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METODOLOGIA DA HISTÓRIA I

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA – EAD

Disciplina:

Metodologia da História I – Prof. Ms. Leandro Salman Torelli e Prof. Ms. Reginaldo de Oliveira Pereira

Meu nome é Leandro Salman Torelli. Graduei-me em História pela Unesp e defendi
mestrado em História Econômica pelo Instituto de Economia da Unicamp. Nesta
Universidade, tive a oportunidade de fazer um curso de Historiografia com o Prof.
Fernando Novais, que me despertou profundo interesse por essa área de teoria e
metodologia da História. Em parceria com o amigo Prof. Reginaldo, escrevi este material
com a perspectiva de que desperte em você também o interesse por essa temática, tão
importante nos estudos atuais de História. Um grande abraço!

e-mail: leantorelli@yahoo.com.br

Meu nome é Reginaldo de Oliveira Pereira. Sou mestre em História pela Universidade
Estadual Paulista – Campus de Franca. De modo especial, o estudo de Metodologia da
História sempre me chamou a atenção e foi por esse motivo que aceitei o desafio de
escrever um material que tratasse das modificações pelas quais passou o fazer histórico
ao longo do tempo. Espero que a leitura seja útil e agradável e sirva de ponto de partida
para um estudo mais aprofundado no decorrer do curso de História.

e-mail: reginaldo@claretiano.edu.br
Prof. Ms. Leandro Salman Torelli
Prof. Ms. Reginaldo de Oliveira Pereira

METODOLOGIA DA HISTÓRIA I

Guia de Disciplina
Caderno de Referência de Conteúdo
© Ação Educacional Claretiana, 2008 – Batatais (SP)

Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP)

Curso: Licenciatura em História

Disciplina: Metodologia da História I


Versão: fev./2010

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Artieres Estevão Romeiro


Coordenadora do Curso de Licenciatura em História: Profª. Ms. Semíramis Corsi Silva
Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aletéia Patrícia de Figueiredo Felipe Aleixo
Isadora de Castro Penholato
Aline de Fátima Guedes
Maiara Andréa Alves
Camila Maria Nardi Matos
Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes
Elaine Cristina de Sousa Goulart Projeto gráfico, diagramação e capa
Lidiane Maria Magalini Eduardo de Oliveira Azevedo
Luciana Mani Adami Joice Cristina Micai
Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Luiz Fernando Trentin
Luis Antônio Guimarães Toloi
Patrícia Alves Veronez Montera
Raphael Fantacini de Oliveira
Rosemeire Cristina Astolphi Buzelli Renato de Oliveira Violin
Simone Rodrigues de Oliveira Tamires Botta Murakami

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial


por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia,
gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco
de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

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SUMÁRIO

GUIA DE DISCIPLINA
1 APRESENTAÇÃO................................................................................................VII
2 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA..........................................................................VII
3 CONSIDERAÇÕES GERAIS..................................................................................VIII
4 BIBLIOGRAFIA BÁSICA.......................................................................................IX
5 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR...........................................................................IX

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


APRESENTAÇÃO.............................................................................................. 1

INTRODUÇÃO À DISCIPLINA
AULA PRESENCIAL.......................................................................................... 2

Unidade  1 – O QUE É, PARA QUE SERVE E COMO SE ESCREVE A HISTÓRIA?


1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................4
2 SIGNIFICADO(S) DE HISTÓRIA ..........................................................................4
3 DOCUMENTOS E SUAS INTERPRETAÇÕES: O MÉTODO EM QUESTÃO........................7
4 HISTÓRIA E OUTRAS CIÊNCIAS HUMANAS............................................................11
5 CONSIDERAÇÕES..............................................................................................13
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................13

Unidade  2 – A ESCRITA DA HISTÓRIA NA ERA PRÉ-INDUSTRIAL:NA ANTIGUIDADE,


NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................16
2 ESCRITA DA HISTÓRIA NA ANTIGUIDADE.............................................................16
3 CLIO CRISTÃ: HISTORIOGRAFIA NA ERA MEDIEVAL ..............................................19
4 HISTÓRIA RENASCENTISTA: O HUMANISMO EM MARCHA.......................................22
5 CONSIDERAÇÕES..............................................................................................24
6 E-REFERÊNCIAS ..............................................................................................25
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................25

Unidade  3 – DA HISTÓRIA “ILUSTRADA” DO ILUMINISMO


À HISTÓRIA “CIENTÍFICA” DOS POSITIVISTAS
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................28
2 HISTÓRIA DOS ILUMINISTAS .............................................................................28
3 ILUSTRAÇÃO FRANCESA: CONCEPÇÕES DA HISTÓRIA EM VOLTAIRE, MONTESQUIEU,
ROUSSEAU E CONDORCET..................................................................................30
4 ILUSTRAÇÃO BRITÂNICA: FERGUSON E ADAM SMITH.............................................32
5 ESCOLA METÓDICA............................................................................................33
6 POSITIVISMO DE AUGUSTE COMTE .....................................................................34
7 CONSIDERAÇÕES..............................................................................................35
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS..........................................................................36
Unidade  4 – HISTÓRIA A SERVIÇO DA REVOLUÇÃO:
MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................38
2 KARL MARX E SEU TEMPO: O SURGIMENTO DO MATERIALISMO HISTÓRICO..............38
3 MARXISMO ENTRE A REVOLUÇÃO RUSSA E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL...............41
4 MARXISMO ACADÊMICO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO 20...............................43
5 MATERIALISMO HISTÓRICO E MUNDO GLOBALIZADO: PERSPECTIVAS
PARA O MARXISMO NO SÉCULO 21 .....................................................................45
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................46
7 E-REFERÊNCIAS................................................................................................47
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................47
GUIA DE DISCIPLINA
1 APRESENTAÇÃO
A disciplina Metodologia da História I é tema central na formação do
historiador, pois trata dos processos e fundamentos da própria escrita da História ao longo
do tempo. Assim, a estrutura desta disciplina parte da ideia da formação das grandes
correntes de escrita e produção históricas. Nesse sentido, abordaremos, a princípio,
o significado do estudo da História, suas relações com as outras ciências do homem e
seu conceito. Na segunda etapa, estudaremos as correntes históricas surgidas antes do
século 18 (Antiguidade, Idade Média e Renascimento). Na etapa seguinte, analisaremos
a produção histórica da época do Iluminismo e do século 19, e, por fim, estudaremos a
História pensada e construída com base na concepção marxista.

Desejamos êxito na realização de seus estudos, pesquisas, interatividades e


atividades!

2 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA

Ementa

O que é História e suas noções gerais. A relação entre História e as outras


Ciências Humanas. A escrita da História na Antiguidade, na Idade Média e no Renascimento.
A História dos iluministas, dos positivistas e dos metódicos. A metodologia histórica
marxista.

Objetivo geral

Os alunos de Metodologia da História I do curso de Licenciatura em História,


na modalidade EAD do Claretiano, dado o Sistema Gerenciador de Aprendizagem e suas
ferramentas, serão capazes de articular os diversos mecanismos de escrita e produção
históricas construídos ao longo dos tempos, destacando-se a análise das metodologias
surgidas em determinado contexto histórico. Além disso, o aluno terá condições de abordar
as relações entre texto histórico e seu tempo, tratar do documento e de fontes históricas
nas diversas metodologias, selecionar temas e épocas em cada corrente histórica, enfim,
refletir sobre a construção do conhecimento histórico.

Com esse intuito, os alunos contarão com recursos técnico-pedagógicos


facilitadores de aprendizagem, como material didático mediacional, bibliotecas físicas
e virtuais, ambiente virtual, acompanhamento do tutor complementado por debates no
Fórum e na Lista.

Ao final desta disciplina, de acordo com a proposta orientada pelo tutor, os


alunos terão condições de interagir com argumentos contundentes, além de dissertar
com comparações e demonstrações sobre o tema estudado nesta disciplina, elaborar um
resumo, ou uma síntese, entre outras atividades. Para esse fim, levarão em consideração
as ideias debatidas na Sala de Aula Virtual, por meio de suas ferramentas, bem como o
que produziram durante o estudo.

Competências, habilidades e atitudes

Ao final deste estudo, os alunos do curso de Licenciatura em História serão


capazes de analisar, criticamente, o ofício do historiador, tanto pelo âmbito profissional
quanto educacional, contextualizando e refletindo sobre a prática histórica e seu papel
GUIA DE DISCIPLINA
Licenciatura em História

ATENÇÃO! na sociedade. Assim, necessariamente, serão capazes de analisar a si mesmos como


O segredo do sucesso em um profissionais da área, podendo influir nesse contexto para uma atuação social do historiador
curso na Educação a Distância
é PARTICIPAR, ou seja, de maneira mais ética e responsável.
INTERAGIR, procurando sempre
cooperar e colaborar com seus
colegas e tutores. Modalidade

( ) Presencial ( X ) A distância

Duração e carga horária

A carga horária da disciplina Metodologia da História I é de 30 horas.


O conteúdo programático para o estudo das quatro unidades que a compõe está
desenvolvido no Caderno de referência de conteúdo, anexo a este Guia de disciplina, e os
exercícios propostos constam do Caderno de atividades e interatividades (CAI).

ATENÇÃO!
É importante que você releia no Guia Acadêmico do seu curso as informações
referentes à Metodologia e à Forma de Avaliação da disciplina Metodologia
da História I, descritas pelo tutor na ferramenta “cronograma” na Sala de
Aula Virtual – SAV.

3 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Neste Guia de disciplina, desenvolvemos os aspectos essenciais para o estudo
da Metodologia da História I, destacando os temas gerais e específicos para a
compreensão das questões que fomentaram, até meados do século 20, o exercício e a
produção histórica.

Neste material, você encontrará informações fundamentais para sua prática


como professor e historiador; é partindo delas que você poderá compreender e fazer
reflexões críticas sobre a construção de textos históricos, enquadrá-los teoricamente e
manifestar-se de maneira fundamentada sobre eles.

Não se esqueça de que o estudo contínuo e sistemático dos temas aqui


apresentados – que podem ser aprofundados com a bibliografia básica e complementar
que se encontram no final deste Guia – é de suma importância para sua formação. Desse
modo, não devem ser abandonados em nenhum momento de sua trajetória docente, de
pesquisa ou mesmo de exercício de cidadania, na medida em que, como dizia um dos
mestres da nossa disciplina, o francês Febvre (1989, p. 14), “o historiador deve viver
intensamente seu tempo, pois somente assim terá capacidade de fazer as perguntas
essenciais ao passado”.

Assim, a sua dedicação e interesse são decisivos para o sucesso dessa


empreitada. Lembre-se de que você é o sujeito de sua aprendizagem, portanto, não deixe
de utilizar toda a sua capacidade intelectual para aprender o máximo e construir sua
formação solidamente.

Esperamos que todos tenham sucesso e atinjam os objetivos propostos! Vamos


aos estudos!

CRC • • • © Metodologia da História I


VIII Claretiano – Batatais
GUIA DE DISCIPLINA Licenciatura em História

4 BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BLOCH, M. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.

BORGES, V. P. O que é História. São Paulo: Brasiliense, 1988.

BOURDÉ, G; MARTIN, H. As Escolas Históricas. Lisboa: Europa-América, 1990.

CARR, E. H. Que é História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

5 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

ANDERSON, P. A crise da crise do marxismo: introdução a um debate contemporâneo. 3.


ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

______. Considerações sobre o marxismo ocidental. São Paulo: Brasiliense, 1989.

______. Passagens da Antigüidade ao Feudalismo. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BODEI, R. A História tem um sentido? Bauru: Edusc, 2001.

BRAUDEL, F. Escritos sobre a História. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.

______. História e Ciências Sociais. Lisboa: Presença, 1972.

CAIRE-JABINET, M.P. Introdução à Historiografia. Bauru, SP: Edusc, 2003.

CARBONELL, C. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1987.

CARDOSO, C. F. Um Historiador fala de Teoria e Metodologia: Ensaios. Bauru: Edusc, 2005.

CARDOSO, C. F; VAINFAS, R. (Orgs.). Domínios da História: ensaios sobre teoria e


metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CARDOSO, C. F; BRIGNOLI, H. P. Os Métodos da História. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal,


1983.

CERTEAU, M. de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

DOSSE, F. A História. Bauru: Edusc, 2003.

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa: Presença, 1989.

______. Olhares sobre a História. Lisboa: ASA, 1996.

FLEISCHER, H. Concepção marxista da História. Lisboa: Edições 70, 1978.

FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998.

FRANCO JÚNIOR, H. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense,


1986.

FURET, F. A Oficina da História. Lisboa: Grativa, 1980.

HOBSBAWM, E. Tempos Interessantes: uma vida no século XX. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.

LANGLOIS, C.; SEIGNOBOS, C. Introdução aos estudos históricos. São Paulo: Renascença,
1946.

MORAES, J. G. V.; REGO, J. M. (Orgs.). Conversas com Historiadores brasileiros. São


Paulo: 34, 2002.

• CRC
© Metodologia da História I • •
IX
Batatais – Claretiano
GUIA DE DISCIPLINA
Licenciatura em História

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

______. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, s/d. v. 3.

______. Para a Crítica da Economia Política; Salário, preço e lucro; O rendimento e suas
fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção Os Economistas).

MATTOSO, J. A Escrita da História: teoria e métodos. Lisboa: Estampa, 1988.

NOVAIS, F. Aproximações: Estudos de História e Historiografia. São Paulo: Cosac-Naif,


2005.

PLEKHANOV, G. A Concepção Materialista da História. São Paulo: Escriba, 1956.

SCHAFF, A. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

SEVCENKO, N. O Renascimento. 26. ed. São Paulo: Atual, 1994.

SMIT, J. O que é Documentação. São Paulo: Brasiliense, 1990.

TÉTART, P. Pequena História dos Historiadores. Bauru, SP: Edusc, 2000.

THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento


de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

VEYNE, P. Como se escreve a História. Lisboa: Edições 70, s/d.

VILAR, P. Desenvolvimento econômico e análise histórica. Lisboa: Presença, 1992.

CRC • • • © Metodologia da História I


X Claretiano – Batatais
CADERNO DE REFERÊNCIA
DE CONTEÚDO
APRESENTAÇÃO

Seja bem-vindo ao estudo de Metodologia da História I. Nesta disciplina,


você refletirá sobre a maneira pela qual se construiu o saber histórico e sobre as diversas
metodologias utilizadas na escrita da História até meados do século 20.

Nesta parte, chamada Caderno de Referência de Conteúdo (CRC), você


encontrará, nas quatro unidades em que se divide a disciplina, o conteúdo básico a ser
estudado durante as seis semanas propostas para o desenvolvimento de nossa temática.
As atividades e interatividades a serem realizadas encontram-se no Caderno de atividades
e interatividades (CAI).

No decorrer das unidades, você será capaz de compreender o que é História,


para que ela serve e qual o seu papel na reconstituição dos acontecimentos passados.
Perceberá que o historiador é um homem de seu tempo, que faz perguntas para entender
seu presente. Além disso, terá um panorama sobre as principais escolas históricas e linhas
de pesquisa que surgiram com o passar do tempo.

Enfim, conhecerá os principais procedimentos metodológicos aplicados na


elaboração do conhecimento histórico, para que possa perceber que, dependendo do
tipo de análise empregada pelo historiador, os mesmos temas da História apresentam
diferentes abordagens.

Não se esqueça de que, na educação a distância, é essencial sua participação


na realização das atividades propostas. A interação com seus colegas e com seu tutor, por
meio de ferramentas como o Fórum e a Lista, são aspectos importantíssimos para que sua
aprendizagem seja significativa.

Como futuro professor e pesquisador, é importante que você saiba interpretar


um documento histórico e ensinar seus futuros alunos a fazê-lo também. Além do mais,
é necessário que você desenvolva a capacidade de ler um texto histórico de maneira
crítica, identificando a metodologia empregada pelo autor. Assim, seu trabalho docente
será mais profícuo e significativo na construção de uma educação mais justa e inclusiva
para todos.

Ótimos estudos!
INTRODUÇÃO À DISCIPLINA

AULA PRESENCIAL

Objetivos
• Conhecer e entender a organização da disciplina
Metodologia da História I, bem como as formas de
participação para a compreensão e o aprendizado dos
conteúdos.

• Relacionar os conceitos fundamentais necessários


para o estudo da disciplina e que são essenciais para o
acompanhamento das unidades.

• Definir os parâmetros do significado do estudo da História


e suas relações com as outras Ciências Humanas, bem
como a análise de fontes e documentos históricos.

• Abordar como se deram essas relações e análises na


construção das escolas históricas até a metade do século
20.

Conteúdo
• Apresentação geral da estrutura de desenvolvimento da
disciplina e dos temas e discussões mais relevantes sobre
a Metodologia da História.
O QUE É, PARA QUE

UNIDADE 1
SERVE E COMO SE
ESCREVE A HISTÓRIA?

Objetivos
• Estudar o significado, para que serve e como se escreve
a História na perspectiva dos autores contemporâneos
desta disciplina.

• Enumerar sobre os métodos utilizados pelo historiador


ao longo do tempo.

Conteúdos
• Significado(s) de História.

• Os documentos e a interpretação: o método em


questão.

• A História e as outras Ciências Humanas.


UNIDADE 1
Licenciatura em História

ATENÇÃO!

1
Ao iniciar seus estudos sobre
a metodologia da História,
é importante considerar as
INTRODUÇÃO
seguintes técnicas que poderão
potencializar sua aprendizagem: Nesta unidade, iremos estudar os conceitos e os significados atribuídos ao termo
• tente estabelecer um horário e
lugar fixo para o estudo; “História”. Abordaremos, ainda, o que é e para que serve estudar História, além de refletir
• procure ter à mão todos os sobre qual é o papel desse exercício intelectual na sociedade.
recursos e materiais de que
irá necessitar;
• participe ativamente do estudo: Em seguida, procuraremos elucidar como se escreve a História, de que maneira
com compreensão, atenção e se pesquisa e se constrói uma visão historiográfica e qual é o espaço da reconstituição e
concentração;
• faça as reflexões sugeridas;
da interpretação dos fatos históricos.
• distribua os períodos de estudo
racionalmente. Por fim, discutiremos as relações entre a História e as outras Ciências Sociais,
como a Antropologia, Sociologia, Economia, Política etc.

