer que vossa fé era firme e cheia de todas as virtudes?
Quem não admirou a vossa piedade consciente e amável em Cris-
to?
CONSEQUÊNCIAS FUNESTAS DA DISCÓRDIA. Toda honra e abun-
dância vos tinham sido concedidas e cumpriu-se aquilo que está
escrito: `O amado comeu e bebeu, se alargou, engordou e recal-
citrou.´ Daí surgiram ciúme e inveja, rixa e revolta, perseguição e
desordem, guerra e cativeiro. Dessa forma os sem honra se rebela-
ram contra os honrados, os obscuros contra os ilustres, os insensa-
tos contra os sensatos, os jovens contra os anciãos ( FRANGIOTTI,
1995, p. 23-25).

Inácio de Antioquia (110 d.C.)


Inácio era considerado por alguns estudiosos como o tercei-
ro bispo de Antioquia, pois São Pedro, como fundador da comu-
nidade, foi nomeado o primeiro. Em 110 d.C., foi levado a Roma
para ser exposto às feras do circo. Durante sua viagem de Antio-
quia a Roma, parou nas cidades de Esmirna e Troas, onde escreveu
seis cartas às igrejas pelas quais haveria de passar a comitiva. As
cartas foram enviadas a Éfeso, a Magnésia, a Tralle, a Filadélfia, a
Esmirna, a Roma e uma dirigida pessoalmente a Policarpo de Es-
mirna. Nelas, ele agradece o apoio das comunidades e pede que
não intercedam junto ao imperador por sua liberdade. Elas já re-
presentam, no início do século 2°, a comunhão entre as igrejas e a
dimensão católica do cristianismo.
As cartas genuínas contêm exortações em favor da unida-
de da Igreja, convidando todos a se manter unidos em torno da
tradição apostólica; avisos contra os que, nessa época, no seio do
cristianismo, já caíam no risco da heresia (judaizantes e os doce-
tas); expressões ardentes de seu desejo de martírio. Têm relevo
especial os louvores tributados à Igreja Romana, que preside na
caridade.
No século 5° essas cartas autênticas foram falsificadas ou in-
terpoladas e apareceram outras 6, inteiramente falsificadas, com
seu nome. Essas falsificações dão ideia da autoridade e importân-
58 © Patrologia

cia que lhe foi concedida sempre na Igreja como protótipo do ver-
dadeiro bispo.
Para Inácio, a eucaristia é “a carne de nosso Salvador Jesus Cristo,
que sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressus-
citou”. Ensina que para a unidade da Igreja é fundamental a comu-
nhão com a hierarquia: bispos, presbíteros e diáconos. Santo Inácio
utiliza, pela primeira vez, o termo “Igreja católica” para designar a
verdadeira Igreja de Jesus Cristo. “Onde aparece o bispo, aí esteja
a multidão, do mesmo modo que onde está Jesus Cristo, aí está a
Igreja católica”. Distingue a comunidade de Roma dentre todas as
demais. É ela a igreja que “preside na região dos romanos, digna de
Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor,
digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta
a lei de Cristo, que porta o nome do Pai...” Lá os apóstolos Pedro e
Paulo selaram seu testemunho. Em Roma se encontra o autêntico
magistério da fé. Seu martírio ocorreu por volta do ano 110 (Dis-
ponível em: <www.bibliacatolica.com.br/historia_igreja12php>.
Acesso em: 02 ago. 2010.
INÁCIO AOS EFÉSIOS
Exortação à unidade. Não vos dou ordens como se fosse uma pes-
soa qualquer. Embora eu esteja acorrentado por causa do Nome,
ainda não atingi a perfeição em Jesus Cristo. Com efeito, agora es-
tou começando a aprender e vos dirijo a palavra como a condis-
cípulos meus. Sou eu quem teria necessidade de ser ungido por
vós com a fé, a exortação, a perseverança e a paciência. Todavia, o
amor não me permite calar a respeito de vós. É por isso que dese-
jo exortar-vos a caminhar de acordo como o pensamento de Deus
(FRANGIOTTI, 1995, p. 82-83).
INÁCIO AOS ROMANOS.
Não impedir o martírio. Não desejo que agradeis aos homens, mas
que agradeis a Deus, como de fato o fazeis. Eu não teria outra oca-
sião como esta para alcançar a Deus, e vós, se ficásseis calados, po-
deríeis assinar obra melhor. Se guardásseis silêncio a meu respeito,
eu me tornaria pertencente a Deus. Se amais minhas carne, porém,
ser-me-á preciso novamente correr. Não desejeis nada para mim,
senão ser oferecido em libação a Deus, enquanto ainda existe altar
preparado [...]
Sou trigo de Deus. Escrevo a todas as Igrejas e anuncio a todos que,
de boa vontade, morro por Deus, caso vós não me impeçais de o
fazer. Eu vos suplico que não tenhais benevolência inoportuna por
mim. Deixai que eu seja pasto das feras, por meio das quais me é
concedido alcançar a Deus. Sou trigo de Deus, e serei moído pelos
dentes das feras, para que me apresente como trigo puro de Cristo.
Ao contrário, acariciais as feras, para que se tornem minha sepul-

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 59

tura e não deixem nada do meu corpo, para que, depois de morto,
eu não pese a ninguém. Então eu serei verdadeiramente discípulo
de Jesus Cristo, quando o mundo não vir mais o meu corpo [...]
(FRNANGIOTTI, 1995, p.104-105).

Carta de Barnabé ou Pseudo-Barnabé (140)


Essa carta, atribuída a Barnabé, colaborador de Paulo, teria
sido escrita em torno do ano 140 d.C., talvez em Alexandria. Ela é
considerada um tratado teológico que tem a forma de carta. Foi es-
crita por um autor desconhecido com a intenção de acabar com as
objeções judaicas contra o cristianismo. Na primeira parte consta
uma sessão mais doutrinal (comentário ao Antigo Testamento e a
figura de Cristo) e outra mais moral, com mandamentos, virtudes,
pecados e vícios a serem evitados, seguidos de uma conclusão.
O conteúdo dessa carta tenta dar uma resposta sobre o valor
da revelação do Antigo Testamento para os cristãos e, por isso, de-
monstra pouco respeito pelo Antigo Testamento, com visão muito
negativa sobre a história de Israel.
Na verdade a única referência que temos sobre este Barnabé é
uma epístola. Clemente Alexandrino, Orígenes e a tradição em ge-
ral, atribuem esta epístola ao Barnabé companheiro de São Paulo.
Eusébio de Cesaréia e Jerônimo consideram o documento como
apócrifo (Disponível em: <www.bibliacatolica.com.br/historia_igre-
ja12php>. Acesso em: 02 ago. 2010.
O CAMINHO DA LUZ. Este é o caminho da luz: se alguém quer andar
no caminho e chegar ao lugar determinado, que se esforce em suas
obras. Eis, portanto, o conhecimento que nos foi dado para andar
nesse caminho. Ama aquele que te criou. Tema aquele que te for-
mou. Glorifica aquele que te resgatou da morte. Sê simples de cora-
ção e rico de espírito. Não te ligues àqueles que andam no caminho
da morte. Odeia tudo o que não é agradável a Deus. Odeia toda
hipocrisia. Não abandones os mandamentos do Senhor. Não de en-
grandeças a ti mesmo, mas sê humilde em todas as circunstâncias.
Não te arrogues glória. Não planejes o mal contra o teu próximo.
Não te entregues à insolência. Não pratiques a prostituição, nem
adultério, nem pederastia [...] ( FRANGIOTTI, 1995. p.313-314)
60 © Patrologia

Policarpo de Esmirna (130 d.C.)


Policarpo (+156), discípulo do apóstolo João que o instituiu
biso de Esmirna, na Ásia Menor e amigo de Inácio de Antioquia,
escreveu uma pequena epístola pastoral à comunidade de Filipos
da Macedônia, quando esta lhe pediu a transmissão das cartas de
Inácio. Santo Irineu nos diz que Policarpo escreveu várias cartas às
igrejas vizinhas, mas só se conserva a dirigida a Filipos. Essa carta
é uma exortação moral, entretanto sua importância radica em que
nela se traça um quadro fiel da doutrina, da organização eclesial e
da caridade cristã de então. Foi escrita após o ano 130 d.C.
Em meados do século I tentou fazer um acordo, em Roma, com o
papa Aniceto, sobre o dia da celebração litúrgica da festa da Páscoa
(primeira controvérsia quartodecimana). O heresiarca Marcião, ao
encontrá-lo, perguntou ao santo se o conhecia. Policarpo respon-
deu: “Sim, eu te conheço. És o primogênito de Satanás”. De acordo
com o testemunho de Santo Ireneu. O Martírio de São Policarpo é
a mais antiga narrativa de um martírio de que se tem notícia. Não
se pode duvidar de sua autenticidade. Em um de seus trechos mais
belos, o santo bispo recebe a ordem de amaldiçoar Jesus Cristo.
Policarpo responde: “Há oitenta e seis anos que o sirvo; jamais ele
me fez mal algum; como poderei eu blasfemar contra meu Rei e
Salvador?” Quando as chamas da fogueira milagrosamente se des-
viavam do seu corpo, teve de ser morto com uma punhalada. E.
Schwartz acredita que a morte de Policarpo se deu no dia 22 de
fevereiro de 156. Seus ossos foram recolhidos por fiéis, “mais va-
liosos que pedras preciosíssimas, mais apreciados que o ouro, e os
sepultaram num lugar apropriado, onde se poderiam reunir eles
em cada aniversário” - evidência de um culto de relíquias ainda em
estado embrionário (Disponível em: <www.bibliacatolica.com.br/
historia_igreja12php>. Acesso em: 02 ago. 2010.
SEGUNDA CARTA AOS FILIPENSES. Crer em Cristo Ressuscitado. Por
isso, vingi vossos rins e servi a Deus no temor e na verdade, aban-
donando as palavras vãs e o erro de muitos, crendo naquele que
ressuscitou nosso Senhor Jesus dos mortos e lhe deu a glória e o
trono a sua direita. Tudo o que existe no céu ou na terra lhe está
submisso; tudo o que respira o celebra, a ele que vem como juiz
dos vivos e dos mortos, e de cujo sangue Deus pedirá conta àqueles
que não confiam nele. Aquele que o ressuscitou dos mortos tam-
bém nos ressuscitará, se fizermos a sua vontade, se caminharmos
em seus mandamentos, e se amarmos o que ela amou, abstendo-
nos de toda injustiça, ambição, amor ao dinheiro, maledicência, fal-
so testemunho, não retribuindo o mal com mal, injúria com injúria,

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 61

golpe com golpe, maldição com maldição, lembrando-nos do que o


Senhor ensinou: ´Não julgueis, para não serdes julgados; perdoai,
e sereis perdoados; usai misericórdia, para receber misericórdia;
a medida com que medirdes, servirá também para vós; felizes os
pobres e aqueles que são perseguidos por causa da justiça, porque
deles é o Reino de Deus (FRANGIOTTI, 1995, p. 139-140).

Papias (135 d. C.)


Bispo de Hierápolis na Frígia (atual Turquia), fora discípulo
de São João e era amigo de Policarpo de Esmirna. Após o ano 135
d.C. compôs sua Explicação das sentenças do Senhor, que é uma
coleção de tradições orais que encerravam palavras de Cristo. Fo-
ram conservados só alguns fragmentos e ele, em alguns momen-
tos, não é totalmente ortodoxo.
Eusébio, em sua História Eclesiástica, chama Pápias de espírito
mesquinho, por causa de suas inclinações milenaristas. Da obra de
Pápias só restam alguns fragmentos, um dos quais fala da origem
dos evangelhos de Mateus e Marcos. Disponível em: <www.biblia-
catolica.com.br/historia_igreja12php>. Acesso em: 02 ago. 2010.
A prosperidade do Dia do Senhor. Quando também a criação, reno-
vada e liberta, frutificar profusamente todo tipo de comida, graças
ao orvalho do céu e à fertilidade da terra, do modo como recor-
dam os anciãos que viram João, discípulo do Senhor, ouvindo-o da
maneira como Senhor ensinava a respeito desses tempos: ´Haverá
dias em que nascerão vinhas, que terão cada uma dez mil videiras;
cada videira terá dez mil ramos, e cada cacho terá dez mil grãos, e
cada bago espremido dará vinte e cinco metros de vinho. Quando
um dos santos pegar um cacho, o outro gritará: Pegue-me porque
eu sou melhor, e por meio de mim bendize o Senhor.’ Do mesmo
modo, um grão de trigo dará dez mil espigas, e cada espiga terá dez
mil grãos; cada grão dará dez mil libras de farinha branca limpa.
Também outros frutos, sementes e ervas produzirão nessa mesma
proporção. Todos os animais que se nutrem desses alimentos, que
recebem a terra, se tornarão pacíficos e viverão harmoniosamente
entre si. Eles se submeterão aos homens sem qualquer relutância
(FRANGIOTTI, 1995, p.327).

Pastor de Hermas (140 d.C.)


Hermas foi um liberto (escravo de Roma que teria consegui-
do a liberdade), comerciante de condição simples, cristão, com
62 © Patrologia

uma visão um pouco estreita, mas sincero e piedoso. Para Eusébio


e Orígenes, tratava-se do mesmo Hermas referido por São Pau-
lo em Rm 16,14. Era judeu de origem ou formação. Parece ter se
desiludido com seu matrimônio e com os filhos e não pertencia
à hierarquia, ou seja, era um leigo visionário, segundo se deduz
de seus escritos. Escreveu em torno do ano 140 d.C. Sua obra foi
muito respeitada e é uma espécie de apocalipse, intitulado de Pas-
tor. Seguindo o modelo dos apocalipses judaicos, é uma exortação
forte à penitência que utiliza muitas imagens misteriosas. Afirma a
possibilidade de haver perdão dos pecados após o batismo, embo-
ra por tempo limitado. Contradizendo muitos autores antigos, Her-
mas considera lícito um novo matrimônio depois da viuvez. Dis-
ponível em: <www.bibliacatolica.com.br/historia_igreja12php>.
Acesso em: 02 ago. 2010.
Alguns santos padres o incluíram entre os livros inspirados
do Novo Testamento e pelo fragmento muratoriano, sabemos que
Hermas foi irmão do papa Pio I (140-154 d. C.), depende muito da
teologia judeu-cristã. O mais importante de Hermas é a sua forma-
ção sobre a penitência.
Vejamos:
• alguns doutores negam à Igreja o poder de perdoar os
pecados;
• afirma firmemente a existência de uma penitência depois
do batismo, que perdoa todos os pecados;
• somente existe esta penitência uma vez na vida, não por-
que a Igreja careça de poder para perdoar mais vezes os
pecados, e sim por razões pastorais.
Primeiro mandamento. Antes de tudo, crê que existe um só
Deus, que criou e organizou o universo, fazendo passar todas as coisas
do não ser para o ser, que contém tudo e ele próprio não é contido
por nada. Crê nele e teme-o, e temendo-o, sê continente. Observa
isso e afasta de ti todo mal, para que sejas revestido de toda virtude
de justiça, e viverás para Deus, se observares esse mandamento.

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 63

Segundo mandamento. Ele me disse: Sê simples e inocente,


e será como as crianças que não conhecem o mal que destrói a
vida dos homens. Em primeiro lugar, não fales mal de ninguém,
nem ouças com prazer o maledicente:
Sê resevado. Com reserva, não há mau tropeço, mas tudo é plano
e alegre. Realiza o bem e, do produto do trabalho que Deus te con-
cede, dá com simplicidade a todos os necessitados, sem te preocu-
pares a quem darás ou não (FRANGIOTTI, 1995, p. 193).

Carta a Diogneto
É um texto de autor desconhecido, mas alguns o atribuem
a Panteno, predecessor de Clemente de Alexandria, no ensino fi-
losófico em Alexandria e, portanto, refletindo um ensinamento
típico alexandrino. Alguns autores defendem que foi escrita por
Quadrato, ao imperador Adriano, em torno do ano 120, em Ate-
nas. É um escrito apologético, e a maioria dos críticos a situam no
século 2°, outros no século 3°, mas alguns colocam este escrito na
lista dos escritos dos Padres Apostólicos. O melhor de toda a carta
é sua descrição da vida dos cristãos: “o que é a alma no corpo, isso
são os cristãos no mundo”. Ela traz também uma breve refutação
do paganismo e do judaísmo e explica o tardio aparecimento da
religião cristã.
Refutação do culto judaico. Por outro lado, creio que desejas par-
ticularmente saber por que eles não adoram Deus à maneira dos
judeus. Os judeus têm razão quando rejeitam a idolatria, de que
falamos antes, e prestam culto a um só Deus, considerando-o Sen-
hor do universo. Contudo, erram quando lhe prestam um culto
semelhante ao dos pagãos. Assim como os gregos demonstram
idiotice, sacrificando as coisas insensíveis e surdas, eles também,
pensando oferecer a Deus coisas, como se ele tivesse necessidade
delas, realizam algo que é parecido à loucura, e não com ato de
culto (FRANGIOTTI, 1995, p. 21).
A alma do mundo. Em poucas palavras, assim como a alma está
no corpo, assim os cristãos estão no mundo. A alma está espalha-
da por todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as
cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não procede do
corpo; os cristãos habitam no mundo mas não são do mundo. A
alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos
no mundo, mas sua religião é invisível. A carne odeia e combate a
64 © Patrologia

alma, embora não tenha recebido nenhuma ofensa dela, porque


esta a impede de gozar dos prazeres, embora não tenha recebido
injustiça dos cristãos, o mundo os odeia, porque estes se opõem
aos prazeres. A alma ama a carne e os membros que a odeiam;
também os cristãos amam aqueles que os odeiam [...] (FRANGIOTTI
, 1995, p. 23-24).

6. APOLOGISTAS
Durante os três primeiros séculos da antiguidade cristã, já a
partir do próprio Cristo, os cristãos sofreram com as várias perse-
guições promovidas contra eles por parte do Estado romano, das
lideranças judaicas, dos intelectuais e do povo. Nesse contexto, es-
pecialmente a partir do início do século 2°, foi surgindo uma forma
literária de defesa e justificativa do cristianismo. Contra os adver-
sários do cristianismo, surgiram as apologias.
Como afirma Gómez:
a) no início do século 2º, alguns filósofos e oradores se fa-
zem cristãos. Esses intelectuais se sentem obrigados a
sair em defesa do cristianismo;
b) frente ao Estado, que estabelecera a pena de morte
contra os cristãos, os apologistas respondem que essa
lei é injusta porque os cristãos são cidadãos honrados
que pagam impostos, cumprem suas obrigações civis e
rogam pelo Estado e pelo imperador;
c) ao povo, que considera os cristãos causadores de todas
as calamidades públicas, respondem apelando a mani-
festa moralidade e exemplo de vida dos cristãos;
d) aos intelectuais pagãos, que “gozam” da novidade da
religião cristã fundada por um ignorante, Cristo, respon-
dem que o cristianismo traz suas origens desde Moisés,
que é muito anterior aos filósofos gregos;
e) os apologistas não escreveram obras sistemáticas, ou
verdadeiros tratados de religião, e sim obras polêmicas
para refutar as objeções de seus adversários;

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 65

f) os escritos apologéticos começam no meio do século 2º


e terminam no século 4º, depois da morte de Juliano, o
Apóstata em 363. (GÓMEZ, 1987, p. 49).
Alguns autores dividem os apologistas com base nos desti-
natários de suas obras. Assim, contra os pagãos, temos as obras
de Quadrato, Aristides, Teófilo de Antioquia, Hérmias, Taciano,
Apolônio, Atenágoras etc. Contra os judeus temos Aristo de Pela e,
contra ambos, temos Justino, Milcíades e Melitão de Sardes.
Os apologistas viam em seus escritos a possibilidade de me-
lhorar a situação do cristianismo diante do Império, por isso, mui-
tos escreveram aos imperadores, inclusive clamando por justiça e
pelo amparo imperial. Muitas vezes, reclamaram da intolerância
ao cristianismo, o que ia contra os padrões legais romanos, já que
os cristãos não eram contrários ao domínio imperial, como afirma-
vam os que os acusavam do crime de lesa majestade e de rejeição
do culto ao imperador. Assim, temos: Quadrato, que escreveu ao
imperador Adriano; Aristides, que escreveu a Antonino Pio e Ate-
nágoras, que escreveu a Marco Aurélio e Cômodo.
Os apologistas escreveram, também, contra os intelectuais
que acusavam os cristãos de ateus, pois não participavam dos cul-
tos pagãos públicos e desprezavam o culto cristão, acusando-o de
culto infanticida e imoral. Celso e Porfírio, escritores dos séculos 2°
e 3°, chegaram a estudar o cristianismo para melhor conhecê-lo e
criticá-lo. Assim, Celso, em torno do ano 178, em sua obra Discur-
so verdadeiro, criticou vários pontos.
Vejamos:
a) burlou os cristãos e sua fé messiânica;
b) acusou os judeus e cristãos a respeito dos escritos do
Antigo Testamento;
c) afirmou que Jesus é(era) mago e charlatão;
d) o monoteísmo era uma enganação e um erro;
e) a doutrina da Encarnação (Deus que se fez homem/car-
ne em Jesus) era uma mentira e impensável;
66 © Patrologia

f) o nascimento virginal de Jesus era uma fantasia e ele era


filho de uma mulher adúltera;
g) Jesus era um pobre homem que morreu na cruz como
impostor e criminoso e a sua ressurreição também não
tem sentido.
E, assim, seguem-se várias outras críticas à doutrina cristã e
ao estilo de vida dos cristãos.

7. APOLOGISTAS GREGOS
Vejamos, agora, detalhadamente, alguns dados dos princi-
pais apologistas gregos:
Quadrato (123-124)
Este apologista foi discípulo do apóstolo João, provavelmen-
te na Ásia Menor. Escreveu em Atenas, em torno do ano 125, uma
apologia ao imperador Adriano (117-138) e, por meio de Eusébio
de Cesaréia, dela só se conservou um pequeno fragmento que fala
dos milagres e curas de Jesus.
Aristides de Atenas (136-161)
Segundo Eusébio, enquanto vivia em Atenas, Aristides es-
creveu uma apologia aos imperadores Adriano e Antonino Pio. É
considerada a apologia mais antiga que se conserva integralmen-
te. Fala da religião dos bárbaros, gregos, judeus e cristãos, desta-
cando que só os cristãos têm o conhecimento preciso de Deus.
Em seguida, insistiu no estilo de vida dos cristãos, exemplo para a
sociedade romana.
Aristão de Pela (140)
Considerado o mais antigo apologista cristão grego, publicou
o Diálogo entre Jasão e Papisco, datado de 140. Aristão era antiju-
deu e tentou mostrar o cumprimento das profecias do Antigo Tes-
tamento na pessoa e na obra de Jesus Cristo. Esta obra foi muito
utilizada em debates posteriores com o judaísmo.

