Você está na página 1de 251

TEOLOGIA TRINITÁRIA

CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA – EAD

Teologia Trinitária – Prof. Dr. Pe. Julio Endi Akamine

Meu nome é Julio Endi Akamine. Sou graduado


em Filosofia, pela Universidade Católica do Paraná
(Curitiba), e em Teologia, pelo Studium Theologicum
de Curitiba. Fiz Especialização (Mestrado e Doutorado)
em Teologia Sistemática na Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roma. Tenho experiência no campo
de formação de padres e de irmãos da Sociedade do
Apostolado Católico (SAC-Palotinos). Colaborei, por
seis anos, no Secretariado Internacional para a Formação
da SAC. Resido, atualmente, em São Paulo (SP) e exerço a
função de Reitor na Província São Paulo Apóstolo desde janeiro de 2008. Desde 1995,
leciono no Instituto de Teologia Studium Theologicum de Curitiba. Ministrei as disciplinas
Introdução à Teologia, Teologia Fundamental, Sacramentologia Geral, Sacramentos do
Batismo, Crisma e Eucaristia, bem como Eclesiologia. Atualmente, leciono a disciplina
Teologia Trinitária. No Centro Universitário Claretiano, sou autor do Material Didático
Mediacional de Teologia Trinitária.
e-mail: jeakamine@tiscali.it
Prof. Dr. Pe. Julio Endi Akamine

TEOLOGIA TRINITÁRIA

Plano de Ensino
Caderno de Referência de Conteúdo
Caderno de Atividades e Interatividades
© Ação Educacional Clareana, 2008 – Batatais (SP)
Trabalho realizado pelo Centro Universitário Clareano de Batatais (SP)

Curso: Bacharelado em Teologia


Disciplina: Teologia Trinitária
Versão: jul./2010

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Administravo: Pe. Luiz Claudemir Bo!eon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Areres Estevão Romeiro


Coordenador do Curso de Bacharelado em Teologia: Prof. Pe. Vitor Pedro Calixto dos Santos
Coordenador de Material Didáco Mediacional: J. Alves

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Preparação Revisão
Aletéia Patrícia de Figueiredo Felipe Aleixo
Aline de Fátima Guedes Isadora de Castro Penholato
Camila Maria Nardi Matos Maiara Andréa Alves
Cáa Aparecida Ribeiro Rodrigo Ferreira Daverni
Dandara Louise Vieira Matavelli Vanessa Vergani Machado
Elaine Aparecida de Lima Moraes
Elaine Cristina de Sousa Goulart
Josiane Marchiori Marns Projeto gráfico, diagramação e capa
Lidiane Maria Magalini Eduardo de Oliveira Azevedo
Luciana A. Mani Adami Joice Cristina Micai
Luciana dos Santos Sançana de Melo Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Luis Henrique de Souza Luis Antônio Guimarães Toloi
Luiz Fernando Trentin Raphael Fantacini de Oliveira
Patrícia Alves Veronez Montera Renato de Oliveira Violin
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Tamires Botta Murakami
Simone Rodrigues de Oliveira Wagner Segato dos Santos

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer
forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na
web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do
autor e da Ação Educacional Claretiana.

Centro Universitário Claretiano


Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000
cead@claretiano.edu.br
Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006
www.claretiano.edu.br
SUMÁRIO

PLANO DE ENSINO
1 APRESENTAÇÃO.................................................................................................. 9
2 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA........................................................................... 11
3 CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................................................................... 12
4 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ........................................................................................ 13
5 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................................................................ 14

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 15
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA ................................................. 16

UNIDADE 1 ! REVELAÇÃO BÍBLICA


1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 53
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 53
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 54
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................. 54
5 QUESTÕES INTRODUTÓRIAS .............................................................................. 55
6 REVELAÇÃO DE DEUS COMO PAI DE JESUS ........................................................ 61
7 JESUS REVELA"SE ................................................................................................ 65
8 FILHO ENCARNADO PELA AÇÃO DO ESPÍRITO.................................................... 66
9 JESUS UNGIDO NO ESPÍRITO SANTO .................................................................. 67
10 REVELAÇÃO TRINITÁRIA NO EVENTO DA MORTE DE JESUS ............................... 73
11 RESSURREIÇÃO DE JESUS E A REVELAÇÃO DA TRINDADE .................................. 78
12 ESPÍRITO DO FILHO ENVIADO AOS NOSSOS CORAÇÕES ................................... 82
13 O DOM DO ESPÍRITO .......................................................................................... 84
14 A PERSONALIDADE DO ESPÍRITO SANTO ............................................................ 90
15 DIVINDADE DO FILHO E DO ESPÍRITO ................................................................ 91
16 TEXTOS TRIÁDICOS ............................................................................................. 92
17 ANTIGO TESTAMENTO........................................................................................ 96
18 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 99
19 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 100
20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 101

UNIDADE 2 ! TEOLOGIA E DOGMA TRINITÁRIO NA IGREJA ANTIGA


1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 103
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 103
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 104
4 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 104
5 PADRES APOSTÓLICOS........................................................................................ 106
6 APOLOGETAS ...................................................................................................... 108
7 FINAL DO SÉCULO E INÍCIO DO SÉCULO 116
8 CRISE ARIANA E O CONCÍLIO DE NICÉIA ............................................................. 137
9 PADRES CAPADÓCIOS ......................................................................................... 158
10 CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA I !3171
11 CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA II !5174
12 CONCÍLIOS MEDIEVAIS ....................................................................................... 177
13 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 179
14 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 180
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 181

UNIDADE 3 " VIDA INTERNA DE DEUS


1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 183
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 183
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 184
4 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 184
5 DA ECONOMIA À TEOLOGIA ............................................................................... 185
6 MISSÕES ECONÔMICAS...................................................................................... 195
7 PROCESSÕES IMANENTES .................................................................................. 198
8 ANALOGIA DA MENTE HUMANA:
SANTO AGOSTINHO E SANTO TOMÁS DE AQUINO ............................................ 200
9 ANALOGIA DO AMOR INTERPESSOAL: RICARDO DE SÃO VÍTOR ........................ 207
10 RELAÇÕES DIVINAS............................................................................................. 210
11 PESSOAS DIVINAS ............................................................................................... 215
12 NOÇÕES, PROPRIEDADES E APROPRIAÇÕES ...................................................... 222
13 PERICHORESIS OU CIRCUMINCESSIO ................................................................ 226
14 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 229
15 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 230
16 E#REFERÊNCIAS .................................................................................................. 231
17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 231
UNIDADE 4  FÉ TRINITÁRIA E VIDA CRISTÃ
1 OBJETIVOS.......................................................................................................... 233
2 CONTEÚDOS....................................................................................................... 233
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE ..................................................... 234
4 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 234
5 TRINDADE E TRANSCENDÊNCIA HUMANA......................................................... 234
6 PAI/MÃE, HOMEM E MULHER ........................................................................... 237
7 DIVINIZAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO E FILIAÇÃO ........................................................... 239
8 SOFRIMENTO DE DEUS....................................................................................... 241
9 ESSÊNCIA, RELAÇÃO E INABITAÇÃO ................................................................... 243
10 MISSÃO DIVINA E MISSÃO DA IGREJA ................................................................ 246
11 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................... 249
12 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 249
13 EREFERÊNCIAS .................................................................................................. 250
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 250
Plano de Ensino

1
PE

1. APRESENTAÇÃO
Seja muito bem-vindo(a)! Você está prestes a iniciar o estu-
do da disciplina Teologia Trinitária, que compõe o curso de Bacha-
relado em Teologia na modalidade EAD.
A teologia trinitária é a tentativa de entender e interpretar
o mistério central cristão de um só Deus em três Pessoas iguais e
distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo (Mt 28,19; 2Cor 13,13).
Como você já está se habituando nesta nova disciplina, saiba
que não fará este percurso sozinho. Percorreremos, juntos, a reve-
lação bíblica do adorável mistério trinitário, visitaremos as etapas
mais importantes da formação do dogma trinitário e, num esforço
de aprofundamento pessoal e de atualização, procuraremos refle-
tir sobre o significado e a pertinência do mistério para a vida cristã
e para a vida social.
Ao longo do curso de Bacharelado em Teologia, você já teve
oportunidade de entrar em contato com muitas disciplinas que lhe
10 © Teologia Trinitária

deram uma ideia global do mistério cristão de Deus e da salvação


que o Pai, o Filho e o Espírito Santo querem comunicar a nós.
Ora, nesta disciplina, nos voltamos não para as verdades re-
veladas, mas, sim, para a própria Verdade que se revela. Todas
as verdades reveladas aos seres humanos para sua salvação estão
subordinadas a Deus, que tem prioridade absoluta sobre todos os
temas da Teologia.
Ao mesmo tempo, todos os temas teológicos, à sua maneira,
nos aproximam do mistério de Deus. Se isto se verificou em todas
as disciplinas estudadas até agora, com muito mais razão verificar-
se-á na disciplina do Deus Trino.
Quando o caminho a ser trilhado não é conhecido, neces-
sitamos de um guia. Ele normalmente segue à nossa frente e nos
indica o caminho. Mas, em algumas ocasiões, ele simplesmente
fornece alguns sinais indicativos e nos deixa viajar sozinhos. Assim
será o percurso desta disciplina.
O Caderno de Referência de Conteúdo será um instrumento
para "abrir caminho": pretende ajudá-lo a se embrenhar nesta lu-
minosa e imensa floresta do mistério de Deus.
Em alguns momentos, porém, você será convidado e instado
a "fazer seu próprio caminho". Com efeito, às vezes, a estrada cos-
tumeira torna-se impraticável: mudou-se o contexto cultural em
que a fé sempre se exprimiu; mudaram-se as urgências; mudaram-
se os interlocutores. Este é o momento de arriscar uma nova ver-
balização criativa do mistério eterno.
Para isso, é importante que você siga o guia, mas, ao mesmo
tempo, estabeleça com ele uma relação de respeitosa e crítica au-
tonomia, procurando, também, outros autores e outras leituras,
abrindo-se às urgências da realidade em que você vive e confron-
tando-as com o adorável mistério trinitário.

Centro Universitário Claretiano


© Plano de Ensino 11

2. DADOS GERAIS DA DISCIPLINA


Ementa
Os principais textos do Novo Testamento. Os inícios da ela-
boração do dogma trinitário no período patrístico. As definições
do Magistério da Igreja. Os debates da Teologia atual. Os mode-
los trinitários. A analogia psicológica de Agostinho e Tomás de
Aquino. Analogia do amor interpessoal de Ricardo de São Vitor.
O significado salvador do mistério trinitário para o cristão e para
o mundo contemporâneo.

Objetivo geral
Os alunos da disciplina Teologia Trinitária do curso de Ba-
charelado em Teologia na modalidade EAD do Claretiano, dado o
Sistema Gerenciador de Aprendizagem e suas ferramentas, serão
capazes de interpretar os dados bíblicos da tradição teológica tri-
nitária para confrontá-los com as urgências e as questões atuais
da Igreja e do mundo.
Com esse intuito, os alunos contarão com recursos técnico-
pedagógicos facilitadores de aprendizagem, como Material Didá-
tico Mediacional, bibliotecas físicas e virtuais, ambiente virtual,
acompanhamento do professor responsável, do tutor a distância
e tutor presencial complementado por debates no Fórum.
Ao final desta disciplina, de acordo com a proposta orien-
tada pelo professor responsável e tutor a distância, terão condi-
ções de interagir com argumentos contundentes, além de disser-
tar com comparações e demonstrações sobre o tema estudado
nesta disciplina, elaborar um resumo, ou uma síntese, entre ou-
tras atividades. Para esse fim, levarão em consideração as ideias
debatidas na Sala de Aula Virtual, por meio de suas ferramentas,
bem como o que produziram durante o estudo.
12 © Teologia Trinitária

Competências, habilidades e atitudes


Ao final deste estudo, os alunos do curso de Bacharelado em
Teologia contarão com uma sólida base teórica para fundamen-
tar criticamente sua prática profissional. Adquirirão não somente
as habilidades necessárias para cumprir seu papel nesta área do
saber, mas também estarão capacitados para agir com ética e res-
ponsabilidade social, contribuindo, assim, para a formação inte-
gral do ser humano.

Modalidade
( ) Presencial ( X ) A distância

Duração e carga horária


A carga horária da disciplina Teologia Trinitária é de 30 ho-
ras. O conteúdo programático para o estudo das quatro unidades
que a compõe está desenvolvido no Caderno de Referência de
Conteúdo, anexo a este Plano de Ensino, e os exercícios propostos
constam no Caderno de Atividades e Interatividades.

É importante que você releia no Guia Acadêmico do seu curso as


informações referentes à Metodologia e à Forma de Avaliação
da disciplina Teologia Trinitária, descritas pelo tutor na ferramen-
ta “cronograma” na Sala de Aula Virtual – SAV.

3. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Este Plano de Ensino serve como um mapa que, normal-
mente, você consulta antes de iniciar uma viagem rumo a um
novo lugar. Evidentemente, o mapa não substitui a viagem: de
nada adiantaria ter um excelente mapa, cheio de informações
precisas e de detalhes minuciosos se você não se decidir a em-
preender a viagem.

Centro Universitário Claretiano


© Plano de Ensino 13

Como todo mapa, o Plano de Ensino só será útil para ajuda se


for consultado antes e durante a viagem. Como um rio caudaloso e
longo, a disciplina que estudaremos tem uma infinidade de afluen-
tes que possuem, também, seus afluentes.
Para não se perder na viagem e chegar ao seu destino, é pre-
ciso que o mapa indique com clareza o ponto de partida, o percur-
so e o ponto de chegada.
Certamente, você sentirá, às vezes, a tentação de se internar
num dos afluentes. Mas por mais belos e sedutores que sejam,
é preciso não se desviar do destino final: o mistério fascinante e
tremendo de Deus Uno e Trino.
Por isso, este Plano de Ensino apresenta os conteúdos da dis-
ciplina, organiza em unidades as etapas do estudo e indica a biblio-
grafia, na qual você poderá se aprofundar nos temas apresentados
no Caderno de Referência de Conteúdo de maneira sucinta.
Nossa viagem, porém, não é a de um "cavaleiro solitário":
ela será feita com outros estudantes e com a ajuda do tutor. Viajar
em boa companhia e com a ajuda de um guia torna a viagem mais
agradável e encorajadora.
Assim, as atividades do Caderno de Atividades e Interativi-
dades não têm o objetivo de se tornar obstáculos. Pelo contrário,
a realização de tais atividades, bem como sua participação ativa
e bem preparada, são ações que vão ajudá-lo a reter melhor os
conceitos na memória, a entender com mais clareza os conteúdos
e a guardar com mais afeto e amor o adorável mistério que rece-
bemos na fé e que celebramos na liturgia e na oração.
Que bom que você se decidiu por fazer esta fascinante viagem!

4. BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BINGEMER, M.; FELLER. V. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. Valencia: Siquem,
2002.
FEINER, J.; LÖRER, M. (Org.). Mysterium Salutis, vol. II/1. Petrópolis: Vozes, 1978.
LADARIA, L. O Deus vivo e verdadeiro. São Paulo: Loyola, 2005.
14 © Teologia Trinitária

5. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BENTO XVI. Carta Encíclica "Deus é amor". São Paulo: Paulus / Loyola, 2005.
BOFF, L. A Trindade e a sociedade. Petrópolis: Vozes, 1987.
______. O Pai-nosso. A oração da libertação integral. Petrópolis: Vozes, 1980.
CODA, P. O evento pascal. Trindade e história. São Paulo: Cidade Nova, 1987.
COMBLIN, J. O Espírito no mundo. Petrópolis: Vozes, 1978.
DE HALLEUX, A. «Dieu le Père tout-puissant», RThL 8 (1977) 401-422.
DURRWELL, F. O Pai: Deus em seu mistério. São Paulo: Paulinas, 1990.
FORTE, B. A Trindade como história. São Paulo: Paulinas, 1987.
______. Trindade para ateus. São Paulo: Paulinas, 1998.
GALVÃO, A. M. A Santíssima Trindade. O mistério de três pessoas e um só Deus. São Paulo:
Ave-Maria, 2000.
GESCHÉ, A. Deus. São Paulo: Paulinas, 2004.
KASPER, W. El Dios de Jesucristo. Salmanca: Sigueme, 1990.
KLOPPENBURG, B. Trindade. Petrópolis, Vozes, 2000.
LIBÂNIO, J. Deus Espírito Santo. São Paulo: Paulinas, 2000.
LIBÂNIO, J. Deus Pai. São Paulo: Paulinas, 2000.
LOHFINK, N. Deus. Politeísmo e monoteísmo na linguagem sobre Deus no Antigo
Testamento. In: ID. Grandes manchetes de ontem e de hoje. São Paulo: Paulinas, 1984, p.
151-170.
LORENZEN, L. Introdução à Trindade. São Paulo: Paulus, 2002.
MOLTMANN, J. Trindade e Reino de Deus. Petrópolis: Vozes, 2000.
O’DONNELL, J. Il mistero della Trinità. Casale Monferrato: Piemme, 1989.
PASTOR, F. Semântica do Mistério. São Paulo: Loyola, 1982.
PATFOORT, A. O mistério do Deus vivo. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1983.
PIKASA, X.; SILANES, N. Dicionário Teológico o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1988.
QUEIRUGA, A. T. Creio em Deus Pai. O Deus de Jesus como afirmação plena do humano.
São Paulo: Paulinas, 1993.
RAHNER, K. Algumas observações sobre o tratado dogmático De Trinitate. In: ID. O dogma
repensado. São Paulo: Paulinas, 1970, p. 217-253.
SCHEEBEN, M. A Santíssima Trindade, São Paulo: Paulus, 1999.
SCHNEIDER, T. H. (Org.), Manual de dogmática (vol. II), Petrópolis: Vozes, 2001.
SESBOÜÉ, B. (Org.) História dos dogmas (tom. I: O Deus da salvação. A tradição, a regra
de fé e os Símbolos; a economia da salvação; o desenvolvimento dos dogmas trinitários e
cristológicos). São Paulo: Loyola, 2002.
SIMONETTI, M. La crisi ariana nel IV secolo. Roma: 1975.
SMAIL, T. A pessoa do Espírito Santo. São Paulo: Loyola, 1998.
SPIDIK, T. Nós na Trindade. Breve ensaio sobre a Trindade. São Paulo: Paulinas, 2004.
STUDER, B. Dios Salvador en los padres de la Iglesia. Salamanca: Secretariado Trinitario,
1993.
VVAA. O Espírito Santo na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1988 (Cadernos Bíblicos 45).

Centro Universitário Claretiano


Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

1. INTRODUÇÃO
Seja bem-vindo(a) ao estudo da disciplina Teologia Trinitária, dis-
ponibilizada para você em ambiente virtual (Educação a Distância).
Como você poderá constatar, nesta parte, denominada Ca-
derno de Referência de Conteúdo, encontra-se o conteúdo básico
das quatro unidades em que se organiza a presente disciplina.
O estudo que agora vamos iniciar tem como assunto princi-
pal o que a revelação cristã nos propõe como o mistério da nossa
salvação: Deus é uno e trino. A fé é a resposta obediente do ser
humano ao Deus que se revela como realmente é: como Pai, Filho
e Espírito Santo. Como "explicar" esse mistério de que os Três são
um só Deus? Como "dar razões" de nossa fé num só Deus, que é
Pai, Filho e Espírito Santo?
Inicialmente, voltaremos nossa atenção para a própria reve-
lação bíblica. Recolhendo os dados bíblicos, veremos como a uni-
16 © Teologia Trinitária

dade divina não é um dado prévio à revelação cristã. A própria


revelação mostra que não há unidade divina sem trindade e vice-
versa. Assim, a doutrina da unidade de Deus recebe da revelação
trinitária um sentido novo e muito mais profundo. A unidade di-
vina que a fé cristã afirma é a unidade na Trindade, enquanto que
não se pode entender a Trindade sem levar em conta a unidade
divina, Trindade na unidade. A fé na Trindade entendeu-se, sem-
pre, como a forma mais elevada da fé em um só Deus.
Prosseguiremos nosso estudo recolhendo os dados da tradi-
ção teológica da Igreja. Essa tradição teológica transmitiu a termi-
nologia bíblica, mas também cunhou outra nova, mais adaptada à
cultura e à filosofia na qual os cristãos deviam exprimir, também
racionalmente, sua fé trinitária. Estudaremos expressões técnicas
teológicas em sua gênese e evolução até sua plena significação ad-
quirida na atualidade.
Com o auxílio desse aparato técnico e da compreensão a ele
ligado, teremos condições de fazer uma reflexão sistemática sobre
o método teológico que decorre do axioma fundamental sobre a
vida interna de Deus Trino e sua relação com a vida cristã.
Esperamos que este programa atenda às suas expectativas
em relação ao tema desta disciplina.
Bom estudo!

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA


Abordagem Geral da Disciplina
Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-
tudado nesta disciplina. Aqui, você entrará em contato com os
assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá
a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada
unidade. No entanto, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o
conhecimento básico necessário a partir do qual você possa cons-

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 17

truir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural


– para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com
competência cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos co-
meçar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princí-
pios básicos que fundamentam esta disciplina.
Iniciemos com uma pergunta: o que é e como estudar a te-
ologia trinitária?
Teologia trinitária é um esforço e uma tentativa para se en-
tender e se interpretar o mistério central cristão de um só Deus em
três Pessoas iguais e distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
1) Teologia trinitária é, inicialmente, esforço e tentativa. Es-
forço indica trabalho mental, ânimo e coragem em um empreen-
dimento. De fato, a teologia exige não somente mobilização das
energias da razão e da vontade, mas também o desejo e a esperan-
ça de conhecer e de aprender. A teologia é, além disso, tentativa,
ou seja, relaciona-se com a experiência. Não é somente penetra-
ção intelectual e trabalho teórico, mas, especialmente, experiên-
cia, sabedoria e prática.
2) É um esforço e uma tentativa finalizados a entender e a
interpretar o mistério central cristão. Se, de um lado, a teologia
existe porque a razão procura e ama entender, de outro, o teólogo
deve se aproximar do mistério cristão com algumas "atitudes me-
todológicas" que o guiam ao longo de todo o processo de seu falar
sobre Deus. Vejamos algumas dessas atitudes:
a) A primeira atitude é a humildade intelectual. Diante do
mistério inefável, devemos proceder com modéstia: ex-
perimentamos, logo “de cara”, a pobreza e a inadequa-
ção de nossas palavras para exprimir o que é indizível
e descrever o mistério absoluto de Deus. Este, de fato,
supera todas as nossas categorias. Sobre Deus, podemos
dizer mais o que ele não é do que realmente ele é.
b) Humildade intelectual não significa, porém, medo e ti-
midez. Apesar da precariedade de nossas categorias e
nossas palavras, podemos afirmar diversas verdades re-
18 © Teologia Trinitária

lativas ao Deus que se revelou mediante Jesus Cristo e o


dom do Espírito. Evidentemente, mesmo depois da au-
torrevelação e da autocomunicação divina, Deus perma-
nece mistério primordial. Deus não é somente mistério
por causa da limitação de nossa inteligência, Ele o é em
si mesmo e assim se revela.
Mesmo levando em conta que o mistério de Deus é inexaurí-
vel, o trabalho teológico pode e deve recolher dados históricos dos
fatos narrados pela Bíblia e transmitidos pela tradição.
A teologia pode fazer afirmações sobre Deus sempre, po-
rém, nos limites impostos por sua inefabilidade. Santo Agostinho
exprimiu bem essa tensão entre o discurso sobre Deus e sua ine-
fabilidade:
Tudo pode ser dito de Deus, mas nada é dito que seja digno de
Deus. Nada mais amplo do que esta pobreza. Procuras um nome
conveniente e não o encontras; procuras exprimir-te de qualquer
modo e todas as palavras servem (AGOSTINHO, Tract. 13,5 CCL
36,133).

A inefabilidade afirma, paradoxalmente, a possibilidade de


um discurso sobre Deus; ela nega, somente, a possibilidade de es-
gotar e de se apoderar do mistério.
De fato, o conhecimento de Deus reveste-se desse caráter
paradoxal porque o ser racional pode conhecer a existência de
Deus, mas, ao mesmo tempo, não pode compreendê-lo. Deus faz-
se conhecer com suficiente evidência a todos, mas somente o ne-
cessário para que o homem deseje possuí-lo mais ardentemente e
se esforce em procurá-lo. O ser humano não poderia buscar enten-
der algo que desconhecesse completamente e, ao mesmo tempo,
não buscaria algo que já conhecesse perfeitamente. Assim, o véu
do mistério não revela nem vela, completamente, a verdade.
Na dialética de busca e de descoberta, o próprio fato de sa-
ber que Deus é o Incompreensível já é um conhecimento impor-
tante, porque, ao ser assim “compreendido”, Deus revela-se como
mistério que supera aquilo que o homem começou a compreen-

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 19

der, alargando a capacidade e o desejo do coração humano para


lançá-lo a uma nova etapa dessa busca. A inteligência da fé não
dissolve o mistério; pelo contrário, a cada descoberta, o "compre-
ende" como incompreensível.
c) Ao falar de Deus Trino, a teologia recorre à analogia.
Falamos de Deus Trindade apenas por evocações, sím-
bolos, alusões. A analogia orienta a mente para o abis-
mo insondável, para a luz inacessível, para a realidade
inefável. A analogia consiste no uso de termos comuns
para designar realidades que são semelhantes e desse-
melhantes ao mesmo tempo. Por exemplo: Dizemos que
Deus é bom. O homem é bom. Entre bondade de Deus e
a bondade humana, há semelhança numa maior e sem-
pre dessemelhança. A analogia regula nosso modo de
falar de Deus em termos humanos e indica que nenhu-
ma informação sobre Deus viola o mistério divino.
d) Finalmente, uma atitude indispensável para estudar a
Trindade é a conversão. Somente quando amamos pode-
mos conhecer Deus, que é amor por essência. Somente
quando vivemos em comunhão podemos ser acolhidos
na Koinonia – Comunhão divina. Somente quando faze-
mos a experiência do Mistério do Deus Amor podemos
falar algo de significativo sobre o Mistério da Trindade.
Nesse sentido, continua atual a advertência de S. Boa-
ventura:
Ninguém pense que lhe baste a leitura sem unção, a especulação
sem a devoção, a busca sem o assombro, a observação sem a exul-
tação, a atividade sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteli-
gência sem a humildade, o estudo sem a graça divina, a investigação
sem a sabedoria da inspiração divina (Itinerarium mentis in Deum,
Prol. n. 4: Opera ominia, tomus V [Ad Claras Aquas 1891], 296).

Qual é a questão fundamental da teologia trinitária?


A teologia procura entender e interpretar o mistério cristão
de um só Deus em três pessoas iguais e distintas. Este é o assunto
principal da teologia trinitária. Como manter em equilíbrio unida-
de (um só Deus) e trindade (três pessoas) de Deus? Deus, de fato,
não é menos uno pelo fato de ter se revelado trino nas pessoas. A
trindade de pessoas não atenua a unidade divina; não há outra uni-
20 © Teologia Trinitária

dade que não seja trina. Mostrar que a trindade e a unidade não se
contradizem é a questão teológica que atravessa os séculos, desde o
início da Igreja até os dias de hoje. Durante dois milênios de reflexão
teológica, foram dadas três respostas erradas a essa questão.
• Triteísmo: o triteísmo afirma que há três deuses bem dis-
tintos, cada qual eterno e infinito. Além do erro de natu-
reza filosófica, essa posição afirma a pluralidade em detri-
mento da unidade.
• Modalismo: o modalismo acentua a unidade divina, que
nega a distinção pessoal do Pai, do Filho e do Espírito San-
to. As pessoas seriam assim somente três manifestações
ou modos com os quais o único Deus se revela e age na
criação e na redenção. Em outras palavras: Deus é um só
e aparece, às vezes, a modo de Pai, outras, a modo de
Filho e, ainda, a modo de Espírito Santo.
• Subordinacionismo: tanto acentua a distinção das Pesso-
as divinas que chega a negar a igualdade divina dessas
mesmas Pessoas. Segundo essa heresia, há um só Deus
− o Pai. O Filho distingue-se do Pai porque é inferior e não
é Deus como o Pai. O Espírito distingue-se, realmente, do
Pai e do Filho porque é inferior e subordinado aos dois. O
Filho, assim, é reduzido a um tipo de semideus ou, então,
à mera criatura. Nesse mesmo senso descendente, o Es-
pírito ocupa o terceiro lugar na hierarquia.
Como você pode ver, essas tendências erradas não conse-
guem manter em equilíbrio unidade e trindade. A afirmação de
um dos termos significa, ao mesmo tempo, a negação do outro.
Todo esforço da teologia trinitária consiste em afirmar tanto
a unidade quanto a trindade, tanto a distinção pessoal quanto a
igualdade (consubstancialidade) das pessoas divinas.
Como se organiza a teologia trinitária?
A teologia trinitária procura entender e interpretar o misté-
rio de um só Deus em três Pessoas iguais e distintas. Pai, Filho e Es-

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 21

pírito Santo não são, apenas, nomes vazios, mas remetem o fiel às
pessoas divinas, mais exatamente a Jesus, que revela Deus como
Abbá, o Pai e, consequentemente, revela-se como Filho. Além de
revelar Deus como o Pai e a si mesmo como Filho, Jesus promete
o outro Paráclito, o Espírito Santo. É sobre essa revelação realizada
por Jesus Cristo que a teologia trinitária constrói sua reflexão.
O dogma trinitário não é o resultado da razão humana e não
é uma criação da Igreja. Pelo contrário, para falar da Trindade, é
preciso partir do que Deus revelou de si mesmo mediante a vinda
de Cristo e o dom do Espírito em nossos corações. A intimidade do
ser mesmo de Deus só é acessível a nós porque o Pai nos enviou o
Filho e o Espírito Santo.
Esse princípio é importante e orienta a teologia trinitária
como tal. Não partimos de um conceito abstrato de Deus para
depois falar, dedutivamente, da Trindade. O ponto de partida da
teologia trinitária é o fato de que Jesus nos revelou o Pai e nos
prometeu o Espírito. A teologia trinitária, inicialmente, tem uma
atitude receptiva. É aquilo que chamamos de auditus fidei (ouvir
da fé). Recolhe os dados do AT e do NT nos quais encontra o teste-
munho da fé trinitária.
A teologia trinitária, em sua trajetória atual, prefere, por-
tanto, ater-se mais à linguagem e à maneira do Novo Testamento
de anunciar a verdade fundamental da Trindade, sem enveredar,
inicialmente, pelas especulações de tipo filosófico-escolástico. O
foco da questão é Jesus Cristo, e, a partir de sua pregação, prática
e pessoal compreende-se a Deus. É o Jesus histórico, dos Evange-
lhos, quem permite que avancemos na compreensão de Deus.
Ainda faz parte da atitude receptiva da teologia trinitária o es-
tudo da história da reflexão teológica. Não somos os primeiros a re-
fletir sobre a Trindade. Antes de nós, há dois milênios de diálogo, de
debate, de polêmica e de tomada de posição. As gerações que nos
antecederam fizeram um verdadeiro trabalho de inculturação da fé
22 © Teologia Trinitária

cristã. Durante os séculos, as gerações anteriores realizaram esse


trabalho imenso de exprimir e de expor a fé trinitária em diversas
categorias culturais, assumindo e criando uma linguagem técnica
muito elaborada. De fato, a fé trinitária foi traduzida, primeiro, nas
categorias da cultura semita e, depois, na helênica, medieval e mo-
derna. Para conhecer esse imenso trabalho de inculturação da fé, a
teologia trinitária tem uma parte histórica, na qual serão estudados
os autores mais importantes e as tomadas de posição mais significa-
tivas do magistério em relação a fé trinitária.
Conhecer o passado ajuda-nos a assumir a tarefa atual de
também procurar exprimir e expor a fé trinitária para os interlocu-
tores atuais. A Igreja é uma comunidade que fala, mas ela precisa
falar de modo compreensível e significativo para as pessoas da atu-
alidade. Assim, depois de ter ouvido a fé (depois do auditus fidei),
é preciso passar para o intellectus fidei (inteligência ou o compre-
ender da fé). Esta é a parte sistemática da teologia trinitária, que
consiste em tentar expor de maneira coerente e rigorosa a fé na
Trindade, o mistério supremo de um só Deus e de três Pessoas. A
teologia trinitária olha para o passado para enfrentar e responder
aos desafios do presente e para se lançar no futuro. A tarefa que a
teologia trinitária procura cumprir nessa parte sistemática é a de
mostrar o mistério da Trindade como o modelo máximo e insupe-
rável de toda verdadeira comunidade humana, especialmente da
Igreja. O mistério trinitário não é somente uma teoria desligada de
nossa vida e realidade. Pelo contrário, ele julga, inspira e guia to-
dos os planos de nossa vida: a vida familiar, social e eclesial; o cui-
dado com a ecologia e nossa relação com o cosmo. Em todos esses
níveis, a Trindade é de altíssima e poderosa inspiração. Em todos
esses níveis, podemos viver ou não, na Terra e com os irmãos, o
mistério da adorável comunhão do céu.
Quais são os principais temas da teologia trinitária?
O tema principal da teologia trinitária não pode ser outro
senão o tema do Pai, do Filho e do Espírito. Vejamos, primeiro, o
tema do Pai e do Filho e, depois, o do Espírito Santo.

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 23

O Pai e o Filho
Jesus revela que Deus é Pai. Mais exatamente, que Deus é o
seu Pai. Entre eles, há uma relação originalíssima, que não se repe-
te. Por isso, quando falamos de paternidade divina, é preciso levar
em conta a diferença qualitativa que há entre a paternidade que
Jesus de Nazaré revela e a paternidade humana. Sem negar a se-
melhança entre essas duas paternidades, a palavra "Pai" só pode
indicar a Primeira Pessoa Divina se reconhecermos a distância in-
finita que existe entre a paternidade humana e a divina. De fato,
no ser humano, a paternidade é uma condição ou uma qualidade
em que o homem ingressa ao gerar e ao educar sua prole. Desse
modo, podemos dizer que natureza humana e a relação paterna
não coincidem, uma vez que o homem não nasce pai. Ele não é
pai por natureza, mas deve se tornar pai. Um homem não deixa de
ser homem por não ser pai. A paternidade é uma relação que se
"acrescenta" a uma natureza constituída anteriormente. Primeiro
é preciso existir, ou seja, ser homem, para depois poder ser pai.
A paternidade divina é diferente porque Deus não se tor-
na Pai. Ele o é desde sempre. Desde a eternidade, Deus existe
como o Pai que gera o Filho. A relação que Deus tem com o Filho é
totalmente paterna. Assim, a Pessoa do Pai identifica-se com sua
relação com o Filho. Quem ele é se define por sua relação. No ser
humano, a relação não é subsistente, ou seja, o ser humano não
é sua relação. Em Deus, a relação é subsistente, ou seja, a relação
da paternidade identifica-se com a Pessoa do Pai; a paternidade é
o Pai da mesma maneira como a relação filial é o Filho. Deus não
tem relações, Ele é pluralidade de relações.
Outra diferença entre paternidade humana e divina é que
a paternidade humana exige a maternidade e é completada pela
maternidade: é próprio do ser humano nascer de um pai e de uma
mãe. Deus, no entanto, é o único autor (a única fonte, a única ori-
gem) do Filho. Nesse sentido, a paternidade divina ultrapassa as
diferenças de sexo e integra em si a riqueza da maternidade. É por
24 © Teologia Trinitária

isso que a Escritura também fala de Deus em termos maternais.


João Paulo II chegou, até mesmo, a dizer que Deus é, também,
mãe, ou melhor, é mais mãe do que pai.
Reforcemos: Deus não se torna pai. A paternidade é o que
constitui o mistério do ser pessoal do Pai, e, por isso, o nome "Pai"
lhe pertence em modo pleno e perfeito. Ninguém é pai como o Pai.
Portanto, o Pai é fonte de toda paternidade humana. Tudo o que
o Pai é, tudo o que Ele faz, se caracteriza pela paternidade. O Pai é
totalmente Pai, e só Pai. Nada nele contradiz ou nega sua paterni-
dade. Foi exatamente essa paternidade que o Filho veio revelar.
Correspondente a essa paternidade, Jesus revela-se como o
Filho. Uma vez que a paternidade divina é perfeita, também o é a
filiação. Jesus de Nazaré não só falou do Pai, mas, especialmente,
viveu como filho e se relacionou com Deus como seu Pai. Nesse
sentido, é de importância decisiva a experiência humana que Jesus
faz. Experiência essa que se exprime, principalmente, na invoca-
ção "Abba". Preste atenção: Jesus não ensina sobre a paternidade
divina. Não encontramos, em sua pregação, uma doutrina sobre a
paternidade. Mas temos, em Jesus, algo muito mais importante:
Jesus de Nazaré vive nessa relação, comporta-se como filho ama-
do, invoca Deus chamando-o de seu Pai e deseja que participemos
dessa sua relação.
Quando lemos o evangelho, podemos notar que tudo que
Jesus faz é em obediência ao Pai. Toda sua vida e pregação decor-
rem dessa relação especialíssima que ele tem com seu Pai. Veja-
mos alguns exemplos: Jesus sempre se coloca em oração antes de
tomar decisões importantes − reza antes de escolher os 12 após-
tolos; no momento da transfiguração e antes de ser preso no Get-
sêmani. Ele reza e invoca Deus chamando-o “Pai”. Na cruz, ele reza
pedindo o perdão do Pai aos seus algozes. Em Cesaréia de Filipe,
reconhece, na confissão de fé de Pedro, a inspiração divina: "não
foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no
céu" (Mt 16,17).

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 25

Esses são somente alguns exemplos. Valeria a pena fazer uma


leitura dos evangelhos com esse filtro: procurar identificar e estu-
dar todas as passagens em que Jesus exprime sua consciência de
ser Filho. De fato, Jesus faz uma experiência singular e original de
sua filiação e, portanto, revela, plenamente, a paternidade divina.
É por isso que só podemos conhecer o Pai se o Filho nos revelar.
Veja bem: nós conhecemos o Pai não porque o Filho falou do
Pai, mas porque Jesus viveu, comportou-se e rezou como o Filho. A
revelação não é doutrina, mas comunicação vital, partilha de uma
experiência, apelo para entrar numa relação interpessoal.
É a partir daquilo que Jesus viveu e experimentou que se che-
gou à fé na divindade do Filho. O homem Jesus é, também, Deus.
Jesus, ao revelar Deus-Pai, coloca-nos, necessariamente, diante da
questão de sua identidade. Ele é somente um profeta, um eleito
de Deus? Ou será que ele é Deus como o Pai? A filiação de Jesus é
algo que se dá só no tempo ou é realidade desde sempre?
A humanidade de Jesus, para os primeiros cristãos, era algo
indubitável. Mas o modo como viveu em relação a Deus levou os pri-
meiros cristãos a se perguntar sobre a identidade divina de Jesus.
Nesse sentido, o prólogo do Evangelho de João representa a
resposta madura da Igreja apostólica sobre a identidade de Jesus.
Jesus é Deus porque é o Verbo de Deus encarnado. Em outras pa-
lavras: também o Filho não se tornou filho. Ele é Filho desde sem-
pre, pois o Verbo preexiste à sua encarnação. O Filho manifestou
sua filiação no tempo porque se encarnou, mas ele é Filho desde
sempre. O fato de ter manifestado no tempo sua filiação não signi-
fica que ela tenha começado no tempo.
Vejamos, então, um pouco mais profundamente, a relação
eterna que há entre Pai e Filho.
O Pai é a origem do Filho. Isto significa que o Pai dá ao Filho
tudo o que é. Ele comunica ao Filho toda sua divindade, sua eter-
nidade, sua glória, sua majestade, seu poder etc. Por sua parte, o
Filho recebe tudo do Pai.
26 © Teologia Trinitária

Quem é superior: o Pai que dá ou o Filho que recebe? Segun-


do nosso modo de pensar, poderíamos dizer que o Pai é superior
porque ele dá, enquanto o Filho só recebe. Mas, na Trindade, o fato
de dar não implica a inferioridade de quem recebe. Pelo contrário,
o Filho é igual ao Pai em divindade, eternidade, glória, majestade
e poder exatamente porque tudo isto ele recebe do Pai.
Ao mesmo tempo em que reconhecemos a igualdade divina
entre Pai e Filho, é preciso aceitar, também, que há, entre eles, dis-
tinção real. Pai e Filho não são nomes vazios, mas são duas Pessoas
que se distinguem realmente. Mais do que isto, a distinção entre
eles é infinita.
Por exemplo, cada ser humano é original e irrepetível. Não
houve, não há nem haverá duas pessoas repetidas ou iguais. Mes-
mo que possamos clonar uma pessoa, o resultado da clonagem vai
gerar outra pessoa original. Assim, cada um de nós se distingue
dos outros.
Se isto é verdade em relação às pessoas humanas, com mui-
to mais razão ainda, as Pessoas do Pai e do Filho. A distinção entre
eles é, de fato, máxima.
Como podemos exprimir essa distinção? O Pai e o Filho não
se distinguem em divindade, em eternidade, em poder ou em ma-
jestade porque o Pai dá tudo ao Filho, exceto o ser Pai. O Filho re-
cebe tudo por ser Filho. Observe que, na comunicação total entre
Pai e Filho, há, somente, uma coisa que não é comunicável. Essa
realidade incomunicável é, exatamente, a Pessoa. A Pessoa divi-
na é incomunicável: o Pai não comunica sua paternidade; o que é
próprio só do Filho é sua Filiação. Se o Pai pudesse comunicar sua
paternidade, o Filho não seria Filho e o Pai deixaria de ser Pai.
A Igreja exprimiu esse mistério no símbolo niceno-constan-
tinopolitano. O Pai é Deus. O Filho é Deus de Deus, ou seja, Deus
que nasce de Deus. O Pai é só Luz, o Filho é Luz da Luz, isto é, Luz
que procede da Luz. O Pai é Deus verdadeiro. O Filho é Deus verda-
deiro de Deus verdadeiro, em outras palavras, é Deus verdadeiro

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 27

que é gerado por Deus verdadeiro. Assim, o Pai, considerado em si


mesmo, é Luz da mesma forma como o Filho é Luz; em si mesmo, o
Pai é Deus, como o Filho em si mesmo é Deus. Juntos eles são uma
só Luz e um só Deus. Mas quando consideramos o Pai e o Filho
em sua relação, a distinção aparece, pois o Filho é Deus gerado de
Deus e luz que vem da Luz.

O Espírito Santo
Falemos, agora, um pouco do Espírito Santo. Conhecemos o
Espírito Santo porque ele nos foi prometido por Jesus e porque foi
derramado em nossos corações. Prestando atenção na atuação do
Espírito em Jesus e nos fiéis, chegamos a conhecer quem ele é na
eternidade divina. Isto é fundamental para a revelação do Espírito:
a partir do modo como ele age em Jesus e nos fiéis, a Igreja foi
levada a reconhecer que o Espírito é, também, Deus.
Vejamos, rapidamente, como o NT fala da atuação do Espíri-
to em Jesus e, depois, nos fiéis.
Em relação a Jesus, são importantes os eventos da encar-
nação, do batismo e da glorificação de Jesus. Na encarnação, o
Espírito desce sobre Maria para que o Verbo possa se encarnar. No
batismo, o Espírito desce e permanece sobre Jesus para ungi-lo e
torná-lo apto para a missão messiânica. Na cruz, Jesus entrega o
Espírito. Em todos esses acontecimentos, o Espírito não age como
mera força divina. Ele conduz Jesus em todo seu percurso terres-
tre, mas a ação do Espírito se caracteriza por ser ação de uma pes-
soa, não de uma mera força impessoal.
Nos fiéis, depois de Pentecostes, também o Espírito age.
Mas, aqui, há uma novidade. Ele se revela não só como Espírito de
Deus, mas como Espírito de Jesus. Os cristãos recebem o mesmo
Espírito que agiu em Jesus e, por isso, eles podem confessar que
Jesus é o Cristo. Quando lemos o NT, vemos que o Espírito está na
base de todo testemunho que os cristãos dão de Jesus.
28 © Teologia Trinitária

Foi a partir dessa ação do Espírito em Jesus e nos fiéis que a


Igreja chegou a confessar a divindade do Espírito e, também, que
ele é pessoa distinta do Pai e do Filho.
Partindo do que diz o NT, podemos afirmar que o Espírito é
o Espírito do Pai que age em Jesus e é o Espírito de Jesus que age
nos cristãos. Não são dois espíritos, mas o mesmo e o único Espí-
rito Santo. No entanto, devemos levar a sério o fato de que ele é o
Espírito do Pai e de Jesus. Assim, ele se revelou, por isso ele é na
eternidade da Trindade.
A Igreja exprime essa particularidade pessoal do Espírito
confessando que ele procede do Pai e do Filho.
Nessa afirmação, reconhece-se, inicialmente, que o Espírito
Santo é pessoa distinta das pessoas do Pai e do Filho: o Espírito
não é o Pai porque dele procede e não é o Filho porque o Filho é
gerado enquanto que o Espírito procede. A geração é própria do
Filho e de nenhum outro. A processão é própria do Espírito e de
nenhum outro.
Em segundo lugar, na processão do Espírito, há uma partici-
pação do Filho. O Espírito procede do Pai e do Filho. Como enten-
der isto?
Dissemos anteriormente que o Pai é princípio, fonte e autor
do Filho pela geração. Da mesma maneira, o Pai é fonte e origem
do Espírito Santo pela processão. Na geração do Filho, porém, o
Pai comunica ao Filho também o ser fonte e origem do Espírito. As-
sim, o Espírito que procede dos dois é Espírito do Pai e do Filho.
Outra maneira de falar do Espírito é a partir de 1Jo 4,16:
"Deus é Amor". Deus é amor em seu ser mais profundo. Foi a par-
tir de sua atuação na história da salvação e pelo fato singularíssimo
de nos ter enviado seu Filho e o Espírito Santo é que descobrimos
que Ele é amor em si mesmo. Uma vez que ele se revelou amor
para nós, chegamos à fé de que ele é amor em si mesmo.