Resumindo, o objetivo é perceber os significados fundamentais de uma


abordagem histórica, demonstrando seus métodos, suas técnicas, o lugar da interpretação
e as relações com as outras Ciências Humanas.

Então, dedique-se à leitura e tenha muita concentração!

2 SIGNIFICADO(S) DE HISTÓRIA
Qualquer pessoa que fosse inquirida com a pergunta “O que é História?” se
sentiria, geralmente, à vontade para responder. Possivelmente, ela diria que História é
aquilo que aconteceu em tempos passados e consideraria essa resposta suficientemente
clara para elucidar a dúvida. Mas será mesmo que isso é o suficiente para concluir o
significado de História? Vejamos.

A exemplo da língua francesa, e ao contrário da língua inglesa, italiana e


alemã, a língua portuguesa utiliza a palavra “História” para designar coisas diferentes.
Exemplificando: as palavras em inglês “history” e “story”, em italiano “istoria” e “storia” e
em alemão “geschichte” e “historie” são termos utilizados para designar o acontecimento
e a narração deste, respectivamente. É dessa diferença, que não é registrada pela língua
portuguesa, que vamos tomar como base para iniciar nossos estudos.

Portanto, nosso objetivo nesta unidade é demonstrar que a definição de História


como fatos que aconteceram no passado não é suficiente. Essa disciplina exige uma
definição que lhe permita uma abordagem muito mais abrangente e complexa.

É evidente que a História se refere sim a todo o acontecimento humano no


ATENÇÃO!
Não é necessário que você tempo. Desse modo, todos os povos possuem História, desde os clãs pré-históricos até
disponibilize na Sala de Aula as modernas e complexas sociedades tecnológicas dos dias atuais, pois todos eles agiram,
Virtual, em ferramentas como
criaram, pensaram, sonharam, lutaram...
o Portfólio, a Lista ou o Fórum,
as suas reflexões. O momento
PARA VOCÊ REFLETIR serve Todas as pessoas que participaram das sociedades humanas realizaram atos
para contextualizar os temas e
conceitos abordados na unidade, sociais, em coletividade. Logo, fizeram História.
elaborando sua opinião sobre o
assunto. Entretanto, essa definição de História não encerra todos os significados do
termo. Assim, podemos dizer que um segundo aspecto importante para se definir a
PARA VOCÊ REFLETIR: História é a narrativa dos acontecimentos passados. Ou seja, a História significa, também,
Você acha que em seu país, em
seu estado, em sua cidade, há a reconstituição dos acontecimentos humanos no tempo.
a preocupação da preservação
da memória das coisas e dos
acontecimentos da História?

CRC • • • © Metodologia da História I


4 Claretiano – Batatais
UNIDADE 1 Licenciatura em História

É bom lembrarmos que nem todos os povos que fizeram História se preocuparam
em reconstituí-la, em narrá-la. Muitos, na verdade, procuraram explicar seu passado de
outras formas, utilizando-se, por exemplo, dos mitos.

Na definição de Borges (1995, p. 10-11):

a primeira forma de explicação que surge nas sociedades primitivas é o mito,


sempre transmitido em forma de tradição oral, ou seja, os mitos eram contados
de geração a geração, preservando-se na memória daquele povo por meio
da transmissão oral. A historiadora Vavy Pacheco afirma ainda que “o mito é
sempre uma história com personagens sobrenaturais, os deuses. Nos mitos os
homens são objetos passivos da ação dos deuses, que são responsáveis pela
criação do mundo (cosmos), da natureza, pelo aparecimento dos homens e
pelo seu destino”. Assim, os mitos contam em geral a história de uma criação,
do início de alguma coisa. É sempre uma história sagrada.

Podemos, então, dizer que várias civilizações procuravam explicações para seu
passado e para sua origem fora da História.

Nesse sentido, povos como do Egito Antigo, da Mesopotâmia, ou das civilizações


indígenas da América nunca escreveram a História de seu povo, mas procuraram explicar
suas origens por meio de outros mecanismos, como o mito.

É claro que esses povos primitivos, como já dissemos, tiveram História, uma
vez que houve acontecimentos humanos ao longo do tempo; contudo, nunca produziram
História, pois não registraram nem narraram os acontecimentos presenciados e vivenciados
por eles.

Dessa forma, podemos afirmar que a História, nesse segundo sentido, nasce na
Grécia Antiga entre os séculos 6º e 5º a.C. A partir desse momento, o homem passou a
sentir necessidade de registrar os fatos do passado, procurando ser fiel a eles.

Sobre a evolução desse processo até os dias atuais, isto é, como o homem
escreveu e escreve sua História, veremos nas próximas unidades. O que nos interessa no
momento é definir que História tem esse duplo caráter: acontecimento humano no tempo
e reconstituição desses acontecimentos por meio da escrita sobre o passado.

Desse modo, o trabalho do historiador é registrar os fatos, ser fiel a eles, mas,
também, buscar interpretá-los, reconstituindo o passado de maneira a dar-lhe sentido.
Assim, toda História escrita é uma análise do passado, mas com as preocupações do
presente.

Nos termos colocados por Carr (1996, p. 79), “não há indicador mais significativo do
caráter de uma sociedade do que o tipo de História que ela escreve ou deixa de escrever”.

Podemos, então, estudar os diferentes modos como o passado foi interpretado,


reconstruído. A esse estudo chamamos historiografia, ou seja, a História da História.

É importante ressaltar que não há uma só maneira de se olhar para o passado,


PARA VOCÊ REFLETIR:
de forma que o historiador pode estudar essas diferentes visões de um povo, de um Em seu cotidiano, quando
momento ou de um pesquisador para as memórias, para os fatos e relacionamentos que várias pessoas narram um
acontecimento do passado,
constituem a História. cada uma delas faz isso de uma
maneira diferente, apesar de o
Com base nas afirmações de Carr (1996) – de que é indicativo o modo como uma fato ser o mesmo. Reflita sobre
isso...
sociedade escreve ou deixa de escrever sua História –, concluímos que a historiografia, a
História da História, é um aspecto essencial das sociedades humanas e pode revelar suas
visões de mundo.

© Metodologia da História I • •• CRC 5


Batatais – Claretiano
UNIDADE 1
Licenciatura em História

Voltando à definição, podemos dizer que historiografia é o estudo do conjunto


dos textos produzidos com a intenção de reconstituir o passado, isto é, os textos de
História. Assim, todas as obras que procuram reconstruir o passado são passíveis da
análise historiográfica.

O que faremos nesta disciplina é analisar a construção do texto histórico ao


longo do tempo, buscar entender os métodos de investigação e de seleção de fontes,
compreender o porquê e de que forma isso aconteceu ao longo do tempo. Enfim, nosso
objetivo é reconstituir a História da História para analisar os limites e as possibilidades de
seu futuro na sociedade.

Como escreveu Carr (1996, p. 63), História é “um processo contínuo de interação
entre o historiador e seus fatos, um diálogo interminável entre o passado e o presente”.
Assim, é impossível construir uma “História definitiva” ou “História verdadeira”, uma
“História única”, pois o historiador lida a todo o momento com essa dualidade de, por um
lado, reconstituir o passado, e, por outro, interpretá-lo.

Essa interpretação do passado é feita sempre da perspectiva do presente,


apesar de baseada em fatos já ocorridos. É nessa tensão entre o documento
histórico e a sua interpretação, entre o presente e o passado, que se constrói
a História.

Esse mecanismo de tensão entre passado e presente, de múltiplas interpretações


do documento histórico, mantém a História viva e original a todo o momento e seduz
qualquer pessoa que tenha alguma curiosidade sobre a relação do homem com seu
passado.

Uma das obras fundamentais, porém inacabada, para a definição do que é e


para que serve a História é a que foi escrita pelo historiador francês Bloch, entre os anos
de 1943 e 1944, época em que estava preso pelos nazistas durante a ocupação da França
pelos alemães na época da Segunda Guerra Mundial.

Bloch, brilhante fundador da Revista Annales, em 1929, marco da historiografia


mundial, como veremos na disciplina Metodologia da História II, foi assassinado em
um campo de extermínio nazista, em Lyon, no dia 16 de junho de 1944. Como diz o
historiador Jacques Le Goff (2001, p. 15), “Marc Bloch deixava inacabado em seus papéis
INFORMAÇÃO:
Aprofunde seus conhecimentos um trabalho de metodologia histórica composto no final de sua vida, intitulado Apologie
com a leitura da obra: BLOCH, de l’histoire”.
Marc. Apologia da História ou O
ofício do Historiador. Prefácio de
Jacques Le Goff. Rio de Janeiro: Nesse texto, Bloch (2001) define os aspectos fundamentais do trabalho de um
Jorge Zahar, 2001. historiador e, especialmente, a maneira como se escreve a História, aspectos que iremos
abordar no tópico seguinte.

Para que serve a História?

Bloch (2001, p. 43) dá alguns indicativos que podem auxiliar na resposta para
essa questão: “mesmo que a história fosse julgada incapaz de outros serviços, restaria
dizer, a seu favor, que ela entretém”.

Mas, evidentemente, o autor vai além dessa observação. Afirma que a História só
sobrevive se mantiver seu caráter estético, ou seja, sua beleza poética. Assim, a História
caminha entre a beleza e o rigor conceitual, entre o texto bem escrito, por um lado, e o
bem construído teoricamente, por outro. A História é “uma ciência em marcha” e, além
disso, está “na infância”, pois necessita ser (re)pensada a todo o momento, algo que à
época de Bloch estava apenas começando.

CRC • • • © Metodologia da História I


6 Claretiano – Batatais
UNIDADE 1 Licenciatura em História

Define o eminente historiador que o objeto da História, ou seja, aquilo que ela
deve investigar, não é uma entidade metafísica como “o tempo”, mas sim o
homem e, mais precisamente, os homens no tempo, suas ações e práticas em
todas as suas manifestações.

Nesse sentido, para Bloch (2001), onde houver seres humanos, existirá História
e, assim, algo a ser elucidado pelo historiador. Além disso, ele diz que somente um
historiador atento ao presente, conhecedor de seu tempo, pode inquirir, satisfatoriamente,
os homens do passado, pois “o presente bem referenciado e definido dá início ao
processo fundamental do ofício de historiador: compreender o presente pelo passado e,
correlativamente, compreender o passado pelo presente” (BLOCH apud LE GOFF, 2001,
p. 25).

Para encerrar essa primeira abordagem sobre o que significa o estudo da História,
gostaríamos de citar uma metáfora de Carr. Segundo ele, em um determinado momento,
os historiadores definiam que História era um amontoado de fatos. Portanto,

os fatos estavam disponíveis para os historiadores nos documentos, nas


inscrições, e assim por diante, como os peixes na tábua do peixeiro. O
Historiador deveria reuni-los, depois levá-los para casa, cozinhá-los, e então
servi-los da maneira que o atrair mais (CARR, 1996, p. 45).

Essa concepção, nos últimos 50 anos, vem sendo substituída por uma mais
condizente com a realidade da produção histórica, isto é:

os fatos na verdade não são absolutamente como peixes na peixaria. Eles


são como peixes nadando livremente num oceano vasto e algumas vezes
inacessível; o que o historiador pesca dependerá parcialmente da sorte, mas
principalmente da parte do oceano em que ele prefere pescar e do molinete que
ele usa – fatores estes que são naturalmente determinados pela qualidade de
peixes que ele quer pegar. De um modo geral, o historiador conseguirá o tipo de
fatos que ele quer. História significa interpretação (CARR, 1996, p. 49).

Resumindo, de acordo com as orientações de Carr (1996) e de Bloch (2001),


podemos considerar que História é o ramo do conhecimento que estuda os homens no
tempo e que o papel do historiador é reconstituir o passado, interpretando-o a partir do
presente. Fazer História é, pois, relacionar, a todo o momento, passado e presente; é
reconstituir o passado explicado pelo presente baseado nas perspectivas de mundo do
próprio historiador.

3 DOCUMENTOS E SUAS INTERPRETAÇÕES: O MÉTODO EM


QUESTÃO
Durante boa parte do século 19 e início do século 20, os documentos históricos
considerados válidos eram apenas os escritos e os oficiais, isto é, os pertencentes a
instituições governamentais.

Essa etapa da produção histórica, conhecida como positivismo, veremos em


detalhes na Unidade 3. Gostaríamos de assinalar, neste momento, que a produção histórica,
durante um bom tempo, atendeu a essas perspectivas. No entanto, isso vem mudando nas
últimas décadas, tanto nos tipos, como na forma de se utilizar os documentos históricos.

Mas, afinal, o que é documento histórico? O que, na História, é digno de registro?


Todo fato humano pode se tornar um fato histórico? E quanto ao trabalho do historiador,

© Metodologia da História I • •• CRC 7


Batatais – Claretiano
UNIDADE 1
Licenciatura em História

de que maneira ele seleciona e analisa os documentos e o que para ele se configura um
fato histórico? Essas são as questões que iremos abordar neste tópico.

Borges (1985, p. 48) lembra que, “desde que existem sobre a Terra, os homens
estão em relação com a natureza (para produzirem sua vida) e com os outros homens.
Dessa interação é que resultam os fatos, os acontecimentos, os fenômenos que constituem
o processo histórico”. Desse modo, o objetivo fundamental do historiador deve ser a
reconstituição do passado. Para isso, são necessários levantamentos e estudos de fontes
documentais desse passado.

Nesse sentido, fontes ou documentos históricos são todos os registros possíveis


de serem pesquisados e analisados; em outras palavras, são todos os materiais de
determinada época que permitem sua utilização na construção da História de um
determinado grupo social, ou seja, fontes de caráter escrito, visual, oral, material, sonoro
etc. Mas essas fontes não são quase nada sozinhas.

Os documentos históricos só se configuram como tais quando os historiadores lhes


INFORMAÇÃO!
Podemos concluir, então, que os atribuem um significado, um sentido, pois, até esse momento, são simples objetos que só se
documentos históricos não são transformam em registro de uma época ou contexto quando são analisados.
absolutos, não falam por si, ou
seja, que eles dependem de uma
análise do historiador. Dessa forma, os acontecimentos humanos só podem tornar-se fatos históricos
no instante em que os registros documentais desses acontecimentos são analisados e
considerados numa análise histórica. Vejamos um exemplo:

Imagine, num exercício de análise contrafactual, que, por acaso, os nazistas


ATENÇÃO!
tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Acreditamos que,
Toda vez que aparecerem datas
entre parênteses na frente de um para isso acontecer, eles nunca poderiam ter perdido a longa luta travada em
nome, como, por exemplo, René Stalingrado, na União Soviética.
Descartes (1596-1650), estamos
fazendo referência ao período em
que viveu determinado pensador.
Possivelmente, se os nazistas tivessem ganhado aquela batalha, os feitos de
bravura dos soldados soviéticos que encaravam um exército mais bem equipado
e mais preparado para a guerra, a boa estratégia de resistência elaborada pelos
comandantes do exército vermelho russo, o massacre sofrido por boa parte
da população local, entre outros, seriam fatos humanos não registrados pela
História da maneira como hoje são. A narrativa histórica seria outra porque
os registros documentais desses acontecimentos não seriam preservados, os
interesses em contar essa História não seriam os mesmos e a possibilidade de
fazê-lo, mesmo que se quisesse, seria muito menor do que é hoje.

Assim, fica claro que narrar o passado é um exercício de reflexão sobre os


documentos históricos, sobre os registros que temos do passado, mas não apenas isso.
Devemos sempre nos perguntar sobre as motivações e razões para a preservação de
determinados fatos e não de outros.

Evidentemente, as fontes documentais são um aspecto fundamental da pesquisa


histórica; no entanto, elas não podem ser tomadas como algo que expressa a “verdade
absoluta” sobre aquele momento ou fato histórico estudado.

É bom lembrar que quem produz o documento está imbuído de sua visão de
mundo, de sua forma de interpretar a situação em que se envolveu, de maneira que não
é neutro nem está acima dos fatos para julgá-los com “imparcialidade”. Como afirma Carr
(1996, p. 55), “os fatos e os documentos são essenciais ao historiador. Mas que não se
tornem fetiches”.

CRC • • • © Metodologia da História I


8 Claretiano – Batatais
UNIDADE 1 Licenciatura em História

Em contrapartida, o historiador não pode cair na tentação de negar o documento,


de apenas valorizar a interpretação que construiu em sua mente, de buscar adaptar a
realidade que estuda aos interesses de sua visão de mundo.

Novamente, podemos nos apoiar em Carr para elucidar essa relação entre
documento e interpretação dos fatos.

Para ele, “o historiador começa com uma seleção provisória de fatos e uma
interpretação, também, provisória, a partir da qual a seleção foi feita”. Enquanto está
trabalhando no tema, “tanto a interpretação e a seleção quanto a ordenação de fatos
passam por mudanças sutis e talvez parcialmente inconscientes, através da ação recíproca
de uma ou da outra”. Por isso, “o historiador e os fatos históricos são necessários um ao
outro”, pois “o historiador sem seus fatos não tem raízes e é inútil; os fatos sem seu
historiador são mortos e sem significado” (CARR, 1996, p. 65).

Logo, essa ação mútua de historiador sobre os fatos e estes sobre o historiador
“envolve a reciprocidade entre presente e passado, uma vez que o historiador faz parte do
presente e os fatos pertencem ao passado” (CARR 1996, p. 65).

Portanto, todo registro do passado humano é um documento histórico. Esse


documento, se analisado e criticado satisfatoriamente, permite que aquele
acontecimento por ele registrado se transforme em fato histórico.

O que vai se tornar registro histórico ou não depende do contexto e dos


interesses que a História produzida representa; o que, por fim, nos leva à última questão,
que é o trabalho do historiador na relação entre fato e interpretação.