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 67

Atenágoras (177)
Foi um filósofo de Atenas e é considerado o mais eloquente
dos apologistas. Após o ano 177, escreveu uma Súplica em favor
dos cristãos defendendo-os das acusações de ateísmo, festins tiés-
ticos e incestuosos, dirigida a Marco Aurélio e Cômodo. Essa obra
tem grande profundidade filosófica, mas distingue o cristianismo
das outras doutrinas filosóficas de seu tempo. Em sua obra De Res-
surrectione, demonstrou com clareza a fé cristã na ressurreição do
corpo e procurou tirar o escândalo que essa doutrina sugeria aos
pagãos; tratou de provar a unidade de Deus por argumentos da
razão, esclarecendo o tema da Santíssima Trindade.
Teófilo de Antioquia (180)
Foi bispo de Antioquia e contemporâneo do imperador Cô-
modo (180-192). Escreveu três livros dirigidos a um amigo, pagão
e culto, chamado Autólico, que o reprovou por sua conversão ao
cristianismo, por isso, a obra se chama A Autólico. Teófilo dividiu
essa obra em três temas: no livro I, trata do conhecimento de Deus
respondendo às objeções contra a fé em um Deus invisível; no li-
vro II, trata do tema da ressurreição como continuidade ao Antigo
Testamento e no livro III comenta sobre a origem recente do cris-
tianismo, ligando-o com as próprias origens do mundo.
Melitão de Sardes (170)
Na Lídia, Melitão de Sardes ou bispo de Sardes, era venerado
como profeta e grande cristão da Ásia Menor. Durante a persegui-
ção de Marco Aurélio, dirigiu uma apologia ao imperador, em torno
do ano 170, na qual expressou, inicialmente, sua lealdade a ele. Só
se conservaram alguns fragmentos da apologia, que foi considera-
da, também, uma homilia pascal, marcada pelo tom antijudaico e
por uma cristologia muito consistente em torno da doutrina das
duas naturezas. Foi o primeiro a promover uma eficaz colaboração
entre o cristianismo e o Império, o que só traria prosperidade e
benefícios a ambos.
68 © Patrologia

Justino (165)
É o mais importante de todos os apologistas. Nasceu em Si-
quém, de pais pagãos, era filósofo e morreu martirizado no tempo
de Marco Aurélio, em torno de 165. Ele foi estoico, peripatético,
pitagórico e platônico. Mas em nenhuma dessas escolas filosóficas
encontrou a paz religiosa e intelectual. Um dia, um ancião, passe-
ando pela margem do mar, falou-lhe dos profetas, os únicos que
tinham anunciado a verdade. Refletindo sobre as palavras do an-
cião, que desapareceu misteriosamente, encontrou a resposta: só
os profetas e os amigos de Cristo possuíam a autêntica filosofia. A
busca da verdade e o comportamento heroico dos mártires ante a
morte o levaram à verdade cristã.
Após passar um tempo em Atenas, Justino abriu uma escola
de filosofia em Roma, onde foi martirizado, denunciado pelo filó-
sofo Crescente, que era seu opositor. Seu desejo era mostrar que
o encontro do homem com Deus, que se buscava pelas filosofias
de sua época, só podia se realizar no cristianismo. Escreveu muitas
obras, com destaque para as duas Apologias (150) dirigidas a An-
tonino Pio e a seus filhos adotivos, Marco Aurélio e Lúcio Vero, nas
quais defende o cristianismo das acusações correntes, e o Diálogo
contra o judeu Trifão, na qual mostrou a um rabino a divindade
do cristianismo. Ele queria conciliar o cristianismo e o platonismo,
mas, às vezes, tinha expressões pouco felizes quando tentava ex-
plicar os mistérios cristãos. Nelas nos ofereceu, também, notícias
da liturgia cristã do século 2º.

Taciano (170)
Era natural da Síria e se converteu ao cristianismo, sendo
discípulo de São Justino, mas posteriormente contrastou com Jus-
tino no que diz respeito à filosofia e à cultura não cristã. Em 170,
escreveu o Discurso contra os gregos, que é uma polêmica contra
a mitologia, a filosofia e a cultura em geral. Taciano rejeitou a acu-
sação de novidade da religião cristã, com apelo à antiguidade dos

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 69

livros sagrados do Antigo Testamento. Ele apostatou e fundou a


seita dos encratistas, de fundo gnóstico. Compôs, também, o Dia-
tesseron, que é um escrito harmônico dos quatro evangelhos que
teve grande difusão.
Existem muitos textos originais dos apologistas, escolhemos
um texto de Taciano para partilhar com você:
Zombaria contra os filósofos. 2. Com a vossa filosofia, o que pro-
duzistes que mereça respeito? Quem, dos que passam pelos mais
notáveis ficou isento de arrogância? Diógenes, com a bravata do
seu barril, ostentava a sua independência; depois comeu um pol-
vo cru e, atacado por cólicas, morreu de intemperança; Arístipo,
passeando com o seu manto de púrpura, entregava-se à dissolução
mantendo a aparência de gravidade; Platão com toda a sua filo-
sofia, foi vendido por Dionísio por causa de sua glutonaria. Aris-
tóteles, que nesciamente estabeleceu limites para a providência e
definiu a felicidade pelas coisas de que ele gostava, agradava muito
depressa o rapaz louco Alexandre que, por certo muito aristoteli-
camente, colocou numa jaula um amigo seu porque este não quis
adorá-lo, e o levava em todo lugar como um urso ou um leopardo.
Ao menos obedecia fielmente aos preceitos do mestre, mostrando
seu valor e a sua virtude nos banquetes, e atravessando com a sua
lança o mais íntimo e querido de seus amigos, depois chorando e
negando-se a comer para fingir tristeza, a fim de não atrair o ódio
dos seus. Também poderia rir-me dos que até agora seguem as
doutrinas de Aristóteles que, afirmando que as coisas aquém da
lua carecem de providência, apesar de estarem mais perto da terra
do que a lua e mais baixo do que o curso desta, elas provêm o que a
providência não alcança; os que não têm beleza, nem riqueza, nem
força corporal ou nobreza de origem, segundo Aristóteles, também
não possuem felicidade. Que estes continuem filosofando. 3. Não
posso aprovar Heráclito, quando diz: ´Eu ensinava a mim mesmo´,
por ser autodidata e também soberbo. Nem o louvaria por ter es-
condido o seu poema no templo de Ártemis, para que depois a sua
edição ficasse envolta em mistério. Os que se interessam por essas
questões dizem que o poeta trágico Eurípedes foi lá, leu o livro e
propagou a memória de e com todo empenho as trevas de Herácli-
to. Mas o que pó em evidência a sua ignorância foi o modo como
morreu: atacado de hidropisis, e tratando a medicina como a filo-
sofia, envolveu-se com estrume de boi e, quando este endureceu,
produziu convulsões em todo o seu corpo e ele morreu de espas-
mo. Também se deve rejeitar Zenão, quando ele afirma que por
meio da conflagração universal os mesmos homens ressuscitarão
para as mesmas ações: Amito e Meleto para acusar Sócrates; Bu-
síris para matar seus hóspedes e Heracles para repetir seus traba-
70 © Patrologia

lhos. Na hipótese da conflagração Zenão admite mais maus do que


bons, pois houve apenas um Sócrates e um Heracles e outros do
mesmo tio, que sempre foram poucos e não muitos. Segundo ele,
sempre haverá mais maus do que bons, e o próprio Deus aparece-
rá como autor do mal ao ter que morar em cloacas, entre vermes
e malfeitores. Quanto à charlatanice de Empédocles, as erupções
da Sicília demonstraram que, não sendo deus, ele mentia dizendo
que o era. Também me rio dos contos da velha de Ferecides e de
Pitágoras, que herda a sua doutrina, e de como Platão, embora al-
guns não o queiram, imita um e outro. De fato, quem aprovaria o
casamento de cão de um Crátes e não, de preferência, rejeitando
a grande charlatanice de seus seguidores, voltará a procurar o que
é verdadeiramente bom? Não vos deixeis, portanto, arrastar por
esses bandos de pessoas que gostam mais do barulho do que do
saber e que dogmatizam coisas contraditórias, cada um dizendo o
que lhe vem à boca. São muitos os choques que acontecem entre
eles, pois um odeia o outro, criando doutrinas opostas por pura
fanfarronice, desejando postos eminentes. Seria melhor que, não
se antecipando à realeza, não adulassem os que mandam, mas es-
perasse que os grandes se aproximassem deles (FRANGIOTTI, 1995,
p. 66-68).

8. APOLOGISTAS LATINOS
Destacaremos, agora, os apologistas latinos e suas caracte-
rísticas.
Arnóbio de Sica (300)
Era norte-africano, da região da Numídia, e foi mestre em re-
tórica. Converteu-se ao cristianismo e escreveu no início do século
4° sete livros Contra os pagãos, para justificar diante do bispo de
Sica a sua conversão sincera ao cristianismo.
Lactâncio (+317)
Apologista africano que tinha um estilo elegante e era consi-
derado como o Cícero cristão. O imperador Diocleciano o nomeou
mestre em eloquência latina em Nicomédia e, com as persegui-
ções, teve que deixar esse cargo, vivendo precariamente. Mais
tarde, foi levado pelo imperador Constantino para Tréveris para
educar o seu filho Crispo. Escreveu várias obras e foi considera-

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 71

do apologista por sua obra A morte dos perseguidores, escrita de-


pois da vinda de Constantino. Ele trata de demonstrar que todos
os perseguidores do cristianismo tiveram uma morte terrível. Sua
obra mais importante foi de caráter teológico. As instituições di-
vinas, que pretende ser um compêndio do pensamento cristão e,
também, uma apologia do cristianismo. Essa obra tem como obje-
tivo atacar Hierócles, filósofo neoplatônico, governador da Bitínia,
e um dos principais instigadores da perseguição de Diocleciano.
Nesse contexto, ele assumiu uma postura milenarista.
Minúcio Félix (200)
Era advogado, procedente da Numídia, e escreveu, no início
do século 3°, o diálogo O Otávio, no qual reforça a questão da cre-
dibilidade do cristianismo. Ele se dirigiu a pagãos cultos e, por isso,
falou do cristianismo com base em uma visão filosófica, sofrendo
certas influências estoicas.
Tertuliano
Tertuliano, um dos maiores apologistas, nasceu em Cartago
por volta do ano 160 e, em Roma, converteu-se ao cristianismo
em torno do ano 195, voltando a Cartago como catequista. Advo-
gado muito culto, era rigorista e intransigente por temperamento
e passou ao montanismo. Em suas obras apologéticas, combateu o
paganismo e o judaísmo; sobressaem-se os livros Ad Nationes (2) e
o Apologético, nos quais insistiu nos aspectos jurídicos das perse-
guições. Entre seus escritos dogmáticos e polêmicos, têm especial
importância: O testemunho da alma, A Scápula, A prescrição dos
hereges, Contra Marcião, Sobre o batismo, Contra Praxeas, Sobre
o testemunho da alma, Sobre a pudicidade, Sobre o manto etc.
Na sua obra Apologético, Tertuliano defende o Cristianismo
afirmando que muitos o atacam sem o conhecer e os que o conhe-
cem profundamente, acabam se convertendo:
Se não vos é livre, ó magistrados do império romano – que fazeis
vossos julgamentos em público e no mais eminente lugar desta
urbe; se não vos é livre o examinar aos olhos da multidão a causa
72 © Patrologia

dos cristãos; se o temor ou o respeito humano vos levam a afastar-


vos, apenas nesta presente ocasião, das regras estritas da justiça; se
o ódio do nome cristão, como sucedeu ultimamente, valendo-se de
delações domésticas, fecha o caminho a qualquer defesa judiciária;
que a verdade possa ao menos chegar até vós pelo canal secreto
de nossas cartas!
O ódio público
A verdade não pede favor, porque a perseguição não a intimida.
Nossa religião sabe que seu destino é ser estrangeira sobre esta
terá e que sempre terá adversários. É no céu que ela tem sua sede,
suas esperanças, seu crédito e sua glória. A única coisa a que aspira
é não ser condenada sem ter sido ouvida. Que podereis temer da
parte de vossas leis, se permitis à verdade o difundir-se na sede
de seu império? Acaso o poder das leis se manifestaria melhor na
condenação da verdade sem antes a escutar? Mas além do escân-
dalo que tal injustiça acarreta, dais a impressão de que vos recusais
a ouvi-la porque sabeis não poder condená-la se a tendes ouvido.
Eis nossa primeira advertência: a de que existe um ódio contra tão-
somente o nome dos cristãos (HAMMAN, 1980, p. 61).

9. ESCRITORES ECLESIÁSTICOS DOS TRÊS PRIMEIROS


SÉCULOS
Para iniciar nossos estudos sobre os escritores eclesiásticos,
conheceremos, agora, os de maior destaque.

Gregos
Panteno
Considerado o fundador da Escola Catequética de Alexan-
dria, não deixou escritos, mas ensinou por mais de 20 anos na Es-
cola Catequética de Alexandria (180-202) e influenciou vários es-
critores desse período.
Clemente Alexandrino
Filho de pais pagãos, nasceu em Atenas no ano de 150. Per-
correu a Itália, Síria e Palestina para instruir-se com os mestres
cristãos mais renomados. O mestre que mais o influenciou foi Pan-

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 73

teno, a quem sucedeu na direção da Escola Alexandrina. A perse-


guição do imperador Sétimo Severo o fez fugir de Alexandria, refu-
giando-se na Capadócia, onde residiu até a sua morte em 215. Sua
formação helenística o capacitou para fazer um sistema científico
cristão. Sua tese fundamental é que o cristianismo e o saber profa-
no não estão em oposição, senão que o cristianismo é a coroação
de todas as verdades contidas nos diversos sistemas filosóficos.
Suas principais obras são:
• Protético ou exortação aos gregos: tenta convencer os
gregos da inutilidade do paganismo.
• Pedagogo: é a continuação da obra anterior. Foi dirigida
aos pagãos que seguiram seus conselhos e abraçaram o
cristianismo. O Verbo aparece nesta obra como o pedago-
go que ensina aos convertidos a ordenar suas vidas.
• Tapices (Stromata): em oito livros trata das relações da
ciência profana com a religião cristã.
Orígenes
Nascido em Alexandria (185), filho do catequista e mártir Le-
ônidas, aos 18 anos já era diretor da Escola Alexandrina. De condu-
ta irreprimível e de erudição enciclopédica, é um dos pensadores
mais originais de todos os tempos. Seu desejo de saber o levou
a formular algumas proposições em contraste com a tradição da
Igreja (ensinou a eternidade do mundo, a preexistência da alma,
a redenção futura dos demônios etc. Conhecem-se os títulos de
umas 800 obras, mas muitas se perderam).
Fundou, também, a Escola de Cesareia da Palestina. Perse-
guido em vida por algumas de suas ideias, foi, depois de morto,
causa de graves dissensões na Igreja. Na perseguição de Décio,
padeceu pela fé e morreu em consequência das torturas no ano
de 254. Suas principais obras abarcaram todos os ramos do saber,
principalmente a Sagrada Escritura:
• O Peri-Archon (dos princípios): é o primeiro sistema de te-
ologia cristã; são quatro livros que tratam de Deus, mun-
do, liberdade e revelação.
74 © Patrologia

• Contra-Celso: é uma refutação do Discurso verídico de


Celso. É o estudo mais antigo sobre a oração cristã. Pare-
ce que havia uma seita que negava a eficácia da oração,
contra a qual escreve Orígenes sem indicar nomes.
• Exaplas (Bíblia sextupla): dispôs em seis colunas o texto
hebraico, em caracteres gregos para determinar a pro-
núncia, o texto grego de Áquila, o texto grego de Símaco,
o texto grego dos Setenta e o texto grego de Teodócio.
É o primeiro intento para estabelecer o texto crítico do
Antigo Testamento.
Gregório Taumaturgo
Foi discípulo de Orígenes em Cesareia da Palestina e bispo
de Cesareia da Capadócia. Obras: Carta canônica: importante para
a história da disciplina canônica; Comentário ao Eclesiastes.
Hipólito
O único escritor romano, no século 3°, que compôs sua obra
em grego foi Hipólito. É o Orígenes da Igreja romana. Foi antipapa,
mas morreu reconciliado com a Igreja. Obras:
• Philosophumena ou Refutação de todas as heresias: na
qual demonstra o caráter não cristão das heresias, pro-
vando sua dependência das filosofias e mitos pagãos.
• o Syntagma (contra as heresias). Só se conservam frag-
mentos, e refuta 32 heresias.
• Tradição apostólica: é uma espécie de ritual litúrgico ro-
mano.
Irineu
Natural de Esmirna, amigo de Policarpo, foi consagrado bis-
po de Lião na França e sucessor de Fotino.
Morto como mártir durante a perseguição de Marco Aurélio, cujo
relato temos na carta dos mártires de Viena e Lyon a seus irmãos
da Ásia. Desde cedo ele se dispõe à evangelização e ao combate
ao gnosticismo. Por volta dos anos 190-191, ele intervém junto ao

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 75

Papa Vitor para exortá-lo a propósito da controvérsia pascal e es-


creve aos bispos da Ásia para tenham sentimento de paz (FIGUEI-
REDO, 2009, p. 86).

Morreu mártir provavelmente nos últimos anos da persegui-


ção de Marco Aurélio. Suas principais obras são: Contra os hereges:
contra o gnosticismo, sobretudo, contra o valentinismo; Demons-
tração de ensino católico: trata dos artigos do Credo e é conside-
rada uma espécie de catequese para intelectuais; Demonstração
da pregação apostólica: obra que justifica e explica o ensinamento
dos Apóstolos; Carta a Floriano: sacerdote romano que tinha se
torno gnóstico, deixando a comunhão eclesial. A tradição é norma
da fé, e os bispos são sucessores dos apóstolos e transmissores da
revelação; entre eles, sobressai o bispo de Roma.
Para Santo Irineu:
A Igreja tem três deveres: a fidelidade ou guardar a fé, a adesão
ou crer e a transmissão, ou seja, proclamar, ensinar e transmitir os
ensinamentos do Senhor:
A Igreja que está presente por toda a terra e até as extremidades
do mundo, recebeu dos Apóstolos e dos discípulos a fé num único
Deus, o Pai todo-poderoso, que fez o céu, a terra, o mar e tudo
quanto eles contêm, num único Jesus Cristo, o Filho de Deus, en-
carnado para nossa salvação, e no Espírito Santo, que ensinou pe-
los profetas os desígnios de Deus. Professa, pois, a vinda de nosso
bem-amado Jesus Cristo nosso Senhor, seu nascimento de uma
virgem, sua paixão e ressurreição dentre os mortos, sua ascensão
corporal aos céus, sua vinda na glória do Pai, para recapitular to-
das as coisas e ressuscitar toda carne do gênero humano, para que,
diante de Jesus Cristo nosso Senhor, Salvador e Rei, todo joelho se
dobre no céu, na terra e nos infernos, e toda língua confesse, e Ele
exerça sobre todos seu justo julgamento [...} Esta pregação que ela
recebeu, e esta fé que apresentamos, a Igreja, permanecendo pre-
sente no mundo inteiro, a guardou escrupulosamente, como se ela
vivesse numa única morada. E igualmente ela creu em todos estes
artigos, como se ela fosse uma única alma e um único coração. Ela
anuncia esta fé de modo coerente, ela a ensina e a transmite como
se ela fosse uma única boca [...] Mesmo se no mundo sejam muitas
as línguas, a virtude da Tradição é uma e idêntica. Nem as Igrejas
que foram fundadas na Germânia, ou na Espanha, ou junto aos cel-
tas, nem as do Oriente, do Egito ou da Líbia, nem as que estão no
centro do mundo diferem quanto à fé ou Tradição. Assim como o
sol criado por Deus é único e o mesmo no mundo inteiro, a prega-
76 © Patrologia

ção da Verdade resplandece por toda a parte, e ela ilumina todos


os homens que querem chegar ao conhecimento da verdade. [...]
Ninguém amplia a fé falando muito, e ninguém a diminui falando
menos, pois a fé é uma e idêntica (FIGUEIREDO, apud Adv. Haer. I,
10 ss, 2009, p. 88-89).

Escrevendo sobre a compreensão do homem e sobre a sua


salvação, Santo Irineu combate os princípios gnósticos, quando
afirma que:
A salvação se dá justamente pela inserção do homem na história, e
atinge o homem não simplesmente em seu espiritual, mas em to-
das as suas dimensões. Há como uma interpretação, melhor, a ação
salvadora de Deus em Jesus Cristo penetra profundamente toda
a história do homem, de tal modo que nela se pode contemplar
Deus agindo em toda nossa vida. Neste sentido, S. Irineu acentua
dois aspectos:
O homem só pode ser compreendido em sua dimensão de pro-
gresso. Lê é um ser que se ultrapassa continuamente, é um ser em
progresso. Daí ser necessário para uma justa compreensão do ho-
mem levar sempre em contra a sua dimensão histórica, pois é nela
que ele caminha no conhecimento e em sua assemelhação a Jesus
Cristo. São significativas as palavras de S. Irineu: ´A glória do ho-
mem é Deus; mas quem se beneficia das obras de Deus e de toda
a sua sabedoria e poder é o homem. Semelhante ao médico que
demonstra sua competência no doente, assim Deus se manifesta
nos homens [...] Se o homem acolhe, sem orgulho nem presunção,
a verdadeira glória que procede das criaturas e do criador, isto é,
de Deus, de Deus todo-poderoso que dá a tudo a existência, e se
permanece em seu amor, na obediência e na ação de graças, rece-
berá dele uma glória ainda maior, progredindo sempre mais, até se
tornar semelhante àquele que morreu por ele (Adv.Haer. III, 20,2).
A verdade da salvação do homem na história é a Eucaristia. Ela é
sinal da salvação do homem, assumindo a realidade humano-his-
tórica e elevando-a até Deus. Por isso mesmo constitui um sinal
contra o gnosticismo (FIGUEIREDO, 2009, p. 100).

Latinos
A língua grega esteve em uso na Igreja ocidental até início
do século 3°, inclusive a Bíblia era lida em grego. A Bíblia traduzida
para o latim começou a encontrar leitores só a partir do século 3°.
A literatura latina cristã teve seu primeiro e principal foco na ex-
pansão no norte da África. A figura mais importante foi Tertuliano,

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 77

e também Minúcio, Arnóbio e Lactâncio. Destaque para Cipriano


com as obras: Unidade da Igreja, Sobre a oração dominical e as
Cartas (85).