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 29

Uma vez que o Espírito é Espírito do Pai e do Filho, podemos


também dizer que ele é amor dos dois, ou melhor, Ele é Amor-
Pessoa, amor que procede do amor do Pai e do Filho. Amando-se
reciprocamente, o Pai e o Filho fazem surgir um terceiro, que é
amor consubstancial dos dois. O amor entre Pai e Filho é de tal
ordem que eles não só estão unidos, mas são um só. E é o Espírito
Santo de Amor que une Pai e Filho nessa comunhão inefável.
Deus é amor, mas cada uma das Pessoas é amor a modo pró-
prio. O Pai é amor gratuito e altruísta, como origem e fonte que se
comunica ao Filho e ao Espírito. O Filho é amor que recebe agra-
decido para entregar, gratuitamente, a um outro. O Espírito Santo
é amor como alegria da comunhão pura do amante e do amado
que estão unidos entre si. O Pai é só amor gratuito; o Filho é amor
agradecido e gratuito; o Espírito é amor de comunhão entre aman-
te e amado.

Conclusão
Para concluir, tentemos sintetizar, em poucas palavras, algu-
mas inspirações que a reflexão trinitária pode dar para a vida na
Igreja e no mundo.
O mistério trinitário mostra-nos que a diferença não é um
obstáculo para a comunhão. Nós temos a tendência de ver na dife-
rença uma dificuldade para a plena comunhão; pensamos que isto
só é possível na medida em que diminuímos ou suprimimos a dife-
rença. Na Trindade, a diferença, ou melhor, a alteridade ou distin-
ção pessoal, não impede a comunhão. Pelo contrário, na Trindade,
o que distingue é, também, o que une. O fato de o Pai ser distinto
do Filho e do Espírito Santo não os separa, mas os une. Também o
inverso é verdadeiro. O fato de Pai, o Filho e o Espírito serem um
só não suprime as diferenças pessoais deles. O fato de ser um só
não se dá em detrimento da distinção entre os Três divinos. Creio
que isto é muito inspirador para a vida em sociedade, especial-
mente no contexto atual de pluralismo cultural, religioso. A Trin-
30 © Teologia Trinitária

dade ajuda-nos a ver, em nossas diferenças culturais e religiosas,


uma possibilidade para viver a comunhão e de viver a comunhão
não como empobrecimento das diferenças, mas como plena afir-
mação delas.
Para o desfecho desta conclusão, citemos um texto de Santo
Anselmo, no qual ele encoraja as pessoas a buscar Deus, indican-
do, ao mesmo tempo, o modo dessa busca.
Vamos, coragem, pobre homem! Foge um pouco de tuas ocupa-
ções [...]. Põe de parte os cuidados que te absorvem [...]. Dá um
pouco de tempo a Deus e repousa nele [...].
Olhai-me, Senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente
a vossa presença para sermos felizes, pois sem vós somos tão infe-
lizes! Tende piedade dos rudes esforços que fazemos para alcançar-
vos, nós que nada podemos sem vós.
Ensinai-me a vos procurar, e mostrai-vos quando vos procuro; pois
não posso procurar-vos se não me ensinais nem vos encontrar se
não vos mostrais. Que desejando eu vos procure, procurando vos
deseje, amando vos encontre, e encontrando vos ame (ANSELMO,
Prológion, I,97-100).

Glossário de Conceitos
Este Glossário permite a você uma consulta rápida e preci-
sa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio
dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento
dos temas tratados na disciplina Teologia Trinitária.
Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos desta dis-
ciplina:
1) Adocianismo: heresia espanhola do século 8º, segundo
a qual Cristo, enquanto Deus, era verdadeiro Filho de
Deus por natureza, mas enquanto homem, era somente
filho adotivo de Deus (cf. DS 595; 610-615; FIC 4.075;
4.079). Os expoentes principais foram: Elipando (aprox.
718-802), arcebispo de Toledo, e Félix (= 818), bispo de
Urgel. A dominação islâmica de Toledo, naquele tempo
capital da Espanha, e a teologia islâmica, em que um
dos princípios fundamentais é de que Deus não pode ter
filhos, foram o terreno propício para essa heresia que

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 31

tinha precedentes no ebionismo e no monarquianismo


dinâmico que foram associados ao adocianismo nos es-
tudos de Adolf von Harnack (1851-1930) (O'COLLINS &
FARRUGIA, 1995, p. 12).
2) Adoração: o supremo ato de homenagem que é dirigido
somente a Deus (Ex 20,1-4; Jo 4,23), nosso criador, re-
dentor e santificador. Somente ele "é adorado e glorifi-
cado" (Símbolo de Nicéia). Os fiéis adoram Deus através
de várias imagens (por exemplo, a cruz); adoram Cristo
presente na Eucaristia (cf. DS 600-601; FIC 7.336-7.337)
(O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 12).
3) Ágape (Amor): termo característico usado no NT, espe-
cialmente no Evangelho de João, nas cartas de Paulo e
de João, para designar o amor de Deus (ou de Cristo) em
relação a nós e, por derivação, o nosso amor em relação
a Deus e entre nós (por exemplo, Jo 15,12-17; 1Jo 4,16;
1Cor 13). Este termo se aplica também à refeição que o
cristianismo primitivo tomava em comum em conexão
com a Eucaristia (O’COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 13).
4) Amor: comportamento livre, autotranscendente, vivifi-
cante e unificante que tem sua fonte e seu modelo na
Santíssima Trindade. O AT repetidamente confessa Deus
como o parceiro fiel e terno da Aliança do povo por ele
escolhido. Este é chamado a responder amando a Deus
(Dt 6,5) e ao próximo (Lv 19,18). Jesus uniu estes dois
mandamentos de base (Mc 12,29-31), e ensinou que o
nosso amor deve estender-se de modo particular aos
inimigos e àqueles que se encontram em dificuldade
(Mt 5,43-48; 25,31-46; Lc 10,29-37). Enquanto novo (Jo
13,13.34; cf. 1Cor 12,31-13,13) e maior mandamento, o
amor pode também incluir o morrer pelos outros, como
fez Jesus (Jo 15,13; 1Jo 3,16). A iniciativa do amor de
Deus em relação a nós pecadores torna possível a nossa
resposta de amor (Lc 15,3-32; Jo 3,16; Rm 5,6-8; 8,31-
39; 1Jo 4,19). O Espírito de amor nos é dado (Rm 5,5);
somos chamados à nova comunidade de amor (Ef 5,25-
26.29); somos convidados a participar do amor divino
que é a vida íntima da Trindade (Jo 17,26) (O'COLLINS &
FARRUGIA, 1995, p. 16-17).
32 © Teologia Trinitária

5) Analogia: é o uso de um termo comum para designar


realidades que são semelhantes e dessemelhantes sob
o mesmo aspecto (por exemplo, "amor", predicado de
Deus e dos seres humanos). O termo análogo é distinto:
a) dos termos equívocos: estes se dão quando se usa
uma mesma palavra para indicar realidades diferen-
tes (por exemplo, cão, animal e cão, constelação);
b) e dos termos unívocos, ou termos perfeitamente si-
nônimos: trata-se, neste caso, de termos diferentes
que indicam uma mesma e idêntica realidade (por
exemplo, o rei e o soberano para indicar o chefe su-
premo de um reino) (O’COLLINS & FARRUGIA, 1995,
p. 18).
6) Analogia da fé: é uma expressão tirada de Rm 12,6 e
que é usada na teologia católica para recordar que uma
passagem da Escritura ou um dado da fé é interpretado
no contexto da única, inteira e indivisível fé da Igreja (DS
3016, 3283; FIC 1.081, 2.019). Karl Barth (1886-1968)
usou esta expressão para indicar a semelhança e a des-
semelhança que existem contemporaneamente entre a
decisão humana de crer e a decisão divina de doar a gra-
ça (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 19).
7) Analogia do ente: em teologia, a analogia regula o nosso
falar de Deus em termos humanos e indica que nenhuma
informação que nos seja comunicada deste modo viola
o absoluto mistério de Deus. Como diz o Concílio Late-
ranense IV, qualquer semelhança entre o Criador e as
criaturas é caracterizada por uma dessemelhança ainda
maior (cf. DS 806; FIC 6.067). Existe uma diferença infini-
ta entre a afirmação "Deus é" e a afirmação "as criaturas
são" (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 19).
8) Anomitas (Gr. “dessemelhantes”) ou anomianos ou ae-
cianos: chamam-se assim os arianos extremistas de se-
gunda geração, que tinham como chefe Aécio (= aprox.
370) e Eunômio (= aprox. 394), segundo os quais o Filho
era somente a primeira criatura e era diferente, quanto à
essência, do Pai. Além disso, Eunômio sustentava que o
Espírito era simplesmente a mais excelsa criatura produ-
zida pelo Filho. Consequentemente, os seus discípulos

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 33

batizavam somente ”no nome do Senhor” (O’COLLINS &


FARRUGIA, 1995, p. 22).
9) Antropomorfismo: atribuir a Deus características huma-
nas tanto físicas (por exemplo, o rosto, a boca, as mãos),
quanto emocionais (por exemplo, o desagrado, a alegria,
a ira) (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 25).
10) Apolinarismo: heresia cristológica sustentada pelo Bis-
po de Laodicéia, Apolinário (aprox. 310 − aprox. 390).
Preocupado em defender a plena divindade de Cristo
contra os Arianos, Apolinário negou a sua plena humani-
dade ao sustentar que Cristo não tinha espírito, ou seja,
alma racional, enquanto esta era substituída pelo Logos
divino (cf. DS 146, 149, 151; FIC 4.023; 4.034). O seu inte-
resse principal era assim o de estabelecer uma rigorosa
unidade em Cristo como aparece na fórmula: “a única
natureza encarnada do Logos” (O’COLLINS & FARRUGIA,
1995, p. 25-26).
11) Apropriação: atribuir a uma pessoa divina uma ação ou
um atributo que na realidade é comum às três Pessoas
divinas. Assim, a criação é atribuída por apropriação ao
Pai, a redenção ao Filho e a santificação ao Espírito San-
to. De fato, todas as obras ad extra (Lat. “as ações exter-
nas”) são comuns às três Pessoas divinas (cf. DS 545-546;
1330; FIC 6.072) (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 28).
12) Argumento ontológico: este modo de “demonstrar” a
existência de Deus foi desenvolvido por Santo Anselmo
(aprox. 1033-1109). Uma vez que aquilo que nós enten-
demos por “Deus” é id quo nihil maius cogitari possit (Lat.
"o ser do qual não se pode pensar algo maior"), a própria
ideia de Deus exige a existência objetiva de Deus. Caso
contrário, cairíamos numa contradição, enquanto tería-
mos a capacidade de imaginar algo maior do que Deus,
e precisamente um Deus que existe. Santo Tomás de
Aquino (aprox. 1225-1274), Emanuel Kant (1724-1804)
e outros rejeitaram este argumento enquanto passa
indevidamente, segundo eles, do nível do pensamento
puro àquele da existência efetiva. Outros filósofos, pelo
contrário, defenderam este argumento ainda que de
maneiras diferentes: Renè Descartes (1596-1650), Baruc
34 © Teologia Trinitária

Spinoza (1632-1677), Leibniz (1646-1716), Hegel (1770-


1831). Mais recentemente, alguns sustentaram que o
argumento ontológico em vez de ser uma “prova” é um
forma de explicar o conhecimento implícito que temos
de Deus (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 29).
13) Argumento teleológico (Gr. “estudo dos fins e dos es-
copos”): é o argumento que parte da ordem que se
constata no mundo para afirmar a existência de Deus
como Ordenador e Causa final de todas as coisas. De
modos diversos, Aristóteles (384-322 a.C.), Santo To-
más de Aquino (aprox. 1225-1274) e muitos outros in-
terpretaram o universo como revelador de finalidade
inteligente e indicador de Deus como fim último de to-
das as coisas. David Hume (1711-1776) colocou em dis-
cussão a causalidade trans-empírica em geral; Emanuel
Kant (1724-1804) contestou a possibilidade de provas,
em particular da existência de Deus. O argumento te-
leológico teve que enfrentar ulteriores objeções quan-
to ao que Charles Darwin (1809-1882) explicou sobre
o desígnio biológico que é a sobrevivência do mais
idôneo. As teorias mecanicistas da ordem do mundo
como simples resultado de operações casuais das for-
ças naturais duraram muito tempo. Porém, os recentes
progressos em astronomia, biologia, física e em outras
ciências têm mostrado quão vasta e ampla é a ordem
de um mundo que, aparentemente, existe somente
por um tempo relativamente curto. As probabilidades
contrárias a uma ordem tão impressionante que tives-
se surgido do puro acaso dão uma nova plausibilidade
ao argumento que postula um Ordenador inteligente
(O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 29-30).
14) Arianismo: heresia condenada no Concílio de Nicéia
I (325). O seu fautor foi um padre de Alexandria, Ário
(aprox. 250-336), o qual sustentava que o Filho de Deus
não tinha existido desde sempre e que por isso não era
de natureza divina, mas somente a primeira criatura (cf.
DS 125-126, 130; FIC 0.503-0.504). Depois de ter per-
turbado seriamente a paz da Igreja até fins de 381, o

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 35

Arianismo sobreviveu de forma mitigada durante vários


séculos entre as tribos germânicas (O'COLLINS & FARRU-
GIA, 1995, p. 30).
15) Aristotelismo: orientação filosófica que teve sua origem
com Aristóteles (348-322 a.C.), caracterizada por um
maior realismo do que a precedente e muitas vezes rival
escola platônica. Depois de ter sido desprezado e comba-
tido por alguns Padres da Igreja, o aristotelismo com sua
ética, lógica, teoria da causalidade (com suas quatro cau-
sas: eficaz, final, formal e material) e concepção da alma
humana como forma do corpo (e não prisioneira do corpo
como ensinava o platonismo) se afirmou na Idade Média
por causa da influência dos filósofos árabes, de Moisés
Maimonides (1135-1204) e de Santo Tomás de Aquino
(aprox. 1225-1274). Santo Tomás elaborou as suas provas
da existência de Deus sobre uma base aristotélica, mas
defendeu a imortalidade da alma, negada, ao que parece,
por Aristóteles (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 30-31).
16) Ateísmo: negação da existência de Deus em teoria ou
na prática. As múltiplas formas de ateísmo vão desde
uma indiferença tolerante até um comportamento mili-
tante, que varia de acordo com o conceito de Deus que
é rejeitado e com o ambiente sócio-eclesial no qual se
dá o conflito. Por um período mais ou menos longo, é
possível ser ateu de boa fé, mas o refuto consciente do
problema da existência de Deus é irresponsável e digno
de reprovação (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 34).
17) Atributos de Deus: propriedades proclamadas de Deus
em base ao pensamento filosófico (por exemplo, a imu-
tabilidade) e/ou à revelação divina (por exemplo, a fideli-
dade). Eles exprimem, nos limites da analogia, a essência
inefável de Deus, da qual, em última análise, não se distin-
guem realmente (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 34).
18) Autocomunicação: termo usado pelos idealistas alemães
(Hegel, por exemplo) e depois adaptado pelos teólogos (K.
Rahner, por exemplo) e pelo Vaticano II (DV 6) para designar
a automanifestação e autodoação de Deus na obra da reve-
lação e da graça (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 35).
36 © Teologia Trinitária

19) Caridade: é a terceira virtude teologal; pressupõe as ou-


tras duas (fé e esperança) e dá a todas as virtudes. O seu
objeto primário é Deus; secundariamente, é dirigida a nós
e a outros seres humanos (cf. Dt 6,5; Jo 13,34; 1Jo 4,7-5,4;
1Cor 13,1) (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 47).
20) Causalidade: é o influxo exercitado por um ser ou de uma
parte dele sobre um outro ser. A causa eficiente produz os
seus efeitos sobre um ser que já existe ou leva a um outro
ser. A causa material é a "matéria" com que é feita uma
coisa. A causa formal forma e organiza algo, tornando-a
aquilo que é. A causa final é o fim para o qual uma coisa
é feita. A causa exemplar serve de modelo que é imitado
na produção de um ser. Para indicar que a atividade divina
e a humana estão situadas em planos diferentes, Deus é
chamado Causa primeira, no senso de que todas as outras
realidades dependem dEle para vir à existência, para con-
tinuar a ser e para agir. As criaturas são chamadas causas
secundárias, enquanto é somente em sua radical depen-
dência de Deus que podem influir umas sobre as outras
(O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 50).
21) Cinco vias: cinco argumentos para a existência de Deus
que se encontram na Summa Theologiae de Santo To-
más de Aquino (aprox. 1225-1274). Do fato da mudança
(movimento) no mundo, a Primeira Via deduz a existên-
cia de um Primeiro Motor Imóvel. A Segunda via provém
da nossa experiência das causas que produzem efeitos
até uma Causa última não causada. A Terceira Via obser-
va a contingência do nosso universo e presume a neces-
sidade de uma Causa Necessária. A Quarta Via começa
com os graus limitados de perfeição que se encontram
no universo e chega a uma primeira Causa Ilimitada. A
Quinta Via observa o modelo ordenado do mundo que
se pode explicar unicamente mediante a atividade fi-
nalizada de um divino Ordenador. As Cinco Vias foram
fortemente contestadas por David Hume (1711-1776),
Emanuel Kant (1724-1804) e por outros filósofos, mas
oferecem, contudo, perspectivas válidas para nosso co-
nhecimento (limitado) de Deus (O'COLLINS & FARRUGIA,
1995, p. 57-58).

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 37

22) Deísmo: termo genérico para indicar as teorias de mui-


tos escritores ingleses, europeus e americanos dos sé-
culos XVII e XVIII os quais, em várias maneiras, sublinha-
vam o papel da razão no fato de religião e negavam a
revelação, os milagres e qualquer ação providencial na
natureza e na história dos homens (O'COLLINS & FARRU-
GIA, 1995, p. 103).
23) Ebionitas (hebr. “homens pobres”): um grupo ascético
de judeu-cristãos dos séc. I e II. Acreditavam que Jesus
era o filho natural de Maria e de José, um simples ho-
mem sobre o qual o Espírito Santo desceu no batismo.
Insistiam na sua adesão à lei de Moisés e, por isso, rejei-
tavam S. Paulo (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 119).
24) Economia: é o plano de salvação de Deus para a huma-
nidade. Esse plano foi revelado através da criação e, so-
bretudo, através da redenção realizada em Jesus Cristo
(Ef 1,10; 3,9). Na teologia oriental, o termo "economia"
indica também certas concessões feitas pela Igreja, que,
levando em conta a fraqueza humana, dispensa, em al-
guns casos, das prescrições canônicas (O'COLLINS & FAR-
RUGIA, 1995, p. 121).
25) Espírito Santo: é a terceira Pessoa da Trindade, adorada
e glorificada com o Pai e o Filho, enquanto uno na natu-
reza e igual em dignidade pessoal com o Pai e o Filho.
O Concílio de Braga (675), ou possivelmente o terceiro
Sínodo de Toledo (589), acrescentou ao Símbolo Cons-
tantinopolitano, que dizia que o Espírito Santo procede
do Pai, "e do Filho" (Filioque). As primeiras formulações
orientais estavam de acordo em julgar que o Espírito
Santo não era gerado como o Filho, mas procede do Pai
"através do Filho" (per Filium). A obra da santificação,
comum às três Pessoas divinas, é atribuída "por apro-
priação" ao Espírito Santo, enquanto ela comporta a
autodoação do Espírito (Jo 20,22; Rm 5,5). Tanto Ata-
násio de Alexandria (aprox. 296-373) quanto S. Cirilo de
Alexandria (|444) sustentaram a divindade do Espírito
Santo exatamente pelo fato de que o Espírito nos torna
semelhantes a Deus ao nos divinizar ou nos santificar.
A divindade do Espírito Santo foi afirmada no Concílio
38 © Teologia Trinitária

Constantinopolitano I em 381 (O'COLLINS & FARRUGIA,


1995, p. 356).
26) Expiração: termo técnico tomado de Jo 3,8 e usado na
doutrina trinitária para indicar a maneira com que o Es-
pírito Santo procede do Pai e do Filho. O NT chama o
Espírito Santo de "Espírito do Pai" (Mt 10,20) e de "Es-
pírito do Filho" (Gl 4,6). A teologia latina acrescenta que
o Espírito é "expirado" por ambos (cf. DS 850, 1300; FCC
6.069-6.070), distinguindo a expiração ativa da passiva.
A expiração ativa, sendo comum ao Pai e ao Filho, não
constitui outra pessoa, enquanto a expiração passiva é
um outro nome para indicar o Espírito Santo que é "ex-
pirado", mas não "expira". Dessa maneira, a Igreja latina
distingue entre a expiração pelo Pai, que é princípio sem
princípio e origem sem origem, e a expiração pelo Filho,
que é princípio originado de um outro princípio, ou seja,
do Pai. A maioria dos teólogos da Igreja grega nega, po-
rém, a participação do Filho como origem na processão
do Espírito Santo enquanto ameaçaria a "monarquia"
(Gr. "único princípio") ou origem sem origem do Pai. Os
Concílios de Lião II (1274) e de Florença (1439) precisa-
ram que o Espírito Santo é expirado pelo Pai e pelo Filho
como de um único princípio (DS 850, 1300; FCC 6.069-
6.070) (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 355-356).
27) Filioque (Lat. “e do Filho”): palavra que foi acrescenta-
da ao Símbolo Niceno-Constantinopolitano no IV Sínodo
de Braga, Portugal (675). O seu acréscimo no III Sínodo
de Toledo (589) parece ter sido uma interpolação (cf. DS
470; FCC 6.024). Essa palavra quer afirmar:
a) que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho;
b) que as três Pessoas da Trindade são perfeitamente
iguais.
No ano 1013, o imperador Henrique II ordenou que a
Igreja latina acrescentasse o Filioque na profissão de fé.
A Igreja ortodoxa grega repugnou fortemente essa inser-
ção no Símbolo. A partir do Patriarca Fócio de Constanti-
nopla (aprox. 810-895), o Filioque foi, muitas vezes, con-
siderado o ponto mais grave de divergência entre Oriente
e Ocidente. O concílio de Florença (1439) não pretendeu

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 39

que os Gregos aceitassem o acréscimo do Filioque, mas


se contentou que reconhecessem a verdade subjacente
nele (DS 1301-1303; FCC 6.070-6.71), o que eles fizeram
(O’COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 143-144).
28) Geração: trata-se do ensinamento do Concílio de Nicéia
(325) ("gerado não criado") sobre o modo em que o Fi-
lho tem origem, desde a eternidade, do Pai sem ser por
ele criado (cf. DS 125; FCC 0.503) (O'COLLINS & FARRU-
GIA, 1995, p. 151).
29) Hipóstase: a natureza substancial ou a realidade que
está sob algo (cf. Hb 1,3). O termo criou problemas nas
controvérsias cristológicas e trinitárias dos sécs. IV e V,
quando começou a significar uma "realidade concreta e
singular", ou uma "existência distinta pessoal". Por fim,
o ensino oficial da Igreja falou de Deus como Três "hi-
póstases" que compartilham a única substância ou na-
tureza, e de Cristo como duas naturezas e uma "única
hipóstase" ou pessoa (cf. DS 125-126; 300-303; 421; FCC
0.503-0.504; 4.012-4.013). Na teologia trinitária, usa-se
o termo para sublinhar que as pessoas divinas são reais
e não apenas aparentes (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995,
p. 182).
30) Mistério: não é algo simplesmente obscuro ou inexplicá-
vel (por exemplo, um assassinato "misterioso"), mas é o
plano amoroso de Deus para a salvação da humanidade
que agora foi revelado por meio de Cristo (Rm 16,25; Ef
1,9; 3,9; Cl 1,26-27; 2,2; 4,3). Enquanto foi revelada de-
finitivamente em Cristo, a realidade misteriosa de Deus
transcende a razão e a compreensão humana. A men-
te humana não pode aferrar Deus; é a majestade divina
que nos aferra. A teologia protestante seguiu o tema lu-
terano do Deus revelatus sed absconditus (Lat. "Deus re-
velado mas ainda escondido"). Os ortodoxos cultivaram
a teologia apofática que sublinha a inacessibilidade de
Deus. No séc. XIX, o Concílio Vaticano I (DS 3015-3020;
FCC 1.080-1.085), Matthias Scheebem (1835-1888) e ou-
tros falaram dos mistérios revelados ou verdades sobre
Deus (no plural). A teologia recente e o ensinamento ofi-
cial acentuaram a unidade da aut0o-revelação de Deus.
40 © Teologia Trinitária

Karl Rahner (1904-1984), o Concílio Vaticano II e as encí-


clicas de João Paulo II favorecem a linguagem do "Misté-
rio", em vez daquela dos "mistérios" divinos (O'COLLINS
& FARRUGIA, 1995, p. 224).
31) Modalismo (Lat. “aspecto”): essa heresia acentuava
tanto a unidade divina que chegava a negar a distinção
pessoal do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Eles seriam
somente três manifestações ou modos com que o úni-
co Deus se revelaria e agiria na criação e na redenção.
Iniciado na Ásia Menor com Noeto (aprox. 200), o mo-
dalismo se propagou no Ocidente com Práxeas (aprox.
200), Sabélio (início do séc. III), Fotino (séc. IV) e, até cer-
to ponto, Marcelino de Ancira (| 374 aprox.) (cf. DS 151,
284; FCC 6.023) (O’COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 226).
32) Monarquianismo (Gr. "um só princípio"): termo cunha-
do por Tertuliano (aprox. 160-220) para designar a teoria
herética que acentuava tanto a unidade de Deus que ne-
gava um Filho verdadeiramente divino com uma existên-
cia pessoal distinta. Alguns monarquianos sustentavam
que Jesus era divino somente no senso de um dynamis
(Gr. "potência") de Deus que tinha vindo sobre ele e o
tinha adotado. Os monarquianos modalistas reduziam a
Trindade a modos diversos nos quais Deus se manifesta
e age (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 228).
33) Monofisismo: heresia atribuída aos que não aceitaram
o ensinamento do Concílio de Calcedônia (451) segundo
o qual existem "duas naturezas em uma só pessoa" (DS
300-303; FCC 4.012-4.013), e se separaram do Patriar-
cado de Constantinopla. Nenhuma das partes, porém,
sustentava claramente uma versão integral do monofi-
sismo, isto é, que a encarnação significasse a fusão da
divindade e da humanidade de Cristo em uma terceira
natureza, ou que comportasse na absorção da natureza
humana pela divina como uma gota no oceano. A dife-
rença com Calcedônia parece que tenha sido, ao menos
em parte, terminológica. Entre os dissidentes, Timóteo
Erulo (= 477) tornou-se o patriarca “monofisista” de Ale-
xandria, e Pedro Fulone (= 488) patriarca de Antioquia.
As Igrejas "monofisistas" foram organizadas por Severo

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 41

de Antioquia (aprox. 465-538), deposto do patriarcado


de Antioquia em 518. As Igrejas "monofisistas" são hoje
chamadas genericamente de Igrejas não calcedônias
(O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 230-231).
34) Ousía: é o termo usado no Concílio de Nicéia I (325) para
indicar a única natureza divina possuída pelo Pai e Filho
(DS 125-126; FCC 0.503-0.504). O Concílio de Constanti-
nopla I (381) afirmou a divindade do Espírito Santo (DS
150-151; FCC 4.019). O Concílio de Constantinopla III
(553) explicitou que as três Pessoas divinas possuem a
mesma "ousía” (DS 421; FCC 0.509). Em latim, “ousía"
foi traduzido não somente por "essentia" ("essência"),
mas também "substantia" (substância"), termo que é
muito facilmente associado à palavra grega que indica
"persona” (“hypostasis”) (O’COLLINS & FARRUGIA, 1995,
p. 257).
35) Natureza – Essência – Substância: em sua significação
mais comum e conhecida, natureza indica o conjunto
das coisas que formam o mundo, antes da intervenção
humana com sua ação consciente e livre. Na filosofia e
teologia indica o núcleo essencial de uma coisa ou pes-
soa. Enquanto a essência designa o núcleo fundamen-
tal do ponto de vista estático, a natureza o assinala do
ponto de vista dinâmico. É neste sentido que costuma
ser usado na teologia trinitária e vale como sinônimo
de essência ou de substância, mas sempre com especial
relação à ação. A natureza é aquilo que as três Pessoas
têm como integralmente em comum e que define sua
unidade. Esta essência indica o princípio de modifica-
ção e de atividade (natureza, do latim nasci, nascer). A
razão última da atividade reside na essência própria do
ser e a razão próxima na faculdade e nas forças que lhe
são inerentes. Daí o axioma "o agir segue ao ser" (age-
re sequitur esse). Essência indica a razão íntima do ser,
pelo qual um ser é propriamente aquilo que é. Aplica-
se o termo a tudo quanto é, de algum modo, um ente
real ou possível, existente em si ou de algum modo, um
ente real ou possível, existente em si ou em outro. Na
doutrina trinitária a palavra é usada para indicar o ele-
42 © Teologia Trinitária

mento substancial comum às três pessoas divinas. Não


se trata, porém, de uma essência universal, possuída de
modo distinto das três pessoas (como, por exemplo, a
racionalidade para o ser humano), mas de uma realida-
de perfeitamente individualizada, única e idêntica para
as três Pessoas da Trindade. Segundo a clássica definição
que recebeu por Aristóteles, a substância é aquilo que é
em si mesmo e não no outro. Substância é uma realida-
de dotada de próprio ser, que tem em si sua consistência
ontológica. É o contrário de acidente, que não existe em
si mas no sujeito. Costumamos distinguir duas espécies
de substâncias: uma que é a essência universal, e outra
que é este indivíduo singular e concreto. Assim, uma é a
substância da humanidade, outra é a esta substância em
João ou Maria. Na teologia trinitária o termo é emprega-
do, analogamente, no sentido de substância individual
ou singular. É usado para exprimir aquilo que é comum
à três Pessoas e que, portanto, é a base de sua unidade.
Dizemos que Deus é uno na substância e trino nas Pes-
soas (KLOPPENBURG, 2000, p. 115-116).
36) Patripassianismo (Lat. “sofrimento do Pai”): termo
cunhado por Tertuliano (aprox. 160-220) para designar
a forma de Monarquianismo ou Modalismo sustentado
por Práxeas (aprox. 200). Tertuliano o ridicularizou dizen-
do que ele tinha expulsado o Espírito e crucificado o Pai.
Outro modalista, Noeto (aprox. 200), afirmava que o Pai
tinha nascido e depois morrido na cruz (O’COLLINS; FAR-
RUGIA, 1995, p. (O’COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 272).
37) Pessoa (Lat. "máscara de um autor"): termo usado
originalmente para indicar o papel representado por
alguém no palco ou na vida. Boécio (aprox. 480-524)
definiu classicamente pessoa como “rationalis naturae
individua substantia" (Lat. "uma substância individual de
natureza racional"). Ao longo dos séculos, foram explici-
tados ou acrescentados vários aspectos do que é uma
pessoa: relação, incomunicabilidade, autoconsciência,
liberdade, deveres, direitos e dignidade inalienável. Para
Kant (1724-1804), a pessoa humana é um absoluto que
não pode ser nunca usado como meio, mas deve sempre

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 43

ser respeitada como fim moral em si. Hoje, sublinha-se


muito o fato de que as pessoas estão sempre em rela-
ção, que se constituem através das relações com os ou-
tros e com o ambiente (O'COLLINS; FARRUGIA, 1995, p.
278-279).
38) Pessoas da Trindade: são o Pai, o Filho e o Espírito San-
to que possuem a única natureza divina e subsistem em
relação entre si. Ao falar das Pessoas divinas, os Padres
Gregos preferiam a palavra "hipóstase" (Gr. "indivíduo
subsistente") à "prósopon" (Gr. "vulto, rosto"), que po-
deria insinuar puro modalismo ("três rostos de Deus").
Tinham dificuldade de aceitar a palavra latina persona,
mesmo que Tertuliano (aprox. 160-225) tivesse introdu-
zido esse termo exatamente para combater o modalismo
de Práxeas. Por sua vez, os teólogos ocidentais temiam
e combatiam as tendências triteístas ("três deuses") ao
falar da Trindade (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 279-
280).
39) Pneumatologia: chama-se assim o setor da teologia que
estuda o Espírito Santo. As cartas de S. Paulo atestam o
papel do Espírito na revelação de Deus, no conduzir à fé,
no inspirar a oração, no habitar na Igreja, no prover a co-
munidade de vários carismas e no levar ao cumprimento
final tudo e todos em Cristo (Rm 8,1-27; 1Cor 2,10-16;
12,1-11; Gl 4,6). Muitas vezes, o Espírito Santo não foi
estudado em um tratado específico, mas no contexto de
outros temas importantes, por exemplo, da teologia tri-
nitária, eclesiologia, antropologia sobrenatural e teologia
sacramental. O "esquecimento" desse tema correspon-
de ao que S. Basílio Magno (aprox. 330-379) chamava de
caráter kenótico (Gr. "vazio") do Espírito Santo que vem
a nós anonimamente para confirmar a imagem do Filho.
Usando uma imagem de Gustave Flaubert (1821-1880),
pode-se dizer que o Espírito Santo age como o autor na
sua obra: está presente nela em todas suas partes e ao
mesmo tempo em nenhuma delas. Em certo senso, o es-
tudo do Espírito pertence a todos os setores da teologia
e não está limitado a um em particular. O Concílio Vatica-
no II, por exemplo, no seu ensino sobre a Igreja (LG 3-4,
44 © Teologia Trinitária

9-17), faz ver como as reflexões cristológicas e pneuma-


tológicas se postulam e se completam reciprocamente
(O'COLLINS; FARRUGIA, 1995, p. 282).
40) Processões: termo teológico que indica o modo com
que a segunda e a terceira pessoas têm origem do Pai. A
origem do Filho do Pai é chamada também "geração" ou
"filiação", enquanto que aquela do Espírito Santo do Pai
e do Filho é chamada também "expiração" (cf. DS 150,
804; FCC 0.509, 6.064). Santo Agostinho de Hipona (354-
430), seguido pelos escolásticos medievais, interpretou
a geração do Filho como um ato de autoconhecimento
da parte do Pai, enquanto o Espírito "procede" do amor
recíproco do Pai e do Filho (O'COLLINS & FARRUGIA,
1995, p. 294).
41) Provas da existência de Deus: são as vias filosóficas que
demonstram como a fé em Deus tem um fundamento
racional. Uma destas vias, por exemplo, é aquela que
parte do finalismo cósmico para chegar a um Mente or-
denadora (cf. DS 3004, 3026; FIC 1.061, 1.064). Longe de
substituir a fé, estes argumentos provêm de uma fé e de
uma experiência de Deus que os precedem (O'COLLINS
& FARRUGIA, 1995, p. 29).
42) Relações divinas: a relação das Pessoas divinas entre si
de tal maneira que as constituem três Pessoas em um
só Deus. Há quatro relações: paternidade, filiação, expi-
ração ativa e expiração passiva. A paternidade constitui
o Pai; a filiação, o Filho; a expiração passiva, o Espírito
Santo. A expiração ativa é comum ao Pai e ao Filho e não
constitui uma outra pessoa (O'COLLINS & FARRUGIA,
1995, p. 309).
43) Teologia apofática (Gr. "inefável", "negativo"): conceito
fundamental para a teologia oriental, que é muitas vezes
traduzido por "teologia negativa". Insiste na inadequa-
ção de qualquer tentativa de descrever o mistério abso-
luto de Deus. Qualquer afirmação sobre Deus é qualifi-
cada com uma negação correspondente ao reconhecer
que Deus supera infinitamente as nossas categorias. O
conhecimento de Deus nunca é puramente intelectual e
exige uma elevação até Deus com uma purificação moral

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 45

e religiosa, descrita de maneira clássica na Vida de Moi-


sés de S. Gregório de Nissa (aprox. 330-395) (O'COLLINS;
FARRUGIA, 1995, p. 374).
44) Teologia catafática (Gr. "afirmativa"): conceito com-
plementar da "teologia apofática", e chamada às vezes
"teologia positiva". Apesar da inadequação radical das
nossas categorias, podemos, mesmo assim, asseverar
muitas verdades sobre Deus como nos revelou de ma-
neira perfeita Jesus Cristo e como podemos conhecê-
las agora mediante o Espírito Santo. Todavia, a teologia
apofática insiste em dizer que mesmo depois da autor-
revelação divina e autocomunicação na graça, Deus per-
manece o mistério primordial (O'COLLINS & FARRUGIA,
1995, p. 375).
45) Teologia negativa: como a teologia apofática, é uma
abordagem do mistério divino que insiste no fato de que
podemos dizer mais o que Deus não é do que realmente
é. É um modo de fazer teologia que acentua mais a sa-
bedoria do que a ciência (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995,
p. 383).
46) Teologia trinitária: tentativa de entender e de interpre-
tar o mistério central cristão de um só Deus em três Pes-
soas iguais e distintas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo
(Mt 28,19; 2Cor 13,13). Reportando-se às operações do
nosso intelecto e da nossa vontade, Santo Agostinho de
Hipona (354-430) interpretou a geração do Filho (ou Pa-
lavra) com base na analogia do autoconhecimento hu-
mano, enquanto o amor autêntico de si ilustra a origem
do Espírito Santo, o amor recíproco "personificado" do
Pai e do Filho. Por muitos séculos, os teólogos seguiram
Agostinho ou assumiram outras analogias da experiên-
cia e da filosofia, como "Eu – Tu – Nós" do pensamento
personalista de Martin Buber (1878-1965). Essas abor-
dagens de Deus tripessoal podem ajudar. Sendo, porém,
tiradas da realidade humana criada e da experiência
comum, não estão radicadas imediatamente na autoco-
municação de Deus na história da salvação que chegou
à sua plenitude no mistério pascal. O famoso ícone tri-
nitário de A. Rublev (aprox. 1360-1430), conservado na
46 © Teologia Trinitária

Galeria de Moscou, representa a cena da philoxenia (Gr.


"hospitalidade") de Abraão aos três anjos sentados em
torno de uma mesa (cf. Gn 18,1-15): essa cena recorda
ao cristão o inefável mistério trinitário. Um cálice que
se encontra sobre a mesa liga esse mistério com a Eu-
caristia e, a partir dela, com a história da salvação, com
a paixão, morte e ressurreição de Cristo. Esse ícone nos
recorda uma verdade fundamental da teologia trinitária:
ela deveria partir da Trindade econômica (a que se re-
vela na história da salvação) para passar para a Trinda-
de imanente (quando as analogias tiradas da realidade
criada nos podem ajudar) e não vice-versa. Na teologia
trinitária, como também em outros lugares, a ordem da
redenção deve ter precedência sobre a ordem da cria-
ção (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 387).
47) Theologia e Oikonomia: Os padres da Igreja distinguem
entre a "Theologia" e a "Oikonomia", designando com o
primeiro termo o mistério da vida íntima do Deus-Trin-
dade, e com o segundo todas as obras de Deus através
das quais ele se revela e comunica a sua vida. É através
da "Oikonomia" que nos é revelada a "Theologia"; mas,
inversamente, é a "Theologia" que ilumina toda a "Oi-
konomia". As obras de Deus revelam quem ele é em si
mesmo; e inversamente, o mistério do seu Ser íntimo
ilumina a compreensão de todas as suas obras. Acontece
o mesmo, analogicamente, entre as pessoas humanas. A
pessoa mostra-se no seu agir, e quanto melhor conhece-
mos uma pessoa, tanto melhor compreendemos o seu
agir (Catecismo da Igreja Católica, n. 236). (O’COLLINS &
FARRUGIA, 1995, p. 35).
48) Trindade imanente: o mistério absoluto das três Pesso-
as divinas na sua vida eterna. Através da economia ou
história da salvação, começada no AT e levada a cabo no
NT com a encarnação do Filho de Deus e com o envio do
Espírito Santo, o Deus uno e trino se revelou. Assim, da
Trindade econômica podemos subir até a Trindade ima-
nente (O'COLLINS & FARRUGIA, 1995, p. 400).

Esquema dos conceitos-chave

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 47

Além do cronograma que você deverá seguir para desenvol-


ver suas atividades e interatividades propostas pelo professor res-
ponsável, você poderá valer-se de outros tipos de aprendizagem,
como, por exemplo, a aprendizagem de conceitos, de princípios
(uma cadeia de vários conceitos) que poderão levá-lo à resolução
de problemas quando, mediante à combinação desses princípios,
é produzido um novo conhecimento. Daí a importância de um
mapa conceitual para se ter clareza das ideias e dos princípios que
fundamentam um saber científico.
48 © Teologia Trinitária

Processões Trindade Apropriações


Imanente

Relações Propriedade
s
Pessoas

História da
Salvação Revelação

Missão
Missão
Econômica
Econômica
do Espírito
do Filho
Santo

Batismo
Encarnação
O Espírito O Espírito
Morte e Santo em Santo nos
Ressurreição Fiéis

Resposta
Fé Trinitária

Vida
Cristã
Tradição
Teologia
Magistério

Figura 1 Esquema dos conceitos-chave: Teologia Trinitária

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 49

Como é possível observar, o esquema anterior apresenta


uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo.
Seguindo esse esquema, você poderá transitar entre um e outro
conceito da disciplina e descobrir o caminho para construir seu
processo ensino-aprendizagem.
Note, inicialmente, que o esquema dos concietos-chave
é construído com esferas. A escolha dessa forma geométrica se
deve ao fato de que elas são mais adequadas para transmitir a
ideia de totalidade, de interação e de relação com o todo. Foram
evitadas as figuras geométricas que tenham lados e ângulos, pois
estas transmitem a ideia de compartimentos separados e indepen-
dentes.
As processões, relações, pessoas, propriedades e apropria-
ções estão inseridas no grande círculo "Trindade Imanente" por-
que são ações, qualidades, noções e realidades que podem ser
distinguidas, mas que não se distinguem de Deus. O outro grande
círculo é a história da salvação que é claramente distinta de Deus.
As setas indicam movimento. Há dois movimentos funda-
mentais: de Deus Uno e Trino para o ser humano, e deste para
Deus. O movimento “descendente” chama-se “Revelação”, e o "as-
cendente" é a resposta humana, que pode ser de fé ou de incredu-
lidade. A Revelação é a condição de possibilidade transcendente
da livre resposta humana.
Deus revela-se como Ele é realmente (Uno e Trino) na histó-
ria da Salvação, enviando o Filho e derramando o Espírito Santo no
coração dos fiéis. As missões econômicas identificam-se com os
eventos históricos da encarnação, do batismo no Jordão, da morte
e da ressurreição de Jesus e de Pentecostes.
A história da salvação não se constitui sem o ser humano. Deus
autocomunica-se, exatamente, para que o ser humano possa ter co-
munhão com Ele e alcance à salvação. Assim, a resposta de fé é a
adesão do ser humano a essa história da salvação. A incredulidade e
a heresia excluem-se da participação dessa história da salvação.
50 © Teologia Trinitária

A fé é aceitação e transmissão. Por desígnio de Deus, a fé


trinitária é recebida, conservada e transmitida pelos fiéis. Essas
ações são expressas pelo termo “Tradição”. A mesma fé trinitá-
ria é expressa nas tomadas de posição oficiais dessa comunidade
que surge e que vive da fé trinitária. Por meio de tais decisões, a
autoridade eclesial ensina e instrui a comunidade dos fiéis. Esse
ensino da autoridade se chama “Magistério”. A serviço da defesa,
da conservação e, especialmente, da atualização da fé trinitária
para a vida cristã, está a teologia. Por fim, toda a vida cristã surge
e depende da fé em Deus Uno e Trino. Tal dependência vital se
manifesta na liturgia, no direito, nos costumes, na arte etc.
Observamos que o Esquema de Conceitos-chave é mais um
dos recursos de aprendizagem que vem somar-se àqueles dispo-
níveis no ambiente virtual com suas ferramentas interativas, bem
como as atividades didático-pedagógicas realizadas presencial-
mente no polo. Lembre-se de que você, como aluno na modalida-
de a distância, pode valer-se de sua autonomia na construção de
seu próprio conhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados. Responder, dis-
cutir e comentar estas questões e relacioná-las com a Teologia,
pode ser uma forma de você medir o seu conhecimento, ter con-
tato com questões pertinentes ao assunto tratado e de lhe ajudar
na preparação para a prova final, que será dissertativa. Mais ainda:
é uma maneira privilegiada de você adquirir uma formação sólida
para a sua prática profissional.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a bibliografia básica em seus estu-
dos, mas não se prenda só a ela. Consulte também as apresentadas
no Plano de Ensino e no item Orientações de estudo para a unidade.

