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HISTORIOGRAFIA E TEORIA

DA HISTÓRIA
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD
Historiografia e Teoria da História – Profa. Dra. Renata Cardoso Belleboni Rodrigues

Olá! Sou Renata Cardoso Belleboni Rodrigues, graduada em


História (Licenciatura e Bacharelado) pela UNESP de Franca
(1993-1996), mestre em História Social do Trabalho pelo IFCH –
Unicamp (1998-2001) e doutora em História Cultural pelo IFCH
– Unicamp (2001-2005).
E-mail: re.medusa@gmail.com

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Renata Cardoso Belleboni Rodrigues

HISTORIOGRAFIA E TEORIA
DA HISTÓRIA

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

907.2 C84h

Rodrigues, Renata Cardoso Belleboni


Historiografia e teoria da história / Renata Cardoso Belleboni Rodrigues –
Batatais, SP : Claretiano, 2013.
174 p.

  ISBN: 978-85-8377-071-8

1. O processo de mudanças nos paradigmas epistemológicos da historiografia:


alterações após a incorporação de novos temas, novos métodos e novas
linguagens pelos historiadores. 2. Vertentes teóricas do conhecimento histórico
pós-moderno: séculos XX e XXI. 3. A História enquanto narrativa. 4. A História
enquanto discurso. 5. A História enquanto literatura e ficção. 6. História e
Representação. I. Historiografia e teoria da história.

CDD 907.2

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Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO.............................................................................. 11

Unidade  1 – HISTORIOGRAFIA, TEORIA DA HISTÓRIA E RETROSPECTIVA


HISTORIOGRÁFICA
1 OBJETIVOS........................................................................................................... 29
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 29
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 29
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 35
5 O QUE É HISTORIOGRAFIA?................................................................................. 36
6 A HISTORIOGRAFIA NA ANTIGUIDADE ............................................................... 39
7 A HISTORIOGRAFIA NO MEDIEVO....................................................................... 42
8 A HISTORIOGRAFIA NOS SÉCULOS 18 E 19.......................................................... 43
9 O SÉCULO 20 E OS ANNALES............................................................................... 44
10 A NOVA HISTÓRIA............................................................................................... 45
11 TEXTO COMPLEMENTAR .................................................................................... 47
12 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 54
13 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 55
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 57

Unidade  2 – O PÓS-MODERNISMO: REAÇÃO E CONTRARREAÇÃO


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 59
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 59
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 59
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 63
5 A CRISE DOS PARADIGMAS HISTORIOGRÁFICOS................................................. 64
6 A MICRO-HISTÓRIA............................................................................................. 67
7 A NOVA HISTÓRIA CULTURAL.............................................................................. 69
8 TEXTO COMPLEMENTAR .................................................................................... 72
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 79
10 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 79
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 80
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 80

Unidade  3 – HISTÓRIA: DISCURSO, PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 83
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 83
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 83
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 85
5 HISTÓRIA E DISCURSO......................................................................................... 86
6 HISTÓRIA: PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES........................................................... 89
7 TEXTO COMPLEMENTAR .................................................................................... 99
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 106
9 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 107
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 108
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 108

Unidade  4 – O EFEITO FOUCAULT NA HISTORIOGRAFIA


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 111
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 111
3 SUGESTÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE......................................................... 111
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 116
5 DESPEDINDO DO PASSADO................................................................................. 117
6 ARQUEOLOGIA DO SABER, EPISTEME E DESCONTINUIDADE.............................. 118
7 MICROFÍSICA DO PODER..................................................................................... 120
8 OBRAS................................................................................................................. 121
9 AS CRÍTICAS A MICHEL FOUCAULT...................................................................... 122
10 TEXTO COMPLEMENTAR..................................................................................... 123
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 130
12 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 131
13 E-REFERÊNCIA..................................................................................................... 131
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 132

Unidade  5 – HISTÓRIA, NARRATIVA E FICÇÃO


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 133
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 133
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 134
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 137
5 A QUESTÃO DA NARRATIVA................................................................................. 137
6 HAYDEN WHITE: HISTÓRIA E FICÇÃO.................................................................. 139
7 TEXTO COMPLEMENTAR .................................................................................... 142
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 155
9 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 155
10 E-REFERÊNCIAS .................................................................................................. 156
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 157
Unidade  6 – PÓS-MODERNISMO: PARADIGMAS E CRISE
1 OBJETIVOS........................................................................................................... 159
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 159
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 159
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 160
5 CARACTERÍSTICAS DA HISTÓRIA PÓS-MODERNA................................................ 160
6 CRÍTICAS À HISTÓRIA PÓS-MODERNA ................................................................ 162
7 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 163
8 TEXTO COMPLEMENTAR..................................................................................... 164
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 171
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 172
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 173
Claretiano - Centro Universitário
EAD
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O processo de mudanças nos paradigmas epistemológicos da historiografia: alte-
rações após a incorporação de novos temas, novos métodos e novas linguagens
pelos historiadores; vertentes teóricas do conhecimento histórico pós-moderno:
séculos 20 e 21; a História enquanto narrativa; a História enquanto discurso; a
História enquanto literatura e ficção; História e Representação.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Seja bem-vindo ao estudo de Historiografia e Teoria da His-
tória!
Nos Cadernos de Referência de Conteúdos Metodologia da
História I e II, você foi apresentado a algumas correntes historiográ-
ficas, cuja última representante estudada foi a Escola dos Annales.
No entanto, você igualmente foi iniciado nas discussões pós-mo-
dernas. O intuito deste novo Caderno de Referência de Conteúdo é
aprofundar seus conhecimentos sobre as mudanças nos paradigmas
da História ocorridos no contexto da Nova História Cultural.
10 © Historiografia e Teoria da História

Muitos autores não foram selecionados para este nosso es-


tudo. São contribuições importantes que ficaram de fora do pa-
norama desenhado no decorrer das unidades. Porém, a despeito
dessas não escolhas, os conceitos, debates e estudiosos selecio-
nados para representar o período denominado pós-modernismo
exemplificam de forma muito pontuada as reflexões presentes nos
principais centros acadêmicos nacionais e estrangeiros
Como você poderá observar no decorrer do Caderno de Re-
ferência de Conteúdo, estudaremos temáticas essencialmente de-
batidas após as décadas de 1960/1970 em seis unidades.
Na primeira unidade iremos rever os conceitos de teoria e
historiografia e fazer uma retrospectiva historiográfica para con-
textualizá-lo nos novos debates. É importante ressaltar, desde já,
que se deverá ter em mente que as teorias dão forma à historio-
grafia. Em outras palavras, quando ocorre a historiografia ou a
escrita da história, o texto produzido é veículo da teoria utilizada
pelo estudioso. Desse modo, os conceitos de teoria e historiografia
devem ser entendidos como inter-relacionados.
Na unidade seguinte, veremos o contexto da crise nos tra-
dicionais paradigmas historiográficos e as propostas da Micro-
-História e da Nova História Cultural. No que diz respeito à Micro-
-História, é sempre importante evidenciar que um de seus maiores
representantes é o historiador Carlo Ginzburg e que a proposta
dessa diretriz não é apresentar análises que consideram grandes
contextos, mas, ao contrário, o que interessa é a especificidade.
Esse elemento é bem visto pela Nova História Cultural, uma vez
que proporciona a viabilização de pesquisas que consideram ca-
racterísticas culturais particulares.
Roger Chartier, Michel de Certeau e suas contribuições serão
analisados na terceira unidade. Conceitos como prática e represen-
tação serão vistos, analisados e considerados essenciais no percur-
so das mudanças dos paradigmas historiográficos pós-modernos.
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

Na Unidade 4, o foco será Michel Foucault e sua produção


historiográfica. Muito provavelmente, no momento em que esti-
ver cursando este Caderno de Referência de Conteúdo, esse autor
já será um velho conhecido. Suas contribuições para o estudo da
História colocaram-no no centro de diversas discussões nas mais
diferentes temáticas estudadas no curso. Ele contribuiu não só
com conceitos como o de micropoder ou apropriação, como tam-
bém com o modo que a História deve ser vista pelo historiador.
Na quinta unidade, Hayden White e a discussão em torno da
relação entre a História e a ficção será o tema de debate. Algumas
perguntas direcionarão o conteúdo da unidade: História é ficção?
História é Literatura? Se a escrita da História pode ser compreendi-
da como uma narrativa, o que os estudiosos apresentam é História
ou são relatos verossímeis? A despeito das inúmeras críticas dire-
cionadas a White e à sua teoria, essa é uma discussão que ainda
permanece atual.
Por fim, na Unidade 6, você verá um breve balanço sobre os
conteúdos aprendidos e as críticas ao pós-modernismo. A Nova
História Cultural, nesse contexto pós-moderno, peca pelo relativis-
mo exagerado? Incorre nos mesmos erros que outras teorias que
davam ênfase demasiada a apenas um setor da sociedade como a
política, a economia? Se a ênfase é no cultural, não perdemos com
a ausência do político, por exemplo?
Com esta breve apresentação, podemos dar continuidade ao
estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo.
Bons estudos!

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO


Abordagem Geral
Segue uma abordagem geral do Caderno de Referência de
Conteúdo Historiografia e Teoria da História. Com essa abordagem

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12 © Historiografia e Teoria da História

será possível que você inicie seus estudos tendo um panorama ge-
ral do que será discutido no decorrer deste livro-texto.
Pronto para mais uma etapa de aprimoramento de seus co-
nhecimentos históricos? Então, vamos juntos construir e recons-
truir alguns conceitos. Vamos com Mnemosine caminhar por te-
mas já visitados e adentrar em algumas discussões novas.
Você está sendo apresentado ao Caderno de Referência de
Conteúdo Historiografia e Teoria da História, que tem como objeti-
vo apresentar o processo de mudanças ocorridas nos paradigmas
epistemológicos da historiografia – mais especificamente, aque-
las alterações que tiveram início após a incorporação de novos te-
mas, novos métodos e novas linguagens pelos historiadores, em
especial por aqueles da Escola dos Annales. Nessa etapa, você terá
acesso às vertentes teóricas do conhecimento histórico pós-mo-
derno: final do século 20 e início do 21. Terá a oportunidade de
aferir os diferentes conceitos de História que foram trabalhados
e discutidos nesse período: História enquanto narrativa; História
enquanto discurso; História enquanto literatura e ficção e História
e Representação.
Bem, desde o início deste curso você tem lido, com certa
frequência, expressões como “historiografia”, “pesquisas histo-
riográficas”, “abordagens historiográficas; elas lhe são familiares,
não? Se já não se tornaram lugar comum, irão se tornar nesta reta
final e no decorrer das pesquisas que você realizará após o fim da
Graduação, pois lembre-se: um professor de História deve ser um
pesquisador bem informado, em constante atualização, que esteja
“por dentro” das discussões que ocorrem no meio acadêmico na-
cional ou estrangeiro. Mas você aprendeu os significados desses
termos? Saberia identificar e explicar os diferentes conceitos de
História e os tipos de historiografia existentes? Este Caderno de
Referência de Conteúdo irá auxiliá-lo nessa tarefa.
Outros suportes a que poderá recorrer para rever conceitos
e teorias são os dos Cadernos de Referência de Conteúdos Meto-
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

dologia da História I e II quando entrou em contato com as dis-


cussões historiográficas acerca das teorias da História a partir de
Heródoto até os pós-modernos – esses últimos vistos brevemente.
Ao rememorar, ficará mais fácil entender os debates sobre as mu-
danças nos paradigmas da História que vêm ocorrendo nas últimas
décadas.
Iniciemos, assim, com o conceito de Teoria. “Teoria”, vocá-
bulo de origem grega, pode ser entendida como o conjunto de
princípios fundamentais de uma ciência. Desse modo, Teoria da
História seria o conjunto de princípios fundamentais da História.
Cada vez que lemos um livro escrito por um historiador, estamos
entrando em contato com a sua teoria: seu conceito de História,
seu conjunto de fontes, seus questionamentos específicos. Para
cada teoria, a História é entendida de uma forma e os questiona-
mentos são diferentes. As fontes até podem ser as mesmas, mas
receberão tratamento distinto. Vamos a dois exemplos?
Na teoria positivista, de modo bem resumido, a História é
algo dado. As fontes não devem ser interpretadas, pois dizem exa-
tamente o que ocorreu. As fontes falam por si. Mas se a História
é vista como discurso, como no caso da teoria da Nova História
Cultural, não podemos dizer que os fatos são dados, mas, sim,
construídos de acordo com a interpretação, com o discurso do his-
toriador. A verdade deixa de ser objetiva e entra no campo do re-
lativismo, ora visto como uma possibilidade, ora como um grande
problema.
No entanto, alguns leem Teoria como “historiografia”, como
“debate historiográfico”, e muitos outros, como “metodologia”.
Igualmente, é entendida como qualquer atividade reflexiva do his-
toriador. Desse modo, os conceitos de historiografia e teoria da
História justapõem-se. A historiografia, enquanto escrita da Histó-
ria, apresenta-nos concepções diferenciadas do passado de acordo
com as teorias norteadoras do ofício do historiador. Em resumo,

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14 © Historiografia e Teoria da História

para escrever a história, é preciso estar vinculado a uma teoria. De


acordo com esta, teremos uma determinada visão dos fatos.
E quanto à historiografia? Podemos afirmar que seu concei-
to se resume à “escrita da História”? Não. Ela igualmente pode ser
definida como a melhor vacina contra a ingenuidade ou como a
história do discurso – um discurso escrito e que se afirma verda-
deiro – que os homens têm sustentado sobre seu passado. É que
a historiografia é o melhor testemunho que podemos ter sobre as
culturas desaparecidas, inclusive sobre a nossa.
Segundo Blanke, há 10 tipos de historiografia:

Quadro 1 Os tipos de História da historiografia.


Os tipos de História da historiografia
São aquelas pesquisas que abordam a vida
1) História dos historiadores
e a obra de um historiador.
Pesquisas sobre um gênero literário (qual o
2) História das obras
estilo literário da obra).
Que classificam os historiadores em
3) Balanço geral
campos específicos.
Sobre conferências e trabalhos de
4) História da disciplina
instituições históricas.
5) História dos métodos Pesquisa sobre os métodos históricos.
Acerca das tendências da história
6 )História das ideias históricas
intelectual.
Pesquisa sobre a história das sub-
disciplinas (Antiga, Medieval etc.), da
7) História dos problemas
relação entre a História e outras Ciências
Sociais etc.
8) História das funções do pensamento Pesquisa a respeito das funções sociais da
histórico historiografia.
9) História social dos historiadores Sobre a historiografia como história social.
Pesquisa sobre o desenvolvimento da
10) História da historiografia
disciplina no interior de sua reflexão
teoricamente orientada
metateórica.
Fonte: Blanke in MALERBA, 2006.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Ainda segundo esse autor, a historiografia teria três funções:


Quadro 2 As funções da História da historiografia.
As funções da História da historiografia
1 – Função afirmativa Afirmar uma ideologia oficial
Críticas aos princípios ideológicos, visões
2 – Função crítica
de mundo, modelos tradicionais etc.
Oferecer material para a reflexão teórica
3 – Função exemplar
(servir de exemplo)
Fonte: BLANKE in MALERBA, 2006

Vistos os tipos e as funções da historiografia, vejamos um


breve histórico desta no decorrer do tempo. Da Antiguidade, po-
demos tomar dois exemplos. O primeiro, Heródoto, para quem o
ouvir e ver, para depois escrever, era essencial. Heródoto procurou
registrar a tradição, feitos e fatos que, em seu entendimento, não
deviam ser esquecidos. A lembrança e o conhecimento do passado
eram utilizados como forma de reforçar a identidade dos helenos.
Em sua escrita, utilizou-se do termo “logos” no sentido de “relato”,
“conhecimento”, “razão”.
Quanto a Tucídides, tomemos as palavras de Marcel Detien-
ne (1998, p. 105) para compreendê-lo: “O ouvido é infiel e a boca
é sua cúmplice. Frágil, a memória é igualmente enganadora: ela
seleciona, interpreta, reconstrói”. Diferentemente de Heródoto,
Tucídides preocupou-se com as causas imediatas. Atentou-se para
o presente, narrou o que viu, acreditava no que estava diante dos
olhos. O passado, para ele, mostrava-se como boatos: fulano disse
que ouviu de sicrano o ocorrido com beltrano na terra de alguém.
Para o autor de Guerra do Peloponeso, memória sem provas não
é História.
No que se refere à historiografia do medievo, esta estava in-
trinsecamente ligada ao Cristianismo. Basta lembrar, com o auxílio
dos Cadernos de Referência de Conteúdos História Medieval I e II,
que, durante muito tempo, a Igreja foi a detentora do saber. Nesse
período, os homens, suas obras e os acontecimentos só ganhavam

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16 © Historiografia e Teoria da História

importância se vistos como resultados dos desígnios divinos. Já a


historiografia dos séculos 13 e 19 foi resultado do avanço do Ilumi-
nismo, do surgimento da Filologia, do conhecimento mais objetivo
do passado com o início do positivismo historiográfico com Leo-
pold Von Ranke, por exemplo, com o lançamento da Revue Histo-
rique (1876) e o surgimento da Escola Metódica, preocupada com
a escrita da história nacional e o estabelecimento da identidade
da nação. E, por fim, e não menos importante, com as reflexões
realizadas por Karl Marx e a sua concepção dialética da História.
A historiografia do século 20, em terreno francês, tem suas
bases transformadas com as mudanças propostas pela Escola dos
Annales, que objetivou suprir a tradicional narrativa de aconte-
cimentos por uma história-problema, bem como deixar de fazer
apenas a história política para abordar a história de todas as ativi-
dades humanas e, por fim, estabelecer uma relação profícua com
outras disciplinas das Ciências Sociais, como a Antropologia, a So-
ciologia, a Geografia etc. Com essa nova proposta, as massas anô-
nimas e os seus modos de viver, sentir e pensar foram analisados
no contexto da interdisciplinaridade.
Acerca da Escola dos Annales, podemos distingui-la em três
fases. Aquela que nos interessa, neste momento, pelas reflexões
que levantou, foi a 3ª fase, que teve início em, aproximadamente,
1968.
É nesse contexto que temos em andamento os debates acer-
ca da historiografia pós-moderna levantados pela Nova História ou
História Nova. São esses debates que trataremos com mais afinco.
O conteúdo antes apresentado teve como objetivo com-
preender o conceito de Teoria da História, historiografia e que re-
visitasse alguns momentos importantes no trajeto da construção
do debate historiográfico. A partir de agora, iremos nos centrar na
historiografia pós-moderna.
Antes de tudo, porém, serão precisos dois esclarecimentos:
o primeiro diz respeito ao próprio conceito de pós-modernismo.
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Esse conceito não é fruto dos anos 1960-1990, mas ganha força
com a publicação do livro A condição pós-moderna, do filósofo
francês Jean-François Lyotard, em 1979. Em resumo, no pós-mo-
dernismo, toda e qualquer fonte deve ser pensada como um texto
a ser lido, em que os significados estão aí para ser decodificados
ou desconstruídos; portanto, não resta dúvida de que o real ou a
realidade não podem ser atingidos e, em outras palavras, de que a
História se tornou um discurso verossímil.
Essa condição pós-moderna vai contra alguns paradigmas
ditos da modernidade. Passa-se, definitivamente, a se divulgar a
ideia de que o conhecimento não é objetivo, que é, ao contrário,
subjetivo, que a verdade é relativa, que há mundos e passados
diferentes e que as explicações são, de fato, interpretações. O de-
terminismo e o reducionismo são rejeitados e a história global e a
história universal são descartadas. Afirma-se, ainda, que a História
não estuda o Homem, pois este deu lugar aos homens, mulheres,
crianças, escravos, homossexuais etc.
O segundo esclarecimento refere-se à Nova História Cultu-
ral. Seus representantes alçaram voos bem altos nessas contendas
contra os tradicionais paradigmas da historiografia. Lyn Hunt, Mi-
chel de Certeau, Roger Chartier, Michel Foucault e Hyden White
são alguns dos nomes que podemos citar. E esses mesmos nomes
mostram-nos que esse movimento não foi exclusivo no meio aca-
dêmico francês; pelo contrário, trata-se de um movimento inter-
nacional que encontrou eco na Inglaterra, Estados Unidos, Itália,
Rússia, Alemanha, Holanda e mesmo no Brasil. Mas o que carac-
teriza a Nova História Cultural? O que ela apresenta de novo ou
repensado? Quais suas contribuições para a difícil tarefa do his-
toriador diante do passado que não se revela, mas que clama por
olhares?
Como o próprio nome já indica, o privilégio ao cultural é a
característica-chave. Não há sugestões de novas fontes, mas de
nova abordagem, a antropológica, o que significa afirmar que o

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18 © Historiografia e Teoria da História

simbólico e suas interpretações são considerados em essência.


Afinal, como afirmou Ernest Cassirer (1975), “o homem não é ou-
tro senão o animal symbolicum”. O resultado mais expressivo dos
novos debates é a crença e defesa da assertiva de que a História
é relativa, ou seja, que as verdades absolutas não têm espaço no
tempo das incertezas.
Vamos, então, aos exemplos? Comecemos pelo novo con-
ceito de História empregado pelos estudiosos dessa linha: História
é discurso ou uma prática discursiva. Essa afirmação implica dizer
que, se o discurso é uma produção do tempo presente sobre o
passado, então, história é a construção desse passado e não a sua
descrição. E, se o discurso traz em si a característica de ser algo
criado por um historiador (com uma história de vida e acadêmi-
ca próprias, com ideologias próprias), a história é interpretação, e
não a apresentação do real.
Aceitar a história como discurso nos sugere, igualmente,
aceitar outro conceito de verdade. Se entendemos que as fontes
são fragmentos do passado, então, só sabemos parte desse pas-
sado. Se sabemos parte, não conhecemos o todo e, sem o todo,
não temos o real ou a verdade. Enfim, “não há lugar em que o real
se dê” (BOURDÉ, 1990, p. 106). Só podemos concluir que aplicar
o conceito de verdade objetiva ao passado histórico é algo bem
problemático. Se a verdade histórica é relativa, segundo a ótica
dos pós-modernos, uma das causas é porque a própria História é
uma prática discursiva e o mundo é visto como uma representação
(produzida pelos outros – pesquisadores, por exemplo – e por eles
mesmos – os habitantes de uma comunidade).
O jesuíta especialista em História da Religião Michel de Cer-
teau foi um dos responsáveis pela divulgação do conceito de práti-
ca no meio historiográfico. Crítico das visões monolíticas da cultura
e defensor de uma cultura no plural interpretou normas culturais
por meio do cotidiano. Analisou as práticas das pessoas comuns e
foi contra a corrente que pregava que os grupos (de leitores, por
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

exemplo) eram consumidores inertes de artigos produzidos em


grande escala. Para De Certeau, a criatividade, a inventividade de
determinados grupos populares diante dos “usos”, da “apropria-
ção” e, especialmente, da “utilização” das obras era evidente. Ain-
da segundo esse autor, não devemos entender as práticas culturais
como a forma que um quadro é pintado, um ensino é transmiti-
do, mas como os homens crescem, adoecem, curam-se, morrem,
andam, dançam, falam, cantam, debatem, enamoram-se, enfim,
como vivem.
Já Roger Chartier é o responsável pela circulação mais inten-
siva e diferenciada do conceito de representação no meio historio-
gráfico. Suas pesquisas discutem uma história cultural da sociedade,
compreendem que as estruturas ditas objetivas são, na verdade,
culturalmente constituídas ou construídas. Assim, ele entende que
a sociedade em si mesma é uma representação coletiva. Para ele,
a História Cultural deve voltar seus interesses para a identificação
da maneira como em distintos lugares e ocasiões uma determinada
realidade cultural é construída, pensada, dada a ler.
Como pode observar, os conceitos de discurso, práticas e re-
presentação não só estão intimamente ligados, como devem ser
encarados de forma justaposta. Mas esses não são os únicos con-
ceitos que ganharam força na historiografia pós-moderna. Aqueles
utilizados por Michel Foucault também. E de forma relevante. O
que ele veio mostrar é que, em vez de procurar explicar as práticas
políticas, sociais e econômicas de determinados grupos, a Histó-
ria deveria se preocupar com a forma que essas mesmas práticas
foram construídas. Foucault não se interessava pelo objeto em si,
mas pelo “quando e como” esse objeto passou a ser objeto. Exem-
plificando, ele não tomou a loucura como objeto de pesquisa, mas
o momento, o contexto em que a loucura se destacou como algo
a ser estudado.
Outro conceito utilizado por esse filósofo foi o de micropo-
der. De acordo com Foucault, a microfísica do poder está presente

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20 © Historiografia e Teoria da História

nas prisões, nas escolas, na família, nos asilos, nas fábricas, nos
exércitos e não só no Estado e na Igreja. Os interstícios do poder
podem ser encontrados (e devem ser procurados pelos historia-
dores) nos sentimentos, na consciência, na intuição. Mas ele não
estudou o poder pelo poder. Ele buscou compreender, por meio
dos discursos, como o poder possibilitou novas práticas, novas
tecnologias de poder: como passamos da internação à prisão, da
liberdade à disciplina.
Contudo, não foi somente rumo à abordagem ou ao uso de
novos conceitos que os debates se dirigiram. A forma da escrita da
História também foi questionada. E, nesse contexto, a relação da
História com a Literatura entrou em questão. A proposta naquele
momento, dos anos 1970-1980, foi a da narrativa, mesmo que esta
levantasse questionamentos sobre a cientificidade da História. Afi-
nal, escrever uma narrativa é também escrever uma ficção, e, se
é ficção, não é história. O medo da ficção não era, porém, o único
que vagava pelos escritórios das universidades; havia, também, o
receio do retorno da narrativa histórica tradicional que enfatizava
os grandes feitos dos grandes homens em grandes acontecimen-
tos. O que vimos, no entanto, foi uma nova narrativa que conside-
rou o cotidiano das pessoas comuns e os acontecimentos triviais.
Uma narrativa de curtíssima duração, absorta num acontecimen-
to, e não mais a velha narrativa explicativa à procura de causas e
efeitos.
O crítico literário Hayden White foi um dos responsáveis pelo
debate que veementemente foi travado em torno da não distinção
entre História e ficção. Ele não relutou em considerar as narrativas
históricas como ficções verbais, cujos conteúdos são tão inventa-
dos como achados, e cujas formas apresentam muito em comum
com as narrativas literárias. Assim, de acordo com seu pensamen-
to, é preciso que o historiador levante algumas questões, como:
qual o tipo de modelo linguístico utilizar? E, dentre os tropos do
discurso (metáfora, metonímia, sinédoque e a ironia), qual empre-
gar? Se assim o historiador faz, ou seja, se ele se utiliza de tropos,
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

então não existe distinção entre a História e a ficção. Entretanto,


a grande maioria dos historiadores refutou a possibilidade de a
História ser vista como ficção, pois ambas são narrativas de porte e
competências díspares. “A narrativa histórica é um método de ex-
posição; sempre, portanto, profundamente articulada ao método
de investigação” (MÜLLER in PÔRTO, 2007, p. 78).
Com base no exposto, a Nova História Cultural, como uma
forte representante pós-moderna, contribuiu ao debate historio-
gráfico: permitiu que houvesse uma nova construção e interpreta-
ção do real, que a linguagem ganhasse importância, que o imaginá-
rio fosse revisitado e que a função hermenêutica da interpretação
e a problemática do discurso-texto-contexto entrassem em cena.
Também contribuiu para a crença de que não há uma única his-
tória: a do Ocidente civilizado. O etnocentrismo da historiografia
ocidental abriu as portas para o reconhecimento e a valorização
das histórias dos povos conquistados.
Todavia, houve críticas, e “[...] diz-se que um saber está aber-
to às críticas, quando pode ser verificado, incrementado, contesta-
do, corroborado, refutado, aplicado [...]” (ALMEIDA, 2003, p. 57).
Partindo dessa assertiva, vejamos as três críticas mais visualizadas
sobre a Nova História Cultural: a valorização acentuada do relati-
vismo e do representacionalismo, o questionamento da cientifici-
dade da História e a Hipervalorização do cultural.
Como você pode observar, o termo ”pós-modernismo” veio
para chacoalhar as estruturas historiográficas, mas auxiliou no pla-
nejamento de novas estratégias de defesa e ataque da História,
da historiografia e dos historiadores. E, finalizando essa discus-
são, propomos uma reflexão sobre uma frase de Foucault (apud
O’BRIEN in HUNT, 2001, p. 37): “Não me perguntem quem sou
e não me peçam que continue sendo o mesmo”. Tomando suas
palavras como guia, podemos concluir: Não perguntem o que é a
História ou a sua escrita, nem mesmo peçam que continuem sen-
do as mesmas!

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22 © Historiografia e Teoria da História

Bons estudos, consulte seu tutor se necessário e bom de-


sempenho.

Glossário de Conceitos
As definições a seguir são importantes para a compreensão
do conteúdo a ser estudado no Caderno de Referência de Conteú-
do Historiografia e Teoria da História. Elas também poderão ser
encontradas no interior das unidades, no entanto, ter acesso a
elas antes de iniciar a sua jornada rumo ao conhecimento histo-
riográfico poderá facilitar a sua compreensão e construção de seu
conhecimento. Vale ressaltar que os conceitos aqui utilizados con-
sideram o contexto historiográfico.
1) Cliometria: tendência no interior da História Econômica
que aplica a técnica da análise estatística e da econome-
tria (análise quantitativa) à História.
2) Discurso: um jogo de escritura, de leitura, de troca; em-
preendimento mediador; a forma por meio da qual os
indivíduos proferem e apreendem a linguagem como
uma atividade produzida historicamente determinada;
a prática da linguagem; prática instituinte, criadora de
acontecimentos, imagens e referenciais de comporta-
mento.
3) Episteme: são tendências particulares de um período
histórico.
4) Escolasticismo dogmático: Escolástica – linha da filoso-
fia medieval; difundia a ideia de que todas as respostas
podem ser encontradas nas Sagradas Escrituras ou nas
obras de religiosos. Escolasticismo dogmático marxista:
todas as repostas podem ser encontradas no conflito en-
tre as classes sociais.
5) Estrutura: tudo o que em uma sociedade, ou numa eco-
nomia, tem uma duração suficientemente longa; é o que
muda lentamente.
6) Genealogia: deve ser compreendida como proveniência,
e não como origem primeira.
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

7) Historiografia: a escrita da História; vacina contra a inge-


nuidade; o questionamento acerca da produção e da es-
crita da História, sobre o(s) discurso(s) dos historiadores
e seus métodos; produto intelectual dos historiadores;
pesquisa histórica; representação do passado; história
do que os homens têm sustentado sobre seu passado.
8) Meta-História: pode designar todo estudo referente à
História enquanto historiografia; toda investigação do
que se encontra para além da História, dos fundamentos
últimos da História, do sentido ou destino da História.
9) Metanarrativas: histórias culturais divulgadas e partilha-
das em que podemos encontrar as verdades, as ideias
e os ideais de uma cultura apresentados por um grupo
social ou sociedade. Grandes narrativas (“meta” é um
prefixo de origem grega que significa “para além de”),
capaz de explicar todo o conhecimento existente ou de
representar uma verdade absoluta sobre o universo. A
Bíblia e o Alcorão são exemplos de metanarrativas uni-
versalmente conhecidas.
10) Metateoria: discussão de postulados criados por uma
teoria; teorização sobre a própria teoria.
11) Micro-História: teoria que reduz a escala de observação
do historiador (incluindo espacialidade e temporalida-
de) na tentativa de buscar elementos que, analisando
em escala maior, passariam despercebidos. Seus obje-
tos geralmente são práticas culturais específicas (festas
religiosas, por exemplo), ocorrências (um determinado
crime, um julgamento específico, suicídios), cidades, in-
divíduos, famílias ou lugares determinados.
12) Mnemosine: personificação da memória. Nome deriva-
do do verbo “mimneskeini”, “fazer-se lembrar”, “fazer
pensar”, “lembrar-se de”. Para lembrar-se de suas tradi-
ções e mitos, os gregos recorriam a essa titã.
13) Modelo ecológico-demográfico francês: tendência que
afirma que a variável fundamental da História é o equi-
líbrio ecológico entre o abastecimento de alimentos e a
população, a interação entre o homem e o espaço.

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24 © Historiografia e Teoria da História

14) Pós-modernismo: para Perry Anderson a pós-moderni-


dade surge nos anos 1930, para Arnold Toynbee, após a
II Guerra Mundial ou, ainda, para outros historiadores, a
historiografia pós-moderna nasce na década de 1960 com
a publicação das obras de Foucault, Derrida e Deleuze.
15) Práticas: a forma que um quadro é pintado, um ensino
é transmitido, a forma como os homens crescem, ado-
ecem, curam-se, morrem, andam, dançam, falam, can-
tam, debatem, enamoram-se, enfim, como vivem.
16) Representação: o produto do resultado de uma prática.
17) Tropo: deriva de tropos, que, em grego clássico, significa
“mudança de direção, desvio”.
18) Verdade: em grego, é alétheia: a = prefixo de negação
+ derivativo de Lethes, o rio do Esquecimento. Assim, o
prefixo vem indicar que o que estava oculto agora está
revelado.
19) Viragem antropológica ou cultural turn: encontro entre
a História e a Antropologia. Podemos encontrar as ex-
pressões “história antropológica”, “antropologia históri-
ca” e “etno-história” como referências a esse encontro.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-
quema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteú-
do. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de
conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício
é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignifican-
do as informações a partir de suas próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se


que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem. 
Tem-se de destacar que “aprendizagem” não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações inter-
nas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo
tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu co-
nhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, esta-
belecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer
com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adap-
tado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/
mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11
mar. 2010).

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26 © Historiografia e Teoria da História

HISTORIOGRAFIA E
TEORIA DA HISTÓRIA

Historiografia na Antiguidade
Heródoto e Tucídides
História enquanto pesquisa

Historiografia no Medievo
Homens, obras e
acontecimentos vistos como
resultados dos desígnios
divinos.

Historiografia na Idade
Moderna
Positivismo e Escola Metódica

As fontes falam pela História

Historiografia
Contemporânea
Contribuições a partir
dos Annales

História de todas as Nova História Cultural


atividades humanas História enquanto
Interdisciplinaridade Micro- discurso
História “Verdades históricas”

Novos
contextos
Nova História
História
Homens e Cultural:
histórias práticas e
representações
Mentalidades

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo Historiografia


e Teoria da História.

Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
um e outro conceito e descobrir o caminho para construir o seu
processo de ensino-aprendizagem.
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de


aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente
virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles
relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presen-
cialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EAD, deve valer-se
da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados. Responder, discu-
tir e comentar essas questões, relacionando-as com a prática do
ensino de História, pode ser uma forma de você medir o seu co-
nhecimento, de ter contato com questões pertinentes ao assunto
tratado e de lhe ajudar na preparação para a prova final, que será
dissertativa. Mais ainda: é uma maneira privilegiada de você ad-
quirir uma formação sólida para a sua prática profissional.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações são parte integrante
dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustrativas, pois es-
quematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe
de observar a relação dessas figuras com os conteúdos do Caderno
de Referência de Conteúdo, pois relacionar aquilo que está no campo
visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida
você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo

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28 © Historiografia e Teoria da História

de emancipação do ser humano. É importante que você se atente


às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes
nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas
com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui-
lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se
conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce-
bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele
à maturidade.
Você como aluno do curso de Graduação na modalidade EAD
e futuro profissional da educação, necessita de uma formação con-
ceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do
tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação
com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo
e realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.
EAD
Historiografia, Teoria da
História e Retrospectiva
Historiográfica
1
1. OBJETIVOS
• Conhecer e identificar os diferentes conceitos de histo-
riografia.
• Retomar e caracterizar conhecimentos já adquiridos so-
bre historiografia.

2. CONTEÚDOS
• Conceito e tipos de historiografia.
• A produção historiográfica no decorrer dos tempos (a
partir de Heródoto até Annales e História Nova).

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
30 © Historiografia e Teoria da História

1) Leia o Glossário atentamente e tenha sempre em mente


o Esquema de Conceitos-chave. Isso favorecerá e facili-
tará seu aprendizado e desempenho.
2) Procure ler, ao menos, um livro indicado na bibliografia
(básica ou complementar). Complemente sua formação.
3) Releia os conteúdos estudados nos Cadernos de Refe-
rência de Conteúdos Metodologia da História I e II. Ao
recordar o que já assimilou e discutiu, você terá maior
facilidade em acompanhar as mudanças nos paradigmas
historiográficos que vêm acontecendo nas últimas déca-
das e que serão apresentados a seguir.
4) Outras definições de historiografia podem ser verifica-
das: historiografia como produto intelectual dos histo-
riadores, como pesquisa histórica e como representação
do passado são exemplos que podem ser citados. Para
maiores informações, sugerimos a leitura de LOMBARDI,
José C. (Org.). Fontes, história e historiografia da educa-
ção. Ponta Grossa: Autores Associados, 2004.
5) O conceito de História Nova não é originário da década
de 1960. Ele foi cunhado já na fundação dos Annales e
retomado pelos representantes da terceira geração.
6) Não houve uma história das mentalidades homogênea e
unificada. Três variantes dessa história podem ser iden-
tificadas: 1) a herdeira dos Annales, em que o estudo
do mental está associado a totalidades explicativas; 2)
a marxista, que relaciona o conceito de mentalidade à
ideologia; 3) aquela que utiliza os microtemas – o modo
de beijar, de chorar, o louco, a criança etc. –, que descre-
ve e narra épocas e episódios do passado. Para maiores
esclarecimentos sugerimos a leitura de Vainfas (1997).
Igualmente, é importante ressaltar que a história das
mentalidades tanto é encarada como um braço dos An-
nales como herdeira de alguns de seus pressupostos,
mas não todos.
7) Para saber mais sobre Heródoto e Tucídides, leia MOMI-
GLIANO, Arnaldo. As Raízes Clássicas da Historiografia
Moderna. Tradução de Maria Beatriz B. Florenzano. Bau-
ru: EDUSC, 2004. (Coleção História).
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 31

8) Vários autores serão citados no decorrer do conteúdo.


Para obter maior conhecimento sobre eles, observe as
informações a seguir e procure pesquisar nos sites indi-
cados.

Busto de Heródoto

Mármore. Cópia romana de original grego do século 4º a.C.


Aproximadamente Período Imperial. Nápoles, Museo Nazio-
nale (RIBEIRO JR., W. A. Heródoto. Portal Graecia Antiqua,
São Carlos. Imagem disponível em: <www.greciantiga.org/
arquivo.asp?num=0345>. Acesso em: 27 maio 2009).

Busto de Tucídides

Mármore. Provavelmente cópia romana de um original


grego do século 4º a.C. Data: não estabelecida. Inglaterra,
Norfolk, Holkham Hall (RIBEIRO JR., W. A. O historiador
Tucídides (-460/-400). Portal Graecia Antiqua, São Carlos.
Imagem disponível em: <www.greciantiga.org/img/index.
asp?num=0177>. Acesso em: 27 maio 2009).

Políbio

Políbio (200-115 a.C.), historiador grego que lutou contra a


dominação romana, foi enviado a Roma como prisioneiro de
guerra. Lá, passou a admirar aquela cultura e acompanhou
campanhas militares pela Itália, Gália e Espanha. Também
testemunhou a destruição de Cartago. Após essas experiên-
cias, narrou, em quarenta livros, 53 anos de conquistas ro-
manas. Suas fontes de pesquisa foram tanto testemunhos
como documentos. Afirmou que a história deveria ser prag-
mática, tratar apenas de assuntos políticos e militares e que
o historiador deve relatar os fatos como eles ocorreram, sem
comentários ou interpretações, de modo a manter a objeti-
vidade histórica. Escreveu a obra Histórias (imagem e texto
disponíveis em: <http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_
biografia_c_2936.html>. Acesso em: 25 maio 2009).

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32 © Historiografia e Teoria da História

Salústio
Salústio (Caio Salústio Crispo – 86-35 a.C), historiador e
político latino, foi um dos narradores dos acontecimen-
tos políticos do final do período republicano de Roma e
considerado, por alguns estudiosos, como o introdutor
da história filosófica na historiografia latina. Após uma
conturbada passagem pela política romana como go-
vernador da Numídia, norte da África, sob a proteção de
César, dedicou-se somente à atividade de escritor. Suas
obras mais conhecidas são Conjuração de Catilina (Lúcio
Sérgio Catilina, tido como um político sem escrúpulos) e
Vida de Jugurta (rei da Numídia), narrativas históricas de
fatos acontecidos em Roma (imagem e texto disponíveis em: <http://www.net-
saber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3108.html>. Acesso em: 25 maio 2009.

Tácito

Tácito (Caio Cornélio Tácito – 55-120 d.C. [?]),


historiador Romano que cumpriu uma vasta carreira
jurídica, atuando como questor, pretor e cônsul.
Reconhecido por sua oratória, alcançou prestígio como
historiador. Relatou a história de imperadores romanos
desde Tibério até Nero. Escreveu Annales, Histórias,
Diálogo sobre os oradores e Germânia (em que trata da
vida e da cultura dos povos germânicos) e alguns outros
textos (imagem e texto disponíveis em: <http://www.
netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1095.html>.
Acesso em: 25 maio 2009).

Cícero
Cícero (Marco Túlio Cícero – 106 a.C – 43 d.C.) nasceu
numa antiga família da classe equestre e, chegando à
maioridade, foi entregue aos cuidados do célebre senador
e jurista romano Múcio Cévola, que o pôs a par das leis
e das instituições políticas de Roma. Estudou filosofia e
oratória. Foi questor, edil, pretor e cônsul. Com o primeiro
Triunvirato e fora da política, voltou às atividades forense
e literária. Foi exilado na Grécia e voltou de forma quase
triunfal. Tentou novamente a política, mas sem tanto su-
cesso. Autor das obras: Sobre os Fins, Controvérsias Tus-
culanas, Sobre os Deveres, Os Tópicos, Os Acadêmicos,
A Natureza dos Deuses, Sobre a Arte Adivinhatória, Sobre
o Destino, Sobre o Orador, e as mais conhecidas: A Re-
pública, redigida em 51 a.C., e Sobre as Leis (imagem e texto disponíveis em:
<http://www.pucsp.br/~filopuc/verbete/cicero.htm>. Acesso em: 25 maio 2009).
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 33

Aristóteles

Aristóteles Mármore pentélico (Monte Pentélico, nordeste de


Atenas). Cópia romana do original de bronze de Lisipo. Data:
séc. I / II a.C. Museu do Louvre, Paris (RIBEIRO JR., W. A. O
filósofo Aristóteles (-384/-322). Portal Graecia Antiqua, São
Carlos. Imagem: disponível em: <www.greciantiga.org/img/
index.asp?num=0348>. Acesso em: 27 maio 2009).

