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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD


Língua Brasileira de Sinais – Prof.ª Dra. Cristina Cinto Araújo Pedroso e Prof.ª Ms. Juliana
Cardoso de Melo Rocha

Meu nome é Cristina Cinto Araújo Pedroso. Sou graduada em


Pedagogia com área de concentração em educação de surdos,
mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São
Carlos e doutora em Educação Escolar pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP – Araraquara). Atuo como
Coordenadora dos Cursos de Gestão Educacional e Educação
Especial do Centro Universitário Claretiano. Além disso, sou
docente do curso de Licenciatura em Pedagogia dessa mesma
instituição. Como pesquisadora, realizo estudos na área de
educação de surdos, educação especial e formação de professores.
e-mail: mcvpedroso@netsite.com.br

Meu nome é  Juliana Cardoso de Melo Rocha.  Sou


fonoaudióloga graduada pela FOB/USP/Bauru desde 1993, e
atualmente, respondo como delegada do Conselho Regional de
Fonoaudiologia na região de Ribeirão Preto. Concluí o mestrado
em Educação Especial pela Universidade  Federal de São Carlos
(UFSCar) em 2002. Em 2008, iniciei o curso de graduação em
Pedagogia, devendo concluí-lo em junho de 2011. Já coordenei
curso de Graduação e de Pós-Graduação em uma Universidade
em Ribeirão Preto. No Claretiano, atuo como tutora no curso de
Especialização em Educação Especial desde 2004, e em 2010 passei a tutorar a Língua
Brasileira de Sinais para várias turmas da graduação. Como pesquisadora, meu foco de
interesse são os estudos relacionados à linguagem e à educação especial, principalmente
à educação de surdos, área em que possuo vários trabalhos publicados.
e-mail: julianamelorocha@yahoo.com.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Cristina Cinto Araújo Pedroso
Juliana Cardoso de Melo Rocha

LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS


Caderno de Referência de Conteúdo

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

371.912 P415l

Pedroso, Cristina Cinto Araújo


Língua brasileira de sinais / Cristina Cinto Araújo Pedroso, Juliana Cardoso de
Melo Rocha – Batatais, SP : Claretiano, 2013.
202 p.

ISBN: 978-85-8377-005-3

1. Vocabulário da Língua Brasileira de Sinais – Libras. 2. Libras em contexto. 3.


Gramática da Libras. 4. A história da educação dos surdos. 5. Aspectos biológicos
da surdez. 6. O indivíduo surdo e suas interações na escola e na família. 7. Estratégias,
recursos didáticos e tecnológicos para a educação de surdos. 8. Implementação do
bilinguismo na atualidade. 9. Identidade e cultura surda. 10. Igualdade de direitos e
exercício da cidadania. 11. A função do intérprete e do professor de Libras. I. Rocha,
Juliana Cardoso de Melo. II. Língua brasileira de sinais.

CDD 371.912

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Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
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Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO ............................................................................. 12

Unidade  1 – ESCOLARIZAÇÃO DOS SURDOS: MARCOS HISTÓRICOS


E ABORDAGENS EDUCACIONAIS
1 OBJETIVOS........................................................................................................... 33
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 33
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 33
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 34
5 ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS......................................... 35
6 ORALISMO........................................................................................................... 36
7 COMUNICAÇÃO TOTAL........................................................................................ 41
8 BILINGUISMO...................................................................................................... 43
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 49
10 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 50
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 51
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 51

Unidade  2 – AUDIÇÃO E SURDEZ


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 53
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 53
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 53
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 54
5 AUDIÇÃO............................................................................................................. 55
6 DEFICIÊNCIA AUDITIVA/SURDEZ......................................................................... 58
7 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DOS DISTÚRBIOS DA AUDIÇÃO.......................... 64
8 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................. 66
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 68
10 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 68
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 68

Unidade  3 – A SURDEZ NA FAMÍLIA E O DESENVOLVIMENTO


DA LINGUAGEM
1 OBJETIVOS........................................................................................................... 71
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 71
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE...................................................... 72
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 72
5 FALA, LÍNGUA E LINGUAGEM.............................................................................. 73
6 DESENVOLVIMENTO NORMAL DA LINGUAGEM NA CRIANÇA............................ 75
7 AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS POR CRIANÇAS SURDAS............................... 77
8 SFPS (SURDO FILHO DE PAIS SURDOS)................................................................ 79
9 FAMÍLIA............................................................................................................... 80
10 CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA: O SENTIMENTO DOS FAMILIARES......................... 81
11 O PAPEL DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO DA
CRIANÇA SURDA.................................................................................................. 83
12 MODELO EDUCACIONAL..................................................................................... 87
13 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................. 87
14 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 92
15 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 93
16 E-REFERÊNCIA..................................................................................................... 93
17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 93

Unidade  4 – A LÍNGUA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 95
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 95
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 96
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 96
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ESCOLARIZAÇÃO DE CRIANÇAS
SURDAS............................................................................................................... 97
6 EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE E A EDUCAÇÃO DOS SURDOS........................ 101
7 EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE: FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
E LÍNGUA DE SINAIS............................................................................................ 103
8 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................. 110
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 114
10 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 115
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 115
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 115

Unidade  5 – ACESSIBILIDADE: ESTRATÉGIAS, RECURSOS DIDÁTICOS E


TECNOLÓGICOS UTILIZADOS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
1 OBJETIVOS........................................................................................................... 117
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 117
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 118
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 118
5 ACESSIBILIDADE E CIDADANIA............................................................................ 119
6 RECURSOS TECNOLÓGICOS À DISPOSIÇÃO DOS SURDOS................................... 120
7 ESTRATÉGIAS E RECURSOS DIDÁTICOS................................................................ 127
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 130
9 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 130
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 131
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 131

Unidade  6 – IDENTIDADE E IGUALDADE DE DIREITOS DOS SURDOS


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 133
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 133
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 133
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 134
5 IGUALDADE DE DIREITOS.................................................................................... 134
6 IDENTIDADE SURDA E OS DOCUMENTOS OFICIAIS QUE TRATAM DA
INCLUSÃO............................................................................................................ 136
7 A CULTURA SURDA.............................................................................................. 142
8 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................. 144
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 150
10 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 150
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 151
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 151

Unidade  7 – LINGUÍSTICA E LÍNGUA DE SINAIS


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 153
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 153
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 153
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 154
5 ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS.................................. 155
6 FONOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS..................................................................... 165
7 MORFOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS.................................................................. 175
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 176
9 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 176
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 177
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 177

Unidade  8 – O INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 179
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 179
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE..................................................... 180
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 180
5 A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSÃO DE INTÉRPRETE: DADOS HISTÓRICOS...................182
6 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LÍNGUA
DE SINAIS............................................................................................................ 186
7 ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NAS ESCOLAS........................ 190
8 ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE NAS ESCOLAS ........................................................... 194
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 199
10 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 199
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 200
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 200
EAD
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Vocabulário da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Libras em contexto. Gra-
mática da Libras. A importância da Libras na comunicação e na educação do
indivíduo surdo. A história da educação dos surdos. Aspectos biológicos da sur-
dez. Abordagens educacionais. O indivíduo surdo e suas interações na escola
e na família. Estratégias, recursos didáticos e tecnológicos para a educação de
surdos. Implementação do bilinguismo na atualidade. Identidade e cultura surda.
Igualdade de direitos e exercício da cidadania. A função do intérprete e do pro-
fessor de Libras.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Estamos iniciando o Caderno de Referência de Conteúdo Lín-
gua Brasileira de Sinais e, desde já, é importante você saber que
dominar uma língua não se restringe a conhecer palavras ou mes-
mo frases. O domínio de uma língua exige sua aquisição na totali-
dade, além da fluência. É, também, sobre isso que vamos conver-
sar durante este estudo.
Especificamente em relação à língua de sinais, não basta ad-
quirir vocabulário em sinais, mesmo que ele seja amplo.
10 © Língua Brasileira de Sinais

A língua de sinais é produzida na modalidade visual-espacial,


diferentemente da língua majoritária dos diferentes países, pois
essas são produzidas na modalidade oral-auditiva. Além dessa di-
ferença, a língua de sinais é a língua de uma comunidade cultural-
mente diferente dos ouvintes: a comunidade surda.
Portanto, para aprendê-la de fato, é necessário, além da par-
ticipação em um curso, o contato com a comunidade de surdos. O
domínio da língua de sinais dependerá, também, do conhecimen-
to da cultura surda.
Assim, acredita-se que um curso de língua de sinais deva ser mi-
nistrado por um surdo capacitado para a função e por um profissional
ouvinte com formação para ministrar os conteúdos teóricos sobre a lín-
gua. Entretanto, essa estrutura só é possível na modalidade presencial.
Para este curso a distância, buscou-se garantir as condições
mais próximas das desejáveis, anteriormente descritas. Cabe des-
tacar que o cumprimento deste estudo não elimina a importância
de você realizar um curso de Libras presencial, no qual poderá in-
teragir com o surdo e ter contato com a comunidade surda.
Acredita-se que um estudo teórico acerca da língua de sinais
deva partir de uma base teórica sobre a história da educação dos
surdos e sobre a importância da língua de sinais para a vida e para
a escolaridade dos alunos com surdez.
O estudo de tais aspectos justifica-se uma vez que eles evi-
denciam a relevância da língua de sinais para a pessoa surda e,
consequentemente, para os futuros professores.
O acesso ao dicionário digital de Libras propiciará a você a vi-
sualização da produção do sinal na tela do computador, garantindo,
dessa maneira, o contato com as unidades mínimas que compõem a
língua de sinais, como a configuração de mão, o movimento, a dire-
ção, o ponto de articulação e as expressões não manuais, por exem-
plo. Além disso, o dicionário garantirá sua autonomia para recorrer
ao repertório de sinais sempre que sentir necessidade. Cabe destacar
que, no dicionário, os sinais são produzidos por surdos fluentes in-
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

tegrantes da comunidade surda. Assim, ao consultá-lo, você estará,


mesmo que virtualmente, entrando em contato com a comunidade
surda, condição essencial na aquisição da língua de sinais.

Para garantir o melhor aproveitamento, este Caderno de Referên-


cia de Conteúdo conta com dois elementos básicos: Caderno de
Referência de Conteúdo (conteúdos teóricos), Dicionário da Lín-
gua Brasileira de Sinais.
Você poderá encontrar o Dicionário da Língua Brasileira de Sinais
no formato digital, disponível no site www.acessobrasil.org.br.

A língua de sinais é uma língua visual-espacial, portanto, ad-


quiri-la por meio da modalidade a distância não é o ideal. Dessa
forma, é fundamental para a qualidade do curso que você tenha
contato pessoalmente com a comunidade surda, pois isso garan-
tirá maior qualidade ao processo. O contato com a comunidade
surda pode favorecer a percepção e a vivência de alguns aspec-
tos gramaticais da língua de sinais que ficam restritos quando de-
monstrados apenas virtualmente, além de um conhecimento mais
aprofundado sobre o jeito surdo de viver e sua cultura.
Vale destacar que a oferta de um curso de língua de sinais a
distância é bastante inovadora no país. Para nós, é uma experiên-
cia inédita. Contamos, então, com sua efetiva participação durante
este estudo, bem como na realização dos estudos teórico-práticos
propostos.
Para concluir, vale declarar que o contato com o mundo dos
surdos é apaixonante. Para criar este curso, envolvemo-nos com o
universo surdo como pesquisadores da área e como seres huma-
nos, e temos a certeza de que você, ao estudar e compreender o
contexto que envolve a educação das pessoas com surdez, tam-
bém irá se apaixonar.
Ficaremos satisfeitos se, ao final deste curso, você estiver
motivado a prosseguir seus estudos sobre o fantástico mundo dos
surdos, a cultura surda e a língua de sinais.

Claretiano - Centro Universitário


12 © Língua Brasileira de Sinais

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem geral
Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estuda-
do neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará em
contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e
geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de
cada unidade. No entanto, essa Abordagem geral visa fornecer-lhe o co-
nhecimento básico necessário a partir do qual você possa construir um
referencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no
futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência cog-
nitiva, ética e responsabilidade social. Vamos começar nossa aventura
pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamen-
tam este Caderno de Referência de Conteúdo.
Faremos uma introdução ao estudo sobre o surdo e a sur-
dez. Falaremos sobre a história da educação dos surdos no cenário
mundial e no Brasil, enfatizando as três principais abordagens de
atuação com o surdo, ou seja, o oralismo, a comunicação total e
o bilinguismo. Além disso, estudaremos o processo de funciona-
mento normal da audição, esclarecendo sobre a configuração do
ouvido humano, bem como sobre as perdas auditivas e o processo
de diagnóstico e reabilitação nessas condições.
Ainda estudaremos as consequências que a surdez pode
proporcionar ao desenvolvimento cognitivo, linguístico e afetivo
do surdo, bem como suas consequências para todo o sistema fami-
liar. Discutiremos, também, sobre a importância da língua de sinais
para um desenvolvimento adequado da criança surda e a necessi-
dade do envolvimento de sua família no processo educacional.
Estudaremos as implicações educacionais da surdez, bem
como as adaptações e os recursos necessários para garantir que
os surdos aprendam, se desenvolvam adequadamente e possam,
dessa forma, exercer de maneira digna sua cidadania.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

Um dos objetivos deste Caderno de Referência de Conteúdo


é propiciar a você a compreensão sobre a função da língua de si-
nais na vida do sujeito surdo e, especialmente, na sua escolarização.
Gostaríamos de deixar claro que neste material adotaremos o con-
ceito de surdo conforme disposto no Art. 2o do Decreto nº 5.626, de
22 de dezembro de 2005, que define a pessoa surda como "aquela
que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo
por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura princi-
palmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras".
Então, é preciso que, inicialmente, você conheça quem é o
surdo, a história da educação dos surdos e compreenda os prin-
cípios que fundamentam as abordagens educacionais que orien-
taram a educação desses sujeitos ao longo da história, ou seja, o
oralismo, a comunicação total e o bilinguismo.
Antes disso, porém, é preciso esclarecer, rapidamente, como
se processa a audição.
A fisiologia da audição
A audição é um sentido de alerta e o principal canal pelo qual
a linguagem e a fala são adquiridas. A onda sonora, captada pelo
pavilhão auricular, é conduzida pelo conduto auditivo externo, faz
a membrana timpânica e o sistema ossicular, compreendido pe-
los ossos martelo, bigorna e estribo, vibrarem. O movimento do
estribo na janela oval – estrutura que liga a orelha média à orelha
interna – provoca o deslocamento nos líquidos que se encontram
dentro da cóclea, estimulando o órgão de Corti. Ocorre, então, a
transmissão do impulso nervoso para o nervo auditivo e deste,
passando por diversas estruturas, até o córtex cerebral, para ser,
então, interpretado. Entretanto, qualquer distúrbio no processo
de audição normal, seja qual for sua causa, tipo ou severidade,
constitui uma deficiência auditiva.
A perda de audição pode ser congênita, quando o indivíduo
nasceu com a deficiência, ou adquirida. Nesse caso, a alteração
ocorreu no momento do nascimento em virtude das complicações

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14 © Língua Brasileira de Sinais

e do baixo peso, ou no decorrer da vida, causada por infecções de


ouvido, por doenças como meningite, caxumba e sarampo ou por
uso de medicamentos.
As deficiências auditivas podem ser classificadas: quanto à
localização da alteração em perdas auditivas condutivas, neuros-
sensoriais e mistas; quanto ao grau da perda de audição em leve,
moderada, severa e profunda; e quanto ao período ou época de
acometimento do problema em pré-verbal ou pós-verbal, quando
a lesão do sistema auditivo aconteceu antes ou depois do período
de aquisição e desenvolvimento da linguagem, respectivamente.
As possibilidades de tratamento diante da constatação de
deficiência auditiva são uso de prótese auditiva, ou, dependendo
da situação, a realização do implante coclear. No entanto, a pre-
venção e a detecção precoce da deficiência auditiva ainda são as
melhores atitudes a tomar.
A aquisição da linguagem e a Libras
A audição é o principal canal pelo qual a linguagem e a fala
são adquiridas. A aquisição da linguagem e a comunicação se de-
senvolvem nas crianças segundo etapas de ordem constante, ainda
que o ritmo de progressão possa variar de um sujeito para outro.
No entanto, para adquirir linguagem dentro dos padrões de nor-
malidade é fundamental que a criança possa ouvir sons e vozes;
para isso é necessário que as funções auditivas estejam íntegras.
Quando a criança possui uma deficiência auditiva, esse processo
não se realiza e a aquisição da língua oral não acontece, ou fica se-
riamente prejudicada. Por não ter acesso à língua oral, o desenvol-
vimento de sua fala, bem como o da linguagem, fica prejudicado.
Em muitos casos, a criança surda adquire, satisfatoriamen-
te, uma língua. No entanto, a ausência do domínio de uma língua
pode causar um prejuízo em todo o processo de aprendizagem da
criança. Uma maneira de se evitar essa defasagem seria a exposi-
ção da criança surda, o mais cedo possível, à Língua Brasileira de
Sinais (Libras).
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

O contato precoce com a língua de sinais garantiria a aquisi-


ção de uma língua verdadeira e, consequentemente, o funciona-
mento simbólico-cognitivo adequado. Entretanto, o maior desejo
dos pais ouvintes é que seus filhos surdos desenvolvam a língua
oral, e como a maioria das crianças surdas são provenientes de fa-
mílias ouvintes, esse desejo acaba dificultando o acesso da criança
surda à língua de sinais no ambiente familiar.
Nesse sentido, o trabalho educacional não deve se limitar
ao ambiente escolar, mas também se desenvolver junto às famí-
lias, fornecendo condições para que elas aceitem o filho surdo e
se comuniquem, efetivamente, com ele. Sendo assim, a exposição
da criança surda à língua de sinais durante a primeira infância é
essencial ao seu desenvolvimento, pois possibilita a aquisição da
linguagem e ativa sua competência linguística.
Entretanto, para que a criança surda estabeleça uma comunica-
ção mais fluente e efetiva por meio da Libras, é preciso criar condições
para que a família se comunique com seu membro surdo, impedindo
que este, por sua vez, se sinta um estrangeiro em seu próprio lar.
O reconhecimento da surdez e do uso dos sinais na comu-
nicação com o filho surdo está relacionado à aceitação deste filho
em sua diferença. Pais ouvintes, geralmente, desejam que seus fi-
lhos desenvolvam a fala, mascarando a surdez. Assim, as respostas
dos familiares ao nascimento de uma criança surda, geralmente,
dependem da condição dos pais serem surdos ou ouvintes.
Para evitar a dificuldade de comunicação e relacionamento
entre pais ouvintes e filhos surdos, os pais ouvintes (ou os res-
ponsáveis) devem manter contato com a comunidade surda, e os
serviços especiais precisam se organizar de forma a incluir crianças
e adultos surdos, pois somente o acesso à língua de sinais, por
meio de interações sociais com pessoas surdas, pode garantir uma
comunicação mais apropriada ao desenvolvimento cognitivo e lin-
guístico das crianças surdas.

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16 © Língua Brasileira de Sinais

Mas será que esse foi o pensamento que sempre prevaleceu


na educação dos surdos? Vejamos, agora, um pouco da história da
educação dos surdos.
História da educação dos surdos
A história da educação dos surdos confunde-se com a pró-
pria história da educação especial, pois, inicialmente, os surdos fo-
ram renegados. Somente no século 16 é que foram considerados
passíveis de serem educados. O monge beneditino espanhol Pedro
Ponce de León foi o primeiro educador de surdos. No entanto, o
abade Charles Michel de L’Epèe é considerado o mais importante
educador da história dos surdos.
Na segunda metade do século 17, na França, L’Epèe fundou
a primeira escola pública para surdos, utilizando os "sinais metódi-
cos", uma combinação da língua de sinais, que o abade aprendeu
nas ruas com os surdos de Paris, com a gramática sinalizada france-
sa. Nessa mesma época, na Alemanha, utilizava-se o método oral
desenvolvido por Samuel Heinecke, também com grande sucesso.
Em 1880, durante o Congresso Internacional de Educação
de Surdos, em Milão, foi realizada uma votação com o intuito de
definir o melhor método de educação de surdos, mas professores
surdos foram impedidos de participar. Dessa forma, o método oral
foi considerado a melhor opção de educação para as pessoas com
surdez. A partir de então, por mais de um século, o método oral ou
oralismo foi considerado o ideal, e a língua de sinais proibida na
educação dos surdos.
O oralismo prioriza a aquisição e o desenvolvimento da fala
e visa à integração da pessoa na sociedade ouvinte. A partir da dé-
cada de 1960, os sinais voltaram a ser utilizados, especialmente em
virtude das pesquisas de Stokoe sobre a Língua Americana de Sinais
(ASL). Surgiram, então, a comunicação total e o bilinguismo.
A comunicação total permite o uso de diferentes sistemas de
comunicação e o bilinguismo reconhece a língua de sinais como a
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

primeira língua dos surdos e a língua majoritária como a sua se-


gunda língua, que pode ser desenvolvida nas modalidades escrita
e oral. Vejamos, agora, as questões educacionais da surdez.
Propostas educacionais: inclusão e bilinguismo
Agora, vamos tratar das implicações educacionais da surdez,
bem como as adaptações e dos recursos necessários para garantir
que os surdos aprendam, se desenvolvam adequadamente e exer-
çam plenamente sua cidadania.
A educação de crianças surdas no Brasil, ao longo da sua
história, tem sido marcada por muitas controvérsias e poucos re-
sultados positivos, independentemente da modalidade de ensino
frequentada, seja classe comum, sala de recursos ou escola de sur-
dos oralista. Em qualquer uma dessas modalidades, não houve a
garantia de resultados acadêmicos compatíveis com o potencial
dos surdos e com o tempo de permanência na escola.
A maioria dos surdos, mesmo depois de muitos anos de esco-
larização, não consegue superar o nível escolar referente aos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Cabe analisar criteriosamente as
condições oferecidas pela sala de aula comum, diante do movi-
mento de inclusão escolar, para verificar se realmente dão oportu-
nidade de o surdo aprender e se sintir incluído naquele contexto.
Vale considerar que a simples presença do aluno surdo em
uma turma comum não significa inclusão. O aluno surdo deve en-
contrar na sala de aula as condições de que necessita para apren-
der, além de um ambiente favorável ao desenvolvimento da sua
identidade como ser capaz. Para tanto, é preciso que a escola re-
conheça e valorize a sua cultura, ou seja, é preciso que ela vá além
dos pressupostos da escola inclusiva e se reorganize na direção de
uma escola bilíngue e bicultural.
O reconhecimento das diferenças linguísticas e sociais do alu-
no surdo está presente nos textos e nas políticas, entretanto, na prá-
tica, muito pouco tem sido realmente mudado em relação à escola

Claretiano - Centro Universitário


18 © Língua Brasileira de Sinais

e ao seu currículo. Assim, as escolas não devem ficar circunscritas a


administrações centralizadoras, pois professores, alunos, pais e res-
ponsáveis, entre outros que direta ou indiretamente estão submeti-
das à administração escolar, devem participar das decisões políticas.
No caso do aluno surdo, sua participação na elaboração e im-
plementação de políticas educacionais e curriculares é decisiva para
a reestruturação da escola, e especialmente a garantia do atendi-
mento dos pressupostos da inclusão e do bilinguismo. Diante desse
panorama relacionado à educação dos surdos, não são poucos nem
simples os questionamentos que surgem no sentido de criar um
modelo que dê conta de atender às propostas de inclusão e bilin-
guismo. A participação dos surdos nas discussões sobre o processo
educacional pode auxiliar na elucidação dos questionamentos que,
certamente, surgirão daqui para frente mediante a política de aten-
dimento do aluno surdo nos contextos escolares comuns.
Cabe destacar que a educação bilíngue é uma proposta afina-
da com os princípios da educação inclusiva, uma vez que ela pode
propiciar algumas das condições necessárias à aprendizagem do
surdo e, assim, garantir o acesso a uma educação de qualidade.
Especialmente em relação aos alunos surdos, a reestrutura-
ção da escola implica:
1) criar condições de interlocução entre os professores ou-
vintes e os alunos surdos;
2) garantir práticas pedagógicas adequadas aos surdos;
3) viabilizar o aprendizado por meio da língua de sinais;
4) propiciar o contato entre os surdos;
5) incluir o professor surdo na equipe de profissionais da
escola e o intérprete de Língua Brasileira de Sinais, entre
outras condições.
Pelo que expusemos e conversamos até o momento, fica
evidente que é preciso ainda se problematizar muito sobre o bi-
linguismo na escola e a inclusão do aluno surdo, no sentido de
garantir as condições de que ele necessita para aprender.
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

Implementação de adaptações e recursos


Atualmente, os alunos surdos acabam sendo prejudicados
pela falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo,
socioafetivo, linguístico e político-cultural, o que acarreta perdas
consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem. Assim, a es-
cola comum precisa implementar ações que tenham sentido tanto
para os alunos ouvintes quanto para os surdos. As questões rela-
cionadas à inclusão dos alunos com surdez no ensino comum vão
além da utilização de uma língua: os surdos precisam de ambien-
tes educacionais estimuladores, que desafiem o pensamento, ex-
plorem suas capacidades, em todos os sentidos.
Desse modo, a proposta de educação escolar inclusiva é um
desafio e, para ser efetivada, é preciso considerar que os alunos
com surdez têm direito de acesso ao conhecimento, à acessibilida-
de, bem como ao Atendimento Educacional Especializado.
Mirlene Ferreira Damázio publicou em 2007, pelo MEC, a
obra Atendimento educacional especializado, na qual apresenta,
entre suas propostas, três tipos de atendimento oferecidos no ho-
rário inverso ao que o aluno surdo ou deficiente auditivo (DA) está
incluído. Esses atendimentos são:
Momento do Atendimento Educacional Especializado em Libras na
escola comum [...] em que todos os conhecimentos dos diferentes
conteúdos curriculares são explicados nessa língua por um profes-
sor, sendo o mesmo preferencialmente surdo.
Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensi-
no de Libras na escola comum [...] favorecendo o conhecimento e
a aquisição, principalmente de termos científicos. Este trabalho é
realizado pelo professor e/ou pelo instrutor de Libras (preferencial-
mente surdo) [...]
Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino
da Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades
dessa língua para pessoas com surdez.

O planejamento do Atendimento Educacional Especializado


é coletivo e deve ser elaborado e desenvolvido pelos professores
que ministram as aulas em Libras, pelo professor da classe comum
e pelo professor de Língua Portuguesa para pessoas com surdez.

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20 © Língua Brasileira de Sinais

Estratégias e recursos didáticos e tecnológicos


Vamos conhecer, agora, algumas estratégias e recursos didá-
ticos e tecnológicos disponíveis atualmente para os surdos, visan-
do ao exercício de sua cidadania:
1) Software de dicionário de Libras: software de auxílio à
tradução de palavras e textos do português para a Língua
Brasileira de Sinais (Libras), que pode ser acessado pelo
site <http://www.acessobrasil.org.br/libras/>. Os interes-
sados, sejam eles surdos ou ouvintes, podem realizar sua
pesquisa por ordem alfabética, por assunto, por busca e
por configuração de mão da Libras. O dicionário possui
também o recurso de busca por palavra, assunto e acep-
ção, podendo o usuário solicitar um exemplo em Libras.
2) MSN para surdos: é um programa de bate-papo em tempo
real, que utiliza texto, voz, telefone celular ou até conversas
por meio de vídeo em tempo real, com os amigos, a família
e também pode ser utilizado na educação e no trabalho.
3) Telefone para surdos (TS): esses aparelhos possuem te-
clado alfanumérico e visor de legenda para enviar e re-
ceber mensagens digitais de outra pessoa que também
tenha este tipo de aparelho ligado à linha telefônica.
4) Telefone celular: dentre as atuais tecnologias de comuni-
cação, foi a que melhor se adaptou à acessibilidade dos
surdos, pois possui recursos que atendem às suas espe-
cificidades, como recurso para o envio de mensagens de
texto, modo de campainha por vibração do aparelho e
de iluminação do visor quando recebe mensagem.
5) Closed-caption ou CC (legenda em televisão): termo da
língua inglesa que caracteriza uma legenda oculta na lín-
gua escrita. Foi criado a fim de permitir aos surdos e às
pessoas com dificuldades de audição o acesso a progra-
mas, comerciais e filmes veiculados na televisão e em
vídeo. A legenda oculta funciona como o áudio do pro-
grama e, por meio dela, são transmitidas as informações
literais e não literais.
Quanto aos recursos didáticos, os recursos visuais possibi-
litam ao surdo a aquisição de conhecimento e desenvolvimento,
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

bem como um caminho para o exercício de sua cidadania. O com-


putador é o recurso didático mais utilizado, pois se trata de uma
ferramenta que possibilita ao professor criar estratégias e ativida-
des que melhor se adaptem aos alunos com surdez.
Atualmente, as escolas têm utilizado outros recursos, além
do computador, para tornar o processo de ensino-aprendizagem
mais significativo para seus alunos. Dentre eles, estão o rádio, a
televisão, o videocassete, o DVD, a máquina fotográfica e o apare-
lho de som.
Cultura surda
Continuando nesse caminho pela busca do exercício pleno
da cidadania e da oportunidade de condições de igualdade para os
surdos, trataremos, agora, da identidade e da cultura surda.
Segundo Manoel Castells, em sua obra O poder da identida-
de (2000, p. 21), a identidade pode ser entendida como um:
[...] processo de construção de significado com base em um atri-
buto cultural, ou ainda, um conjunto de atributos culturais inter-
-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de
significado.

No caso das pessoas com surdez, segundo Eliane Cromack,


no artigo Identidade, cultura surda e produção de subjetividades
e educação, publicado na revista Psicologia: ciência e profissão,
a "construção da identidade dos surdos passa pela mudança de
paradigma da deficiência para o de minoria linguística e cultural",
ou seja, o surdo deixa de ser percebido pela sua deficiência e passa
a ser reconhecido na sua diferença como pertencente a um grupo
minoritário.
A expressão "cultura surda" refere-se à comunicação espaço
visual como principal meio de conhecer o mundo em substituição
à audição e à fala. A maioria das pessoas surdas, no contato com
outros surdos, desenvolvem a Língua de Sinais, imprescindível
para a transmissão e a evolução de sua cultura.

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22 © Língua Brasileira de Sinais

Por meio do convívio e da utilização de uma forma de comu-


nicação natural e partilhada, os surdos criaram uma identidade e
uma cultura. Podemos identificar vários traços da cultura surda,
como a literatura contada na Língua de Sinais, englobando histó-
rias, contos, lendas, fábulas, anedotas, poesias, peças de teatro,
piadas, rituais e muito mais. Muitas dessas manifestações, por
recontar a experiência dos surdos, dizem respeito, direta ou indi-
retamente, à opressão exercida pelas pessoas ouvintes sobre os
portadores de surdez.
Importância dos intérpretes da língua de sinais
Voltando a falar sobre o processo de escolarização das pes-
soas com surdez, é importante ressaltar que a qualidade da esco-
larização dos alunos surdos no contexto da educação inclusiva de-
pende da reorganização da escola, o que contempla, entre outras
condições, a atuação de novos agentes educacionais, como, por
exemplo, o intérprete de língua de sinais.
No entanto, a atuação dos intérpretes de língua de sinais no
Brasil é bem recente, o que justifica a falta de uma sistematização
mais ampla acerca da sua formação, da sua identidade profissional
e do seu campo de atuação.
O intérprete, em sala de aula, além de favorecer a comuni-
cação entre surdos e ouvintes, possibilita aos surdos o acesso às
informações por meio da língua de sinais. No entanto, a qualida-
de do trabalho do intérprete pode ser melhorada quando ele tem
formação na área de sua atuação, o que possibilita conhecimento
contextualizado mais preciso e aprofundado dos conceitos envol-
vidos na interpretação.
Especificamente em relação à interpretação para os alunos
com surdez nos contextos escolares, a formação em educação, em
Pedagogia ou Letras, por exemplo, irá possibilitar ao intérprete fa-
zer escolhas mais assertivas quanto aos conceitos trabalhados na
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

língua-fonte, contextualizando-os e, portanto, facilitando a com-


preensão.
Trataremos, a partir de agora, especificamente, da língua de
sinais.
O status de língua da língua de sinais
Muitas pessoas acreditam que a língua de sinais é somente
um conjunto de gestos que interpreta as línguas orais. No entanto,
pesquisas sobre as línguas de sinais vêm mostrando que elas são
compatíveis em complexidade e expressividade como qualquer
língua oral, pois expressam ideias sutis, complexas e abstratas.
No entanto, muitos mitos precisam ser desfeitos, porque a
Libras, como toda língua de sinais, é de modalidade visual-espa-
cial, que utiliza como canal ou meio de comunicação movimen-
tos gestuais e expressões faciais que são percebidos pela visão,
diferentemente da Língua Portuguesa, que utiliza como canal ou
meio de comunicação sons articulados que são percebidos pela
audição. As diferenças estão não somente na utilização de canais
de comunicação, mas também nas estruturas gramaticais de cada
língua.
Atribui-se às línguas de sinais o status de língua porque,
embora pertencendo a uma modalidade diferente das línguas em
geral, elas possuem, também, características em relação às dife-
renças regionais, socioculturais, entre outras, e em relação às suas
estruturas, afinal, também são compostas pelos mesmos níveis
das línguas orais – fonológico, morfológico e sintático.
Os sinais são formados a partir da combinação do movimen-
to das mãos com determinado formato em determinado lugar, po-
dendo este ser uma parte do corpo ou um espaço em frente ao
corpo. Essas articulações das mãos, que podem ser comparadas
aos fonemas e, às vezes, aos morfemas das línguas orais, são de-
nominadas parâmetros da língua de sinais. Os sinais são formados

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24 © Língua Brasileira de Sinais

pela combinação de cinco parâmetros: configuração das mãos;


ponto de articulação; movimento; orientação/direcionalidade e
expressões não manuais.
Falar com as mãos é, portanto, combinar esses elementos
para formarem as palavras e estas formarem as frases em um con-
texto. Para conversar, em qualquer língua, não basta conhecer as
palavras, é preciso aprender as regras gramaticais de combinação
dessas palavras em frases.
Os surdos, historicamente, têm sofrido uma imposição lin-
guística dos ouvintes que não aceitam a língua de sinais e a cultura
surda. Ainda hoje, há dificuldades em se admitir a existência de
uma cultura específica.
Terminamos por aqui a apresentação deste Caderno de Refe-
rência de Conteúdo e desejamos, mais uma vez, que ela contribua
para a sua formação profissional e pessoal. Esperamos que os co-
nhecimentos aqui apresentados tenham lhe mostrado a importân-
cia que a língua de sinais assume na vida dos surdos. Acreditamos
que, após o estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo, seu
posicionamento diante da surdez e das pessoas surdas nunca mais
seja o mesmo.

Glossário de conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápi-
da e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom
domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhe-
cimento dos temas tratados no Caderno de Referência de Conteúdo
Língua Brasileira de Sinais. Veja, a seguir, a definição dos principais
conceitos:
1) Concepção clínico-terapêutica: percebe a surdez como
doença/déficit e o surdo como deficiente auditivo. Sen-
do assim, a pessoa surda necessita de um trabalho para
suprir ou sanar essa falta e, assim, ser "curada". A "cura"
está relacionada ao aprendizado da linguagem oral, fi-
cando implícito que, quanto melhor a sua fala, melhor
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

terá sido o processo de reabilitação da criança surda, o


que pressupõe o uso de aparelho de amplificação sono-
ra e estimulação auditiva, por meio de treinamento au-
ditivo e de fala.
2) Concepção socioantropológica: entende que o termo
"surdo" refere-se a qualquer pessoa que não escute, in-
dependentemente do grau da perda. A surdez é conce-
bida como diferença, e os surdos, como "diferentes" dos
ouvintes, sendo esta diferença decorrente, principal-
mente, da forma como os surdos têm acesso ao mundo,
por meio da visão. Considerar a surdez uma diferença
implica, entre outras coisas, respeitar a língua de sinais
como a preferencial para o acesso ao conhecimento,
sendo esta o elemento identificatório dos surdos.
3) Congresso de Milão: Congresso Internacional de Edu-
cação de Surdos, realizado em Milão, em 1880, no qual
foi feita uma votação com o intuito de definir o melhor
método de educação de surdos, porém da qual profes-
sores surdos foram impedidos de participar. Dessa for-
ma, o método oral foi considerado a melhor opção de
educação para as pessoas com surdez. A partir de então,
por mais de um século, o método oral ou oralismo foi
considerado o ideal, e a língua de sinais, infelizmente,
proibida na educação dos surdos. Essa decisão repercu-
tiu em vários países, inclusive no Brasil.
4) Dialeto: "cada uma das subdivisões que se podem aplicar a
determinada língua, utilizando como critério básico a região
geográfica ou a camada social a que pertence o falante; va-
riedade" (DICIONÁRIO AURÉLIO SÉCULO XXI, 1999).
5) Endogâmicos: relacionados ao mesmo grupo, quer por
parentesco, classe, raça ou cultura.
6) Fatores etiológicos: são fatores que podem causar perda
de audição. Na maioria das vezes, os fatores que causa-
ram a deficiência auditiva em crianças são desconhecidos.
7) Fonema: menor unidade sonora de uma língua que es-
tabelece contraste de significado para diferenciar pala-
vras. Por exemplo, a diferença entre as palavras pato e
mato, quando faladas, está apenas no primeiro fonema:
p na primeira e m na segunda.

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26 © Língua Brasileira de Sinais

8) Gestos e pantomimas: representação corporal.


9) Inclusão: "[...] não se resume na simples inserção de
pessoas deficientes no mundo do qual têm sido geral-
mente privadas. Inclusão é um processo que reitera
princípios democráticos de participação social plena.
Neste sentido, a inclusão não se resume a uma ou algu-
mas áreas da vida humana, como, por exemplo, saúde,
lazer ou educação. Ela é uma luta, um movimento que
tem por essência estar presente em todas as áreas da
vida humana, inclusive a educacional. Inclusão se refere,
portanto, a todos os esforços no sentido da garantia da
participação máxima de qualquer cidadão em qualquer
arena da sociedade em que viva, à qual ele tem direito,
e sobre a qual ele tem deveres" (SANTOS, 2009, p. 12).
10) Invasivo: que envolve penetração em um organismo ou
em parte dele (por exemplo, por incisão).
11) Mitos: neste estudo, mitos são considerados como in-
verdades, ou seja, como "coisa irreal", utópica.
12) Patogênese: as primeiras forças que criam o estímulo pato-
lógico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar.
13) Pidgin: nome dado a cada um dos códigos linguísticos
criados a partir uma mistura de línguas e que servem
de meio de comunicação entre os falantes de idiomas
diferentes. Em geral, surgem de forma espontânea, têm
gramáticas rudimentares, improvisadas, com um voca-
bulário restrito, e não são aprendidas de forma nativa.
14) Presbiacusia: de acordo com a Academia Brasileira de
Otologia, é o envelhecimento natural do ouvido humano,
resultante do conjunto de alterações degenerativas de
todo o aparelho auditivo. Caracteriza-se por uma perda
bilateral da audição para sons agudos, acompanhada, ge-
ralmente, por perda desproporcional da capacidade de
reconhecer a fala, sem história prévia de doença sistêmica
ou auditiva severa. A perda é gradual e progressiva.
15) Recrutamento: fenômeno auditivo em que a incapacida-
de de ouvir sons, geralmente agudos e baixos (como 50
dB), é acompanhada por uma intolerância paradoxal a
sons mais altos (como 80 dB), frequentemente com dis-
torção deste.
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

16) SFPS: Surdos filhos de pais surdos.


17) SFPO: Surdos filhos de pais ouvintes.
18) Surdo: adotaremos o conceito de surdo conforme o Art.
2º do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que
define a pessoa surda como "aquela que, por ter per-
da auditiva, compreende e interage com o mundo por
meio de experiências visuais, manifestando sua cultura
principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais
– Libras" (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm>).
19) Teste de Apgar: teste realizado no primeiro minuto de
vida do bebê e cinco minutos após o nascimento. Foi cria-
do nos EUA, em 1952, pela anestesiologista Virgínia Apgar.
Ele avalia cinco características: frequência de batimentos
cardíacos, cor da pele, respiração e intensidade do cho-
ro, tônus muscular e resposta a estímulos. Para cada uma
delas é dada uma nota de zero a dois. Quanto mais alta a
soma, melhor terá sido o estado do bebê ao nascer.

Esquema dos conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Con-
teúdo Língua Brasileira de Sinais. O mais aconselhável é que você
mesmo faça seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo seu
mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o seu
conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-

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28 © Língua Brasileira de Sinais

mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-


to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e
externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tornar
significativa a sua aprendizagem, transformando seu conhecimen-
to sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabelecendo
uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que
já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do site
disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapasconceitu-
ais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 28 mar. 2012).
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Brasileira de Sinais.