Centro Universitário Claretiano


© Caderno de Referência de Conteúdo 51

Figuras (Ilustrações, Quadros...)


As ilustrações neste material instrucional fazem parte inte-
grante dos conteúdos; não são meramente ilustrativas. Elas esque-
matizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de
observar a relação dessas figuras com os conteúdos da disciplina,
pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual
faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (Motivacionais)
O estudo da disciplina “teologia trinitária” fará com que você
participe ativamente da educação como um processo de cresci-
mento, de amadurecimento e de emancipação na vida de fé e na
reflexão intelectual. Fará também com que você se qualifique a
prestar um serviço à comunidade cristã. Com efeito, o cristão não
somente crê, mas deseja pensar a sua própria fé, e o teólogo as-
sume eclesialmente a responsabilidade de ajudar os fiéis a "da-
rem as razões" do próprio crer. Não pensar a fé é o primeiro passo
para estranhar a fé, o que, em muitos casos, acaba em abandono
da própria a fé. O teólogo não realiza sua função como pensador
desligado da comunidade da fé, mas dentro e a serviço dela. Por
isso é importante que você esteja atento à vida de fé dos cristãos:
o modo como exprimem vitalmente a fé trinitária e dela vivem.
Estudar teologia trinitária, portanto, é preparar-se para prestar um
serviço qualificado aos cristãos que vivem da fé trinitária. Além de
rigor científico, ao teólogo e ao estudante de teologia é necessária
essa familiaridade e intimidade com a comunidade que nasce da
fé trinitária. Seriedade científica e vida de oração, pesquisa inte-
lectual e participação eclesial, esforço mental e afeto cordial são
qualidades indispensáveis para o teólogo e para o estudante de
teologia.
Você, como aluno do curso de Bacharelado em Teologia na
modalidade EAD e futuro profissional em teologia, necessita de
uma sólida e consistente formação conceitual e cristã. O progres-
52 © Teologia Trinitária

so intelectual deve ser acompanhado de amadurecimento na fé.


Para a formação intelectual você contará com a ajuda do tutor a
distância, do tutor presencial e, principalmente da interação com
seus colegas. Sugerimos que organize bem o seu tempo e realize
as atividades nas datas estipuladas. Não deixe também de reservar
momentos qualitativamente importantes para rezar e contemplar
pessoal e comunitariamente o mistério que você deseja estudar.
É importante que você anote suas reflexões em seu caderno
ou Bloco de Anotações, pois no futuro poderá utilizá-las na elabo-
ração de sua monografia ou futuras produções científicas. Mesmo
que suas reflexões não tenham uma utilização imediata, elas o aju-
darão a fixar os conteúdos na memória, a aprofundar as questões
em sua mente e a guardar suas intuições no coração.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seu conhecimento, corrija seus preconceitos e se lance a horizon-
tes mais amplos. Coteje com o material didático, discuta a unidade
com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a assimilação pessoal
dos conteúdos apresentados e para que você descubra a impor-
tância e o significado dos mesmos para a sua vida de fé. Indague,
reflita, conteste, elabore resenhas, construa suas próprias opini-
ões, reze... Tudo isso o ajudará a amadurecer na fé e no "pensar a
fé". Esse é o objetivo do ensino de Teologia.
Lembre-se que: o segredo do sucesso em um curso na moda-
lidade Educação a Distância é Participar, ou seja, Interagir, procu-
rando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso você precise de ajuda sobre algum assunto relacionado
a esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto
a ajudar você.

Centro Universitário Claretiano


EAD
Revelação Bíblica

1
1. OBJETIVOS
• Compreender e analisar os conceitos básicos da disciplina
Teologia Trinitária.
• Interpretar e conhecer os dados bíblicos do Novo Testa-
mento que transmitem a revelação trinitária.
• Analisar e reconhecer a importância do Antigo Testamen-
to para a revelação trinitária.

2. CONTEÚDOS
• Revelação do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
• Encarnação e batismo de Jesus: evento trinitário.
• Revelação trinitária e mistério pascal.
• Espírito do Filho enviado aos nossos corações.
• Textos triádicos.
54 © Teologia Trinitária

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para que seu estudo seja proveitoso, é preciso levar em
consideração que o conteúdo desta unidade pressupõe
familiaridade, conhecimento e contato pessoal com a
Sagrada Escritura. Uma vez que esta unidade recolhe os
dados revelados sobre a doutrina trinitária, é necessário
ter sempre à mão uma Bíblia de estudo. É muito útil que
você não se contente com as citações e referências bíbli-
cas deste Caderno de Referência de Conteúdo, mas que
procure, a cada citação ou referência bíblica, contextua-
lizar a perícope no todo do livro bíblico citado. Algumas
edições da Bíblia, aliás, trazem nas margens ou ao pé da
página explicações preciosas e referências paralelas que
muito ajudam em nosso estudo. Mesmo que trabalhoso,
esse procedimento dará a você a capacidade de ler “por
trás das palavras” e “entre elas”.
2) Recomendamos que você revise, rapidamente, o conte-
údo de outras disciplinas teológicas, especialmente as
de Introdução Geral à Bíblia e de Teologia da Revelação.
O estudo da Teologia tem uma estrutura espiralada: re-
petimos alguns conteúdos, mas sempre com uma pro-
fundidade − ou melhor, uma excelência − maior.
3) Recomendamos, também, a leitura diária da Bíblia; lei-
tura gratuita, orante, contemplativa. O teólogo é uma
pessoa que tem fé e que descobre, a cada passo de sua
pesquisa, que, no final das contas, é possuído por Aque-
le que pensa possuir.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Deus, em sua vida íntima e desde a eternidade, é de tal ma-
neira que pode ser “Deus-para-nós”. Ele não quis existir só para si,
mas, desde sempre, quis predestinar e fazer dos seres humanos
participantes de sua plenitude.
Conhecemos quem é “Deus-em-si”, mesmo porque Ele, gra-
tuita e livremente, quis ser “Deus-para-nós”.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 55

Somente partindo do “Deus-para-nós” (a economia) é que


chegamos mesmo ao “Deus-em-si”. Por isso, o tratado da Trindade
começa com o estudo da revelação histórica de Deus, que tem seu
ápice nas missões do Filho e do Espírito Santo.
Chegamos a descobrir que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo
porque é assim que Ele se revelou ao homem e que este foi salvo:
enviando o Filho e o Espírito, o Pai revela e comunica sua vida ínti-
ma para chamar o homem à comunhão divina.
Nesta unidade, estudaremos, inicialmente, o Novo Testa-
mento para depois analisar o Antigo, seguindo, assim, uma ordem
mais histórico-salvífica do que cronológica. De fato, a Revelação do
Deus Trino é:
• a revelação de Deus como Pai de Jesus, que, por sua vez;
• se revela como Filho e;
• revela o Espírito Santo como dom de ambos.

5. QUESTÕES INTRODUTÓRIAS
O tema que juntos iremos estudar é o mistério da Trindade.
Estamos adentrando, neste ponto, a mais “teológica” de todas as
disciplinas do curso de Teologia.
“Teologia”, de fato, é o esforço metódico para entender e
interpretar as verdades reveladas por Deus, ou melhor, a verdade
que é o próprio Deus. Trata-se não somente de procurar compre-
ender as verdades reveladas por Ele, mas de conhecer melhor o
Deus de toda verdade.

INFORMAÇÃO:
Santo Tomás mostra, magistralmente, que Deus é o tema da Te-
ologia não só quando esta trata, diretamente, de Deus, mas tam-
bém quando se ocupa de outros assuntos ao estudá-los em sua
relação com Deus.
“A sagrada doutrina trata tudo em referência a Deus, por tratar do
mesmo Deus ou das coisas que lhe digam respeito, como princípio
56 © Teologia Trinitária

ou fim. Pelo que Deus é verdadeiramente o objeto desta ciência;


o que também se demonstra pelos princípios da dita ciência, ou
artigos da fé, que Deus é objeto” (Sth I,1,7).
Leia também: CLODOVIS, B. O que estuda a Teologia e em que
perspectiva. In: Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes,
1998, p. 40-60.

Lembramos que o Catecismo da Igreja Católica afirma a cen-


tralidade do mistério que vamos estudar juntos:
O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da
vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo e, portanto, a fonte
de todos os outros mistérios da fé, é a luz que os ilumina. É o en-
sinamento mais fundamental e essencial na “hierarquia das verda-
des de fé” (Catecismo da Igreja Católica, § 234).

Temos, ainda, que entender um termo pertinente ao nosso


estudo, a “hierarquia das verdades de fé”, que:
É um princípio para interpretar (não para selecionar) as verdades
de fé segundo a sua proximidade do mistério central da fé: a reve-
lação da Trindade trazida por Cristo, mediante a qual fomos salvos.
Enunciado claramente pelo Concílio Vaticano II (UR 11), esse prin-
cípio tem precedentes bíblicos, particularmente quando o NT esta-
belece sinteticamente os pontos essenciais da fé (por exemplo, Rm
1,3-4; 1Cor 15,3-5). Todas as verdades devem ser aceitas, é claro,
mas o fato de classificar e interpretar estas verdades segundo a sua
relativa importância pode eliminar falsos acentos e facilitar o diálo-
go ecumênico (cf. DS 3016; FCC 1.081) (O’COLLINS, G.; FARRUGIA,
E. Gerarchia delle verità. In: Dizionario sintético di teologia. Editrice
Vaticana, 1995, p. 152).

Revelação e originalidade da noção cristã de Deus


Para falar de Deus e para chegar a crer no Pai, no Filho e no Espí-
rito Santo, é preciso partir do que o próprio Deus revelou de si mesmo
em Cristo. Em que o cristão crê e o que conhece de Deus se baseia no
fato de que Deus mesmo tomou a iniciativa de se dar a conhecer.
O tratado de Deus Trino não é fruto de lucubrações nem a
fé trinitária é o resultado da evolução do pensamento humano,
pensamento esse que, por um movimento contínuo de ascensão,
parte das realidades mundanas e chega até Deus.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 57

A fé e a doutrina trinitária só são possíveis porque Jesus veio


ao mundo e nos deu a conhecer sua glória de Filho único do Pai.
Ele revelou o Deus que habita em luz inacessível, que não conhecí-
amos nem podíamos conhecer (cf. 1Tm 6,16; Ex 33,20).
Jesus revela Deus fazendo-nos participar de sua vida, dando-
nos de sua própria plenitude e comunicando-nos sua graça e ver-
dade (cf. Jo 1,14.16-18). Ele não nos comunica “verdades”. Ele nos
revela e nos comunica a si mesmo. A revelação de Jesus é autorre-
velação e autocomunicação.
Por ser autocomunicação do Deus verdadeiro, a autocomu-
nicação divina é trinitária: Jesus faz-nos conhecer Deus e, revelan-
do-nos seu Pai, manifesta-se como o Filho do Pai.
A revelação do Deus Trino é a revelação de Deus como o Pai
de Jesus, que comporta a revelação de Jesus como o Filho de Deus,
de Deus como nosso Pai e do Espírito Santo, dom do Pai e de Jesus,
que nos introduz na intimidade da vida deles.
Podemos ter acesso ao mistério do Pai e do Filho no Espírito
Santo, uma vez que “ninguém pode dizer: ‘Jesus é o Senhor!’, se-
não pelo Espírito” (1Cor 12,3).
A profundidade do mistério de Deus só se conhece com a
revelação de Cristo. Somente Cristo diz-nos tudo o que ouviu de
seu Pai (cf. Jo 15,15).
Com essa convicção neotestamentária, pode ser que tenha
surgido em você uma pergunta: se o que sabemos de Deus vem de
Jesus Cristo, isto significa que nada pode ser conhecido de Deus
fora da revelação cristã? A revelação cristã torna inútil o que ou-
tras tradições religiosas e a Filosofia conhecem de Deus?

INFORMAÇÃO:
A visão cristã de Deus tem, de fato, uma grande originalidade. Mas
essa originalidade não significa que nada podemos saber de Deus
fora da revelação cristã.
A plenitude da revelação não é quantitativa, mas, sim, qualitativa;
58 © Teologia Trinitária

não é extensiva, mas é intensiva. A própria fé reconhece que a


revelação do Antigo Testamento é parte integrante da mensagem
cristã mesmo sem negar que ela receba seu sentido definitivo em
Jesus Cristo.

Uma longa tradição cristã afirma que, nas tradições religiosas,


se encontram sementes do Verbo e a presença ativa do Espírito.
Também os documentos do Magistério reafirmam a possibi-
lidade de um conhecimento de Deus com base nas obras da cria-
ção (cf. Sb 13,1-9; Rm 1,19-23), o que pode levar à certeza de sua
existência (DS 3004).
O documento Nostra Aetate afirma que a Igreja não rejeita
nada do que há de verdadeiro e santo nas religiões e, por isso, exor-
ta os cristãos a reconhecer, manter e desenvolver os bens espirituais
e morais e os valores socioculturais que nelas estão presentes.

INFORMAÇÃO:
A Igreja Católica nada rejeita do que há de verdadeiro e santo nes-
sas religiões. Ela considera com sincera atenção aqueles modos
de agir e viver, aqueles preceitos e doutrinas. Se bem que em mui-
tos pontos estejam em desacordo com os que ela mesma tem e
anuncia; não raro refletem lampejos daquela verdade que ilumina
todos os homens. Ela anuncia e vê-se, de fato, obrigada a anun-
ciar, incessantemente, o Cristo, que é “caminho, verdade e vida”
(Jo 14,6), no qual todos os homens podem encontrar a plenitude
de vida religiosa e no qual Deus tudo reconciliou a Si. Exorta, por
isso, seus filhos, a que, com prudência e amor, por meio do diálogo
e da colaboração com os seguidores de outras religiões, testemu-
nhando sempre a fé e a vida cristãs, reconheçam, mantenham e
desenvolvam os bens espirituais e morais, como também os va-
lores socioculturais que entre eles se encontram (NA 2) (VIER, F.
Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações.
Petrópolis: Vozes, 1968.

O cristianismo é, com razão, uma religião monoteísta ao lado


do judaísmo e do islamismo. Mas o monoteísmo cristão não pode
ser identificado, pura e simplesmente, com essas grandes tradi-
ções monoteístas.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 59

A unidade última de Deus, a maior em que podemos pensar,


é, em si mesma, plural, tripessoal. O Deus que se revela em Jesus
é o Deus Uno e Trino.
A doutrina da unidade divina na Trindade e da Trindade na
unidade que a Igreja elaborou são consequências diretas do Deus
que Jesus nos deu a conhecer e em cuja comunhão somos introdu-
zidos pelo Espírito derramado em nossos corações.

INFORMAÇÃO:
A unidade de Deus não é um apêndice ou uma questão secundá-
ria da Teologia ou da fé. Pelo contrário, estamos diante do núcleo
mais profundo da Teologia e da fé.

Teologia diante de Deus


Ao Deus que se revela, corresponde uma resposta humana
de fé e, em dependência dessa resposta, uma reflexão sobre as
razões da própria fé (intellectus fidei).
Há, portanto, uma ordem que condiciona e subordina a Teo-
logia ao Deus que se revela: o discurso sobre Deus é um ato segun-
do em relação à fé, e esta, à revelação.
Primeiro se crê, depois o crente se volta para o objeto de sua
fé para buscar sua inteligência. Como fides quaerens intellectum
(fé que busca a inteligência), a Teologia está sempre em busca e
nunca alcança respostas definitivas e últimas que esgotem o mis-
tério de Deus Trino.
Com efeito, a revelação de Deus em Jesus Cristo confronta-
nos com o próprio mistério de Deus. Por isso, não devemos pensar
que a revelação acontecida em Cristo nos “explique” o ser de Deus
ou reduza seu mistério a algo “compreensível”; pelo contrário, o
Deus conhecido é o Deus incompreensível.
60 © Teologia Trinitária

PARA VOCÊ REFLETIR:


Não é a inteligência humana que compreende o mistério de Deus
Trino; ela é que se deixa tomar pela fé. De fato, “o mistério não
é um muro onde a inteligência esbarra, mas um oceano onde a
gente mergulha” (SCHNEIDER).

É preciso reconhecer, porém, uma verdade ainda mais radi-


cal do mistério: Deus é mistério não somente por causa da limita-
ção e da finitude do ser humano; Deus não é somente misterioso
para o ser humano; Ele o é em si mesmo.
Por isso, não devemos pensar que a autocomunicação de
Deus atenue de alguma maneira a profundidade do mistério im-
perscrutável de Deus.

INFORMAÇÃO:
Quanto maior for a proximidade de Deus, maior ainda será a pos-
sibilidade de constatar sua grandeza imperscrutável. Quanto mais
Deus se revela, maior ainda é seu mistério, e não o inverso! Se
maior é a revelação, maior é o saber do não saber, porque esta
nos coloca diante da imensa grandeza de Deus.

O que se sabe de Deus, sabe-se na condição de incompre-


ensível, como nos mostra o trecho a seguir: “Quanto mais cresce
o conhecimento do mistério, mais inexaurível se nos apresenta a
sua riqueza e profundidade, mais avulta, mais operoso e fecundo
se revela o silêncio” (FORTE, 1987, p. 21).
Na revelação cristã, a transcendência e a proximidade de Deus
ao ser humano não devem ser apresentadas em contradição: o mis-
tério de Cristo, que nos revela o Pai, coloca-nos diante da expressão
do mistério insondável de Deus, que paradoxalmente se pode fazer
mais próximo de nós quanto maior for sua transcendência.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 61

A revelação de Deus não dilui seu mistério, mas o afirma.


O encobrimento de Deus é o encobrimento em sua revelação: o
“Deus revelado é o Deus escondido” (LATOURELLE & FISICHELLA.
Dicionário de teologia fundamental. Aparecida/Petrópolis: Santu-
ário-Vozes, 1994, p. 217).
Em relação à Trindade, falar de encobrimento não significa o
contrário de sua revelação. A máxima manifestação de Deus Amor
dá-se, exatamente, no momento em que a glória divina se encobre
no despojamento da paixão e da morte de Jesus na cruz.
Assim, o encobrimento de Deus é o encobrimento de sua
glória na paixão e morte de Jesus, que é a máxima manifestação
do amor de Deus aos homens. O fato de que Deus enviou seu Filho
ao mundo, entregando-o à morte, manifesta o mistério de Deus
sempre maior.
Veja o que diz Forte (1987, p. 89-90) sobre o mistério de
Deus:
Mistério não é tanto um caminho interrompido da indagação hu-
mana quanto o velado fazer-se presente do Deus maior, o oferecer-
se da Glória sob os sempre opacos sinais da história. Mistério não é
o silêncio da incapacidade humana de dizer [...]; o mistério é a Pala-
vra divina que se faz presente aos homens nas palavras e nos acon-
tecimentos da história da salvação. Entendida assim, a experiência
do mistério comporta uma irredutível dialética de escondimento e
de revelação: nas suas obras Deus se manifesta, mas não se deixa
aprisionar; ele está “lá”, e, no entanto, está sempre “além”, maior
do que a mediação do evento ou da palavra com que se comunicou
ao homem. Revelando-se, Deus se vela; comunicando-se, oculta-
se; avizinhando-se, afasta-se. E ao mesmo tempo velando-se, dá-se
a conhecer; ocultando-se, manifesta-se; afastando-se, avizinha-se.

6. REVELAÇÃO DE DEUS COMO PAI DE JESUS


A revelação da paternidade de Deus é um dos pontos fun-
damentais, para não dizer centrais, da mensagem evangélica. Ela
aparece essencialmente ligada à pessoa de Jesus, que não so-
mente fala de Deus como seu Pai, mas também o invoca como
62 © Teologia Trinitária

tal. Você pode conferir essa informação nos textos bíblicos de:
Mc 14,36; Rm 8,15; Gl 4,6.
Quando Jesus tem como interlocutor Deus, sempre o cha-
ma de “Pai” (Mc 15,34; Mt 27,46; 11,25-27; Lc 10,21-22). O Filho
manifesta com esse modo peculiar de invocação a consciência de
sua proximidade com Deus, a familiaridade e o imediatismo de
sua relação com o Pai.
Na experiência humana que Jesus faz do Abbá, aproxima-
mo-nos do núcleo central da identidade pessoal e do mistério
de Jesus.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre esse tema, su-
gerimos a seguinte leitura: Mysterium Salutis, vol. II/1, p. 84-85.

INFORMAÇÃO:
Em Jesus de Nazaré, revela-se uma profundidade, até então in-
suspeita, da paternidade de Deus e da filiação que dela deriva.
Pode-se dizer que o desenvolvimento da tradição cristã, em geral,
e da doutrina trinitária, em particular, tem seu fundamento na expe-
riência humana que Jesus teve de Deus. A “experiência do Abbá”
de Jesus de Nazaré, a consciência de sua filiação única e a posse
do Espírito são os germes da doutrina trinitária posterior.

A função reveladora de Jesus, bem como sua obediência à


vontade do Pai e sua contínua referência a Ele são sublinhadas
com ainda mais insistência no Quarto Evangelho. No corpus iohan-
neum, encontram-se 141 referências a Deus como Pai das 261 que
ocorrem em todo o Novo Testamento.

INFORMAÇÃO:
Corpus iohanneum é um jargão que significa “corpo Joanino”, ou
seja, o conjunto dos escritos de João: seu Evangelho e suas três
cartas.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 63

Nos lábios de Jesus, “Pai” é, para o Evangelho de João, o


modo normal de designar Deus, enquanto que “Filho” é a deno-
minação habitual que Jesus usa para designar a si mesmo. O Pai
é aquele que enviou Jesus ao mundo (Jo 5,36-37; 6,44.57; 8,42;
13,3; 16,17-28). Ele marcou o Filho com seu selo (Jo 6,27). Com
a missão do Filho, Deus mostrou seu amor pelos homens (3,16s;
1Jo 4,7-21) e, desse modo, abriu-nos uma nova perspectiva para
conhecer o ser mesmo de Deus.
A revelação da paternidade de Deus é um tema tão impor-
tante que chega a ser repetido várias vezes no Evangelho de João,
como você pode conferir a seguir:
a) O Pai é, também, aquele que Jesus conhece (Jo 10,15)
e dá a conhecer (14,8). Jesus obedece ao Pai (Jo 4,34;
5,19s; 6,38-40; 12,49). É aquele de quem Jesus vive e de
cuja vida faz os homens participarem (5,26; 6,57).
b) Jesus volta para o Pai depois de ter cumprido a obra
que devia realizar neste mundo (Jo 13,1; 14,28; 17,4.5;
20,17). O Pai deu a Jesus o poder que tinha (5,19ss), ou
seja, o poder de ressuscitar os mortos, de julgar; de fazer
tudo o que Ele mesmo faz.
c) O Pai dá testemunho em favor de Jesus (5,37); ama-o,
e, a esse amor, Jesus corresponde (Jo 3,35; 5,20; 14,31;
15,9). Igualmente amará, também, aos que guardam os
mandamentos de Jesus (14,21ss).
d) O Pai é aquele que glorificará o Filho como este o glori-
fica (17,1ss). Pai e Filho são um só, e, dessa unidade, os
fiéis são chamados a participar (Jo 10,30; 17,21ss). Jesus
intercede junto ao Pai por todos os fiéis depois que res-
suscitou e subiu aos céus (14,13.16; 16,24ss).
Como você pode notar, essas indicações tiradas do Evange-
lho de João mostram como o Pai é o constante ponto de referência
de Jesus. Nenhum aspecto de sua vida e de sua morte, de sua pa-
lavra e de suas obras, de sua ação e de sua oração se explica sem
essa referência ao Pai.
64 © Teologia Trinitária

INFORMAÇÃO:
Sem essa referência ao Pai, é impossível para nós ter acesso ao
mistério da pessoa do Filho: Jesus vive constantemente orientado
para o Pai; a Ele, compete a primazia absoluta de sua vida inteira;
a comunhão entre eles é total.

A revelação de Deus como Pai que envia Jesus equivale à re-


velação de Deus como Amor. Graças a essa revelação, Deus, o Pai,
é definido como Amor em 1Jo 4,7-10.16:
Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus e
todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele
que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é Amor. Nisto
se manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou o seu Filho
único ao mundo para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor:
não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e
enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos peca-
dos. E nós temos reconhecido o amor de Deus por nós, e nele acre-
ditamos. Deus é Amor: aquele que permanece no amor permanece
em Deus e Deus permanece nele.

Nesse trecho, é clara a passagem da economia salvadora


para o ser mesmo de Deus. O autor descobre que Deus é amor em
seu ser mais profundo na atuação divina e no fato singularíssimo
de que enviou seu Filho ao mundo para dar sua vida aos homens.

INFORMAÇÃO:
De fato, Deus ama até o ponto de entregar o que lhe é mais caro
a fim de salvar os homens. Nesse dar e dar-se a si mesmo, nesse
compadecer-se e querer salvar está o verdadeiro amor. É, justa-
mente, esse amor, manifestado no envio do Filho, aquilo que cons-
titui a essência de Deus. No amor que se manifesta na doação de
Jesus, entrevê-se um novo modo de ser amor de Deus “ad intra”.
O Novo Testamento abre-nos ao mistério da vida intradivina na
revelação que aconteceu em Jesus.

Lancemos, agora, um breve olhar sobre as cartas paulinas.


Nelas, vemos com clareza que a iniciativa da criação é de Deus Pai;

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 65

d’Ele tudo procede por meio do único Senhor Jesus Cristo (1Cor
8,6; Rm 11,36).
Essa iniciativa de Deus Pai na criação nos coloca, de um
lado, na continuidade com o Antigo Testamento, mas nos mostra,
por outro lado, a novidade: o Deus criador é o Pai de Jesus, que
tudo realiza mediante o Filho (Cl 1,15ss; Hb 1,2-3; Jo 1,3.10). De
Deus, vem a iniciativa da missão de Jesus e de sua última vinda
(1Tm 6,14; Hb 3,20).
A paternidade de Deus manifesta-se, especialmente, na
ressurreição. Paulo vê Deus como o Pai do Senhor ressuscitado
(2Cor 1,3; 11,31; Ef 1,17; Fl 2,11; Rm 6,4). Desde então, o Deus
cristão não é outro senão o Pai de Jesus (Ef 1,2-3; 1Pd 1,3). O tí-
tulo de “Pai” fica assim incorporado, definitivamente, à confissão
do Deus cristão.

7. JESUS REVELASE
Para falar de si mesmo, parece que o Jesus histórico não usou
muito o título “Filho”. Em controvérsia, ele fazia uso frequente e
habitual do nome “Pai” para se referir a Deus. Somente no “hino de
júbilo” (Lc 10,21ss) é que encontramos essa autodenominação.

Hino de júbilo (Lc 10,21ss) –––––––––––––––––––––––––––––


Para você se aprofundar nesse tema, leia: JOÃO PAULO II, Dominum et vivifi-
cantem, n. 20-21.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Por isso, essa perícope pode ser considerada um dos mo-


mentos culminantes em que se manifesta a relação da intimidade
de Jesus com Deus: “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e nin-
guém conhece o Pai a não ser o Filho” (Mt 11,27; Lc 10,22).
66 © Teologia Trinitária

INFORMAÇÃO:
Do grego perikopé, esta é a ação de cortar em volta. “Perícope”
significa, portanto, “passagem bíblica” ou “trecho da Escritura”.

Em nenhum lugar, encontramos Jesus designando-se “Filho


de Deus”. Esse título nunca aparece nos lábios de Jesus, o que
pode ser explicado pelo fato de que ele não proclama a si mesmo,
e, sim, ao Pai. Segundo os sinóticos, Jesus é proclamado Filho de
Deus pela voz do Pai nos momentos do batismo e da transfigura-
ção (cf. Mc 1,11; 9,7).
Mesmo não sendo uma autodenominação, o título “Filho”,
mais do que outros, indica a identidade última de Jesus, já que
evidencia sua relação única com Deus Pai.
Como você já viu anteriormente, nos escritos de João, “Fi-
lho” é a denominação normal com a qual Jesus se refere a si mes-
mo em correlação com o uso maciço da palavra “Pai” com que Ele
se refere a Deus.
Essa relação filial de Jesus com o Pai é única e não se repete.
Inclusive, no Evangelho de João, Jesus nunca equipara sua filiação
com a filiação adotiva: Jesus é o Filho por excelência; “o Filho” (em
grego: ho hiós), em contraposição aos homens, que são “filhos”
(em grego: tekná). Ele é, também, o “Filho Unigênito” (Jo 1,14.18;
3,16.18; 1Jo 4,9). Esta é, aliás, a finalidade do Evangelho de João,
isto é, a de demonstrar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus (Jo
20,31).

8. FILHO ENCARNADO PELA AÇÃO DO ESPÍRITO


Estudaremos, agora, os textos que falam da ação do Espírito
Santo em Jesus.
Segundo Mateus e Lucas, a encarnação de Jesus realiza-se
pela ação do Espírito Santo (cf. Mt 1,20; Lc 1,35).

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 67

No momento em que Jesus entra no mundo, na hora em que


ele é enviado pelo Pai, o Espírito desce sobre Maria. Prestemos
atenção neste fato: o Espírito desce, diretamente, sobre Maria, e
não sobre Jesus (cf. Lc 1,35).
A ação criadora do Espírito de Deus (cf. Gn 1,2; Sb 1,7) al-
cança, nesse momento, seu ponto alto: ao descer sobre Maria, o
Espírito torna possível a encarnação do Filho. Nesse sentido, sua
ação “precede” a encarnação do Filho.
Em contrapartida, pode-se dizer, também, que a presença do
Espírito em Cristo é posterior à encarnação: o Espírito está presen-
te na humanidade de Jesus, que foi criada pela própria assunção
de uma natureza humana pelo Filho na união hipostática.

INFORMAÇÃO:
União hipostática: é “a união entre a plena divindade e huma-
nidade em uma pessoa (divina) de Jesus Cristo. Isso acontece
quando o ‘Verbo se fez carne’ (Jo 1,14; cf. DS 252-263; 301-302)”
(O’COLLINS; FARRUGIA, 1995, p. 406).

Partindo desse ponto de vista, a presença do Espírito pode


ser considerada, logicamente (não cronologicamente), “posterior”
à união hipostática: a humanidade de Jesus é criada no momento
em que é assumida pelo Verbo, e é nessa humanidade que o Espí-
rito se faz presente.

9. JESUS UNGIDO NO ESPÍRITO SANTO


Como já estudamos anteriormente, para o Novo Testamen-
to, Jesus é o Filho de Deus, o unigênito, cuja condição filial é única
e não se repete em nenhum outro.
Mas Jesus é, também, o “ungido” (o Messias, o Cristo) com
o Espírito. Em outras palavras, Jesus é o Filho e o portador do Es-
pírito. A missão do Espírito Santo relaciona-se com o fato de que
Jesus é o portador do Espírito. Por isso, a Teologia Trinitária deve
68 © Teologia Trinitária

dedicar atenção ao batismo de Jesus como o momento da unção


de Cristo com o Espírito.
O Novo Testamento apresenta dois momentos cronologica-
mente diferentes da unção de Jesus com o Espírito:
• A encarnação por obra do Espírito Santo, em virtude da
qual Jesus é “santo” desde o primeiro momento.
• A unção acontecida no Jordão, na qual Jesus, proclamado
solenemente Filho de Deus, começa sua missão de prega-
ção e manifesta em sua ação que é movido pelo Espírito
de Deus.
Na Teologia dos primeiros padres da Igreja, essa unção no
Jordão ocupou um lugar relevante. Irineu, por exemplo, ressalta
que, enquanto o Verbo de Deus era homem, da raiz de Jessé e da
descendência de Abraão, o Espírito de Deus descansava sobre ele
e o ungia para evangelizar os pobres (cf. IRINEU DE LIÃO, Adversus
Haereses. III, 9,6).
A identidade de Jesus consiste em ser o Ungido e o Verbo de
Deus, e não um simples homem. Ele é, porém, ungido em sua hu-
manidade, não como Deus, porque, como Deus, não necessitava
de tal unção.
Como homem, Jesus tampouco necessitava do batismo para
o perdão dos pecados. Isto não quer dizer que o batismo e a unção
não tenham para Jesus significado algum.
Irineu observa que Jesus recebeu a unção para poder cum-
prir a missão de evangelizar os pobres. Ao mesmo tempo, essa
unção de Jesus está destinada aos homens e à Igreja. Repousan-
do sobre a humanidade de Jesus e nela permanecendo, o Espírito
“acostumava-se” a estar com os homens:

INFORMAÇÃO:
A expressão “acostumar-se” é usada por Irineu para falar da peda-
gogia de Deus, que se baseia na imagem da mútua familiaridade
entre Deus e o homem: “O Verbo de Deus habitou no homem e

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 69

fez-se Filho do homem para acostumar o homem a apreender a


Deus e acostumar Deus a habitar no homem, segundo o beneplá-
cito do Pai” (IRINEU DE LIÃO, Adversus Haereses, III, 29,2).

“Deus prometera, por meio dos profetas, que, nos últimos


tempos, derramaria seu Espírito sobre seus servos e suas servas
para que recebessem o dom da profecia. Por isso, o Espírito Santo
desceu sobre o Filho de Deus, que se fez Filho do homem, habitu-
ando-se, com ele, a conviver com o gênero humano, a repousar
sobre os homens e a morar na criatura de Deus. Assim, renovava
os homens segundo a vontade do Pai, fazendo-os passar de sua
antiga condição para a vida nova em Cristo” (IRINEU DE LIÃO, Ad-
versus Haereses, III, 17,1).
Irineu vê no batismo no Jordão uma manifestação da Trinda-
de. Essa leitura trinitária do batismo tem seu ponto de partida no
título “Cristo”:
“No nome de Cristo se subentende aquele que unge, o que
é ungido e a unção com a qual é ungido. O Pai ungiu, foi ungido o
Filho, no Espírito que é a unção [...], significando assim o Pai que
unge, o Filho ungido e o Espírito Santo que é a unção” (IRINEU DE
LIÃO, Adversus Haereses, III,18,3).
Infelizmente, essa rica teologia da unção de Cristo desapare-
ceu da consciência da Igreja relativamente cedo. Predominou uma
corrente com tendência a identificar ou reduzir a unção à encar-
nação. Assim, o fato de que o Espírito descansa ou permanece em
Jesus se confunde com a união hipostática.
Segundo essa concepção, que identificava unção à encarna-
ção, já não era mais o Espírito que ungia o Verbo feito homem,
mas era a divindade que ungia a humanidade.
Santo Agostinho, aliás, pensava que era impossível que, no
Jordão, Jesus tivesse sido ungido com o Espírito Santo.
Para o hiponense, o batismo no Jordão tinha, para Jesus,
somente um valor declarativo daquilo que já era uma realidade
70 © Teologia Trinitária

desde o primeiro instante da vida de Cristo e daquilo que iria se


realizar na Igreja (cf. De Trin. XV 26,46).

ATENÇÃO!
Para aprofundar esse assunto e sobre ele refletir, leia: AGOSTI-
NHO. A Trindade (XV, 26,46). São Paulo: Paulus, 1995, p. 546-
550.

Assim, a ideia de uma dimensão trinitária da unção (o Pai


unge Jesus com o Espírito) desapareceu na Igreja e na Teologia do
Ocidente.
Podemos nos perguntar: afinal, a unção de Jesus como Mes-
sias se dá na encarnação ou no batismo?
Para responder a essa pergunta, é preciso esclarecer alguns
pontos.
Inicialmente, a encarnação e a unção de Jesus devem ser dis-
tinguidas e, ao mesmo tempo, articuladas. Jesus é o Filho de Deus
encarnado e, ao mesmo tempo, é o “Cristo”, o portador e o doador
do Espírito.
É preciso reconhecer que, segundo as Escrituras, há uma di-
ferença temporal entre as duas missões: a do Filho tem lugar no
momento da encarnação, e o envio do Espírito sobre Jesus acon-
tece no Jordão.
Deve ficar claro, por fim, que a santificação da humanidade
de Jesus, por obra do Espírito Santo no momento da encarnação,
não é colocada em dúvida. Jesus é, pessoalmente, desde a encar-
nação, o Messias, o Cristo (cf. Lc 2,11; Mt 1,1.16-18).
Não devemos parar aqui. É preciso continuar seguindo os
sinóticos que afirmam que somente depois da nova efusão do Es-
pírito e de sua manifestação aos homens no Jordão é que Jesus
começa a exercer sua função messiânica.
O batismo, portanto, tem significado não somente para nós,
mas também para o próprio Jesus. Não foi, unicamente, uma ma-

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 71

nifestação para que os outros pudessem perceber algo que já pos-


suía.
Sem cair no adocianismo, podemos ver momentos de “novi-
dade” no caminho histórico de Jesus para o Pai, que culminará na
ressurreição: o Espírito atua em Jesus; conduz o Filho em seu cami-
nho histórico para o Pai; e, no Espírito, Jesus obedece, livremente,
aos desígnios paternos.
Não são de pouca importância as alusões à atuação do Espí-
rito em Jesus que podemos encontrar nos evangelhos.
O Espírito impele Jesus a ir ao deserto (cf. Mc 1,12 par.). Je-
sus dirige-se ao deserto “cheio do Espírito Santo” (Lc 4,1). Ele volta
para a Galiléia com a força do Espírito e inicia seu ministério (cf. Lc
4,14). Declara-se ungido para evangelizar os pobres (cf. Lc 4,18; Is
61,1s). Em virtude do Espírito de Deus, Jesus expulsa os demônios
(cf. Mt 12,28; Mc 3,22.28-30).
Não reconhecer essa presença em Jesus é blasfêmia contra
o Espírito Santo. Jesus exulta no Espírito Santo (cf. Lc 10,21). Ele se
oferece ao Pai, em virtude do Espírito eterno, na paixão e na morte
(cf. Hb 9,14).
Por causa de tudo isso, sem esquecer uma presença do Espí-
rito em Jesus desde a encarnação e sem negar sua condição pes-
soal de Messias, parece mais coerente com o Novo Testamento co-
locar no momento do batismo a unção messiânica, que o habilita
para o exercício de seu ministério entre os homens.
No batismo, o frasco do perfume salvador de Deus é aberto;
na paixão e morte, esse frasco é quebrado, derramando, de uma
vez por todas, o perfume da salvação sobre toda a humanidade.
Outra questão, além do momento da unção messiânica, é a
que se refere ao sujeito ativo dessa unção. É o Pai ou é o próprio
Jesus quem unge sua humanidade? Mais uma vez, deve-se reco-
nhecer que não corresponde à mentalidade do Novo Testamento
dizer que o Filho unge sua própria humanidade no Jordão.
72 © Teologia Trinitária

É o Pai que unge Jesus, não é o Filho que unge sua humani-
dade. Além disso, a descida do Espírito sobre Jesus deve ser vista
em relação com a voz do céu que proclama Jesus como o Filho: “Tu
és meu Filho amado, em ti me comprazo” (Mc 1,11).
A identidade de Jesus como Filho se manifesta nesse mo-
mento, e a descida do Espírito Santo não pode ser separada da
realização da obra de Jesus, que, como Filho de Deus, cumprirá sua
tarefa, delegada pelo Pai.

INFORMAÇÃO:
O momento do batismo é capital para a revelação da filiação de
Jesus, em plena identificação pessoal com a missão que o Pai lhe
confiou.

O batismo do Senhor é um momento de manifestação de


Jesus em sua unção com o Espírito pela iniciativa do Pai.
Em relação ao batismo no Jordão, cabe, ainda, outra ques-
tão: qual é a “identidade” do Espírito que desce sobre Jesus? Evi-
dentemente, hoje sabemos que esse Espírito é do Pai e do Filho,
mas é preciso respeitar uma “história” da revelação do mistério
trinitário e, consequentemente, do mistério do Espírito Santo.
No momento do batismo, o Espírito não se manifesta, ainda,
como o Espírito do Filho. Essa manifestação vai se dar mais tarde,
no momento da ressurreição.
O Novo Testamento nunca se refere ao Espírito do Filho ou
de Jesus no momento em que ele desce no Jordão. No entanto, já
na vida terrena de Jesus, podemos intuir que o Espírito Santo é,
também, o Espírito do Filho.
Jesus possui o Espírito como algo próprio, não somente como
algo recebido de fora. Enquanto é o Espírito do Pai, ele desce sobre
Jesus e o impele a cumprir sua missão. Enquanto Espírito do Filho,
este, livremente, se faz obediente ao Espírito do Pai, que o guia.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 73

PARA VOCÊ REFLETIR:


O Espírito Santo não é para Jesus um mero princípio externo; ele
habita nele e nele permanece como em seu lugar natural.

Nessa disponibilidade do Filho e na livre obediência ao Pai,


manifesta-se, historicamente, a filiação eterna de Jesus. Na ple-
na manifestação dessa filiação na ressurreição, será manifestada,
também plenamente, a identidade do Espírito como Espírito do
Pai e do Filho, porque, nesse momento, Jesus ressuscitado poderá
comunicá-lo aos homens.

10. REVELAÇÃO TRINITÁRIA NO EVENTO DA MORTE


DE JESUS
No mistério pascal da morte e da ressurreição de Cristo, rea-
liza-se a manifestação máxima de Deus Trino.
Chegamos, assim, ao momento fundamental da revelação
do Deus Amor, da paternidade, da filiação e da efusão do Espírito
Santo. De fato, o momento em que se mostra o máximo do amor
divino aos homens (a entrega de Cristo na cruz) não pode ser algo
indiferente para a revelação de quem é Deus.
Se Jesus em toda sua vida (palavra e obra) nos revela Deus,
com mais razão ainda, no momento supremo de sua existência,
ele nos mostra algo muito importante e decisivo sobre o amor de
Deus e sobre a vida da Trindade.
Evidentemente, deve-se considerar o mistério pascal sempre
em sua unidade de morte e de ressurreição, mas, por motivos pe-
dagógicos, será necessário tratar de uma e, depois, de outra.
No campo católico, von Balthasar foi quem desenvolveu o
tema da revelação trinitária no evento da cruz. Segundo ele, no
sofrimento de Jesus e em sua kénosis total, aparece a glória de
Deus (2Cor 4,6).
74 © Teologia Trinitária

INFORMAÇÃO:
kénosis: é uma expressão grega que significa aniquilamento e es-
vaziamento; é o modo como o Filho se autocomunicou na história.
Opõe-se à doxa, que significa o modo de glória (BOFF, L. A trinda-
de, a sociedade e a libertação. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 288).

Mas isto não significa eliminar o realismo da paixão nem ate-


nuar o evento da cruz, como se o crucificado, sem sofrer comoção
alguma em sua união com Deus, morresse recitando salmos na paz
de Deus.
O grito de abandono (cf. Mt 27,46; Mc 15,34) não é, simples-
mente, a recitação do Salmo 22. Pelo contrário, nele se manifesta,
em grau máximo, a experiência de um abandono real.
Essa experiência não é menos intensa nem menor do que
outras experiências de abandono testemunhadas pela Escritura e
pela tradição da Igreja. Em última análise, trata-se do princípio que
Irineu formulou contra os gnósticos: Cristo não pode exigir de seus
discípulos nenhum sofrimento que Ele próprio não tenha padeci-
do em sua condição de mestre.

ATENÇÃO!
Para aprofundar esse princípio, sugerimos que você leia: FEINER,
J.; LÖRER, M. (Org.). Mysterium Salutis, III/6, 85-86; Irineu de
Lião, Adversus Haereses, III, 18,5-6.

Além de reconhecer todo o realismo do abandono de Jesus


pelo Pai, é preciso indicar qual é o alcance desse abandono, que,
paradoxalmente, nos revela o mistério do amor divino.
A história da paixão de Cristo é um evento entre o Pai e o
Filho no Espírito Santo. Assim, a paixão e a cruz de Cristo são con-
textualizadas no mistério da relação paterno-filial. É Jesus, o Filho,
quem se sente abandonado pelo Pai, e não somente “sua huma-
nidade”.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 75

O drama do abandono não deve ser visto, somente, como


uma questão de relacionamento entre humanidade e divindade.
Devemos aceitar a realidade do abandono e da obscuridade que
Cristo experimenta em sua paixão. A força da afirmação de que
Jesus foi feito pecado por nós não deve ser minimizada. Em 2Cor
5,21, lemos: “Aquele que não conhecera pecado, Deus o fez peca-
do por causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de
Deus” (cf. 2Cor 5,21).
Todo o amor do Pai, que entrega o Filho de seu amor aos
homens, e do Filho, que se entrega obedecendo ao Pai, mesmo
na angústia e na obscuridade, em solidariedade com os pecadores
afastados de Deus, manifesta-se na cruz.
A Comissão Teológica Internacional aludiu de maneira bas-
tante prudente à questão da revelação trinitária no mistério da
cruz. O documento “Questões Seletas de Cristologia” de 1979, nº
58, afirma:
O homem foi criado para se integrar, em Cristo e por ele, na vida
trinitária, e sua alienação de Deus, mesmo que grande, não pôde
ser tão grande quanto a distância entre o Pai e o Filho em seu ani-
quilamento kenótico (Fl 2,7) e no estado em que foi abandonado
pelo Pai (Mt 27,46). Trata-se do aspecto econômico da relação en-
tre as pessoas divinas, cuja distinção (na identidade de natureza e
do amor infinito) é máxima.

