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CARTA AOS HEBREUS E CATÓLICAS

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD


Carta aos Hebreus e Católicas – Prof. Ms. Pe. Mauro Negro

Saudações! Meu nome é Mauro Negro. Sou padre da Con-


gregação dos Oblatos de São José. Essa Congregação tem
como um dos objetivos a catequese e a formação. Assim,
tento cumprir essa missão encantadora: ensinar e levar à
adesão de valores e verdades vividas. Sou professor de Te-
ologia Bíblica na Pontifícia Universidade Católica, Faculdade
Nossa Senhora da Assunção, onde leciono Antigo e Novo
Testamento. Também leciono em cursos livres, inclusive em
outras cidades. Amo a Sagrada Escritura e desejo partilhar
com os alunos da EAD um pouco da riqueza da Carta aos
Hebreus e das Cartas Católicas. Espero que todos aceitem e
cresçam com esta disciplina. Bom estudo!
e-mail: mauronegro@uol.com.br
Prof. Ms. Pe. Mauro Negro

CARTA AOS HEBREUS E CATÓLICAS

Caderno de Referência de Conteúdo


© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)
Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP)

Cursos: Graduação
Disciplina: Carta aos Hebreus e Católicas
Versão: jul./2010

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti
Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Ms. Artieres Estevão Romeiro


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Felipe Aleixo
Camila Maria Nardi Matos Rodrigo Ferreira Daverni
Carolina de Andrade Baviera
Talita Cristina Bartolomeu
Cátia Aparecida Ribeiro
Vanessa Vergani Machado
Dandara Louise Vieira Matavelli
Elaine Aparecida de Lima Moraes
Josiane Marchiori Martins Projeto gráfico, diagramação e capa
Lidiane Maria Magalini Eduardo de Oliveira Azevedo
Luciana A. Mani Adami Joice Cristina Micai
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Luis Henrique de Souza
Luis Antônio Guimarães Toloi
Patrícia Alves Veronez Montera
Rita Cristina Bartolomeu Raphael Fantacini de Oliveira
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Tamires Botta Murakami de Souza
Simone Rodrigues de Oliveira Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA............................................. 9

Unidade 1 – CARTAS CATÓLICAS E NOVO TESTAMENTO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 31
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 32
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 32
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 33
5 AS CARTAS CATÓLICAS E O NOVO TESTAMENTO............................................ 35
6 SITUAÇÃO DA IGREJA DAS ORIGENS............................................................... 41
7 CORRENTES TEOLÓGICAS: HERANÇAS DIVERSAS.......................................... 46
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 48
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 49
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 50

Unidade 2 – CARTA DE TIAGO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 51
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 51
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 52
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 53
5 CARTA DE TIAGO............................................................................................... 53
6 DATA E LUGAR DA COMPOSIÇÃO: DESTINATÁRIOS....................................... 62
7 ESTRUTURA DA CARTA DE TIAGO.................................................................... 64
8 O TEXTO DA CARTA DE TIAGO.......................................................................... 65
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 78
10 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 79
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 79

Unidade 3 – CARTA AOS HEBREUS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 81
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 81
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 82
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 82
5 A CARTA AOS HEBREUS..................................................................................... 83
6 O TEXTO DA CARTA AOS HEBREUS.................................................................. 89
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 120
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 122
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 122
Unidade 4 – AS CARTAS DE PEDRO
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 123
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 123
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 124
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 124
5 CARTA DE PEDRO............................................................................................... 125
6 CARTA DE PEDRO............................................................................................... 141
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 151
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 151
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 152

Unidade 5 – CARTAS DE JOÃO E CARTA DE JUDAS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 153
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 153
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 154
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 154
5 PRIMEIRA CARTA DE JOÃO............................................................................... 155
6 SEGUNDA E TERCEIRA CARTAS DE JOÃO......................................................... 174
7 CARTA DE JUDAS............................................................................................... 179
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 183
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 184
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Últimos escritos do cânone bíblico do Novo Testamento. A formação das Cartas
Católicas que procuraram responder aos problemas e aos desafios. Escritos e
correntes teológicas nas diferentes Igrejas das comunidades da segunda e da
terceira gerações cristãs. Heranças paulina, petrina e joanina nas novas comuni-
dades. Os textos de Tiago, Pedro e Judas.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
O Novo Testamento é parte constitutiva dos escritos identi-
ficados como “sagrados”, isto é, aqueles que remetem a um am-
biente relacionado com o divino ou que dão a conhecer o que está
relacionado ao divino, ou seja, ao “sacro”. Ele é parte do conjunto
chamado “Sagrada Escritura” ou “Bíblia” − o conjunto de livros que
são reunidos e classificados em do Antigo e do Novo Testamento.
O Antigo Testamento é o conjunto de textos, de épocas di-
ferentes e circunstâncias específicas que retratam, em linguagem
teológica e em formas literárias diversas, a experiência religiosa do
8 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Povo de Israel, desde os seus primórdios até À proximidade da era


cristã. Já o Novo Testamento é a experiência dos discípulos de Je-
sus Cristo expressa, sempre, em conceitos teológicos com formas
literárias também diversas.
A Igreja Católica afirma, na Constituição Dogmática Dei Ver-
bum (“Palavra de Deus”, em latim) a respeito da importância de
Jesus Cristo como centro da Revelação bíblica:
Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos Profetas,
Deus “ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho” (Hb 1,1–2).
Com efeito, Ele enviou Seu Filho, o Verbo eterno que ilumina todos
os homens, para que habitasse entre os homens e lhes expusesse
os segredos de Deus (cf. Jo 1,1–18). Jesus Cristo, portanto, Verbo
feito carne, enviado como “homem aos homens”, “profere as pa-
lavras de Deus” (Jo 3,34) e consuma a obra salvífica que o Pai lhe
confiou (cf. Jo 5,36; 17,4). Eis por que Ele, ao qual quem vê também
o Pai (cf. Jo 14,9), pela plena presença e manifestação de Si mesmo
por palavras e obras, sinais e milagres, e especialmente por Sua
morte e gloriosa ressurreição dentre os mortos, enviado finalmen-
te o Espírito de verdade, aperfeiçoa e complementa a revelação e
a confirma com o testemunho divino que Deus está conosco para
libertar-nos das trevas do pecado e da morte e para ressuscitar-
nos para a vida eterna (Concílio Ecumênico Vaticano II. Constitui-
ção Dogmática “Dei Verbum” Sobre a Sagrada Revelação, nº. 4a.
In: KLOPPENBURG, Boaventura (Org.). Compêndio do Vaticano II:
Constituições, decretos, declarações. Petrópolis : Vozes, 2000, 29.
ed. p. 123.).

O que não se deve esquecer é que o Antigo e o Novo Testa-


mento são interdependentes. Em poucas palavras, o Antigo Testa-
mento encontra seu complemento no Novo Testamento. O mesmo
documento Dei Verbum afirma mais adiante:
Deus, pois, inspirador e autor dos livros de ambos os Testamentos,
de tal modo dispôs sabiamente, que o Novo Testamento estivesse
latente no Antigo e o Antigo se tornasse claro no Novo. Com efeito,
embora Cristo tenha fundado a Nova Aliança em seu sangue (cf. Lc
22,20; 1 Cor 11,25), contudo os livros todos do Antigo Testamento,
recebidos íntegros na pregação evangélica, obtem e manifestam
seu sentido completo no Novo Testamento (cf. Mt 5,17; Lc 24,27;
Rm 16,25–26; 2 Cor 3,14–16), e por sua vez o iluminam e explicam
(Dei Verbum, nº. 16. In: KLOPPENBUG, Boaventura (Org.), op. cit.,
p.133).

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© Caderno de Referência de Conteúdo 9

O Antigo e o Novo Testamento encontram o seu centro na


pessoa de Jesus Cristo. E, por meio dele, têm-se as informações, os
relatos e as considerações que vão formar as tradições escritas a
seu respeito. Elas são iluminadas ou encontram seu sentido no An-
tigo Testamento e apontam para o futuro, propondo perspectivas
e considerando a vida do homem e a sua relação cultural, social e
religiosa.
Os escritos do Novo Testamento podem ser divididos em três
partes distintas, tendo como referência o estilo de escrita ou gêne-
ro literário. Primeiro, são os textos narrativos; depois são os textos
epistolares e, por fim, o texto apocalíptico. Compõem o conjunto
de textos narrativos do Novo Testamento os quatro Evangelhos e
o livro de Atos dos Apóstolos; as cartas compõem o conjunto dos
chamados “textos epistolares”; e o livro do Apocalipse é o único
texto completo de gênero apocalíptico do Novo Testamento.
No grupo de cartas do Novo Testamento, estão os textos de
Paulo ou atribuídos a ele. Mas há, também, outros textos, atribuí-
dos a outros autores e com tendências e argumentos complemen-
tares ou relativamente diferentes dos apresentados por Paulo. São
estes os textos: Carta aos Hebreus e Cartas Católicas, que iremos
estudar nesta disciplina. Eles serão especialmente introduzidos em
suas temáticas e em sua história; portanto, sugerimos que você
aprofunde os conceitos e temas apresentados consultando outros
livros, especialmente os indicados na Bibliografia Básica e na Bi-
bliografia Complementar.