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© Caderno de Referência de Conteúdo

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Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo Língua

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29
30 © Língua Brasileira de Sinais

Como você pode observar, esse Esquema lhe apresenta uma


visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo. Ao segui-
-lo, você poderá transitar entre um e outro conceito e descobrir
o caminho para construir seu processo de ensino-aprendizagem.
Por exemplo, o conceito de bilinguismo implica você reconhecer
o surdo como detentor de uma cultura surda, bem como a impor-
tância da língua de sinais no desenvolvimento cognitivo, linguístico
e emocional do surdo, podendo garantir a ele a oportunidade de
igualdade de direitos e o exercício pleno de sua cidadania. Sem
o domínio conceitual dessas relações explicitado pelo esquema,
talvez não se entenda a importância da língua de sinais na vida da
pessoa com surdez.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vêm se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões avaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com a prática do ensino de Língua Brasileira de Sinais
pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim,
mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado,
você estará se preparando para a avaliação final, que será disser-
tativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar
seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua
prática profissional.
© Caderno de Referência de Conteúdo 31

Bibliografia básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos deste Caderno de Referência de Conteúdo, pois relacionar
aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma
boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida
você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo
de emancipação do ser humano. É importante que você se atente
às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes
nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas
com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui-
lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se
conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce-
bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele
à maturidade.
Você, como aluno do curso de graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, com a interação com seus colegas. Suge-
rimos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.

Claretiano - Centro Universitário


32 © Língua Brasileira de Sinais

É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu


caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas poderão ser
utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.
EAD
Escolarização dos
Surdos:
Marcos Históricos

1
e Abordagens
Educacionais

1. OBJETIVOS
• Conhecer e caracterizar a história da educação dos surdos.
• Compreender e identificar as abordagens educacionais e
suas repercussões na escolarização dos surdos.
• Compreender e demonstrar a importância da língua de
sinais para a educação de surdos.

2. CONTEÚDOS
• Aspectos históricos da educação dos surdos.
• Abordagens educacionais: oralismo, comunicação total e
bilinguismo.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
34 © Língua Brasileira de Sinais

1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos explici-


tados no Glossário e sua correlação com o Esquema de
Conceitos-chave. Isso poderá facilitar sua aprendizagem
e seu desempenho.
2) Organize seu cronograma. Lembre-se de anotar ou grifar
o que considerar mais importante nas leituras. Isso faci-
litará seus estudos para a avaliação final.
3) Consulte o site do INES, disponível em: <www.ines.gov.
br>. Acesso em: 28 mar. 2012, para seu trabalho e ser-
viços. Nele, você poderá acessar o Dicionário de Língua
Brasileira de Sinais e a Revista Espaço, um dos mais im-
portantes veículos de divulgação de pesquisas na área
da surdez, da educação de surdos e da língua de sinais.
4) Ao final desta unidade, você encontrará algumas ques-
tões autoavaliativas. Responda todas as questões e, em
caso de dúvidas, entre em contato com o seu tutor e
com os seus colegas na Sala de Aula Virtual para solu-
cioná-las.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Vamos iniciar a primeira unidade de estudo de Língua Brasi-
leira de Sinais, dando continuidade aos temas abordados na aula
presencial.
Um de nossos objetivos, nesta Caderno de Referência de
Conteúdo, é propiciar a você a compreensão sobre a função da
língua de sinais na vida do sujeito surdo e, especificamente, na sua
escolarização.
Então, é preciso que, inicialmente, você conheça quem é o
sujeito surdo, a história da educação dos surdos no Brasil e com-
preenda os princípios que fundamentam as abordagens educacio-
nais que orientaram a educação desses alunos ao longo da histó-
ria, que são: oralismo, comunicação total e bilinguismo.
Antes de direcionar nosso estudo aos aspectos históricos da
educação dos surdos, é importante destacar que as pesquisas so-
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 35

bre a Língua Brasileira de Sinais e a sua relação com a educação


dos surdos vêm sendo realizadas com mais ênfase apenas nas últi-
mas duas décadas no Brasil.
Como consequência desses estudos e dos movimentos da
comunidade surda, em 2002, a Língua Brasileira de Sinais foi reco-
nhecida pela Lei nº 10.436/02 (ver Tópico E-Referências) como a
língua oficial das pessoas surdas no Brasil. Essa lei foi regulamen-
tada, em 2005, pelo Decreto 5.626/05 (ver Tópico E-Referências).
A conquista mais recente da comunidade surda foi a Lei nº 12.319,
de 01/09/2010, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (ver Tópico E-Referências), que regulamentou a profissão de
Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais.
Vale ressaltar que o status que a Libras conquistou na atuali-
dade não ocorreu ao acaso, muito pelo contrário, foi resultado de
muita luta da comunidade surda ao longo de uma história marcada
pela opressão e pela imposição dos ouvintes.
Essa é uma história muito interessante, e você conhecerá al-
guns de seus principais aspectos no tópico a seguir.

5. ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS


Atualmente, a educação dos alunos surdos tem sido discuti-
da na interface entre a educação inclusiva e a educação bilíngue e
bicultural.
Mas qual a relação desses conceitos com a educação dos
surdos? Vamos compreender cada um deles.
A inclusão escolar é um movimento que faz parte de um outro
maior, denominado inclusão social, que tem sua origem nos ques-
tionamentos acerca das práticas discriminatórias e excludentes.
Com base nos princípios da educação inclusiva, hoje se pre-
coniza o atendimento aos alunos surdos nos contextos comuns de
ensino. Essa diretriz tem provocado inúmeros questionamentos

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36 © Língua Brasileira de Sinais

acerca dos limites da escola em atender às necessidades educa-


cionais dos alunos surdos, uma vez que ela é organizada por e para
ouvintes.
Perante essa realidade, a escola bilíngue e bicultural tem
sido vista como aquela que pode garantir melhores condições para
o aluno surdo.
Você pode estar se perguntando: como é uma escola bilín-
gue e bicultural?
A escola bilíngue e bicultural deve prever mudanças na prá-
tica educativa e na sua organização para garantir, além do acesso à
sala de aula, iguais oportunidades de apropriação do conhecimen-
to. Em outras palavras, as instituições com essas características
podem se reorganizar e garantir o acesso do aluno surdo em todos
os seus níveis, o sucesso nos estudos e a interação plena com co-
legas surdos, ouvintes e professores. Enfim, nas escolas bilíngues
e biculturais, os alunos surdos poderão encontrar condições para
serem felizes e aprender.
Uma das condições essenciais para que o aluno usufrua da
escola plenamente é ele encontrar nesse ambiente a sua língua, a
de sinais, como língua de instrução e de interação com seus pares,
com os colegas ouvintes e com os professores.
Essa condição, embora entendida hoje como ideal, não está
disponível nos contextos de ensino. Ela apenas se encontra pre-
sente nos textos teóricos e legais mais atuais. Na prática, ainda,
são incipientes as escolas em que os alunos podem se comunicar
com seus colegas e professores por meio da língua de sinais.
A realidade, infelizmente, ainda é bem diferente para a maio-
ria dos alunos surdos brasileiros.
Na história da educação dos surdos, houve o predomínio do
oralismo. Na década de 1980, surgiu a comunicação total e, no
final da década de 1990, o bilinguismo.
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 37

A seguir, você irá compreender cada uma dessas abordagens.

6. ORALISMO
A escolarização da criança surda se organizou, ao longo da
história, em função dos fundamentos do oralismo. Segundo Gol-
dfeld (1997), o oralismo é uma abordagem educacional que visa à
integração da criança surda na comunidade ouvinte, enfatizando o
aprendizado da língua oral do país.
O objetivo dessa abordagem é fazer a reabilitação da criança
surda em direção à normalidade, negando, dessa maneira, a sur-
dez, e enfatizando, predominantemente, a aquisição da fala.
Hoje, o oralismo é muito criticado. Vamos compreender o
motivo.
De acordo com Skliar (1999), o oralismo está fundamentado
pela visão clínico-terapêutica da surdez. Nessa perspectiva, a surdez é
vista como deficiência, limite e deficit biológico e pode ser minimizada
pelo desenvolvimento da função auditiva, que possibilitaria à criança
o aprendizado da língua majoritária do país, no caso do Brasil, a língua
portuguesa falada, e a integração na comunidade ouvinte.
Em outras palavras, o oralismo vê o surdo como um ouvinte
com defeito e entende que a aquisição da oralidade representa a
possibilidade de igualar os surdos aos ouvintes. É como se o surdo
deixasse de ser surdo ao aprender a falar, já que, segundo essa
abordagem, a ausência da fala seria o aspecto que o diferiria dos
ouvintes. Daí a razão da ênfase na oralidade e nos caminhos tera-
pêuticos que poderiam garantir o seu desenvolvimento.
Ao longo da história, por influência do oralismo, os alunos
surdos foram proibidos de utilizar os sinais nos contextos escolares
e nos núcleos familiares. Sabe-se que os médicos, fundamentados
no oralismo e na visão clínico-terapêutica, orientavam as famílias a
proibir o uso dos sinais, bem como o contato com outros surdos.

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38 © Língua Brasileira de Sinais

Além de ficarem proibidos de usar os sinais e de interagir com


seus pares, os surdos foram, também, orientados por programas de
ensino oralistas, que negavam a surdez, enfatizavam o ensino da fala
em detrimento do desenvolvimento linguístico, cognitivo, afetivo e
intelectual e, ainda, entendiam os sinais como uma comunicação de
segunda categoria que deveria ser duramente tolhida.
Para que você compreenda melhor o significado desse qua-
dro, convidamos você a imaginar a situação de uma criança surda
que não ouve a voz humana vivendo com um grupo de familiares
ouvintes que não se utilizam da língua de sinais e que buscam uma
interação apenas por meio da oralidade. Essa é a situação da maio-
ria dos surdos, pois 95% deles são filhos de ouvintes e não encon-
tram no interior de seus lares interlocutores que utilizam a língua
de sinais (LACERDA, 2000).
E como fica, então, a educação fundamentada no oralismo?
A educação inspirada no oralismo, consequentemente, re-
alizou práticas pedagógicas reparadoras e corretivas da surdez,
visando aproximar o surdo do modelo ouvinte e, assim, negar a
surdez e a língua de sinais.
Dessa forma, o professor de turmas de surdos foi orientado
pelas diretrizes curriculares oficiais a ensinar o surdo a falar por
meio de técnicas oralistas fundamentadas na visão clínico-tera-
pêutica. Assim, o trabalho pedagógico destinava-se mais ao ensino
da fala do que ao ensino dos conteúdos curriculares.
O oralismo encontrou na história da educação brasileira pon-
tos para se fortalecer, como, por exemplo, nos ideais políticos e
econômicos das décadas de 1950 e 1960 no Brasil. Os governos
desse período se preocuparam com o progresso do país, portanto
o combate ao analfabetismo era uma meta fortemente presente
nas plataformas de gestão.
Segundo Ghiraldelli Jr. (2001), a altíssima taxa de analfabe-
tos brasileiros ameaçava, então, o desenvolvimento pretendido,
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 39

exigindo a implementação de campanhas de alfabetização. Nesse


contexto, se para os ouvintes interessava ensinar a ler e a escre-
ver, para o surdo interessava ensinar a falar como requisito para a
aprendizagem da leitura e da escrita, como possibilidade de me-
lhoria e igualdade das condições de vida e como caminho para a
convivência com os ouvintes.
Outro argumento a favor do oralismo, e que o protegeu das
críticas nessa época, foi que, mediante os altos índices de anal-
fabetismo dos ouvintes, o analfabetismo do surdo não era visto
como uma consequência dessa abordagem, mas, sim, como uma
regra geral no país. Portanto, o oralismo representou o ideal tanto
da área médica como na área das políticas educacionais, resultan-
do na sua hegemonia durante praticamente todo o século 20.
Em relação às modalidades de ensino, cabe considerar que
a classe especial e a sala de recursos como apoio à classe comum,
todas orientadas pelo oralismo, foram as que prevaleceram no
atendimento aos alunos surdos e que estiveram mais facilmente
disponíveis. Isso não significa que não existiram outras modalida-
des, como a escola de surdos, entretanto elas foram incipientes.
Um exemplo é o Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), fundado em 1857 no Rio de Janeiro, que embora seja uma
escola para surdos desde a sua fundação, apenas durante suas pri-
meiras décadas de existência pôde desenvolver um trabalho edu-
cacional que valorizasse a língua de sinais. A partir de 1880, po-
rém, sofreu a repercussão do Congresso de Milão (ver Glossário) e
passou a se orientar unicamente pelo oralismo.
Segundo Rocha (1997), o INES, por responder diretamente
ao governo federal, ao Ministério da Educação (MEC), tem influen-
ciado as políticas nacionais e, assim, foi sempre pioneiro em se
ajustar às diretrizes oficiais para a educação dos surdos, servindo
de referência para os demais institutos e sistemas de ensino pelo
Brasil afora.

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40 © Língua Brasileira de Sinais

Além do INES, existiram outras escolas para surdos nos cen-


tros urbanos maiores, como o Instituto Santa Terezinha em São
Paulo. Entretanto, cabe destacar, mais uma vez, que as escolas
para surdos sempre existiram em número reduzido, e o trabalho
baseava-se, predominantemente, no oralismo. Portanto, tais mo-
delos não correspondem à escola de surdos bilíngue que hoje é
defendida por surdos e pesquisadores.
Segundo Dorziat (1995), apenas na década de 1980 essas
instituições começaram a se modificar no sentido de introduzir a
língua de sinais às suas práticas pedagógicas, inicialmente com a
comunicação total e, atualmente, com o bilinguismo.
Assim, o oralismo consolidou-se no final do século 19, forta-
lecendo-se, como já apontamos, no século 20, e não foi questiona-
do por quase um século, ou seja, de 1880 até, aproximadamente,
1980. Nessa época, essa abordagem começou a ser amplamente
questionada em consequência de seus resultados insatisfatórios
na educação do sujeito surdo. Alunos surdos, sujeitos de progra-
mas educacionais pautados no oralismo, apresentaram precários
resultados acadêmicos e de desenvolvimento da oralidade.
Segundo Lacerda et al. (2006), estudos apontam que os sur-
dos, mesmo depois de muitos anos de escolarização, não apresen-
tam resultados acadêmicos satisfatórios e têm baixa escolaridade,
ou, como aponta Zanata (2004), poucos alunos surdos usufruíram
da escola comum de forma mais específica.
É importante você compreender que, apesar de os estudos
mostrarem os resultados insatisfatórios do oralismo, ele ainda per-
manece orientando parte das intervenções educacionais voltadas
para alunos surdos.
O oralismo sempre correspondeu à expectativa médica
(SKLIAR, 2003), das famílias e dos profissionais (HOFFMEISTER,
1999), mesmo sofrendo restrições da comunidade surda.
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 41

Segundo Skliar (1999), apesar de os surdos se oporem ao


oralismo, eles nunca puderam participar das discussões acerca da
sua vida: ela sempre foi discutida e decidida pelos ouvintes, des-
respeitando seu direito de expressão.
Os surdos, apesar da proibição do uso dos sinais, promulgada
pelo Congresso de Milão, insistiram em seu uso, utilizando-se dessa
modalidade de comunicação nos contextos informais e nas comu-
nidades surdas. Dessa maneira, fortaleceram-se politicamente e,
como consequência, conquistaram a oficialização da Língua Brasilei-
ra de Sinais ocorrida em 2002, com a já citada Lei nº 10.436.
Essa lei reconheceu a Língua Brasileira de Sinais como meio
oficial de comunicação e expressão e determinou o poder público
e as empresas concessionárias de serviços públicos como formas
institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão. Além disso, deter-
minou que os sistemas educacionais do país devem garantir nos
cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de
Magistério, em seus níveis médio e superior, o ensino da Libras
como componente curricular. Em 22 de dezembro de 2005, ela foi
regulamentada pelo Decreto nº 5.626/05.
Para concluirmos essa parte de nossos estudos, vale desta-
car que os sinais estiveram presentes nas instituições de ensino
viabilizando a comunicação entre os surdos e entre eles e os ouvin-
tes. Assim, Lacerda (1998, p. 74) complementa dizendo que:
[...] apesar da proibição dos oralistas, mesmo em plena vigência do
oralismo, no uso de gestos e sinais, raramente se encontrava uma es-
cola ou instituição para surdos que não tivesse desenvolvido, às mar-
gens do sistema, um modo próprio de comunicação através dos sinais.

Retomando a história da educação dos surdos, o objeti-


vo maior do oralismo é ensinar o surdo a falar e isso não havia
sido realizado satisfatoriamente. Essa abordagem começou a ser
questionada nas décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos e no
Brasil, respectivamente, contribuindo para o surgimento de uma
corrente: a comunicação total.

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42 © Língua Brasileira de Sinais

A seguir, você irá conhecer os princípios da comunicação total.

7. COMUNICAÇÃO TOTAL
A comunicação total é uma filosofia de trabalho voltada ao
atendimento e à educação de pessoas surdas. Diferentemente do
oralismo, a comunicação total entende o surdo como uma pessoa,
e não como alguém portador de uma patologia médica, e entende
a surdez como um fenômeno com significações sociais.
A comunicação total, como o próprio nome indica, não exclui
técnicas e recursos para estimulação auditiva; adaptação de apa-
relho de amplificação sonora individual; leitura labial; oralização;
leitura e escrita. Pelo contrário, segundo Ciccone (1990), prega
uma completa liberdade na prática de quaisquer estratégias que
permitam o resgate de comunicação, seja por meio da oralidade,
dos sinais, da soletração ou pela combinação desses modos.
Com a influência da comunicação total, surgiram diversos siste-
mas de sinais que tinham como objetivo ensinar a língua majoritária.
O sistema de sinais mais utilizado no Brasil foi o português sinalizado.
Nesse ponto, cabe fazer algumas considerações. Se por um
lado o surgimento da comunicação total pode ter representado
um avanço ao priorizar a comunicação, por outro, reforçou a ênfa-
se na língua majoritária.
Para que isso fique mais claro, vale reforçar que a comunica-
ção total, embora contemple o uso dos sinais, este ocorre na estru-
tura da língua portuguesa e não na estrutura da língua de sinais.
Esse mecanismo é denominado de português sinalizado, ou seja, é
a língua portuguesa produzida em sinais. Desse modo, permanece
a ênfase na língua majoritária e na sua estrutura gramatical.
O português sinalizado é muito utilizado por ouvintes, espe-
cialmente em função da falta de fluência na língua de sinais. O que
acaba acontecendo, nesse caso, é o uso dos sinais, da língua de
sinais, na estrutura da língua portuguesa, simultaneamente.
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 43

Dessa maneira, o português sinalizado não garante melho-


rias significativas para a educação dos surdos. Pelo contrário, o
surdo não compreende muitas vezes o que é comunicado por meio
desse sistema, pois o resultado desse processo é o uso dos sinais
em uma estrutura gramatical que ele desconhece, o que impede a
construção do sentido daquilo que é produzido.
A comunicação total expandiu-se no território nacional no
final da década de 1980 e no início da década de 1990. Nesse perí-
odo, segundo Capovilla (2002), o uso dos sinais fora admitido nas
escolas, entretanto, com o objetivo de auxiliar na aquisição da lín-
gua falada e escrita.
De acordo com Ferreira Brito et al. (1993), a comunicação
total e o uso do português sinalizado foram criticados por vários
pesquisadores e pela própria comunidade surda em virtude do uso
simultâneo de duas línguas diferentes, incompatíveis em organi-
zação e funcionamento e por apresentarem morfologia e sintaxe
bem distintas.
Os limites em relação ao uso simultâneo dos sinais e da lín-
gua majoritária, no caso do Brasil a Língua Portuguesa, foram per-
cebidos nos primeiros anos de surgimento da comunicação total.
Dessa maneira, mesmo com a comunicação total (o uso dos
sinais e dos demais recursos dessa comunicação), a aprendizagem
da leitura e da escrita pela criança surda continuou limitada.
Entretanto, destacamos um aspecto importante relacionado
ao surgimento da comunicação total: favorecimento do contato do
surdo com os sinais, antes proibido pelo oralismo. Essa liberação
possibilitou aos surdos a apropriação da língua de sinais no conta-
to com outros surdos fluentes, bem como sua divulgação em con-
textos escolares e não escolares.
A consciência acerca da descontinuidade entre a fala e os
sinais e os resultados insatisfatórios da comunicação total fizeram
surgir uma outra abordagem: o bilinguismo.

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44 © Língua Brasileira de Sinais

8. BILINGUISMO
Os pilares da educação bilíngue para surdos defendem o di-
reito e a necessidade desses indivíduos adquirirem a língua de si-
nais como primeira língua no contato com surdos adultos usuários
dessa língua (LODI, 2000) e a língua majoritária do país como se-
gunda. A educação bilíngue, ou o bilinguismo, tem como objetivo
educacional tornar presentes duas línguas no contexto escolar, no
qual estão inseridos alunos surdos (LACERDA, 2006). Além da pre-
sença da língua de sinais, o currículo de uma escola bilíngue deve
se orientar, também, pelas questões sociais, políticas e culturais da
comunidade surda (KYLE, 1999).
O bilinguismo tem sido considerado como a abordagem que
pode propiciar ao surdo as condições, ainda não encontradas na
escola, de que necessita para realizar seu potencial.
Estudos linguísticos realizados nos EUA, nas décadas de 1960
e 1970, por vários pesquisadores (QUADROS; KARNOPP, 2004) a
respeito da estrutura da língua de sinais, da sua gramática e com-
plexidade, que desmitificaram a ideia de que os sinais não pas-
savam de mímica e pantomima, contribuíram para o surgimento
do bilinguismo. Vale ressaltar que a insatisfação dos surdos com a
proibição da língua de sinais e a mobilização de diversas comuni-
dades a favor do uso dessa língua favoreceram, também, o surgi-
mento dessa abordagem.
No Brasil, os estudos sobre a língua de sinais utilizada pelos
surdos passaram a receber mais atenção a partir do final da déca-
da de 1980, com maior sistematização na década de 1990. Como
exemplo desses estudos, temos os realizados por Ferreira Brito
(1990, 1993 e 1995) e Felipe (1989).
Tais estudos reconheceram essa língua como a primeira (L1)
dos surdos no Brasil. Foi denominada, inicialmente, de Língua de
Sinais Brasileira (LSB), seguindo o padrão internacional de identifi-
cação das línguas de sinais, mas nacionalmente tornou-se conhe-
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 45

cida como Língua Brasileira de Sinais (Libras), reconhecida oficial-


mente em 2002, regulamentada pelo Decreto nº 5.626/05, como
mencionado anteriormente.
De acordo com os pressupostos do bilinguismo, a língua
de sinais e a língua falada não podem ser produzidas simultane-
amente. Assim, segundo Capovilla (2002), essa nova corrente de
pensamento tem a intenção de levar o surdo, diferentemente da
comunicação total e do oralismo, a se apropriar, primeiramente,
da língua de sinais e depois a aprender a língua majoritária do país,
na modalidade escrita.
Para Lacerda (1998, p. 77):
O modelo de educação bilíngüe contrapõe-se ao modelo oralista
porque considera o canal viso-gestual de fundamental importância
para a aquisição de linguagem da pessoa surda. E contrapõe-se à
comunicação total porque defende um espaço efetivo para a língua
de sinais no trabalho educacional; por isso advoga que cada uma
das línguas apresentadas ao surdo mantenha suas características
próprias e que não se misture uma contra a outra.

Os adeptos do bilinguismo concordam que a língua de si-


nais é a única que os surdos poderiam dominar plenamente e que
supriria todas as suas necessidades de comunicação e cognitivas
(DORZIAT et al., 1999), além de propiciar ao surdo atingir a termi-
nalidade escolar equiparada à dos ouvintes (DIAS, 2004).
Para os pesquisadores e profissionais adeptos do bilinguismo,
ele pode garantir à criança surda o desenvolvimento linguístico e
cognitivo semelhante ao observado em crianças ouvintes da mes-
ma idade. Além disso, vêem o bilinguismo como um caminho mais
adequado para os alunos surdos, pois reconhecem a língua de sinais
como primeira língua (L1) desses indivíduos (BEHARES et al., 1993).
Apesar do reconhecimento do bilinguismo como a aborda-
gem que pode garantir melhores condições para o desenvolvimen-
to da pessoa surda, é importante destacar que a sua implementa-
ção não é algo simples de se organizar, especialmente porque o
bilinguismo relacionado ao surdo envolve línguas de modalidades

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46 © Língua Brasileira de Sinais

diferentes: uma visual-espacial e outra oral-auditiva.


Além disso, Quadros (2005) sintetiza mais uma série de espe-
cificidades do bilinguismo quando relacionado aos surdos que têm
dificultado a organização de contextos bilíngues para eles no Bra-
sil. Algumas dessas especificidades estão apresentadas a seguir:
1) Surdos de pais ouvintes: os pais não conhecem a língua de
sinais brasileira e, na maior parte dos casos, insistem em in-
teragir com seus filhos apenas pela língua portuguesa oral.
2) O contexto de aquisição da língua de sinais: o contexto em
que o surdo pode adquirir a língua de sinais é diferente da-
quele no qual os ouvintes adquirem a língua majoritária do
país, ou seja, na interação com usuários dessa língua desde
o nascimento. Os surdos têm adquirido a língua de sinais
no Brasil muito tardiamente e depois de experiências mal-
sucedidas de aquisição do português falado, pois as escolas
e as famílias não oportunizam o encontro criança surda/
adulto surdo sinalizador, o que é uma condição essencial
para que a criança surda se aproprie da língua de sinais.
3) A língua portuguesa representa uma ameaça para os
surdos: os surdos resistem em aprender a língua portu-
guesa, pois, por muito tempo, eles foram impedidos de
usar a língua de sinais por ela representar uma ameaça
à aprendizagem da língua majoritária do país. Nesse con-
texto, a língua portuguesa foi concebida como a melhor,
a língua oficial, a língua superior em detrimento da lín-
gua de sinais, vista como secundária e entendida como
apenas um recurso a ser utilizado mediante o fracasso do
surdo na aquisição da língua portuguesa. Como resposta
a essa relação de poder, na qual ao surdo foi reservada
uma posição de oprimido (pelo ouvinte na imposição de
seus valores), hoje o surdo assume uma postura defensiva
diante do português. Nesse ponto, cabe considerar que
será preciso muito diálogo entre surdos e ouvintes na ten-
tativa de negociar o espaço das línguas, portuguesa e de
sinais, na vida e na escolarização dos sujeitos surdos.
4) A idealização institucional e das políticas públicas de
que os surdos devem aprender o português: apesar de
a língua de sinais ser admitida nos espaços escolares, a
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 47

língua portuguesa ainda continua sendo a mais impor-


tante, a língua de acesso ao conhecimento. A língua de
sinais é utilizada apenas como um recurso, um instru-
mental, inclusive para justificar a organização da "inclu-
são" do aluno surdo nas classes de ouvintes, entretanto,
dessa maneira, acaba por legitimar a exclusão.
Os surdos querem aprender em língua de sinais e, princi-
palmente os mais politizados, defendem que o ensino deveria se
pautar nela. Nesse modelo, os professores ou instrutores surdos
ganham poder em relação aos professores ouvintes, mesmo em
relação àqueles altamente qualificados em língua de sinais, pois
eles reconhecem que o surdo é quem sabe mais a língua de sinais
e quem tem mais condição de ensinar as crianças surdas.
Há, nesse conflito, também, uma resistência do surdo e uma
tentativa de ele se afirmar perante as imposições dos ouvintes. So-
bre essa questão, podemos prever que tem de haver ainda muita
negociação ouvinte-surdo, buscando-se estabelecer um ponto de
equilíbrio na relação de poder existente entre esses dois grupos,
especificamente dos ouvintes sobre os surdos e entre língua de
sinais e língua portuguesa e, dessa maneira, evoluindo na consoli-
dação do bilinguismo na educação dos surdos.
Depois dessa exposição sobre o bilinguismo, você deve estar
se perguntando: como organizar uma educação bilíngue para sur-
dos que atenda, ao mesmo tempo, às necessidades desses alunos
como sujeitos visuais e usuários de uma língua visual-espacial, a
língua de sinais, e aos pressupostos da educação inclusiva?
Esse é o desafio que está posto a você, futuro professor.
Em primeiro lugar, é preciso estar consciente de que a orga-
nização dessas condições requer:
1) Conscientização em relação ao estatuto linguístico da
língua de sinais, ou seja, reconhecê-la como uma língua
que apresenta todos os níveis de análise.
2) Reorganização significativa das escolas, envolvendo
mudanças na organização, nos espaços, nas formas de

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48 © Língua Brasileira de Sinais

interação, na formação dos professores visando formar


professores bilíngues, professores surdos e intérpretes
de língua de sinais.
3) Reconhecer que o contato da criança surda com adultos
surdos usuários da língua de sinais representa um dife-
rencial significativo para o seu desenvolvimento. Nesse
sentido, o professor deve orientar os familiares sobre
essa questão, valorizar a presença do surdo adulto na es-
colarização da criança e criar condições para que o surdo
adulto esteja presente nos espaços escolares, como um
forte aliado do professor ouvinte.
4) Reorganizar o currículo com base em uma perspectiva
visual-espacial para garantir o acesso do aluno surdo a
todos os conteúdos escolares na sua própria língua, a
língua de sinais brasileira. Isso significa que é preciso in-
verter a lógica que orienta a organização da escola com
base na perspectiva ouvinte e orientá-la com base na
perspectiva surda. Assim, a estará sendo reconhecida a
diferença e garantida a igualdade de condições de aces-
so ao conhecimento e à aprendizagem.
Para terminar, cabe destacar a importância que o adulto sur-
do ganha perante a educação bilíngue. Como já foi dito, ele pode
contribuir muito com o professor ouvinte na sala. Ele pode favore-
cer a aquisição da língua de sinais pelas crianças surdas e ensiná-la
aos professores e familiares ouvintes. Além disso, pode atuar em
situações pedagógicas, de ensino dos conteúdos escolares, sob a
orientação dos professores ouvintes.
A participação do surdo adulto fluente em língua de sinais
em programas educacionais bilíngues voltados para crianças sur-
das foi valorizada por Dias e Pedroso (2000) e Dias, Caporali e Pe-
droso (2001). Tais pesquisadoras relataram os benefícios conquis-
tados a partir da inserção de um surdo adulto em programa de
atendimento bilíngue.
O surdo pôde contribuir no ensino da língua portuguesa e na
aquisição da língua de sinais, contando histórias em Libras a crian-
ças surdas, no ensino da língua de sinais a profissionais e familiares
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 49

ouvintes e na análise de dados e elaboração de artigos científicos


relacionados à implementação de programas bilíngues e ao ensino
da língua portuguesa para surdos.
Quando a criança surda tiver a chance de, no início do seu
desenvolvimento, contar com pais dispostos a aprender a língua
de sinais com adultos surdos, com colegas surdos, quando ela nar-
rar em sinais e tiver escuta em sinais, a dimensão do seu processo
educacional será outra (SOUZA, 2000 apud QUADROS, 2005).
O fato de passar a ter contato com a língua portuguesa, tra-
zendo conceitos adquiridos na sua própria língua, possibilitará um
processo muito mais significativo. A leitura e a escrita podem pas-
sar a ter outro significado social se as crianças surdas se apropria-
rem da leitura e da escrita de sinais, isso potencializará a aquisição
da leitura e da escrita do português (QUADROS, 2005, p. 33).
De acordo com o exposto nesta unidade, esperamos que
você tenha compreendido os pilares que sustentam a abordagem
bilíngue. Além disso, espera-se que esteja convencido de que a
participação do adulto surdo fluente em língua de sinais é funda-
mental na organização da educação bilíngue e da própria educação
inclusiva, tendo em vista a garantia do direito dos alunos surdos a
uma educação de qualidade.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Ao finalizar seus estudos sobre a história da educação dos
surdos e as abordagens educacionais destinadas à pessoa com sur-
dez, procure responder para si mesmo às questões a seguir.
1) Sintetize, em poucas linhas, o processo histórico da educação dos surdos
desde o século 16 até a atualidade.

2) Descreva as três abordagens educacionais voltadas à pessoa com surdez, ou


seja, o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo.

3) Quais as repercussões das abordagens educacionais na escolarização dos


surdos?

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50 © Língua Brasileira de Sinais

4) Explique a importância que a língua de sinais adquiriu para o processo edu-


cacional dos surdos.

5) Como organizar uma educação bilíngue para os surdos que contemple suas
especificidades como usuários de uma língua visual especial e os pressupos-
tos da educação inclusiva?

10. CONSIDERAÇÕES
Conforme estudamos, a história da educação dos surdos
teve o oralismo como o caminho educacional predominante. En-
tretanto, ele não propiciou resultados satisfatórios e representou
um mecanismo de poder do ouvinte sobre o surdo ao legitimar o
domínio de um grupo sobre o outro pela obrigatoriedade da aqui-
sição da fala.
Os resultados, então, insatisfatórios do oralismo, fizeram
surgir uma segunda abordagem: a comunicação total. Essa, em-
bora contemplasse o uso dos sinais, não reconheceu a língua de
sinais como língua. Assim, estruturou-se com base no uso dos
sinais segundo a língua majoritária. Esse uso simultâneo foi en-
tendido como incompatível, e os resultados também não foram
satisfatórios.
Em consequência disso, surgiu uma terceira abordagem: o
bilinguismo.
Essa abordagem encontra-se em plena expansão. É aceita
pela comunidade surda e pelos profissionais e pesquisadores que
entendem a surdez como diferença, e não como deficiência.
Ainda há muito que se pesquisar sobre o bilinguismo. En-
tretanto, os estudos realizados em outros países e no Brasil estão
mostrando resultados muito satisfatórios no campo educacional e
também em relação ao desenvolvimento afetivo, cognitivo, social,
intelectual e linguístico, apontando que esse pode ser um caminho
mais apropriado para a educação dos surdos.
© U1 - Escolarização dos Surdos: Marcos Históricos e Abordagens Educacionais 51

Na próxima unidade, estudaremos os aspectos relacionados


à audição normal, bem como os problemas que acometem o sis-
tema auditivo. Iremos enfocar as implicações que a surdez pode
acarretar para o processo educacional dos surdos.

11. E-REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 16
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gov.br/ccivil/leis/2002/L10436.htm>. Acesso em: 16 dez. 2010.
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12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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ZANATA, E. M. Práticas pedagógicas inclusivas para alunos surdos numa perspectiva
colaborativa. São Carlos: UFSCar, 2004 (Tese de Doutorado).
EAD
Audição e Surdez

2
1. OBJETIVOS
• Analisar o processo normal da audição.
• Demonstar o que é a deficiência auditiva/surdez e refletir
sobre ela.
• Reconhecer as formas de tratamento e de prevenção da
deficiência auditiva.

2. CONTEÚDOS
• Audição normal.
• Deficiência auditiva/surdez.
• Formas de tratamento e de prevenção da deficiência auditiva.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
54 © Língua Brasileira de Sinais

1) Para que você tenha um bom desenvolvimento no estu-


do deste Caderno de Referência de Conteúdo e compre-
enda os conceitos abordados, é fundamental interagir
com seu tutor e colegas na Sala de Aula Virtual, sanando
suas dúvidas e levantando novos questionamentos acer-
ca dessa temática.
2) Lembre-se de anotar ou grifar o que considerar mais im-
portante nas leituras. Isso facilitará seus estudos para a
avaliação final.
3) Não deixe de realizar a leitura complementar apresenta-
da ao final desta unidade, ela irá ajudá-lo a compreender
uma questão muito importante que aflige a comunidade
surda que é o implante coclear.
4) No final desta unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas. Responda todas as questões e, em caso de
dúvidas, entre em contato com o seu tutor e com os seus
colegas na Sala de Aula Virtual para solucioná-las.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Dando continuidade aos estudos realizados na Unidade 1,
na qual você conheceu a história da educação dos surdos no Brasil
e as abordagens educacionais (oralismo, comunicação total e bi-
linguismo) que orientaram a educação desses alunos ao longo da
história, vamos, nesta unidade, estudar os aspectos relacionados à
audição normal e aos problemas do aparelho auditivo, enfocando
as implicações que uma perda de audição pode acarretar para ao
processo educacional.
Os conteúdos que abordaremos ajudarão você a compre-
ender a configuração do aparelho auditivo e seu funcionamen-
to normal. Trabalharemos, também, a definição e a classificação
das perdas auditivas, suas causas mais frequentes, os métodos de
prevenção, bem como o processo de diagnóstico e reabilitação,
incluindo uma discussão sobre a indicação e a adaptação de próte-
ses auditivas e de implante coclear.
Bons estudos!
© U2 - Audição e Surdez 55

5. AUDIÇÃO
A audição é o meio pelo qual o indivíduo entra em contato
com o mundo sonoro e com as estruturas da língua oral, possibi-
litando, dentre outras coisas, o desenvolvimento da linguagem. A
língua oral é o principal meio de comunicação entre os seres hu-
manos, e a audição participa efetivamente no processo de apren-
dizagem desde os conceitos mais básicos, até a aprendizagem da
leitura e da escrita. Adicionalmente, a audição influencia decisiva-
mente nas relações interpessoais, que permitirão um adequado
desenvolvimento pessoal e emocional (SILVA, KAUCHAKJE e GE-
SUELI, 2003).
Basicamente, a audição desempenha as funções de:
1) Localização e identificação: capacidade de reconhecer-
mos de onde vem um som e qual é a fonte sonora que o
está produzindo.
2) Alerta: capacidade de nos atentarmos para todos os es-
tímulos sonoros que nos rodeiam, como, por exemplo, a
buzina de um carro vindo em nossa direção.
3) Socialização: capacidade de nos relacionarmos, pois é
principalmente pela audição que entramos em contato
com as outras pessoas.
4) Intelectual: grande parte das informações nos é trans-
mitida por meio do código oral.
5) Comunicação: a fala é o meio de comunicação mais utili-
zado pelo homem, e é por meio da audição que a lingua-
gem e a fala se desenvolvem.
Para compreendermos o processo normal da audição, é ne-
cessário conhecer a anatomia do ouvido humano. O nosso ouvido
é formado pela orelha externa, média e interna. Vejamos, agora,
um pouco mais sobre cada uma delas.
Conforme mostra o esquema da Figura 1, a orelha externa
é constituída pelo pavilhão auricular, conduto auditivo externo e
membrana timpânica. Essas estruturas são responsáveis pela cap-
tação e condução do estímulo sonoro.

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56 © Língua Brasileira de Sinais

orelha externa
hélix

cartilagem
concha canal
tragus auditivo
anti-tragus externo

Figura 1 Orelha externa.

A orelha média (Figura 2) assemelha-se a uma caixa preen-


chida por ar. Nela, encontramos os três menores ossos do nosso
corpo: martelo, bigorna e estribo. A orelha média é responsável
pela transformação da energia sonora em energia mecânica, bem
como pela proteção da orelha interna de sons muito intensos, por
meio da contração do músculo estapédio.
estribo janela oval
martelo

membrana do
timpano
cavidade da
orelha média tuba auditiva
bigorna
Figura 2 Orelha média.

Como exemplo, imagine que você fique exposto a um lugar onde


há sons intensos, como uma casa noturna, um show de rock ou uma
rua onde homens trabalham com britadeiras. É devido à ação do mús-
culo estapédio que, ao sair de um desses locais, você tem a sensação
© U2 - Audição e Surdez 57

de ouvido tapado e de não estar ouvindo adequadamente. Após alguns


minutos, esse músculo vai relaxando e sua audição volta ao normal.
A orelha interna (Figura 3) compreende a cóclea e os canais
semicirculares. Nos canais semicirculares, encontram-se as estru-
turas responsáveis pelo equilíbrio. A cóclea é formada por um ór-
gão, chamado órgão de Corti, que transforma a energia mecânica,
proveniente da orelha média, em impulso nervoso.
canais nervo
vestibular
nervo
coclear

janela cóclea
oval

Figura 3 Orelha interna.

Na orelha interna, são realizadas as diferenciações sonoras,


ou seja, o reconhecimento de um som grave e de um som agudo.
Os impulsos nervosos provenientes das células ciliadas são trans-
mitidos para o cérebro, onde irá acontecer a interpretação dos
sons, ou seja, os sons passarão a ter significado para o indivíduo.
Quando uma pessoa apresenta uma dificuldade de interpretação
dos sons detectados, dizemos que ela possui uma Desordem do
Processamento Auditivo Central.
Até aqui, estudamos as partes que compõem o sistema au-
ditivo. Vejamos, agora, de uma forma resumida, como se processa
a fisiologia da audição.
A onda sonora captada pelo pavilhão auricular e conduzi-
da pelo conduto auditivo externo faz a membrana timpânica e o

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58 © Língua Brasileira de Sinais

sistema ossicular (martelo, bigorna e estribo) vibrarem. O estribo


provoca a movimentação da membrana da janela oval, estrutura
que liga a orelha média à orelha interna. Esse movimento provoca
o deslocamento nos líquidos que se encontram dentro da cóclea,
estimulando o órgão de Corti. Ocorre, então, a transmissão do im-
pulso nervoso para o nervo auditivo e deste, passando por diversas
estruturas, para o córtex cerebral, para ser interpretado. Quando
um indivíduo apresenta uma dificuldade na percepção dos sons,
dizemos que ele apresenta uma deficiência auditiva ou surdez.