Certa vez, perguntou-se o historiador Schaff (1978, p. 66) o seguinte:

Se apesar dos métodos e das técnicas de investigação aperfeiçoadas,


os historiadores não só julgam e interpretam as mesmas questões e os
mesmos acontecimentos em termos diferentes, mas ainda selecionam e
até mesmo percebem e apresentam diferentemente os fatos, será possível
que esses historiadores façam simplesmente uma propaganda camuflada
em lugar de praticar ciência?

O autor construiu essa questão baseado na ideia de métodos e técnicas de


investigação, algo que procuramos elucidar anteriormente. Mas esses métodos e técnicas,
na provocação do autor, não seriam apenas formas de esconder uma visão de mundo já
cristalizada e que a investigação histórica só serviria para confirmar?

Inicialmente, vale ressaltar que os métodos e técnicas científicas dos


historiadores diferem em muitos aspectos daqueles utilizados, por exemplo, pelos físicos
e pelos matemáticos; mas, mesmo para esses, o conhecimento é relativo, na medida em
que está formulado com base em convicções do sujeito e do contexto em que ele está
inserido. Assim, ter convicções não é nenhum problema.

A questão fundamental nesse debate é elucidar onde estaria o erro do qual um


historiador deve fugir para evitar que seu trabalho perca o valor que deve ter. O historiador
Febvre, cofundador da Revista Annales, a qual fizemos referência anteriormente, diz que
o anacronismo é o pecado mortal do historiador.

Para ele, o termo “anacronismo” refere-se à situação em que o historiador atribui


ao personagem, ou contexto histórico que estuda, uma visão que não era possível de se
ter naquele momento em que os fatos ocorreram. Ao cometer esse erro, o historiador
analisa os fatos com base nos resultados do processo de seu estudo, esquecendo-se de
que os personagens não poderiam ter a mesma clareza dos acontecimentos.

• CRC
© Metodologia da História I • •
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Batatais – Claretiano
UNIDADE 1
Licenciatura em História

Febvre utilizou-se desse argumento para estudar a obra do escritor francês do século
INFORMAÇÃO:
Para aprofundar seus estudos 16, Rabelais, que muitos historiadores diziam ser ateu. Entretanto, Febvre (1989) demonstrou
acerca desse assunto, sugerimos que era impossível ser ateu no século 16 na Europa, utilizando-se de diversos meios para isso,
a leitura das seguintes obras:
Lucien Febvre. Olhares sobre a demonstrando que aqueles que diziam isso estavam sendo anacrônicos.
História. Lisboa: Edições ASA,
1996. Para Novais (2005), que é um dos mais importantes historiadores brasileiros, o
Lucien Febvre. Combates pela
História. Lisboa: Presença, 1989. problema do anacronismo aparece de maneira cristalina em um tipo de História específico:
a chamada História “Nacional”, que tem por objeto a nação e o Estado Nacional. Vejamos
como ele apresenta o problema:

O anacronismo, que, no dizer de Lucien Febvre, constitui pecado mortal


do historiador, torna-se, no caso da história “nacional”, uma dificuldade
quase insuperável. É que a tentação é por demais intensa de se fazer
a história do povo na “sua vontade de ser nação”... No caso do Brasil,
Estado-nação de passado colonial, esta dificuldade ainda sobe de ponto,
e se consubstancia na idéia de que a nação estava já inscrita na viagem
“fundadora” de Pedro Álvares Cabral, quer dizer, como se a colonização
se realizasse para criar a nação, e o chamado “período colonial” vai sendo
reconstituído como algo tendente a forjar a independência, num curioso
exercício de profecia do passado (NOVAIS, 2005, p. 331).

Observamos no exemplo trazido por Novais (2005) que o anacronismo pode


comprometer toda a estrutura de pesquisa e desenvolvimento da produção histórica de
um tema amplo como a História de um país.

Fazendo uma retomada de nossas ideias, o erro do anacronismo consiste em


acreditar que os personagens de determinada época têm a mesma visão e a mesma
clareza dos fatos que o historiador pode ter, analisando-os de outra época. No caso
exemplificado por Novais (2005), o anacronismo significa pensar que os colonos tinham
a visão clara de uma nação futura, o que sabemos, hoje, que acabou se concretizando,
mas os homens daquela época, do Brasil colonial, não poderiam saber, pois viviam sua
realidade de colônia.

Portanto, o historiador que, atravessando os problemas da abordagem do passado,


evitou cometer anacronismos está muito mais próximo de fazer uma boa História.

Na procura por essa boa História, além de ter que selecionar documentos e
fatos históricos para reconstituir o passado e procurar estabelecer fios condutores para
uma interpretação satisfatória dos acontecimentos humanos, o historiador deve fugir
da tentação de atribuir aos protagonistas dos acontecimentos que estuda o
conhecimento dos resultados de sua ação, na medida em que é impossível que estes
o saibam e, portanto, impossível, também, analisá-los dessa perspectiva.

Em contrapartida, ao se tentar fugir do anacronismo, deve-se tomar cuidado,


também, com o relativismo absoluto em História.

Assinalando aquilo que escreveu o historiador inglês Hobsbawm (1998, p. 8),


“sem a distinção entre o que é e o que não é assim, não se pode fazer história”. No
entanto, “o modo como montamos e interpretamos nossa amostra escolhida de dados
verificáveis (que pode incluir não só o que aconteceu, mas o que as pessoas pensaram a
respeito) é outra questão”. Assim, nunca podemos perder de vista que a História tem sim
sua objetividade e que ela está no fato histórico.

Para ilustrar, voltemos ao exemplo que utilizamos anteriormente sobre a Segunda


Guerra Mundial: ela aconteceu e a Alemanha nazista foi derrotada. A questão que fica ao
historiador é como e por quê. A partir dessas perguntas, selecionamos as fontes históricas,
reconstituímos como aconteceu o fato e procuramos argumentar por que foi assim.

CRC • • • © Metodologia da História I


10 Claretiano – Batatais
UNIDADE 1 Licenciatura em História

A demanda social do historiador, então, será esta: atender às necessidades ATENÇÃO!


Caso tenham ficado dúvidas
de preservação da memória social. em relação a algum conceito
apresentado, você pode recorrer
a um dicionário de História,
realizar uma pesquisa na internet

4
ou, ainda, entrar em contato com
HISTÓRIA E OUTRAS CIÊNCIAS HUMANAS seu tutor.

PARA VOCÊ REFLETIR:


Como lembra o historiador francês Dosse (2003), a profissionalização do Você acha que a produção
historiador, já que sua disciplina foi tornada acadêmica no século 19, e a ascensão das de História é a expressão da
Verdade?
outras Ciências Sociais (Economia, Sociologia, Política, Antropologia) ao longo dos séculos
19 e 20 fizeram que a História sofresse muitos impactos tanto dessas Ciências Sociais
quanto da mais antiga ciência humana, a Filosofia, a qual, quando nasceu, não era apenas
humana, mas, também, física e matemática.

Assim, estabelecer os fios de relação, nem sempre amistosa, entre a História e


as outras Ciências Humanas é um aspecto essencial para se entender o papel do discurso
historiográfico no cenário da produção de pensamento nas áreas humanas.

Novamente, o historiador brasileiro Novais (2005, p. 277-278), abre caminho


para a compreensão da relação entre História e as outras Ciências Sociais:

A História (...) é um domínio do saber muito antigo, anterior à ciência,


à universidade, e obviamente às Ciências Sociais. Tão antigas como a
História só a Filosofia e as artes. Todo livro de História da História diz
isso, mas nem sempre tiram as implicações teóricas desse fato. Primeira
implicação: se de fato é assim, é possível estudar o impacto da História
das Ciências Sociais na História, e não o inverso. Não é possível estudar o
impacto da História na Sociologia; existe o impacto da Sociologia sobre a
História. A segunda implicação é que a História não responde às demandas
sociais semelhantes ao que ocorre com as outras ciências. Pode-se
associar o aparecimento da Sociologia na segunda metade do século 19
ao aparecimento da sociedade urbana industrial moderna. O aparecimento
da Economia está diretamente relacionado à Revolução Industrial. Já a
História está associada à criação da memória.

É evidente, nas palavras de Novais (2005), uma primeira distinção fundamental


entre a História e as outras Ciências Sociais: estas estão associadas ao desenvolvimento
e ao aumento da complexidade da sociedade pós-Revolução Industrial; já a História é
muito mais antiga e corresponde a uma outra demanda da sociedade: a de preservação
da memória social.

O historiador brasileiro designa uma segunda distinção importante entre História e


Ciências Sociais: “(...) o campo da História é indelimitável. Qual é seu objeto? É o acontecer humano
em qualquer tempo e em todo o espaço, só o futuro não é seu objeto. O que caracteriza esse objeto?
A impossibilidade de delimitá-lo – não se sabe onde é que ele acaba” (NOVAIS, 2005, p. 379).

Se a História, por seu lado, tem um objeto não delimitado, o grande debate
dentro das Ciências Sociais é justamente saber onde delimitar os seus objetos. Qual é a
fronteira que divide a Sociologia da Antropologia, por exemplo?

Apesar do ataque que a História sofreu das outras Ciências Sociais, o fundamental
é que, do ponto de vista do objeto, temos uma vantagem comparativa: o objeto da
História é toda a ação humana no tempo.

Por causa dessa amplitude de seu objeto, foi possível que, no momento em
que ocorreu uma crise das Ciências Sociais no último quarto do século 20, a História
respondesse a essa crise com uma ampliação dos objetos de estudo, dedicando-se a
temas que antes estavam negligenciados (o sexo, o amor, a família, a criança, a mulher, PARA VOCÊ REFLETIR:
entre outros), como veremos na disciplina Metodologia da História II. Você acha que a História pode
ser considerada o carro-chefe
das Ciências Sociais?

• CRC
© Metodologia da História I • •
11
Batatais – Claretiano
UNIDADE 1
Licenciatura em História

Fica claro, portanto, que a História é um ramo do conhecimento muito mais antigo
que as Ciências Sociais e responde a outras demandas. Além disso, o objeto de estudo da
História é muito mais amplo e abrange todo o acontecimento humano no tempo.

Assim, a História tem compromisso potencial de reconstituir as ações humanas


em todas as suas esferas de existência: econômica, política, social, cultural e mental. Já
as Ciências Sociais são recortes dessa realidade.

É evidente que o historiador não reconstitui a totalidade da História, mas


parcelas dela, por isso que Veyne (s/d.) escreveu que não existe apenas “História”, mas
INFORMAÇÃO: sim “História de”. A preposição depois do substantivo é o recorte do objeto infinito do
Sugerimos a leitura da seguinte
obra para o aprofundamento historiador.
de seus estudos: VEYNE, Paul.
Como se escreve a História. Talvez você esteja se perguntando: mas isso significa que a História não necessita
Lisboa: Edições 70, s/d.
das Ciências Sociais?

A resposta é não; na verdade, uma é necessária à outra. O historiador


moderno enxerga-se como cientista; portanto, ele acredita que é necessário explicar.
Fundamentalmente, é utilizando-se dos conceitos criados pelos cientistas sociais que o
historiador explica o que reconstitui. Ao mesmo tempo, se os cientistas sociais ficarem
apenas na abstração conceitual, não conseguem demonstrar a aplicabilidade desses
conceitos. Assim, ele necessitam da História para comprovar que são eficazes.

Em resumo, o historiador explica para reconstituir e o cientista social reconstitui


para explicar. As demandas sociais que os fizeram surgir explicam essa diferença e,
ao mesmo tempo, o sentido de necessidade de apoiar-se um no outro.

O francês Braudel (1992), um dos historiadores mais importantes do século 20,


INFORMAÇÃO:
Para saber mais sobre o assunto
escreveu, em um artigo publicado em 1958, sobre a necessidade de encontrar-se um caminho
em questão, leia: BRAUDEL, de diálogo entre as diversas ciências do homem. Para ele, esse diálogo poderia partir da
Fernand. História e Ciências dimensão das diversas temporalidades que a existência social compreende.
Sociais: a longa duração. In:
______. Escritos sobre a História.
2. ed. São Paulo: Perspectiva, Mas o que significa “diversas temporalidades”?
1992, p. 39-78.
Vejamos um texto do autor apresentado em seu clássico estudo de 1946,
intitulado O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II, que nos ajudará
a compreender essa expressão.

Esta obra divide-se em três partes, cada uma das quais pretende ser uma tentativa de
explicação de conjunto.

A primeira trata de uma história, quase imóvel, que é a do homem nas suas relações
com o meio que o rodeia, uma história lenta, de lentas transformações, muitas vezes
feita de retrocessos, de ciclos sempre recomeçados [...].

Acima desta história imóvel, pode distinguir-se uma outra, caracterizada por um ritmo
lento: se a expressão não tivesse sido esvaziada do seu sentido pleno, chamar-lhe-
íamos de bom grado história social, a história dos grupos e agrupamentos. Qual a
influência dessas vagas de fundo no conjunto da vida mediterrânica, eis a pergunta
que a mim próprio pus na segunda parte da minha obra, ao estudar, sucessivamente,
as economias, os Estados, as sociedades, as civilizações, e ao tentar, por fim, e para
melhor esclarecer a minha concepção de história, mostrar como todas estas forças
profundas atuam no complexo domínio da guerra. [...]

E, finalmente, a terceira parte, a da história tradicional, necessária se pretendermos uma


história não à dimensão do homem, mas do indivíduo, uma história dos acontecimentos
[...], a da agitação de superfície, as vagas levantadas pelo poderoso movimento das marés,
uma história com oscilações breves, rápidas, nervosas (BRAUDEL, 1995, p. 25).

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12 Claretiano – Batatais
UNIDADE 1 Licenciatura em História

Assim, para o autor, a temporalidade histórica teria diversos níveis de existência:


o tempo de longa duração, o de média duração e o de curta duração.

O tempo longo seria aquele em que as transformações são muito lentas, quase
imóveis, no qual o fundamental está na relação “homem e espaço”. Já o tempo de média
duração seria aquele em que as transformações ocorrem no nível das estruturas sociais,
com movimentos longos, resultando em grandes sínteses econômicas, sociais, políticas,
culturais. Por fim, o tempo curto, o tempo jornalístico, seria o tempo do registro imediato,
o tempo das paixões, dos acontecimentos e da instantaneidade.

Observamos, pois, que cada uma das Ciências Sociais ajusta-se mais a um
determinado tempo do que a outro, e, na relação desses tempos, seria possível estabelecer
o contato entre as diversas ciências do homem. A História seria, nesse sentido, o carro-
chefe do processo, na medida em que ela, como vimos, é a ciência social que melhor
compreende o homem no tempo.

5 CONSIDERAÇÕES
Nesta primeira unidade, procuramos discutir os conceitos básicos do significado
da ciência histórica. Inicialmente, analisamos o significado do termo “História”; em
seguida, procuramos dar conta das questões sobre o método de pesquisa e de estudo da
História.

Além disso, procuramos relacionar como se constrói o discurso histórico com


base na documentação existente e como avaliar e criticá-la.

Por fim, procuramos discutir a relação, nem sempre amistosa, mas necessária,
entre a História e as outras ciências humanas.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOCH, M. Apologia da História ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2001.
BORGES, V. P. O que é História? 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BRAUDEL, F. História e Ciências Sociais: a longa duração. In: ______. Escritos sobre a
História. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.
______. O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II. 2. ed. Lisboa:
Dom Quixote, 1995.
CARR, E. H. Que é História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
DOSSE, F. A História. Bauru: Edusc, 2003.
FEBVRE, L. Olhares sobre a História. Lisboa: Edições ASA, 1996.
_______­­­_. Combates pela História. Lisboa: Presença, 1989.
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
NOVAIS, F. A. Aproximações: estudo de história e historiografia. São Paulo: Cosac Naify,
2005.
SCHAFF, A. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
VEYNE, P. Como se escreve a História. Lisboa: Edições 70, s/d.

• CRC
© Metodologia da História I • •
13
Batatais – Claretiano
Anotações
A ESCRITA DA HISTÓRIA

UNIDADE 2
NA ERA PRÉ-INDUSTRIAL:
NA ANTIGUIDADE,
NA IDADE MÉDIA
E NO RENASCIMENTO

Objetivo
• Estudar os princípios fundamentais que nortearam o
processo de escrita da História, destacando seus métodos
e relações com o tempo em que foram produzidos, ao
longo dos seguintes períodos: Antiguidade Clássica
(Grécia e Roma), Idade Média no Ocidente europeu e
Renascimento europeu entre os séculos 15 e 16.

Conteúdos
• A Escrita da História na Antiguidade.

• A Clio cristã: a historiografia na era medieval.

• A História Renascentista: o Humanismo em marcha.


UNIDADE 2
Licenciatura em História

ATENÇÃO!

1
Lembre-se de que a organização
de um horário de estudo é útil
para estabelecer hábitos e,
INTRODUÇÃO
assim, possibilitar que você
utilize o máximo de seu tempo e Na unidade anterior, vimos alguns conceitos gerais sobre a metodologia da
de sua energia. Pense nisso...
Não se esqueça de consultar as História e algumas implicações envolvidas na produção da memória de uma época, ou
informações contidas no Guia seja, os cuidados que devem ser tomados ao se rememorar e reconstituir o passado.
de disciplina e na página inicial
desta disciplina.
Nesta unidade, discutiremos como foi escrita a História ao longo da Antiguidade
Clássica (Grécia e em Roma), na Idade Média (Europa Ocidental) e, por fim, no período
da Renascença europeia.

Nosso objetivo será, portanto, perceber como, durante um período tão extenso,
a escrita da História foi se transformando e qual papel exerceu no contexto cultural do
período em estudo.

2 ESCRITA DA HISTÓRIA NA ANTIGUIDADE


É quase consenso entre os estudiosos da escrita da História que esta teria
nascido na Grécia Antiga, entre os séculos 6º e 5º a.C. Assim se manifesta Carbonell
(1987, p. 15), importante historiador e pesquisador do tema: “é na segunda metade
do século 5º a.C., no pequeno mundo egeu onde tinha desabrochado a arte dos poetas
trágicos e despertava a especulação dos filósofos, que nasce a história”.

No mesmo sentido, seguindo as afirmações do historiador Fontana (1998, p.