Beda

Beda, o Venerável (672-735), representado em um manus-


crito medieval (imagem disponível em: <saxons.etrusia.
co.uk/saxons_kings.php>. Acesso em: 27 maio 2009).

Isidoro de Sevilha

Isidoro de Sevilha (560-636). Óleo sobre tela, de autoria de


Bartolomé Esteban Perez Murillo. Data aproximada: entre
1632 e 1682 (imagem disponível em: <www.dec.ufcg.edu.
br/biografias/SaoIsidoS.html>. Acesso em: 27 maio 2009).

Marc Bloch

Marc Bloch (1886-1944) (imagem disponível em: <www.ca-


sadellibro.com>. Acesso em: 25 maio 2009).

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34 © Historiografia e Teoria da História

Lucien Febvre

Lucien Febvre (1858-1956) (imagem disponível em:


<www.culture.fr>. Acesso em: 25 maio 2009).

Jacques Le Goff

Jacques Le Goff (1924) (imagem disponível em: <www.casa-


dellibro.com/img/autores/LeGoff>. Acesso em: 25 maio 2009).

Emmanuel Le Roy Ladurie

Emmanuel Le Roy Ladurie (1929) (imagem disponível em:


<http://www.clio.fr/espace_culturel/emmanuel_le_roy_ladu-
rie.asp>. Acesso em: 27 maio 2009).

Michel Vovelle

Michel Vovelle (1933) (imagem disponível em: <http://sites.


univ-provence.fr/webtv/cible.php?urlmedia=vovelle_haut>.
Acesso em: 25 maio 2009).
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 35

Robert Mandrou

Robert Mandrou (1921-1984) (imagem disponível em:


<http://histoireparis8.canalblog.com/images/mandrou_dou-
ble_portrait.jpg>. Acesso em: 25 maio 2009).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
“Historiografia”, “pesquisas historiográficas”, “abordagens
historiográficas” – esse termo e essas expressões lhe são familia-
res, não? Em praticamente todo o material disponibilizado a você
até o momento e em tantos outros ainda por vir, os conceitos de
“historiografia” e “historiográfico(a)” tornaram-se e irão se tornar
lugar comum. Mas você apreendeu o(s) significado(s) desses ter-
mos? Saberia identificar e explicar os tipos de historiografia exis-
tentes? Esses são os propósitos desta unidade: levá-lo a identificar
e a entender a historiografia e as suas aplicações.
Há, também, outro objetivo a ser alcançado: rever algumas
questões já estudadas por você. Nos Cadernos de Referência de
Conteúdos Metodologia da História I e II, você entrou em contato
com as discussões historiográficas acerca das teorias da História a
partir de Heródoto até os pós-modernos – estes últimos vistos bre-
vemente. Desse modo, esta unidade tem o intuito de invocar Mne-
mosine, a personificação da memória, para contextualizá-lo dian-
te do que veremos nas próximas unidades. Rememorando, ficará
mais fácil entender os debates sobre as mudanças nos paradigmas
da História que vêm ocorrendo nos grandes centros acadêmicos
nacionais e estrangeiros, essencialmente nas últimas décadas.
É importante salientar que veremos apenas alguns ele-
mentos-chave desse processo historiográfico. Esta unidade não
objetiva retomar todo o conhecimento já adquirido nem mesmo

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36 © Historiografia e Teoria da História

apresentar um resumo particularmente exato e pontuado de to-


das as transformações da História no decorrer dos tempos. Assim,
leia atentamente o conteúdo ora apresentado tanto como um
exercício mnemônico, já salientado, como também um ponto de
partida para novas leituras e aprofundamento dos elementos em
discussão. Para mais informações, será pertinente que recorra aos
Cadernos de Referência de Conteúdos de Metodologia da História
I e II e a outras bibliografias sugeridas.

5. O QUE É HISTORIOGRAFIA?
Eis um conceito simples de se explicar: em resumo, historio-
grafia é a escrita da História. Quem dera ser realmente tão sim-
ples. Este é um daqueles momentos em que ditados populares não
são meros clichês: “a simplicidade é complexa”. O problema reside
no fato de que escrever a História implica considerar contextos di-
ferentes (do tema, do historiador), ideologias diversas (do histo-
riador, da editora, do público), fontes utilizadas para a pesquisa
(escritas, orais, iconográficas), questionamentos dirigidos a essas
fontes, teoria empregada para análise.
Assim, é interessante que você tenha acesso a distintas
definições de historiografia, para além daquela já citada. Vejamos
dois casos!
“A historiografia seria assim a melhor vacina contra a inge-
nuidade” (SILVA; SILVA, 2006, p. 189).
O que apreender de uma assertiva como essa? Se aceitarmos
que historiografia é o questionamento acerca da produção e da
escrita da História, sobre o(s) discurso(s) dos historiadores e seus
métodos, compreenderemos que, se conhecemos o que influencia
os historiadores em suas escolhas de temas a abordar e na teoria
a seguir, se conhecemos o resultado de suas pesquisas, se temos
acesso aos erros e acertos por eles elencados, a ingenuidade não
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 37

fará parte de nossa profissão. Dito de outro modo, se conhecemos


o historiador em seu ofício, em seu contexto e a sua produção, não
há como ficarmos alheios à memória das sociedades.
Uma última definição, segundo Carbonell (1987, p. 6):
O que é historiografia? Nada mais que a história do discurso – um
discurso escrito e que se afirma verdadeiro – que os homens têm
sustentado sobre seu passado. É que a historiografia é o melhor
testemunho que podemos ter sobre as culturas desaparecidas, in-
clusive sobre a nossa – supondo que ela ainda existe e que a semi-
-amnésia de que parece ferida não é reveladora da morte. Nunca
uma sociedade se revela tão bem como quando projeta para trás
de si a sua própria imagem.

Vamos refletir juntos sobre essa definição? Inicialmente, to-


memos a frase “nada mais que a história do discurso”, ou seja, his-
toriografia é o estudo de tudo o que já foi dito sobre um tema em
diferentes modos, lugares e tempos. Depois, “um discurso escrito
e que se afirma verdadeiro”, ou seja, o que foi dito deve ser con-
siderado como discurso digno de ser acatado. E, por fim, “nunca
uma sociedade se revela tão bem como quando projeta para trás
de si a sua própria imagem”. Em outras palavras, como não temos
como nos desvencilhar totalmente de nossas ideologias, de nossos
conceitos, das marcas de nosso tempo, sempre que apresentamos
o resultado de uma pesquisa histórica, a marca de nossa época fica
evidenciada. Resumindo, a historiografia é o produto de uma era,
é uma construção histórica.
Como se pode observar, trata-se de um conceito polissêmi-
co. Mas, para além do conceito, igualmente devemos considerar
que a historiografia depende de dois elementos: da formulação de
um problema e das fontes disponíveis. Ao levantar essas questões,
Blanke (2006) estudou a história da historiografia e apontou dez
tipos e três funções, conforme você pode verificar nos Quadros 1
e 2. O autor adverte: “Os tipos que (re)construí, no entanto, pos-
suem um alcance mais amplo do que os exemplos dos quais eles
são uma abstração” (BLANKE, 2006, p. 29).

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38 © Historiografia e Teoria da História

Quadro1 Tipos de historiografia.


Os tipos de história da historiografia
Pesquisas que abordam a vida e a obra de
1) História dos historiadores
um historiador.
Pesquisas sobre um gênero literário (qual o
2) História das obras
estilo literário da obra).
Pesquisas que classificam os historiadores
3) Balanço geral
em campos específicos.
Pesquisas sobre conferências e trabalhos de
4) História da disciplina
instituições históricas.
5) História dos métodos Pesquisa sobre os métodos históricos.
Pesquisa sobre as tendências da história
6) História das ideias históricas
intelectual.
Pesquisa sobre a história das subdisciplinas
7) História dos problemas (Antiga, Medieval...), da relação entre a
História e outras Ciências Sociais etc.
8) História das funções do pensamento Pesquisa sobre as funções sociais da
histórico historiografia.
Pesquisa da historiografia como história
9) História social dos historiadores
social.
Pesquisa sobre o desenvolvimento da
10) História da historiografia
disciplina no interior de sua reflexão
teoricamente orientada
metateórica.
Fonte: BLANKE in MALERBA, 2006.

Quadro2 Funções da História.


As funções da história da historiografia
Função afirmativa Afirmar uma ideologia oficial.
Críticas aos princípios ideológicos, visões de
Função crítica
mundo, modelos tradicionais etc.
Oferecer material para a reflexão teórica
Função exemplar
(servir de exemplo).
Fonte: BLANKE in MALERBA, 2006.

Esses tipos e funções não serão sistematicamente analisados


aqui. Porém, explicitá-los ajuda-nos a observar e a confirmar que a
historiografia é mais do que a escrita da história: é a compreensão
de todo o contexto que envolve essa escrita.
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 39

Nesta conjuntura, podemos iniciar nossa compreensão do


que é Teoria da História. Alguns a leem mesmo como historiogra-
fia, como debate historiográfico, e muitos outros, como metodo-
logia. Igualmente, é entendida como qualquer atividade reflexiva
do historiador. Desse modo, os conceitos de historiografia e teoria
da História são justapostos. A historiografia, enquanto escrita da
História, apresenta-nos concepções diferenciadas do passado de
acordo com as teorias norteadoras do ofício do historiador, a sa-
ber: o marxismo, a nova história, a micro-história etc.
Agora que já refletiu sobre os conceitos de historiografia, Te-
oria da História e possibilidades historiográficas, que tal iniciarmos
nossa retrospectiva? Vamos lá!

6. A HISTORIOGRAFIA NA ANTIGUIDADE
Antes de adentrar na produção de Heródoto e Tucídides, é
importante entendermos o contexto no qual a escrita da História
nasceu: aquele da oralidade e, também, da mitologia.
Para o Grego das épocas arcaica e clássica, a palavra repre-
sentava o poder por excelência. Vejamos o que o helenista Jean-
-Pierre Vernant tem a dizer a esse respeito (o termo “Grego” é uti-
lizado aqui em maiúsculo não só para caracterizar os habitantes da
Grécia, mas igualmente compreendendo-o como uma categoria
que inclui homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, todos
incluídos dentro de um contexto social e cultural maior):
O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordiná-
ria proeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de
poder... A palavra não é mais o termo ritual, a fórmula justa, mas
o debate contraditório, a discussão, a argumentação (VERNANT,
1996, p. 34).

Com base nessa assertiva, observamos que o logos ocupava um


lugar central nessa época da nascente razão. Mas não nos engane-
mos: logos e mythos não eram totalmente excludentes, nem mesmo
contraditórios. A razão, representada pelo logos, nasce do mythos.

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40 © Historiografia e Teoria da História

Mas como esse logos foi utilizado e compreendido no cerne


da primeira História? Essa nova maneira de se narrar os aconteci-
mentos se distanciou de forma definitiva do mito?
Observemos, então, as diferenças e as similitudes entre os
dois historiadores, que, desde a Antiguidade, estão no centro da
discussão que tenta decidir quem é o “pai da História”.

Heródoto: ouvir, ver e escrever


Ouvir, ver e escrever. Não se trata de um ordenamento alea-
tório de verbos. Os dois primeiros podem até se alternar, porém,
escrever vem depois. Esta era a prática de Heródoto (484-420 a.C):
colher testemunhos (essencialmente história oral, embora tenha
tido acesso a alguns documentos), observar regiões, pessoas, fatos
e, posteriormente, narrá-los. Em sua obra História (2,9), ele afir-
mou: “Até aqui disse o que vi, refleti e averiguei por mim mesmo,
a partir de agora direi o que contam os egípcios, como ouvi, ainda
que acrescente algo do que vi” (HERÓDOTO, 1998, p. 152).
Heródoto procurou registrar a tradição, feitos e fatos que,
em seu entendimento, não deveriam ser esquecidos – a lembran-
ça e o conhecimento do passado como forma de reforçar a iden-
tidade dos helenos. Em sua escrita, utilizou-se do termo “logos”
no sentido de relato, de conhecimento, de razão; tudo isso repor-
tando-se a opiniões contrastantes que nem sempre puderam ser
comprovadas (o que se ouviu, mas não se viu). A obra História,
nesse contexto, procura estabelecer as causas da guerra entre gre-
gos e persas apresentando uma escrita que, embora ainda traga
elementos mitológicos, traz como novidade o relato do ocorrido,
de fatos concretos, de feitos de homens, e não histórias mitológi-
cas, feitos heroicos e/ou divinos, de um mundo abstrato.
Por essa inovação, Heródoto foi considerado o “pai da Histó-
ria” já na Antiguidade, título atribuído a ele por Marco Túlio Cícero
(106-43 a.C.) em De Legibus – Das Leis, (1,1,5). Porém, apenas nos
tempos modernos, tal honraria estabeleceu-se definitivamente.
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 41

Tucídides: a busca da verdade do que se vê


Segundo Detienne (1998, p. 105), “O ouvido é infiel e a boca
é sua cúmplice. Frágil, a memória é igualmente enganadora: ela
seleciona, interpreta, reconstrói”.
Tomamos por empréstimo essas palavras do helenista Mar-
cel Detienne por acreditarmos que ela representa bem a repulsa
de Tucídides em relação à escrita de Heródoto. Diferentemente
deste, Tucídides preocupou-se com as causas imediatas. Atentou-
-se para o presente, narrou o que viu, acreditava no que estava
diante dos olhos. O passado, para ele, mostrava-se como boatos:
fulano disse que ouviu de sicrano o ocorrido com beltrano na terra
de alguém. Para o autor de Guerra do Peloponeso, memória sem
provas não é História.
Por que devo vos falar de acontecimentos muito antigos quando
estes são atestados antes por boatos que circulam (akoaí) do que
pelo que se viu com seu olhos aqueles que nos ouvem (TUCÍDIDES,
I, 73, 2).

Resumindo, algumas das principais diferenças entre Heródo-


to e Tucídides são: o primeiro privilegia o resgate da tradição, e
o segundo, o registro do presente com o pensamento focado no
futuro; Heródoto é considerado mais romântico, enquanto Tucídi-
des, mais realista. As diferenças também podem ser observadas na
escolha das fontes: o primeiro elege as fontes orais, e o segundo,
não vendo credibilidade nestas, descarta-as.
Outros nomes podem e devem ser citados para esse período
da historiografia: Aristóteles, Políbio, Salústio, Tácito e Cícero.
Vale ressaltar aqui a diferença estabelecida por Aristóteles
entre História e poesia. Reproduziremos, a seguir, uma das mais
famosas passagens desse autor em que esclarece este binômio
contrário:
Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de repre-
sentar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segun-
do a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o
historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (...) – diferem,
sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que pode-

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42 © Historiografia e Teoria da História

riam suceder. Por isso, a poesia é algo de mais filosófico e mais sério
do que a História, pois prefere aquele principalmente o universal, e
esta o particular (ARISTÓTELES. 2003, 9, 50).

De forma bem esclarecedora, assim Funari e Silva (2008, p.


23) se expressam acerca desta afirmação:
Aristóteles aponta como característica essencial da História sua
preocupação com o efêmero, com o acontecimento que não se
pode repetir e que, por isso mesmo, nada nos pode ensinar sobre a
natureza humana ou mesmo do mundo. O particular, por definição,
nada revela.

É bom e temeroso poder discordar de alguém como Aristó-


teles. Mas o desenvolvimento da História como disciplina e como
teoria veio nos mostrar que o particular diz muito sobre homens e
sobre o mundo, assim como sobre os homens no mundo.

7. A HISTORIOGRAFIA NO MEDIEVO
A Historiografia no Medievo está intrinsecamente ligada ao
Cristianismo. Basta lembrar, com o auxílio dos Cadernos de Refe-
rência de Conteúdos História Medieval I e II, que, durante muito
tempo, a Igreja foi a detentora do saber. Nesse período, os ho-
mens, suas obras e os acontecimentos só ganhavam importância
se vistos como resultados dos desígnios divinos.
Essa historiografia produziu genealogias, anais (reais e mo-
násticos) e cronologias de acontecimentos sucedidos nos reinados
dos seus senhoris ou da sucessão de abades. Nos documentos, en-
contramos, igualmente, hagiografias e biografias de reis. Os textos
ainda podiam exaltar uma dinastia como condenar aqueles que
não seguiam os preceitos do Cristianismo.
A escrita dessas fontes estava sob a responsabilidade de
hagiógrafos, cronistas, integrantes do clero episcopal ligados ao
poder e por monges. Como exemplo dessa historiografia, citamos:
História Eclesiástica do Povo Inglês, do século 8, de autoria de
Beda, o Venerável, e Etimologias, de Isidoro de Sevilha.
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 43

8. A HISTORIOGRAFIA NOS SÉCULOS 18 E 19


É contraproducente unir as historiografias dos séculos 18 e 19
num mesmo tópico. Pode parecer que as continuidades e permanên-
cias são superiores às descontinuidades e rupturas no interior da es-
crita da História. No entanto, essa junção aqui realizada justifica-se por
dois motivos: primeiro, não é a passagem de um século para o outro
(temporalmente falando) que modifica as estruturas e, em segundo
lugar, porque o século 19 pode ser entendido como um momento de
concreção e reação ao que foi divulgado no século precedente.
Observe os tópicos a seguir:
1) Avanço do Iluminismo → Nova roupagem das Universi-
dades → Surgimento da Filologia.
2) Filologia Histórica: conhecimento mais rigoroso e aprofun-
dado das línguas antigas → conhecimento das fontes mais
objetivo.
3) Conhecimento mais objetivo do passado → início do
positivismo historiográfico: crítica textual que visava sa-
ber se os documentos eram verdadeiros e fidedignos:
descrição factual precisa. A História, desse modo, surge
como um conjunto de fatos que existem nos documen-
tos. Basta extraí-los. Há um rompimento com a escrita
da História de tradição literária (fácil de ler) rumo a um
discurso árido e douto. Seus principais representantes:
Barthold Georg Niebuhr e Leopold Von Ranke.
4) Revue Historique (1876) – surgimento da Escola Metódi-
ca: autores associados a essa escola estavam preocupa-
dos com a escrita da história nacional e o estabelecimen-
to da identidade da nação. Para tanto, exigiu-se um rigor
metódico, o afastamento da parcialidade, da especulação
e da não objetividade para se contar como a história re-
almente aconteceu. Dois de seus representantes são: Ga-
briel Monod e Gustave C. Fagniez. Veja informações com-
plementares sobre a Revue Historique no quadro a seguir.
5) Karl Marx e a concepção dialética da História: a história
de toda sociedade é a história da luta de classes; a revo-

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44 © Historiografia e Teoria da História

lução é a força motriz da História. A vida social, política e


intelectual é condicionada ao modo de produção da vida
material (materialismo).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Informações complementares sobre a Revue Historique–––––
Em 1870, ocorreu a derrota do exército francês na guerra franco-prussiana.
Com essa derrota, a França sentiu a necessidade de reescrever sua história
e de construir sua identidade. O pensamento histórico alemão teve grande
influência nesse contexto. Dentre os autores mais conhecidos desse período,
citamos: Gabriel Monod, Charles Seignobos e Ernest Lavisse. Todos eles, ao
lado de Theodor Mommsen, serviram de modelo e inspiração para as gerações
posteriores de historiadores franceses.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. O SÉCULO 20 E OS ANNALES
Segundo Burke (1991, p. 127):
Da produção intelectual, no campo da historiografia, no século XX,
uma importante parcela do que existe de mais inovador, notável e sig-
nificativo origina-se da França. A historiografia jamais será a mesma.

É assim que Peter Burke inicia e finaliza o seu livro A Revolu-


ção Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989,
em que descreve e analisa as três gerações do movimento inte-
lectual francês associadas à revista Annales (o primeiro título da
revista foi Annales d’histoire économique et sociale [1929]), que
teve como seus principais representantes Marc Bloch, Lucien Fe-
bvre, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff, Emmanuel
Le Roy Ladurie, Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon,
Michel Vovelle, entre tantos outros.
A última assertiva da citação anterior não é fortuita ou
mero chavão. Reflete bem a prática historiográfica dos membros
dos Annales, que objetivaram suprir a tradicional narrativa de
acontecimentos por uma história-problema, como também deixar
de fazer apenas a história política e abordar a história de todas as
atividades humanas e, por fim, estabelecer uma relação profícua
com outras disciplinas das Ciências Sociais, como a Antropologia,
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 45

a Sociologia, a Geografia etc. As massas anônimas e seus modos


de viver, sentir e pensar foram analisados nesse contexto de in-
terdisciplinaridade. No entanto, vale ressaltar que essa escola não
formou um grupo monolítico, executando uma historiografia uni-
forme. Bem pelo contrário. As diferenças podem ser observadas
no interior das três fases (ou gerações) desta escola:

1ª geração de 1920 a 1945


História enquanto ciência do homem: há uma separação en-
tre os conceitos de História e passado. O que se procura entender
é a história do passado e não o passado em si, que é compreendi-
do como uma construção histórica. Seus maiores representantes
foram Marc Bloch e Lucien Febvre.

2ª geração de 1945 a 1968


O que se aspirava era uma prática histórica mais aberta, ou
seja, que abordasse os campos social, econômico, cultural, geográ-
fico e religioso, em suas diferentes temporalidades e diversas pers-
pectivas. Dito de outro modo: aspirou-se por uma história total.
Fernand Braudel representa exemplarmente essa geração.

3ª geração de 1968...
Fase também conhecida por História Nova ou Nova Histó-
ria. Essa geração particularmente nos interessa, pois os questiona-
mentos apresentados no decorrer deste Caderno de Referência de
Conteúdo são oferecidos a nós pelos integrantes desse grupo ou
por estudiosos que questionaram os paradigmas da história a par-
tir das discussões desse grupo. Por esse motivo, um item separado
abordará o tema.

10. A NOVA HISTÓRIA


Três processos caracterizam a terceira geração: a assimilação
definitiva de novos problemas, novas abordagens e novos objetos.

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46 © Historiografia e Teoria da História

Temas como mulher, sexualidade, prisão, doença, sonho, corpo


e morte são estudados não somente sob a luz da História, mas
igualmente na sua relação com a Antropologia, a Psicologia e a
Sociologia.
Ocorre um distanciamento acentuado em relação à histó-
ria política tradicional. A questão da unidade do objeto e a possi-
bilidade concreta de uma história total também foram deslocadas.
Não existe mais o homem, mas os homens, e não mais história,
mas histórias.
Então, a atenção voltou-se para o sótão, deixando-se o po-
rão (o material) para trás, ou seja, as mentalidades ressurgiram
com nova roupagem nos estudos históricos acadêmicos. Philip-
pe Ariès foi, talvez, o maior responsável por esse retorno; Robert
Mandrou, pela divulgação; e Jacques Le Goff, Georges Duby, Em-
manuel Le Roy Ladurie e Michel Vovelle, pela aplicação dos estu-
dos das mentalidades.
De acordo com Chartier (1990, p. 14-15):
[...] as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os compor-
tamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações fa-
miliares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de
funcionamento escolar etc [...] Sob a designação de história das
mentalidades ou de psicologia histórica delimitava-se um novo
campo [....]

Mas esses objetos carecem de uma abordagem apropriada.


Como você analisaria essas temáticas no tempo, melhor dizendo, a
uma primeira vista? Acredita ser capaz de reconhecer as atitudes
perante a morte num breve espaço de tempo? Os adeptos da his-
tória das mentalidades não apostaram nessa possibilidade. Houve
um aprofundamento nas pesquisas de longa duração: “[...] tempos
das estruturas, tempo quase imóvel da relação entre o homem e a
natureza” (VAINFAS, 1997, p. 134).
Mas essa história foi rebatida: se não há o homem, no sin-
gular, se não há a história, também no singular, igualmente não
há uma única forma de pensamento que caracterize o homem na
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 47

história, mas diferentes modos de viver, sentir e pensar para dife-


rentes homens e passados.
É óbvio, e você já estudou em outros Cadernos de Referên-
cia de Conteúdos, que a Nova História não se resumiu à História
das Mentalidades. O que se deu após as críticas direcionadas a
ela será o tema das outras unidades a seguir. Para finalizar, a sua
atenção, nesse momento, deve voltar-se para o fato de que, com
a introdução de novos problemas, novas abordagens e novos ob-
jetos nos estudos historiográficos, o próprio conceito de História
mudou, o modo de se contar a história mudou, e a sua relação com
outras disciplinas também. São essas transformações que veremos
mais adiante.
Uma última consideração importante à compreensão dos
conteúdos futuros: nessa terceira geração, não houve a predomi-
nância de um grupo à frente dos demais estudiosos, não houve
mais a prevalência da língua francesa nos estudos, como também
a própria França deixou de ser o centro do pensamento histórico.
Autores de outras línguas e outras regiões entraram no embate
contra a “velha” História.
Para Falcon (1997, p. 111):
Batizada de nouvelle histoire, essa historiografia compreende his-
toriadores cujas trajetórias intelectuais e políticas podem ser muito
distintas entre si, tal como a maneira de cada um deles encarar a
disciplina histórica e seu ofício.

11. TEXTO COMPLEMENTAR


Os fragmentos a seguir versam sobre o único tratado da An-
tiguidade sobre a historiografia. Eles fazem parte de um artigo es-
crito por André L. Lopes.
A leitura desses fragmentos levará a conhecer um pouco mais
sobre a temática discutida até aqui. Observe o que o historiador
antigo fala sobre a escrita da História. Algumas de suas colocações
vêm ao encontro do que estamos estudando. Observe, também, o

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48 © Historiografia e Teoria da História

que ele fala sobre a verdade. Esse tema ainda será estudado nas
demais unidades.
Para auxiliá-lo numa reflexão crítica sobre a historiografia,
após alguns fragmentos, foram inseridos comentários direcionan-
do a leitura. Sugerimos que após essa leitura dirigida, você busque
pelo artigo na íntegra e elabore seu próprio bloco de anotações.
O artigo pode ser consultado na íntegra no site disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
-90742005000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 4 jun. 2010.

Moralidade e justiça na historiografia antiga: o ‘manual’


historiográfico de Luciano de Samósata––––––––––––––––––
Na Antigüidade se inventou a história, e foi pródiga em produções historiográ-
ficas, bastante econômica em reflexões sobre essa novidade. Se existem refe-
rências a algumas obras antigas que parecem tratar da historiografia – como,
por exemplo, o tratado de Teofrasto, Perì Historías (Sobre a história), do qual
conhecemos apenas o título, ou o livro de Praxífanes citado por Amiano Marceli-
no em sua Vida de Tucídides –, essas obras estão hoje completamente perdidas
e especular sobre seu conteúdo seria perda de tempo. Aliás, é significativo que
nenhuma obra sobre a história seja citada nas bibliografias dadas por Diógenes
Laércio em Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres.
O silêncio dos filósofos antigos sobre a historiografia é quase completo. Mesmo
Aristóteles, tão prolífico a respeito de todos os campos do conhecimento, a igno-
ra em toda a sua extensa obra. As únicas aparições da história no extenso corpus
do filósofo de Estagira são duas passagens da Poética, nas quais é rejeitada em
favor da poesia, e uma breve recomendação, na Retórica, aos políticos que leiam
história para ampliar seus conhecimentos.
Encontramos algumas reflexões sobre a historiografia nas obras dos próprios
historiadores. Mas, na maior parte das vezes, essas reflexões são fragmentárias,
estão inseridas em polêmicas com outros historiadores ou trata-se de simples
elogios retóricos da historiografia. Na verdade, a mais completa investigação
antiga sobre a historiografia encontra-se em um pequeno tratado da autoria de
Luciano de Samósata, um escritor satírico nascido na Síria no século II da Era
Cristã: Como se deve escrever a história, a única obra antiga inteiramente dedi-
cada à historiografia de um ponto de vista teórico que conhecemos.
Comecemos, portanto, pelo próprio ineditismo da obra: por que Luciano resolveu
escrever uma teoria da história? Por que escrever um tratado que nenhum outro
escritor da Antigüidade tivera necessidade ou interesse em escrever?
Como se deve escrever a história, além de um “manual metodológico”, é um
“panfleto literário”, ou seja, uma obra destinada à crítica de uma prática literária
que Luciano não via com bons olhos. Dos 63 parágrafos do texto, Luciano de-
dica 19, quase um terço da obra, a exemplos de maus historiadores (§§ 14-32).
Essa mesma técnica, “como não fazer” (crítica cômica) e “como fazer” (preceitos
sérios), foi usada por ele em diversos outros panfletos do mesmo tipo como,
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 49

por exemplo, em Mestre de retórica – “como não ser bem-sucedido na retórica


e como sê- lo” – e em Lexífanes – “como não reviver palavras áticas e como
fazê-lo”. No entanto, Como se deve escrever a história se destaca dentre todos,
pois apenas nele a caricatura não2 é a principal preocupação do texto e “a balan-
ça é mais ou menos equilibrada”: contrapondo-se aos 19 parágrafos dedicados
à crítica cômica dos maus historiadores, 27 são destinados aos ensinamentos
prescritivos sobre a história (§§ 34-60).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Observe este pequeno resumo da obra onde o autor do ar-
tigo descreve alguns elementos do texto analisado. É interessante
constatar que a crítica historiográfica já era utilizada nos primór-
dios da escrita da História.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Sendo uma obra de crítica, Como se deve escrever a história estava, portanto,
vivamente inserida na prática historiográfica do século II d.C.. O que não significa
necessariamente que os vários exemplos ridículos de histórias e historiadores
citados por Luciano tenham realmente existido. O próprio Luciano parece extre-
mamente irônico ao garantir a veracidade das histórias por ele criticadas:
Dir-lhes-ei então, em detalhes, o quanto me lembro haver ouvido alguns his-
toriadores dizerem recentemente na Jônia, e agora mesmo na Acaia, des-
crevendo essa mesma guerra. E, em nome das Graças, que ninguém deixe
de acreditar no que vou dizer. Pois eu juraria por sua veracidade, se fosse
próprio inserir um juramento em um tratado.

É provável que diversos historiadores estivessem ativos na época em que Lu-


ciano escreveu e que novas histórias da guerra entre os romanos e os partos
fossem publicadas – ou recitadas – com freqüência. Já no séc. I a.C., [...] No en-
tanto, nada impede que Luciano tivesse criado histórias e historiadores “ideais”,
que se encaixassem melhor nos pontos que ele critica. A crítica aos maus histo-
riadores se mantém, mesmo que todos os historiadores criticados sejam criação
do crítico. E a crítica é necessária, pois o que Luciano busca é uma história justa
(historías dikaías). A verdade, um dos traços mais importantes da historiografia
desde o seu início na Grécia, em Luciano não é senão o instrumento que conduz
ao justo. “É necessário” escrever a história “com o verdadeiro”: “eis sua régua e
seu fio de prumo para uma história justa”.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
História justa... verdadeira – eis a proposta de Luciano. Para
elaborar essa crítica, o autor parte do pressuposto de que mui-
tas histórias estão fantasiadas; não narram o que realmente teria
acontecido. Muito disso estava relacionado ao contexto no qual
o historiador estava inserido (funcionário de governo, funcionário
direto ou escravo do imperador etc.). Podemos dizer que hoje em
dia também é necessário considerar o lugar do historiador?

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50 © Historiografia e Teoria da História

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Para Luciano, o poder romano era uma constatação evidente e explícita: nin-
guém se atreveria a combatê-lo, pois ele já havia submetido e conquistado todos
os povos. Com efeito, a época da vida de Luciano, o século II d.C., foi o auge do
poderio imperial romano, o período dos Antoninos, e a dificuldade de se escrever
uma história justa era que a maioria dos historiadores, “negligenciando contar
o que ocorreu [os eventos], gastam seu tempo no elogio dos chefes e dos ge-
nerais, elevando os nossos até as nuvens e depreciando os do inimigo além de
toda a medida”.
Tratava-se, portanto, de mais do que um panfleto literário. Como se deve escre-
ver a história era, também, um panfleto anti-romano. E a crítica era feita em um
campo que, para a maior parte dos antigos, era naturalmente político, a historio-
grafia:
[...] como o judeu Flávio Josefo traduziu a história da guerra judaica em gre-
go para formar um contraste com o florescimento da mentirosa historiografia
filo-romana, assim – mais ou menos um século mais tarde – o sírio Luciano
reagiu com o opúsculo Como se deve escrever a história na ocasião da
explosão de uma historiografia filo-romana que floresceu a partir da euforia
provocada pelas vitórias de Lúcio Vero.

Luciano, embora não critique os romanos diretamente nem uma vez, resume
seus preceitos para a história dizendo que é necessário escrever a história “com
o verdadeiro […] mais do que com a adulação [kolakeía]”. Portanto, o alvo das
críticas de ambos eram os historiadores aduladores, intelectuais que estavam
mais preocupados com os favores dos poderosos do que com a narrativa dos
eventos ou com o rigor histórico, as preocupações de um verdadeiro historiador.
Além disso, ao escrever em grego, ambos os autores visavam, evidentemente,
a um público que falava grego e, certamente, suas críticas eram dirigidas aos
historiadores que escreveram histórias romanas em grego. Ora, qual seria a re-
lação possível entre esses intelectuais gregos e seus senhores romanos senão
a adulação e a troca de favores?
Podemos ler, assim, em Luciano, uma forte oposição entre a verdade que a his-
tória deveria possuir e a adulação que, na maior parte dos casos, era o que se lia
nas narrativas dos historiadores. A oposição central do Como se deve escrever
a história não é, portanto, entre verdade e mentira, como poderíamos pensar
inicialmente; é entre verdade e adulação, pois a história era um assunto político
que exigia imparcialidade e justiça.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Verdade x mentira... história x ficção? Será que podemos
fazer tal associação? Se a adulação não é uma escrita justa e ver-
dadeira, ela não pode ser estudada como um produto de uma si-
tuação? Em outras palavras, por que adular? A quem atingir com
o texto? Sabendo que muitos escritores antigos trabalhavam dire-
tamente ligados a órgãos do governo, como analisar a produção
deles? Que cuidados tomar quando da análise desse tipo de do-
cumento?
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 51

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A única ação possível para Luciano contra o poder invencível de Roma e seus
aduladores era a crítica. Em diversas obras de Luciano os filósofos cínicos –
como Diógenes, Crates, Menipo e outros – são encarregados dessa crítica que,
mesmo cômica e caricatural, não perde sua mordacidade. Eles são os médicos
das paixões – as doenças da mente humana – e o próprio Luciano, pela boca de
Diógenes, nos diz qual a função do crítico cínico: “Sou um libertador de homens
e um médico de suas paixões; para dizer tudo, quero ser um profeta da verdade
e da franqueza.”
Não se pode deixar de observar que quase todas essas virtudes aparecem na
definição do historiador ideal em Como se deve escrever a história:
Assim, pois, para mim, deve ser o historiador: sem medo, incorruptível, livre
[eleútheros], amigo da franqueza [parresías] e da verdade [alétheias]; como
diz o poeta cômico, alguém que chame os figos de figos e a gamela de
gamela; alguém que não admita nem omita nada por ódio ou por amizade;
que a ninguém poupe, nem respeite, nem humilhe; que seja juiz equânime,
benevolente com todos até o ponto de não dar a um mais que o devido;
estrangeiro nos livros, sem cidade, independente [autónomos], sem rei, não
se preocupando com o que achará este ou aquele, mas dizendo o que se
passou.

Assim, vemos que, para Luciano, o historiador deve ser uma espécie de filósofo
cínico, livre e sem medo de ser sincero. Mais uma vez, é possível ligar essa pas-
sagem ao problema da adulação: se o historiador cometesse o erro de bajular os
poderosos, estaria abdicando de sua liberdade e de sua auto-suficiência.
Para todos os lados que se olhe, a adulação surge como um pecado a ser evi-
tado. Como a adulação não devia ter espaço em uma obra de história, Luciano,
para criticar esse vício, escreveu um panfleto com a forma de uma teoria da
história. Em Como se deve escrever a história, os aspectos teóricos do tratado
estão a serviço da intenção crítica; uma crítica surgida das necessidades políti-
cas do presente. Se a circunstância da guerra e das histórias adulatórias que ela
gerou não ocorresse, imagino que Luciano não teria escrito um tratado sobre a
história.
Segundo Luciano, seus conselhos funcionavam “de uma maneira dupla”; ensina-
vam os historiadores “a escolher isso e evitar aquilo”. Assim, ele começa a parte
teórica de seu tratado catalogando “os vícios que seguem nos calcanhares dos
historiadores medíocres” e ensinando, precisamente, como não se deve escre-
ver a história.
Não à toa, dada a insistência de Luciano contra a adulação, a primeira distinção
feita por ele é entre a história e o panegírico: com efeito, os historiadores “igno-
ram que não é um istmo estreito que delimita e separa a história do panegírico
[enkómion], mas que há entre os dois uma grande muralha e, como dizem os
músicos, uma distância de duas oitavas”.
A posição de Luciano nessa guerra entre a filosofia e a sofística é clara: ele se
posiciona contra a retórica vazia, simples discursos de aparato, sem conteúdo.
Luciano começou sua carreira como orador e nunca deixou de sê-lo, mas voltou
o arsenal da retórica e da sofística contra os filósofos, sofistas, historiadores,
gramáticos ou qualquer outro que considerasse hipócrita ou mentiroso.
A retórica, para Luciano, deveria ser uma retórica idealizada que seguisse “as
pegadas de Demóstenes, Platão e alguns outros”. Mas a retórica dos antigos
não existia mais; fora substituída por uma retórica das aparências, simples or-

Claretiano - Centro Universitário


52 © Historiografia e Teoria da História

namento sem conteúdo ou utilidade. Restava apenas o “outro caminho”, trilhado


por “muita gente”. Esse era o caminho da retórica “moderna”, o caminho trilhado
pelos “segundos” sofistas, biografados por Filóstrato, que visavam apenas a ga-
nhos materiais.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
É interessante observar que Luciano propôs uma escrita his-
toriográfica que seguisse as pegadas da Filosofia. Nesse contexto,
a mitologia e a poesia seriam vistas como instrumentos utilizados
pelos “aduladores”? Escrever com raciocínio e retórica com con-
teúdo. É nesse caminho que seguem os historiadores contempo-
râneos?

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Juntamente com a retórica sem conteúdo, Luciano renega o prazer dos discursos
e não lhes permite um lugar na história. No entanto, os maus historiadores acha-
vam que era possível distinguir entre o prazeroso e o útil quando se tratava de
história. “Por essa razão”, prossegue, eles “trazem elogios para ela [a história],
para dar prazer e divertimento aos leitores”. Eles não sabem quão longe estão
da verdade, pois “a história tem uma única tarefa e um único objetivo – o que é
útil – e isso deriva somente da verdade”. Por isso, os historiadores “não pode[m]
admitir uma mentira, mesmo em pequenas doses”, enquanto os oradores de sua
época não se importavam em mentir para obter seus resultados: o prazer dos
ouvintes, a fama e a fortuna resultantes do sucesso na carreira declamatória.
No entanto, Luciano concede que possa haver lugar para elogios em uma obra
historiográfica, desde que eles sejam controlados pelo interesse da posteridade
e pela utilidade. Tanto os elogios (épainoi) quanto as censuras (psógoi) deviam
ser “cuidadosos e bem considerados, livres de contaminação pelos informantes,
suportados pela evidência [metà apodeíxeon], curtos e não inoportunos, pois os
envolvidos não estão sendo acusados no tribunal”.
Ou seja, há um lugar para o elogio na historiografia, desde que “seja feito na
hora certa e que se mantenha dentro de limites razoáveis”. O grande problema,
portanto, não parece ser o elogio em si, mas o exagero do seu uso. Além disso,
quando Luciano diz que o elogio na historiografia deve se basear em evidências
(metà apodeíxeon), mostra a antiga filiação daquela com a verdade e afasta-a
ainda mais da retórica epidítica. Com efeito, assim como a apódeixis da retórica
aristotélica, a história deveria partir de fatos verdadeiros e mostrar sua causa.
Isto fica bem claro no prefácio de Heródoto:
[...] esta é a demonstração da investigação [historíes apódexis] de Heródoto
de Halicarnasso, para que nem as coisas feitas pelo homem se apaguem
com o tempo, nem que as grandes e maravilhosas obras, algumas realiza-
das [apodechthénta, i.e., demonstradas] pelos gregos, outras pelos bárba-
ros, se tornem inglórias, tanto em outros respeitos, quanto sobre a causa
[aitíen] pela qual eles moveram guerra uns contra os outros.

Ou seja, Heródoto partiu de um acontecimento – a guerra contra os persas – e


tentou demonstrar (apódeixis) sua causa (aitía), mediante um procedimento ba-
seado na investigação (historía).
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 53

O uso de procedimentos retóricos na elaboração da narrativa histórica era ab-


solutamente natural e necessário para Luciano – que, não podemos esquecer,
teve ampla formação retórica. A “retórica historiográfica” proposta por Luciano
(e levada a cabo por Heródoto e Tucídides), no entanto, se afastava da retórica
exibicionista dos sofistas de seu tempo e se aproximava da retórica filosófica de
Aristóteles. Tratava-se de partir dos acontecimentos, verdadeiros e evidentes, e
demonstrá-los. Mas nunca se poderia esquecer que a história “tem uma única
tarefa e um único objetivo – a utilidade – e isso deriva apenas da verdade”. To-
dos os procedimentos retóricos utilizados na elaboração historiográfica deveriam
estar sujeitos a isso.
Por fim, creio que vale a pena examinarmos uma pequena metáfora utilizada
por Luciano em seu manual. Segundo o sírio, o historiador deve deixar que sua
inteligência seja “semelhante a um espelho impoluto, brilhante, preciso quanto a
seu centro – e, qualquer que seja a forma dos fatos que recebe, assim os mostre,
sem nenhuma distorção, diferença de cor ou alteração de aspecto”.
A referência à mente do historiador como um espelho que reflete os fatos é bas-
tante interessante. Pois o espelho, por mais centrado e impoluto que seja, reflete
uma imagem parecida com a original, mas que guarda algumas diferenças des-
sa. A mais evidente dessas diferenças é a inversão que se efetua na superfície
do espelho entre direita e esquerda – e os antigos jamais deixaram de percebê-
-la. Platão, por exemplo, cita diversas vezes esse fenômeno.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Muitos autores antigos, modernos e contemporâneos fi-
zeram uso da metáfora do espelho. Procure saber mais sobre os
significados tomados por esse utensílio tão precioso aos homens.
Perceberá que, muito mais do que refletir, ele pode deturpar uma
realidade. As fontes históricas também não cumprem esses pa-
péis?