6. DEFICIÊNCIA AUDITIVA/SURDEZ
A surdez é caracterizada como um problema sensorial não evi-
dente, que acarreta dificuldades na detecção e na percepção dos
sons. Na primeira infância, a presença de qualquer alteração no sis-
tema auditivo pode comprometer o desenvolvimento da criança em
vários aspectos, como o cognitivo, o linguístico e o social.

No Brasil, cerca de 15 milhões de pessoas apresentam algum


tipo de perda auditiva. O Censo de 2000, realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que 3,3% da
população responderam ter algum problema auditivo e, aproxima-
damente, 1% declarou ser incapaz de ouvir. Disponível em: <www.
surdo.org.br>. Acesso em: 12 abr. 2010.

Os fatores etiológicos, isto é, aqueles que podem causar a


perda da audição, podem ocorrer no período pré-natal, perina-
tal ou pós-natal. A deficiência auditiva pode ser classificada em
congênita, quando o problema que provocou a perda de audição
ocorreu antes do nascimento, ou adquirida, quando o problema
ocorreu durante ou após o nascimento.
Os fatores pré-natais – aqueles que acometeram o sistema
auditivo durante a gestação – mais comuns são a hereditarieda-
de, as síndromes genéticas e o histórico familiar. Entretanto, exis-
tem algumas doenças adquiridas pela mãe durante a gestação, ou
© U2 - Audição e Surdez 59

complicações ocorridas durante o período pré-natal, que não são


de caráter hereditário, ou seja, que não passam de pai para filho
por ocasião da concepção. Dentre elas, podemos destacar:
1) Rubéola: é a principal causa pré-natal de deficiência
auditiva. Nas crianças com rubéola congênita, observa-
-se um comprometimento auditivo em mais de 50% dos
casos. Além da possibilidade de desenvolver problemas
cardíacos, visuais e neurológicos.
2) Sífilis: é uma doença que, se não tratada, pode causar
várias consequências ao bebê. É contraída pela mãe
(Treponema pallidum) no momento da relação sexual.
3) Toxoplasmose: provocada por um parasita presente em
animais domésticos, como gato, coelho ou cachorro.
A grávida contamina o feto por meio da placenta, pro-
vocando sérias complicações, principalmente nos três
primeiros meses de gestação. O bebê pode nascer com
deficiência auditiva, retardo mental ou visão subnormal.
4) Citomegalovírus: acredita-se que sua transmissão acon-
teça por meio da saliva e da relação sexual. A contamina-
ção do bebê pode acontecer ainda na gravidez ou duran-
te a sua passagem por meio do canal do parto. Quando
a doença é contraída nas fases iniciais da gestação, pode
causar no feto desde uma infecção inaparente, sem con-
sequências, até retardo mental, deficiência auditiva,
comprometimento de visão e calcificações no cérebro
que provocam crises convulsivas.
5) Herpes: é uma das doenças sexualmente transmissí-
veis mais comuns e pode causar feridas em diferentes
mucosas do corpo. A transmissão do vírus para o bebê
acontece durante o nascimento, podendo causar sérias
consequências ao bebê, levando-o, inclusive, à morte.
6) Alterações endócrinas: como, por exemplo, a diabetes.
7) Desnutrição materna: má alimentação da mãe durante
a gravidez.
8) Ingestão de drogas e/ou medicamentos: alguns medica-
mentos, quando ingeridos pela gestante, são responsá-
veis pela lesão do ouvido do bebê, provocando a surdez.
Antibióticos, principalmente os da família dos aminogli-

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60 © Língua Brasileira de Sinais

cosídeos, são os mais perigosos, além de alguns tipos


de diuréticos e anti-hipertensivos. As medicações mais
perigosas contêm, entre outros, os seguintes princípios
ativos: estreptomicina, gentamicina, canamicina, siso-
micina, amicacina, tobramicina. Além das medicações,
há algumas substâncias que podem estar presentes nas
fórmulas de produtos de uso doméstico que também
são perigosas: monóxido de carbono, tabaco, mercúrio,
álcool, arsênio e chumbo.
9) Fator Rh (incompatibilidade sanguínea): o sangue do
bebê (Rh+), sendo diferente do sangue da mãe (Rh-),
pode trazer problemas no futuro da saúde da criança.
10) Fatores perinatais: acometem o bebê durante o seu
nascimento. Os mais comuns para a deficiência auditiva
desta categoria são:
a) Anóxia (falta de oxigenação).
b) Prematuridade: quando o nascimento ocorre antes
da 38ª semana de gestação.
c) Complicações no parto: quando o resultado do tes-
te de Apgar (ver Glossário) vai de 0-4 no 1º minuto
ou de 0-6 no 5º minuto. A hipóxia é a diminuição da
oferta de oxigênio para o feto durante o momento
do nascimento. Dependendo de sua duração e in-
tensidade, pode causar lesões graves no cérebro,
nos ouvidos e em outras partes do organismo.
d) Peso ao nascimento inferior a 1500 gramas, ou
quando a criança nasce pequena para a idade ges-
tacional.
11) Fatores pós-natais – aqueles que acorrem após o nas-
cimento – mais comumente encontrados em casos de
surdez são:
a) Drogas ototóxicas: incluindo, mas não se limitando,
os aminoglicosídeos quando utilizados em múltiplas
doses ou em combinação com diuréticos.
b) Ventilação mecânica por cinco dias ou mais.
c) Infecções por vírus ou bactérias: meningite, saram-
po, caxumba, otite média recorrente ou persistente
por mais de três meses.
© U2 - Audição e Surdez 61

d) Lesões traumáticas: traumatismos cranioencefálicos.


e) Permanência na incubadora por mais de sete dias.
f) Distúrbios metabólicos.
g) Traumas acústicos.
h) Perda auditiva induzida por ruído ocupacional.
i) Neuroma do nervo acústico (tumor).
j) Presbiacusia: envelhecimento natural da orelha, re-
sultante do conjunto de alterações degenerativas de
todo o aparelho auditivo. Caracteriza-se por perda
bilateral da audição para sons agudos, acompanha-
da, geralmente, por perda desproporcional da capa-
cidade de reconhecer a fala. Essa perda é gradual e
progressiva (ver Glossário).
A deficiência auditiva pode, também, ser classificada de
acordo com a localização da lesão, com o grau da perda de audição
e com o momento em que ocorreu a perda auditiva. Vejamos cada
uma dessas situações:
De acordo com o local em que ocorreu a lesão do sistema
auditivo, as perdas auditivas podem ser classificadas em:
• Perda auditiva condutiva: determinada por alterações na
orelha externa e/ou orelha média. Na maioria das vezes, é
passível de tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico. Como
exemplos de perdas auditivas condutivas, podemos citar as
otites, a otosclerose, a perfuração timpânica e até mesmo a
rolha de cerume. Em geral, basta aumentar a intensidade do
estímulo sonoro para que o indivíduo perceba o som.
• Perda auditiva neurossensorial: acontece quando as cau-
sas da perda auditiva estão localizadas na cóclea e/ou no
nervo auditivo. Esse tipo de lesão é irreversível, causando
diminuição da audição, dificuldade na discriminação au-
ditiva, distorção da sensação sonora e recrutamento.
• Perda auditiva mista: quando encontramos alterações tan-
to na orelha interna quanto na orelha externa e/ou média.

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62 © Língua Brasileira de Sinais

A Figura 4 indica os componentes do sistema auditivo e a


localização da lesão:

Principais Causas
da Perda Auditiva
Adultos
• Exposição Excessiva ao Ruído
• Presbiacusia - Envelhecimento
• Hereditariedade
• Distúrbios Vasculares e
Circulatórios
• Tumores e Outras Lesões

Crianças
Alterações do Ouvido Médio
• Otite Média
Causas Congênitas
• Anomalias Crâniofaciais
• Histórico Familiar de Perda
Auditiva
• Infecções Congênitas

Outras
• Trauma Craniano
• Medicamentos Ototóxicos
• Distúrbios Infecciosos na
Infância (Caxumba, Sarampo)
• Meningite Bacteriana

Figura 4 O ouvido humano.

No que se refere ao grau, as perdas auditivas podem ser


classificadas em: leve, moderada, severa e profunda, conforme as
descrições a seguir:
1) Perda leve (de 26 dB a 40 dB): capacidade de perceber
qualquer som, desde que em intensidade um pouco mais
elevada. Sendo assim, uma criança com perda leve de
audição é capaz de desenvolver e adquirir a linguagem
oral espontaneamente. Assim, o problema é descoberto
tardiamente; geralmente, o indivíduo não se adapta ao
aparelho de amplificação, pois sua audição é muito pró-
xima da considerada normal e seu problema, dependen-
do da natureza, é irreversível.
2) Perda moderada (de 41 dB a 70 dB): nesse caso, a crian-
ça pode demorar um pouco para desenvolver a fala e a
linguagem; apresenta alterações articulatórias (troca de
letras, principalmente do tipo pato/rato; réu/mel; cão/
não) por não perceber todos os sons com clareza; tem
dificuldade em perceber a fala em ambientes ruidosos.
© U2 - Audição e Surdez 63

Em uma conversação, pergunta muito o que acabou de


ser dito, usando, por exemplo, as expressões "hein?"
ou "como?"; ao telefone, não escuta com clareza. Ge-
ralmente, crianças com perda moderada de audição são
desatentas e apresentam dificuldade no aprendizado da
leitura e da escrita.
3) Perda severa (de 71 dB a 90 dB): a criança com este grau
de perda auditiva apresenta atraso significativo no de-
senvolvimento da fala, não consegue escutar a voz hu-
mana sem uma prótese auditiva. Sendo assim, ela terá
dificuldades em adquirir a fala e a linguagem esponta-
neamente; poderá adquirir vocabulário do contexto fa-
miliar; é indicado o uso do aparelho de amplificação e
torna-se necessário o acompanhamento especializado.
O indivíduo com uma perda severa de audição escuta
sons intensos, como o latido do cachorro, avião, cami-
nhão, serra elétrica, entre outros.
4) Perda profunda (acima de 91 dB): a criança com esse tipo
de perda dificilmente desenvolverá a linguagem oral es-
pontaneamente; somente responderá, auditivamente, a
sons muito intensos, como, por exemplo, trovão, rojão,
motor de carro e avião. Frequentemente, utiliza a leitura
orofacial, isto é, procura entender a palavra falada por
outra pessoa observando os movimentos dos lábios.
Necessita fazer uso de aparelho e/ou implante coclear,
bem como de acompanhamento especializado. De acor-
do com a abordagem bilíngue, sua primeira língua deve
ser a de sinais.
De acordo com o período ou a época em que ocorreu a per-
da da audição, a deficiência auditiva pode ser classificada em:
• Deficiência auditiva pré-verbal: quando a criança perde
a audição antes mesmo de ter desenvolvido a linguagem
e a fala.
• Deficiência auditiva pós-verbal: quando a criança perde
a audição depois do período de desenvolvimento da fala
e da linguagem.

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64 © Língua Brasileira de Sinais

7. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DOS DISTÚRBIOS


DA AUDIÇÃO
A avaliação, o diagnóstico e o atendimento da criança com
perda auditiva devem ser realizados por uma equipe formada mul-
tiprofissional, da qual devem fazer parte o médico otorrinolaringo-
logista, o fonoaudiólogo, o pediatra e, em alguns casos, o psicólo-
go e o assistente social.
Vários exames podem ser realizados para diagnosticar a sur-
dez, entre eles, podemos citar:
1) Audiometria do tronco cerebral (BERA).
2) Otoemissões acústicas.
3) Audiometria.
4) Avaliação auditiva comportamental.
5) Exame do processamento auditivo.
Após o diagnóstico da perda de audição, a criança deveria
ter garantido acesso aos auxílios terapêuticos e educacionais com
profissionais especializados.
De acordo com a abordagem bilíngue, os pais deveriam procurar
a comunidade de surdos para conhecer melhor a cultura surda, as lutas
e as conquistas dessa comunidade, bem como de seus familiares.
Quanto ao tratamento, uma das alternativas diante da defi-
ciência auditiva detectada é a indicação, pelo médico, do uso de
prótese auditiva. Após a seleção, o fonoaudiólogo realiza a adap-
tação dessa prótese na criança.
Entretanto, os profissionais da área pontuam que vários fa-
tores podem interferir no processo de reabilitação da pessoa com
surdez, dentre eles a idade, a motivação para utilizar o aparelho de
audição, o estilo de vida dessa pessoa, bem como seu estado de
saúde geral (GESSER, 2009).
Outra possibilidade de tratamento para a deficiência audi-
tiva é a realização do implante coclear. No entanto, a indicação
© U2 - Audição e Surdez 65

desse tratamento ainda é muito restrita e com custos elevados, e


tem sido alvo de muitas polêmicas.
O implante coclear trata-se de um método invasivo para a
colocação de um dispositivo interno no osso mastoide do pacien-
te. O sucesso desse procedimento dependerá de vários fatores,
dentre eles: idade do paciente, tempo de surdez, condições do
nervo auditivo, quantidade de eletrodos implantados, situação da
cóclea, acompanhamento fonoaudiológico e médico para ativação
e ajuste no dispositivo do implantado etc.
Apesar de toda essa tecnologia, a prevenção e a detecção
precoce da deficiência auditiva ainda são as melhores atitudes a se
tomar. A seguir, apresentamos os níveis de prevenção da deficiên-
cia auditiva, bem as principais ações que podem ser desenvolvidas
em cada um desses níveis.

Prevenção dos distúrbios da audição


A atenção primária à saúde compreende o período pré-patogê-
nese. Nesse período, podem ser adotados os seguintes procedimentos:
1) Aconselhamento genético.
2) Medidas de imunização para combater a rubéola, a me-
ningite e a caxumba, doenças relacionadas à deficiência
auditiva;
3) Assistência à saúde da gestante e do neonato, contro-
lando as infecções maternas, administrando de maneira
criteriosa medicamentos, especialmente os ototóxicos,
ou seja, aqueles que podem prejudicar a audição.
4) Medidas de redução das infecções da orelha média nos
primeiros anos de vida; por exemplo, ao ser amamentada,
a criança deve estar com a cabeça mais alta que o corpo,
evitando, assim, que o leite, por meio da tuba auditiva,
passe para a orelha média, provocando uma otite.
A atenção secundária à saúde refere-se ao período de iden-
tificação e de tratamento precoce dos distúrbios da audição. Algu-
mas ações para prevenir a deficiência auditiva neste nível são:

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66 © Língua Brasileira de Sinais

• Estar atento ao desenvolvimento da audição, fala e lin-


guagem da criança, não deixando para mais tarde uma
consulta com o médico a fim de esclarecerem suspeitas
quanto à normalidade de seu desenvolvimento.
• Participar de programas de triagem auditiva em materni-
dades, unidades básicas de saúde, creches e escolas.
A atenção terciária à saúde está relacionada ao período des-
tinado à redução do prejuízo provocado pelo distúrbio auditivo, e
nesse momento a família deve procurar a reabilitação por meio
da seleção e adaptação de próteses auditivas e terapia fonoaudio-
lógica, ou buscar auxílio na comunidade surda para que a crian-
ça surda possa, o mais cedo possível, adquirir a língua de sinais e
constituir-se um sujeito surdo.

8. LEITURA COMPLEMENTAR
Nesta unidade, ao estudarmos sobre as formas de trata-
mento das perdas auditivas, mencionamos o Implante Coclear (IC)
como uma alternativa de reabilitação. No entanto, a comunidade
surda tem se mostrado contrária à realização desse procedimento,
fundamentando sua negação com base na valorização da língua de
sinais, no contato com a comunidade surda e no desenvolvimen-
to de pesquisas científicas que evidenciaram as línguas de sinais
como línguas naturais.
Tais aspectos, segundo Lichtig et al. (ver Tópico E-Referên-
cias), criaram um senso de coesão na comunidade surda, bem
como uma cultura surda e a evidência de identidade próprias. Os
autores afirmam que, em países como, por exemplo, os Estados
Unidos, onde a comunidade surda é mais consolidada, há as ex-
pressões "deaf power" ou "deaf world", que caracterizam a impor-
tância da língua, cultura e identidade dos surdos.
Vejamos a justificativa da comunidade surda em relação ao
IC de acordo com Lichtig et al. (2003):
© U2 - Audição e Surdez 67

Justificativa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A intolerância da comunidade surda com relação ao IC mostra-se contrária ao
uso do IC em crianças surdas, especialmente naquelas com surdez pre-lingual,
por acreditar que tal prática pode violar a integridade e os direitos humanos da
criança e por limitar a opção da criança de ser ou não um usuário da Língua de
Sinais ou do implante coclear (BDA, 1995). Ademais, o não uso de sinais pelas
crianças surdas pode significar o genocídio da comunidade surda, uma vez que
são as crianças as responsáveis pela sua sobrevivência (Bienvenu, 1994).
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A fim de ilustrar o posicionamento dos surdos perante o IC,
Lichtig et al. (2003) descrevem uma pesquisa realizada com 17 sur-
dos adultos da cidade de São Paulo. Os pesquisadores entrevis-
taram os surdos individualmente com questionários previamente
elaborados, obtendo os seguintes resultados:
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Todos os dezessete surdos entrevistados afirmaram ter alguma informação sobre o IC.
A maioria (13 sujeitos) apresentou uma visão negativa com relação ao IC. Contudo,
os sujeitos entrevistados pautaram-se em argumentos que denotavam um real des-
conhecimento sobre o assunto. Outros se mostraram preocupados com a perda da
identidade da cultura surda e com a manutenção do uso da língua de sinais. No que
se refere à realização do IC, novamente todos os 17 sujeitos se mostraram contrários à
mesma, por razões que abrangeram desde o medo de morrer na cirurgia até o orgulho
da condição da surdez.
Exceto por 1 sujeito, todos os demais (16) apresentaram objeção à realização
do IC em bebês. Quanto à implantação em crianças, verificou-se um panorama
diferente, já que 5 sujeitos apresentaram argumentos favoráveis, desde que a
criança pudesse ter a escolha de ser, ou não, submetida à cirurgia, após ter do-
mínio e conhecimento da língua e da cultura surda.
[...] De forma geral, um dos aspectos que se destaca é o desconhecimento preciso pe-
los surdos, tanto em relação à cirurgia quanto em relação aos benefícios e limitações
do IC. Tal desconhecimento não é relatado na literatura internacional. Contudo, nota-
se que, assim como as comunidades surdas de países desenvolvidos, as comunida-
des surdas paulistanas mostram-se preocupadas em preservar a língua, identidade e
cultura surda e em criar seus filhos dentro de um modelo no qual o surdo é visto como
integrante de uma minoria linguística e cultural e não como portador de uma condição
patológica.
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Assim, os resultados obtidos com essa pesquisa demonstra-
ram que, apesar de todos afirmarem o conhecimento sobre o IC,
têm ainda dúvidas sobre a aplicação do procedimento em bebês,
crianças e adultos.

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68 © Língua Brasileira de Sinais

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Ao finalizar seus estudos sobre o processo de audição nor-
mal e as implicações da deficiência auditiva, procure responder
para si mesmo às seguintes questões:
1) Como se processa a fisiologia normal da audição?

2) Quais as principais causas das perdas auditivas?

3) Como as perdas auditivas podem ser classificadas? Defina cada uma dessas
possibilidades.

4) Quais as formas de tratamento e de prevenção da surdez?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você estudou os problemas de audição e
suas especificidades, inclusive a anatomia e a fisiologia do sistema
auditivo em condições normais de audição. Vimos os conceitos de
deficiência auditiva, suas causas, classificações e formas de pre-
venção e reabilitação.
A próxima unidade trata da importância da língua de sinais
para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e afetivo da criança
surda. Você verá que a surdez pode afetar todo o sistema familiar,
que, apesar das dificuldades enfrentadas, deve formar interlocu-
tores em libras e envolver-se no processo educacional da criança
surda.

11. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Orelha externa. Disponível em: <http://www.audimaxpp.com/perda_auditiva.
htm>. Acesso em: 07 jan. 2011.
Figura 2 Orelha média. Disponível em: <http://www.audimaxpp.com/perda_auditiva.
htm>. Acesso em: 07 jan. 2011.
© U2 - Audição e Surdez 69

Figura 3 Orelha interna. Disponível em: <http://www.audimaxpp.com/perda_auditiva.


htm>. Acesso em: 07 jan. 2011.
Figura 4 O ouvido humano. Disponível em: <http://www.somvital.com.br/servicos.htm>.
Acesso em: 07 jan. 2011.

Site pesquisado
LICHTIG, I.; MECCA, F. F. D. N.; BARBOSA, F.; GOMES, M. O implante coclear e a comunidade
surda: desafio ou solução? In: II Seminário ATIID: Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, São
Paulo (SP), 23 e 24 set. 2003. Disponível em: <http://www.prodam.sp.gov.br/multimidia/
midia/cd_atiid/conteudo/ATIID2003/MR4/01/ImplanteCoclear-ComunidadeSurda.pdf>.
Acesso em: 04 jan. 2011.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


GESSER, A. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de
sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.
RUSSO, I. C. P.; SANTOS, T. M. M. Audiologia infantil. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1994.
SILVA, I. R.; KAUCHAKJE, S.; GESUELI, Z. M. Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo:
Plexus, 2003.

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EAD
A Surdez na Família e o
Desenvolvimento da
Linguagem
3
1. OBJETIVOS
• Compreender e identificar os conceitos de fala, língua e
linguagem.
• Compreender e demonstar o processo normal de aquisição
da linguagem.
• Entender e caracterizar o processo de aquisição da língua
de sinais pelas crianças surdas.
• Entender e reconhecer a dinâmica familiar do surdo.
• Compreender e relacionar as implicações que a surdez
acarreta no sistema familiar e a importância deste no pro-
cesso educacional da criança surda.
• Conhecer e identificar modelos de intervenção com a
criança surda.

2. CONTEÚDOS
• Fala, língua e linguagem.
• Aquisição normal da linguagem.
72 © Língua Brasileira de Sinais

• Aquisição da língua de sinais.


• Dinâmica familiar.
• As implicações da surdez no sistema familiar.
• Modelos de intervenção na surdez.

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Releia os trechos que considerar mais importantes ou
com os quais tiver alguma dificuldade.
2) Para que você tenha um bom desenvolvimento no estu-
do deste Caderno de Referência de Conteúdo e uma boa
compreensão dos conceitos abordados, é fundamental
interagir com seu tutor e colegas na Sala de Aula Virtu-
al, sanando suas dúvidas e levantando novos questiona-
mentos acerca desta temática.
3) Não deixe de realizar a leitura do texto complementar
apresentado ao final desta unidade. Esta leitura irá aju-
dá-lo a compreender as relações entre a surdez e o sis-
tema familiar.
4) Ao final desta unidade, você encontrará algumas ques-
tões autoavaliativas. Responda todas as questões e, em
caso de dúvidas, entre em contato com o seu tutor e
com os seus colegas na Sala de Aula Virtual para solu-
cioná-las.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você estudou os aspectos relacionados
à audição normal e aos problemas do aparelho auditivo, enfocan-
do as implicações que a perda de audição pode acarretar para ao
processo educacional da criança surda.
Agora, estudaremos as consequências que a surdez pode
proporcionar ao desenvolvimento cognitivo, linguístico e afetivo
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 73

do surdo, bem como suas consequências para todo o sistema fami-


liar. Discutiremos, também, a importância da língua de sinais para
um desenvolvimento adequado da criança surda e a necessidade
do envolvimento da família no processo educacional dessa crian-
ça. Finalizando, abordaremos as questões relacionadas à língua de
sinais e à educação das crianças surdas.
Temos certeza de que os conteúdos que iremos estudar de
agora em diante o ajudarão a compreender as especificidades lin-
guísticas e educacionais dos surdos.

5. FALA, LÍNGUA E LINGUAGEM


A audição é o principal canal pelo qual a linguagem e a fala
são adquiridas. Assim, a perda da audição, principalmente, no pe-
ríodo pré-verbal, ou seja, antes da aquisição e do desenvolvimen-
to da linguagem e da fala, pode trazer consequências desastrosas
para a criança.
A manifestação mais evidente da surdez é a ausência da fala,
pois a deficiência auditiva dificulta ou impede o acesso da crian-
ça à linguagem oral. A maioria dos surdos apresenta um atraso
no desenvolvimento da fala e da linguagem, e, muitas vezes, não
consegue adquirir uma língua. No entanto, a ausência do domínio
de uma língua pode causar um prejuízo em todo o processo de
aprendizagem.
Antes de falarmos sobre o desenvolvimento da criança sur-
da, é fundamental apresentarmos alguns esclarecimentos sobre
os conceitos de "fala", de "língua" e de "linguagem".
A fala, segundo Goldfeld (1997), é a materialização da lín-
gua na variante fônica, sendo realizada através de um processo de
articulação de sons. Refere-se à linguagem em ação, à produção
linguística do falante no discurso.

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74 © Língua Brasileira de Sinais

Já a língua, conforme Fernandes (2003), é definida como sis-


tema abstrato de regras gramaticais. Refere-se a um tipo dentre os
diversos meios de comunicação e, por isso, é considerado um con-
ceito mais restrito quando comparado ao conceito de linguagem.
A linguagem, por sua vez, caracteriza-se por qualquer e todo
sistema de signos, que podem ser gestos, sinais, sons, símbolos ou
palavras, que são utilizadas na comunicação, para representar ideias,
significados e pensamento. Além da comunicação, a linguagem pos-
sibilita ao ser humano, por exemplo, estruturar seu pensamento,
traduzir seus sentimentos e registrar seu conhecimento adquirido.
Para Piaget (1971), a linguagem é uma forma de represen-
tação e consiste em um sistema de significações no qual a pala-
vra funciona como significante, porque permite ao sujeito evocar
verbalmente objetos e acontecimentos ausentes. Sendo assim, a
linguagem é consequência do desenvolvimento do pensamento.
Na concepção de Vygotsky, entretanto, a linguagem é um
instrumento de vital importância no desenvolvimento social do
sujeito. É um fio condutor capaz de transformar decisivamente os
rumos de nossa atividade. Quando aprendemos a linguagem espe-
cífica do nosso meio sociocultural, transformamos radicalmente os
rumos do nosso próprio desenvolvimento.
Segundo esse autor, a função da linguagem é a de comuni-
cação, expressão e compreensão, e está estreitamente combinada
com o pensamento. Vygotsky afirma, ainda, que a comunicação é
uma espécie de função básica, porque permite a interação social
e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento.
Para Vygotsky (1991), a construção da linguagem e da apren-
dizagem acontece mediante a vivência da criança com seu meio,
as quais, por sua vez, ocorrem pelas interações que a criança faz
com adultos e outras crianças.
Trataremos, agora, de como se processa o desenvolvimento
normal da linguagem na criança.
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 75

6. DESENVOLVIMENTO NORMAL DA LINGUAGEM NA


CRIANÇA
O processo de aprendizagem do bebê inicia-se logo após seu
nascimento, quando começa a explorar o ambiente utilizando os
sentidos (DEVINE, 1993).
O início da comunicação humana nada mais é do que o pró-
prio choro do bebê, pois, para a satisfação de suas necessidades
básicas, ele chora e esse choro é interpretado pela mãe, atribuin-
do a este uma função comunicativa.
Conforme vai crescendo, a criança aprenderá a conversar
por meio do murmúrio, do balbucio e da imitação das vozes que
ouve.
Nesse sentido, o papel tanto da família quanto da escola é
fundamental, pois se a criança aprende pelas suas vivências, é ou-
vindo a conversa dos adultos e de crianças mais velhas que ela
poderá, com o tempo, desenvolver sua linguagem.
Em todas as crianças ouvintes, a linguagem aparece em mar-
cos cronológicos muito semelhantes. A aquisição da linguagem e a
comunicação desenvolvem-se segundo etapas de ordem constan-
te, ainda que o ritmo de progressão possa variar de uma criança
para outra. Essa variação pode ser, segundo o processo normal de
desenvolvimento, de seis meses aproximadamente.
Por conseguinte, a criança que convive em ambientes onde
está exposta à fala terá um vocabulário mais rico e seu desenvolvi-
mento poderá ser mais rápido.
O uso de palavras para a comunicação, geralmente, tem
início entre os 12 e os 24 meses de idade, sendo que 18 meses
correspondem à idade média de tal aquisição. Entretanto, antes
do aparecimento das primeiras palavras, observa-se o desenvolvi-
mento de um complexo sistema de comunicação denominado não
verbal, com intencionalidade cada vez mais bem definida, e que

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76 © Língua Brasileira de Sinais

envolve, por exemplo, a expressividade corporal, os movimentos,


os gestos, os olhares, as vocalizações e o choro. Portanto, mesmo
antes de adquirir linguagem verbal, o bebê já pode possuir uma
experiência muito grande em comunicação.
Com dois meses de idade, o bebê distingue a voz humana de
outros sons, sendo capaz de distinguir a voz materna. Durante os
três primeiros meses de vida, o bebê já produz murmúrios e, após
um melhor controle dos órgãos fonoarticulatórios, inicia o balbu-
cio, o qual nada mais é do que a repetição de sílabas sem significa-
do, funcionando como um treino articulatório (DEVINE, 1993).
Dos sete aos nove meses, o balbuciar transforma-se e apre-
senta uma variedade maior de sons e inflexões; o bebê começa a
adaptar suas vocalizações, que antes aconteciam aleatoriamente;
descobre que sons diferentes significam coisas diferentes, e o bal-
buciar o ajuda a se preparar para falar palavras reais.
A primeira palavra ocorre entre os dez e 14 meses de idade.
Aos 18 meses, sua fala expressiva possui entre dez e 20 palavras
concretas e, aos dois anos de idade, poderá estar usando cerca de
200 palavras.
Por volta dos quatros anos, é capaz de pronunciar adequada-
mente praticamente todos os fonemas de sua língua. Sua lingua-
gem está completa, devendo ser apenas aprimorada.
No entanto, para que a criança se desenvolva de maneira
adequada, vários fatores devem ser considerados, como suas con-
dições físicas ou orgânicas e a integridade do sistema nervoso e de
audição.
Para adquirir a linguagem dentro dos padrões de normali-
dade, é fundamental que a criança possa ouvir sons e vozes. Para
isso, é necessário que as funções auditivas estejam íntegras. Quan-
do a criança possui uma deficiência auditiva, esse processo acaba
não se realizando e a aquisição da língua oral, consequentemente,
não acontece ou fica seriamente prejudicada.
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 77

Considerando tais pré-requisitos para o adequado desen-


volvimento da linguagem da criança, como se processa, então, o
desenvolvimento da linguagem de uma criança surda que não tem
acesso à língua oral?
Nesse caso, o acesso da criança surda à linguagem acontece
por meio de outra modalidade linguística: a língua de sinais. É jus-
tamente a exposição precoce da criança surda a uma modalidade
linguística que utiliza um canal de comunicação diferente do oral
auditivo que possibilita a ela a aquisição da linguagem em período
semelhante ao que acontece com as crianças ouvintes.
Segundo Souza (1998), a exposição da criança surda à Lín-
gua Brasileira de Sinais (Libras) desde o início da vida garantiria
a aquisição de uma língua verdadeira e, consequentemente, um
funcionamento simbólico-cognitivo adequado.

7. AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS POR CRIANÇAS


SURDAS
Praticamente, não existem diferenças entre o desenvolvimento
linguístico da criança ouvinte e da criança surda durante os seis primei-
ros meses de vida. Essa semelhança no desenvolvimento de surdos e ou-
vintes prejudica, inclusive, o próprio processo de diagnóstico da surdez.
Na fase do balbucio, como a criança surda não capta os estí-
mulos auditivos do ambiente, ela prestará maior atenção ao meio
visual do que a criança ouvinte e começará, desde pequena, a cap-
tar indícios sutis no rosto humano que servirão de pistas para in-
terpretar o léxico de sua língua, a língua de sinais.
Se forem oferecidas às crianças surdas condições adequadas
para adquirir a Libras, elas começarão a prestar atenção a esses
detalhes, pois eles terão significado e sentido na comunicação.
Antes de começarem a produzir sinais ou a sinalizarem como
atividade comunicativa, algumas crianças surdas, quando expostas

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78 © Língua Brasileira de Sinais

à língua de sinais, atravessam uma fase de aquisição conhecida


como balbucio na língua falada e como balbucio manual, mabbling
ou balbucio em sinais na Libras. Nesta fase, as crianças surdas fi-
lhas de pais surdos, ou expostas desde muito cedo à língua de si-
nais, parecem refinar formatos de mãos próprios, movimentos e
traços de localização que serão relembrados, um pouco mais tar-
de, em seus primeiros sinais verdadeiros (CHEEK et al., 2001 apud
MORGAN, 2008).
O balbucio manual ocorre aproximadamente na mesma ida-
de do balbucio da fala, entre 6 e 12 meses, e foi documentado em
crianças adquirindo a língua de sinais de vários países, inclusive a
do Brasil.
Em um estudo recente sobre balbucio de sinais em uma
criança exposta à Libras, Karnopp (2002) mostrou que o nível de
balbucio de sinais diminuiu quando a criança começou a produ-
zir sinais mais lexicalizados. O balbucio, inicialmente, apresentou
uma alta porcentagem de produção manual (54%), mas diminuiu
com a idade, até desaparecer com 2,1 anos (CHEEK et al., 2001
apud MORGAN, 2008).
Em crianças surdas filhas de pais ouvintes essa situação, ge-
ralmente, é bem diferente, pois elas normalmente não recebem
os estímulos necessários ao seu desenvolvimento linguístico, uma
vez que não encontram interlocutores de língua de sinais.
Daí a importância do contato entre o bebê surdo e uma pes-
soa surda usuária de Libras. Estudos comprovaram que o bebê
surdo presta mais atenção na mensagem em Libras emitida por
pessoas surdas do que por pessoas ouvintes, pois a língua de sinais
produzida por ouvintes possui menos detalhes, principalmente em
relação às expressões não manuais ou às expressões faciais e cor-
porais.
A ausência de um input linguístico para as crianças surdas fi-
lhas de ouvintes acaba acarretando alterações no desenvolvimen-
to cognitivo, social e linguístico.
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 79

Aos dois anos de idade, o surdo filho de pais surdos (SFPS)


elabora as primeiras combinações de sinais, ou seja, começa a ela-
borar sentenças com um mínimo de complexidade.

8. SFPS (SURDO FILHO DE PAIS SURDOS)


Dos dois anos e meio aos três anos, a criança surda filha de
pais também surdos demonstra múltiplas combinações de sinais e
expansão do vocabulário. Paralelamente, aos dois anos, essa crian-
ça pode realizar as configurações de mãos com 25% da complexi-
dade total do sistema. Em idade semelhante, as crianças ouvintes
pronunciam 25% dos fonemas. Aos três anos, ela pode realizar
configurações com 75% de complexidade enquanto os ouvintes
pronunciam 75% dos fonemas (LUJÁN, 1993).

Fonema: menor unidade sonora de uma língua que estabelece


contraste de significado para diferenciar palavras. Por exemplo,
a diferença entre as palavras pato e mato, quando faladas, está
apenas no primeiro fonema: P na primeira e M na segunda.

A partir dos três anos e meio, a criança SFPS realiza concor-


dância verbal durante a realização da língua de sinais, o que sig-
nifica dizer que os sinais se tornam mais flexionados, mesmo que
ainda de maneira inconsistente. Aos cinco ou seis anos, a criança
apresenta consistência na flexão verbal e representa, em sinais, os
pronomes referenciais não presentes.
Aos sete anos, a criança surda que foi estimulada em língua
de sinais tem domínio completo da concordância verbal, bem como
dos pronomes referenciais. Aproximadamente aos oito anos, essa
criança utiliza os classificadores em língua de sinais (plural e gêne-
ro) e verbos espaciais com certo domínio, embora ainda apresente
erros na forma complexa.

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80 © Língua Brasileira de Sinais

Na Libras, classificadores são configurações de mãos que, rela-


cionadas a objeto, pessoa ou animal, funcionam como marcadores
de concordância.

A criança surda que encontrou um ambiente linguístico ade-


quado ao seu desenvolvimento, aos nove ou dez anos demonstra
domínio da sintaxe da língua de sinais ao fazer uso correto de clas-
sificadores e de verbos.
Após essas observações sobre o processo de aquisição da lín-
gua de sinais por crianças surdas, fica evidente a importância de ex-
por as crianças surdas desde o nascimento à língua de sinais para
que elas possam adquirir uma língua e desenvolver a linguagem de
modo compatível ao das crianças ouvintes expostas à língua falada.
Mas como será que uma família ouvinte reage à chegada de
uma criança surda? Quais podem ser os sentimentos dos familia-
res após o diagnóstico da surdez? E como a família lida com essa
nova realidade?
Trataremos, agora, dessas questões.

9. FAMÍLIA
A família representa o primeiro núcleo social do qual o ser
humano participa. Os valores implícitos e explícitos da família são
bases para as experiências sociais de seus filhos (DORZIAT, 1999).
Nesse sentido, a família é, antes de tudo, o espaço em que ocor-
rem os primeiros aprendizados da criança.
Para Minuchin (1988), a família é um sistema em constante
transformação ou um sistema que se adapta às diferentes exigên-
cias das diversas fases do seu desenvolvimento. Vista como um todo
coeso, a família é inseparável e interdependente, estando todas as
suas partes relacionadas. Portanto, cada comportamento ou mudan-
ça de comportamento em um dos membros afeta todos os outros.
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 81

Amiralian (1986) descreve a família como um todo orgânico


que se desenvolve pelo processo dinâmico de suas vivências e se
estrutura a partir de influências externas e internas. Por influências
externas a autora entende, por exemplo, o status social, a condi-
ção econômica e as crises financeiras. Como influências familiares
internas, que podem afetar a estruturação da família, a autora cita,
por exemplo, a doenças de um dos membros e o nascimento de
um filho.
A chegada de uma criança, para os pais ou responsáveis, gera
expectativa, normalmente, acompanhada de fantasias, emoções
e projeções futuras, pois a família transfere para essa criança to-
dos os seus sonhos, ideais, faltas e vivências passadas (MARQUES,
1995).
No entanto, quando os pais ou responsáveis descobrem que
a criança real não corresponde à idealizada, veem todas as suas
expectativas se desfazerem.
Terrasi (1993) afirma que a chegada de uma criança com al-
gum tipo de deficiência é um acontecimento muito significativo
para a família, pois destrói as fantasias familiares, substituindo os
sonhos por dúvidas e incertezas.

10. CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA: O SENTIMENTO DOS


FAMILIARES
A comprovação da deficiência de uma criança provoca uma
situação de crise na família (NUNES, 1991).
Os pais ou responsáveis relutam em aceitar a criança que têm
nos braços como diferente e, por isso, seus sentimentos hesitam en-
tre a esperança de que a situação não seja o que realmente aparen-
ta ser e o discernimento assustador de que alguma coisa realmente
esteja errada (AMIRALIAN, 1986; TERRASI, 1993). Esse conflito pa-
rece ter fim com a confirmação do diagnóstico, que, geralmente,
desencadeia uma crise, alterando toda a dinâmica familiar.

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82 © Língua Brasileira de Sinais

A família, até chegar à aceitação da criança com deficiência, pas-


sa por um longo período de superação. Nesse processo, os familiares
convivem com sentimentos de, por exemplo, choque, negação, raiva,
revolta e rejeição, até a construção de um ambiente familiar mais pre-
parado para incluir essa criança como um membro da família.
Para Buscaglia (1997) a descoberta da deficiência da criança
costuma vir seguida de sentimentos naturais de medo, dor, de-
sapontamento, culpa, confusão mental e uma sensação geral de
incapacidade e impotência.
Encontramos na literatura a descrição de inúmeras atitudes
familiares diante do fato de se ter uma criança com deficiência no
seu grupo familiar, havendo muitos sentimentos envolvidos, como
frustração, conflitos internos, culpa, negação, vergonha, rejeição e
depressão, frequentemente vividos pelos pais ou responsáveis e
demais integrantes mais próximos do sistema familiar, como os ir-
mãos. As atitudes de cada membro da família, frente ao problema,
dependem da maturidade com que vem resolvendo outras ques-
tões e conflitos.
Segundo Luterman (1985), o tempo que cada família leva para
viver cada uma dessas fases e o restabelecimento do equilíbrio fami-
liar acontece de maneira bastante variada, e irá depender dos recur-
sos psicológicos que a família tem disponível para superar os fatos.
O tipo de deficiência parece não interferir nas crises e nas
dificuldades familiares ocasionadas pela chegada de uma criança
com necessidades especiais (ARAÚJO, 2001), sendo os conflitos
emocionais vivenciados por essas famílias muito semelhantes,
(TERRASI, 1993).
Omote (1980) afirma que quanto mais cedo os pais tomarem
conhecimento da deficiência do filho, mais rapidamente a família,
ao encontrar orientação adequada, poderá se ajustar à sua nova si-
tuação. Entretanto, a confirmação do diagnóstico desencadeia nos
familiares sentimentos de tristeza e de luto pela perda da criança
idealizada (TERRASI, 1993).
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 83

No caso de pais biológicos, esses buscam respostas para seus


questionamentos, e, por desconhecerem as verdadeiras causas do
problema que aflige a criança, passam a acreditar que estão re-
lacionadas a condutas omitidas ou praticadas durante a gravidez
ou durante o nascimento da criança (BUSCAGLIA, 1997). Durante
todo esse conflito, podem chegar a atribuir a causa do problema a
parentes mais próximos, culpando-os de serem responsáveis por
heranças genéticas imperfeitas (TERRASI, 1993).
As etapas iniciais de descoberta da surdez, assim como as de
qualquer outra deficiência, são para os pais ou responsáveis perí-
odos crescentes de dúvidas e ansiedade (LUTERMAN, 1985). Uma
vez confirmado o diagnóstico, as reações parecem seguir, segundo
o autor, um padrão universal de crise, caracterizado por choque
emocional, aflição ativa, negação, aceitação e ação construtiva.
Os sentimentos de negação, vulnerabilidade, ódio, confusão e
inadequação são os mais observados nos pais biológicos de crianças
surdas após a confirmação do diagnóstico de surdez (BEVILACQUA;
FORMIGONI, 2000). As autoras destacam, ainda, que tais sentimentos
passam por estágios de negação, resistência, afirmação e aceitação.