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA


Abordagem Geral da Disciplina
Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-
tudado nesta disciplina. Aqui, você entrará em contato com os
assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá
a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada
10 © Cartas aos Hebreus e Católicas

unidade. No entanto, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o


conhecimento básico necessário a partir do qual você possa cons-
truir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural
– para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com
competência cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos co-
meçar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princí-
pios básicos que fundamentam esta disciplina.
A abordagem de Carta aos Hebreus e Católicas é dividida em
duas partes. Na primeira parte, faz-se uma contextualização histó-
rica da Carta aos Hebreus e das Cartas Católicas; na segunda par-
te, faz-se uma apresentação ou introdução bem objetiva de cada
texto em particular.
As introduções são temáticas e históricas. Não são exausti-
vas, pois o interesse é levar você a pesquisar o texto da disciplina
e, de modo especial, estimular à leitura do texto da disciplina no
Ensino a Distancia e ao texto dos livros bíblicos em questão, bem
como à consulta de alguma obra indicada nas bibliografias.
Vamos lá?
Apresentaremos uma introdução a um conjunto de livros
muito interessantes do Novo Testamento. Trata-se da Carta aos
Hebreus e das chamadas “Cartas Católicas”.
As décadas que se seguiram ao Evento Cristo foram tempos
notáveis de experiência cristã. Elas são a referência constante e
fecunda do ser e viver do cristianismo.
Logo após a Paixão, Morte e Ressurreição − o conjunto de
fatos que chamamos “Mistério Pascal”, iniciou-se, no círculo de
discípulos, um movimento de testemunho e de afirmação de sua
nova identidade. Eles se identificavam com seu Mestre e Senhor,
emocionavam-se com o fato de tê-lo seguido e conhecido. Alguns
o tocaram, o ouviram e foram ouvidos por Ele. O grupo dos após-
tolos era privilegiado, pois tinha vivido muito próximo com Ele, co-
tidianamente.

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© Caderno de Referência de Conteúdo 11

A ausência súbita de Jesus deixou em todos o desejo de tor-


ná-lo conhecido entre outros que não o conheciam ainda. Come-
çou, então, uma partilha de experiências, e essa partilha reunia as
comunidades. Aos poucos, os discípulos mais destacados, os que
receberam o nome de apóstolos, eram o centro das comunidades
que se formavam para fazer a Memória do Senhor. Eram grupos de
judeus que recordavam aquele que reconheciam como Messias,
palavra hebraica que foi traduzida para o grego como Cristo e que
significa “ungido”, “escolhido”. O grupo dos discípulos, aliás, era
ainda minoria absoluta no judaísmo, mas, aos poucos, ia se impon-
do e fazendo notar sua opção.
O livro Atos dos Apóstolos tenta ser uma testemunha desse
tempo e desses personagens. Ele foi escrito muito tempo depois
dos fatos que apresenta. Dessa forma, já é uma interpretação dos
mesmos fatos e das suas consequências. Apresenta-se como uma
sequência de testemunhos feitos pelos apóstolos e discípulos de
Jesus em contato com o mundo judaico e com os pagãos.
Os apóstolos passaram a ter seguidores, imitadores, e os
grupos por eles formados vão caminhando, à luz de Jesus Cristo,
com base na experiência de alguém que o conheceu e com Ele
conviveu de alguma forma. Um apóstolo ou um discípulo ou, até
mesmo, um conjunto de discípulos mantém a unidade dos segui-
dores de Jesus. Os instrui, anima, explica e tenta manter e formar
um estilo de crer, de ser.
Nesse processo, há sempre a referência às Escrituras judai-
cas. O grupo de discípulos que, aos poucos, se amplia é ainda um
grupo fundamentalmente judaico. Eles veem em Jesus o cumpri-
mento das profecias e o sentido da esperança de uma nova Israel.
Nesse sentido, é significativa a questão levantada por eles
em Atos (1,6): “Estando, pois, reunidos, eles assim o interrogaram:
‘Senhor, é agora o tempo em que irás restaurar a realeza em Isra-
el?’”.
12 © Cartas aos Hebreus e Católicas

A ideia do grupo, que Atos testemunha por escrito, é de uma


Israel renovada, com uma realeza que, estabelecida sobre as tribos
e em meio às nações, vivencia a plenitude das promessas feitas
aos pais.
O texto Atos dos Apóstolos, escrito após os Sinóticos e muito
tempo depois das cartas paulinas, é um testemunho teológico do
tempo apostólico. Houve, necessariamente, uma elaboração his-
tórica e teológica para os fatos, dos ditos e os personagens. Situ-
ações complexas, seguramente frutos de diversos movimentos e
interpretações dos ditos de Jesus, de sua mensagem transmitida
pelos seguidores e ao lado das Escrituras judaicas, foram simpli-
ficadas e consignadas, de modo a fazer que tudo tivesse lógica e
fosse facilmente compreendido por leitores que não viveram na-
queles tempos.
Um pequeno sinal disso tudo se encontra no episódio de Es-
tevão, entre os capítulos seis e oito de Atos. Inicialmente, os após-
tolos, que não são claramente citados, mas aparecem aqui como
um corpo coeso, identificados como “o grupo dos Doze” (vers. 2),
convocam a multidão para solucionar a questão do serviço e da
organização, bem como do anúncio da Palavra. Eles não tinham
mais tempo para esse anúncio na medida em que tinham de orga-
nizar a “multidão” ou o serviço às mesas. Então, eles escolheram
sete homens de boa reputação, repletos do Espírito e de sabedo-
ria, para que essa função do serviço às meses fosse realizado (vers.
3-5). Depois de escolhidos e nomeados (vers. 5), os apóstolos lhes
impuseram as mãos (vers. 6). Temos, então, os diáconos.
Logo em seguida, aparece, de modo destacado, a figura de
Estevão, homem decidido em fazer o caminho de Jesus Cristo e a
dele dar testemunho. O versículo sétimo afirma: “Estevão, cheio
de graça e de poder, operava prodígios e grandes sinais entre o
povo”. Isto é curioso, pois ele deveria é “servir às mesas”, pois foi
para isto que havia sido escolhido como diácono. Mas lá estava
ele, disposto a anunciar o Evangelho de Jesus, e por conta de seu

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© Caderno de Referência de Conteúdo 13

ímpeto e decisão foi logo preso na perseguição iniciada por judeus


de diversas origens. Curiosamente, esses judeus de origens diver-
sas são oriundos dos locais citados na manhã de Pentecostes. An-
tes, tinham recebido o Espírito; agora, são oposição a Estevão.
Bem, a sua defesa foi brilhante e decisiva, e a sentença foi
a condenação à morte. Ela foi como um fim emocionante, com a
presença, vista por ele, de Jesus em glória (At 7,56).
E assim, Estêvão dá o testemunho de Jesus Cristo. Mas, note-
se o fato: Estêvão não é do grupo apostólico. É um diácono, discí-
pulo dos apóstolos, dependente de seu testemunho dos apósto-
los. Não foi um deles, um dos apóstolos, que foi martirizado e deu
o testemunho com a vida, foi alguém “menor” do que eles. Isto
seguramente gerou uma espécie de crise interna.
O texto de Atos dos Apóstolos simplifica tudo com uma se-
quência narrativa que une momentos e circunstâncias bem diver-
sas. Em 7,60, conclui-se o martírio de Estevão: “depois, caindo de
joelhos, gritou em voz alta: ‘Senhor, não lhes leve em conta este
pecado’. E dizendo isto, adormeceu”. Logo em seguida, tem-se a
menção a Paulo, ainda chamado de Saulo: ora, Saulo estava de
acordo com a sua execução (8,1a). No mesmo versículo, a sequên-
cia narrativa já estabelece outro caminho: “Naquele dia, desenca-
deou-se uma grande perseguição contra a Igreja que estava em Je-
rusalém. Todos, com exceção dos apóstolos, dispersaram-se pelas
regiões da Judéia e da Samaria” (vers. 1).
Parece que, para resgatar a situação, os apóstolos agora
ficam em Jerusalém, prontos para o testemunho que Estevão já
dera. Mas o que primeiro enfrentou a dificuldade do seguimento
do Senhor foi um que não era dos Doze.
Isso tudo deve refletir a situação da Igreja das origens, aquela
de Jerusalém. As atitudes não estavam ainda coordenadas. Parece
que a perseguição que se seguiu ao martírio de Estevão pegou a
todos de surpresa, deixando à mostra uma realidade inesperada: a
hostilidade à mensagem do Evangelho.
14 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Seria de se esperar que Israel aceitasse Jesus Cristo como


seu Senhor. Eles, os apóstolos e os seguidores das primeiras horas
eram as testemunhas deste novo tempo. Contudo, isto não acon-
teceu: Jerusalém não aceitou a mensagem evangélica; as autorida-
des não souberam ver neles uma esperança de futuro.
A perspectiva para um futuro entre os judeus, especialmen-
te em Jerusalém, deveria não ser muito estimulante. Parece que
também a capacidade de compreender os passos futuros da Igre-
ja não existia ainda, pois Pedro terá dificuldades em justificar-se
perante os cristãos de origem judaica com relação à sua atitude
em Jope, na casa de Cornélio. Este é o tema de Atos (10): Pedro é
chamado para a visita a um pagão, Cornélio. Ele entra em sua casa,
toma contato com ele e outros pagãos e, por fim, senta-se à mesa
com eles. Quando Pedro volta para Jerusalém, é questionado pelo
grupo dos apóstolos e irmãos a respeito de sua conduta.
Esse questionamento não deixa de causar estranheza em
nós, leitores do livro Atos, pois nele, em 1,8, lê-se: “mas recebe-
reis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis
minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria,
e até os confins da terra”. Quem fala é Jesus, quando da despedida
de seus discípulos.
Olhando a reação dos que questionaram Pedro em Atos, o
que se pode imaginar é que ser testemunha não implica, necessá-
ria ou diretamente, fazer discípulos “até nos confins da terra”.
Após esse episódio, em que Pedro precisa justificar-se, tem-
se a notícia da fundação da Igreja em Antioquia (At 11,19ss). Essa
Igreja síria será o centro irradiador do cristianismo, base de Paulo e
promotora do crescimento da comunidade. A Igreja mãe, em Jeru-
salém, não parecia muito adaptada às mudanças necessárias para
a difusão do Evangelho.
Após esse episódio de Antioquia, o personagem volta a ser
Pedro: ele é preso e, milagrosamente, solto. Em seguida à sua li-
bertação, ele desaparece da trama narrativa de Atos dos Apósto-
Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