Dois pontos são importantes nessa afirmação:


O primeiro é que, no contexto da substituição vicária, o docu-
mento faz referência ao distanciamento entre o Pai e o Filho no des-
pojamento (kénosis) desse último e no abandono por parte do Pai.
Esse distanciamento é ainda maior do que aquele provocado
pelo pecado. Pode-se dizer que o pecado é dizer “não” a Deus.
Por esse “não”, o pecador aliena-se e separa-se de Deus. Mas no
abandono da cruz, o Filho experimenta uma distância do Pai ainda
maior (máxima) do que a solidão provocada pelo pecado.
Assim, o “não” do pecado e a alienação que ele provoca são
radicalmente superados pelo distanciamento entre Pai e Filho em
76 © Teologia Trinitária

seu despojamento e abandono. Por isso, o pecador não está mais


definitivamente só em sua alienação, mas em companhia do Filho
de Deus abandonado.
Deus irrompe a solidão do pecador e acompanha-o até na
situação mais extrema de sua escolha contra Deus. Dessa maneira,
abre-lhe a possibilidade de conversão.

INFORMAÇÃO:
O pecador distanciou-se de Deus na desobediência, mas essa
alienação foi radicalmente superada por Jesus, que assumiu so-
bre si as consequências dessa desobediência. De fato, Jesus não
é um pecador, mas aceitou se fazer plenamente solidário por amor
aos pecadores.

Assim, vemos, de um lado, a gravidade e o peso do pecado,


e, de outro, que o amor de Deus é capaz de se colocar na situação
do pecador: “Aquele que não conhecera pecado, Deus o fez peca-
do por causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de
Deus” (2Cor 5,21).
Deus entregou seu Filho, carregando-o do nosso pecado. Por
isso, na cruz, Jesus experimentou uma distância do Pai maior do
que a distância que o pecador experimenta ao se separar de Deus
na vida presente.

INFORMAÇÃO:
O Filho livremente toma sobre si todo o peso da realidade do pe-
cado. Isto explica a agonia na cruz e também é expresso no grito
do abandonado. Ele enfrenta o abismo do pecado, isto é, a sepa-
ração de Deus, mas o faz por amor, transforma o pecado em amor,
cancela-o e recria nossa condição de filhos.

O Filho experimentou na cruz a obscuridade da dificuldade


em aceitar o desígnio do Pai. É preciso entender com realismo o
“Abbá, Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; po-
rém, não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36 par.).

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 77

A experiência de Jesus na solidão da paixão é única como o


Cristo é único. Como a experiência que Jesus faz do amor do Pai
e de sua unidade com Ele é única, da mesma maneira, é única a
experiência da obscuridade em relação à vontade do Pai.
O segundo é que a manifestação econômica da distinção ima-
nente das pessoas se revela na cruz e no abandono do Filho pelo Pai.
O abandono é real, não aparente. Mostra, efetivamente, a distinção
das pessoas divinas que deve ser sempre vista na unidade.

PARA VOCÊ REFLETIR:


No abandono, revela-se a distinção na unidade. Por isso, o aban-
dono do Pai corresponde ao abandono confiante do Filho nas
mãos Dele (cf. Lc 23,46; Sl 31,6).

Não é suficiente pensar o grito de abandono como sendo o


“da humanidade” de Cristo. O clamor da cruz é sempre o clamor
do Filho que se dirige ao Pai. É, certamente, a voz do Filho como
homem, encarnado e despojado de sua dignidade por nós.
Todavia, no momento da paixão e da morte, é a relação com
o Pai o que está em primeiro plano. A história toda de Jesus − tam-
bém de sua paixão, morte e ressurreição −, é a história da relação
do Filho (como homem) com o Pai que o enviou ao mundo. Assim,
essa relação se dá entre as Pessoas divinas, não somente entre as
duas naturezas de Cristo.
O Pai entregou seu Filho ao mundo (cf. Mt 17,22). Contudo,
não devemos igualar a entrega que o Pai faz com a entrega que os
homens fazem. O Pai entrega o Filho nas mãos dos pecadores, mas
não como Judas.
Tampouco devemos imaginar que Deus se alegre com o so-
frimento do Filho. Deus aceita a morte de seu Filho pelas mãos dos
homens porque respeita nossa liberdade em suprema revelação
de seu amor. Deus Pai, aquele que gera o Filho, não pode querer,
diretamente, sua morte. Por isso, é preciso reconhecer os diversos
significados dessa entrega.
78 © Teologia Trinitária

ATENÇÃO!
Para aprofundar-se nesse assunto, leia: KESSLER, H. Jesus Cris-
to – caminho da vida. In: SCHNEIDER, T. H. (Org.). Manual de
dogmática (vol. I). Petrópolis: Vozes, 2001. p. 371-372.

Essa entrega por parte do Pai, porém, não encontra em Je-


sus rebelião alguma. Pelo contrário, há uma plena correspondên-
cia por parte de Jesus, que se entrega, também, por amor. Ele “me
amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Também o amor do Filho
pelos homens se manifesta nessa sua entrega. Trata-se, portanto,
do amor do Pai e do amor do Filho, da plena correspondência do
Filho ao desígnio do Pai.
Em sua paixão, Jesus não somente sofre o abandono, mas
também entrega seu espírito nas mãos do Pai (cf. Lc 23,46). Não se
pode falar, portanto, de um “conflito” intradivino.
Se o abandono de Jesus pelo Pai pode expressar a “distân-
cia”, a diferenciação das pessoas em Deus (que é máxima), a obe-
diência do Filho, a aceitação do desígnio do Pai e a confiança radi-
cal nele mostram a profunda unidade e a comunhão divina.
A distinção e o distanciamento revelados no abandono na
cruz, por mais que pareça, não podem negar nem destruir a uni-
dade entre o Pai e o Filho, que estão sempre em pura referência
recíproca.

11. RESSURREIÇÃO DE JESUS E A REVELAÇÃO DA


TRINDADE
Se estudarmos os textos do Novo Testamento que falam da
ressurreição de Jesus, veremos que, na maioria deles, a iniciativa
da ressurreição corresponde à iniciativa de Deus, o Pai (Rm 6,4;
8,11; 10,9; 2Cor 4,14; Ef 1,20).
Com a ressurreição, Deus manifesta-se em seu poder divino:
a fé na ressurreição de Jesus não é um acréscimo à fé em Deus, é a

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 79

expressão da fé no Deus cristão: Deus é o Pai de Jesus, que mostra


essa paternidade ao ressuscitá-lo dos mortos (cf. Gl 1,1).

INFORMAÇÃO:
O poder onipotente de Deus manifesta-se nessa paternidade, ou
melhor, identifica-se com ela. Muitas passagens do Novo Testa-
mento o confirmam: 2Cor 1,3; 11,31; Ef 1,17; Fl 2,11.

Em At 13,33, “Deus realizou-a [a promessa] plenamente para


nós, seus filhos, ressuscitando Jesus, como também está escrito”,
aplica-se a Jesus ressuscitado e exaltado Sl 2,7: “Tu és meu filho,
eu hoje te gerei”. A ressurreição é, assim, interpretada em termos
de geração.
Efetivamente, nesse momento da exaltação, Jesus adquire
a condição de Filho de Deus em todo o seu poder (cf. Rm 1,3-4).
Trata-se da exaltação filial do homem Jesus, uma vez que, em sua
divindade, o Cristo não necessita dessa exaltação. Se a paternida-
de de Deus coloca-se em relação com a ressurreição, é normal que
também a filiação divina de Jesus seja manifestada no fato de Ele
ser ressuscitado pelo Pai dentre os mortos.
Algumas passagens do Evangelho de João, no entanto, pare-
cem atribuir a iniciativa da ressurreição ao próprio Jesus. “Por isso
o Pai me ama, porque dou a minha vida para retomá-la. Ninguém
a tira de mim, mas eu a dou livremente. Tenho o poder de entregá-
la e poder de retomá-la” (Jo 10,17-18). Nessa perícope, porém, a
referência ao Pai está bem presente.
Outros textos do mesmo evangelho sublinham a iniciativa do
Pai na glorificação de Jesus (Jo 12,23. 28; 13,31-32; 17,1. 5). Por
isso, o quarto evangelho não constitui uma exceção na linha do
Novo Testamento de reconhecer a autoria do Pai na ressurreição.
A paternidade de Deus e a filiação divina de Cristo, que se
manifestam na ressurreição, permitem um conhecimento mais
profundo da Trindade imanente, isto é, conduzem ao reconheci-
mento e à afirmação da preexistência do Verbo.
80 © Teologia Trinitária

À luz da ressurreição, a Igreja primitiva chegou à convicção


de que Jesus é, desde sempre, o Filho de Deus, e não chegou a
sê-lo em sua ressurreição ou em algum momento de sua vida mor-
tal.
A vida do Verbo no seio do Pai, “no princípio”, precede e não
depende da economia da salvação, pelo contrário, constitui seu
único fundamento.
A filiação divina, que Jesus vive neste mundo e que se mani-
festa plenamente em sua ressurreição, tem seu fundamento trans-
cendente no próprio ser divino, em uma relação com o Pai prévia
à sua existência humana.
Foi, portanto, na “geração” de Jesus para a vida divina na
ressurreição, que o Novo Testamento pôde falar da existência do
Filho desde o princípio no seio do Pai, que o gerou eternamente
(cf. Jo 1,1ss; 8,58; 17,5.24; Rm 8,3; Fl 2,6; Gl 4,4; Ef 1.3ss; Hb 1,2).
Por outro lado, é somente com a existência divina de Jesus,
prévia à encarnação, que a economia pode ter seu fundamento no
ser mesmo de Deus e ser, assim, a comunicação da vida de Deus
aos homens.
A ressurreição de Jesus, na qual o Pai “gera” o Filho, tem, tam-
bém, uma repercussão para o próprio Deus. Dado que a vida huma-
na de Jesus “afeta” a vida intradivina, a plena incorporação de Cris-
to, também em sua humanidade na vida divina, faz-se necessária.
O Filho, tendo-se encarnado, somente será Filho de Deus se,
também, sua humanidade for elevada à gloria divina. Mesmo sem
negar a liberdade e a gratuidade da ação salvadora de Deus, é pre-
ciso reconhecer que, uma vez que se dá a encarnação, a ressurrei-
ção torna-se uma exigência da própria geração eterna, inclusive
uma manifestação ou uma expressão desta.
A relação de unidade do Pai e do Filho manifesta-se na res-
surreição e exaltação de Jesus. Inseparável delas, a efusão do Es-
pírito Santo, dom do Pai e do Filho, expressa a união dos dois e a

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 81

pertença do Pneuma ao âmbito divino, juntamente com as duas


primeiras pessoas.
O Espírito Santo intervém na ressurreição de Jesus, cuja ini-
ciativa pertence ao Pai. Não são muitos os textos que se referem
a Ele. Os poucos que o fazem são, porém, muito significativos. O
mais claro é Rm 1,4: “estabelecido Filho de Deus com poder por
sua ressurreição dos mortos, segundo o Espírito de santidade, Je-
sus Cristo nosso Senhor”.
A filiação divina de Jesus em poder realiza-se em virtude do
Espírito Santo: o Pai ressuscita Jesus no Espírito. Esse Espírito de
Deus, que no AT é a força criadora que robustece o homem, é,
agora, força de ressurreição (cf. Ez 37,5ss).
A intervenção do Espírito na ressurreição de Cristo aparece,
também, em Rm 8,11: “E se o Espírito daquele que ressuscitou Je-
sus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo
Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais,
mediante o Espírito que habita em vós”.
No mistério pascal, ficam definitivamente “caracterizados” o
Pai e o Espírito. Na ressurreição de Jesus, manifesta-se a ação dis-
tinta do Pai e do Espírito, o que revela e “corresponde” à distinção
pessoal dos dois.
Outro texto importante é 1Cor 15,45, no qual se afirma que
o próprio Jesus, na ressurreição, tornou-se “espírito que dá vida”.
Não se deve interpretar essa identificação como uma confusão en-
tre o Ressuscitado e o Espírito, mas no sentido de que Jesus, na
ressurreição, foi plenificado pelo Espírito de Deus e converteu-se,
assim, em fonte de vida para todos os que creem.
Como o primeiro Adão foi fonte de vida terrena, vida que
termina na morte, com mais razão ainda o último e definitivo Adão
é fonte do Espírito da vida definitiva, que, agora, plenifica sua hu-
manidade perfeitamente divinizada na total comunhão de vida
com o Pai.
82 © Teologia Trinitária

Essa mesma correspondência (a plena posse do Espírito faz


do Ressuscitado fonte do Espírito para a humanidade), encontra-
mos em At 2,33: “Exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do
Pai o Espírito Santo prometido e o derramou, e é isto que vedes e
ouvis”.
Jesus ressuscitado e exaltado à direita do Pai recebeu Dele o
Espírito que, em Pentecostes, foi derramado nos apóstolos.
A plena posse do Espírito por parte de Jesus torna possível
sua efusão nos homens. Essa efusão de Pentecostes é “a primeira”
manifestação da plena comunhão de Jesus com o Pai, de sua filia-
ção e, por conseguinte, da paternidade divina.

12. ESPÍRITO DO FILHO ENVIADO AOS NOSSOS CO


RAÇÕES
Segundo o Novo Testamento, o envio do Espírito Santo não
se explica nem é possível sem a glorificação do Filho.
De fato, na economia da salvação, há uma ordem entre as
missões do Filho e do Espírito. Na ressurreição, Jesus recebe o Es-
pírito em plenitude, a ponto de se tornar “espírito que dá vida”
(1Cor 15,45) no sentido já explicado anteriormente. Por isso, a
missão do Espírito depende desse fato.
Em outras palavras, os diversos textos do Novo Testamento
contemplam a efusão do Espírito em relação de dependência com
a glorificação e exaltação de Jesus.

INFORMAÇÃO:
Entre as duas missões, há, portanto, uma relação intrínseca e não
simples de justaposição: Jesus, o Filho enviado ao mundo, é a
fonte do Espírito para os homens.

Se analisarmos com atenção as perícopes que falam da ação


do Espírito sobre os personagens que intervêm no evangelho da

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 83

infância (cf. Lc 1,41; 1,67; 2,25.27), veremos que tal ação foi possi-
bilitada pela vinda de Cristo.
Ao mesmo tempo, essa efusão difere da de Pentecostes. An-
tes de Pentecostes, a presença do Espírito tem como característi-
cas ser ocasional (de duração limitada) e se dar, somente, sobre
determinadas pessoas. Trata-se, portanto, de uma ação pontual
do Espírito, semelhante àquela que se deu nos profetas (cf. 1Pd
1,11).
Já a citação do profeta Joel no discurso de Pedro no dia de
Pentecostes (Cf. At 2,17ss; Jl 3,1-5) mostra a convicção de que, com
a ressurreição e ascensão do Senhor, chegou o momento previsto
da efusão universal do Espírito (sem limites nem fronteiras) como
um dom escatológico e estável que impele a Igreja para a evange-
lização e que lhe dá alegria do louvor a Deus (cf. At 2,4.11).
A doação do Espírito à Igreja e aos discípulos é consequência
inseparável da glorificação do Senhor.
Jesus disse em alta voz: Se alguém tem sede, venha a mim e beba,
aquele que crê em mim! Conforme a palavra da Escritura: de seu
seio jorrarão rios de água viva. Ele falava do Espírito que deviam
receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia ainda o Espí-
rito, porque Jesus ainda não fora glorificado (Jo 7,37-39).

INFORMAÇÃO:
Dependendo da pontuação, este trecho “do seu seio jorrarão rios
de água viva”, pode se referir a Cristo ou a aquele que crê. A tradi-
ção mais antiga entende que se trata do seio de Cristo.

Outros textos confirmam essa dependência entre a efusão


do Espírito e a glorificação de Cristo. Jesus fala, na última ceia, da
vinda do Espírito como algo que está ligado à sua morte e ressur-
reição. É conveniente aos discípulos que Jesus parta, porque, do
contrário, não virá a eles o Paráclito (cf. Jo 16,7). O Pai dará o Espí-
rito por causa da intercessão de Jesus (cf. 14,16) ou em seu nome
(cf. 14,26). O Espírito procede do Pai, mas será enviado por Jesus
de junto do Pai (cf. 16,14-15).
84 © Teologia Trinitária

Não se pode, portanto, ignorar a intervenção de Jesus na


efusão do Espírito Santo, mesmo que seja o Pai o princípio último
dessa missão. Além disso, deve-se reconhecer que a morte-exal-
tação de Jesus (cf. Jo 3,13-14; 8,28; 12,32) permite pensar que,
no momento da morte, Jesus antecipa o dom do Espírito (19,30:
parédoken to Pneuma).

INFORMAÇÃO:
Com efeito, a água e o sangue do lado aberto de Cristo são in-
terpretados como alusão aos sacramentos do batismo e da euca-
ristia, mas, indiretamente, podem ser uma alusão ao Espírito que
sai do corpo de Jesus (cf. Jo 7,38; 19,34), que foi seu receptáculo
durante todo o tempo de sua vida.

Todos esses textos mostram que a Igreja teve consciência


clara não somente da sucessão temporal, mas também da relação
intrínseca que há entre a ressurreição de Jesus e o dom do Espírito
Santo. As duas missões estão unidas intrinsecamente.
No dom do Espírito pelo Pai, por meio de Jesus ressuscitado,
aparecem, plenamente, a “identidade” do Espírito, a riqueza e a
variedade de seus efeitos.
Se, na atuação do Espírito sobre Jesus, durante sua vida mor-
tal, se sublinha sua condição de Espírito de Deus (Pai) que, não
obstante, é também próprio de Jesus (pois permanece nele como
seu lugar próprio), com a glorificação, evidencia-se que ele é, ao
mesmo tempo, Espírito do Filho.

13. O DOM DO ESPÍRITO


A denominação “Espírito Santo”, com a qual se designa a ter-
ceira pessoa da Santíssima Trindade, é uma novidade quase total
do Novo Testamento, sendo citada nele por, aproximadamente, 70
vezes. No Antigo Testamento, encontramos somente três vezes na
Bíblia hebraica e outras duas no livro da Sabedoria (cf. Sl 51,13; Is
63,10.11; Sb 1,4; 9,17). A novidade terminológica corresponde a
uma novidade da ação do Espírito Santo no Novo Testamento.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 85

Os sinóticos e Atos dos Apóstolos falam do Espírito Santo,


sobretudo partindo dos efeitos de sua ação. Ele é o inspirador dos
antigos profetas (cf. Mc 12,36; 1Pd 1,11). No que se refere à sua
ação futura nos discípulos, os sinóticos sublinham a assistência do
Espírito nos momentos de perseguição (cf. Mc 13,11; Mt 10,19-20;
Lc 12,11).
Nos Atos dos Apóstolos, o Espírito tem um papel central:
Ele é o dom prometido por Deus para os últimos tempos (cf. 1,4;
2,16ss; 2,33). O Espírito é para os apóstolos o dom que os habilita
para o testemunho de Jesus “constituído por Deus Senhor e Cris-
to” (2,36). Esse é o testemunho dos apóstolos e de Pedro no dia
de Pentecostes.
Os que escutam e acreditam recebem o Espírito com o batis-
mo (cf. At 2,38). É o Espírito que anima Pedro quando dá testemu-
nho diante do Sinédrio (cf. At 4,8), que “enche” Estevão antes de
ser lapidado (At 7,55). O Espírito é o agente de todo testemunho
valoroso.
A pregação torna-se universal pela ação do Espírito. Ele vem
sobre os gentios que escutam a pregação de Pedro na casa de Cor-
nélio (cf. At 10,44-45). Por isso, ele não pôde negar o batismo “aos
que tinham recebido o Espírito como nós” (At 10,47). Assim, o Es-
pírito precede e acompanha a ação evangelizadora.
O Espírito assiste os apóstolos no governo da Igreja: “decidi-
mos o Espírito e nós” (At 15,28); envia para pregar em um lugar (cf.
At 13,2.4) ou impede que os apóstolos vão a um outro (cf. 16,6.7).
Ele é o guia da Igreja, dos apóstolos e dos demais discípulos na
pregação e no testemunho de Jesus.
Essas poucas passagens mostram que a ação do Espírito se
mostra com mais clareza nos momentos em que a Igreja supera as
fronteiras geográficas, étnicas e culturais.
Também Paulo fala dos efeitos do dom do Espírito Santo. Em
Gl 4,6, o efeito da ação do Espírito é dar-nos a possibilidade de nos
dirigir a Deus com o nome que Jesus usou (Abbá).
86 © Teologia Trinitária

INFORMAÇÃO:
Não é possível vivermos como filhos sem a ação do Espírito em
nós. Somente se formos conduzidos pelo Espírito de Deus é que
poderemos agir e viver como filhos de Deus.

Outro texto da ação do Espírito de Deus está em Rm 8, 14-17:


Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de
Deus. Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para re-
cair no temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo
qual clamamos: Abbá! Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espí-
rito para testemunhar que somos filhos de Deus. E se somos filhos,
somos também herdeiros; herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo,
pois sofremos com ele para também com ele sermos glorificados.

INFORMAÇÃO:
O Espírito Santo, Espírito de Jesus e de Deus, cria em nós a atitu-
de de filiação, o espírito de filhos adotivos, contrário ao espírito de
escravo, que vive no temor.

Em Gl 4,6, é o próprio Espírito que clama no fiel Abbá. Em


Romanos, é o próprio fiel que, em virtude do espírito criado nele
pelo Espírito, invoca o Pai.
A filiação traz consigo a herança. Uma vez que o Filho é o
único Herdeiro (cf. Hb 1,2), somos associados a Ele e nos tornamos
coerdeiros seus. Nossa filiação, em virtude do Espírito do Filho, é
participação na vida filial de Cristo.
O Espírito permite confessar Jesus: “ninguém pode dizer: Je-
sus é o Senhor, a não ser no Espírito Santo” (Rm 12,3). Ele nos faz
conhecer Deus, pois “sonda todas as coisas, até mesmo as profun-
dezas de Deus” (1Cor 2,10).
O Espírito garante a reta compreensão da palavra de Deus,
cujo sentido último nos foi revelado por Cristo, ao qual o mesmo
Espírito nos conforma (cf. 2Cor 3,14-18). O Espírito é o princípio da
vida em Cristo, que se opõe à vida segundo a carne (cf. Rm 8,2-5
.9.12-13; Gl 5,14-25).

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 87

As expressões “no Espírito” e “em Cristo” são equivalentes


em Paulo (cf. Rm 8,1-4.9; 14,17; 1Cor 6,11; 12,3; 2Cor 2,17; Ef
2,21-22; Gl 2,17; Fl 3,1). Isto mostra a relação íntima que há entre
Jesus e o Espírito Santo.
Dando-nos o Espírito, Deus infundiu em nós o amor, mani-
festado na entrega de seu Filho por nós quando éramos ainda pe-
cadores (Rm 5,5). Trata-se do amor com que Deus nos ama, não
do amor com que o amamos (cf. Rm 8,32ss). O Espírito é dado no
batismo (1Cor 6,11) e por ele nos identificamos com Cristo morto
e ressuscitado (Rm 6,3ss; Cl 2,12).

INFORMAÇÃO:
Da mesma maneira com que agiu em Cristo, o Espírito não age em
nós como uma força exterior, mas partindo de nosso ser, porque
habita em nós.

O Espírito é o dom de Deus por excelência, e sua presença


em cada um de nós impõe o respeito ao corpo, que se torna tem-
plo do Espírito Santo (cf. 1Cor 6,19). Essa nossa nova condição se
relaciona com a união com Jesus, de cujo corpo somos membros e
com o qual formamos um só “espírito” (cf. 6,15ss).

INFORMAÇÃO:
O Espírito que habita em nós é, também, a força de Cristo que nos
une a ele. Ser templo do Espírito Santo e ser membro de Cristo é,
na realidade, a mesma coisa.

Paulo não considera essa presença do Espírito em cada indi-


víduo um bem pessoal, mas, em sua dimensão eclesial, o Espírito
reparte como quer os dons e os carismas, diversos em cada um
dos membros; eles todos, porém, contribuem para a edificação do
Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,4ss; Rm 12,4ss; Ef 4,11ss). A ação do
único Espírito cria a unidade da Igreja. Cristo está presente nela
por meio do Espírito.
88 © Teologia Trinitária

Em suma, o Espírito faz-nos participar da relação do Filho


com o Pai, faz-nos viver na filiação segundo a vida que Jesus nos
deu e faz-nos membros do corpo de Cristo que cresce até a pleni-
tude do próprio Cristo (cf. Ef 1,23; 4,13).
No Evangelho de João, mais exatamente no discurso de des-
pedida, encontram-se duas denominações características do Espí-
rito: “Paráclito” e “Espírito da Verdade”.
Como Paráclito, o Espírito está sempre com os discípulos,
assiste-os no testemunho de Cristo e dá, ele mesmo, testemunho
no interior de cada fiel; convencerá o mundo quanto ao pecado,
à justiça e ao juízo, porque o mundo não acreditou em Jesus (cf.
16,7ss).
Como Espírito da Verdade, o Espírito recorda aos discípulos
o que Jesus disse: ele deve guiar os discípulos à verdade completa,
anunciando a eles as coisas futuras, não falando por si mesmo,
mas o que escutou de Jesus, o que recebeu dele e o comunicará.

INFORMAÇÃO:
Não se trata, portanto, da introdução de uma nova verdade que
suplante ou substitua a de Cristo. Na verdade, o Espírito mantém
viva entre os discípulos a palavra e a própria presença de Jesus
(cf. 14,17; 15,26; 16,13).

Segundo a primeira carta de João, o Espírito introduz o ver-


dadeiro conhecimento de Deus e de Cristo que o mundo não pode
alcançar (cf. 2,20ss). Além disso, o Espírito é a garantia da reta con-
fissão de Cristo, especialmente em sua humanidade (cf. 4,2), e da
permanência dos fiéis no amor (4,12ss).
Antes de prosseguir, façamos uma revisão do que o Novo
Testamento anuncia a respeito do dom do Espírito.
Segundo o Novo Testamento, o Espírito está referido a Cristo
não somente porque Jesus, ressuscitado e glorificado à direita do
Pai, o envia junto com o Pai, mas também porque todos os seus

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 89

efeitos, na Igreja e nos fiéis, estão referidos também a Jesus: o


Espírito constrói o corpo de Cristo, impele os pregadores a anun-
ciar Cristo, faz viver a vida de filhos de Deus, configura o cristão a
Cristo. O Espírito é dado à Igreja e ao fiel como Espírito de Deus e,
também, como Espírito de Cristo.
A relação Cristo-Espírito não pode ser interpretada como
uma “subordinação” do Espírito a Cristo ou como uma relação me-
ramente instrumental.

INFORMAÇÃO:
Contra essas interpretações errôneas, deve-se recordar que o Es-
pírito desceu, inicialmente, sobre Jesus antes que este o comu-
nicasse aos homens. Nas duas missões (do Filho e do Espírito),
em sua distinção e em sua mútua implicação, realiza-se a obra da
salvação que tem no Pai − o único iniciador e a única fonte.

O Pai realizou seu desígnio salvador com a mediação única


de Jesus Cristo, seu Filho unigênito: “Deus, nosso salvador, quer
que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento
da verdade. Pois há um só Deus, e um só mediador entre Deus e
os homens, um homem, Cristo Jesus, que se deu em resgate por
todos” (1Tm 2,4-6).
Mas esse acontecimento de Cristo se realiza “no Espírito”. Je-
sus cumpriu todas as suas obras com a presença do Espírito Santo,
e a salvação que ele traz chega aos homens somente pela ação do
mesmo Espírito, cujos efeitos se referem a Jesus.

INFORMAÇÃO:
O Espírito Santo universaliza e torna eficaz, para todos os tempos
e lugares, a obra de Cristo, realizada em um momento e um lugar
determinados. Ao universalizá-la, o Espírito atualiza-a, ou seja,
torna-a presente como acontece nos sacramentos. Ao atualizá-la,
o Espírito interioriza-a nos homens, especialmente nos fiéis. Mas
a ação do Espírito não se limita ao âmbito visível da Igreja. A von-
tade salvadora de Deus não tem fronteiras, tampouco a mediação
de Jesus.
90 © Teologia Trinitária

O influxo salvador universal de Jesus ressuscitado exerce-se


no Espírito Santo, que constitui o âmbito, isto é, o meio no qual a
salvação de Cristo se torna efetiva.

14. A PERSONALIDADE DO ESPÍRITO SANTO


A maior dificuldade que enfrentamos para caracterizar o Es-
pírito como uma pessoa é que, no Novo Testamento, não encon-
tramos passagem alguma em que o Espírito diga “Eu”.

INFORMAÇÃO:
Para superar essa dificuldade, deve-se ter em mente que, na Trin-
dade, tudo é singular (nada é repetível). Por isso, não podemos
atribuir ao Espírito um ser “pessoal”, com as mesmas característi-
cas que as do Pai e do Filho.

Segundo o testemunho do Novo Testamento, o Espírito nun-


ca é apresentado como uma força impessoal; pelo contrário, Ele é
um sujeito.
Nos Atos dos Apóstolos, por exemplo, o Espírito não permite
a Paulo e Silas entrarem na Bitínia ou pregarem a palavra na Ásia (cf.
16,6.7). Ele ordena que Paulo e Barnabé sejam separados (cf. 13,2).
Em outra ocasião, o Espírito adverte Paulo das tribulações
que o esperam (cf. 20,23) e diz a Pedro para acompanhar a dele-
gação mandada por Cornélio (cf. 10,19). Juntamente com os após-
tolos, o Espírito toma decisões, no concílio de Jerusalém, sobre o
futuro da Igreja em sua relação com Israel (cf. 15,28).
Também nas cartas paulinas, encontramos afirmações sobre
o caráter pessoal do Espírito: Ele sabe das profundezas de Deus (cf.
1Cor 2,10-11) e intercede por nós (cf. Rm 8,26).
Indicações mais explícitas se encontram no quarto evangelho: o
Espírito é enviado, ensina, recorda, dá testemunho, convence o mun-
do e dirá o que ouviu (cf. 14,16-17; 17,26; 15,26; 16,7-11.13-14).

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 91

PARA VOCÊ REFLETIR:


É difícil atribuir todas essas ações – ensinar, recordar, testemunhar
− a uma mera força impessoal. É preciso, portanto, reconhecer
que, no conjunto do Novo Testamento, o Espírito aparece como
um sujeito, como “alguém” (não como “algo”), como quem é dota-
do de liberdade e não como mero instrumento sem iniciativa.

15. DIVINDADE DO FILHO E DO ESPÍRITO


Tendo chegado a esse ponto, é preciso se perguntar: o mo-
noteísmo e a fé trinitária no Novo Testamento são contraditórios?
A cristologia e a pneumatologia neotestamentária não são
um obstáculo para a estrita fé monoteísta que Jesus e os apóstolos
herdaram do Antigo Testamento e proclamaram sem reservas.
Na realidade, é o Deus uno e único que se revela no Novo
Testamento como o Pai de Jesus. Além disso, o Unigênito, o envia-
do de Deus, aparece, muitas vezes, unido ao Deus único na fé e na
confissão (cf. Jo 17,3; 1Cor 8,6; 1Tm 2,5; Rm 10,9).
Eis um texto importante que afirma a unidade em um só
Deus, no qual aparecem unidos, na confissão, o Pai e o Filho: “Nós
sabemos que veio o Filho de Deus e nos deu a inteligência para co-
nhecermos o Deus verdadeiro. E nós estamos no Deus verdadeiro,
no seu Filho Jesus Cristo. Ele é o Deus verdadeiro e a Vida eterna”
(1Jo 5,20).
A divindade de Jesus está claramente afirmada com a do Pai
e relacionada a ela. O Pai é o Deus verdadeiro e, também, o Filho.
Também do Filho se pode dizer que é o Deus verdadeiro.
O título “Filho” unido ao nome de Deus é o que explica, com
mais profundidade e de modo último, a identidade de Jesus. A re-
lação desses títulos mostra que Jesus é Deus sendo Filho.
Também os textos paulinos se referem a Jesus como Deus:
“aos quais pertencem os patriarcas, e dos quais descende o Cristo,
92 © Teologia Trinitária

segundo a carne, que é acima de tudo, Deus bendito pelos séculos”


(Rm 9,5); “aguardando a nossa bendita esperança, a manifestação
da glória de nosso grande Deus e Salvador, Cristo Jesus” (Tt 2,13).

INFORMAÇÃO:
Em relação ao Espírito Santo, não temos, no Novo Testamento,
uma afirmação explícita de sua divindade. É, porém, em sua asso-
ciação com o Pai e com o Filho, na realização do mistério de sal-
vação, que o Espírito Santo aparece em sua condição de Deus, e
não como simples criatura. A obra da salvação que Cristo realizou
dá seus frutos somente pela ação do Espírito Santo.

16. TEXTOS TRIÁDICOS


Mais do que uma doutrina elaborada sobre a Trindade, o
Novo Testamento mostra-nos, com clareza, uma estrutura trinitá-
ria da salvação: uma iniciativa que vem do Pai, que envia o Filho
ao mundo, que o entrega à morte e que o ressuscita dentre os
mortos.
A essa iniciativa do Pai, corresponde a plena obediência de
Jesus, que se entrega por amor a nós e que, depois de ser ressusci-
tado pelo Pai, envia junto com Ele o Espírito, que habilita o homem
para a vida nova e o configura com Jesus em seu corpo, que é a
Igreja.

ATENÇÃO!
Sem a intervenção conjunta e, ao mesmo tempo, específica e dife-
renciada de cada uma das três pessoas da Trindade, nem o mun-
do nem o homem podem alcançar a salvação.

No Novo Testamento, encontramos tanto uma estrutura tri-


nitária descendente de Deus ao homem (Pai-Filho-Espírito Santo)
quanto uma ascendente: o dom do Espírito, enviado aos nossos
corações, une-nos a Jesus, e por Ele temos acesso ao Pai.

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 93

INFORMAÇÃO:
A estrutura Espírito-Filho-Pai é a ordem do caminho do homem a
Deus, possibilitado pela vinda de Deus a nós (Pai-Filho-Espírito):
“pois por meio dele, nós, judeus e gentios, num só Espírito, temos
acesso junto ao Pai” (Ef 2,18).

Construídos segundo essas duas linhas de estrutura trinitária


(ascendente e descendente), encontramos alguns textos triádicos
nos quais o Filho e o Espírito aparecem unidos ao único Deus. Tais
textos assinalam o ponto de chegada da fé neotestamentária nas
“três” pessoas.
A fórmula batismal de Mt 28,19 é um texto fundamental
na tradição e na vida da Igreja primitiva. Ela afirma a pluralidade
das pessoas e, ao mesmo tempo, a unidade dos três (o nome, no
singular). A enumeração das três pessoas corresponde à ordem
histórico-salvífica descendente.
Outro texto triádico descendente importante é Gl 4,4-6:
Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu
Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que
estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial. E por-
que sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu
Filho, que clama: Abbá, Pai!

ATENÇÃO!
Convém observar de imediato que o texto não discorre sobre a
doutrina da Trindade, mas, simplesmente, proclama a revelação
desse mistério.

São Paulo narra aos gálatas, em poucas palavras, que, num


determinado lugar e tempo (“a plenitude do tempo”), veio Jesus
de Nazaré, que se mostrou como um homem enviado de Deus
(“nascido de mulher, nascido sob a Lei”) e como Filho de Deus,
distinto e igual ao Pai (por isso, foi enviado “para remir os que es-
tavam sob a Lei”).
94 © Teologia Trinitária

De Jesus, descobriu-se que ele era, de fato, um enviado de


Deus, mas que esse enviado se revelou, também, Filho e Deus
em pessoa, capacitado, portanto, a nos dar “a adoção filial”. São
Paulo ainda acrescenta que Deus enviou o “Espírito de seu Filho”,
anunciando-o como um “Outro” distinto e unido a Deus e ao Filho,
como personagem tão consistente e divino como o Filho e o Pai.
Desses dados que Paulo apresenta, conhecemos os três dis-
tintos, intimamente unidos: um enviou ao mundo os outros dois.

INFORMAÇÃO:
Como podemos notar, não se trata de uma revelação teórica ou
didática, mas da confissão e do testemunho de um mistério de
doação real acontecida na história.

O texto paulino expõe, claramente, duas missões salvíficas:


o Filho e o Espírito Santo foram enviados por Deus. Essas duas mis-
sões têm a mesma origem (Deus) e o mesmo fim (a nossa filiação
adotiva). A unidade das duas missões não aparece, somente, nesse
paralelismo, mas também na própria palavra usada para indicar tan-
to o envio do Filho quanto do Espírito: em grego, exapésteilein.
As características dessas duas missões são bem distintas. A
missão do Filho coincide com sua encarnação para assumir e par-
tilhar a vida dos homens. Por consistir na entrada do Verbo eter-
no na história humana, sua missão é marcada pela visibilidade, ou
seja, é um acontecimento pontual e circunscrito no tempo e no
espaço. A missão do Espírito, pelo contrário, tem um caráter invi-
sível: não pode ser delimitada no tempo e no espaço, uma vez que
Ele é enviado ao coração de cada fiel.
Em Gl 4,4-6, é evidente, também, que as missões econômi-
cas são vistas em sua mútua relação. Deus (o Pai) toma a iniciativa
de enviar Jesus, seu Filho, ao mundo e de enviar o Espírito de seu
Filho aos nossos corações. O amor de Deus pelos homens é a única
razão do envio do Filho: “Nisto se manifestou o amor de Deus por
nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo para que vivamos

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 95

por ele” (1Jo 4,9; cf. Jo 3,16). Na aparição histórica de Jesus, tem
lugar a revelação de Deus como Pai.
A revelação de Deus em Jesus pressupõe o anúncio do Antigo
Testamento. Ao menos até certo ponto, o Novo Testamento pres-
supõe que o Deus do Antigo Testamento, já claramente conhecido
(Deus da Aliança, o Criador de tudo e de todos e, portanto, o Deus
de todos os povos) é aquele que em Jesus se revela como “o Pai”.
O Deus do Antigo Testamento é aquele que os cristãos cha-
mam “o Pai”. Em outras palavras, o Deus que envia Jesus se identi-
fica com o único Deus de Israel (cf. Mc 12,26.29; Mt 4,10; 1Cor 8,6;
1Tm 2,5; Jo 5,44; 17,3).
A paternidade de Deus revela-se na missão de Jesus, o Filho.
Segundo Gl 4,4-6, essa missão tem como finalidade levar os ho-
mens a receber a filiação. O envio do Filho e a filiação adotiva dos
homens estão em relação íntima: Deus, que é Pai de Jesus, quer
ser, também, o Pai dos homens. O próprio Jesus introduz-nos em
sua relação filial com o Pai (cf. Mt 6,9).
Entre a paternidade de Deus em relação a Jesus e a filiação
dos discípulos, há uma inegável relação. Somente porque Jesus é o
Filho e o chama “Pai” é que ele pode ensinar os discípulos a invo-
cá-lo da mesma maneira e a viver a vida de filhos. É Jesus, o Filho,
quem pode introduzir os discípulos nessa relação paterno-filial.
Mas devemos reconhecer, também, que a filiação divina de
Jesus e a dos discípulos nunca se equiparam. Nunca encontramos,
no Novo Testamento, um “Pai nosso” no qual Jesus se inclua em
igualdade de condições com os demais. Assim se manifesta, em
suas palavras e em sua conduta, que a filiação de Jesus é única e é
fundamento da de seus discípulos.
O Espírito Santo é, segundo Paulo, o vínculo que relaciona a
filiação divina de Jesus com a nossa. É o mesmo Espírito que clama
em nós “Abbá” (Gl 4,6; Rm 8,15).
Outros textos triádicos que podemos citar são:
96 © Teologia Trinitária

• 2Cor 13,13: “A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor


de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com to-
dos vós”. A graça é identificada ao próprio Jesus Cristo. O
Pai é o primeiro que nos ama e é fonte de amor. O Espírito
é fonte de comunhão entre Deus e os homens e dos ho-
mens entre si.
• 1Cor 12,4: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o
mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o
mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus
que realiza tudo em todos”. A ordem é descendente. Os
carismas unem-nos ao Espírito; os ministérios, ao Senhor;
tudo procede de Deus Pai, único princípio.

INFORMAÇÃO:
Esses poucos textos manifestam a consciência que os autores do
Novo Testamento tinham a respeito do Pai, do Filho e do Espíri-
to Santo: eles se distinguem realmente e permanecem unidos de
uma maneira especial. Será a reflexão teológica posterior da Igreja
que procurará explicitar o que já está “em germe”, ou seja, como a
unidade dos três não se opõe ao monoteísmo, mas o exprime.

Esses textos não devem ser o único ponto de partida para a


doutrina trinitária. Eles só têm sentido à luz da economia da sal-
vação. De um lado, Jesus nos revela Deus como Pai e nos dá o
Espírito que veio sobre Ele na unção messiânica. Por outro lado,
somente na relação de Jesus com o Pai e na unção do Espírito sa-
bemos quem é Jesus (o Filho, o Senhor, o Cristo).
A fé em Jesus não pode se expressar em todas as suas di-
mensões, a não ser na associação de Pai, Filho e Espírito Santo.

17. ANTIGO TESTAMENTO


Por que deixamos o Antigo Testamento para o final de nosso
estudo e dedicamos a ele um espaço tão curto?
Não se trata, evidentemente, de desprezo pela revelação
vétero-testamentária. Concentramos nosso estudo no Novo Testa-

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 97

mento porque é com base nele que podemos fundamentar, expli-


citamente, a Teologia Trinitária.
Além disso, é na plena revelação da Trindade do Novo Tes-
tamento que podemos estudar o Antigo e constatar a riqueza e a
importância decisiva da herança da fé no Deus verdadeiro para a
fé trinitária.
Em vez de fazer uma lista de citações, acreditamos que seja
mais útil para nosso estudo indicar alguns critérios que ajudam na
investigação da revelação da Trindade nos livros do Antigo Testa-
mento. Em outras palavras, trata-se de fazer a pergunta correta
para se chegar a uma também correta investigação da revelação
preparatória da Trindade, como nos revela o texto a seguir:
A revelação da Trindade, da qual se trata na fé cristã, e somente
nela, é antes de tudo a revelação definitiva de Deus, a autocomu-
nicação de Deus, absoluta e propriamente dita. A preparação da
revelação da Trindade identifica-se, portanto, com a preparação da
revelação definitiva de Deus. Isto é de importância fundamental
para a compreensão teológica tanto do Antigo Testamento como
do âmbito extracristão [...].
O acesso ao Deus-em-si, e com isso, portanto à Trindade, pode ser
aberto apenas pela revelação (sobrenatural) no sentido estrito, isto
é, apenas pela autocomunicação absoluta de Deus. A autorrevela-
ção absoluta de Deus [...] realizou-se [...] no evento [...] de Cristo.
Deus-em-si, portanto não é outro senão aquele que se aproximou
de nós definitiva e salvificamente no evento de Cristo. Isto signifi-
ca: Este Deus, como ele é “em si” e como tal se manifestou “para
nós”, não se pode conhecer perfeitamente senão na experiência do
acontecimento de Cristo [...]. Em outras palavras: Somente pela ex-
periência e compreensão do evento (neotestamentário) de Cristo
e na medida deste acontecimento e desta compreensão é que nos
é transmitida a autorrevelação e autocomunicação definitiva de
Deus em três pessoas. Pois Cristo, como palavra personificada de
Deus, é a chave última e necessária, que por nada e ninguém pode
ser substituída ou representada, para a compreensão do Deus-em-
si [...].
De significação não menos fundamental é o fato de que Cristo não
anuncia própria e primeiramente a “Trindade”. Antes de tudo reve-
la definitivamente o Deus uno de Abraão, Isaac e Jacó (cf. Mt 8,11;
22,31ss; Mc 12,28-34), como o seu Deus e nosso Deus, seu Pai e
nosso Pai (cf. Jo 14,15ss; 16,13ss) [...].
98 © Teologia Trinitária

A resposta à pergunta sobre a preparação da revelação da Trindade


não pode surgir duma busca imediata e superficial por “uma trin-
dade” de qualquer forma prefigurada ou insinuada, e muito menos
da busca de tríades quaisquer, pois estas, por serem tríades, indica-
riam já por isso, preanunciando-a, a trindade do Deus, do qual tem
conhecimento a fé cristã (e somente ela). Pelo contrário, a pergun-
ta legítima deve ser esta: Existe uma revelação precursora daquilo
que no evento de Cristo foi revelado definitivamente [...], portanto,
uma revelação preparatória, que esteja orientada perceptivelmen-
te para a definitiva? Ou então: É possível conhecer uma preparação
verdadeira da revelação definitiva daquele Deus uno, do Pai e do
Filho e do Espírito Santo, anunciado definitivamente por Cristo [...],
do Deus, portanto, que está aqui conosco salvífica e escatologica-
mente no evento de Cristo?
Se, portanto, se formular a pergunta, conforme o modo indicado
[...] aparece com clareza imediata que toda a revelação verdadeira
de Deus (e com isso todo conhecimento verdadeiro de Deus ver-
dadeiro) é também ao mesmo tempo revelação da Trindade. Pois
o Deus trinitário é simplesmente o Deus uno e único [...]. Com isso
não se exige de forma nenhuma que sempre e em toda a parte,
quando há conhecimento do Deus verdadeiro, deva haver também
um conhecimento formal de sua personalidade trina. Por isso, po-
de-se falar em preparação da revelação da Trindade, não apenas
quando aparecem tríades como alusões precursoras e desta forma
como revelação [...] precursora do mistério trinitário, mas sempre
que se apresenta uma revelação divina verdadeira, embora apenas
incipiente [...].
Este princípio, assim descoberto [...] é confirmado ainda por outra
reflexão. Se existe a economia salvífica de Deus, a preparar o que
é definitivo e pleno, existe também a preparação da revelação da
Trindade, mais, a própria preparação é revelação. Pois a presença e
a ação salvíficas de Deus são, ao mesmo tempo e por isso mesmo,
também a autocomunicação reveladora de Deus, orientada para a
consumação da plenitude salvífica no Deus-conosco, no Deus uno
e trino “para nós” e “em si”. O mesmo pode ser expresso como
segue: Se existe uma preparação do evento [...] de Cristo [...], existe
também a preparação da revelação do mistério trinitário ou, me-
lhor, ela é tal revelação. Pois “ambas” se identificam na ordem sal-
vífica concreta (SCHULTE apud FEINER, 1978, p. 46-49).