10. ESCOLAS TEOLÓGICAS

Alexandria, Antioquia e Cesaréia


Os primeiros séculos da existência cristã foram muito impor-
tantes para o desenvolvimento do pensamento cristão. As chama-
das escolas teológicas que ajudaram a aprofundar e sistematizar
a ortodoxia, mesmo com suas diferenças e disputas, provocaram a
evolução da teologia cristã, apesar de gerar problemas teológicos
que provocaram cismas e heresias.
Alexandria
Cidade egípcia do delta do Nilo e muito importante na época
do Império Romano por sua localização estratégica. Possui grande
influência cultural helênica, também por ser uma cidade cosmopo-
lita e com grandes expressões culturais e religiosas. Em Alexandria
foi formada uma grande colônia judaica da Diáspora e se tornou
grande centro da ciência judaico-helenista. Ali foi traduzida a Bí-
blia dos Setenta, com destaque para o trabalho do judeu Filón de
Alexandria.
Ali, ainda, formou-se uma importante comunidade cristã nos
primeiros séculos e no livro dos Atos dos apóstolos já aparecem
várias referências cristãs a essa cidade (At. 18, 24; 27,6; 28,11 etc.),
que, já no século 3°, surge como sede patriarcal, sendo confirmada
no Concílio de Nicéia, em 325. Em Alexandria desenvolveu-se mui-
to o helenismo cristão, além de algumas heresias de fundo gnósti-
co, com destaque para o cerintianismo. Nela viveram vários mes-
tres cristãos, com destaque para Panteno, Clemente e Orígenes,
com os quais floresceu a escola alexandrina, de tendência alego-
rizante e especulativa. Grande destaque foi Santo Atanásio, Cirilo,
78 © Patrologia

Dionísio, o Grande, grandes defensores da ortodoxia trinitária e


cristológica. Na época das controvérsias doutrinárias, Alexandria
foi grande opositora de Antioquia, cidade cristã que desenvolveu
outra linha importante de pensamento teológico.
A preocupação no ambiente alexandrino é tornar a Bíblia acessível
e compreensível às pessoas de boa formação intelectual... Para Cle-
mente de Alexandria toda a Bíblia é a ´própria voz do Logos divino´.
Os Evangelhos são assim a realização e a plenitude do A.T., que só
pode ser compreendido à luz de Cristo. Diante disso, nada há na Sa-
grada Escritura que possa ser rejeitado ou diminuído. Tudo tem um
sentido preciso, embora muitas vezes de difícil compreensão. Por
isso Clemente distingue dois níveis de ensinamento na Bíblia: um
mais imediato, em que os textos bíblicos são propostos e comen-
tados de modo bastante amplo, recordando os comentários gregos
de teor filosófico; outro que busca o sentido escondido e que é al-
cançado pelo método alegórico ou espiritual. Graças a tal método
passa-se do nível literal ao espiritual, alcançando o ensinamento
último ou, como dirá Orígenes, o espírito da letra.
Orígenes, considerado o ´fundador´ da exegese cristã, desenvolve
a hermenêutica cristã como verdadeira ciência. É o primeiro a es-
tender o estudo da Palavra de Deus, não alguns livros, mas a toda a
Bíblia, comentando de modo sistemático livros inteiros do Antigo e
do Novo Testamento. Em sua abordagem do texto bíblico, Orígenes
atenta em primeiro lugar para o aspecto filológico. Em vista da dis-
cussão com os judeus e os gnósticos sobre a autenticidade do texto
sacro, ele elabora a HEXAPLA, estabelecendo um paralelo entre o
texto hebraico e as diversas traduções gregas do A.T., sobretudo a
Septuaginta, destacando com sinais apropriados as divergências e
as variantes existentes entre os textos arrolados. A letra da passa-
gem bíblica é comparada ao corpo humano assumido e que é como
que o invólucro do Verbo divino. A Sagrada Escritura perpetua na
história da Encarnação do Logos. Por isso, ele sustenta que para
além do sentido literal, cuja importância ele reconhece, as Escritu-
ras contêm um sentido mais profundo e que só se torna acessível
pela ação do Espírito Santo e pelo esforço humano. A ajuda divina
requer o empenho de caráter ascético e moral, o que faz com que
muitos não se acheguem a este sentido essencial, o espiritual. Por
outro lado, tal visão leva Orígenes a contemplar a Palavra de Deus
como inesgotável, ou seja, seu significado é inexaurível e apresenta
ao cristão a exigência de um progredir constante. A interpretação
espiritual não se fala independente do sentido literal e se elabora
na relação com outras passagens bíblicas. Toda uma técnica exe-
gética se firma e terá uma grande influência na exegese patrística
posterior (FIGUEIREDO, 1990, p. 15-16).

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 79

Antioquia
Em Antioquia, capital da Síria, vivia uma importante colônia
judaica e essa cidade foi grande centro do pensamento cristão
antigo, formada inicialmente por judeus e gentios convertidos ao
cristianismo. O livro Atos dos apóstolos relata a importância dessa
comunidade, onde os seguidores de Cristo receberam pela primei-
ra vez o nome de cristãos (At. 11,26):
Sob o nome de Escola Antioquena se congrega um punhado de
escritores cristãos que praticavam uma exegese gramatical e his-
tórica, voltada para o sentido literal da Escritura, em oposição ao
alegorismo alexandrino. A primeira figura a ilustrá-lo foi Luciano
de Antioquia (+312), natural de Samósata e que foi praticamente o
fundador da Escola (SCHLESINGER H-PORTO, 1995).

Pode-se afirmar que os membros dessa escola controlam


com rigorismo as metáforas e comparações. Têm forte influência
da retórica, pela qual descobrem modos figurados de discurso e se
esforçam em não ler nos textos nada além daquilo que se encontra
neles, com sua interpretação histórica que reconhece no sentido
literal. Nessa escola destacaram-se Diodoro, no século 4º, Teodoro
de Mopsuéstia e São João Crisóstomo.
Vejamos o que nos diz Figueiredo:
“atenção à letra do texto bíblico caracterizará justamente a exegese
antioquena, cujo primeiro representante, com influência nos Padres
seguintes, foi Diodoro de Tarso. Em vez da interpretação alegórica,
ele defende a THEORIA que aponta também para um sentido supe-
rior sem contudo, no dizer dele, violentar a letra do texto bíblico. A
exegese antioquena não se envereda para um fundamentalismo ou
uma interpretação exclusivamente literal da Bíblia. Seus principais
representantes... não deixam de utilizar, até certo ponto, o proce-
dimento tipológico na leitura dos textos sacros. Teodoro de Mop-
suéstia, discípulo de Diodoro, no seu Comentário aos doze profetas
menores e no prefácio ao Comentário de Jonas, reconhece os fatos
do A.T. como typoi dos fatos do N.T., apresentando, por exemplo,
Jonas como a figura por excelência de Cristo. Mas é bom notar que
tal relação é estabelecida quase que somente nos casos em que
haja esta referência no N.T. Tal procedimento exegético, aliás, é bas-
tante empregado por Teodoro no interior mesmo do N. T., como
nos sugere a sua insistência em indicar a relação entre o batismo
do cristão e o de Cristo, que é ademais o typos da ressurreição dos
80 © Patrologia

mortos, isto é, sinal do nascimento para a vida eterna. Há, assim,


uma tipologia que confere ao texto um significado para a vida cristã
e o projeto para uma visão escatológica. No entanto, todo este tra-
balho exegético não altera a concepção de fundo de Teodoro sobre
a hermenêutica bíblica, compreendida no sentido literalista. Daí
voltar-se ele, muitas vezes, à história de israel. No comentário que
faz dos profetas menores e dos salmos, ele está atendo ao contexto
histórico, às diferenças linguísticas e às características gramaticais
para chegar ao significado literal do texto. Critica, até certo ponto,
as ´divagações supérfluas´, visando com isto certamente os exege-
tas alexandrinos, que contrastavam com os antioquenos, nos quais
a concisão constituía norma a ser seguida (1990, p. 16-17).

Cesaréia da Palestina
Nesta cidade, às margens do Mediterrâneo, em 230, Oríge-
nes, que é considerado um dos maiores pensadores do cristianis-
mo antigo, fundou uma escola cuja importância durou entre os
séculos 5° e 6°. Como Orígenes foi educado em Alexandria, a Esco-
la de Cesareia segue a linha alegórica e liberal na interpretação da
Bíblia e também é influenciada pelo platonismo. Ela possuía uma
importante biblioteca e nela estudaram Eusébio de Cesaréia, Gre-
gório Taumaturgo, Clemente Alexandrino, São Basílio de Cesaréia,
escritores cristãos importantes dos séculos 3° e 4°.

11. ESCRITOS APÓCRIFOS


São escritos produzidos no contexto do Antigo Testamento e
no contexto do cristianismo primitivo que não são admitidos por
vários fatores, entre eles:
a) não estão incluídos no cânon bíblico;
b) foram escritos após o encerramento da Bíblia;
c) foram escritos em grego;
d) possuem escritos heréticos ou fantasiosos.
Originariamente, o termo apócrifo caracterizava escritos de-
masiadamente sagrados ou misteriosos para que pudessem ser
conhecidos por todas as pessoas. Por isso, deviam ficar escondidos

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 81

da maioria das pessoas e só podiam ser lidos por alguns iniciados.


Assim, a palavra apócrifo passou a significar escrito escondido ou
falso; ou ainda, referia-se a escritos que se apresentavam como
bíblicos ou canônicos e que podiam ser: heréticos (contém ideias
heterodoxas) ou ortodoxos (suprem lacunas das Sagradas Escritu-
ras). Podemos mencionar nos apócrifos do Antigo Testamento: 3°
e 4° Esdras, 3° e 4° Macabeus, Testamento dos 12 Patriarcas, Ora-
ção de Manassés, Salmos de Salomão, Livros de Enoc etc.
Os chamados apócrifos neotestamentários surgiram no sé-
culo 2° e se estendem até o século 4°. A maior parte dessa literatu-
ra apócrifa é de origem gnóstica. Mediante suas narrações de tipo
evangélico, os hereges tentavam apoiar suas ideologias heterodo-
xas. Existem também apócrifos ortodoxos que têm por finalidade
satisfazer a curiosidade devota dos fiéis, suprindo as lacunas da
Sagrada Escritura sobre temas como a infância de Jesus, a morte
de Maria Santíssima etc.
Os apócrifos influíram intensamente na história do pensa-
mento cristão, pois constituem os primeiros ensaios da lenda cris-
tã e deixaram suas marcas na arte tais como: os mosaicos de Santa
Maria Maior em Roma, os relevos dos sarcófagos cristãos antigos,
os vitrais das catedrais etc. Essas obras seriam incompreensíveis
sem os apócrifos; têm um grande valor histórico, pois refletem
quais eram as crenças e as tendências devotas dos cristãos dos
primeiros séculos.
Segundo Trevijano (1994, p. 50-51), podemos dividir os prin-
cipais apócrifos neotestamentários em cinco grupos:
a) Os textos que podem corresponder aos estágios mais
antigos da tradição cristã. Tem que se determinar em
cada caso qual pode ser sua relação com os canônicos
e onde se colocam na história da tradição de Jesus dos
séculos I e II. É o caso dos Agrapha e dos fragmentos de
evangelhos desconhecidos.
b) Há outro grupo de textos nos quais parece claro que tem
relação com os evangelhos canônicos, mas cujo material
82 © Patrologia

foi se desenvolvendo em linhas teológicas muito deter-


minadas. É o caso do Evangelho de Tomé, o Evangelho
de Pedro e o Evangelho dos Egípcios.
c) Uma terceira série de documentos se diferenciam tanto
dos evangelhos canônicos que, ainda que levem o título
de evangelho, só se podem assimilar ao gênero evangé-
lico na medida em que os motiva decisivamente refe-
rência à pessoa de Jesus e oferecem seu conteúdo como
mensagem salvífica. Há os que têm uma grande relação
com os sinóticos, os que são expoentes do movimento
gnóstico e narram visões e conversações de Jesus com
seus discípulos e os que têm o desejo de completar epi-
sódios da vida de Jesus (Evangelho dos Nazarenos, Evan-
gelho da Verdade e Evangelho dos Ebionitas).
d) Lugar peculiar ocupam os documentos que se apresen-
tam como ´Diálogos´, vinculados a aparições do Ressus-
citado; foram, sobretudo, os gnósticos os criadores des-
te gênero peculiar.
e) As obras caracterizadas pelo afã de completar relatos
anteriores, o Evangelho de São Tiago, os que tratam da
infância de Jesus (Evangelho Eclesiástico de Tomé) ou da
paixão e ressurreição (literatura de Pilatos, Evangelho de
Nicodemos, Evangelho de Bartolomeu).
Aqui podemos acrescentar, também, o Proto-Evangelho de
São Tiago: escrito nos fins do século 2°, é o primeiro em referir a
apresentação da Virgem no Templo e os nomes de seus pais, Joa-
quim e Ana. Temos, ainda, o Evangelho segundo os Hebreus, que é
uma espécie de revisão e prolongação do Evangelho de Mateus e
foi escrito no fim do século 2°.
Finalmente, temos os chamados atos apócrifos de apóstolos,
obras que mostram os apóstolos como ponto de partida da tradi-
ção (tendência judeu-cristã), como homens itinerantes, taumatur-
gos e divinos (tendência helenista) e também como os iniciados
do Deus revelador (tendência gnóstica). Aqui podemos citar:
• o Símbolo dos Apóstolos, ou Credo: não foi composto pe-
los apóstolos antes da dispersão pelo mundo, como quer

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 83

provar uma falsa tradição. Seu lugar de origem foi Roma;


• os Atos de Paulo e Tecla: é um escrito novelesco e conta
a história de Tecla, uma moça de Icônio convertida por
Paulo. Deixa seu noivo e segue o apóstolo, assistindo-o
em suas viagens. Escapa milagrosamente da morte várias
vezes e, finalmente se retira para Selêucia.
O culto a Santa Tecla tornou-se muito popular no Oriente e
no Ocidente. A descrição que faz de São Paulo, no capítulo tercei-
ro, influiu muito na história da arte: “[...] Paulo, homem de baixa
estatura, calvo e de pernas tortas, forte, de sobrancelhas muito
povoadas e juntas e, nariz aquilino.”
O texto Atos de Tomé, que ainda apresenta passagens intei-
ramente fantásticas, pode ser considerado histórico e fundamen-
tal na viagem de Tomé para a Índia. O Apocalipse de Pedro, que foi
composto no início do século 2°, era muito lido em muitas igrejas e
alguns santos padres o consideram como canônico. Temos, ainda,
os Atos de João e os Atos de André.
Do ´Evangelho de Maria Madalena´ podemos conhecer vá-
rios aspectos da vida e do pensamento cristão primitivo. Eis um
trecho sobre a matéria, tema tão discutido entre cristãos e gnós-
ticos:
MM 7, 1-10: a matéria e suas origens espirituais.
1
[...] O que é a matéria?
2
Ela durará sempre?
3
O Mestre respondeu:
4
Tudo o que nasceu, tudo o que foi criado,
5
todos os elementos da natureza
6
estão estreitamente ligados e unidos entre si.
7
Tudo o que é composto se decomporá;
8
Tudo retornará às suas raízes:
9
A matéria retornará às origens da matéria.
10
Que aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça (FARIA, 2003, p.
47).
84 © Patrologia

MM 10, 1-25: “onde está o nous aí está o tesouro”.


1
Pedro disse a Maria:
2”
Irmã, nós sabemos que o Mestre te amou
3
diferentemente das outras mulheres.
4
Diz-nos as palavras que ele te disse,
5
das quais tu te lembras
6
e das quais nós não tivemos conhecimento...”.
7
Maria lhes disse:
8
“Aquilo que não vos foi dado escutar,
9
eu vos anunciarei;
10
eu tive uma visão do Mestre,
11
e eu lhe disse:
12
Senhor, eu te vejo hoje
13
nesta aparição ‘.
14
Ele respondeu:
15
´Bem-aventurada és tu, Maria,
16
que não te perturbas à minha vista.
17
Onde está o nous ai está o tesouro ‘.
18 ‘
Então eu lhe disse:
19
´Senhor, no instante, aquele que contempla
20
tua aparição,
21
é pela psique (alma) que ele vê?
22
Ou pelo Pneuma (o Espírito, Sopro)? ‘.
23
O Mestre respondeu:
24
Nem pela psique em pelo Pneuma;
25
mas o nous estando entre os dois,
26
é ele que vê e é ele que [...] ‘ “ (FARIA, 1990, p. 65).

Belos e profundos são também os textos do Evangelho de


Tomé.
A não-dualidade como condição para entrar no Reino segundo o
evangelho de Tomé.
O evangelho de Tomé conservou textos belíssimos sobre a integra-
ção do masculino e feminino. Nisso estava uma das condições bási-
cas para entrar no Reino de Deus. O estado infantil, do qual viemos,
é lembrado com insistência. Destacamos algumas passagens:
Tomé 22: ´Jesus viu algumas crianças que estavam se amamentan-
do ao seio. Disse aos discípulos: Essas crianças que estão se ama-
mentando são semelhantes aos que entram no Reino. Eles lhe per-

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© Escritos Patrísticos dos Três Primeiros Séculos 85

guntaram: Então, se nos tornarmos crianças, entraremos no Reino?


Jesus respondeu-lhes: Quando de dois fizerdes Um e quando fizer-
des o interior como o exterior, o exterior como o interior, e o alto
como o baixo, quando tornardes o masculino e o feminino não seja
um macho nem o feminino uma fêmea; quando tiverdes olhos em
vossos olhos, a mão em vossa mão, e o pé em vosso pé, um ícone
em vosso ícone, então, entrareis no Reino.
Tomé 37: Os discípulos perguntaram: Em que dia será a tua mani-
festação? Em que dia teremos nossa visão? Respondeu Jesus: no
dia em que estiverdes nus como crianças recém-nascidas que an-
dam por cima de suas roupas, então, vereis o Filho do Vivente. E
deixareis de ter medo (FIGUEIREDO, 1990, p. 95).

12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) O que você considera mais interessante na vida e escri-
tos dos Padres Apostólicos?
2) A partir do que foi estudado, quais características você
destacaria nos escritos dos Padres Apologistas?
3) Ficou claro o perfil das escolas teológicas antigas?
4) O que você considera mais interessante nos escritos
apócrifos?
86 © Patrologia

13. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao término da segunda unidade da disciplina Pa-
trologia! Nesta unidade conhecemos os escritos patrísticos dos
primeiros séculos, bem como os padres apostólicos, os apologistas
da época e as escolas teológicas.
Com tais conhecimentos, estamos aptos a estudar, na próxi-
ma unidade, os padres do Ocidente e os padres do Oriente.
Até lá!

14. E! REFERÊNCIA
BIBLIA CATOLICA. Disponível em: <www.bibliacatolica.com.br/historia_igreja12php>.
Acesso em: 2 ago. 2010.

15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BERARDI, Di. Dicionário de antiguidades cristãs. Petrópolis/São Paulo: Vozes-Paulus,
2002.
FARIA. J,F. As origens apócrifas do cristianismo. São Paulo: Paulus, 2003.
FIGUEIREDO, F. A. Introdução à patrística. Petrópolis: Vozes, 2009.
_____. Curso de teologia patrística. Petrópolis: Vozes, 1983-1990. 3 vol.
FRANGIOTTI, R. Patrística. Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995.
GÓMEZ, A. J. Manual de historia de la Iglesia. Madrid: Publicaciones Claretianas, 1987.
HAMMAN, A. Os padres da igreja. São Paulo: Paulinas, 1980.
PIERINI, F. Mil años de pensamiento cristiano. Bogotá: San Pablo, 1993.
ROST, L. Introdução aos livros apócrifos e pseudoepígrafos. São Paulo: Paulinas, 1980.
SANTIDRIÁN, P.R. Dicionario breve de pensadores cristianos. Editorial Verbo Divino.
Estella (Navarra), 1991.
SCHLESINGER, H-P. H. Dicionário enciclopédico das religiões. Petrópolis: Vozes, 1995.
v.2.
SPANEUT, M. Os padres da igreja. São Paulo: Loyola, 2000-2002.
TREVIJANO, R. Patrología. Madrid: BAC, 1994.
VV. AA. Padres apostólicos: patrística. São Paulo: Paulus, 1995.

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EAD
Padres do Ocidente e
do Oriente
3
1. OBJETIVOS
• Conhecer e analisar a literatura cristã dos séculos 4º ao
7º.
• Diferenciar os padres do Ocidente e do Oriente.
• Identificar as grandes obras teológicas escritas por escri-
tores gregos e latinos.
• Apontar e distinguir escritores gregos e latinos.

2. CONTEÚDOS
• Padres do Ocidente e do Oriente grego.
• Escritores gregos.
• Escritores latinos.
88 © Patrologia

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Sugerimos para a maior compreensão deste assunto que
você leia:
2) Estúdio de los Padres de La Iglesia Disponívem em: in :
www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja. Acesso
em: 23 ago. 2010.
3) É muito conveniente que , para um melhor aprofuda-
mento do assunto desta unidade, você leia: PIERRARD,
P. História da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1982.
4) Sugerimos, também, que você leia as seguintes obras:
HAMMAN, A. Os Padres da Igreja. São Paulo: Paulinas,
1980.; BOGAZ, A. S.; COUTO, M. A.; HANSEN, J. H. Pa-
trística. Caminhos da Tradição Cristã. São Paulo: Paulus,
2008.
5) É interessante que você assista ao filme: SANTO Agos-
tinho. Direção: Roberto Rosselini. Produção: Francesco
Orefici Renzo Rossellini. Itália: Luce, c. 1972. 1 DVD (115
min), color. Produzido por Paulinas. Baseado na vida e
obra de Santo Agostinho.
6) Para complementar seus conhecimentos, leia As Confis-
sões de Santo Agostinho. VIGINI, Giuliano; BONALDO,
Nádia (Org.). As confissões de Santo Agostinho: as mais
belas páginas de uma obra-prima imortal. Tradução de
Marcos Van Acker. São Paulo: Campinas, 2000.
7) Santo Antão

8) Antão foi egípcio de nascimento. Seus pais eram de boa


linhagem e abastados. Como eram cristãos, também o
menino cresceu como cristão. Quando criança, viveu com
seus pais, só conhecendo sua família e sua casa; quando
cresceu e se fez moço e avançou em idade, não quis ir à
escola [7], desejando evitar a companhia de outros me-
ninos; seu único desejo era, como diz a Escritura acerca
de Jacó (Gn 25,27), levar uma simples vida no lar. Supõe-
se que ia à Igreja com seus pais, e aí não demonstrava o
desinteresse de um menino nem o desprezo dos jovens

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© Padres do Ocidente e do Oriente 89

por tais coisas. Ao contrário, obedecendo aos pais, pres-


tava atenção às leituras e guardava cuidadosamente no
coração o proveito que delas extraía. Além disso, sem
abusar das fáceis condições em que vivia como criança,
nunca importunou seus pais pedindo manjares caros ou
finos, nem tinha prazer algum em coisas semelhantes.
Ficava satisfeito com o que se lhe punha adiante e não
pedia mais (IGREJA ON-LINE. Disponível em: <:http://
www.cot.org.br/igreja/santo-antao. php> Acesso em:
19 ago. 2010).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você foi convidado a compreender a
literatura cristã dos três primeiros séculos, ou seja, o período que
vai do início do cristianismo até o Concílio de Nicéia (325).
Nesta terceira unidade, estudaremos a literatura cristã dos
séculos 4º ao 7º, considerando que este é o período áureo da Pa-
trologia com as grandes obras teológicas escritas por grande nú-
mero de escritores gregos e latinos.
Para maior compreensão do tema, dividiremos em dois pe-
ríodos:
a) padres latinos;
b) padres gregos.
Para tanto, vamos considerar o contexto geográfico e social
distinto de cada grupo.
Vamos lá?