los, apenas aparecendo no capítulo 15, quando da Assembleia de


Jerusalém, em que deve novamente enfrentar a questão dos pa-
gãos e de sua entrada na Igreja.
O que está em jogo não é, simplesmente, a entrada ou não
dos gentios na Igreja. Curiosamente é algo que, no modo de ver
moderno, pode ser até mesquinho: o ato de um judeu sentar-se à
mesa com um pagão.
Isto implicava reconhecimento de igualdade, comunhão.
Como aceitar isto em uma mentalidade em que o judeu é parte
de uma raça eleita, escolhida para seguir o Santo, que é o Deus de
Israel? E ser “santo”, na mentalidade bíblica, é ser separado, isto é,
distinto de outros, especialmente distinto ou diferente de outros
deuses. O Deus de Israel é o único, e Israel, por isso, é, também,
o povo único de Deus. Isto implica diferença de relacionamentos
com a sociedade e com a natureza: modos de alimentar-se, de
relacionar-se, de vestir-se, de fazer o culto. Tudo isto marcava um
judeu e deixava à mostra sua identidade de parte da Aliança.
Assim, sentar-se à mesa com um pagão era, para um judeu,
compor um quadro de conivência, de intimidade impensável para
quem desejava seguir a Torá, que era a Lei de Moisés, e os seus
mandamentos. Era inconcebível, pois implicava entrar em comu-
nhão com os opressões, os romanos de língua grega e de outros
lugares e influências.
A Igreja começava a encontrar dificuldades na compreensão
de sua própria missão antes mesmo de encontrar sua própria iden-
tidade. O povo da Nova Aliança não precisava estar sob os cos-
tumes da antiga Aliança. Esta tivera o seu valor e, seguramente
ainda tinha, mas Jesus Cristo superava tudo isso. Nesse ponto, foi
fundamental a intervenção de Paulo.
Paulo estabeleceu, com a sua atuação missionária e os seus
escritos, uma realidade surpreendente. É difícil dizer que o que ele
criou era pensado no início da Igreja. Ele inovou.
16 © Cartas aos Hebreus e Católicas

As Cartas de Paulo, o chamado “Corpus Paulinum”, são os


primeiros escritos do Novo Testamento. São anteriores aos textos
que chamamos “Evangelhos”. Isto vale dizer que, antes do teste-
munho da experiência com Jesus e do escrito de suas atividades
e de sua mensagem, foi Paulo que apresentou a doutrina sobre
Jesus.
Este é outro assunto muito interessante. Mas vamos ficar
com este dado: Paulo levou uma grande parte dos discípulos e se-
guidores da mensagem de Jesus para uma compreensão específica
e uma vivência concreta. Paulo criou uma história, um estilo de vi-
ver, de ser, de se expressar. Mas ele não foi o único nem o caminho
que ele apresentou foi o único.
É aqui que entram os textos que vamos estudar no ensino
a distancia. As Cartas Católicas e a Carta aos Hebreus nascem de
contextos diferentes daquele contexto que vimos em torno de
Paulo. Esta será a segunda parte dessa apresentação.
O nome dos livros bíblicos é uma questão que envolve diver-
sos fatores.
No caso dos livros cujo estudo estamos introduzindo, a Carta
aos Hebreus é assim chamada em função do conteúdo que apre-
senta. Esse conteúdo é marcado por argumentos que partem do
judaísmo e de sua prática. A tradição cristã sempre viu isto como
um indicativo dos destinatários da carta e, por isso, ela passou a
ser chamada “Carta aos Hebreus”.
Já o conjunto formado pelas cartas de Tiago, as duas de Pe-
dro, as três de João e a de Judas é chamado “Cartas Católicas”. Não
se trata aqui de um atributo eclesial das cartas, ou seja, não é que
elas são da Igreja Católica ou que falem dela. O caso é que “católi-
co” é um termo que significa “universal”, “de todo o mundo”. “Car-
tas Católicas” são, então, cartas dirigidas a todos, independente-
mente de onde estejam, quem sejam e o que pensam.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Unimos o texto de Cartas Católicas e Carta aos Hebreus por


uma questão prática de divisão do cânon do Novo Testamento. De
fato, tirando as nossas Cartas Católicas e a Carta aos Hebreus, to-
das as outras cartas são atribuídas a São Paulo: elas compõem o
Corpus Paulinum.
Costumeiramente, não identificamos a Carta aos Hebreus
como uma Carta Católica por uma questão histórica: por muito
tempo, a Carta aos Hebreus foi tida como de Paulo; portanto, par-
te do Corpus Paulinum. Então, na mentalidade antiga, ela seria
paulina. Com o desenvolvimento da Teologia Bíblica e da Exegese,
sabemos que ela não é paulina, mas continua tendo um destaque
notável devido à sua argumentação e consequências.
As Cartas Católicas e a Carta aos Hebreus são expressões de
correntes teológicas diversas daquela expressada pelo Corpus Pau-
linum. Sobressaem os modos de pensar e de propor o cristianismo
como algo paralelo ao judaísmo ou, até mesmo, como uma parte
constitutiva do judaísmo.
Talvez seja muito ingênuo, do ponto de vista exegético e
da teologia bíblica, afirmar que essas cartas são as heranças dos
apóstolos Pedro, Tiago e João. Não podemos simplificar as coisas
assim. Afirmar que os textos atribuídos ou que levam os nomes
dos outros apóstolos ou discípulos são deles mesmo é deixar de
considerar muitas questões e muitas dificuldades. Os inícios do
cristianismo foram muito complexos, como são complexos os mo-
vimentos humanos e culturais. A clareza da mensagem cristã ainda
não tinha atingido sua plenitude, e a unidade com o judaísmo era
muito forte.
Jesus Cristo foi um judeu; os apóstolos foram judeus; as pri-
meiras comunidades eram de origem judaica; e a argumentação
fundamental a respeito de Jesus e de seu Evangelho tinha como
pano de fundo as promessas cultivadas no Judaísmo. É o apóstolo
Paulo quem dá passos decisivos para uma mudança substancial.
Ele é apenas um pregador; seguramente, o maior pregador de seu
tempo: atuava na Ásia Menor, na Grécia e, depois, em Roma. Seus
18 © Cartas aos Hebreus e Católicas

escritos iam se difundindo e seu pensamento fazia adeptos além


dos limites das comunidades judaicas.
O judaísmo, por sua vez, paralelamente à atuação de Paulo,
continuou sendo tocado e questionado pelo anúncio do Evange-
lho. As respostas que surgiam vinham não de raciocínios ou de
considerações teológicas, muito menos filosóficas. Elas nasciam
da experiência concreta das comunidades e dos indivíduos. Mes-
mo com as redes romanas de comunicação terrestre, haviam os
limites de espaço e tempo para a difusão das ideias. Em muitos
lugares, o judaísmo não via com bons olhos essa nova corrente de
pensamento, essa “seita” chamada de cristianismo.
Em contrapartida, muitos grupos judaicos simpatizavam com
o Evangelho e desejavam fazer uma síntese. Aliás, não devemos
pensar que isto fosse um problema claro para os que o viviam. A
questão não era, como dissemos, puramente conceitual. Era uma
questão de prática: como ser judeu e seguir novas determinações,
frutos do seguimento de um judeu inspirado − Jesus − que foi sen-
tenciado em Jerusalém pelo poder romano e que era seguido por
muitos, de diversas orientações e tendências? Haveria conflito?
Seria possível ser cristão e seguir a Torá, a lei dos judeus?
Vemos as respostas a estas e a outras questões aparecendo
nas Cartas Católicas e na Carta aos Hebreus. Não são respostas
acadêmicas, teóricas, mas, sim, práticas. Talvez, na Carta aos He-
breus, as soluções, feitas em forma de propostas, são as mais cla-
ras e com maior nível de elaboração teológica. Mas, no geral, são
respostas e propostas nascidas da experiência concreta.
A leitura dessas cartas vai formar novos quadros conceituais,
novas impressões e, até mesmo, surpresas. É mais comum servir-
-se do Corpus Paulinum para o conhecimento da proposta cristã.
A Carta aos Hebreus e as Cartas Católicas apresentam argumentos
interessantes e nos farão compreender ou, pelo menos, intuir a
complexidade do cristianismo original, do qual somos hoje herdei-
ros. A leitura desses textos é muito interessante, embora alguns

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 19

trechos e até obras inteiras possam nos surpreender, pois é muito


diferente do que se lê no Novo Testamento.
Pensemos aqui na visão de adesão ao Mistério de Jesus e no
resultado disto na visão da Carta de Tiago. Parece muito diferen-
te do que lemos no Corpus Paulinum, especialmente na Carta aos
Romanos. Pensemos, também, na Segunda Carta de Pedro, que é
completamente diferente da Primeira Carta de Pedro e dos outro
escritos. A Carta de Judas é tão diferente de outros escritos e tão
reduzida em argumentos que parece nem ser citada normalmen-
te.
A Carta aos Hebreus é assim chamada desde muito cedo. É
um escrito que centraliza em Jesus Cristo, identificado como supe-
rior aos anjos e a Moisés, a importância de tudo e o sentido das Es-
crituras. Nela, são apresentados heróis da fé, que, pela argumen-
tação apresentada, levam à espera da figura que reconhecemos
como Messias em Jesus.
A Carta aos Hebreus é uma carta cheia de surpresas e com
elementos muito interessantes. Podemos, inclusive, considerá-la
um resumo do jeito de ser e de pensar do Antigo e do Novo Tes-
tamento. Pode ser uma espécie de “grande conclusão” da Bíblia.
Portanto, a importância de ler e sentir o texto.
A Carta de Tiago é um escrito curioso. Tudo nela é curio-
so, começando pela identificação do tal Tiago, seu suposto autor.
Quem é ele? Será um apóstolo? Há dois “Tiagos” no grupo dos
apóstolos. Mas poderia ser outro Tiago. Paulo, em 1ª aos Corín-
tios (15), quando fala do testemunho de Jesus Cristo ressuscitado,
apresenta uma aparição de Jesus a Pedro e, depois, aos Doze, que
são os apóstolos, e, em seguida, a outros discípulos −, em desta-
que, a um tal Tiago. Parece que esse Tiago será um líder muito
importante em Jerusalém. Mas quem é ele? Será ele o autor da
carta que leva seu nome? E a questão da justificação: o que justifi-
ca, isto é, santifica, torna feliz o ser humano é a fé ou são as obras?
Há contradição nisto? Tais questionamentos são tão importantes
20 © Cartas aos Hebreus e Católicas