11. O PAPEL DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO


LINGUÍSTICO DA CRIANÇA SURDA
Com relação ao contato precoce da criança surda com a lín-
gua de sinais, Souza (1998) afirma que os primeiros anos de vida
de uma criança é uma fase crucial para a aquisição da linguagem.
Nesse sentido, sua exposição à língua de sinais durante esse perí-
odo, tida como essencial ao seu desenvolvimento, possibilitaria a
aquisição da linguagem e ativaria sua competência linguística.
No entanto, o que normalmente acontece é as crianças surdas
entrarem em contato muito tardiamente com a língua de sinais, pois
cerca de 95% dessas crianças estão inseridas em famílias ouvintes
que desconhecem ou rejeitam a língua de sinais e a cultura surda.

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84 © Língua Brasileira de Sinais

Para que haja contato precoce entre a criança surda e a lín-


gua de sinais deve-se criar condições para que a família possa se co-
municar com seu membro surdo, impedindo que este, por sua vez,
sinta-se um estrangeiro dentro do seu próprio lar (DORZIAT, 1999).
Por vezes, a aceitação da surdez e do uso da língua de sinais
na comunicação com a criança surda está relacionada à aceitação
deste filho em sua diferença. Pais ou responsáveis ouvintes, ge-
ralmente, desejam que a criança desenvolva a fala, mascarando a
surdez. Assim, as respostas dos familiares ao nascimento de uma
criança surda, geralmente, dependem da condição de serem sur-
dos ou ouvintes (HOFFMEISTER, 1996).
Dados da literatura apontam que crianças surdas criadas por
pais ou responsáveis ouvintes não têm acesso à língua de sinais no
ambiente familiar e acabam mergulhadas em uma língua que não
é natural para elas. Contudo, crianças surdas criadas por pais ou
responsáveis surdos são expostas precocemente à língua de sinais,
dominando-a de forma natural e confortável. Posteriormente, usam
a língua de sinais como sua primeira língua e se identificam como
membros da comunidade surda (BEHARES, 1996; STELLING, 1999).
Para Skliar (1997), a comunicação entre familiares e crianças sur-
das assemelha-se à comunicação entre familiares e crianças ouvintes,
no sentido de que possibilita a imersão cultural da criança na comu-
nidade em que está inserida. Todavia, a comunicação entre familiares
ouvintes e crianças surdas torna-se falha dependendo do tipo de in-
formação dada aos pais ou responsáveis por ocasião do diagnóstico e
das alterações no relacionamento entre os membros da família.
Sendo assim, Skliar (1997) sugere a necessidade dos pais ou
responsáveis ouvintes manterem contato com a comunidade sur-
da e de os serviços especiais se organizarem de forma a incluir
crianças e adultos surdos, pois somente o acesso à língua de sinais,
por meio de interações sociais com pessoas surdas, pode garantir
uma comunicação mais apropriada ao desenvolvimento cognitivo
e linguístico das crianças surdas (DIAS et al., 2001).
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 85

A criança surda apresenta grande dificuldade para perceber


os sons e adquirir fala e linguagem; os quais, de acordo com algu-
mas teorias, se desenvolvem a partir da interação com o adulto.
No caso de crianças surdas criadas por pais ou responsáveis ouvin-
tes, contudo, o acesso "natural" à fala, por meio de diálogos, não é
uma realidade (BEHARES, 1996).
Sacks (1998, p. 78) lembra o quanto é importante o aprendi-
zado da língua, porém a família deve participar desse processo de
aprendizagem, principalmente se os pais ou responsáveis forem
ouvintes:
Não é só a língua que deve ser introduzida, mas também o pen-
samento. Caso contrário, a criança permanecerá inapelavelmente
presa a um mundo concreto e perceptivo [...] Esse perigo é muito
maior quando a criança é surda porque os pais (ouvintes) talvez
não saibam como se dirigir à criança e, se chegarem a se comunicar,
podem usar formas rudimentares de diálogos e linguagens que não
favoreçam o progresso da mente da criança e, de fato, impeçam
seu avanço.

Segundo Goldfeld (1997), a aquisição natural da língua de


sinais, isto é, aquisição decorrente do processo de interação con-
textualizada com o usuário fluente dessa língua, pela criança sur-
da em idade semelhante à qual as crianças ouvintes adquirem a
língua na modalidade oral evita o atraso de linguagem e todas as
suas consequências quanto à percepção, à generalização, à forma-
ção de conceitos, à atenção, à memória, à evolução das brincadei-
ras e à educação escolar.
Para evitar a instalação de um atraso de linguagem, comum
entre os surdos, ou para se minimizar as suas consequências,
quando ele já estiver instalado, é necessário que a criança surda
seja exposta à língua de sinais o mais cedo possível.
Dorziat (1999) relaciona a língua de sinais com o desenvolvi-
mento global do surdo, salientando que muitos de seus problemas
emocionais (nervosismo, insegurança, autorrejeição, entre outros)
podem ser decorrentes do bloqueio na comunicação ou de uma
comunicação truncada.

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86 © Língua Brasileira de Sinais

É nesse sentido que Lima, Maia e Distler (1999) têm atua-


do no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), buscando
compreender as dificuldades e os problemas enfrentados pelas fa-
mílias de alunos surdos e procurando orientá-las, sensibilizá-las,
estimulá-las e instrumentalizá-las a fim de viabilizar relações mais
satisfatórias entre os pais ou responsáveis e as crianças.
Essas autoras observaram que durante os atendimentos, os
adolescentes encaminhados à Divisão Sócio-psicopedagógica (DI-
SOP) com a queixa de distúrbios de comportamento apresentavam,
na grande maioria das vezes, um afastamento afetivo em relação
à família. Segundo elas, esse afastamento ocorria principalmente
devido à falta de comunicação pelo uso de línguas diferentes e aos
pais ou responsáveis não aceitarem a surdez desses adolescentes
e manterem resistência em aprender a língua de sinais.
Lima, Maia e Distler (1999) afirmam que esses adolescentes,
na maioria das vezes, sentiam-se inseguros do amor de seus pais
ou responsáveis, desvalorizados e isolados no núcleo familiar. Essa
dinâmica familiar conflitante proporcionava aos adolescentes sur-
dos o envolvimento com drogas, o abandono de casa, a gravidez
indesejada e o envolvimento em atos antissociais. Quando compa-
rados com a população em geral, essas dificuldades se apresenta-
vam com maior frequência e intensidade.
Entretanto, os SFPS apresentam-se muito mais estruturados
afetiva e emocionalmente, pois a comunicação na família aconte-
ce naturalmente, não parecendo existir conflitos emocionais pro-
venientes da aceitação da surdez.
Por razões como as descritas até aqui é que o trabalho edu-
cacional não deve se limitar ao ambiente escolar, mas também se
desenvolver junto às famílias, fornecendo condições para elas se
comunicarem, efetivamente, com seu integrante surdo.
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 87

12. MODELO EDUCACIONAL


Nesse sentido, Hoffmeister (1999) descreve um modelo inicial de
intervenção com base no lar, realizado com famílias de crianças surdas,
focando três pontos: os pais ou responsáveis pelas crianças surdas; as
próprias crianças; e o grupo de apoio aos pais ou responsáveis.
O trabalho com pais ou responsáveis surdos em uma pers-
pectiva bilíngue, segundo o autor, deve ser instituído para que pos-
sam se conhecer e analisar questões a respeito da educação das
crianças com outros pais ou responsáveis que possuem as mesmas
vivências, além de, também, aprenderem a língua de sinais. O ob-
jetivo desse trabalho deve ser o de promover interações entre os
responsáveis por crianças surdas com adultos surdos capacitados
a lhes ensinar e a ensinar as crianças surdas.
No Brasil, trabalhos como o desenvolvido pelo Instituto Na-
cional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, e relatado
por Lima, Maia e Distler (1999) são fundamentais, uma vez que se
propõem a compreender as dificuldades e as problemáticas que en-
volvem as famílias de crianças surdas com o objetivo de orientá-las,
estimulá-las e instrumentalizá-las para que alcancem relações mais
satisfatórias com seus integrantes surdos.

13. LEITURA COMPLEMENTAR


Apresentamos a seguir fragmentos do artigo Mães ouvintes com fi-
lhos surdos: concepção de surdez e escolha da modalidade de linguagem,
das pesquisadoras Angélica Bronzatto de Paiva e Silva; Maria Cristina da
Cunha Pereira e Maria de Lurdes Zanolli (ver Tópico E-Referências).
O texto descreve uma pesquisa realizada no Centro de Estu-
dos e Pesquisas em Reabilitação (CEPRE/FCM/Unicamp) que teve
por objetivo analisar a concepção que mães ouvintes com filhos
surdos tinham sobre surdez e relacioná-la com a modalidade de
linguagem utilizada pela mãe e pela criança.

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88 © Língua Brasileira de Sinais

Para a concretização da pesquisa, as autoras entrevistaram


10 mães de crianças surdas, sendo cinco pré-escolares e cinco es-
colares. Analisaram os dados referentes às categorias "concepção
de surdez" e "escolha da modalidade de linguagem" e, dessa aná-
lise, perceberam que uma das mães parecia ver a surdez como do-
ença, outra como uma diferença e as outras mães encontravam-se
entre as duas posições.
Quanto à escolha da modalidade de linguagem, cinco entre-
vistadas relataram que seus filhos usavam predominantemente os
sinais; quatro relataram que as crianças utilizavam a fala e os si-
nais; e uma relatou que a criança usava somente a linguagem oral
para se comunicar. De acordo com a pesquisa, a criança cuja mãe
concebia a surdez como doença procurava se comunicar oralmen-
te, enquanto aquela cuja mãe via a surdez como diferença fazia
uso de sinais e de fala para se comunicar.
A fim de complementar nossos estudos sobre as questões que
relacionam surdez e família, vejamos a descrição dos dados encontra-
dos pelas autoras sobre a concepção de surdez e da pessoa surda:

Mães ouvintes com filhos surdos: concepção de surdez e


escolha da modalidade de linguagem–––––––––––––––––––––
Com o objetivo de possibilitar ao leitor articular a concepção que cada mãe en-
trevistada tem a respeito da surdez e da pessoa surda, optou-se por juntar os
dados relativos aos dois temas para cada mãe e organizá-los de acordo com as
semelhanças ou as diferenças que os depoimentos apresentam.
Em relação à concepção de surdez, embora não se possa afirmar que as mães
tenham conhecimento sobre as diferentes concepções geralmente atribuídas à
surdez, é possível depreender, em suas entrevistas, ideias que as identificam
com as concepções clínico-terapêutica ou socioantropológica.
Na análise sobre o que as 10 mães pensam a respeito da surdez, a maioria delas
(M2, M3, M4, M5, M8, M9) revela considerar a surdez uma deficiência, embora
nem todas utilizem esse termo.
A mãe 2, por exemplo, diz que a surdez é uma deficiência, no entanto procura
atenuar a sua afirmativa, defendendo que a criança surda pode se tornar normal
se for bem trabalhada, como se pode observar em suas palavras: "Eu acho que
é uma deficiência, é, mas ela tem tudo se a criança for trabalhada, como a gente
está buscando atendimento, ela está sendo atendida, ela pode vir a ser uma
pessoa normal." (M2).
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 89

A concepção clínico-terapêutica percebe a surdez como doença/déficit e o surdo


como deficiente auditivo. Sendo assim, a pessoa surda necessita de um trabalho
para suprir ou sanar essa falta e assim ser "curada". A "cura" está relacionada ao
aprendizado da linguagem oral, ficando implícito que, quanto melhor a sua fala,
melhor terá sido o processo de reabilitação da criança surda (Skliar, 1997), o que
pressupõe o uso de aparelho de amplificação sonora e estimulação auditiva, por
meio de treinamento auditivo e de fala.
A concepção socioantropológica entende que o termo "surdo" se refere a qual-
quer pessoa que, por não escutar, interage com o mundo por meio de experiên-
cias visuais. A surdez é concebida como diferença e os surdos como "diferentes"
dos ouvintes, sendo esta diferença decorrente, principalmente, da forma como
os surdos têm acesso ao mundo, por meio da visão (Skliar, 1997). Considerar
a surdez uma diferença implica, entre outras coisas, respeitar a língua de sinais
como a preferencial para o acesso ao conhecimento, sendo esta o elemento
identificatório dos surdos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Quanto à segunda categoria de análise estudada, as pesquisado-
ras afirmaram que a escolha da modalidade de linguagem privilegiada
na interação entre mãe ouvinte e criança surda iria depender do conhe-
cimento que a família tinha da surdez e da expectativa que construiu
em relação ao filho surdo. Vejamos o que as autoras observaram:

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Pelo fato de ser ouvinte, é esperado que, inicialmente, a família, em particular
a mãe, privilegie a fala, forma habitual de interação na sociedade ouvinte. No
entanto, à medida que a interação vai acontecendo, a representação que a mãe
vai fazendo das potencialidades linguísticas do seu filho vai determinar a modali-
dade que será usada na interação com o filho, se oral ou gestual.
[...] Tendo em vista o objetivo deste estudo, foram retirados das entrevistas dados
que permitissem relacionar as concepções de surdez e de pessoa surda que as
mães demonstram ter, com a modalidade de linguagem que elas pensam ser a
melhor para seu filho e para os surdos em geral.
Vale lembrar que a instituição onde foi realizado este estudo expõe as crianças
surdas à Língua de Sinais e à Língua Portuguesa, nas modalidades oral e escri-
ta, e oferece curso de Língua de Sinais para os pais e familiares.
A maioria das mães (M1, M2, M4, M5, M6, M7, M8, M9, M10) diz que o melhor
para o surdo seria usar os sinais e a fala: "Para início sem sombra de dúvida que
é a linguagem de sinais, para o início é fundamental porque eu lembro que quan-
do K era pequena, eu não falava nada para ela, [...] eu pegava dava banho, eu
trocava, sem falar para onde vai, o que vai fazer, o que vai acontecer. Então, se
não fosse os sinais, como eu ia explicar para ela, agora já quando eles já estão
maiores, aí sim, a linguagem oral também é importante." (M1).
[...] Diferentemente de todas as mães, M3 refere que a melhor forma para o surdo
se comunicar é por meio da fala e explica: "[...] é porque é mais fácil, o sinal é
muito difícil" (M3). A mãe deixa claro que tem muita dificuldade em aprender os
sinais, apesar de estar no CEPRE há mais de três anos. Como seu filho apre-

Claretiano - Centro Universitário


90 © Língua Brasileira de Sinais

senta comunicação através da oralidade, ela não sente necessidade de aprender


a usar a Língua de Sinais. A mãe afirma que usa só a linguagem oral em casa:
"aumenta, ele manda para eu aumentar, o que eu falo ele não entende, ele fala
aumenta, para eu falar mais alto". Quando é a mãe que não entende o que o filho
fala, ela diz: "às vezes quando ele fala alguma coisa que eu não entendo, daí ele
faz o sinal", e explica "se caso ele falar comigo eu sei, mas me comunicar mesmo
usando em sinais com ele, não" (M3).
Nas observações realizadas nos atendimentos, pode-se observar que a criança
3 fala com o colega surdo quando este está de costas ou fala com o adulto surdo,
mas sabe alguns sinais quando o instrutor surdo pede para ele fazer, embora não
os use constantemente. Parece que a criança construiu um modelo de comuni-
cação de ouvinte, isto é, para falar não precisa olhar, falando com os colegas
surdos mesmo eles estando de costas, mas precisa olhar para o interlocutor
quando este usa sinais.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
No trecho a seguir, as autoras apresentam um paralelo entre
a concepção de surdez que as mães entrevistadas demonstram ter
e a modalidade de linguagem privilegiada na interação delas com
seus filhos. Vejamos o que elas relatam a esse respeito:

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Após analisar as concepções de surdez e de surdos que cada mãe revela
nas entrevistas e da modalidade que elas parecem privilegiar na interação,
procedeu-se ao estabelecimento de um paralelo, buscando relacionar as duas
categorias.
Observou-se que, entre as mães (M2, M3, M4, M5, M8, M9) que revelam ter uma
representação da surdez como deficiência, somente para uma delas (M3) a me-
lhor forma do surdo se comunicar é por meio da modalidade oral.
Ao referirem que a surdez é uma deficiência e que as crianças surdas precisam
de um trabalho para poder se tornar "normais", é de se esperar que as mães
valorizem a comunicação por meio da fala. No entanto, para todas os surdos
precisam utilizar os sinais e a fala, embora, em seus depoimentos, se perceba
que algumas privilegiam a fala, como a mãe 5, e outras privilegiam os sinais,
como a mãe 2.
A mãe 5, apesar de ter uma representação da surdez como deficiência, afirma
que os surdos são inteligentes, mas têm dificuldades no aprendizado. Como tem
essa visão reparadora da surdez, justifica o predomínio do uso da modalidade
oral da Língua Portuguesa com o filho, pois, aprendendo a falar, torna-se me-
nos deficiente. Ao referir que são inteligentes, parece atribuir a esta qualidade
o aprendizado da fala. No entanto, nota-se uma contradição, quando diz que
os surdos são inteligentes, mas têm dificuldades. Esta forma de se referir aos
surdos pode ser tomada como decorrência da representação que a mãe tem de
surdez, uma vez que a visão de deficiência traz embutida a visão de incapacida-
de e, assim, os surdos, apesar de serem inteligentes e conseguirem falar, terão
mais dificuldades em aprender.
A mãe 2 também demonstra ter uma concepção de surdez como deficiência, na
medida em que afirma que o trabalho de reabilitação pode melhorar a vida do
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 91

surdo e ele pode vir a tornar-se uma pessoa normal. Seria de se esperar que ela
privilegiasse a fala, já que é assim que o surdo poderia deixar de ser deficiente.
No entanto, a mãe refere que seria melhor para o surdo usar os sinais e a fala, e,
por enquanto, a filha usa predominantemente os sinais. Parece que a mãe usa
sinais porque sua filha é pequena e não conta ainda com recursos orais para se
comunicar e, assim, o uso dos sinais parece ser transitório, apenas para facilitar
a comunicação entre elas.
As outras mães (M1, M6, M7, M10), que revelaram não conceber a surdez como
deficiência, também mencionaram a importância das duas línguas (de Sinais e
Língua Portuguesa). Contudo, uma delas, a de número 7, prioriza os sinais. Faz-se
importante considerar que a criança da mãe 7 é pequena e, portanto, não dispõe
de muitos recursos orais para se comunicar, por isso parece priorizar os sinais.
Na relação entre concepção de surdez e modalidade de linguagem, percebe-se
que tanto as mães que têm uma concepção mais clínica da surdez como as que
não a encaram como deficiência mencionam a importância do surdo adquirir as
duas línguas.
Como os pais são ouvintes, parece ser natural que tenham a expectativa de que
seus filhos sejam bilíngues para poder conviver tanto com o grupo de surdos,
como com o grupo de ouvintes, já que é a minoria de ouvintes que aprende a
Língua de Sinais. No entanto, vale lembrar que, pelo fato de frequentarem o CE-
PRE, que segue uma abordagem bilíngue, essas mães receberam orientações
sobre a importância e a necessidade do uso da Língua de Sinais, o que pode
ter contribuído para que elas percebessem que a criança pode se desenvolver
melhor se utilizar a Língua de Sinais e que esta não impede ou atrapalha o de-
senvolvimento da fala. Apesar de todas terem a mesma orientação, percebem-se
diferenças na ênfase que as mães dão à modalidade de língua. O quanto a mãe
privilegia uma modalidade em detrimento da outra vai depender da concepção
que ela tem de surdez e da representação que construiu das possibilidades lin-
guísticas do seu filho surdo.
É importante ressaltar que, por vezes, a relação entre a concepção de surdez
e a escolha da modalidade é influenciada pelas opções que os pais têm à sua
disposição na comunidade em que estão inseridos.
Verificou-se que das 10 mães somente duas delas apresentaram posições mais
definidas e opostas em relação à concepção de surdez e da pessoa surda. Uma
delas, a M10, parece se aproximar de uma concepção socioantropológica da
surdez, na medida em que concebe o surdo como diferente, aceita a Língua
de Sinais e não esquece em nenhum momento que a filha é surda. Prioriza a
via visual-gestual para a criança ter acesso às informações e conhecimento de
mundo. Essa mãe optou pelo trabalho bilíngue e a filha, em idade escolar (nove
anos), usa as duas línguas, a de Sinais e a Portuguesa, dependendo do seu
interlocutor.
A mãe 3 revela, em seus depoimentos, se identificar com uma concepção clínico-
terapêutica da surdez, acreditando que tanto o aparelho auditivo quanto a fala
trazem a cura para a perda da audição. Apesar de frequentar o CEPRE, relata
que não consegue aprender a Língua de Sinais e o filho entende tudo pela fala.
O filho, em idade escolar (sete anos e oito meses), faz uso constante do aparelho
auditivo, ficando "nervoso" quando a pilha acaba. Ele apresenta uma fala inteli-
gível, mais para pessoas que estão acostumadas a ouvir a voz de surdos, e usa
assistematicamente os sinais com os colegas surdos no CEPRE.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Claretiano - Centro Universitário


92 © Língua Brasileira de Sinais

Ao finalizar o artigo, as autoras, em suas considerações fi-


nais, concluíram que:
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A expectativa da família ouvinte é, geralmente, que seu filho possa usar a Língua
de Sinais entre os surdos e a Língua Portuguesa na modalidade oral com os
ouvintes. A fala possibilitaria a integração dos filhos no mundo dos ouvintes e os
sinais, por outro lado, a melhor compreensão e o estabelecimento de relações
sociais entre iguais.
As mães não se mostram muito seguras em relação à sua concepção de surdez.
Parecem hesitar em usar o termo deficiência, por ter uma conotação pejorativa,
mas suas palavras refletem que têm a visão de que o surdo é menos capaz.
Como a maioria das mães não está ciente da concepção que tem de surdez,
sua representação das possibilidades linguísticas do filho surdo parece variar de
acordo com as informações que elas vão tendo sobre a surdez e com a vivência
com outras pessoas surdas, o que parece explicar o fato de, em alguns momen-
tos, privilegiarem os sinais, e, em outros, a fala.
Fica evidente a importância de a família ter uma concepção mais clara da surdez
para que possa escolher de forma mais segura a modalidade de linguagem que
será privilegiada na relação mãe-criança.
Cabe ressaltar, ainda, a importância de que não só as famílias, mas também os
profissionais da área da saúde, da educação e os próprios membros da socieda-
de reflitam sobre suas concepções para que atitudes preconceituosas e ações
discriminatórias em relação à pessoa surda se modifiquem e que o surdo possa,
de fato, ser incluído numa sociedade majoritária, tendo o direito de ser reconhe-
cido e respeitado na sua diferença.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

14. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) O que diferencia os conceitos de fala, língua e linguagem?

2) Descreva, brevemente, com suas palavras, o processo normal de aquisição e


desenvolvimento da linguagem na criança ouvinte.

3) Descreva, brevemente, com suas palavras, como ocorre o desenvolvimento


da linguagem nas crianças ouvintes e nas crianças surdas.

4) De que forma a família reage diante do diagnóstico de surdez para um de seus


integrantes? Descreva alguns dos sentimentos que, geralmente, ela vivencia.

5) Que atitudes a família pode assumir para auxiliar o desenvolvimento cogni-


tivo e linguístico da criança surda?
© U3 - A Surdez na Família e o Desenvolvimento da Linguagem 93

15. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pôde refletir sobre a importância da lín-
gua de sinais para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e afeti-
vo da criança surda. Vimos que a surdez pode afetar todo o siste-
ma familiar; porém este deve formar interlocutor(es) em libras e
envolver-se no processo educacional do filho surdo.
Na próxima unidade, você terá a oportunidade de refletir so-
bre a escolarização de crianças surdas, enfocando sua condição na
classe de ouvintes e a presença ou não da língua de sinais nesse
contexto. Estudaremos, também, o Atendimento Educacional Es-
pecializado para os Alunos com Surdez, uma nova proposta elabo-
rada pelo Ministério da Educação a fim de garantir aos surdos uma
educação mais adequada às suas reais necessidades.

16. E-REFERÊNCIA
PAIVA E SILVA, A. B.; PEREIRA, M. C. C.; ZANOLLI, M. L. Mães ouvintes com filhos surdos:
concepção de surdez e escolha da modalidade de linguagem. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, jul.-set. 2007, v. 23, n. 3, p. 279-286. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/ptp/v23n3/a06v23n3.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.

17. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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DORZIAT, A. Concepção de surdez e de escola: ponto de partida para um pensar pedagógico
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FERNANDES, E. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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(Dissertação de Mestrado).
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
EAD
A língua de Sinais na
Educação de Surdos

4
1. OBJETIVOS
• Estudar e caracterizar os aspectos da educação dos surdos
à luz dos pressupostos da educação bilíngue e bicultural.
• Compreender e demonstrar a importância da língua de
sinais na educação dos surdos.
• Compreender e discutir a importância da língua de sinais
para a prática docente.
• Conhecer e analisar o Atendimento Educacional Especiali-
zado (AEE) para pessoas com surdez.

2. CONTEÚDOS
• Princípios da educação para a diversidade.
• Educação para a diversidade: formação de professores e
a língua de sinais.
• Atendimento Educacional Especializado (AEE) para pesso-
as com surdez.
96 © Língua Brasileira de Sinais

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Para que você tenha um bom desenvolvimento no estu-
do deste Caderno de Referência de Conteúdo e uma boa
compreensão dos conceitos abordados, é fundamental
interagir com seu tutor e colegas na Sala de Aula Virtual,
sanando suas dúvidas e levantando novos questionamen-
tos acerca dessa temática.
2) Caso você tenha alguma dúvida sobre esse assunto, é
importante que retome a Unidade 1.
3) Ao final desta unidade, você encontrará algumas ques-
tões autoavaliativas. Responda todas as questões e, em
caso de dúvidas, entre em contato com o seu tutor e com
os seus colegas na Sala de Aula Virtual para solucioná-las.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você estudou a importância da língua
de sinais para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e afetivo da
criança surda e pôde constatar as implicações da surdez em todo
o sistema familiar.
Nesta unidade, irá refletir sobre a escolarização de crianças
surdas, enfocando, especialmente, sua condição na classe de ou-
vintes e da presença ou não da língua de sinais nesse contexto.
Estudaremos, também, o Atendimento Educacional Especializado
para os Alunos com Surdez, uma nova proposta elaborada pelo
Ministério da Educação a fim de garantir aos surdos uma educação
mais adequada às suas reais necessidades.
Consideramos esse espaço de reflexão e discussão de funda-
mental importância, tendo em vista que o objetivo deste curso é
formar professores. Assim, é imprescindível que você tenha aqui
uma oportunidade para estudar algumas questões essenciais so-
bre a educação dos surdos e a língua de sinais.
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 97

5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ESCOLA-


RIZAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS
Vamos iniciar esta unidade pensando como está a escola em
tempos de inclusão escolar. É possível que você, como professor,
receba em sua sala de aula um aluno surdo, por isso torna-se ne-
cessário que você tenha sido preparado para atendê-lo, garantin-
do o direito que ele tem a uma educação de qualidade.
A educação de crianças surdas no Brasil, ao longo da sua his-
tória, tem sido marcada por muitas controvérsias e poucos resul-
tados positivos, independentemente da modalidade de ensino fre-
quentada, seja classe comum, sala de recursos ou escola de surdos
oralista (DORZIAT, 2006; LACERDA, 2006; PEDROSO, 2001).
Em qualquer uma dessas modalidades, não houve a garantia
de resultados acadêmicos compatíveis com o potencial dos surdos
e com o tempo de permanência na escola. A maioria dos surdos,
mesmo depois de muitos anos de escolarização, não consegue su-
perar o nível escolar referente às séries iniciais do Ensino Funda-
mental (PEDROSO, 2001).
Desse modo, o fracasso educacional dos surdos, expresso no
baixo índice de escolaridade desses alunos, parece corresponder,
de acordo com Soares (1999, p. 115):
[...] ao mesmo fio condutor do sistema educacional geral que se de-
clara democrático, mas que não tem permitido, na prática, o acesso
ao conhecimento socialmente valorizado à maioria da população.

A respeito do aproveitamento escolar pelo aluno surdo, La-


cerda (2006, p. 2) apresenta os seguintes dados:
Pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior indicam que um nú-
mero significativo de sujeitos surdos que passaram por vários anos
de escolarização apresenta competência para aspectos acadêmicos
muito aquém do desempenho de alunos ouvintes, apesar de suas
capacidades cognitivas iniciais serem semelhantes.

Para essa mesma autora, esses dados evidenciam a inade-


quação do sistema de ensino às necessidades de alunos surdos e

Claretiano - Centro Universitário


98 © Língua Brasileira de Sinais

revelam a importância de estudos que apontem caminhos mais


adequados para tais alunos, favorecendo o desenvolvimento efeti-
vo de suas capacidades.
Ainda sobre a mesma problemática, denuncia (LACERDA,
2006, p. 10):
Ao final de anos de escolarização, a criança recebe o certificado
escolar sem que tenha sido minimamente preparada para alcançar
os conhecimentos que ela teria potencial para alcançar (em muitos
casos, termina a oitava série com conhecimentos de língua portu-
guesa e matemática compatíveis com a terceira série). Esta reali-
dade é gravíssima e tem se repetido no Brasil, a cada ano. Torna-se
urgente intervir e modificar estes fatos.

A literatura aponta como responsáveis por esse fracasso a


ineficiência da comunicação entre os alunos surdos e seus pro-
fessores, resultado da ausência de uma língua compartilhada, de
orientação adequada aos professores em relação às especificida-
des do surdo e, consequentemente, do uso de procedimentos de
ensino adequados (GÓES, 1996; SOUZA, 1998).
A falta de uma língua compartilhada entre os alunos surdos,
professores e colegas ouvintes é analisada por Lacerda (2000a) e
Botelho (1998) como uma situação que deixa o aluno surdo em
condição de desigualdade linguística na sala de aula, não garantin-
do acesso aos conhecimentos trabalhados (TARTUCI, 2005).
O que pode contribuir para a superação da desigualdade so-
frida pelos alunos surdos?
De acordo com Dias (2006a) e McCleary (2006), a superação
dessa desigualdade só poderá ser atingida se a escola se reorgani-
zar, visando promover o intercâmbio entre as duas culturas: surda
e ouvinte.
Mediante o movimento pela inclusão escolar, cabe analisar
criteriosamente as condições oferecidas pela classe comum, para
que o surdo aprenda e se sinta feliz naquele contexto. Vale consi-
derar que a simples inserção do aluno surdo em classe comum não
significa inclusão.
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 99

O aluno surdo deve encontrar na sala de aula as condições


de que necessita para aprender, além de um ambiente favorável
ao desenvolvimento da sua identidade como ser capaz. Para tanto,
é preciso que a escola reconheça e valorize a sua cultura, ou seja,
é preciso que ela ultrapasse os pressupostos da escola inclusiva e
se reorganize na direção de uma escola bilíngue e bicultural, con-
forme apresentamos na Unidade 1.
De acordo com os dados obtidos por Pedroso (2001) em
entrevistas realizadas com surdos adultos, esses alunos, quando
inseridos na classe comum, na década de 1980, enfrentavam mui-
tas dificuldades na comunicação com seus colegas e professores
ouvintes, uma vez que o uso da língua de sinais não era permitido
nos contextos formais de ensino. Assim, os colegas e professores
ouvintes empregavam com os surdos a oralidade, o que não garan-
tia a comunicação.
Desse modo, os alunos surdos rendiam-se à forma de comu-
nicação dos ouvintes, a língua oral. Porém, eles não compreen-
diam o que era falado pelos ouvintes e estes não compreendiam
o que os alunos surdos expressavam. Como consequência desse
quadro, os alunos surdos apresentavam dificuldades em todos os
componentes curriculares, pois não compreendiam os conteúdos
transmitidos pelos professores.
Além da falta de interlocução, podemos perceber que os
professores da classe comum não apresentavam formação sobre
a surdez, desconhecendo suas especificidades, como, por exem-
plo, o fato de os surdos terem como primeira língua uma língua
de sinais, e não a majoritária do país. Outra especificidade desco-
nhecida pelos professores da sala de aula comum era o fato de a
língua de sinais ser uma língua completa, capaz de garantir uma
comunicação plena sobre qualquer temática.
O estudo de Pedroso (2001) revelou, também, que o fato de
os professores não terem formação para ensinar aos alunos surdos
levava ao uso de procedimentos de ensino inadequados e refor-

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100 © Língua Brasileira de Sinais

çava a possibilidade de fracasso escolar do surdo. Os professores,


por falta de conhecimentos, acreditavam que para ensinar esses
alunos bastava, por exemplo, falar devagar e de frente para os alu-
nos. A leitura labial é uma habilidade individual e não garante a
compreensão do significado daquilo que é percebido por meio dos
movimentos dos lábios.
Por falta também de conhecimento de como o surdo pode
aprender a ler, escrever e a se relacionar com os conteúdos acadêmi-
cos, de acordo com os pressupostos do bilinguismo, esses alunos são,
na maioria das situações, submetidos a processos formais de alfabeti-
zação e ensino, pensados por e para ouvintes (MARTINS, 2005).
Assim, Kyle (1999) questiona o fato de os currículos serem
elaborados e desenvolvidos por ouvintes com conhecimento insu-
ficiente sobre os surdos e suas expectativas.
Você já teve alguma experiência com alunos surdos?
Se sim, os dados obtidos por Pedroso, citados anteriormen-
te, devem ser familiares. Se não, pode aproveitá-los para imaginar-
se na situação de responsável por uma sala de aula na qual exista,
dentre os vários alunos, um que seja surdo.
Mas a superação desse quadro não depende apenas do co-
nhecimento da língua de sinais e da introdução dela nas escolas.
Em sua opinião, o que é necessário modificar nas estruturas
ou nos currículos escolares para que haja uma educação signifi-
cativa para os alunos surdos? Tente responder a essa pergunta e
compare com o conteúdo a seguir.
Normalmente, o que se faz na passagem de uma escola mo-
nolíngue para uma escola bilíngue é traduzir o currículo (em geral,
apenas os conteúdos) da língua majoritária para a língua da mi-
noria, no caso a de sinais. Isso, na visão de Kyle, não é suficiente
para garantir o bilinguismo. Considerando-se apenas a utilização
da Libras, é provável que as crianças surdas continuem a fracas-
sar nesse currículo. Na verdade, o currículo deveria se orientar
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 101

pelas questões sociais, políticas e culturais da comunidade surda


(SKLIAR, 1999; TARTUCI, 2005).
Para Skliar (1999, p. 217), considerar a participação do surdo
na elaboração do currículo torna-se fundamental, pois:
[...] esse grupo esteve sempre subordinado a modelos educativos
pensados e estruturados por ouvintes e para ouvintes imperfeitos,
ou seja, modelos educacionais clínicos e restaurados.

O currículo, compreendido dessa forma, deveria questionar


as relações de poder envolvidas na produção da identidade e da
diferença cultural (SILVA, 2004).

6. EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE E A EDUCAÇÃO


DOS SURDOS
Na perspectiva da educação para a diversidade, o currículo
deveria ser pensado como um instrumento político e democráti-
co, portanto, igualitário, ou seja, com potencial para promover a
igualdade de oportunidades. Dessa maneira, deveria reconhecer a
existência das diferenças sociais e culturais e procurar respeitá-las,
em vez de se manter apenas na dimensão da retórica, que conti-
nua privilegiando uns e marginalizando outros.
O reconhecimento das diferenças linguísticas e sociais do
aluno surdo está presente nos textos e nas políticas, entretanto,
na prática, muito pouco tem sido realmente mudado em relação à
escola e ao currículo.
Nessa operação de pensar um currículo que dê conta de
atender às necessidades sociais, culturais e cognitivas do surdo,
é preciso, primeiramente, envolvê-lo nos processos de discussão
e fazer com que ele também participe da construção do projeto
político-pedagógico (DIAS, 2006; MARTINS, 2005).
Em relação à participação dos surdos, Kyle (1999, p. 18-20)
acrescenta que:

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102 © Língua Brasileira de Sinais

Raramente há uma maioria de surdos no processo de tomada de


decisões. [...] Uma vez que o sistema educacional é o majoritário,
este currículo provavelmente é centrado na audição, ou seja, ba-
seia-se numa perspectiva auditiva do mundo. [...] Nunca houve um
exame das necessidades e habilidades da maioria como uma base
para a definição do currículo.

Assim, as escolas não devem ficar circunscritas a adminis-


trações centralizadoras, pois os professores, os alunos e os pais
ou responsáveis, entre outros que direta ou indiretamente sofrem
as forças do currículo, devem participar das decisões políticas. No
caso do aluno surdo, sua participação na elaboração e implemen-
tação de políticas educacionais e curriculares é decisiva para a re-
estruturação da escola, e especialmente a garantia do atendimen-
to dos pressupostos da inclusão e do bilinguismo.
Diante desse panorama relacionado à educação dos surdos,
permeado pela inclusão e pelo bilinguismo, não são poucos nem
simples os questionamentos que surgem no sentido de um mode-
lo que dê conta de atender às duas propostas.
A participação dos surdos nas discussões sobre o processo
educacional pode auxiliar na elucidação dos questionamentos
que, certamente, surgirão daqui para frente mediante a política de
atendimento das crianças surdas nos contextos escolares comuns.
Alguns desses possíveis questionamentos já foram previstos por
Quadros (2006, p. 15):
Como a escola regular vai garantir o processo de aquisição da Lín-
gua Brasileira de Sinais? Quem serão os interlocutores das crianças
surdas? Como será promovida a interação social dos pares surdos?
Como será a constituição do sujeito surdo? Como os grupos exer-
cerão e reproduzirão suas regras e seus princípios surdos? Como
a coletividade será garantida? Como a escola vai garantir o acesso
aos conhecimentos escolares na língua de sinais em escolas que
utilizam o português como meio linguístico? Como será garantido
o processo de alfabetização e letramento na escrita da língua de
sinais? Como será proporcionado o ensino do português com es-
tratégias baseadas na aquisição de segunda língua?
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 103

7. EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE: FORMAÇÃO


DOS PROFESSORES E LÍNGUA DE SINAIS
Os cursos de formação de professores, desde o final da déca-
da de 1990, estão oferecendo disciplinas curriculares relacionadas
com a educação de alunos com necessidades especiais. Isso foi re-
comendado pela LDB, Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), e reforçado
nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professo-
res da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena (BRASIL, 2001).
Especificamente em relação à educação da criança com sur-
dez, o Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº 10.436/02,
determinou a inclusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como
disciplina curricular nos cursos de formação de professores.

É importante você saber que apenas recentemente os cursos de


formação de professores estão incluindo em seus currículos uma
disciplina sobre necessidades educacionais especiais. A disciplina
de Libras passou a ser considerada uma obrigatória apenas a par-
tir de 2005. Esta oportunidade que você está encontrando no seu
curso de estudar Libras é inovadora em nosso país e representa
um grande avanço, considerando o que estudamos na unidade
anterior sobre o predomínio do oralismo.