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Isso poderia significar que o historiador sempre vai acrescentar algo aos fatos,
malgrado sua precisão e imparcialidade? Talvez. Mas creio que isso seria ler Lu-
ciano pensando em Hayden White. Luciano, como todos os antigos, acreditava
na possibilidade de “narrar a história tal como ela aconteceu”. Além do que, não
podemos esquecer que o espelho criticado por Platão e Aristóteles é o objeto,
o disco metálico que reflete imagens. Na literatura grega, no entanto, o espelho
aparece quase sempre com um sentido figurado. E esse sentido sempre se re-
flete sobre o plano moral....
A única tarefa do historiador é contar o que aconteceu. Quando um homem vai
escrever história, deve ignorar todo o resto.
Vê-se novamente nessa passagem a questão da verdade da historiografia opos-
ta à adulação dos poderosos. Como já dissemos antes, essa é a oposição central
em Como se deve escrever a história.
Ao utilizar o espelho como metáfora para a mente do historiador, creio que Lu-
ciano estava, como nos demais exemplos citados, ressaltando o aspecto moral e
ético da história. Pois se o espelho reflete tanto o certo quanto o errado, é tarefa

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54 © Historiografia e Teoria da História

do historiador refletir, dentre as imagens que sua mente vê nos acontecimentos,


aquelas que são justas. Se o historiador pretende que sua história seja justa, se
pretende que sua obra tenha alguma utilidade para o futuro e possa ser, como
Tucídides “legislou”, “um tesouro [ktêmá] para sempre”, ele não pode dar espaço
para a adulação ou para os excessos da poesia. Sua obra deve ser uma história
verdadeira e digna de confiança, que ensine e eduque os homens do futuro com
os acontecimentos do presente, para que, quando os acontecimentos, devido à
natureza humana, venham a se repetir, eles estejam preparados para agir me-
lhor.

Notas
*
Professor de Teoria da História e Historiografia no Depto. de História da Uni-
versidade Estadual de Goiás – UEG, Formosa, GO. CEP 73802-000. e-mail:
a.lemelopes@gmail.com
1
Como se deve escrever a história, 2. Luciano se refere à guerra iniciada pelo rei
parto Vologésio IV na primavera do ano 162 e vencida pelo co-imperador Lúcio
Vero quatro anos depois (o triunfo foi celebrado em 12 de outubro de 166). A
edição consultada para as obras de Luciano é Lucian in eight volumes. Londres,
Cambridge, Mass.: William Heinemann, Harvard University, 1913-1959; as tradu-
ções, exceto quando indicado, são minhas.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, ou seja, da revisão sobre a historiografia no decorrer da
História.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais são as principais diferenças constatadas nos conceitos de historiogra-
fia citados no corpo do texto?
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 55

2) Quais são as diferenças pontuais encontradas nos conceitos de História de


Heródoto, Tucídides e Aristóteles?

3) Qual(ais) foi(ram) a(s) real(is) contribuição(ções) do grupo dos Annales?

4) Releia o conteúdo sobre a Nova História nos Cadernos de Referência de Con-


teúdos Metodologia da História I e II, pesquise sobre o tema em livros e sites,
e escreva um texto que contenha as principais características desse grupo.

5) O que ficou sem uma compreensão mais apurada? Releia e tente sanar suas
dúvidas.

13. CONSIDERAÇÕES
Você estudou, nesta unidade, os diferentes conceitos de his-
toriografia e viu que o conceito de Teoria da História é pratica-
mente indissociável. O fato de esses conceitos serem polissêmicos
indica que as definições são construções históricas, ou seja, a es-
crita da História e tudo o que isso implica, é fruto de uma época
e reflete a forma de pensamento característica dessa época. Ao
mesmo tempo, com essa constatação, um problema é apresen-
tado: podemos afirmar que há uma única forma de pensamento
característica de um período? A resposta leva-nos a um esforço
de reflexão que nos convida a compreender a nossa própria con-
cepção de História e de método histórico. A saída mais pondera-
da para tamanha dificuldade é conhecer as diferentes dinâmicas
históricas que se apresentarão na sequência e, a posteriori, nos
engajarmos nos conceitos que mais se evidenciam pertinentes às
nossas próprias ideias.
Você igualmente foi convidado a recorrer à sua memória e
rever alguns pontos-chave das diferentes etapas do estudo e da
produção historiográfica. Viu, ainda, que o conceito de História foi
modificado no tempo e espaço e foi embutido de ideologias, des-
pido de outras. Do mesmo modo, relembrou que novos objetos e
temáticas ganharam espaço nas pesquisas históricas, assim como
outras disciplinas das Ciências Sociais vieram contribuir (com com-
plementações, métodos e críticas) para com o entendimento do

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56 © Historiografia e Teoria da História

Homem, dos homens, do passado enquanto fato dado ou enquan-


to construção.
Nas próximas unidades, você será provocado a conhecer os
diversos debates que estão ocorrendo no meio acadêmico acer-
ca das mudanças dos paradigmas da História. A apresentação dos
autores e de suas teorias não seguirá uma ordem cronológica,
mesmo porque os diferentes embates se deram, e ainda ocorrem,
simultaneamente, nos centros francês, inglês, americano e brasi-
leiro.
O que você verá a seguir são as discussões sobre o processo
de mudanças nos paradigmas epistemológicos no interior da his-
toriografia após a incorporação de novos temas, novos métodos
e novas linguagens pelos historiadores, por meio do estudo das
perspectivas que demarcam o debate contemporâneo, especial-
mente no final do século 20 e início do século 21, dando ênfa-
se às novas propostas da historiografia pós-moderna. Em outras
palavras, você terá acesso aos debates que entendem a História
como narrativa, como discurso, como literatura e ficção e a Histó-
ria como representação.
A escolha dos autores e de suas temáticas no contexto pós-
-moderno tem algumas justificativas: inicialmente, trata-se de uma
retomada e, ao mesmo tempo, de um aprofundamento do saber
em relação a nomes e teorias vistos rapidamente no final do Ca-
derno de Referência de Conteúdo Metodologia da História II. Outro
fator que contribuiu para tal seleção é o fato de que as discussões
sobre a História e historiografia pós-moderna ganharam espaço
e produção nos principais centros acadêmicos mundiais. E, final-
mente e não menos importante, porque esses mesmos autores
e teorias que tanto contribuíram com a mudança nos paradigmas
historiográficos tradicionais agora são alvo de reflexões, críticas e
reprimendas.
© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 57

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARISTÓTELES. Arte Poética. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003.
BLANKE, H. W. Para uma Nova História da Historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A
História Escrita: Teoria e História da Historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.
BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As Escolas Históricas. Tradução de Ana Rabaça. Lisboa:
Publicações Europa-América, 1990.
BURKE, P. A Revolução Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989.
Tradução de Nilo Odália. São Paulo: Unesp, 1991.
CARBONELL, C. Historiografia. Tradução de Pedro Jordão. Lisboa: Teorema, 1987.
CHARTIER, R. A História Cultural: entre Práticas e Representações. Tradução de Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
CÍCERO. Tratado das Leis. Tradução de Marino Kuri. Caxias do Sul: Editora da Universidade
de Caxias do Sul, 2004.
DETIENNE, M. A Invenção da Mitologia. Tradução de André Telles e Gilza M. S. da Gama.
Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB, 1998.
FALCON, F. História das Idéias. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (Orgs.). Domínios da
História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
FUNARI, P. P.; ILVA, G., J. da. Teoria da História. São Paulo: Brasiliense, 2008. (Tudo é
História; 153)
HERÓDOTO. Histórias. Tradução de Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: UnB, 1998.
LOMBARDI, J. C. (Org.). Fontes, história e historiografia da educação. Ponta Grossa:
Autores Associados, 2004.
MALERBA, J. Teoria e História da Historiografia. In: MALERBA, J. (Org.). A História Escrita:
teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.
MOMIGLIANO, A. As Raízes Clássicas da Historiografia Moderna. Tradução de Maria
Beatriz B. Florenzano. Bauru: EDUSC, 2004. (Coleção História).
SILVA, K. V. e SILVA, M. H. (Orgs.). Dicionário de Conceitos Históricos. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2006.
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Tradução de Mario da Gama Kury. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001.
VAINFAS, R. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R.
(Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,
1997.
VERNANT, J. As origens do pensamento grego. Tradução de Isis B. B. da Fonseca. 9. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
VEYNE, P. O inventário das diferenças: história e sociologia. Tradução de Sônia Aquino.
São Paulo: Brasiliense, 1983.

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EAD
O Pós-modernismo:
Reação e
Contrarreação
2
1. OBJETIVOS
• Compreender e caracterizar os principais debates acerca
da crise dos paradigmas tradicionais.
• Conhecer e identificar as características da Micro-história
e Nova História Cultural.

2. CONTEÚDOS
• Pós-modernismo.
• Micro-história.
• Nova História Cultural.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
60 © Historiografia e Teoria da História

1) Para uma compreensão mais pormenorizada do con-


teúdo que será agora assimilado, sugerimos a leitura da
obra: LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna.
Tradução de Ricardo C. Barbosa. 5. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1998.
2) Para a compreensão e o aprofundamento de alguns as-
suntos abordados nesta unidade, recomendamos a lei-
tura da obra: GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o
cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela In-
quisição. Tradução de Maria Betânia Amoroso e outros.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
3) Aprimore seus saberes acerca da micro história, lendo a
obra: LE ROY LADURIE, Emmanuel. Montaillou, Povoado
Occitânico de 1294 a 1324. Tradução de Maria Lúcia Ma-
chado. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
4) As três definições de cultura, que serão apresentadas
nesta unidade no tópico O que é cultura, constam do li-
vro O que é História Cultural?, de autoria de Peter Burke
(2005).
5) Complemente seu conhecimento sobre a História Quan-
titativa e o retorno do marxismo, assuntos que serão
abordados nesta unidade, lendo o livro SILVA, Kalina
Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique (Orgs.). Dicionário de
Conceitos Históricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
6) Vários autores serão citados no decorrer da unidade. Para
obter maior conhecimento, observe as informações a se-
guir e procure pesquisar sobre eles nos sites indicados.

Carlo Ginzburg

Carlo Ginzburg (1939), historiador e antropólogo italiano,


foi pioneiro nos estudos da Micro-história. É, ainda, profes-
sor de Estudos sobre o Renascimento Italiano na Univer-
sidade da Califórnia. Uma produção sua muito importante
e que deve ser citada é Mitos, Emblemas e Sinais. Sugeri-
mos que você acesse o site, cadastre-se e veja a entrevis-
ta com o autor. Disponível em: <www.cpdoc.fgv.br/revista/
arq/78.pdf>. Acesso em: 24 maio 2009 (imagem disponí-
vel em: <http://lupacap.fltr.ucl.ac.be/images/ginzburg.jpg>.
Acesso em: 31 maio 2010).
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 61

Lynn Hunt

Lynn Hunt é uma renomada historiadora americana, pro-


fessora de História da Europa Moderna na Universidade da
Califórnia. Suas pesquisas abrangem temas como Revolu-
ção Francesa, História Cultural e Historiografia. Saiba mais
sobre esse assunto no site disponível em: <http://www.his-
tory.ucla.edu/people/faculty?lid=535>. Acesso em: 24 maio
2009 (imagem disponível em: <http://www.history.ucla.edu/
people/faculty?lid=535>. Acesso em: 24 maio 2009).

Clifford James Geertz

Clifford James Geertz (1926-2006) Foi um antropólogo


americano, professor na Universidade de Princeton, cujas
pesquisas enfatizam a cultura como sistema simbólico. Tal-
vez sua obra mais conhecida entre os brasileiros seja A In-
terpretação das Culturas. Para saber mais, consulte o site
disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0034->. Acesso em: 21 jun. 2010 (imagem
disponível em: <http://circulobrasileirodesociologia.blogspot.
com/2010_03_01_archive.html>. Acesso em: 21 jun. 2010).

Marcel Mauss
Marcel Mauss (1872-1950). Sociológo e antropólogo francês
que defendeu a teoria de que os elementos centrais de toda
sociedade é o intercâmbio e a dádiva. Uma de suas principais
obras é Ensaio sobre a Dádiva. Aprimore seus conhecimentos
acessando o site disponível em: <http://biografias.netsaber.
com.br/ver_biografia_c_2596.html>. Acesso em: 18 mar.
2010 (imagem <http://www.kalipedia.com/kalipediamedia/
penrelcul/media/200707/18/hisfilosofia/20070718klpprcf
il_220.Ies.SCO.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2010).

Claude Lévi-Strauss
Claude Lévi-Strauss (1908) foi um etnólogo e antropólogo
francês que fundou a corrente humanista do estruturalismo
e que acreditava na reconstrução das leis que regem a so-
ciedade. Pretendia demonstrar, a partir do estudo dos mi-
tos, a possibilidade de sistematizar o pensamento humano.
Entre suas obras mais significativas, estão Tristes Trópicos,
Antropologia Estrutural e O Pensamento Selvagem. Você
encontra a biografia completa desse autor no site disponível
em: <http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_605.
html>. Acesso em: 18 mar. 2010 (imagem disponível em:
<http://ouiouioui.wordpress.com/2008/12/06/claude-levi-
-strauss-frances-no-brasil/>. Acesso em: 22 jun. 2010).

Claretiano - Centro Universitário


62 © Historiografia e Teoria da História

Dominick LaCapra
Dominick LaCapra (1939) é historiador americano e pro-
fessor de Estudos Humanísticos na Universidade de Cor-
nell. Seus estudos estão centrados em História Cultural,
História Intelectual e Crítica Literária. É autor de Rethin-
king Intellectual History: Texts, Contexts, Language. Saiba
mais sobre sua vida e obra no site disponível em: <http://
www.people.cornell.edu/pages/dcl3/>. Acesso em: 18 mar.
2010 (imagem disponível em: <http://stormblast.wordpress.
com/2008/10/08/repensar-la-historia-intelectual-y-leer-tex-
to-dominick-lacapra/>. Acesso em: 22 jun. 2010).

Robert Darnton
Robert Darnton (1939) é um historiador cultural norte-america-
no que sempre se preocupou com a divulgação em massa do
conhecimento. Ficou mais conhecido pelo público acadêmico
brasileiro após a publicação de O Grande Massacre dos Ga-
tos, livro em que utiliza a ideia de Geertz, que diz que um rito
pode ser lido como um texto. Para saber mais detalhes sobre o
autor, acesse o site disponível em: <www.cpdoc.fgv.br/revista/
arq/59.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2010 (imagem disponível em:
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI11475-
15295,00-ROBERT+DARNTON+O+ALUNO+DEPENDE+DE
MAIS+DO+GOOGLE.html.>. Acesso em: 22 jun. 2010).

Natalie Zemon Davis


Natalie Zemon Davis (1928) é professora emérita de História
na Universidade de Princeton. Suas pesquisas focadas em
História Social e Cultural renderam nove livros e inúmeros ar-
tigos. Entre as obras mais conhecidas, citamos O Retorno de
Martin Guerre. Para saber mais informações, sugerimos que
você acesse o site disponível em: <http://www.companhia-
dasletras.com.br/autor.php?codigo=00122>. Acesso em: 22
jun. 2010 (imagem disponível em: <http://www.ns.umich.
edu/MT/00/Fal00/mt13f00a.gif>. Acesso em: 23 jun. 2010).

Jacques Derrida
Jacques Derrida (1930-2004), filósofo francês fortemente
influenciado por Sigmund Freud e Martin Heidegger, foi um
dos mais importantes estudiosos do pós-estruturalismo e
pós-modernismo. Derrida foi o precursor de uma reflexão
crítica sobre a filosofia e seu ensino. Foi, ainda, o criador
do método chamado de desconstrução. Segundo esse
sistema, não se trata de destruir, e, sim, de decompor os
elementos da escrita para descobrir partes do texto que
estão dissimuladas. Em seguida, Derrida criou outros dois
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 63

conceitos: a indecidibilidade e a diferença. Entre suas obras, está: A escritura e a


diferença. Você pode ter acesso à biografia desse autor de forma mais detalhada
no site disponível em:
<http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_291.htm>. Acesso em: 18
maio 2010 (imagem disponível em: <http://www.religion.ucsb.edu/projects/irre-
concilabledifferences/Derrida.jpg>. Aceso em: 23 jun. 2010).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na língua francesa, tournant critique; em inglês, epistemolo-
gical crises; e, em nosso idioma, tempo de incerteza. Nos últimos
anos, essa tem sido a discussão, um tanto inquietante, na historio-
grafia de um modo geral.
Você acompanhou, na Unidade 1, que mudanças no con-
ceito de História e na prática historiográfica ocorrem desde a
Antiguidade e que, a partir dos anos 1960, as transformações se
acentuaram. Com a terceira geração dos Annales e a Nova Histó-
ria, conhecemos e revimos as abordagens da História das Menta-
lidades; porém, ainda podemos observar que houve uma procura
pela História Quantitativa e tivemos um retorno – se é que assim
podemos afirmar – do marxismo, agora não mais de caráter tão
ortodoxo. O destaque ao cultural em detrimento do político e do
econômico foi a característica marcante desse momento.
As novas abordagens ajudaram os historiadores a se afastar
dos inventários que estavam acostumados a apresentar, das es-
truturas e regularidades reconhecidas, ou seja, todas as certezas
longa e largamente difundidas foram sacudidas. O que um dia foi
uma reação contra a história política tradicional (de grandes feitos
e grandes homens) provocou uma contrarreação: as mentalidades
esconderam-se sob o título de História Cultural, a Micro-história
procurou olhar mais de perto determinadas particularidades, e o
social e o político voltaram com roupagem nova.
Mas ainda não terminou. Para além dos questionamentos
a respeito das abordagens teóricas, igualmente foi questionada a
forma do discurso historiográfico, ou seja, os historiadores toma-

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64 © Historiografia e Teoria da História

ram consciência de que suas escritas eram narrativas. As implica-


ções desse debate você verá na Unidade 5 em que trataremos da
discussão levantada por Hayden White.

5. A CRISE DOS PARADIGMAS HISTORIOGRÁFICOS


De acordo com Margareth Rago (2000):
Já faz algum tempo que os historiadores perceberam as dificuldades
do seu ofício, não apenas pelos obstáculos de acesso aos documen-
tos, mas porque sua atividade não é neutra e nem o passado existe
enquanto coisa organizada e pronta, à espera de ser desvelado. O
historiador produz o passado de que fala a partir das fontes docu-
mentais que seleciona e recorta, compõe uma trama dentre várias
outras possíveis e constrói uma interpretação do acontecimento.
Há múltiplas histórias a serem contadas já que os grupos sociais,
étnicos, sexuais, generacionais, de baixo ou de cima, se constituem
de maneiras diversas, mas têm diferentes modos de narrá-las.

A historiadora Rago (2000), em sua assertiva, aponta alguns


obstáculos para o ofício do historiador: nem todas as fontes são fa-
cilmente acessíveis (ora dependem de escavações arqueológicas,
ora de uma boa organização e conservação em museus e arquivos,
ora da disponibilização por particulares, além de fontes em línguas
mortas ou não muito familiares e da possível distância geográfica
em que se encontram, entre tantos outros obstáculos). Chegan-
do até os documentos, ainda será preciso fazer um levantamento,
selecionar e, após seleção, fazer recortes ainda menores. Mas as
fontes não são o passado e, por vezes, deturpam-no, dissimulam-
-no ou não o representam por completo. E ainda tem mais, o que
as fontes nos falam depende das perguntas que elaboramos. Por
este motivo, há várias histórias a serem contadas de acordo com
acesso às fontes, seleção das mesmas e perguntas dirigidas.
O passado não está pronto. Tudo isso foi verificado, analisa-
do e discutido no decorrer, especialmente, do século 20. O grupo
da Nova História apresentou uma grande produção a respeito do
ofício do historiador. E, não bastassem todas essas mudanças e
mais aquelas que afetaram os conceitos de História e historiogra-
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 65

fia desde a Antiguidade, a partir dos anos 1960 e 1970, um novo


conceito vem contribuir com os debates sobre a "queda" dos tra-
dicionais paradigmas historiográficos. Trata-se do conceito de pós-
-modernismo. Essa ideia não é fruto desse período, mas ganha for-
ça com a publicação do livro A condição pós-moderna, do filósofo
francês Jean-François Lyotard, em 1979.
Entretanto, antes mesmo de nos aprofundarmos nas que-
relas pós-modernistas, um questionamento deve ser feito: o que
foi o modernismo ou a modernidade contra a qual se travou uma
guerra? Você, aluno de História, saberia explicar ou apontar algu-
ma característica desse período? Então, vejamos, brevemente, os
pontos centrais.
Com o Renascimento, a humanidade foi promovida, alçada ao
centro da realidade. No reflexo desse movimento, o Iluminismo ele-
vou o indivíduo ao centro do mundo e buscou explicações racionais
para toda e qualquer questão relacionada à sociedade. Igualmente,
pregava a confiança no progresso humano por meio de realizações
científicas e tecnológicas. E a escrita da História ganhava forma nas
metanarrativas. Resumindo e finalizando, na modernidade "[...] a
história está dominada pelos conceitos de razão, consciência, sujei-
to, verdade e universal" (DILMANN, 2006, p. 568).
Esses conceitos, tomados isoladamente ou em conjunto,
contribuíram com a formação de expressões que, por muito tem-
po, habitaram os livros e foram proferidas ao público ouvinte: su-
jeito universal, consciência universal, razão e verdade; tratava-se
da divulgação da ideia de que o conhecimento é objetivo, que a
verdade é exata, única, que o mundo é único, que as explicações
são universais.
Contra todo esse aparato surge, na França, como você já
estudou, os Annales, que, nos anos 1970, mais especificamente,
com a Nova História, irá definitivamente divulgar a ideia de que o
conhecimento não é objetivo, que é, ao contrário, subjetivo, que
a verdade é relativa, que há mundos e passados diferentes e que

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66 © Historiografia e Teoria da História

as explicações são, de fato, interpretações. O determinismo e o re-


ducionismo são rejeitados e a história global e a história universal
são descartadas.
Mas se tanto já foi modificado e readequado, por que há
as contínuas e novas discussões e os embates no meio acadêmi-
co? Por que o desconforto com o conceito de pós-modernismo? As
respostas são múltiplas; consideremos algumas:
1) História imóvel das mentalidades: não respondia à dinâ-
mica do mundo pós-moderno.
2) Abordagem quantitativa da História: encarada como re-
ducionista.
3) Abordagem marxista da História: o escolasticismo dog-
mático é criticado.
4) Diferentes conceitos de História e historiografia sendo
debatidos – não havia um consenso.
5) Questionamentos sobre a verdade histórica: se é relati-
va, a História não é ciência.
6) Questionamentos sobre os estilos de escrita da História:
a querela da narrativa.
Em resumo, no pós-modernismo, o relativismo dominou.
Toda e qualquer fonte deve ser pensada como um texto a ser lido,
em que os significados estão aí para ser decodificados ou descons-
truídos; portanto, não resta dúvida de que o real ou a realidade
não podem ser atingidos e, em outras palavras, que a História se
tornou um discurso verossímil.
Concluindo a história: nessa época que se poderia denominar "pós-
-tudo" (pós-liberal, pós-ocidental, pós-indústria pesada, pós-mar-
xista), os velhos centros mal se agüentam, e as velhas metanarrati-
vas já não soam reais e promissoras, vindo a parecer inverossímeis
dos pontos de vista céticos do fim do século XX (JENKINS, 2004, p.
98).

Tantos questionamentos levaram a uma reação:


Três campos historiográficos podem servir de exemplo dessa bus-
ca renovada de recentrar o objeto e o modo de trabalhá-lo. Um é
o da chamada Micro-História, cujo objetivo, entre outros, foi o de
promover a volta do sujeito individual. Outro é o da nova história
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 67

cultural, que incorpora as questões da representação e das formas


lingüísticas de apreensão do mundo pelo sujeito individual ou co-
letivo. Um terceiro corresponde a uma forma de ressurgimento da
história social e da sociologia histórica, que se rotula de ciência his-
tórica sócio-estrutural (MARTINS, 2004).

6. A MICRO-HISTÓRIA
A proposta da Micro-história é reduzir a escala de observa-
ção do historiador (incluindo espacialidade e temporalidade) na
tentativa de buscar elementos que, analisando em escala maior,
passariam despercebidos. Seus objetos geralmente são práticas
culturais específicas (festas religiosas, por exemplo), ocorrências
(um determinado crime, um julgamento específico, suicídios), ci-
dades, indivíduos, famílias ou lugares determinados. Entende-se
que uma micro-ocorrência fornece dados para a compreensão de
uma característica cultural maior.
De acordo com Peter Burke (2005, p. 60-64), a Micro-história
foi uma reação contra:
1 – o estilo de história social que empregava métodos quantitativos
e descrevia tendências gerais;
2 – a relação entre a História e a Antropologia;
3 – a grande narrativa (história triunfalista) que se interessava, qua-
se que exclusivamente, pelos nomes e fatos ocidentais, ou seja,
Cristandade, Renascença, Revolução Francesa etc.;

A novidade da Micro-história não está somente na escala


de observação, mas do mesmo modo, na forma de contextuali-
zar. Enquanto na perspectiva macro-historiográfica podemos en-
contrar uma contextualização que parte de uma visão panorâmica
para depois afunilar numa temática mais específica, os micro-his-
toriadores, por vezes, desprezam a contextualização ou realizam-
-na de modo bem diverso: eles partem da especificidade e, quan-
do se achar necessário, apontam para um contexto maior.
Observemos as Figuras 1 e 2:

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68 © Historiografia e Teoria da História

Figura 1 Contextualização tradicional.

Repare que a numeração indica um movimento de fora para


dentro. Esse seria o modelo convencional. Já aquele seguido pela
Micro-história pode ser representado da seguinte maneira:

Figura 2 Contextualização da Micro-história.

O asterisco representa o tema: a partir dele, é feita a refe-


rência ao contexto maior.
Um dos exemplos mais conhecidos desse tipo de aborda-
gem é o livro O queijo e os vermes, do historiador italiano Carlo
Ginzburg. Nessa obra, encontramos narrada a história do moleiro
Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, perseguido e jul-
gado pela inquisição papal. Os elementos de Micro-história que
observamos no livro são definidos pela exposição da história pes-
soal de um homem e uma vila específica, Montereale, em uma
época determinada, o século 16.
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 69

Outro exemplo é o livro de Emmanuel Le Roy Ladurie, Mon-


taillou, que versa sobre uma pequena aldeia da França, localizada
nos Pireneus, à época do início do século 14. O autor usou regis-
tros da inquisição para retratar a vida cotidiana dos cerca de 200
habitantes da comunidade.
Finalizando essa breve exposição sobre a Micro-história, fa-
remos uso de uma assertiva um tanto importante:
[...] a Micro-história deve ser definida como 'campo' e não como
uma 'corrente' localizada de historiadores. E também não deve ser
vista como restrita a uma determinada temática. Na verdade, a
princípio qualquer tema seria passível de ser abordado a partir de
um olhar micro-historiográfico (BARROS, 2004, p. 167-168).

7. A NOVA HISTÓRIA CULTURAL


Esse novo campo historiográfico (Nova História Cultural) é
o que particularmente nos interessa. Foram alguns de seus repre-
sentantes que alçaram voos mais altos nessas contendas contra os
tradicionais paradigmas da historiografia. Dentre eles, citamos: Lyn
Hunt, Michel de Certeau, Roger Chartier, Michel Foucault, Hayden
White, entre tantos outros. A partir dos estudos desses autores, a
História foi repensada no contexto do pós-modernismo.
Mas o que caracteriza a Nova História Cultural? O que ela
apresenta de novo ou repensado? Quais suas contribuições para
a difícil tarefa do historiador diante do passado que não se revela,
mas que clama por olhares?
Aqui, vale ressaltar que esse movimento não foi exclusivo no
meio acadêmico francês; pelo contrário, trata-se de um movimen-
to internacional que encontrou eco na Inglaterra, Estados Unidos,
Itália, Rússia, Alemanha, Holanda e mesmo no Brasil.

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70 © Historiografia e Teoria da História

O que é cultura?
Como compreender o que é a Nova História Cultural sem
entendermos o que é cultura? Não há como. Você já parou para
pensar qual conceito de cultura utiliza no dia a dia, em seus es-
tudos? Mas é possível entender o que é cultura? Cardoso (2005)
surpreende-nos ao divulgar uma pesquisa em que apontou a exis-
tência de, aproximadamente, 164 conceituações diferentes para
esse termo.
Portanto, mais uma vez, deparamo-nos com um conceito po-
lissêmico. E, mais uma vez, somos chamados a optar por apenas
um deles, pois disso depende a nossa abordagem às fontes. Mas,
ao menos, uma certeza vem nos acalantar: podemos descartar to-
dos aqueles julgamentos que localizam a cultura no cerne da elite,
ou seja, que apregoam que as camadas sociais menos favorecidas
(financeira e intelectualmente) não são detentoras nem produto-
ras de cultura. Esse preconceito já não é mais aceito no meio aca-
dêmico.
Vejamos exemplos de significações de cultura que alguns es-
tudiosos nos deixaram como legado para serem seguidas, critica-
das ou, ao menos, refletidas:
1) Para Bronislaw Malinowski (in BURKE, 2005, p. 43), cul-
tura abrange "as heranças de artefatos, bens, processos
técnicos, idéias, hábitos e valores".
2) Segundo Edward Tylor (in BURKE 2005, p. 43), cultura "é
o todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte,
moral, lei, costume e outras aptidões e hábitos adquiri-
dos pelo homem como membro da sociedade" (BURKE,
2005, p. 43).
3) De acordo com Clifford Geertz (in BURKE, 2005, p. 52),
cultura:
[...] é um padrão, historicamente transmitido, de significados in-
corporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas,
expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens se
comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas
atitudes acerca da vida.
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 71

Observe que as definições de Malinowski e Tylor são aproxi-


madas. Entretanto, a definição de Geertz apoia-se no simbólico. É
esse o rumo que irá tomar a Nova História Cultural.

A viragem antropológica
Na historiografia, encontramos a expressão inglesa “cultural
turn”, que também faz referência à viragem antropológica.
A viragem antropológica: assim foi definido esse encontro –
que se iniciou na década de 1960, mas que se firmou na década de
1990 – entre a História e a Antropologia. Dentre os primeiros re-
sultados dessa junção, temos o aparecimento de expressões como
“história antropológica”, “antropologia histórica” e “etno-história”.
De qualquer modo, seja qual for a acepção escolhida pelo historia-
dor, dentre essas três, ela revela o campo de interesse e as possi-
bilidades interpretativas das fontes e das histórias, melhor ainda,
das culturas. Outro efeito foi a definição da abordagem às fontes,
ou seja, a grande preocupação da Nova História Cultural passou
a ser o simbólico e suas interpretações e não necessariamente a
inclusão de novas fontes. Afinal, como afirmou, de modo enfático,
Ernest Cassirer (1975, p. 45), "o homem não é outro senão o ani-
mal symbolicum”.
Além de Geertz, os antropólogos Marcel Mauss e Claude
Lévi-Strauss foram igualmente retomados, mesmo com propostas
diferentes. Porém, Benatte (2007, p. 3-4) define bem esse passeio
dos historiadores pela Antropologia:
De modo geral, o olhar histórico-antropológico dos praticantes da
nouvelle histoire é bastante variado em suas inspirações. Eles não
observam uma fidelidade estrita a um determinado "clã" ou escola
do pensamento antropológico; antes praticam um certo ecletismo
vagabundo adaptado a seus interesses específicos de pesquisa. O
que eles parecem buscar na ciência social vizinha não é um corpus
conceitual sistêmico ou uma teoria geral da cultura, mas sim um
aguçar da sensibilidade para a diferença e alteridade do passado
empiricamente cognoscível.

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72 © Historiografia e Teoria da História

Essa viragem antropológica significou para os historiadores


culturais do final do século 20 a “[...] busca de uma maneira alter-
nativa de vincular cultura e sociedade, uma forma que não redu-
zisse a primeira a um reflexo da segunda ou a uma superestrutura
[...]” (BURKE, 2005, p. 56).
Uma última citação tem o objetivo de situá-lo, ainda mais,
no contexto pós-moderno:
O que os críticos da modernidade, os pós-modernos, elegeram em
troca da racionalidade moderna e seus grandes temas, o progresso,
a ciência, a revolução, a verdade enfim... foi a valorização do par-
ticular, do fragmentário, do efêmero, do microscópico, do sensual,
do corpóreo, do prazer. A pós-modernidade rejeita decididamente
a predileção pelas grandes sínteses, pelo conhecimento das causas
primeiras, pela busca do sentido da História. Desse modo, o pro-
cesso histórico passa a ser o domínio da indeterminação, do sujeito
constituinte, da criação absoluta (ALMEIDA, 2003, p. 75).

8. TEXTO COMPLEMENTAR
Ninguém melhor do que o próprio autor para falar dele mes-
mo. Num bate-papo quase informal, Carlo Ginzburg apresenta-se.
Vejamos o que o estudioso da Micro-história tem a nos dizer sobre
suas influências e contribuições. A entrevista completa encontra-
-se na revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, 1990, p.
254 -263.

História e Cultura: Conversa com Carlo Ginzburg–––––––––––


O historiador italiano Carlo Ginzburg, especialista na análise dos processos da
Inquisição nos séculos XVI e XVII, é conhecido do público brasileiro por seus
livros O queijoe os vermes (1987), Os andarilhos do bem (1988) e Mitos, emble-
mas, sinais (1989), todos traduzidos e publicados pela Companhia das Letras.
Professor da Universidade de Bolonha e da Universidade da California em Los
Angeles, esteve no Brasil em setembro de 1989, onde proferiu palestras a con-
vite da USP, da Unicamp e do PPGAS do Museu Nacional (UFRJ). Nesta entre-
vista concedida a Alzira Alves de Abreu, Ângela de Castro Gomes e Lucia Lippi
Oliveira, discorre sobre sua formação, as influências que sofreu e sua própria
obra, contribuindo para o debate sobre a relevância dos temas históricos.
A.A – Poderia nos falar sobre suas origens, familiares e culturais?
Nasci em Turim em 1939, numa família de judeus assimilados e intelectuais,
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 73

tanto do lado paterno quanto materno. Meu pai, Leone Ginzburg, nasceu em
Odessa e foi para a Itália criança. Viveu em Turim e foi colega de colégio e amigo
de Bobbio, que depois escreveu a introdução da coletânea póstuma de seus
escritos, um texto muito bonito e comovente. Meu pai era professor de literatura
russa, mas em 1932, quando os fascistas exigiram que os professores jurassem
fidelidade ao regime, pediu demissão. Em 1934 entrou na conspiração antifas-
cista e tomou-se líder de um grupo em Turim que tinha ligações com a França.
Foi preso e passou dois anos na cadeia. Quando saiu, foi um dos fundadores da
Editora Einaudi, junto com Cesare Pavese. Logo depois que começou a guerra,
em 1940, como era muito vigiado, foi confinado numa cidadezinha nos Abruzzi. A
família foi junto, e passei minha primeira infância, até 1943, nesse lugarejo. Nes-
se ano o rei destituiu Mussolini, e meu pai voltou para Roma, que estava ocupada
pelos alemães. Sempre ligado à conspiração antifascista, foi preso e morreu na
prisão alemã em Roma em 1944.
Minha mãe, Natalia Ginzburg, Levi em solteira, era filha de um histologista muito
conhecido e importante, professor da Universidade de Turim. Três dos alunos de
meu avô receberam o prêmio Nobel [...]
Depois da guerra, minha mãe recomeçou a escrever. É uma romancista muito
conhecida, e seus livros foram traduzidos em vários países, inclusive no Brasil.
[...]
Nasci portanto nessa família de intelectuais, o que sem dúvida representou um
privilégio cultural. Ao mesmo tempo, há o fato de que éramos judeus e de que,
um pouco devido à guerra, conservei uma lembrança muito nítida da perseguição
sofrida. [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Observe como o percurso pessoal do autor influenciou seus
escritos. Uma de suas obras mais importantes trata de um proces-
so inquisitório. Por esse e outros motivos é que, na atualidade, se
considera a subjetividade do autor.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
L.O.- Por que história?
Quando eu era criança, sonhava em ser escritor, o que era até previsível já que
minha mãe escrevia. Depois, pensei em ser pintor. Pintei na adolescência, che-
guei a estudar um pouco de pintura, mas, num determinado momento, percebi
que não era pintor. E o curioso é que tanto a literatura como a pintura têm a ver
com o que faço hoje. Existe uma dimensão literária no trabalho do historiador e
tenho muita consciência desse elemento. [...]
[...]
Mas há ainda um outro fato ligado a essa escolha. Havia na Scuola Normale
um historiador medievalista chamado Arsenio Frugoni, não tão importante como
Cantimori, mas muito bom professor, autor de um livro sutil e inteligente sobre
um herege queimado pela Igreja Romana no século XII. Assim que entrei para
a universidade, ainda interessado em literatura, Frugoni tentou convencer-me a
estudar história e me deu um ensaio de Croce para ler. E o fato é que o primeiro
livro de história que eu havia lido era justamente a História da Europa, de Croce,

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74 © Historiografia e Teoria da História

um pouco por influência familiar. Meu pai havia sido um discípulo de Croce [...]
Aliás, faço parte da última geração na Itália que leu realmente Croce. Depois
disso, não se leu mais. E isso foi importante para mim, mesmo que eu não goste
de Croce. Há coisas boas nele, mas faço uma história totalmente diferente da
que ele propõe.
Voltando ao meu tempo de escola, Frugoni me deu o ensaio de Croce para ler,
um célebre ensaio sobre um marquês napolitano que abraçou o protestantismo
no século XVI. Comecei a lê-lo e percebi que não me interessava nem um pouco.
Disse a Frugoni que não ia estudar história, porque era uma disciplina que não
me despertava interesse. Depois de ter ouvido Cantimori e ter mudado de idéia,
voltei a Frugoni. Eu tinha que escolher um tema de estudo, e ele me sugeriu que
trabalhasse com os Annales. Perguntei: “O que é isto?” É interessante que na-
quela época, 1958, houvesse alguém na Itália propondo os Annales como tema
a um estudante que não sabia do que se tratava. De toda forma, havia a coleção
completa dos Annales numa biblioteca de Pisa, o que prova que as ligações eram
mais antigas. Hoje existe na Itália uma idéia equivocada de que a influência dos
Annales teria começado nos anos 70, quando na verdade se iniciou muito antes.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O despertar para a História não é um caminho livre. Nem
sempre o que estudamos nos chama a atenção. Mas neste proces-
so de escolhas, as leituras são imprescindíveis. Não é necessário
um Croce, mas as obras dos estudiosos ligados aos Annales, são
um belo começo.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Comecei então a ler os Annales desde os primeiros números. Li Marc Bloch e
fiquei muito impressionado, sobretudo com Les rois taumaturges, que na época
não era visto como um livro importante [...]
Além desse encontro com Marc Bloch, houve outro fato fundamental. Li o livro
de um historiador italiano muito importante, Federico Chabod, sobre a história
religiosa do Estado de Milão no século XVI e as primeiras reações à Reforma
Protestante. [...] Chabod havia trabalhado intensamente com os arquivos mila-
neses, e tinha encontrado uma minuta de documento oficial em cujo verso havia
algumas frases sobre a predestinação que haviam sido riscadas. E Chabod fazia
uma análise maravilhosa desse documento esquecido, riscado, quase destruído,
[...] A análise de Chabod era realmente extraordinária, sobretudo sua idéia de
recuperar um documento como aquele para a história. Hoje, pensando retros-
pectivamente, acho que naquele momento, mesmo de uma forma obscura, com-
preendi o que se podia fazer com a história.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Mais do que os próprios fatos, a análise deles é o que com-


preendemos, hoje, por história. As interpretações apresentam-nos
um passado intangível, mas que deixou materialidades.
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 75

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A.A.- E assim o senhor decidiu ser historiador.
Sim. No ano seguinte eu devia escolher um outro tema de estudo, e lembro
que estava passeando quando pensei: “Vou estudar as feiticeiras.” Eu não sabia
nada sobre o
assunto, mas de uma forma totalmente imediata soube que o que me interessava
eram as
feiticeiras ou feiticeiros, e não a perseguição que sofreram. [...] Como eu não
conhecia nada, fui para a biblioteca e comecei a ler o verbete stregholeria na En-
ciclopédia Italiana. [...] gosto muito de começar trabalhos completamente novos,
sobre coisas a respeito das quais não conheço nada. Sempre tento explicar aos
meus alunos que o que existe de realmente excitante na pesquisa é o momento
da ignorância absoluta. Penso que não se deve ter medo de ser ignorante, e sim
procurar multiplicar esses momentos de ignorância, porque o que interessa é
justamente a passagem da ignorância absoluta para a descoberta de algo novo.
Considero que o verdadeiro perigo está em nos tomarmos competentes.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
“Penso que não se deve ter medo de ser ignorante... Consi-
dero que o verdadeiro perigo está em nos tomarmos competen-
tes". Essas são assertivas de impacto. Procurar saber, não aceitar
os fatos como dados, conhecer as diferentes representações de
um mesmo tema é essencial ao historiador e ao professor de His-
tória. Quando cremos que já sabemos muito ou que somos pos-
suidores de uma verdade inquestionável, adentramos no perigoso
terreno de usos inadequados do passado.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A.G. - Por que a escolha das feiticeiras como tema de estudo?
Certamente pesou nessa escolha a idéia de que os fenômenos religiosos são
importantes. Mas havia outra coisa também, que na época me escapou de uma
maneira surpreendente: a idéia de trabalhar com marginais, com hereges, podia
estar ligada ao fato de eu ser judeu. Reprimi completamente essa associação,
e foi um amigo que me alertou para ela numa conversa, como algo evidente.
Havia ainda outro elemento muito profundo em meu interesse pelas feiticeiras: a
fascinação pelos contos de fadas que minha mãe lia quando eu era criança. [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A sua condição de excluído da História levou-o a estudar os
personagens marginais. Sobre essa temática, as obras de Michele
Perrot são fundamentais. Sugerimos a leitura de Os excluídos da
História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2001.