que já se disse que o motivo da separação das Igrejas no ociden-


te, a chamada Reforma Protestante, tem muito a ver com o modo
de ler essa carta. Vamos ver o que podemos descobrir da leitura
desse texto.
Temos, na sequência, as duas Cartas de Pedro. A primeira
é muito interessante e nos ajuda a compreender o cristianismo
das origens e o modo de ver uma parte dele. Essa Primeira Carta
de Pedro parece mais uma homilia batismal: uma exposição dos
motivos de crer em Jesus Cristo e como se adere a Ele e à sua Men-
sagem, que é o Evangelho.
Já a Segunda Carta de Pedro é, inclusive, estranha pelas con-
denações ou ameaças que apresenta.
As três Cartas de João, em seu conjunto, compõem o único
caso, na Bíblia, de três textos atribuídos ao mesmo autor. Mas ex-
ceto a primeira carta, as outras são pequenos textos.
A Primeira Carta de João apresenta o tema do conhecimento
de Jesus Cristo sob um ponto de vista existencial. Deve-se conhe-
cer pela experiência concreta e pela vivência de seu Mistério. Es-
pecialmente, deve-se conhecer por meio da experiência do amor.
É uma carta muito interessante e que nos ajuda a muito compre-
ender do pensamento de João.
As outras duas cartas são bem curtas: na realidade, são bi-
lhetes que apresentam algumas recomendações para a vida e para
a história de cada um em contato com os irmãos.
Por fim, temos a Carta de Judas, que é composta de apenas
um capítulo, que apresenta argumentos relativos à conduta cristã
e às tensões muito próprias de quem segue o Mestre Jesus Cristo.
Ela apresenta elementos curiosos, inclusive misturados com tra-
dições judaicas tardias e pensamentos que fogem muito do que
costumeiramente se costuma ver no cristianismo e no Novo Tes-
tamento.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 21

O conjunto formado pela Carta aos Hebreus e pelas Cartas


Católicas é de notável importância para compor um quadro míni-
mo de compreensão do Novo Testamento e das origens do cris-
tianismo. O Corpus Paulinum é o local onde se encontram os mais
antigos testemunhos a respeito de Jesus Cristo e de sua obra salva-
dora. Mas essas cartas aqui analisadas deixam à mostra as outras
tendências que havia no cristianismo original.
As possibilidades de compreensão do fenômeno cristão ten-
dem a aumentar com a leitura e o estudo de Hebreus e das Cartas
Católicas. É conveniente a sua leitura sistemática, acompanhada
de um indicador temático, como o que aqui apresentamos, ou um
comentário teológico.
O cristianismo não pôde restringir-se nem à proposta de
Paulo nem à proposta de outras correntes mais abertas ou mais
fechadas. Ele é a adesão a Jesus Cristo, morto e ressuscitado. As
consequências éticas que daí derivam são parte da herança teoló-
gica e literária que encontramos nas cartas em questão.
Para concluir essa pequena introdução à Carta aos Hebreus e
às Cartas Católicas, afirmamos que o conhecimento desses textos,
em um processo de fé e de adesão ao Mistério de Jesus Cristo, é
um passo importante e que deve ser seriamente considerado no
conjunto dos estudos teológicos. A devida importância ao estudo
dos Evangelhos, de Atos dos Apóstolos e das Cartas de Paulo, bem
como do Apocalipse, não pode marginalizar a Carta aos Hebreus
e as Cartas Católicas. Elas são parte da história do cristianismo e
compõem a compreensão de Deus dos primeiros pais na fé e no
seguimento do Senhor.

Glossário de Conceitos
Este glossário permite a você uma consulta rápida e preci-
sa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio
dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento
dos temas tratados na disciplina Carta aos Hebreus e Católicas.
22 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos desta dis-


ciplina:
1) Comunidades/Igrejas primitivas: foram os primeiros
grupos, relativamente organizados, de discípulos de Je-
sus e de discípulos dos discípulos de Jesus. Não havia, no
início, a consciência de que eles estavam formando ou-
tro grupo, mas isto foi se formando aos poucos. Na Carta
aos Hebreus e nas Cartas Católicas, vemos uma espécie
de transição: de grupos ligados ao judaísmo, passa-se a
grupos centrados em Jesus Cristo, em sua Pessoa e em
sua Missão. Alguns textos apresentam uma consciência
grande de um novo caminho, distinto do judaísmo. Ou-
tros textos estão muito dependentes do judaísmo e de
suas estruturas. Isto indica que as obras analisadas nesse
estudo estão no período da transição entre as comuni-
dades cristãs marcadas pelo judaísmo e as comunidades
distintas deles.
2) Corpus Paulinum: é o conjunto dos textos de autoria ou
atribuídos ao apóstolo Paulo. Isto já foi estudado na dis-
ciplina Atos dos Apóstolos e Cartas Paulinas.
3) Epístola e carta: usamos essas duas palavras como sinô-
nimas e dependentes uma da outra. Também no caso
das cartas em questão, falamos ora “carta” aos Hebreus,
ora “epístola” aos Hebreus. O uso é, na prática, indife-
rente, mas pode ser melhor precisado, especialmente,
por um motivo metodológico: a índole do escrito. Por
“carta”, entende-se uma composição mais espontânea,
coloquial, sem grandes preocupações com o estilo ou
mesmo com o conteúdo. É um escrito de momento, de
situação concreta, não preparado ou pensado longa-
mente. Encontra-se no Dicionário Houaiss entre as defi-
nições para “epístola”: “composição poética em verso ou
prosa de temática variada, composta em feitio de carta”
(s/d). Já entre as definições para “carta”: “mensagem,
manuscrita ou impressa, a uma pessoa ou a uma orga-
nização, para comunicar-lhe algo” (s/d). Pode-se intuir
que as expressões não são, como muitas vezes se suge-
re, equivalentes. Elas são complementares.

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© Caderno de Referência de Conteúdo 23

4) Evento Jesus Cristo e Comunidades/Igrejas primitivas:


Embora a expressão “Evento Jesus Cristo” não apareça
com muita frequência nesse estudo, ele está presen-
te em todo momento. Por Evento, entende-se um fato
que aconteceu no passado e definiu a história seguinte,
mantendo suas marcas em todo o tempo e sendo ainda
vivamente sentido e proposto. O Evento Jesus Cristo é o
anúncio de sua Encarnação, da pregação do Evangelho
e da Ressurreição. É sobre esses pontos que os escritos
do Novo Testamento são apresentados aos seus leitores.
5) Homilia: pregação em estilo familiar que busca explicar
um tema ou texto evangélico. Tais definições são apenas
fundamentais, não decisivas do ponto de vista neotesta-
mentário e teológico.
6) Dispersão: diz-se, também, “diáspora”. Trata-se do con-
junto de fiéis judeus que deixaram a terra da Palestina
em função das perseguições e dificuldades do período
grego de dominação. No caso em questão − a palavra
aparecendo em um escrito cristão − quer significar os
discípulos de Jesus, que, assim como os antigos judeus,
estão espalhados pelo mundo de então. Esses discípulos
podem também ser identificados como judeu-cristãos.
7) Encíclica: é uma carta-circular, um documento feito com
um tema, isto é, um argumento central de importância
comum a muitas ou a todas as Igrejas, e que apresen-
ta uma proposta ou uma série de princípios que devem
ser observados ou valorizados. As encíclicas ou as car-
tas encíclicas, como também são chamadas, são um dos
modos de comunicação do Magistério do Papa para com
toda a Igreja.
8) Hapax legomena: são palavras ou expressões que apa-
recem uma única vez em um texto bíblico. Podem, tam-
bém, ser únicos em todo o texto bíblico. Os hapax lego-
mena dão muito a entender a respeito da redação de
um texto, de suas influências, suas dependências e suas
independências.
9) Eulogia: significa “palavra boa”. O sentido é o de uma
bênção, um elogio, uma boa notícia ou uma ação de gra-
ças.
24 © Cartas aos Hebreus e Católicas

10) Homilia: é um discurso de exortação, de instrução, de


ânimo, dito em ambiente litúrgico. Atualmente, a homi-
lia acontece em praticamente todas as celebrações litúr-
gicas, em especial, nos sacramentos. Na Antiguidade,
as homilias eram momentos de intensa catequese, nas
quais os famosos pregadores apresentavam sua inter-
pretação da Escritura, bem como a doutrina que os fiéis
deveriam seguir.
11) Neófito: são os recém-batizados, os que há pouco fo-
ram introduzidos no Mistério de Jesus Cristo. Quando a
pessoa está se preparando para o Batismo, ela é um ca-
tecúmeno. Quando esta já foi batizada, passa a ser um
neófito. Essa condição não tem tempo determinado de
duração.
12) Parenética/Parênese: é uma exortação moral ou, tam-
bém, uma defesa de princípios, o que pode seguir a ideia
de apologia. Exortações parenéticas são, portanto, exor-
tações de índole moral, ética.
13) Perícope: trecho da Escritura tanto do Antigo quanto
do Novo Testamento, com início, meio e fim e com ar-
gumentação coerente.Gnosticismo: é uma doutrina de
índole filosófica que se caracteriza pela compreensão,
pelo conhecimento da natureza, da história e, especial-
mente, do homem. O Evangelho segundo João teve di-
ficuldades em ser aceito pelas Igrejas em razão das co-
notações gnósticas que apresentava. Na realidade, João
deseja combater esta doutrina que identificava o conhe-
cimento como o passo mais importante do ser humano.
No gnosticismo, é o conhecimento que salva. Para obtê-
-lo, é necessário ser iniciado, apresentado a segredos e
adquirir uma realidade nova de vida

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-
quema dos Conceitos-chave da disciplina. O mais aconselhável é

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 25

que você mesmo faça o seu esquema ou, até mesmo, seu mapa
mental. Esse exercício é uma forma construir seu conhecimento,
ressignificando as informações com base em suas próprias percep-
ções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende--
-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em
esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir seu conhe-
cimento de maneira mais produtiva e, assim, obter ganhos peda-
gógicos significativos em seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar, tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação, o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na
ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que estabe-
lece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos concei-
tos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas
ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos
de ancoragem.
Tem-se de destacar que “aprendizagem” não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para tanto, é importante
considerar as entradas de conhecimento e organizar bem os mate-
riais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos con-
ceitos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma
vez que, ao fixar esses conceitos em suas já existentes estruturas
cognitivas, outros serão também relembrados.
26 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você


o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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© Caderno de Referência de Conteúdo 27

TEOLOGIA BÍBLICA NOVO


TESTAMENTO
Compreensão do JESUS
Texto. Atualização. CRISTO
Aplicação ética, etc.
NOVO
TESTAMENTO

Textos Narrativos
Evangelhos Sinóticos
Evangelhos segundo João
Atos dos Apóstolos

Epístolas Paulinas
Textos Epistolares Corpus Paulinum
(Cartas)
Carta aos Hebreus
Cartas Católicas
Apocalipse

Hebreus
Literatura
Estrutura Tiago

Teologia 1 e 2 Pedro
Perspectivas
1, 2 e 3 João
éticas
Judas
Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Carta aos Hebreus e Católicas.

Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes desse estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
um e outro conceito desta disciplina e descobrir o caminho para
construir o seu processo de ensino-aprendizagem.
O sentido é este: a Teologia Bíblica, que é parte da ciência
Teologia, está dividida em dois pontos principais (há outros, mas
não os veremos nesta disciplina): Antigo Testamento e Novo Tes-
tamento. Ambos têm Jesus Cristo como centro, direção ou fun-
28 © Cartas aos Hebreus e Católicas

damento. O Antigo Testamento aponta para alguém especial, que


deveria dar sentido a tudo, e o Novo Testamento é o testemunho
escrito de quem viveu ou experimentou esse alguém especial, que
se crê e confessa ter sido Jesus. Para a compreensão da mensagem
de Jesus Cristo ou sobre Jesus Cristo, temos, no Novo Testamento,
os textos narrativos, os textos epistolares e os textos apocalípticos.
O que nos interessa neste estudo são os textos epistolares. Eles
são divididos em Corpus Paulinum, ou o conjunto dos escritos de
Paulo ou atribuídos a ele e as outras cartas. Elas são chamadas de
“Cartas Católicas”. São as Cartas aos Hebreus, de Tiago, duas de
Pedro, três de João e uma de Judas. O estudo delas está em função
de compreender a seu respeito os seguintes aspectos: Literatura,
Estrutura, Teologia e Perspectivas éticas.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EAD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha ou abertas com respostas objetivas ou dis-
sertativas. Vale ressaltar que se entendem as respostas objetivas
como as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles
que exigem uma resposta determinada, inalterada.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-la pode ser uma forma de você avaliar o seu conheci-
mento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes ao
assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final,
que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 29

de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida


para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas (as de múltipla escolha e as abertas objetivas).

As questões dissertativas obtêm por resposta uma interpretação


pessoal sobre o tema tratado. Por isso, não há nada relacionado a
elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o
seu tutor ou com seus colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos da disciplina, pois relacionar aquilo que está no campo vi-
sual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo desta disciplina convida você a olhar, de forma
mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser
humano. É importante que você se atente às explicações teóricas,
práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunica-
ção, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois,
ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa, per-
mite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a
ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Observar é,
portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade.
30 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Você, como aluno dos Cursos de Graduação na modalidade


EAD e futuro profissional da educação, necessita de uma formação
conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda
do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação
com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo
e realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto
para ajudar você.

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EAD
Cartas Católicas
e Novo Testamento

1. OBJETIVOS
• Compreender a situação do cânon do Novo Testamento e
a sua importância no conjunto da Escritura cristã.
• Considerar os critérios de inspiração e de canonicidade
para o entendimento da formação do cânon neotesta-
mentário.
• Compreender e estudar os momentos histórico, religio-
so e social da redação da Carta aos Hebreus e das Cartas
Católicas.
• Conhecer e introduzir o estudo da Carta aos Hebreus e
das Cartas Católicas, pontuando sua oportunidade e sua
necessidade.
32 © Cartas aos Hebreus e Católicas

2. CONTEÚDOS
• Conceitos fundamentais de inspiração e canonicidade.
• Situação da Igreja na gênese das Cartas Católicas.
• Correntes teológicas.
• Heranças diversas na origem da Carta aos Hebreus e das
Cartas Católicas.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) O tema da identificação das cartas ou epístolas é muito
interessante. Depois de lê-las, sugerimos que você faça,
por sua conta, uma identificação dos padrões literários
delas, determinando alguns aspectos presentes nesses
escritos e acrescentando a esse pequeno conjunto ou-
tras configurações que lhe pareçam adequadas.
2) Sugerimos, também, que você faça uma pesquisa na
própria Bíblia, usando um recurso que normalmente
está presente em quase todas as suas edições. Geral-
mente, no final do volume da Bíblia, está colocado o
chamado “vocabulário bíblico”, “índice temático” ou ou-
tros nomes que sugiram uma relação de termos bíblicos
e suas explicações. Nessa lista, pesquise tais vocábulos e
expressões: "carta", "epístola", "judaísmo", "mesa" (ou
"sentar-se à mesa") e “Nova Aliança".
3) Uma obra de fôlego a respeito do cristianismo que pode
ser oportunamente consultada é: CROSSAN, J. D. O nas-
cimento do cristianismo: o que aconteceu nos anos que
se seguiram à execução de Jesus. São Paulo: Paulinas,
2004.
4) Você pode consultar um interessante comentário sobre a
formação do cânon do Novo Testamento, em especial no
que diz respeito às cartas. Ele encontra-se em: DUPONT-
ROC, R. O texto do Novo Testamento. In: MARGUERAT,

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 33

D. Novo Testamento: história, escritura e teologia. São


Paulo: Loyola, 2009, p. 607-634.
5) Uma obra muito interessante que aborda os assuntos
tratados nesta unidade é: DUNN, J. D. G. Unidade e di-
versidade no Novo Testamento: um estudo das carac-
terísticas dos primórdios do cristianismo. Santo André:
Academia Cristã, 2009.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A disciplina que se inicia tem como objeto de análise uma
parte significativa dos livros do Novo Testamento. Referimo-nos à
Carta aos Hebreus e às Cartas Católicas.
O título “Carta aos Hebreus” é tradicional e consta dos ma-
nuscritos antigos. Tal escrito é assim conhecido e, durante muito
tempo, fora atribuído ao apóstolo Paulo. Hoje não há mais essa
atribuição. Sua posição no cânon do Novo Testamento é particular,
pois, não sendo paulina, também não pertence à categoria das Car-
tas Católicas, embora seja frequentemente analisada com elas.
A bastante comum expressão “Cartas Católicas" evidencia o
destinatário dos textos que estão sob essa denominação. O termo
“católico" significa "universal", “amplo”, “para o mundo” ou “do
mundo”, sendo esse mundo o espaço geográfico ou humano (sem
a conotação negativa de contraposição a "espírito"). Alguns dizem
"Cartas Universais" para não usar a palavra “católicas”, pois isto dá
a entender que os escritos são de posse ou uso de uma confissão
cristã − no caso, a Igreja Católica de Rito Latino. Esta não parece
ser a melhor solução; por isso, aqui usaremos a expressão consa-
grada “Cartas Católicas”.
É comum, como já notamos anteriormente, que a Carta aos
Hebreus seja analisada com o grupo das Cartas Católicas. É o que
faremos no presente estudo.
34 © Cartas aos Hebreus e Católicas

A Carta aos Hebreus e as Cartas Católicas ocupam espaço


significativo no cânon do Novo Testamento. Este, por sua vez, é
composto por 27 livros, estes podendo ser divididos da seguinte
maneira:
Textos narrativos
Evangelho segundo Mateus
Evangelho segundo Marcos
Evangelho segundo Lucas
Evangelho segundo João
Atos dos Apóstolos

Cartas ou Epístolas
Corpus Paulinum (13 cartas)
Carta aos Romanos
Carta 1 aos Coríntios
Carta 2 aos Coríntios
Carta aos Gálatas
Carta aos Efésios
Carta aos Filipenses
Carta aos Colossenses
Carta 1 aos Tessalonicenses
Carta 2 aos Tessalonicenses
Carta a Filêmon
Carta 1 a Timóteo
Carta 2 a Timóteo
Carta a Tito
Carta aos Hebreus (uma carta)
Cartas Católicas (sete cartas)
Carta de Tiago
Carta 1 de Pedro
Carta 2 de Pedro
Carta 1 de João
Carta 2 de João
Carta 3 de João
Carta de Judas
Livro apocalíptico

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 35

Apocalipse
Dos livros que compõem o Novo Testamento, 21 são cartas
ou epístolas. Destas, 13 são de autoria paulina ou atribuída a Pau-
lo. Os outros oito livros são parte importante do cânon neotesta-
mentário.
Não é o caso de comparar, muito menos de medir, a impor-
tância do Corpus Paulinum, o conjunto das cartas paulinas, e das
Cartas aos Hebreus e Católicas. Cada grupo de escritos tem sua
importância e aponta para situações específicas. Cabe aos leito-
res, de todos os tempos e de todos ambientes, compreender sua
mensagem e saber extrair dos escritos o que de melhor eles ofe-
recem.
A respeito dessas afirmações, é notável que as Cartas Ca-
tólicas não sejam muito evidentes no dia a dia de uso da Bíblia.
Os motivos são vários, tais como: o desconhecimento das mesmas
cartas, a proeminência da mensagem de Paulo sobre os outros es-
critos epistolares, a atualidade ou a praticidade das cartas paulinas
etc.