Anteriormente à orientação de que os alunos dos cursos de


formação inicial de professores deveriam receber conhecimentos
sobre a educação dos alunos com necessidades especiais, órgãos
competentes, como a Coordenadoria de Estudos e Normas Peda-
gógicas (Cenp), distribuíram, na década de 1980, materiais visan-
do orientar a prática pedagógica do professor em sala de aula, na
perspectiva da formação continuada.
Tal orientação, naquele momento, era pautada em uma
prática tecnicista, ou seja, um trabalho mais formal, sistemático e
orientado. Uma dessas publicações, O deficiente auditivo entra na
escola (SÃO PAULO, 1986a), continha sugestões de acolhimento do

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104 © Língua Brasileira de Sinais

aluno pela escola e pela comunidade, bem como atividades rela-


cionadas ao desenvolvimento da fala e da linguagem.
Outra publicação, Você e os problemas da audição (SÃO PAULO,
1981), orientava sobre a prevenção e destacava a importância da au-
dição. E, ainda, o livro Psicologia, lar, escola (SÃO PAULO, 1986b) dava
ênfase ao convívio da criança no lar e na escola e apresentava princí-
pios de educação que a criança deveria receber nesses contextos.
Essas publicações, porém, influenciadas pela época, estão
baseadas nos pressupostos do oralismo e da integração, ou seja,
defendiam a participação do surdo na sociedade ouvinte por meio
da audição e da fala, bem como o aprendizado na classe comum.
No entanto, sua integração no sistema regular de ensino iria de-
pender do nível da capacidade desse aluno de se adaptar às op-
ções do sistema escolar.
Ainda sobre a falta de formação dos professores para ensinar
os alunos surdos, Silva e Pereira (2003) verificaram que, apesar de
os professores pesquisados afirmarem que acreditam na inclusão
e no potencial dos surdos, suas atitudes contradizem essas ideias.
Os professores sem formação para atender a crianças surdas
parecem agir como se essas fossem menos capazes do que seus
colegas ouvintes e, em virtude disso, exigem menos delas e são
mais tolerantes com comportamentos inadequados. Isso decorre,
principalmente, de sua falta de formação para ensinar alunos sur-
dos, o que gera, consequentemente, concepções e atitudes equi-
vocadas em relação à surdez.
Em relação à formação dos educadores, Nóvoa (1992) alerta
que o como fazer está intrinsecamente relacionado ao por que fa-
zer, para que fazer e para quem fazer. Fazendo uma relação dessa
afirmação à questão da formação de professores e à educação de
surdos, é possível perceber que as práticas voltadas para os alunos
com surdez foram geradas como produto das concepções e valores
desses professores a respeito das crianças surdas e sua educação.
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 105

Essa situação só será superada quando houver clareza sobre


quem é o surdo e o que se almeja para ele. Do contrário, os alunos
surdos continuarão vítimas da "ouvintização", entendida como a
transposição de conhecimentos do mundo ouvinte para os temas
relacionados à surdez. Em relação à educação, a ouvintização justi-
ficaria a aplicação de modelos educacionais para ouvintes na edu-
cação dos surdos.
Ao refletir sobre a inclusão de alunos surdos e sobre o bilin-
guismo, Dias (2004) faz um alerta sobre o desconhecimento, pelos
ouvintes, das condições necessárias para a escolarização de gran-
de parte dos surdos, resultando na imposição do poder dos ouvin-
tes nas decisões que permeiam as questões educacionais desses
alunos.
As características da educação dos surdos, anteriormente
descritas, mostram a urgência e a relevância de se problematizar
acerca da inclusão e do bilinguismo, objetivando superar o quadro
de fracasso decorrente do uso de modelos educacionais inadequa-
dos às necessidades e especificidades desses alunos.
Cabe destacar que a educação bilíngue é uma proposta afi-
nada com os princípios da educação inclusiva, uma vez que ela
pode propiciar algumas das condições necessárias à aprendizagem
do surdo e, assim, garantir o acesso a uma educação de qualidade.
De acordo com Dias (2004), os dois movimentos, inclusão e
bilinguismo,
[...] têm por base o reconhecimento e a aceitação da diversidade
social, ou seja, cria condições para que as pessoas, em suas diferen-
ças, possam se desenvolver e usufruir de oportunidades semelhan-
tes na vida social (DIAS, 2004, p. 37).

Mas vamos lembrar aqui que a organização de uma educação de


qualidade para os surdos pressupõe mudança no modelo educacional
vigente. Para Mittler (2003), a inclusão escolar implica reforma e rees-
truturação das escolas. Para o autor, essas mudanças incluem:
[...] o currículo corrente, a avaliação, os registros e os relatórios de
aquisições acadêmicas dos alunos, as decisões que estão sendo to-
madas sobre o agrupamento dos alunos nas escolas ou nas salas de
aula, a pedagogia e as práticas de sala de aula, bem como as opor-
tunidades de esporte, lazer e recreação (MITTLER, 2003, p. 25).

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106 © Língua Brasileira de Sinais

Especificamente em relação aos alunos surdos, a reestrutu-


ração da escola implica:
1) criar as condições de interlocução entre os professores
ouvintes e seus alunos surdos;
2) garantir práticas pedagógicas adequadas aos surdos;
3) viabilizar o aprendizado por meio da língua de sinais;
4) propiciar o intercâmbio entre os surdos;
5) incluir o professor surdo na equipe de profissionais da
escola e o intérprete de Língua Brasileira de Sinais, entre
outras condições.
Nesse sentido, é oportuno destacar, mais uma vez, a relação
entre a educação inclusiva e os pressupostos do bilinguismo que
propõem o ensino dos surdos fundamentado em sua primeira lín-
gua, a língua de sinais. Então, de acordo com esses pressupostos,
a escola, para atender ao aluno surdo, deveria priorizar o espaço
da língua de sinais na sala de aula como a medida prioritária na
reestruturação do modelo educacional vigente.
Valorizando os pressupostos do bilinguismo na educação
dos surdos e a participação desses sujeitos nas definições acerca
da sua escolarização, Dias (2004, p. 39) acrescenta que:
[...] as reivindicações da comunidade para que o ensino de surdos
em Língua Brasileira de Sinais (Libras) seja ministrado em escolas
especiais, em classes especiais, em unidades especiais ou, ainda,
em classes comuns com intérpretes, em razão de sua especificida-
de cultural e linguística, devem ser vistas como propostas emergen-
tes do movimento de inclusão, resultantes da busca de uma escola-
ridade com maior qualidade para os alunos surdos.

Para essa mesma autora, qualquer pessoa deveria ter condi-


ção de agir autonomamente e decidir sobre a sua vida de acordo
com os seus interesses e necessidades, ou seja, de participar nas
instituições e na comunidade de maneira democrática e visando à
qualidade dos processos, como proposto no bilinguismo e no mo-
vimento de inclusão.
Esse processo de reconhecimento do potencial do surdo em
participar das decisões de sua educação busca superar uma histó-
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 107

ria marcada pelo autoritarismo e pelo controle do ouvinte sobre o


surdo, nas decisões sobre sua vida e sua educação.
No caso dos surdos, romper com esse modelo significa en-
volvê-los nas decisões que dizem respeito à sua vida, especialmen-
te quando as políticas apontam para a sua educação nas escolas
comuns. Dessa maneira, os surdos serão elementos-chave nesse
processo de construção da escola para todos.
A respeito dessa escola que se propõe inclusiva, Lacerda
(2006, p. 181) faz um alerta sobre seu potencial excludente quan-
do pensada para os surdos:
O aluno surdo, apesar de presente (fisicamente), não é considerado
em muitos aspectos e se cria uma falsa imagem de que a inclusão é um
sucesso. [...] A inclusão no ensino fundamental é muito restrita para o
aluno surdo, oferecendo oportunidades reduzidas de desenvolvimen-
to de uma série de aspectos fundamentais (linguísticos, sociais, afeti-
vos, de identidade, entre outros) que se desenvolvem apoiados nas
interações que se dão por meio da linguagem. A não partilha de uma
língua comum impede a participação em eventos discursivos que são
fundamentais para a constituição plena dos sujeitos.

Conforme dito anteriormente, as condições necessárias para


que o surdo aprenda nos contextos comuns de ensino exigem uma
ampla mudança na maneira como a escola está organizada hoje.
Nesse sentido, considerar a implementação de tais condições na
totalidade das escolas, tornando-as inclusivas para o aluno sur-
do, parece bem irreal. Contudo, é possível garantir tais condições
com base na organização de escolas polos, como sugerido por Dias
(2006a).
A expressão "escola polo" refere-se a uma instituição de en-
sino que se especializa em atender a uma necessidade educacio-
nal específica, de maneira a favorecer a organização escolar de um
município para implementar mudanças necessárias, para evitar o
isolamento de alunos pertencentes a um grupo minoritário e para
facilitar o intercâmbio nessa comunidade. No caso do estudo re-
latado, refere-se a uma escola estadual que centraliza o atendi-
mento a surdos de toda a rede estadual de um município, envol-

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108 © Língua Brasileira de Sinais

vendo, aproximadamente, 60 alunos surdos. Praticamente todos


esses alunos estão matriculados na escola polo (CLAUDIO, DIAS e
PEDROSO, 2006).
A escola polo parece, até o momento, a melhor saída para a
educação dos surdos orientada pelos princípios do bilinguismo e
da inclusão. Ela garante para o surdo as condições essenciais para
a escolarização, como a língua de sinais, a interação com surdos
fluentes nessa língua, a organização da comunidade surda, entre
outras. Além disso, a concentração maior de surdos em uma mes-
ma escola viabiliza o ensino da língua de sinais para os profissionais
da escola e para os familiares, favorece a formação de professores
e concentra os recursos financeiros, humanos e tecnológicos.
Pelo que expusemos até o momento, fica evidente que é pre-
ciso ainda discutir e analisar as aplicações do bilinguismo na escola
e a inclusão do aluno surdo, no sentido de garantir as condições de
que ele necessita para aprender.
Muitas polêmicas têm se formado em torno da educação es-
colar de pessoas com surdez, que acabam enfrentando inúmeras
dificuldades nessa situação, decorrentes de questões linguísticas,
da perda de audição e da forma como se estruturam as propostas
educacionais das escolas.
Atualmente, os alunos surdos acabam sendo prejudicados
pela falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo,
socioafetivo, linguístico e político-cultural, o que acarreta perdas
consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem.
Assim, a escola comum precisa implementar ações que te-
nham sentido tanto para os alunos ouvintes quanto para os sur-
dos. As questões relacionadas à inclusão dos alunos com surdez no
ensino comum ultrapassa os limites da utilização de uma língua:
os surdos precisam de ambientes educacionais estimuladores, que
desafiem o pensamento, explorem suas capacidades, em todos os
sentidos.
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 109

Dessa forma, a proposta de educação escolar inclusiva é um


desafio, que, para ser efetivada, é preciso considerar que os alunos
com surdez têm direito de acesso ao conhecimento e ao Atendi-
mento Educacional Especializado (BRASIL, 2007).
Em 2007, Mirlene Damázio publicou, pelo MEC, um material
denominado Atendimento Educacional Especializado: pessoa com
surdez (ver Tópico E-Referências), que faz menção a três tipos de
atendimentos oferecidos no horário inverso ao que o aluno surdo
ou Deficiente Auditivo (DA) está incluído. Segundo a autora (2007,
p. 25), os atendimentos são:
Momento do Atendimento Educacional Especializado em Libras na
escola comum [...] em que todos diferentes conteúdos curriculares
são explicados nessa língua por um professor, sendo o mesmo pre-
ferencialmente surdo. [...].
Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensi-
no da Libras na escola comum [...] favorecendo o conhecimento e
a aquisição principalmente de termos científicos. Este trabalho é
realizado pelo professor e/ou pelo instrutor de Libras (preferencial-
mente surdo) [...].
Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino
da Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades
dessa língua para pessoas com surdez. [...].
O planejamento do Atendimento Educacional Especializado é ela-
borado e desenvolvido conjuntamente pelos professores que mi-
nistram as aulas em Libras, pelo professor da classe comum e pelo
professor de Língua Portuguesa para pessoas com surdez. O plane-
jamento coletivo inicia-se com a definição do conteúdo curricular,
o que implica que, os professores pesquisem sobre o assunto a ser
ensinado. Em seguida, os professores elaboram o plano de ensino.
Eles preparam também os cadernos de estudos do aluno, nos quais
os conteúdos são inter-relacionados.
No planejamento para as aulas em Libras, há que se fazer o estudo
dos termos científicos do conteúdo a ser estudado, nessa língua.
Cada termo é estudado, o que amplia e aprofunda o vocabulário.
Na sequência, todos os professores selecionam e elaboram os re-
cursos didáticos para o Atendimento Educacional Especializado em
Libras e em Língua Portuguesa, respeitando as diferenças entre os
alunos com surdez e os momentos didático-pedagógicos em que
serão utilizados.

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110 © Língua Brasileira de Sinais

Todos os profissionais observam, direta ou indiretamente, os


alunos com surdez. O foco das observações são: a sociabilidade, a
cognição, a linguagem (oral, escrita, visual-espacial), a afetividade,
a motricidade, as aptidões, os interesses, as habilidades e os talen-
tos dos alunos surdos. As observações iniciais são registradas em
relatórios, contendo todos os dados colhidos ao longo do proces-
so, bem como nas demais avaliações relativas ao desenvolvimento
do desempenho de cada aluno.

8. LEITURA COMPLEMENTAR
A seguir, apresentaremos os três momentos didático-peda-
gógicos do Atendimento Educacional Especializado, segundo Da-
mázio (2007, p. 26-45).

Momento didático-pedagógico: o atendimento


educacional especializado em Libras na escola comum–––––––––
Este atendimento constitui um dos momentos didático-pedagógicos para os alu-
nos com surdez incluídos na escola comum. O atendimento ocorre diariamente,
em horário contrário ao das aulas, na sala de aula comum.
A organização didática desse espaço de ensino implica o uso de muitas imagens
visuais e de todo tipo de referências que possam colaborar para o aprendizado
dos conteúdos curriculares em estudo, na sala de aula comum.
Os materiais e os recursos para esse fim precisam estar presentes na sala de
Atendimento Educacional Especializado, quais sejam: mural de avisos e notícias,
biblioteca da sala, painéis de gravuras e fotos sobre temas de aula, roteiro de
planejamento, fichas de atividades e outros.
Na escola comum, é ideal que haja professores que realizem esse atendimento,
sendo que os mesmos precisam ser formados para ser professor e ter pleno
domínio da Língua de Sinais. O Professor em Língua de Sinais ministra aula utili-
zando a Língua de Sinais nas diferentes modalidades, etapas e níveis de ensino
como meio de comunicação e interlocução.
O planejamento do Atendimento Educacional Especializado em Libras deve ser
realizado em parceria entre os professores de turma comum e os professores de
Língua Portuguesa, uma vez que se pretende que o conteúdo deste trabalho seja
semelhante ao desenvolvido na sala de aula comum.
O Atendimento Educacional Especializado em Libras fornece a base conceitual
dessa língua e do conteúdo curricular estudado na sala de aula comum, o que
favorece ao aluno surdo a compreensão desse conteúdo. Nesse atendimento,
há explicações das ideias essenciais dos conteúdos estudados em sala de aula
comum. Os professores utilizam imagens visuais e quando o conceito é muito
abstrato recorrem a outros recursos, como o teatro, por exemplo. Os recursos
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 111

didáticos utilizados na sala de aula comum para a compreensão dos conteúdos


curriculares são também utilizados no Atendimento Educacional Especializado
em Libras.
[...]
No decorrer do Atendimento Educacional Especializado em Libras, os alunos se
interessam, fazem perguntas, analisam, criticam, fazem analogias, associações
diversas entre o que sabem e os novos conhecimentos em estudo.
Os professores neste atendimento registram o desenvolvimento que cada aluno
apresenta, além da relação de todos os conceitos estudados, organizando a re-
presentação deles em forma de desenhos e gravuras, que ficam no caderno de
registro do aluno.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Momento didático-pedagógico: o atendimento


educacional especializado para o ensino de Libras–––––––––––––
Este atendimento constitui outro momento didático-pedagógico para os alunos
com surdez incluídos na escola comum. O atendimento inicia com o diagnóstico
do aluno e ocorre diariamente, em horário contrário ao das aulas, na sala de aula
comum. Este trabalho é realizado pelo professor e/ou instrutor de Libras (prefe-
rencialmente surdo) de acordo com o estágio de desenvolvimento da Língua de
Sinais em que o aluno se encontra. O atendimento deve ser planejado a partir do
diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua de Sinais.
O professor e/ou instrutor de Libras organiza o trabalho do Atendimento Educa-
cional Especializado, respeitando as especificidades dessa língua, principalmen-
te o estudo dos termos científicos a serem introduzidos pelo conteúdo curricular.
Eles procuram os sinais em Libras, investigando em livros e dicionários espe-
cializados, na internet ou mesmo entrevistando pessoas adultas com surdez,
considerando o seguinte:
• Caso não existam sinais para designar determinados termos científicos, os
professores de Libras analisam os termos científicos do contexto em estudo,
procurando entendê-los, a partir das explicações dos demais professores de
áreas específicas (Biologia, História, Geografia e dentre outros).
• Avaliam a criação dos termos científicos em Libras, a partir da sua estrutura
linguística, por analogia entre conceitos já existentes, de acordo com o do-
mínio semântico e/ou por empréstimos lexicais.
• Os termos científicos em sinais são registrados, para serem utilizados nas
aulas em Libras.
[...]
A organização didática desse espaço de ensino implica o uso de muitas imagens
visuais e de todo tipo de referências que possam colaborar para o aprendizado
da Língua de Sinais. Os materiais e os recursos para esse fim precisam estar
presentes na sala de Atendimento Educacional Especializado e respeitar as ne-
cessidades didático-pedagógicas para o ensino de língua.
[...]
Os professores do Atendimento Educacional Especializado de Libras fazem per-
manentemente avaliações da aprendizagem dos alunos em relação à evolução
conceitual de Libras.

Claretiano - Centro Universitário


112 © Língua Brasileira de Sinais

Em resumo, são questões importantes sobre o Atendimento Educacional Espe-


cializado em Libras e para o ensino de Libras:
• O Atendimento Educacional Especializado com o uso de Libras ensina e en-
riquece os conteúdos curriculares promovendo a aprendizagem dos alunos
com surdez na turma comum.
• O ambiente educacional bilíngue é importante e indispensável, já que respei-
ta a estrutura da Libras e da Língua Portuguesa.
• Este atendimento exige uma organização metodológica e didática e espe-
cializada.
• O professor que ministra aulas em Libras deve ser qualificado para realizar
o atendimento das exigências básicas do ensino por meio da Libras e tam-
bém, para não praticar o bimodalismo, ou seja, misturar a Libras e a Língua
Portuguesa que são duas línguas de estruturas diferentes.
• O professor com surdez, para o ensino de Libras oferece aos alunos com
surdez melhores possibilidades do que o professor ouvinte porque o contato
com crianças e jovens com surdez com adultos com surdez favorece a aqui-
sição dessa língua.
• A avaliação processual do aprendizado por meio da Libras é importante para
que se verifique, pontualmente, a contribuição do Atendimento Educacional
Especializado para o aluno com surdez na escola comum.
• A qualidade dos recursos visuais é primordial para facilitar a compeensão do
conteúdo curricular em Libras.
• A organização do ambiente de aprendizagem e as explicações do professor
em Libras propiciam uma compreensão das ideias complexas, contidas nos
conhecimentos curriculares.
• O Atendimento Educacional Especializado em Libras oferece ao aluno com
surdez segurança e motivação para aprender, sendo, portanto, de extrema
importância para a inclusão do aluno na classe comum.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Momento didático-pedagógico: o atendimento educacional


especializado para o ensino de língua portuguesa––––––––––
O Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa
acontece na sala de recursos multifuncionais e em horário diferente ao da sala
de aula comum. O ensino é desenvolvido por um professor, preferencialmente,
formado em Língua Portuguesa e que conheça os pressupostos linguísticos teó-
ricos que norteiam o trabalho, e que, sobretudo acredite nesta proposta estando
disposto a realizar as mudanças para o ensino do português aos alunos com
surdez.
O que se pretende no Atendimento Educacional Especializado é desenvolver a
competência gramatical ou linguística, bem como textual, nas pessoas com sur-
dez, para que sejam capazes de gerar sequências linguísticas bem formadas.
Nesta perspectiva, a sala de recursos para o Atendimento Educacional Especia-
lizado em Língua Portuguesa deverá ser organizada didaticamente, respeitando
os seguintes princípios:
© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 113

• Riqueza de materiais e recursos visuais (imagéticos) para possibilitar a abs-


tração dos significados de elementos mórficos da Língua Portuguesa.
• Amplo acervo textual em Língua Portuguesa, capaz de oferecer ao aluno a
pluralidade dos discursos, para que os mesmos possam ter oportunidade de
interação com os mais variados tipos de situação de enunciação.
• Dinamismo e criatividade na elaboração de exercícios, os quais devem ser
trabalhados em contextos de usos diferentes.
[...]
O Atendimento Educacional Especializado para ensino da Língua Portuguesa
é preparado em conjunto com os professores de Libras e o da sala comum. A
equipe analisa o desenvolvimento dos alunos com surdez, em relação ao apren-
dizado e domínio da Língua Portuguesa.
Neste atendimento, o professor de Língua Portuguesa focaliza o estudo dessa
língua nos níveis morfológico, sintático e semântico-pragmático, ou seja, como
são atribuídos os significados às palavras e como se dá à organização delas nas
frases e textos de diferentes contextos, levando os alunos a perceber a estrutura
da língua através de atividades diversificadas, procurando construir um conheci-
mento já adquirido naturalmente pelos alunos ouvintes.
Dessa forma, no Atendimento Educacional Especializado, o professor trabalha
os sentidos das palavras de forma contextualizada, respeitando e exploran-
do a estrutura gramatical da Língua Portuguesa. Esse processo inicia-se na
educação infantil, intensificando-se na alfabetização e prossegue até o ensino
superior.
O professor de Língua Portuguesa em parceria com os professores da sala co-
mum e da Libras, realiza estudos dos termos específicos do conteúdo curricular,
utilizando toda fonte de pesquisa bibliográfica possível, em especial, dicionário
ilustrado e livros técnicos. Organiza os termos específicos em um glossário ilus-
trado [...].
Após o trabalho com o glossário, para a ampliação e aquisição do vocabulário do
Português, são feitos estudos pontuais dos diferentes significados e formas de
uso que as palavras podem assumir em diferentes contextos [...] e sua aplicação
a partir da própria palavra, de frases prontas em que essas são empregadas pa-
lavras, textos ou imagens que se reportem às situações em questão.
Para esclarecerem dúvidas e polêmicas sobre o estudo dos contextos e dos
conteúdos curriculares, o professor de Língua Portuguesa e os professores de
turma comum organizam um caderno de estudo, no qual exemplificam conceito
por conceito, procurando oferecer esclarecimentos pontuais para o aprendizado
dos alunos.
O Atendimento Educacional Especializado deve ser organizado para atender os
alunos que optaram pela aprendizagem da Língua Portuguesa na modalidade
oral. Nesse caso, o professor de português oferece aos alunos as pistas fonéti-
cas para a fala e a leitura labial.
[...]
No Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa,
o canal de comunicação específico é a Língua Portuguesa, ou seja, leitura e es-
crita de palavras, frases e textos, o uso de imagens e até mesmo o teatro, para a
representação de conceitos muito abstratos. Vários recursos visuais são usados
para aquisição da Língua Portuguesa.

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114 © Língua Brasileira de Sinais

Dessa forma, os alunos precisam se atentar para todas as pistas oferecidas para
compreenderem a mensagem. O atendimento em Língua Portuguesa contribui
enormemente para o avanço conceitual do aluno na classe comum.
Em resumo, podemos afirmar que:
• O Atendimento Educacional Especializado para aprendizagem da Língua Por-
tuguesa exige que o profissional conheça muito bem a organização e a estru-
tura dessa Língua, bem como, metodologias de ensino de segunda língua.
• O uso de recursos visuais é fundamental para a compreensão da Língua
Portuguesa, seguidos de uma exploração contextual do conteúdo em estu-
do;
• O atendimento diário em Língua Portuguesa, garante a aprendizagem dessa
língua pelos alunos.
• Para a aquisição da Língua Portuguesa, é preciso que o professor estimule,
permanentemente, o aluno, provocandoo a enfrentar desafios.
• O atendimento em Língua Portuguesa é de extrema importância para o de-
senvolvimento e a aprendizagem do aluno com surdez na sala comum.
• A avaliação do desenvolvimento da Língua Portuguesa deve ocorrer continu-
amente para assegurar que se conheçam os avanços do aluno com surdez e
para que se possa redefinir o planejamento, se for necessário.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) De que forma a educação dos surdos deve ser estruturada para contemplar
os pressupostos da educação bilíngue e bicultural?

2) De que forma a falta de uma língua compartilhada entre os alunos surdos,


professores e colegas ouvintes pode deixar a criança surda em condição de
desigualdade linguística na sala de aula?

3) Quais fatores podem contribuir para a superação da desigualdade sofrida


pelos alunos surdos na sala de aula comum?

4) O que é uma escola polo? Quais as vantagens para o aluno surdo no ensino
comum?

5) Quais os três tipos de atendimentos propostos pelo Atendimento Educacio-


nal Especializado para os Alunos com Surdez? Apresente as principais carac-
terísticas de cada um deles.

6) Qual a importância da língua de sinais para a prática docente dos professores?


© U4 - A língua de Sinais na Educação de Surdos 115

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pôde refletir sobre a escolarização de
crianças surdas, enfocando, especialmente, a sua condição na clas-
se de ouvintes e da presença ou não da língua de sinais nesse con-
texto. Você pôde conhecer, também, a proposta de organização do
Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Na próxima unidade, você irá conhecer as estratégias e os re-
cursos didáticos e tecnológicos que estão sendo utilizados na edu-
cação dos surdos, promovendo acessibilidade para que os surdos
possam exercer plenamente sua cidadania.

11. E-REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB n. 2/2001, de 11 de setembro
de 2001. Institui diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
Disponível em: <www.mec.gov.br/seesp/diretrizes1.shtm>. Acesso em: 11 abr. 2006.
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SEESP/SEED/MEC, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/
aee_da.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2010.
SOUZA, R. M. Língua de sinais e língua majoritária como produto de trabalho discursivo. Caderno
Cedes, Campinas, v. 19, n. 46, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S01012621998000300006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 nov. 2006.
TARTUCI, D. Re-significando o "ser professora": discursos e práticas na educação de
surdos. CAC-UFG, 2005. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/
trabalhos/trabalho/GT15-1866--Int.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2011.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Brasília: Centro Gráfico, 1996.
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mediação da língua brasileira de sinais (LIBRAS), em uma escola estadual. In: Sujeito,
escola, representações. Florianópolis: Insular, 2006.
DIAS, T. R. Educação de surdo, inclusão e bilinguismo. In: Temas em educação especial:
avanços recentes. São Carlos: EDUFSCar, 2004.
______. Educação de surdos na escola pública e bilinguismo. In: Anais do V Congresso
Internacional do INES e IX Seminário Nacional do INES. Surdez: família, linguagem,
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Claretiano - Centro Universitário


116 © Língua Brasileira de Sinais

______. Educação de surdos na escola pública e bilinguismo. In: Anais do V Congresso


Internacional do INES e IX Seminário Nacional do INES. Surdez: família, linguagem,
educação. 2006b.
DORZIAT, A. O currículo da escola pública: um olhar sobre a diferença dos surdos. In: 28a
Anped, 2006, Caxambu. 40 anos de Pós-Graduação em Educação no Brasil, 2005.
GÓES, M. C. R. Linguagem, surdez e educação. Campinas: Autores Associados, 1996.
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para os surdos. In: Atualidade da educação bilíngue para surdo. v. 1. Porto Alegre:
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LACERDA, C. B. F. A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores
e intérpretes sobre esta experiência. Campinas, Caderno Cedes, v. 26, n. 69, maio/ago.
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MARTINS, S. E. S. de O. Formação de leitores surdos e a educação inclusiva. Marília:
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MITTLER, P. Educação inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
McCLEARY, L. Bilinguismo para surdos: brega ou chique? In: Anais do V Congresso
Internacional e XI Seminário Nacional do INES Surdez: família, linguagem, educação. Rio
de Janeiro, RJ: Instituto Nacional de Educação de Surdos, 2007. v. 1.
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PEDROSO, C. C. A. Com a palavra o surdo: aspectos do seu processo de escolarização. São
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SÃO PAULO. (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
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atuais na educação. In: Educação intercultural. Mediações necessárias. Rio de Janeiro:
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SOARES, M. A. L. A educação do surdo no Brasil. Campinas: Autores Associados, 1999.
EAD
Acessibilidade: Estratégias,
Recursos Didáticos e
Tecnológicos
Utilizados na
Educação de Surdos 5
1. OBJETIVOS
• Identificar os conceitos de acessibilidade e cidadania e sua
relação com a educação dos surdos e refletir sobre eles.
• Identificar os recursos tecnológicos à disposição dos sur-
dos.
• Reconhecer as estratégias e os recursos didáticos utiliza-
dos na educação dos surdos.

2. CONTEÚDOS
• Acessibilidade e cidadania na surdez.
• Recursos tecnológicos à disposição dos surdos.
• Estratégias e recursos didáticos utilizados no processo
educacional do aluno com surdez.
118 © Língua Brasileira de Sinais

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Faça a leitura deste material, procure responder a todas
as questões autoavaliativas que estão disponíveis ao fi-
nal desta unidade e, caso tenha dúvidas sobre o conteú-
do estudado, entre em contato com seu tutor e colegas
de turma para solucioná-las.
2) Procure identificar na sua comunidade ações que promovam
a acessibilidade das pessoas com surdez. Localize, por exem-
plo, um telefone para surdos e convide um surdo a utilizá-lo.
Discuta com seus colegas de turma esta experiência.
3) A partir das estratégias e dos recursos didáticos apresen-
tados nesta unidade, procure elaborar atividades didáti-
cas para alunos surdos e tente aplicá-las. Analise os prós
e contras desta prática. Não deixe de compartilhar com
seus colegas de turma sua experiência.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 4, refletimos sobre a escolarização dos alunos
surdos e, nesse processo, enfocamos, principalmente, a sua condi-
ção na classe de ouvintes e a presença ou não da língua de sinais
nesse contexto.
Agora, vamos estudar as estratégias e os recursos didáticos e
tecnológicos disponíveis para os surdos atualmente, visando ao exer-
cício de sua cidadania. Sendo assim, conheceremos os seguintes re-
cursos: o software do Dicionário da Língua Brasileira de Sinais; o MSN
para o surdo; o Telefone para surdos (TS); o Projeto TLIBRAS – Tradu-
tor Português/Libras (Língua Brasileira de Sinais), dentre outros.
Depois, discutiremos a interface entre a tecnologia e a educa-
ção dos surdos com vistas às estratégias didáticas e metodológicas.
Aproveite este momento e bons estudos!
© U5 - Acessibilidade: Estratégias, Recursos Didáticos e Tecnológicos Utilizados na Educação de Surdos
119

5. ACESSIBILIDADE E CIDADANIA
Falar em tecnologias é pensar em facilidade, em acessibili-
dade. Em relação aos surdos, existem vários projetos que estão
sendo utilizados para promover a acessibilidade e garantir o di-
reito de exercício da cidadania pelos surdos, tais como softwares,
dicionários e equipamentos de adaptação.
Essas ferramentas são importantes para a promoção da
justiça social e das oportunidades para o surdo. Elas estimulam
o desenvolvimento cognitivo, aprimoram e potencializam a apro-
priação de ideias, de conhecimentos, de habilidades e de informa-
ções que influenciam na formação de identidade, de concepção
da realidade e do mundo em que vivemos. Adicionalmente, elas
ampliam as possibilidades de comunicação e de autonomia pes-
soal, promovendo o desempenho intelectual, fazendo com que se
deixem de lado as limitações. Modificam o estilo de vida, promo-
vem interações e condutas sociais ao inovar hábitos e atitudes em
relação à educação, ao lazer e ao trabalho, à vida familiar e comu-
nitária.

No entanto, antes de discutirmos os principais recursos tec-


nológicos que estão à disposição dos surdos, iremos estudar um
pouco sobre o conceito de acessibilidade com vista ao exercício da
cidadania da pessoa com surdez.

Em sentido mais amplo, acessibilidade significa inclusão e


extensão do uso de produtos, serviços e informação por todos os
grupos presentes em uma determinada população. A acessibilida-
de, assim, significa muito mais que o direito de acessar a rede de
informações, pois se refere, também, à eliminação de barreiras ar-
quitetônicas, à disponibilidade de comunicação, ao acesso físico,
aos equipamentos e programas adequados, ao conteúdo e à apre-
sentação da informação em formatos alternativos.

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120 © Língua Brasileira de Sinais

A garantia de acessibilidade está contemplada na Lei nº


10.048, de 08 de novembro de 2000, que garante prioridade de
atendimento às pessoas especificadas em seu texto, e na Lei nº
10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais
e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Essas duas
Leis foram regulamentadas pelo Decreto nº 5.296 de 02 de dezem-
bro de 2004, assinado pelo presidente da república Luiz Inácio Lula
da Silva.
Nas últimas décadas, a acessibilidade tem sido uma preo-
cupação constante nas áreas de arquitetura e urbanismo. Atual-
mente, várias obras e serviços de adequação do espaço urbano e
dos edifícios estão em andamento a fim de adequar os espaços às
necessidades de inclusão de toda a população.
O acesso à tecnologia às pessoas com necessidades especiais
pode ser viabilizado pela utilização de programas que garantem
acessibilidade. Tais programas são ferramentas que permitem a
utilização dos recursos que o computador pode oferecer às pesso-
as com necessidades especiais, uma vez que podem constituir, por
exemplo, leitores de ecrã para deficientes visuais, teclados virtuais
para pessoas com deficiência física ou com dificuldades de coorde-
nação motora, e sintetizadores de voz para pessoas com problemas
de fala.
Vejamos a seguir a descrição de alguns recursos tecnológicos
que podem, além de promover a acessibilidade da pessoa surda,
garantir o exercício de sua cidadania.

6. RECURSOS TECNOLÓGICOS À DISPOSIÇÃO DOS


SURDOS
São vários os recursos tecnológicos que podemos utilizar
para a educação de surdos, vejamos.
© U5 - Acessibilidade: Estratégias, Recursos Didáticos e Tecnológicos Utilizados na Educação de Surdos
121

Software do Dicionário da Língua Brasileira de Sinais


O Dicionário da Língua Brasileira de Sinais versão 2.0/2006 (ver
Tópico E-Referências) é um software de auxílio à tradução de palavras
e textos do português para a Libras (Figura 1). Os interessados, sejam
eles surdos o ouvintes, podem realizar sua pesquisa por ordem alfa-
bética, por assunto, por busca ou por configuração de mão da Libras.
O dicionário possui, também, o recurso de busca por palavra, assunto
e acepção, podendo o usuário solicitar um exemplo em Libras.
A resposta da pesquisa é visualizada pelo vídeo que mostra a
animação e a configuração de mão utilizada na realização do sinal
solicitado. Por ser um software interativo, o usuário poderá digitar
a palavra ou a frase e ele demonstrar o resultado no vídeo.

Figura 1 Imagem de página site do Dicionário da Língua Brasileira de Sinais.

O MSN para o surdo


O MSN Messenger 7 é um programa de bate-papo em tem-
po real que utiliza texto, voz, telefone celular ou até conversas por
meio de vídeo em tempo real, com os amigos, a família e também
pode ser utilizado na educação e no trabalho. Outra possibilidade
é a utilização de Webcam 9, que possibilita que as interações ocor-
ram em língua de sinais, já que o Messenger possui este recurso.

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122 © Língua Brasileira de Sinais

Assim, o MSN é um instrumento para a construção do saber


do surdo, principalmente em relação à escrita, tem importância
na sistemática dos estudos a distância e na troca de informações
e sugestões, pois o surdo consegue interagir com o professor, com
outros alunos e outras comunidades virtuais em um nível de igual
entendimento.

Telefone para surdos (TS)


O telefone para surdos é um aparelho muito importante
para a comunicação da comunidade surda. Nos Estados Unidos,
é conhecido como TDD, aqui no Brasil é chamado de TS (Telefone
para Surdo) 13 e de TTS (Terminal Telefônico para Surdo).
Estes aparelhos (Figura 2) possuem teclado alfanumérico e
visor de legenda para enviar e receber mensagens digitais de ou-
tra pessoa que também tenha esse tipo de aparelho ligado à linha
telefônica.

Figura 2 Telefone para Surdos (TS).


© U5 - Acessibilidade: Estratégias, Recursos Didáticos e Tecnológicos Utilizados na Educação de Surdos
123

Telefone celular
O telefone celular, dentre as atuais tecnologias de comuni-
cação, foi a que melhor se adaptou à acessibilidade do surdo, pois
possui recursos que atendem as especificidades dos surdos, como
o envio de mensagens de texto e o aviso de recebimento de men-
sagens por vibração do aparelho ou iluminação do visor.
Entretanto, o telefone celular ainda é usado por uma parcela
pequena de surdos, pois, para sua efetiva utilização, o surdo preci-
sa saber se comunicar por meio de linguagem escrita, no caso do
Brasil, da Língua Portuguesa.
Mesmo apresentando ressalvas, esse instrumento é capaz
de promover certa independência de comunicação, de expressão
e de mobilidade da pessoa com surdez na sociedade.

Legenda em televisão (closed caption)


Closed caption é uma expressão da língua inglesa que caracteri-
za uma legenda oculta na língua escrita. O closed caption foi criado a
fim de permitir aos surdos e às pessoas com dificuldades de audição o
acesso a programas, comerciais e filmes veiculados na televisão e em
vídeo. A legenda oculta funciona como o áudio do programa e, por
meio dela, são transmitidas informações literais e não literais.
O uso da legenda oculta tornou-se obrigatório nas emissoras
de TV desde o ano 2000, embasado, inicialmente, na Lei da Acessi-
bilidade, Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
O Capítulo VII da Lei da Acessibilidade em seus artigos 17, 18
e 19 (ver Tópico E-Referências) trata da acessibilidade nos sistemas
de comunicação de comunicação e sinalização. Vejamos o que diz
o texto dessa Lei:
Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na co-
municação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tor-
nem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas
portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação,
para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao
trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.

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124 © Língua Brasileira de Sinais

Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais in-


térpretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpre-
tes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa porta-
dora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação.
Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens
adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o
uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o di-
reito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência
auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento.

O Decreto de Lei nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004, regu-


lamentou a Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, que estabe-
leceu prioridade de atendimento às pessoas especificadas em seu
texto, e a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabele-
ceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibi-
lidade das pessoas com necessidades especiais ou com mobilidade
reduzida.
O capítulo VI do Decreto nº 5.296 (ver Tópico E-Referências)
faz referência ao acesso à informação e à comunicação pelas pes-
soas com necessidades especiais ou com mobilidade reduzida. No
Art. 52 está disposto que:
Caberá ao Poder Público incentivar a oferta de aparelhos de televi-
são equipados com recursos tecnológicos que permitam sua utiliza-
ção de modo a garantir o direito de acesso à informação às pessoas
portadoras de deficiência auditiva ou visual.

Segundo o parágrafo único do capítulo VII do referido de-


creto, o circuito de decodificação de legenda oculta é mencionado
como um dos recursos tecnológicos que garantem acessibilidade.
Além da legenda oculta, o texto faz referência também ao recurso
para Programa Secundário de Áudio (SAP) e às entradas para fones
de ouvido com ou sem fio.
Quanto às formas de legendas ocultas, encontramos duas
possibilidades: a on-line, que é feita em tempo real pela estenotipia
ou software de reconhecimento de voz, e a off-line, pós-produzida
em programas gravados, utilizando computadores com softwares
específicos. A diferença entre essas duas possibilidades é que, na
© U5 - Acessibilidade: Estratégias, Recursos Didáticos e Tecnológicos Utilizados na Educação de Surdos
125

primeira, apenas as informações literais são descritas na legenda


e, na segunda, o aproveitamento do tempo, o posicionamento das
legendas e as informações não literais (ruídos, trilha sonora, indi-
cação do falante etc.) também são descritas.
É importante que as legendas, em todos os canais da TV para
os surdos, mantenham-se em dia com os noticiários nacionais e
internacionais. Dessa forma, as pessoas surdas se mantêm bem
informadas e têm acesso à cultura, como é direito de todos os ci-
dadãos.
Um estudo realizado por Tardelli (2008) investigou a opinião
de oito surdos que se comunicavam preferencialmente por meio
da Libras e que apresentavam grau de escolaridade entre o Ensino
Médio e a graduação, sobre questões relacionadas à televisão.
Essa autora observou que todos os surdos entrevistados
eram telespectadores assíduos, passando, em média, 17 horas se-
manais diante da TV. Os surdos entrevistados referiram que seus
programas preferidos eram os telejornais, os filmes e os seriados.
Segundo Tardelli (2008), essa preferência pode estar relacionada
ao fato de esses programas possuírem o recurso de acessibilidade
closed caption, possibilitando, assim, o entendimento por aqueles
que dominam a Língua Portuguesa.
No entanto, é importante reforçar a afirmação de que o closed
caption não contempla todos os surdos, mas somente aqueles que
possuem um bom entendimento de textos escritos da Língua Portu-
guesa e, dessa forma, não pode ser entendido como a solução para
os problemas dos surdos quanto à acessibilidade de comunicação.