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76 © Historiografia e Teoria da História

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
L.O. - O senhor falou em Croce. Vico também foi uma influência em seus anos
de formação?
Vico é realmente um grande clássico. Foi redescoberto no começo do século
XIX, mas sobretudo foi redescoberto por Croce. [...] Mas essa questão de in-
fluências é complicada, porque no início temos uma certa porosidade intelectual
que depois vai desaparecendo. E acho que esse período de porosidade é crucial,
porque é então que se forma um arcabouço cultural, assim como antes já se
formou um arcabouço psicológico. Alguns dos livros mais importantes que li, li
antes dos 22 anos. Até essa época eu não havia lido Vico, mas tinha lido o diário
de Pavese. E Pavese refletiu muito sobre Vico [...]
[...] Também através de Pavese li outras coisas importantes. [...]
Acredito que no fundo os livros de história talvez não tenham sido a coisa mais
importante que li. Acho que Guerra e paz de Tolstoi, por exemplo, me marcou
muito mais profundamente do que qualquer livro de história, inclusive os de Marc
Bloch. Assim também Dostoievski. Ou seja, os romances foram os livros que
mais me tocaram.
Devo mencionar ainda outra grande descoberta que fiz em minha vida: o War-
burg Institute, em Londres. [...]
Uma ocasião, quando eu ainda estudava em Pisa, fui a Londres visitar minha
mãe, [...] Cantimori também estava lá, e me levou para conhecer o Warburg Ins-
titute. Fiquei fascinado pelo instituto, pela história da arte, pela possibilidade de
trabalhar com história da arte numa perspectiva mais ampla. Em 1964, quando
estava preparando meu livro Os andarilhos do bem, ganhei uma bolsa de um
mês e fui para Londres. Trabalhei como um louco, descobri a obra de Gombrich,
sobretudo Art and illusion, comprei os livros de Saxl, voltei para a Itália com uma
mala cheia de livros. Comecei a ler Gombrich, e foi uma experiência extraordi-
nária, algo que me marcou muito. Escrevi então um artigo sobre a tradição da
Biblioteca Warburg, que depois foi publicado na coletânea Mitos, emblemas, si-
nais. Enviei o artigo a Gombrich, e a seu convite voltei a Londres por um ano. E
isso para mim foi muito importante.
Na Itália como no Brasil, as pessoas perceberam meu trabalho através da tra-
dição dos Annales. Sem dúvida os Annales foram importantes para mim. Nos
últimos 15 anos tenho sido regularmente convidado a ir a Paris para discutir com
o grupo dos Annales. Mas acho que meu arcabouço intelectual é mais heterogê-
neo. Houve outras coisas que me marcaram.

A.A.- O senhor também sofreu influência do marxismo?


Realmente, como todos sabem, a vida intelectual na Itália foi impregnada pelo
marxismo. Meu encontro com Gramsci sem dúvida foi muito importante. [...] Li
Hegel e Marx no curso de um intelectual comunista chamado Cesare Luporini,
[...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
As influências intelectuais são visíveis nas obras dos historia-
dores, mesmo naquelas ocasiões em que a relação se dá por meio
da crítica. A influência da História da Arte nas obras de Ginzburg
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 77

podem ser evidenciadas até mesmo nos títulos, Os andarilhos do


bem e História noturna. São essas "marcas" que possibilitam uma
verdade histórica relativa, ou seja, de acordo com as leituras que
fazemos, dirigimos nossos olhares de uma determinada maneira
aos temas, às fontes e às abordagens teóricas.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
L.O. - O senhor é um historiador italiano internacionalmente conhecido. Como se
deu sua inserção nos meios intelectuais internacionais?
Acho que esta é uma pergunta importante porque tem implicações que vão muito
além do meu caso pessoal. Publiquei Os andarilhos do bem em 1966, e tive uma
resenha anônima no Times Literary Supplement - era o texto de Hobsbawm, que
não o assinou. Alguns anos mais tarde, saiu outra resenha bastante elogiosa na
Bibliothèque de I’Humanisme et Renaissance. Era um texto de Bill Monter, um
historiador americano que trabalhou com feitiçaria, história espanhola, Inquisição
etc. [...] em 1973 fui para Princeton.
Quando cheguei aos Estados Unidos, descobri que havia pesquisadores que
conheciam Os andarilhos do bem. [...] Mas só no final dos anos 70, quando O
queijo e os vermes começou a ser traduzido, o caminho foi aberto. [...] O momen-
to era propício, havia uma conjuntura internacional favorável, Braudel escreveu
dizendo que era um livro muito. bom, que devia ser traduzido...
Penso que a traduzibilidade de meus livros está ligada ainda a outro elemento.
Entre os historiadores italianos sempre prevaleceu, e prevalece até hoje, com ra-
ras exceções, a tendência a escrever para profissionais. Há muito de implícito no
que se escreve, e isso dificulta a tradução. [...] mas desde muito cedo decidi que
gostaria de trabalhar de maneira diferente, de escrever tanto para profissionais
quanto para um público mais amplo. E foi o que fiz em Os andarilhos do bem e
O queijo e os vermes. [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Tornar-se conhecido por suas pesquisas no meio acadêmico
não é tarefa fácil. Para além dos elogios, há inúmeros casos de
obras importantes que caíram no esquecimento em virtude das
ferrenhas críticas recebidas. Também há o problema da tradução:
se não se conhece bem a língua e os termos técnicos próprios de
cada teoria, corre-se o risco de se ter uma versão, e não uma tra-
dução. Isso implica uma leitura muito diferente daquela proposta
pelo autor. Eni Puccinelli Orlandi, em seu livro Interpretação (São
Paulo: Pontes, 2004), fala em "deslizamento de sentidos". Porém,
não podemos negar que, devido às traduções, temos acesso às
diferentes produções acadêmicas mundiais.

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78 © Historiografia e Teoria da História

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A.A.- Poderia nos falar um pouco sobre seu último livro, Storia noturna?
É o livro mais longo que escrevi, e no qual trabalhei mais de 15 anos, com lon-
gos intervalos [...] Storia noturna foi um livro muito difícil de escrever, embora eu
estivesse muito apaixonado pela pesquisa. Durante muito tempo achei que não
seria capaz de terminá-lo. Publiquei-o em abril de 1989, mas mesmo agora tenho
a impressão de que foi escrito por alguém que não eu. É claro que quando penso
no livro, lembro de quando o escrevi, mas relendo alguns trechos sempre tenho
sentimentos de surpresa. [...]
Storia noturna aborda o problema do sabá numa perspectiva ao mesmo tempo
histórica e morfológica. A primeira parte é histórica, a segunda é morfológica, e
há ainda uma terceira parte em que faço uma comparação entre as duas pers-
pectivas e tento operar uma convergência. Há uma conclusão e uma introdução
teórica bastante longa. Na primeira parte, começo com o sabá, ou seja, a reunião
das feiticeiras, vista pelos inquisidores, pelos juízes. Analiso a idéia de complô,
que é algo muito importante. Há um pequeno trecho na introdução em que falo
do papel do terrorismo, porque penso que há uma relação entre a percepção que
tive dessa idéia do complô e o terrorismo na Itália a partir de 1969. [...]
Na segunda parte, tento compreender aquilo que considero ser o núcleo folcló-
rico do sabá, ou seja, o vôo mágico e a metamorfose em animais. Coloquei-me
o problema do núcleo folclórico e procurei recolher fenômenos com uma preo-
cupação puramente formal, alheia a qualquer consideração de ordem histórica,
cronológica ou geográfica. Reconstituí séries de fenômenos ligados entre si do
ponto de vista estrutural, no nível da morfologia profunda, dispersos pelo conti-
nente eurasiano.
Na terceira parte, há um capítulo que se chama justamente “Conjecturas eura-
siáticas”, em que tento propor uma série histórica, apresentar relações históricas
documentadas que poderiam explicar essa dispersão de dados. Nesse momen-
to, porém, achei que isso não era suficiente e utilizei Lévi-Strauss, que é o inter-
locutor mais importante do livro. [...] o que mais me impressionou foi a discussão
de Lévi-Strauss, ao dizer que a explicação histórica não bastava. E o que tentei
fazer nesse terceiro capítulo, que é o mais longo e talvez o mais audacioso do
livro, foi combinar as duas abordagens.
Disponível em: <http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/viewFi-
le/2300/1439>. Acesso em: 10 maio 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

"A explicação histórica não basta". A Nova História Cultural


propõe essa leitura com afinco. Daí o incentivo à interdisciplina-
ridade, à união e à justaposição entre as Ciências Humanas. De
modo mais específico, a defesa da estreita relação entre a História
e a Antropologia.
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 79

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Responder às questões propostas a seguir, discuti-las e co-
mentá-las com seus colegas favorecerão a compreensão da te-
mática desenvolvida nesta unidade. A autoavaliação, se efetuada
com frequência, torna-se uma forte ferramenta para testar seu
conhecimento e averiguar seu desempenho. Dificuldades podem
surgir durante a elaboração das respostas; assim, procure revisar
os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas. Lembre-se de
que, nesta modalidade de ensino, a construção do conhecimento
depende muito de seu esforço e da colaboração dos agentes edu-
cacionais.
1) O que caracteriza o movimento historiográfico pós-moderno?

2) O que a Micro-história tem a nos oferecer? Quais suas principais contribui-


ções?

3) Qual(ais) foi(ram) a(s) contribuição(ções) concreta(s) da Nova História Cul-


tural?

4) Quais as contribuições dos autores Dominick LaCapra, Robert Darnton, Na-


talie Z. Davis, Jacques Derrida e Carlo Ginzburg ao debate pós-moderno?

5) Do conteúdo estudado, o que você não compreendeu por completo? Releia,


pesquise e tente sanar suas dúvidas.

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você apreendeu que, no chamado período
pós-moderno, os tradicionais paradigmas historiográficos foram
abandonados pelos historiadores engajados na Nova História, em
particular por aqueles defensores da Micro-história e da Nova His-
tória Cultural. O resultado mais expressivo dos novos debates é a
crença e a defesa da assertiva de que a História é relativa, ou seja,
que as verdades absolutas não têm espaço no tempo das incertezas.
Você, igualmente, foi chamado a compreender que os con-
ceitos de pós-modernismo e cultura são polissêmicos e, mais uma

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80 © Historiografia e Teoria da História

vez, a pensar que todas as diferentes definições são construções


históricas que resultam da posição teórica do historiador. Enfim,
mesmo que colocados no interior de um mesmo grupo (micro-his-
toriadores ou historiadores da cultura), esses pesquisadores não
seguiram por caminhos idênticos.
Nas próximas unidades, você será apresentado a alguns dos
principais ícones desse movimento pós-moderno e às suas pondera-
ções. A escolha de Michel de Certeau, Roger Chartier, Michel Foucault
e Hyden White não foi tarefa fácil. Muitos outros, como Dominick La-
Capra, Robert Darnton, Natalie Z. Davis, o filósofo Jacques Derrida, o
italiano Carlo Ginzburg, tão merecedores de uma análise mais apro-
fundada, não serão contemplados. Trata-se tanto de um problema
de espaço físico do material disponibilizado a você, quanto de uma
escolha que se pautou naqueles debates mais acirrados conhecidos
no meio acadêmico brasileiro. Assim, tomaremos os autores selecio-
nados como representantes daquelas discussões que temos em livros
e sites ­– uma produção considerável e de fácil acesso.

11. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
BENATTE, Antônio Paulo. História e antropologia no campo da Nova História. In: Revista
História em Reflexão. v. 1 n. 1, UFGD, Dourados, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://
www.historiaemreflexao.ufgd.edu.br/historiaemreflexao_ed1/antropologia.pdf?PHPSE
SSID=456defffb0a850c46bd073be760feb9b>. Acesso em: 13 nov. 2008.
MARTINS, Estevão de Rezende. História. Disponível em: <http://criticanarede.com/fil_
história.html>. Acesso em: 18 out. 2008.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALMEIDA, M. de L. P. de. Pós-modernidade e ciência: por uma história escatológica.
Campinas: Alínea, 2003.
BARROS, J. D. O Campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis: Vozes, 2004.
BURKE, P. O que é História Cultural? Tradução de Sérgio Gomes de Paula. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.
© U2 - O Pós-modernismo: Reação e Contrarreação 81

CARDOSO, C. F. Um historiador fala de teoria e metodologia: ensaios. Bauru: Edusc, 2005.


CASSIRER, E. Essai sur l´homme. Tradução de Norbert Massa. Paris: Les Editions de
Minuit, 1975.
DILMANN, M. “REIS, J. C. História e teoria. Historicismo, modernidade, temporalidade e
verdade. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.” (Resenha). Varia História, Belo Horizonte, v.
22, n. 36, jul./dez. 2006.
JENKINS, K. A história repensada. Tradução de Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2004.
LYOTARD, J. A condição pós-moderna. Tradução de Ricardo C. Barbosa. 5. ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1998.
RAGO, M. Estudo reavalia rumo da Escola dos Annales. O Estado de São Paulo, São Paulo,
11 jun. 2000, Caderno D2.

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EAD
História: discurso,
práticas e
representações
3
1. OBJETIVOS
• Compreender e demonstrar os conceitos de discurso, prá-
ticas e representações.
• Analisar as contribuições de Michel de Certeau e Roger
Chartier.

2. CONTEÚDOS
• História e Discurso.
• Michel de Certeau e o conceito de prática.
• Roger Chartier e o conceito de representação.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
84 © Historiografia e Teoria da História

1) Para saber mais sobre o conceito de História enquanto


discurso, sugerimos a leitura de: JENKINS, Keith. A His-
tória Repensada. Tradução de Mario Vilela. São Paulo:
Contexto, 2004.
2) Sobre os conceitos de prática e representação, é interes-
sante ler e analisar a obra: CHARTIER, Roger. A História
cultural entre práticas e representações. Tradução de
Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL, 1990.
3) Traduzindo “re-emploi”, temos “reutilização”, ou seja,
para De Certeau, o público reutiliza as obras, faz seleção
do que está à sua disposição e usa em novos contextos.
4) Chartier não utiliza o conceito de apropriação como o
utiliza Foucault. Para Foucault, existe uma apropriação
social dos discursos, como que um confisco que colo-
ca os discursos fora do alcance dos que o produziram;
apropriações são interpretações sociais, institucionais,
culturais.
5) No que diz respeito à história da leitura, as pesquisas
de Chartier vão ao encontro das pesquisas de Michel de
Certeau.
6) Para compreender melhor as questões relacionadas ao
modo de apresentação de uma obra (leitura silenciosa
ou oral), indicamos a leitura: CHARTIER. Textos, impres-
são, leituras. A indicação completa dessa obra encontra-
-se nas Referências Bibliográficas.
7) Para saber mais a respeito da análise do cotidiano, suge-
rimos a leitura de Marília Claret Geraes Duran. Maneiras
de pensar o cotidiano com Michel de Certeau. In: Diálogo
Educação, Curitiba, v. 7, n. 22, p. 115-128, set./dez. 2007.
8) Para maiores detalhes sobre Michel de Certeau leia:
MASSARÃO, Leila Maria. Michel de Certeau e Pós-mo-
dernidade: ensaio sobre pós-modernidade, História e
impacto acadêmico. Disponível em: <http://www.klepsi-
dra.net/klepsidra24/certeau.htm>. Acesso em: 12 maio
2009.
9) Antes de iniciar os estudos desta unidade, procure saber
um pouco mais sobre os autores cujas contribuições se-
rão analisadas.
© U3 - História: discurso, práticas e representações 85

Michel de Certeau

Michel de Certeau (1925-1986): padre jesuíta da Compa-


nhia de Jesus (imagem disponível em: <http://www.jesui-
tes.com/histoire/certeau.htm>. Acesso em: 1 jun. 2010).

Roger Chartier

Roger Chartier (1945): recebeu o Prêmio Gobert da Aca-


demia Francesa em 1992 (imagem disponível em <www.
tvebrasil.com.br>. Acesso em: 24 maio 2009).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nas unidades anteriores, você refletiu sobre as mudanças
no conceito de História e historiografia. Conferiu que, com a pós-
-modernidade, as verdades absolutas, a História e o Homem Uni-
versais ruíram. A História deu lugar às histórias; a verdade, às ver-
dades; o Homem, aos homens, mulheres, crianças, operários.
Neste momento, chamamos sua atenção para outras noções
polissêmicas, divulgadas por alguns historiadores, muito impor-
tantes à Nova História Cultural: discurso, verdade, práticas e re-
presentações.
Para reconhecermos os modos de aplicação desses termos
na escrita da História, faremos uso das argumentações e pesquisas
de Roger Chartier, Michel de Certeau (de modo direto) e de Lynn
Hunt e Keith Jenkins (de modo subscrito).
Vamos lá!

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86 © Historiografia e Teoria da História

5. HISTÓRIA E DISCURSO
Para iniciar nossa discussão, retomaremos, a princípio, um
fragmento da segunda citação da Unidade 1, quando Carbonell
responde o que é historiografia. Na sequência, veremos alguns au-
tores definindo o que é a História.
"O que é historiografia? Nada mais que a história do discur-
so – um discurso escrito e que se afirma verdadeiro – que os ho-
mens têm sustentado sobre seu passado [...]” (CARBONELL, 1987,
p. 6, grifo nosso).
De acordo com Jenkins (2004, p. 52, grifo nosso):
A história é um discurso cambiante e problemático, tendo como
pretexto um aspecto do mundo, o passado, que é produzido por
um grupo de trabalhadores cuja cabeça está no presente [...], que
tocam seu ofício de maneiras reconhecíveis uns para os outros [...]
e cujos produtos, uma vez colocados em circulação, vêem-se sujei-
tos a uma série de usos e abusos.

Para Chartier (1994, p. 102, grifo nosso):


A História é um discurso que aciona construções, composições e
figuras que são as mesmas da escrita narrativa, portanto da ficção,
mas é um discurso que, ao mesmo tempo, produz um corpo de
enunciados científico.

“[...] entendo como história essa prática [uma ‘disciplina’], o


seu resultado [o ‘discurso’] ou a relação de ambos sob a forma de
uma produção" (DE CERTEAU, 2000, p. 32, grifo nosso).
Foucault (apud Rago 1995, p. 93, grifo nosso) “afirmou que a
história não é mais do que um discurso [...]”.
“[...] a História [para Duby] é um discurso e uma prática ao
mesmo tempo social e individual" (DUBY apud REIS, 2003, p. 171,
grifo nosso).
Santos (2006, p. 106, grifo nosso) afirma que:
[...] a História é um discurso que se associa mais rigorosamente a
um regime discursivo da interpretação do que a um regime discur-
sivo do fato [...]. Sob pena de projetar sobre o passado todo o peso
© U3 - História: discurso, práticas e representações 87

de uma visão constituída aprioristicamente, a história constitui-se


mais como exegese de séries discursivas, a serem recomeçadas, do
que como estabelecimento de um sentido definitivo do real.

Para você refletir, foram selecionadas algumas definições


de História que vieram corroborar com uma das temáticas discu-
tidas nesta unidade: História enquanto discurso. Nessa mesma
linha, ainda encontramos conceituações que dizem ser a História
uma prática discursiva. O que tudo isso implica? Quais os resul-
tados dessa afirmação? Uma primeira resposta já foi trabalhada
nas unidades anteriores: se História é um discurso e se o discur-
so é uma produção do tempo presente sobre o passado, então,
História é a construção desse passado e não a sua descrição. E,
se o discurso traz em si a característica de ser algo criado por um
historiador (com uma história de vida e acadêmica próprias, com
ideologias próprias), a História é interpretação e não a apresen-
tação do real.
Mas se a História é um discurso, o que é discurso? Mais uma
vez (e isso ocorre demasiadamente em estudos historiográficos),
estamos diante de um conceito polissêmico. E, mais uma vez, você
terá acesso a algumas definições que vêm ao encontro de nossa
temática. Assim, o discurso pode ser entendido como:
[...] a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus pró-
prios olhos; [...] o discurso nada mais é do que um jogo, de escritu-
ra, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e
essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão
os signos (FOUCAULT, 1996, p. 49).

E ainda de acordo com White (1994, p. 16-17 e 34):


[...] quintessencialmente um empreendimento mediador. Como
tal, é ao mesmo tempo interpretativo e pré-interpretativo; [...] na
medida em que lidamos com o discurso, estamos lidando com o
que são, afinal, artefatos verbais.

Para Silva e Silva (2006, verbete “discurso”, p. 101):


[...] a forma por meio da qual os indivíduos proferem e apreendem
a linguagem como uma atividade produzida historicamente deter-
minada [...] o discurso é a prática da linguagem.

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88 © Historiografia e Teoria da História

“[...] prática instituinte, criadora de acontecimentos, ima-


gens e referenciais de comportamento" (LOPES, 2000, p. 292).
Se o discurso constrói a História e se esta tem sua significa-
ção modificada a partir da compreensão do que é discurso, o que é
História para esses historiadores? A partir daqui, você será convo-
cado a se destituir por completo de algumas definições (conside-
radas por alguns estudiosos como simplistas) do tipo: "é o estudo
do passado", pois o passado ganhou novos sentidos – já passou,
não volta; "é o estudo do Homem", pois agora não existe mais o
sujeito universal – temos homens, mulheres, crianças, escravos,
homossexuais etc.
Se todos esses posicionamentos são válidos aos pós-moder-
nos, então, o que está em jogo é a noção de verdade, de real, de
realidade, do concreto da História. Assim, só podemos pensar, nes-
te contexto, que a verdade da História é relativa, é verossímil (por
mais que isso nos pareça um paradoxo).

História e Verdade
Segundo Schaff (1978, p. 92), a definição clássica de verdade
é a seguinte: “é verdadeiro um juízo do qual se pode dizer que o
que ele enuncia é na realidade tal como o enuncia".
Na historiografia anterior aos Annales, houve uma preocu-
pação entre um grande grupo de estudiosos de apontar a verdade
histórica: o que realmente aconteceu e como aconteceu. As fontes
falavam por elas mesmas. Mas essas mesmas fontes passaram a
ser compreendidas como fragmentos do passado; então, só sabe-
mos parte desse passado. Se sabemos parte, não conhecemos o
todo e, sem o todo, não temos o real ou a verdade. Enfim, "não há
lugar em que o real se dê" (BOURDÉ, 1990, p. 206). Finalmente, só
podemos concluir que aplicar o conceito de verdade objetiva ao
passado histórico é algo bem problemático.
Mas há uma ressalva a ser feita: o que ocorre nesse ambien-
te pós-moderno não é o abandono da verdade ou do real em troca
© U3 - História: discurso, práticas e representações 89

da ficção, da mentira, do ilusório ou da pura imaginação. O que


ocorre é um afastamento da noção de verdade absoluta rumo à
compreensão de que, na História, as verdades são históricas, cons-
tituídas pelo e no discurso, a partir da análise de documentos. En-
tretanto,
[...] já não é apenas a relação que os documentos mantêm com o real
que importa [...] por meio deles, o historiador já não pretende evocar
toda a realidade, mas apenas fornecer uma interpretação do ou dos
subsistemas que distinguiu no seu seio (BOURDÉ, 1990, p. 210).

Em outras palavras, não se trata de saber o que foi a Grécia, a


Inquisição ou a Revolução de 1917, mas do que ainda podemos to-
mar conhecimento de todos eles. Afinal, como já indicado algumas
vezes (não de forma direta, necessariamente), os mesmos aconte-
cimentos ou temas são abordados e interpretados de formas dis-
tintas por diferentes historiadores. Assim, a verdade relativiza-se.
Uma última observação acerca da verdade. Vamos refletir
juntos. A palavra “historiografia” é composta pela justaposição das
palavras “História” e “escrita”. Se entendermos que História é ver-
dade e escrita é discurso, então temos um paradoxo ou quase um
oximoro: apresentar a verdade a partir de uma interpretação; mas
se há interpretação, há UMA verdade e não A verdade (cf. CHAR-
TIER, 2001, p. 140).
De acordo com Veyne (1983, p. 54-55):
[...] o essencial não é pensar em formular a questão? Em outras
palavras, é mais importante ter idéias do que conhecer verdades;
[...] Ora, ter idéias significa também dispor de uma tópica, tomar
consciência do que existe, explicitá-lo, conceituá-lo, arrancá-lo à
mesmice [...] É deixar de ser inocente, e perceber que o que é po-
deria não ser. O real está envolto numa zona indefinida de compos-
síveis não realizados; a verdade não é o mais elevado dos valores
do conhecimento.

6. HISTÓRIA: PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES


Se a verdade histórica é relativa, segundo a ótica dos pós-
-modernos, uma das causas é porque a própria História é uma

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90 © Historiografia e Teoria da História

prática discursiva. Essa característica da verdade também está as-


sociada ao fato de que o mundo é uma representação (produzida
pelos outros – pesquisadores, por exemplo – e pelos mesmos – os
habitantes de uma comunidade).
Dois autores que representam bem esse tipo de História e
que são os responsáveis pelo uso cuidadoso e pela divulgação dos
conceitos de prática e representação são Michel de Certeau e Ro-
ger Chartier. Para além das familiaridades teóricas entre ambos,
eles analisaram a importância do livro como componente de dife-
renciação social e cultural no Ocidente.
Vamos conhecer um pouco mais sobre os problemas levan-
tados por esses autores e suas contribuições para a História Cultu-
ral? Então, caminhemos juntos.
O jesuíta especialista em História da Religião, Michel de Cer-
teau, foi um dos responsáveis pela divulgação do conceito de práti-
ca no meio historiográfico. Com formação pluridisciplinar (de filó-
sofo, historiador, psicanalista e semiótico), contribuiu, igualmente,
com a história do misticismo, da historiografia e da linguagem e
apresentou uma noção diferenciada de cultura popular. Algumas
de suas obras são: La possesion de Loudun, A Escrita da História, A
Cultura no plural e A invenção do cotidiano.
Os dois últimos títulos sugerem uma postura de De Certeau:
ele criticava as visões monolíticas da Cultura. Para provar que esse
conceito é mais valioso no plural, procurou interpretar normas cul-
turais por meio do cotidiano. Assim, analisou as práticas das pes-
soas comuns. Tais práticas eram chamadas pelos sociólogos que
o antecederam de "comportamento" (de grupos, como eleitores,
por exemplo). Esses mesmos sociólogos consideravam as pessoas
comuns consumidoras inertes de artigos produzidos em grande
escala. Porém, De Certeau ressaltou a criatividade, a inventividade
de determinados grupos populares diante dos "usos", a "apropria-
ção" e, especialmente, a "utilização” (re-emploi) das obras (BUR-
KE, 2005, p. 103).
© U3 - História: discurso, práticas e representações 91

Mas o cotidiano que interessou a De Certeau não é aquele


aparente, pois "[...] o que interessa ao historiador do cotidiano é o
Invisível [...]” (DE CERTEAU, 1996, p. 31). Ele desconsiderou a ideia
de que as pessoas se deixam passivamente ser levadas a ocupar
um lugar, desempenhar um papel e consumir produtos massifi-
cados. De Certeau, de outro modo, esclareceu-nos que o homem
comum, ordinário, reinventa o cotidiano de mil maneiras e não se
permite cair na conformação. Às essas manobras, enfim, à inven-
ção do cotidiano, ele deu o nome de táticas de resistência, artes
de fazer, astúcias sutis, que, alterando os usos dos objetos e seus
códigos, estabelecem uma (re)apropriação do espaço. De Certeau
buscou, então, descobrir os meios para abalizar maneiras de fazer,
estilos de ação, em outras palavras, elaborar a teoria das práticas.
De um modo mais simplificado, os leitores de De Certeau
(e também de Chartier e outros historiadores da Cultura) devem
compreender as práticas culturais não só como a forma que um
quadro é pintado, um ensino é transmitido, mas como os homens
crescem, adoecem, curam-se, morrem, andam, dançam, falam,
cantam, debatem, enamoram-se, enfim, como vivem.
Resumindo, segundo De Certeau, para buscar a compreen-
são das práticas da cultura popular, é preciso se posicionar num
ambiente de enfrentamentos: de um lado, os que acreditam ser
detentores de um saber maior, proprietários dos mecanismos de
dominação simbólica que desqualificam a cultura popular como
inferior e ilegítima, e, de outro, os usos e os modos de apropriação
do que é imposto; nas palavras do autor, de um lado, as estratégias
e, de outro, as táticas.
As estratégias supõem a existência de lugares e instituições, pro-
duzem objetos, normas e modelos, acumulam e capitalizam. As
táticas, desprovidas de lugar próprio e de domínio do tempo, são
“modos de fazer” ou, melhor dito, de “fazer com”. As formas “popu-
lares” da cultura, desde as práticas do quotidiano até as formas de
consumo cultural, podem ser pensadas como táticas produtoras de
sentido, embora de um sentido possivelmente estranho àquele vi-
sado pelos produtores [...] (CHARTIER, 1995. Disponível em: <www.
cpdoc.fgv.br/revista/arq/172.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2009).

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92 © Historiografia e Teoria da História

Pormenorizando, a uma produção racionalizada contrapõe-


-se uma outra produção, o consumo, invisível, pois manifesta-se so-
mente nos modos de usar os produtos impostos pela(s) ordem(ns)
econômica, política ou cultural dominante(s).
Como exemplo do uso dessas contribuições, tomamos em-
prestados os seus estudos de teoria cultural que enfatizaram um
novo foco a respeito do papel do leitor, das mudanças nas práticas
de leitura e nos usos culturais da imprensa, que evidenciam um
interesse pelo público de artistas, escritores ou compositores, ou
seja, suas reações e recepções das obras vistas, ouvidas ou lidas.
Nesse contexto, a leitura é inventiva e criadora porque produz sen-
tido. Não é indiferente e vassala, porque o leitor se reapropria do
que está sendo lido (texto ou imagem). "[O leitor] insinua as ma-
nhas do prazer e de uma reapropriação no texto do outro: invade
a propriedade alheia, transporta-se para ela, torna-se nela plural
como os barulhos do corpo” (DE CERTEAU, 1990, p. 49).
Com base no que foi exposto, propomos que reflita sobre a
seguinte questão: será que, atualmente, a mídia é tão poderosa a
ponto de destruir uma identidade popular (utilizando a estratégia
da imposição forçada de modelos culturais) e extinguir ou invali-
dar os espaços da recepção, do uso e da interpretação das obras
(sejam quais forem)?

As contribuições para as discussões historiográficas


Michel de Certeau pensava a história como produção do his-
toriador, como um discurso que insurge de uma prática e de um
lugar institucional e social. Em suas próprias palavras, a produção
do historiador deveria ser considerada
[...] como a relação entre um lugar [...], procedimentos de análise
(uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É ad-
mitir que ela faz parte da 'realidade' de que trata, e essa realidade
pode ser compreendida 'como atividade humana', 'como prática'.
Nessa perspectiva, [...] a operação histórica se refere à combinação
de um lugar social, de práticas “científicas” e de uma escrita” (DE
CERTEAU, 2000, p. 66).
© U3 - História: discurso, práticas e representações 93

No que diz respeito à escrita da História, vemos, em De Cer-


teau, um interesse em relação à Linguística. Para ele, a história
enquanto prática discursiva é produzida considerando-se que
o passado não pode ser abrangido de modo pleno, primeiro em
virtude dos limites dos métodos historiográficos (levantamento –
pré-escolhas – e seleção – corte – de fontes), e, especialmente, em
decorrência do lugar de onde fala o historiador. Em relação a esse
lugar, ou seja, o tempo presente, De Certeau alerta para o fato de
que os historiadores produzem um discurso particularizado que
reflete as preocupações de sua realidade. Em suma, a partir dessa
reflexão, ponderou que não se pode falar de uma verdade, mas
de verdades (no plural). E se há verdades a serem analisadas, a
multidisciplinaridade permitiria apreender o momento histórico
de modo mais abrangente (cf. DE CERTEAU, 1995).
A objetividade do discurso do historiador não estaria, portanto,
mais relacionada com visões acabadas, definitivas ou fechadas; o
trabalho do historiador residiria na busca de possibilidades, hipó-
teses de abordagem ligadas às suas preocupações específicas, daí
a existência de verdades. Essa mudança de perspectiva introduziria
a utilização da imaginação (não-ficcional) frente ao discurso homo-
gêneo e seu uso mais profundo na construção da linguagem histó-
rica (DE CERTEAU, 1995, p. 225-226).

Uma última assertiva de De Certeau vem contribuir com nos-


sa compreensão do real e sua relação com a História:
[...] a situação da historiografia faz surgir a interrogação sobre o
real em duas posições bem diferentes do procedimento científico:
o real enquanto é o conhecido (aquilo que o historiador estuda...)
e o real enquanto implicado pela operação científica (a sociedade
presente a qual se refere a problemática do historiador, seus proce-
dimentos, seus modos de compreensão e, finalmente, uma prática
do sentido). De um lado é o resultado da análise e, de outro, é o seu
postulado (DE CERTEAU, 2000, p. 45).

Grande parte do que foi discutido aqui sobre as teorias de


Michel de Certeau compõem os questionamentos da atual histo-
riografia: a historiografia pós-moderna. As contribuições prestadas
pelo autor podem ser observadas, em maior ou menor medida,
nas produções de diferentes historiadores vinculados à História

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94 © Historiografia e Teoria da História

Cultural, dentre eles, Roger Chartier, a quem você está sendo ace-
nado a conhecer nas linhas a seguir.
Roger Chartier é professor e diretor do Centro de Pesquisas
Históricas na Ecole des Hautes Etudes em Ciências Sociais na Fran-
ça (Paris). Suas pesquisas privilegiam a compreensão e a importân-
cia da leitura na Europa moderna. No entanto, igualmente analisa
a relação entre o texto e o leitor também na era da informática.
Podemos citar alguns de seus livros como parte de sua vasta con-
tribuição aos estudos de História: Práticas da leitura, Aventura do
livro: do leitor ao navegador, História da leitura no mundo ociden-
tal, A ordem dos livros e Formas e sentido - Cultura escrita: entre
distinção e apropriação e o mais conhecido entre o público acadê-
mico brasileiro História cultural, entre práticas e representações.
Seus ensaios exemplificam e discutem uma história cultural
da sociedade, ou seja, compreende que as estruturas ditas objetivas
são, na verdade, culturalmente constituídas ou construídas. Assim,
ele entende que a sociedade em si mesma é uma representação
coletiva (cf. BURKE, 1991, p. 98). Resumindo, para esse estudioso,
a História Cultural deve voltar seus interesses para a identificação
da maneira como em distintos lugares e ocasiões uma determinada
realidade cultural é construída, pensada, dada a ler.
De modo mais específico, suas pesquisas, assumidas como
uma prática histórica particular, giram em volta de três polos:
[...] de um lado, o estudo crítico dos textos, literários ou não, canô-
nicos ou esquecidos, decifrados nos seus agenciamentos e estraté-
gias; de outro lado, a historia dos livros e, para além, de todos os
objetos que contém a comunicação do escrito; por fim, a análise
das práticas que, diversamente, se apreendem dos bens simbóli-
cos, produzindo assim usos e significações diferenciadas (CHAR-
TIER, 1991, p. 178).

Como você deve ter percebido, o próprio Chartier faz uso


de um dos conceitos trabalhados por De Certeau: "práticas". O
que podemos aferir desse uso? Que Chartier tomou essa noção
como um fato dado? Não. Para ele, "práticas" diferentes resultam
© U3 - História: discurso, práticas e representações 95

em "apropriações" diversas, em representações múltiplas. Vamos


compreender um pouco mais sobre sua produção?

O conceito de representação
No interior da História Cultural, mais precisamente na Nova
História Cultural, o conceito de representação ganhou espaço jun-
tamente com os conceitos de mito, imaginário, memória etc. No
entanto, quando esse conceito ou noção (uma vez que o termo
ainda é analisado) é lido, é a Chartier que ele nos remete. Mas o
que significa e como ele utiliza essa ideia?
Em primeiro lugar, é preciso conhecer quais significados tra-
dicionais são amplamente utilizados para explicar a representação:
• primeiro, a representação apresentando uma coisa au-
sente (o que se representa é diferente daquilo que é re-
presentado);
• segundo, a representação como exposição de uma pre-
sença;
Para Chartier, seja qual for o uso, a representação deve ser
compreendida como:
[...] o produto do resultado de uma prática. A literatura, por exem-
plo, é representação, porque é o produto de uma prática simbólica
que se transforma em outras representações [...] Então, um fato
nunca é o fato. Seja qual for o discurso ou meio, o que temos é a
representação do fato. A representação é uma referência e temos
que nos aproximar dela, para nos aproximarmos do fato. A repre-
sentação do real, ou o imaginário é, em si, elemento de transfor-
mação do real e de atribuição de sentido ao mundo (MAKOWIECKY,
2003, p. 4).

Nesse contexto, uma pergunta apresenta-se aos nossos


olhos: se o fato não existe enquanto instância concreta, pois ele
é produzido, como, tomando um livro de História como exemplo,
devemos encarar as representações oferecidas? Nas palavras de
Chartier, como nos apropriar da obra? Ou: qual o uso que fazemos
do conhecimento adquirido? Aqui, entramos com o conceito de
apropriação de Chartier (1991, p. 180):

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96 © Historiografia e Teoria da História

a apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das
interpretações, referidas as suas determinações fundamentais e
inscritas nas práticas específicas que as produzem.

Explicando um pouco mais, para esse historiador cultural, o


que mais interessa não é necessariamente a apropriação, mas o
uso que fazemos dela.
Vejamos um exemplo concreto dessa estreita relação en-
tre representações e práticas produzidas pelas apropriações
no Quadro 1. Sugerimos que você confira mais detalhes sobre
as informações contidas no quadro lendo a seguinte obra: José
D'Assunção Barros: a História Cultural e a contribuição de Roger
Chartier, 2005.

Quadro 1 Exemplo de relação entre representações e práticas pro-


duzidas pelas apropriações.

O MENDIGO REPRESENTAÇÃO CULTURAL PRÁTICA CULTURAL

O mendigo conhecido
O mendigo é visto como
FINAL DO SÉULO 11 ATÉ é bem acolhido na
instrumento de salvação
INÍCIO DO 13 comunidade ou no
para o rico.
mosteiro.
Criação de instituições
O mendigo deve ser hospitalares, caridades
SÉCULO 13 ORDENS
estimado por seu valor paroquiais, esmolas de
MENDICANTES
humano. príncipes, projetos de
educação.
SÉCULO 16 Marginalização do mendigo Desconfiança
Exclusão (representada pela Açoitamentos,
SÉCULO 17
cabeça raspada) condenações
Reeducação e, em casos
Passa a ser visto como um
mais extremos, punições
CAPITALISMO vagabundo, um criminoso,
exemplares (incluindo a
um perigo para o sistema.
prisão).

Vamos, agora, buscar compreender um pouco mais sobre


esses conceitos usados por Chartier tomando como suporte suas
pesquisas sobre a história da leitura ou, mais precisamente, sobre
a "recepção" das obras (de literatura ou não) (cf. BURKE, 2005).
© U3 - História: discurso, práticas e representações 97

Imagine a seguinte cena: em um escritório, um determinado


autor escreve suas memórias. A priori, elas se encontram em sua
mente e, na sequência, são pintadas no papel. Esse texto é en-
tregue em uma editora: lá, há correções, revisões, formatação e
impressão. A obra é encaminhada à livraria. De lá, ela segue para
as mãos de um leitor que a leva para sua casa e inicia uma leitu-
ra solitária, em silêncio, com a ajuda de uma luminária. Mas esse
leitor é, também, um professor que se interessa em divulgar o co-
nhecimento. Então, ele propõe a leitura de fragmentos desse livro
em classe. Um ou mais alunos encarregam-se de ler os trechos
selecionados em voz alta para toda a turma. Há entonações, pau-
sas, retornos (pois a palavra foi lida erroneamente) e intervenções
do professor. A aula termina. Contudo, no bar da esquina, onde
os alunos se reencontraram, a discussão foi retomada, o livro foi
reaberto e frases relidas. Ao lado do livro, sobre a mesa, um copo
de cerveja, uma porção de fritas, um cinzeiro amparando cigarros,
atentos ouvintes do bate-papo.
Você acredita que todos os leitores (propriamente dito ou
ouvintes) receberam a obra da mesma maneira? Todas as situa-
ções produziram significados ou sentidos análogos? Observemos
alguns questionamentos levantados por Fernando de Rojas e cita-
do por Chartier (2001, p. 211):
A questão é simples: como é que um texto, que é o mesmo para
todos que o lêem, pode transformar-se em instrumento de discór-
dia e de brigas entre seus leitores, criando divergências entre eles
e levando cada um, dependendo do seu gosto pessoal, a ter uma
opinião diferente?

Primeiro ponto a ser considerado: Chartier não acredita na


possibilidade de que há um sentido estável, universal ou congela-
do nas obras, pois aceita a condição de que elas possuem signifi-
cações plurais e móveis, de acordo com a relação estabelecida no
momento do oferecimento e recepção das mesmas. Dito de outra
forma: as autoridades por trás do livro (autores, editores etc.) in-
tencionam estabelecer, definir o sentido e a interpretação da leitu-
ra, ou seja, há um esforço em violentar as interpretações do leitor.

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98 © Historiografia e Teoria da História

Em contrapartida, esse mesmo leitor burla as regras, inventa, des-


loca, distorce os sentidos (cf. CHARTIER, 1994). É aqui que entra a
noção de apropriação.
Não obstante, a experiência mostra que ler não significa apenas
submissão ao mecanismo textual. Seja lá o que for, ler é uma prá-
tica criativa que inventa significados e conteúdos singulares, não
redutíveis às intenções dos autores dos textos ou dos produtores
dos livros. Ler é uma resposta, um trabalho, ou, como diz Michel
de Certeau, um ato de "caçar em propriedade alheia" (CHARTIER,
2001, p. 214).