ATENÇÃO!
O modo e a sequência dos livros do Novo Testamento não são os
mesmos em todas as edições da Bíblia, especialmente se consi-
derarmos as edições mais antigas. Sugerimos, portanto, que você
pesquise em bibliotecas algumas edições antigas e veja como o
cânon é organizado.

5. AS CARTAS CATÓLICAS E O NOVO TESTAMENTO


Jesus Cristo é o centro do Novo Testamento. Este é a expres-
são de fé em Jesus, em sua Pessoa e em sua Missão. É o testemu-
nho (em grego, martiria) dos primeiros seguidores de Jesus e de
seus discípulos de segunda e terceira gerações. Conforme afirmou
o Concílio Ecumênico Vaticano II no importante documento sobre
a Revelação Divina Dei Verbum:
36 © Cartas aos Hebreus e Católicas

O cânon do Novo Testamento contém igualmente além dos quatro


Evangelhos, as Epístolas de S. Paulo e outros escritos apostólicos
redigidos por inspiração do Espírito Santo, com os quais, segundo o
plano da sabedoria divina, é confirmado o que diz respeito a Cristo
Senhor, é explicada mais e mais a sua genuína doutrina, é pregada a
virtude salvadora da obra divina de Cristo, são narrados os começos
da Igreja e a sua admirável difusão, e é anunciada a sua consuma-
ção gloriosa.

Como visto anteriormente, os livros do Novo Testamento po-


dem ser divididos em três seções ou classes: textos narrativos, tex-
tos epistolares e Apocalipse. Tais escritos compõem um conjunto
rico de imagens, de relatos de fatos e de apresentações de pessoas
que se entrelaçam, completam-se, acrescentam e até demonstram
diferenças interessantes nos modos de ver, sentir e propor a fé.
Quando nos referimos a essas classificações, não queremos
abordar o gênero literário, que é outro aspecto importante dos
textos. Essa questão da nomenclatura de tais gêneros encontra
certas dificuldades nos estudos bíblicos. Fazemos essa divisão
em razão da praticidade e enfocando o fundamental dos textos: a
identificação de algo como sua "roupagem final". Segundo a classi-
ficação apresentada, os textos narrativos englobam os evangelhos.
Um evangelho é um gênero literário composto de muitos outros
gêneros literários. Uma carta ou epístola pode ter um texto descri-
tivo, uma narração ou um poema. Estes, por sua vez, são gêneros
literários. Portanto, o desejo aqui é demonstrar a índole dos gru-
pos de texto e a sua articulação interna com os textos semelhan-
tes, bem como o significado e a importância externa na força de
seu anúncio.

Textos narrativos
Por textos narrativos, entendem-se aqueles que têm uma
sequência de histórias e fatos para descrever e de pessoas para
apresentar. Há um enredo, uma trama, um desenvolvimento.
Contudo, um texto narrativo não é, fundamentalmente, um
texto biográfico. Os evangelhos não são − nem nunca foram − bio-

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 37

grafias de Jesus. Da mesma forma, o livro Atos dos Apóstolos não


é uma descrição jornalística, um diário da Igreja primitiva, um re-
gistro de fatos e de pessoas.
Um texto narrativo basicamente é, na complexidade de
gêneros que apresenta e em que é formado, uma declaração de
intenções, uma apresentação teológica, uma história em que as
evidências não são os personagens, mas, sim, as intervenções de
Deus na história.
No Novo Testamento, os textos narrativos estão presentes
nos quatro evangelhos e no livro Atos dos Apóstolos. Encontram--
-se, nesses livros, diversos gêneros textuais: genealogia, anúncio,
relatos de milagres e de sinais, poesias, teofanias, testemunhos da
paixão e de encontros com O Ressuscitado etc. Todos esses tipos
de escritos servem ao livro e formam um tecido narrativo de ex-
pressões múltiplas.
Esse modo de apresentar os argumentos surgiu da neces-
sidade em deixar claro o que aconteceu no passado, envolvendo
pessoas e circunstâncias já longes no tempo. Pode-se dizer que os
textos narrativos aparecem em razão da necessidade de aproximar
as novas gerações dos eventos originais, dos personagens que for-
maram os primeiros passos da experiência que agora todos vivem.
Em outras palavras, tais textos "nascem" quando os testemunhos
originais estão “morrendo”.
É significativo o fato de que os evangelhos e o livro Atos dos
Apóstolos foram escritos após a maioria das cartas paulinas. Se-
guramente, eles foram escritos após as cartas protopaulinas. Es-
sas cartas paulinas e, até mesmo, as deuteropaulinas não se pre-
ocupam com a grande maioria das argumentações presentes nos
evangelhos e em Atos dos Apóstolos. Os motivos ou as intenções
que levaram à redação do chamado “Corpus Paulinum” não são os
mesmos que levaram à escrita dos evangelhos. As diferenças são
ditadas pelas situações históricas concretas que envolviam seus
autores, bem como as comunidades originais que as recebiam e
38 © Cartas aos Hebreus e Católicas

aqueles que, eventualmente, as partilhavam. Diferenças podem


ser encontradas, inclusive nos próprios textos narrativos, quando
comparados internamente.
Vejamos o evangelho de redação mais seguramente antiga:
o de Marcos. Neste, não se encontra um relato de anunciação nem
uma descrição de fatos surpreendentes relativos a Jesus, seja jo-
vem, seja criança. A entrada em cena de Jesus é, praticamente,
abrupta: Ele vem de Nazaré da Galiléia e é batizado por João Batis-
ta no Rio Jordão (Mc 1,9); é assim descrito, sem uma contextuali-
zação prévia. Se há algo como uma contextualização, esta é relati-
va a João Batista, fato que vem ao encontro do projeto literário do
Evangelho de Marcos: a declaração do profetismo de Jesus, herda-
do de João Batista − sinal da maturidade dos tempos messiânicos.
Já no Evangelho segundo Mateus, encontramos algo diferen-
te: a identidade judaica de Jesus é intensamente declarada. Ele
está inserido na história de Israel desde os mais longínquos tem-
pos patriarcais (Mt 1,1-2) até um digno e justo descendente de
Davi (Mt 1,16). Ele é anunciado ao justo José (Mt 1,18-25) e nasce
em Belém da Judéia, cumprindo, assim, as expectativas judaicas
(Mt 2,1). Deve ir ao Egito, refazendo o caminho dos antigos pa-
triarcas que para lá desceram (Mt 2,12-15) e depois retornar à Ter-
ra Prometida − assim como o fez Moisés com o povo que saía da
escravidão (Mt 2,19-23) −, assumindo a humilde origem galilaica.
Vários são os sinais de maturidade na narrativa de Mateus quando
a comparamos à de Marcos. Também, o foco de atenção, ou seja,
os ouvintes originais imaginados em Mateus, são, conforme se ob-
serva pelas tradições do texto, os judeus.
Em Lucas, encontra-se, também, uma visão e uma descrição
das origens de Jesus, porém, sob outro foco narrativo e com ou-
tros personagens. As referências à Maria e à humanidade de Je-
sus inserem-no no ambiente amplo da humanidade. Ele é quem
dá sentido e rumo para o conjunto das culturas humanas, embora
esteja nas expectativas judaicas, fato esse que não passa desper-
cebido.

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 39

Comparando-se os textos narrativos de Mateus e de Lucas


com aquele texto de Marcos, nota-se um crescendo no tecido nar-
rativo. As poucas indicações aqui apresentadas são, apenas, as mais
evidentes para termos de distinção. O próprio desenvolvimento da
narração é diferente: em Marcos, os episódios são mais individuais
e se sucedem rapidamente, isto é, são rápidos na descrição e nas
consequências. Já em Mateus e em Lucas, nota-se uma valoriza-
ção maior das pessoas e dos fatos e uma maior desenvoltura das
narrações.
Entretanto, se olharmos para João, veremos uma maturida-
de ainda maior. Nos últimos anos do século 1º, as dúvidas e os
erros a respeito da Pessoa de Jesus já apareceram e deram traba-
lho aos discípulos dos discípulos de Jesus. É necessário declarar a
identidade divina de Jesus com mais intensidade, com a profundi-
dade que lhe é devida. Então, tem-se o magnífico prólogo de João,
que não se limita às origens judaicas ou humanas de Jesus, mas o
relaciona com o Verbo, a Palavra Eterna do Pai, apresentando-o
como o Eterno Filho.
Essas diferenças, aqui, apenas esboçadas, vão deixando à
mostra os tempos diversos dos escritos e os argumentos que eram
apresentados aos leitores originais. Era necessário contar as histó-
rias que poderiam ser esquecidas, pois os testemunhos oculares
estavam desaparendo. Dessa maneira é que surgiram os textos
narrativos.

Textos epistolares
As cartas não nascem da necessidade de expor a história.
Quem a vivenciou está próximo, acompanha a comunidade e pode
contar como foram os fatos e como eram as pessoas. Elas devem
orientar as comunidades e as pessoas singulares em função de
suas escolhas, de suas ações e do modo de se organizarem. Tais
cartas não são, em sua grande maioria, uma literatura pensada,
bem elaborada. São esporádicas, sem muitos esquemas preesta-
belecidos, exceto aqueles próprios do gênero epistolar.
40 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Mas não é por essa aparente simplicidade que as cartas dei-


xam de expressar as circunstâncias eclesiais e os pensamentos
teológicos à época. De fato, as cartas mostram por meio de seus
argumentos as tendências, as tensões e, até mesmo, as divergên-
cias que havia nas comunidades primitivas e nos grupos que se
reuniam em torno às ideias de Jesus e de seu seguimento.
Podemos identificar as cartas sob os seguintes aspectos:
1) Comunicação de princípios ou de experiências funda-
mentais de um personagem para uma pessoa ou uma
comunidade que, com este, tem alguma forma de rela-
cionamento.
2) Apresentação de argumentos doutrinais ou parenéticos
de um autor para uma pessoa ou um grupo de pessoas.
3) Comunicação afetiva de um personagem ao seu grupo
de origem ou a um grupo que com ele mantém depen-
dência ou deveria manter.
4) Informações ou exposições mais ou menos organizadas
de elementos teológicos ou de aspectos históricos de di-
versas índoles.