Projeto TLIBRAS – Tradutor Português/Língua Brasileira de Sinais


(Libras)
O objetivo do projeto TLIBRAS (Figura 3) é a integração lin-
guística entre surdos e ouvintes, gerando pleno acesso aos meios
de comunicação e entretenimento. Iniciado em 2001, o TLIBRAS,
atualmente, é coordenado por três equipes:

Claretiano - Centro Universitário


126 © Língua Brasileira de Sinais

• Equipe de Libras: constituída por pesquisadores surdos e


linguistas da Federação Nacional de Educação e Integração
dos Surdos (FENEIS) especializados em Libras. O trabalho
dessa equipe tem por objetivo básico alimentar o banco
de dados de sinais com todas as regras semânticas, sintáti-
cas, morfológicas e fonéticas necessárias para possibilitar o
desmembramento, a combinação e a animação de sinais.
• Equipe de Linguagem Natural: formada por linguistas es-
pecializados em tradutores linguísticos e analistas de lin-
guagem natural do Núcleo Interinstitucional de Linguística
Computacional (NILC) da USP de São Carlos. Essa equipe
tem o objetivo de desenvolver um sistema de tradução
unidirecional de uma língua oral-auditiva, o português,
para a representação linear (notação-Libras) de uma lín-
gua gestual-visual que é a Libras.
• Equipe de Computação Gráfica: composta por analistas de
sistemas e engenheiros de computação gráfica especiali-
zados em jogos e programação de animações gráficas, da
organização Acessibilidade Brasil.
Programa traduzindo para a língua
de sinais através de animação
gráfica a fala do professor
Microfone
Computador
Professor ministrando
a aula em português

Aluno surdo

Figura 3 Representação do Projeto TLIBRAS – Tradutor Português/Língua Brasileira de


Sinais (Libras).
© U5 - Acessibilidade: Estratégias, Recursos Didáticos e Tecnológicos Utilizados na Educação de Surdos
127

7. ESTRATÉGIAS E RECURSOS DIDÁTICOS


Tratamos até agora de várias tecnologias que podem facilitar
a vida dos surdos e garantir-lhes acessibilidade. Iremos, a partir
deste momento, discutir as estratégias e os recursos didáticos que
podem ser utilizados em sala de aula a fim de garantir o aprendiza-
do dos alunos com surdez.
Inicialmente, abordaremos o uso dos computadores no pro-
cesso educacional dos alunos surdos.
Nos últimos anos, o uso dos computadores em nossas vidas,
apesar das frequentes barreiras econômicas, tem sido cada vez
mais comum.
Segundo Oliveira (1999), ao interagir com o computador, a
criança, além de aprender a conviver com a tensão e a frustração,
inerentes aos possíveis erros cometidos, também se alegra ao criar
algo seu e essa motivação maior leva-a a querer fazer coisas cada
vez mais complexas e benfeitas.
A criança percebe que não pode confiar só em uma memó-
ria, aprendendo, ao utilizar o computador, a importância da escrita
como acervo das experiências registradas, sejam elas pessoais e/
ou culturais (OLIVEIRA, 1999).
O surdo é um ser visual, ou seja, relaciona-se com o mun-
do ao seu redor por meio da visão. Nesse sentido, o computador
pode ser uma ferramenta bastante utilizada pelo professor para
criar estratégias e atividades que melhor se adaptem ao aluno
com surdez.
Nos últimos anos, vários autores têm discutido o uso do com-
putador no processo educacional dos surdos (DIAS e PEDROSO, 2000;
GUARINELLO; BORTOLOZZI, 2003; VALENTE e CAGLIARI, 1991).
Para Valente e Cagliari (1991), o uso de recursos da infor-
mática permite que os surdos desenvolvam atividades muito mais
adequadas à sua realidade.

Claretiano - Centro Universitário


128 © Língua Brasileira de Sinais

Dias e Pedroso (2000) afirmam que o uso do computador na


educação dos surdos viabiliza a construção de atividades diversifi-
cadas e capazes de garantir uma atuação mais autônoma; favorece
a interação e a cooperação entre os alunos, bem como a correção
imediata das produções, de maneira mais harmoniosa e menos
problemática, pois possibilita ao aluno reconstruir sua escrita.
Considerando que o surdo utiliza-se da língua de sinais para
se comunicar, o trabalho educacional com as pessoas surdas deve
privilegiar a utilização de recursos visuais adequados aos seus sen-
tidos e à sua capacidade de relacionar-se com o outro, buscando
ampliar a noção de representação de mundo e garantir o seu direi-
to de acesso às informações e aos conhecimentos disponibilizados
às pessoas ouvintes (TARDELLI, 2008).
Mas será que o computador é o único recurso tecnológico
que pode ser utilizado nas escolas?
Com certeza, não é. Atualmente, a escola tem utilizado ou-
tros recursos além do computador para tornar o processo de en-
sino-aprendizagem mais significativo para os alunos. Dentre eles,
podemos citar: o rádio, a televisão, o videocassete, o DVD, a má-
quina fotográfica e o aparelho de som.
Uma possibilidade da escola, ao pensar em inovar as suas
propostas pedagógicas, é considerar o surdo como um telespecta-
dor e incluir em seu currículo atividades que utilizem e valorizem
esse fato.
Nesse sentido, a televisão deve ser considerada como uma
fonte ou um meio de conhecimento indireto, o qual a escola e o
professor do surdo podem aproveitar para complementar, apro-
fundar ou exemplificar os temas envolvidos no conteúdo curricular
(TARDELLI, 2008).
Atualmente, é importante considerar o papel singular que
os meios de comunicação passaram a exercer na escola e a for-
ma como essa mediação deve ser trabalhada por professores em
© U5 - Acessibilidade: Estratégias, Recursos Didáticos e Tecnológicos Utilizados na Educação de Surdos
129

ações voltadas à educação formal e não formal, assim como deve


ser feita, pelo professor, uma leitura crítica dos meios, para que ele
possa passar ao aluno as entrelinhas das informações divulgadas
na televisão (CITELLI, 1999).
Outros recursos tecnológicos que também podem e devem


ser explorados são o e-mail (correio eletrônico), alguns softwares
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de bate-papo (chats), entre outros.
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
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No entanto, o computador oferece grandes vantagens em

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pois possibilita a interação em tempo real entre os
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e pode reunir, incorporando ele todos esses
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em outras fontes,
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livros como jornais, revistas, livros,osinternet
etc. Adicionalmente, recursos
interajam, discutam, sociabilizem e busquem o conhecimento em outras fontes,
tecnológicos
como jornais, poderão
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Adicionalmente, oferecer
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recursos mais abrangentes
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informação.
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acesso à informação.
de acesso à
informação. Veja, a seguir, alguns exemplos de atividades que podem ser criadas e
utilizadas
Veja, com
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 3) Olhe o sinal, circule o desenho correspondente e escreva seu
significado no quadro: Claretiano - Centro Universitário
3) Olhe o sinal, circule o desenho correspondente e escreva seu
130 © Língua Brasileira de Sinais
3) Olhe o sinal, circule o desenho correspondente e escreva seu
significado
3) Olhe onosinal,
quadro:
circule o desenho correspondente e escre-
va seu significado no quadro:

  

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar seu de-
sempenho no estudo desta unidade:
1) O que é acessibilidade e quais as formas de garantir esse direito ao surdo?

2) De que maneira as novas tecnologias podem potencializar o processo educativo?

3) A mídia televisiva é importante para a educação dos surdos? Explique discu-


tindo as práticas pedagógicas que podem ser desenvolvidas utilizando-se a
mídia televisiva para a educação de surdos.

4) O computador pode ser utilizado na escola como recurso didático? Quais as


vantagens que seu uso proporciona aos alunos surdos?

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pôde refletir sobre as estratégias e os
recursos didáticos e tecnológicos que, atualmente, estão sendo
utilizados na educação dos surdos. Destacamos os recursos visuais
como uma possibilidade para garantir aquisição de conhecimento
e desenvolvimento da pessoa com surdez, bem como um caminho
para o exercício de sua cidadania.
© U5 - Acessibilidade: Estratégias, Recursos Didáticos e Tecnológicos Utilizados na Educação de Surdos
131

Na unidade 6, você terá a oportunidade de refletir sobre os


aspectos relacionados à identidade e à cultura surda, compreen-
dendo essa discussão sob a perspectiva da igualdade de direitos a
todos os cidadãos, sendo eles surdos ou não.

10. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Imagem de página site do Dicionário da Língua Brasileira de Sinais. Disponível
em: <http://www.guanabara.info/wpcontent/uploads/2008/04/Libras.jpg.>. Acesso em:
03 jun. 2010.
Figura 2 Telefone para surdos (TS). Disponível em: <http://csjonline.web.br.com/Imagem/
img_telefone.jpg>. Acesso em: 03 jun. 2010.
Figura 3 Projeto TLIBRAS – Tradutor Português/Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_ckDXprs-xKM/SfIf1SY3LTI/AAAAAAAAAFc/
L5D3q43NGcQ/s1600-h/20030910-tradutor.jpg>. Acesso em: 03 jun. 2010.

Sites pesquisados
BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil/leis/L10098.htm>. Acesso: 09 jun. 2010.
Dicionário da Língua Brasileira de Sinais. Disponível em: <http:// www.acessobrasil.org.
br/Libras/>. Acesso em: 05 jan. 2011.
BRASIL. Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acesso em: 10 jan. 2011.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CITELLI, A. Comunicação e Educação. A linguagem em movimento. 2. ed. São Paulo:
Senac, 2002.
DIAS, T. R. S.; PEDROSO, C. C. A. Atendimento a Alunos com Surdez por meio de recursos
da informática na Universidade de Ribeirão Preto. Temas Sobre Desenvolvimento, v. 9,
n. 49, 2000.
GUARINELLO, A. C.; BORTOLOZZI, K. B. O uso da informática no processo de aquisição
da linguagem escrita do surdo. In: Linguagem escrita: referenciais para a clínica
fonoaudiológica. São Paulo: Plexus, 2003.
OLIVEIRA, V. B. Informática em psicopedagogia. 2. ed. São Paulo: Senac, 1999.
VALENTE, J. A.; CAGLIARI, C. Criação de um ambiente de aprendizagem Logo para crianças
com deficiência auditiva. Em: Liberando a mente: computadores na educação especial.
Campinas: Gráfica Central da Unicamp, 1991.

Claretiano - Centro Universitário


132 © Língua Brasileira de Sinais

TAJRA, S. F. Informática na educação: novas ferramentas pedagógicas para o professor da


atualidade. São Paulo: Érica, 2000.
TARDELLI, R. A televisão, o surdo e a escola: relações possíveis. Ribeirão Preto: Centro
Universitário Moura Lacerda, 2008. (Dissertação de Mestrado)
EAD
Identidade e
Igualdade de
Direitos dos Surdos
6
1. OBJETIVOS
• Analisar e reconhecer a necessidade de oferecer aos sur-
dos igualdade de direitos.
• Identificar o conceito de identidade surda e refletir sobre ele.
• Identificar o conceito de cultura surda e refletir sobre ela.

2. CONTEÚDOS
• Igualdade de direitos na surdez.
• Identidade surda.
• Cultura surda.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
134 © Língua Brasileira de Sinais

1) Leia esta unidade, anote suas dúvidas e interaja com


seu tutor e colegas para saná-las. A partir dos concei-
tos abordados nela, procure posicionar-se a respeito da
problemática que envolve a discussão sobre a cultura e
a identidade surda.
2) Verifique se na sua cidade existe uma comunidade surda
atuante ou se há uma Associação de surdos e, se possí-
vel, entre em contato com ela para vivenciar a cultura
surda e descobrir mais sobre o mundo dos surdos.
3) Responda às questões autoavaliativas que estão disponí-
veis ao final desta unidade, e, em caso de dúvidas, entre
em contato com o seu tutor e com seus colegas na Sala
de Aula Virtual para solucioná-las.
4) Não deixe de realizar a Leitura Complementar apresen-
tada ao final desta unidade, ela irá ajudá-lo a compre-
ender melhor as questões relacionadas à identidade e à
cultura surda ao apresentar uma outra visão sobre essas
questões.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 5, você pôde refletir sobre as estratégias e os
recursos didáticos e tecnológicos que estão sendo utilizados atu-
almente na educação dos surdos. Destacamos os recursos visuais
como uma possibilidade para garantir aquisição de conhecimento
e desenvolvimento da pessoa com surdez, bem como um caminho
para o exercício de sua cidadania.
Nesse mesmo sentido e procurando ainda criar oportunida-
des de condições de igualdade para os surdos, iremos estudar ago-
ra os aspectos relacionados à identidade e à Cultura Surda.

5. IGUALDADE DE DIREITOS
A igualdade de direitos para todos os cidadãos é uma dis-
cussão muito antiga. A Declaração dos Direitos do Homem e do
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 135

Cidadão, promulgada pela Assembleia Nacional Francesa, em 26


de agosto de 1789, é o primeiro documento mundial a afirmar em
seu texto que as pessoas nascem e permanecem livres e iguais
em seus direitos. Fundamentada nos princípios delineados pela
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mais recente-
mente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ver Tópico
E-Referências) representou um avanço importante na construção
de uma sociedade mundial mais justa.
O movimento mundial de integração de pessoas com defici-
ência, que reforçou as ideias defendidas pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos, defendia oportunidades educacionais e so-
ciais iguais para todos os cidadãos.
Nesse sentido, o objetivo principal da inclusão social é criar
uma sociedade capaz de acolher todas as pessoas, independente-
mente das diferenças e das necessidades individuais e, para isso,
preconiza soluções para as diferentes identidades existentes nos
ambientes sociais (ROSA, 2003).
No campo da sociedade inclusiva, o principal tema é a diver-
sidade humana, e no caso da surdez, isso significa enfrentar de-
safios inesperados e permanentes. Nesse sentido, Brito (1993, p.
45) afirma que "o reconhecimento da diferença é o primeiro passo
para a integração do surdo na comunidade ouvinte que o circula".
As instituições envolvidas com as pessoas surdas defendem
seus direitos à cidadania em termos de igualdade. E, segundo Ross
(2001, p. 58), "a igualdade encontra-se nas diferenças próprias de
cada um". Para pessoas e comunidades que se encontram segre-
gadas, o sentido de inclusão social pressupõe a ampliação da par-
ticipação desses grupos nas situações comuns. Sendo assim, a in-
clusão implica, essencialmente, uma atitude de respeito ao outro
como cidadão.
Remetendo-nos, novamente, à surdez, as especificidades
dos surdos não significam obstáculos para a inclusão na comuni-
dade ouvinte, ao contrário, segundo Rosa (2003, p. 236):

Claretiano - Centro Universitário


136 © Língua Brasileira de Sinais

A aceitação da diferença favorece a inclusão, uma vez que ela deve


acontecer de forma que a sociedade ouvinte reconheça nos surdos
a mesma capacidade de comunicação linguística e a mesma poten-
cialidade para realizações e participação em tarefas sociais comuns
nos dois grupos.

Entretanto, os surdos, ao longo da história, têm sido vistos,


principalmente, sob a perspectiva exclusivamente fisiológica, ou
seja, relativa ao déficit de audição. Isso tem acontecido dentro de
um discurso de normalização e de medicalização da surdez, cujas
nomenclaturas imprimem valores e convenções na forma como o
outro é significado e representado (GESSER, 2009).

6. IDENTIDADE SURDA E OS DOCUMENTOS OFICIAIS


QUE TRATAM DA INCLUSÃO
Na Unidade 1, vimos que a história da educação dos surdos foi
marcada pelo domínio dos ouvintes que, por muito tempo, decidi-
ram sobre o quê, quando e como os surdos deveriam aprender.
O oralismo, abordagem que defende a utilização da fala e da
audição como principais recursos para a comunicação, prevaleceu
por mais de 100 anos. No Brasil, somente nos anos 1980 os sinais
voltaram a ser utilizados na educação dos surdos com a Comunica-
ção Total. No final da década de 1990, estudiosos ligados à área da
surdez começaram a discutir o bilinguismo no país.
Para os adeptos do bilinguismo, a língua de sinais é a única
que, segundo Dorziat et al. (1999), os surdos poderiam dominar
plenamente e que poderia suprir suas necessidades cognitivas e
de comunicação.
Entender o surdo sob a perspectiva do bilinguismo é reconhe-
cê-lo como pertencente a um grupo minoritário, com cultura e lín-
gua própria. Segundo Gesser (2009), a afirmação de que "o surdo
tem uma identidade e uma cultura própria" torna-se muito significa-
tiva no processo de afirmação coletiva de grupos minoritários.
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 137

Segundo Castells (1999, p. 22), a identidade pode ser enten-


dida como:
[...] um processo de construção de significado com base em um
atributo cultural, ou, ainda, um conjunto de atributos culturais in-
ter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de
significado.

No caso das pessoas com surdez, Kauchakje (2003, p. 57-58)


afirma que a "construção da identidade dos surdos passa pela mu-
dança de paradigma da deficiência para o de minoria linguística e
cultural".
Ao discorrer sobre o conceito de minoria, a autora (KAU-
CHAKJE, 2003, p. 57-58) afirma que:
As denominadas minorias são assim consideradas porque trazem
inscrito nos corpos algum atributo identificado como diferente e/
ou porque não expressam ou não fazem parte dos grupos detento-
res de poder, embora possam manifestar, por meio de sua organi-
zação, o poder social.

Essa autora afirma, ainda, que para a maioria das pessoas dos
grupos minoritários que vivem em uma situação social desfavorá-
vel, configurada pela pobreza, pela privação ou pela ineficiência no
atendimento aos seus direitos sociais, a exclusão pode se sobressair,
intensificando outras exclusões fundamentadas na diferença.
Em uma sociedade semelhante a essa em que vivemos, onde
encontramos uma desigualdade social acentuada, os direitos das
pessoas que fazem parte dos grupos minoritários, tais como os
surdos, tendem a ser repetidamente desrespeitados. Segundo
Kauchakje (2003, p. 63-64), "a desigualdade social potencializa ou-
tras formas de injustiça social, como as baseadas na diferença".
Mas será que, ainda hoje, há tanto desrespeito em nossa so-
ciedade? Sim, infelizmente isso ainda acontece apesar de a legisla-
ção brasileira garantir vários direitos às pessoas com necessidades
especiais, dentre elas os surdos.
Vejamos, a seguir, o que nos dizem os textos de algumas de
nossas leis, a começar pela Constituição Federal de 1988.

Claretiano - Centro Universitário


138 © Língua Brasileira de Sinais

O Art. 1º da Constituição brasileira refere-se ao exercício da


cidadania e da dignidade da pessoa humana.
O Art. 3º define os objetivos fundamentais da República Fe-
derativa do Brasil e, no item IV, afirma seu compromisso do esta-
do "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
De acordo com a Constituição de 1988 (ver Tópico E-Referências), a
educação é direito de todos os cidadãos e um dever do Estado e da família:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da famí-
lia, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O artigo 206, inciso I, estabelece como um dos princípios a "igual-


dade de condições de acesso e permanência na escola", o que significa
que o acesso à escola e a permanência nela devem ser iguais para to-
dos, sem distinção, por exemplo, de raça, sexo e condição econômica.
Por sua vez, o artigo 208 afirma que os "portadores de de-
ficiência" devem frequentar, preferencialmente, a rede regular de
ensino, ou seja, devem estar incluídos em escolas de Educação In-
fantil, Ensino Fundamental e Médio, e devem aprender em con-
junto, como todas as outras crianças. Essa premissa está descrita
no texto da seguinte forma:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado median-
te a garantia de:
III – atendimento educacional especializado aos portadores de defi-
ciência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Esses compromissos foram reiterados em outros documen-


tos nacionais, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA/Lei nº 8.069/90), que, no artigo 55, reforça os
dispositivos legais da Constituição de 1988 quanto à educação,
determinando que "os pais ou responsáveis têm a obrigação de
matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino".
Documentos internacionais, como a Declaração Mundial de
Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994),
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 139

têm grande influência na formulação das políticas públicas da edu-


cação inclusiva.
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos (ver Tópico
E-referências) é um documento aprovado pela Conferência Mundial
sobre Educação para Todos que aconteceu em Jomtien, Tailândia,
em março de 1990. Esse documento reforça a necessidade da uni-
versalização da escolaridade básica dos indivíduos sem nenhuma
forma de discriminação, independentemente das suas condições de
raça, idade, gênero, situação social, crença ou religião. Apresenta
com rigor as prescrições aos grupos considerados minoritários, en-
fatizando que eles "[...] não devem sofrer qualquer tipo de discrimi-
nação no acesso às oportunidades educacionais" (Unesco, 1990, p.
5).
A Declaração de Salamanca (ver Tópico E-referências) é uma
Estrutura de Ação em Educação Especial aprovada após discussões
e emenda na sessão Plenária da Conferência de 10 de junho de
1994, ocorrida na cidade de Salamanca, Espanha. Seu texto final
reafirma o compromisso com a Educação para Todos e aborda,
extensamente, o conceito de inclusão, afirmando que a Educação
Especial deveria incorporar princípios de uma forte pedagogia da
qual todas as crianças pudessem se beneficiar e, adicionalmente,
revela uma forte preocupação com o desenvolvimento de ações
que pudessem viabilizar de fato a Educação Inclusiva.
O Plano Nacional de Educação (PNE) e a Resolução nº 2 CNE/
CEB, ambos do ano de 2001, são documentos que direcionam as
ações do sistema escolar no que se refere à Educação Inclusiva.
Tais documentos refletem a tendência mundial de uma concepção
democrática da educação escolar que não comporta qualquer tipo
de exclusão de crianças, jovens ou adultos, sendo suas recomen-
dações influenciadas por vários debates mundiais, dentre eles: a
Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, a
Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975), a Carta
para o Terceiro Milênio (1999), a Convenção de Guatemala (2001)
e a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão (2001).

Claretiano - Centro Universitário


140 © Língua Brasileira de Sinais

Entre todos esses documentos, merece destaque para a nossa


discussão a Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil
pelo Decreto nº 3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência
têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as
demais pessoas, definindo como discriminação, com base na defici-
ência, toda diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o
exercício dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais.
No entanto, a existência de várias leis e a implementação
de políticas não garante que suas prerrogativas sejam postas em
prática – a efetividade da legislação reside, principalmente, na mu-
dança de valores e atitudes.
A noção de inclusão veiculada nesses documentos está rela-
cionada ao direito à igualdade que, conforme dissemos, desde o
século 18, e, de acordo com Kauchakje (2003 p. 67), "baliza as lutas
sociais e um ideal político e de sociabilidade fundado nas relações
democráticas e/ou igualitárias".
Entretanto, uma sociedade fundamentada na igualdade, que, por
sua vez, é entendida como homogênea, não deixa de ser excludente,
tanto no sentido de poder vir a excluir os considerados diferentes, como
no sentido de proibir a manifestação das diferenças. Vejamos o que nos
diz Kauchakje (2003, p. 69-70) sobre a noção de igualdade.
A noção de igualdade, como princípio de civilidade e como funda-
mento de direitos, é diametralmente oposta à idéia de igualdade
como homogeneização e como não reconhecimento de identida-
des, culturas ou necessidades específicas.

O direito à diferença também pode apresentar uma dupli-


cidade de enfoque. Nesse sentido, a autora afirma (KAUCHAKJE,
2003, p. 70) que:
No enfoque que a aproxima das demandas dos novos movimentos
sociais, adquire o sentido do reconhecimento e respeito às singula-
ridades e identidades, como contraponto à intolerância e para além
da tolerância, pois supõe convivência e inter-relações importantes.
E aqui se estabelece o vínculo com os movimentos pela inclusão.

Pierucci (1990, p. 12) chama a atenção para um outro as-


pecto da diferença. Segundo o autor, a ênfase na diferença pode
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 141

reforçar pensamentos e práticas conservadoras, salientando as de-


sigualdades e causando a rejeição dos diferentes.
Nesse sentido, a afirmação da diferença pode vir a contribuir
para atitudes de discriminações e de estranhamento e separação
com relação ao outro, favorecendo a formação de mentalidade e
sociedades excludentes. Segundo Kauchakje (2003, p. 71):
[...] a história mostra que a afirmação da diferença em relação ao
outro até o limite no qual não há possibilidade de reconhecimento
de alguma igualdade, ao menos formal, de direitos, traz uma rea-
lidade trágica.

Em se tratando de educação, a igualdade de direitos foi, e


é, entendida como a possibilidade de frequentar o ensino regular,
ou seja, de estar incluído com os demais alunos, uma vez que o
movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política,
cultural, social e pedagógica desencadeada em defesa do direito
de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando,
sem nenhum tipo de discriminação.
Em sentido mais amplo, para os grupos minoritários, em par-
ticular para os surdos, a inclusão refere-se ao exercício de seus di-
reitos, como, por exemplo, o do acesso à cidade, aos equipamen-
tos de educação, ao trabalho, à assistência e previdência social, à
saúde, ao lazer e à cultura. E, mais importante ainda, diz respeito
à participação na sua (re)configuração e (re)construção para que
novos direitos relativos à diversidade sejam incorporados (KAU-
CHAKJE, 2003).
Quanto aos direitos dos cidadãos, Valadão (1997, p. 10) afir-
ma que:
[...] os direitos são históricos, porque estão invariavelmente relacio-
nados a certas circunstâncias e respondem a aspirações concretas
de homens e mulheres como membros de uma determinada so-
ciedade.

De acordo com Castells (1983) apud Kauchakje (2003), os mo-


vimentos sociais são os principais protagonistas na formulação da
demanda por direitos. Em relação às lutas por direitos, Kauchakje
nos diz que elas vão na direção de sua ampliação (mais direitos,
novos direitos), de seu aprofundamento (garantias e condições

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142 © Língua Brasileira de Sinais

mais efetivas), bem como de sua abrangência e universalização


(inclusão de mais pessoas e grupos sociais no exercício daqueles).

7. A CULTURA SURDA
As pessoas que utilizam a comunicação espaço-visual como
principal meio de conhecer o mundo em substituição à audição e à
fala fazem parte de um grupo cultural, o grupo dos surdos. A maio-
ria das pessoas surdas, no contato com outros surdos, desenvolve
a Língua de Sinais.
Vários pesquisadores que estudam a surdez têm se dedicado
a estudar a Cultura Surda (GOLDIFELD, 1997; MOURA, 2000; QUA-
DROS, 1997; SÁ, 1999; SKLIAR, 2000). Definir o que vem a ser Cultura
Surda é, ainda nos dias de hoje, uma tarefa bastante difícil, pois há
muitas controvérsias. Entretanto, algumas questões serão levanta-
das com o pressuposto de seguir os estudos culturais que propõem
pensar a surdez em uma perspectiva antropológica e multicultural.
Segundo Santana e Bergamo (2005), a discussão da litera-
tura em torno da Cultura Surda pressupõe uma diferença entre
surdos e ouvintes e admite que haja hegemonia em cada um dos
extremos dessa díade. No entanto, essa diversidade faz parte de
um processo de divisão social antiga, assim como o próprio discur-
so sobre a desigualdade. Segundo esses autores:
[...] um processo que, ao invés de aproximar os surdos dos ouvin-
tes, distancia-os, já que enfatiza sempre o que eles têm de diferen-
te e nunca o que eles têm em comum" (SANTANA e BERGAMO,
2005, p. 11).

O multiculturalismo é um movimento social em oposição a


todas as tentativas de homogeneizar a vida social. É, segundo Pinto
(2000), "uma oposição a todas as ações dos outros a imprimirem a
cultura dominante, vigente sobre uma outra cultura pré-existente:
a Cultura Surda".
A autora segue afirmando que conceituar o multicultura-
lismo é falar sobre o reconhecimento do jogo das diferenças que
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 143

se constrói socialmente nos processos interligados nos diferentes


contextos. Muitas vezes, o multiculturalismo constitui-se em movi-
mento de lutas sociais, de ação cultural de um suposto grupo, que,
por diversas vezes, se sente discriminado, excluído pelos outros
segmentos da sociedade por suas peculiaridades (PINTO, 2000).
Nesse espaço multicultural, estão presentes os movimentos
sociais, como o dos negros, dos surdos, dos índios, dos homos-
sexuais, das mulheres e dos judeus, que lutam pelas mudanças
propulsoras para que possamos conviver com a diferença e, nesse
contexto, fazer valer seus direitos civis, humanos e de ser perten-
cente a minorias linguísticas, culturais, étnicas ou religiosas em
antagonismo aos movimentos dominantes, vigentes, homogêneos
(PINTO, 2000).
"Cultura" pode ser entendida como um conjunto de práticas
capazes de serem significadas por um grupo de pessoas que vivem
e sentem, no caso dos surdos, a experiência visual de uma forma
semelhante. Mais ainda, segundo Perlin (2004), como uma pos-
sibilidade de os indivíduos surdos se inscreverem em um campo
de lutas políticas, sociais, científicas etc. que coloque a surdez na
existência surda e no plano do ser surdo.
A língua de sinais é imprescindível para a transmissão e a
evolução da cultura dos surdos. Por meio do convívio entre os sur-
dos e da utilização de uma forma de comunicação natural e parti-
lhada, eles criaram uma identidade e uma cultura.
Podemos identificar vários traços da cultura surda, como,
por exemplo, a literatura contada na Língua de Sinais. Nesse caso,
ela consiste em histórias, contos, lendas, fábulas, anedotas, poe-
sias, peças de teatro, piadas, rituais, entre outros. Por recontar a
experiência dos surdos, muitas dessas formas de expressão dizem
respeito, direta ou indiretamente, à opressão exercida pelas pes-
soas ouvintes sobre os portadores de surdez.
Pensando-se em crescimento, desenvolvimento, aquisição e pro-
pagação da Cultura Surda, as instituições mais ativas para que isso acon-

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144 © Língua Brasileira de Sinais

teça têm sido as escolas para surdos e as numerosas associações e clu-


bes de surdos existentes em todo o mundo, especialmente na Europa e
nos Estados Unidos. Instituições de desportos para surdos, organizações
políticas e religiosas também desempenharam, e continuam a desem-
penhar, um papel significativo na vida social e cultural dos surdos.
Considerando que cerca de 90% das pessoas surdas nascem em
famílias ouvintes e 90% dos casais surdos têm filhos ouvintes, o papel
que as escolas e as associações de surdos desempenham é vital para a
transmissão da língua e da cultura dos surdos para as crianças surdas.
Por essas razões é que a comunidade surda preocupa-se tanto com a in-
clusão e a possibilidade de fechamento das instituições especializadas.
Uma característica marcante da cultura dos surdos é a ele-
vada taxa de casamentos endogâmicos, isto é, casamento entre
membros de sua própria classe, sua própria cultura. Há uma esti-
mativa de que nove de cada dez membros da comunidade surda
casam com outros membros do seu grupo cultural.

8. LEITURA COMPLEMENTAR
A seguir, apresentamos fragmentos de um artigo intitulado
Surdez, linguagem e cultura, de José Geraldo Silveira Bueno (ver
E-Referências). Neste texto, o autor procura analisar, de maneira
crítica, a relação entre a surdez, a linguagem e a cultura. Para isso,
utiliza três referenciais teóricos básicos: a história, a abordagem
multiculturalista e a relação normalidade-patologia.
Bueno (1998) apresenta uma visão diferente da apresentada
nesta unidade e pretende, com este artigo, questionar a integração
social do indivíduo surdo, buscando, segundo ele, superar a visão
dicotômica e a-histórica que centra toda sua análise na divisão do
meio social entre "sociedade ouvinte" e "comunidade surda".
Vejamos fragmentos do texto que comprovam a visão do autor
sobre tal questão. Inicialmente, Bueno (1998) discute alguns aspec-
tos sobre a Cultura Surda dentro de uma perspectiva multicultural:
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 145

Surdez, linguagem e cultura–––––––––––––––––––––––––––––


[...] Na medida em que os teóricos da surdez se apropriam dessa concepção,
transformam essa diversidade cultural em homogeneidade cultural (cultura ou-
vinte), reduzindo – e muito, a meu ver – a riqueza teórica dessa abordagem. O
mundo passa a ser dividido entre "cultura ouvinte" (dominadora) e "cultura surda"
(dominada). O que identifica o segundo grupo é a surdez, independentemente de
raça, classe ou gênero.
O surdo (abstrato, já que na realidade concreta não se encontra esse surdo)
passa a ter como única característica determinante de sua identidade a surdez.
Não conta o fato de ser branco ou negro, rico ou pobre, homem ou mulher. Essa
divisão não serve.
Qual a grande consequência dessa visão? A de eliminar da discussão sobre as
condições sociais da surdez, as determinações de raça, classe e gênero, isto
é, de considerar (contraditoriamente às concepções do multiculturalismo) que
essas determinações não são significativas no caso da surdez. Pois, se fossem,
deveriam fazer parte integrante de nossas análises sobre a "comunidade de sur-
dos" e sobre os "indivíduos surdos".
[...] Se consideramos que a surdez é o único fator para a existência de uma "co-
munidade surda", deveremos negar a importância das determinações de raça,
classe e gênero que, se servem para o restante da humanidade, não se encai-
xam no caso dos surdos. Se, entretanto, entendermos que essas determinações
de raça, classe e gênero são importantes para a análise das culturas, como tratar
o "surdo" e a "comunidade surda" sem levá-las em consideração?
Essa concepção, que deturpa e reduz sua origem teórica (o multiculturalismo),
na verdade tem como consequência mais nefasta, a meu ver, o encobrimento
daquilo que é a riqueza da abordagem: a busca do entendimento da diversidade
na pseudo-homogeneidade aparente.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Para o autor, existe uma diferença significativa entre considerar
a comunidade como um grupo minoritário, ou percebê-la do ponto
de vista histórico, e que se contrapõe ao conceito de sociedade. O
autor critica os autores que analisam a relação indivíduo surdo-co-
munidade-sociedade, sem se preocupar com os pressupostos que
permeiam estas questões. Acerca desse assunto, Bueno afirma:

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
[...] a comunidade dos surdos é entendida, por esses autores, como o "lugar onde os
Surdos se encontram, onde o Surdo se sente entre iguais, seja na escola residencial,
clubes de Surdos, eventos esportivos de Surdos, festas de Surdos etc.". Procuram
não utilizar o termo [sic] comunidade surda, por entenderem que existem situações
em que os membros da Comunidade de Surdos não são Surdos, mas se identificam
com os problemas da surdez (parentes, profissionais) ou fazem parte de uma família
Surda (filhos ouvintes de pais Surdos), ou ainda Surdos que vêm de outros lugares
e que ainda não aprenderam toda a escala de habilidades requeridas para aquela
comunidade. [...] Existe a questão também daqueles surdos que não pertenciam à
Comunidade de Surdos e que se juntam a ela mais tarde na vida.

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146 © Língua Brasileira de Sinais

[...] uma coisa é considerar a comunidade como a manifestação concreta de


agrupamentos, tal como nos apresenta Pereira. Para esse autor, comunidade
é utilizada no sentido de um agregado humano com residência estável numa
certa área geográfica, na qual se concentra ponderável variedade de instituições
e associações, capazes de satisfazer aos diversos interesses fundamentais e
comuns desse agregado.
[...] Outra, muito diferente, é utilizar esse conceito do ponto de vista histórico, em
que comunidade se contrapõe à sociedade, já que os interesses comuns pautados
nas relações de parentesco e de proximidade geográfica, típicas das comunidades
primitivas, entram em conflito com interesses antagônicos produzidos pelas com-
plexas relações historicamente construídas pela moderna sociedade industrial:
[...] Os autores que procuram analisar a relação indivíduo surdo-comunidade-
sociedade parecem pouco se preocupar com distinções teóricas tão importantes.
Assim, ora o conceito comunidade se refere à existência concreta de grupos
de surdos com interesses comuns, ora serve para designar todo o conjunto de
surdos (não se sabe se de uma cidade, de um país ou do planeta), ora se con-
fundindo com o conceito de sociedade.
[...] Por outro lado, estabelece-se uma contradição entre a base teórica e a análi-
se da realidade. No sentido de não se restringir a comunidade de surdos somen-
te aos sujeitos com perdas auditivas, nela são incluídos os pais ouvintes de filhos
surdos, os filhos ouvintes de pais surdos e os profissionais que com eles traba-
lham. Mas quando se voltam para a realidade concreta só consideram membros
da comunidade de surdos os que respeitam e utilizam língua de sinais. Ora, se
é fato que existem comunidades de surdos (entendidas como agrupamentos de
sujeitos em busca de interesses comuns) que não se restringem aos indivíduos
surdos, mas incluem os que mantêm relações sociais significativas com eles,
como se pode considerar que pais e profissionais que só valorizam a língua oral
não façam parte dessa comunidade?
Enfim, a maior consequência de se circunscrever o problema da integração social
do indivíduo surdo no âmbito das decorrências diretas da surdez é a eliminação
da possibilidade de sua análise dentro da perspectiva crítica que compreende a
sociedade moderna como uma sociedade contraditória e conflituosa. O fato de
ter se aceitado e, inclusive, estimulado a existência de uma "comunidade surda"
pode ser interpretado somente na perspectiva da democratização das relações
sociais? Ou, ao contrário, pode significar muito mais uma forma de separar o
diferente?
A meu ver, a forma como se tem trabalhado a questão em que não são leva-
das em consideração as formas conflituosas, contraditórias e exploratórias pelas
quais a moderna sociedade industrial se constituiu, não em relação aos sujeitos
ouvintes versus sujeitos surdos, mas envolvendo dominação de classe, de raça
e de gênero redunda em uma visão abstrata da problemática social da surdez e
aponta para uma saída idealista: a solução é a criação de comunidades surdas,
independentemente das formas como a sociedade em geral se organiza.
Isto é, se o oralismo, tal qual foi sendo construído historicamente, constituiu-se
numa forma opressiva de uma maioria sobre uma minoria, o sinal, visto como
redenção do surdo numa sociedade extremamente injusta, está sendo utilizado
como uma outra forma de subjugação, na medida em que encobre outros deter-
minantes fundamentais além da surdez, que jogam peso decisivo na formação
de suas identidades e na trajetória de sua autonomia individual.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 147

Outro ponto de discordância para Bueno (1998) refere-se à


conotação dada à história da educação dos surdos, pois, segundo
o autor, os oralistas são apresentados como "carrascos" e os gestu-
alistas como os "defensores dos surdos oprimidos". Vejamos o po-
sicionamento de Bueno sobre a perspectiva histórica da surdez:

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
[...] A primeira consideração a ser feita é de que a recuperação histórica realizada
por esses autores procura explicar o presente pela trajetória passada. Em outros
termos, o que justifica o fato de que o surdo não tivesse um lugar ao sol é a impo-
sição feita pelos ouvintes para a incorporação de uma língua que não era sua.
Por outro lado, para esses mesmos autores, a sucessão dos fatos históricos é
uma constante progressão, do menos adequado ao cada vez mais adequado, ou
seja, desde a imposição da língua oral e de sua progressiva e adequada substi-
tuição pelo sinal.
Essa concepção "presentista e progressivista" produz uma história justificadora
da realidade atual, uma vez que coloca o presente como consequência inexorá-
vel do suceder dos fatos históricos. Assim é que essa visão parte do princípio de
que, tendo em vista a desvalorização que se deu no suceder da história sobre
a importância do sinal, só poderíamos desembocar na situação atual, em que
apenas alguns conseguem enxergar toda sua riqueza e propriedade com relação
à "comunidade surda".
Por outro lado, a visão "presentista" leva-nos a encarar o passado com base
nas perspectivas e necessidades do presente. Assim, a visão de Aristóteles ou
de [Pedro] Ponce de León sobre a linguagem oral parece acarretar uma visão
de surdez e não o inverso, isto é, de que as condições socioestruturais dessas
sociedades acarretavam uma visão de linguagem e, consequentemente, de sur-
dez.
[...] Em suma, a história assim produzida é a dos "carrascos", personificados pe-
los "oralistas", e dos "defensores dos oprimidos", os gestualistas. Para os primei-
ros, ficam as qualificações, ou melhor, desqualificações: de defensor os direitos
dos filhos da nobreza (Ponce de León), de falta de originalidade (Bonet), de não
trabalhar com os completamente surdos (Pereira), de copiador de idéias (Am-
man), de ocultador do método (Braidwood), de criador da concepção de surdez
como doença (Itard), de não entender nada de surdez (Ordinaire), de comparar
surdos a criminosos (Howe), de pior inimigo dos surdos e de salvar os ouvintes
da convivência indesejável com grupos de surdos (Bell); para os segundos, as
qualificações de colocar os surdos na categoria de humanos (L’Epée), de brilhan-
te professor (Clerk), de grandes iniciativas (E. Gallaudet).
É interessante verificar, entretanto, que, dos nomes citados como defensores da "co-
munidade dos surdos", raros são aqueles que eram surdos: entre L’Epée, Gallaudet
pai, Gallaudet filho, Clerk, Sicard, Massieu, Wallis, Weld, Watson (Londres), Vaïsse,
Moritz Hill (Alemanha), apenas dois eram surdos (Clerk e Massieu). Isto é, os defen-
sores dos sinais, arautos da autonomia e do respeito à comunidade surda, consegui-
ram produzir dois indivíduos de destaque em 200 anos (Moura 1996).
Essa posição intransigente e ideológica, na verdade, retira do estudo da história
aquilo que seria o mais significativo: a análise dos conflitos e das contradições