Resumindo, faz-se necessário ponderar que a leitura é sem-


pre uma prática repleta de gestos, espaços e hábitos. Essas práticas
diferentes distinguem as comunidades de leitores e as tradições de
leitura. Podemos, então, concluir que "os autores não escrevem
livros: não, escrevem textos que outros transformam em objetos
impressos" (CHARTIER, 1991, p. 182). “[...] a transformação das
formas através das quais um texto é proposto autoriza recepções
inéditas, logo cria novos públicos e novos usos" (CHARTIER, 1991,
p. 186-187). Mas uma nova ressalva deve ser feita: as "intenções"
dos autores ou editores são fortes o suficiente para sufocar as re-
cepções que diferem do que foi proposto e, em contrapartida, não
é sempre que o leitor se propõe às novidades criativas. O que deve
ser considerado na análise dessa relação é, desse modo, como se
dão o controle e a criatividade. "É preciso, portanto, substituir as
representações rígidas e simplistas de dominação social ou difusão
cultural" (CHARTIER, 2001, p. 236-237).
Assim, a difusão cultural exige um julgamento da relação en-
tre três polos: o texto, o objeto que o comunica e a recepção. "As
variações dessa relação triangular produzem, com efeito, mudan-
ças de significado [...]” (CHARTIER, 2001, p. 221).
Finalmente, para Roger Chartier, a História Cultural deve
"[...] compreender as práticas, complexas, múltiplas, diferencia-
das, que constroem o mundo como representação" (CHARTIER,
1990, p. 28).
© U3 - História: discurso, práticas e representações 99

7. TEXTO COMPLEMENTAR
A seguir, você poderá ler fragmentos de uma entrevista con-
cedida por Roger Chartier, em 16 de setembro de 2004, à cientista
política Isabel Lustosa quando de sua vinda ao Brasil por ocasião
do Seminário de História Cultural realizado na Casa Rui Barbosa
– Rio de Janeiro. Nessa entrevista, Chartier fala de sua noção de
História, de sua produção e de autores e temas diversos. Por meio
dessa leitura, você poderá conhecer um pouco mais desse his-
toriador e compreender mais afundo alguns conceitos utilizados
pela historiografia.

Conversa com Roger Chartier–––––––––––––––––––––––––––


Por Isabel Lustosa
“Não posso aceitar a idéia que está identificada com o pós-modernismo de que
todos os discursos são possíveis porque remetem sempre à posição de quem o
enuncia e nunca ao objeto”, afirma o historiador em entrevista exclusiva.
Quem é Roger Chartier? Como a sua obra se relaciona com a sua história de vida?
Roger Chartier: Tenho sempre uma certa prudência com questões pessoais.
Acho que, quando a gente fala de si, constrói algo impossível de ser sincero, uma
representação de si para os que vão ler ou para si mesmo. Gostaria de lembrar,
a este propósito, o texto de Pierre Bourdieu sobre a ilusão biográfica ou a ilusão
autobiográfica. Bourdieu critica este tipo de narrativa em que uma vida é tratada
como uma trajetória de coerência, como um fio único, quando sabemos que, na
existência de qualquer pessoa, multiplicam-se os azares, as causalidades, as
oportunidades. Outro aspecto da ilusão biográfica ou autobiográfica é pensar
que as coisas são muito originais, singulares, pessoais [...] Ao fazer um relato
autobiográfico é quase impossível evitar cair nesta dupla ilusão: ou a ilusão da
singularidade das pessoas frente às experiências compartilhadas ou a ilusão da
coerência perfeita numa trajetória de vida [...] Pierre Nora lançou a idéia de “ego-
-história” numa coletânea de ensaios onde estão reunidas oito autobiografias:
George Duby, Jacques Le Goff, Pierre Duby, dentre outros. Eram autores co-
nhecidos falando sobre sua trajetória pessoal ou relacionando-a com a escolha
de determinado período ou campo histórico. Mas pessoalmente considero muito
difícil evitar o anedótico ou o demasiado pessoal nesse tipo de relato. Como pen-
sar em si, objetivando entender seu próprio destino social? Acho que é preciso
primeiro situar-se dentro do mundo social e daí fazer um esforço de dissociação
da personagem: a personagem que fala e a personagem sobre a qual se fala,
que é o mesmo indivíduo. Isto posto, podemos entrar, com uma certa cautela, na
resposta à sua pergunta. Nasci em Lyon e pertenço a um estrato social fora do
mundo dos dominantes, sem tradição no meio acadêmico. Minha trajetória esco-
lar e universitária foi conseqüência desta origem [...] Para entendê-la é preciso
um certo conhecimento da realidade social do pós-guerra na França, entre os
anos 1950 e 60, quando predominava o sistema de reprodução, mas onde havia

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100 © Historiografia e Teoria da História

também alguma possibilidade de ascensão para gente de outra origem social.


Acho, no entanto, que quando há este tipo de tensão entre uma forma dominante
de escola e uma individualidade de origem diferente que consegue furar este
sistema sempre se mantém algo dessa tensão, dessa dificuldade.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Biografias e autobiografias. Alguém falando de outrem e al-


guém falando de si mesmo. Como definir verdades nesses discur-
sos? A imagem que você tem de si próprio é a mesma que seus
pais, irmãos, amigos e colegas têm sobre você? Possivelmente não
– não no todo. Diferenças singelas ou radicais podem aparecer. Em
relação às autobiografias de estudiosos, especialmente historiado-
res, os contextos são mais complicados. Ao falar de si, consideram
a história à qual pertencem, os grupos que se relacionam e mesmo
as leituras que fizeram. A quem deseja trabalhar com uma historio-
grafia que considera as biografias e autobiografias fica o recado de
Chartier: atente-se à ilusão biográfica ou à ilusão autobiográfica.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A minha geração foi, no Brasil, talvez a última em que a leitura dos clássicos da
literatura universal era um hábito. Acho que isso criou um universo de referência
para a nossa geração que é diferente dos jovens de hoje. De que maneira esse
universo de referências culturais originadas da leitura dos clássicos está na base
da visão de mundo do historiador de hoje em dia? Por outro lado, de que maneira
esse universo de referência cultural mais ampliado contribuiu para a aceitação de
abordagens interdisciplinares?
Chartier: Não devemos pensar que o passado era necessariamente melhor [...]
Acho, ao contrário, que hoje se lê mais do que nos anos 1950. Inclusive por-
que o computador não é apenas um novo veículo para imagens ou jogos. Ele é
responsável também pela multiplicação da presença do escritor nas sociedades
contemporâneas [...] Podem não ser necessariamente leituras fundamentais, en-
riquecedoras, mas são leituras. Não se pode dizer, portanto, que estejamos as-
sistindo ao desaparecimento da cultura escrita. O problema é qual cultura escrita
persiste [...] O fato de que os textos lidos pelos adolescentes no computador,
suas leituras prediletas, não pertençam àquele repertório definido como literário
não é necessariamente algo ruim. O problema está numa certa discrepância en-
tre essa nova cultura e os modelos de referência que, a nosso ver, seriam mais
consistentes e forneceriam mais recursos para a compreensão do mundo social,
a compreensão de si mesmo e a representação do outro. Para isto não tenho
resposta, mas me parece que há duas posições que se deve evitar. Uma é a que
considera que essa presença da literatura na realidade cotidiana pertence a um
mundo definitivamente desaparecido. Não me parece um diagnóstico adequa-
do, pois há, na atualidade, um esforço dentro da escola e fora da escola para
preservar a cultura literária [...] A outra posição é a dos que pensam que não há
© U3 - História: discurso, práticas e representações 101

nada de proveitoso, útil ou fundamental nesse novo mundo. Postura que me pa-
rece muito inadequada quando pensamos nas possibilidades educativas criadas
pelas novas tecnologias, nas diversas experiências para a alfabetização, para a
transmissão do saber à distância. Acho que é responsabilidade dos intelectuais,
dos meios de comunicação, dos editores, assegurar a transmissão de um saber
sobre o mundo, através de projetos que vinculem a dimensão estética ou a di-
mensão científica com a existência cotidiana. Para que as pessoas não sejam
totalmente submetidas às leis do mercado, à incerteza ou à inquietude, o essen-
cial é dar a cada um instrumentos que lhe permita decifrar o mundo em que vive
e a sua própria situação neste mundo. Esse saber que pode vir da sociologia, da
literatura, da história, possibilitaria a resistência às imposições dominantes que
vêm de todas as partes: dos discursos ideológicos, das mensagens dos veículos
de comunicação, da cultura de massa etc [...] Mas me parece que, se há um ca-
minho não literário para se adquirir saber sobre o mundo social, por que procurar
os instrumentos mais vulneráveis para decifrar esse mundo?
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Livros impressos ou e-books? Conhecimento ou informação?
O autor faz-nos asseverar que essas perguntas não são mais viá-
veis ou, ao menos, estão descontextualizadas. Na atualidade, os
dois universos literários (impresso e midiático) podem e devem
ser utilizados para a compreensão das culturas. Eles próprios são
elementos distintos de uma mesma cultura ou ajudam a compor
um universo cultural paralelo. A questão não é usar ou deixar de
usar esses recursos, mas saber fazer um uso adequado.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Apesar da valorização teórica que a moderna historiografia tem promovido da
narrativa sempre vejo os historiadores a trabalharem ainda com um certo pudor,
acompanhando cada fato narrado de uma análise minuciosa daquele aspecto
ou então recorrendo ao chamado argumento de autoridade. Parece-me que isso
prejudica o resultado do ponto de vista da narrativa, pois, em geral, a torna frag-
mentada e desinteressante. O que você acha?
Chartier: Entre os anos 1950 e 60, os historiadores buscavam uma forma de
saber controlado, apoiado sobre técnicas de investigação, de medidas estatís-
ticas, conceitos teóricos etc. Acreditavam que o saber inerente à história devia
se sobrepor à narrativa, pois achavam que o mundo da narrativa era o mundo
da ficção, do imaginário, da fábula. Desta perspectiva os historiadores recha-
çaram a narrativa e desprezaram os historiadores profissionais que seguiam
escrevendo biografias, história factual e tudo isso. A tradição francesa dos An-
nales foi uma das que levou mais longe essa tendência. Hoje, no entanto, a
situação tornou-se muito mais complicada. Uma das razões é que autores como
Hayden White e Paul Ricoeur mostraram que, mesmo quando os historiadores
utilizam estatísticas ou qualquer outro método estruturalista, produzem uma
narrativa. Quer dizer: quando dizem que tal coisa é conseqüência ou causa de
outra, estabelecem uma ordem seqüencial, se valem de uma concepção da

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102 © Historiografia e Teoria da História

temporalidade, que é a mesma de uma novela e de um relato historiográfico.


Ao mesmo tempo, entidades abstratas, como classes, valores e conceitos, atuam
no discurso dos historiadores quase como personagens, havendo toda uma for-
ma de personificação das entidades coletivas ou abstratas. Dessa forma o histo-
riador não pode evitar a narração, inclusive quando a rechaça conscientemente.
Pois a escrita da história por si mesma, pela maneira de articular dos eventos,
pela utilização da noção de causalidade, trabalharia sempre com as mesmas
estruturas e com as mesmas figuras de uma narrativa de ficção. É a partir des-
se parentesco entre a narrativa de ficção e a narrativa histórica que se coloca
a questão: onde está a diferença? Alguns críticos pós-modernos adotaram um
relativismo radical e decidiram que não havia diferença e que a história era fic-
cional não apenas no sentido da forma. Ou seja: não diziam que não há verdade
na história, mas que a verdade do saber histórico era absolutamente semelhante
à verdade de uma novela. Outros historiadores, dentre os quais eu me insiro,
acreditam que há algo específico no discurso histórico, pois este é construído a
partir de técnicas específicas. Pode ser uma história de eventos políticos ou a
descrição de uma sociedade ou uma prática de história cultural, para produzi-la
o historiador deve ler os documentos, organizar suas fontes, manejar técnicas de
análise, utilizar critérios de prova. Coisas com as quais um novelista não deve se
preocupar. Portanto, se é preciso adotar essas técnicas em particular, é porque
há uma intenção diferente no fazer história: que é restabelecer a verdade entre
o relato e o que é o objeto deste relato. O historiador hoje precisa achar uma
forma de atender a essa exigência de cientificidade que supõe o aprendizado da
técnica, a busca de provas particulares, sabendo que seja qual for a sua forma
de escrita esta pertencerá sempre à categoria dos relatos, da narrativa. Alguns
historiadores decidiram então que não valia à pena lutar contra algo inevitável
e passaram a utilizar-se dos recursos mais persuasivos da narrativa a serviço
de uma demonstração histórica [...] Acho que a situação atual não é a de uma
oposição absoluta entre a narrativa como ficção e a história como saber, mas de
um saber que se escreve através da narrativa e daí ser necessária uma reflexão
sobre que tipo de narrativa adotar. Uma narrativa onde se respeite o discurso do
saber, mas que, ao mesmo tempo, seja atrativa para um público de leitores. Não
é uma tarefa fácil, mas há exemplos que demonstram que pode ser feito.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Chartier faz uma importante ressalva nesse fragmento de


sua assertiva:
[...] Outros historiadores, dentre os quais eu me insiro, acreditam
que há algo específico no discurso histórico, pois este é construído
a partir de técnicas específicas. Pode ser uma história de eventos
políticos ou a descrição de uma sociedade ou uma prática de histó-
ria cultural, para produzi-la o historiador deve ler os documentos,
organizar suas fontes, manejar técnicas de análise, utilizar critérios
de prova [...].

O que ele vem enfatizar é que, a despeito de a história se uti-


lizar do estilo "narrativo" ao modo de uma ficção, o historiador não
© U3 - História: discurso, práticas e representações 103

produz uma história mentirosa. A verdade relativa que ele defende


é aquela que segue o passo a passo da pesquisa: levantamento e
seleção de fontes, análise criteriosa destas, uso de um arcabouço
teórico. Não se trata de "inventar" a história, mas de apresentar
uma "representação" dela.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Há algum tempo fiz a resenha de um livro de ensaios do antropólogo James
Clifford. Tive uma certa sensação de desconforto diante de leitura pós-moderna
e desconstrutivista que ele faz da tradição etnográfica. A etnografia foi um ins-
trumento criado pela cultura ocidental para entender pessoas de outras culturas,
não significando que aquelas pessoas tivessem a mesma ânsia de nos entender
ou de entenderem a si mesmas, ou, ainda, que achassem que a etnografia seria
a ferramenta adequada para isto. Cada cultura tem os seus próprios meios de
se relacionar com o mundo. A meu ver, sempre se parte de uma base histórica,
ideológica ou cultural para fazer alguma coisa, para pensar ou para agir. O pós-
-modernismo foi um exercício de desconstrução da cultura ocidental, e nossa
base é o universo de informações que compõem a cultura ocidental. Ela é que
nos fornece os instrumentos e a motivação para pensarmos sobre nós e sobre o
mundo. E até para fazer a crítica dessa maneira de pensar.
Chartier: Penso que, em certo sentido, o trabalho de James Clifford está em
paralelo ao de Hayden White. Acho que é algo legitimo fazer historiadores e
antropólogos refletirem sobre a própria escrita. Durante muito tempo a escrita
foi vista como um meio neutro para falar sobre o passado ou para descrever o
outro. Daí ter sido fundamental fazer dela um objeto de reflexão, tal como fez
White, ao pensar sobre o papel, na escrita do historiador, de elementos como a
retórica e as figuras que se manejam para escrever sobre o passado. O mesmo
fez James Clifford com relação aos dispositivos que os antropólogos utilizam em
seu trabalho. Outra contribuição fundamental dessa corrente foi a idéia de que
há uma descontinuidade necessária entre o presente e o passado [...] a qual não
pode ser anulada pela idéia de universalidade e de compreensão de si próprio
[...] Mas tanto no texto de White quanto no de Clifford há um relativismo absoluto.
Não posso aceitar a idéia que está identificada com o pós-modernismo de que
todos os discursos são possíveis porque remetem sempre à posição de quem
o enuncia e nunca ao objeto. De acordo com essa visão, o discurso é sempre
autoproduzido: não diz nada sobre o objeto e diz tudo sobre quem o escreveu.
Parece-me uma conclusão equivocada [...] ,porque, tanto no caso da história
quanto no da antropologia, uma produção de saber é possível e necessária [...]
Esta justaposição de situações históricas ou situações antropológicas onde não
existe nenhuma comunicação, nenhum intercâmbio, nem sequer de saberes,
parece uma forma terrivelmente reducionista daquilo que poderia ser um pro-
jeto de conhecimento compartilhado. Razão pela qual estou completamente em
desacordo com essa postura pós-moderna, essa idéia de que não há nenhuma
possibilidade de conhecimento. É diferente dizer que esse conhecimento sempre
esteve organizado a partir dos esquemas de percepção, de classificação e com-
preensão do observador. E que, se existem formas de descontinuidade culturais,
é preciso, assim mesmo, fazer um esforço para entender o passado e o outro.
Pois foi a partir dessa dupla perspectiva que se construiu um saber, e me parece

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104 © Historiografia e Teoria da História

que os trabalhos fundamentais da história e da antropologia demonstram que


este saber não só é possível como também pode ser oferecido ao outro para
conhecimento de si mesmo [...] Parece-me que, assim, temos a circulação da
força crítica do saber. Se isso for destruído, cai-se num relativismo absoluto. O
que me parece seria uma conclusão trágica e ao mesmo tempo muito ideológica.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O autor é contra o relativismo absoluto, assim como é con-


trário à verdade absoluta. O que ele propõe é a construção de um
conhecimento que considere não só os fatos, mas também quem
os escreveu, e não um desses elementos isoladamente.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento temos a sensação de que tudo se tornou possível: práticas que
haviam sido banidas por um conjunto de acordos internacionais no pós-guer-
ra vêm sendo implementadas pelos EUA na guerra no Iraque ou ao manterem
pessoas presas sem julgamento em Guantânamo. Ao mesmo tempo, ocorre a
perda de força de organismos internacionais, como a ONU. Na medida em que
sabemos que as grandes idéias são filtradas e incorporadas à agenda do senso
comum, a perspectiva radicalmente relativista do pós-moderno não teria influído
de alguma forma nesse tipo de política, esvaziando a confiança em algumas
conquistas do humanismo e da cultura do Ocidente?
Chartier: O maior paradoxo do pós-modernismo é que nasce de uma perspec-
tiva crítica das autoridades, das hierarquias e dos elementos dominantes, mas,
com a introdução da dimensão epistemológica do relativismo, a análise fica sem
nenhum recurso para fundamentar esta postura crítica. Pois, se tudo é possível,
todos os discursos podem ser diferentes por sua competência retórica, por sua
arte de expressão, mas em termos de saber e como instrumento crítico não há
diferença entre eles. Cria-se uma tensão fundamental. Hayden White, por exem-
plo, é um humanista que compartilha os valores morais do humanismo. Mas a
aplicação de sua perspectiva não dá à história instrumentos para produzir um
conhecimento crítico, desmentir as falsificações e estabelecer um saber verda-
deiro. Porque, se não há nenhum critério para estabelecer diferenças entre os
discursos dos historiadores, torna-se muito difícil criticar os discursos engano-
sos, as falsificações e as tentativas de reescrita do passado. Este é, me parece,
o grande limite do pós-modernismo: a contradição entre sua intenção e a sua
epistemologia.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Se não nos é possível "[...] desmentir as falsificações e esta-
belecer um saber verdadeiro [...]”, como lutar contra os maus usos
do passado, aqueles que, com finalidades político-ideológicas,
modificaram a história em favor próprio (como o governo de Vichy,
na França, que interpretou, a seu modo, a história gaulesa para
justificar o apoio às forças nazistas)? Nicole Loraux (1993) alerta-
© U3 - História: discurso, práticas e representações 105

-nos: os que falsificam o passado são os mesmos que falsificam a


história contemporânea.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Em seu livro “O grande massacre dos gatos”, Robert Darnton adota as idéias e
os métodos de Clifford Gertz, dando tratamento etnográfico a um objeto de estu-
do histórico. Esse foco ampliado sobre um detalhe me parece produzir uma visão
distorcida do objeto. De que forma você vê esse tipo de investigação?
Chartier: Houve um grande debate depois da publicação do livro de Darnton.
Uma das críticas mais fortes feitas a ele tem a ver com a sua identificação com as
idéias de Geertz e de sua tendência à textualização das estruturas, das práticas
rituais e de toda a cultura. O ponto de partida de Darnton, utilizando a idéia de
Geertz de que um rito pode ser lido como um texto, era que se podia pensar as
práticas sociais como se fossem textos [...] Os historiadores que trabalham com
textos desenvolvem, em primeiro lugar, uma análise crítica do texto. No entan-
to, Darnton quase não avança nessa direção [...] Ele menciona o texto de um
artesão, mas não lhe dá maior importância, porque pretende se colocar imedia-
tamente na situação de um espectador do massacre. Como Geertz em Bali. Não
podemos pensar que há uma identidade necessária entre a lógica propriamente
textual e as estratégias das práticas [...] O mais complicado para o historiador
é que essas práticas não-textuais, em geral, se encontram através de textos.
O desafio fundamental para o historiador é entender a relação entre os textos
disponíveis e as práticas que estes textos proíbem, prescrevem, condenam, re-
presentam, designam, criticam etc [...] As práticas do passado são acessíveis a
nós, em geral, através de textos escritos. E o historiador escreve sobre essas
práticas [...] O desafio fundamental é pensar conceitual e metodologicamente a
articulação e a distância entre as práticas e os discursos e evitar a repetição da-
quele momento, entre os anos 1950-60, em que a metáfora do texto se aplicava
a tudo: aos ritos, à sociedade etc. Era muito cômodo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O autor direciona nosso olhar para uma questão crucial ao


historiador: grande parte de suas fontes são escritas, textuais.
Mas quem as escreveu? A mando de quem? Com que finalidade?
Em que contexto? E, ainda, podemos nos perguntar sobre a ma-
terialidade do texto: papiros? Pergaminho? Tablete de bronze ou
terracota? Num vaso ou escudo? Na parede de um templo ou de
um bordel? O pesquisador deve considerar todas essas questões e
muitas outras antes de narrar a história. É essencial que ele, como
diz Chartier, pense a articulação e a distância entre práticas e re-
presentações (ou discursos) conceitual e metodologicamente.

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106 © Historiografia e Teoria da História

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Você já orientou muitos brasileiros. Ao longo desse tempo você leu muito sobre
o Brasil nas teses desses orientandos. A partir dessas leituras como você vê o
Brasil?
Chartier: Acho que há aqui uma circulação entre os campos disciplinares da an-
tropologia, da história e da sociologia cultural mais forte que em outros lugares. O
campo da educação, por exemplo, que em muitos países é muito especializado,
aqui me parece estar bastante integrado ao mundo das ciências sociais. A maior
parte dos trabalhos que orientei tratam de uma forma ou de outra do mundo das
práticas culturais, da história da publicação e da circulação dos textos e um pou-
co também do mundo social, da história da vida privada, das estruturas sociais
do Brasil colônia. Há uma vitalidade impressionante nesse tipo de investigação.
O problema é que na Europa ou nos Estados Unidos existe uma total falta de
interesse por outros territórios. Todo mundo está muito preso a seu próprio cam-
po de investigação e não se dá conta de que é possível aprender muito com
estudos sobre temas que não são os seus. Isso impede que circulem numerosos
trabalhos que mereceriam ter um reconhecimento mais forte. Para divulgar esses
trabalhos que têm uma força metodológica ou teórica inspiradora, seria preciso
fazer com que editoras norte-americanas traduzissem obras latino-americanas
para o público que não lê em espanhol [...] Tradução de Ana Carolina Delmas
Isabel Lustosa É cientista política, pesquisadora da Casa de Rui Barbosa, no Rio
de Janeiro, e autora de Insultos Impressos: a guerra dos jornalistas na Indepen-
dência (Companhia das Letras, 2000). Disponível em <http://pphp.uol.com.br/
tropico/html/textos/2479,3.shl>. Acesso em: 28 maio 2009.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Chartier coloca-nos o problema do conflito de interesses no


meio acadêmico. Infelizmente, o quadro que ele pintou não se
refere apenas ao exterior. Inúmeros trabalhos nacionais não são
conhecidos ou reconhecidos em diferentes regiões. As produções
historiográficas nordestinas quase não são divulgadas no sudeste
ou sul. Cabe a nós, interessados na construção de nossa memória
e identidade (inclusive intelectual), procurarmos nos informar e
conhecer os nossos pesquisadores, sejam eles latinistas, helenis-
tas, americanistas, brasilianistas ou medievalistas etc. A historio-
grafia nacional tem muito a nos oferecer. Vamos, então, a ela!

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
As questões a seguir são importantes não apenas para a fi-
xação do conteúdo, mas também para que você possa começar a
desenvolver uma atitude crítica e reflexiva diante dos temas apre-
© U3 - História: discurso, práticas e representações 107

sentados. Assim, você deverá tentar respondê-las com base no


que foi estudado nesta unidade. Uma boa maneira de fazer isso
pode ser discutindo e comentando as respostas com seus colegas;
assim, será possível que você troque experiências e impressões, o
que é fundamental para os estudos desenvolvidos a distância. Se
surgirem dificuldades nas resoluções, releia a unidade, converse
com colegas e tutores.
1) O que você entendeu por História enquanto discurso?

2) O que são as práticas na concepção de Michel de Certeau?

3) Qual o papel que os meios midiáticos vêm desempenhando em nossa so-


ciedade?

4) Que modelos de cultura e identidade são divulgados dia a dia?

5) Como Roger Chartier compreende a noção de representação?

6) O que De Certeau e Chartier possuem em comum em suas pesquisas?

7) Tomando como referência o conteúdo da unidade, como entender a verda-


de histórica?

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, alguns conceitos importantes e caros à Nova
História Cultural ou à História pós-moderna, de um modo geral,
foram apresentados a você. Até mesmo o próprio conceito de His-
tória foi refletido em uma de suas significações.
O que é importante que fique registrado é o fato de que a
nova forma de ver a História, ou seja, enquanto discurso, implica
que os historiadores culturais não só tiveram de repensar o con-
ceito de verdade, como, também, questionar as verdades tidas
como absolutas. Michel de Certeau e Roger Chartier são exemplos
de historiadores que, repensando a História, contribuíram com o
emprego de conceitos ou noções que viabilizaram ver o passado
em sua forma múltipla e o homem em todas as suas categorias.

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108 © Historiografia e Teoria da História

Os conceitos de discurso, práticas e representações não só


estão intimamente ligados, como devem ser encarados de forma
justaposta, e não apenas como simples associações.
Na próxima unidade, você poderá conhecer um pouco
mais sobre Michel Foucault. Esse filósofo já lhe foi apresentado
no Caderno de Referência de Conteúdo Metodologia da História
II; porém, a partir de agora, você é convidado a aprofundar seus
conhecimentos acerca desse pesquisador que revolucionou a His-
tória.

10. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
MAKOWIECKY, Sandra. Representação: a palavra, a idéia, a coisa. Cadernos de Pesquisa
Interdisciplinar em Ciências Humanas, n. 57, dez. 2003. Disponível em <http://www.
scribd.com/doc/4061978/Z-REPRESENTACAO-A-PALAVRA-A-IDEIA-A-COISA>. Acesso
em: 23 set. 2008.
CHARTIER, Roger. Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, 1995, p. 179-192. Disponível em: <www.cpdoc.fgv.
br/revista/arq/172.pdf>. Acesso em: 14 out. 2008.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARROS, J. D. A História Cultural e a contribuição de Roger Chartier. In: Diálogos, DHI/
PPH/UEM, v. 9, n. 1, p. 125-141, 2005.
BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As Escolas Históricas. Tradução de Ana Rabaça. Lisboa: Europa-
América, 1990.
BURKE, P. A Revolução Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989.
Tradução de Nilo Odália. São Paulo: UNESP, 1991.
CARBONELL, C. Historiografia. Tradução de Pedro Jordão. Lisboa: Teorema, 1987.
CERTEAU, M. de. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
______. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis: Vozes, 1996.
______. A cultura no plural. Tradução de Enid Abreu Dobránszky. Campinas: Papirus.
1995.
CHARTIER, R. A História cultural: entre Práticas e Representações. Tradução de Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL, 1990.
______. Uma crise da História? A História entre Narração e Conhecimento. In:
© U3 - História: discurso, práticas e representações 109

PESAVENTO, Sandra J. Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2001.


______. A História Hoje: dúvidas, desafios, propostas. Tradução de Dora Rocha. In:
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, 1994.
______. O Mundo como Representação. Estudos Avançados, 11(5), 1991.
______. Textos, Impressão, Leituras. In: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. Tradução
de Jefferson L. Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Coleção O Homem e a
História).
DILMANN, M. “REIS, José Carlos. História e Teoria. Historicismo, Modernidade,
Temporalidade e Verdade. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006”. (Resenha). In: Varia
História, Belo Horizonte, v. 22, n. 36. jul./dez. 2006.
FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. Tradução de Laura F. A. Sampaio. 3 ed. São Paulo:
Loyola, 1996.
JENKINS, K. A História repensada. Tradução de Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2004.
LOPES, F. H. A História em Xeque: Michel Foucault e Hayden White. In: RAGO, M.;
GIMENES, R. A. O. (Orgs.). Narrar o Passado, Repensar a História. Campinas: UNICAMP,
2000.
RAGO, M. O Efeito-Foucault na Historiografia Brasileira. In: Tempo Social, São Paulo, 7
(1-2), out. 1998.
REIS, J. C. História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de
Janeiro: FGV, 2003
SANTOS, A. C. et al. Desconstrução e conceitos nacionais. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.
SCHAFF, A. História e verdade. Tradução de Maria Paula Duarte. São Paulo: Martins
Fontes, 1978.
SILVA, K. V.; SILVA, M. H. (Orgs.). Dicionário de Conceitos Históricos. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2006.
VEYNE, P. O inventário das diferenças: história e sociologia. Tradução de Sônia Salzstein.
São Paulo: Brasiliense, 1983.
WHITE, H. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. Tradução de Alípio C.
F. Neto. São Paulo: USP, 1994 (Coleção Ensaios de Cultura).

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EAD
O Efeito Foucault na
Historiografia
4
1. OBJETIVOS
• Conhecer e analisar as principais contribuições de Michel
Foucault.
• Compreender e demonstrar os conceitos utilizados por Mi-
chel Foucault em sua produção historiográfica/filosófica.

2. CONTEÚDOS
• Foucault e o pós-modernismo.
• Conceitos de discurso, poder, descontinuidade, episteme
e arqueologia.

3. SUGESTÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
112 © Historiografia e Teoria da História

1) O título desta unidade faz referência a um artigo de Mar-


gareth Rago intitulado O efeito-Foucault na historiogra-
fia brasileira. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/
sociologia/temposocial_2/pdf/vol07n12/efeito.pdf>.
Acesso em: 17 abr. 2009.
2) Michel Foucault, embora não seja historiador de forma-
ção, é referência básica para muitas temáticas estuda-
das no campo historiográfico. Suas contribuições não só
ajudaram a repensar o método histórico, mas, também,
o próprio conceito de História. Assim, é importante que
você busque conhecê-lo não apenas pelas linhas que se
seguem, mas, o mais importante, por meio da leitura de
suas obras. Para iniciar, sugerimos As Palavras e as Coi-
sas. Tradução de Salama T. Muchail. São Paulo: Martins
Fontes, 1981.
3) O nome de batismo do autor é Paul-Michel Foucault. Na
ocasião em que foi estudar em Paris, ele aboliu o pre-
nome “Paul”, nome de seu pai, com quem tivera sérias
divergências.
4) Temos sugestões interessantes de leituras para que você
conheça Foucault e o que foi dito por ele antes de ler sua
obra diretamente:
• CHAVES, Ernani. Foucault e a psicanálise. Rio de Janei-
ro: Forense Universitária, 1988.
• DELEUZE, Giles. Foucault. Tradução de Cláudia.
Sant’Anna Martins. São Paulo: Brasiliense, 1995.
• DREYFUS, Hubert. E RABINOW, Paul. Michel Foucault:
uma trajetória filosófica. Tradução de Vera Porto Car-
rero. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
• ERIBON, Didier. Foucault: uma biografia. Tradução
de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
• ______. Michel Foucault e seus contemporâneos. Tradu-
ção de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
• ESCOBAR, Carlos Henrique. (Org.). Dossier Michel Fou-
cault. Rio de Janeiro: Taurus, 1984.
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 113

• EWALD, François. Foucault: A norma e o direito. Tradu-


ção de António F. Cascais. Lisboa: Vega, 1993.
• JANINE, Renato. (Org.). Recordar Foucault. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
• MACHADO, Roberto. Ciência e saber: a trajetória da
Arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Graal,
1982.
• MARIETTI, Angele Kremer. Introdução ao Pensamento
de Michel Foucault. Tradução de César A. C. Fernan-
des. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977.
• RAJCHMAN, John. Foucault: a liberdade da filosofia.
Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1987.
5) Para saber mais sobre Foucault e aprofundar os conheci-
mentos que você adquirirá com o estudo desta unidade,
sugerimos a leitura da Revista Aulas. Dossiê Foucault. n.
3 dez. 2006/ mar. 2007. Organização: Margareth Rago
e Adilton Luís Martins. ISSN 1981-1225 (Disponível em:
<http://www.unicamp.br/~aulas/pdf3/24.pdf>. Acesso
em: 12 abr. 2009).
6) Sobre a exposição do Quadro 1, que será exposto nesta
unidade, sugerimos a leitura de VIEIRA, P. P. Reflexões
sobre a História da Loucura de Michel Foucault. In: Re-
vista Aulas. Dossiê Foucault. n. 3, dez. 2006 /mar. 2007,
Organização: Margareth Rago e Adilton Luís Martins.
ISSN 1981-1225 (disponível em <http://www.unicamp.
br/~aulas/pdf3/24.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2009); e de
STRATHERN, P. Foucault (1926-1984) em 90 minutos.
Tradução de Cássio Boechat. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.
7) Vários autores serão citados no decorrer do conteúdo.
Para obter maior conhecimento, observe as informações
a seguir e procure pesquisar sobre eles nos sites indica-
dos.

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114 © Historiografia e Teoria da História

Michel Foucault
Michel Foucault (1926-1984) esteve no Brasil algumas vezes.
Dentre as visitas, destacamos aquela de 1973, no Rio de Ja-
neiro, para o ciclo de conferências A Verdade e as Formas
Jurídicas e em 1975, em São Paulo, momento que coincidiu
com a morte do jornalista Vladimir Herzog, nas dependências
do DOI-CODI. Ao tomar conhecimento do ocorrido, Foucault
desmarcou seus compromissos acadêmicos e, no campus da
USP, leu um manifesto em protesto ao assassinato. Foucault
tomou nota de suas impressões. Para saber mais sobre o autor
e suas vindas ao Brasil, sugerimos a leitura do conteúdo do
site disponível em: <http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/
Edicoes/4/imprime70338.asp>. Acesso em: 25 maio 2009 (ima-
gem disponível em: <http://www.nytimes.com/books/00/12/17/specials/foucault.html>.
Acesso em: 25 fev. 2009).

Jean-Paul Sartre

Jean-Paul Sartre (1905-1980): filósofo e escritor francês


autor de obras como O Ser e o Nada e Questão de Méto-
do. Para saber mais sobre ele, acesse o site disponível em:
<www.culturabrasil.pro.br/sartre.htm>. Acesso em: 26 mar.
2009 (imagem disponível em: <www.phenomenologyonli-
ne.com/scholars/sartre.jpg>. Acesso em: 26 mar. 2009).

Jean Genet

Jean Genet (1910-1986): escritor francês muito criticado por


suas obras, essencialmente pela sociedade burguesa. Den-
tre suas obras, destaca-se Nossa Senhora das Flores. Co-
nheça mais sobre a vida de Jean, acessando o site disponível
em: <http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_402.
html>. Acesso em: 26 maio 2009 (imagem disponível em:
<http://blog.syracuse.com/shelflife/2007/12/writers_born_
this_day_203.html> Acesso em: 19 mar. 2009).
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 115

Georges Canguilhem

Georges Canguilhem (1904-1995): filósofo e físico francês,


professor emérito da Sorbonne, especialista em Epistemo-
logia e Filosofia da Ciência. Sugerimos que, para aprofun-
dar os seus conhecimentos, você acesse o site disponível
em: <www.chester.ac.uk/.../image048.gif>. Acesso em: 25
maio 2009 (imagem disponível em: <http://centrecangui-
lhem.net>. Acesso em: 22 jun. 2010).

Gilles Deleuze
Gilles Deleuze (1925-1995): para ele, a relação da filosofia
com a arte e a ciência deve ser de fundamental igualdade.
As três são vistas por ele como formas de saber diferentes,
mas de igual valor. Autor de Empirismo e Subjetividade,
Foucault e Péricles e Verdi, entre tantos outros títulos. Co-
nheça mais sobre Gilles Deleuze, acessando o site dispo-
nível em: <www.dossie_deleuze.blogger.com.br/>. Acesso
em: 26 mar. 2009 (imagem disponível em: <http://suple-
mentocultural.blogspot.com/2009_07_01_archive.html>.
Acesso em: 26 maio 2009).

Georges Dumézil

Georges Dumézil (1898-1986), antropólogo e filólogo fran-


cês, especialista em antropologia comparada. Autor de
Do mito ao romance, Mito e Epopeia, La Herencia indo-
-europea en Roma etc. Conheça a biografia completa des-
se antropólogo e filosofo no site disponível em: <www.
academie-francaise.fr>. Acesso em: 18 mar. 2009 (imagem
disponível em: <http://belcikowski.org/la_dormeuse/gilbert_
durand_mythe.php>. Acesso em: 16 maio 2009).

Jacques Lacan

Jacques Lacan (1901-1981): psicanalista francês que fez


uso da Linguística de Saussure e da Antropologia Estru-
tural de Claude Lévi-Strauss em seus estudos. Para com-
plementar seus conhecimentos sobre esse psicanalista,
acesse o site disponível em: <http://jbonline.terra.com.br/
jb/papel/cadernos/ideias/2001/03/30/joride20010330004.
html>. Acesso em: 23 maio 2009 (imagem: disponível em:
<http://educacaodialogica.blogspot.com/2008/05/jacques-
-lacan.html>. Acesso em: 23 maio 2009).

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116 © Historiografia e Teoria da História

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
“Foucault revoluciona a História” – se é que, em algum mo-
mento, podemos afirmar que o fato é dado, esse é o caso. Esse fi-
lósofo, historiador ou (como preferia ser considerado) arqueólogo,
segundo Paul Veyne, revolucionou, tirou o chão dos historiadores,
levantou polêmicas e apresentou alternativas. Criticado ou acla-
mado, o fato é que Michel Foucault entrou na guerra contra os
tradicionais paradigmas historiográficos.
Formado em Psicologia e em Filosofia, Michel Foucault veio
parar na História. Não se tratou de um erro de percurso, mas de
um resultado de seus questionamentos, muitos dos quais têm
uma forte influência de Hegel (em menor proporção), Heidegger
(especialmente), Sartre e Nietzche. Outros fatores que possibili-
taram sua entrada no campo histórico foi sua crítica em relação à
ideia empobrecida do real daqueles historiadores que rejeitavam
o pensamento (o imaginado) a favor do social, bem como os temas
analisados em suas pesquisas. Contudo, mais importante que os
temas foi a diferente abordagem destes e os conceitos emprega-
dos que, em definitivo, o instalaram no seio da História.
Podemos citar dentre os conceitos introduzidos por Foucault
no dicionário dos historiadores os de “episteme”, “descontinuida-
des”, “arqueologia”, “genealogia”, “poder/saber”. Esse último duo
caracteriza toda sua obra.
Em suas andanças por universidades na Alemanha, Suécia,
Tunísia, Estados Unidos e França, manteve contato direto com
nomes como Jean-Paul Sartre, Jean Genet, Georges Canguilhem,
Gilles Deleuze, Georges Dumézil, Lacan etc. Todas essas expe-
riências (acadêmicas e em cafés) contribuíram nas escolhas de
seus temas.
Então, vamos revolucionar a História?
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 117

5. DESPEDINDO DO PASSADO
Você vem acompanhando que, desde as décadas de
1960/1970, a História e seus conceitos têm sido repensados – e
como! No entanto, Marx (apud Rago 1995, p. 68) havia levantado
uma reflexão que, por muitos, foi esquecida:

[...] o passado pesa e oprime como um pesadelo o cérebro dos


vivos e que, sobretudo enquanto historiadores, deveríamos com-
preender o momento do acerto de contas e alegremente despe-
dirmo-nos dele.

Foi o que Foucault fez – não no sentido literal do termo. Ele


propôs que o passado fosse visto com outros olhos, de modo dife-
rente, menos preocupado em compreendê-lo e mais com a finali-
dade de “cortá-lo”. Foi essa atitude, ou seja, a forma que Foucault
interrogou a História que chamou a atenção dos historiadores. O
que ele veio mostrar é que, em vez de procurar explicar as práticas
políticas, sociais e econômicas de determinados grupos, a História
deveria se preocupar com a forma que essas mesmas práticas fo-
ram construídas. Nas palavras de Rago (1995, p. 73),
[...] ao invés de partirmos em busca da síntese e da totalidade,
deveríamos aprender a desamarrar o pacote e mostrar como fora
constituído, efetuando a ‘descrição da dispersão’ [...] repentina-
mente, o chão dos historiadores desabou.

A proposta de Foucault é, então, que a história trabalhe


ao contrário. Para que você entenda melhor essa postura, re-
lembremos como os historiadores estavam acostumados a fazer:
com o objeto definido, buscavam-se as práticas; com conceitos,
explicavam-se as coisas; com a interpretação, chegava-se ao fato,
à essência do passado; tirando-se os véus, a verdade se revelava.
O filósofo da História propôs, então, que, antes, o que era o ponto
de partida (o objeto) agora se torne o ponto de chegada; assim,
estudam-se as práticas para se conhecer como e quando o objeto
se tornou tema, discurso e preocupação histórica. Exemplifican-
do, em vez de explicar como a loucura havia se manifestado no

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118 © Historiografia e Teoria da História

processo histórico, devemos procurar saber quando e como ela se


tornou objeto a ser estudado. Para isso, é preciso agir como um
arqueólogo.

6. ARQUEOLOGIA DO SABER, EPISTEME E DESCONTI-


NUIDADE
Em uma entrevista a J. J. Brochier, em 1969 apud Foucault
(2005), Foucault explica que, a princípio, utilizou o termo “arqueo-
logia”, em seu livro A arqueologia do saber, de uma maneira um
pouco cega. No entanto, a palavra pareceu-lhe, posteriormente, a
mais adequada, desde que interpretada como “descrição do arqui-
vo” e, igualmente, se “arquivo” fosse entendido como um conjun-
to de discursos pronunciados (acontecimentos esquecidos ou que
ainda funcionam e são modificados no decorrer da história, crian-
do novos discursos). Entretanto, quando perguntado se a ideia
de escavação e a procura do passado estavam subentendidas, do
mesmo modo, no texto, sua resposta foi enfática: “Sem dúvida”.
Mas explica-se:
Esse termo ‘arqueologia’ me embaraça um pouco, porque ele re-
cobre dois temas que não são exatamente os meus. Inicialmente,
o tema da origem (arkè, em grego, significa começo). Ora, eu não
procuro estudar o começo no sentido da origem primeira, do fun-
damento a partir do qual todo o resto seria possível [...] São sempre
começos relativos que procuro, antes instaurações ou transforma-
ções do que fundamentos. E, depois, me incomoda, da mesma for-
ma, a idéia de escavações. O que eu procuro não são as relações
que seriam secretas, escondidas, mais silenciosas ou mais profun-
das do que a consciência dos homens. Tento, ao contrário, definir
relações que estão na própria superfície dos discursos, tento tornar
visível o que só é invisível por estar muito na superfície das coisas
(FOUCAULT, 2005, p. 145-145).