ATENÇÃO!
Tornou-se suposição comum que o Antigo Testamento testemunha
o monoteísmo de Israel. No entanto, um exame mais acurado do
AT mostra, do ponto de vista histórico-religioso, que nossos con-
ceitos de “monoteísmo” e “politeísmo” são classificações muito

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 99

precárias. O politeísmo do Oriente antigo é uma realidade muito


mais complexa e muito mais próxima do monoteísmo do que se
poderia antes presumir. O autor afirma que o monoteísmo teórico
só surgiu em Israel no exílio babilônico. Antes disso, o povo de
Deus viveu em um politeísmo aberto ao monoteísmo −−a “mono-
latria” ou o “henoteísmo”.
Sobre esse assunto, sugerimos que você leia esta obra: LOHFINK,
N. Deus, politeísmo e monoteísmo na linguagem sobre Deus no
Antigo Testamento. In: ID Grandes manchetes de ontem e de hoje.
São Paulo: Paulinas, 1984, p. 151-170.

18. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Leia o verbete “Trindade e revelação” em: LATTOURELLE
& FISICHELLA. Dicionário de Teologia Fundamental. Apa-
recida/Petrópolis: Santuário-Vozes, 1994, p. 1023-1026.
Na sequência, responda a estas perguntas: Como K. Bar-
th relaciona revelação e Trindade? Quais são suas afir-
mações mais importantes para o estudo que você está
fazendo? Como K. Rahner se apropria da interpretação
barthiana e como ele a aprofunda? Quais são as dife-
renças entre as posições de Barth e de Rahner? No que
consiste a originalidade de Rahner?
100 © Teologia Trinitária

2) Leia a seção do verbete “Trindade: Pai, Filho e Espírito


Santo” em: PIKASA & SILANES. Dicionário Teológico, o
Deus Cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 878-880. No
decorrer da leitura, procure e leia em sua Bíblia todas as
citações bíblicas que aparecerem.

19. CONSIDERAÇÕES
A revelação do mistério de Deus não é mera informação di-
dática utilitária, mas é, especialmente, uma inserção do homem
na vida divina (cf. Ef 2,18). O que se comunica não é mera teoria,
mas é o próprio Deus. Ele se autocomunica para convidar os ho-
mens à comunhão com Ele.
A revelação de Deus Trino não acontece, somente, median-
te palavras, mas, sobretudo, com o envio do Filho e do Espírito
ao mundo pelo Pai. A salvação consiste na “filiação adotiva”. As
missões de Cristo e do Espírito têm como fim tornar essa filiação
possível.
As duas missões econômicas não são independentes entre
si, mas estão intimamente relacionadas. São dois momentos in-
separáveis da realização do único desígnio salvador de Deus. Sua
articulação interna descobre-se na vida de Jesus.
Jesus é o Filho de Deus enviado ao mundo. Ele, no entanto,
não é somente o Filho de Deus encarnado, mas também o porta-
dor do Espírito. Sobre Jesus, que é o Filho, atuou o Espírito. Pela
ação do Espírito, Jesus entregou-se na morte e ressuscitou.
O mistério pascal é um momento especialmente importante
da revelação do mistério de Deus. A capacidade do Filho de Deus
de sair de si, de ir ao encontro do perdido no distanciamento do
Pai (o abandono), verifica-se, juntamente, com sua entrega obe-
diente nas mãos do Pai.
O Pai, com a intervenção do Espírito, é o agente principal da
ressurreição de Jesus. Nesta, manifesta-se a unidade do Pai e do

Centro Universitário Claretiano


© Revelação Bíblica 101

Filho. Após a ressurreição e a exaltação de Jesus, o Espírito é envia-


do pelo Pai e pelo Filho. Assim se revela que Jesus glorificado, em
sua distinção, participa, plenamente, da vida de Deus.
O Espírito que Jesus dá é seu Espírito. É seu no sentido de
que vem dele, depois de ressuscitado, e, também, no sentido de
que é o Espírito que agiu em Jesus em sua vida terrena. O Espírito
pode realizar nos homens o mesmo que cumpriu na humanidade
de Cristo.
A salvação que o Pai quer oferecer aos homens se realizou e
se realiza mediante Cristo e a ação do Espírito. Essa obra salvadora
mostra a unidade das três pessoas da trindade.

20. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BENTO XVI. Carta Encíclica “Deus é amor”. São Paulo: Paulus/Loyola, 2005.
COMBLIN, J. O espírito no mundo. Petrópolis: Vozes, 1978.
DECLARAÇÃO “Nostra Aetate” sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs in:
VIER, F. Compêndio do Vaticano II. Constituições, decretos, declarações. Vozes, 1968.
FEINER, J.; LÖRER, M. (Org.). Mysterium salutis, vol. II/1. Petrópolis: Vozes, 1978.
FORTE, B. A trindade como história. Ensaio sobre o Deus cristão. São Paulo: Paulinas,
1987.
LADARIA, L. O Deus vivo e verdadeiro. São Paulo: Loyola, 2005.
LOHFINK, N. Deus. Politeísmo e monoteísmo na linguagem sobre Deus no Antigo
Testamento. In: ID. Grandes manchetes de ontem e de hoje. São Paulo: Paulinas, 1984.
RAHNER, K. Algumas observações sobre o tratado dogmático De Trinitate. In: ID. O dogma
repensado. São Paulo: Paulinas, 1970.
SCHEEBEN, M. A Santíssima Trindade. São Paulo: Paulus, 1999.
SCHNEIDER, TH. (Org.). Manual de dogmática. Petrópolis: Vozes, 2001.
SCHULTE, R. Preparação da revelação da Trindade. In: FEINER, J.; LÖRER, M. (Org.).
Mysterium salutis, vol. II/1. Petrópolis: Vozes, 1978.
VVAA. O Espírito Santo na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1988 (Cadernos Bíblicos 45).
EAD
Teologia e Dogma
Trinitário na Igreja
Antiga
2
1. OBJETIVOS
• Interpretar os principais autores do período patrístico e
suas intuições mais importantes para o desenvolvimento
do dogma trinitário.
• Compreender os conceitos técnico-teológicos em sua ori-
gem, seu debate e sua evolução.
• Analisar e identificar as principais tendências do pensa-
mento trinitário da Antiguidade tanto em seu desenvolvi-
mento ortodoxo quanto herético.

2. CONTEÚDOS
• Origem da teologia trinitária nos padres apostólicos.
• Reflexão explicitamente trinitária dos padres apologetas.
• Teologia trinitária dos séculos 2° e 3°.
• Crise Ariana e o Concílio de Nicéia.
104 © Teologia Trinitária

• Capadócios.
• Concílios antigos e medievais.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Nesta unidade, você estudará a evolução do pensamen-
to e da ortodoxia cristãos, que ocorreu num arco de dois
milênios de testemunho, confissão, reflexão, debate e
tomadas de posição do magistério. Para que não se per-
ca em meio a tantas posições, umas divergentes e outras
convergentes, sugerimos que faça a leitura desta unida-
de com a caneta na mão. Faça esquemas e refaça-os à
medida que sua compreensão do conteúdo se enriqueça
e se aprofunde. Anote os termos que não compreender
e pesquise nos dicionários teológicos.
2) Antes de iniciar o estudo desta unidade, você pode ler
uma boa síntese dos conteúdos que serão aqui apresen-
tados na obra: PIKASA & SILANES. Dicionário Teológico, o
Deus Cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 880-890.
3) Outra sugestão de leitura preliminar é: LACOSTE, Dicio-
nário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas-Loyola,
2004, p. 1760-1771.

4. INTRODUÇÃO
Na unidade anterior, conhecemos a teologia trinitária à luz
dos textos do Antigo e do Novo Testamentos.
Nesta unidade, percorreremos juntos dois milênios de refle-
xão, de aprofundamento, de diálogo teológico com a cultura e com
a polêmica e de disputas com as tendências heréticas, que amea-
çaram a reta recepção e transmissão da fé trinitária e das defini-
ções dogmáticas mais importantes, que a Igreja proclamou, e que
permanecem, pontos fixos para ulteriores desenvolvimentos.
Evidentemente, tal percurso só poderá destacar os autores
e os desenvolvimentos mais importantes e decisivos da história

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 105

do dogma trinitário, pois não estudamos o passado meramente


para buscar erudição. O passado é importante para a teologia atu-
al, porque seu estudo torna-nos mais humildes, mais responsáveis
e mais corajosos.

INFORMAÇÃO:
Recorrer ao passado mostra-nos que não fomos nós os criadores
da fé trinitária nem que somos os primeiros a refletir sobre ela.

Fruto do dom divino e resposta pessoal ao Deus que se reve-


la, a fé trinitária manteve-se imutável durante os séculos, varian-
do, apenas, em sua expressão, sua linguagem e suas categorias.
Em outras palavras, ao longo das gerações, a fé expressou-se nas
culturas semita, helenista, medieval e moderna.
Evidentemente, nesse processo milenar de diálogo cultural,
a fé trinitária correu muitos riscos e, em algumas ocasiões, quase
foi sufocada pelas tendências heterodoxas que, no afã de adaptar
a fé à cultura, acabavam por negar ou atenuar a originalidade da
revelação cristã.
Contra esse perigo, a Igreja, em várias ocasiões, reagiu de-
finindo aquilo em que ela mesma acreditava e reafirmou, em lin-
guagem adaptada e por meio de algumas categorias recebidas dos
próprios adversários, a originalidade da Boa Nova.
Todo esse longo percurso histórico pode nos ensinar a hu-
mildade, porque nos descobrimos continuadores de um processo
de inculturação que não começou hoje e que não está isento de
riscos.
Por isso, o estudo do passado exorta-nos à responsabilida-
de, uma vez que também nós somos chamados a "dar razões de
nossa fé" da mesma maneira como o fizeram as gerações que nos
antecederam.
Finalmente, o estudo pode nos ajudar a ser mais corajosos,
já que, mesmo correndo riscos, as gerações precedentes não ti-
106 © Teologia Trinitária

veram receio de assumir categorias culturais e de transformá-las


interiormente para expressar e transmitir a fé na Trindade.
Boa leitura!

5. PADRES APOSTÓLICOS
Encontramos nos padres apostólicos algumas fórmulas trini-
tárias, mas não podemos falar de uma teologia trinitária desenvol-
vida plenamente.
Veremos como pouco a pouco a repetição das fórmulas tri-
nitárias obrigará a um maior aprofundamento dos conteúdos que
elas expressam. Não estamos, portanto, no período de grande de-
senvolvimento teológico, mas, sim, nos primeiros passos para tal
desenvolvimento.

Clemente Romano (†96)


Em Clemente Romano, não encontramos uma teologia tri-
nitária estrita. De qualquer forma, a importância de seus escritos
para nosso estudo está na presença de fórmulas trinitárias como
as que se seguem. “Por que há entre vós discórdias? Acaso não
temos um único Deus, um único Cristo, um único Espírito de graça
derramado sobre nós?” (1Clem. 46,6).
É muito significativo o contexto dessa fórmula trinitária: Cle-
mente recorda a fé trinitária como razão última para a busca da
unidade entre os cristãos e a superação das discórdias na Igreja.
Mais significativo ainda é o fato de que, nela, não se sublinha a
unidade dos três, mas cada um é único. “Porque vive Deus, e vive
o Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo, a fé e a esperança dos
eleitos” (1Clem. 58,2).
Na linguagem de Clemente, o Deus único (Theós) é o Pai. Uni-
dos ao Pai, Jesus é invocado como Senhor, e o Espírito Santo junta-se
aos dois. Os Três, assim, não só se encontram unidos na fórmula,
mas, primeira e fundamentalmente, na consciência dos fiéis.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 107

Um título que Clemente aplica ao Pai é "Senhor da criação"


(Theós Despotés): “Fixemos os olhos no Pai e Criador de todo o
cosmos” (1Clem. 19,2).
É curiosa essa relação que o autor faz entre paternidade e
criação: parece dizer que Deus é Pai por ser o Criador, e não por
gerar o Filho. Na verdade, Clemente não entende essa paternidade
de criação em contradição à paternidade trinitária.

INFORMAÇÃO:
Durante boa parte do período patrístico, o título de “Pai” incluía a
ideia da criação (Pai do mundo) além de seu sentido trinitário (Pai
do Filho). Somente com a Crise Ariana é que será excluída toda a
ideia de criação na compreensão da paternidade divina e que esta
será reservada, exclusivamente, ao seu sentido trinitário, exata-
mente para não dar a entender que Cristo seja criatura.

Clemente também fala do Pai em relação com o Cristo: "Fi-


xemos nossos olhos no sangue de Cristo, e reconheçamos quão
precioso é para Deus, seu Pai" (1Clem. 7,4).
Ainda em Clemente, a paternidade de Deus relaciona-se,
também, com o envio de Cristo no mundo: "Ao único Deus invisí-
vel, Pai da verdade, que nos enviou o Salvador e guia da incorrup-
tibilidade, por meio do qual manifestou a verdade e a vida celeste"
(2Clem. 20,5).

Inácio de Antioquia (†110)


Em linguagem bastante sugestiva, Inácio compara os cristãos
a "pedras vivas do templo do Pai, dispostos para a edificação de
Deus Pai, elevados ao alto pela máquina de Jesus Cristo que é a
cruz, e ajudados pelo Espírito que é a corda" (Ef. 9,1). Por essa
comparação, nota-se que é muito claro o significado soteriológico
da fé trinitária.
Inácio relaciona, assim como Clemente, a unidade da Igreja
e a Trindade (cf. Mag. 13,1-2).
108 © Teologia Trinitária

Em algumas passagens, Clemente chama Jesus Cristo, expli-


citamente, de “Deus” (cf. Mag. 3,1; 8,2). Além disso, ele desen-
volve, ainda que de maneira incipiente, a processão do Filho: "Je-
sus Cristo saiu de um só Pai" (Mag. 7,2). Usando o mesmo termo
(“sair”), relaciona a revelação de Deus e a geração do Filho: Deus
manifestou-se por meio de Cristo, que é sua "Palavra saída do si-
lêncio" (Mag. 8,2).
Clemente considera Cristo, simultaneamente, “gerado” e
“não gerado”: "Há um só médico, material e espiritual, gerado e
não gerado, feito Deus em carne, vida verdadeira na morte, nas-
cido de Maria e de Deus, antes passível depois impassível, Jesus
Cristo Nosso Senhor" (ghennetós kai aghennetos, kai ex Marias kai
ex Theou) (Efes. 7,2).

INFORMAÇÃO:
É interessante notar como a linguagem usada revela certa hesita-
ção e imprecisão terminológica; a reflexão teológica sobre o misté-
rio de Deus Trino está ainda dando seus primeiros passos.

Para Inácio, o Espírito Santo está presente na geração huma-


na e na unção de Jesus (Efes. 18,1). Este Espírito é de Deus (apó
Theou on) e, por isso, não engana.

6. APOLOGETAS
A reflexão trinitária propriamente dita começa quando os
cristãos se veem na necessidade de defender a própria fé dos ata-
ques adversários, de possíveis mal-entendidos e, também, de ex-
por a coerência do cristianismo aos hebreus e pagãos.

PARA VOCÊ REFLETIR:


De acordo com seus estudos feitos até aqui, reflita: quais foram
as incoerências que o judaísmo e o paganismo encontraram na
fé trinitária?

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 109

Logo de início, a reflexão trinitária concentra-se nas relações


Pai-Filho, seguindo-se, num momento posterior, uma considera-
ção, ainda que não muito extensa, sobre o Espírito Santo. De fato,
a geração do Logos ocupará a maior parte da atenção e da preocu-
pação dos apologetas.

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
Logos: “No pensamento de João, Logos é a Palavra divina pree-
xistente mediante a qual ‘tudo foi feito’ e que ‘se fez carne e habitou
entre nós’ (Jo 1,1-14; 1Jo 1, 1-2; Ap 19,11-16). O caráter ‘verbal’
desse título cristológico quer insinuar que a divina autorrevelação
alcançou seu ápice com a encarnação histórica do Logos. Depois
de Nicéia, os termos ‘Logos’ e ‘Filho de Deus’ foram usados, in-
diferentemente, para designar a segunda pessoa da Trindade”
(O’COLLINS, G.; FARRUGIA, E. “Logos”. In: Dizionario sintético di
Teologia. Editrice Vaticana, 1995, p. 201).

Inspirada, em parte, no prólogo de João, a doutrina do Lo-


gos permitiu dar razão da verdadeira filiação divina de Jesus sem
que a explicação de sua "geração" seguisse modelos humanos ou
animais.
A geração do Verbo é contemplada como um processo que
está de acordo com a natureza espiritual divina. A importância
histórica dessa teologia dos apologetas foi enorme. Nela, fun-
dam-se todas as teologias da geração do Filho como um processo
do intelecto.
O limite da doutrina do Logos dos apologetas será a falta de
clareza quanto à "eternidade" dessa geração. Esse limite só será
definitivamente superado no Concílio de Nicéia (325).
Em contrapartida, a insistência nesse "modelo explicativo"
da geração permitiu afirmar a divindade do Logos como Filho de
Deus, unido ao Pai. Além disso, a insistência na atuação do Logos
na criação permitiu perceber o caráter universal da mediação cria-
dora de Cristo, a presença de suas sementes em toda a criação e
que Jesus é a razão do universo.
110 © Teologia Trinitária

Justino (aproximadamente 100-165)


O monoteísmo é um ponto indiscutível, uma convicção que
o apologista tem em comum com o hebreu Trifão (cf. Dial. Tryph.
1,4). Deus é, sempre, do mesmo modo, invariável e causa de tudo
o que existe (cf. Ib. 3,5).
Vejamos como Justino fala de Deus:
Mas o Pai do universo, sem origem (aghennetos), não tem nome
imposto, porque todo o que tem nome supõe outro mais antigo
que o impôs. Os nomes de Pai, Deus, Criador, Senhor, Dono não são
propriamente nomes, mas denominações tomadas de seus benefí-
cios e de suas obras (2Apol. 6,1-2).

Observe que Justino considera o nome “Pai”, mesmo que seja


usado pela Escritura, inadequado para falar de Deus em si mesmo.
Isto porque Justino usa o termo para se referir ao Deus criador e
Pai do universo: a relação com o Filho não aparece nesse termo.
Outro termo usado chama a atenção: emprestando uma pa-
lavra de origem filosófica, Justino aplica ao Pai o título aghennetos,
ou seja, não gerado ou inascível. O apologista não quer fazer desse
termo uma definição do que é a natureza divina, por isso, é preciso
distinguir do uso, que, bem mais tarde, fará Eunômio (†após 392),
como veremos mais adiante.
Se você ainda se lembra do que foi dito na primeira parte
deste estudo, observará que Justino fala de Deus partindo de suas
obras e seus benefícios realizados na economia salvífica. Segundo
o filósofo cristão, o fiel não conhece Deus por um conceito que lhe
desvelaria o mistério de Deus, mas o conhece por seus dons, que
o introduzem num conhecimento pessoal, fruto de uma relação
viva com Ele.
Justino continua:
Quanto a seu Filho, o único que propriamente se diz Filho – o Ver-
bo, ao mesmo tempo existindo com Ele e gerado por Ele antes das
criaturas, quando no princípio criou e ordenou por seu meio todas
as coisas –, é chamado Cristo porque recebeu a unção e porque
Deus ordenou por seu meio todas as coisas (2Apol. 6,3).

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 111

Causa surpresa a teologia do Logos de Justino. Ele distingue


dois estados do Verbo: primeiro, o Verbo-existindo com o Pai e,
depois, o Verbo-gerado por Ele antes das criaturas. Em outras
palavras, o Verbo é eterno, mas não o "Filho", uma vez que a
geração do Verbo como Filho só se dá quando o Pai cria e ordena
o universo.
O Verbo está com Deus antes das criaturas, ou seja, não veio
à existência quando Deus criou todas as coisas por meio dele. "O
Filho do Criador do universo preexiste como Deus e nasceu como
homem de uma virgem" (Dial. Tryph. 48,2). A preexistência do Fi-
lho ao nascimento humano mostra-se nas teofanias do Antigo Tes-
tamento. Essa tese foi muito seguida nos primeiros séculos.
Jesus é Filho de Deus em sentido real. Por isso, há frequen-
tes menções de sua geração em contraste com o Pai sem origem.
Como se realiza essa geração? Para responder a essa pergunta, leia
o texto a seguir:
Deus, princípio anterior a todas as criaturas, gerou certa potência
racional de si mesmo, que é chamada pelo Espírito Santo Glória do
Senhor e às vezes Filho, outras Sabedoria, ou ainda Anjo ou Deus,
Senhor, Palavra [...]. Todas essas denominações lhe são atribuídas
por vontade do Pai. Não percebemos que algo semelhante se dá
conosco? De fato, ao emitir uma palavra, geramos a palavra não
por corte, diminuindo a razão que existe em nós ao emiti-la. Ve-
mos coisa parecida também no fogo que acende outro, sem que
diminua aquele da qual a chama foi tomada, mas permanecendo
o mesmo. O fogo aceso também aparece com seu próprio ser, sem
ter diminuído em nada aquele no qual foi aceso. Entretanto, será a
palavra da sabedoria que me dará testemunho, pois ela é esse mes-
mo Deus gerado pelo Pai do universo e que subsiste como palavra,
sabedoria, poder e glória daquele que a gerou (Dial. Tryph.61,1-3).

Note, nesse texto, como Justino não se contenta com o fato


da distinção entre Pai e Filho, mas tenta torná-la compreensível
aos seus interlocutores. Ele vê, como fundamento da distinção, a
geração. Justino descreve essa geração como algo completamente
espiritual: a geração é intelectual, não é física; Deus produz uma
potência racional que é identificada com a Sabedoria.
112 © Teologia Trinitária

Essa geração intelectual não é um processo cego; ela se re-


aliza segundo o modo com que a vontade provém da mente. A
geração do Filho pertence ao ser mesmo de Deus, não é fruto de
uma decisão contingente, sem que, por isso, deixe de ser livre (em
Deus, natureza e liberdade coincidem).
A geração não se produz como um corte ou cisão material
nem diminui o ser do Pai, como explica a metáfora do fogo que
acende outro fogo. Há, ao mesmo tempo, uma verdadeira distin-
ção entre os dois; o Filho é realmente distinto do Pai e não se con-
funde com ele.
Continuemos seguindo o pensamento de Justino. No texto
a seguir, ele afirma que a distinção entre Pai e Filho é real, e não
meramente nominal.
Essa Potência seria inseparável e indivisível do Pai, como dizem [os
adversários], da mesma forma que a luz do sol, que ilumina a terra
é inseparável e indivisível do sol que está no céu. E como este, no
poente, leva consigo a luz, assim também, conforme a teoria [ad-
versária], quando o Pai deseja, ele faz saltar de si certa Potência e,
quando quer, novamente a recolhe a si [...] essa Potência, que a pa-
lavra profética chama ao mesmo tempo Deus e Anjo [...], não é só
distinta pelo nome, como a luz se distingue do sol, mas é também
numericamente outra, e então disse que essa Potência é gerada
pelo Pai, pelo seu poder e vontade, mas não por cisão ou corte,
como se a substância do Pai se dividisse, da mesma forma que to-
das as outras que se dividem ou cortam não são as mesmas antes e
depois de se dividirem. Dei então o exemplo de como vemos o fogo
se acender a partir de outro e como, todavia, não diminui nada da-
quele do qual muitos outros podem se acender, mas permanece o
mesmo (Dial. Tryph.128,3-4).

A geração dá origem a outro, distinto do Pai. Mesmo afir-


mando claramente essa distinção, bem como sua condição divina,
Justino exclui que o Verbo seja um outro deus, como objeta Trifão:
"Como poderias demonstrar que há outro Deus ao lado daquele
que fez o universo?" (Dial. Tryph. 50,1; 55,1;56,3).
Justino fala do Espírito quase que exclusivamente relaciona-
do a economia salvadora, destacando, especialmente, sua atuação
como Espírito profético. Ele age na vida de Jesus, principalmente

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 113

na encarnação: "por Espírito e força que procede de Deus não é lí-


cito entender a não ser o Verbo, que é o primogênito de Deus [...].
Vindo ele sobre a virgem e cobrindo-a com sua sombra [...] fez com
que ela concebesse” (1Apol. 33,6).
Note, nesse texto, que Justino não é muito feliz em sua expo-
sição, pois parece confundir o Filho e o Espírito.
De qualquer maneira, a distinção real dos três aparece em
várias fórmulas trinitárias. Citemos somente uma: “cultuamos o
Criador deste universo, [...] honramos também Jesus Cristo [...].
Aprendemos que ele é o Filho do próprio Deus verdadeiro, colo-
camo-lo em segundo lugar, assim como o Espírito profético, que
pomos em terceiro" (1Apol. 13,1-3).

Taciano (aproximadamente †172)


Discípulo de Justino, Taciano explica de maneira mais articu-
lada a geração do Verbo. Enquanto Justino se preocupava em mos-
trar que a geração não significa uma separação nem uma diminui-
ção em Deus e que, portanto, não há um segundo deus, Taciano
não se contenta em somente negar uma diminuição, mas procura
explicar a geração em termos mais positivos:
Deus existia no princípio, mas nós recebemos da tradição que o
Princípio é a potência do Verbo (cf. Jo 1,1). Com efeito, o Senhor do
universo (despotes), que é por si mesmo o sustentáculo de tudo,
enquanto a criação não tinha ainda sido feita, estava só. Mas en-
quanto estava com ele toda a potência do visível e do invisível ele
próprio sustentou tudo consigo mesmo, por meio da potência do
Verbo. Por vontade de sua simplicidade sai o Verbo, e o Verbo, que
não saía no vazio, gera a obra primogênita do Pai. Sabemos que ele
é princípio do mundo, mas produziu-se não por divisão, e sim por
participação. De fato, o que se divide fica separado do primeiro,
mas o que se faz por participação, tomando caráter de uma dis-
pensação (oikonomia), não deixa em falta aquilo de onde se toma.
Da mesma forma que, de uma só tocha, se acendem muitos fogos,
mas o fato de acender muitas tochas não diminui a luz da primeira,
assim também o Verbo, procedendo da potência do Pai, não deixou
sem razão (alogos) aquele que o havia gerado [...] o Verbo, gerado
no princípio, depois de fabricar a matéria, gerou ele próprio a nossa
criação (Ad Graecos 4).
114 © Teologia Trinitária

O Pai não diminui com a geração do Filho, porque não se tra-


ta de uma cisão física, mas, sim, de uma participação em seu ser.

PARA VOCÊ REFLETIR:


Pense sobre esta afirmação: por vontade da simplicidade divina, o
Verbo gera a obra primogênita do Pai.

Atenágoras (†segunda metade do século 2°)


Atenágoras representa, de alguma forma, o início do apro-
fundamento especulativo da doutrina trinitária. Por vezes, aliás,
afirmou-se que Atenágoras representa o ponto alto do desenvolvi-
mento dessa doutrina entre os apologetas.
Estudemos, juntos, um texto com estrutura claramente ter-
nária e que se encontra em Petição em favor dos cristãos (Legatio
pro christianis, 10):
Admitimos um só Deus, incriado, eterno, invisível, impassível,
incompreensível e imenso, compreensível à razão só pela in-
teligência, rodeado de luz, beleza, espírito e poder inenarrável,
pelo qual tudo foi feito através do Verbo que dele vem, e pelo
qual tudo foi ordenado e se conserva. De fato, reconhecemos
também um Filho de Deus. E que ninguém considere ridículo
que, para mim, Deus tenha um Filho. Com efeito, nós não pen-
samos sobre Deus, e também Pai, e sobre seu Filho como fan-
tasiam vossos poetas, mostrando-nos deuses que não são em
nada melhores do que os homens, mas que o Filho de Deus é o
Verbo do Pai em ideia e operação, pois conforme a ele e por seu
intermédio tudo foi feito, sendo o Pai e o Filho um só. Estando
o Filho no Pai e o Pai no Filho por unidade e poder do espírito,
o Filho de Deus é inteligência e Verbo do Pai. Se, por causa da
eminência de vossa inteligência, vos ocorre perguntar o que
quer dizer "filho", eu o direi livremente: o Filho é o primeiro
broto (em grego: ghennema) do Pai, não como feito, pois desde
o princípio Deus, que é inteligência eterna, tinha o Verbo em
si mesmo; sendo eternamente racional, mas como proceden-
do de Deus, quando todas as coisas materiais eram natureza
informe e terra inerte e estavam misturadas as coisas mais pe-
sadas com as mais leves, para ser sobre elas ideia e operação.
E o Espírito profético concorda com o nosso raciocínio, dizen-
do: "O Senhor me criou como princípio de seus caminhos para
suas obras". Com efeito, dizemos que o mesmo Espírito Santo,

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 115

que opera nos que falam profeticamente, é uma emanação de


Deus, emanando e voltando como um raio de sol. Portanto,
quem não se surpreenderá ao ouvir chamar de ateus indivíduos
que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e um Espírito Santo,
que mostram seu poder na unidade e sua distinção na ordem?

Além de afirmar, claramente, a tríade Deus Pai, Deus Filho e


Espírito Santo, devemos notar alguns pontos importantes.
A unidade do Pai e do Filho é afirmada com veemência e pa-
rece fundar-se na inabitação mútua e na comunidade de espírito
(entendido como essência de Deus): o Filho está no Pai, e o Pai, no
Filho por unidade e por poder do Espírito.
Pr 8,22 é citado para falar da geração em relação à criação. O
Verbo, gerado do Pai, é princípio da criação. Mas o Verbo mesmo
não é criado. Ele é considerado primeiro broto do Pai, que proce-
de de Deus para formar a ideia e a operação da criação e para ser
mediador e princípio de tudo. Entretanto, sua geração para criar
o mundo já não é mais considerada como constitutiva do caráter
distintivo do Verbo.
O Espírito Santo está unido ao Pai e ao Filho, mas se nota
certa ambiguidade na noção de emanação (em grego: aporroia)
que sai e que volta à origem como o raio de sol. O Espírito Santo,
por sua vez, não é chamado, diretamente, “Deus”, como acontece
com o Pai e o Filho.
É preciso, enfim, sublinhar o esforço de Atenágoras em mos-
trar que a unidade dos três deve ser buscada no plano da potência
(da dynamis), e que a distinção se dá no plano da "ordem" (táxis)
dos três: essa ordem mostra que os três não são intercambiáveis.

Teófilo de Antioquia (aproximadamente †186)


Teófilo é o autor de Ad Autolicum e foi o primeiro que em-
pregou o termo grego trias, que será traduzido para o latim como
trinitas, para designar o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ele fala do
Espírito como sendo a Sabedoria (Ad Autolicum 2,15). Assim, há
algumas hesitações em Teófilo.
116 © Teologia Trinitária

Além disso, suas ideias sobre a Sabedoria são um tanto in-


determinadas. Em alguns textos, por exemplo, a Sabedoria pode
ser interpretada, unicamente, como energia cósmica e força do
Logos.
Importante em Teófilo é o desenvolvimento da doutrina dos
dois estágios do Verbo, ou seja, do Logos imanente (endiatethós),
no seio do Pai, antes da geração propriamente dita, e do Logos
proferido, emanado (proforikós), quando Deus o gera para criar o
mundo por seu intermédio:
O Verbo imanente está sempre no coração de Deus. Porque antes
de criar alguma coisa, o tinha por conselheiro, pois é sua mente e
pensamento. E quando Deus quis fazer tudo o que havia delibe-
rado, gerou esse Verbo proferido, como "primogênito de toda a
criatura", não se esvaziando de seu Verbo, mas gerando o Verbo e
conversando sempre com ele (Ad Autolicum, 2,22).

Essa distinção pode ser assim explicada: o Logos existe eter-


namente em Deus como seu Pensamento; Ele é gerado como Filho
antes da criação e em vista dela.
Assim, Teófilo procura preservar, de um lado, a eternidade
do Logos divino, que existia antes de ser proferido, e, de outro,
elimina a dificuldade de se supor que o Pai, antes da geração, esti-
vesse sem razão e sem sabedoria.
Portanto, Teófilo diferencia, explicitamente, esses dois estágios
do Logos preexistente (segundo a mentalidade da época), e as pala-
vras que ele usou se tornaram termos técnicos para designá-los.

7. FINAL DO SÉCULO 2° E INÍCIO DO SÉCULO 3°


Graças a Irineu de Lião, Tertuliano e Orígenes (somente para
citar os nomes mais importantes), a teologia trinitária progredirá
em profundidade e em penetração no mistério: o significado da
unidade e da distinção em Deus será estudado com mais profundi-
dade e com o desenvolvimento de uma terminologia específica.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 117

Além disso, a teologia do Espírito Santo se tornará mais explí-


cita, ainda que com hesitações e ambiguidades, sendo este visto,
cada vez mais, unido ao Pai e ao Filho, não somente na economia
da salvação, mas também na vida divina.

Irineu de Lião (†202-203)


Durante o século 2º, desenvolveu-se nas comunidades cris-
tãs uma atitude espiritual, que hoje sintetizamos com o conceito
de “gnosticismo”.

INFORMAÇÃO:
É preciso levar em conta que esse conceito inclui e abarca uma
variedade muito grande de seitas e de escolas muito heterogêne-
as entre si. De qualquer forma, podemos considerá-lo, generica-
mente, um movimento religioso.

A teologia que se desenvolveu contra o gnosticismo heréti-


co pode ser encontrada, especialmente, nos escritos de Irineu de
Lião, que lutou contra a gnose valentiniana e marcionita, principal-
mente na obra que o mesmo autor intitulou Exposição e confuta-
ção da falsa gnose, citada hoje como Contra as Heresias.
Façamos um breve resumo para você entender os termos
técnicos:

INFORMAÇÃO:
Os resumos dos termos “gnose”, “gnosticismo”, “marcionismo”
e “valentianos” têm como fonte: O’COLLINS, G.; FARRUGIA, G.
“Gnosi”; “Gnosticismo”; “Marcionismo”; “Valentiniani”. In: Diziona-
rio sintético di Teologia. Editrice Vaticana, 1995, p. 160; 160-161;
206; 410.

Gnose
É um modo de descrever a vida eterna (Jo 17,3). Esse conhe-
cimento vital do Pai e do Filho não é pura percepção intelectual das
118 © Teologia Trinitária

coisas, mas surge de uma relação pessoal profunda (Jo 10,14-15;


14,9). Para São Paulo, o conhecimento é imperfeito e, até mesmo,
inútil se não for animado pelo amor (1Cor 13,2.9.12).

Gnosticismo
Movimento religioso dualista, que se inspirava no hebraís-
mo, no cristianismo e no paganismo; emergiu com clareza no sécu-
lo 2º d.C.; apresentava a salvação como um conjunto de elementos
espirituais livres da matéria ambiental malvada.
Os gnósticos cristãos negavam a encarnação real de Cristo
e a salvação da carne (lat.: salus carnis) por ele realizada. Rejei-
tavam (ou modificavam) a tradição e as escrituras nas linhas fun-
damentais do cristianismo, vangloriando-se de um conhecimento
privilegiado (de Deus e de nossa sorte humana) como fruto de tra-
dições secretas e de revelações. Os escritores ortodoxos cristãos,
especialmente Santo Irineu, fornecem muitas informações sobre o
gnosticismo. Um conhecimento direto e mais profundo desse mo-
vimento foi possível depois de 1945, quando 52 escritos, que tra-
tavam do gnosticismo, em língua copta e do século 4º d.C., foram
encontrados em Nag Hammadi (Egito).

Marcionismo
Movimento dualista ascético fundado por Marcião, nascido
no Ponto, Ásia Menor. Marcião veio a Roma aproximadamente no
ano 140 e foi excomungado em 144. Em suas Antíteses, sustentava
que o criador (demiurgo) e a lei do AT eram absolutamente incom-
patíveis com o Deus de amor e de graça pregado por Jesus. Por
isso, ele rejeitava completamente as Escrituras hebraicas e acei-
tava, somente, as cartas paulinas e uma versão mutilada do Evan-
gelho de Lucas. Interpretava a pessoa e a obra de Cristo segundo
uma perspectiva doceta. Por algum tempo, Marcião teve muitos
seguidores. Teólogos como Irineu de Lião e Tertuliano sentiram o
dever de confutá-lo. A formação do cânon foi, em parte, uma res-

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 119

posta às teorias erradas de Marcião. No final do século 3º, seus se-


guidores tinham tornado-se, em grande parte, maniqueus. Mas a
rejeição marcionita ou ao menos a subestimação do AT permanece
como tentação perene para os cristãos.

Valentinianos
São os seguidores de Valentino, que fundou uma das seitas
gnósticas mais importantes do século 2º. Parece que ele nasceu
no Egito e que guiou os gnósticos de Alexandria antes de chegar a
Roma por volta de 135. Permaneceu aí, aproximadamente, por 20
anos e, até certo ponto, esperou se tornar bispo de Roma. Ensinou
um sistema complicado de éons que, originalmente, formavam o
pleroma. Mais tarde, mediante a syzigies (do siríaco "unir em ma-
trimônio"), a deusa Sophia e um dos éons inferiores deram ori-
gem ao Demiurgo ou criador do universo, identificado como Deus
(mau) do AT. Esse sistema foi combatido energicamente por Santo
Irineu de Lião (cf. DS 1341).
A teologia de Irineu tem uma estrutura claramente trinitária.
Partindo do acontecimento salvífico (a oikonomia), a estrutura te-
ológica poderia ser esta: Pai-Filho-Espírito-Filho-Pai.
Mesmo correndo o risco de esquematizar demais, essa es-
trutura fornece uma chave de compreensão da teologia de Irineu,
que pressupõe, sempre, este duplo movimento trinitário: uma li-
nha descendente, que procede do Pai através do Filho até o Espírito
Santo que nos foi comunicado; e uma linha ascendente, que, par-
tindo do Espírito em nós, volta através do Filho até o Pai. Segundo
Irineu, a salvação realiza-se por meio de uma gnose na qual todo
homem pode ver a Deus por causa da vinda Dele até o homem.
Irineu afirma que o Filho e o Espírito intervêm na obra cria-
dora do Pai. Deus é assistido, em algumas passagens, pelo Logos
(Adv. Haer. II, 2,4) e, em outras, pelo Logos e pela Sabedoria Deus
(Adv. Haer. IV, pref. 4; 7,4), que são como duas energias criadoras
a patentear o fato de que Deus não tem necessidade alguma da
120 © Teologia Trinitária

criatura para sua atividade criadora. Pelo contrário: para criar, Ele
se serviu de suas próprias forças, a saber, do Filho e do Espírito.
Essa doutrina das "duas mãos" explica, ademais, como Deus, do
mesmo modo como agiu no início da criação, continua agindo com
o Filho e com o Espírito ao longo de toda a história da salvação.
Essa continuidade é importante, pois mostra a correspondência
básica entre a obra criadora e a obra da salvação (cf. LADARIA, L. El
Dios vivo y verdadero. Secretariado Trinitario, 1998, p. 146).
Para Irineu, o Filho é Deus, participa da divindade e vem do
Pai. Ele acentua o aspecto da geração eterna do Filho mais do que
os pensadores cristãos anteriores.
Em controvérsia, ao falar do Filho e do Espírito como os exe-
cutores das revelações divinas (Adv. Haer. III, 8,3; IV,6,7; IV 38,3),
Irineu usa expressões de sabor subordinacionista.
Com efeito, ele afirma a divindade do Filho, mas essa divin-
dade é compatível com certa "subordinação" em relação ao Pai.
Assim, o ponto fraco da teologia trinitária de Irineu consiste
em não ter chegado a afirmar uma consubstancialidade totalmen-
te "perfeita" entre ambos: o Filho não é igual ao Pai em todos os
seus atributos.
Fundamental na teologia de Irineu é a afirmação de que o
Filho é o revelador do Pai: O Filho é o conhecimento do Pai. Nesse
sentido, o Filho é o visível do Pai: "Pelo Verbo tornado visível e pal-
pável, o Pai se revelou, embora nem todos cressem nele do mes-
mo modo [...]; a realidade invisível que se vê no Filho é o Pai, e a
realidade visível, em que se vê o Pai, é o Filho" (Adv. Haer. IV 6,6).
O fato de o Filho dar a conhecer o Pai implica a unidade de
ambos: o Filho é o único que compreende o Pai. Mas a cognosci-
bilidade do Filho em relação à incognoscibilidade do Pai implicam
que, em um aspecto, ele é inferior: "o próprio Pai, que é incomen-
surável, foi medido no Filho; com efeito, o Filho é a medida do Pai
porque o compreende" (Adv. Haer. IV, 4,2). Entretanto, essa com-

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 121

preensão sublinha, com toda a força, que o ponto mais elevado da


obra salvadora é a revelação do Pai que constitui a imortalidade
do homem (a vida do homem é a visão de Deus) (cf. LADARIA, L. El
Dios vivo y verdadero. Secretariado Trinitario, 1998, p. 147).
Em Irineu, a ação do Espírito Santo é fundamental na criação
e na salvação do homem. Ele fala pouco sobre a vida do Espírito
no seio da Trindade. Algo se pode descobrir de sua propriedade
divina partindo de sua ação econômica:
O Pai não precisou de anjo algum para criar o mundo e formar o ho-
mem para o qual fez o mundo, como não precisou de ajuda para a
organização das criaturas e para a disposição dos assuntos humanos,
pois já tinha um serviço perfeito e incomparável, assistido que era,
para todas as coisas, pela sua progênie (progenies) e a sua figura (fi-
guratio), isto é, o Filho e o Espírito, o Verbo e a Sabedoria aos quais
servem e estão submetidos todos os anjos (Adv. Haer. IV, 7,4).

Conforme o texto, a organização e a disposição referem-se,


respectivamente, à atividade do Filho e do Espírito. A figuratio do
Espírito assimila-se à semelhança de Gn 1,26. Próprio do Espírito é
a assimilação a Deus Pai. O Filho é a imagem e o paradigma da cria-
ção. O Espírito, por sua vez, não tem "forma" alguma, mas possui
como essência divina o dinamismo de vivificar a obra do Filho.
Diferentemente da concepção atual, Irineu identifica a Sabedo-
ria criadora de Pr 8,22ss com o Espírito Santo, e não com o Filho. Essa
identificação significa que o Espírito não assiste diretamente o Pai na
obra da criação, e, sim, que o Filho é quem diretamente leva a cabo
a criação. O Filho realiza a economia do Pai nos homens e o Espírito
assiste-o para nos fazer conseguir a plena semelhança e a assimilação
divina. O Espírito está assim associado à obra do Filho e à sua me-
diação criadora, leva à perfeição (a perfeita semelhança com Deus) o
homem, criado desde a origem à imagem do Filho (cf. LADARIA, L. El
Dios vivo y verdadero. Secretariado Trinitario, 1998, p. 149).
O Verbo comunica o Espírito a todos os seres, conforme a
vontade do Pai. Por um lado, está a obra criadora e, por outro, o
dom do Espírito filial:
122 © Teologia Trinitária

O Pai sustenta, ao mesmo tempo, a criação e o seu Verbo, e o Ver-


bo, sustentado pelo Pai, dá o Espírito a todos, segundo a vonta-
de do Pai: às coisas criadas, um espírito conforme a criação, isto é
criado, a outros por adoção divina, que é nova geração (Adv. Haer.
V, 18,2). O Pai decide e envia, o Filho executa e modela, o Espírito
alimenta e dá crescimento, e o homem progride pouco a pouco no
caminho da perfeição (idem, IV, 38,3).