17), podemos dizer que a historiografia surgiu com os chamados “logógrafos”1 da Ásia
Menor, “que tinham recolhido a informação dos manuais em que os marinheiros anotavam
(1) Logógrafos: segundo o
dicionário Aurélio, é a designação os portos e povos das costas mediterrâneas, com observações sobre seus costumes e
comum aos primeiros escritores sobre a história local”.
gregos, ou, ainda, refere-se a
autores de um glossário.
Observando a origem do termo “História”, completa o historiador Fontana (1998,
p. 17), percebemos que ela “deriva de um verbo que significa ‘explorar, descobrir’, o que
viria a corresponder ao fato de que a primitiva historiografia grega era, antes de tudo, uma
exposição de ‘descobrimentos’ sobre terras e povos estranhos”. De acordo com o mesmo
autor, entre os logógrafos, destaca-se “Hecateu de Mileto (c. 500 a.C.), cujas obras se
referem à descrição da terra e à história, e de quem se destaca a vontade expressa de
analisar racionalmente os mitos do passado” (FONTANA, 1998, p. 17).

Acredita-se que o avanço da escrita da História guarde relações diretas com as


transformações da sociedade grega entre meados do século 6º e 5º a.C.

Nesse momento, iniciou-se uma difusão da atividade econômica no interior de


algumas cidades-Estado, o que acabou promovendo certo desequilíbrio entre a aristocracia
vinculada à posse da terra e os grupos que faziam as atividades mercantis.

Esse desequilíbrio entre a aristocracia e os grupos mercantis resultou em


mudanças na estrutura de poder das sociedades helênicas, derrubando reis e ascendendo
grupos que apoiavam os chamados tiranos.

Posteriormente, foram esses tiranos que abriram espaço para a ascensão de


regimes ditos democráticos, controlados por uma nova elite, talvez mais mercantil e
menos rural.

CRC • • • © Metodologia da História I


16 Claretiano – Batatais
UNIDADE 2 Licenciatura em História

O caso clássico dessas transformações na sociedade grega ocorreu em Atenas,


ao redor do ano de 600 a.C. O historiador Anderson (1994, p. 30) descreve essa mudança
da seguinte forma:

A ruptura dessa ordem geral ocorreu no último século da era arcaica,


com o advento dos tiranos (c. 650-510 a.C.). Estes autocratas romperam
a dominação das aristocracias ancestrais sobre as cidades: eles
representavam proprietários de terras mais novos e riqueza mais recente,
e estendiam seu poder a uma região muito maior graças a concessões
à massa sem proprietários dos habitantes das cidades. As tiranias do
século 6 realmente constituíam a transição crucial para a pólis clássica. Foi
durante seu período geral de predominância que as fundações militares e
econômicas da Grécia clássica foram lançadas. INFORMAÇÃO:
O termo “antropomorfismo”
origina-se da junção de duas
Além disso, mudanças da ordem religiosa manifestaram-se também, palavras gregas: anthropos
especialmente a tendência de revisar criticamente os mitos gregos (algo que Hecateu de (homem) e morphe (forma).
Portanto, um antropomorfismo
Mileto procurou realizar) e a característica antropomórfica da sua religião. se dá quando os deuses se
manifestam em forma humana
Nesse contexto de transformações, um novo modelo de análise do passado ou são atribuídos feições,
sentimentos, atos e paixões do
deveria surgir, pois aquele dos mitos que glorificavam os grupos no poder não servia mais homem a divindades. Assim, para
para justificar a nova realidade. a civilização da Grécia Antiga, os
deuses eram antropomórficos.

Logo, é nesse contexto e com esse papel que surge a História. Segundo Fontana
(1998, P. 18), “da fusão de revolução política e mudanças religiosas surgiu a interpretação
histórica da idade clássica: uma interpretação aristocrática, porém favorável à democracia
e hostil aos velhos mitos em que se assentava a sociedade da realeza e da oligarquia” .

Os “pais” da História

Depois de Hecateu de Mileto e os logógrafos, o grande salto da História grega,


rumo a seu auge, ocorreu com dois homens que tinham características distintas, mas
foram igualmente importantes: Heródoto e Tucídides.

A grande tensão que permitiu o desabrochar da História foi o rompimento


com o gênero literário, em busca da verdade. Heródoto encarna em sua obra
justamente essa tensão entre ficção e realidade.

Heródoto de Halicarnasso (c. 485 – c. 424 a.C.) era um historiador por intenção.
Isso ele deixa claro já na inauguração de sua obra sobre as Guerras Médicas (490-479),
em que diz que escrevia para “impedir que caíssem no esquecimento as grandes façanhas
realizadas pelos Gregos e os Bárbaros” (CARBONELL, 19987, p. 16).

O método de investigação de Heródoto era acreditar somente naquilo que


observava e ouvia dizer; essas eram suas fontes. O autor em questão defendia que
qualquer coisa fora do alcance de sua visão ou do relato claro e objetivo de alguém que
houvesse presenciado o fato estava fora do terreno da História. No entanto, ele utilizava-
se dos mitos para preencher as lacunas que as fontes não podiam clarificar.

(2) Um aedo (em grego


Dessa forma, Heródoto simboliza uma era de transição, em que a História tenta clássico ἀοιδός/aoidos, do
deixar de ser um gênero literário, mas não rompe totalmente com ele. verbo ᾄδω/aidô, “cantar”) era,
na Grécia antiga, um artista
que cantava as epopeias
Esse rompimento apenas parcial com o gênero literário pode ser a explicação acompanhado de um instrumento
de as obras de Heródoto terem sido escritas para serem lidas em público pelos aedos2, musical, o forminx. Distingue-
se do rapsodo, mais tardio, por
como na velha tradição literária da Grécia. Talvez isso justifique por que, para Heródoto, a
compor as próprias obras. Por
verdade se situa no lado do oral ou do observado, em detrimento do escrito. esse fato, era o equivalente a um
bardo celta.

© Metodologia da História I • •• CRC 17


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UNIDADE 2
Licenciatura em História

Por manter elementos literários em suas histórias, Heródoto é considerado, em


determinado momento, como, por exemplo, no século 19, um farsante, um mentiroso.

Contudo, no período renascentista e na atualidade, ele volta ao altar de pai


da História. Isso revela, como bem destaca Dosse (2002, p. 21), uma “ambivalência do
discurso histórico, sempre tensionado entre o real e a ficção”.

Outro homem grego importante para a História é Tucídides (c. 460 – c. 400 a.C.),
que se estabelece como historiador fazendo justamente uma crítica radical a Heródoto.

Para Tucídides, Heródoto era um mitólogo e, portanto, um mentiroso. Tucídides


quer buscar a verdade e, para isso, precisava romper com o método de seu antecessor.

Figura 1 Busto de Tucídides. Afirma Carbonell (1987, p. 17) que: “com a História da Guerra do Peloponeso,
de Tucídides, nascem simultaneamente o método e a inteligência do historiador: a crítica
das fontes e a procura racional do encadeamento causal”.

Assim, Tucídides estabeleceu um método extremamente rigoroso para a coleta


de fontes. Segundo Dosse (2002, p. 21), “delimitando o campo de investigação ao que ele
poderia observar, Tucídides reduziu a operação historiográfica a uma restituição do tempo
presente, resultando em um ocultamento do narrador, que se retira para deixar falar os
fatos”.

Já que as fontes seriam apenas o que pudesse ser observado, era tirada do
historiador qualquer possibilidade de analisar aquilo que estivesse distante de seu tempo
de vida. O saber histórico em Tucídides é, exclusivamente, o observado.

(3) Políbio buscava as causas Os “novos” historiadores da Antiguidade


da conquista romana sobre todo
o mundo grego e oriental. Seu
Neste tópico, veremos um outro momento significativo na busca pela produção
método histórico era a “procura
das causalidades”. No início da História.
de sua Histórias, pergunta:
“Que homem será tão néscio
ou negligente que não queira Políbio3 (c.208 – c.122 a.C.) é o historiador que surge após o aparecimento
conhecer como e mediante que das obras de Platão e Aristóteles, no século 4º a.C. Envolvida pelo cenário de discussão
tipo de organização política
filosófica sobre democracia e aristocracia, a obra de Políbio é uma recusa da História
quase todo o mundo habitado,
dominado em cinqüenta e três trágica ou mesmo da pura erudição livresca.
anos não-completos, caiu sob
domínio de um único império,
o dos romanos?” (FONTANA, Segundo Fontana (1998, p. 24-25), Políbio, “devolvendo à História seu velho
1998, p. 25). propósito generalizador, queria que não só fosse investigação sobre o passado, como
também, e sobretudo, um meio de formação política”.

Políbio é fruto do mundo em transição da Grécia para Roma, como centro


articulador da vida econômico-social e cultural da Antiguidade europeia. É evidente que,
num contexto como esse, um homem exilado da Grécia para Roma, que viveu e presenciou
os dois contextos, é uma figura privilegiada na busca das causas dessas transformações.

A historiografia propriamente romano-latina é de difícil apreensão, pois


seus autores eram muito mais entusiastas dos governos e imperadores romanos do
que propriamente historiadores. De qualquer forma, observe a síntese produzida pelo
historiador Fontana (1998, p. 26):

Figura 2 Estátua de Tito Lívio


Políbio.

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18 Claretiano – Batatais
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Quando passamos dos historiadores gregos aos romanos, a dificuldade


para interpretar o pensamento que anima as suas obras aumenta. Temos,
em primeiro lugar, o problema dos proêmios: seguindo um costume que
deriva dos retóricos gregos, os historiadores latinos fazem preceder suas
obras de exposições filosóficas, onde se insiste em sua preocupação pela
imparcialidade e em seu propósito moralizador, exposições que pouco ou
nada têm a ver com a obra em si. Pelo que se refere à imparcialidade,
é difícil admitir encontrá-la nos grandes historiadores da etapa final da
República e do primeiro século do Império, cujos vínculos com a política
eram claros. É difícil atribuir objetividade e propósitos moralizadores a
Salústio (87-35 a.C.), político turbulento, acusado de crimes e abusos; a
um Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.), a quem se considerava como um defensor
do regime implantado por Augusto, ou a um Tácito (c.58 – c.120 d.C.),
que expressava o rancor da classe senatorial, reduzida a um papel político
secundário pelos imperadores, o que explica que nos tenha deixado uma
imagem hostil e deformadora dos reinados de Tibério, Cláudio e Nero. PARA VOCÊ REFLETIR:
Você acha que hoje a História
continua sendo utilizada para
Ao final do Império, os romanos manifestavam seu pessimismo em relação justificar a realidade social em
que vivemos?
ao futuro, que contrastava com seu orgulho sobre a grandeza do passado romano.
Como afirma Carbonell (1987, p. 38-39), “lúcidos e patriotas, os historiadores romanos
escreveram durante seis séculos uma obra coletiva sobre a grandeza e decadência de
Roma”; evidentemente, “uma história assim não podia deixar de ser épica, guerreira, INFORMAÇÃO:
Clio, de origem grega, significa
fanaticamente chauvinista. E mortal”. “glória” ou “fama”. Filha de
Zeus e Mnemósine, a memória,
foi uma das nove musas da
mitologia grega. Com suas oito

3
irmãs, chamadas “as cantoras
CLIO CRISTÃ: HISTORIOGRAFIA NA ERA MEDIEVAL divinas”, habitava o monte
Hélicon.
Segundo a mitologia, reunindo-
O conturbado fim do Império Romano do Ocidente e o crescimento cada vez maior se sob a assistência de Apolo,
junto à fonte Hipocrene, as
da igreja cristã é o cenário da emergência de um novo tipo de escrita da História. musas presidem as artes e
as ciências. Clio tem o dom
Fontana (1998, p. 28) afirma a existência de “uma historiografia cristã que, de inspirar os governantes
e restabelecer a paz entre
ainda que escrita em latim, não surge da romana clássica por um processo de evolução ou os homens, e a essa função
degeneração, mas antes responde a uma nova concepção da sociedade – à necessidade é especialmente devotada.
Além disso, ela é a musa da
de justificar um novo sistema de relações entre os homens”. História e da criatividade, aquela
que divulgava e celebrava
Esse novo sistema de relações entre os homens se dará em vista dos seguintes realizações. Ela preside a
eloquência, sendo a fiadora das
fatores: relações políticas entre homens
e nações. É representada
• Crise generalizada do fim do Império Romano do Ocidente. como uma jovem coroada de
louros, trazendo, na mão direita,
• Processo de invasões dos povos germânicos do norte da Europa. uma trombeta e, na esquerda,
um livro intitulado Thucydide.
• Ruralização profunda pela qual passou o Ocidente europeu entre os séculos Outras representações suas
3º e 8º da era cristã. apresentam-na segurando
um rolo de pergaminho e uma
pena, atributos que, às vezes,
Nesse cenário, houve uma instituição que veio se consolidando no período final
também acompanham Calíope.
do Império Romano, a qual sobreviveu à crise e conseguiu tornar-se o centro fundamental Clio é considerada a inventora
das referências culturais da sociedade europeia ocidental. Essa instituição é a Igreja da guitarra, de forma que, em
algumas de suas estátuas, ela
(ANDERSON, 1994). traz esse instrumento em uma
das mãos e, na outra, um plectro
(palheta).
Dentro da Igreja, começaram a emergir os pensadores, inclusive historiadores,
que passaram a justificar o novo modelo social que surgiu como resultado dessa lenta
transição da chamada Antiguidade Clássica para a denominada Idade Média.
ATENÇÃO!
Assim, um novo sistema social, o feudalismo, apareceu como a solução para Portanto, podemos concluir
dessa afirmação que mudanças
a intensa ruralização que a sociedade da Europa ocidental sofreu ao longo da crise de na sociedade serão refletidas no
transição. Surge, dessa forma, a historiografia cristã. modo como a História é escrita.

• CRC
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19
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Licenciatura em História

Segundo Fontana (1998, p. 28-29), o que distingue a historiografia cristã da


greco-romana é:

o fato de que a greco-romana buscava a explicação dos fenômenos históricos no


interior da própria sociedade, fazendo uso de uma causalidade fundamentalmente
terrena, enquanto que a cristã supõe que existe um esquema determinado
vindo de fora da sociedade humana, por designo divino, que marca o curso
inelutável da evolução histórica.

Essa forma de observar a História surge com Santo Agostinho, que, no século
5º, estabelece uma filosofia da História fundamentada na visão cristã.

De acordo com o que afirma Carbonell (1998, p. 41), Santo Agostinho, em


“sua Cidade de Deus, escrita nos anos 420, define a história como a realização do plano
formado por Deus para a salvação dos homens”. Para Santo Agostinho, havia a cidade de
Deus e a cidade dos homens, mas “as duas cidades estão entrelaçadas uma na outra e
Figura 3 Pintura representando
Santo Agostinho. intimamente mescladas, de tal modo que é impossível separá-las, até o dia em que o juízo
as separe”. Vários historiadores, em geral vinculados à Igreja, escreveram suas obras
interpretando o passado baseados na perspectiva de Santo Agostinho sobre a existência
de uma cidade de Deus e de uma cidade dos homens. A primeira representa a pureza, e
a segunda, o pecaminoso.

Nesse caminho estava, por exemplo, o discípulo de Agostinho, Paulo Osório,


que escreveu uma nova História do mundo baseando-se na teoria agostiniana. Assim,
segundo Osório apud Fontana (1998, p. 32), o ataque dos germânicos a Roma teria sido
algo permitido por Deus “para a correção da cidade soberba, lasciva e blasfema”.

No entanto, temos de entender um pouco mais sobre as origens e a estrutura do


feudalismo para que possamos compreender sua produção histórica.

A desarticulação dos impérios bárbaros, que emergiram do fim do Império


Romano ocidental, fortaleceu os grupos rurais e permitiu a ascensão de um novo sistema
social, o feudalismo. Sobre ele, assim se manifesta o historiador inglês Anderson (1994,
p. 143):

Foi um modo de produção regido pela terra e por uma economia natural, na
qual nem o trabalho nem os produtos do trabalho eram bens. O produtor
imediato – o camponês – estava unido ao meio de produção – o solo – por
uma específica relação social. A fórmula literal deste relacionamento era
proporcionada pela definição legal de servidão: os servos juridicamente
tinham mobilidade restrita. Os camponeses que ocupavam e cultivavam a
terra não eram seus proprietários. A propriedade agrícola era controlada
privadamente por uma classe de senhores feudais, que extraía um
excedente de produção dos camponeses através de uma relação político-
legal de coação.

Essa nova realidade social, que aparece em torno do século 9º no Ocidente


europeu, passou a predominar socialmente e, portanto, a necessitar de uma justificativa
histórica para sua existência.

Dessa forma, a Igreja, que, segundo Fontana (1998), sem essa justificativa
histórica teria sua posição social colocada em perigo, veio em socorro do sistema feudal,
criando a chamada “teoria das três ordens”, de maneira que a mais famosa é a do bispo
Adalberon de Laon, realizada provavelmente entre 1025 e 1027. Segundo esse bispo:

[...] o domínio da fé é uno, mas há um triplo estatuto na Ordem. A lei humana


impõe duas condições: o nobre e o servo não estão submetidos ao mesmo
regime. Os guerreiros são protetores das igrejas. Eles defendem os poderosos
e os fracos, protegem todo mundo, inclusive a si próprios. Os servos, por sua

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20 Claretiano – Batatais
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vez, têm outra condição. Esta raça de infelizes não tem nada sem sofrimento.
Fornecer a todos alimentos e vestimenta: eis a função do servos. A casa de
Deus, que parece uma, é portanto tripla: uns rezam, outros combatem e outros
trabalham. Todos os três formam um conjunto e não se separam: a obra de uns
permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos
outros (JUNIOR, 1986, p. 72).

Surgia, então, a teoria das três ordens: o clero, a nobreza feudal guerreira e
os servos camponeses. Nesse sentido, Fontana (1998, p. 34) lembra que “a Igreja reagia
assim contra sua marginalização na nova ordem feudal, oferecendo-lhe uma legitimação,
ao mesmo tempo que a defendia e se defendia contra um inimigo comum: a heresia
popular igualitária”.

É importante ressaltar que o grande historiador dessa fase foi Joaquim de Fiori
(c.1132-1202).