É importante você saber que, em Foucault, a genealogia


deve, então, ser compreendida como proveniência e não como
origem primeira.
Assim, suas preocupações voltam-se “não para o objeto es-
cavado”, mas para o momento pelo qual ele se tornou objeto em
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 119

um discurso, e esse discurso entendido como a acumulação de


conceitos, práticas e declarações produzida por uma determinada
episteme. Para Foucault, “episteme” são tendências particulares
de um período histórico.
Desse modo, segundo o filósofo, se um discurso é produ-
zido historicamente, de acordo com a episteme da época de sua
produção, não é possível procurar pelas continuidades, pelas per-
manências históricas. Antes, ele deve ser estimulado a procurar
pelas descontinuidades, pelo que é disperso.
O que acha de um exemplo para clarificar essa exposição?
Vamos a ele.
Em 1961, Foucault publicou História da Loucura, onde bus-
cava apontar como o conceito de loucura se modificou no tempo e
o que isso significou. Sua intenção maior era evidenciar o momen-
to em que a loucura se separa da razão, tornando-se “des-razão”.
Observe a sinopse dessa discussão no Quadro 1 :

Quadro 1 Histórico da loucura segundo Foucault


ÉPOCA EPISTEME PRÁTICA
Louco = sábio
O sábio louco era um
Medievo Humanismo reflexo irônico da loucura
da sociedade. Ficava em
liberdade.
Louco = insensato
Descartes: a razão transforma-se
Nascem os Hospitais de
Idade da Razão no princípio condutor de todo o
confinamento (hospícios).
pensamento intelectual.
Loucura = des-razão
Louco = doente
Final da Idade Início do capitalismo – controle
Clássica do homem começa pelo corpo – Cuidados médicos: a
nascimento dos hospitais. medicação aprisiona o
1630-1760)
homem.

Discurso Psiquiátrico Louco = estimulado a falar


Século 19
Nascimento da Psicologia no divã.

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120 © Historiografia e Teoria da História

No Quadro 1, as datas 1630-1760 (Idade Clássica) referem-se


ao período que compreende a Europa Absolutista. Essa periodiza-
ção ou nomenclatura não é adotada por todos os historiadores.
Foucault fez uso dela em seu livro História da Loucura.
Como você pode observar, a ideia de loucura passou por
descontinuidades e mudanças nas concepções de poder. Aprovei-
tamos este momento, então, para conhecer mais um de seus con-
ceitos.

7. MICROFÍSICA DO PODER
Embora o conceito de poder esteja fortemente presente no
livro Vigiar e Punir, ele permeia toda a obra de Foucault. Mas po-
der, para ele, não é absoluto ou controlado por uma pessoa, classe
ou instituição; é visto como uma “tecnologia”, a forma pela qual a
sociedade regula os seus membros, portanto, na produção e uso
do saber. “O poder existe como uma rede infinitamente complexa
de micropoderes, de relações de poder que permeiam todos os
aspectos da vida social” (O’BRIEN, 2001, p. 46).
Assim, esse controle está presente nas prisões, nas escolas,
na família, nos asilos, nas fábricas, nos exércitos etc. Os interstícios
do poder podem ser encontrados (e devem ser procurados pelos
historiadores) nos sentimentos, na consciência, na intuição.
Contudo, Michel Foucault não estudou o poder pelo poder.
Estudar o poder à sua maneira é buscar, por meio dos discursos,
como o poder possibilitou novas práticas, novas tecnologias de po-
der: da internação à prisão, da liberdade à disciplina. O corpo, no
contexto da obra do autor, passa a ser visto como o alvo do poder.
Do mesmo modo, a verdade passa pelo campo do poder. Se-
gundo o autor:
O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou
sem poder (não é − não obstante um mito, de que seria necessá-
rio esclarecer a história e as funções − a recompensa dos espíritos
livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que soube-
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 121

ram se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele


graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados
de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “polí-
tica geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe
e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias
que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedi-
mentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto
daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verda-
deiro (FOUCAULT, p. 10. Disponível: <http://www.unb.br/fe/tef/
filoesco/foucault/microfisica.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2009).

8. OBRAS
Você já deve ter percebido que fica impossível negar a im-
portância de Foucault para a historiografia. Os temas, as novas for-
mas de abordá-los e os conceitos utilizados foram e ainda são ob-
jeto de discussões nos diferentes centros acadêmicos desde que
se lançou seu primeiro livro.
Em sua produção, temas como discurso, verdade e sexuali-
dade também são abordados. Para uma visão mais ampla desse
aspecto, vejamos alguns títulos de Michel Foucault:
• 1961: História da Loucura na Idade Clássica;
• 1963: Nascimento da clínica;
• 1966: As palavras e as coisas;
• 1969: Arqueologia do saber;
• 1970: A ordem do discurso;
• 1973: Eu, Pierre Rivière...;
• 1974: A verdade e as formas jurídicas;
• 1975: Vigiar e punir;
• 1976: História da sexualidade – a vontade de saber, v. I;
• 1984: História da sexualidade – o uso dos prazeres; Obras
póstumas: 1994: Dits et écrits, volumes I, II, III e IV;
• Este item também é obra póstuma: 1994: Resumo dos cur-
sos do Collège de France (1970-1982); Microfísica do poder.

Claretiano - Centro Universitário


122 © Historiografia e Teoria da História

INFORMAÇÃO:
As datas à esquerda dos títulos são aquelas referentes ao ano de
publicação na França, com exceção de Microfísica do poder, que
não foi publicado inicialmente naquele país.

9. AS CRÍTICAS A MICHEL FOUCAULT


Foucault foi (e é) criticado. Ele passou pelos estágios de não
aceitação, frágil assimilação, fonte de conceitos e confrontação. Foi
acusado de galopar pelos domínios da História irresponsavelmen-
te, de ser desatento à cronologia, por descuidos, minimizações ou
simplificações excessivas, exageros, por não considerar contextos,
por querer tirar a legitimidade da História, falta de método, me-
nosprezo de dados, obscuridade filosófica, abstrações, seu méto-
do genealógico considerado aleatório e pouco consistente, fora as
críticas por sua vida pessoal desregrada e excêntrica.
Nesse ponto (o de sua vida pessoal), o que dizer de um ho-
mem que, durante uma entrevista, quando relatava o seu atro-
pelamento por um carro, momento em que estava alucinado por
ópio, fez a seguinte confissão: “Tive a impressão de que estava
morrendo e foi, realmente, um prazer muito, muito intenso [...]
Foi, e ainda é, uma de minhas melhores lembranças” (STRATHERN,
2003, p. 74).
A esse respeito não nos cabe dizer nada; talvez, apenas re-
fletirmos sobre nossas vidas. Mas, em relação às críticas, o que di-
zer: são pertinentes? São consistentes? As argumentações que as
acompanham são válidas? De onde vêm? Em que contexto foram
ditas? Muitas merecem atenção, mas de modo algum excluem o
fato de que Foucault revolucionou a História ou, ao menos, colo-
cou os historiadores para repensar seu ofício. Nesse sentido, ele
mesmo tem uma resposta às críticas: “Não sou um historiador
profissional – mas ninguém é perfeito” (FOUCAULT apud O’BRIEN,
2001, p. 37).
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 123

10. TEXTO COMPLEMENTAR


Paul Veyne foi companheiro e amigo de Foucault. Juntamen-
te com sua esposa (médica), acompanhou de perto os últimos me-
ses desse filósofo, que pretendia uma morte-desaparição, aquela
sem rituais. No entanto, toda sua produção, sua herança, deixada
a todos nós, faz de cada leitura um momento ritualístico.
Ao escrever sobre Foucault, Paul Veyne dá-nos a possibilida-
de de conhecer um pouco mais desse filósofo-historiador e desse
homem que não se preocupava com a finitude humana. A seguir,
vejamos os trechos do texto O último Foucault e sua moral, pu-
blicado no ano seguinte à morte de Foucault. Esse mesmo texto
pode ser visualizado, na íntegra, no site disponível em: <http://
www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/>. Acesso em: 25 maio 2009.

O último Foucault e sua moral–––––––––––––––––––––––––––


Paul Veyne
Foucault acabou experimentando, pela antiguidade greco-romana, uma atração
tão viva como a que teve seu mestre Nietzsche. A admiração implica uma sin-
ceridade e uma assimetria que repugnam comumente os intelectuais, esta casta
de ressentidos; assim, um dia me surpreendi ao ver Foucault abandonar sua
mesa de trabalho para me dizer ingenuamente: “Você não acha que certas obras
mestras possuem uma esmagadora superioridade sobre as outras? Para mim
a aparição do Édipo cego no final da obra de Sófocles [...]”. Jamais havíamos
falado de Édipo Rei; apenas falamos algumas vezes sobre literatura, e esta fal-
sa pergunta expressava uma brusca emoção que não pedia resposta [...] Mas
quando foi necessário submergir-se na literatura antiga para poder escrever seus
últimos livros, Foucault chegou a experimentar um prazer sensível, ao que fiz o
possível para conservar, e o ouço ainda dizer, com o laconismo de rigor, que as
cartas de Sêneca eram textos magníficos. E é que claro que existe alguma afini-
dade entre a elegância do indivíduo Foucault e aquela que distingue a civilização
greco-romana. Resumindo, a elegância antiga foi secretamente para Foucault a
imagem de uma arte de viver, de uma moral possível; durante seus últimos anos,
quando trabalhava sobre os estóicos, refletia muito sobre o suicídio: “porém não
falarei mais: se me mato, as pessoas bem verão”; sua morte teve algo disso,
como se poderia ver [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

“[...] Você não acha que certas obras mestras possuem uma
esmagadora superioridade sobre as outras? [...]” – apenas faz essa

Claretiano - Centro Universitário


124 © Historiografia e Teoria da História

pergunta quem leu as obras mestras. Os livros de Foucault não


negam sua erudição. Embora a temática discutida aqui não seja a
literatura antiga, vale a dica do autor: Édipo rei, de Sófocles, é uma
obra superior.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Evidentemente não lhe atribuiremos o propósito de renovar a moral estóica dos
gregos. Na última entrevista que a vida lhe permitiu conceder, ele se manifestou
claramente: não se encontrará jamais a solução de um problema atual em um
problema que, por estar situado em outra época, não é o mesmo senão que por
semelhança falaz. Ele jamais acreditou ver, na ética sexual dos gregos, uma
alternativa para a ética cristã, mas antes, o contrário. Não existem problemas si-
milares através dos séculos, nem em função de sua natureza, nem de sua razão;
o eterno retorno é assim um eterno partir (ele amava esta expressão de René
Char), e não existem mais do que as valorizações sucessivas. Em um perpétuo
new deal, o tempo redistribui as cartas sem cessar [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Não há eterno retorno na História, ou seja, a História não se


repete. Em outras palavras, e reafirmando o que Foucault dizia,
os fatos podem até ser semelhantes, mas os contextos históricos
(geográficos e temporais) são outros; os personagens são diferen-
tes; as causas, distintas; e as consequências, diversas.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Em sua primeira lição do ano de 1983 no College de France, Foucault opunha
a uma “filosofia analítica da verdade em geral”, sua própria preferência “por um
pensamento crítico que haveria de tomar a forma de uma ontologia de nós mes-
mos, uma ontologia da atualidade”; ele chegou, naquele dia, até a apelar para
“aquela forma de reflexão que, de Hegel à escola de Frankfurt, passa por Nietzs-
che e Max Weber”: se cuidará de levar longe demais esta analogia um tanto cir-
cunstancial, mas dela reterá duas coisas. Os livros de Foucault são, literalmente,
livros de um historiador, a menos que aos olhos daqueles que admitiram que não
existe história que não seja interpretativa. Mas Foucault não escreveu todos os
livros como historiador. Porque a história, essa interpretação, tem por segundo
programa o de ser um completo inventário. Claro que Foucault não se tornou
historiador mais do que daqueles pontos onde o passado encobre a genealogia
de nossa atualidade [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

De acordo com Paul Veyne, Foucault escreveu como um


historiador, mas não só. Essa é uma característica de suas obras
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 125

que, por vezes, é destacada: seus escritos são lidos como histo-
riográficos, filosóficos e mesmo antropológicos. Isso evidencia seu
ecletismo intelectual, suas leituras, sua postura diante do que será
analisado.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A filosofia de Nietzsche – gostava de repetir Foucault – não era uma filosofia da
verdade, mas do dizer-verdadeiro. Para um guerreiro, as verdades são inúteis, e
mais ainda, são inacessíveis; se elas estivessem ditadas pela semelhança ou a
analogia com as coisas, poder-se-ia desesperar ao tentar alcançá-las, como afir-
ma Heidegger em um momento de seu percurso. Mas crendo buscar a verdade
das coisas, os homens acabam apenas por fixar as regras segundo as quais será
julgado o dizer como verdadeiro ou falso. Neste sentido, o saber não apenas é
o lugar dos poderes, uma arma do poder ou ele mesmo poder, ao mesmo tempo
que saber: ele não é mais do que poder, radicalmente, pois não é possível um
dizer-verdadeiro, mas que pela força das regras impostas em uma outra ocasião
por uma história da qual os indivíduos são, ao mesmo tempo e mutuamente,
atores e vítimas. Entendemos, então, por verdades, não as proposições verda-
deiras a descobrir ou a aceitar, mas o conjunto de regras que nos permitem dizer
e reconhecer aquelas proposições tidas por verdadeiras.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O saber é o lugar dos poderes, a arma do poder e é poder. As-


sim, a verdade é fruto de um conjunto de regras que nos permitem
ou não tomar as proposições como verdadeiras. O que Foucault
queria dizer com isso é que a verdade, no fundo, não importa ou
é inatingível, porque, mesmo se fosse alcançável, só poderíamos
afirmar que algo é verdadeiro se os poderes nos permitissem dizer.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
[...] Em 1977, Foucault, em uma circunstância que prefiro esquecer, escreveu
no Le Monde uma coisa menos esquecível: que as liberdades e os direitos do
homem se fundam mais seguramente sobre a ação de homens e mulheres deci-
didos a usar o poder e defendê-los, que sobre a afirmação doutrinal da razão ou
do imperativo kantiano [...] Faz três ou quatro anos, no apartamento de Foucault,
olhávamos uma reportagem na tv sobre o conflito palestino/israelita; em um mo-
mento, a palavra foi concedida a um combatente de um dos lados (é indiferente
dizer qual). Este homem tinha um discurso distinto daqueles que se ouvem co-
mumente nas discussões políticas: “eu só sei de uma coisa”, dizia o combatente,
“e é que vou reconquistar a terra de meus ancestrais. Procuro isto desde que era
adolescente; ignoro de onde me vem esta paixão, mas é assim que é”. “Enfim, é
isto, tudo está dito e já não há mais nada a dizer”, disse Foucault.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Claretiano - Centro Universitário


126 © Historiografia e Teoria da História

Inicialmente, faremos referência a uma afirmação de Veyne


no texto: “[...] é indiferente dizer qual [...]”. Nesse momento, to-
maremos as palavras de Foucault como nossas: enfim, é isto, tudo
está dito e já não há mais nada a dizer. Os conflitos humanos, de
várias naturezas, chocavam Foucault e devem nos chocar também.
Quando Veyne diz que é indiferente dizer a qual lado pertencia o
combatente, ele tem razão, pois, se a palavra fosse dada ao lado
oposto, provavelmente a resposta não seria muito diferente. Esse
é um discurso (o do combatente) que foi produzido com a finali-
dade de ser arma e lugar de poder; foi apropriado; foi divulgado;
ainda é vivido.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
[...] Àquilo que chamamos uma cultura não possui nenhuma unidade de estilo,
é antes uma confusão de práticas discursivas rigorosamente interpretáveis, um
caos de precisão. Mas todas essas práticas têm em comum ser, ao mesmo tem-
po, empíricas e transcendentais, e como tais, constitutivas, há tanto tempo que
não podem ser eliminadas, e só o diabo sabe com qual recurso se haverão de
impor em cada caso esses “discursos” [...]. Foucault não se oporia se propusés-
semos que o transcendental é ao mesmo tempo histórico [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Se a cultura não é unidade de estilo, mas uma confusão


de práticas discursivas, como buscar a identidade cultural de um
povo, no passado ou no presente? Aceitando que temos identida-
des construídas, buscando algo em comum (e não homogêneo) na
pluralidade cultural.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Autêntica pintura da história universal, constância evidente dos tempos que tudo
apagam; entretanto, nós continuamos sem nada ver, e relendo Kant [...] A fi-
losofia de Foucault é ao mesmo tempo quase trivial e paradoxal. Foucault se
reconhece incapaz de justificar suas próprias preferências; não pode lançar mão
nem de uma natureza humana, nem de uma razão, nem de funcionalismo, nem
de uma essência, nem da adequação ao objeto. Todos, em suma somos iguais,
sem dúvida, mas se é que não se possam discutir mais os gostos e as valora-
ções, com que objetos ter escrito livros de história, que bem podem ser de moral
e que certamente são de filosofia? Pois um saber é um poder: ele impõe e se
nos impõe, não emana de uma natureza das coisas; mas possui, contudo, seu
limite: a atualidade.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 127

“Um saber é um poder” – ambos têm razão, Veyne e Fou-


cault. Todos estamos cientes de que quem detém o saber tem o
poder. Lembremo-nos do caso dos aristocratas na Antiguidade, da
Igreja no Medievo, dos responsáveis pela criação das nações nos
séculos 18 e 19 e de quem controla o saber hoje (as chamadas
grandes potências com seus centros avançados de pesquisa). No
caso de um historiador, o saber é o poder de lutar contra o senso
comum ou interpretações que deturpam a História.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Os homens não podem fazer muito mais coisas do que valorar, não menos que
respirar, e se enfrentam por seus valores. Foucault vai tratar de impor uma de
suas preferências, resgatada dos gregos, à qual lhe parece ser de atualidade; [...]
A atualidade limita as preferências possíveis. Max Weber, outro nietzscheano,
havia exclamado com beleza: “posto que não existe a verdade dos valores e que
o céu se encontra dilacerado, cada um combate por seus deuses, e como novos
Lutero, peca resolutamente”: mas as posições inimigas não são assim reversí-
veis como indica Weber; a atualidade nunca é qualquer uma. Ser filósofo é fazer
o diagnóstico dos atuais possíveis, e ao fazê-lo, erigir o mapa estratégico. Com a
secreta esperança de influir na definição dos combates. Apanhado em sua finitu-
de, em seu tempo, o homem não pode senão pensar, não importa em que, nem
importa quando; já vai reclamar os romanos a abolição da escravidão ou refletir
sobre o equilíbrio internacional. Uma memória me vem, que data de 1979; aquele
ano Foucault inicia seu curso mais ou menos nesses termos: “Vou abordar certos
aspectos do mundo contemporâneo e de sua governamentalidade; este curso
não lhes dirá o que é que vocês devem fazer, ou contra quem devem comba-
ter, mas lhes proverá um mapa; e em função disso, lhes dirá: se vocês querem
atacar em tal ou qual direção, tudo bem, mas aqui há um nó de resistência e, ali
um acesso possível”. Foucault acrescenta também aqui algo do qual eu ignoro o
sentido exato: “enquanto a mim, não vejo, pelo menos até agora, quais critérios
são os que permitiriam decidir contra que coisa devemos nos enfrentar, salvo, tal-
vez, os critérios estéticos”; não devemos abusar destas últimas palavras, que po-
deriam não ser outra coisa senão uma confissão de ignorância, ou uma distância
que toma respeito das convicções de muitos de seus ouvintes. Tudo mais o que
pode haver aqui é um vago pressentimento do que será o grande tema no ano
de sua morte: não já os critérios estéticos, mas a idéia de um estilo de existência.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A respeito dessa última temática estudada por Foucault,


há obras importantes de outros autores que podem nos ajudar a
compreendê-lo. Entre elas: ORTEGA, Francisco. Amizade e estética
da existência em Foucault. São Paulo: Graal, 1999; e, do mesmo
autor, Para uma política da amizade. Rio de Janeiro: Sinergia, Re-
lume Dumará, 2009.

Claretiano - Centro Universitário


128 © Historiografia e Teoria da História

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Porque em L’usage des plaisirs e no Souci de soi, o diagnóstico da atualidade
é aproximadamente este: no mundo moderno, parece ter se tornado impossível
fundamentar uma moral. Não existe mais uma natureza ou uma razão diante a
qual render-se, nem uma origem com a qual estabelecer uma relação autêntica
[...]; a tradição ou a sujeição não são mais que situações de fato [...] O que per-
dura é que os mortais comuns são compostos de sujeitos, de seres desdobrados,
que mantêm uma relação ou de consciência ou de conhecimento de si consigo
mesmos. É sobre estas bases que julgará Foucault.
A idéia de um estilo da existência tem julgado um desempenhado um papel nas
conversações e, sem dúvida, na vida interior de Foucault durante os últimos me-
ses de uma vida que ele sabia ameaçada. “Estilo” não quer dizer aqui distinção;
a palavra está tomada no sentido dos gregos, para quem um artista era, antes
de qualquer coisa, um artesão, e uma obra de arte, uma obra. A moral grega está
bem morta e Foucault pensava que era pouco desejável e impossível ressuscitá-
-la: mas um detalhe desta moral, a saber, a idéia de um trabalho de si sobre si,
parecia suscetível de adquirir um sentido atual, a maneira de uma dessas colu-
nas dos templos antigos pagãos que, às vezes, se vê reinstaladas nos edifícios
mais recentes [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O homem está inacabado; ele se constrói e se reconstrói a


cada momento, ao modo de um artista. O cuidado de si (assim
como o saber de si) é essencial ao homem.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Foucault, com uma visão ampla das coisas, não pretendeu que nos entregás-
semos, portanto a uma moral já formada dos pés à cabeça; considerava essas
façanhas acadêmicas mortas junto com a filosofia antiga. Mas nos sugeriu uma
saída. Levou consigo o resto de sua estratégia. Mas ele, de modo algum, pre-
tendeu apontar uma solução verdadeira ou definitiva; posto que a humanidade
se desloca sem parar, sendo também que alguma solução atual revela logo que
ela carrega seus perigos, toda solução é então imperfeita, e isso será sempre
assim: um filósofo é aquele que, para cada nova atualidade, diagnostica o novo
perigo, e mostra uma nova saída. Com esta concepção novíssima de filosofia, a
verdade clássica está morta, enquanto que, da confusão historicista moderna se
desprende nossa idéia de atualidade. [i]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Pensar sempre de acordo com o contexto. A cada momento,


uma nova saída para o homem e para a história. A atualidade é
sempre uma nova possibilidade. O historiador deve estar atento
a ela.
© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 129

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Foucault não experimentou o medo da morte: dizia isso às vezes a seus
amigos, quando a conversa recaía sobre o suicídio; e os fatos provaram,
ainda que de outra maneira, que não era arrogância. A prudência antiga havia
se tornado hábito pessoal para ele, inclusive de outras formas: durante os
oito últimos meses de sua vida, a redação de seus dois livros desempenhou
para ele o papel que a escritura filosófica e o diário pessoal desempenhavam
na filosofia antiga: a de um trabalho sobre si, o de uma auto-estilização (ele
mesmo publicou, naqueles dias, no número cinco de Corps ecrit, um penetrante
estudo sobre esta questão).
Durante esses oito meses, víamos trabalhar tenazmente escrevendo e reescre-
vendo seus dois livros, saldando esta grande dívida consigo mesmo; ele me fala-
va sem parar de seus livros ou me fazia verificar as traduções; Ao mesmo tempo
que se queixava de uma febre ligeira, mas incessante e de uma tosse tenaz que
o fazia ir de vagar, cortesmente me fazia pedir conselhos a minha mulher, que era
médica e que nada podia fazer, mas [...] ele sabia.
“Você deveria repousar”, eu dizia, “teus estudos de grego e latim te esgotaram”
– “sim, mas depois”, respondia; “antes eu tenho que terminar com esses dois
livrinhos”.
Retrospectivamente, sua atitude não tira o alento. Dar um exemplo vivo, não era
outra das tradições dos filósofos antigos? Tudo isso acabava por aclarar para
mim, em uma alucinação visual [ii], o mesmo dia da morte de Foucault, alguns
minutos antes do telefonema de Maurice Pinguet que me informou do aconteci-
do, quando eu estive em Tóquio, onde também uma rádio japonesa acabara de
anunciar a notícia.
O homem é um ser que confere sentidos e que algumas vezes estetiza também.
Um ano antes de sua morte, Foucault teve um dia a ocasião de falar sobre o ritual
da morte solene, tal como se o praticava na Idade Média e inclusive no século
XVII: o moribundo, rodeado de todos seus parentes, lhes deixava, de seu leito
de morte, suas lições. O historiador Philippe Ariès lamentou que em nossa época
esse grande integração social tenha caído em desuso. Foucault mesmo não se
lamentou de nada, mas escreveu isto: “eu prefiro a doce tristeza da desaparição
a esta morte cerimonial. Há algo de quimérico em querer reatualizar, em um ím-
peto nostálgico, as praticas que já não possuem mais nenhum sentido. Tratemos
de melhor de outorgar sentido e beleza à morte-desaparição”.

Notas
[i] Um dia, em que discutíamos sobre a verdade dos mitos, ele me dizia que a
grande questão, segundo Heidegger, era a de saber qual era o fundamento da
verdade; segundo Wittgenstein, a de saber o que se diz quando se diz o verda-
deiro: mas “a meu ver”, acrescentou textualmente (pois logo tomei nota daquela
frase), “a questão é: de onde vem a idéia de que a verdade seja, no mínimo,
verdadeira?”
[ii] Eu me encontrava neste momento na estrada; as últimas notícias sobre a saú-
de de Foucault tinham sido ruins; minha mulher me explicara que os médicos não
sabiam mais o que fazer e que o tratamento não estava correspondendo, quase,
com o diagnóstico oficial de sua doença. De repente, me vi ultrapassado por um
potente carro, de cor verde alegre, de eixos maiores do que a carroceria e com lar-
gos pneus; o carro, de modelo pouco comum, tinha um largo pára-brisa retangular

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130 © Historiografia e Teoria da História

que deixava ver bem o interior. No instante que me restou, reconheci Foucault no
condutor, que, surpreso, voltou para mim seu perfil agudo e me sorrio com seus
delgados lábios. Imediatamente apertei o acelerador para alcançá-lo, mas desisti
em seguida, dando-me por conta de que o esforço era duplamente inútil: o carro
verde era rápido demais e, sobretudo, aquilo não tinha o aspecto da percepção,
e sim o perfume de uma alucinação. O carro desapareceu ao longe ou deixou de
existir, não sei. Não compreendi que seu largo pára-brisa dianteiro era um carro
fúnebre; foi um amigo que me fez ver isso meses mais tarde. Em contrapartida, o
duplo sentido da alucinação me foi clarificado; Foucault havia ido para onde todos
iremos e, em seus livros sobre o amor antigo, havia chegado mais longe que eu.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Seu desejo não foi realizado. Seus amigos e críticos reuni-


ram-se para falar de Foucault. O mais importante, porém, é que
suas obras permanecem ainda mais atuais. Suas contribuições são
inegáveis, mesmo aquelas que fizeram os pesquisadores se afasta-
rem de suas assertivas. Foucault revolucionou a História.

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


O estudo e as avaliações constantes são a melhor maneira
que temos para solucionar as dúvidas e promover o aprendizado
contínuo. As questões a seguir têm como objetivo auxiliá-lo na
fixação do conteúdo e, igualmente, ajudá-lo a desenvolver uma
atitude crítica e reflexiva diante dos temas apresentados. Respon-
da a essas questões com base no que foi estudado na Unidade 4.
Procure discutir e comentar as respostas com seus colegas, bem
como trocar ideias. Essa atitude é muito importante para os estu-
dos desenvolvidos a distância. Não deixe as dúvidas impedirem a
construção de seu conhecimento.
1) O que é arqueologia/genealogia para Michel Foucault? Esquematize seu ra-
ciocínio.

2) Você compreendeu o que é episteme para o filósofo? Elabore sua própria


resposta em um texto à parte. O exercício será frutuoso a você .

3) O que é descontinuidade para Foucault? Compreendeu o conceito?

4) Por que o estudioso faz uso do conceito de micropoderes e não de Poder?


© U4 - O Efeito Foucault na Historiografia 131

12. CONSIDERAÇÕES
Há muito mais para se dizer de Foucault; as discussões não
terminam por aqui. No entanto, boa parte do que já foi dito em
outras unidades sobre o discurso, as práticas discursivas, a verda-
de e a escrita da História contém bastante de suas contribuições.
O livro A ordem do discurso, dentro do possível, deverá fazer parte
de sua biblioteca de obras lidas (afinal, quantos livros temos e que
ainda não lemos?).
Entretanto, acreditamos que as abordagens apresentadas
nesta unidade já lhe dão um bom parâmetro sobre as contribui-
ções de Michel Foucault para os debates sobre a mudança dos
tradicionais paradigmas historiográficos: a verdade, como nunca,
foi questionada e compreendida como construção histórica e não
mais como absoluta; o homem ganhou o seu plural, sua sexualida-
de, profissões, deixando de ser o Homem Universal; e, por fim e
mais importante, a História deixou de ver o passado como um fato
dado, pronto para ser desvelado; e tornou-se discurso.
Dentro do contexto da História enquanto discurso, um últi-
mo debate deverá ser considerado: para se mostrar, qual a forma
que a História toma para ser conhecida? A da narração? Mas, se é
narração, um dos recursos da Literatura, então ela é ficção? Esse
será o tema da nossa próxima unidade, em que discutiremos a His-
tória Narrativa e as contribuições de Hayden White.
Pronto para mais um desfio? Então vamos em frente!

13. E-REFERÊNCIA
Site Pesquisado
VIEIRA, Priscila P. Reflexões sobre A História da Loucura de Michel Foucault. Revista
Aulas. Dossiê Foucault. n. 3 – dezembro 2006/março 2007- Organização: Margareth Rago
e Adilton Luís Martins. ISSN 1981-1225 (disponível em <http://www.unicamp.br/~aulas/
pdf3/24.pdf>. Acesso em: 13 set. 2008).

Claretiano - Centro Universitário


132 © Historiografia e Teoria da História

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BROCHIER, J. J. Michel Foucault explica seu último livro. Magazine Littéraire, n. 28,
abr./maio, 1969 apud FOCAULT, M. Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de
Pensamento. MOTTA, Manoel Barros (Org.). Tradução de Elisa Monteiro. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2005.
FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. Tradução de Laura F. A. Sampaio. 3. ed. São Paulo:
Loyola, 1996.
______. A História da Loucura na Idade Clássica. Tradução de José T. Coelho. São Paulo:
Perspectiva, 1997.
______. Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. Tradução de
Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
______. As Palavras e as Coisas. Tradução de Salama T. Muchail. São Paulo: Martins
Fontes, 1981
______. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
______. O Pensamento do Exterior. Tradução de Nurimar Falci. São Paulo: Princípio, 1990.
MARX, K. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo:
Abril Cultural, 1974.
O’BRIEN, P. A História da Cultura de Michel Foucault. In: HUNT, Lynn. A Nova História
Cultural. Tradução de Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
RAGO, M. O efeito-Foucault na Historiografia Brasileira. Tempo Social, Revista de
Sociologia da USP, São Paulo, v. 7, n. 1-2, out. 1995.
STRATHERN, P. Foucault (1926-1984) em 90 minutos. Tradução de Cássio Boechat. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

 
EAD
História, Narrativa
e Ficção
5
1. OBJETIVOS
• Conhecer e analisar o conceito de narrativa e os debates
em torno dela.
• Conhecer e analisar as principais contribuições de Hayden
White.
• Compreender e demonstrar os conceitos utilizados em
sua produção acadêmica.

2. CONTEÚDOS
• A questão da narrativa na historiografia pós-moderna.
• As discussões levantadas por Hayden White sobre a nar-
rativa.
• As discussões levantadas por Hayden White sobre a rela-
ção entre a História e Ficção.
134 © Historiografia e Teoria da História

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) A relação entre a História e a Literatura vem se forta-
lecendo nas últimas décadas, especialmente após a
orientação de que a interdisciplinaridade seria o me-
lhor caminho a seguir pelos historiadores interessados
em compreender os contextos culturais de modo mais
amplo. Para saber mais sobre essa aliança, recomenda-
mos a leitura do artigo Narrativa e conhecimento histó-
rico: alguns apontamentos, de Carlos Eduardo França
de Oliveira, disponível em: <http://hid0141.blogspot.
com/2009/02/narrativa-e-conhecimento-historico.
html>. Acesso em: 23 fev. 2009.
2) O movimento que passou a ver a História como um dis-
curso ou como narrativa por vezes é denominado “lin-
guistic turn” (virada linguística) – quando há predomínio
da linguagem sobre o pensamento.
3) Um estudo aprofundado sobre a questão da narrativa
foi realizado por Paul Ricoeur. Recomendamos que você
leia sua produção.
4) Você estudará o contraste aristotélico. Gostaríamos de
lembrá-lo que esse conteúdo já foi visto no Caderno de
Referência de Conteúdo História Antiga I e na Unidade 1
deste Caderno de Referência de Conteúdo; por isso, su-
gerimos que você revise esses conteúdos e tente asso-
ciar os conhecimentos já adquiridos com o conhecimen-
to que você terá agora.
5) Durante o estudo desta unidade, você observará que os
quatro modelos de enredo apontados por Hayden White
são: romance, comédia, tragédia e sátira. Além dessas
quatro formas de enredo que serão apontadas por Whi-
te, serão indicados os quatro modos de explicação (idio-
gráfico, organicista, mecanicista e contextualista) e os
quatro tipos de interpretação histórica de acordo com o
comprometimento ideológico do autor (anarquista, con-
servador, radical e liberal).
© U5 - História, Narrativa e Ficção 135

6) "Prover o 'sentido' de uma estória por meio da identifi-


cação da modalidade de estória que foi contada é o que
se chama explicação por elaboração de enredo. Se, ao
narrar sua estória, o historiador lhe deu a estrutura de
enredo de uma tragédia, ele a 'explicou' de uma manei-
ra; se a estruturou como uma comédia, ele a 'explicou'
de outra maneira. A elaboração de enredo é a via pela
qual uma seqüência de eventos modelados numa estó-
ria gradativamente se revela como sendo uma estória de
um tipo determinado" (WHITE, 1995, p. 23).
7) Vários autores serão citados no decorrer do conteúdo.
Para obter maior conhecimento sobre eles, observe as
informações a seguir e procure pesquisar nos sites indi-
cados.

Paul Ricoeur
Paul Ricoeur (1913-2005): filósofo francês em cuja obra debateu
temas relacionados à Linguística, à Psicanálise, ao Estrutura-
lismo e à Hermenêutica. Dentre as principais citamos: História
e verdade e Tempo e narrativa. Visite o site oficial de Ricoeur,
que está disponível em: <http://ricoeur.iaf.ac.at/FR/index.htm>.
Acesso em: 23 jun. 2010.
Além desse site, há outro que traz informações sobre o au-
tor. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0103-40141997000200016>. Acesso em: 23 jun. 2010 (imagem disponível
em: <http://www.voltairenet.org/article125537.html>. Acesso em: 12 fev. 2009).

Hayden White
Hayden White (1928), historiador norte-americano, é professor
de Literatura Comparada na Universidade de Stanford e profes-
sor emérito na Universidade da Califórnia. É um dos grandes
reponsáveis pelo uso e pela adaptação das categorias da crítica
literária voltadas para a análise historiográfica. Para saber mais
sobre o autor, acesse os sites. Disponível em: <http://letrasartes.
blogspot.com/2008/10/histria-e-letras-verdade-e.html>. Acesso
em: 23 jun. 2010. Disponível em: <http://www.historiaehistoria.
com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=4>. Acesso em: 23 jun. 2010
(imagem disponível em: <http://letrasartes.blogspot.com/2008/10/histria-e-letras-
-verdade-e.html>. Acesso em: 23 jun. 2010).

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136 © Historiografia e Teoria da História

Jules Michelet
Jules Michelet (1798-1874): historiador francês considerado o
primeiro a afirmar que as massas eram e os principais agentes
das mudanças sociais e não as grandes personalidades. Seus
pensamentos acabaram por colaborar com os ideais da Revo-
lução Francesa. Entre suas obras, citamos História da França.
Veja a biografia desse autor no site disponível em: <http://www.
netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_2425.html>. Acesso
em: 27 maio 2009 (imagem disponível em: <http://etablissements.ac-amiens.
fr/0601189s/index1.html>. Acesso em: 27 maio 2009).

Leopold Von Ranke


Leopold Von Ranke (1795-1886): considerado o pai da história
científica, foi um dos maiores historiadores alemães. Autor de
História dos Papas, entre outros. Para saber mais sobre ele,
acesse o site disponível em: <http://www2.dbd.puc-rio.br/per-
gamum/tesesabertas/0510848_07_cap_06.pdf>. Acesso em:
24 jun. 2010 (imagem disponível em: <http://entrefatoerelatos.
blogspot.com/2009/08/diferencas-e-similaridades-entre.html>.
Acesso em: 23 maio 2009).

Alexis de Tocqueville
Alexis de Tocqueville (1805-1859): pensador político e histo-
riador francês que se sobressaiu no meio intelectual devido às
suas análises da Revolução Francesa. Sua última obra: O An-
tigo Regime e a Revolução Francesa. Para saber mais sobre
ele, recomendamos a leitura do site disponível em: <http://www.
cdcc.usp.br/ciencia/artigos/art_24/conceitodemo.html>. Acesso
em: 23 jun. 2010 (imagem disponível em: <http://escoladeredes.
ning.com/profiles/blogs/nao-e-possivel-tratar-de-redes?id=2384710%3ABlogPo
st%3A46073&page=-1>. Acesso em: 23 maio 2009).

Jacob Burckhardt
Jacob Burckhardt (1818-1897): historiador suíço autor de A
Cultura do Renascimento na Itália, solidificou a ideia de que a
renascença italiana culminava com o desenvolvimento do indi-
víduo, a “descoberta” do mundo e do homem. Pesquise mais
sobre esse autor no site disponível em: <www.scielo.br/scie-
lo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882005000100006>.
Acesso em: 23 jun. 2010 (imagem disponível em: <http://
www.britannica.com/EBchecked/topic-art/84952/9118/Jacob-
-Burckhardt-1892>. Acesso em: 17 fev. 2009).
© U5 - História, Narrativa e Ficção 137

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Os debates sobre os campos de atuação da História e demais
Ciências Sociais acabaram por discutir a inter, multi e transdiscipli-
naridade. Com isso, a relação da História e da Literatura entrou na
pauta. Do mesmo modo, essa relação também se inseriu no con-
texto da discussão sobre a verdade histórica. Ora, quem produz a
verdade? Ela pode ser objetiva? Como você já estudou nas demais
unidades, o pós-modernismo não acredita nessa objetividade da
verdade; assim, a História deve rever suas pretensões a um lugar
entre as ciências (contribuições para essa temática já foram dadas
por Valéry, Heidegger, Sartre, Lévi-Strauss e Michel Foucault). En-
tretanto, não é fácil “descer o degrau”, ou se deslocar dele rumo à
plataforma da Literatura ou da Arte. Estas são o fardo da História:
suas tentativas de justificar o seu ofício. Aos que criticam suas am-
biguidades, ela (a História) responde que nunca quis ser ciência.
Aos que a criticam por não utilizar a representação literária, ela se
posiciona como semiciência.
E como se libertar desse fardo?
Antes de mais nada, os historiadores precisam admitir a justificati-
va da revolta atual contra o passado [...] O historiador contempo-
râneo precisa estabelecer o valor do estudo do passado, não como
um fim em si, mas como um meio de fornecer perspectivas sobre o
presente que contribuam para a solução dos problemas peculiares
ao nosso tempo (WHITE, 1994, p. 53).

Definitivamente, faz-se necessário, nesse contexto da relação


entre a História e a Literatura, que os fatos deixem de ser tratados
como dados descobertos e passem a ser vistos como construções
que se evidenciam a partir dos tipos de pergunta que o pesquisador
faz acerca dos fenômenos que tem diante de si (WHITE, 1994).

5. A QUESTÃO DA NARRATIVA
Entre as décadas de 1970 e 1980, a temática da narrativa voltou
a ser destaque em meio aos historiadores e outros pesquisadores das

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138 © Historiografia e Teoria da História

Ciências Sociais, essencialmente a partir da publicação do artigo The


revival of narrative (O retorno da Narrativa – 1979), do historiador La-
wrence Stone. Nesse artigo, além de afirmar que os três grandes para-
digmas da história científica (o modelo econômico marxista, o modelo
ecológico-demográfico francês e a metodologia "cliométrica" america-
na) apresentavam resultados ineficientes, anunciou que estava ocor-
rendo uma nova valorização e retomada da narrativa. Destarte,
Disseminava-se, no entender de Stone, a percepção de que não bas-
tava ao historiador o rigor metodológico; era preciso que ele conferis-
se um determinado estilo a sua escrita, isto é, que ele soubesse não
apenas contar, mas também saber como fazê-lo (OLIVEIRA, 2009.
Disponível em <http://hid0141.blogspot.com/2009/02/narrativa-e-
-conhecimento-historico.html>. Acesso em: 24 jun. 2010).