5. PADRES DO OCIDENTE LATINO E DO ORIENTE GREGO


O cristianismo no Império Romano cristão (313 - 692)
No ano 311, com o Edito de Tolerância, os imperadores Cons-
tantino, Licínio e Galério decretaram o fim das perseguições con-
tra os cristãos, e isso trouxe a paz para as comunidades cristãs.
90 © Patrologia

Assim, após o ano 313, com o Edito de Milão, os impera-


dores Constantino e Licínio concederam a liberdade de culto ao
cristianismo. A partir daí, os seguidores de Cristo puderam orga-
nizar melhor suas estruturas internas, articular uma ação missio-
nária mais articulada e expansiva e estabelecer novos contatos e
relações com a cultura romana. Com isso o Cristianismo foi con-
quistando grande espaço, passando a influenciar mais a sociedade
romana, que foi acolhendo as propostas cristãs nas suas leis e ma-
nifestações sociais.

A conversão de Constantino –––––––––––––––––––––––––––


A conversão de Constantino não foi instantânea. Embora continuasse com algu-
mas práticas pagãs ao lado do seu cristianismo, depois que se tornou o único
imperador, ele favoreceu ainda mais a religião cristã. Foi colocando nos postos
de maior confiança os cristãos, fez educar seus filhos no cristianismo, e desde
313 tomou para conselheiro o eminente bispo Ósio de Córdoba, a quem confiou
a execução de suas disposições religiosas.
Coube a Constantino mandar reformar o palácio de Latrão, antiga moradia da im-
peratriz Fausta, e doá-lo como residência aos papas. Mandou construir, também,
a Basílica de São Pedro e as de São Paulo e São Lourenço extramuros.
Combate às heresias
Apesar de seus defeitos, os historiadores reconhecem que Constantino foi um
homem providencial para a Igreja. E o foi inclusive no combate às heresias.
Sua primeira intervenção nesse campo foi contra o donatismo, heresia rigorista
que surgira no norte da África. Constantino reuniu um sínodo em Roma sob a
presidência do papa Milcíades, que condenou os donatistas. O Concílio de Arles,
nas Gálias, em 314, renovou essa condenação (SANTOS, 2002).
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O Edito de Milão –––––––––––––––––––––––––––––––––––––


Para mostrar pública e solenemente a mudança de política com relação aos até
então perseguidos cristãos, em 313 Constantino convenceu Licínio, que continu-
ava pagão, a promulgar em Milão um edito concedendo liberdade religiosa em
todo o império, tanto no Ocidente quanto no Oriente. Com isso o cristianismo, até
então selvagemente perseguido, foi posto em absoluta igualdade com a religião
pagã do Estado.
A par do Edito de Milão, esse imperador tomou uma série de disposições práticas
para concretização do princípio de igualdade e tolerância religiosa. Os cristãos
tiveram de volta igrejas, cemitérios e outros bens que lhes haviam sido confisca-
dos. E o próprio Constantino mandou construir diversas igrejas, sob o pretexto de
que muitas haviam sido demolidas. Concedeu ainda importantes privilégios aos
membros do Clero. (SANTOS, 2002).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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© Padres do Ocidente e do Oriente 91

No fim do século 4º, com o imperador Teodósio, a aliança


com o Império Romano aumentou, e o cristianismo passou a ser
a religião oficial do Estado. Dessa maneira, ele passou a ter mais
privilégios e a correr o risco do cesaropapismo, ou seja, a influ-
ência do poder temporal nos assuntos eclesiásticos. Cessando as
perseguições e com os privilégios conseguidos, para muitos o cris-
tianismo se tornou uma religião fácil e de busca de interesses com
um consequente descuido. As grandes massas chegaram à Igreja e
a obra missionária intensamente, mas muitos neoconvertidos es-
tavam marcados pela superstição e pelos cultos pagãos, interessa-
dos, apenas, em pertencer à religião oficial do Estado.
Assim, concomitante ao crescimento do cristianismo, conso-
lidaram-se as heresias Trinitárias (Arianismo e Subordinacionismo),
Cristológicas (Apolinarismo, Nestorianismo, Docetismo, Monofisis-
mo e Monotelismo) e Soteriológicas (Donatismo e Pelagianismo),
que provocaram grandes cismas. Nesse contexto de expansão do
cristianismo, a necessidade de uma maior organização pastoral e
o combate às heresias geraram a necessidade de se convocar os
primeiros concílios ecumênicos, que são:
a) Concílio de Nicéia (325);
b) três em Constantinopla (381, 553 e 681);
c) Éfeso (431);
d) Calcedônia (451).
Desse modo, este período foi marcado pela organização das
atividades missionárias, pelo surgimento do Monacato, pelas in-
vasões bárbaras e pela queda do Império Romano do Ocidente no
ano 476 e a consequente ascensão do cristianismo como lideran-
ça da Europa continental. Outro acontecimento marcante deste
período foi o surgimento do islamismo, com Maomé, em 622, o
que provocou grande instabilidade na parte oriental do Império
em áreas que eram predominantemente dominadas pelo cristia-
nismo.
92 © Patrologia

Nesse contexto de tantas mudanças, a obra de organização


eclesial e de sistematização da ortodoxia cristã foi a grande tarefa
exigida às lideranças cristãs, especialmente, aos padres da Igre-
ja, que fomentaram a ciência eclesiástica a partir do século 4º. As
diferentes ciências teológicas adquiriram sua expressão própria.
As escolas teológico-catequéticas de Alexandria, de Antioquia, de
Cesaréia, de Roma e de Constantinopla se consolidaram.
Na segunda metade do século 5º, começou a decadência
da ciência eclesiástica. Não porque faltassem escritores, mas por
não haver entre eles, com exceção de Gregório Magno (+604) no
Ocidente e de São João Damasceno (+749) no Oriente, nenhuma
estrela de grande magnitude. Na verdade, as circunstâncias exte-
riores não permitiam entrega absoluta às ciências eclesiásticas;
os transtornos econômicos e sociais, produzidos pelas invasões
bárbaras, paralisaram o florescimento teológico e literário da épo-
ca anterior. Nesse contexto, a antiguidade foi cedendo espaço ao
mundo medieval, com todas as suas novas características.
O estudioso de Patrologia, Hamman, contextualiza as mu-
danças ocorridas no século 4º e o contexto eclesial e social dos
Santos Padres dos séculos 4º e 5º, deste modo:
As coisas mudaram com a ascensão progressiva de Constantino,
que se tornou finalmente o único senhor do Império. Depois de
dois séculos de perseguição, a Igreja foi legalizada, passando logo
depois a ser religião do Estado. O imperador, preocupado em res-
tabelecer a unidade e a força sobre bases novas, percebeu o bom
aliado que o cristianismo poderia tornar-se para ele. A mudança
era inaudita, a ponto de os contemporâneos acreditarem estar as-
sistindo à realização do reino de Deus na terra.
A realidade, porém, ia ser bem outra. A Igreja, libertada da opres-
são, conheceria uma provação mais terrível talvez do que a hostili-
dade: a proteção facilmente onerosa do Estado. As grandes perso-
nalidades da Igreja não tardarão a perceber a ameaça e a opor-se
aos sucessores de Constantino. Para avaliar isto, basta lembrar-se
de que o imperador, - e não o Papa - foi quem tomou a iniciativa de
convocar o concílio ecumênico de Nicéia, o qual se realizou no seu
palácio. O príncipe em pessoa fez o discurso de abertura (mais ou
menos como se John Kennedy ou Charles de Gaulle tivesse aberto
o concílio Vaticano II). O imperador nem era batizado.

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© Padres do Ocidente e do Oriente 93

A intromissão política do governo da Igreja ameaçará gravemente


a ortodoxia. Os imperadores estão à mercê dos bispos cortesãos.
Metem-se a legislar em teologia como legislam em política. Os
bispos, como Atanásio e Hilário, acham-se à altura dos aconteci-
mentos. Nem a intriga nem o exílio porão fim à sua resistência. O
Império é que é obrigado a ceder.
Ao longo deste quarto século, os grandes doutores terão de lutar
contra as seqüelas da heresia e consertar as brechas que ela pro-
vocou na Igreja. Os três capadócios ocupam a maior parte do seu
tempo e de seus estudos para refutar o erro. Quando Gregório de
Nazianzo foi feito bispo de Constantinopla, a Igreja ortodoxa com-
preendia apenas um punhado de homens. Graças a o esforço dos
Padres, a ortodoxia e a unidade hão de ter a última palavra.
A segunda metade do século vê florescer o que os historiadores
chamaram de idade e ouro dos Padres da Igreja. Os maiores nomes
da antiguidade cristã, pastores e teólogos, tanto do Oriente como
do Ocidente, situam-se nesta época de intensa fermentação inte-
lectual. Formaram-se nas escolas da cultura pagã. Esta é colocada
por eles a serviço do Evangelho.
´Os Padres do século IV e o início do século V representam um mo-
mento de equilíbrio particularmente precioso entre uma herança
antiga, ainda bem pouco atingida pela decadência e perfeitamente
assimilada, e, por outro lado, uma inspiração cristã que já chegou à
maturidade´, escreve H. Marrou.
A maioria deles só recebeu o batismo na idade adulta, embora
oriundos de famílias profundamente cristãs. Depois dos estudos,
exerceram uma profissão profana. Todos os padres gregos fizeram
uma espécie de noviciado com os Padres do deserto, e depois in-
gressaram no grupo deles. Eram eles os candidatos designados
para os cargos; primeiro padres, em seguida bispos. É uma era de
grandes bispos para a Igreja.
O ensino cristão é ministrado através da catequese e da prega-
ção. Trata-se de esclarecer o espírito e de formar os costumes. Os
Padres, intelectualmente formados pelas escolas de seu tempo,
tomam posição nas controvérsias teológicas. Servem à fé com os
recursos da cultura filosófica. Longe de limitar sua ação à elite, per-
manecem junto de seu povo, da multidão dos pobres e humildes.
Jamais pactuam com os poderosos e ricos, mas recordam-lhes os
grandes temas da justiça e do respeito ao homem, e estabelecem
os fundamentos de uma ordem social cristã. Os Padres enriquecem
a Igreja com todos os recursos do patrimônio grego. Sua atuação
e suas obras abrem uma nova era e lançam as bases da civilização
cristã (HAMMAN, 1980, p. 105-106).
94 © Patrologia

6. ESCRITORES GREGOS
São chamados de escritores gregos os padres que viveram e
desenvolveram suas atividades apostólicas e intelectuais no con-
texto do antigo império do Oriente, que, inicialmente, teve seu
centro em Antioquia, Jerusalém e Alexandria e, depois, a partir do
século 4º, em Constantinopla. Os padres gregos são considerados
mais especulativos que os latinos e seguiam a linha da escola de
Alexandria ou a da escola de Antioquia.
Os padres orientais ou gregos, conviveram diretamente com
o problema do combate às doutrinas heréticas e do fortalecimento
da ortodoxia cristã. Basta recordar que as grandes heresias surgi-
ram no contexto geográfico oriental e lá foram realizados todos os
concílios ecumênicos antigos em Nicéia, Constantinopla, Éfeso e
Calcedônia. Há que se recordar também que no período de Juliano,
o Apóstata (360-363), houve um marcante retorno ao paganismo,
já que este imperador era anti-cristão. A ação dos padres gregos
foi marcante no combate ao paganismo, ao Arianismo, condenado
no concílio de Nicéia, em 325; ao Apolinarismo e Nestorianismo,
condenados no concílio de Constantinopla, em 381 e em Éfeso, em
431;ao monofisismo, condenado em Calcedônia, em 451. É neste
contexto que se destacaram vários Santos Padres, que conhecere-
mos a partir de agora.
Vejamos alguns desses escritores:

Santo Atanásio (295-373)


Santo Atanásio nasceu em Alexandria e é considerado o pai
da ciência teológica e defensor da ortodoxia.
Alexandria, na antiguidade cristã, conheceu uma linhagem de ho-
mens ilustres ela sua cultura, pela sua ação e pela sua santidade.
Aí, sucederam-se, no século III, Clemente e Orígenes, que fizeram
escola. De então em diante, a cidade fica célebre pela sua tradição
teológica. Atanásio pertence a uma geração mais jovem. Em sua
infância chegou a conhecer a perseguição, que, em vez de abalá-lo,
forjou-lhe o caráter, levando-o à intransigência que seus adversá-

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© Padres do Ocidente e do Oriente 95

rios nunca mais deixarão de reprovar-lhe. Com a inflexibilidade do


mártir, defenderá a ortodoxia no concílio de Nicéia. Toda a sua exis-
tência foi consagrada ao combate da herexia ariana, que negava a
divindade de Cristo. (HAMMAN, 1980, p. 109)

Santo Atanásio foi discípulo de Santo Antão, o anacoreta, e


depois foi diácono em Alexandria. Por causa do combate aos erros
da heresia ariana, sofreu o desterro cinco vezes.
Como grande defensor da ortodoxia e grande escritor, seus
escritos despertaram a admiração em toda a Igreja. Escreveu so-
bre vários temas e, falando sobre isso, Hamman afirma que:
Ele inscreve para instruir e para convencer. Resta-nos uma obra da
juventude composta nas horas de lazer, quando era secretário de
seu bispo. O Discurso contra os pagãos e sobre a encarnação do
Verbo é uma refutação do paganismo e uma descoberta do verda-
deiro Deus. O pensamento não é original, o livro impõe-se pelo seu
ardoroso apego ao Cristo.
A maioria das obras teológicas esforçam-se para refutar o arianismo
e para defender a fé de Nicéia. O bispo de Alexandria tem consciên-
cia de que aí reside a essência do cristianismo. Escreveu primeiro
três Discursos contra os arianos, que apresentam uma síntese de
teologia trinitária. Atanásio desenvolve o mesmo tema em uma sé-
rie de cartas. Esse lutador não podia contentar-se com exposições
irenistas. No decorrer das disputas arianas, afirma-se como violen-
to polemista. Sabe retrucar de maneira cortante. O Egito quase não
nos fornece modelos de mansidão. Atanásio encontra uma espécie
de prazer na luta. Ele próprio confessa: “Não me canso; pelo con-
trário, regozijo-me de me defender.” Escreveu a Apologia contra os
arianos (348) que publica todos os documentos da luta para justifi-
car sua atitude. A Apologia a Constância é um discurso ao impera-
dor, que nunca chegou a ser proferido, uma bela peça de eloqüên-
cia e de habilidade. Aí, nada é deixado ao acaso. Tinha ele previsto
até os jogos fisionômicos que seu discurso deveria provocar: “Estais
sorrindo, príncipe, e este sorriso é uma aquiescência.”
Nas últimas obras o tom se eleva, o polemista torna-se panfletário
na Apologia sobre a fuga (358) e na História dos arianos, dirigida
aos monges, e onde ele ridiculiza o adversário. Está proscrito, nada
mais tem a perder, ninguém mais precisa tratá-lo com deferência.
Maneja aí uma ironia ferina, que chega às raias da injustiça. O es-
tilo é vivo, a imagem colorida. Ele sabe pôr em cena os episódios
e fazer os personagens falarem. Tem palavras terríveis. Os eunucos
que cercam o soberano possuem o dom de excitar sua verve viril.
“Como quereis, diz ele, que gente como esta compreenda alguma
coisa a respeito da geração do Filho de Deus!”
96 © Patrologia

Atanásio não é somente a sentinela da ortodoxia; é um pastor, e


que pastor! Muitas de suas obras espirituais perderam-se. Parti-
cularmente comentários escriturísticos. As versões coptas e sírias
conservaram-nos numerosas obras pastorais. Entre estas é preci-
so citar as cartas pascais, que são mandamentos ara a quaresma,
um Tratado sobre a Virgindade, onde ele multiplica os conselhos
às virgens de Alexandria. “A virgindade é um jardim fechado, que
ninguém pisa, a não ser o jardineiro [...] (HAMMAN, 1980, p. 112-
113).

Sobre a encarnação do verbo, Contra os pagãos, três Discur-


sos contra os arianos e vida de Antão etc.

Eusébio de Cesaréia (265-340)


Eusébio de Cesaréia nasceu na Palestina e estudou na Escola
de Cesareia. Perseguido na época de Diocleciano, depois foi bispo
de Cesareia, estando envolvido na questão ariana e foi um dos que
não quis condenar Ário, pois pensava que era possível chegar a
um acordo doutrinal, o que o levou a defender uma fórmula de
fé equivocada. É chamado pai da historiografia eclesiástica com
as obras Crônica e História Eclesiástica. Ele foi um dos primeiros a
defender a relação da Igreja com o Estado, pois era muito próximo
ao imperador Constantino e vivia no ambiente da corte romana.
Escreveu algumas obras teológicas: Preparação Evangélica e De-
monstração Evangélica.

São Cirilo de Jerusalém (313-387)


São Cirilo de Jerusalém foi padre neta cidade e gozava de
grande reputação por causa de sua oratória e inteligência; quando
morreu o bispo de Jerusalém ele foi colocado em seu lugar em
torno do ano 350. Ele foi um dos principais catequistas desta épo-
ca e defendeu a fé trinitária do concílio de Nicéia, combatendo a
heresia ariana; foi exilado duas vezes. Participou do Concílio de
Constantinopla, no ano 381, e sua obra mestra são as Vinte e qua-
tro catequeses (instruções doutrinais) aos catecúmenos.
As 24 catequeses foram pronunciadas, em sua maioria, na basílica
do Santo Sepulcro, algumas na rotunda da Ressurreição. A auten-

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© Padres do Ocidente e do Oriente 97

ticidade das cinco últimas, denominadas mistagógicas por serem


introdução aos santos mistérios, (batismo, confirmação eucaristia),
foi posta em dúvida. As dificuldades são sérias, mas não convence-
ram os historiadores.
As instruções começavam no primeiro domingo da quaresma e
prosseguiam todos os dias, exceto sábados e domingos, até a
data do batismo. Explicavam-se a Sagrada Escritura, a história da
salvação em suas principais articulações, e, depois, o Símbolo dos
Apóstolos. Na noite pascal, os catecúmenos recebiam o batismo, a
confirmação e a eucaristia. Durante a semana da Páscoa, concluía-
se sua instrução com a explicação dos ritos da iniciação cristã (cate-
quese mistagógica).
Cirilo dedica suas primeiras pregações à conversão. Trata-se pri-
meiro de fazer os candidatos compreenderem a mudança de vida
e de costumes que sua opção cristã supõe. Como na Didaquê, o
primeiro catecismo cristão a ênfase é colocada no caráter moral e
existencial da conversão.
As catorze catequeses seguintes comentam o símbolo da fé, com
um cunho nitidamente trinitário. Cirilo não se contenta com enun-
ciar as afirmações teológicas a respeito do Pai do Filho e do Espí-
rito Santo, porém, mostra, de modo admirável, o prolongamento
concreto desta doutrina na vida do cristão. O Pai introduz-nos no
mistério de Deus e nos que faz de nós seus filhos e filhas. O Cristo
é nosso Salvador sob formas variadas, segundo as necessidades de
cada um.’ Ele é todo a todos, permanecendo, em si mesmo aquilo
que é. ´O Espírito introduz-nos no mistério da Igreja, que ele san-
tifica e defende´. Ele transforma a vida co crente. ´Imaginai uma
pessoa que viva na escuridão. Se, por acaso, subitamente ela vir o
sol, seu olhar ficará iluminado e o que antes não enxergava passará
a enxergar claramente. Acontece o mesmo com quem foi julgado
digno de receber o Espírito Santo: ele fica com a alma iluminada;
vê, acima do homem, coisas até então ignoradas” (Cat. 16,16).
A catequese das cinco últimas instruções desenvolve a doutrina
dos sacramentos da iniciação cristã, explicando os seus ritos, que
constituem uma lição sobre coisas cujo significado precisamos des-
cobrir. A água exprime o poder de destruição e de vida. O bispo
estabelece a relação entre cada sacramento e os acontecimentos
e as figuras do Antigo Testamento, o que costumava ser a meta de
toda catequese do século IV (HAMMAN, 1980, p. 182-183).

São Gregório Nazianzeno (330-390)


São Gregório Nazianzeno nasceu em uma família abastada e
sua mãe era cristã e o pai membro de uma seita pagã e depois se
98 © Patrologia

converteu e chegou a ser bispo da cidade de Nazianzo, onde o pró-


prio filho Gregório também foi bispo, anos depois. Gregório pode
estudar em várias escolas de cidades importantes como Cesaréia,
Alexandria e Atenas. Foi grande poeta, orador e monge, amigo de
São Basílio. Combateu os arianos no I Concílio de Constantinopla
do ano 381. Escreveu os cinco Discursos sobre a Trindade, que lhe
renderam o nome de teólogo, e numerosas poesias.
Hamman oferece-nos alguns textos de sua obra. Eis um tre-
cho em que fala do que devemos oferecer a Deus:
Ofereçamos, portanto, nossas próprias pessoas: é este o presente
mais precioso aos olhos de Deus e o que dele mais se aproxima.
Oferecemos à sua imagem aquilo que mais se assemelha a ela. Re-
conheçamos nossa grandeza, honremos nosso modelo, compreen-
damos a força deste mistério, e as razões da morte do Cristo.
5. Sejamos como o Cristo, porque Cristo foi como nós. Sejamos
deuses para ele, porque ele se fez homem para nós. Ele assumiu o
pior, para dar-nos o melhor; fez-se pobre, para enriquecer-nos com
a sua pobreza; tomou a condição de escravo, para conquistar-nos a
liberdade; humilhou-se, para exaltar-nos; foi tentado, para ver-nos
triunfar; quis ser desprezado, para revestir-nos de glória. Morreu,
para salvar-nos. Subiu ao céu para nos atrair a ele; para atrair a nós
que havíamos mergulhado no abismo do pecado.
Demos tudo, ofereçamos tudo àquele que se deu como pagamento
e como resgate. Nada lhe poderemos dar de tão grande quanto
nós mesmos, se houvermos compreendido estes mistérios e se nos
tivermos tornado para ele tudo o que ele se tornou para nós (HAM-
MAN, 1980, p. 155).