Abade da Calábria, Joaquim de Fiori articulou em seus textos a visão das três
ordens com alguns discursos proféticos, algo que lhe causou reprovações no Concílio de
Latrão, apesar do tom geral de elogios a sua obra. As mesmas críticas sofreu a obra de
Frei Dolcino, que levou a discussão profética para a construção de uma sociedade mais
justa, influenciando, decisivamente, os movimentos de reforma dentro da Igreja e as
heresias populares.

Já no século 14, a Idade Média assistia à decadência do modelo das três ordens
com o chamado renascimento comercial e das cidades. Nesse período, uma grave crise
atingiu em cheio o mundo feudal. As revoltas camponesas, a peste e a fome espalharam-
se pela Europa ocidental, ocasionando transformações cada vez mais radicais no sistema.
Novamente, Fontana (1998, p. 38) esclarece as relações entre as transformações sociais
e a escrita da História:

As mudanças sociais destes séculos da baixa Idade Média preparariam a


transformação do tipo de História que servia de suporte à economia política
do feudalismo. Na mesma medida em que a Igreja foi perdendo uma parte
essencial da sua função organizadora da sociedade, que passou aos novos
Estados que agora se constituíam [...]. Abandonou-se progressivamente a
velha História universal cristã, com sua identificação de ‘a Igreja do povo’, à
maneira de Gregório de Tours ou de Beda, para dar lugar à crônica cavaleiresca,
de Villehardouin a Muntaner, justificadora de uma classe social e de seu
predomínio, e surgiram, junto com ela, outros tipos de crônica laica que, se
faziam uso da teoria das três ordens, em boa medida a secularizavam.

Podemos, neste momento, estabelecer uma conclusão importante: com a queda


do sistema feudal, cai por terra, também, o modo de escrever História que o justificava.

Assim, paulatinamente, a sociedade medieval foi dando espaço para o surgimento


de um novo modelo, radicalmente transformador das estruturas sociais: o capitalismo.

A escrita da História deveria acompanhar essas transformações, fazendo, muitas


vezes, o papel de justificação da estrutura social, outras tantas na tentativa de questioná-la.

Essa capacidade da História de justificar ou questionar um sistema ocorreu


durante toda a Idade Média, no conflito entre o discurso oficial da Igreja em choque com
os movimentos heréticos de elite ou populares.

Com o fim do feudalismo, a História voltou a secularizar-se, ou seja, a deixar


o universo do sagrado e a procurar entender as relações sociais humanas. É assim que PARA VOCÊ REFLETIR:
termina a Idade Média: dando espaço para o surgimento de caminhos, digamos, menos Qual a relação entre as
místicos para a escrita da História. Como afirma Carbonell (1987, p. 66): “a Europa da fé transformações sociais e de
que maneira se dá a escrita da
é sucedida pela dos sábios, do Estado e, por fim, da Razão”. História ao longo do tempo?

© Metodologia da História I • •• CRC 21


Batatais – Claretiano
UNIDADE 2
Licenciatura em História

4 HISTÓRIA RENASCENTISTA: O HUMANISMO EM MARCHA


Entre os séculos 13 e 15, intensas transformações na vida social, econômica,
cultural e política ocorreram na Europa ocidental.

Segundo o historiador Sevcenko (1994, p. 5), “entre os séculos 11 e 14,


caracterizado como a Baixa Idade Média, o Ocidente europeu assistiu a um processo de
ressurgimento do comércio e das cidades”. Esse acontecimento está ligado à expansão
europeia ocorrida a partir das Cruzadas contra o Oriente não-cristão.

Afirma ainda Sevcenko (1994, p. 5) que

a criação desse eixo comercial, reforçado pelo crescimento demográfico,


pelo desenvolvimento da tecnologia agrícola e pelo aumento da produção
nos campos europeus, dava origem a novas condições que tendiam a,
progressivamente, em conjunto com outros fatores estruturais internos,
dissolver o sistema feudal que prevalecera até então.

Entretanto, no século 14, esse processo de crescimento e expansão entrou em


colapso. Os fatores fundamentais disso foram:

• A Peste Negra, que dizimou cerca de um terço da população europeia.


• A Guerra dos Cem Anos (1337-1453), que opunha a Inglaterra à França.
• As revoltas camponesas, ocasionando crise no campo e problemas de
abastecimento alimentar no Ocidente europeu.

Nesse sentido, de acordo com SEVCENKO (1994, P. 7):

essa crise do século 14 tem sido denominada também crise do feudalismo,


pois acarretou transformações drásticas na sociedade, economia e vida
política da Europa, que praticamente diluiu as últimas estruturas feudais
ainda predominantes e reforçou, de forma irreversível, o desenvolvimento do
comércio e da burguesia.

Essa nova classe social emergente, a burguesia comercial, necessitava de um


novo discurso ideológico que justificasse seu poder econômico. A História, como ramo
PARA VOCÊ REFLETIR:
Você consegue enxergar em do saber que serve muitas vezes como legitimação do poder dominante, não poderia ser
seu cotidiano como o mundo diferente. Ela sofreu transformações importantes .
das ideias está relacionado com
a realidade concreta, com as
questões sociais? O século 15 assiste a três mudanças decisivas que vão promover o rompimento
da forma como se escrevia a História. Carbonell (1987, p. 77) descreve quais são essas
transformações:

Por volta de 1440, em Estrasburgo, Gutenberg põe a funcionar a imprensa de


caracteres móveis; na mesma época, em Roma, Lorenzo Valla demonstra a
falsidade do ato conhecido pelo nome de Doação de Constantino; em 1453,
Bizâncio sucumbe aos assaltos otomanos: acelera-se então a diáspora dos
copistas e gramáticos gregos através da Europa. Novas técnicas de difusão,
novo método de análise, novas fontes... Nova curiosidade também, dado que
a Renascença e a Reforma foram, cada qual à sua maneira, peregrinação às
fontes. Clio parece repudiar um milênio de tutela teológica e escolástica para,
por sua vez, reencontrar a sua infância pagã e entrar na idade da razão.

No Renascimento, portanto, os três ramos mais importantes do trabalho histórico


foram transformados radicalmente no século 15:

• A crítica documental.
• A chegada de novos instrumentos de pesquisa.
• A difusão das produções em texto escrito.

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22 Claretiano – Batatais
UNIDADE 2 Licenciatura em História

Valla (1407-1457) operou uma ruptura importante na produção histórica ao


tornar como prática comum a crítica documental com a elaboração que fez sobre a
famosa “Doação de Constantino”, documento que a Igreja preservava como prova de
que o imperador romano Constantino teria dado ao papa Silvestre e seus sucessores a
autoridade sobre a cidade de Roma e toda a parte ocidental do Império Romano.

De acordo com Fontana (1998, p. 43):

Ainda que a suspeita de que se tratava de uma fraude havia sido já exposta
por diversos autores, foi o humanista Lorenzo Valla, a serviço de Alfonso,
o Magnânimo, de Nápoles, e obrigado a defender o seu soberano contra as
pretensões políticas do papado, quem fez uma crítica demolidora do documento
e pôs em evidência os anacronismos, erros de linguagem e inexatidões de toda
a ordem que continha.

Essa crítica documental só foi possível em virtude do desejo dos humanistas


em pesquisar para conhecer profundamente as sociedades da Antiguidade Clássica
(Grécia e Roma). Esse desejo estava relacionado à negação do período conhecido como
Idade Média (passou a ser chamado assim justamente no Renascimento), considerado
um hiato de obscurantismo e decadência do pensamento humano, entregue aos ditames
religiosos.

O afresco a seguir, intitulado Escola de Atenas, pintado por Rafael Sanzio em


1511, retrata exatamente essa vontade de os renascentistas buscarem suas influências
filosóficas, culturais, políticas e sociais no passado greco-romano, caracterizando, portanto,
a necessidade de reconstruir esse período de maneira mais significativa. Assim, a História
é vital para o movimento renascentista.

Figura 4 A Escola de Atenas, afresco de Rafael (Raffaelo Sanzio). Roma, Stanza della Segnatura,
Palácio do Vaticano.

Depois de Valla, outros pesquisadores passaram a utilizar esse tipo de crítica


documental, embora já estivessem armados por um arsenal de novos ramos do
conhecimento, entre eles a arqueologia.

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23
Batatais – Claretiano
UNIDADE 2
Licenciatura em História

No século 16, o florentino Maquiavel (1469-1527) defendeu a utilização política


da História como ferramenta importante para o exercício racional do governo.

O também florentino Guicciardini (1483-1540) acreditava, diferentemente de


Maquiavel, que a História não poderia nos dar lições, pois, segundo ele, uma interpretação
global do passado era impossível. Ele defendia, ainda, que os fatos pitorescos eram muito
importantes para serem desprezados em favor de uma visão global do passado (FONTANA,
1998).

No final do século 16, surgem na França os defensores de uma “História perfeita”.


Seus expoentes foram Pasquier, La Popelinière e Bodin.

Para Pasquier, o historiador deveria fazer uma crítica profunda às fontes e definir
rumos em que pudesse explicar, logicamente, a sociedade com não menos eficácia do que
as equações matemáticas.

Já La Popelinière propunha uma História geral, que abarcaria todos os aspectos


da vida humana e mostraria as razões dos acontecimentos e não apenas os narraria.

Por fim, Bodin, que divide a História em três ramos: o natural, o sagrado e o
humano, defende que o historiador deve se ocupar do ramo humano, buscando construir
uma ciência que dê conta de explicar racionalmente a ascensão e queda dos impérios e
civilizações (CARBONELL, 1987).

No século 17, contudo, essa corrente histórica foi varrida da França para o
surgimento de outra que defendia a Igreja e o Absolutismo, uma espécie de Renascimento
da História Cristã medieval, mas com características da sua época, destacando-se a defesa
do absolutismo.

Segundo Fontana (1998, p. 49):

a historiografia francesa do século 17 verá, por exemplo, o triunfo


do irracionalismo teológico, culminando no Discurso sobre a História
Universal (1681) de Bossuet, onde se faz tudo depender diretamente
do desígnio divino. Não há lugar nem para uma causalidade em termos
humanos, nem sequer para o acaso. Toda a possibilidade de uma
História que analise racionalmente a evolução humana acaba assim
negada.

Portanto, entre os séculos 15 e 18, o conteúdo da produção histórica na Europa


ocidental envolve desde magia e religião até a política e a ideia de ciência histórica.

Dessa forma, não é possível construir uma ponte imediata entre o Renascimento
italiano e a Ilustração francesa ou o liberalismo inglês (temas da próxima unidade). Fica
claro, pois, que o período do século 15 ao 18, trata-se de uma fase de transição, em
que estruturas da antiga sociedade feudal coexistem com estruturas da nova sociedade
capitalista. Esse fenômeno manifesta-se na produção histórica, impossibilitando a
elaboração de uma síntese da forma em que se escreveu a História na chamada Idade
Moderna.

5 CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, procuramos analisar o surgimento do pensamento histórico,
desde a Antiguidade até o período da modernidade.

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24 Claretiano – Batatais
UNIDADE 2 Licenciatura em História

Inicialmente, demonstramos como a História surgiu na Grécia e de que maneira


ela se desenvolveu ao longo do período antigo.

Em seguida, analisamos a História e sua relação com a religião na Idade Média,


demonstrando o quanto o pensamento historiográfico estava contaminado pelo forte
contexto cristão da era medieval.

Por fim, procuramos explicar o processo de transição da História cristã para a


História humanística que se desenvolveu entre os séculos 15 e 17, demonstrando o papel
central exercido pelo pensamento renascentista nesse processo.

6 E-REFERÊNCIAS

Chamada numérica

2 Aedo: disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aedo>. Acesso em: 26 mar. 2008.

Lista de figuras

Figura 1 – Busto de Tucídides: disponível em:

<http://www.uc3m.es/uc3m/inst/LS/apolo/tucidides.html>. Acesso em: 25 out. 2008.

Figura 2 – Estátua de Tito Lívio Políbio: disponível em: <http:// www.enciclopedia.


com.pt/readarticle.php?artic...>. Acesso em: 25 out. 2008.

Figura 3 – Pintura representando Santo Agostinho: disponível em: <http://www.


heroideareia.blogspot.com/2008/08/leitura-aos...>. Acesso em: 25 out. 2008.

Figura 4 – A Escola de Atenas, afresco de Rafael (Raffaelo Sanzio). Roma, Stanza


della Segnatura, Palácio do Vaticano: disponível em: <www.joaodorio.com/.../o-
prazer-de-socrates.html>. Acesso em: 4 jul. 2009.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON, P. Passagens da Antigüidade ao Feudalismo. 5. ed. São Paulo: Brasiliense,
1994.

CARBONELL, C. O. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1987.

DOSSE, F. A História. Bauru: Edusc, 2002.

FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998.

FRANCO JÚNIOR, H. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense,


1986.

SEVCENKO, N. O Renascimento. 26. ed. São Paulo: Atual, 1994.

• CRC
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25
Batatais – Claretiano
Anotações
DA HISTÓRIA “ILUSTRADA”

UNIDADE 3
DO ILUMINISMO
À HISTÓRIA “CIENTÍFICA”
DOS POSITIVISTAS

Objetivos
• Compreender as principais características da História
iluminista.

• Conhecer as concepções históricas dos principais


pensadores da Ilustração.

• Apresentar a contribuição dos metódicos para a efetivação


da disciplina de História.

• Enfatizar as influências do positivismo para a construção


de uma metodologia da História.

Conteúdos
• A História dos Iluministas.

• A Ilustração Francesa: concepções da História em Voltaire,


Montesquieu, Rousseau e Condorcet.

• A Ilustração Britânica: Ferguson e Adam Smith.

• A Escola Metódica.

• O Positivismo de Auguste Comte.


UNIDADE 3
Licenciatura em História

ATENÇÃO!

1
Ao iniciar seus estudos, procure
ter à mão todos os recursos
de que irá necessitar, tais
INTRODUÇÃO
como: dicionário, caderno para
anotações, canetas, lápis, Nas unidades anteriores, vimos o que é, para que serve e como se escreve
obras etc. Desse modo, você a História, bem como seu desenvolvimento na Antiguidade, na Idade Média e no
poderá evitar as interrupções
e aproveitar seu tempo para Renascimento.
ampliar sua compreensão. Pense
nisso... Nesta unidade, vamos estudar o pensamento histórico dos movimentos que
contribuíram para o surgimento da nossa historiografia moderna e para a consolidação da
História como disciplina.

Assim, veremos como os historiadores procuraram solucionar os desafios


colocados por sua época ao modo de se fazer História.

Veremos, também, a contribuição de alguns escritores iluministas, metódicos e


positivistas para uma nova maneira de ver, conceber, interpretar e escrever a História.

Aqui, você poderá acompanhar os passos mais importantes para a constituição


da História como ciência e como um campo autônomo dentro das Ciências Sociais.

Vamos lá!

2 HISTÓRIA DOS ILUMINISTAS


Geralmente, chamamos de Iluminismo, Ilustração ou, ainda, Filosofia das
Luzes o movimento de renovação filosófica e intelectual ocorrido na Europa, cujo limite
cronológico pode ser estabelecido entre a Revolução Inglesa do século 17 e a Revolução
Francesa do século 18.

Conforme sabemos, durante esse período, ocorreu um amplo processo de


transformação política, econômica e social que colocou fim ao modo de produção feudal
e às instituições do Antigo Regime, possibilitando, assim, a eclosão de uma sociedade
tipicamente burguesa e o advento do capitalismo como sistema hegemônico.

Mas, afinal, qual a relação que podemos estabelecer entre esse período de
mudanças e uma nova maneira de ver, conceber, interpretar e escrever a História? O
chamado século das luzes realmente foi decisivo no estabelecimento de uma nova forma
de se entender a História? Existiu nesse período um grupo de autores que influenciaram
gerações futuras de historiadores?

No decorrer desta unidade, vamos tentar responder a essas perguntas, de


modo a deixar claro o papel exercido pela Ilustração no desenvolvimento da chamada
historiografia moderna.

As transformações em curso na Europa ocidental no decorrer dos séculos 17 e


18 provocaram alterações na forma de pensar o mundo e na maneira como os homens
concebiam a História.

Alguns filósofos, como René Descartes (1596-1650) e John Locke (1632-


1704), combatiam as explicações baseadas na vontade divina, típicas da Idade Média. No
entanto, essa nova atitude não provocou uma completa ruptura com a visão mística de
interpretação histórica da época medieval, conforme podemos observar, especialmente,
nos escritos de Jacques Bénigne Bossuet (1627-1704), que ainda apresentam a crença
num sentido de História fixado por Deus, ou seja, numa concepção providencialista da
História humana.

CRC • • • © Metodologia da História I


28 Claretiano – Batatais
UNIDADE 3 Licenciatura em História

Consideramos, portanto, que a existência simultânea dessas duas maneiras de


ver o mundo – a providencialista e a crítica da vontade divina – ocorreu por dois motivos
principais:

• Período de transição em que as estruturas da antiga sociedade feudal coexistem


com estruturas da nova sociedade capitalista.
• Os referenciais metodológicos que norteiam o trabalho do historiador são
construídos lentamente e não de maneira imediata.

Nesse sentido, o uso da razão (inteligência) para entender e explicar a realidade


teve seu papel reforçado e aperfeiçoado pelos expoentes da Ilustração no desenvolvimento
do processo histórico.

Os iluministas acreditavam que se a sociedade fosse organizada por princípios


racionais, ela se tornaria cada vez melhor e mais justa.

Essa visão de mundo baseada no racionalismo foi fortemente influenciada pela


física de Newton (1642-1727), cujos estudos afirmavam que havia leis naturais que regiam
a dinâmica de funcionamento do Universo.