Admitia-se, dessa forma, que, para além do conteúdo, a for-


ma era importante na escrita da história. Essa forma proposta era
a narrativa, mesmo que esta levantasse questionamentos sobre a
cientificidade da História. Afinal, escrever uma narrativa é também
escrever uma ficção.
Mas o medo da ficção não era o único que vagava pelos escritó-
rios das universidades; havia, também, o receio do retorno da narra-
tiva histórica tradicional que enfatizava os grandes feitos dos grandes
homens em grandes acontecimentos, a qual custou a ser negligencia-
da. No entanto, o que vimos foi uma nova narrativa que considerou
o cotidiano das pessoas comuns e os acontecimentos triviais. Passa-
mos, então, a observar um interesse nas “práticas narrativas” de uma
cultura: “[...] as histórias que as pessoas naquela cultura 'contam a si
mesmas sobre si mesmas'" (BURKE, 2005, p. 158).
Entra em cena, nessa ocasião, a narrativa de curtíssima du-
ração, absorta num acontecimento, e não mais a velha narrativa
explicativa à procura de causas e efeitos (WEINSTEIN, 2003).
Contudo, discutir a narrativa significa responder sobre o que
narrar, o que é narrar e como narrar; e, ainda, como fugir dos peri-
gos da história narrativa, entre eles a tentação em retomar o “con-
tar estória por contar estória”?
© U5 - História, Narrativa e Ficção 139

Aqui a grafia de "estória" está se referindo à narrativa de


ficção, a um tipo de apresentação romanceada de fatos e episó-
dios, diferente da história, baseada em documentos. Tal grafia foi
utilizada considerando-se o que aplicado na bibliografia lida para
confecção da unidade.
Enfim,
[...] as narrativas são traduções e leituras diferentes do passado
que, dependendo das combinações e ênfases variadas, possibili-
tam as mais diferenciadas leituras interpretativas do passado. Po-
rém, todas as possíveis tradições possuem algo em comum. Todas
elas demonstram ser incompletas e transitórias, mesmo que bus-
quem a perfeição do passado (DIEHL, 2002, p. 102).

Após as assertivas discutidas neste tópico, reflita sobre a se-


guinte questão: existe uma forma de se escrever a História que
não seja a da narrativa? Segundo Hayden White, não.

6. HAYDEN WHITE: HISTÓRIA E FICÇÃO


O crítico literário Hayden White foi um dos responsáveis pelo
debate que veementemente foi travado em torno da não distinção
entre História e ficção. Segundo White (1995, p. 17), perguntas
como “Que significa pensar historicamente e quais são as caracte-
rísticas inconfundíveis de um método especificamente histórico de
investigação?" e “quais as formas por meio das quais é produzido
o discurso da história?” fazem parte de seu questionário dirigido à
História. Não é uma tarefa tola essa de entender os discursos, pois,
Quando procuramos explicar tópicos problemáticos como natureza
humana, cultura, sociedade e história, nunca dizemos com precisão
o que queremos dizer, nem expressamos o sentido exato do que
dizemos. Nosso discurso sempre tende a escapar dos nossos dados
e voltar-se para as estruturas de consciência com que estamos ten-
tando apreendê-los; ou, o que dá no mesmo, os dados sempre obs-
tam a coerência da imagem que estamos tentando formar deles.
Ademais, em tópicos como esses, sempre existem razões legítimas
para diferenças de opinião quanto ao que eles são, ao modo como
se deveria falar deles e aos tipos de conhecimento que deles pode-
mos ter (WHITE, 1994, p. 13).

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140 © Historiografia e Teoria da História

Em resumo, para White (2006), o que ocorre é que há uma


inabalável relatividade na representação do fenômeno histórico
e, por isso, também, ele trata a produção dos historiadores como
"[...] uma estrutura verbal na forma de um discurso narrativo em
prosa” (WHITE, 1995, p. 11); dito de outra forma, esse crítico lite-
rário não reluta em considerar as narrativas históricas como fic-
ções verbais, cujos conteúdos são tão inventados como achados,
e cujas formas apresentam muito em comum com as narrativas
literárias (WHITE, 1994).
Enfatizando, segundo White, o próprio passado é uma cons-
trução (que se forma durante a escrita da narrativa), e os textos e
as interpretações dos historiadores consideram diferentes formas
de imaginação. Assim, a história narrativa e a história científica
tornam-se incompatíveis.
A característica marcante desse crítico literário é o fato de
ter atenuado o contraste aristotélico entre poesia e História e, com
essa ideia em vista, procurou, em Meta-História, afirmar que os
textos históricos recebem uma forma segundo o tipo de historia
que o autor quer contar. Portanto, no livro citado anteriormente,
ele apresentou uma análise formalista de textos históricos do sé-
culo 19 e concluiu que Jules Michelet construiu o enredo de suas
histórias na forma de romance, Leopold Von Ranke, na forma de
comédia, Alexis de Tocqueville, na forma de tragédia e Jacob Bur-
ckhardt, na forma de sátira. Conclui o autor, então, que há uma
relação constitutiva entre forma e conteúdo.
Mas, se há essa estreita relação, é preciso que o historiador
levante algumas questões: qual o tipo de modelo linguístico utili-
zar? Dentre os tropos do discurso, qual empregar? (WHITE, 1995).
"Seria, assim, uma decisão por parte do historiador entre os mo-
dos de urdir o enredo que melhor caberia em seu tipo particular
de história" (LOPES, 2000, p. 301).
White explica, no artigo Enredo e verdade na escrita da His-
tória (2006), que o tema do conteúdo a ser trabalhado exige ou
© U5 - História, Narrativa e Ficção 141

aponta para uma possível forma do texto. Desse modo, se tomar-


mos como exemplo o mesmo tema citado pelo autor, o Holocausto
seria melhor apreendido se a narrativa tomasse a forma de um
épico ou de uma tragédia. No entanto, as possibilidades formais
também respondem ao interesse do autor. Vejamos o exemplo de
White (2006, p. 196, grifo nosso):
Essa é a questão colocada por Maus: o conto de um sobrevivente,
de Art Spiegelman, que apresenta os eventos do Holocausto por
meio da escrita em quadrinhos (preto e branco) e em uma forma
de sátira amarga, com alemães colocados como gatos, judeus
como ratos e polacos como porcos. O conteúdo manifesto da estó-
ria em quadrinhos de Spiegelman é a história do esforço do artista
em extrair de seu pai a estória da experiência de seus pais com
os eventos do Holocausto. Dessa forma, a estória do Holocausto
contada no livro é estruturada pela estória de como essa estória foi
contada [...] Maus representa uma visão particularmente irônica e
aturdida do Holocausto, mas é, ao mesmo tempo, um dos mais to-
cantes relatos narrativos dele que conheço [...] essa comédia é uma
obra-prima de estilização, figuração e alegorização.

Ainda de acordo com White, o exemplo citado e toda e qual-


quer decisão por este ou aquele tipo de elaboração de enredo per-
mite que se justifique que certos eventos, agentes, ações, agências
e resignações que ocupem um dado cenário histórico ou seu con-
texto serão ignorados (WHITE, 2006).

Os tropos linguísticos
Para Hayden White, o historiador não tem de pensar apenas
na escolha do tipo de enredo, mas, igualmente, na escolha de um
dos quatro tropos linguísticos: metáfora, metonímia, sinédoque e
a ironia (as três últimas entendidas como espécies da primeira). Se
assim o historiador faz (utiliza-se de tropos), então a distinção que
existe entre a História e a ficção é de forma e não de conteúdo, ou
seja, tanto a História quanto a Literatura produzem uma narrativa
ficcional.
Para você compreender melhor: os tropos são desvios do
uso literal da linguagem que geram figuras de linguagem, ou seja,

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142 © Historiografia e Teoria da História

as figuras de linguagem são táticas literárias que o historiador


pode utilizar no texto para conseguir um efeito determinado na
interpretação do leitor.

7. TEXTO COMPLEMENTAR
Para aprofundar seus conhecimentos acerca do debate en-
tre História e Literatura, o texto a seguir mostrou-se um impor-
tante instrumento de reflexão; por isso, há a sua disponibilização
na íntegra. Ele é encontrado, em sua versão eletrônica, em Nuevo
Mundo Mundos Nuevos, Debates, 2006. Disponível em: <http://
nuevomundo.revues.org/1560>. Acesso em: 28 jan. 2006.

História e literatura: uma velha-nova história––––––––––––––


Sandra Jatahy Pesavento
Por vezes, esta aproximação da história com a literatura tem um sabor de dejà
vu, dando a impressão de que tudo o que se apregoa como novo já foi dito e de
que se está “reinventando a roda”. A sociologia da literatura desde há muitos
anos circunscrevia o texto ficcional no seu tempo, compondo o quadro histórico
no qual o autor vivera e escrevera sua obra. A história, por seu lado, enriquecia
por vezes seu campo de análise com uma dimensão “cultural”, na qual a narra-
tiva literária era ilustrativa de sua época. Neste caso, a literatura cumpria face à
história um papel de descontração, de leveza, de evasão, “quase” na trilha da
concepção beletrista de ser um sorriso da sociedade[...]
Entendemos que, atualmente, estas posturas foram ultrapassadas, não porque
não tenham valor em si – no caso da contextualização histórica da narrativa
literária - ou porque sejam consideradas erradas – caso de enfocar a literatura
somente como passatempo. Tais posturas se tornam ultrapassadas pelas novas
questões que se colocam aos intelectuais neste limiar do novo século e milênio.
Chamemos nosso tempo pela já desgastada fórmula da “crise dos paradigmas”,
que questionou as verdades e os modelos explicativos do real, ou entendamos
nosso mundo pelo recente enfoque da globalização, dotado hoje de forte apelo,
o que parece evidente é que nos situamos no meio de uma complexificação e
estilhaçamento da realidade, onde é preciso encontrar novas formas de acesso
para compreendê-la. A rigor, cada geração se coloca problemas e ensaia respos-
tas para respondê-los, valendo-se para isso de um arsenal de conceitos que se
renova no tempo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A discussão em torno da relação entre história e literatura


não é nova. O que vem mudando são os novos problemas que se
colocam a essa relação.
© U5 - História, Narrativa e Ficção 143

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Se os conceitos são artifícios mentais que se propõem a interrogar e explicar o
mundo e que, articulados, resultam em constelações teóricas, ousaríamos dizer
que o desafio atual é o e assumir que as ciências humanas se voltam, “gros-
so modo”, para uma postura epistemológica diferenciada. Não se trata, aqui no
caso, de desenvolver toda a gama de conceitos e de redefinições teóricas orien-
tadoras das diferentes correntes que estudam a cultura nestas décadas finais do
século e do milênio. Apenas caberia assinalar que tais mudanças passam, com
freqüência, pelos caminhos da representação e do simbólico, assim como da
preocupação com a escrita da história e sua recepção.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O que a autora quis nos dizer é que não estão sendo pro-
postas mudanças no interior das teorias, mas, sim, que as teorias
passam periodicamente por reflexões.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Preferimos concentrar nosso enfoque numa perspectiva que, a nosso ver, tem se
revelado profícua neste giro do olhar sobre o mundo e que redimensiona, por sua
vez, as relações entre a história e a literatura. Referimo-nos aos estudos sobre o
imaginário, que abriram uma janela para a recuperação das formas de ver, sentir
e expressar o real dos tempos passados.
Atividade do espírito que extrapola as percepções sensíveis da realidade con-
creta, definindo e qualificando espaços, temporalidades, práticas e atores, o
imaginário representa também o abstrato, o não-visto e não-experimentado. É
elemento organizador do mundo, que dá coerência, legitimidade e identidade. É
sistema de identificação, classificação e valorização do real, pautando condutas
e inspirando ações. É, podemos dizer, um real mais real que o real concreto[...]
O imaginário é sistema produtor de idéias e imagens que suporta, na sua feitura,
as duas formas de apreensão do mundo: a racional e conceitual, que forma o
conhecimento científico, e a das sensibilidades e emoções, que correspondem
ao conhecimento sensível.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O estudo sobre o imaginário é bem mais amplo do que ten-


tar buscar a "mentalidade" de uma época, ao mesmo tempo, é
a busca por marcas mentais (sensibilidades e emoções). Neste
contexto, a narrativa contribuiu muito para a escrita da história.
Afinal, como falar de emoções que não de uma forma literária? O
óbvio mostrou-se criticável, porém.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Claretiano - Centro Universitário


144 © Historiografia e Teoria da História

Conceito amplo e discutido1, o imaginário encontra a sua base de entendimen-


to na idéia da representação. Neste ponto, as diferentes posturas convergem:
o imaginário é sempre um sistema de representações sobre o mundo, que se
coloca no lugar da realidade, sem com ela se confundir, mas tendo nela o seu
referente. Mesmo que os seguidores da História Cultural sejam freqüentemente
atacados por negarem a realidade, acusação absurda e mesmo ridícula, nenhum
pesquisador, em sã consciência, poderia desconsiderar presença do real.
Apenas – e este apenas é toda a diferença – parte-se do pressuposto de que
este real é construído pelo olhar enquanto significado, o que permite que ele seja
visualizado, vivenciado e sentido de forma diferente, no tempo e no espaço. O
enunciado é simples, mas tem incomodado [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A História Cultural nunca negou a possibilidade de uma reali-


dade, e, sim, de uma verdade absoluta para essa realidade. Não se
tem um real, mas a representação dele. Pesavento (2006) vem nos
dizer que é justamente essa postura que incomoda os contrários a
esse viés cultural.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Ao construir uma representação social da realidade, o imaginário passa a subs-
tituir-se a ela, tomando o seu lugar. O mundo passa a ser tal como nós o conce-
bemos, sentimos e avaliamos. Ou, como diria Castoriadis, a sociedade, tal como
tal é enunciada, existe porque eu penso nela, porque eu lhe dou existência – ou
seja, significação – através do pensamento. Os recentes estudos de Lucian Boia2
, historiador romeno, acenam para a possibilidade de estabelecer estratégias
metodológicas de acesso a este mundo do imaginário, crème de La crème da
historiografia atual.
Por um lado, há uma tentativa de viés antropológico (Gilbert Durand, Yves Du-
rand), que se baseia na idéia da possibilidade de divisar traços e rasgos de
permanência na construção imaginária do mundo, [...] Por outro lado, em uma
versão historicizada (Le Goff), articula-se o entendimento de que os imaginários
são construções sociais e, portanto, históricas e datadas, que guardam as suas
especificidades e assumem configurações e sentidos diferentes ao longo do tem-
po e através do espaço.
Admitindo, como propõe Boia, a possibilidade de conjugar, estrategicamente, as
duas posturas, que combinadas associariam os traços de permanência de estru-
turas mentais com as configurações específicas de cada temporalidade, desem-
bocamos na redescoberta da literatura pela história.
Clío se aproxima de Calíope, sem com ela se confundir. História e literatura cor-
respondem a narrativas explicativas do real que se renovam no tempo e no es-
paço, mas que são dotadas de um traço de permanência ancestral: os homens,
desde sempre, expressaram pela linguagem o mundo do visto e do não visto,
através das suas diferentes formas: a oralidade, a escrita, a imagem, a música.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U5 - História, Narrativa e Ficção 145

Se a História e a Literatura se aproximam na forma de apre-


sentarem o mundo, como trabalhar com a ideia de estrutura? An-
tropologicamente ou historicamente? Em outras palavras, como
buscar as permanências ou rupturas nessa história construída?

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O que nos interessa, [...], é discutir o diálogo da história com a literatura, como
um caminho que se percorre nas trilhas do imaginário, [...]
Para enfrentar esta aproximação entre estas formas de conhecimento ou discur-
sos sobre o mundo, é preciso assumir, em uma primeira instância, posturas epis-
temológicas que diluam fronteiras e que, em parte, relativizem a dualidade ver-
dade/ficção, ou a suposta oposição real/não-real, ciência ou arte3. Nesta primeira
abordagem reflexiva, é o caráter das duas formas de apreensão do mundo que
se coloca em jogo, face a face, em relações de aproximação e distanciamento.
Assim, literatura e história são narrativas que tem o real como referente, para
confirmá-lo ou negá-lo, construindo sobre ele toda uma outra versão, ou ainda
para ultrapassá-lo. Como narrativas, são representações que se referem à vida
e que a explicam. Mas, dito isto, que parece aproximar os discursos, onde está
a diferença? Quem trabalha com história cultural sabe que uma das heresias
atribuídas a esta abordagem é a de afirmar que a literatura é igual à história [...]
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Nesse fragmento, a autora coloca-nos os binômios contrá-


rios conforme o senso comum: História = verdade, real, ciência x
literatura = ficção, não real, arte. Mas não é bem assim que essa
relação se dá na escrita da História. Essas fronteiras são tênues,
mas isso não significa dizer que as duas áreas são sinônimas. Isso
também é fruto do senso comum.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A literatura é, no caso, um discurso privilegiado de acesso ao imaginário das
diferentes épocas. No enunciado célebre de Aristóteles, em sua “Poética”, ela é
o discurso sobre o que poderia ter acontecido, ficando a história como a narrativa
dos fatos verídicos. Mas o que vemos hoje, nesta nossa contemporaneidade, são
historiadores que trabalham com o imaginário e que discutem não só o uso da
literatura como acesso privilegiado ao passado — logo, tomando o não-aconteci-
do para recuperar o que aconteceu! — como colocam em pauta a discussão do
próprio caráter da história como uma forma de literatura, ou seja, como narrativa
portadora de ficção!4
Tomemos a faceta do não acontecido, elemento perturbante para um historiador
que tem como exigência o fato de algo ter ocorrido um dia. Mas, a rigor, de qual
acontecido falamos? Se estamos em busca de personagens da história, de acon-
tecimentos e datas sobre algo que se deu no passado, sem dúvida a literatura

Claretiano - Centro Universitário


146 © Historiografia e Teoria da História

não será a melhor fonte a ser utilizada. Falamos em fonte? A coisa se complica:
como a literatura, relato de um poderia ter sido, pode servir de traço, rastro, indí-
cio, marca de historicidade, fonte, enfim, para algo que aconteceu?
A sintonia fina de uma época, fornecendo uma leitura do presente da escrita,
pode ser encontrada em um Balzac ou em um Machado, sem que nos preocu-
pemos com o fato de Capitu, ou do Tio Goriot e de Eugène de Rastignac, terem
existido ou não. Existiram enquanto possibilidades, como perfis que retraçam
sensibilidades. Foram reais na “verdade do simbólico” que expressam, não no
acontecer da vida. São dotados de realidade porque encarnam defeitos e virtu-
des dos humanos, porque nos falam do absurdo da existência, das misérias e
das conquistas gratificantes da vida. Porque falam das coisas para além da moral
e das normas, para além do confessável, por exemplo.
Mas, sem dúvida, dirá alguém, no delineamento de tais personagens e na articu-
lação de tais intrigas, houve um Honoré de Balzac e um Joaquim Maria Machado
de Assis, o que não é pouca coisa [...] Sim, por certo, longe de negar a genialida-
de dos autores, ressaltamos a existência imprescindível dos narradores de uma
trama, que mediatizam o mundo do texto e o do leitor. E não esqueçamos, como
alerta Paul Ricoeur5, que os fatos narrados na trama literária, existiram de fato
para a voz narrativa!
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Neste momento, a autora coloca-nos um questionamento


interessante: se a literatura fala de ficção, como os historiadores
continuam a se utilizar dela como fonte histórica? Em contrapar-
tida, como desconsiderar como fonte um texto de Homero, uma
lenda medieval ou livro infantil? Não são obras representativas de
um lugar e de um tempo?

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Mas, a rigor, o processo acima descrito para o âmbito da literatura não será o
mesmo nos domínios da História?
Neste campo temos também um narrador – o historiador – que tem também ta-
refas narrativas a cumprir: ele reúne os dados, seleciona, estabelece conexões e
cruzamentos entre eles, elabora uma trama, apresenta soluções para decifrar a
intriga montada e se vale das estratégias de retórica para convencer o leitor, com
vistas a oferecer uma versão o mais possível aproximada do real acontecido.
O historiador não cria personagens nem fatos. No máximo, os “descobre”, fa-
zendo-os sair da sua invisibilidade. A título de exemplo, temos o caso do negro,
recuperado como ator e agente da história desde algumas décadas, embora
sempre tenha estado presente. Apenas não era visto ou considerado, tal como
as mulheres ou outras tantas ditas “minorias”.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U5 - História, Narrativa e Ficção 147

A diferença entre História e literatura então é apresentada.


A História não "inventa", descobre ou redescobre e apresenta uma
representação do ocorrido, dos personagens etc.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Historiadores também mediatizam mundos, conectando escrita e leitura. Dele
também se espera performance exemplar, genial, talvez [...] E ele também não
tem, admitamos, certezas absolutas de chegar lá, na tal temporalidade já escoa-
da, irremediavelmente perdida e não recuperável, do acontecido.
Na reconfiguração de um tempo - nem passado nem presente, mas tempo his-
tórico reconstruído pela narrativa -, face à impossibilidade de repetir a experiên-
cia do vivido, os historiadores elaboram versões. Versões plausíveis, possíveis,
aproximadas, daquilo que teria se passado um dia. O historiador atinge pois a
verossimilhança, não a veracidade. Ora, o verossímil não é a verdade, mas algo
que com ela se aparenta. O verossímil é o provável, o que poderia ter sido e que
é tomado como tal. Passível de aceitação, portanto.
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A História Cultural defende essa verossimilhança, esse pro-


vável, esse plausível, pois crê num passado inatingível, por que
passou.

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Registramos, com isto, a mudança deliberada do tempo verbal: o poderia, o teria
sido, com o que a narrativa histórica, representação do passado, se aproximaria,
perigosamente, da definição aristotélica da poesia, pertencente ao campo da fic-
ção. Ou seja, as versões do acontecido são, de forma incontornável, um poderia
ter sido. A representação do passado feita pelo historiador seria marcada por
esta preocupação ou meta: a da de vontade de chegar lá e não da certeza de
oferecer a resposta certa e única para o enigma do passado.
Assim, a noção proposta por Paul Ricoeur de “representância” vem ao encontro
desta propriedade do trabalho do historiador: mais do que construir uma repre-
sentação, que se coloca no lugar do passado, ele é marcado pela vontade de
atingir este passado. Trata-se de uma militância no sentido de atingir o inatingí-
vel, ou seja, o que um dia se passou, no tempo físico já escoado.
O segredo semântico de aproximação dos discursos se encerra neste tempo
verbal: “teria acontecido”. O historiador se aproxima do real passado, recuperan-
do com o seu texto que recolhe, cruza e compõe, evidências e provas, na busca
da verdade daquilo que foi um dia. Mas sua tarefa é sempre a de representa-
ção daquela temporalidade passada. Ele também constrói uma possibilidade de
acontecimento, num tempo onde não esteve presente e que ele reconfigura pela
narrativa. Nesta medida, a narrativa histórica mobiliza os recursos da imagina-
ção, dando a ver e ler uma realidade passada que só pode chegar até o leitor
pelo esforço do pensamento.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Claretiano - Centro Universitário


148 © Historiografia e Teoria da História

Embora seja nesse ponto que as tradições literária e historio-


gráfica se convergem (falar de uma possibilidade), a semelhança
para por aqui. A história usa de fontes, e a literatura, não (ou não
necessariamente). O uso da fonte e a análise desta fazem e trazem
a diferença entre os campos.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Por outro lado, no aprofundamento destas questões, constata-se que tem sido
tradicional reservar à literatura o atributo da ficção, negando esta condição ou
prática ao campo da história6.
Num giro de análise, poderíamos também acrescentar que o fato histórico é,
em si, também criação pelo historiador, mas na base de documentos “reais” que
falam daquilo que teria acontecido. Como diz Jauss, não é possível manter ainda
uma distinção ingênua e radical entre res factae e res fictae7, como se fosse pos-
sível chegar, por meio de documentos reais, a uma verdade incontestável e, por
outro lado, por meio de artifícios, ficar no mundo da fantasia ou pura invenção.
No contrafluxo da ficção, o que teríamos, a verdade? Se esta for, como pro-
põe Aristóteles, a correspondência do discurso com o real, já vimos que, nos
caminhos do resgate do real passado, a história se baseia mais em versões e
possibilidades do que certezas. O distante passado, como atingi-lo na sua inte-
gridade? E mesmo que, por um passe de mágica, para um outro tempo fôssemos
transportados, na posição de testemunha ocular dos fatos, o que veríamos? Sem
duvida, nossa visão seria diferente da do companheiro que nos acompanhasse
nesta viagem fantástica no túnel do tempo. E, ao retornar ao nosso tempo, tería-
mos múltiplas versões do acontecido!
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

É incontestável o fato de que cada observador vê um deter-


minado fato a seu modo. Não há como diferentes olhares enxer-
garem um ocorrido de forma idêntica. Todos nós trazemos conhe-
cimentos e dados acumulados anteriormente. Essa “experiência”
faz diferença.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Os historiadores do tempo presente ou da história oral que o digam quão difícil é
lidar com os testemunhos dos diferentes protagonistas de um mesmo incidente ou
fato histórico. Quantos relatos e versões se tecem em cima de um mesmo fato!
Para construir a sua representação sobre o passado a partir das fontes ou ras-
tros, o caminho do historiador é montado através de estratégias que se aproxi-
mam das dos escritores de ficção, através de escolhas, seleções, organização
de tramas, decifração de enredo, uso e escolha de palavras e conceitos.
Mas então, poderíamos nos perguntar, os historiadores, tal como os escritores
de literatura, produziriam versões imaginárias do real? A narrativa histórica seria
uma espécie de ficção?
© U5 - História, Narrativa e Ficção 149

Há, sem dúvida, uma definição corrente, explícita no conhecido dicionário Auré-
lio, que afasta da história a ficção: em uma primeira acepção, ficção é o ato de
fingir, simular, e em outra, significa coisa imaginária, fantasia, invenção, criação.
Tal definição corresponde a um estatuto reconhecido, a um senso comum que
chega até a academia: a história é diferente, é a narrativa organizada dos fatos
acontecidos, logo, não é fingimento ou engodo, delírio ou fantasia.
Preferimos definir a ficção na sua acepção que, como diz Natalie Davis8 estava
ainda presente no século XVI, antes do cientificismo do século XIX converter a
história na “rainha das ciências” e de colocar, não no seu horizonte mas no seu
campo efetivo de chegada, a verdade verdadeira do acontecido. Este posiciona-
mento antigo nos fala da ficção/fingere como uma criação a partir do que existe,
como construção que se dá a partir de algo que deixou indícios. A palavra fictio,
corrobora Ginzburg, está ligada a figulus, oleiro9, ou seja, aquele que cria a partir
de algo. No caso do historiador, este algo que existiu seriam as fontes, traços da
evidência de um acontecido, espécie de provas para a construção do passado.
Na complementação deste entendimento, que afasta a ficção da pura fantasia,
Carlo Ginzburg cita Isidoro de Sevilha, quando este escreveu dizendo que falso
era o não verdadeiro, fictio [fictum] era o verossímil.10
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Nos trechos anteriores, a autora coloca-nos, muito clara-


mente, o distanciamento entre história e ficção. Vale a pena fazer
alguns apontamentos acerca das assertivas apresentadas.

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Bem sabemos que o historiador está preso às fontes e à condição de que tudo
tenha acontecido. O historiador não cria o traço no seu sentido absoluto, eles
os descobre, os converte em fonte e lhes atribui significado. Há que considerar
ainda que estas fontes não são o acontecido, mas rastros para chegar a este.
Se são discursos, são representações discursivas sobre o que se passou; se são
imagens, são também construções, gráficas ou pictóricas, por exemplo, sobre o
real. Assim, os traços que chegam do passado suportam esta condição dupla:
por um lado, são restos, marcas de historicidade; por outro, são representações
de algo que teve lugar no tempo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Fontes como “restos” e como representações. Esse passado
que ganha significado não pode ser compreendido como único.
Essa é uma das ênfases que vêm sendo trabalhadas neste artigo.
Essa é uma reflexão que deverá fazer parte de seu cotidiano de
professor e pesquisador em História.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Mas, a rigor, é o historiador que transforma estes traços em fontes, através das
perguntas que ele faz ao passado. Atribuindo ao traço a condição de documento
ou fonte, portador de um significado e de um indício de resposta às suas indaga-

Claretiano - Centro Universitário


150 © Historiografia e Teoria da História

ções, o historiador transforma a natureza do traço. Transforma o velho em antigo,


ou seja, rastro portador de tempo acumulado e, por extensão de significações.
Como fonte, o traço revela, desvela sentidos.
A rigor, o historiador tem o mundo à sua disposição. Tudo para ele pode se con-
verter em fonte, basta que ele tenha um tema e uma pergunta, formulada a partir
de conceitos, que problematizam este tema e o constroem como objeto. É a partir
daí que ele enxergará, descobrirá, coletará documentos, amealhando indícios
para a decifração de um problema. Cabe ao historiador, a partir de tais elemen-
tos, explicar o como daquele ocorrido, inventando o passado.
Mas, se ele inventa o passado, esta é uma ficção controlada, o que se dá em pri-
meiro lugar pela sua tarefa de historiador no âmbito do arquivo, no trato das fontes.
Em segundo lugar, há um condicionamento a esta liberdade ficcional imposta
pelo compromisso do historiador com relação ao seu ofício. O historiador quer e
se empenha em atingir o real acontecido, uma verdade possível, aproximada do
real tanto quanto lhe for permitido. Esta é a sua meta, a razão de seu trabalho e
este desejo de verdade impõe limites à criação.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Entre a invenção livre e a “invenção” pautada em documen-


tos, há o limite da criação. É justamente esse limite que impede os
historiadores da Nova História Cultural de acreditar que todas as
interpretações são possíveis. Apenas as interpretações pautadas
nesses limites (pesquisa aprofundada das fontes, utilização de pre-
ceitos teóricos etc.) e descompromissadas com o jogo da falsifica-
ção é que são reconhecidas.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Em terceiro lugar, a ficção na história é controlada pelas estratégias de argu-
mentação – a retórica - e pelos rigores do método – testagem, comparação e
cruzamento -, na sua busca de reconstituir uma temporalidade que se passou
por fora da experiência do vivido. Sua versão do passado deve, hipoteticamen-
te, poder “comprovar-se” e ser submetida à testagem, pela exibição das fontes,
bibliografia, citações e notas de rodapé, como que a convidar o leitor a refazer o
caminho da pesquisa se duvidar dos resultados apresentados. O texto, por sua
vez, deve convencer o público leitor. O uso dos conceitos, das palavras, a cons-
trução de argumentos devem ser aceitos, colocando-se no lugar do ocorrido, em
explicação satisfatória.
Mas – e esta parece ser uma especificidade muito importante – a reconstituição
do passado vivido pela narrativa histórica dá a ver uma temporalidade que só
pode existir pela força da imaginação, como já foi apontado. Ficção, pois? Ficção
controlada? Ficção histórica, possível dentre de certos princípios? E este, no
caso, se apoiariam em desejo de veracidade e resultado de verossimilhança?
A história é um romance verdadeiro, disse o iconoclasta Paul Veyne no início da
década de 70. Verdadeiro porque aconteceu, mas romance porque cabe ao his-
toriador explicar o como. E, nesta instância, na urdidura do texto e da argumenta-
© U5 - História, Narrativa e Ficção 151

ção, na seleção dos argumentos e das próprias marcas do passado erigidas em


fontes é que se coloca a atuação ficcional do historiador. Como diz Jans Robert
Jauss, o historiador faz sempre uma ficção perspectivista da história. Não há só
um “recolhimento do passado” nos arquivos. A história é sempre construção de
uma experiência, que reconstrói uma temporalidade e a transpõe em narrativa.
Chamamos a isto de estetização da História, ou seja, a colocação em ficção – ou
narrativização – da experiência da história.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Mesmo os limites sendo estabelecidos e seguidos à risca,


ainda assim, ocorre a narrativização da experiência histórica. Por
esse e outros motivos já discorridos aqui, fica realmente difícil,
para alguns autores, aceitar a separação total entre História e Lite-
ratura. Como pode observar, há inúmeros pontos a serem refleti-
dos nessa relação.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Mas nos voltemos agora para uma segunda instância de análise, que é a do uso
da literatura pela história, sem que com isso estabeleçamos hierarquias de valor
sobre os modos de dizer o real. Quando nos referimos ao uso da literatura pela
história, nos reportamos ao lugar de onde se enuncia o problema e a pergunta
que, no caso, é o campo da história.
Sob esta segunda ótica, aí sim, podemos dizer que o diálogo se estabelece a
partir de uma hierarquização entre os campos, a partir do lugar onde são colo-
cadas as questões ou problemas. E, neste caso, a partir deste particular e espe-
cífico ponto de vista, podemos dizer que, quando a história coloca determinadas
perguntas, ela se debruça sobre a literatura como fonte.
Nesta medida, um diálogo se estabelece no jogo transdisciplinar e interdiscur-
sivo das formas de conhecimento sobre o mundo, onde a história pergunta, e a
literatura responde. É preciso ter em conta, contudo, que os discursos literário e
histórico são formas diferentes de dizer o real. Ambos são representações cons-
truídas sobre o mundo e que traduzem, ambos, sentidos e significados inscritos
no tempo. Entretanto, as narrativas histórica e a literária guardam com a realida-
de distintos níveis de aproximação.
A recorrência do “uso” de um campo pelo outro é, pois, possível, a partir de uma
postura epistemológica que confronta as tais narrativas, aproximando-as num mes-
mo patamar, mas que leva em conta a existência de um diferencial. Historiadores
trabalham com as tais marcas de historicidade e desejam chegar lá. Logo, freqüen-
tam arquivos e arrecadam fontes, se valem de um método de análise e pesquisa,
na busca de proximidade com o real acontecido. Escritores de literatura não tem
este compromisso com o resgate das marcas de veracidade que funcionam como
provas de que algo deva ter existido. Mas, em princípio, o texto literário precisa,
ele também, ser convincente e articulado, estabelecendo uma coerência e dando
impressão de verdade. Escritores de ficção também contextualizam seus persona-
gens, ambientes e acontecimentos para que recebam aval do público leitor.
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152 © Historiografia e Teoria da História

O compromisso com o verossímil torna o texto do historia-


dor algo verificável pelas fontes. A literatura aqui (como narrativa
e como texto construído) é importante na problematização histó-
rica. A relação estreita-se, mas continua sem que ambas se tornem
uma só, ou seja, ficção.

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Mas se a literatura pode ser fonte para a história, uma terceira instância de análi-
se se introduz, que é a da especificidade e riqueza do texto ficcional.
Sem dúvida, sabemos do potencial mágico da palavra e da sua força em atribuir
sentido ao mundo. O discurso cria a realidade e faz ver o social a partir da lingua-
gem que o designa e o qualifica. Já o texto de ficção literária é enriquecido pela
propriedade de ser o campo por excelência da metáfora. Esta figura de lingua-
gem, pela qual se fala de coisas que apontam para outras coisas, é uma forma
da interpretação do mundo que se revela cifrada. Mas talvez aí esteja a forma
mais desafiadora de expressão das sensibilidades diante do real, porque encerra
aquelas coisas “não-tangíveis” que passam pela ironia, pelo humor, pelo des-
dém, pelo desejo e sonhos, pela utopia, pelos medos e angústias, pelas normas
e regras, por um lado, e pelas suas infrações, por outro. Neste sentido, o texto
literário atinge a dimensão da “verdade do simbólico”, que se expressa de forma
cifrada e metafórica, como uma forma outra de dizer a mesma coisa.
A literatura é, pois, uma fonte para o historiador, mas privilegiada, porque lhe
dará acesso especial ao imaginário, permitindo-lhe enxergar traços e pistas que
outras fontes não lhe dariam. Fonte especialíssima, porque lhe dá a ver, de for-
ma por vezes cifrada, as imagens sensíveis do mundo. A literatura é narrativa
que, de modo ancestral, pelo mito, pela poesia ou pela prosa romanesca fala
do mundo de forma indireta, metafórica e alegórica. Por vezes, a coerência de
sentido que o texto literário apresenta é o suporte necessário para que o olhar do
historiador se oriente para outras tantas fontes e nelas consiga enxergar aquilo
que ainda não viu
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
“A literatura dá acesso ao imaginário” e, de forma indireta,
fala do mundo. O mito, neste contexto, é um exemplo impor-
tante. Um estudo mitográfico, por exemplo, pode nos indicar as
diferentes interpretações que um mesmo mito recebeu (algumas
delas respeitando os limites da ficção e outras não). Para saber
mais a esse respeito, indicamos a obra de Marcel Detienne, A
invenção da Mitologia (Tradução de André Telles e Gilza Martins
Saldanha da Gama. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB,
1992).
© U5 - História, Narrativa e Ficção 153

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A literatura cumpre, assim, um efeito multiplicador de possibilidades de leitura.
Estaríamos diante do “efeito de real” fornecido pelo texto literário que consegue
fazer seu leitor privilegiado — no caso, o historiador, com o seu capital espe-
cífico de conhecimento — divisar sob nova luz o seu objeto de análise, numa
temporalidade passada. Nesta dimensão, o texto literário inaugura um plus como
possibilidade de conhecimento do mundo.
O mundo da ficção literária — este mundo verdadeiro das coisas de mentira11 —
dá acesso para nós, historiadores, às sensibilidades e ás formas de ver a realida-
de de um outro tempo, fornecendo pistas e traços daquilo que poderia ter sido ou
acontecido no passado e que os historiadores buscam. Isto implicaria não mais
buscar o fato em si, o documento entendido na sua dimensão tradicional, na sua
concretude de “real acontecido”, mas de resgatar possibilidades verossímeis que
expressam como as pessoas agiam, pensavam, o que temiam, o que desejavam.
A verdade da ficção literária não está, pois, em revelar a existência real de per-
sonagens e fatos narrados, mas em possibilitar a leitura das questões em jogo
numa temporalidade dada. Ou seja, houve uma troca substantiva, pois para o
historiador que se volta para a literatura o que conta na leitura do texto não é o
seu valor de documento, testemunho de verdade ou autenticidade do fato, mas
o seu valor de problema. O texto literário revela e insinua as verdades da repre-
sentação ou do simbólico através de fatos criados pela ficção.
Mais do que isso, o texto literário é expressão ou sintoma de formas de pensar e
agir. Tais fatos narrados não se apresentam como dados acontecidos, mas como
possibilidades, como posturas de comportamento e sensibilidade, dotadas de
credibilidade e significância.
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“[...] o texto literário é expressão ou sintoma de formas de


pensar e agir". Não é à toa que a história das mentalidades e a
Nova História Cultural fizeram uso contínuo de fontes literárias.
Elas dão acesso a um universo todo particular que outras catego-
rias de fontes não dão indícios. A pesquisa acerca do pensar e do
agir é cara aos historiadores.

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Nesta última dimensão de análise que pensa a especificidade da literatura como
fonte, cabe retomar a já mencionada reconfiguração temporal. O conceito, de-
senvolvido por Ricoeur de maneira exemplar, nos coloca diante da possibilidade
de pensar a literatura na relação com a história como um inegável e recorrente
testemunho de seu tempo.
Admitimos que a literatura é fonte de si mesma enquanto escrita de uma sensibi-
lidade, enquanto registro, no tempo, das razões e sensibilidades dos homens em
um certo momento da história. Dos seus sonhos, medos, angústias, pecados e
virtudes, da regra e da contravenção, da ordem e da contramão da vida. A literatura
registra a vida. Literatura é, sobretudo, impressão de vida. E, com isto, chegamos

Claretiano - Centro Universitário


154 © Historiografia e Teoria da História

a uma das metas mais buscadas nos domínios da História Cultural: capturar a
impressão de vida, a energia vital, a enargheia presente no passado, na raiz da
explicação de seus atos e da sua forma de qualificar o mundo. E estes traços, eles
podem ser resgatados na narrativa literária, muito mais do que em outro tipo de do-
cumento. Como afirma Ginzburg, a poesia- ou literatura – constitui uma realidade
que é verdadeira para todos os efeitos, mas não no sentido literal.12
Sem dúvida que esta dimensão poderá ser contestada, sob o argumento de que
só a “literatura realista”, na linha de Balzac ou Zola, poderia ser alternativa ao
historiador para recuperar as sensibilidades de uma temporalidade determinada,
atuando como aquele plus documental de que se falou. Mas o que queremos
afirmar é que mesmo a literatura que reinstala o tempo de um passado remoto
ou aquela que projeta, ficcionalmente, a narrativa para o futuro são, também,
testemunhos do seu tempo.
Romances da Cavalaria no século XIX dão a ver o imaginário que o mundo no-
vecentista construía sobre a Idade Média, assim como a ficção cientifica de um
Jules Verne possibilita a leitura das utopias do progresso que embalavam os
sonhos e desejos dos homens do século passado. Deste ponto de vista, tudo é,
sob o olhar do historiador, matéria “histórica” para a sua análise.
Em suma, entendemos que todas estas questões enunciadas que, pensamos,
revela a riqueza de uma velha-nova história, se encontram ao abrigo da postura
que se convencionou chamar de história cultural. Esta, a partir de seus pressu-
postos e preocupações, proporciona uma abertura dos campos de pesquisa para
a utilização de novas fontes e objetos, entre as quais se encontra o texto literário.
Notas
1 Consulte-se, a propósito do tema:
2 Boia, Lucian. Pour une histoire de l’imaginaire. Paris, Belles Lettres, 1998.
3 Ver, por exemplo, o nº 47 da revista Traverses. Ni vrai ni faux (Traverses, Révue
du Centre Georges Pompidou, Paris, n.47, 1989).
4 Só como exemplo, podemos citar a polêmica em torno da obra de Hayden Whi-
te, Metahistória (São Paulo: Edit. da Universidade de São Paulo, 1992).
5 Ricoeur, Paul. Temps et récit. Paris: Seuil, 1983/5. 3v
6 Consultar, a propósito da literatura na sua aproximação com a história, envol-
vendo a questão da ficção, os números 54, 56 e 86 da revista Le Débat.
7 Jauss, Hans Robert. L’usage de la fiction en histoire. Le Débat, Paris, Galli-
mard, n.54, mars/avril 1989. p.81.

8 Davis, Natalie. Du conte et de l’histoire.Le Debat. Paris, Gallimard, nº 54, mars-


-avril 1989, p. 140.
9 Ginzburg, Carlo. Olhos de madeira. Nove reflexões sobre a distância. São Pau-
lo, Companhia das Letras, 2001, p. 55.
10 Ginzburg, Carlo. op.cit., p. 57.
11 Expresso por mim utilizada para um artigo que discutir imagens pictóricas e
literárias e o seu uso pela história: Pesavento, Sandra Jatahy. Este mundo ver-
dadeiro das coisas de mentira: entre a arte e a história. Estudos históricos. Arte
e história. Rio de Janeiro, FGV, nº30, p. 56-75.
12 Ginzburg, Carlo. Olhos de madeira. Op.cit, p. 55.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U5 - História, Narrativa e Ficção 155

Ao finalizar essa leitura, talvez uma pergunta seja colocada:


e a Bíblia? Se ela é um texto narrativo que busca apresentar um
ocorrido verossímil, é uma fonte literária de que a História pode
fazer uso ou é uma fonte histórica que traz elementos da Literatu-
ra. Ou, ainda, o texto bíblico é ficção ou verdade (mesmo que re-
lativa)? Para saber mais, sugerimos a leitura do livro As Origens da
Bíblia e os Manuscritos do Mar Morto, de Edgard Leite. São Paulo:
Centro de História e Cultura Judaica, 2009.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Para solucionar nossas dúvidas e promover o aprendizado
contínuo, o estudo e as autoavaliações são imprescindíveis. Leia
atentamente as questões propostas, responda-as e, assim que
possível, discuta e teça comentários acerca das respostas com seus
colegas da Sala de Aula Virtual. Esse exercício e debate irão auxiliá-
-lo na fixação do conteúdo e promover uma atitude reflexiva dian-
te dos temas estudados na Unidade 5.
1) Você compreendeu o que foi exposto até agora sobre as questões em torno
da narrativa? Exercite fazendo um resumo.
2) Qual a relação entre narrativa e ficção proposta por Hyden White?
3) Lembra-se dos significados e funções dos tropos? Para aprimorar seu co-
nhecimento, pesquise o significado dos quatro tropos citados pelo autor:
metáfora, metonímia, sinédoque e ironia.
4) Qual a teoria defendida por Hayden White?