Irineu não desenvolveu a questão de como explicar a origem


do Filho e do Espírito Santo. Sua doutrina trinitária limita-se, so-
mente, à economia. Apesar disso, Irineu não deixou de salientar
que o Filho (a Palavra Eterna) e o Espírito (a Sabedoria Eterna) es-
tão, juntamente com o Pai, acima de todas as coisas, e que, por
isso, delas distinguem-se. Mesmo que não tenha alcançado a pre-
cisão da posição dos teólogos nicenos, sua confissão explícita da
divindade do Filho e do Espírito preparou a fé deles (cf. STUDER,
B. Dios Salvador en los padres de la Iglesia, Secretariado Trinitario,
1993, p. 106).

Tertuliano (†depois de 220)


Tertuliano é o primeiro teólogo latino e, também, o grande
criador do vocabulário trinitário latino. Sua principal obra, que tra-
ta especulativamente do problema da unidade e da distinção em
Deus, é Adversus Praxean.
Essa obra é a exposição pré-nicena mais clara da doutrina
sobre a Trindade e é, também, o primeiro tratado de teologia trini-
tária especulativa. Foi escrita contra o pratripassiano Práxeas, que,
segundo Tertuliano, afirma: “O Pai desceu à Virgem, dela nasceu e
depois padeceu, sendo ele mesmo Jesus Cristo [...]. E assim, após
certo tempo, um Pai que nasceu, um Pai que sofreu, o próprio Deus
onipotente, é anunciado como Jesus Cristo” (Prax. 1,1; 2,1).
Vale ressaltar que a definição dos termos "patripassianismo",
"monarquianismo" e "modalismo" pode ser encontrada no Glossário.
Em contraposição à heresia de Práxeas, Tertuliano opõe a
regula fidei:

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 123

Nós, contudo, como sempre, e tanto mais agora (porque melhor


instruídos pelo Paráclito, que nos introduz em toda verdade), cren-
do num só Deus, cremos na dispensação – que chamamos "eco-
nomia" – segundo a qual o único Deus tem também um Filho, sua
Palavra que procede dele, pela qual tudo foi feito e sem a qual nada
foi feito (Jo 1,3-4); (cremos que) esse Filho foi enviado pelo Pai à
Virgem e dela nasceu, homem e Deus, filho do homem e filho de
Deus, sendo chamado Jesus Cristo; (cremos que) ele sofreu, mor-
reu e foi sepultado, em conformidade com as Escrituras, e, tendo
sido exaltado pelo Pai e retornado ao céu, está assentado à mão
direita do Pai e virá julgar os vivos e os mortos; (cremos também
que) de acordo com a promessa, ele enviou do Pai o Espírito Santo
Paráclito, santificador de todos aqueles que creem no Pai, no Filho
e no Espírito Santo (Prax. 2,1).
Como se ele não fosse também único pelo fato de tudo derivar
dele, quanto à unidade da substância, mantendo-se, todavia, o mis-
tério da "economia" que dispõe a unidade na Trindade e estabelece
o Pai, o Filho e o Espírito Santo como três: três não pelo estado
(status) e sim pelo grau (gradus), não pela substância (substantia)
e sim pela forma, não pelo poder (potestas) mas pela manifestação
(species), sendo pois de uma substância, de um só estado e de um
poder, enquanto do único Deus são enumerados esses graus, es-
sas formas e manifestações, no nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo (Prax. 2,4).

INFORMAÇÃO:
Regra de fé (regula fidei): Norma de fé como critério público e ecle-
sial para discernir a verdadeira revelação comunicada por Cris-
to à Igreja. Irineu desenvolveu esse conceito contra os gnósticos
que afirmavam possuir revelações especiais acessíveis somente
a uma elite (O’COLLINS, G.; FARRUGIA, E. Regola dei fede. In:
Dizionario sintético di teologia, Editrice Vaticana, 1995, p. 308.).

Vamos analisar alguns elementos importantes desse texto.


É preciso, antes de tudo, estarmos bem atentos ao conceito
que Tertuliano tem de "economia", que é muito diferente do nos-
so atual. Segundo Tertuliano, em Deus, já existia uma economia
(oikonomia) antes daquela da criação, do Antigo Testamento e da
encarnação.
A vinda de Cristo, que é o ponto central da história da salvação,
teve a finalidade de revelar essa economia original (dispositio divina).
124 © Teologia Trinitária

Assim, a "economia", segundo seu modo próprio de enten-


der, é o modo específico da unidade de Deus: o Pai, o Filho e o
Espírito Santo são diversos um do outro e, ao mesmo tempo, in-
separáveis; não há entre eles divisão, ainda que haja distinção, de
modo que cada um deles seja realmente "outro": “alium esse Pa-
trem et alium Filium et alium Spiritum” [um é o Pai; outro, o Filho;
outro, o Espírito] (Prax. 9,1).
Tertuliano afirma a unidade divina sem negar que os Três se-
jam o mesmo Deus. A unidade divina é o ponto de partida: uma
unidade que é garantida pelo Pai, do qual tudo provém. A unidade
funda-se na "substância", no substrato do que são os Três.
Essa unidade da substância significa, também, a unidade no
estado (status) e no poder (potestas). Os Três participam do mes-
mo ser que tem no Pai sua origem, pertencem à mesma ordem
divina, partilham o mesmo poder.
A distinção dá-se em relação ao grau (gradus), a forma e a
manifestação (species).
Entenda melhor cada um desses termos:
O grau (gradus) se relaciona a objetos situados numa série. Assim,
"o Espírito é terceiro a partir de Deus e do Filho, tal como terceiro
a partir da raiz é o fruto saído do ramo". É assim que a Trindade se
desdobra a partir do Pai "por graus engastados e conjuntos" (Prax.
8,7).
A manifestação (species) exprime o visível da coisa, aquilo por que
ela aparece. Nas metáforas trinitárias, ela abrange duas realidades
distintas, mas ligadas entre si porque manifestações de uma mes-
ma substância. A nascente e o rio são dois aspectos (species) de
um mesmo curso de água. "Enumerai o sol e seu raio como duas
coisas e dois aspectos (species) de uma mesma substância única e
indivisível, como Deus e o seu Verbo" (Prax. 13,10).
A forma (forma) se relaciona igualmente à manifestação [...] (e) prin-
cípio de individuação do ser espiritual (SESBOÜÉ, 2002. p. 169-170).

Essa série de distinções não afeta a unidade radical de Deus.


Pelo contrário, elas constituem o modo concreto em que se deve
entender a unidade.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 125

Como se pode notar, Tertuliano considera a distinção entre


Pai, Filho e Espírito não apenas na ação salvadora, mas também no
ser mesmo de Deus. Assim, a Trindade que deriva da unidade não
a destrói, senão que a constitui. As distinções divinas são, portan-
to, sem separação.
Tertuliano teve que responder aos partidários de Práxeas que
o acusavam de destruir "a monarquia", ou seja, de pregar o polite-
ísmo: "Vós pregais dois e até mesmo três deuses" (Prax. 3,1).
Essa objeção surgia da compreensão popular que imaginava
Deus um soberano que tudo domina sem a concorrência de outros.
Deus era, assim, identificado com um monarca que detinha
todo o poder e senhorio. Para responder aos seus acusadores, Ter-
tuliano afirma que o fato de Deus ter um Filho em nada priva o Pai
de sua autoridade:
Mas eu não faço o Filho vir de nenhum outro lugar senão da subs-
tância do Pai, um Filho que não faz nada sem a vontade do Pai, que
recebeu d'Ele todo poder, como posso, em toda boa-fé, destruir a
Monarquia, que conservo no Filho, a ele transmitida pelo Pai? O
que digo dela entenda-se também do terceiro grau, pois sustento
que o Espírito não vem de nenhum outro que não do Pai pelo Filho
(Prax. 4,1).

INFORMAÇÃO:
O Filho não é outro deus rival, pois ele provém da substância do
Pai e cumpre a vontade d’Ele. Por isso, Deus não sofre dispersão
pelo fato de o Filho e o Espírito ocuparem o segundo e o terceiro
lugares, partícipes que são da substância do Pai. A monarquia não
é destruída, mas fica claro, ao mesmo tempo, que o Pai, o Filho e
o Espírito não são a mesma coisa.

INFORMAÇÃO:
Esses três unidos, mas não identificados em todos os aspectos,
são chamados com frequência “pessoas” (personas). Evidente-
mente, não se trata ainda do desenvolvimento completo dos con-
teúdos posteriores dessa noção.
126 © Teologia Trinitária

Jo 10,30 é o texto que possibilita a distinção na unidade da


substância e a diferenciação pessoal: "os três são uma só coisa, não
um só, como é dito: Eu e o Pai somos uma só coisa, para a unidade
da substância e não para a unidade do número" (grifo nosso).
Para mostrar que o número em Deus não compromete a uni-
dade, Tertuliano lança mão de algumas comparações:
O tronco não está dividido da raiz, nem o rio da fonte, nem o raio
do sol, tampouco a Palavra está separada de Deus. Portanto, se-
gundo a imagem que proporcionam esses exemplos, confesso que
falo de dois: Deus e sua Palavra, o Pai e seu Filho; porque a raiz e
o tronco são duas coisas mas unidas; a fonte e o arroio são duas
manifestações (species) mas indivisas; o sol e o raio são duas for-
mas mas entrelaçadas (cohaerentes). Tudo o que procede de outra
coisa deve ser algo distinto daquilo do qual procede, não, porém,
separado. Mas onde há um segundo, há duas coisas, e onde há um
terceiro, três. O terceiro é o Espírito em relação a Deus e ao Filho,
como terceiro é o fruto em relação à raiz e ao tronco que vem dela,
e o terceiro da fonte é o rio do arroio, e o terceiro do sol é o fulgor
do raio. De todas as maneiras nada se separa da origem da qual
tem suas propriedades. Assim a Trindade, derivada do Pai através
dos graus entrelaçados e conexos, não é obstáculo à monarquia e
protege o status da economia (Prax. 8,5-7).

Species, forma, gradus são os termos que designam o que


é próprio de cada um e que mostram a distinção das pessoas. O
texto afirma também a unidade dos três por meio do termo tri-
nitas: a Trindade tem no Pai sua única origem e não destrói a sua
monarquia.
Ao mesmo tempo, Tertuliano admite certa gradação entre os
três, mesmo que a divindade comum se mantenha:
O Pai contém toda a substância, o Filho é uma derivação e uma
porção do todo, como ele mesmo confessa: Porque o Pai é maior
do que eu (Jo 14,28). Também no salmo se canta como inferior: um
pouco menos do que os anjos (Sl 8,6). Assim o Pai é distinto do Filho
ao ser maior do que o Filho, pois um é quem gera e outro quem é
gerado, um quem envia e outro quem é enviado, um quem faz e
outro quem por meio do qual tudo foi feito (Prax. 9,2).

Conforme Tertuliano, a distinção entre Pai e Filho manifesta-


se em suas diversas funções na criação e na salvação do homem:

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 127

no Pai está toda a substância; no Filho, uma derivação ou portio.


Não parece que se deva entender esse termo no senso material, e,
sim, no de participação.
Mesmo assim, a plenitude da divindade não se encontra no
Filho da mesma maneira que no Pai. Deve-se reconhecer, portan-
to, que há certa dificuldade em afirmar uma total participação do
Filho na divindade do Pai.
Tertuliano não fala da processão do Espírito no sentido intra-
trinitário atual em que empregamos esse termo. Também não dis-
corre, explicitamente, sobre a origem do Espírito Santo, mas fala,
em várias passagens, de um "terceiro", estendendo a Ele o mesmo
que vale para o Filho.
Vejamos um desses textos:
Ele (Jesus) derramou o dom (munus) recebido do Pai, o Espírito
Santo, terceiro nome da divindade e o terceiro nome da majestade,
pregador de uma única monarquia e intérprete da economia [...],
mestre de toda a verdade, que está no Pai, no Filho e no Espírito
Santo segundo o mistério cristão (Prax. 30,5).

O Espírito Santo vem do Pai pelo Filho da mesma maneira


como o Filho vem da substância do Pai: "não creio que venha de
outra pessoa a não ser do Pai pelo Filho" [non aliunde puto quam
a Patre per Filium] (Prax. 4,1).
O “a Patre” indica, aqui, duas coisas:
• O Pai é o princípio remoto e universal do Espírito Santo.
• O Pai é o agente principal na causalidade mesma do Filho.
Ora, o Pai atua como princípio remoto e, também, como
agente principal na processão do Espírito "ex Filio”.
Somente do Pai deriva, em último termo, o "espírito" que o
Filho é capaz de emanar de si mesmo, como a água, que do arroio
vai ao rio, provém em último termo da fonte; ou como do sol pro-
cede a luz que o raio irradia pelo esplendor.
128 © Teologia Trinitária

Como se pode ver, o Espírito provém da substância do Pai (a


Patre) graças ao Filho (per Filium).
Assim, o Filho participa da origem do Espírito, mas não de-
sempenha, nessa origem, um papel ativo. De fato, seguindo a ima-
gem de Tertuliano, é preciso convir que o rio não produz a água,
e, sim, a fonte.

Orígenes († 254 aprox.)


Orígenes é um eminente representante da "Escola de Alexan-
dria", que, como você já deve ter ouvido falar, designa a teologia
marcada pelo platonismo, pela exegese alegórica e, na cristologia,
pelo grande destaque dado à teologia do Verbo.
Orígenes ajudou a Igreja a se abrir ao mundo e às suas in-
terrogações. Contestado já em vida e condenado pelo Concílio de
Constantinopla II (553), foi amplamente reabilitado pelos estudos
mais recentes, lutando em duas frentes ao mesmo tempo: a gnose
e o modalismo.
Contra a gnose, ele afirmou a geração eterna do Filho, pura-
mente espiritual, que faz que ele tenha parte na substância (ousia)
divina.
Contra os modalistas, Orígenes, usando o termo hipósta-
se, explicou que não se deve considerar a diferenciação em Deus
como meramente imaginada, mas como fundamentada no ser de
Deus, existente desde toda a eternidade.
Vamos iniciar o estudo do teólogo alexandrino com um tre-
cho do comentário ao Evangelho de João.
Vede como se pode resolver o problema que perturba a muitos, que,
querendo ser piedosos, por medo de reconhecer dois deuses, caem
em opiniões errôneas e ímpias, seja porque negam que a individuali-
dade do Filho é diferente da do Pai, ainda que professem como Deus
ao que chamam de Filho ao menos pelo nome, seja quando, negan-
do a divindade do Filho, admitem que sua individualidade (idioteta)
e sua substância pessoal (ousía katá perigraphen) são, em suas carac-
terísticas próprias (idioteta), diferentes das do Pai.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 129

É preciso dizer-lhes que o Deus é o Deus em si (autotheós), e que


por essa razão também o Salvador diz na oração a seu Pai: "Para
que conheçam que tu és o Deus verdadeiro" (Jo 17,3), enquanto
todo aquele que, com exceção de Deus em si (autotheós), é deifi-
cado por participação à sua divindade, seria mais justo não o cha-
mar o Deus (ho theós), senão Deus. Portanto, de modo absoluto, o
primogênito de toda criatura (cf. Cl 1,15), enquanto está junto com
Deus e é o primeiro que se impregna de sua divindade, é mais dig-
no de honra entre todos os que além dele são deuses [...], porque
lhes concede fazerem-se deuses, tirando de Deus o princípio para
deificar, e, em sua bondade, faz participantes dele aos outros com
liberalidade.
Deus é, portanto, o Deus verdadeiro. Os outros deuses que se fi-
zeram segundo ele são como as reproduções de um protótipo. Por
outra parte, a imagem arquetípica dessas múltiplas imagens é o
Verbo que está junto a Deus, e permanece sempre Deus, enquanto
não seria Deus se não estivesse junto a Deus e não perseverasse na
contemplação ininterrupta do profundo do Pai (In Joh. II, 2, 16-18).

Partindo desse texto, podemos destacar alguns pontos im-


portantes da teologia trinitária de Orígenes.
Inicialmente, chama atenção a maneira como Orígenes atri-
bui os diversos nomes ao Pai e ao Filho, afirmando, assim, a distin-
ção pessoal deles.
O Pai é chamado "Deus em si" (autotheós) e somente a ele
corresponde ser o Deus, com artigo (ho theós; cf. Jo 1,1).
Orígenes atribui ao Filho diversos nomes: por exemplo, ele é
chamado “o reino”, “a justiça”, “a sabedoria”, “a razão em si”, mas
nunca é chamado "Deus em si" (autotheós) como o Pai. Pelo con-
trário, ele é o "segundo Deus" (Deuteros Theós).
O texto mostra, claramente, a transcendência de Deus sobre
a criação: o Pai é transcendente a tudo, uma vez que Ele é o princí-
pio (arché), e tudo deriva dele, inclusive o Filho e o Espírito.
Orígenes não separa a origem do Filho, do Espírito e das ou-
tras criaturas: todos têm origem no Pai. Tanto o Filho quanto o
Espírito são transcendentes em relação aos outros seres, mas são
inferiores ao Pai.
130 © Teologia Trinitária

Assim, é acentuada a posição singular do Pai, sem deixar de


reconhecer, porém, que o Filho e o Espírito se distinguem, notoria-
mente, das criaturas. O Filho e o Espírito Santo encontram-se uni-
dos ao Pai e constituem com Ele a Trindade divina; distinguem-se
entre si e são, ao mesmo tempo, distintos de todas as criaturas.
Orígenes vê a unidade das três hipóstases baseada, sobretu-
do, no fato de que o Pai é a origem (arché), a plenitude e a fonte
da vida divina. O Filho e o Espírito Santo, por sua vez, possuem-na,
somente, por participação, de modo derivado. Nesse sentido, so-
mente o Pai é ho theós.
Preste atenção no modo como Orígenes entende a relação "o
Deus (ho theós) – Deus (theós)". No texto comentado, essa relação
não exprime a distinção "Pai – Filho" como pareceria à primeira
vista. A distinção refere-se, na verdade, à relação "Pai – tudo o que
é deificado por participação". Nesse "tudo o que é deificado por
participação", estão incluídos tanto o Filho quanto as criaturas.
Evidentemente, Orígenes não duvida da divindade do Filho:
só ele é Filho por natureza; nós o somos por participação.
Mas o ser filial do Filho, embora independente de nossa exis-
tência, não está isolado dela. Parece que Orígenes está consciente
da distinção entre nossa participação na natureza divina da do Fi-
lho por natureza. Parece, também, que ele não coloca fronteiras
entre elas.
Em Orígenes, encontramos, pela primeira vez, a afirmação
clara da geração coeterna do Filho, ou seja, de que o Pai, princípio
de tudo, gerou, eternamente, o Filho. O Logos é, desde o primeiro
instante, o Filho e tem uma subsistência própria incorpórea. Não
há razão nenhuma para que o Pai não tenha querido ou não tenha
podido ser sempre Pai e gerar o Filho.
Vejamos um texto em que Orígenes afirma essa geração
eterna da Sabedoria:

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 131

Ou se dirá que Deus não pôde gerar esta Sabedoria antes de tê-
la gerado, de modo que ele pôs no mundo depois aquilo que não
existia previamente, ou então que ele podia, sim, gerá-la, mas – su-
posição que não se deve fazer – que não o queria. Ambas as hipó-
teses são absurdas e ímpias, é claro: imaginar que Deus tenha pro-
gredido da impotência à potência ou que, podendo fazê-lo, tenha
negligenciado ou adiado gerar a Sabedoria. Deus é sempre Pai de
seu Filho único, nascido dele, tomando dele o que é, sem, porém,
nenhum começo [...]. Como é possível dizer que houve um momen-
to em que o Filho não teria sido? Isso equivaleria dizer que houve
um momento em que a Verdade não teria sido, em que a Sabedoria
não teria sido, em que a Vida não teria sido, quando em todos esses
aspectos (de ser) especifica-se perfeitamente a substância do Pai
(Princ. I,2,2; IV,4,1).

Como se pode ver, a Sabedoria é gerada não mais no sentido


de uma "saída" para fora de Deus no momento da criação; pelo
contrário, ela é gerada desde sempre e se identifica com o Filho.
Nessa passagem, Orígenes não deixa dúvida: Deus é sem-
pre Pai de seu Filho. O Filho pertence tanto ao ser mesmo do Pai
que negar a eternidade do Filho significa desonrar o próprio Pai.
Deus desde sempre gerou o Filho, quis ser e foi Pai. O mesmo se
pode dizer do Criador. Desde sempre Ele foi Senhor das criaturas
e, portanto, não houve um momento em que ele começou a ser
criador.
Seguindo esse raciocínio, Orígenes parece conceber que as
criaturas são, também, eternas.
Na verdade, o teólogo alexandrino admite uma coeternidade
intencional, no sentido de que a criação se encontra desde sem-
pre pré-formada e prefigurada na Sabedoria, que, nesse caso, se
identifica com o Filho, o Logos. Orígenes concebe, portanto, essa
"criação" como a criação do mundo inteligível que há, eternamen-
te, no Logos.
Diferente das criaturas, a Sabedoria pessoal, porém, existe
como tal. Deus é sempre luz (cf. Jo 2,5), e o Unigênito é sempre o
esplendor dessa luz.
132 © Teologia Trinitária

Fica assim estabelecida a processão eterna do Filho, embora


subsista certa relação entre geração e criação.
Na verdade, Orígenes não pensa a geração eterna do Filho
num plano puramente intratrinitário, mas sempre em relação à
criação.
A geração do Logos é eterna; mas está ligada à vontade cria-
dora e divinizadora de Deus. De qualquer forma, não há dúvidas
para Orígenes quanto ao fato de que Deus não é Deus antes de
ser Pai; pelo contrário, Ele é eternamente Pai do Filho, e o Logos,
gerado desde a eternidade, é, desde sempre, o Filho.

INFORMAÇÃO:
O Logos é, além de divino, uma hipóstase própria. A individualida-
de (idiotes) do Filho é distinta da do Pai. Ele é o resplendor da luz,
mas possui uma subsistência pessoal.

Dois aspectos são importantes para compreender, correta-


mente, a geração do Filho:
Por um lado, Cristo é Filho por natureza, e não por adoção.
Por outro, sua geração é livre: enquanto Deus, o Filho procede da
mente paterna; enquanto pessoa, Ele procede da vontade pater-
na, ou seja, é Filho pelo querer de Deus.
Para falar da geração do Filho como um processo comple-
tamente espiritual, Orígenes usa a expressão “tamquam a mente
voluntas”: o Filho procede do Pai como a vontade da mente.
Outra diferença entre o Pai e o Filho se refere à simplicidade:
o Pai é a simplicidade absoluta; o Filho, no entanto, não é assim,
por causa da pluralidade de suas relações com a criação. Sua per-
sonalidade está em função da economia livremente escolhida pelo
Pai.
Orígenes ainda explica que, na geração do Logos, há duas
fases: a primeira é a de formação pessoal, a segunda, de formação
divina.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 133

Na primeira, Deus projeta na pessoa do Filho as perfeições


que o compõem. Assim, constitui-se como pessoa, sem, porém, se
separar de Deus.
Na segunda, o Filho volta a Deus seu olhar para receber a
comunicação de vida, a "deificação". A mediação salvífica, para a
qual é chamado, reclama sua comunhão de essência e de vida com
o Pai.
O Logos, portanto, está orientado tanto para a criação quan-
to para a economia salvífica. Sua divindade, por assim dizer, "ali-
menta-se", constantemente, da contemplação do abismo paterno,
do único princípio (arché) de tudo, mas perderia sua divindade se,
por acaso, deixasse de alimentar-se constantemente dessa fonte.
Dela tem origem o Filho desde a eternidade, porque Deus sempre
quis ser Pai e criador.
Para completar essa visão sumária da teologia trinitária de
Orígenes, é preciso tratar do Espírito Santo. É preciso dizer que o
Alexandrino é o primeiro a consagrar ao Espírito uma reflexão mais
extensa.
Vejamos, inicialmente, o que Orígenes diz a respeito do Espí-
rito num texto em que ele repete a regra de fé: “[Os santos Após-
tolos] ensinaram que o Espírito Santo está associado ao Pai e ao Fi-
lho em honra e em dignidade. No que lhe diz respeito, não vemos
com clareza se ele nasceu ou não nasceu” (Princ. Pref., 4).
Para Orígenes, o fato de associar o Espírito Santo ao Pai e ao
Filho confirma sua divindade. Se a questão do caráter divino do
Espírito não desperta dúvida, a da sua origem permanece aberta.
De fato, só o Filho vem diretamente de Deus, uma vez que é
gerado por ele. Mas o Espírito Santo, porém, não é gerado (como o
Filho) nem é inascível (não gerado = agennetos, como o Pai).
Essa questão da origem do Espírito é retomada no Comentá-
rio ao Evangelho de João:
134 © Teologia Trinitária

Quanto a nós, persuadidos como estamos de que existem três hi-


póstases (treis hypostaseis), o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e cren-
do que nenhuma delas, exceto o Pai, seja não-gerado (agennetos),
pensamos que o Espírito Santo tem uma posição proeminente so-
bre tudo o que foi feito mediante o Logos, e na ordem é o primeiro
de todos os seres derivados do Pai por meio de Cristo (In Joh. II,
10,75).

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
Em Orígenes, “os termos ‘hipóstase‘ (hypostasis), ‘substância’
(ousia), ‘substrato’ (hypokeimenon), empregados a propósito de
Deus, têm ainda sentidos muito próximos, senão sinônimos. Eles
designam a realidade concreta, por oposição àquilo que só existe
no espírito” (SESBOÜÉ, 2002. p. 195)
Hipóstase significa a natureza substancial ou a realidade que está
sob algo (cf. Hb 1,3). O termo criou problemas nas controvérsias
cristológicas e trinitárias dos séculos 4º e 5º, quando começou a
significar uma “realidade concreta e singular”, ou uma “existên-
cia distinta pessoal”. Por fim, o ensino oficial da Igreja falou de
Deus como três “hipóstases” que compartilham a única substância
ou natureza, e de Cristo como duas naturezas e uma “única hi-
póstase” ou pessoa (cf. DS 125-126; 300-303; 421). Na teologia
trinitária, usa-se o termo para sublinhar que as pessoas divinas
são reais e não apenas aparentes (O’COLLINS, G.; FARRUGIA,
E. Ipostasi. In: Dizionario sintético di teologia. Editrice Vaticana,
1995, p. 182.)

No texto citado anteriormente, o Pai, o Filho e o Espírito


Santo são mencionados como três "hipóstases", três subsistentes
distintos no seio da divindade. Esse termo tem em Orígenes e na
teologia grega em geral o mesmo significado que tem em Tertulia-
no, e com base nele, na teologia latina, é próprio de "pessoa".
A partir da afirmação universal de Jo 1,3, Orígenes não hesita
em dizer que também o Espírito Santo foi feito por meio de Cristo.
Para a teologia atual, afirmar que "o Espírito foi feito" corres-
ponde a uma negação da divindade do Espírito. Mas não é assim
para Orígenes.
Exatamente pelo fato de ter sido feito pelo Verbo, fica garan-
tido que o Espírito venha do Pai e que ele seja, por isso mesmo,
Deus.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 135

O Espírito, desde a eternidade, vem do Pai por meio do Filho


(cf. Jo 1,3). Ele é o primeiro dos seres feitos mediante o Verbo, mas
é distinto das criaturas propriamente ditas, porque não passou do
nada ao ser, e sua existência é eterna como a do Filho.
Assim, a intervenção do Filho na origem eterna do Espírito é,
também, claramente afirmada: por meio do Filho, o Espírito Santo
deriva do Pai e, por isso, ele é "Deus verdadeiro".
Temos, portanto, uma linha “descendente” − Pai-Filho-Espí-
rito: o Espírito Santo, feito por meio do Filho, recebe o ensinamen-
to também por meio dele; o Pai tem um âmbito de poder maior do
que o Filho, e o Filho mais do que o Espírito.
Na realidade, a função subordinada que se atribui ao Espírito
Santo na teologia trinitária de Orígenes fica muito limitada, uma
vez que, segundo ele, o Logos esgota toda a função mediadora
Deus-mundo. Portanto, parece que não sobra muito espaço para
o Espírito.
Juntamente com essa concepção linear e vertical em cres-
cente subordinação, há outros textos em que o Filho e o Espírito
aparecem coordenados entre si e referidos ao Pai.
Temos, então, dois esquemas trinitários diversos. Orígenes,
seguindo a tradição, reafirma o Espírito Santo unido ao Filho. Por
isso, ele é colocado ao lado de Cristo na obra de mediação; não é
um simples subordinado a Cristo, tampouco uma repetição dele.
Leiamos outro texto de Orígenes sobre o Espírito:
Penso que o Espírito Santo oferece, por assim dizer, a matéria dos
dons da graça (charismaton) concedidos por Deus àqueles que por
ele e por sua participação nele são chamados santos. Essa matéria
dos carismas, de que falamos, proviria da atividade de Deus Pai, se-
ria ministrada por Cristo e teria sua própria consistência no Espírito
Santo (In Joh. II, 10,77).

Como o Verbo adquire consistência por vontade do Pai (ta-


mquam a mente voluntas – como a vontade procede do intelecto),
assim se deve presumir que o Espírito a adquiriu por meio do Ver-
136 © Teologia Trinitária

bo, como o primeiro dos efeitos vinculados, especificamente, à sua


atividade de criação (embora distinto das criaturas).
A hipóstase do Espírito Santo sempre se subordina à vontade
de Cristo, mas de acordo com os desígnios do Pai.
Como a encarnação do Verbo confere ao Filho de Deus a sub-
sistência na natureza humana, o qual já subsiste em sua natureza
divina antes da criação do mundo, assim, a efusão do Espírito (no
Jordão, no Cenáculo, em Pentecostes) faz subsistente, na natureza
humana (embora não por união pessoal, como no caso do Verbo),
a hipóstase que já antes possuía o Espírito Santo, dada agora aos
homens.
Orígenes apresenta-nos, assim, a articulação dos três (Pai,
Filho e Espírito) unidos na confissão da fé e na obra da salvação.
Embora com imperfeições e desequilíbrios, a contribuição de
Orígenes para o desenvolvimento da teologia trinitária não pode
ser desprezada. Ainda que continue, ao que parece, relacionando
a processão do Verbo com a criação, sem distingui-las claramente,
a afirmação de que essa processão é eterna, e, portanto, de que
Deus não se torna Pai, é de máxima importância.
Orígenes concentra-se mais no caráter divino dos Três do
que na unidade entre eles. A distinção entre as hipóstases será
uma característica da teologia alexandrina posterior. Levada ao ex-
tremo – um extremo que certamente seria inadmissível para Orí-
genes – dará lugar à heresia de Ário.
Orígenes está na origem tanto da heresia ariana quanto da
ortodoxia nicena. Sobre isso, veja o texto a seguir:
A fórmula seria justa se pudéssemos acrescentar que ele não é “pai”
de modo igual em ambos os casos. Com efeito, os admiradores de
Orígenes, no alvorecer do séc. IV, não recebem do mesmo modo
sua herança. Alguns o retomam simplificando-o e deformando-o.
Outros se libertam de alguns de seus princípios, mas permanecem
fiéis a suas intuições profundas (SESBOÜÉ, 2002. p. 199).

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 137

8. CRISE ARIANA E O CONCÍLIO DE NICÉIA


A teologia do Logos de Orígenes exerceu enorme influência
nas gerações sucessivas. Foi exatamente a importância dessa influ-
ência da teologia do alexandrino que determinou a gravidade e a
profundidade da crise que se seguiu.
Como se nota, Orígenes não evitou expressões nitidamente
subordinacionistas. Segundo ele, o Filho é inferior ao Pai, e o Es-
pírito, aos dois. Há certa gradação entre eles, no sentido de que o
Filho e o Espírito provêm do Pai.
O Pai é "maior" porque ele é a única fonte da divindade do
Filho e do Espírito: "maior", nesse período, não ameaçava a condi-
ção divina do Filho. Muito pelo contrário, o adjetivo indicava que,
entre Pai e Filho, a comparação só podia ser feita porque eram da
mesma natureza.
Nos primeiros séculos, esse modo de conceber a relação en-
tre Pai e Filho pode ser chamado de "subordinacionismo pré-nice-
no". Por isso, essa tendência teológica não era, necessariamente,
herética e foi, de certo modo, pacificamente aceita pela Igreja.
Esse subordinacionismo pré-niceno deve ser distinguido de
outro: daquele que sustenta que o Filho e o Espírito são criados
pelo Pai. Será exatamente esse subordinacionismo que marcará a
teologia de Ário: segundo ele, o Filho é inferior ao Pai e não existiu
desde sempre, "houve um tempo em que ele não era", por isso,
ele é inferior como criatura.

INFORMAÇÃO:
A crise ariana, porém, não será totalmente negativa para a fé da
Igreja. Ela será a ocasião para a primeira definição solene da Igre-
ja não só sobre a doutrina trinitária, mas também sobre o ponto
central da fé, ou seja, a identidade última de Jesus salvador. Com
isso, a Igreja procurará definir o sentido do monoteísmo cristão.
138 © Teologia Trinitária

A questão da divindade do Espírito Santo não será objeto de


discussão explícita nesse período. Somente mais tarde, por volta
do ano 360, é que a divindade do Espírito se tornará um problema
que merecerá um aprofundamento teológico.

Doutrina de Ário
Ário era um presbítero de Alexandria, nascido por volta do
ano 260. Ele considerava Cristo uma criatura privilegiada. Sua pre-
ocupação fundamental era a afirmação da unicidade de Deus, que
estaria comprometida, segundo ele, se fosse aceita a divindade do
Filho. A carta que Ário dirigiu ao bispo Alexandre de Alexandria é
um bom resumo de sua doutrina:
Conhecemos um só Deus, único incriado, único eterno, único sem
princípio, único verdadeiro, único imortal, único verdadeiramente
bom, único poderoso [...]. Esse Deus gerou um Filho unigênito an-
tes de todos os séculos, por meio do qual criou os séculos e todas
as coisas; nascido, não em aparência, mas em verdade; obediente
à sua vontade, imutável e inalterável; criatura perfeita de Deus, po-
rém não como uma das criaturas; feito por Deus, porém não como
as demais obras [...]. É, como dissemos, criado pela vontade do Pai
antes dos tempos e dos séculos, recebe do Pai a vida e o ser, e o Pai
o glorifica ao fazê-lo participar de seu ser [...]. O Filho saiu do Pai,
fora do tempo, criado e constituído antes dos séculos; não existia
antes de nascer, mas nasceu antes de todas as coisas, fora do tem-
po. Recebe o ser, Ele só, do Pai só. Não é nem eterno, nem coeter-
no, nem incriado junto com o Pai! (HILÁRIO DE POITIERS, Trin. IV,
12-13).

Ário insere-se na tradição "monarquiana", que defende que


Deus é único, inascível (não gerado) e eterno. Dizer que o Filho é
coeterno ao Pai significa admitir que ele é inascível como o Pai, o
que é absurdo e contraditório. Por isso, ele não existia antes de ser
gerado e teve um começo.
Consequentemente, Deus era Deus antes de ser Pai: ele só
começou a ser Pai quando gerou o Filho. Assim, o Filho não é Deus,
e o Pai não é Pai desde sempre. Trata-se, portanto, de pôr em des-
taque a posição única e não repetível do Pai. Ninguém lhe pode
ser consubstancial. Só o Pai é sem princípio, e nisto se diferencia,

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 139

radicalmente, do Filho que, como todas as criaturas, tem seu prin-


cípio na vontade do Pai.
O Filho foi gerado pela vontade do Pai. Ele não é gerado da
substância do Pai, pois isto teria constituído uma divisão na mes-
ma substância paterna. Essa geração do Filho é, no fim das contas,
uma criação.
Afirmando a voluntariedade da geração do Filho, Ário colo-
cava-se em continuidade com a tradição anterior, mas tirava dela
uma conclusão que o levava a romper com a mesma tradição: para
ele, geração é, pura e simplesmente, criação. O Filho vem do nada
(ex nihilo), ainda que sua criação não seja como a das outras cria-
turas.
O Filho é "gerado" e, como tal, não pode ser coeterno, por-
que tem princípio. Não pode haver dois inascíveis. O Filho, então,
deve ter princípio, do que se deduz sua natureza de criatura.
Ário fala da geração do Filho, mas, na verdade, como o
contexto claramente indica, entende geração como sinônimo de
criação. De um lado, refere-se a uma geração anterior ao tempo,
porque não há tempo sem criação. Mas, de outro, insiste na não
coeternidade do Filho.
O Filho, portanto, embora tenha sido criado pelo Pai antes de
todos os séculos, começou a existir. O Filho tem princípio "tempo-
ral", porque só o Pai é sem princípio. Ário não compreende como o
Filho pode ter no Pai seu princípio se for coeterno com ele.
De qualquer forma, o Filho é tão superior às outras criatu-
ras que merece ser chamado "Deus", não em senso próprio, mas
somente como um tipo de título de honra. Ele ocupa o lugar mais
alto das criaturas, mas pertence a essa condição.
As passagens de Jo 10,30; 14,9s, que, na tradição anterior, fo-
ram usadas para sublinhar a unidade do Pai e do Filho, são interpre-
tadas pelos seguidores de Ário no sentido de "pertença", de união
de vontade, mas não de participação do Filho na divindade do Pai.
140 © Teologia Trinitária

Veja, a seguir, um texto que nos esclarece mais sobre a dou-


trina de Ário:
No fundo, a doutrina ariana significava interpretar o cristianismo à
luz dos esquemas helênicos dominantes no tempo, em concreto do
platonismo [...]. Com a acentuação unilateral da divindade do Pai e
a consequente negação da do Filho, que é o Logos mediador da cria-
ção (e a fortiori da do Espírito Santo), Ário nega toda relação direta
entre Deus e o mundo. A criação foi levada a cabo pelo Filho, que
não é Deus. O próprio Filho e o Espírito Santo, enquanto criaturas,
não podem causar nenhum acesso direto do homem a Deus. Nem
Deus vem aos homens, nem os homens, por conseguinte, podem
chegar a Deus. É a relação Deus-mundo que está em jogo quando
se fala da relação Pai-Filho. Por isso o Filho é o mediador cósmico,
porém Ário não fala da revelação de Deus que ele nos traz, nem
de sua mediação salvífica; tudo isso é perfeitamente consequente
com suas premissas. Os problemas de Ário em grande medida de-
rivaram de ter querido juntar o querigma cristão do Pai, do Filho e
do Espírito Santo com esquemas cosmológicos, em que a mediação
deve ser rebaixada ao nível da criatura. Daí a ruptura de muitos ele-
mentos da tradição cristã [...]. A relação entre criação e processão
do Logos não é nova [...]. Mas as distinções entre o Logos imanente
e o proferido, as especulações sobre a participação do Filho na vida
mesma do Pai asseguravam sua pertença ao âmbito divino, ainda
que fosse gerado pela vontade paterna [...]. A posição extrema de
Ário cai no perigo de encerrar a fé em esquemas prévios. Por isso a
reação da grande Igreja em Nicéia pôde ser qualificada como uma
verdadeira "des-helenização" do cristianismo (LADARIA, 1998, p.
180-181).

Marcelo de Ancira (†374 aproximadamente)


Marcelo de Ancira lutou contra o arianismo, mas, nesse em-
bate, ele acentuou com tanta força a unidade das três pessoas di-
vinas que chegou a cair na tendência oposta de atenuar a distinção
das hipóstases.
Ele não chega a negar a Trindade, mas sua insistência na uni-
cidade de Deus é tão forte que se torna problemático saber se, de
fato, ele reconhece ao Filho uma subsistência pessoal própria.
Segundo Marcelo, o Logos, antes que o mundo fosse criado,
estava no Pai como sua potência. Ele é um só com o Pai em ousia
e hipóstase. Notemos que Marcelo usa os dois termos ainda como

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 141

sinônimos. Trata-se de uma identificação comum em sua época,


que provocará muitos mal-entendidos e polêmicas.
Como mediador da criação, o Logos não se configura, ainda,
como hipóstase distinta do Pai. Somente no momento da encar-
nação é que o Logos se faz "pessoa". Na encarnação, a mônada
divina dilatou-se em díade e, depois, em tríade, pela efusão do
Espírito.
Nesse autor, é problemática a exegese de 1Cor 15,24-28.
Marcelo interpreta a entrega do reino ao Pai como o fim do Reino
de Jesus. O Reino de Jesus teve início com sua vinda ao mundo,
mas ele chegará ao seu fim quando for entregue ao Pai.
Nesse momento, o Logos não deixará de existir, mas voltará
à condição em que estava antes da criação do mundo, ou seja, vol-
tará a ser "energia" do Pai.
Outro ponto discutível da posição de Marcelo, mesmo que
não haja clareza total sobre isto, é a questão da humanidade assu-
mida pelo Logos na encarnação: quando o Reino for entregue ao
Pai, terminará a função soteriológica da humanidade assumida, e,
por isso, ela não permanecerá mais unida ao Verbo.
Foi para se opor a essa interpretação que o Concílio de Cons-
tantinopla introduziu em seu Símbolo o inciso: "e Seu Reino não
terá fim".

O símbolo de Nicéia (325)


Para que possamos compreender de modo adequado a "de-
finição dogmática" de Nicéia, é preciso dar-se conta do debate te-
ológico que antecedeu a convocação do Concílio.
Duas linhas de pensamento opostas desenvolveram-se no
período imediatamente anterior ao Concílio de Nicéia. Elas for-
mam o contexto teológico em que se desenvolveram os debates e
ajudam a compreender a tomada de posição desse Concílio.
142 © Teologia Trinitária

De fato, Nicéia moveu-se entre essas duas linhas de pen-


samento, que podem ser assim descritas: temos, de um lado, a
linha de Orígenes, que afirma as três hipóstases e acentua a distin-
ção entre elas. Essa linha de pensamento teve, como vimos, uma
grande influência no período pré-niceno. No extremo dessa linha,
como interpretação exagerada, está a posição de Ário, que chega à
separação entre as hipóstases (arianismo). Representante de uma
posição moderada dessa corrente é Eusébio.
A outra linha de pensamento acentua, fortemente, a uni-
dade divina, tendência essa representada por Marcelo de Ancira.
Levando ao extremo essa posição, os sabelianos negaram a exis-
tência eterna da Trindade mesma.
Entre essas duas linhas e evitando seus dois extremos, o
Concílio de Nicéia teve de encontrar seu caminho.
Em sua confissão em forma de símbolo batismal, o Concílio
de Nicéia opôs ao erro ariano da criaturalidade do Logos a fé em
Cristo, Filho de Deus e criador. Assim, o Símbolo de Nicéia e seus
anátemas (DS 125-126) representam tanto o ponto de chegada
decisivo para o desenvolvimento teológico trinitário quanto o de
partida para novos debates e aprofundamentos.
Vejamos, juntos, este texto:
Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de todas as
coisas visíveis e invisíveis.
E num só Senhor, Jesus Cristo, Filho de Deus, gerado pelo Pai, uni-
gênito, isto é, da essência (ousia) do Pai, Deus de Deus, luz de luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubs-
tancial (homousion) ao Pai, por meio do qual todas as coisas foram
feitas, as que estão no céu e as que estão na terra. O qual, por nós
homens e por nossa salvação, desceu do céu e se encarnou; fez-se
homem, padeceu e ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu e virá
para julgar os vivos e os mortos.
E no Espírito Santo.
Aos que afirmam "Houve um tempo em que não existia", e: "Antes
de ser gerado não era", ou dizem que o Filho de Deus foi feito do
nada, ou que deriva de outra hipóstase ou essência (hypostáseos
he ousias), ou que é mutável ou alterável, a Igreja católica os anate-
matiza (DENZINGER-HÜNERMANN, 2007, p. 125-126).

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 143

O primeiro artigo refere-se ao único Deus, que é o Pai. É in-


teressante notar que o Símbolo niceno relaciona a paternidade
de Deus não somente com o Filho, mas também com a criação: o
Deus único é o Pai Todo-poderoso e criador de todo universo.
De fato, era algo comum, nos séculos 2° e 3°, entender a pa-
ternidade divina no sentido de que o Pai é origem tanto do Filho
quanto da criação. A fundamentação bíblica para essa concepção,
que unia paternidade econômica e intratrinitária, se encontra em
1Cor 8,6. A mesma concepção aparece no Símbolo niceno e é fre-
quente nos outros símbolos dos primeiros séculos.