Cartas ou epístolas?
Há alguma dificuldade no uso dos termos "cartas" ou "epís-
tolas". Na liturgia latina pré-conciliar, havia o uso muito difundido
da palavra "epístola". O uso hodierno agora está em “carta”. O que
se pode perguntar é: essas obras são, efetivamente, "cartas" ou
"epístolas"?
Façamos a distinção que parece ser a mais adequada. Em-
bora as palavras “carta” e “epístola” possam ser equivalentes, elas
denotam realidades diferentes. A carta é um escrito de índole in-
formativa; é indicativa de fatos e transmissora de impressões. Ela
não consta de um plano literário elaborado, mas corresponde às
necessidades do momento de quem escreve.
Uma epístola, por sua vez, é uma obra escrita sob um plano
literário, que possui uma argumentação central e que visa a uma

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 41

construção conceitual específica, sendo que esta pode ser a trans-


missão de experiências, de expectativas, de propostas etc. Sob
essa delimitação, podemos dizer que o texto chamado “Romanos"
é uma epístola, pois ele segue esse esquema-estilo.
Então, todos os outros escritos do Novo Testamento que pos-
suem a mesma índole estão mais para cartas. Uma exceção pode
ser feita para as direcionadas aos Hebreus, que podem também
ser identificadas como epístolas, embora muitos autores as defi-
nam como “homilias”.
Portanto, posto tudo isto, ficamos com a seguinte prática:
chamaremos essas obras de “cartas” e usaremos, quando neces-
sário, o adjetivo "epistolar". Faremos isto com muita liberdade,
sabendo dos limites conceituais envolvidos, mas optando por ca-
minhar pela relativa simplificação de um tema que não é dos mais
importantes no conjunto.

6. SITUAÇÃO DA IGREJA DAS ORIGENS


Na gênese das Cartas Católicas
As décadas que sucederam o Evento Cristo foram tempos no-
táveis de experiência cristã e são a referência constante e fecunda
do ser e do viver no cristianismo. Logo após a Paixão, a Morte e a
Ressurreição de Jesus, iniciou-se, no círculo de discípulos, um mo-
vimento de testemunho e de afirmação da sua nova identidade.
Eles se identificavam com seu Mestre e Senhor e emocionavam-se
com o fato de tê-lo conhecido e seguido. Alguns o tocaram, o ouvi-
ram e foram ouvidos por Ele. O grupo dos apóstolos era privilegia-
do, pois viveu, cotidianamente, muito próximo a Ele.
Sua ausência súbita deixou em todos o desejo de torná-lo
conhecido entre aqueles que não o conheciam ainda. A partilha da
experiência com o Mestre reunia as comunidades. Aos poucos, os
discípulos mais destacados, isto é, os que foram nomeados após-
tolos, eram o centro das comunidades que se formavam para fa-
42 © Cartas aos Hebreus e Católicas

zer memória ao Senhor. O grupo dos discípulos ainda era minoria


absoluta no judaísmo, mas, aos poucos, ia se impondo e fazendo
notar sua opção.
O livro Atos dos Apóstolos tenta ser uma testemunha desse
tempo e desses personagens. Os apóstolos passaram a ter segui-
dores, e os grupos por eles formados foram caminhando à luz de
Jesus Cristo, partindo-se da experiência de alguém que o conheceu
e com Ele conviveu de alguma forma. Mas sempre há a referencia
às Escrituras judaicas. O grupo de discípulos que se ampliou aos
poucos é, ainda, um grupo fundamentalmente judaico, que vê em
Jesus o cumprimento das profecias e o sentido da esperança de
uma nova Israel. Nesse sentido, é significativa a questão levantada
pelos discípulos em Atos (1,6): “estando, pois, reunidos, eles assim
o interrogaram: ‘Senhor, é agora o tempo em que irás restaurar a
realeza em Israel?’”. A ideia do grupo, que, nos Atos dos Apóstolos,
é testemunhada por escrito, é de uma Israel renovada, com uma
realeza que vivencia a plenitude das promessas feitas aos pais, res-
tabelecida sobre as tribos e em meio às nações.
Os Atos dos Apóstolos, escritos após os Sinóticos e bem de-
pois das cartas paulinas, é um testemunho teológico do tempo
apostólico. Houve, necessariamente, uma elaboração histórica e
teológica para os fatos, os ditos e os personagens. Situações com-
plexas, que são, seguramente, frutos de diversos movimentos e de
várias interpretações dos ditos de Jesus, de Sua mensagem, trans-
mitida pelos seguidores e ao lado das Escrituras judaicas, foram
simplificadas e consignadas, de modo a fazer que tudo tivesse lógi-
ca e fosse facilmente compreendido por leitores que não viveram
naqueles tempos.
Um pequeno sinal disso tudo se encontra no episódio de
Estevão, descrito entre os capítulos 6-8 de Atos. Inicialmente, os
apóstolos, que não são claramente denominados, mas aparecem,
aqui, como um corpo coeso − o grupo dos Doze (vers. 2) −, convo-
cam a multidão, e não a Igreja, para solucionar a questão do ser-

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 43

viço e da organização, bem como do anúncio da Palavra. Eles não


tinham mais tempo para esse anúncio na medida em que tinham
de organizar a "multidão" ou o serviço às mesas. Então, foram es-
colhidos sete homens de boa reputação, repletos do Espírito e de
sabedoria, para que essa função do serviço às mesas fosse rea-
lizada (vers. 3-5). Depois de escolhidos e nomeados (vers. 5), os
apóstolos impuseram a eles as mãos (vers. 6). Têm-se, então, os
diáconos, que, decididamente, não são os que hoje a Igreja enten-
de por diáconos.

Nas Igrejas, sejam elas de ritos orientais, sejam de ritos ocidentais,


há o Ministério do Diaconato. Na Igreja de Rito Latino ou Igreja
Católica, o Ministério do Diaconato está fundamentalmente rela-
cionado à liturgia. Nos tempos apostólicos, esse ministério era em
função da organização das comunidades, o serviço de formação
e de assistência. Assim, não é adequado fazer um paralelo entre
os diáconos do Novo Testamento e os diáconos dos tempos mo-
dernos.

Em seguida, aparece destacada a figura de Estevão, homem


decidido a fazer o caminho de Jesus Cristo e a dar testemunho
dele. O versículo sete afirma: “Estevão, cheio de graça e de poder,
operava prodígios e grandes sinais entre o povo”. Tal fato é curioso,
pois ele deveria "servir às mesas"; ora, foi para isto que havia sido
escolhido como diácono. Mas lá estava ele, disposto a anunciar o
Evangelho de Jesus. Por conta de seu ímpeto e de sua decisão, foi
logo preso na perseguição iniciada por judeus de diversas origens.
Curiosamente, são oriundos dos locais citados na manhã de Pen-
tecostes. Agora, são opostos a Estevão.
Sua defesa foi brilhante e decisiva, fato que não o livrou da
condenação. A sentença foi de morte; como um fim, foi emocio-
nante, com a presença, vista por ele, de Jesus em glória (At 7,56).
Assim, Estevão dá o testemunho de Jesus Cristo. Mas atentemos
para isto: Estevão não é do grupo apostólico! É um diácono, um
discípulo dos apóstolos, dependente de seu testemunho. Não foi
44 © Cartas aos Hebreus e Católicas

um deles que foi martirizado e deu o testemunho com a vida, foi


um "menor" do que eles.
Seguramente, isto gerou uma espécie de crise interna. O tex-
to de Atos dos Apóstolos simplifica tudo com uma sequência narra-
tiva que une momentos e circunstâncias bem diversos. No sétimo
capítulo, versículo 60, conclui-se o martírio de Estevão: “depois,
caindo de joelhos, gritou em voz alta: ‘Senhor, não lhes leve em
conta este pecado’”. E, dizendo isto, adormeceu. Em seguida, tem-
se a menção a Paulo, ainda chamado Saulo: “ora, Saulo estava de
acordo com a sua execução” (At 8,1a).
Ainda no mesmo versículo, a sequência narrativa já estabe-
lece outro caminho: “naquele dia, desencadeou-se uma grande
perseguição contra a Igreja que estava em Jerusalém. Todos, com
exceção dos apóstolos, dispersaram-se pelas regiões da Judéia
e da Samaria” (vers. 1). Parece que, para resgatar a situação, os
apóstolos agora ficam em Jerusalém, prontos para o testemunho
que Estêvão já dera. Mas o que primeiro enfrentou a dificuldade
do seguimento do Senhor foi um que não era dos Doze.
Isto deve refletir a situação da Igreja das origens, aquela de
Jerusalém. As atitudes ainda não estavam coordenadas. Parece
que a perseguição que se seguiu ao martírio de Estevão pegou
a todos de surpresa, deixando à mostra uma realidade inespera-
da: a hostilidade à mensagem do Evangelho. Esperava-se que Is-
rael aceitasse Jesus Cristo como seu Senhor. Eles, os apóstolos e
os seguidores das primeiras horas, eram as testemunhas desse
novo tempo. Contudo, isto não aconteceu: Jerusalém não aceitou
a mensagem evangélica; as autoridades não souberam ver neles
uma esperança de futuro.
A perspectiva para um futuro entre os judeus, especialmente
em Jerusalém, não deveria ser muito estimulante. Também parece
que a capacidade de compreender os passos futuros da Igreja não
existia ainda, pois Pedro teve dificuldades em justificar-se perante
os cristãos de origem judaica quando da sua atitude em Jope, na
casa de Cornélio.
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© Cartas Católicas e Novo Testamento 45