São Basílio, o Grande (331-379)


São Basílio distinguiu-se como teólogo, como filósofo e mon-
ge. Frequentou as Escolas de Constantinopla, Atenas e Cesareia,
onde foi arcebispo. Promoveu obras sociais e incentivou a vida
monástica. Combateu as heresias ariana e apolinarista. Escreveu
várias homilias: as duas Regras monásticas e, contra os arianos,
escreveu Contra Eunomio e Sobre o Espírito Santo.
Falando sobre a vida e obra de Basílio, Pierini assim escreve
após descrever sua bela e destacada família, composta de
sábios e santos:

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© Padres do Ocidente e do Oriente 99

Ele ensina retórica durante um breve período, viaja para conhecer


os mais famosos mosteiros, e elva ele próprio uma vida monástica
por alguns anos. Em 364 é ordenado padre e seis anos depois se
torna bispo de Cesaréia e, ao mesmo tempo, metropolia da Capa-
dócia e exarca do Ponto, colocando-se assim na primeira linha na
luta contra o arianismo do imperador Valente.
Em 358, aroximadamente, com o amigo Gregório, compõe a Filo-
cália, isto é, uma antologia dos escritos de Orígenes; de 358 a 362
condensa as próprias experiências de monge em duas obras cha-
madas Regras Monásticas (uma mais longa e outra resumida), que
até hoje são o fundamento da vida religiosa oriental. Ordenado pa-
dre, Basílio se dedica à Escritura e redige, entre 364 e 370, nove Ho-
milias sobre o Exameron, ou seja, o relato dos seis dias da criação,
empregando aí todos os melhores recursos da sua cultura sagrada
e profana; em 364, escreve também um tratado Contra Eunômio,
atacando e refutando o líder dos arianos extremistas, os chamados
´anomeus´.
Feito bispo, desenvolve uma ampla atividade pastoral em todos os
campos, inclusive no campo mais especificamente social: institutos
de beneficência, fundações monásticas, reforma a vida clerical, re-
ofrmas litúrgicas (a ele remonta pelo menos o núcleo fundamental
da chamada Liturgia de São Basílioa, ainda em uso em certos dias
do ano na Igreja oriental). Toda essa ação é acompanhada por uma
rica produção epistolar, alem de 300 Cartas, entre as quais as im-
portantíssimas 188, 199 e 217, chamada ´cartas canônicas´, sobre
a disciplina penitencial. Colocando mais uma vez a sua cultura pro-
fana ao serviço da fé, entre 375 e 379 (ano de sua morte) Basílio
escreve o livro Advertência aos jovens a respeito do uso dos clássi-
cos pagãos, no qual ensina a valorizar tudo o que de bom é possível
encontrar nos autores não-cristãos. Em 375, enfim, Basílio enfrenta
diretamente o tema mais grve daqueles tempos no tratado O Espí-
rito Santo, para demonstrar a divindade da terceira pessoa, ou seja,
a sua ´omousía´ com o Filho e o Pai, na Trindade.
A perspectiva teológica de Basílio é francamente grega; para ele, a
história da salvação não é tanto uma perspectiva linera, mas sobre-
tudo pontual, isto é, a salvação na história. Porém, enquanto para
os gregos pagãos o tempo é degradação, para Basílio o tempo só
se apresenta como degradação quanto está unido ao pecado. Daí a
necessidade de súber do tempo à eternidade, do pecado à virtude,
à busca doabsoluto que é Deus, através da verdadeira dimensão
do hoeme que é a alam, através da mais autêntica atividade do
homem que é a ascese (PIERINI, 1998, p. 167-168).
100 © Patrologia

São Gregório de Nissa (334-394)


São Gregório de Nissa, exegeta, filósofo e místico, foi irmão
de São Basílio, que o consagrou bispo de Nissa; juntamente com
Gregório de Nazianzo e Basílio, forma o trio dos grandes padres
capadócios. Participou do I Concílio de Constantinopla e combateu
as heresias apolinarista e macedonianismo. Escreveu obras dogmá-
ticas: Grande discurso catequético( grande obra catequética som
os princípios da dogmática cristã), Contra Eunômio (em defesa de
São Basílio e da fé ortodoxa) e Macrina (discurso escatológico que
coloca na boca de sua irmã Macrina), Sobre a Virgindade, A criação
do homem, Diálogo sobre a alma e sobre a ressurreição, Contra
Apolinário e Contra Apolinário e sua heresia, Sobre os títulos do
salmos, Homilias sobre o Cântico dos Cânticos e a Formação cristã
(com ensinamento sobre a vida monástica).
Mentalidade altmaente especulativa, embebido de platonismo
e de origenismo, Gregório de Nissa considera todas as realidades
´sub specie aeternitas´, partindo do pressuposto (todo platônico)
de que só o universal é real e de que os indivíduos são apenas re-
alizações parciais e contigentes. O universal concreto se encontra
em toda parte: Deus é universal concreto e as atrês pessoas divinas
somente se distinguem pelas relações intratrinitárias (o Pai se dis-
tingue do Filho enquanto é Pai, o Filho enquanto é Filho, o Espírito
Santo enquanto procede do Pai por meio do Filho); Cristo é univer-
sal concreto e as duas naturezas (divina e humana) são completas;
o homem, originalmente, na idéia total que Deus tinha dele, foi
criado também como universal concreto, não sexualizado; a sexu-
alização aconteceu no paraíso terrestre; o pecado agravou a queda
no particular; o caminho da graça destina-se a restaurar o universal
humano original. Segundo Gregório, toda a história da salvação, vai
por isso, do universal ao universal concreto: no fim (como pensava
Orígenes) verificar-se-á a ressurreição original de todas as coisas
(apocatátae universal), e inclusive o demônio voltará a ser o anjo
que foi no começo. Não é de admirar, pois, que Gregório, dentro
dessa perspectiva ideológica, esteja convencido de que sobre a Ter-
ra é possível não só o conhecimento natural de Deus através da
abstração do sensível, mas também a direta visão de Deus, como
antecipação da visão paradisíaca (PIERINI, 1998, p. 173).

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© Padres do Ocidente e do Oriente 101

Dídimo (+395)
Dídimo, cego desde a infância, foi leigo, teólogo e asceta
e um dos maiores sábios de seu tempo. Foi diretor da Escola de
Alexandria e mestre de São Jerônimo e Rufino. Escreveu Tratado
sobre o Espírito Santo, Contra os Maniqueus, Sobre a Trindade e
Sobre os dogmas e contra os arianos.

Santo Epifânio (+403)


Santo Epifânio, nascido na Palestina, foi monge e bispo de
Salamina, em Chipre. Lutou contra as heresias. Ancoratus (sobre a
fé) e Panarion (tratado de 80 heresias conhecidas de seu tempo).

São João Crisóstomo (+407)


São João Crisóstomo nasceu em Antioquia, foi advogado,
monge, grande pregador e patriarca de Constantinopla, chama-
do de príncipe dos exegetas. Foi exilado duas vezes por causa da
imperatriz Eudóxia. É o príncipe dos exegetas. Obras mais impor-
tantes: Sobre o sacerdócio, Homilias sobre as estátuas e Homilias
sobre o Evangelho de Mateus.

Teodoro de Mopsuéstia (+428)


Teodoro de Mopsuéstia, discípulo de Diódoro de Tarso
(+399). Os dois foram bons escrituristas, mas seus escritos teológi-
cos favoreceram o nestorianismo.

São Cirilo de Alexandria (+444)


São Cirilo de Alexandria foi patriarca de Alexandria e oposi-
tor do nestorianismo. Participou ativamente do Concílio de Éfeso
no ano 431 e escreveu numerosas obras teológicas e polêmicas
contra Nestório, Apolinário, Teodoreto de Ciro etc. Escreveu co-
mentários e homilias sobre quase todos os livros da Sagrada Es-
critura. Chamado de doutor mariano pela defesa da maternidade
divina de Maria.
102 © Patrologia

Dionísio Areopagita ou Pseudo-Dionísio


Dionísio Areopagita, teólogo cristão com obras importantes
que tiveram grande influxo na Idade Média, atribuídas a Dionísio
Areopagita, o discípulo de São Paulo. Obras: Sobre os nomes divi-
nos, Sobre a hierarquia celestial, Sobre a hierarquia eclesiástica,
Sobre a teologia mística.
Vejamos outros escritores e historiadores da Igreja que tive-
ram grande valor:
a) Filostorgio (+380).
b) Sócrates (+440).
c) Sozomeno (+440).
d) Paládio (+430): escreveu a História lausiaca, coleção de
vidas de monges.
e) Isidoro Pelusiota (+440): é o autor de mais de mil car-
tas.
f) Sofrônio de Jerusalém (+638): orador, poeta, apologista
contra os monotelistas; autor de Prado espiritual, uma
coleção de exemplos de virtudes praticadas por alguns
contemporâneos.
g) João Clímaco (+600): autor da Escada do paraíso.
h) Máximo, o Confessor (580-662): autor da Mistagogia e
de um comentário sobre Dionísio Areopagita.
A partir do século 2º, a Síria foi um centro importante de ati-
vidade literária cristã. No século 4º, floresceu a Escola de Edessa,
em que se destacaram os escritores:
a) Afrates (+345).
b) Santo Efrém (+373) autor de Hinos religiosos e homilias.

7. ESCRITORES LATINOS
Os padres latinos são escritores que viveram em torno do
mundo romano do Ocidente, com seu centro em Roma e outras
regiões da Europa ocidental. Há também os que viveram no nor-

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© Padres do Ocidente e do Oriente 103

te da África, a chamada África Pró-Consular, na região onde viveu


Santo Agostinho.
No Ocidente, durante os séculos 4º e 5º, existiu um grande
florescimento da literatura eclesiástica, que entrou em crise com
as invasões bárbaras e a queda de Roma. Os escritores ocidentais,
em geral, são menos especulativos que os orientais, sendo mais
orientados para as questões práticas e disciplinares.
Analisando o contexto dos padres ocidentais, principalmen-
te no tocante à questão do combate às heresias, Pierini afirma o
seguinte:
Também no Ocidente a luta para manter em toda a sua plenitude
a divindade do Filho e do Espírito Santo envolve um amplo grupo
de bispos e teólogos. Aí, também, ao lado dos polemistas equilibra-
dos não faltam os extremistas. Assim, ao lado de nomes como o de
Ósio, bispo de Córdoba (conselheiro eclesiástico de Constantino,
morto em 358, aproximadamente), de Eusébio de Verceilas (pro-
vável autor de um tratado Sobre a Trindade, morto em 371), de
Zenão, bispo de Verona (autor de excelente Sermões, morto e 380,
aproximadamente), de Filástrio, bispo de Bréscia (autor de um Livro
das Heresias, que lhe valeu o título de ´Epifânio latino´, morto em
397, aproximadamente), e de outros, que defendem o concílio de
Nicéia e preparam o de Constantinopla sem perder de vista a distin-
ção entre o erro e a pessoa que erra, existem aqueles que, na fúria
polêmica contra os arianos e os macedonianos, levam inclusive ao
cisma dos ortodoxos: é o caso de Lucífer, bispo de Cagliari (morto
em 371, aproximadamente), dos presbíteros Faustino e Marcelino
(ambos atuantes por volta do 380), de Gregório, bispo de Elvira (do
qual foram descobertos alguns tratados e sermões, morto em 392).
Um lugar próprio merece o orador africano Mário Vitorino, que,
por volta do ano 355, se converte ao cristianismo através da filoso-
fia neoplatônica e defende a Trindade contra os arianos não tanto
baseado em argumentos teológicos quanto, sobretudo, filosóficos:
a Trindade torna-se assim, não uma substância em três pessoas,
mas uma substância que emana três pessoas, justamente de ma-
neira neoplatônica. A tentativa de explicação filosófica da Trindade
será depois retomada por Agostinho, seu conterrâneo e admirador
(PIERINI, 1998, p. 176-177).

Vamos conhecer alguns desses escritores?


104 © Patrologia

Santo Hilário de Poitiers (315-366)


Santo Hilário de Poitiers nasceu em uma família pagã e nobre.
Teve ótima formação filosófica e literária e, por esse entendimen-
to, converteu-se ao ler a Bíblia. Sendo casado, foi eleito bispo pelo
Clero e pelo povo. Combateu o arianismo, por isso o chamaram de
Atanásio do Ocidente. Por ter vivido desterrado no Oriente (356-
360) por ocasião do arianismo, conheceu bem melhor aos padres
da Igreja oriental. Contra os arianos, escreveu: Sobre a Trindade,
Três escritos histórico-polêmicos e Da fé contra os arianos. Compôs
hinos religiosos e Comentários bíblicos e é considerado o mais im-
portante exegeta do Ocidente deste tempo.

Santo Ambrósio (340-397)


Santo Ambrósio nasceu em família nobre em Tréveris e, mais
tarde, estudou letras e tornou-se advogado e governador de Mi-
lão. Sendo catecúmeno, foi eleito bispo de Milão pelo povo no ano
374. Estudou os padres gregos e se tornou grande orador, influen-
ciando o próprio Santo Agostinho, que o batizou. Apesar dos tra-
balhos episcopais e de conselheiro dos imperadores Graciano e
Teodósio, deixou muitos escritos: A Graciano, sobre a fè (onde ex-
põe seu pensamento sobre a Cristologia afirmando a divindade do
Filho); O Espírito Santo (onde expõe os princípios da divindade do
Espírito Santo), Sobre os ofícios eclesiásticos, Sobre as virgens (sua
irmã Marcelina), Tratado sobre a Penitência, o Exameron (sobre a
obra da criação) e Oração fúnebre sobre Teodósio.
Empenhado na luta contra os erros relativos à Trindade e, ao mes-
mo tempo, contra as tendências cesaropapistas de certos ambien-
tes políticos, a perspectiva teológica de Ambrósio é condicionada
amplamente pelas circunstâncias, não possuindo a sistematicidade
do teólogo profissional: mas ela se apresenta igulamente orgânica,
concentrada como está naqueles que podem ser definidos como os
aspectos sociais da fé cristã. Assim, no que se refere à Trindade, ele
insiste sobretudo na ação ad extra´ das três Pessoas divinas, tanto
que para Ambrósio o cristianismo já está na origem bem como no
fim, colocando na sobra a historicidade progressiva da salvação;
sublinha a importância e a realidade da humanidade de Cristo, a
missão dos anjos no nível coletivo e individual, o lado social dos sa-

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© Padres do Ocidente e do Oriente 105

cramentos, exigido pelo aspecto social do pecado original, a função


eclesial de Maria, a função primacial do bispo de Roma, enquanto
sucessor de Pedro, a independência da Igreja em relação ao Estado
e, ao mesmo tempo, o direito que ela tem de ser protegida pelo
Estado, pois mestra e guardião da ordem moral, à qual também o
Estado está submisso. Por outro lado, sob diversos aspetos a dou-
trina teológica de Ambrósio é claramente insegura e imprecisa: por
exemplo, a respeito ds relações intratrinitárias, sobre a natureza
do pecado original, sobre a isenção do pecado original e sobre a
´virginitas in partu´ de Nossa Senhora, sobre os problemas esca-
tológicos, sobre a metodologia exegética, sobre o estoicismo no
campo moral-ascético, sobre a laicidade do Estado. Mas Ambrósio,
certamente, nada mais quis ser do que um homem de Igreja, um
promotor, um iniciador (PIERINI, 1998, p. 179-180).

Prudêncio (348-405)
Prudêncio nasceu em Calahorra, Espanha. Dominava o latim
com perfeição e é considerado o maior dos poetas cristãos latinos.
Ocupou vários cargos públicos até se dedicar totalmente a Cristo.
Escreveu várias obras: Cathemerinon (livro diurno), com doze odes
piedosas, Peristephanon (livro das coroas), com 14 poemas dedi-
cados aos mártires, Hamartigenia (origem do pecado), Apotheosis
etc.

Rufino de Aquiléia (+410)


Rufino de Aquiléia nasceu perto de Aquileia, foi monge e teve
grandes disputas literárias com o amigo São Jerônimo, por ocasião
das questões origenistas. Literariamente se distingue, principal-
mente, por suas traduções de Orígenes e de Eusébio. Escreveu o
Comentário ao símbolo dos apóstolos.

São Jerônimo (347-420)


São Jerônimo nasceu na Dalmácia (Panônia), estudou em
Roma, Tréveris e Constantinopla. É considerado o mais erudito dos
padres do Ocidente e por seus escritos bíblicos é o São João Crisós-
tomo do Ocidente. Foi chamado a Roma pelo papa Dâmaso (382-
386). Atraído pela vida ascética e monástica, mudou-se para Be-
106 © Patrologia

lém, onde se dedicou inteiramente ao estudo da Sagrada Escritura.


Sua obra cume é a tradução da Bíblia (Vulgata). Traduziu, também,
algumas obras de Orígenes e escreveu alguns comentários à Sagra-
da Escritura (Revisão do Novo Testamento e do saltério, Revisão
do Antigo Testamento, Comentários aos profetas, Comentário às
Cartas de Paulo: Gálatas, Efésios, Tito e Filipenses), cartas doutri-
nais e ascéticas, homilias e uma crônica. Escreveu, ainda, obras
apologéticas: contra Helvídio, contra Joviniano e contra Vigilâncio;
escreveu também A Vida de São Paulo de Tebas, anacoreta.
Provocador nato, Jerônimo teve que sofrer, também, as provoca-
ções dos outros: daí emerge um caráter especialmente irascível,
susceptível, e ciumento da própria reputação teológica e literária.
Grande inovador no camo da filologia bíblica e um literato muito
sugestivo, Jerônimo não é, porém, original no campo mais propria-
mente teológico: e assim, em meio às polêmicas mais acesas, o au-
tor dálmata se limita a repropor, às vezes de forma brilhante, os da-
dos puros e simples da tradição. Todavia, não raro o temperamento
impulsivo de Jerônimo, deixa-se influenciar pelas circunstâncias: é
o caso de sua tardia condenação do origenismo, muito precipitada
e sumária para ser justa e equilibrada; é o caso da sua condição de
sacerdote, que o leva a interpretar de maneira um tanto unilateral a
história das origens cristãs, negando a origem apostólica e, por isso,
divina, do episcopado; é o caso da paixão, também esta tardia, pelo
hebraísmo (a “hebraica veritas”), que o leva a negar a canonicidade
dos chamados livros “deuterocanônicos”. Superado (embora não
totalmente) o fanatismo juvenil pelos autores clássicos, Jerônimo
cria uma nova “classicidade”, a classicidade bíblico-hebraica, pro-
curando extrair da Escritura a teoria e a prática da vida cristã, o
essencial de toda a existência (PIERINI, 1998, p. 184).

Santo Agostinho (354-430)


Santo Agostinho é considerado o maior filósofo da era pa-
trística, um dos grandes gênios de todos os tempos e um dos per-
sonagens mais conhecidos da hagiografia e pensamento cristãos.
Nasceu em Tagaste, Numídia e, jovem ainda, converteu-se ao ma-
niqueísmo. Levou uma vida mundana durante a juventude e com
Flora Emília teve um filho. Foi professor de retórica em Cartago e
Milão e conheceu o neoplatonismo. Em Milão encontrou-se com
Santo Ambrósio, convertendo-se ao cristianismo; foi batizado no

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© Padres do Ocidente e do Oriente 107

ano 387. Voltando à África, ficou três anos em um retiro monás-


tico. Em 391 foi ordenado sacerdote para a Igreja de Hipona. Ao
morrer o bispo da cidade, Agostinho foi eleito para sucedê-lo, em
395. Passou toda a sua vida escrevendo e lutando contra as here-
sias: maniqueísmo, donatismo, pelagianismo. Morreu quando os
vândalos estavam assediando a cidade em 430.
Escreveu várias obras: Confissões (história de sua vida), A Ci-
dade de Deus, Enchiridion ad Laurentium (exposição sistemática
do dogma cristão), Sobre a doutrina cristã, Sobre a Trindade, Con-
tra Fausto, Sobre a natureza e a graça, Tratado do Evangelho de
São João, A graça e o livre arbítrio etc.
A obra de Agostinho desencoraja a análise pela sua amplitude e
pela sua diversidade. Somente Orígenes é capaz de apresentar uma
produção mais considerável. Agostinho é sucessivamente filósofo,
teólogo, exegeta, polemista, orador, educador e catequista. Não se
trata – o que seria até enfadonho – nem mesmo de enumerar o
título de suas obras. Mas a obra, pelo menos, permite avaliar seu
gênio, e descobrir a diversidade de seus dons.
A urgência e controvérsia das questões debatidas justificam o gran-
de número de seus escritos. Teve de enfrentar os maniqueus, os
donatistas, os pelagianos, que destruíam a unidade da Igreja. Agos-
tinho é, de certa forma, a consciência da ortodoxia e vê-se continu-
amente constrangido a defender a fé cristã.
Os maniqueus opunham ao Deus único o dualismo dos princípios
do Bem e do Mal, o princípio da Luz onde Deus habita e o princípio
das Trevas onde moram Satanás e seus demônios. Era uma reto-
mada do gnosticismo, já combatido por Ireneu. Agostinho, que du-
rante algum tempo fora seduzido por esta doutrina, conhecia-a por
experiência e sabia que argumentos devia usar. Responde, como o
bispo de Lião, que o mal não é uma entidade em si e que tanto o
Antigo quanto o Novo testamento são obra de Deus.
[...] O Pelagianismo ocupa os vinte últimos anos da atividade de
Agostinho. Pelágio, um monge ascético vindo da Bretanha para
Roma, reage contra o relaxamento dos costumes, ensinando uma
moral exigente e dura. Enfatiza o esforço, a liberdade, a ponto de
minimizar o papel da graça e exagerar o poder da bela natureza
humana.
Agostinho vai acumulando obra sobre obra, completando dois vo-
lumes in-quarto, para demonstrar a concupiscência, a miséria do
homem entregue a si mesmo, a necessidade da graça, elementos
108 © Patrologia

que ele conhecia por experiência própria. Somente a graça pode ar-
rancá-lo do encantamento produzido pelas “sereias da carne”. Sua
experiência espiritual havia despertado nele a percepção do auxílio
e do mistério de Deus e fizera-o avaliar até que ponto o homem se
encontra ferido pelo pecado do mundo. O bispo de Hipona torna-
se par a posteridade o doutor da graça. Não quer dizer que seu
sistema não tenha falhas; ele, porém, percebeu com uma acuidade
excepcional a ação de Deus e a dependência do homem inscritas
em todas as páginas da Bíblia.
O mestre de Hipona viveu o tempo suficiente para assistir à toma-
da de Roma pelos soldados de Alarico. A derrota foi atribuída ao
cristianismo pelos pagãos. Os tempos de catástrofe inspiraram ao
bispo a Cidade de Deus, um dos livros mais lidos a julgar pelos 382
manuscritos existentes nas bibliotecas. Trabalhou nele durante ca-
torze anos, redigindo ao mesmo tempo seu tratado Sobre a Trinda-
de, a obra de maior importância a seus próprios olhos. Propõe, na
Cidade de Deus o problema dos dois poderes e da caducidade das
civilizações, e desenvolve, pela primeira vez, uma filosofia cristã da
história.
A obra que ainda melhor nos revela o escritor é sua correspondên-
cia; 225 de suas cartas conservam-se até hoje. Elas não possuem
a elegância e a mordacidade das de Jerônimo. Demonstram uma
bondade de alma inesgotável, que consola e instrui, uma autori-
dade universalmente consultadas sobre as questões mais diversas,
referentes à vida e à doutrina cristãs.
A obra oratória é considerável. Restam-nos cerca de mil sermões e
homilias, e a sagacidade dos pesquisadores continua enriquecendo
ininterruptamente a coleção. Temos, outrossim, o Evangelho e a
Epístola de João comentados para os fiéis de Hipona, as Ennarratio-
nes in psalmos, s homilias sobre o saltério, onde se revelam a dou-
trina e a qualidade espiritual, mas também a piedade de Agostinho.
Toda a sua teologia encontra-se em sua pregação: ele simplifica-a,
sem jamais vulgariazá-la.
Agostinho mantém-se junto de seu povo, que ele ama e que o
amam. Como se conhecem e se perdoam! Em parte alguma apa-
recem melhor a ternura, a imensa caridade deste homem que sa-
crificou seus gostos pessoais para servir ao rebanho que lhe fora
confiado. Este retórico cheio de prestígio, considerado um mestre
na arte da palavra, cujos artíficios conhecia todos, renuncia a isto
para se adaptar ao auditório. Contenta-se com recursos popula-
res: a antítese, a rima sonora, a fórmula que serve de provérbio.
Maneja a antítese até cansar-se. Ela era mais do que um jogo de
sua arte; exprimia o fundo de seu espírito: o confronto das duas
cidades, o confronto dos dois amores, aquele que já o consumira
e o que nele ardia agora. A pregação tempera os exageros de sua

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© Padres do Ocidente e do Oriente 109

polêmica. É preciso corrigir constantemente o polemista por meio


do pastor para conhecer o Agostinho verdadeiro (HAMMAN, 1980,
p. 231-233).