Claretiano - Centro Universitário


148 © Língua Brasileira de Sinais

das ações e representações dos sujeitos históricos que refletem, por um lado,
os determinantes sociais macroestruturais e, por outro, os próprios caminhos e
descaminhos dos sujeitos e das instituições que contribuem para a reprodução
(ou não) dessas mesmas contradições e conflitos.
[...] Uma outra questão a ser apontada é a de que essas obras analisam a histó-
ria como produto de pessoas notáveis (para o bem e para o mal) desvinculadas
de suas relações pessoais, institucionais e sociais. Assim, a história é produto
da ação desses senhores, uns por motivações intrinsecamente meritórias (os
defensores do sinal) e os outros, por motivações preconceituosas e prejudiciais
ao surdo (os defensores do oralismo). As poucas tentativas de contextualização
sociocultural não conseguem explicar o fundamental: por que os oralistas não
conseguiram fazer com que os surdos se apropriassem dessa linguagem e por
que os gestualistas não conseguiram fazer com que os surdos se constituíssem
numa comunidade forte e autônoma.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Quanto à relação surdez-normalidade, o autor afirma ser uma
distinção conceitual e, portanto, teórica. Nesse sentido, segundo
Bueno (1998) ela deve ser devidamente estuda e analisada:

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Boa parte da literatura que procura defender a concepção da existência de uma
comunidade surda coloca-se em contraposição, às vezes explícita e às vezes
implícita, da surdez considerada como deficiência.
[...] Ele não deve ser considerado como excepcional, nem como patológico. Mas
não se pode considerá-lo como normal, já que ele sofre uma restrição. Nesse
sentido, assim como outros indivíduos pertencentes a diferentes minorias (ne-
gros, gays etc.), o surdo deve ser encarado como membro de uma comunidade
que sofre restrição daqueles que não o são.
Cabe aqui, porém, uma pergunta básica: afinal de contas, a surdez é ou não uma
deficiência?
Todas as evidências científicas, sociais e culturais indicam que é. E mais, deve-
mos envidar todos os esforços para evitá-la. A vacina contra a rubéola materna
deve ser implementada porque previne um dos fatores que podem ocasionar
surdez em recém-nascidos. Isto é, previne um mal. Considerar o surdo como um
grupo minoritário pode ser importante do ponto de vista das diferenças culturais,
mas confundi-lo com outros grupos minoritários é, a meu ver, esconder uma dis-
tinção entre o patológico e a mera diferença.
Em outras palavras, qualquer iniciativa de intervenção para homogeneizar dife-
renças, como, por exemplo, o embranquecimento das populações negras, ou a
eliminação de características como a homossexualidade ou os olhos "puxados"
das etnias orientais, no meu modo de entender, devem ser combatidas, pois
representam uma visão "arianis" incompatível com as diferenças e com a cons-
trução da democracia. Isto, entretanto, não se estende a outros casos, como os
patológicos, porque se houver possibilidade de evitar o seu advento, isto é, se
houver formas de prevenir sua incidência ou de se solucionar este mal, isso deve
ser feito.
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 149

Essa distinção entre a diferença e a doença/deficiência não pode ser conside-


rada, por nós estudiosos, como meramente retórica, pois é conceitual, portanto,
teórica, e quanto mais solidamente enfrentada, mais nos oferece possibilidades
de densidade em nossas análises (que, redundantemente, queiramos ou não,
são teóricas).
Em síntese, a perda auditiva existe. Não é meramente uma invenção dos ou-
vintes em relação aos surdos. Se ela passar a ser considerada como uma mera
diferença, qualquer ação contra sua incidência deverá ser combatida, se quiser-
mos manter uma postura coerentemente democrática. Se, de alguma forma, con-
cordarmos com formas para sua prevenção ou erradicação, apesar de qualquer
discurso, ela será considerada como mal a ser evitado.
O problema com relação à surdez, assim como para as deficiências em geral, é
que, como ela não afeta diretamente as possibilidades de sobrevivência e, em
grande parte dos casos, até o momento atual, não é passível de reversão, há que
se encontrar formas democráticas de conviver com os surdos. Assim, parece-me
acertado procurar distinguir a surdez da doença, mas não se pode deixar de
considerá-la como uma condição intrinsecamente adversa (diferentemente da
negritude ou do homossexualismo).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Bueno conclui seu artigo afirmando que os surdos não po-
dem ser tratados como doentes, e, para mudar essa concepção, as
consequências da surdez deveriam ser analisadas de uma forma
mais abrangente e à luz das relações sociais. O autor finaliza suas
reflexões tecendo as seguintes considerações:

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O nó da questão da integração social do indivíduo surdo, envolvendo a existência
de grupos de surdos e sua convivência com os ouvintes, pode ser assim coloca-
do: apesar de ser uma condição intrinsecamente adversa, a surdez e os surdos
não podem ser tratados meramente como doentes, pois não o são. Essa visão
só poderá ser modificada se ultrapassarmos as decorrências diretas da perda
auditiva e analisarmos de forma mais abrangente as consequências geradas por
ela, aliadas às consequências construídas e produzidas pelas relações sociais.
Caberia, então, perguntar: defender a existência de comunidades surdas, con-
siderando a língua de sinais como sua primeira língua em contraposição a uma
língua imposta pela "sociedade ouvinte", é contribuir para a superação de sua
condição socialmente adversa?
Por outro lado, desconsiderar o fato de que existem agrupamentos de surdos
que se utilizam de formas de representação diferentes daquelas utilizadas pelos
ouvintes, e exigir deles a mesma produtividade em relação à linguagem oral dos
que ouvem, é a resposta?
Do meu ponto de vista, nenhuma das duas perguntas pode guiar nossa trajetória
porque, independentemente de nossas intenções, elas continuam a restringir o
indivíduo às manifestações intrínsecas da surdez.
Somente no momento em que nos debruçarmos sobre o fenômeno social da defi-
ciência auditiva, levando em consideração as restrições efetivamente impostas por

Claretiano - Centro Universitário


150 © Língua Brasileira de Sinais

uma condição intrinsecamente adversa (a surdez), aliada às condições sociais das


minorias culturais, determinadas por diferenças de classe, raça e gênero, estare-
mos avançando no sentido de contribuir efetivamente para o acesso à cidadania,
acesso esse historicamente negado, quer pelos defensores do oralismo, quer pe-
los defensores da língua de sinais, na medida em que nenhum deles conseguiu,
efetivamente, se desvincular das manifestações específicas geradas pela surdez.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar seu de-
sempenho no estudo desta unidade:
1) O que você entende por igualdade de direitos?

2) Qual o objetivo principal da inclusão social?

3) Qual a relação existente entre o conceito de igualdade de direitos e inclusão?

4) O que é identidade surda?

5) Quais as marcas da identidade surda?

6) Quais as principais Leis relacionadas ao conceito de igualdade de direitos?


Comente cada uma delas.

7) O que é cultura? E cultura surda?

8) Qual a relação entre multiculturalismo e cultura surda?

9) Qual a importância das escolas de surdos e das associações de surdos para


a comunidade surda?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você estudou os aspectos relacionados à
identidade e à cultura surda, compreendendo esta discussão sob a
perspectiva da igualdade de direitos a todos os cidadãos, indepen-
dentemente do fato de eles serem surdos ou não.
A próxima unidade irá apresentar os aspectos específicos re-
lacionados à gramática da Libras.
© U6 - Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos 151

11. E-REFERÊNCIAS
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senado.gov.br/sf/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.htm>.
Acesso em: 21 maio 2010.
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______. Convenção da Guatemala. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/
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CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
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PINTO, P. L. F. Identidade cultural surda na diversidade brasileira. Disponível em: <http://
www.ines.gov.br/paginas/revista/debate3.htm>. Acesso em: 07 jun. 2010.
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e teóricas. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 91, p. 565-582, maio/ago. 2005. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v26n91/a13v2691.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2011.
UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem – 1990. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
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12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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GESSER, A. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de
sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.
GOLDFELD, M. A criança surda. São Paulo: Plexus, 1997.
KAUCHAKJE, S. Comunidade Surda: as demandas identitárias no campo dos direitos, da
inclusão e da participação social. In: Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus,
2003.
MOURA, M. C. O surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter,
2000.

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152 © Língua Brasileira de Sinais

PERLIN, G. T. O lugar da cultura surda. In: A invenção da surdez: cultura, alteridades,


identidade e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004.
PIERUCCI, A. F. Ciladas e diferença. São Paulo, Tempo social, v. 2, n. 2, jul./dez. 1990.
QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição de linguagem. Porto Alegre: Artes
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ROSA, A. S. A presença do intérprete de língua de sinais na mediação social entre surdos
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SÁ, N. R. L. A educação dos surdos: a caminho do bilinguismo. Niterói: EDUFF, 1999.
SKLIAR, C. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In: A surdez:
um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
VALADÃO, V. B. Fundamentos dos direitos humanos. Revista Serviço Social e Sociedade,
n. 53, mar. 1997.
EAD
Linguística
e Língua de Sinais

7
1. OBJETIVOS
• Entender e caracterizar os fundamentos linguísticos apli-
cados à língua de sinais.
• Desmistificar ideias equivocadas relacionadas às línguas
de sinais.
• Estudar, compreender e caracterizar a fonologia e a mor-
fologia da língua de sinais.

2. CONTEÚDOS
• Aspectos linguísticos das línguas de sinais.
• Aspectos fonológicos e morfológicos da língua de sinais.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
154 © Língua Brasileira de Sinais

1) Você poderá encontrar o Dicionário da Língua Brasileira de


Sinais no formato digital no site: <www.acessobrasil.org.br>.
2) Você pode observar as 73 configurações de mão da
Libras apresentadas nesta unidade acessando o site
<www.acessobrasil.org.br>.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você estudou os aspectos relacionados
à identidade e à cultura surda, e pôde perceber que esta discussão
nos remete à compreensão de que é urgente garantir aos surdos a
igualdade de direitos para que eles possam aprender e se desen-
volver e, dessa forma, exercer sua cidadania plenamente.
Agora, nesta unidade, vamos estudar aspectos específicos
relacionados à gramática da Língua Brasileira de Sinais, a Libras.
Cabe destacar que é fundamental conhecer a gramática da
Libras, tendo em vista que ela é diferente da gramática da Língua
Portuguesa e apresenta características próprias.
Para que você compreenda efetivamente essa gramática é
preciso, inicialmente, adquirir alguns conceitos fundamentais da
linguística.
Você pode considerar estranho o uso dos termos fonológico e
fonologia aplicados à língua de sinais, uma língua visual-espacial, sem
referência sonora, mas logo veremos a aplicabilidade deles na Libras.
As línguas de sinais conquistaram o status de língua por apre-
sentarem os elementos linguísticos constituintes de uma língua,
ou seja, fonologia, morfologia e sintaxe, além de terem um léxico
(conjunto de símbolos convencionais) e uma gramática (sistema
de regras que regem o uso desses símbolos).
Então, para iniciar nossa conversa sobre esse tema, vamos,
no tópico a seguir, compreender a aplicação do conceito de fono-
logia à língua de sinais e seu objeto de estudo.
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 155

5. ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LÍNGUA BRASILEIRA DE


SINAIS
Antes de tratarmos dos aspectos linguísticos da Língua Brasi-
leira de Sinais, você saberia nos dizer o que é linguística? Compare
suas ideias com as informações a seguir.
Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 16):
[...] linguística é o estudo científico das línguas naturais e humanas.
As línguas naturais podem ser entendidas como arbitrárias e/ou
como algo que nasce com o homem.

De acordo com a definição, podemos entender que a linguística


estuda as línguas naturais e, portanto, estuda também as línguas de si-
nais. Porém, é importante você saber que a língua de sinais não é uni-
versal, portanto, temos inúmeras línguas de sinais em diferentes países.
A linguística pode ser definida como a ciência que estuda a
língua natural humana, em todos os seus aspectos, ou seja:
1) fonético;
2) fonológico;
3) morfológico;
4) sintático;
5) semântico e
6) pragmático.
Antes de você conhecer o que cada uma dessas áreas es-
pecíficas estuda, vamos conhecer alguns conceitos fundamentais,
como, por exemplo, a definição de língua e em que ela difere da
linguagem.
Para apresentar tais conceitos, recorremos a alguns autores
clássicos da linguística, como Saussure e Chomsky.

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156 © Língua Brasileira de Sinais

Chomsky (1957) considera língua: "[...] como um conjunto


(finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento
e construída a partir de um conjunto finito de elementos".
Complementando essa ideia, Saussure (1995, p. 17) coloca que:
[...] língua não se confunde com linguagem: é somente uma parte
determinada, essencial dela, indubitavelmente. É ao mesmo tempo
um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o
exercício dessa faculdade nos indivíduos.

Para Saussure (1991), a língua é um sistema de regras abs-


tratas composto por elementos significativos inter-relacionados.
Esse conjunto é independente (autossuficiente) e seus elementos
podem ser analisados isoladamente.
Um outro autor que também busca desvelar o conceito de
língua é Bakhtin. Diferentemente dos dois anteriores, Bakhtin con-
sidera os aspectos contextual e social da língua, superando a visão
normativa. Para ele, a língua é percebida em situação de diálogo
constante, como um conjunto de significações dadas em um de-
terminado contexto e não como um sistema de normas abstratas.
Bakhtin (1995), em suas considerações sobre o aspecto so-
cial da língua, ainda chama atenção para as seguintes questões:
• A língua está em constante evolução, que ocorre na inte-
ração dos interlocutores.
• A língua não pode ser compreendida independentemen-
te dos conteúdos e dos valores ideológicos que estabele-
cem com ela uma interface.
Desta forma, os três autores apresentam definições distintas
do conceito de língua. Entretanto, note que Bakhtin apresenta um
importante aspecto, ao considerar a questão social da língua.
Dando continuidade ao estudo dos aspectos linguísticos que
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 157

fundamentam a língua de sinais, você irá, nos tópicos a seguir, co-


nhecer alguns mitos (ou seja, algumas informações sem fundamen-
tação transmitidas socialmente) criados em relação às línguas de
sinais. É importante que ocorra uma desmistificação de algumas
ideias que dificultam a expansão e a aceitação da língua de sinais
pelas pessoas ouvintes, pelos profissionais e pelos familiares de sur-
dos.
Os mitos a seguir foram organizados e apresentados por Qua-
dros e Karnopp (2004) e merecem, neste estudo, serem destacados.

Mito 1–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação concreta
incapaz de expressar conceitos abstratos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Acreditou-se que a língua de sinais não fosse capaz de repre-
sentar conceitos abstratos, pois ela estaria baseada em gestos e
pantomimas. Tais gestos ou sinais teriam uma relação icônica com
seus referentes, ou seja, eles representariam nitidamente uma ideia
ou um objeto, como, por exemplo, os sinais de "casa" e de "não".
Esse mito não se sustenta, pois estudos já mostraram que as
línguas de sinais expressam conceitos abstratos. Sabe-se, hoje, que é
possível discutir qualquer assunto em língua de sinais: política, econo-
mia, matemática, física, psicologia, poesia ou literatura, por exemplo.
Outro dado importante que desmistifica essa ideia é que, de
acordo com Quadros e Karnopp (2004), apenas 30% dos sinais têm
significados identificáveis com a forma do sinal, ou seja, são icônicos.
Portanto, os demais 70% não podem ser reconhecidos na sua repre-
sentação, o que mostra a necessidade de que essa língua seja, de fato,
aprendida pelos ouvintes. Além disso, há uma seleção arbitrária das
características icônicas desses sinais, por exemplo: o não poderia ser
sinalizado pela cabeça e, a casa, por outra de suas características.

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158 © Língua Brasileira de Sinais

Mito 2–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Há uma única e universal língua de sinais usada por todas as pessoas surdas.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Uma dúvida muito comum dos ouvintes em relação à língua
de sinais é se ela é universal. Ela não é universal: cada país possui
a sua própria língua de sinais, assim como possuem a sua própria
língua oral. A língua de sinais americana é diferente da língua de
sinais brasileira, assim como essas diferem da língua de sinais ar-
gentina, francesa, alemã e assim por diante.
Portanto, o fato de um surdo brasileiro ser fluente em Libras
não garante que ele se comunique com surdos de outros países.
Para que ocorra essa comunicação, é preciso que haja entre eles
uma língua de sinais comum. É possível, tanto para surdos como
para ouvintes, aprender a língua de sinais de outro país.
Outro aspecto importante a ser considerado é o fato de haver,
dentro de um mesmo país, dialetos – modalidades regionais – no
uso da língua de sinais.
Por exemplo, é possível identificar variações em relação a
alguns sinais da Libras nas diferentes regiões do Brasil, ou entre as
diferentes comunidades surdas. Entretanto, essas diferenças não
impossibilitam a comunicação entre os surdos em um mesmo país.
As diferenças são facilmente apreendidas por meio de estratégias,
como a soletração.
A soletração manual não é uma língua distinta, mas um
simples código baseado nas línguas orais. Assim, nenhum surdo
se utiliza apenas da soletração para se comunicar. Ela é, como já
dissemos, um recurso utilizado em situações específicas, quando
necessário para nomes de pessoas e para explicar o significado de
sinais desconhecidos, por exemplo.
Para entendermos isso melhor, veja a seguinte situação:
Dois surdos encontram-se na rodoviária, um de São Paulo
e outro de Belo Horizonte. Durante a conversa, um deles usa um
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 159

sinal para ônibus e outro surdo demonstra não o conhecer. O pri-


meiro soletra a palavra ônibus (o-n-i-b-u-s). Aquele que não havia
compreendido se manifesta demonstrando compreensão a partir
da soletração e faz o sinal de ônibus utilizado pela sua comunida-
de. Assim, por meio da soletração manual a diferença foi resolvida.
Além disso, um pôde conhecer o sinal utilizado para ônibus pelo
outro, por uma comunidade surda diferente da sua.
É importante observar que o entendimento foi possível por-
que ambos demonstraram dominar a escrita, condição essencial
no uso da soletração. Entretanto, esse domínio não é atingido por
todos os surdos, como já foi mencionado nas primeiras unida-
des deste Caderno de Referência de Conteúdo. Dessa forma, esse
exemplo evidencia também a importância de o surdo desenvolver
as habilidades de leitura e escrita, como condição para uma me-
lhor comunicação, tanto com surdos como com ouvintes.

Mito 3–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Há uma falha na organização gramatical da língua de sinais derivada das línguas
de sinais, sendo um pidgin sem estrutura própria, subordinado e inferior às lín-
guas orais.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A ideia de subordinação apresentada por esse mito também
não se sustenta. A língua de sinais não estabelece com a língua
majoritária do país uma relação linguística de subordinação, mas
apresenta uma gramática diferente e independente dela.
A Libras tem uma gramática diferente da gramática da Língua
Portuguesa, entretanto, possui a mesma complexidade. Portanto,
é um equívoco considerar que as línguas de sinais são subordina-
das às línguas faladas.
O uso dos sinais da Libras na estrutura da Língua Portuguesa
(Português Sinalizado) não garante, por essa sobreposição, a com-

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160 © Língua Brasileira de Sinais

preensão daquilo que é comunicado, pois a construção do sentido


depende da estrutura e, portanto, a fidelidade à gramática da lín-
gua de sinais é fundamental.
Vejamos um exemplo: em português sinalizado, ou seja, uti-
lizando-se os sinais na estrutura da Língua Portuguesa, se diz: "Eu
comi pizza ontem.", com quatro sinais – um sinal para cada palavra
e nessa sequência. Em Libras, a mesma ideia é expressa da seguin-
te maneira: "Pizza comi ontem", com três sinais e nessa sequência.
Para os surdos, a compreensão da ideia depende da estrutu-
ra apresentada. Sobre esse aspecto, cabe ainda considerar que as
pessoas ouvintes, em função da falta de fluência em Libras, aca-
bam utilizando o Português Sinalizado, o que não garante comuni-
cação eficiente com surdos, sendo possível apenas a expressão de
ideias superficiais.
Desse modo, objetivando uma comunicação eficiente com
os surdos, por exemplo, na escola, é preciso ir além. É necessário
que os ouvintes, especialmente os professores, adquiram fluência
na Libras. Mas essa fluência depende do contato dos ouvintes com
os surdos (que, fluentes na Libras, são os melhores conhecedores
da gramática da língua de sinais). Nesse sentido, o ensino da língua
de sinais a pessoas ouvintes deve ser ministrado por surdos, fluen-
tes e preparados para a função de professor.
Pesquisadores nas áreas da surdez, educação de surdos e
bilinguismo defendem que o ensino da língua de sinais é um es-
paço profissional que deve ser ocupado por pessoas surdas com
formação.
Entretanto, ainda não há, no Brasil, surdos em número sufi-
ciente formados em, por exemplo, Pedagogia ou Letras, com profi-
ciência certificada em Libras, para ministrarem o ensino da língua.
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 161

Então, por enquanto, o país está em situação precária: há surdos


fluentes ministrando esse curso, mas sem formação em nível su-
perior e sem a proficiência na língua, como é exigido pelo Decreto
nº 5.626/05 (BRASIL, 2005).
Cabe informar que um bom curso de Libras deve contemplar,
além dos aspectos práticos da língua, os fundamentos teóricos, es-
senciais na compreensão das especificidades da língua e da sua
função na vida do surdo. Essa parte teórica é importante que seja
desenvolvida por um profissional ouvinte, com formação e pesqui-
sa na área. Esse profissional pode estabelecer comunicação com
os alunos ouvintes por meio da fala e discutir profundamente as
questões teóricas envolvidas com o tema.

Mito 4–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial, com conteúdo
restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente inferior ao sistema de co-
municação oral.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Esse mito evidencia várias ideias erradas relacionadas à lín-


gua de sinais, são elas:
• A língua de sinais não tem complexidade e é pobre do
ponto de vista lexical e gramatical.
• A língua de sinais é incapaz de expressar ideias abstratas,
humor e sutilezas, como figuras de linguagem, estando
ligada apenas a aspectos concretos.
Conforme já apresentado anteriormente, a língua de sinais
permite ao surdo conversar e refletir sobre qualquer assunto.

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162 © Língua Brasileira de Sinais

Várias pesquisas, como as realizadas por Klima e Bellugi


(1979), mostram que poesias, piadas, trocadilhos, jogos originais,
entre outros, são uma parte significativa do saber da cultura surda.
Veja, a seguir, duas orientações da comunidade surda, re-
tratadas com humor, retiradas do livro Cultura Sorda, así somos
(HOLCOMB, HOLCOMB e HOLCOMB, 1994, p.19 e 23), com versão
em espanhol do original escrito em inglês:

Orientação 1 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Mantener una conversación en lengua de signos mientras se conduce un coche


puede ser complicado. Como pasajero, tienes que compartir la responsabilidad
con el conductor, manteniendo los ojos en la carretera y avisándole sobre cual-
quier posible obstáculo. De esa manera, el conductor se siente más seguro para
hablar durante un mayor período de tiempo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Orientação 2 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 163

Vas a un restaurante con una amiga. Lo primero que haces después de sentarte es
retirar el centro de flores para que puedas ver las manos de tu amiga sin obstáculos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Para completar a discussão sobre esse mito, cabe ressaltar que é
muito comum as pessoas, equivocadamente, afirmarem que o empobre-
cimento estrutural das línguas de sinais liga-se ao fato de que elas não
apresentam, por exemplo, elementos de ligação, tais como preposições
e conjunções. De acordo com Quadros e Karnopp (2004), essa caracte-
rística não empobrece a língua de sinais, pois ela apresenta uma riqueza
de expressividade diferente das línguas orais. É possível comprovar esse
aspecto assistindo aos vídeos constantes no Dicionário de Libras e às vi-
deoaulas que compõem este Caderno de Referência de Conteúdo.
As línguas de sinais, como línguas visual-espaciais, apresen-
tam elementos próprios, como expressão facial, expressão corpo-
ral, movimento, velocidade e direção, que, incorporados ao sinal,
garantem a mesma riqueza de expressão que as línguas orais.

Mito 5–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A língua de sinais deriva da comunicação gestual espontânea dos ouvintes.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
De acordo com as colocações anteriores, a língua de sinais
não é um conjunto de gestos isolados. A ideia de que a língua de si-
nais é uma comunicação derivada dos gestos usados naturalmente
pelos ouvintes é bem antiga e está fundamentada na concepção
de que a linguagem está estritamente relacionada à capacidade do
indivíduo de falar. Dentro dessa concepção, a fala seria a expressão
mais nobre e a língua de sinais uma forma de expressão inferior,
limitada, universal e sem prestígio. Mas a ciência já mostrou dis-
tinção entre fala, língua e linguagem; portanto, essa ideia também
não se sustenta.

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164 © Língua Brasileira de Sinais

A concepção de que a linguagem está relacionada à capaci-


dade do ser humano de falar é bastante preconceituosa. A igreja
preocupou-se muito em ensinar o surdo a falar para que pudessem
confessar seus pecados; do contrário, eles queimariam no fogo do
inferno. Tal concepção revela a falta de conhecimento sobre o sur-
do como ser visual e de respeito a esses sujeitos como minoria
linguística, resultando em atitudes opressoras e violentas.

Mito 6–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A língua de sinais, por ser organizada espacialmente, estaria representada no
hemisfério direito do cérebro, uma vez que esse hemisfério é responsável pelo
processamento de informação espacial, enquanto o esquerdo é responsável pela
linguagem.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Estudos realizados por Stokoe (1965), Klima e Bellugi (1979)
foram determinantes na mudança de concepção em relação à lin-
guagem e à surdez. Esses estudos mostraram que os surdos com
lesões no hemisfério direito do cérebro processaram todas as in-
formações linguísticas em língua de sinais. Já os surdos com lesões
no hemisfério esquerdo processaram informações espaciais não
linguísticas e não conseguiram lidar com essas informações.
O que essas pesquisas mostraram é que as línguas de sinais,
mesmo sendo visual-espaciais, são produzidas no hemisfério es-
querdo, como qualquer outra língua.
Neste tópico, você aprendeu alguns conceitos linguísticos funda-
mentais relacionados à língua de sinais. Foi possível, também, conhecer
alguns mitos que foram amplamente difundidos e desmistificados.
Agora, conhecendo esses conceitos, é possível avançar nos
estudos teóricos sobre a língua de sinais, especificamente em rela-
ção aos aspectos fonológicos.
Até o momento, vimos que:
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 165

1) As línguas de sinais são tão ricas linguisticamente quan-


to qualquer outra língua oral e, por isso, possibilitam re-
fletir e conversar sobre qualquer assunto.
2) As línguas de sinais não são universais: cada país tem a
sua própria versão.
3) A língua dos surdos brasileiros é a Língua Brasileira de
Sinais, a Libras.
4) As línguas de sinais apresentam uma estrutura grama-
tical diferente e independente da língua majoritária do
país. Assim, a gramática da Libras é diferente da gramá-
tica da Língua Portuguesa.
5) A soletração não é uma língua independente, e sim um
recurso utilizado em situações específicas, como, por
exemplo, quando é necessário identificar nomes de
pessoas ou explicar o significado de sinais desconhe-
cidos.
6) A língua de sinais, mesmo sendo visual-espacial, é pro-
cessada no hemisfério esquerdo do cérebro, como qual-
quer outra língua.

6. FONOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS


A fonologia das línguas de sinais é a área da linguística que
visa identificar a estrutura e a organização dos constituintes fono-
lógicos da língua. O ponto central que a fonologia estuda na língua
de sinais são as unidades mínimas que formam os sinais, as com-
binações e as suas variações no ambiente fonológico.
Essas unidades mínimas são:
1) Configuração de mãos (CM).
2) Ponto de articulação (PA) ou localização da mão.
3) Movimento (M).
4) Orientação da mão (OR).

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166 © Língua Brasileira de Sinais

5) Aspectos não manuais dos sinais (NM) – expressões fa-


ciais e corporais.
Para que tenhamos uma melhor compreensão da fonologia
da língua de sinais, destacamos, a seguir, alguns aspectos apresen-
tados por Quadros e Karnopp (2004):
1) As línguas de sinais são visual-espaciais (ou espaço-visu-
al), pois a informação linguística é recebida pelos olhos
e produzida pelas mãos.
2) Os elementos mínimos constituintes da língua de sinais
são processados simultaneamente e não linearmente
como ocorre na língua oral.
3) Os articuladores primários das línguas de sinais são as
mãos, que se movimentam no espaço em frente ao cor-
po e articulam sinais em determinadas locações nesse
espaço. Entretanto, os movimentos do corpo e da face
também desempenham funções.
4) Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. No
caso de uma mão, a articulação ocorre pela mão domi-
nante (direita para destros e a esquerda para canhotos).
5) Os principais parâmetros fonológicos da língua de sinais são:
• configuração de mão;
• ponto de articulação;
• movimento;
• orientação da mão.
Em relação ao item 2, cabe explicar que, na língua oral, os
elementos mínimos (fonemas) são produzidos de maneira linear
(horizontalmente e no tempo), um sucessivo ao outro. Já na língua
de sinais, os elementos mínimos são produzidos simultaneamente.
As unidades mínimas: configuração de mão (CM), ponto de
articulação (PA), movimento (M), orientação de mão (OR) e expres-
sões não manuais (NM) podem ocorrer de maneira simultânea e
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 167

não consecutivas. A produção de um mesmo sinal pode envolver,


ao mesmo tempo, mais de uma unidade mínima. A produção do
sinal para o termo "televisão" envolve a configuração de mão, um
ponto de articulação, o movimento e a orientação da mão.
Agora, vamos conhecer detalhadamente cada uma das uni-
dades mínimas que formam os sinais.
As unidades mínimas participam no significado dos sinais, ou
seja, o contraste de apenas um dos parâmetros altera o significa-
do. Veja as explicações e os exemplos apresentados a seguir.
O contraste de apenas um dos parâmetros altera o significa-
do dos sinais.
Sinais que se opõem quanto à configuração de mão: “descul-
pa” e “queijo”. O ponto de articulação no qual são produzidos es-
ses sinais é o mesmo (queixo). Entretanto, a configuração da mão
é diferente. O sinal de “desculpa” é produzido a partir da configu-
ração da mão em “y” e o de queijo é produzido a partir da configu-
ração da mão em “l”. Para ter acesso aos sinais citados consulte o
dicionário de Libras que se encontra disponível em: <www.acesso-
brasil.org.br/libras>. Acesso em: 12 mar. 2012.
Sinais que se opõem quanto ao movimento: “trabalho” e “ví-
deo”. O ponto de articulação dos sinais é o mesmo, ou seja, pró-
ximo ao tronco. A configuração da mão também é a mesma, em
“l”. Entretanto, o movimento das mãos é diferente. O sinal de “tra-
balho” envolve um movimento das mãos para frente e para trás
em frente ao tronco. E o sinal de vídeo envolve um movimento de
cima para baixo, em frente ao tronco. Para visualizar os exemplos,
consulte o site que se encontra disponível em: <www.acessobrasil.
org.br/libras>. Acesso em: 12 mar. 2012.

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168 © Língua Brasileira de Sinais

Sinais que se opõem quanto ao ponto de articulação: “apren-


der” e “sábado”.
A seguir, você irá conhecer cada uma das unidades mínimas:
configuração de mão, ponto de articulação, movimento, orienta-
ção de mão e aspectos não manuais dos sinais.

Configuração de mão (CM)


O Dicionário da Língua Brasileira de Sinais, produzido pela
instituição Acessibilidade Brasil, apresenta 73 configurações de
mão.
Você pode estar se perguntando: "Como as configurações de
mãos foram organizadas?". Quadros e Karnopp (2004) dizem que
elas foram organizadas com base em dados coletados nas comuni-
dades de surdos das principais capitais brasileiras.
Verifique, no quadro (Figura 1), as configurações organiza-
das:
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 169

Figura 1 Página do site do Dicionário da Língua Brasileira de Sinais.

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170 © Língua Brasileira de Sinais

Podemos verificar que a configuração de mão é o ponto de


partida da articulação do sinal. Cada uma das configurações apre-
sentadas anteriormente origina vários sinais.

Movimento (M)
O movimento é uma importante unidade mínima. Além de
participar ativamente na produção do sinal, ele dá graça, beleza e
dinamismo a essa língua.
Se você já teve a oportunidade de presenciar dois surdos con-
versando em língua de sinais, deve se lembrar de que, ao produzir
os sinais, eles faziam, concomitantemente, alguns movimentos cor-
porais, faciais e manuais, associados aos sinais, ou os próprios sinais
eram produzidos com movimento e não de maneira estática.
As pessoas ouvintes, ao usarem a língua de sinais, o fazem,
normalmente, de maneira mais estática. Isso ocorre porque o mo-
vimento, embora seja uma parte integrante da língua, é realizado
com mais propriedade pelos surdos, que são mais fluentes e co-
nhecem a língua profundamente.
Sabe-se que associar à produção do sinal aspectos como o
movimento e as expressões não manuais não é algo simples. Essa
habilidade exige muita competência e fluência na língua, além de
uma boa coordenação motora, domínio do movimento e orienta-
ção no espaço.
Para os ouvintes, usuários de língua oral-auditiva, o domí-
nio dessas habilidades é algo bem complexo. Os surdos, por serem
mais visuais, adquirem essas habilidades com muito mais natura-
lidade e facilidade do que os ouvintes, por isso têm uma fluência
mais completa e mais autêntica da língua que os ouvintes.
Cabe destacar, então, que para que haja movimento é preci-
so haver espaço. Portanto, o movimento é indissociável do espaço.
Klima e Bellugi (1979) definem o movimento como um parâmetro
complexo que pode envolver vários aspectos, tais como:
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 171

1) forma: o movimento pode ocorrer na mão, no pulso e


no antebraço;
2) direção: o movimento pode ser unidirecional, bidirecio-
nal ou multidirecional;
3) maneira de produção: o movimento pode variar quanto
à tensão e à velocidade;
4) frequência: o movimento pode envolver repetição ou não.
Quanto à forma, o movimento pode ocorrer na mão, no pulso
e no antebraço. Em relação à direção, o movimento pode ser uni-
direcional, bidirecional ou multidirecional. A maneira de produção
do movimento pode variar quanto à tensão e velocidade. Quanto à
freqüência o movimento pode envolver repetição ou não.
No Quadro 1, estão as categorias do parâmetro movimen-
to na língua de sinais brasileira segundo Ferreira Brito (1990 apud
QUADROS; KARNOPP, 2004).
Quadro 1 Categorias do parâmetro movimento na língua de sinais
brasileira (Ferreira-Brito, 1990)
TIPO
Contorno ou forma geométrica: retilíneo, helicoidal, circular, semicircular,
sinuoso, angular, pontual
Interação: alternado, de aproximação, de separação, de inserção, cruzado
Contato: de ligação, de agarrar, de deslizamento, de toque, de esfregar, de
riscar, de escovar ou de pincelar
Torcedura do pulso: rotação, com refreamento
Dobramento do pulso: para cima, para baixo
Interno das mãos: abertura, fechamento, curvamento e dobramento
(simultâneo/ gradativo)
DIRECIONALIDADE
Direcional
- Unidirecional: para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para
dentro, para fora, para o centro, para a lateral inferior esquerda, para
a lateral inferior direita, para a lateral superior esquerda, para a lateral
superior direita, para específico ponto referencial
- Bidirecional: para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, para
dentro e para fora, para laterais opostas – superior direita e inferior esquerda
Não-direcional

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172 © Língua Brasileira de Sinais

MANEIRA
Qualidade, tensão e velocidade
- contínuo
- de retenção
- refreado
FRENQÜÊNCIA
Repetição
- simples
- repetido
Fonte: Quadros e Karnopp (2004, p. 56).

De acordo com o apresentado, você pode perceber a impor-


tância dos movimentos na língua de sinais, pois eles podem ter
múltiplos significados.
Isso indica que, ao aprender a língua de sinais, você deve
dedicar especial atenção aos movimentos que acompanham os si-
nais, buscando compreendê-los e apreendê-los.
Veja, a seguir, algumas dicas importantes para você compre-
ender a comunicação pela língua de sinais.
1) A variação do movimento pode resultar em um significa-
do diferente do sinal.
2) As variações do movimento servem para diferenciar
itens lexicais, como nomes e verbos.
3) As variações do movimento podem estar relacionadas à
direcionalidade do verbo (KLIMA; BELLUGI, 1979), como
no caso do verbo "olhar"/"olhar para".
4) Os movimentos também podem indicar variação em re-
lação ao tempo dos verbos, como por exemplo: "olhe
para", "olhe fixo", "observe", "olhe por um longo tem-
po", "olhe várias vezes".

Ponto de Articulação (PA)


Outra unidade mínima que também faz parte da língua de sinais
é o ponto de articulação. Ele se refere à parte do corpo ou do espaço
em que, ou perto do qual, o sinal é articulado (FRIEDMAN, 1997).
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 173

É possível você verificar que os sinais podem ser produzidos


envolvendo quatro pontos de articulação: tronco, cabeça, mão e
espaço.
Para concluir, cabe considerar que muitos sinais podem en-
volver um movimento, indo de um ponto de articulação a outro,
como, por exemplo, p sinal de “presidente” que parte do ombro,
desce pelo tronco e termina na lateral da cintura. Ou seja, parte de
um ponto de articulação e termina em outro.

Orientação da mão (OR)


A orientação é a direção para a qual a palma da mão aponta
na produção do sinal (QUADROS; KARNOPP, 2004).
Ferreira-Brito (1995) considera seis tipos de orientações da
palma da mão na Língua Brasileira de Sinais:
1) para cima;
2) para baixo;
3) para o corpo;
4) para frente;
5) para a direita;
6) para a esquerda.

Expressões não manuais (NM)


As expressões não manuais envolvem movimento da face,
dos olhos, da cabeça e do tronco.
Essa unidade mínima é também muito importante linguistica-
mente, pois marca as sentenças interrogativas (sim/não), interrogativas
QU (quem, qual), orações relativas, topicalizações, concordância e foco.
Além disso, as expressões não manuais marcam:
1) referência específica;
2) referência pronominal;
3) partícula negativa;
4) advérbio;

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174 © Língua Brasileira de Sinais

5) grau ou aspecto.
Cabe destacar que duas expressões podem ocorrer ao mes-
mo tempo, como, por exemplo, as marcas de interrogação e nega-
ção que envolvem franzir de sobrancelhas e projeção da cabeça.
O Quadro 2 apresenta diferentes expressões que fazem par-
te da Língua Brasileira de Sinais.
Quadro 2 Diferentes expressões da Língua Brasileira de Sinais
Rosto
Parte superior
Sobrancelhas franzidas
Olhos arregalados
Lance de olhos
Sobrancelhas levantadas

Parte inferior
Bochechas infladas
Bochechas contraídas
Lábios contraídos e projetados e sobrancelhas franzidas
Correr da língua contra a parte inferior interna da bochecha
Apenas bochecha direita inflada
Contração do lábio superior
Franzir o nariz

Cabeça
Balanceamento para frente e para trás (sim)
Balanceamento para os lados (não)
Inclinação para frente
Inclinação para o lado
Inclinação para trás

Rosto e cabeça
Cabeça projetada para frente, olhos levemente cerrados, sobrancelhas franzidas
Cabeça projetada para trás e olhos arregalados
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 175

Tronco
Para frente
Para trás
Balanceamento alternado dos ombros
Balanceamento simultâneo dos ombros
Balanceamento de um único ombro
Fonte: Ferreira-Brito e Lavengin (1995).

De acordo com o que você pôde observar nesse quadro, fica


evidente a complexidade linguística dessa língua.
As expressões não manuais, assim como o movimento, dão
muita graça à língua de sinais e são também essenciais, e os surdos
as utilizam com muita propriedade. Esse é mais um aspecto que os
ouvintes têm a aprender com os surdos usuários da língua de sinais.

7. MORFOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS


Agora, vamos conhecer alguns aspectos da morfologia da
língua de sinais.
Morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou
dos sinais e das regras que determinam a formação das palavras
ou dos sinais. A palavra morfema deriva do grego morphé, que sig-
nifica forma. Os morfemas são as unidades mínimas de significado
(QUADROS; KARNOPP, 2004).
Alguns morfemas, por si sós, constituem palavras, outros
nunca formam palavras, apenas constituem partes delas. Nesse
caso, temos os morfemas presos, que são os sufixos e os prefixos,
uma vez que não podem ocorrer isoladamente. Têm-se, também,
os morfemas livres que constituem palavras.
Assim como as palavras em todas as línguas humanas, mas
diferentemente dos gestos, os sinais pertencem a categorias lexicais
ou a classes de palavras, como nome, verbo, adjetivo e advérbio.
As línguas de sinais têm um léxico e um sistema de criação
de novos sinais em que as unidades mínimas com significado (mor-

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176 © Língua Brasileira de Sinais

femas) são combinadas. Nesse aspecto, as línguas de sinais são


diferentes das línguas orais.
Nas línguas orais, as palavras complexas são, muitas vezes, for-
madas pela adição de um prefixo ou sufixo a uma raiz. Já nas línguas
de sinais, essas formas resultam, frequentemente, de processos não
concatenativos, em que uma raiz é enriquecida com vários movimen-
tos e contornos no espaço de sinalização (KLIMA; BELLUGI, 1979),
como por exemplo, os sinais "árvore" e "paquerar". Para visualizar es-
tes sinais, consulte o site que se encontra disponível em <www.aces-
sobrasil.org.br/libras>. Acesso em 12 de mar. 2012.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Ao finalizar seus estudos sobre a gramática da Língua Bra-
sileira de Sinais, procure responder para si mesmo às seguintes
questões:
1) Quais os fundamentos linguísticos aplicados à língua de sinais?