INFORMAÇÃO:
Este é, também, o significado do título grego pantokrator. Sua tra-
dução mais adequada não é o “Onipotente” ou o “Todo-poderoso”.
Pantokrator não é, inicialmente, “O que tudo pode”, mas “O que
tudo mantém e rege” em seu poder transcendente; por isso, não
indica uma propriedade abstrata, mas o exercício efetivo do poder
criador.

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
O estudo do título pantokrátor revelou que originalmente o termo
grego tinha dois sentidos: um bíblico e outro helenístico-cristão.
O sentido bíblico se ligava ao termo hebreu shebaôt, fortemente
marcado pelo sentido sacro e nacionalista dos títulos “Senhor dos
exércitos” e “Senhor do universo”; assim os primeiros autores cris-
tãos orientavam a interpretação do termo para as ideias de poder,
de autoridade e de domínio. Mais comum, porém, era a associa-
ção do título à criação e à conservação do universo. De fato, nos
textos antigos nenhum indício formal leva a distinguir a onipotência
divina de sua atividade criadora, mesmo que esses dois atributos
não se reduzam a simples sinônimos. Pela sua derivação do verbo
krateîn, a palavra pantokrátor indicava normalmente uma relação
permanente de Deus com o universo e não somente o ato inau-
gural de sua fundação. Além disso, pantokrátor era entendido não
no sentido de “reger tudo”, mas de “tudo deter”, de “tudo ter nas
mãos”, indicando não o “Soberano”, o “Dominador” do Universo
que o criou (ho tôn pantôn kratôn), mas o “Providente” que o envol-
ve com sua solicitude e o “Salvador” que o mantém na existência
(ho ta panta kratôn). Essa acepção helenística foi adotada pelos
autores do símbolo, depois que o título de Pai passou a excluir
toda ideia de criação (Pai do mundo) para se restringir ao sentido
trinitário de Pai (que gera o Filho). Quando o termo grego passa
144 © Teologia Trinitária

para a área latina, sofre uma ulterior transformação: em grego o


verbo krateîn indica um poder efetivo, uma soberania e um domí-
nio efetivamente exercido, mas em latim potens denota “possibili-
dade”, uma capacidade e uma virtualidade não realizada de fato.
(cf. DE HALLEUX, 1977, p. 401-422.).

Evidentemente, o primeiro artigo do credo não se detém no


aspecto cósmico da paternidade. A estrutura trinitária do símbolo
mostra que a paternidade divina se afirma, sobretudo, em relação
ao Filho.
De fato, só a revelação de Deus como Pai de Jesus, atestada
no Novo Testamento, permitiu que se falasse de Deus Pai como
criador de todas as coisas.
O segundo artigo é dedicado ao Filho: "um só Senhor Jesus
Cristo" (cf. 1Cor 8,6). Ele é Filho de Deus e tem origem no Pai, ou
seja, é "gerado pelo Pai". É uma geração única, não repetível; por
isso, Ele é o "unigênito" (cf. 1Jo 1,14.18; 3,16; 1Jo 4,9).
Sempre se acreditou que o Filho foi gerado pelo Pai. Nicéia,
porém, sabia que isto já não era mais suficiente e, por isso, procu-
rou esclarecer que se tratava de verdadeira geração.

INFORMAÇÃO:
Dizer que o Filho foi gerado equivale a dizer que ele é “da essên-
cia do Pai”. Como um homem gera um homem, assim, o Pai gera
o Filho, comunicando-lhe sua substância: Deus gera Deus. Além
disso, Nicéia procurou sublinhar que a geração não deve ser en-
tendida como algo material, como se o Filho fosse uma parte do
Pai, mas que é uma geração espiritual, sem separação de subs-
tância.

As expressões "Deus de Deus, luz de luz" são desdobramen-


tos da geração única do Filho, enquanto que a expressão "Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro" é, claramente, antiariana.
O símbolo sublinha que o Filho é Deus em senso estrito e em
virtude da geração. "Gerado, não criado" é uma nova precisão que
marca a diferença qualitativa entre geração e criação. Trata-se de

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 145

distinguir, claramente, os dois modos de vir à existência, sem que


caibam termos intermediários.

INFORMAÇÃO:
A geração que dá o ser ao Filho é de natureza diversa da criação.
A geração do Filho não é uma criação do nada. O Concílio definiu
o modo de origem do Filho como uma geração, excluindo, absolu-
tamente, a criação.

"Consubstancial ao Pai" é o termo mais característico de


Nicéia, a palavra-chave que se tornou sua "marca registrada". O
gerado é consubstancial ao Pai, isto é, àquele que o gerou. Há, por-
tanto, identidade de substância entre eles. O Filho gerado é tanto
Deus quanto o Pai que gera.
Esse termo não é uma palavra tirada da Escritura, mas pro-
vém do gnosticismo. Por causa da dificuldade em sua interpreta-
ção, provocará, no período pós-niceno, uma polêmica maior do
que a que quis resolver.
De fato, a ambiguidade do “consubstancial” (em grego: ho-
moousios) decorreu da ambiguidade do termo "substância" (em
grego: ousía), que podia indicar tanto a essência individual quanto
a essência comum a todos os seres do mesmo gênero.
Por conseguinte, entendendo a ousía como essência indivi-
dual, o "consubstancial" (homoousios) podia ser confundido com
o modalismo sabeliano: dava a impressão de que o Filho não tinha
individualidade pessoal e que fosse a mesma hipóstase do Pai. O
fato mesmo, porém, de que podia ser interpretado em vários sen-
tidos era o que tornava o termo aceitável.
De forma concreta, uns podiam interpretá-lo em um sentido
muito forte de unidade do Pai e do Filho, e outros, em senso muito
forte de distinção entre ambos. Fica claro, de qualquer forma, que
se excluía um intermediário entre o Deus transcendente e o mun-
do. O Filho é Deus como o Pai, e Deus mesmo entra em contato
direto com a criatura.
146 © Teologia Trinitária

A crise que foi provocada por essa ambiguidade do termo


"consubstancial" poderia dar a impressão de um Concílio fracas-
sado.
Mesmo que não tenha conseguido superar a crise que de-
sejava superar, uma avaliação de Nicéia deve ressaltar mais aquilo
que o “consubstancial” (homoousios) nega do que aquilo que ele
afirma: o Filho não é um segundo Deus nem um Deus de segunda
classe. A geração não está relacionada, diretamente, com a cria-
ção. O Filho é o mediador da criação, mas, enquanto Filho, é Deus
como o Pai e possui a mesma divindade Deste.
Aliás, para superar a ambiguidade do “consubstancial” (ho-
moousios), é preciso que recorramos não tanto ao termo em si,
mas ao contexto do Símbolo no qual se insere o termo.

INFORMAÇÃO:
O símbolo de Nicéia parte da confissão de um Deus, o Pai, que é
uno e único. De sua essência, procede o Filho, que é tão divino
quanto o Pai. Daí se segue que o Filho possui a única e indivisível
essência própria do Pai. O Filho é o “unigênito” (em grego: mono-
ghenes) porque sua ousia deriva do Pai; sua ousia é igual a do
Pai desde “quando” nasceu sem ser criado. Por conseguinte, ele
é também coeterno ao Pai e, enquanto Filho gerado do Pai, parti-
cipa de tal maneira da natureza do Pai que é preciso confessá-lo,
também, como criador. Portanto, a conclusão lógica da confissão
trinitária de Nicéia não é, somente, a igualdade de essência entre
o Pai e o Filho, mas, sobretudo, a unidade de essência entre am-
bos.

Vejamos, agora, um texto que dará melhor ideia do que sig-


nificou a "revolução de Nicéia”:
A definição de Nicéia constitui a certidão de nascimento da lingua-
gem propriamente dogmática na Igreja. É a primeira vez que, num
texto eclesial oficial e normativo, se acham empregados termos
que não vêm da Escritura, mas da filosofia grega. Essa "novidade"
pareceu escandalosa a muitos contemporâneos e foi causa de uma
das crises mais graves que a Igreja conheceu. Uma forma de trau-
matismo se produziu: o cavalo de Tróia da filosofia pagã, isto é, a
sabedoria humana, julgada inimiga da Sabedoria de Deus, era in-
troduzida no santuário da confissão de fé [...]. O consubstancial de
Nicéia, que durante tanto tempo vai parecer excessivo, na verdade

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 147

era pouco demais. Um termo só pode tomar seu sentido dentro de


um espaço semântico suficientemente homogêneo para lhe servir
de referência. É esse espaço que será preciso criar para suprimir a
ambiguidade nativa do termo consubstancial. O termo atrairá ou-
tros tantos em sua esteira, por meio de um trabalho de elaboração
difícil. Do termo isolado se passará à fórmula construída; da fórmu-
la se passará então a textos de definições construídas (como em
Calcedônia), e mais tarde a capítulos. Consubstancial pode ser con-
siderado como o embrião de todo o discurso dogmático (SESBOÜÉ,
2002. p. 216-217).

Depois da geração eterna, o Símbolo niceno passa a tratar


da geração humana de Jesus. A mesma acentuação que tinha sido
dada à divindade de Jesus é dada à sua humanidade. A confissão
da geração divina de Jesus implica a confissão do nascimento hu-
mano "por nós e de nossa salvação".
Por fim, o Símbolo faz uma brevíssima menção ao Espírito
Santo, sem acrescentar comentário algum. Mesmo assim, essa
menção é importante, uma vez que o Espírito se encontra unido,
na confissão de fé, ao Pai e ao Filho. Esse artigo só será desenvolvi-
do no Concílio de Constantinopla, depois de um período de debate
teológico cerrado sobre sua divindade.
Nicéia completou sua confissão de fé com um cânone que
reprovava as expressões mais radicais dos arianos: as afirmações
"houve um tempo em que não existia" e "antes de ser gerado não
existia" opunham-se à eternidade do Filho. A expressão ariana
"feito do nada" constituía a negação mais clara de sua divindade.
Além disso, condenava-se a afirmação "o Filho é mutável ou alte-
rável".
O próprio Ário nunca negou que o Filho fosse imutável. No
entanto, o ponto decisivo e fundamental de contradição com a
verdadeira fé aparece nas expressões: "o Filho de Deus foi feito do
nada" e "ele deriva de outra hipóstase ou essência".
Trata-se de mera repetição do que já tinha sido dito no Sím-
bolo. Interessante nessa repetição é perceber que os padres de
Nicéia usavam os termos ousía e hipóstase como equivalentes.
148 © Teologia Trinitária

Nos anos subsequentes, essa identificação será uma das causas da


crise que ocorrerá na Igreja.
Somente mais tarde, a teologia usará o primeiro termo para
designar o que, na Trindade, é comum às pessoas, e a segunda,
para indicar a distinção em Deus.
A identificação entre esses dois termos conduz, portanto, a
possíveis mal-entendidos. O termo ousía podia, de fato, ser enten-
dido no sentido de essência individual, o que dava a impressão de
que se tratava da mesma hipóstase. Em outras palavras, isto seria
dizer que o Filho não tem individualidade. De fato, muitos conside-
raram o homoousios uma expressão sabeliana.
Essas imprecisões e dificuldades nos mostram que ainda es-
tamos no início de um caminho que se estenderá de 325 até quase
o final do século 4°.

INFORMAÇÃO:
Sabelianismo: heresia de Sabélio (dos inícios do século 3º. em
Roma), chamada também de modalismo: o Filho e o Espírito San-
to seriam simples modos de manifestação da divindade e não Pes-
soas distintas (BOFF, 1986, p. 290-291).

A fé de Nicéia quase naufragou em seu embate contra os


arianos. Duas grandes figuras teológicas contribuíram, decisiva-
mente, para o triunfo da fé nicena: Atanásio de Alexandria e Hilá-
rio de Poitiers.

Atanásio de Alexandria (†373)


Atanásio coloca-se na linha da grande tradição oriunda de
Orígenes.
Ele retomou, em sua teologia, as metáforas já estudadas an-
teriormente: o Filho é imagem, esplendor, timbre (charáter) (Hb
1,3), verdade, sabedoria. Além dessas metáforas, usa, também, a
do raio de sol e da luz. Dado que Deus não está nunca sem o Filho,
este tem de ser eterno como o Pai, ou seja, existe desde sempre.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 149

Uma contribuição fundamental de Atanásio para a doutrina


cristã de Deus é, sem dúvida, a distinção clara que ele faz entre
"teologia" e "economia". Em outras palavras, segundo Atanásio,
a Trindade não depende da criação do mundo. Em sua plenitude
de vida, a Trindade existe, independentemente, da criação. Deus
não necessita produzir primeiro um intermediário ou um demiur-
go para poder criar o mundo.
Evidentemente, Atanásio desenvolve, também, a tese tradi-
cional do Filho mediador da criação, que se encontrava já atestada
no Novo Testamento. Esse mediador é, porém, desde toda a eter-
nidade, Deus como o Pai, e não é gerado em vista da criação.
O Verbo não veio à existência por nossa causa; nós é que fomos
criados para Ele. Mesmo que não houvesse a criação, o Filho existiria
sempre junto ao Pai. Por isso, não é preciso recorrer a nenhum tipo de
"inferioridade" do Filho para explicar sua mediação criadora.
Consequentemente, há uma relação direta Deus-mundo, ao
contrário do que pensavam os arianos. O Filho é da ousía do Pai.
Há, no Pai e no Filho, uma só divindade, uma e a mesma, uma uni-
dade de essência.
Por isso, para indicar, corretamente, a processão do Filho,
não se deve usar o termo "criação", mas, sim, "geração". A coeter-
nidade do Pai e do Filho funda-se no fato de que a essência do Pai
foi sempre completa, sem necessidade de que ninguém lhe venha
acrescentar o que lhe pertence.
Em outros termos: os seres humanos primeiro precisam nas-
cer para, somente depois, poder gerar, uma vez que sua natureza é
incompleta. Não é este o caso de Deus: já que sua natureza é com-
pleta, não tem sentido pensar que primeiro Deus precisa existir
para só depois gerar. Deus é, e gera desde sempre: não há, entre
existência e geração divinas, relação de anterioridade alguma.
Portanto, a coeternidade do Filho corresponde à sua perfei-
ta divindade. Sua filiação é filiação por natureza e não por graça,
150 © Teologia Trinitária

como ocorre na divinização e na adoção filial dos homens. O Filho


é gerado e coeterno com o Pai; por isso, não pode ser sua criatura.
É preciso, porém, distinguir a geração humana do Verbo, que é,
necessariamente, temporal, da divina, a qual só pode ser eterna.
Como já vimos anteriormente, um texto fundamental e bas-
tante discutido no período patrístico é Pr 8,22. Atanásio também
o estuda e o analisa. Ele interpreta a "criação" da sabedoria para
"suas obras" não como descrição da substância do Filho, mas como
seu nascimento corporal.

INFORMAÇÃO:
De fato, somente Deus pode resgatar a criação. Ela se tornara
imperfeita por causa do pecado. Assim, a “criação” da humanidade
do Filho tem lugar para completar sua obra, isto é, a encarnação
torna-se necessária para que o homem possa ser divinizado e ter
acesso ao Pai: “O homem unido a uma criatura, isto é, se o Filho
não fosse Deus verdadeiro não podia ser divinizado, e o homem
não teria podido estar na presença do Pai se o que se tinha re-
vestido de seu corpo não fosse por natureza o Verbo verdadeiro
do Pai” (C. Ar., II,70). Como se nota, o argumento soteriológico
desempenha um papel essencial no discurso trinitário de Atanásio.
O que está em jogo é a salvação do homem, que não pode se re-
alizar se o salvador não é o Filho verdadeiro do Pai.

Outra grande contribuição de Atanásio para a doutrina trini-


tária é a resposta que ele dá ao problema ariano da voluntarieda-
de da geração divina.
Segundo os arianos, é evidente que a geração do Filho "acon-
tece", porque o Pai assim o quer voluntariamente. Nessa volun-
tariedade da geração, os arianos encontravam o argumento fun-
damental para negar a eternidade do Filho e, consequentemente,
sua divindade. Se a geração do Filho fosse coeterna a Deus, isto
significaria que a geração não era livre.
Assim, para os arianos, as alternativas seriam somente duas:
ou Deus é livre e, por isso, o Filho começou a existir e não é Deus,
ou a geração é necessária, e Deus não é livre, tendo que gerar o
Filho desde sempre.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 151

Uma vez que Atanásio defendia a coeternidade do Filho, a


pergunta que ele devia responder pode ser assim formulada: seria
a geração eterna algo necessário para Deus?
Segundo Atanásio, o que está em jogo não é a vontade com
que o Pai gera; nisto, não há contradição entre a ortodoxia e a he-
resia ariana: a geração do Filho é voluntária e livre. O que faz dos
arianos heréticos é o modo como eles concebem a natureza divina
que dá origem à geração.
Com efeito, os arianos ligam, indevidamente, a geração tem-
poral à geração livre do Filho: Ele não existia antes de sua geração.
Mas, para a teologia ortodoxa, não tem sentido falar de momen-
to prévio ou de decisão prévia à geração, porque esse momento
prévio não existe, dada a coeternidade do Pai e do Filho. Isto não
significa, porém, que o Pai não queira a geração do Filho.
Vejamos, juntos, a argumentação genial de Atanásio:
Se o Filho é por natureza e não por vontade, é que não foi querido
pelo Pai, que existe contra sua vontade? Em absoluto. O Filho é que-
rido pelo Pai [...]. Pois assim como sua bondade não começou por
vontade, ao mesmo tempo não é bom sem vontade nem desígnio
[...] igualmente, a existência do Filho, embora não tenha começa-
do por vontade, não é involuntária, nem carece de consentimento.
Pois, da mesma maneira que o Pai quer sua própria hipóstase, quer
a do Filho, que é própria de sua essência (C. Ar., III,66).

INFORMAÇÃO:
Deus é livre e nada faz sem liberdade. Mas é preciso entender que
liberdade e necessidade em Deus não se relacionam do mesmo
modo como em nós. No ser criado, tudo o que é necessário não
é livre, e tudo o que é voluntário não é necessário. Mas em Deus,
necessidade e vontade não se contradizem nem se opõem: o que
é livre é também necessário e vice-versa.

Vejamos um exemplo. Pergunte a você mesmo: Deus é bom


por natureza ou por livre vontade? Essa alternativa não tem sen-
tido, porque Deus é bom por natureza, o que não significa que
seja bom contra a própria vontade. Em Deus, natureza e liberdade
coincidem. Deus é bom em perfeita liberdade e, por isso mesmo,
152 © Teologia Trinitária

não pode não ser bom. Ele é, necessariamente, bom, porque, de


outra maneira, não seria Deus: pertence à natureza divina a bon-
dade, mas o ser bom por natureza não contradiz a liberdade de
Deus, uma vez que ela coincide com sua natureza.
Voltemos ao texto de Atanásio. Nele, é interessante notar
que a vontade com que o Pai quer o Filho é a mesma pela qual
quer a si mesmo. Deus é Deus livremente, porque quer ser Pai, e
isto inclui, precisamente, a geração do Filho, o que, como vimos,
não significa que seja coagido a gerar. A geração é, pois, eterna e
necessária, o que não quer dizer que seja contra sua vontade.
Segundo Atanásio, há uma substância paterna da qual pro-
vém o Filho como imagem perfeita. Ele ilustra a unidade dos dois
com a imagem já conhecida da luz e do reflexo. O Filho procede do
Pai e, por isso, ambos têm a mesma essência.
Atanásio, portanto, defende uma única substância da Trinda-
de, que é a substância do Pai. Assim, ele tende a acentuar mais a
monarquia do Pai, e não tanto a unidade de substância do Pai e do
Filho. Por isso, não se encontra, em sua obra, a linguagem técnica
da distinção das hipóstases na unidade da substância.
De fato, Atanásio não pensava nessas categorias mentais e
estava mais interessado em afirmar a divindade do Filho (e, conse-
quentemente, do Espírito Santo) do que a do "monoteísmo trinitá-
rio". Explicar como os Três Divinos são um só Deus não era a ques-
tão dominante de sua teologia trinitária. Esta será, pelo contrário,
a questão dominante dos padres capadócios.
Mas não devemos pensar que Atanásio não reconheça a uni-
dade da Trindade: “Há uma só forma da divindade que também
está no Logos. Um só é Deus Pai, que também se faz presente no
Filho e que está também no Pneuma, pois em todas as coisas ope-
ra mediante o Logos nele (Espírito). Assim confessamos que Deus
é um só na Trindade (C. Ar., III,15).
Atanásio desenvolveu a questão da divindade do Espírito
Santo. Os desenvolvimentos mais importantes se encontram, es-

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 153

pecialmente, nas Cartas a Serapião. Segundo ele, o Espírito é de


Deus, e não é criatura. Não há, portanto, seres intermediários en-
tre Deus e a criatura: o Espírito Santo deve estar de um lado ou
de outro. Para Atanásio, não há como situar o Espírito entre as
criaturas:
Assim, pois, se o Filho, por causa de sua condição em relação ao
Pai, [...] não é uma criatura, mas é consubstancial ao Pai, de igual
modo o Espírito Santo tampouco pode ser uma criatura [...] por
causa de sua condição em relação ao Filho e porque é do (Filho)
que ele é dado a todos e porque o que ele tem pertence ao Filho
(Serap. III,1).

Como você pode notar, o Espírito pertence à Trindade una,


eterna e imutável, e não ao universo das criaturas. O Espírito San-
to pertence, de tal forma, ao Filho, que se estabelecem relações
paralelas entre: Pai-Filho, Filho-Espírito Santo. O Espírito é do Filho
como o Filho é de Deus. Também Ele é consubstancial ao Pai e ao
Verbo, embora nunca chegue a dizer, explicitamente, que é Deus.
O Espírito é de Deus, dado pelo Pai, mediante o Filho:
O Espírito é dado e enviado da parte do Filho, e também ele é um,
e não muitos [...]. Se o Filho, Verbo vivente, é um, assim uma deve
ser sua energia vivente, perfeita e plena, santificadora e iluminado-
ra, que é seu dom. Diz-se que procede do Pai (cf. Jo 15,26) porque
brilha, é enviada e é dada da parte do Logos, o qual é, como confes-
samos, do Pai (Serap. I,20).

Como se pode notar, Atanásio ainda não apresenta uma solu-


ção especulativa para a questão da unidade do Espírito com as duas
outras pessoas. De qualquer forma, nessas cartas, podemos identi-
ficar um notável desenvolvimento da pneumatologia, que se funda
na clara afirmação de que o Espírito Santo é Deus, consubstancial ao
Pai e ao Filho, e como tal, pertencente à Trindade una e indivisível.
Em última análise, a atuação salvadora do Espírito junto ao
Pai e ao Filho é a prova definitiva de sua divindade: "aquele que
une a criatura ao Verbo não pode ser ele mesmo do número das
criaturas; aquele que confere a filiação por adoção não pode ser
estranho ao Filho" (Serap. I,25).
154 © Teologia Trinitária

Hilário de Poitiers († 367)


Hilário sofreu o exílio porque não aceitou as teses arianas em
torno das quais o imperador Constâncio desejava unificar seu impé-
rio. Foi, por isso, mandado para Frígia (Ásia Menor) no ano 356, onde
teve oportunidade de completar sua formação doutrinal e de entrar
em contato com os escritos e os debates teológicos do Oriente.
Com isso, ele tomou consciência de que a fé cristã era ame-
açada não só pelo arianismo, mas, igualmente, pelo sabelianismo.
Eis um texto bastante programático:
A única fé, portanto, é reconhecer o Pai no Filho e o Filho no Pai,
por causa da unidade inseparável de sua natureza; unidade que
não permite afirmar sua confusão, mas sua indivisibilidade; não sua
mistura, mas a identidade de sua natureza; não sua justaposição,
mas sua substancialidade; não sua incompletude, mas sua perfei-
ção. Trata-se, de fato, de um nascimento, e não de uma divisão;
temos um Filho e não uma adoção; é Deus, e não uma criação. E
não é um Deus de outra espécie; não, o Pai e o Filho são um. Nas-
cendo, o Filho não é dotado de outra natureza que seria estranha à
natureza própria daquele de quem provém (Trin., VIII.41).

Importante para a reflexão trinitária de Hilário é a fórmu-


la batismal de Mt 28,19, que serve, também, como um ponto de
partida para sua teologia trinitária. Vejamos um texto em que é
evidente esse ponto de partida:
Mandou batizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, isto
é, na confissão do autor, do unigênito e do dom. Um só é o autor
de todas as coisas, pois um só é Deus Pai do qual tudo procede.
E um só é o Senhor nosso Jesus Cristo, por meio do qual tudo foi
feito (1Cor 8,6). E um só Espírito, dom em todos [...]. Nada ficará
faltando em uma perfeição tão grande, na qual no Pai, no Filho e no
Espírito se acham a infinitude no eterno, a revelação na imagem, o
gozo no dom (Trin. II,1).

Observe como Hilário caracteriza os "Três Divinos". O Pai é,


antes de tudo, o "autor" (auctor), isto é, aquele que detém a au-
toridade no sentido de ser origem e causa de tudo que existe. Ao
Pai, corresponde o ser eterno e infinito. O Filho é chamado de uni-
gênito e de imagem. Nele, a revelação do Pai é perfeita. O Espírito
Santo é chamado “Dom”, no qual está o gozo do dar e do receber.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 155

A geração é o fundamento da consubstancialidade do Filho


ao Pai. Assim, Hilário alinha-se à tendência iniciada por Tertuliano,
que vê a unidade da Trindade fundada na única substância divina:
"Deus Pai e Deus Filho são absolutamente um, não só pela uni-
dade das pessoas, como ainda pela unidade da substância" (Trin.
IV,42).
A geração eterna é, também, inefável. Hilário procura evitar
especulações inúteis sobre o modo como se realiza a geração e
encontra em Is 53,8 (generationem eius quis enarrabit?) a prova
bíblica para defender a inefabilidade da geração divina.
Mesmo respeitando os limites impostos pela inefabilidade,
Hilário procura aprofundar o que entende por geração divina. Se-
gundo ele, ao gerar, o Pai transmite e dá ao que é gerado tudo
o que é e tem: “Segundo as leis da natureza, não pode ser tudo
aquilo que é só uma porção. O que procede do perfeito é perfeito,
porque o que tem tudo lhe deu tudo. Não se deve pensar que não
deu porque ainda tem, nem também que não tenha porque deu”
(Trin. II, 8).
A geração, portanto, não significa que o Pai fica privado. A
geração não provoca no Pai diminuição ou empobrecimento. Uma
vez que a natureza de Deus é simples, o Pai pode comunicar, inte-
gral e totalmente, a natureza divina na geração inefável do Filho.
O Pai pode dar tudo e não fica, por isso, privado do que dá;
pelo contrário, podemos dizer que o Pai possui a natureza divina
ao dá-la, integralmente, ao Filho, e este a possui ao recebê-la to-
talmente do Pai.
A vida divina, de fato, exclui qualquer limitação no dar do Pai
e no receber do Filho. Em um texto que parte de Jo 5,26, "Assim
como o Pai tem a vida em si mesmo, também concedeu ao Filho
ter a vida em si mesmo", Hilário aprofunda a ideia da simplicidade
da natureza de Deus e suas implicações quanto ao conceito que
devemos ter da geração divina:
156 © Teologia Trinitária

Como o Pai tem a vida em si mesmo, deu ao Filho ter a vida em si


mesmo. Com isso [Jesus] quis indicar a unidade de natureza (uni-
tas naturae) que possui em virtude do mistério de seu nascimento.
Ao falar daquilo que o Pai tem, quis dizer que tem em si o próprio
Pai; porque Deus não existe, como os homens, como um composto
de elementos, de tal modo que haja uma diferença entre o que
possui e ele mesmo que o possui, senão que tudo o que ele é, é
vida, isto é, natureza perfeita, completa, infinita; não formada por
elementos díspares, senão que ela mesma vive em todo seu ser. E
essa natureza se dá como é possuída; e ainda que isso signifique o
nascimento daquele a quem foi dada, não implica uma diversidade
na substância, porque a natureza se dá como é possuída (cum talis
data est qualis et habetur) (Trin. VIII,43).

Deus é sumamente simples, e, por isso, pode se dar inteira-


mente. Mais do que isso! Deus, em sua simplicidade, quando se
comunica, só pode se dar integralmente. Não seria Deus se não se
comunicasse inteiramente.
De acordo com esse pensamento, fica radicalmente excluída
a ideia de que a geração signifique subordinacionismo: Deus não
pode se dar parcialmente; por isso, o que é dele gerado não pode
ser um inferior; o gerado é, inteiramente, Deus.
Vale a pena seguir Hilário nas reflexões que faz sobre a pa-
ternidade divina:
Deus em todo momento sabe ser somente amor, somente Pai. O
que ama não tem inveja, e o que é Pai é Pai por completo [... ]. O Pai
é Pai em tudo quanto nele existe, possui-se inteiramente naquele
para o qual não é Pai somente em parte [... ]. De maneira incom-
preensível, inenarrável, antes de todo tempo e toda idade, procriou
o Unigênito da substância ingênita que nele há, e deu a esse Filho
nascido dele, por meio de seu amor e de sua potência, tudo o que
Deus é (Trin. IX,61; III,3).

A seguir, temos um texto que servirá para o aprofundamento


das reflexões que estamos realizando:
Deus é inteiramente Pai, não só em parte. Tudo nele é doação, amor,
o que exclui toda inveja de comunicar ao outro tudo o que é e tem.
Não teria sentido que, podendo dar-se inteiramente, não o fizesse.
O Pai é assim capacidade infinita de comunicação, capacidade infi-
nita de amor. Por isso, o Filho tem que ser Deus inteiramente, em
tudo igual ao Pai na natureza divina, exceto na paternidade. A natu-
reza divina que o Pai possui originariamente é possuída igualmente

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 157

pelo Filho, embora como recebida. Mas sem degeneração alguma,


porque nada alheio se introduz na geração. A natureza divina man-
tém-se invariável. Desde esse ponto de partida compreende-se a
interpretação hilariana de Jo 14,28, "o Pai é maior do que eu". É
maior somente enquanto dá, enquanto é princípio. Porém o Filho,
enquanto recebe tudo, não é menor. E essa doação total do Pai
não é só a da geração eterna: é também a da perfeita glorificação
da humanidade de Jesus no momento da ressurreição, em virtude
da qual o Filho eterno de Deus faz-se plenamente Filho também na
humanidade que assumiu (LADARIA, 1998, p. 205-206).

A divindade eterna do Filho baseia-se, assim, nessa concep-


ção da paternidade que é própria de Deus. Deus é Pai desde sem-
pre e é só Pai. A divindade do Filho não supõe que haja dois deu-
ses, e a unidade de Deus não supõe um Deus solitário, mas, sim,
uma comunhão do Pai e do Filho.
Hilário também procura interpretar, corretamente, o trecho:
"O Senhor criou-me para o começo de suas obras" (Pr 8,22ss).
Como já vimos anteriormente, esta era uma passagem bí-
blica sobre a qual os arianos se baseavam para considerar o Filho
uma criatura. Hilário não interpreta essa passagem como se ela se
referisse, somente, à criação da natureza humana de Jesus, mas
também às aparências criadas que o Filho assume nas diversas
epifanias do Antigo Testamento.

INFORMAÇÃO:
O caminho da salvação não começa somente com o nascimento
humano de Jesus, mas já está atuante no Antigo Testamento e
chega a seu cumprimento no acontecimento único e definitivo da
encarnação.

Assim, as teofanias do Antigo Testamento já são, de alguma


maneira, a antecipação e certa assunção por parte do Filho da reali-
dade criada. Por isso, a sabedoria que foi "criada para o começo das
obras de Deus" se dá a conhecer já no AT mediante as criaturas.
O leitor que analisa o De Trinitate pode ficar um tanto decep-
cionado ao constatar que Hilário fala pouco do Espírito Santo.
158 © Teologia Trinitária

De fato, ele promete, no prólogo dessa obra, que falará, tam-


bém, do Espírito, mas se limita a cumprir essa promessa apenas
com um apêndice ao último livro.
Nesse anexo, percebe-se que a pneumatologia de Hilário é, de
fato, rica no aspecto histórico-salvífico, mas é pouco clara no trinitário.
Um leitor mais crítico poderia, inclusive, sentir a tentação de
acusá-lo de binitarismo. Evidentemente, essa acusação é injusta,
uma vez que é claro para Hilário que o Espírito Santo está unido −
sendo distinto deles − ao Pai e ao Filho na confissão de fé.
Hilário professa com clareza a fé batismal trinitária; sublinha,
no mesmo senso do símbolo de Nicéia, que o Espírito é Deus, e
não criatura. Repete, também, por diversas vezes, sem aprofun-
dar, porém, a fórmula: o Espírito procede do Pai mediante o Filho.
Importante para a teologia posterior é a explicação: o Espí-
rito Santo é o dom da divindade de Cristo, isto é, Ele é o dom da
própria vida de Cristo ressuscitado que se comunica aos homens.

INFORMAÇÃO:
O nome “dom”, relacionado ao Espírito, terá influência em auto-
res posteriores, como em Santo Agostinho. Assim, podemos dizer
que Hilário colocou os problemas dogmáticos acerca do Espírito
sem desenvolvê-los, mas outros o farão no desenvolvimento da
teologia.

"É preciso compreender, por fim, que Hilário não desenvolve


mais longa e trinitariamente a doutrina relativa ao Espírito, por-
que na época da redação do De Trinitate (356-360), esse problema
não era de interesse imediato para ele, mesmo que estivesse ao
corrente das dificuldades relativas à doutrina do Espírito" (SIMO-
NETTI, 1975, p. 310).

9. PADRES CAPADÓCIOS
Os padres capadócios (Basílio de Cesaréia, Gregório Nazian-
zeno e Gregório de Nissa) tiveram um papel de destaque no de-

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 159

senvolvimento da pneumatologia e na reflexão teológica sobre a


unidade do Espírito Santo com o Pai e o Filho na única divindade.
Antes de nos voltarmos para os capadócios, é preciso men-
cionar, ao menos sucintamente, a evolução que as doutrinas aria-
nas tiveram no século 4°.
Eunômio de Cízico (†depois de 392) foi o maior represen-
tante da segunda geração de arianos. Ele levou o debate trinitário
para o campo dos conceitos, apoiando-se em uma lógica de ferro,
identificando Deus como "o inascível" ou "não gerado”.
Mais ainda, para ele, ser "inascível" é o que define a substân-
cia de Deus. Ora, insistindo na "inascibilidade" como algo próprio
e específico de Deus, Eunômio chegava à conclusão de que o Fi-
lho não podia ser Deus, uma vez que foi gerado pelo Pai. Vejamos
como ele explica sua posição:
Confessamos um só Deus, ao mesmo tempo segundo a noção na-
tural e segundo o ensinamento dos Padres. Não foi produzido nem
por si mesmo nem por outro, pois qualquer dessas hipóteses é
igualmente impossível já que, segundo a verdade, aquele que faz
deve preexistir ao que é feito, e o que é produzido deve ser segun-
do em relação ao que o produz. Não pode ser que uma coisa seja
anterior ou posterior a si mesma, nem que seja prévia a Deus [...].
Se foi demonstrado que Deus não existe antes dele mesmo, nem
que nenhuma outra coisa existe antes dele, senão que é ele mesmo
antes de tudo, é que lhe corresponde o ser inascível. Ou melhor:
que ele mesmo é a substância inascível (EUNÔMIO apud LADARIA,
2000, p. 212).

Eunômio nega, claramente, a divindade do Filho, partindo


do princípio de que, para ser Deus, é necessária a inascibilidade,
algo que o Filho evidentemente não possui, já que ele foi gerado.
Por isso, Eunômio entende que não pode ser Deus aquele
que vem de outro, pois o simples fato de ser gerado implica que o
Filho é posterior no tempo ao Pai que gera.
A impressão que fica é que Eunômio não consegue conceber
uma geração eterna; toda geração implica a temporalidade. Em
outras palavras, Eunômio recusa toda distinção entre geração e
160 © Teologia Trinitária

devir; tudo o que vem depois do inascível é da ordem do devir e


do criado.
Deus é, portanto, em si mesmo, de "substância inascível", ou
seja, não tem origem de outro. Mas essa inascibilidade tem, ainda,
seguindo até o fim a lógica de Eunômio, outra consequência: o
inascível, exatamente porque não pode haver outro inascível, não
pode gerar nem fazer outro participar de sua natureza. O inascível
não é gerado nem pode gerar.
Se a inascibilidade é o que define a substância divina, ela
não pode ser comunicada a outro. Por isso, a geração sempre dará
origem a outro inferior. É a substância mesma de Deus que não
admite geração de outro inascível.
A transcendência da inascibilidade não pode suportar com-
paração alguma com outro. Por isso, o Filho só pode ser uma cria-
tura, certamente superior a todas às outras, porque foi criado
antes delas, mas, no fim das contas, é criatura como as outras.
A geração voluntária do Filho antes da criação do universo é, em
última análise, uma criação.
De fato, o Filho seria menor do que o Pai porque não é inas-
cível. Não há entre eles comunhão de substância.
Defender a geração eterna do Filho significaria, para Eunô-
mio, asseverar que ele é, ao mesmo tempo, gerado, como Filho,
e não gerado, como Deus − o que é absurdo. Como poderia ele
existir desde sempre no momento em que é gerado? Poderia ele
ser gerado quando já existia? Se já existia antes de ser gerado, que
necessidade teria da geração?
Agora sim, depois de caracterizar um pouco do desenvolvi-
mento da doutrina ariana do século 4°, podemos começar o estu-
do dos padres capadócios.

Basílio de Cesaréia (aprox. 330-377/379)


Basílio, em sua obra Contra Eunômio, respondeu a esse aria-
nismo radical e à sua lógica de ferro.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 161

Antes de tudo, Basílio coloca-se numa posição de humilda-


de. Reconhece, em contraposição ao "tecnólogo" Eunômio, que
é impossível definir a substância divina. Deus somente pode ser
conhecido pelo Filho e pelo Espírito Santo (cf. C. Eun. I,14).
Além do mais, os nomes "incorruptível", "invisível" etc., que
atribuímos a Deus, são úteis para nos dar um conhecimento obs-
curo de Deus e de como Ele é, mas não o "definem": os nomes
descrevem o "como é Deus", e não tanto o seu ser. Da mesma
maneira, ocorre com o nome "inascível": ele não fala tanto sobre
"o que é Deus", mas, especialmente, “como é Deus".
Basílio também recorre à Bíblia para recordar que os nomes
"inascível" e "nascido" ou "não gerado" e "gerado" não são bíbli-
cos. Na Escritura, o que encontramos são os nomes "Pai" e "Filho".
Ora, a Escritura tem afirmações que só podem ser explicadas se,
de fato, o Pai e o Filho tiverem a mesma natureza.
Este é o caso, por exemplo, de Jo 12,45; 14,9, em que Jesus
diz que quem o vê, vê o Pai. A semelhança entre o Pai e o Filho não
consiste, como afirmava Eunômio, na atividade deles, mas em sua
própria natureza divina. Se Deus Pai não tem forma nem figura, a
semelhança não pode estar na forma e na figura, e, sim, na própria
substância.
Basílio explica as palavras do Senhor, "o Pai é maior do que
eu" (Jo 14,28), conforme a interpretação nicena: o Pai é maior en-
quanto é Pai, enquanto é "causa" e "princípio" do Filho que dele
foi gerado.
Grande contribuição para a Teologia Trinitária de Basílio é a
distinção que ele faz entre os nomes "absolutos" e os "relativos".
Os primeiros designam a coisa em si. Por exemplo, “homem”, “ca-
valo” e “boi” referem-se ao sujeito como tal, a ele se aplicam e não
são atribuídos a outros seres, a não ser em sentido metafórico.
Os nomes relativos, por sua vez, indicam a coisa em relação
à outra, isto é, indicam somente a ligação do sujeito com outra re-
162 © Teologia Trinitária

alidade. Este é o caso de "filho", "escravo", "amigo": o filho é sem-


pre filho de alguém, "escravo" indica a relação com um "senhor"
e "amigo" implica sempre outro a quem se refere; não há escravo
sem senhor, nem filho sem pai, tampouco amigo de si mesmo.
Também o nome "rebento" (ghennema), muito usado por
Eunômio para definir a substância do Filho, é um nome relativo:
trata-se, sempre, de rebento "de" alguém.
Vejamos como Basílio consegue combinar, claramente, os
termos relativos e absolutos em sua exposição trinitária: “Dito para
eles mesmos, (Pai e Filho) exprimem somente a relação de um com
o outro. "É pai aquele que proporciona ao outro o princípio de seu
ser na natureza semelhante à sua; é filho aquele que recebeu de
outro por geração o princípio de seu ser" (C. Eun. II,17).
Não há contradição entre eternidade do Filho e sua geração.
A geração implica que o Eterno comunicou ao outro seu ser eter-
no. Se, portanto, o Pai é eterno, também o Filho será eterno.
Para afirmar a eternidade da geração, Basílio recorre a Jo
1,2: "Verbo era junto a Deus". A argumentação de Basílio parte do
imperfeito "era", que indica um tempo que não começou. A partir
desse "era", não se pode chegar a um momento anterior em que
o Filho não existia: "O Filho existe desde toda a eternidade, unido,
enquanto gerado, à inascibilidade do Pai” (C. Eun. II,17).
Se já os nomes absolutos são incapazes de definir a substân-
cia, com muito mais razão ainda os nomes relativos não o podem.
O nome "gerado", portanto, não nos diz o que o Filho é em
si, mas, sim, sua relação com o Pai. "Gerado", "Rebento", portanto,
não indicam, como pensava Eunômio, a essência do Filho. Assim
também, "não gerado" e "inascível" não são atributos essenciais
nem indicam a natureza de Deus, mas são, como o nome "Pai",
termos relativos.
Enquanto termos relativos "Pai" e "Filho" são incomunicá-
veis, em outras palavras, a inascibilidade não é comunicada ao Fi-

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 163

lho, mas isto não o faz menos Deus do que o Pai, porque o “não ser
gerado” não indica a essência (o ser-Deus), mas a relação.
Os nomes relativos podem, também, ser aplicados, analoga-
mente, a seres muito diversos entre si. Esse é o caso de "pai" e "fi-
lho", que podem ser aplicados tanto a Deus quanto aos homens.
Isto só é possível, exatamente, porque os nomes relativos
não indicam o que as coisas são em si mesmas, mas a relação que
as une.
Ora, os termos relativos, quando aplicados analogamente a
Deus e aos homens, não levam a pensar que Deus e os homens te-
nham a mesma substância: a relação é análoga, mas a substância
é diversa.
As consequências dessa genial distinção que Basílio desco-
bre são enormes. Ele não só refutou, brilhantemente, o raciocínio
de Eunômio, mas especialmente lançou as bases de uma futura
teologia trinitária, que manterá, em tensão equilibrada, a unidade
da essência divina com a pluralidade das pessoas, precisamente a
partir da distinção entre os termos absolutos e os relativos.
O texto a seguir mostra bem essa combinação entre o que é
comum e aquilo que é próprio em Deus:
Se quer aceitar o que é verdade, isto é, que o gerado e o inascível
são propriedades distintas consideradas na substância, que condu-
zem como pela mão à noção clara e sem confusão de Pai e Filho,
então se escapará do perigo da impiedade e se guardará a coerên-
cia nos raciocínios. Pois as propriedades, como características e
formas consideradas na substância, fazem uma distinção entre o
que é comum graças às características que as particularizam, mas
não rompem o que há de comum na essência. Por exemplo, a di-
vindade é comum, mas a paternidade e a filiação são propriedades
(idiomata). E da combinação dos dois elementos, o comum e o pró-
prio, opera-se em nós a compreensão da verdade. Assim, quando
ouvimos falar da luz inascível pensamos no Pai, e se ouvimos falar
de uma luz gerada compreendemos a noção do Filho. Enquanto
luz e luz, não há entre eles nenhuma oposição, enquanto gerado e
inascível, são considerados em contraposição. Tal é, com efeito, a
natureza da propriedade, a de mostrar a alteridade na identidade
da essência (ousia) (C. Eun II,28).
164 © Teologia Trinitária

Preste atenção no termo usado por Basílio para designar as


Pessoas da Trindade: não usa o termo "hipóstase", mas "proprie-
dade”.
Essa escolha de Basílio pode ser entendida se levarmos em
conta que o termo "três hipóstases" era muito usado por Eunômio
para significar "três substâncias" diversas. "Hipóstase" era, portan-
to, uma expressão semanticamente muito ambígua, e devia ser
usada com muito cuidado. "Propriedade" está para o que é pró-
prio de cada pessoa.
Em uma carta ao amigo Anfilóquio de Icônio, Basílio mostra
saber articular, claramente, a diferença entre essência e hipóstase.
A propriedade das três hipóstases não rompe a unidade da
substância divina. Só assim, é possível se manter fiel à fé batismal.
O Pai, o Filho e o Espírito Santo existem, cada um deles, em uma
hipóstase própria (cf. Ep. 125,1).
Cada uma das pessoas ou das hipóstases, na unidade da es-
sência divina, tem sua peculiaridade irredutível: a paternidade, a
filiação, a santificação. Para entender melhor esta afirmação, leia
o texto que se segue:
A essência e a hipóstase têm entre si a mesma diferença que existe
entre o comum e o particular como, por exemplo, a que há entre
o animal em geral e um homem determinado. Por essa razão, re-
conhecemos uma só essência na divindade [... ]; a hipóstase, ao
contrário, é particular; assim o reconhecemos para ter uma ideia
distinta e clara sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Com efeito, se
não consideramos as características definidas para cada um, a pa-
ternidade, a filiação e a santificação, e assim só confessamos Deus
segundo a ideia comum do ser, é impossível para nós dar razão de
nossa fé como se deve. Portanto deve-se unir o que é particular
com o que é comum, e confessar assim a fé. O que é comum é a di-
vindade; o que é particular é a paternidade; depois é preciso reunir
essas noções e dizer: creio em Deus Pai. O mesmo deve-se fazer na
confissão do Filho e também a respeito do Espírito Santo [... ]. E as-
sim a unidade será completamente salvaguardada na confissão da
única divindade; o que é particular às pessoas será confessado na
distinção das propriedades particulares que o pensamento atribui
a cada uma (Ep. 236,6).