A riqueza dos escritos de Santo Agostinho é imensa.Veremos


alguns textos daquele que é considerado o grande mestre e gênio
do ocidente cristão. No livro O Canto Novo, Agostinho fala do novo
homem que, descobrindo e acolhendo o amor de Deus, encontra
n´Ele o sentido de sua existência, ou como fala Agostinho, só `en-
contra sossego em Deus´.
2. Não existe pessoa que não ame: mas que é que se ama? Não se
exige que deixemos de amar, porém, que escolhamos o objeto de
nosso amor. Ora, porventura, seríamos capazes de escolher se não
tivéssemos sido escolhidos primeiro? Só amamos quando somos
os primeiros a ser amados. Escutai o apóstolo João: foi ele que se
reclinou sobre o oração do Mestre e que, durante essa refeição,
sorveu os segredos celestes Esta bebida, esta feliz embriaguez ins-
piraram-lhe a seguinte palavra: “No princípio era o Verbo”. Sublime
humildade! Embriaguez espiritual! Mas este grande inspirado, isto
é, este grande pregador, entre outros sgredos que assimilou en-
quanto repousava sobre o coração do Mestre, proferiu este: “Não
fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou primei-
ro. Seria conceder muito ao home dizer referindo-se a Deus: Nós
amamos. Nós, a ele? Homens, Deus? Mortais, amando o eterno?
Pecadores, o justo? Seres frágeis, o imutável? Criaturas, o criador?
Nós o amamos. E como temos podido fazê-lo? Porque ele próprio
nos amou primeiro. Procura de que modo o homem pode amar a
Deus, e não encontrarás outra maneira a não ser esta: Deus amou-
nos primeiro. Aquele que amamos deu-se a si mesmo: deu-se para
que nós o amássemos. Que deu ele para que nos o amássemos? O
apóstolo Paulo dir-vos-á mais claramente: “O amor de Deus, diz ele,
foi derramado em nossos corações”. Por quem? Será que foi por
nós? Não. Por quem foi então? Pelo Espírito Santo que nos foi dado
(HAMMAN, 1980, p. 236-237).

Na sua obra, talvez, mais conhecida, As Confissões, Agosti-


nho nos presenteia com textos de uma profundidade e intimidade
extraordinárias. Ele fala de sua relação com Deus, o seu salvador:
Senhor, sou teu servo, e filho de uma serva tua. Rompeste os meus
grilhões; ofereço a ti um sacrifício de louvores” Louvam-te meu co-
ração e a minha língua, e meus ossos dizem: “Quem se compara a
ti, Senhor?” Assim, o dizem, e tu respondes: “Sou a tua salvação”.
Quem sou eu? Que tipo de homem? Quantos males cometi!
110 © Patrologia

Quantos males, se não nos atos, nas palavras, se não nas palavras,
na vontade!
Mas és bom e misericordioso, Senhor; com tuas mãos exploraste
minhas vísceras mortais, e purificaste minha alma em seu abismo
de corrupção. Asism fizeste quando não mais queria o que antes
tanto desejava; queria só aquilo que tu querias. Onde estivera meu
livre-arbítrio por tanto tempo? De quais profundidades secretas
emergiu num instante, para que eu pusesse minha cabeça nob o
teu suave jugo, e sobre meus ombros teu fardo leve, ó Cristo Jesus,
ajuda e redentor? Como, de repente, foi doce a privação das falsas
doçuras! Aquilo que eu temia perder, alegrava-me, agora, em aban-
donar. Na verdade, tu, suprema e verdadeira doçura, as afastavas
de mim, e te colocvas em seu lugar, tu, o mais doce de todos os
prazeres - não para a carne, por certo -, a mais brilhante das luzes,
o mais íntimo dos segredos, a mais sublime das honras – mas não
para os que axaltam a si mesmos. Minha alma se libertara da cor-
rosão das ambições e da avareza, dos pruridos da paixão. Agora me
entretinha em ti, minha grandeza, minha riqueza e minha salvação,
Senhor Deus meu (VIGINI, 2000, p. 148)

Cassiano (+435)
Cassiano nasceu no Oriente, foi teólogo, monge e autor clás-
sico da vida monástica. Viveu em Roma, depois em Marselha; foi
grande incentivador do monarquismo com suas obras: Collationes
Patrum (conferências dos padres do deserto) e Sobre as institui-
ções dos cenóbios.

São Leão, o Grande (+461)


São Leão foi um dos papas mais ilustres de toda a antiguida-
de cristã. É autor de 96 homilias e da carta dogmática ao patriarca
Flaviano de Constantinopla, em que expõe a doutrina católica so-
bre as duas naturezas de Cristo contra Eutiques.

São Gregório Magno (540-604)


São Gregório Magno nasceu em família nobre romana. Foi
magistrado e monge no mosteiro fundado por ele mesmo no Mon-
te Célio em Roma. Pelo espaço de sete anos esteve em Constanti-
nopla como legado pontifício ante o imperador. Foi eleito papa no

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© Padres do Ocidente e do Oriente 111

ano 590 e fez um grande trabalho. Reformou o rito da missa e o


canto litúrgico e incentivou obras caritativas. São conservadas 848
cartas, consideradas uma amostra de sua atividade no governo da
Igreja. Suas obras mais importantes: Livro da regra pastoral, Expo-
sição sobre o Livro de Jô, Diálogo etc.

Santo Isidoro de Sevilha (+636)


Santo Isidoro de Sevilha nasceu em Cartagena, Espanha,
e foi sucessor de seu irmão, São Leandro, na sede de Sevilha. É
considerado o último padre do Ocidente e o homem mais poli-
facético de seu tempo. Santo Isidoro foi mais um sintetizador do
pensamento e da cultura do seu tempo do que um pensador origi-
nal. Obras mais importantes: Etimologias (obra com os principais
conhecimentos profanos e religiosos de sua época); comentários
a quase todos os livros da Sagrada Escritura; Sobre a fé católica
contra os judeus; Regra dos monges; História dos godos, vândalos
e suevos.
Além dos autores anteriormente mencionados, podemos ci-
tar vários outros:
a) Salviano de Marselha (+480): escreveu um tratado sobre
o Governo de Deus;
b) Vicente de Lerins (+450): autor do Commonitorium (ex-
plicação da “Regra” católica da fé);
c) Santo Fulgêncio de Ruspe (+533): um dos grandes teólo-
gos ocidentais de seu tempo. Sua obra mestra é: Sobre a
fé e Sobre a regra da verdadeira fé, a Pedro;
d) Cassiodoro (485-570): secretário do rei Teodorico. Aban-
donou a corte para fazer-se monge no mosteiro de Vivá-
rio (Itália), por ele mesmo fundado, e foi autor de uma
História eclesiástica;
e) Venâncio Fortunato (+603): foi poeta de Treviso, Itália, e
seus hinos da paixão são de muito bom estilo e de gran-
de inspiração: Pange lingua, Gloriosi lauream certaminis
e Vexilla regis prodeunt.
112 © Patrologia

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Ficou clara a ação e importância dos Santos Padres na
vida do Cristianismo e na formação da ortodoxia cristã?
2) Em qual contexto eclesial e social se inserem a vida e os
escritos dos Santos Padres dos séculos 4º e 5º?
3) Você assimilou o conteúdo dos escritos dos principais
Santos Padres?

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade conhecemos os padres do Oriente e do Oci-
dente, a literatura cristã entre os séculos 4º e 7º, bem como gran-
des obras teológicas de escritores gregos e latinos.
Na próxima unidade, destacaremos a relação dos santos pa-
dres com as heresias e estudaremos, ainda, alguns temas doutri-
nais.
Até lá!

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© Padres do Ocidente e do Oriente 113

10. E  REFERÊNCIA
Santos, J. M. texto Disponível em: http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm
?IDmat=183&mes=fevereiro2002> Acesso em: 23 ago. 2010.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


FIGUEIREDO, F.A. Introdução à Patrística. Petrópolis: Vozes, 2009
GÓMEZ, A. J. Manual de Historia de la Iglesia. Madrid: Publicaciones Claretianas, 1987.
HAMMAN, A. Os padres da igreja. São Paulo: Paulinas, 1980.
SPANEUT, Michel. Os padres da igreja. São Paulo: Loyola, 2000-2002.
DICIONÁRIO DE ANTIGUIDADES CRISTÃS. Petrópolis/São Paulo: Vozes-Paulus, 2002.
FIGUEIREDO, A. F. Curso de teologia patrística. Vol. I, II e III, Petrópolis: Vozes, 1983 a
1990.
PIERINI, F. Mil Años de pensamiento cristiano. Bogotá: San Pablo, 1993.
PIERINI, F. A idade antiga. Curso de História da Igreja I. São Paulo: Paulus, 1998.
SCHLESINGER, H-PORTO H. Dicionário enciclopédico das religiões. Vol. II. Petrópolis:
Vozes, 1995
TREVIJANO, Ramón. Patrología. Madrid: BAC, 1994.
VIGINI, Giuliano; BONALDO, Nádia (Org.). As confissões de Santo Agostinho: as mais
belas páginas de uma obra-prima imortal. Tradução de Marcos Van Acker. São Paulo:
Campinas, 2000.
EAD
Patrologia: Heresias
Cristãs e
Temas Doutrinais
Cristãos
4
1. OBJETIVOS
• Compreender e identificar as heresias e sua relação com
os santos padres.
• Conhecer e analisar trechos dos escritos dos santos pa-
dres.

2. CONTEÚDOS
• Santos padres e heresias.
• Patrologia e temas doutrinais e pastorais.
• Santíssima Trindade e cristologia.
• Perseguições e apologias.
• Questão social.
116 © Patrologia

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Sugerimos para o estudo desta unidade que você leia
as seguintes obras: ALBERIGO, G. História dos Concílios
Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1995. Tradução de José
Maria de Almeida.; FIGUEIREDO, F. A. (Introdução) Os
Padres da Igreja e a Questão Social. Petrópolis: Vozes,
1986.; BOGAZ, A.S.; COUTO, M.A.; HANSEN, J. H. Patrís-
tica. Caminhos da Tradição Cristã. São Paulo: Paulus,
2008.; MARKUS, R.A. O Fim do Cristianismo Antigo. São
Paulo: Paulus, 1997. Tradução de João Rezende Costa.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Como afirmamos na unidade anterior, um dos fatores que
provocou o incremento da ação dos santos padres e seus escritos
foi o surgimento das heresias e sua grande expansão nos séculos
4° e 5°. Com os questionamentos e dúvidas a respeito da doutri-
na cristã, houve a necessidade de se sistematizar essa doutrina e
de lhe dar uma espinha dorsal. Muitos aspectos sistemáticos da
doutrina cristã foram organizados na tentativa de dar respostas às
dúvidas levantadas pelos hereges.
Assim, na primeira parte, conheceremos um pouco mais as
heresias e sua relação com os santos padres e, na segunda parte, a
posição e relato de trechos dos escritos dos mesmos em relação a
alguns temas específicos.
Vamos lá?

5. SANTOS PADRES E HERESIAS


Jesus Cristo não escreveu nenhuma obra de teologia siste-
mática. A partir da vida e ensinamentos de Jesus, coube aos seus
seguidores articular os fundamentos da fé cristã. Nos primeiros sé-
culos surgiram heresias que giravam mais em torno dos problemas
da relação do Cristianismo com o Judaísmo e também, com a filo-

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sofia greco-romana. Já nos fins do século 3º, foram se articulando


heresias que aprofundaram várias questões teológicas, especial-
mente, em torno de temas trinitários e cristológicos. Neste contex-
to, foi insubstituível a participação dos Santos Padres no combate
aos erros teológicos desta época e na articulação e elaboração da
ortodoxia cristã.
Vejamos, a seguir, as mais importantes heresias e suas rela-
ções com os Santos Padres:

Arianismo
O arianismo foi uma heresia trinitária que surgiu com base
na heresia monarquiana dinamista, que, na relação trinitária, de-
fendia a superioridade do Pai em relação ao Filho e ao Espírito
Santo. Influenciado por essa corrente, no início do século 4°, Ário,
sacerdote da Líbia que vivia em Alexandria e contava com grande
respeito, passou a negar a divindade, eternidade e consubstancia-
lidade de Cristo, o Filho, na sua relação com o Pai. Segundo ele, o
Cristo, sendo criatura do Pai, não podia ser da mesma substância
e natureza que o Pai e, sendo criatura, era subordinado ou inferior
a Ele e não era, também, eterno e da mesma substância do Pai.
Ário foi condenado no Sínodo de Alexandria no ano 321 e não se
submeteu a isso, provocando a convocação do I Concílio de Nicéia,
no ano 325.
O Concílio de Nicéia defendeu a igualdade entre as três pes-
soas divinas e confirmou a doutrina da divindade do Filho e sua
consubstancialidade na relação com o Pai, o que não foi aceito por
Ário e seus seguidores, e a discussão seguiu por várias décadas,
sendo solucionada apenas no I Concílio de Constantinopla, no ano
381.
A decisão conciliar de Nicéia afirma o seguinte quando trata
do tema da relação entre o Pai e o Filho:
Deus Pai é justo e bom, criador do céu e da terra, e que existe um
único Senhor, Jesus Cristo, filho único, o qual não nasceu do nada,
mas do Pai, não como uma obra, mas como Filho, gerado de manei-
ra inefável (BOGAZ, et al. 2008, p. 175).
118 © Patrologia

Os opositores do arianismo e suas vertentes posteriores são:


Santo Atanásio, Alexandre de Alexandria, Ósio de Córdoba, Mar-
celo de Ancira, Eusébio de Vercelli. Tratando o tema do Arianismo,
Santo Atanásio, um dos principais opositores, assim escreveu em
sua obra Discurso contra os arianos:
Quem, ouvindo o nome do Filho, não compreende logo que este
nome está essencialmente ligado à natureza do Pai? Quem, quan-
do era informado dos primeiros elementos da religião cristã, ouvin-
do dizer que Deus tem um Filho e que ele fez todas as coisas pelo
Verbo, não apreendeu o sentido do que nós agora compreende-
mos? [...] Desde o início implanta-se em cada alma que Deus tem
um Filho, o Verbo, a Sabedoria, a Força, e que Ele é sua imagem e
seu esplendor. Donde decorre imediatamente a eternidade, a ori-
gem no seio do Pai, a semelhança, a eternidade da geração pela
substância. Nisto não há nenhuma idéia de criatura ou de obra feita
(FIGUEIREDO, 1990, p. 34-35).

Apolinarismo
Apolinário foi bispo de Laodicéia, Síria, e sendo grande es-
critor e erudito, foi um dos primeiros a defender uma heresia cris-
tológica. Com Atanásio, foi opositor do arianismo, que negava a
divindade do Filho, chegando ao extremo contrário: comprometeu
a alma humana de Cristo ao afirmar a sua divindade, afirmando
que a natureza humana de Cristo era incompleta. Essa doutrina foi
condenada no I Concílio de Constantinopla, em 381, e já encontra-
ra opositores em Santo Atanásio e no papa Damaso.

Nestorianismo
Nestório (380-451) foi monge e sacerdote em Antioquia e
patriarca de Constantinopla no ano 428. Foi discípulo de Teodoro
de Mopsuéstia, que também afirmava a humanidade incompleta
do Cristo, dizendo que Jesus (o homem) e o Filho de Deus eram
duas pessoas distintas. Assim, negava também que a Virgem Maria
era mãe só do homem Jesus e não do Filho de Deus ou do Verbo
divino, ou seja, negava a maternidade divina de Maria e era con-
trário ao culto de imagens e aceitava somente a representação de

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Cristo e da cruz.
Nesta lógica de sua doutrina, não admite a divindade de Jesus de
Nazaré. Ele é apenas o ser humano, no qual o Logos divino encon-
tra a sua habitação. Logo, Maria não é “Theotokos”, mas apenas
“Christotókos”. Se Apolinário negava a existência da alma humana
em Jesus, que fora eliminada pelo Logos, Nestório afirmava que Je-
sus tinha verdadeira humanidade. Deste modo, Jesus não é reden-
tor da humanidade, pois não é Deus. Sua paixão e morte não tem
valor salvífico.
Para Nestório, Maria pode ser apenas Mãe do homem Jesus: “an-
tropotokos”. Suas afirmações são claras: “ninguém venha me dizer
que Maria é Mãe de Deus. Ela foi mulher e Deus não pode nascer
de uma mulher.”
Maria deu à luz um ser humano. A união do Verbo divino ao “filho
de Maria” não é ontológica, apenas acidental, de forma moral. [...]
Nestório defende que, em Jesus Cristo, se encontram duas nature-
zas e, portanto, duas pessoas: pessoa divina, como Filho de Deus, e
pessoa humana, como Filho de Maria (BOGAZ, et al. 2008, p. 184-
185).

Nestório foi condenado no Concílio de Éfeso, no ano 431 e


fechado em um mosteiro. Ainda hoje existem igrejas que seguem
esta doutrina: caldeus no Iraque e Irã e sírio-malabar na Índia. Seus
principais opositores foram Dióscoro e Cirilo de Alexandria.

Monofisismo
Esta doutrina cristológica surgiu em Constantinopla, iniciada
pelo monge Eutiques, homem de vida austera e santa, que comba-
teu os erros nestorianos, o que o levou a cometer outro erro que
gerou a heresia monofisita. Afirmava que no Cristo só existia uma
natureza, isto é, a natureza divina, que absorve a natureza huma-
na, após a chamada união hipostática, ou seja, a união entre as
naturezas divina e humana.
O misiticismo de Êutiques, comum aos monges de seu tempo, leva
ao desprezo da natureza humana. Assim, acreditavam que a san-
tidade consistia em viver a experiência intensa do espírito. Como
conseqüência, a grandeza de Jesus Cristo é bem maior, se houver
desprezo pela natureza humana e possuir apenas a divindade (BO-
GAZ, et al. 2008, p. 178).
120 © Patrologia

Foi condenado no Concílio de Calcedônia, no ano 451 e se


afirmou a doutrina das duas naturezas no Cristo, doutrina ex-
pressa na carta do papa Leão Magno, chamada Tomo a Flaviano.
Atualmente, existem igrejas monofisitas no Egito, Síria, Armênia
e Etiópia. Foram opositores do monofisismo: Cirilo de Alexandria,
Flaviano, papa Leão Magno etc.

Monotelismo
Doutrina cristológica defendida pelo patriarca Sérgio de
Constantinopla, que buscava um meio de conseguir a paz com os
monofisistas e escreveu uma fórmula de fé que deveria ser acei-
ta por monofisistas e cristãos. Afirmava que Cristo possuía uma
única vontade ou energia por causa da unidade de sua pessoa e
natureza. Foi condenado pelo III Concílio de Constantinopla, no
ano 681, e a doutrina correta foi exposta na carta dogmática do
papa Agatão. Foi combatido por Sofrônio de Jerusalém e Máximo,
o Confessor.

Donatismo
Esta heresia soteriológica (que trata do tema da salvação e
dos meios para consegui-la), surgiu no contexto do mundo norte-
africano, em Cartago, na época da perseguição de Diocleciano. Era
uma doutrina rigorista, que leva o nome do bispo Donato. Afirma-
va que a Igreja não podia ter pecadores no seu meio e negava a
ela o perdão dos pecados, como também duvidava da eficácia dos
sacramentos, que dependiam mais da santidade e moralidade dos
ministros do que da graça divina.
Os donatistas concebem a Igreja com a comunidade dos puros e
justos. Os fiéis são morada do Espírito Santo. [...] Os ministros de-
vem ser puros e santos e a Igreja é vista como ´jardim fechado´e
uma ´fonte selada´, o reino celestial no mundo.
Professam que a Igreja deve ser santa e pura, a ponto de que ne-
nhum sacerdote em pecado mortal poderia celebrar validamente
os sacramentos. Os donatistas seguem Cipriano e afirmam que ne-
nhum batismo celebrado fora da Igreja, ou por ministros cismáticos

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é válido. Aprenderam também de Cipriano que os ensinamentos


dos bispos eram indiscutíveis, pois eles são intermediários entre
Deus e o cristão. Neste radicalismo, os donatistas acreditavam que
são a única Igreja verdadeira e somente seus sacramentos são vá-
lidos. [...]
A proposta donatista tem forte cunho de radicalidade evangélica,
mas torna-se também um protesto social, cultural e econômico da
África contra os poderes imperiais. Não deixar de ser uma forma de
protestar contra as reformas de Diocleciano e de Constantino, que
elevavam os impostos, sobretudo nas regiões rurais. Os circoncele-
ões (trabalhadores das granjas ou celeiros) se levantavam contra os
imperadores alçando a bandeira donatista. Havia grande confusão
entre as questões eclesiásticas e as questões sociais e políticas.
O donatismo era, no início, uma revolta contra o ‘laxismo’ da Igreja
na África. Depois se tornou um protesto contra a cristandade, tão
expansiva e tão liberal, que descaracterizava o cristianismo primiti-
vo. Embora a força profética do donatismo tenha ficado nos séculos
passados e a Igreja tenha-se tornado mais acolhedora e misericor-
diosa com os pecadores, a inspiração de Donato permanece sem-
pre como uma voz que clama por uma Igreja coerente, seguindo o
modelo dos primeiros cristãos (BOGAZ, et al. 2008, p. 165-166).