Na verdade, de acordo com Fontana (1998, p. 60), “os ‘ilustrados´ transportaram


os esquemas elaborados pelas ciências naturais para o campo das Ciências Sociais,
estabelecendo uma espécie de física da sociedade”. Fizeram isso visando compreender PARA VOCÊ REFLETIR:
as relações humanas, já que achavam que a sociedade poderia ser organizada do mesmo E você, acredita que o mesmo
modo de raciocínio útil para
modo que a natureza. as ciências naturais pode ser,
também, usado pela História?
Envolvidos nessas transformações que contribuíram para um visível aumento Quais seriam as implicações de
se proceder de tal maneira?
qualitativo e quantitativo tanto no campo do conhecimento quanto no das técnicas,
os pensadores do Iluminismo foram cultivando uma crença apaixonada na ideia de
progresso.

Desse modo, muitos “ilustrados” acreditavam que a História caminhava de


maneira linear rumo a um progresso humano contínuo e ininterrupto.

Devemos mencionar ainda que, durante o século 18, sob o impacto das ideias
iluministas, ganharam forma as chamadas filosofias da História, cuja visão teleológica
afirmava que a evolução da humanidade estava orientada para um determinado fim.

Nas palavras de Bourdé e Martin (1983, p. 44), que escreveram o livro As


escolas históricas, “o ponto em comum das diversas filosofias da história era descobrir um
sentido para a história”.

Essa visão (de estabelecer um sentido para a História) influenciou diversos


pensadores como Voltaire, Kant, Condorcet e Hegel, e, mais tarde, Comte, Marx, Spengler
e Toynbee.

Esses estudiosos tentaram, cada um à sua maneira, criar modelos explicativos


visando desvendar os nexos do curso dos acontecimentos passados para perceber para
onde caminhava a História ou, em outras palavras, para descobrir qual era o sentido da
História.

Certamente, os grandes problemas colocados ao ofício do historiador por essa


maneira de se fazer História, reduzindo-a a processos ou leis gerais, foram, ao mesmo
tempo, a limitação das possibilidades de pesquisa histórica e a ausência de preocupação
com os aspectos específicos e particulares dos acontecimentos históricos, já que havia
uma opção por estudos generalizantes.

• CRC
© Metodologia da História I • •
29
Batatais – Claretiano
UNIDADE 3
Licenciatura em História

3 ILUSTRAÇÃO FRANCESA: CONCEPÇÕES DA HISTÓRIA EM


VOLTAIRE, MONTESQUIEU, ROUSSEAU E CONDORCET
Apesar de haver algumas características comuns entre os pensadores iluministas,
não podemos incorrer no erro de acharmos que havia uma uniformidade de pensamento
entre eles. Conforme veremos, cada um encarava a História de uma maneira diferente.

Iniciaremos a apresentação das concepções históricas dos “ilustrados franceses”


por François Marie Arouet (1649-1778), nascido em Paris e mais conhecido como Voltaire.
Esse autor, segundo Fontana (1983, p. 64-65), definiu a História na Enciclopédia da
seguinte maneira:

A história é o relato dos fatos que se tem por verdadeiros, ao contrário da


fábula, que é o relato dos fatos que se tem por falsos. Há a história das opiniões,
que não é muito mais que a compilação dos erros humanos. A história das
artes pode ser a mais útil de todas, quando une ao conhecimento da invenção
e do progresso das artes a descrição de seus mecanismos. A história natural,
impropriamente chamada história, é uma parte essencial da física. Tem-se
dividido a história dos acontecimentos em sagrada e profana; a história sagrada
é uma seqüência das operações divinas e milagrosas, pelas quais tem agradado
a Deus conduzir no passado a nação judia e pôr à prova no presente a nossa
fé.

Pela definição citada anteriormente, fica clara a preocupação de Voltaire com a


exatidão dos fatos históricos, ou seja, pela busca de sua veracidade. A crítica às fábulas,
que, na época, eram muito apreciadas por seus contemporâneos, mostra seu interesse em
transformar o modo como até então a História era explicada.

Além disso, conforme ensina Fontana (1998, p. 67), Voltaire foi responsável pelo
alargamento das perspectivas históricas, já que se empenhou “em superar o estreito marco
da história política tradicional, para construir em seu lugar, ‘a do espírito humano’”.

Assim, podemos dizer que, para Voltaire, cabia à História se envolver com
os estudos dos motivos e das paixões que guiam as ações humanas, privilegiando as
mudanças nos costumes e nas leis. Ademais, esse campo do saber deveria abrir-se a tudo
o que é humano, à diversidade das civilizações. No que diz respeito à escrita da História,
o historiador deveria procurar ser agradável, escrevendo de maneira breve e evitando
acrescentar demasiadamente detalhes inúteis e descrições numerosas em sua narrativa
(BOURDÉ; MARTIN, 1983).

De acordo com o exposto até aqui, você deve ter percebido que a concepção
histórica de Voltaire privilegia os aspectos culturais da humanidade; daí a sua preocupação
com as mudanças nos costumes, com a diversidade das civilizações.

Esse iluminista também atribui uma grande importância aos feitos dos grandes
homens (príncipes, militares, imperadores), conforme podemos depreender de sua divisão
em quatro grandes épocas para distinguir a evolução da História humana:

• Grécia de Filipe e Alexandre.


• Roma imperial de César e Augusto.
• Renascimento com os Médicis.
• França de Luís XIV.

Em cada uma dessas fases, a razão humana teria progredido e aperfeiçoado-


se, levando-o a acreditar que a ilustração poderia ser um agente capaz de reformar a
sociedade. Fontana (1983, p. 67) ilustra muito bem esse aspecto:

CRC • • • © Metodologia da História I


30 Claretiano – Batatais
UNIDADE 3 Licenciatura em História

[...] A uma visão de história que se funda na evolução do espírito humano,


corresponde uma concepção política que sustenta que é a ilustração dos homens,
como instrumento de modificação de sua consciência, que transformará o
mundo. E a essa concepção política corresponde, por sua vez, um programa de
ação como o dos ilustrados, que Voltaire pôs em prática, não só por meio de
seus escritos, como também dos seus combates pela justiça e pela tolerância
[...].

Um outro pensador de destaque no Iluminismo francês é Charles-Louis de


Secondat (1689-1755), mais conhecido como Montesquieu, autor da obra O Espírito das
Leis, publicada em 1748. Além disse, ele é famoso por sua doutrina dos três poderes, VOCÊ SABIA QUE:
Boa parte dos pensadores do
em que dividia a autoridade governamental entre os poderes Executivo, Legislativo e Iluminismo francês publicava
Judiciário. suas obras anonimamente ou
fazendo uso de pseudônimos.
Voltaire, por exemplo, é um dos
Apesar de apresentar uma preocupação mais de natureza política do que de vários pseudônimos utilizados
crítica histórica propriamente dita, esse pensador deixou alguns legados especialmente por François Marie Arouet.

para a Teoria da História.

Fontana (1983) destaca duas contribuições desse “ilustrado”:

• A distinção feita entre o que é meramente fruto do acaso e aquilo que tem
uma importância estrutural para explicar os fenômenos históricos, o que
possibilitaria, na concepção de Montesquieu, um estudo científico da evolução
histórica.
• “Sua visão da evolução humana, como passagem por uma sucessão de etapas
definidas pela forma na qual os homens obtêm a sua subsistência” (FONTANA,
1983, p. 69-70).

Essas duas etapas apresentavam como característica um caráter cíclico de


avanços e retrocessos, não sendo possível explicar as modificações ocorridas na sociedade
ou nações a partir de uma análise mecânica de causas e consequências, já que as mudanças
fazem parte de um processo inteligível “do esforço humano para entendimento próprio e
para realizar no mundo as suas capacidades” (CARDOSO, 2005, p. 134).

É exatamente essa visão cíclica da História que possibilita a apreensão de que


existem “causas gerais” passíveis de serem compreendidas, que justificam o estudo
científico da evolução histórica da humanidade defendida por Montesquieu.

O suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é outro pensador que merece


destaque dentro do pensamento histórico do século 18, especialmente por levar em
consideração as modificações pelas quais passou a natureza humana ao longo da História.
Uma de suas ideias faz uma forte crítica às sociedades historicamente constituídas,
especialmente quando afirma que:

“o homem nasce livre e por toda parte se encontra sob grilhões”


(ROUSSEAU).

Desse modo, o próprio processo histórico por que passou o homem o transformou
num prisioneiro, corrompendo seu modo de vida original caracterizado pela liberdade e
independência. Em outras palavras, a origem da corrupção do ser humano está em seu
contato com a civilização, que o afastou gradativamente de seu contato com a natureza e
produziu a desigualdade entre as pessoas, bem como os problemas criados por ela.

A concepção degenerativa da evolução social e dos males que impedia a


emancipação do homem apresentada por Rousseau contrasta bastante com a visão de
muitos de seus contemporâneos, os quais viam o processo histórico pelo qual passou a
sociedade como um sinônimo de progresso.

© Metodologia da História I • •• CRC 31


Batatais – Claretiano
UNIDADE 3
Licenciatura em História

É do conhecimento de todos que diversos iluministas viam o século 18 como


um momento em que as realizações humanas haviam superado em muito
PARA VOCÊ REFLETIR:
tudo aquilo que havia sido feito antes. A História, por sua vez, era apresentada
Será que podemos, assim como
os iluministas, acreditar que como uma via de mão única rumo ao constante aprimoramento do potencial
a História caminha rumo ao humano.
constante aprimoramento do
potencial humano?

Quanto a Condorcet (1743-1794), cujo verdadeiro nome era Marie Jean Antoine
Nicolas de Caritat, devemos destacar seu papel na modificação da imagem que até então
se tinha do tempo histórico: o de uma linha reta temporal. Esse iluminista apresenta
um modelo de compreensão dos acontecimentos constituído por uma escadaria, no qual
acontecimentos diversos se desenrolam em seus variados degraus .

“A grande idéia que está na base da concepção da história de Condorcet é que


a história retoma em cada época todos os progressos das fases precedentes, enquanto ela
é o resultado da acumulação de toda a riqueza do passado” (BODEI, 2001, p. 32).

A citação anterior mostra que, para Condorcet, o processo histórico traduz o


progresso da humanidade. Esse pensador procurou descobrir o sentido dos acontecimentos
tentando interpretar as leis inerentes ao desenvolvimento do curso dos fatos históricos, o
que lhe possibilitou acreditar que seria possível antecipar as tendências do futuro.

Além disso, ele colocou em relevo que a direção da marcha da História depende
da permanência de algumas precondições e da intervenção dos indivíduos para antecipar
o tempo daquilo que aconteceria de modo inevitável no futuro.

4 ILUSTRAÇÃO BRITÂNICA: FERGUSON E ADAM SMITH


Aos representantes da ilustração britânica, com destaque para os membros
da Escola Escocesa, coube a tarefa especial de tentar construir uma visão de mundo
que inculcasse a lógica do capitalismo aos diversos segmentos da sociedade que não se
beneficiavam diretamente das riquezas geradas por esse sistema.

Surge, a partir daí, uma nova maneira para explicar a realidade e os fenômenos
humanos, que afirma haver uma lógica interna de funcionamento obtida pelas ações do
homem e pelos princípios que ordenam a vida em sociedade.

O que faz a sociedade funcionar são os interesses dos indivíduos, que, no


entanto, só ganham sentido se inseridos “na trama das ações recíprocas produzidas,
através das gerações, pela vida em comum dos indivíduos” (BODEI, 2001, p. 33). Nesse
sentido, por exemplo, para que eu sobreviva, sou, de certa maneira, forçado a trocar meu
trabalho com o dos outros. Assim, é preciso que os interesses de uma pessoa coincidam
com os interesses de outrem. Isso levando em conta o funcionamento do mercado, ou
seja, o aspecto econômico.

Neste tópico, privilegiaremos as concepções históricas de Adam Ferguson (1723-


1816) e de Adam Smith (1723-1790), apesar de outros pensadores como David Hume
(1711-1776) e Edward Gibbon (1737-1794) terem deixado importantes contribuições.

CRC • • • © Metodologia da História I


32 Claretiano – Batatais
UNIDADE 3 Licenciatura em História

Ferguson foi um dos grandes responsáveis pela difusão dos conhecimentos


elaborados pela famosa escola escocesa. Além disso, em seu pensamento histórico,
implantou o conceito de “sociedade civil”, vista como o local da dimensão privada e
individualista, que seria o fator principal para o surgimento da economia política e da
liberdade dos modernos.

Dessa forma, Ferguson vê o processo de divisão do trabalho como o responsável


pela passagem da barbárie à civilização e usa o liberalismo para justificar e explicar de
maneira racional a “nova” sociedade surgida no século 18.
(1) A “mão invisível” que
Na opinião de Fontana (2001), a figura mais importante que apareceu no contexto da controla o mercado é a base do
Ilustração britânica é Adam Smith, que escreveu A Riqueza das nações, publicada em 1776. conceito do liberalismo, que, por
sua vez, prevê que se o mercado
Nessa obra, é apresentada uma visão economicista da História “como ascensão da barbárie ao não for controlado – for deixado
capitalismo, um programa para o pleno desenvolvimento deste e uma antecipação de um futuro livre –, a mão invisível controla
a relação entre os homens,
de prosperidade e riqueza para todos” (FONTANA, 2001, p. 90). equilibrando-as. Na prática,
sabemos que o liberalismo
Smith afirma que os homens dotados de certo egoísmo, ou seja, voltados para abandona os homens à sua
própria sorte, abrindo caminho
seus próprios interesses, promovem o interesse da sociedade – mesmo sem saber ou ter para a dominação e exploração
essa intenção – já que existe uma “mão invisível”1 que os levam a fazer isso. dos mais poderosos sobre os
menos privilegiados.

Esse pensador identifica uma organização dinâmica da sociedade que sempre VOCÊ SABIA QUE:
evolui para um melhor bem-estar coletivo. Dessa forma, é possível explicar e prever tanto O liberalismo era um modelo de
pensamento que reclamava o
o comportamento dos indivíduos quanto as relações sociais do homem, já que a natureza progresso por meio da liberdade.
humana é vista como universal e imutável. Suas principais características
eram: a não-intervenção
do Estado na economia, o
individualismo, a liberdade de
mercado, a livre concorrência,

5 ESCOLA METÓDICA
a liberdade de contrato e a livre
iniciativa.

No decorrer do século 19, ocorreu uma incessante tentativa de estabelecimento PARA VOCÊ REFLETIR:
de uma historiografia científica – acompanhando os passos das propostas iluministas – Você já ouviu falar do
neoliberalismo? Consegue
que apresentasse métodos e critérios de trabalho para o historiador. enxergá-lo como uma retomada
do liberalismo? Reflita sobre
Nesse contexto, implantou-se na França, entre os anos de 1880 e 1930, a Escola isso...

Metódica, tornando-se uma das grandes responsáveis pela consolidação da História como
disciplina e pela profissionalização do gênero histórico.

Seus princípios aparecem em dois textos: um foi redigido por Gabriel Monod,
para o lançamento da Revue Historique, em 1876; o outro é a obra Introdução aos estudos
históricos, escrita por Charles Seignobos e Charles-Victor Langlois em 1898.

Apesar de a historiografia científica ser, algumas vezes, confundida com o


positivismo, devemos destacar um ponto importante que os diferencia: os metódicos
tiveram como fonte de inspiração os escritos do alemão Leopold Von Ranke (1795-1886)
e não de Auguste Comte (1798-1857).

Ranke, em seus postulados teóricos, preocupou-se bastante com a questão do


método de pesquisa em História, destacando que cabia ao historiador não a função de julgar os
fatos do passado, mas sim de mostrá-los como realmente aconteceram, pois acreditava que era PARA VOCÊ REFLETIR:
E você, acredita que a História
possível atingir a objetividade e conhecer a verdade com a História. possa atingir a verdade
praticamente absoluta sobre os
Assim, Ranke valorizou o uso de documentos, dos quais o historiador deveria fatos do passado?

reunir um número suficiente de dados, descrevendo apenas o que estava contido nas
fontes, sem se ater a nenhum tipo de especulação teórica, evitando, assim, qualquer tipo
de subjetividade (BOURDÉ; MARTIN, 1983).

• CRC
© Metodologia da História I • •
33
Batatais – Claretiano
UNIDADE 3
Licenciatura em História

Os metódicos aplicaram em grande medida os postulados de Ranke, já que


buscavam delinear uma nova maneira de abordagem documental para a pesquisa histórica,
fazendo que a História produzida fosse, ao mesmo tempo, descritiva, narrativa, imparcial
e objetiva.

[...] A escola metódica quer impor uma investigação científica afastando


qualquer especulação filosófica e visando a objetividade absoluta no domínio
da história; pensa atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitantes
ao inventário das fontes, à critica dos documentos, à organização das tarefas
na profissão (BOURDÉ; MARTIN, 1983, p. 97).

De acordo com a citação anterior, podemos notar a defesa de uma História


científica por parte dos metódicos e a crítica às especulações filosóficas, especialmente
aquelas que aparecem nas chamadas filosofias da História.

Na busca da objetividade, o discurso histórico deveria diferenciar-se da linguagem


utilizada pela literatura meramente ficcional, a fim de não se tornar algo romantizado ou
uma simples fantasia. Além disso, o passado poderia ser apreendido de forma indireta
por meio dos registros escritos deixados em textos e documentos oficiais. Em seu ofício,
o historiador deveria procurar alcançar a neutralidade máxima no trato com as fontes,
deixando de lado suas paixões e emoções.

Aliás, na obra Introdução aos estudos históricos, Seignobos e Langlois valorizam


bastante a importância do documento escrito para o conhecimento histórico ao afirmarem
que a História se faz com documentos e que estes falam por si. Ou seja, as fontes
documentais são a prova de que aquilo que o historiador esta dizendo em seu trabalho é
verdade.

A história se faz com documentos. Documentos são os traços que deixaram


os pensamentos e os atos dos homens do passado. Por falta de documentos,
a história de enormes períodos do passado da humanidade ficará para sempre
desconhecida. Porque nada supre os documentos; onde não há documentos
não há história (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 15).

Dessa forma, após a escolha do tema a ser estudado, o historiador deve realizar
a busca, a localização, a reunião e a classificação dos documentos, em uma atividade
conhecida como heurística. Além do mais, a crítica das fontes fazia-se uma etapa
fundamental, uma vez que tinha o objetivo de verificar a autenticidade e a credibilidade
ou não dos registros deixados.