2) Apresente e explique as principais ideias equivocadas relacionadas às lín-


guas de sinais.

3) O que estuda a fonologia e a morfologia das línguas de sinais?

4) Quais as unidades mínimas das línguas de sinais?

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pôde estudar aspectos específicos rela-
cionados à gramática da Libras) e, por meio deste estudo, compre-
ender sua organização.
Na próxima unidade, você irá estudar o intérprete de língua
de sinais. Veremos que a profissão de intérprete de língua de sinais
no Brasil é recente e foi legislada com a publicação do Decreto nº
5.626/05. Além disso, discutiremos a presença do intérprete em
sala de aula e como se dá sua atuação nesse contexto.
© U7 - Linguística e Língua de Sinais 177

10. E-REFERÊNCIAS
Figura 1 LIBRAS. do Dicionário da Língua Brasileira de Sinais. Disponível em: <http://
www.acessobrasil.org.br/libras/>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Sites pesquisados
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil/leis/2002/L10436.htm>. Acesso em: 12 jan. 2011.
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 12
jan. 2011.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BAKHTIN, N. Marxismo e filosofia pra linguagem. São Paulo: Hucitec, 1999.
CHOMSKY, N. Syntactic structures. The Hague: Mounton, 1997.
HOLCOMB, R. K.; HOLCOMB, S. K.; HOLCOMB, T. K. Cultura sorda: así somos (Traduzido
por Francisco Meizoso y Cristina Freire). San Diego: DawnSignPress, s.d.
KLIMA, E.; BELLUGI, U. Wit and poetry in american sign language. Dign language Studies. v. 8.
QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto
Alegre: Artmed, 2004.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
STOKOE, W. C. et al. A dictionary of american sign language on linguistic principles. 2. ed.
Silver Spring: Linstok, 1965.

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EAD
O intérprete de
língua de sinais

8
1. OBJETIVOS
• Reconhecer e identificar o campo de atuação do intérpre-
te de língua de sinais.
• Refletir e analisar a história da profissionalização do intér-
prete de língua de sinais.
• Reconhecer os critérios de formação e atuação intérprete
de língua de sinais.
• Identificar os critérios de atuação do intérprete de língua
de sinais na escolarização de surdos.

2. CONTEÚDOS
• Campo de atuação do intérprete de língua de sinais.
• Histórico da profissionalização do intérprete de língua de
sinais.
180 © Língua Brasileira de Sinais

• Critérios de formação e atuação do intérprete de língua


de sinais.
• Atuação do intérprete de língua de sinais na escolarização
de surdos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia a orientação a seguir:
1) No site do INES (www.ines.gov.br), você pode acessar o
Dicionário de Língua Brasileira de Sinais e a Revista Espa-
ço, um dos mais importantes veículos de divulgação de
pesquisas na área da surdez, da educação de surdos e da
língua de sinais.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta, que é a última unidade de Língua Brasileira de Sinais,
iremos estudar o intérprete de língua de sinais.
Pelo exposto nas unidades anteriores, deve ter ficado claro
que a inclusão de alunos surdos nos contextos comuns de ensino
é uma questão bastante complexa, pois envolve uma reorganiza-
ção completa no modelo de escola predominante na atualidade,
visando ao atendimento dos pressupostos da educação inclusiva,
bilíngue e bicultural.
Uma das questões envolvidas nessa reorganização refere-se
à garantia da presença da língua de sinais na escolarização de alu-
nos surdos.
De acordo com o que foi estudado nas Unidades 1 e 4, a
organização de uma escola inclusiva para surdos envolve a parti-
cipação de novos agentes educacionais: professor ouvinte fluente
em língua de sinais (professores bilíngues), educador surdo e in-
térprete de língua de sinais.
© U8 - O intérprete de língua de sinais 181

Assim, nesta unidade, você irá conhecer um pouco mais


sobre esse novo agente educacional, considerando-se que você,
como professor, também poderá contribuir na reorganização da
escola na direção de uma escola bilíngue.
Vimos, nas Unidades 1 e 4, que o aluno surdo inserido em
classe de ouvintes encontra acentuada dificuldade de comunica-
ção, o que acarreta, também, dificuldade com os conteúdos esco-
lares. Isso ocorre em virtude da falta de uma língua compartilhada
entre ele, os alunos ouvintes e seus professores. Tal realidade tem
contribuído para seu frequente fracasso escolar.
Na Unidade 1, vimos, também, que a educação dos surdos
foi marcada por resultados insatisfatórios e muitas indefinições,
principalmente em relação às abordagens: oralismo, comunicação
total e bilinguismo. Esse quadro, infelizmente, ainda não mudou
até os dias de hoje.
Em relação às abordagens, embora o oralismo ainda preva-
leça em muitas situações, o bilinguismo cresce na dimensão te-
órico-prática e no seu reconhecimento pelas comunidades surda
e ouvinte. Entretanto, a educação dos surdos tem à frente outro
desafio: o atendimento às diretrizes educacionais nacionais que
defendem o ensino inclusivo, às diretrizes para a organização da
educação especial na educação básica, expressas na Resolução
CNE/CEB nº 2 (BRASIL, 2001) de 11 de setembro de 2001, à Lei nº
10.098/94, de 23 de março de 1994 (BRASIL, 1994), especialmente
o capítulo VII, que legisla sobre a acessibilidade à língua de sinais e
à Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais.
Pelo exposto no parágrafo anterior, você pode estar se questio-
nando sobre a viabilidade de se atender, ao mesmo tempo, ao princípio
da educação inclusiva e da educação bilíngue. Então, cabe destacar que
os princípios da educação inclusiva são compatíveis com o bilinguis-
mo, pois ambos reconhecem o direito dos surdos a uma educação de
qualidade. Entretanto, é muito complexo garantir que o surdo poderá

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182 © Língua Brasileira de Sinais

escolher sua escola e que nela ele será atendido na sua especificidade
linguística, ou seja, que o ensino será ministrado em língua de sinais,
como previsto na Resolução CNE/CEB nº 2 (BRASIL, 2001).
Não podemos deixar de considerar, porém, a realidade da
educação brasileira marcada pela escassez de recursos, falta de
compromisso político com a educação, falta de vontade política de
promover uma educação de qualidade e formação precária dos pro-
fessores, o que nos faz pensar, inicialmente, que a organização da
educação inclusiva e da educação bilíngue não passa de utopia.
Ainda assim, na qualidade de professor comprometido com
a educação, é preciso ter em mente o esforço no sentido de trans-
formar essa realidade, fazendo sua parte nesse contexto.
A qualidade da escolarização do aluno surdo no contexto
da educação inclusiva depende, basicamente, da reorganização
da escola, o que contempla, entre outras condições, a atuação de
novos agentes educacionais, como, por exemplo, o intérprete de
língua de sinais.
Tendo em vista o estudo desse panorama, nesta unidade,
você terá a oportunidade de conhecer com maior profundidade
as questões que permeiam a identidade profissional e o campo de
atuação do intérprete de Libras.
Para iniciar seus estudos sobre a atuação do intérprete, va-
mos, no próximo tópico, apresentar dados significativos sobre a
história da constituição da profissão de intérprete de língua de si-
nais e, especificamente, de Libras.

5. A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSÃO DE INTÉRPRETE:


DADOS HISTÓRICOS
O intérprete de Língua Brasileira de Sinais, com formação es-
pecífica para a função, é pouco difundido no Brasil; está disponível
apenas nos grandes centros e existe em quantidade incipiente.
© U8 - O intérprete de língua de sinais 183

Você conhece algum intérprete de língua de sinais?


De acordo com Quadros e Karnopp (2004), os primeiros in-
térpretes surgiram em trabalhos religiosos no final do século 19
(1875). Na Suécia, em 1938, o Parlamento criou cinco cargos de
conselheiros para surdos, sendo um deles o de intérprete. Em
1947, mais de 20 pessoas assumiram a função de intérprete. A
partir de 1968, por uma decisão do Parlamento sueco diante de
reivindicações da Associação Nacional de Surdos, todos os surdos
passaram a ter acesso ao profissional intérprete livre de encargos.
Nesse ano, também foi criado o primeiro curso de treinamento
de intérpretes na Suécia. Em 1991, foi instituído que cada Conse-
lho municipal deveria ter uma unidade com intérprete (QUADROS;
KARNOPP, 2004).
De acordo com os dados apresentados por Quadros e Kar-
nopp (2004), nos Estados Unidos, as primeiras atuações de intér-
pretes também ocorreram no século 19, com Thomaz Gallaudet,
intérprete de Laurent Clerc (surdo francês que estava nos Estados
Unidos para promover a educação dos surdos naquele país). Essa
foi uma experiência isolada de intérprete e não desencadeou a
ampliação dessa atuação de imediato nos Estados Unidos. As in-
terações com os surdos continuaram sendo intermediadas por vo-
luntários (normalmente vizinhos, amigos, filhos e religiosos), por
meio de uma comunicação muito restrita.
Apenas em 1964 foi fundada uma organização nacional de
intérpretes para surdos, estabelecendo alguns requisitos para a
atuação desse profissional nos Estados Unidos. Essa organização,
em 1972, passou a selecionar intérpretes e a oferecer um registro
profissional após uma avaliação da competência para a função. Na
atualidade, assume as seguintes funções: selecionar intérpretes,
certificar os intérpretes qualificados, manter um registro, promo-
ver o código de ética, oferecer informações acerca da formação e
aperfeiçoamento do profissional (QUADROS; KARNOPP, 2004).
E no Brasil, como foi a história dos intérpretes de Libras?

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184 © Língua Brasileira de Sinais

No Brasil, a atuação do intérprete de língua de sinais foi registra-


da depois de um século de ela ter ocorrido na Suécia e nos Estados Uni-
dos. Na década de 1980, os intérpretes começaram a se organizar como
categoria profissional e, em 1988, realizou-se o I Encontro Nacional de
Intérpretes de Língua de Sinais, organizado pela Federação Nacional de
Integração e Educação dos Surdos (Feneis), quando ocorreu, pela pri-
meira vez, o encontro entre alguns intérpretes do Brasil e a discussão
sobre a ética do profissional (QUADROS; KARNOPP, 2004).
Pelo exposto, fica evidente que a atuação dos intérpretes de
língua de sinais no Brasil é bem recente, o que justifica a falta de uma
sistematização mais ampla acerca da sua formação, da sua identi-
dade profissional e do seu campo de atuação. Porém, em meio às
indefinições nessa área, verifica-se hoje a existência de intérpretes
atuando sem formação específica e sem certificação para a função.

Apenas a fluência na língua de sinais não é suficiente para que


uma pessoa desempenhe a função de intérprete. Para atuar como
intérprete é preciso ter uma formação específica. Essa formação é
recente no Brasil, mas pode ser encontrada, por exemplo, em São
Paulo e em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. No Brasil, a
possibilidade de atuar como intérprete de Libras-Língua Portugue-
sa tem sido oferecida, provisoriamente, pelo Exame Nacional de
Proficiência, oferecido pelo MEC (BRASIL, 2005).

Em 1992, ocorreu o II Encontro Nacional de Intérpretes de


Língua de Sinais, quando os intérpretes puderam trocar experiên-
cias profissionais nessa área. Após discussões, foi votado e aprova-
do o regimento interno do Departamento Nacional de Intérpretes.
Nos anos de 1993 e 1994, foram realizados alguns encontros esta-
duais para aprofundar as discussões acerca do exercício da profis-
são de intérprete de língua de sinais (QUADROS; KARNOPP, 2004).
De acordo com essas autoras, ainda na década de 1990 foram
criadas unidades de intérpretes ligadas aos escritórios regionais da
Feneis. Em 2002, essa federação contava com escritórios regionais
em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Teófilo Otoni, Brasília,
© U8 - O intérprete de língua de sinais 185

Recife e na matriz no Rio de Janeiro.


Cabe destacar que a organização da categoria profissional
dos intérpretes foi sendo construída mesmo quando a língua de si-
nais ainda não era reconhecida oficialmente no Brasil (QUADROS;
KARNOPP, 2004).
No dia 24 de abril de 2002, foi homologada a lei federal que
reconheceu a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua ofi-
cial das comunidades surdas brasileiras, o que representa uma
conquista significativa tanto para o intérprete de língua de sinais
como para o surdo (BRASIL, 2002).
Todavia, a Lei nº 10.436/02 só foi regulamentada pelo De-
creto nº 5.626/05 em dezembro de 2005, fazendo com que as
providências e os encaminhamentos das determinações da Lei
nº 10.436/02 ficassem congelados, aguardando a legislação per-
tinente. Desde 2005 até então, o Decreto está sendo discutido e
interpretado para sua efetiva implementação pelos órgãos e insti-
tuições competentes.
Segundo Lacerda (2009, p. 24), o Decreto refere-se ao:
[...] direito das pessoas surdas ao acesso às informações através da
Libras, do direito dessa comunidade a uma educação bilíngue, da
formação de professores de libras e de intérpretes de libras entre
outras providências. Assim, é fundamental compreender o que ela
prevê para adequar escolas, empresas, órgãos públicos e outras
instituições para o atendimento à pessoa surda.

No caso do intérprete, o reconhecimento da Língua Brasileira


de Sinais trouxe benefícios para a organização da profissão e para
a formação dessa categoria no país. Além disso, contribuiu para o
reconhecimento da profissão, o que representa uma conquista his-
tórica e uma vitória dos agentes sociais envolvidos com a questão.
Com a expansão da participação social, política e cultural do
surdo, o intérprete, consequentemente, também tem se benefi-
ciado, pois tem sido mais qualificado e reconhecido profissional-
mente (QUADROS; KARNOPP, 2004).

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186 © Língua Brasileira de Sinais

Apenas muito recentemente começaram a surgir no Brasil


pesquisas problematizando a atuação do intérprete de língua de
sinais nos contextos comuns de ensino. Os resultados têm mostra-
do a complexidade e os limites dessa função (FERNANDES, 2003;
LACERDA, 2002, 2006, 2009).
Recentemente, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva san-
cionou a Lei nº 12.319 de 01/09/2010, que regulamentou a profissão
de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – Libras.

6. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ATUAÇÃO DO INTÉR-


PRETE DE LÍNGUA DE SINAIS
Ainda são poucas as experiências no Brasil de inclusão de
alunos surdos envolvendo a atuação de intérpretes de língua de
sinais. Contudo, as pesquisas atuais, especialmente aquelas pauta-
das pelos pressupostos do bilinguismo, têm evidenciado a impor-
tância desses profissionais na vida do indivíduo surdo.
Quando o surdo é usuário fluente da língua de sinais, o in-
térprete pode ampliar as possibilidades de comunicação dele com
o mundo ouvinte e viabilizar as possibilidades de interação social,
em diferentes contextos e com qualquer interlocutor (QUADROS;
KARNOPP, 2004).
Com o apoio do intérprete, o surdo pode participar de dife-
rentes atividades sociais, educacionais, culturais e políticas, pode
completar a escolaridade, motiva-se a participar de reuniões e en-
contros e tem maior possibilidade de interação e atuação social,
pois tem acesso às discussões e às informações veiculadas na lín-
gua falada e pode fazer-se "ouvir".
O intérprete é também fundamental para possibilitar a co-
municação entre os surdos usuários da língua de sinais e os não
usuários, principalmente quando estes últimos se comunicam pre-
dominantemente pela fala e utilizam a leitura labial (QUADROS;
KARNOPP, 2004). A profissão de intérprete de língua de sinais é
© U8 - O intérprete de língua de sinais 187

recente neste país, inclusive nos contextos escolares, onde, segun-


do as autoras, o profissional deve ser chamado de "intérprete edu-
cacional", pois sua função vai além daquela da interpretação.
Você pode estar pensando que o intérprete pode resolver
o problema da inclusão de alunos surdos em classes de ouvintes.
Mas a realidade não é bem essa, pois a atuação do intérprete em
sala de aula não é garantia de aprendizado.
Vamos saber o porquê?
De acordo com Lacerda (2002), a inserção do intérprete em
sala de aula precisa ser feita com muito cuidado e reflexão, bem
como é preciso compreender melhor o seu papel e os seus mo-
dos de atuação. Para essa autora, a atuação desse profissional vai
muito além da interpretação e, por isso, ela defende a atuação do
intérprete educacional.
Lacerda (2009) afirma que a denominação "intérprete edu-
cacional" é usada em vários países, como EUA, Canadá e Austrália,
para diferenciar o profissional intérprete daquele que atua na sala
de aula no contexto escolar. A autora comenta, ainda, que, em cer-
tos países, há a preocupação em diferenciar, de forma mais incisi-
va, a atuação do intérprete de língua de sinais do intérprete educa-
cional, como no caso da Itália, por exemplo, onde esse profissional
é chamado de assistente de comunicação. Segundo Lacerda (2009,
p. 33), essa diferenciação acontece porque:
[...] trata-se de um profissional que deverá versar conteúdos da lín-
gua majoritária para a língua de sinais do país e vice-versa, mas que
também se envolverá de alguma maneira com as práticas educa-
cionais, constituindo aspectos singulares da sua forma de atuação.

Para Lacerda (2009), o intérprete educacional não deve ocu-


par o lugar do professor ou ter a função de ensinar os alunos sur-
dos, no entanto, em sala de aula, sua atuação, sempre que en-
volver atividades educativas, irá levá-lo a práticas diferenciadas,
pois o objetivo do espaço escolar não é apenas o de tradução, mas
também o de favorecer a aprendizagem do aluno surdo.

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188 © Língua Brasileira de Sinais

Imagine a seguinte situação: uma professora de Ciências


realiza sua aula por meio da exposição oral dos conteúdos (aula
expositiva). O conteúdo envolve conceitos específicos e abstratos.
Se o intérprete simplesmente interpretar para a língua de sinais,
o aluno surdo pode continuar sem compreender, pois parte dos
conceitos são desconhecidos e permanecerão desconhecidos se
o intérprete apenas fizer o sinal correspondente. Nessa situação,
o intérprete deve utilizar outros recursos didáticos, como o dese-
nho, a apresentação de figuras que retratam os conceitos, a ela-
boração de esquemas ou mapas conceituais, a pesquisa em livros
com ilustração, entre outros.
Para que o intérprete faça escolhas didático-pedagógicas as-
sertivas é preciso que ele tenha formação de educador.
Nesse aspecto, vale uma análise mais detalhada do Decreto
nº 5.626/05, que define que a função de intérprete de língua de
sinais requer formação em curso superior. No entanto, a artigo 19
desse decreto prevê que, caso não haja pessoas com a titulação
exigida, os profissionais, para atuarem em instituição de ensino
como intérpretes educacionais, devem ter o seguinte perfil, como
cita Lacerda (2009, p. 25):
Pessoa ouvinte, com nível superior, com competência e fluência em
Libras e com aprovação em exame de proficiência promovido pelo
MEC. Esse será um profissional habilitado a atuar em todos os níveis
de ensino. Já a pessoa ouvinte, com formação em nível médio, com
competência e fluência em Libras e com comprovação no exame de
proficiência, poderia atuar na educação básica. O decreto prevê ain-
da que o profissional surdo com competência para interpretação de
língua de sinais de outros países para Libras pode atuar em cursos e
eventos, nos quais tal atividade é pertinente e necessária.

A presença do intérprete na sala de aula com criança surda


pequena não representa ganhos significativos.
De acordo com o que você estudou nas Unidades 1, 2 e 3, a crian-
ça surda no Brasil tem contato tardio com a língua de sinais. Então, na
primeira infância, ela não domina nem a língua de sinais nem a língua
portuguesa. Assim, de nada adianta o intérprete na sala de aula.
© U8 - O intérprete de língua de sinais 189

Então, a partir de qual ano escolar o intérprete educacional


deve atuar?
Os intérpretes deveriam participar da escolarização de alu-
nos surdos apenas nas etapas mais avançadas do ensino, ou seja,
a partir do 6º ano.
O capítulo VI do Decreto nº 5.626/05, que se refere à "garan-
tia do direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência
auditiva", em seu artigo 22, afirma que as instituições responsá-
veis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos sur-
dos por meio de escolas e classes de educação bilíngue abertas a
alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação
infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Todavia, escla-
rece que, nesse nível de ensino, o intérprete de língua de sinais
não é necessário, já que a lei prevê o professor bilíngue.
Para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou
para a educação profissional, o decreto garante, no item II do ar-
tigo 22, a presença do intérprete de língua de sinais para escolas
preparadas para práticas bilíngues e para o acolhimento às especi-
ficidades da comunidade surda (LACERDA, 2009). No entanto, em-
bora o Decreto nº 5.626/05 favoreça a presença da língua de sinais
na escola, isso não garante a inserção de membros adultos da co-
munidade de surdos no ambiente escolar e, consequentemente, a
presença da cultura surda enquanto representada por essa comu-
nidade, pois abre a possibilidade de o ouvinte ensinar Libras.
Lacerda (2006, p. 7), em relação ao intérprete educacional,
afirma que é preciso:
[...] definir melhor a função do intérprete educacional; figura desco-
nhecida, nova, que, com um delineamento mais adequado (direitos
e deveres do intérprete, limites da interpretação, divisão do papel
de intérprete e de professor, relação do intérprete com alunos sur-
dos e ouvintes em sala de aula, entre outros), poderia favorecer um
melhor aproveitamento deste profissional no espaço escolar.

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7. ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS


NAS ESCOLAS
A atuação do intérprete, embora possibilite a eliminação da
barreira na comunicação entre os surdos e os ouvintes na escola,
exige muitas pesquisas, no sentido de buscar o aprimoramento
dos aspectos metodológicos (LACERDA, 2000a, 2000b). É necessá-
rio, ainda, definir diretrizes para a formação de intérprete educa-
cional e compreender melhor a dimensão dessa atuação quando
inserida nas situações de ensino, ou seja, distinguir as funções do
intérprete das funções do professor.
O intérprete, em sala de aula, além de favorecer a comunicação
entre surdos e ouvintes, possibilita ao surdo receber as informações
em língua de sinais. Entretanto, é oportuno considerar que a presença
do intérprete, na prática, não é garantia de que os conteúdos serão
apreendidos pelos alunos, pois a maioria deles (95%) tem pais ouvin-
tes e ainda não adquiriu a língua de sinais (LACERDA, 2000a). Assim,
os surdos chegam à escola sem um sistema linguístico efetivo. Não
falam o português e não utilizam a língua de sinais.
Outro aspecto que também interfere nos resultados do trabalho
do intérprete é a qualidade de sua formação. Uma sólida e específica
formação garante ao profissional conhecer a ética da sua profissão, im-
pedir posicionamentos pessoais e evitar a redução do currículo e a eli-
minação de conteúdos pela falta de conhecimento da língua de sinais.
Por falta de uma formação específica e de profundo conheci-
mento da língua de sinais, o intérprete pode eliminar ou modificar
conteúdos que não sabe como interpretar. Esse é um problema
ético bastante sério e mostra que o intérprete precisa ser bem for-
mado, pois o aluno surdo tem o direito de receber as informações
comunicadas na língua portuguesa da maneira mais fiel possível.
As experiências com a escolarização de surdos envolvendo
a atuação de intérpretes na classe de ouvintes permitem concluir
que o intérprete:
© U8 - O intérprete de língua de sinais 191

1) garante melhor comunicação entre o surdo e os ouvintes;


2) desobriga o professor de se preocupar em passar as in-
formações para o aluno surdo;
3) permite ao aluno surdo partilhar dos temas acadêmicos
de forma integral e não reduzida (o que normalmente
acontece quando os conteúdos são desenvolvidos por
professor ouvinte sem conhecimento suficiente da língua
de sinais);
4) possibilita o acesso do aluno surdo ao conhecimento do
grupo majoritário ao qual pertence;
5) extrapola a interpretação, pois geralmente assume a
função de educador;
6) realiza a mediação dos conhecimentos, comentários e in-
formações trazidos pelos professores e pelos outros alu-
nos.
Entretanto, os estudos de Lacerda (2000a) salientam que a
atuação do intérprete não garante:
• os processos metodológicos mais apropriados ao surdo,
uma vez que a formação de intérprete não envolve a for-
mação de educador;
• ajustes para contemplar peculiaridades e aspectos cultu-
rais da comunidade surda;
• apreensão fácil dos conteúdos.
Outra pesquisadora, Felipe (2003), afirma que as tentativas
realizadas pela escola para atender o aluno surdo por meio da pre-
sença do intérprete de Libras pode produzir um efeito inverso, por-
que não se tem considerado a formação desse profissional.
De acordo com Dorziat (2006, p. 10):
[...] as escolas têm contratado intérpretes, geralmente, sem pre-
paro para tal função e sem o conhecimento pedagógico/curricu-
lar adequado. Isso pode acarretar perdas tanto na qualidade das
informações transmitidas ao aluno surdo, quanto no modo como
o intérprete participa do processo ensino-aprendizagem, se não
tem conhecimento das disciplinas específicas, nem formação para
exercer o magistério.

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192 © Língua Brasileira de Sinais

Uma pesquisa realizada por Quadros e Karnopp (2004) com


intérpretes de língua de sinais considerados fluentes nas duas lín-
guas (português e Libras) apresentou alguns problemas na inter-
pretação das aulas do português (língua-fonte) para a língua de
sinais (língua-alvo). Dentre eles, podemos citar:
[...] 1) omissão de informações dadas na língua-fonte; 2) acréscimo
de informações inexistentes na língua-fonte; 3) distorções semânti-
cas e pragmáticas em menor ou maior grau do conteúdo veiculado
na língua-fonte; 4) escolhas lexicais inapropriadas (QUADROS; KAR-
NOPP, 2004, p. 70).

O profissionalismo do intérprete de língua de sinais é ques-


tionado por Teske (2003), especialmente pela relação de opressão
quando a sua ação é permeada de benevolência e quando as in-
formações trabalhadas em uma turma de ouvintes não chegam de
maneira clara e completa para o usuário de língua de sinais.
Esse autor analisa as lacunas e as distorções na interpreta-
ção da língua majoritária como mais uma manifestação de poder
dos ouvintes sobre os surdos. Segundo Teske (2003, p. 100), nova-
mente "os surdos estão sendo manipulados e dominados, só que,
agora, com a sua própria língua, inclusive no seu processo de esco-
larização", como já aconteceu com o oralismo e com a visão clínica
da surdez. Rosa (2003) também identifica na relação do intérprete
com o surdo uma situação de colonização e de submissão.
Um estudo de Kelman (2005) realizado sobre esse tema tam-
bém afirmou que a percepção de que o intérprete tem a função
única de interpretar é equivocada. A autora enumerou 11 papéis
assumidos pelo intérprete educacional ou professor intérprete na
sala de aula. São eles:
1) ensinar a Língua Portuguesa como segunda língua;
2) ensinar Língua de Sinais para surdos;
3) ensinar Língua de Sinais para ouvintes;
4) realizar adequações curriculares;
5) participar do planejamento das aulas;
© U8 - O intérprete de língua de sinais 193

6) estabelecer uma sintonia com a professora da classe (inte-


gração entre professora regente e professora intérprete);
7) orientar habilidades de estudo dos alunos surdos;
8) estimular a autonomia do aluno surdo;
9) estimular e interpretar a comunicação entre colegas sur-
dos e ouvintes;
10) usar comunicação bimodal (usar múltiplos canais de comu-
nicação, como diferentes recursos visuais e corporais);
11) promover a tutoria (viabilizar a ajuda dos alunos ouvin-
tes com os surdos).
Pelo fato de a atuação do intérprete ir além da interpretação, ele
pode se envolver com o processo educacional do aluno surdo e procurar
motivá-lo a participar da aula, por exemplo, fazendo perguntas ou dando
sua opinião, o que também significaria um problema ético, pois poderia
influenciar o aluno com a sua interpretação (FAMULARO, 1999).
Tais considerações apontam para a especificidade da forma-
ção do intérprete educacional, principalmente quando se trata de
alunos surdos e de línguas de modalidades distintas, o que requer
uma atuação que certamente vai muito além da restrita interpre-
tação (FERNANDES, 2003).
Além disso, Famularo (1999) chama a atenção para a impor-
tância da formação desse profissional e da sua competência na
língua de sinais no sentido de que o seu desempenho acaba por
interferir na participação do aluno em sala de aula.
Dependendo da interação que o intérprete estabelece com
o surdo, este poderá participar mais, ou menos, da aula; quando o
surdo não confia na competência do intérprete para traduzir a sua
intervenção, ele escolhe ficar quieto em vez de sanar dúvidas ou
expor sua opinião no decorrer das aulas.
Por fim, apesar das indefinições que ainda permeiam o cam-
po da interpretação língua majoritária-língua de sinais, Famularo
(1999, p. 68) é taxativa ao afirmar que a "interpretação é uma ta-
refa profissional solitária, pública e solidária".

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194 © Língua Brasileira de Sinais

Solitária, porque o intérprete é responsável sozinho por to-


mar as decisões sintáticas, semânticas e pragmáticas na interpre-
tação. Pública, porque expõe o intérprete, seus saberes (linguís-
ticos e culturais) e sua bagagem (cultural e afetiva) ao olhar dos
outros. E solidária, porque o intérprete faz parte da rede em prol
da integração. Entretanto, a autora alerta que o papel solidário do
intérprete não pode ser confundido com paternalismo ou benevo-
lência (TESKE, 2003); é preciso garantir o profissionalismo dessa
profissão, ainda por se constituir plenamente.
Pelo exposto, fica evidente a importância do intérprete no
processo de escolarização dos surdos. Atualmente, a organização
política da atuação desse profissional está em expansão. Contudo,
considerar a possibilidade de existir intérpretes atuando em esco-
las onde houver surdos matriculados ainda é um modelo inviável
no Brasil, embora já prescrito na legislação.

8. ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE NAS ESCOLAS


Pelo exposto nos tópicos anteriores, ficou evidente que a
atuação do intérprete de língua de sinais na escolarização de alu-
nos surdos não é uma questão simples de se organizar. Além de
envolver formação específica e de qualidade, a presença do intér-
prete em todas as escolas nas quais existam alunos surdos é uma
condição irreal tendo em vista a realidade brasileira.
Assim, no Brasil, começam a surgir modelos alternativos que
atendam aos pressupostos do bilinguismo e da inclusão, conco-
mitantemente. Um deles é a escola polo, entendida como o lo-
cal que poderá organizar as condições de que o surdo necessita
para aprender nos contextos comuns de ensino, sem demandar
investimentos incompatíveis com a realidade do país e atendendo
às políticas educacionais e ao mesmo tempo às necessidades do
aluno surdo, como, por exemplo, de interagir com seus pares, de
estabelecer interlocução em língua de sinais e de interagir com os
© U8 - O intérprete de língua de sinais 195

conteúdos acadêmicos por meio da língua de sinais (DIAS, 2006;


NICULOCCI, 2006).
Enquanto não ocorrem os avanços necessários para que a
inclusão se efetive, é importante, no encaminhamento do aluno
surdo para uma escola comum, considerar, como um dos critérios,
se naquela escola já existem outros surdos inseridos em classe co-
mum. Essa orientação é importante, uma vez que a organização de
comunidades surdas nas escolas viabiliza a presença do intérprete,
além de possibilitar outras questões também importantes para o
desenvolvimento do aluno surdo.
De acordo com Quadros e Karnopp (2004), a convivência da
criança surda com outros surdos usuários da língua de sinais deve
ser incentivada o mais precocemente possível, considerando-se
que, nessa relação, a criança se apropria da língua de sinais, ad-
quire a identidade surda, se apropria da cultura surda e estabelece
interações baseadas em uma língua compartilhada.
Quando essa convivência pode ocorrer na escola, isso é
ainda mais significativo para a criança, pois esse ambiente ocupa
grande parte do tempo da sua vida. A escola é também o local pri-
vilegiado para a criança surda conviver com outras crianças da sua
idade, aprender, brincar, fazer amigos, enfim, realizar tudo o que
as crianças em geral vivenciam.
Além dessas questões relacionadas ao desenvolvimento da
criança, a escola polo também facilita a organização de estratégias
de ensino essenciais na escolarização dos surdos. A presença na
escola de uma comunidade surda viabiliza a organização de algu-
mas condições, uma vez que ela tem maior representatividade e
força política do que um aluno isoladamente. O número de alunos
exerce, então, de alguma forma, pressão para que a escola se mo-
difique e implemente algumas adaptações e recursos necessários
ao aluno surdo.
A escola deverá realizar as adaptações curriculares essen-
ciais aos alunos surdos à medida que perceber suas necessidades

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(BRASIL, 1999; STAINBACK; STAINBACK, 1999). Nesse sentido, um


grupo de surdos pode evidenciar mais as necessidades dessa co-
munidade do que um aluno sozinho, ou seja, o grupo é politica-
mente mais forte do que um aluno individualmente.
A presença do intérprete em sala de aula também fica mais
viável quando a escola tem no seu quadro de alunos vários que são
surdos, tendo em vista a escassez de recursos financeiros para inves-
tir em ações para as minorias (QUADROS; KARNOPP, 2004). Defender
a presença do intérprete para todos os alunos surdos no Brasil seria,
nesse momento, defender uma providência inviável e sem qualquer
contribuição à organização da escola inclusiva para surdos.
Assim, além dos benefícios apontados, a escola polo também
torna possível a presença do intérprete. Se ela assume a inclusão
dos alunos surdos, atende a um grupo, então pode contratar um
intérprete com os recursos disponíveis ou lutar politicamente para
que esse serviço seja assumido pelos órgãos governamentais, prin-
cipalmente nas escolas públicas.
No caso do ensino particular, o oferecimento desse serviço
tem sido de responsabilidade da própria instituição, dos familiares
ou viabilizado por parcerias estabelecidas com instituições de ensi-
no superior por meio do desenvolvimento de projetos de pesquisas
(LACERDA, 2006).
A situação mostra-se mais complicada nesse momento, no
nosso país, em relação à educação pública. Não existe ainda no Brasil
uma política que garanta ao aluno surdo inserido na classe comum e
pública o apoio do intérprete, subsidiado pelo próprio governo.
Em relação ao trabalho do intérprete, cabe destacar que sua
presença nos principais contextos de interação do surdo não é algo
simples de se programar, principalmente considerando as condi-
ções econômicas do Brasil, que não favorecem a implementação
de políticas para as minorias. Pelo contrário, algumas medidas são
assumidas por representarem mais uma possibilidade de redução
de gastos do que melhoria na qualidade da educação.
© U8 - O intérprete de língua de sinais 197

Enquanto não são organizadas as condições necessárias para


o surdo aprender na classe comum, ele permanece excluído e sub-
metido a procedimentos inadequados de ensino. Nesse contexto,
o professor da classe comum pode contribuir muito pouco com a
compreensão dos surdos acerca dos conceitos trabalhados, uma
vez que ele não domina a língua de sinais.
Os professores de surdos que conhecem a língua de sinais
acabam assumindo o papel do intérprete em algumas situações.
Diante disso, torna-se necessário diferenciar o professor e o intér-
prete, pois eles são profissionais com funções diferentes. Profes-
sores de surdos não são, necessariamente, intérprete de língua de
sinais. Tais papéis diferenciam-se imensamente, como observam
Quadros e Karnopp (2004, p. 29):
O professor de surdos deve saber e utilizar muito bem a língua de
sinais, mas isso não implica ser intérprete de língua de sinais. O
professor tem o papel fundamental associado ao ensino e, portan-
to, completamente inserido no processo interativo social, cultural e
linguístico. O intérprete, por outro lado, é o mediador entre pesso-
as que não dominam a mesma língua, abstendo-se, na medida do
possível, de interferir no processo comunicativo.

Visando garantir a qualidade da formação do intérprete, um


bom curso deveria contemplar disciplinas fundamentais, discipli-
nas específicas para a formação do intérprete educacional, dis-
ciplinas específicas para os níveis de atuação (educação infantil,
fundamental, média e superior), como, por exemplo, linguística
aplicada à Libras, gramática de Libras, ética profissional, técnicas
de interpretação, aspectos sócio-históricos da comunidade surda,
cuidados laborais, artes dramáticas, psicologia aplicada ao intér-
prete de Libras, conhecimentos gerais e contato direto com a co-
munidade surda adulta.
Dessa maneira, torna-se evidente que a atuação do intérpre-
te exige uma formação específica. Assim, as pessoas ouvintes que
dominam a língua de sinais não podem ser consideradas intérpre-
tes. Sabe-se que os ouvintes filhos de surdos sinalizadores apre-
sentam um desempenho notável na língua de sinais, uma vez que

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198 © Língua Brasileira de Sinais

são expostos a essa língua na interação com seus pais desde bem
pequenos, viabilizando a sua aquisição de maneira natural.
Esses sujeitos acabam intermediando as interações de seus pais
com as pessoas ouvintes em diversas situações do cotidiano. Mesmo
assim, também não podem ser considerados intérpretes, pois eles
desconhecem as técnicas e as estratégias acerca dos processos de in-
terpretação. Alguns filhos de pais surdos dedicam-se à profissão de
intérprete, no entanto, a fluência na língua não garante que sejam
bons profissionais nessa área (QUADROS; KARNOPP, 2004).
Esperamos que tenha ficado claro para você que a atuação
profissional do intérprete de Libras não é uma atividade simples.
Para o intérprete atuar profissionalmente, ele necessita conhecer as
duas línguas envolvidas na interpretação e ter qualificação específi-
ca, ou seja, conhecer as estratégias e as técnicas de interpretação.
Complementarmente, a qualidade do trabalho do intérprete
pode ser melhorada quando ele tem formação na área de sua atua-
ção, o que possibilita conhecimento contextualizado mais preciso e
aprofundado dos conceitos envolvidos na interpretação. Por exem-
plo, se o seu campo de atuação é na área da educação, uma forma-
ção nessa área poderá contribuir para a qualidade do seu trabalho.
Especificamente em relação à interpretação para o aluno
com surdez nos contextos escolares, a formação em educação, por
exemplo, em Pedagogia ou Letras, irá possibilitar ao intérprete fa-
zer escolhas mais assertivas quanto aos conceitos trabalhados na
língua-fonte, contextualizando-os e, consequentemente, facilitan-
do a compreensão.
As considerações evidenciam que a atuação do intérprete na
educação dos alunos surdos no Brasil é uma questão que ainda está
por ser discutida e sistematizada. O Decreto nº 5.626/05 representa
uma vitória dos surdos, contudo, precisa, também, ser analisado cri-
teriosamente, especialmente em relação à formação e à atuação do
instrutor e do professor da Língua Brasileira de Sinais.
© U8 - O intérprete de língua de sinais 199

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Ao finalizar seus estudos sobre a atuação do intérprete de
língua de sinais no processo educacional dos alunos surdos, procu-
re responder para si mesmo às seguintes questões:
1) Descreva o percurso histórico da profissão de intérpretes de Libras no Brasil.

2) Qual o campo de atuação do intérprete de língua de sinais?

3) Qual a importância do Decreto nº 5.626/05 para o intérprete de língua de sinais?

4) Descreva como é a atuação do intérprete educacional.

5) Quais os critérios de formação do intérprete de língua de sinais?

6) Quais os critérios de formação e de atuação do intérprete de língua de sinais


no processo educacional dos surdos?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, estudou a função do intérprete de língua de
sinais. Vimos que, no Brasil, a profissão de intérprete de língua
de sinais é recente e foi legitimada com a publicação do Decreto
nº 5.626/05, o qual buscou organizar a profissão do intérprete de
Libras e a difusão dessa língua em cursos superiores.
Além disso, discutimos a presença do intérprete em sala de
aula e os benefícios dessa presença na comunicação entre surdos
e ouvintes no ambiente escolar. Discutimos também que, apesar
de reconhecido, os ganhos que a presença do intérprete em sala
de aula representa para os surdos, aspectos metodológicos preci-
sam ser aprimorados, assim como os critérios de formação e atua-
ção do intérprete de língua de sinais.
Ao término desta unidade, encerramos nossos estudos do-
presente Caderno de Referência de Conteúdo com a certeza de que
os conhecimentos aqui apresentados demonstraram a importân-
cia que a língua de sinais assume na vida do surdo.

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200 © Língua Brasileira de Sinais

Acreditamos que, após o estudo deste Caderno de Referên-


cia de Conteúdo, seu posicionamento diante da surdez e da pessoa
surda nunca mais será o mesmo. Desejamos que os conhecimen-
tos adquiridos neste estudo possam contribuir com a sua forma-
ção pessoal e para a sua prática profissional.

11. E-REFERÊNCIAS
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______. Lei nº 12.319, de 1º de set. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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