A doutrina donatista foi condenada no Sínodo de Cartago,


no ano 411, e foi desaparecendo aos poucos. Seu grande opositor
foi Santo Agostinho.

Pelagianismo
Esta doutrina soteriológica foi fundada pelo monge inglês Pe-
lágio (360-420), que viveu em Roma e era muito admirado por sua
ascese. Sua doutrina comprometia a ação da graça divina, confian-
do totalmente no esforço humano para se conseguir a salvação e
a superação dos pecados humanos. Negava o pecado original (que
só afetou Adão) e comprometia a dimensão salvífica e redentora
do próprio Cristo, que só nos deu um bom exemplo. Afirmava que
não existe pecado original, mas somente os pecados pessoais.
Aprofundando um pouco mais o tema pelagiano:
Pelágio versa sobre a perfeição da natureza humana. Na sua con-
cepção doutrinal, o “pecado original” não tocou a natureza do
gênero humano, apenas do próprio Adão. Assim, o pecado não é
transmissível e nossa natureza continua perfeita Omo antes do “pe-
cado de nossos primeiros pais”.
122 © Patrologia

Sendo assim, o ser humano é capaz de evitar, por suas próprias


forças, o pecado e sempre escolher o caminho que lhe convém,
sem o auxílio sobre natural. O caminho da santidade está numa
rígida ascese e na prática das virtudes. Pelo seu próprio arbítrio,
o ser humano pode escolher entre o bem e o mal. A graça divina
não realiza transformações na alma do ser humano, apenas facilita
a prática do bem. Esse caminho é mais fácil para os cristãos, pois
Cristo fortaleceu suas naturezas para as virtudes.
Pelágio afirma a auto-suficiência do ser humano, defendendo que,
sem o auxílio da graça, ele pode alcançar a salvação. As idéias de
Pelágio, retomadas por Celestino, expressam esta visão antropo-
lógica:
por sua condição de mortalidade, “ Adão” morreria, mesmo sem
o pecado;
-o pecado dos “primeiros pais” não corrompe a estirpe humana;
-tanto a lei como Evangelho nos conduzem ao Reino de Deus;
-antes da vinda de Cristo, houve homens sem pecado;
-as crianças estão puras no nascimento, como nossos primeiros
pais, antes do pecado;
-como não é pela queda de Adão que a raça humana perece, tam-
pouco ressurgirá pela Ressurreição de Cristo;
-o batismo, mesmo para as crianças, não é necessário para a salva-
ção (BOGAZ, et al. 2008, p. 168-169).

Santo Agostinho, o grande opositor da heresia pelagiana, es-


creveu várias obras sobre estes temas: Sobre a graça e o livre-arbí-
trio, Sobre a correção e a graça, Sobre a predestinação dos Santos
e Sobre o dom da perseverança. Foi ele que articulou a doutrina
cristã sobre a questão da graça e do pecado, como se pode ver no
seguinte texto:
Sua concepção de livre arbítrio permanecerá como luz para a ques-
tão da liberdade e responsabilidade humanas. Agostinho defende
algumas idéias fundamentais:
-o ser humano não tem esperança sem a misericórdia divina;
-para o cumprimento da justiça, a vontade humana contra com a
justiça divina;
-Deus incute na vontade humana o desejo de realizar o bem e re-
jeitar o mal;
-o “primeiro homem” foi criado em estado de justiça e bondade,

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com o dom de não pecar e não perder o estado de justiça;


-Deus opera na fraqueza humana, e a vontade, pelo poder de Deus,
pode perseverar no caminho do bem;
-a liberdade dos filhos de Deus é não ter capacidade para pecar.
Este é um dom divino, e não capacidade natural;
-o livre-arbítrio ajuda a realizar boas obras, com a assistência divi-
na, que nos auxilia em nossa humildade;
-a livre vontade advém de uma consciência pura, recebida como
graça do Senhor (BOGAZ, et al. 2008, p. 169).

6. SANTOS PADRES E TEMAS DOUTRINAIS E PASTORAIS


Os santos padres refletiram e escreveram sobre vários temas
doutrinais, pastorais e organizacionais da vida eclesial, como tam-
bém, a respeito de temas sociais.
Nesta unidade, ofereceremos a você alguns textos desses
padres sobre vários aspectos da vida eclesial primitiva.

Fé cristã
Santo Hilário de Poitiers (316-367), França, era de família no-
bre, teve ótima formação literária e filosófica e é considerado o
primeiro escritor da Igreja do Ocidente. Combateu o arianismo e
escreveu obras importantes, com destaque para Sobre a fé e Sobre
a Santíssima Trindade, de cujo trecho se extrai a profissão de fé,
no Pai, no Filho e no Espírito Santo, em uma época em que as here-
sias trinitárias e cristológicas se expandiam e provocavam cismas.
Enquanto mo permitir a vida que me deste, Pai santo, Deus todo-
poderoso, quero proclamar-te como o Deus eterno e como o eter-
no Pai. Jamais cairei no ridículo e na impiedade de me estabelecer
juiz de tua onipotência e de teus mistérios, de fazer meu frágil co-
nhecimento passar à frente da noção verdadeira de tua infinitude
e da fé em tua eternidade. Nunca, portanto, afirmarei que possas
ter existido sem tua Sabedoria, sem tua Virtude, sem teu Verbo; o
único Deus gerado, meu Senhor, Jesus Cristo.
A palavra humana, fraca e imperfeita, não cega os sentidos de mi-
nha natureza em relação a ti, a ponto de reduzir minha fé ao si-
124 © Patrologia

lêncio, por falta de palavras possíveis. Se, já em nós, a palavra, a


sabedoria e a virtude são obras de nosso movimento interior, teu
Verbo, tua Sabedoria e tua Virtude são em ti a geração perfeita do
Deus perfeito. Permanece eternamente inseparável de ti aquele
que aparece nas propriedades assim denominadas como nascido
de ti. Ele nasceu somente para exprimir a ti, seu autor; a fé em tua
infinitude permanece inteira, quando afirmamos que ele nasceu
antes dos tempos eternos.
Mesmo nas coisas da natureza, não conhecemos as causas, sem
que, por isso, ignoremos os efeitos. E fazemos um ato de fé em
tudo o que nossa natureza ignora. Quando fixei teu céu com os fra-
cos olhos da minha luz, pensei que ele não podia deixar de ser o teu
céu. Quando considero as órbitas estrelares, a sucessão dos anos,
as estrelas da primavera, a estrela do norte, a estrela da manhã, o
céu onde cada astro desempenha seu papel específico, é a ti que
descubro, ó Deus, nesse mundo celeste, que minha inteligência
não pode abranger.
Quando vejo os maravilhosos movimentos do mar, não somente
sua natureza íntima, mas até o ritmo certo das águas constituem
um mistério para mim. Tenho, entretanto, a fé da razão natural,
mesmo que as aparências sejam impenetráveis. Para além dos limi-
tes de minha inteligência, encontro ainda a tua Presença. Quando
em espírito me volto para a imensidade das terras que recebem
todas as sementes e que, por virtualidades ocultas, as fazer ger-
minar, depois viver e se multiplicar, e, uma vez multiplicados, as
firmam no seu crescimento, nada encontro em tudo isto que minha
inteligência possa explicar. Minha ignorância, porém, permite-me
contemplar-te melhor, ignoro a natureza que está a meu serviço,
mas nela reconheço a tua Presença.
Eu mesmo me reconheço: admiro-te tanto mais quanto menos me
conheço. Percebo, sem conhecê-los, os mecanismos de minha ra-
zão e a vida de meu espírito: e esta experiência devo-a a ti, que,
além da inteligência dos princípios, manifestas segundo o teu bel
prazer, para nossa alegria, o sentido da natureza profunda.
Se te conheço, embora ignorando a mim mesmo, se meu conheci-
mento se transforma em veneração, não quero absolutamente que
em mim se enfraqueça a fé em tua onipotência que me ultrapassa
soberanamente. Assim não posso pretender conceber a origem de
teu Filho único: seria querer fazer-me juiz de meu Criador e Deus.
Conserva, suplico-te, intacto o respeito de minha fé, e, até o fim de
minha existência, dá-me esta consciência de meu saber, de modo
que eu guarde firmemente o que possuo, o que professei no sím-
bolo da fé de minha regeneração, quando fui batizado em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo.

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Dá-me a graça de te adorar, a ti, nosso Pai, e a teu Filho contigo; a


graça de ser digno do Espírito Santo, que procede de ti pelo Filho
único. Tomo como testemunha de minha fé aquele que diz: Pai,
tudo o que é meu é teu, e o que é teu é meu. Meu Senhor, Jesus
Cristo, que é teu, que este em ti e contigo, sem deixar de ser Deus,
que é louvado pelos séculos dos séculos. Amém (HAMMAN, 1980,
p. 127-128).

7. SANTÍSSIMA TRINDADE E CRISTOLOGIA


Cirilo de Alexandria é considerado um dos maiores doutores
da Igreja oriental. Defendeu a ortodoxia trinitária e cristológica na
luta contra o nestorianismo e defendeu, ainda, a maternidade da
Virgem Maria, sendo conhecido, por isso, como doutor mariano.
No livro Comentário de São João, trata do tema da Santíssima Trin-
dade e da Encarnação, quando fala do discurso de São João sobre
o pão da vida.

O sentido deste texto (Jô 6,57) é bastante obscuro, e a dificulda-


de que apresenta não é comum: entretanto, ele não é inacessível
a ponto de ultrapassar nosso entendimento; chegaremos a bom
termo, se quisermos raciocinar como é preciso. Quando o Filho diz
que foi enviado, dá a entender com isto que se encarnou, e nada
mais; e, quando dizemos que ele se encarnou, queremos afirmar
que ele se fez homem integralmente. O Pai, diz ele, fez-me homem
e, como nasci daquele que é a vida por natureza, vivo, eu, o Verbo,
como Deus, mas feito homem; enchi meu tempo com minha pró-
pria natureza, o templo que é meu corpo. Da mesma forma, ‘quem
come a minha carne viverá por mim.´ Assumi a carne mortal, mas,
desde o momento em que fiz dela a minha morada, eu, que sou
a vida por natureza, que saí do Pai vivo, transformei-a para fazê-
la viver de minha própria vida. Não fui vencido pela corrupção da
carne; fui eu que, como Deus, a venci. Não hesitarei em repetir-me
para vos ser útil; da mesma forma que, feito carne (é isto que signi-
fica ser enviado), não vivo menos pelo Pai vivo, isto é, conservando
em mim sua natureza privilegiada, também aquele que me recebe,
participando de minha carne, viverá em si mais plenamente trans-
formado por mim, que posso dar a vida porque, por assim dizer, são
da raiz de onde procede a vida, ou seja, de Deus Pai. Se ele atribui
ao Pai sua encarnação, se bem que Salomão declare:´a Sabedoria
construiu a sua casa´, e que o bem-aventurado Gabriel atribua a
formação do corpo divino à ação do Espírito Santo, quando diz à
126 © Patrologia

santa Virgem: ´O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssi-


mo vai cobrir-te com a sua sombra´, é para dar a entender que a
divindade sendo uma por natureza, deve ser encarnada no Pai, no
Filho e no Espírito Santo, pois que nenhuma das três age separa-
damente, mas o que é realizado por um, na realidade, é obra da
natureza divina inteira. Sendo a Santíssima Trindade uma por causa
de sua própria consubstancialidade, só existe um poder único nas
suas três pessoas; tudo vem do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo
(HAMMAN, 1980, p. 253-254).

Santo Agostinho (354-430)


Cidadão romano do norte africano, foi um dos maiores gê-
nios do cristianismo. Seguiu várias filosofias até encontrar a paz es-
piritual e intelectual no cristianismo, como ele mesmo afirma em
suas Confissões: “para ti nos criaste; nosso coração é impaciente
enquanto não repousa em ti” (Confissões: Livro I, 1.1); ou ainda: “a
casa de minha alma é estreita demais para entrares; alarga-a. Ela
está em ruínas: restaura-a. Nela há coisas ofensivas a teus olhos.
Eu sei, não nego, mas quem pode purificá-la? A quem eu poderia
clamar: ´Purificai-me, Senhor, dos pecados ocultos, e perdoa a teu
servo as faltas alheias´? Creio, e por isso digo, Senhor: tu sabes.”
(Livro I, 5.6.). E no Livro II escreve: “Ó alegria tão tarde encontrada!
Ficavas em silêncio, enquanto eu me afastava cada vez mais de ti,
ao encontro das dores estéreis, orgulhoso em meio à objeção, sa-
tisfeito entre tormentos” (Livro II, 2.2).
Em seu Sermão 34, quando fala de um Deus fabricado, afir-
ma o seguinte:

Impregnados de um testemunho tão grande, amemos a Deus pelo


que Deus é. Que direi mais? Amemos a Deus pelo que Deus é. O
amor de Deus, quero dizer, difundiu-se em nossos corações, pelo
Espírito Santo que nos foi dado. E, do fato de o Espírito Santo ser
Deus e de não podermos amar a Deus a não ser pelo Espírito Santo,
conclui-se que amamos a Deus por ele mesmo, pelo que ele é. A
conclusão é óbvia. João vo-lo dirá mais claramente ainda! ´Deus
é amor: aquele que permanece no amor permanece em Deus, e
Deus permanece nele´; é pouco dizer apenas: o amor vem de Deus.
Mas quem de nós ousaria repetir esta palavra: Deus é amor? Ela

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© Patrologia: Heresias Cristãs e Temas outrinais Cristãos 127

proferida por alguém que conhecia o que possuía. Por que será que
a imaginação do homem, por que razão seu espírito frívolo lhe re-
presentam Deus, por que forjam estes um ídolo para o seu coração?
Por que lhe oferecem um Deus imaginário, em vez do Deus que ele
merece encontrar? Isso, porventura, é Deus? Não, mas ei-lo. Por
que esboçar contornos? Por que arrumar esses membros? Por que
traçar essas linhas delicadas? Por que sonhar com as belezas do
corpo? Deus é amor. Qual é a cor do amor? Quais são suas formas
e suas linhas? Dele não vemos nada; e, assim mesmo, amamo-lo
(HAMMAN, 1980, p. 237).

São Gregório de Nazianzo (329-390)


São Gregório nasceu em família nobre da Capadócia e foi um
grande orador e defensor da fé trinitária. Em seu sermão pascal O
sacrifício sacerdotal, escreve o seguinte:
Sejamos como o Cristo, porque Cristo foi como nós. Sejamos deu-
ses para ele, porque ele se fez homem para nós. Ele assumiu o pior,
para dar-nos o melhor; fez-se pobre para enriquecer-nos com a
sua pobreza; tomou a condição de escravo, para conquistar-nos a
liberdade; humilhou-se, para exaltar-nos; foi tentado, para ver-nos
triunfar; quis ser desprezado, para revestir-nos de glória. Morreu,
para salvar-nos. Subiu ao céu para nos atrair a ele; para atrair a nós
que havíamos mergulhado no abismo do pecado. Demos tudo, ofe-
reçamos tudo àquele que se deu como pagamento e como resgate.
Nada lhe poderemos dar de tão grande quanto nós mesmos, se
houvermos compreendido estes mistérios e se nos tivermos torna-
do para ele tudo o que ele se tornou para nós.
[...] Procurai conhecer bem vosso pastor; deixai igualmente que
ele vos conheça. Escutai sua voz clara e franca, mesmo quando soa
atrás da porta; não obedeçais ao estrangeiro que salta por cima da
cerca, qual ladrão e traidor. Não deis ouvidos às vozes desconhe-
cidas, que hão de tentar atrair-vos, sub-repticiamente, para longe
da verdade, dispersando-vos pelos montes, pelos desertos, pelos
barrancos, e por outros lugares por onde o Senhor não passa, e
afastando-vos da verdadeira fé, aquela que proclama que o Pai, o
Filho e o Espírito Santo são uma única divindade e um só poder.
Esta voz minhas ovelhas sempre escutaram; oxalá possam conti-
nuar a escutá-la, em vez de dar atenção à que acumula mentiras
e infâmias, e nos faz perder nosso primeiro e verdadeiro pastor
(HAMMAN, 1980, p. 155-156).
128 © Patrologia

São Justino
Catequese
São Justino viveu em Éfeso e Roma, no século 2° e se conver-
teu ao cristianismo em uma época em que a filosofia substituía as
falidas religiões do Império Romano. No período em que os cris-
tãos eram perseguidos, dialogou com judeus e pagãos e viveu em
busca da verdade, que encontrou no Cristo, encarnado e crucifi-
cado. Justino foi martirizado com seis de seus discípulos e deixou
várias obras. Aqui citamos parte de sua obra catequética sobre o
batismo, iniciação e culto cristão:
Vamos expor-vos agora de que modo, renovados pelo Cristo, nos
consagramos a Deus. Se omitíssemos este ponto em nossa exposi-
ção, parecer-nos-ia incorrer em falta. Os que creem na verdade de
nossos ensinamentos e de nossa doutrina promete, antes de mais
nada, viver segundo esta lei. Ensinando-lhes, em seguida, como re-
zar e pedir a Deus, no jejum, a remissão de seus pecados, e nós
também rezamos e jejuamos com eles. Depois, conduzimo-los a
um lugar onde haja água, e aí, da mesma forma como nós fomos
regenerados são eles, por sua vez, regenerados. Em nome de Deus,
pai e mestre de todas as coisas, e de Jesus Cristo, nosso Salvador, e
do Espírito Santo, eles são então lavados na água. Pois o Cristo dis-
se: ´Se não renascerdes, não entrareis no reino dos céus’. É bastan-
te evidente para todos que aqueles que nasceram uma vez não po-
dem entrar de novo no seio da própria mãe. O profeta Isaías, como
dissemos acima, ensina de que maneira os pecadores arrependidos
apagam seus pecados. Ele se exprime nos seguintes termos: Lavai-
vos, purificai-vos, tirai o mal de vossos corações, aprendei a fazer
o bem, fazei justiça ao órfão e defendei a viúva; vide, então, e dia-
loguemos, diz o Senhor. Ainda que vossos pecados fossem rubros
como a púrpura, eu os tornaria brancos como a lã... Eis a doutrina
que os apóstolos nos transmitiram sobre este assunto. Em nossa
primeira geração, nascemos sem o saber e por necessidade, de
uma semente terrena, proveniente da união recíproca de nossos
pais. Depois, vivemos com hábitos maus e inclinações perversas.
Para que não permanecêssemos como filhos da necessidade e da
ignorância, mas pudéssemos ser filhos da eleição e da ciência, para
que obtivéssemos a remissão de nossas faltas passadas, invoca-se,
na água, sobre aquele que quer ser regenerado e que se arrepende
de seus pecados, o nome de Deus pai e mestre do universo. Este
é exatamente o único apelativo que o ministro pronuncia quando
conduz ao banho aquele que deve ser lavado. Com efeito, poder-
se-ia dar um nome ao Deus inefável, e não seria loucura orgulho-

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sa dizer que ele possui um. Esta ablução denomina-se iluminação,


porque os que recebem tal doutrina ficam com o espírito cheio de
luz. E, também, em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob
Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo, que predisse pelos
profetas toda a história de Jesus, é lavado aquele que é iluminado
(HAMMAN, 1980, p. 33-34).

8. PERSEGUIÇÕES E APOLOGIAS

Carta de Santo Inácio de Antioquia aos romanos


Inácio, bispo de Antioquia, foi condenado à morte em Roma,
capital do império. É levado como prisioneiro para Roma e, no tra-
jeto, escreve cartas a seis comunidades cristãs e a São Policarpo
de Esmirna, falando de temas cristãos e de sua alegria em sofrer o
martírio em nome de Cristo e da Igreja.
Eis alguns trechos da Carta aos romanos:
Tenho rogado a Deus, alcancei a graça de ver vossas santas faces.
E recebi mesmo mais do que pedira, pois é acorrentado em Cristo
que espero saudar-vos, se estiver na vontade divina que mereça
chegar ao fim. O começo está bem orientado; possa eu obter a gra-
ça de entrar sem impedimento na posse de minha herança. Temo,
porém, que a vossa caridade me seja prejudicial! Pois se para vós é
fácil fazer o que quiserdes (interceder ou não por mim), para mim é
difícil chegar a Deus, se não tiverdes compaixão de mim. Na verda-
de, não vos quero ver agradando aos homens, mas a Deus, como de
fato agradais. De minha parte nunca mais terei oportunidade como
esta para chegar a Deus; nem vós tendes obra melhor a cumprir
que silenciar. Pois, silenciando a meu respeito, serei uma palavra de
Deus; amando, porém, demais a minha carne, ao contrário, serei
apenas uma voz qualquer. Nada melhor podeis fazer por mim se-
não deixar que eu seja sacrificado a Deus, enquanto está preparado
o altar do sacrifício. Então, reunidos num só coro na caridade, can-
tareis ao Pai, em Jesus Cristo, por ter julgado o bispo da Síria digno
de ser enviado do Oriente para o Ocidente. É belo, com efeito, vir
do acaso do mundo até o seio de Deus, e ter nele o meu levante...
Nunca invejastes a ninguém; instruístes, ao contrário, os outros.
O que quero é justamente a prática do que haveis ensinado. Pedi
para mim apenas a força interior e exterior, para que não só diga,
mas queira ser cristão, não só seja chamado, mas de fato o seja...
Escrevo a todas as Igrejas e informo a todas que morro livremente
por Deus, se, contudo, não me impedirdes disso. Rogo-vos: não te-
130 © Patrologia

nhais para comigo benevolência inoportuna! Deixai-me ser pasto


das feras, pelas quais chegarei a Deus. Sou o trigo de Deus, moído
pelos dentes das feras para tornar-me o pão puro de Cristo... Nada
me valerão as delícias do mundo e os reinos deste século. Melhor
é para mim morrer por Jesus do que reinar até as extremidades da
terra (GOMES, 1973, p. 36-39).