Apesar de toda essa preocupação com os métodos e procedimentos a serem


aplicados na maneira de se fazer História, no decorrer das primeiras décadas do século
20, os metódicos eram alvos de duras críticas. Toda aquela concepção de História linear,
de progresso cumulativo – herdada da época das Luzes –, bem como as questões, os
métodos, as abordagens e objeto de estudo implantados pela corrente metódica eram
questionados, especialmente, por parte dos representantes da Escola dos Annales,
conforme estudaremos na disciplina Metodologia da História II.

6 POSITIVISMO DE AUGUSTE COMTE


A corrente positivista elaborada por Auguste Comte exerceu um forte impacto
sobre diversos historiadores a partir da segunda metade do século 19. Esse sistema
assenta-se numa lei fundamental – conhecida como lei dos três estados – que está na
base da explicação comtiana da História.

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34 Claretiano – Batatais
UNIDADE 3 Licenciatura em História

De acordo com essa lei dos três estados, o desenvolvimento histórico e cultural
da humanidade teria se desenvolvido em três etapas:

• Estado teológico – corresponde à Antiguidade; os fenômenos são explicados


por meio das vontades de agentes sobrenaturais.
• Estado metafísico – corresponde à época medieval; os fenômenos passam a
ser explicados por meio de entidades ocultas ou abstratas.
• Estado positivo – corresponde aos tempos modernos; a explicação dos
fenômenos dá-se por meio de experiências demonstráveis, fazendo-se uso do
raciocínio e da observação.

Vale lembrar que cada ramo do conhecimento passa por esses três estados, de
forma que apenas se torna ciência no estado positivo.

Baseando-se no ponto de vista de Comte, temos uma visão evolutiva, linear


e previsível da História humana, que pode ser compreendida objetivamente, já que é
possível interpretar a aventura humana em sua linha única de desenvolvimento.

Os positivistas consideravam que era possível reconstituir os acontecimentos


passados tal como eles ocorreram, bastando, para isso, remeter-se aos testemunhos
contidos nos registros deixados no passado. As fontes, geralmente, eram vistas como algo
dotado de neutralidade, não sendo necessária a preocupação com sua autoria e possível
intencionalidade de quem a produziu.

Portanto, no positivismo, o historiador ocupava um papel passivo diante das


fontes, já que não tinha a função de interpretar ou fazer perguntas para o documento.

O principal eixo de análise do positivismo do século 19 recaía sobre o estudo dos


grandes personagens da História política.

Essa ênfase no aspecto político foi alvo de crítica por parte dos marxistas,
que passaram a privilegiar os aspectos econômicos, baseando-se na análise dos modos
VOCÊ SABIA QUE:
de produção – asiático, escravista, feudal, capitalista e socialista – como explicação do A frase “Ordem e Progresso”,
processo histórico, temas estes que serão tratados na próxima unidade. escrita em nossa Bandeira, é um
lema positivista, o que demonstra
a forte influência dessa doutrina
entre nossos republicanos.

7 CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, fizemos a trajetória histórica da construção historiográfica dos
pensadores iluministas. Mostramos a profunda relação entre sua forma de ver o mundo e
de pensá-lo e sua construção histórica, baseada em uma noção de progresso da civilização
humana.

Essa crença, de alguma forma, preservou-se nos modelos de construção


histórica do século 19, baseada num cientificismo e numa noção de História como ciência
exata. Como vimos, profundamente influenciados pelas transformações da sociedade
europeia da época, os historiadores do século 19 acabaram por criar uma História em que
a interferência da interpretação deveria ser mínima e o historiador deveria permitir que o
documento falasse.

Esse modelo foi profundamente questionado a partir do século 20, como veremos
na próxima unidade.

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35
Batatais – Claretiano
UNIDADE 3
Licenciatura em História

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BODEI, R. A história tem um sentido? Bauru: Edusc, 2001.

BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As escolas históricas. Lisboa: Europa-América, 1983.

CARDOSO, C. F. Um Historiador fala de teoria e metodologia: ensaios. Bauru: Edusc,


2005.

FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998.

LANGLOIS, C.; SEIGNOBOS, C. Introdução aos estudos históricos. São Paulo: Renascença,
1946.

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36 Claretiano – Batatais
HISTÓRIA A SERVIÇO DA

UNIDADE 4
REVOLUÇÃO: MATERIALISMO
HISTÓRICO E DIALÉTICO

Objetivos
• Estudar o surgimento, a consolidação e o desenvolvimento
da teoria marxista.

• Constatar a consolidação do chamado materialismo


histórico, criado pelo pensador Karl Marx.

• Verificar o seguimento do materialismo histórico por


vários escritores, pensadores e historiadores ao longo da
segunda metade do século 19 e de todo o século 20.

Conteúdos
• Karl Marx e seu tempo: o surgimento do materialismo
histórico.

• Marxismo entre a Revolução Russa e a Segunda Guerra


Mundial.

• Marxismo Acadêmico da Segunda Metade do século 20.

• Materialismo Histórico e o mundo globalizado: perspectivas


para o marxismo no século 21.
UNIDADE 4
Licenciatura em História

ATENÇÃO!

1
Durante o estudo desta unidade,
procure realizar as reflexões
sugeridas. Faça seu cronograma
INTRODUÇÃO
e não se apresse em prosseguir
seus estudos. Afinal, as reflexões Na unidade anterior, estudamos o Iluminismo e o positivismo, bem como suas
são importantes para possibilitar
que você se envolva por inteiro influências na produção historiográfica.
na aprendizagem. Pense nisso...
Agora, nesta última unidade, veremos o período chamado “materialismo
histórico”, a sua origem, o seu desenvolvimento e como se tornou muito influente na
História, mais especificamente com a teoria de Karl Marx e Friedrich Engels. A maneira
como os autores citados conceberam sua teoria faz com que não haja diferenciação
para eles entre escrever e fazer História. No entanto, nosso objetivo nesta unidade será
discutir a influência e a penetração dessa teoria do materialismo histórico na produção
historiográfica nos últimos 160 anos.

Assim, os assuntos relacionados à ação dos marxistas na vida política de seu


tempo serão tratados com base em sua influência na prática de historiador, quando for o
caso.

Karl Marx costumava dizer que não era “marxista”, o que já diz muito sobre o
que ele achava daquilo que vinham dizendo e fazendo em seu nome, mas o que ele criou
tomou proporções muito maiores do que pudesse controlar. Vamos, então, estudar essas
proporções no campo da produção historiográfica.

2 KARL MARX E SEU TEMPO: O SURGIMENTO DO


MATERIALISMO HISTÓRICO
(1) Marx À frente do túmulo de Marx1 (1818-1883), Engels2 (1820-1895) disse que
“assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica, Marx
descobriu a lei do desenvolvimento da história humana” (MARX; ENGELS, p. 351).

Mas que lei era essa descoberta por Marx? Em que contexto ela foi produzida?
Como podemos observar sua influência na produção historiográfica desde então? Essas
são as questões que iremos tratar nas páginas que se seguem.

Em meados do século 19, o sistema capitalista de produção encontrava-se em


pleno desenvolvimento. A industrialização era já uma realidade presente em quase toda
a Europa ocidental, embora não com fábricas em todos os países, mas com influências
sentidas em sua organização econômico-social.

(2) Engels
Nessa mesma época, depois das barulhentas revoluções de 1830 (que tinham
no liberalismo e no nacionalismo as suas bandeiras), a Europa começava a assistir novos
INFORMAÇÃO
COMPLEMENTAR:
levantes populares em 1848, agora com um novo ingrediente ideológico a se juntar aos
Procure pesquisar por obras antigos: o comunismo.
cinematográficas que tratam
da época em questão, meados
do século 19, em que são Em Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848, os seus autores, Marx
abordadas as condições de e Engels (1993, p. 66), diziam o seguinte:
trabalho dos operários das
fábricas. Certamente, isso lhe A história de toda a sociedade até hoje é a história de luta de classes [...] Homem
ajudará a entender melhor
livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e companheiros, numa
o contexto em que estavam
incluídos os conceitos marxistas. palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição
Sugerimos que você assista, uns aos outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta,
especialmente, o filme Germinal, que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a
do cineasta Claude Berri, na sociedade, ou com o declínio comum das classes em luta.
França, 1996.

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38 Claretiano – Batatais
UNIDADE 4 Licenciatura em História

Estava lançada, então, a teoria de Marx e Engels da História, em que se afirmava


que toda a História humana é resultante da luta de classes; as classes em disputa
são, na concepção marxista, o motor da História.

Lançada a noção geral da teoria de História dos autores, Marx passou a dedicar-
se profundamente à pesquisa da organização do sistema capitalista.

Nessa fase, Marx procurou fazer a análise profunda das instituições econômicas
da sociedade capitalista. Dessa pesquisa surgiu sua obra mais importante, O Capital,
publicada originalmente em 1867. Contudo, em 1859, apareceu um texto fundamental do
universo marxista: o prefácio de Para a Crítica da Economia Política.

Vejamos no texto a seguir a forma mais clarividente que Marx considerava por
materialismo histórico.

[...] na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas,


necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que
correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura
econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura
jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência.
O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social,
político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas,
ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa
de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que
a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas
até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas
essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de
revolução social. Com a transformação econômica, toda a enorme superestrutura
se transforma com maior ou menor rapidez. [...] Em grandes traços podem ser
PARA VOCÊ REFLETIR:
caracterizados, como épocas progressivas da formação econômica da sociedade, os Segundo Marx (1993, p. 56),
modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês moderno (MARX, 1982, p. “não é a consciência do homem
25-26). que determina seu ser social,
mas, ao contrário, seu ser social
que determina sua consciência”.
Você concorda com essa frase?
Assim, para Marx, a vida humana e suas relações sociais são determinadas pelo Reflita sobre ela...
modo que a produção material da sociedade é realizada. Como consequência, o modo de
produção material é o fator determinante da organização política e das representações
intelectuais de uma época.

Logo, na concepção materialista da História, a infraestrutura econômico-material


determina as formas da superestrutura política, cultural, religiosa etc.

As transformações na base infraestrutural determinam, em última instância,


transformações, também, na superestrutura. Dessa forma, os diversos modos de produção
surgem, ascendem, desenvolvem-se, entram em decadência e desaparecem, assim como
suas correspondentes estruturas. Contudo, transformações como essas ocorrem mediante
conflito aberto entre os grupos sociais ascendentes e decadentes.

Para o estudo desses conflitos, Marx desenvolveu o conceito chamado de


materialismo dialético, em que há uma tese (que seria uma situação social e histórica
dada) em decadência, fazendo emergir pelas próprias contradições da tese uma antítese
(modelo social e histórico opositor à tese).

A luta entre as classes sociais que representam as estruturas sociais decadentes


e ascendentes provocaria uma síntese, ou seja, uma nova organização infraestrutural da
sociedade, gerando, também, novas superestruturas.

© Metodologia da História I • • • CRC 39


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UNIDADE 4
Licenciatura em História

Nesse sentido, as lutas entre essas estruturas sociais corresponderiam a conflitos


de classe, que, como vimos, na concepção marxista, trata-se do motor da História.

No caso do regime capitalista burguês, Marx e Engels acreditavam que suas


contradições levavam à emergência de uma classe social revolucionária que destruiria
o capitalismo e faria emergir um novo sistema social chamado “comunismo”, em que as
classes sociais não mais existiriam e haveria uma igualdade social na distribuição dos bens
produzidos pela sociedade.

Atualmente, os estudiosos do marxismo nada concluíram sobre o significado


desse novo sistema social, uma vez que este foi colocado de maneira inconclusiva nas
obras de Marx e Engels.

Mas o fato é que esses dois autores criaram um novo método de estudo das
relações humanas no tempo e uma teoria de intervenção política revolucionária de grande
influência no século 20. Esses dois fatores são indissociáveis um do outro.

Segundo Fontana (1998), os materialismos histórico e dialético não podem ser


desmembrados, visto que ambos fazem parte de um todo que Marx e Engels pretendiam
criar para dotar a classe operária de um arsenal teórico próprio para lutar contra a
burguesia, na sua tarefa histórica de derrubar o sistema capitalista.

No entanto, no tempo de vida dos pensadores em questão e mesmo nos


primeiros anos do século 20, a influência do materialismo histórico não era grande.
Segundo Perry Anderson 1989, poucos estudos procuraram, por assim dizer, testar o
materialismo histórico.

Em outras palavras, a dialética da luta de classes era muito usada para o combate
da burguesia, do capitalismo, mas havia poucos estudos sobre o materialismo histórico,
que, no fundo, daria toda a base para o conceito da luta de classes.

De acordo com Anderson (1989, p. 19), os marxistas do início do século:

estavam mais interessados em sistematizar o materialismo histórico como


uma abrangente teoria do homem e da natureza, capaz de substituir doutrinas
burguesas rivais e dar ao movimento operário uma visão de mundo ampla e
coerente que pudesse ser facilmente apreendida por seus militantes.

Entre os pensadores que Anderson aponta, podemos citar Labriola, Mehring,


Kautsky e Plekhanov, todos oriundos das regiões mais atrasadas do sul e leste europeu.

Da produção histórica influenciada pelo materialismo histórico, talvez devemos


mencionar a História Socialista da Revolução Francesa, escrita entre 1901 e 1904, pelo
francês Jean Jaurès, que procura dar um novo significado à Revolução Francesa à luz do
materialismo histórico.

Além dele, devemos mencionar o russo Leon Trotsky (líder revolucionário


destacado nos acontecimentos de 1917 e na defesa da Revolução durante a Guerra Civil)
e sua História da Revolução Russa, texto importante e de alguma influência, mas que
nunca superou as obras seminais de Lênin, escritas entre o final do século 19 até o início
da década de 1920. A maioria dos textos de Lênin não era constituída de obras de História
propriamente dita, mas tiveram forte influência no pensamento marxista ocidental e
mesmo no Oriente, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial.

No entanto, a era imperialista na Rússia e a Revolução Russa de 1917 trarão


transformações profundas, para o bem e para o mal, na produção historiográfica marxista.
Assim, convidamos você para a leitura do próximo tópico.

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40 Claretiano – Batatais
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3 MARXISMO ENTRE A REVOLUÇÃO RUSSA E A SEGUNDA


GUERRA MUNDIAL
Muitos estudiosos marcam a evolução do materialismo histórico desde a
morte de Engels (1895) até o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) como uma era de
dogmatismo, especialmente o período entre 1925 e 1945, marcado pelo poder de Stalin
na União Soviética.

Por isso, devemos observar que ocorreram nessa fase muitas tentativas
frustrantes e frágeis, do ponto de vista político, realizadas pelo stalinismo. No entanto,
algumas manifestações teóricas do materialismo histórico foram muito profícuas nesse
contexto.

Nesse sentido, duas tendências resistiam ao movimento comunista internacional.


De um lado, tínhamos o dogmatismo stalinista dominante, de outro, uma tentativa de
renovação desse pensamento, mas ainda frágil do ponto de vista político. Entretanto, para
efeito de estudo, iremos tratar separadamente cada uma dessas correntes.

Inicialmente, iremos observar o materialismo histórico praticado pela corrente


stalinista, que surge após a morte de Lênin em 1924, líder fundamental da Revolução
Russa de 1917, e grande pensador da prática política e da ciência investigativa marxista.

Entre os trabalhos de Lênin sobre História, podemos citar O desenvolvimento


do capitalismo na Rússia, publicado em 1899, em que “analisava os processos como a
desintegração do campesinato tradicional ou a formação do mercado nacional”, e que
“serviram de lição para os historiadores marxistas posteriores” (FONTANA, 1998, p.
233).

Após liderar a Revolução e escrever muitos trabalhos no calor dos acontecimentos


na Rússia, Lênin procurou organizar o país numa guerra civil em oposição aos
contrarrevolucionários. Venceu, mas logo depois morreu, sendo sucedido por Stalin no
comando do Partido Comunista soviético.

A partir daí, uma nova tendência, menos democrática e renovadora e mais


dogmática e perseguidora, passou a comandar o movimento comunista internacional a
partir da União Soviética stalinista. Assim se expressa Anderson (1983, p. 34-35) sobre
como ficou a União Soviética após a ascensão de Stalin:

No início de 1924, Lênin morreu. Num espaço de três anos, a vitória de Stalin
no PCUS selou o destino do socialismo e do marxismo na URSS nas décadas
seguintes. O aparelho político de Stalin suprimira ativamente as práticas
revolucionárias das massas dentro da Rússia e, no exterior, as desencorajava
e sabotava. A consolidação de um estrato burocraticamente privilegiado acima
da classe operária era assegurada por um regime policial cuja ferocidade
desconhecia limites. Nestas condições, a unidade revolucionária entre teoria
e prática que tornara possível o bolchevismo clássico foi irremediavelmente
destruída. Na base, as massas foram caladas, sua espontaneidade e autonomia
pulverizadas pela casta que confiscara o poder no país; no topo do Partido,
os expurgos afastaram os últimos companheiros de Lênin. Todos os trabalhos
teóricos sérios foram interrompidos após a coletivização. [...] O marxismo foi,
em grande medida, reduzido a uma simples evocação na Rússia, ao passo que
Stalin atingia seu apogeu. O país mais avançado do mundo no desenvolvimento
do materialismo histórico, superando toda a Europa pela variedade e vigor
de seus teóricos, foi transformado, em não mais que uma década, em uma
atrasada terra de semi-analfabetos, notável apenas pelo rigor de sua censura e
pela crueza de sua propaganda.

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Batatais – Claretiano
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Licenciatura em História

Assim, além das produções oficiais do Partido, praticamente desapareceu


aquela linha proveitosa do materialismo histórico que existia no Leste Europeu durante as
primeiras décadas do século 20.

No Ocidente, por ocasião da chamada Terceira Internacional (reunião dos Partidos


Comunistas internacionais), uma espécie de estruturalismo marxista passou a apresentar-
se com “uma cobertura filosófica de aparência respeitável”, mas que se converteu “na
forma dominante de difusão do marxismo na Europa ocidental e na América Latina”.
Utilizavam alguns aparatos marxistas, mas fugiam do essencial: a análise materialista
da História e o projeto revolucionário de transformação da sociedade. Assim, o marxismo
põe-se “a serviço da consolidação do sistema, fossiliza-se e não conserva mais que ecos
da velha terminologia revolucionária” (FONTANA, 1998, p. 226- 229).