9. CONSIDERAÇÕES
De acordo com White (1995, p. 22):
Diz-se às vezes que o objetivo do historiador é explicar o passado
através do “achado”, da “identificação” ou “descoberta” das “es-
tórias” que jazem enterradas nas crônicas; e que a diferença entre
“história” e “ficção” reside no fato de que o historiador “acha” suas
estórias, ao passo que o ficcionista "inventa” as suas. Essa concepção
da tarefa do historiador, porém, obscurece o grau de “invenção” que
também desempenha um papel nas operações do historiador.

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156 © Historiografia e Teoria da História

Essa e as demais afirmativas de Hayden White foram, inúme-


ras vezes, objetos de debates acerca da temática da história enquan-
to ficção ou da história enquanto narrativa. Entretanto, a grande
maioria dos historiadores refutou a possibilidade de a História ser
vista como ficção; ela até foi e é vista como um processo de recria-
ção e de invenção, do mesmo modo que a literatura, mas ambas são
narrativas de porte e competências díspares. "A narrativa histórica é
um método de exposição; sempre, portanto, profundamente articu-
lada ao método de investigação" (MÜLLER, 2007, p. 78).
No entanto, de todas as críticas recebidas por White, uma
das mais contundentes foi a proferida por Roger Chartier (2001,
p. 135-136):
Contra um enfoque dessa natureza, parece-me necessário recor-
dar que o objetivo de um conhecimento específico é constitutivo
da intencionalidade histórica em si. Este objetivo fundamenta as
próprias operações da disciplina: construção de dados, produção
de hipóteses, crítica e verificação de resultados. Ainda que escreva
em forma “literária”, o historiador não faz literatura, e isso por cau-
sa do fato de sua dupla dependência. Dependência em relação ao
arquivo, portanto, em relação ao passado do qual este é a pegada
[...] Dependência, continuando, em relação aos critérios de cientifi-
cidade e às operações técnicas relativas a seu “ofício”. Reconhecer
suas variações não implica, portanto, concluir que estas restrições e
critérios não existam, e que as únicas exigências que freiam a escri-
ta histórica são as mesmas que governam a escrita da ficção.

Na próxima unidade, você terá a oportunidade de fazer um


balanço sobre as contribuições de White e de todos os outros estu-
diosos apresentados anteriormente, assim como conhecer as prin-
cipais críticas recebidas pela Nova História e, mais precisamente, a
Nova História Cultural. Vamos a elas!

10. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Narrativa e conhecimento histórico: alguns
apontamentos. Disponível em: <http://hid0141.blogspot.com/2009/02/narrativa-e-
conhecimento-historico.html>. Acesso em: 12 mar. 2009.
© U5 - História, Narrativa e Ficção 157

WEINSTEIN, Barbara. História sem Causa? A Nova História Cultural, a Grande Narrativa,
e o Dilema Pós-colonial. História, São Paulo, v. 22, n. 2, 2003. Disponível em: <history.fas.
nyu.edu/attach/1811>. Acesso em: 16 ago. 2008.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARAUJO, A. F. História Cultural e História das Idéias Educativas: reflexões e desafios.
Revista Brasileirade estudos pedagógicos, Brasília, v. 88, n. 220, set./dez. 2007.
BURKE, P. O que é História Cultural? Tradução de Ségio G. de Paula. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005.
CHARTIER, R. Uma crise da História? A História entre Narração e Conhecimento. In:
PESAVENTO, S. J. Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: UFRGS, 2001.
DIEHL, A. A. Cultura Historiográfica: memória, identidade e representação. Bauru:
EDUSC, 2002.
LOPES, F. H. A História em Xeque: Michel Foucault e Hayden White. In: RAGO, M.;
GIMENES, R. A. O. (Orgs.). Narrar o Passado, Repensar a História. Campinas: UNICAMP,
IFCH, 2000.
MÜLLER, R. G. História e Narrativa. In: PÔRTO Jr, G. (Org.). História do Tempo Presente.
Bauru: EDUSC, 2007.
STONE, L. O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velha história. Revista
de História, Campinas, IFCH/UNICAMP, 1991.
WHITE, H. Trópicos do Discurso: ensaios sobre a crítica da Cultura. Tradução de Alípio C.
F. Neto. São Paulo: Edusp, 1994 (Coleção Ensaios de Cultura).
______. Meta-História: a Imaginação Histórica do Século XIX. Tradução de José Laurêncio
de Melo. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1995 (Coleção Ponta).
______. Enredo e verdade na escrita da História. In: MALERBA, J. (Org.). A História Escrita:
teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.

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EAD
Pós-modernismo:
paradigmas e crise

6
1. OBJETIVOS
• Retomar as principais características e contribuições da
historiografia pós-moderna.
• Conhecer e analisar as principais críticas à historiografia
pós-moderna, especialmente à Nova História Cultural.

2. CONTEÚDOS
• Características da historiografia pós-moderna.
• Críticas à historiografia pós-moderna.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
160 © Historiografia e Teoria da História

1) Os novos paradigmas historiográficos causaram inú-


meras discussões nos centros acadêmicos nacionais e
estrangeiros. Muitos estudiosos fizeram uso das novas
propostas acreditando contribuir com o conhecimento
do passado. Muitos outros pesquisadores não olharam
de bom grado para as mudanças conceituais e de méto-
dos sugeridas por não aceitarem que todas as verdades
são possíveis. Para compreender melhor todo esse con-
texto, indicamos a leitura do livro: BURKE, Peter. O que é
História Cultural? Tradução de Ségio G. de Paula. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Quando questionamentos são levantados acerca da História,
da historiografia e dos conceitos utilizados pelos historiadores, ou-
tras perguntas devem ser somadas às primeiras:
[...] de que lugar social ou institucional fala o autor? Quais são as
motivações profundas, as suas escolhas metodológicas, até mesmo
as suas opções políticas ou filosóficas? Procedendo deste modo,
evitam-se muitos erros de interpretação e perdas de tempo (BOUR-
DÉ, 1990, p. 215).

O termo “pós-modernismo” veio para chacoalhar as estru-


turas historiográficas, mas, em contrapartida, auxiliou no plane-
jamento de novas estratégias de defesa e ataque da História, da
historiografia e dos historiadores. Mas será mesmo que estamos
na pós-modernidade? Esse conceito é real ou é uma mistificação?

5. CARACTERÍSTICAS DA HISTÓRIA PÓS-MODERNA


No seio da História e da historiografia, surge mais um con-
ceito: pós-moderno. De um modo breve, para além de todas as
indicações já efetuadas no decorrer deste material didático, pode-
mos definir pós-modernismo como aquela teoria que não aceita a
cosmovisão ou, nas palavras de Lyotard (1986), tal palavra designa
o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras
© U6 - Pós-modernismo: paradigmas e crise 161

dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do


século 19. Mas ele não vem sozinho, pois encarar as práticas dos
historiadores requer a força de um exército. Assim, ele trouxe con-
sigo o relativismo, o discurso, as práticas, as representações, a des-
construção, a descontinuidade, a narrativa e a ficção. Invertem-se
e rejeitam-se, assim, geral e cotidianamente, os paradigmas tradi-
cionais (MARTINS, 2007).
Com base no exposto, tomando a Nova História Cultural
como uma forte representante pós-moderna, vemos que suas con-
tribuições permitiram que houvesse uma nova construção e uma
interpretação do real, que a linguagem ganhasse em importância,
que o imaginário fosse revisitado e que a função hermenêutica da
interpretação e a problemática do discurso-texto-contexto entras-
sem em cena (ARAÚJO, 2007).
Entretanto, como você pôde perceber, não é de hoje que
sabemos que as histórias sempre são escritas e reescritas, consi-
derando-se os diferentes contextos (dos historiadores e seu pú-
blico). As novas fontes e os novos métodos permitiram que essas
mesmas histórias fossem mais bem escritas, do mesmo modo que
viabilizaram os debates, no pensamento ocidental, em torno de bi-
nômios como “[...] razão e vida, experiência imediata e abstração,
atualidade e História” (ALMEIDA, 2003, p. 81-82).
Mas a reescrita não cobrou a verdade absoluta ou objetiva,
as fontes, agora compreendidas como construção, nem mesmo
permitiam essa postura. Como escreveu White (1994, p. 59-60):
[...] não se espera que Constable e Cézanne tenham procurado a
mesma coisa numa dada paisagem e, quando se compara suas res-
pectivas representações de uma paisagem, não se espera ser ne-
cessário fazer uma escolha entre elas e determinar que é a mais
correta. [...] Aplicado à escrita da História, o cosmopolitismo meto-
dológico e estilístico [...] obrigaria os historiadores a abandonarem
a tentativa de retratar uma parcela particular da vida, do ângulo
correto e na perspectiva verdadeira [...] e a reconhecer que não há
essa coisa de visão única e correta... Pois deveríamos reconhecer
que o que constitui os próprios fatos é o problema que o historiador
apresenta às fontes [...]

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162 © Historiografia e Teoria da História

Porém, uma outra contribuição do relativismo cultural foi


sua crença de que não há uma única história: a do Ocidente civili-
zado. O etnocentrismo da historiografia ocidental abriu as portas
para o reconhecimento e valorização das histórias dos povos con-
quistados. Entre aqueles que discutirão as novidades do pós-guer-
ra, estão alguns dos historiadores presentistas. “O historiador pre-
sentista é um relativista porque acredita que um dos elementos
principais no trabalho de interpretação das fontes é o próprio coti-
diano do historiador” (SILVA, 2006, p. 352).

6. CRÍTICAS À HISTÓRIA PÓS-MODERNA


“[...] Diz-se que um saber está aberto às críticas, quando
pode ser verificado, incrementado, contestado, corroborado, re-
futado, aplicado [...]” (ALMEIDA, 2003, p. 57). Partindo dessa as-
sertiva, observe as considerações tópicas a seguir sobre a História
pós-moderna, de um modo geral, e sobre a Nova História Cultural,
mais especificamente:
• os diferentes discursos historiográficos acerca de um
mesmo tema são todos possíveis (relativismo) – valoriza-
ção acentuada do representacionalismo;
• questionamento da cientificidade da História;
• hipervalorização do cultural;
Pois bem, como não criticar uma História que considera tudo
como verdade relativa? Ou seja, se nenhuma verdade pode ser
refutada, então tudo (todas as teorias) é possível? E, se toda ver-
dade é relativa e, por conseguinte, não objetiva, a História não é
ciência? Então, qual o lugar dela, uma vez que também se rejeitou
o adjetivo de ficção? Se brigaram tanto pelo distanciamento da ve-
lha história política, por que enfatizar demasiadamente o cultural?
Não é um retorno do absolutismo de um conceito? Não lhe parece
que, em última análise, está ocorrendo a “dissolução da própria
história?” (cf. MÜLLER, 2007, p. 69)
© U6 - Pós-modernismo: paradigmas e crise 163

Por todos esses questionamentos, Cardoso (2005) acredita


que o movimento da História Cultural entrou em estágio de supe-
ração, tanto por suas debilidades intrínsecas quanto pela ação da
História que tem brecado seu fortalecimento e entrevado a sua
persistência.
O próprio Peter Burke, ao final de seu livro O que é História
Cultural?, afirma que não defendeu e não acredita que a história
cultural seja a melhor forma de história. Segundo ele, é imperativo
um empreendimento histórico coletivo, ou seja, a união das his-
tórias econômica, política, intelectual e social para uma visão da
história como um todo, pois, mais cedo ou mais tarde, acontecerá
uma reação contra a “cultura” (cf. BURKE, 2005, p. 163).

7. CONSIDERAÇÕES
A restauração é sempre incompleta.
Por mais que inúmeros detalhes fossem recuperados, o pas-
sado já passou, as fontes só respondem de acordo com as pergun-
tas que fazemos a elas, e o texto ganha forma para além de nossas
mentes. Tantos são os problemas e/ou caminhos para se atrever a
garantir que o que o historiador faz é o resgate do passado, como
escutamos inúmeras vezes no decorrer de nossa vida escolar.
No momento, enquanto o diálogo de surdos (racionalistas
versus pós-modernos) é transmitido, esperemos pelas marcas que
serão deixadas; vamos nos propor que nossa humana condição
seja provisória e, por esse motivo, que somos “[...] advogados de
idéias e não donos de idéias” (RIEDEL, 1988, p. 61).
De qualquer modo, não é possível desconsiderar os pressu-
postos do pós-modernismo e negar veementemente sua relevân-
cia, pois suscitou e ainda provoca interrogações.
Finalizando nossas discussões, fica uma reflexão. Foucault
(apud O’brien 2001, p. 37) teria dito: “Não me perguntem quem

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164 © Historiografia e Teoria da História

sou e não me peçam que continue sendo o mesmo”. Tomando suas


palavras como uma espécie de verdade objetiva (se é que ela exis-
te), podemos, ao final deste Caderno de Referência de Conteúdo,
concluir que: não perguntem o que é a História ou a sua escrita,
nem mesmo peçam que continuem sendo as mesmas!

8. TEXTO COMPLEMENTAR
O texto a seguir é um discurso acerca da religiosidade na
Grécia Clássica. Ele é um exercício de História Cultural que preten-
de evidenciar algumas práticas verossímeis na Antiguidade defen-
didas pelos historiadores filiados à Escola dos Annales e à História
Cultural. Ele se apresenta, portanto, como uma das verdades pos-
síveis sobre a prática religiosa grega.

A religiosidade na Grécia Clássica: mitos, ritos e


representação figurada–––––––––––––––––––––––––––––––––
Tentar esboçar o quadro da religião ou religiosidade de uma dada sociedade não
é uma tarefa das mais simples. Muitas dificuldades surgem, objeções nos assal-
tam e pré-conceitos nos acompanham. Nesse sentido, ainda mais complicado
torna-se o estudo de uma religiosidade já morta, como é o caso daquela grega
e a aplicação para aquela sociedade, do sentido de religião ou religiosidade tais
quais entendemos hoje, pois tratava-se de uma prática religiosa sem deus único,
sem igreja, sem clero, sem dogmas, sem promessa de imortalidade, como é o
caso do Cristianismo, ao qual estamos todos nós inseridos (de maneira direta ou
indireta). Portanto, nossas referências religiosas devem ser deixadas de lado ao
analisar aquele contexto.
Essas diferenças são compreendidas somente quando comparamos as mais di-
versas religiões e suas práticas. Mas, em um sentido particularmente importante,
todas as sociedades, sejam elas antigas, sejam elas contemporâneas, encon-
traram-se sempre diante de realidades incontroláveis e não humanas, ou seja,
privadas de significação. A religião, nesses momentos, foi uma das respostas
possíveis para explicação dessas realidades incontroláveis, que surgiam perante
os homens sem uma causa aparente. Diferentemente da Física, a História da
Humanidade e da Cultura não conhece rígidas leis de causalidade, mas apenas
relações elásticas de probabilidade entre certos tipos de situações e certos tipos
de reações por parte das sociedades humanas; por esse motivo, explicar racio-
nalmente não satisfazia o espírito daqueles que buscavam entender o mundo.
Sabendo que a religião é uma das respostas aplicadas pelo homem aos seus
grandes questionamentos, uma pergunta apresenta-se: a religião em si mesma
constitui um fenômeno autônomo, ou seja, posso estudá-la em detrimento de
outros setores da sociedade em questão? E a prática religiosa, ou seja, podemos
© U6 - Pós-modernismo: paradigmas e crise 165

desvincular a religiosidade dos setores social e artístico, por exemplo? Portanto,


a religião não existe em si e para si, mas em função de fatos sociais, políticos,
econômicos etc. Nesse sentido, alguns autores dizem que o estudo da História
da Religião não é mais que um caso particular da História da Civilização ou, sim-
plesmente, da História, e outros afirmam que o aspecto religioso da vida social
contribui a compor, juntamente com os demais aspectos (econômico, técnico, po-
lítico, jurídico, estético etc.), um conjunto significativo no qual um fator somente é
compreendido se tomado em relação aos outros.
Esse fato leva-nos a crer que não existe nenhuma religião individual, mas ape-
nas religiões de grupos humanos. Nestas, os indivíduos podem aderir-se total,
parcialmente ou de uma maneira particularizada, assim como também não se
inserirem. O que é individual é a “religiosidade”, ou seja, o modo particular de
participar na religião. Com base nesse dado, o historiador não deve aceitar a
pressuposição de que religião ou a religiosidade é inata ao homem (não estamos
aqui questionando se o homem é um ser religioso por natureza ou não, mas
considerando que aquela religião ou religiosidade praticada por ele lhe foi apre-
sentada, portanto, teve sua construção particular para cada homem).
Qual seria, então, a tarefa da História das Religiões? As respostas apontam que
não é das mais fáceis: reconstituir conjuntos de doutrinas, crenças, práticas e
instituições historicamente atestadas ou positivamente verificáveis; examinar as
religiões em suas complexidades e singularidade, em meio e épocas determi-
nados; reconstrução da gênese, genealogia e destino das religiões; explicar a
religião levando em consideração seu relacionamento com outros aspectos da
vida em sociedade, circunstâncias e condições históricas, influências recebidas
ou experimentadas, que poderiam conduzir sua religião a uma evolução ou série
cronológica de estágios onde cada um está relacionado com o precedente.
Por ser tão complexa a sua função, a História das Religiões pode e deve ser
relacionada a qualquer outra disciplina das Ciências Humanas, podendo, assim,
proporcionar matéria a essas disciplinas, como também tomar emprestado delas
seus dados, teorias e métodos.
Mas falar em História das Religiões implica definirmos o conceito de religião.
Mais uma tarefa arriscada, afinal, nenhuma civilização arcaica ou clássica pos-
suía um termo que correspondia à religião, como, hoje, concebemos daquela
derivada do latim “religio”, “relegere” ou “religare”. O próprio termo latino, em
tempos antigos, não possuía a acepção moderna de religião: indicava um con-
junto de obediências, advertências, regras e interdições que não faziam referên-
cia à adoração da divindade, às tradições míticas ou às celebrações das festas
nem às outras manifestações consideradas, na atualidade, religiosas. Portanto,
apontamos um paradoxo aqui: pode se ter uma religião sem possuir o conceito;
em outras palavras, nosso conceito é aplicado a vários fenômenos que, nessas
civilizações, não se distinguiam entre religiosos ou não.
Querer definir religião é querer dar um significado preciso a um termo por na-
tureza polissêmico, forjado por nós e que empregamos com as mais vagas e
imprecisas significações. No entanto, há duas vantagens nas mais diferentes
definições pré-fabricadas desse conceito: por um lado, por ser aberto demais,
o conceito abarca a totalidade dos fenômenos que consideramos religiosos; por
outro, a ausência de uma definição fechada do termo evita a redução a uma
ordem sistemática dos mais variados fenômenos. Nós, historiadores, devemos
dar a devida importância ao fato de que os fenômenos religiosos tomam formas
diversas, apresentando-se modificadas em seu detalhe ou em sua composição,

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166 © Historiografia e Teoria da História

segundo as particularidades do sistema religioso do qual dependem, segundo a


época e os indivíduos. Devemos relevar, ainda, o fato de que esses fenômenos
não são puramente históricos; dessa forma, não podem ser considerados, pelo
historiador, como puros acontecimentos, mas, ao contrário, este deve buscar
compreendê-los, experimentá-los e penetrar em seus sentidos. Para tanto, para
que tal tarefa se realize, é necessário ter em mãos dados que comprovem nos-
sas teses; afinal, o historiador pode constatar e interpretar fatos comprovados,
mas não formular juízos sobre épocas remotas e não documentadas.
Mas onde podemos encontrar a manifestação da religião? Nas civilizações ditas
primitivas, a religião manifesta-se nos detalhes: alimentação, vestuário, disposi-
ção das habitações, relações com parentes e estranhos, atividades econômicas
e divertimento. A religião forma parte de sua vida e não há motivo para que a
distinga dos outros aspectos de sua existência. E, dentro de uma ótica religiosa,
podemos definir como sagrado as ideias, as doutrinas, as convicções, as cren-
ças, os relatos, as ações individuais, as normas, as proibições, as relações, as
pessoas, os animais, as plantas, os materiais, os objetos naturais ou fabricados,
de lugares ou épocas diferentes. Mesmo com toda essa diversidade de docu-
mentos em mãos, muitos estudiosos fizeram do complexo algo simples, ou seja,
com teorias reducionistas ou generalizantes, fizeram do universo religioso uma
mera fabulação, pura imaginação humana.
O primeiro ponto a ser analisado é o que se refere a algumas abordagens que
foram aplicadas ao estudo da religiosidade grega. Desde o século 19 até o mea-
do do nosso século, esses estudos eram, em sua maioria, comparativistas. Seus
autores elaboravam a análise partindo do ponto de vista do Cristianismo, que
tornava o politeísmo uma prática herege, incorreta, maliciosa e até mesmo insa-
na. O Cristianismo era colocado como superior, a prática correta, a maneira mais
eficaz de contato entre homens e deuses – nesse caso, entre o homem pecador
e o Deus único. Alguns historiadores do século 19, principalmente, iniciavam
suas pesquisas com a conclusão já formulada: houve uma religião grega, poli-
teísta, mas, em todos os seus aspectos, inferior à religião cristã, que promove a
salvação das almas. Já no século 20, as conclusões foram um pouco diferentes.
O mito passa a ser visto como verdade essencial, construção regrada, estrutura
elementar do pensamento humano. Porém, mais uma vez, a comparação, dessa
vez em relação aos selvagens da América, da Austrália, em alguns casos, torna-
-os linguagem de um povo infantil, ainda em processo de evolução. Assim, por
mais racional que seja, qualquer classificação das religiões resulta fictícia ou
incompleta. Desse modo, podemos excluir o postulado evolucionista, pois não é
simples conceber a ideia de que todas as religiões teriam partido do simples ao
complexo, da inferior ao superior, tendo um mesmo estado inicial. Igualmente, é
complicado aceitar uma classificação segundo uma linha contínua de evolução
que classifica tipologicamente: religiões da natureza ou religiões de civilização.
Algumas destas abordagens implicavam três tipos de atitudes acerca da religião:
separação da religião cristã das outras religiões tidas como falsas, pagãs ou su-
persticiosas, subordinação da religião cristã a todo o resto ou, ainda, a união de
todas as religiões num mesmo grupo.
Com o estruturalismo de Lévi-Strauss e a comparação de Dumézil, na metade
do século 20, foi alcançada a ideia de que uma religião é um sistema, um pen-
samento articulado, uma explicação do mundo. Esta conclusão foi possível após
observar as estruturas, os mecanismos, os equilíbrios constitutivos da religião e
da religiosidade definidos discursiva ou simbolicamente.
© U6 - Pós-modernismo: paradigmas e crise 167

No entanto, nosso propósito é o de evidenciar a religiosidade da sociedade grega


e, nesse caso, não temos como deixar de citar os estudos acerca da mitologia,
uma das componentes desse estilo religioso. Esses mesmos estudiosos anterior-
mente citados, na sua maioria, entendiam o mito ou a mitologia de forma mais
abrangente, como engano, fabulação natural, espontânea, aberração da lingua-
gem primitiva, escândalo, histórias selvagens e absurdas, ou, ainda, aventuras
infames e ridículas (DETIENNE, 1992).
Jean-Pierre Vernant cita, como exemplo de estudos realizados dentro de uma
perspectiva cristã, o trabalho de A.-J. Festugière, que afirma que só o culto diz
respeito ao religioso, e, por esse motivo, a mitologia deve ser excluída desse
campo. Não concordando com essa postura, Vernant escreve que, sem a mitolo-
gia “[...] ser-nos-ia bem difícil conceber os deuses gregos” (VERNANT, 1992, p.
10). E completa: o historiador da religião grega deve guardar-se de cristianizar a
religião antiga, que não é menos rica ou complexa e organizada intelectualmente
que as de hoje; são diferentes.
A tarefa do historiador é assinalar o que pode ter de específico na
religiosidade dos gregos, nos seus contrastes e suas analogias com
os outros grandes sistemas, politeístas e monoteístas, que regula-
mentam as relações dos homens com o além (VERNANT, 1992, p.
11).
E essa posição é observada em suas obras referentes à mitologia e religião
gregas. Vernant, embora tenha comparado, em alguns momentos, as duas for-
mas religiosas, não o fez como um etnólogo que superestima uma cultura em
detrimento da outra; ele analisou o politeísmo grego por ele mesmo, não fez
pré-julgamentos, não iniciou seus estudos com ressalvas. O autor buscou res-
postas que esclareçam o “estilo religioso grego”, como ele mesmo denominou. O
politeísmo e o mito grego, para o autor, não eram entendidos como erros que se
opõem à verdade cristã.
Vernant observou que o que o grego tinha de específico nas relações com o
sobrenatural é que ele estabelecia contato com “potências”. O mundo era cons-
tituído por entidades divinas que exerciam seus poderes em domínios definidos,
cada qual com seus poderes, segundo modalidades de ação que lhes eram pró-
prias. Podemos citar alguns casos. Zeus, por exemplo, era especialmente o deus
da luz, que encarnava o céu e comandava os seus movimentos regulares, como
os dias e as estações. Zeus significava uma soberania justa e ordenada. Era
respeitado por todos os outros deuses e, especialmente, pelos homens. Hades,
o deus do Inferno, rei dos mortos, tinha o poder de tornar os homens invisíveis,
recebendo-os após a morte. Afrodite, deusa do amor e da fertilidade, podia inter-
ferir na vida sentimental dos humanos pelo prazer de lhes ver sob seu domínio.
No entanto, essas divindades do politeísmo grego
[...] não eram eternas, perfeitas, oniscientes ou onipotentes; não
criaram o mundo, nasceram nele e dele [...] A Lua, o Sol, a luz do
dia, a noite, ou uma montanha, uma gruta, uma nascente, um rio
ou um bosque podiam ser interpretados e sentidos como qualquer
uma das divindades do panteão (VERNANT, 1994, p. 10).
A relação não se estabelecia entre sujeitos (Criador e criação). O homem grego
não buscava a salvação pessoal e não pensava no bem individual. Era uma bus-
ca pelo bem-estar da cidade, dos cidadãos, do homem grego em geral. Por essa

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168 © Historiografia e Teoria da História

preocupação coletiva e pelo fato de a religiosidade estar mesclada ao social,


percebemos, na Grécia, uma espécie de “religião cívica”.
Essa relação entre pessoas e potências, que se dava no plano cívico-religioso,
permitiu uma consideração de Vernant:
se os deuses são os da cidade e se não há cidade sem divindades
protetoras velando por sua proteção [...] é a assembléia do povo
que tem o poder sobre as coisas sagradas, os assuntos dos deuses.
Ela fixa os calendários religiosos, edita as leis sagradas [...] Dado
que não há cidades sem deuses, os deuses cívicos têm, em troca,
necessidade de cidades que os reconheçam, adotem e os façam
seus (VERNANT, 1994, p. 15).
De um certo modo, é-lhes necessário, como escreve Marcel Detienne, “tornar-se
cidadãos para ser inteiramente deuses” (VERNANT, 1996, p.16)
O que se pode notar, na religiosidade grega, era que as atividades políticas, ou
seja, as magistraturas, tinham algo de divino e que as festividades em honra aos
deuses tinham algo de mundano, como por exemplo, as festas à Dioniso, onde o
deus era celebrado em meio a embriaguez e orgias.
Mas como era possível esta relação homem-Potência? Se colocada de maneira
bem clara, a resposta é: basta cumprir os rituais e acreditar nos discursos mitoló-
gicos. Mas o mundo grego não era tão simples assim. Para comunicar-se com as
Potências, os homens utilizavam-se de três recursos específicos que constituíam
a linguagem religiosa: mito, rito e representação figurada, melhor dizendo, o con-
tato dava-se por meio das expressões verbal, gestual e figurada.
A expressão verbal, ou oral, é a própria transmissão e perpetuação dos mitos,
que ocorria, inicialmente, por intermédio das mulheres, que agiam como “nossas
avós”, contando as lendas antigas e, em um outro momento, por intermédio dos
poetas, que passaram essa tradição oral para a forma escrita, garantindo, de
maneira mais eficaz, o prolongamento da tradição. O discurso mitológico era
formado por relatos da criação do mundo, de lutas entre as potências e de feitos
heroicos. Todo mito, analisado sob a perspectiva do estruturalismo, possui uma
composição própria e uma coerência interna que explicam fatos humanos, que
justificam atitudes, usos e costumes. Era pelo e com o mito que a divindade se
tornava personagem viva, presente e atuante entre os humanos. Manter os mitos
na vida do homem grego era garantir-lhe a tradição, o aperfeiçoamento da téc-
nica de memorização que, por suas etapas (controle da respiração e da mente),
já era uma comunhão com os deuses. Mas por que, nas civilizações onde estes
existiam, se criam os mitos? Os pensadores gregos já se perguntavam e, para
dar uma justificativa à crença tão difundida em seu mundo cultural, sustentavam
que os mitos, absurdos do ponto de vista racional, escondiam verdades profun-
das sob a aparência de contos fantásticos, ou que continham um fundo histórico
real deformado pela imaginação popular, além de garantir a estabilidade da rea-
lidade existente.
Mas lembremos que, nos séculos 6º e 5º a.C, Hecateu de Mileto, Anaximandro,
Heródoto, Platão, entre outros, estavam questionando fortemente estes discur-
sos míticos que passaram a ser repensados e, por vezes, negados. No entanto,
mesmo se rejeitados, estes relatos eram os únicos instrumentos de informação
sobre o além. Eram os mitos que permitiam uma lucidez maior sobre como o ho-
mem devia agir para não tornar-se um cidadão sem história, uma vez que, eram
estes mitos que revelam sua origem, sua estirpe, sua tradição familiar e cívica.
© U6 - Pós-modernismo: paradigmas e crise 169

Mais um fator de relevância que deve ser observado: por fazer parte de uma
tradição oral, os mitos ganharam inúmeras versões. Transmiti-lo somente era
possível por meio da técnica de memorização já citada anteriormente. Assim, te-
mos de aceitar o fato de que uma nova versão poderia apagar ou recobrir alguns
pontos da versão precedente, uma vez que a materialidade desta última residia
na voz do intérprete, do aedo que a apresentava ao seu público. No entanto,
mesmo com algumas modificações, os mitos passavam pela aprovação dos ou-
vintes que os recebiam como sendo um pequeno trecho de sua história passada
(a memória, considerada por Vernant como uma categoria psicológica de extre-
ma importância para os gregos, uma vez que torna possível a perpetuação da
tradição, foi também estudada por Marcel Detienne, 1992).
Em relação aos ritos, eles representavam a forma mais estável e completa da
relação entre homens e seres sobre-humanos. Dirigir preces a um ser sobre-
-humano significava, antes de tudo, atribuir-lhe uma existência. Os ritos eram
menos explícitos e didáticos que os mitos, pois, cada gesto, cada palavra tinha
um sentido específico, simbólico. Toda cerimônia ritual, na sua grande maioria,
contava com sacrifícios, que podiam ser oferecidos às divindades celestes ou
infernais. Em cada caso, havia particularidades que diferenciavam o ritual de
maneira marcante. Esses ritos podiam, por um lado, ser realizados em forma de
festas solenes, onde os deuses convidados estavam presentes, estabelecendo
a comunicação entre a terra e o céu. Por outro, podiam ser vistos como uma car-
nificina, uma cozinha ritualizada. Faz-se necessário esclarecer que os sacrifícios
ocorriam fora do templo, residência permanente dos deuses, e eram realizados
em altares externos, no bomos, que era um bloco de alvenaria quadrangular.
Vernant descreve o sacrifício de um animal oferecido a uma divindade celeste.
Vejamos os passos que, necessariamente deviam ser seguidos:
[...] um animal doméstico, enfeitado, [...] é conduzido em procissão
ao som de flautas até o altar, aspergido com água lustral e com um
punhado de grãos de cevada [...]. A cabeça da vítima é arrancada
então; corta-se-lhe a garganta. O sangue que jorra sobre o altar é
recolhido num recipiente. O animal é aberto: extraem-lhe as en-
tranhas, especialmente o fígado, que se examina para saber se os
deuses aceitam o sacrifício. Nesse caso, a vítima é imediatamente
esquartejada. Os ossos longos, [...], são colocados sobre o altar [...].
Certos pedaços, internos, são postos para grelhar sobre o altar no
mesmo fogo que expede à divindade a parte que lhe cabe, estabe-
lecendo assim o contato entre a Potência sagrada destinatária do
sacrifício e os executantes do rito [...] (VERNANT, 1996, p. 62).
Nos casos de sacrifícios a deuses infernais, os homens não podiam tocar na
vítima, não comiam de maneira alguma sua carne, sendo o sangue derramado
diretamente em fendas na terra que o levava aos deuses. Nesse caso, a vítima
devia desaparecer, ser totalmente queimada.
No entanto, faz-se necessário dizer que esses sacrifícios não deviam ser com-
preendidos como uma comunhão com os deuses. Não se partilhava do corpo ou
sangue da divindade, mas da vítima. O sacrifício tinha a função de estabelecer
contatos, e não experiências sobrenaturais, e, ainda, confirmavam a distância
entre homens e deuses.
Trata-se, como vimos, de práticas bem complexas. Por meio delas, a relação
homem-deus estabelecia-se. Se aceito o sacrifício, a guerra poderá ser travada,

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170 © Historiografia e Teoria da História

a colheita realizada, o adolescente poderá adentrar na vida adulta, um novo tem-


plo construído, enfim, aceita-se a imolação de uma vítima, a vida social e política
poderá tomar seu rumo. Eis o que significava religião cívica.
Enfim, o último recurso para se estabelecer o contato com as potências: a re-
presentação figurada. Sabe-se que os gregos conheceram todas as formas de
expressão simbólica das divindades, a saber, pedra bruta, máscara, figuras de
animais, monstros ou mesmo figuras humanas. Conforme o momento, os gregos
privilegiavam o uso desta ou daquela representação. Do 8º a.C ao 7º século a.C,
o formato dessas representações não tinha relação direta com a ideia do divino.
Foram nos séculos 5º a.C e 4º a.C que esses símbolos figurados se transforma-
ram em imagens. Nestas,
[...] estão imbuídos valores religiosos que exprimem certas forças:
beleza, graça, esplendor, juventude, saúde, vigor, vida, movimen-
to, [...], que pertencem particularmente à divindade e que o corpo
humano, mais do que outro, reflete na flor da idade [...] (VERNANT,
1973, p. 286).
Essa representação humanizada do divino foi sentida, principalmente, a partir
das apresentações das tragédias ao grande público grego. Os tragediógrafos
foram uns dos primeiros a elaborar a ideia do deus-homem. Para encenar suas
peças, era preciso criar um figurino apropriado para representar os deuses.
Dessa forma, alguns atributos foram criados, como asas, máscaras e triden-
tes, entre outros. E é por meio desses atributos que identificamos os deuses
expressos nos vasos, nas ânforas e nos lécitos gregos. A esse respeito, Sa-
rian (1987), no artigo A expressão imagética do mito e da religião nos vasos
gregos e de tradição grega está de acordo. Ao analisar a iconografia do teatro
trágico, no tocante ao ciclo de Orestes (trilogia de Ésquilo), Agamenon, Coé-
foras e Eumênides, a autora observa que deve ser ressaltado o papel que o
teatro desempenhou em relação à representação figurada: ao ser encenada, a
peça sugeriu imagens e formas (humanas ou bestiais) aos pintores dos vasos.
Nesse artigo, Sarian cita o caso das Erínias, deusas infernais que perseguiam
Orestes pelo matricídio que este cometeu. Foi a partir da representação teatral
que as Erínias ganharam formas humanas na cerâmica. É a religiosidade pre-
sente na arte. É a perpetuação dos mitos que estava sendo garantida. Mas há
uma ressalva a ser feita:
Todas essas figuras não são equivalentes nem convêm indiferente-
mente a todos os deuses ou todos os aspectos de um mesmo deus.
Cada uma delas tem seu modo próprio de traduzir no divino certos
aspectos, de presentificar o além, de inscrever e localizar o sagrado
no espaço aqui na terra [...]. Cada forma de representação implica,
para a divindade figurada, um modo particular de manifestar-se
aos humanos e de exercer, através de suas imagens, o tipo de poder
sobrenatural do qual possui o domínio (VERNANT, 1992, p. 32-33).
Muitos outros exemplos poderiam ser citados aqui, que testemunhariam a religio-
sidade grega. Os gregos acreditavam em seus deuses, em suas manifestações,
em seus auxílios. O grande número de discursos míticos, o riquíssimo vocabulá-
rio sobre a representação figurada, a abundância de estátuas divinas evidenciam
que o grego era um homem religioso, que vivenciava sua crença, que respeitava
as tradições, enfim, que olhava para a Lua e via Selene, assim como a noite era
© U6 - Pós-modernismo: paradigmas e crise 171

Nix, olhava para o Sol e via Hélios, assim como o dia era Hemera. Mais do que
simples nomes daquilo que, para nós, modernos, são astros, em grego, eram
nomes de divindades.
Concluindo, a religiosidade grega foi algo real, vivido e sentido. Os mitos, os
ritos e a representação figurada fizeram parte da rede religiosa de um povo que
construiu sua religiosidade que a presenteou com santuários independentes, se-
parados do espaço profano (e também neste), ou seja, os gregos criaram seus
locais sagrados, organizaram seu calendário religioso, cantaram e pintaram seus
deuses e heróis. A religiosidade grega é uma construção histórica. Vernant obje-
tivou em suas análises compreender e nos fazer compreender esse estilo religio-
so, tão particularizado, do homem grego (sabendo da multiplicidade dele). Suas
metas foram alcançadas. Ele deixou evidente essa religiosidade e expôs porme-
nores e especificidades de uma crença apoiada numa tradição que englobava a
língua, o estilo de vida doméstico, o gestual, os sistemas de valores, as normas
da vida em sociedade, o sentir e o pensar.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A avaliação constante deve ser um compromisso do aluno
de um curso a distância. Dessa forma, solidificam-se os conteúdos
estudados e é possível colocar-se criticamente diante do processo
de aprendizado. O aluno que se autoavalia tem melhores condi-
ções de aplicar o que aprendeu e de estabelecer reflexões acerca
do processo de aprendizagem. Portanto, essas questões devem
ser respondidas com a máxima atenção possível, já que funcio-
nam como fixação e revisão do que foi aprendido nesta unidade.
Para que o seu aprimoramento seja melhor, você deve fazer dessas
questões um momento de interação com o grupo. Para isso, discu-
ta com seus colegas o que você achou das questões e tente promo-
ver um debate acerca delas. Se encontrar alguma dificuldade em
resolvê-las, revise esta e outras unidades já estudadas e recorra à
Bibliografia Complementar.
1) Você finalizou a leitura e os estudos desta unidade. Compreendeu por com-
pleto o seu conteúdo? Para averiguar seu grau de conhecimento e compre-
ensão, elabore um quadro com as características positivas e negativas da
historiografia pós-moderna. Com a confecção desse quadro, você poderá
refletir sobre suas próprias posturas conceituais e metodológicas.

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172 © Historiografia e Teoria da História

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Com o estudo do Caderno de Referência de Conteúdo His-
toriografia e Teoria da História, esperávamos que você pudesse
questionar suas posturas diante da História e da historiografia e,
a partir de novas reflexões, questionar seu entendimento sobre a
verdade histórica.
Para auxiliá-lo nessa busca por suas próprias crenças sobre
a História, seu modo de escrita e suas escolhas metodológicas e
ideológicas, fizemos, na primeira unidade, um tour pelo passado,
retomamos os gregos e, enfim, após um rápido voo pelo Medievo
e séculos 18 e 19, chegamos ao século 20 para retomar nossas
lembranças sobre a Escola dos Annales e a Nova História. Ainda
nessa unidade, reforçamos o conceito de historiografia.
Na Unidade 2, mediamos a você o conhecimento sobre a cri-
se nos tradicionais paradigmas historiográficos, bem como intro-
duzimos o conhecimento sobre a Micro-História e a Nova História
Cultural.
Os conceitos de discurso, práticas e representações foram
trabalhados na terceira unidade, e alguns de seus representantes,
como Roger Chartier e Michel de Certeau, foram analisados.
Na unidade seguinte, Michel Foucault e sua produção histo-
riográfica ganharam destaque. Os conceitos de descontinuidade,
poder, arqueologia e genealogia foram considerados.
Na quinta unidade, você teve a oportunidade de conhecer
um pouco sobre as discussões propostas por Hyden White em tor-
no da relação entre a História e a Ficção e algumas implicações
resultantes desse debate.
Por fim, nesta unidade, foi-lhe oferecido um breve balan-
ço sobre todos os conteúdos disponibilizados para reflexão, bem
como foram apontadas as críticas em relação a essa postura da
História e da historiografia diante do passado e da verdade.
© U6 - Pós-modernismo: paradigmas e crise 173

Destarte, encerramos nossa contribuição à sua formação em


Historiografia e Teoria da História. Desejamos ter cooperado com
sua disposição em aprender mais e a se desfazer de antigas ideias
construídas no decorrer de sua vida escolar anterior à graduação.
Com essas considerações, aspiramos que continue na busca
do conhecimento.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Campinas: Alínea, 2003.
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Gama. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB, 1992.
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Clemens Bieg. Barcelona: Labor, 1995.
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Pessanha, Luiz Felipe Baêta Neves e outros. Rio de Janeiro: Imago, 1988. (Textos
completos das exposições, comentários e respectivos debates orais do “Colóquio
Narrativa: Ficção e História”, realizado de 25 a 27 de novembro de 1987 e promovido
pelo setor de Literatura Brasileira do Departamento VI do Instituto de Letras da UERJ).
RÜSEN, J. Razão Histórica – Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica.
Tradução de Estevão C. de Martins. Brasília, UnB, 2001.
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