Tertuliano (160-230)
Apologético de Tertuliano
Tertuliano nasceu em Cartago e foi advogado em Roma, tor-
nando-se grande apologista e adepto de um rigorismo exagerado
que o levou a deixar o cristianismo e seguir a heresia montanista.
Na obra Apologético, apresenta uma defesa do cristianismo e acu-
sa o povo, imperador e juízes romanos de odiar o cristianismo sem
o conhecer.
Se não vos é livre, ó magistrados do império romano – que fazeis
vossos julgamentos em público e no mais eminente lugar desta
urbe; se não vos é livre o examinar aos olhos da multidão a causa
dos cristãos; se o temor ou o respeito humano vos levam a afastar-
vos, apenas nesta presente ocasião, das regras estritas da justiça; se
o ódio do nome cristão, como sucedeu ultimamente, valendo-se de
delações domésticas, fecha o caminho a qualquer defesa judiciária;
que a verdade possa ao menos chegar até vós pelo canal secreto
de nossas cartas!
O ódio público
A verdade não pede favor, porque a perseguição não a intimida.
Nossa religião sabe que seu destino é ser estrangeira sobre esta
terra e que sempre terá adversários. É no céu que ela tem sua sede,
suas esperanças, seu crédito e sua glória. A única coisa a que aspira
é não ser condenada sem ter sido ouvida. Que podereis temer da
parte de vossas leis, se permitis à verdade o difundir-se na sede
de seu império? Acaso o poder das leis se manifestaria melhor na
condenação da verdade sem antes a escutar? Mas além do escân-
dalo que tal injustiça acarreta, dais a impressão de que vos recusais
a ouvi-la porque sabeis não poder condená-la se a tendes ouvido.
Eis nossa primeira advertência: a de que existe um ódio contra tão
somente o nome dos cristãos.
Ignorância dos juízes
Vossa ignorância mesma, que pareceria dever escusá-los, é preci-
samente o que atesta essa injustiça e a torna ainda mais grave. Que

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há de mais injusto do que odiar o que não se conhece, ainda que


isso que não se conhece seja em si odiável! Não pode ser a ignorân-
cia, mas o conhecimento do crime o que pode causar nosso ódio e
torná-lo legítimo [...] Daí nós concluirmos: que não nos conheceis
enquanto nos odiais e que nos odiais injustamente enquanto nos
conheceis. Vossa ignorância é uma testemunha que vos condena
depondo contra vós. Todos os que antes nos odiavam, por desco-
nhecerem o que nós somos, cessam de nos odiar desde que nos co-
nhecem. Logo se tornam cristãos, e deveis convir que o fazem com
conhecimento de causa. Eles começam por detestar o que eram e a
professar o que detestavam (HAMMAN, p. 61-62).

9. QUESTÃO SOCIAL
A reflexão sobre o tema da Questão Social, dentro do Cristia-
nismo, cresceu muito no fim do século 19 e se fortaleceu no século
20, de modo especial após a publicação da encíclica ´Rerum nova-
rum´ do Papa Leão XIII, publicada em 1891. A partir daí surgiram
outros documentos importantes sobre o tema e a Doutrina Social
da Igreja teve um grande fortalecimento. Mas, podemos afirmar
que já nos primeiros séculos encontramos, nos escritos dos Santos
Padres, a base e o fundamento da Doutrina Social.
Nos dois primeiros séculos do cristianismo, a partilha fraterna e o
ideal de vida de todos os cristãos. Existe uma genuína apreciação
da comunidade cristã apresentada nos Atos dos Apóstolos (At 2,44;
4,32-3,7). No entanto, o crescimento das comunidades dificulta
esta partilha. Os primeiros escritos realçam sempre a necessidade
da partilha. Vemos estas exigências na Didaqué e na Carta a Diog-
neto (n. 10). Estes textos usam passagens bíblicas para manifestar
suas convicções.
Tanto Inácio de Antioquia (Carta aos Efésios, 14), quanto Policar-
po de Esmirna (Carta aos Filipenses, 10) falam da necessidade de
ajudar as viúvas e os pobres e de doar as esmolas. Este é um dever
daqueles que possuem, conforme nos afirma o Pastor de Hermas
(Segundo Mandamento, 27). As exigências mais expressivas se re-
ferem aos órfãos, às crianças, às viúvas e aos estrangeiros, que são
os modelos dos pobres mais gritantes nas comunidades antigas do
cristianismo.
Há ainda uma retomada muito significativa da Carta de Tiago, para
afirmar que a pobreza material não é defendida pelas Escrituras.
O cristão tem direito aos “bens de sua dignidade”. A oposição en-
132 © Patrologia

tre ricos e pobres se encontra no Magnificat. A renúncia aos bens


deve ser uma atitude voluntária, e não uma imposição dos chefes
da Igreja.
Clemente de Alexandria afirma que as riquezas são bens úteis, em-
bora devamos ser livres diante deles. Deve haver um despojamen-
to exterior, para que o rico possa salvar-se. Mesmo admitindo a
propriedade pessoal dos bens, entende-se que estes bens priva-
tivos devem servir ao bem comunitário. Considerando que todos
os bens pertencem a Deus, os cristãos têm consciência de que são
guardiões e administradores dos bens naturais. Ao rejeitar a im-
posição de grupos radicais, como os encratistas, os donatistas e os
pelaginistas, a comunidade cristã aponta para formas de possuir
os bens de forma mais realista e equitativa. A renúncia aos bens é
uma imposição pessoal, como resposta a m convite vocacional de
Deus. O rigorismo da renúncia é um ideal monástico (BOGAZ, et al.
2008, p. 147-148)

Nos primeiros séculos do Cristianismo, a economia romana


se baseava na escravidão e na desigualdade, com milhões de em-
pobrecidos e isto não ficou alheio aos cristãos da antiguidade.
São Gregório de Nissa fala de uma ‘multidão de Lázaros´. Tal ex-
pressão poderia ser uma figura literária. No entanto, ele repete a
mesma idéia mais adiante ao falar de uma ´multidão de escravos
junto de cada porta´, deixando claro que o estrangeiro e o emigra-
do também não faltam. Por toda a parte vêem-se mãos estendidas
buscando auxílio´. Se na cidade são dados pão e circo aos que se
encontram em penúria, no interior os camponeses perdem seus
bens, entregues aos senhores que devem manter as fronteiras do
Império Romano. O posicionamento dos Santos Padres diante de
tal realidade é de uma atualidade exemplar para nós hoje. Em con-
sonância com os ensinamentos do Apóstolo Paulo, eles acentuam
o dever de todo cristão trabalhar, o que não só provoca o Impé-
rio Romano, mas inicia a tematização da Doutrina Social da Igreja
que, enraizada na mensagem evangélica, busca dar orientações
para os problemas sociais. O trabalho é, portanto, reabilitado em
todas as suas formas e valorizado enquanto estabelecido por Deus
e inscrito nada obra da criação. Por ele o homem participa da obra
do Criador. Santo Irineu lembra que ´o homem recebeu de Deus
a mão que pega e trabalha’, mostrando, contra uma mentalidade
comum do mundo greco-romano, o valor do trabalho manual, em
geral relegado aos escravos. No entanto, para evitar exageros, não
se pode esquecer que também no mundo pagão não faltam vozes
que recordavam a ´lei divina do trabalho´. Por outro lado, no que
concerne aos bens materiais, delineia-se um pensamento que, fun-
dado na Bíblia, voltará em todos os Santos Padres. O ser humano é

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© Patrologia: Heresias Cristãs e Temas outrinais Cristãos 133

compreendido como usuário e não como dono dos bens terrenos.


O único senhor das coisas é o próprio Deus. E ao ser humano cabe
a administração sábia, isto é, de acordo com os desígnios de Deus.
´Não deverás repelir o indigente. Terás tudo em comum com teu ir-
mão e não dirás que um bem é teu, porque, se se partilham os bens
imortais, quanto mais devem ser partilhados os bens passageiros.
´(Didaqué, 4,8) A partir destas intuições decorre a dimensão social
da riqueza, da propriedade e se torna séria a exortação em favor da
justiça e do direito dos pobres contra o supérfluo e o esbanjamento
de alguns poucos
Os pobres na Igreja
É notável a preocupação dos Padres pelos pobres. Os bens mate-
riais e o ganho são considerados à luz da exigência da fraternida-
de, orientando a comunidade a se colocar “na defesa dos pobres”.
São João Crisóstomo exorta os fiéis a “se convencerem de que a
maior honra está em se lhes assemelhar, ao comungarem com suas
mesmas tribulações”89. O Pastor de Hermas enaltece os bispos que
“fizeram do seu ministério um refúgio perpétuo para os pobres e as
viúvas”90. São Policarpo convida os presbíteros a serem caridosos e
misericordiosos para com todos: “visitem todos os enfermos, não
negligenciem a viúva, o órfão e o pobre; mas sejam solícitos em
fazer o bem diante de Deus e diante dos homens”91. São Basílio é
incisivo ao falar da obrigação dos ricos para com os pobres: “Aquele
que despoja um homem de sua roupa é um ladrão. O que não veste
a nudez do indigente, quando pode fazê-lo, merecerá outro nome?
O pão que guardas em tua despensa pertence ao faminto, como
pertence ao nu o agasalho que escondes em teus armários. O sapa-
to que apodrece em tuas gavetas pertence ao descalço. Ao miserá-
vel pertence a prata que ocultas”92 ( FIGUEIREDO, 1990, p.164).

Falando da justiça social nos Santos Padres, Figueiredo afir-


ma o seguinte:
No século IV a sociedade está marcada pela forte diferença en-
tre ricos e pobres. Santo Ambrósio caracteriza esta realidade com
cores vivas: “Os pecadores na abundância e nos cargos de honra
com uma prole sadia, o justo na pobreza e sem cargos, com uma
prole fraca no corpo, uma classe frequentemente na penúria”96. Os
demais Padres, contemporâneos do bispo de Milão, não deixam de
concitar ricos e pobres às suas responsabilidades. Eles defendem
o pobre, vítima muitas vezes de fraude, da violência e da opressão
de outros. São Gregório de Nazianzo ressalta a ganância de muitos
ricos que só querem acrescentar mais casas à sua casa, campos os
que possuem, e que por isso mesmo pilham os seus vizinhos no fre-
nesi de eliminá-los e de dominarem sozinhos.97 São Basílio Magno
condena os abusos de propriedade em termos fortes de profana-
ção da pessoa humana [...]
134 © Patrologia

Os costumes e o nível ético do século IV refletem a decadência


da sociedade, onde o estilo de vida dos ricos, sua luxúria mostra
a corrosão moral a que se chegara. A corrupção se tornava pre-
sente em todos os extratos da sociedade. São Jerônimo recrimina
os ricos que, apesar da penúria que se espalhava por toda a parte,
esbanjavam dinheiro, totalmente esquecidos dos pobres.101 Santo
Ambrósio condena os excessos de álcool nas tavernas e banquetes,
a glutonaria e a busca desenfreada de alimentos caros.
Deste clima de corrupção, onde se perdeu o senso da justiça e do
amor, decorre a decadência da família, grande preocupação dos
Padres dos séculos IV e V. A fim de evitar o pagamento de taxas, há
quem prefira o concubinato ao matrimônio. Santo Ambrósio con-
cita os cristãos a reagirem contra a degeneração do matrimônio,
sobretudo no que concerne aos casais que, não se casando legal-
mente, negavam suas obrigações para com os filhos; ou ainda, o
que é pior, os que preferiam o aborto a dividir o patrimônio com
numerosos filhos (FIGUEIREDO, 1990, p. 167-168)

Santo Ambrósio fala assim sobre o salário justo:


Dê ao trabalhador o salário ao qual tem direito. Não lhe tire a re-
compensa da fadiga dele. Pois também você mesmo é um lavrador
de Cristo. Este levou-o a seu vinhateiro. E a sua recompensa fica
depositada no céu. Por isso, não prejudique o empregado, que está
empenhando-se, nem o trabalhador que está fatigando-se. Não
despreze o pobre, que tem de cansar-se a vida toda para ganhar o
salário com que se sustenta. Quando você lhe nega ajuda devida,
estão está assassinando esse homem! (AMBRÓSIO de Milão, Sobre
Tobias 24, P.L. 14, 862 apud BOGAZ, et al. 2008, p. 151).

Sobre o direito dos pobres, Sanato Ambrósio escreve este


questionante e profundo texto contra os ricos que se apegam às
riquezas:
Todo dia o pobre é maltratado [...] Retira-se de suas terras e, car-
regando a sua bagagem, o obre imigra com seus filhos. Sua esposa
em lágrimas segue-o, como se estivesse acompanhando o cadáver
de seu marido.
Ricos, sois os únicos destinados a morar sobre a terra?... A terra foi
posta em comum para todos, ricos e pobres. Porque somente, a vós
ricos, vos arrogais o direito de propriedade? A natureza não conhe-
ce ricos, mas gera a todos como pobres. De fato, não é com vestido
que nós somos gerados. Fomos postos no mundo nus, desprovidos
de alimentos, de veste, de bebida.
A terra recebe nus os mesmos que ferou. A tumba não conhece
limites de propriedade... A terra que não foi suficiente para usar ga-

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© Patrologia: Heresias Cristãs e Temas outrinais Cristãos 135

nância em vida, agora guarda o corpo inteiro do rico. Ela nos criou
a todos iguais e iguais ela nos encerra a todos dentro do sepulcro.
Quem pode distinguir as aparências dos defuntos? Descobre a ter-
ra, e se podes, mostra qual é o rico. As riquezas apodrecem enter-
radas com ele.
Não é dos teus bens que distribuis aos pobres. Estás dando apenas
o que já lhe pertence, pois és o único usurpador quando tiras aquilo
que foi dado para o uso de todos. A terra pertence a todos. A terra
pertence a todos, e não aos ricos. Mas são mais numerosos os que
não usam de sua propriedade (os pobres) do que os que usam (os
ricos) (AMBRÓSIO de Milão, P.L. 14, p. 731-756 apud BOGAZ, et al.
2008 20, p. 153).

São Basílio (330-379)


São Basílio viveu na Ásia Menor, no seio de uma família no-
bre e, após conhecer a vida ascética, renunciou a tudo e se consa-
grou a Deus. Foi bispo de Cesareia e segundo ele:
Acolhido com alegria pelo seu povo, ele fundou hospitais para do-
entes e vítimas de epidemias, hospedarias para viajantes, estran-
geiros e pobres, formando uma nova cidade nos arredores de Ce-
saréia, a qual receberá o nome de Basilíade. Notabilizou-se em sua
resistência ao arianismo, não se deixando mesmo intimidar pelo
imperador [...] (FIGUEIREDO, 1986, p. 11).

Escrevendo a Elias, governador da Capadócia, sobre a Basi-


líade, afirma:
Dir-se-á que prejudicamos os negócios públicos, erguendo ao nosso
Deus uma casa de orações magnificamente construída, tendo em
seus arredores habitações das quais uma liberalmente é reservada
ao chefe, as outras inferiores e destinadas, conforme sua condição,
aos servidores da divindade, utilizáveis igualmente por vós, ma-
gistrados, e por vosso cortejo. A quem prejudicamos por construir
abrigos para os estrangeiros, para as pessoas em trânsito, ou para
aquelas que precisam de reconforto, para os enfermeiros, os médi-
cos, para os animais de carga com os seus condutores? Para manter
tais estabelecimentos é indispensável a colaboração prestada pelos
diversos ofícios, pelos que são necessários à vida, e pelos que fo-
ram inventados para torná-la mais decente. São, portanto, necessá-
rias outras casas adequadas às indústrias; e há muitas outras coisas
que contribuem para tornar o lugar agradável, coisas gloriosas para
quem nos governa e cuja honra recai sobre ele (FIGUEIREDO, 1986,
p. 136).
136 © Patrologia

Na obra Homilias e Sermões, 6,6-8, falando contra a riqueza


e contra os avarentos, afirma o seguinte:
A quem estou fazendo mal, pergunta o avarento, guardando para
mim o que me pertence? Mas quais são, dize-me, os bens que te
pertencem? De onde os tiraste? Pareces-te com um homem que,
tomando seu lugar no teatro, quisesse impedir os outros de entrar
e achasse que podia apreciar sozinho o espetáculo ao qual todos
tinham direito de assistir. Os ricos são assim: decretam-se senhores
dos bens comuns que açambarcam, alegando terem sido os primei-
ros ocupantes. Se cada um conservasse apenas o que requer para
suas necessidades correntes e deixasse o supérfluo para os indi-
gentes, a riqueza e a pobreza seriam abolidas [...] Ao faminto per-
tence o pão que guardas. Ao homem nu, o manto que guardas até
nos teus cofres. Ao que anda descalço, o calçado que apodrece em
tua casa. Ao miserável, o dinheiro que guardas escondido. É assim
que vives oprimindo tanta gente que poderias ajudar... (HAMMAN,
1980, p. 140-141).

Em outro texto, falando sobe a avareza, assim escreve São


Basílio:
1. Se cada um guardasse apenas o indispensável para suas neces-
sidades ordinárias, deixando o SUPÉRFLUO para os indigentes, a
riqueza e a pobreza seriam abolidas. -2. O que é um AVARENTO?
É alguém que não se contenta com o necessário. O que é um LA-
DRÃO? É alguém que arrebata o bem alheio. E tu não és um ava-
rento? Não és um ladrão? Os bens te foram confiados para serem
ADMINISTRADOS. Mas te apoderas deles. Quem despoja a um
homem d suas vestes, deve ser chamado de ladrão. E aquele que
não veste a nudez de um mendigo, quando pode fazê-lo, merecerá
outro nome? -3. O pão que guardas pertence ao faminto. O manto
que conservas no guarda-roupa pertence ao homem nu. O calçado
que apodrece contigo pertence ao descalço. O dinheiro que reténs
escondido pertence aos miseráveis. O número de oprimidos é igual
ao número daqueles que poderias ajudar. (BASÍLIO de Cesaréia,
P.G. 31, p.262-78 apud BOGAZ, et al. 2008, p. 152).

São Gregório de Nissa (c335-394)


São Gregório de Nissa era irmão mais novo de São Basílio;
foi grande catequista e também escreveu sobre a questão dos po-
bres.
Em seu Sermão I, escreveu sobre o amor aos pobres e a
beneficência:

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[...] Há realmente um jejum não corporal e uma temperança não


material, a abstinência do mal pela alma convertida. Foi justamen-
te em vista desta que nos foi prescrita a abstinência de alimentos.
Por isso jejuai do mal; sedes fortes contra os desejos incompatíveis;
repeli o ganho ilícito; matai de fome a avareza de Mammon; nada
haja em tua casa fruto de violência ou de roubo. Que te adianta se
não dás carne ao corpo, porém mordes o irmão pela maledicência?
Ou que vantagem se não comes do que é teu, e tomas injustamen-
te aquilo que é dos pobres? Que piedade é esta que só bebe água,
mas trama enganos e tem sede de sangue pela perversidade?...
Se tal for nosso comportamento, Isaías nos dirá: Por que jejuais em
meio a disputas e contendas, tratais aos socos o humilde? Aprende
com o profeta as obras do jejum sincero e puro: Abre toda cadeia
injusta. Desata os nós dos pactos violentos. Rompe teu pão com o
faminto e aos pobres sem teto recolhe em tua casa (Is 58, 4.6-7).
O tempo atual nos apresenta uma quantidade de nus e de sem
abrigo. Há uma multidão de escravos junto de cada porta. O es-
trangeiro e o emigrado também não faltam. Por toda parte veem-
se mãos estendidas buscando auxílio. Para eles, casa é o ar livre.
Hospedaria, os pórticos e ruas e os lugares mais ermos da praça.
À semelhança de corujas e dos mochos escondem-se nos buracos.
Sua roupa são andrajos enrolados nos corpos; colheita, a decisão
dos compadecidos; alimento, o que por acaso lhes cai nas mãos;
bebida, a das fontes que também é dos animais; copo, o côncavo
das mãos; despensa, pregas de roupas se estas não deixarem cair,
mas reter o que foi posto; mesa, os joelhos dobrados; leito, o chão;
banho, rio ou lago, aquilo que Deus providenciou, comum a todos
e natural. Para eles, vida errante e grosseira, não como era no prin-
cípio, mas tal como a fizeram a desgraça e a necessidade. A esses
tais, ó jejuador, vem socorrer. Para com os irmãos infelizes, sê tu
generoso (FIGUEIREDO, 1986, p. 24-25).

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
138 © Patrologia

revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação


a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Ficou clara a ação e importância dos Santos Padres na
formação da ortodoxia cristã?
2) Como você considera a participação dos Santos Padres
no combate às heresias?
3) Você assimilou o conteúdo dos escritos sociais dos prin-
cipais Santos Padres?
4) Qual tema de Teologia chamou a sua atenção nos escri-
tos dos Santos Padres?

11. CONSIDERAÇÕES
Nossa disciplina encerra-se aqui, mas não nosso diálogo.
Você, ao optar pela Educação a Distância, tem, além de todos os
seus colegas de curso, o seu tutor com quem pode contar. Sempre
que necessitar de nossa ajuda, não tenha receio em nos contatar.
Foram muitas atividades, interatividades, horas de leitura e,
com isso, nosso dever está cumprido. Mais do que isso! Alguns dos
tópicos aprendidos aqui continuarão a merecer reflexão ao longo
de todo o curso, pois são imprescindíveis a sua formação.
A reflexão, a manutenção e a atualização diária de seus co-
nhecimentos sobre a Patrologia e seus desdobramentos devem
ser preservadas por você. É um hábito que contribuirá para a com-
preensão desta importante área do saber.
Foi um prazer conhecê-lo, ensinar e aprender com você!

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12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


FIGUEIREDO, F. A. Introdução à patrística. Petrópolis: Vozes, 2009.
GÓMEZ, A. J. Manual de historia de la Iglesia. Madrid: Publicaciones Claretianas, 1987.
HAMMAN, A. Os padres da igreja. São Paulo: Paulinas, 1980.
MARKUS, R. A. O Fim do Cristianismo Antigo. São Paulo: Paulus, 1997
ALBERIGO, G. História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1995
SPANEUT, M. Os padres da igreja. São Paulo: Loyola, 2000-2002.
TREVIJANO, R. Patrología. Madrid: BAC, 1994.
DICIONÁRIO DE ANTIGUIDADES CRISTÃS. Petrópolis/São Paulo: Vozes-Paulus, 2002.
FIGUEIREDO, A. F. Curso de teologia patrística. Petrópolis: Vozes, 1990, v. 1, v.2, v.3.
______. Os Padres da Igreja e a Questão Social. Petrópolis: Vozes, 1986.
SCHLESINGER, H-PORTO H. Dicionário enciclopédico das religiões. Petrópolis: Vozes,
1995, v. 2.

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