Entre os que construíram análises marxistas que careciam de sua essência (o


ATENÇÃO! materialismo histórico), alguns historiadores destacam-se: Jerzy Topolski (Metodologia da
Se encontrar dificuldades, não Investigação Histórica), Witold Kula (Problemas e métodos da História Econômica), Louis
desanime. Entre em contato
com seus colegas de curso ou Althusser (Aparelhos Ideológicos do Estado) entre outros citados por Fontana (1998).
com seu tutor. Interaja, pois,
dessa forma, você ampliará seus Evidentemente, muitos desses pensadores têm contribuições importantes
conhecimentos.
para o campo da historiografia e das Ciências Humanas em geral, mas a crítica feita diz
respeito, na verdade, à postura desses pensadores no que tange ao modelo de Estado e
de sociedade que vinha sendo construído na URSS e à sua negação da própria revolução
como o caminho essencial do materialismo histórico.

Em suma e essencialmente, a fossilização do marxismo ocorreu em razão de


dois fenômenos históricos interligados: a derrota da revolução na Europa ocidental e a
vitória dela na Europa oriental. Na primeira, o efeito da derrota foi tornar os marxistas
reformistas e não mais revolucionários; na segunda, o efeito da vitória foi tornar os
marxistas conservadores e, portanto, antirrevolucionários. Isso acabou afetando a
produção historiográfica marxista profundamente.

No entanto, alguns pensadores marxistas dessa época já começavam a


demonstrar uma outra forma de produção do materialismo histórico que poderia colocar-
se em oposição aos dogmatismos stalinistas. Entre eles, podemos citar dois autores
fundamentais: o italiano Antonio Gramsci e a alemã Rosa Luxemburgo.

Luxemburgo envolveu-se politicamente na tentativa de Revolução Socialista


Alemã (1918-1920), mesmo contra sua vontade, pois acreditava ainda não ser o momento
de um levante na Alemanha. Foi assassinada nesses embates com as forças conservadoras,
deixando entre seus trabalhos um esplêndido texto sobre o Imperialismo, que trouxe
novas contribuições à teoria do materialismo histórico.

Gramsci, em seus trabalhos, a maioria feita na cadeia e, por isso, chamada de


Cadernos do Cárcere, defendia que a superestrutura tem uma existência relativamente
autônoma, que a economia não obedece às leis, mas às tendências, e que o materialismo
histórico mecanicista é infantil e nocivo à luta operária (CARBONELL, 1987).

As várias derrotas do movimento comunista no Ocidente levaram a novas


reflexões. Especialmente na Alemanha, quando surgiu o Instituto de Investigação Social
de Frankfurt, em 1923, como centro de estudos marxistas, dando ensejo ao aparecimento
de autores importantes para a renovação do materialismo histórico, podemos citar, entre
eles, Georg Lukács (1885-1971) e Karl Korsh (1886-1961).

Esses autores mantinham contato com Gramsci na tentativa de superar a herança


mecanicista da chamada Segunda Internacional. Fontana (1988, p. 136) expressa-se
desta forma sobre a obra desses dois pensadores marxistas:

CRC • • • © Metodologia da História I


42 Claretiano – Batatais
UNIDADE 4 Licenciatura em História

Desse ponto de partida, Lukács derivaria, em boa medida por causa da


sua infortunada e complexa história política, a ocupar-se de questões mais
estritamente filosóficas e culturais. Desvinculado de toda a militância, Korsh
manteria a luta contra Kautsky em O Materialismo Histórico (1929), tentaria
uma lúcida revalorização da vertente revolucionária do pensamento de Marx,
no seu Karl Marx (1938), e continuaria delineando os pressupostos de um
marxismo revolucionário, em escritos como Por que sou marxista (1935). A
morte surpreendeu-o trabalhando numa tentativa de atualização do pensamento
marxista, pelo duplo caminho da sua extensão do âmbito europeu ao mundial
e da necessidade de adaptá-lo às mudanças ocorridas na sociedade capitalista
e ao avanço das ciências.

Para organizar nossas ideias sobre o estudo das correntes comunistas que
coexistiam e se opunham, temos de reafirmar o que já dissemos no início deste tópico:

Duas tendências resistiam no movimento comunista internacional. De um


lado, tínhamos o dogmatismo stalinista dominante, de outro, uma tentativa de
renovação desse pensamento, mas ainda frágil do ponto de vista político.

Para o próximo tópico, convidamos você a discutir como essas influências


PARA VOCÊ REFLETIR:
chegaram à historiografia marxista do período pós-Segunda Guerra Mundial. Vamos em Você acha que sua visão de
frente! mundo é influenciada por algum
dos conceitos do marxismo?

4 MARXISMO ACADÊMICO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO 20


Paradoxalmente, o socialismo e o capitalismo liberal uniram-se no início da
década de 1940 para derrotar um suposto inimigo comum: o nazifascismo.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) acabou com quarenta milhões de vidas.


O país mais atingido foi justamente a União Soviética, que resistiu bravamente e sozinha
por um bom tempo à invasão germânica entre 1942 e 1943.

O contra-ataque do Exército Vermelho russo foi fulminante e exigiu das tropas


inglesas e norte-americanas a mesma postura no front ocidental, expulsando os alemães
da França a partir de 6 de junho de 1944, no famoso Dia D.

Como resultado dessa guerra, a Europa dividiu-se em duas: a Ocidental


capitalista e a Oriental socialista, sob influência soviética.

Nesse mesmo período, a morte de Stalin e a realização do 20° Congresso do


Partido Comunista soviético, em que Kruchev expôs as atrocidades cometidas a mando de
Stalin, mudaram radicalmente o cenário do comunismo internacional.

Dessa forma, Hobsbawm (2002, p. 226) afirma que:

existem dois “dez dias que abalaram o mundo” na história do movimento


revolucionário do século passado: os da Revolução de Outubro (1917),
descritos no livro de John Reed com esse título, e o 20° Congresso do Partido
Comunista soviético (14-25 de fevereiro de 1956). Ambos a dividem repentina
e irrevogavelmente em “antes” e “depois”. Não posso imaginar nenhum
acontecimento comparável na história de qualquer movimento ideológico ou
político mais importante. Em poucas palavras, a Revolução de Outubro criou
um movimento comunista internacional; o 20° Congresso o destruiu.

© Metodologia da História I • •• CRC 43


Batatais – Claretiano
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Licenciatura em História

Dessa desilusão, emergiu uma nova maneira de lidar com o materialismo


histórico. A característica fundamental dessa nova forma de interpretar o marxismo é a
desarticulação do movimento político da prática intelectual.

Um dos resultados práticos dessa desilusão é que a tradição analítica do marxismo


passou da economia e da política da fase pré-Primeira Guerra Mundial para a filosofia e,
mais do que isso, para as raízes filosóficas do pensamento de Marx (ANDERSON, 1983).

Outra mudança prática foi o deslocamento geográfico: se, antes, a maior parte
dos pensadores estavam na Europa oriental e do sul, nessa nova fase, deslocou-se para
a Europa ocidental e do norte, com a incorporação de pensadores, também, da América,
especialmente dos Estados Unidos.

Entre esses novos filósofos do materialismo histórico, podemos citar os


pensadores da já citada Escola de Frankfurt, além de Marcuse e Walter Benjamin, uma
segunda geração com George Lefebvre, Theodor Adorno, Jean Paul Sartre, Althusser,
Goldman, Della Volpe e Colletti.

No campo da historiografia, as influências desses autores do campo filosófico


tiveram forte presença. A principal corrente de historiadores que surgem a partir
da década de 1960 foi inglesa: Eric Hobsbawm, Perry Anderson, Christopher
Hill, Rodney Hilton, Edward Paul Thompson entre outros de menor expressão.

ATENÇÃO!
Para discutir e analisar os
conteúdos estudados nesta Hobsbawm dedicou-se ao estudo das estruturas sociais da sociedade burguesa, assim
unidade com profundidade, como à vida e à consciência de classe dos trabalhadores ingleses, ambos no século 19. Mais
não se contente apenas com
os conteúdos aqui tratados ou recentemente, procurou trabalhar sobre as estruturas político-sociais do século 20.
com o que o tutor sugerir na
Sala de Aula Virtual. Procure, Já Anderson trabalhou sobre a gênese da sociedade burguesa, analisando
pois, consultar sites, ler obras,
entrevistas em jornais e revistas o desenvolvimento da sociedade ocidental desde a Antiguidade Clássica. Depois,
que tratem sobre o assunto. passou a dedicar-se ao estudo do marxismo no século 20 e tendências culturais mais
contemporâneas.

Outro historiador inglês importante, Christopher Hill, dedicou-se aos estudos


da Revolução burguesa na Inglaterra no século 17. Buscou estudar, também, as questões
que envolviam a transição do feudalismo para o capitalismo, basicamente na Inglaterra,
debatendo fortemente as ideias de Maurice Dobb e Paul Swezy.

Edward Paul Thompson procurou esforçar-se para analisar a questão da consciência


de classe inglesa no século 19 e suas relações com um discurso revolucionário. No final de sua
vida, promoveu um profundo debate em oposição ao pensamento de Althusser.

Sobre a historiografia marxista inglesa e seus autores, Fontana (1998, p. 244)


afirma que “em todos eles coincide o caráter aberto de sua obra, um certo desinteresse
pelo econômico [...] e uma preocupação pelo rigor científico, agudizada pela coação de
que foram objeto desde os anos da Guerra Fria”.

Na França, Pierre Vilar destacou-se entre os historiadores marxistas. Ele


procurou recolocar o econômico no centro do debate do materialismo histórico, mas sem
abandonar um estudo global e mesmo certa autonomia da chamada superestrutura, aos
moldes de Gramsci.

Entre os trabalhos de Vilar, destacam-se aqueles que deram espaço à análise


do desenvolvimento do capitalismo na Espanha, o papel do ouro como moeda na História
capitalista e suas propostas metodológicas reunidas no título Desenvolvimento Econômico
e Análise Histórica. Nesse texto, ele afirma que:

CRC • • • © Metodologia da História I


44 Claretiano – Batatais
UNIDADE 4 Licenciatura em História

o objetivo deste livro é, portanto, o de apresentar a todos os problemas


incessantemente postos por aquilo a que Marc Bloch chamou justamente ‘o
mister do historiador’. Mas procura-se também fazer compreender o quanto
estas questões interessam ao homem, única justificação, sem dúvida, da
escolha e da prática desse mister. O Econômico (VILAR, 1992, p. 12).

Nessa sua afirmação, percebemos que Vilar procura estabelecer uma relação
entre o marxismo por ele praticado e a historiografia surgida na França no século 20,
conhecida como Escola dos Annales. Talvez resida aí o canal para que o marxismo continue
vivo no século 21, tema que estudaremos no próximo tópico.

5 MATERIALISMO HISTÓRICO E MUNDO GLOBALIZADO: PARA VOCÊ REFLETIR:


PERSPECTIVAS PARA O MARXISMO NO SÉCULO 21 Você acha que os conceitos
marxistas podem auxiliar na
análise de nossa sociedade
Até aqui, vimos que o materialismo histórico passou por profundas transformações atual?
ao longo desse um século e meio desde seu aparecimento em torno de 1850. Na construção
teórica de seus fundadores, tratava-se de um arsenal teórico com função definida, qual
seja, a de dotar a classe trabalhadora de uma teoria própria na luta contra o capitalismo
burguês.

Ao longo do tempo, o marxismo foi sofrendo mudanças. Depois da morte de


Engels em 1895, novas formas de relacionar o materialismo histórico com a luta operária
foram construídas, especialmente com Lênin durante a Revolução Russa. A partir da
ascensão de Stalin, o marxismo tornou-se um dogma, passando a ser censurado e
fossilizado por uma prática política conservadora e repressora na União Soviética.

Contudo, depois da Segunda Guerra Mundial e da morte de Stalin, o marxismo


passou por um processo de renovação, deslocando-se o núcleo duro dos pensadores do
Oriente para o Ocidente europeu, especialmente na Inglaterra, onde um grupo importante
de historiadores ligados ao Partido Comunista passou a atuar com uma vocação
interpretativa do marxismo.

Essa nova corrente de pensamento procurava estabelecer diálogo com outras


linhas de pensamento e apoiava-se em teóricos que, mesmo naquele clima de perseguição
da era stalinista, conseguiram produzir um pensamento autônomo e renovador do
marxismo.

No entanto, essa nova era marxista do momento pós-Segunda Guerra promoveu


certa separação da luta política e da produção teórica. Essa é a grande crítica a que são
submetidos esses novos pensadores.

Mas o que restou ao marxismo depois da queda do Muro de Berlim e do fim da


URSS? Quais eram as possibilidades de produzir História a partir do arsenal materialista
histórico?

Hobsbawm (1998, p. 182) fornece-nos algumas pistas para essas respostas.


Segundo esse historiador marxista, alguns temas são essenciais para o materialismo
histórico. Vejamos:

O primeiro (...) é a natureza mista e combinada do desenvolvimento de toda


sociedade ou sistema social, sua interação com outros sistemas e com o
passado. Se preferirem, é a elaboração da famosa máxima de Marx de que
os homens fazem sua própria história, mas não conforme sua escolha, “sob
circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas do passado”. O
segundo é o da classe e da luta de classes.

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Batatais – Claretiano
UNIDADE 4
Licenciatura em História

Por seu lado, Anderson (1983), em um de seus estudos sobre o pensamento


marxista, pergunta-se sobre qual seria o lugar do materialismo histórico no final do século
20. Vejamos a sua resposta:

[...] o materialismo histórico continua a ser o único paradigma intelectual


suficientemente capacitado para vincular o horizonte ideal de um socialismo
futuro às contradições e movimentos práticos do presente, e à sua formação a
partir de estruturas do passado, numa teoria da dinâmica determinada de todo
o desenvolvimento social. Como qualquer programa de pesquisa a longo prazo
das ciências tradicionais, ele conheceu períodos de repetição e estagnação, e
gerou erros e falsas direções. Mas, como qualquer outro paradigma, ele não
será substituído enquanto não houver um candidato superior para um avanço
global comparável no conhecimento. Ainda não há sinais disso, e podemos,
portanto, estar confiantes de que muito trabalho nos espera amanhã, assim
como hoje, no marxismo (ANDERSON, 1983, p. 122) .

Em outras palavras, para Anderson (1983), o que se deve fazer é uma reafirmação
dos princípios do materialismo histórico e buscar reorganizar a classe operária para a
conquista socialista, única alternativa viável para a sociedade desigual atual.

Por fim, gostaríamos de convocar outro historiador marxista, Fontana (1998),


como forma de auxiliar você, futuro professor de História, a colocar claramente os
problemas que a História tem de enfrentar no século 21. Observemos:

À medida que o historiador é quem melhor conhece o mapa da evolução das


sociedades humanas, quem sabe a mentira dos signos indicadores que marcam
uma direção única e quem recorda os outros caminhos que conduziam a outros
PARA VOCÊ REFLETIR:
destinos distintos e talvez melhores, é a ele a quem toca, mais que a ninguém,
Você já se questionou sobre
o papel social, ou seja, o denunciar os enganos e reanimar as esperanças para começar o mundo de
compromisso do historiador com novo (FONTANA, 1998, p. 280 ).
seu tempo?

Assim, para um historiador marxista, como para todos os outros historiadores,


cabe ajudar a sociedade a desnaturalizar e superar signos que atravancam caminhos para
um futuro com melhores características do que os atuais.

Hoje, o materialismo histórico tem este papel: o de ajudar nessa tendência de


abrir horizontes para mudanças sociais baseadas nos eventos históricos que demonstram
cabalmente que nada na História humana é eterno e que transformações partem das lutas
sociais.

O materialismo histórico é uma teoria da mudança e só assim, arejado e aberto


a novas tendências, poderá manter seu papel importante na historiografia e nas Ciências
Sociais em geral.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta última unidade, estudamos o surgimento e a expansão das ideias marxistas
e sua relação com a produção historiográfica do século 20.

Em primeiro lugar, demonstramos como o pensamento de Karl Marx interpreta a


História, bem como a influência dele sobre os historiadores da segunda metade do século
19 e início do século 20.

Depois, avaliamos como o processo histórico se alterou com a Revolução Russa


e o contexto de crise do sistema capitalista entre as duas guerras mundiais e de que forma
essas mudanças alteraram, em muitos aspectos, a produção historiográfica marxista,
fortemente influenciada pela ditadura stalinista.

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46 Claretiano – Batatais
UNIDADE 4 Licenciatura em História

Em seguida, procuramos dar conta dos movimentos gerais da historiografia


marxista no momento pós-Segunda Guerra Mundial e como, para muitos, esse período
significou um novo processo de atraso do pensamento marxista.

Por fim, procuramos analisar as perspectivas do pensamento marxista para o


século 21, enfatizando como o materialismo histórico é ainda uma ferramenta importante
na luta pela mudança social.

7 E-REFERÊNCIAS

Chamadas numéricas

1 Friedrich Engels: disponível em: <http://www.galizacig.com/actualidade/200508/


fai_110_...>. Acesso em: 25 out. 2008.

2 Karl Marx: disponível em: <http://www.marcioantunes.tipos.com.br/.../espirito-do-


mundo>. Acesso em: 25 out. 2008.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON, P. A crise da crise do marxismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

______. Considerações sobre o marxismo ocidental. São Paulo: Brasiliense, 1989.

CARBONELL, C. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1987.

FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998.

HOBSBAWM, E. Tempos Interessantes: uma vida no século XX. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.

­­______. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

______. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, s/d. v. 3.

MARX, K. Para a Crítica da Economia Política; Salário, preço e lucro; O rendimento e suas
fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção Os Economistas)

VILAR, P. Desenvolvimento econômico e análise histórica. Lisboa: Presença, 1992.

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© Metodologia da História I • •
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Batatais – Claretiano
Anotações

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