Este é o tema do capítulo décimo de Atos: Pedro é chamado


para visitar um pagão, Cornélio. Ele entra em sua casa, toma con-
tato com ele e com outros pagãos e, por fim, se senta à mesa com
eles. Quando Pedro volta a Jerusalém, é questionado pelo grupo
dos apóstolos e irmãos (At 11,1) a respeito de sua conduta. Isto
não deixa de causar estranheza, pois, em Atos (1,8), lê-se: "mas
recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós,
e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a
Samaria, e até os confins da terra". Quem fala é Jesus, quando da
despedida de seus discípulos. Olhando esses dois lugares de Atos,
o que se pode imaginar é que ser testemunha não implica, neces-
sária ou diretamente, fazer discípulos "até nos confins da terra".
Após esse episódio, no qual Pedro precisa justificar-se, tem-
-se a notícia da fundação da Igreja em Antioquia (At 11,19ss). Essa
Igreja síria será o centro irradiador do cristianismo, base de Pau-
lo e promotora do crescimento da comunidade. A Igreja mãe, em
Jerusalém, não parecia muito adaptada às mudanças necessárias
para a difusão do Evangelho. Após esse evento em Antioquia, o
personagem volta a ser Pedro: ele é preso e, milagrosamente, sol-
to. Após a sua libertação, ele desaparece da trama narrativa de
Atos dos Apóstolos, aparecendo, apenas, no capítulo 15, quando
da Assembleia de Jerusalém, na qual ele novamente enfrentará a
questão dos gentios e sua entrada na Igreja.
O que está em jogo não é, simplesmente, a entrada ou não
dos gentios na Igreja. Curiosamente, é algo que, no modo de ver
moderno, pode ser até mesquinho: o ato de um judeu sentar-se à
mesa com um pagão. Isto implicava o reconhecimento de igualda-
de em comunhão. Como aceitar tal fato em uma mentalidade na
qual o judeu é parte de uma raça eleita, escolhida para seguir o
Santo, que é o Deus de Israel?
Ser “santo”, na mentalidade bíblica, é ser separado, isto é,
distinto de outros, especialmente distinto ou diferente de outros
deuses. Ele é o único em Israel; por isso, também é o povo único
46 © Cartas aos Hebreus e Católicas

de Deus, o que implica a diferença de relacionamentos com a so-


ciedade e a natureza: modos de alimentar-se, de relacionar-se, de
vestir-se, de fazer o culto. Tudo o que marca um judeu e deixa à
mostra sua identidade de membro da Aliança.
Sentar-se à mesa com um pagão era, para um judeu, compor
um quadro de conivência impensável para quem desejava seguir
os mandamentos da Torá. Impensável, pois implicava entrar em
comunhão com os opressores, os romanos de língua grega e de
outros lugares e outras influências.
A Igreja já começava a encontrar dificuldades na compreen-
são de sua própria missão antes mesmo de sua própria identidade.
O povo da Nova Aliança, fundamentada em Jesus Cristo e na expe-
riência de seu seguimento, não precisava estar sob os costumes da
antiga Aliança. Esta tivera seu valor − e seguramente ainda tinha,
mas Jesus Cristo superava tudo isto. Nesse ponto, foi fundamental
a intervenção de Paulo.
Mas esta não era a corrente única no cristianismo nascente.
Serão, justamente, as Cartas Católicas que darão a conhecer que
havia outros modos de pensar e vivenciar a fé em Jesus Cristo.

7. CORRENTES TEOLÓGICAS: HERANÇAS DIVERSAS


As Cartas Católicas e a Carta aos Hebreus são expressões de
correntes teológicas diversas daquela expressa pelo Corpus Pauli-
num. Sobressaem os modos de pensar e de propor o cristianismo
como algo paralelo ao judaísmo ou, até mesmo, como uma parte
constitutiva dele. Talvez seja muito ingênuo, do ponto de vista exe-
gético e da teologia bíblica, afirmar que essas cartas são as heran-
ças dos apóstolos Pedro, Tiago e João. O início do cristianismo foi
complexo, assim como são complexos os movimentos humanos e
culturais. A clareza da mensagem cristã ainda não atingira sua ple-
nitude, e a unidade com o judaísmo era muito forte.

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 47

Jesus Cristo foi um judeu; os apóstolos foram judeus; as pri-


meiras comunidades eram de origem judaica; e a argumentação
fundamental a respeito de Jesus e de seu Evangelho tinha como
pano de fundo as promessas cultivadas no judaísmo. É o apóstolo
Paulo quem dá passos decisivos para uma mudança substancial.
Ele é, apenas, um pregador, mas, seguramente, o maior pregador
de seu tempo: atuou na Ásia Menor, na Grécia e, em seguida, em
Roma. Seus escritos iam se difundindo e seu pensamento fazia
adeptos além dos limites das comunidades judaicas.
Contudo, o judaísmo continuou sendo tocado e questionado
pelo anúncio do Evangelho. As respostas que surgiam não vinham
de raciocínios ou considerações teológicas, muito menos filosófi-
cas. Elas nasciam da experiência concreta das comunidades e dos
indivíduos. Mesmo com as redes romanas de comunicação terres-
tre, havia os limites de espaço e tempo para a difusão das ideias.
Em muitos lugares, o judaísmo não via com bons olhos essa nova
corrente de pensamento, essa “seita” chamada “cristianismo”.
Em contrapartida, muitos grupos judaicos simpatizavam com
o Evangelho e desejavam fazer uma síntese. Aliás, não devemos
pensar que isto fosse um problema claro para os que o viviam. A
questão não era, como dissemos, puramente conceitual; era uma
questão de prática: como ser judeu e seguir novas determinações
que são frutos do seguimento de um judeu inspirado, sentenciado
em Jerusalém pelo poder romano e seguido por muitos, de diver-
sas orientações e de várias tendências? Haverá conflito? Será pos-
sível ser cristão e seguir a Torá?
Vemos as respostas a estas e a outras questões aparecendo
nas Cartas Católicas e na Carta aos Hebreus. Não são respostas
acadêmicas, mas práticas. Talvez, na Carta aos Hebreus, as solu-
ções, feitas em forma de propostas, são as mais claras e com o
maior nível de elaboração teológica. No geral, são respostas e pro-
postas nascidas da experiência concreta.
48 © Cartas aos Hebreus e Católicas

A leitura dessas cartas nos informará novos quadros concei-


tuais, novas impressões e, até mesmo, surpresas. É mais comum
servir-se do Corpus Paulinum para o conhecimento da proposta
cristã. A Carta aos Hebreus e as Cartas Católicas apresentarão ar-
gumentos interessantes e nos farão compreender − ou, pelo me-
nos, intuir − a complexidade do cristianismo original, do qual so-
mos herdeiros hoje.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais são as diferenças e semelhanças entre o Corpus
Paulinum e o grupo formado pela Carta aos Hebreus e
as Cartas Católicas?
2) Os textos narrativos evidenciam a história de índole te-
ológica. E os textos epistolares, apresentam o quê? Co-
mente sobre os dois gêneros de escrita presentes no
Novo Testamento.
3) Quais são as diferenças fundamentais entre as cartas e
as epístolas? Como podem ser chamados os textos atri-
buídos a Paulo e os textos analisados nesta disciplina?

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© Cartas Católicas e Novo Testamento 49

4) Lendo a história teológica apresentada nos evangelhos


e, sobretudo, no livro Atos dos Apóstolos, pode-se seguir
o desenvolvimento da Igreja primitiva e os seus primei-
ros desafios. Aponte alguns desses desafios ou proble-
mas que a Igreja das origens enfrentou.
5) No processo de formação do Novo Testamento, quais
textos foram produzidos primeiro? Por quê?
6) O Corpus Paulinum apresenta uma visão, ainda que não
organizada ou coerente, do ponto de vista dos argumen-
tos teológicos. De fato, as cartas de Paulo ou a ele atribu-
ídas eram ocasionais, não programadas, exceto a Carta
aos Romanos. Dentre as cartas chamadas “católicas”, há
pontos em comum ou cada uma enfoca um aspecto par-
ticular?
7) Descreva a tendência chamada "judaizante" presente
na Igreja das origens e, também, as diversas tendências
que despontam no grupo da Carta aos Hebreus e Cartas
Católicas.
8) Considerando os costumes judaicos e a tendência judai-
zante de parte da Igreja das origens, qual foi o grande
problema enfrentado pelos cristãos que, assim como
Paulo, estavam abertos à convivência com os pagãos
convertidos?
9) Como identificar o livro Atos dos Apóstolos em relação à
Igreja das origens e quais são suas intenções?
10) De modo geral, quais eram os interesses dos autores da
Carta aos Hebreus e das Cartas Católicas?

9. CONSIDERAÇÕES
O conjunto formado pela Carta aos Hebreus e pelas Cartas
Católicas é de notável importância para compor um quadro míni-
mo de compreensão do Novo Testamento e das origens do cris-
tianismo. O Corpus Paulinum é o local onde se encontram os mais
antigos testemunhos (martiria) a respeito de Jesus Cristo e de sua
obra salvadora. Mas essas cartas aqui analisadas deixam à mostra
as outras tendências existentes no cristianismo original.
50 © Cartas aos Hebreus e Católicas

As possibilidades de compreensão do fenômeno cristão ten-


dem a aumentar com a leitura e o estudo da Carta aos Hebreus e
das Cartas Católicas. Sua leitura sistemática é conveniente, acom-
panhada de um indicador temático, como aqui apresentamos.
O cristianismo não pôde restringir-se à proposta de Paulo
nem à proposta de outras correntes, sejam mais abertas, sejam
mais fechadas. O cristianismo é a adesão a Jesus Cristo, morto e
ressuscitado. As consequências éticas que daí derivam são parte
da herança literária que encontramos nas cartas em questão.
Na próxima unidade, conheceremos a Carta de Tiago. Então,
até lá!

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CROSSAN, J. D. O nascimento do cristianismo: o que aconteceu nos anos que se seguiram
à execução de Jesus. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulinas, 2004.
DUNN, J. D. G. Unidade e diversidade no Novo Testamento: um estudo das características
dos primórdios do cristianismo. Traduçao de José Roberto C. Cardoso. Santo André:
Academia Cristã, 2009.
DUPONT-ROC, R. O texto do Novo Testamento. In: MARGUERAT, D. (Org.). Novo
Testamento: história, escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo:
Loyola, 2009.

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