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 165

Deve-se, também, reconhecer o mérito de Basílio no pro-


gresso doutrinário da pneumatologia. Em sua luta contra os pneu-
matômacos, que diziam que o Espírito é uma criatura, Basílio redi-
giu sua famosa obra De Spiritu Sancto, em 375.
Muito sugestivo é o fato de Basílio ter se sentido impelido a
redigir essa obra por um incidente litúrgico:
Bem recentemente, enquanto eu orava com o povo e encerrava
a doxologia a Deus Pai de duas maneiras, ora com o Filho e com o
Espírito Santo, ora pelo Filho no Espírito Santo, alguns dos que lá
estavam nos acusaram, dizendo que havíamos empregado expres-
sões estranhas, contraditórias (De Sp. Sanc. 375, 1,3).

Note que o ponto de partida da obra não é uma discussão


acadêmica ou teórica, mas envolve a liturgia. Não surpreende que
tenha sido assim, uma vez que a vinculação entre lex orandi (o
modo como se reza) e lex credendi (o que deve ser crido) era muito
estreita.
Para Basílio e, também, para seus adversários, glorificar o
Espírito com o Pai e o Filho significa afirmar sua divindade. Mesmo
que não empregue o homooúsios para o Espírito, a igualdade de
honra e de culto (homotimos) na confissão de fé e na doxologia
mostra, claramente, que o Espírito é verdadeiramente consubs-
tancial ao Pai e ao Filho:
Cremos como somos batizados e glorificamos como cremos. As-
sim, já que um batismo nos foi dado pelo Salvador em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo, apresentamos uma profissão de
fé conforme a este batismo e uma glorificação conforme a esta fé,
glorificando o Espírito Santo com o Pai e o Filho, porque estamos
persuadidos de que ele não é estranho à natureza divina (De Sp.
Sanc. 375, 1,3).

De fato, o Espírito aparece unido ao Pai e ao Filho na fé ba-


tismal. Além disso, na Bíblia, a ação do Espírito não aparece como
própria de uma criatura, e, sim, unida à ação do Pai e do Filho.
O Espírito manifesta-se operante na criação: o Pai cria me-
diante o Filho e o aperfeiçoa no Espírito Santo.
166 © Teologia Trinitária

Também na ação salvadora, o Espírito age em união com o


Pai e o Filho. Ele reparte os dons, o Filho envia-os, e o Pai é a fonte
e a causa de todo o bem.
O caminho do conhecimento de Deus vai, portanto, do Espírito que
é um, pelo Filho, até o Pai, que é um; e, em sentido inverso, a bon-
dade natural, a santidade de natureza e a dignidade real escoam do
Pai pelo Unigênito até o Espírito. Assim se confessam as hipóstases
sem arruinar a piedosa doutrina da Monarquia (De Sp. Sanc. 375,
13,47).

A divinização do homem tem, portanto, sua origem no Pai,


sua mediação no Filho, e seu agente principal no Espírito.
Para concluir essa breve exposição sobre a Teologia Trinitária
de Basílio, leiamos, juntos, um texto que pode ser considerado um
dos mais belos de toda a patrística:
Ele, iluminando aqueles que se purificaram de toda mancha, os faz
espirituais por meio da comunhão com ele. E como os corpos lím-
pidos e transparentes, quando um raio os fere, convertem-se eles
mesmos em brilhantes e refletem outro raio, assim as almas que
levam o Espírito são iluminadas pelo Espírito; fazem-se plenamente
espirituais e transmitem aos outros sua graça. Daí o conhecimento
das coisas futuras, a compreensão dos mistérios [...] a semelhança
com Deus; o cumprimento dos desejos: converter-se em Deus (De
Sp. Sanc. 375, 9,23).

Gregório Nazianzeno (†389/390)


Gregório Nazianzeno segue Basílio, aprofundando a questão
de afirmar em Deus tanto a unidade divina quanto a distinção das
hipóstases em suas propriedades.
Segundo Gregório:
• o Pai é sem princípio, não gerado ou inascível;
• o Filho é o gerado sem princípio;
• o Espírito Santo é quem procede do Pai sem ser gerado
(cf. Or. 30,19).
Em relação a Basílio, o desenvolvimento mais importante con-
siste no modo como ele explica o que é próprio do Espírito Santo.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 167

Basílio via, na santificação, a propriedade que distinguia o


Espírito do Pai e do Filho. A pneumatologia de Gregório, em vez
de partir da relação do Espírito conosco, parte da relação com as
outras duas pessoas.
Baseando-se em Jo 15,26, Gregório afirma que o Espírito
Santo procede do Pai, indicando, assim, sua origem divina. Torna-
se, assim, o primeiro teólogo a usar essa palavra bíblica como um
termo técnico intratrinitário.
A propriedade característica do Espírito Santo não consiste
tanto em nossa santificação, como assim o pensava Basílio, mas,
sobretudo, em sua relação ad intra da processão. Além disso, é
essa processão que o diferencia do Filho, já que procede do Pai
sem ser gerado.
Quanto às pessoas divinas, Gregório afirma que são eternas.
A coeternidade do Filho e do Espírito não contradiz a monarquia
paterna. De fato, o único princípio sem princípio é o Pai. O Pai não
começou a ser Pai e o Filho sempre foi Filho.
De acordo com essa visão, gerar e ser gerado, de um lado, e
existir desde sempre, de outro, não são coisas contraditórias, pois,
entre o que gera e o que dele é gerado, há identidade de natureza.
Assim, a própria noção da geração leva-nos à consubstancialidade
das pessoas.
Gregório também segue o caminho aberto por Basílio da
distinção entre termos absolutos e relativos. Pai e Filho são dois
nomes que não definem a essência, tampouco a ação (energueia),
mas, precisamente, a relação que há entre ambos. Os nomes de
Pai e de Filho indicam a natureza igual dos dois (homophia).
O Unigênito é único não somente porque é o único gerado,
mas também porque é única a geração. De fato, em Deus nada se
repete, tudo é original.
Outra novidade de Gregório é a aplicação do "consubstan-
cial" niceno também ao Espírito. O Espírito é Deus e homoousios
168 © Teologia Trinitária

ao Pai e ao Filho. Dessa forma, Gregório alarga e precisa, ainda


mais, o termo “niceno”, aplicado, originária e exclusivamente, ao
Filho, para afirmar que também o Espírito é consubstancial.
Leiamos o discurso 31 sobre o Espírito Santo (discurso teoló-
gico 5). Nele, encontramos um dos textos mais ricos e sintéticos da
Teologia Trinitária de Gregório:
Que falta ao Espírito [...] para ser Filho? [...] Por outra parte, tam-
pouco ao Filho falta nada para ser o Pai, porque a condição de Filho
não significa uma carência, e não por essa razão é o Pai [...]. Essas
palavras não indicam uma carência nem uma distinção segundo a
essência, enquanto o não ter sido gerado, o ter sido gerado e o
proceder indicam, a primeira o Pai, o segundo o Filho, e o terceiro
aquele que se chama precisamente o Espírito Santo – de maneira
que se conserve sem confusão a distinção das três hipóstases em
uma única natureza e na única dignidade da divindade. O Filho não
é o Pai, pois o Pai é um só, porém é a mesma coisa que o Pai; nem
o Espírito é o Filho pelo fato de provir de Deus, porque um só é o
Unigênito; porém é a mesma coisa que o Filho. Os três são um só
ser quanto à divindade, e o único ser são três quanto às proprieda-
des (Or. 31,9).

Vale a pena repetir algumas expressões dessa citação para


retê-las na memória:
a) Há três propriedades (pessoas, na teologia atual) distin-
tas e uma só divindade não dividida na glória e na hon-
ra.
b) O Filho não é o Pai, porque um é o que gera e o outro é o
gerado, mas o Filho é Deus como o Pai é Deus.
c) O Espírito não é o Filho, porque um procede e o outro é
gerado do Pai.
d) Tanto o Filho quanto o Espírito não são o Pai, mas são
uma só coisa, isto é, são um só Deus com o Pai.

Gregório de Nissa (aproximadamente †395)


Gregório de Nissa é considerado um dos maiores filósofos
cristãos do período patrístico. Seu maior mérito foi o de ter apro-
fundado, em seu Contra Eunomium, a distinção entre ousía e hy-
postasis.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 169

Distinguindo o que é próprio (idion) e o que é comum (koi-


non) na Trindade, procura expor as características próprias de cada
uma das pessoas na única natureza divina.
Inicialmente, a distinção fundamental está no ser incriado.
As pessoas divinas não são criadas, e nisto não há diferença entre
elas, uma vez que o ser incriado é comum: a única natureza divina
possui essa característica de não ser criada. As propriedades que
distinguem as pessoas são:
• para o Pai, o não ser gerado (agennesia);
• para o Filho, o ser o único gerado (monogenes);
• para o Espírito, o não ser gerado nem não gerado; po-
sitivamente próprio do Espírito é que se manifestou por
meio do Filho (dia tou hyion).
Gregório de Nissa não se contenta, somente, em enunciar
as três hipóstases na única essência. Esforça-se, também, em
ilustrar, de alguma maneira, esse mistério.
Para isso, ele repete uma comparação de Basílio, que é a
seguinte: há, também, na humanidade, variedades de pessoas
na mesma essência humana. Por exemplo: Pedro, Tiago e João
são três pessoas, mas em uma só essência ou uma só natureza
humana.
Dizemos, em nossa linguagem normal, "três homens" para
designar Pedro, Tiago e João, mas neles "um só é o homem”.
Com maior razão, as três pessoas divinas têm uma mesma
ousía ou essência: podemos dizer que a ousía é única nas carac-
terísticas próprias de cada hipóstase. Deus é um na essência, mas
as características reconhecíveis das hipóstases são três. Assim,
confessamos o Pai, o Filho e o Espírito como distintos sem con-
fusão.
A propriedade das hipóstases faz-nos ver a distinção das
pessoas, e o único nome em que cremos mostra a unidade da
essência.
170 © Teologia Trinitária

A comparação dos três homens numa única essência huma-


na é, certamente, ambígua: de fato, a natureza humana aqui é to-
mada em sentido genérico, o que não se aplica à natureza divina
que deve ser entendida em sentido concreto.
De qualquer forma, o importante é que essa comparação
é desenvolvida segundo uma fórmula que dará uma contribui-
ção decisiva para responder à questão de como os Três são um
só Deus, a saber, uma essência e três hipóstases (mia ousía, treis
hypostáseis).

INFORMAÇÃO:
A essência divina, porém, não pode ser definida como as catego-
rias humanas. Só conhecemos Deus por meio de sua atividade.
Assim, a única disposição salvadora do Pai é realizada pelo Filho
e pelo Espírito.

Em outros termos, os Três nunca agem separadamente e não


há intervalo nem interrupção na ação deles, da mesma maneira
como não existe separação em suas vidas.
Outra contribuição importante de Gregório de Nissa é a
identificação de uma ordem (táxis) das pessoas. Por essa razão,
podemos falar de uma primeira, uma segunda e uma terceira
pessoa da Trindade.
Essa ordem depende, exclusivamente, do modo de provir
do Filho e do Espírito, e não implica uma diferença em dignida-
de nem em divindade. Assim como Basílio, Gregório reconhece
um papel do Filho na origem do Espírito:
• o Espírito procede do Pai e é recebido do Filho;
• tem sua origem no Pai por meio do Filho e com o Filho;
• a vida divina transmite-se ao Filho pela geração, ao Espíri-
to Santo, mediante o Filho, pela processão.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 171

10. CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA I 381


Os capadócios tiverem papel relevante e decisivo na pre-
paração do terreno em que se realizou o Concílio de Constanti-
nopla, no ano 381.
Preparando os termos técnicos em que o segundo concí-
lio ecumênico exprimiu sua fé trinitária, os capadócios foram os
pioneiros na abordagem do problema especulativo da unidade
e da trindade em Deus, defendendo, decididamente, a divinda-
de do Espírito Santo.
O primeiro Concílio de Constantinopla assinalou o ponto de
chegada do símbolo do Concílio de Nicéia. Mais do que isto, a con-
fissão de fé nicena recebe, em Constantinopla I seu complemento,
especialmente no artigo referente ao Espírito Santo.
As atas de Constantinopla I perderam-se. Os padres concilia-
res tinham redigido um tipo de texto doutrinal chamado Tomus,
com o objetivo de dar a autêntica interpretação das decisões con-
ciliares e explicar o conteúdo do símbolo.
O original desse texto não se conservou, mas foi recolhido,
um ano depois, pela Epistula Synodica, uma carta enviada aos bis-
pos ocidentais.
O símbolo de fé dos padres conciliares foi reconhecido e
emanado, em 451, pelo Concílio de Calcedônia. Esse símbolo é
chamado “niceno-constantinopolitano” (nc) porque inclui, de fato,
todos os elementos essenciais do concílio niceno, complementado
por outros relativos à divindade do Espírito Santo.
A partir de Calcedônia, esse símbolo adquiriu crescente
prestígio: entrou, imediatamente, na liturgia batismal das igrejas
orientais e, depois, na celebração eucarística. Em Roma, ele foi in-
troduzido nos tempos de Bento VIII. Na Igreja da Europa, é esse o
símbolo recitado de preferência, enquanto que, no Brasil, se pre-
fere o apostólico.
172 © Teologia Trinitária

É preciso entender em que sentido Constantinopla I com-


pleta Nicéia. O Concílio de Constantinopla não tinha a intenção de
criar uma nova fórmula de fé. Seu propósito foi o de reforçar, de
reinterpretar e de adaptar a fé nicena para as novas situações. Por
isso, é justo falar de símbolo niceno-constantinopolitano.
Realizando um confronto entre os dois símbolos, você per-
ceberá que Constantinopla introduziu modificações importantes,
sobretudo na segunda parte do símbolo niceno. Vejamos, juntos,
quais são essas modificações:
NICÉIA NICENO-CONSTANTINOPOLITANO
a) em um só Senhor Jesus Cristo, Em um só Senhor Jesus Cristo, Filho Unigênito
o Filho de Deus, gerado pelo Pai de Deus, nascido do Pai antes de todos os
como unigênito, isto é, da essência séculos:
(ousia) do Pai.
b) Deus de Deus, luz de luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro,
Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro
gerado, não criado, consubstancial
de Deus verdadeiro, gerado, não criado,
(homousion) ao Pai, por meio do
consubstancial (homousion) ao Pai. Por ele
qual todas as coisas foram feitas,
todas as coisas foram feitas.
as que estão no céu e as que estão
na terra.

E por nós homens, e por nossa salvação, desceu


dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no
c) O qual, por nós homens e por seio da Virgem Maria. E se fez homem.
nossa salvação, desceu do céu e se
encarnou; fez-se homem, padeceu Também foi por nós crucificado sob Pôncio
e ressuscitou no terceiro dia, subiu Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou
ao céu e virá para julgar os vivos e ao terceiro dia conforme as Escrituras e subiu
os mortos. aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E
de novo há de vir, em sua glória, para julgar os
vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim.

d) E no Espírito Santo (kai eis to


No Espírito Santo (kai eis to pneuma to aghion).
aghion pneuma).
Senhor que dá vida, e procede do Pai; e com
o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que
falou pelos profetas.

Vejamos, a seguir, um esclarecimento sobre a contenda en-


tre a Igreja latina e a oriental, causada pelo acréscimo de “e do
Filho” ao que procede do Pai:

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 173

Entendendo a questão do Filioque:


A Igreja do Ocidente, séculos depois, irá pospor ao "procede do
Pai" o polêmico "e do Filho", ou dito em uma palavra, o Filioque (ex
Patre Filioque procedit = procede do Pai e do Filho). Esse adendo
provocará uma contenda entre a Igreja latina e a oriental que dura-
rá até os dias de hoje.
A palavra Filioque foi acrescentada ao símbolo niceno-constantino-
politano no IV Sínodo de Braga, Portugal (675) ou possivelmente no
terceiro Sínodo de Toledo (589). Essa palavra quer afirmar: 1. que o
Espírito Santo procede do Pai e do Filho; 2. que as três Pessoas da
Trindade são perfeitamente iguais.
As primeiras formulações orientais estavam de acordo em julgar
que o Espírito Santo não era gerado como o Filho, mas procede do
Pai "através do Filho" (per Filium).
No ano 1013, o imperador Henrique II ordenou que a Igreja latina
acrescentasse o Filioque na profissão de fé. A Igreja ortodoxa grega
repugnou fortemente essa inserção no Símbolo. A partir do Patriar-
ca Fócio de Constantinopla (aprox. 810-895), o Filioque foi, muitas
vezes, considerado o ponto mais grave de divergência entre Orien-
te e Ocidente (O'COLLINS; FARRUGIA, 1995, p. 143-144).

Por que Filioque e não et Filio?


Em latim, há várias conjunções copulativas afirmativas que
são traduzidas para o nosso "e". Mas cada conjunção latina tem
um matiz diferente que, infelizmente, nem sempre aparece quan-
do o traduzimos para o português.
a) Et: une duas proposições ou dois termos. É a conjunção
que corresponde, perfeitamente, ao nosso “e”. Exemplo:
Sapientia est rerum divinorum et humanarum scientia:
“a sabedoria é o conhecimento das coisas divinas e hu-
manas”.
b) Que (enclítica): é usada quando se unem entre si dois
termos que formam quase um todo único. Exemplos:
Senatus populusque romanus: “o senado e o povo roma-
no” (como uma única realidade). Patri Filioque: “do Pai
e do Filho” (o Espírito Santo procede como de um único
princípio).
c) Atque e ac: indicam como o “que" união estreita entre
dois termos, mas com mais força e dando ênfase ao se-
174 © Teologia Trinitária

gundo termo. Exemplos: Vitam parce ac duriter agebat:


“Levava uma vida parca e, principalmente, dura”. Animi
parere atque imperare iuxta parati: “Ânimos preparados
tanto para obedecer e, sobretudo, para mandar”.
Concluindo, no Concílio de Constantinopla I, o Espírito
não é chamado, diretamente, “Deus”, nem homousios com o
Pai, mas sua divindade é, claramente, afirmada, pois se atribui
a Ele:
a) Nome divino (Senhor, Kyrios, Adonai).
b) Ações exclusivas de Deus (dar vida, criar, santificar).
c) Origem divina do Pai (procede do Pai).
d) Culto que só se presta a Deus (adoração e glorificação).
e) Inspiração profética e neotestamentária (Espírito de
Cristo).

INFORMAÇÃO:
As afirmações do Concílio de Constantinopla sobre o Espírito
Santo, embora diferentes no estilo das que se aplicam ao Filho,
refletem a fé convicta na divindade da terceira pessoa, igual em
divindade ao Pai e ao Filho.

11. CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA II 553


Entre os dois Concílios de Constantinopla, é preciso citar al-
guns pronunciamentos solenes.

Epistula Synodica
No ano 382, um ano após o Concílio de Constantinopla I,
portanto, o papa Damaso convidou os bispos do Oriente para um
concílio na Itália. De Constantinopla, os bispos orientais escreve-
ram uma longa carta ao papa Damaso, desculpando-se por não
poder assistir ao Concílio. Nela, os bispos inserem uma confissão
de fé trinitária:

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 175

É precisamente esta confissão de fé que vós, nós e todos os que


não pervertem a palavra da verdadeira fé devemos aprovar juntos:
é a mais antiga e conforme o batismo, que nos ensina a crer no
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a crer evidentemente
em uma só divindade e potência e essência (ousía) do Pai, do Filho
e do Espírito Santo, em sua igual e coeterna honra de sua reale-
za, em três hipóstases (hypostaseis) perfeitas ou em três pessoas
(prosopa) perfeitas. Assim, não se dá lugar à peste de Sabélio, que
confunde as hipóstases e elimina as propriedades, e não se dá for-
ça à blasfêmia dos eunomianos, arianos e pneumatômacos, que
dividem a essência, ou a natureza, ou a divindade, e introduzem
na Trindade incriada, consubstancial (homoousios) e coeterna uma
natureza nascida mais tarde, criada ou de outra essência (COD II-1.
p. 81; citado por SESBOÜÉ, 2002, p. 260).

Tomus Damasi
Como visto anteriormente, o papa Damaso convocou um
concílio em Roma. O documento contém uma série de anátemas
nos quais se resume a fé trinitária e se condenam os diferentes
erros. A problemática do documento é, mais ou menos, idêntica à
do Concílio de Constantinopla: os erros cristológicos e trinitários,
especialmente pneumatológicos. Leiamos dois desses anátemas:
Se alguém não disser que única é a divindade, a majestade, o po-
der, única a glória e a realeza, único o reino e única a vontade e a
verdade do Pai e do Filho e do Espírito Santo é herético.
Se alguém não disser que as três pessoas do Pai e do Filho e do Es-
pírito Santo são reais e iguais, eternamente viventes, contendo em
si todas as coisas visíveis e invisíveis, onipotentes, juízes de tudo,
que a tudo dão vida, tudo criam, tudo conservam, é herético (DS
172-173).

Concílio de Calcedônia
O Concílio de Calcedônia foi realizado no ano 451. Ele foi con-
vocado para fazer frente à heresia monofisita de Eutiques (aproxi-
madamente 378-545). Essa heresia consistia em reduzir Cristo a
uma só natureza, a divina. O Concílio afirmou a única pessoa de
Cristo em duas naturezas: a divina e a humana.
176 © Teologia Trinitária

Em consequência às duas naturezas de Cristo, distinguiu,


também, as duas gerações do único Cristo, Filho unigênito "nasci-
do do Pai antes dos séculos, segundo a divindade, e, nestes últimos
tempos, para nós e por nossa salvação, nascido de Maria virgem e
mãe de Deus, segundo a humanidade" (DS 302).

Concílio de Constantinopla II
Esse Concílio, que se reuniu em 553, foi convocado pelo im-
perador Justiniano I (527-565) para estabelecer a paz na Igreja do
Oriente e para superar o monofisismo.

Para saber mais sobre o que o monofisismo, consulte seu Glossá-


rio de Conceitos.

Infelizmente, esse concílio foi marcado por rivalidades peno-


sas. Além de não conseguir fazer reentrar na comunhão da Igreja
os monofisistas, acabou provocando outras separações por causa
das afirmações e sucessivas retratações do papa Vigílio. Importan-
te para nosso estudo é o primeiro cânon, que é trinitário:
Quem não confessa que o Pai, o Filho e o Espírito Santo têm uma só
natureza ou substância (mian physin etoi ousian), uma só potência
e poder, já que eles são Trindade consubstancial, uma só divinda-
de adorada em três hipóstases ou pessoas (en trisin hypostasesin
egoun prosopois), seja anátema.
Pois há um só Deus e Pai do qual provêm todas as coisas; um só é o
Senhor Jesus Cristo, mediante o qual foram feitas todas as coisas; e
um só é o Espírito Santo no qual estão todas as coisas (DS, 421).

Esse cânon trinitário exprime a unidade e a distinção em


Deus, agrupando os conceitos que têm o mesmo sentido: de um
lado, está a natureza (ousía) ou a substância (physis); de outro, as
hispóstases (hypostaseis) ou as pessoas (prosopa).
O primeiro grupo de sinônimos deve ser sempre dito no sin-
gular (uma natureza ou substância); o segundo, no plural (três hi-
póstases ou pessoas). A ousía ou physis é a substância concreta
única da divindade.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 177

Fica também claramente definido que ousía não pode mais ser
empregado para designar a hipóstase do Pai, do Filho e do Espírito.
Lembre-se de que, em Nicéia, ousía e hypóstasis eram ter-
mos reversíveis. Constantinopla II consagra e define a oposição
desses dois termos: há três hipóstases na única natureza da Trin-
dade consubstancial.
Outro avanço semântico e trinitário, testemunhado pelo câ-
non trinitário, é o uso do termo niceno "consubstancial" para toda a
Trindade: as três pessoas são, reciprocamente, consubstanciais, por-
que subsistem na mesma natureza única. A Trindade consubstancial
é um só Deus porque cada pessoa possui a única divindade.
O cânon ressalta a igualdade das três pessoas, no sentido de
que elas possuem a mesma divindade, a mesma natureza.
Essa única divindade é adorada em três hipóstases, ou pessoas,
que são três subsistentes reais, e não só três que aparecem como
tais. Em Deus, portanto, sem que haja separação da unidade da
essência, há distinção real de três pessoas. A divindade una não é a
soma das três pessoas, mas a unidade da divindade é somente a da
Trindade consubstancial (LADARIA, 1998. p. 234).

12. CONCÍLIOS MEDIEVAIS


Precisamos, ao menos, mencionar, rapidamente, os concí-
lios mais importantes da Idade Média que se pronunciaram sobre
questões trinitárias.

Concílio Lateranense IV (1215)


Convocado pelo papa Inocêncio III, foi o Concílio mais im-
portante da Idade Média. Em campo dogmático, promulgou uma
profissão de fé na qual se enumeram as verdades fundamentais,
tendo presente, também, os erros de seu tempo. No capítulo I,
o símbolo desenvolve a fé trinitária de Nicéia e as cristologias de
Éfeso e de Calcedônia:
178 © Teologia Trinitária

Cremos firmemente e confessamos simplesmente que existe um


só Deus verdadeiro, eterno, imenso, imutável, incompreensível,
onipotente e inefável, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, três pesso-
as, mas uma só essência, substância ou natureza completamente
simples: o Pai não provém de nenhum, o Filho provém unicamente
do Pai, o Espírito, dos dois, ao mesmo tempo; sem começo, existe
sempre e sem fim: o Pai gera, o Filho nasce, o Espírito Santo proce-
de; são consubstanciais e iguais entre si, conjuntamente onipoten-
tes e coeternos (DS 800).
Cremos e confessamos [...] que existe uma suma substância (sum-
ma res), incompreensível e inefável, que é verdadeiramente o Pai,
o Filho e o Espírito Santo, as três pessoas juntas e cada uma delas
singularmente: e assim em Deus há somente uma Trindade, não
uma quaternidade, porque cada uma das três pessoas é aquela
realidade (illa res), isto é, a substância, a essência ou a natureza
divina, que é, somente ela, princípio de todas as coisas, além da
qual não pode se encontrar outra. E essa substância não gera, nem
é gerada, nem procede, senão que é o Pai o que gera, o Filho que é
gerado, o Espírito que procede. Desse modo há distinção nas pes-
soas e unidade na natureza (DS 804).
Portanto, ainda que o Pai seja um, outro o Filho, e outro o Espírito
Santo, não são, contudo, outra coisa; mas o que é o Pai o são também
plenamente o Filho e o Espírito Santo, de tal maneira que se deve
crer, segundo a fé católica e ortodoxa, que são consubstanciais. O Pai
que desde sempre gera o Filho, deu-lhe sua substância (DS 805).

Segundo Concílio de Lião (1274)


Esse concílio foi convocado pelo papa Gregório X. Participa-
ram dele grandes teólogos, como S. Boaventura e Santo Alberto
Magno. Santo Tomás tinha sido também convidado, mas morreu
durante a viagem.
Na quarta sessão, foi lida a profissão de fé do imperador Mi-
guel Paleólogo, que começa assim:
Cremos na Santa Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, um Deus
onipotente, e na completa divindade na Trindade, coessencial e
consubstancial, coeterna e coonipotente, de uma só vontade, po-
testade e majestade, criador de todas as criaturas, do qual procede
tudo, mediante o qual tudo foi feito e no qual tudo existe [...]. Cre-
mos que cada uma das pessoas na Trindade é o único Deus verda-
deiro, pleno e perfeito (DS 851).
A Santa Trindade não são três deuses, senão um único Deus, onipo-
tente, eterno, invisível e imutável (DS 853).

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 179

Note como, nesse texto, a tendência de acentuar a unidade


divina é mais forte do que a de afirmar a distinção das pessoas,
sobretudo no que se refere à sua ação ad extra. Note, também, a
afirmação da perfeita divindade de cada uma das pessoas em sua
identificação com a essência divina.

Concílio de Florença (1438-1445)


É o XVII Concílio Ecumênico da Igreja Católica. Foi convocado
pelo papa Eugênio IV (1431-1447). Na Bula Cantate Domino, de
Eugênio IV, da sessão XI, lemos:
A Igreja católica [...] crê em um só Deus verdadeiro, onipotente [...],
eterno: Pai, Filho e Espírito Santo; um na essência, trino nas pesso-
as. O Pai, inascível, o Filho gerado pelo Pai, o Espírito que procede
do Pai e do Filho [...]. Essas três pessoas são um só Deus e não três
deuses, porque é uma só a substância, uma a essência, uma a natu-
reza, uma a divindade, uma a imensidade e uma a eternidade dos
três, em tudo são uma só coisa, onde não se opõe a oposição da
relação (omniaque sunt unum, ubi non obviat relationis oppositio)
(DS 1330).

13. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
180 © Teologia Trinitária

1) Consultando o texto desta unidade, repasse os princi-


pais autores antigos e faça um esquema em duas partes:
a) acentuação na distinção; b) acentuação na unidade.
Coloque os autores, segundo a tendência dominante de
sua teologia, em um dos dois grupos. Indique, com uma
palavra ou duas, o que é próprio da teologia trinitária do
respectivo autor.
2) Inclua, também, em um desses dois grupos, conforme a
radicalização unilateral de suas posições teológicas, os
autores antigos que se separaram da ortodoxia eclesial.
3) Reúna os termos das tomadas de posição dos concílios
em que aparece o esforço de manter em equilíbrio a dis-
tinção e a unidade, a unicidade e a tripessoalidade de
Deus.
4) Elabore um quadro sinótico.

14. CONSIDERAÇÕES
A Teologia Trinitária e a ortodoxia eclesial rejeitaram, durante
a história, algumas tendências que podiam destruir a fé trinitária.
Rejeitou-se, inicialmente, a tendência triteísta que afirmava
que há três deuses. Além de errada filosoficamente, ela não é fiel
à revelação divina.
Rejeitou-se, também, o modalismo, que afirmava, unilateral-
mente, a unidade divina que termina reduzindo o Pai, o Filho e o
Espírito Santo somente a três modos ou representações da mesma
substância divina. Conhecida, também, como sabelianismo, essa
tendência defende a unidade divina, mas nega a trindade.
Reprovou-se, por fim, a tendência subordinacionista, que
reconhecia um só Deus, o Pai, e subordinava o Filho e o Espírito
como suas criaturas.
As tendências subordinacionistas são agrupadas sob um
nome comum: o arianismo.

Centro Universitário Claretiano


© Teologia e Dogma Trinitário na Igreja Antiga 181

A ortodoxia eclesial procurou manter em equilíbrio a unida-


de e a trindade, a distinção sem separação e a unidade sem con-
fusão. Em outros termos: procurou guardar-se tanto do erro de
Sabélio, que confunde as pessoas, quanto do de Ário, que ofende
a majestade divina ao não reconhecer a divindade do Filho e do
Espírito.
Essas tendências foram superadas, definitivamente, no pla-
no da doutrina, mas não no da investigação teológica nem no da
pastoral. Por isso, o estudo da história do dogma é útil para o pro-
gresso na teologia e para uma evangelização mais coerente com a
Palavra de Deus.

15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BINGEMER, M.; FELLER, V.Deus Trindade: a vida no coração do mundo. Valência: Siquem,
2002.
BOFF, L. A trindade e a sociedade. Petrópolis: Vozes, 1987.
DE HALLEUX, A. Dieu le Père tout-puissant, RThL 8 (1977).
DENZINGER-HÜNERMANN, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e de
moral, São Paulo : Paulinas-Loyola, 2007.
FEINER, J.; LÖRER, M. (Org.). Mysterium Salutis, vol. II/1. Petrópolis: Vozes, 1978.
O’COLLINS & FARRUGIA. Dizionario sintético di teologia. Cidade do Vaticano: Editrice
Vaticana, 1995.
KASPER, W. El Dios de Jesucristo. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1990.
KLOPPENBURG, B. Trindade. Petrópolis: Vozes, 2000.
LADARIA, L. O Deus vivo e verdadeiro. São Paulo: Loyola, 2005.
PIKASA, X.; SILANES, N. Dicionário teológico o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1988.
SCHNEIDER, TH. (Org.). Manual de dogmática (vol. II), Petrópolis: Vozes, 2001.
SIMONETTI, M. La crisi ariana nel IV secolo. Roma: Istitutto Patristico Augustiniamum,
1975.
SESBOÜÉ, B. (Org.) História dos dogmas (tom. I: O Deus da salvação. A tradição, a regra
de fé e os Símbolos; a economia da salvação; o desenvolvimento dos dogmas trinitários e
cristológicos). São Paulo: Loyola, 2002.
STUDER, B. Dios Salvador en los padres de la Iglesia. Salamanca: Secretariado Trinitario,
1993.
EAD
Vida Interna de Deus

3
1. OBJETIVOS
• Identificar e interpretar o método atual da Teologia Trinitária.
• Compreender e conhecer os termos técnicos mais impor-
tantes da Teologia Trinitária.
• Analisar e interpretar as analogias trinitárias da mente
humana e do amor interpessoal.

2. CONTEÚDOS
• Axioma fundamental.
• Missões econômicas e processões imanentes.
• Analogia psicológica e amor interpessoal.
• Relações e pessoas divinas.
• Propriedades e apropriações.
• Pericórese e circumincessio.
184 © Teologia Trinitária

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) O Deus que se revela na história da salvação é o mes-
mo Deus da eternidade que "habita em luz inacessível".
Nesta unidade, nosso estudo se concentrará sobre o que
a teologia nomeia a Trindade imanente. A unidade an-
terior exigiu de você grande esforço de compreensão e
de assimilação. Todo esse trabalho o ajudará a continu-
ar estudando e o motivará a um novo desafio: voltar o
olhar e a mente para o mistério do Deus em si.
2) Para poder estudar bem, sugerimos, inicialmente, uma
rápida leitura do texto da unidade. Mesmo que você não
entenda tudo nesse primeiro contato, não desanime.
Procure rever o conteúdo das unidades anteriores, de
suas leituras, seus trabalhos e suas discussões com os
colegas de curso e com o tutor. Tudo o que você apren-
deu voltará nesta unidade em uma nova perspectiva.
3) Depois dessa leitura rápida e dessa revisão, retorne ao
texto desta unidade e comece seu estudo. Lance mão
dos dicionários de teologia para entender os termos e as
discussões atuais mais importantes. Os dicionários mais
úteis para o estudo desta unidade são: LATOURELLE &
FISICHELLA, Dicionário de teologia fundamental; PIKASA
& SILANES, Dicionário teológico: o Deus cristão; LACOS-
TE, Dicionário crítico de teologia. Lembre-se: aprender
a usar o aparato bibliográfico de consulta faz parte do
aprendizado de teologia na modalidade Ensino a Distân-
cia. À medida que você avançar no estudo, esforce-se,
também, em descobrir as relações que há entre os diver-
sos temas propostos.

4. INTRODUÇÃO
Anteriormente, voltamos nossa atenção para o testemunho
bíblico da revelação trinitária e para a reflexão da Igreja antiga –
que parte de sua fé transmitida, vivida e celebrada – sobre o Deus
Uno e Trino.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 185

Nesta unidade, procuraremos aprofundar o estudo de nosso


tema, buscando identificar a relevância e a atualidade da doutrina
trinitária para a vida na Igreja, na sociedade e no mundo contem-
porâneo.
É preciso que evitemos apresentar o mistério trinitário apenas
como uma teoria árida e sem nenhuma relação com a vida cristã.
Era exatamente essa a acusação de Kant. Ele escreveu: “Da doutri-
na da Trindade, tomada ao pé da letra, é absolutamente impossível
tirar alguma coisa para a prática, mesmo julgando compreendê-la,
quanto mais se nos damos conta de que ela supera qualquer concei-
to que dela possamos ter” (KANT, 1953, p. 47, grifos nossos).
Podemos receber essa acusação de Kant como uma provoca-
ção e um desafio: o de mostrar para nós mesmos e para os outros
que o mistério trinitário significa, na verdade, o encontro com o
acontecimento da revelação, com o testemunho vivo da tradição
eclesial e com o próprio mistério de Deus.
O mistério trinitário é o acontecimento no qual se decide a
nossa salvação e a do mundo, a felicidade e a esperança de toda a
humanidade.
Para atingir nossos objetivos, vamos, inicialmente, explorar,
por meio de algumas categorias desenvolvidas pela Teologia, a im-
perscrutável vida interna de Deus.
Em seguida, procuraremos relacionar o que estudamos so-
bre a Trindade com a vida cristã e com a sociedade de hoje.

5. DA ECONOMIA À TEOLOGIA
Como já sabemos, a revelação do Deus cristão é uma auto-
comunicação que se dá na história e como história da salvação.
Esse fato tem consequências para o tratado da Trindade, como
bem ilustra o Catecismo da Igreja Católica: “Toda a história da sal-
vação não é senão a história da via e dos meios pelos quais o Deus
186 © Teologia Trinitária

verdadeiro e único, Pai, Filho e Espírito Santo, se revela, reconcilia


consigo e une a si os homens que se afastam do pecado” (Catecis-
mo da Igreja Católica, 1997, nº 234).
O mistério de Deus Uno e Trino representa nossa salvação,
seu fundamento e princípio. Da revelação do Pai, Filho e Espírito
Santo, depende nossa salvação.
Deus não se revelou para nos dar um mero conhecimento de
Si, mas para nos salvar e para nos fazer participar de sua vida.

PARA VOCÊ REFLETIR:


A verdade não se revela, simplesmente, para nossa erudição, mas
para que tenhamos acesso à comunhão divina. O mistério da sal-
vação, que é o mistério trinitário, consiste não só na autorrevela-
ção, mas, precisamente, na autocomunicação vital do próprio Deus
Trino. Caso contrário, o próprio Deus não seria nossa salvação e
teríamos que buscá-la em outro lugar, que não seria Deus.

INFORMAÇÃO:
Entre o mistério da Trindade e a história da salvação, há uma cor-
relação que é consequência da própria dinâmica da autocomuni-
cação divina: somente por meio da história da salvação podemos
chegar ao Mistério de Deus em si; somente à luz do mistério de
Deus a história da salvação tem sentido.

Sem uma consideração de Deus em si mesmo, a história da


salvação perde seu sentido salvífico.
Mas é verdade, também, que ignorar a Trindade que se re-
vela na história, o Deus para nós, significa não chegar a conhecer
a Trindade em si mesma: a revelação realizada por Cristo dá-nos
acesso ao conhecimento de Deus Uno e Trino. A oikonomia é, por-
tanto, o único caminho para o conhecimento da theologia.

Para saber mais sobre o que significam essas expressões gregas,


consulte seu Glossário de Conceitos.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 187

Essa relação de unidade entre Trindade em si e Trindade que


se revela na história da salvação é expressa, sinteticamente, pelo
conhecido axioma fundamental de Rahner: a Trindade econômica
é a Trindade imanente e vice-versa.
Esse axioma foi objeto de ampla aceitação e, também, de
muito debate na Teologia recente. Sua primeira parte foi aceita
com unanimidade, mas a segunda conquistou menos consenso e
provocou mais discussão: muitos temiam que o “vice-versa” pu-
desse ser interpretado no sentido de que Deus se constituísse
como Trindade na economia e, assim, dependesse de sua manifes-
tação histórica.
Apesar das discordâncias, o axioma contribuiu muito para a
renovação do tratado da Trindade; por isso, vale a pena determo-
nos nele.
Inicialmente, o axioma afirma que Deus se revela na econo-
mia salvadora (Trindade econômica) como é em sua vida imanente
(Trindade imanente). Por intermédio da revelação de Cristo (oiko-
nomia), temos um verdadeiro acesso ao mistério do próprio Deus
(theologia). Segundo Forte (1987, p. 16), isto quer dizer que:
No plano do conhecimento de Deus, não nos é dado outro lugar
a partir do que seja possível discorrer menos infielmente sobre o
mistério divino a não ser a história da revelação, os eventos e as
palavras intimamente relacionadas entre si, através dos quais Deus
narrou em nossa história a sua história [... ]. A Trindade como é em
si (imanente) se dá a conhecer na Trindade como é para nós (eco-
nômica): um e o mesmo é o Deus em si e o Deus que se revela, o
Pai pelo Filho no Espírito Santo.

INFORMAÇÃO:
A formulação desse axioma e a discussão que ele provocou fize-
ram que a Teologia tomasse consciência de que somente a partir
de Cristo tem sentido falar da Trindade.

A Trindade é uma verdade de fé que não se deduz de outro


conhecimento de Deus adquirido a partir das coisas criadas. A re-
188 © Teologia Trinitária

velação do mistério de Deus em toda a sua profundidade aconte-


ce, unicamente, em Jesus Cristo.
Somente pela fé em Cristo temos acesso a esse mistério; so-
mente se cremos nele como Filho de Deus podemos ver, nele, o
Pai (cf. 1Jo 14,9).
Essa revelação nos dá, realmente, acesso ao mistério de
Deus como mistério da nossa salvação por obra de Cristo.
A revelação de Cristo, porém, não se desliga da comunicação
do Espírito. Leonardo Boff, nesse sentido, adverte:
Na reflexão teológica, a Trindade econômica precede a Trindade
imanente. Por Trindade econômica entendemos a manifestação
(no caso do Filho e do Espírito Santo, a autocomunicação) na histó-
ria humana dos divinos Três, seja conjuntamente, seja cada um in-
dividualmente, em vista da nossa salvação. Por Trindade imanente
entendemos o Pai, o Filho e o Espírito Santo em sua vida íntima e
eterna em si. A partir da Trindade econômica vislumbramos algo da
Trindade imanente. Somente com referência à encarnação do Filho
e da pneumatização do Espírito Santo podemos dizer que a Trin-
dade econômica é a Trindade imanente e vice-versa. Fora destes
casos histórico-salvíficos, a Trindade imanente é mistério apofático
(BOFF, 1987, p. 279-280).

INFORMAÇÃO:
Esses dois aspectos (mistério de Deus e da nossa salvação, Deus
em si e Deus para nós) não podem ser separados.

Conhecemos a misteriosa e luminosa realidade de Deus Tri-


no pela revelação salvadora que Cristo faz de si mesmo. O modo
como a Trindade se nos apresenta na economia da salvação reflete
o que ela é em si mesma: "Essa correspondência se funda no pró-
prio mistério da fidelidade divina: a Trindade na história manifesta
a Trindade na glória, porque aquele que é 'fiel não pode renegar-se
a si mesmo'" (FORTE, 1987, p. 16).
Outra afirmação importante do axioma fundamental é a da
identidade entre unicidade e trindade em Deus: Deus revela-se
como Trindade, e a revelação da Trindade é a do Deus único. A

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 189

fé na Trindade das Pessoas não diminui, absolutamente, a fé no


Deus único. O único Deus é de tal modo que tem a distinção em si
mesmo.
A Teologia explica essa identidade entre unicidade e trinda-
de afirmando, por um lado, que, em toda ação de Deus para fora
de si (ad extra), as três pessoas divinas agem unitariamente e são
um único princípio.
Deus é um só princípio da criação e da história da salvação.
Por isso, nunca podemos falar de três princípios.
Por outro lado, a Teologia reconhece que, da ação unitária
ad extra, não se pode deduzir que esse único princípio seja sem-
pre, em si mesmo, indistinto. Em termos técnicos, a Teologia pro-
curou afirmar, simultaneamente, tanto o princípio da ação unitária
de Deus para fora de si (ad extra) quanto a doutrina das apropria-
ções.

Para conhecer o que é apropriação, consulte nosso Glossário.

Segundo a Teologia tradicional, na ação de Deus Uno, “apro-


priam-se", na linguagem da Escritura e da Igreja, às Pessoas divi-
nas aqueles modos de atuar que mais diretamente correspondem
ao que, na vida interna de Deus, é "próprio" daquela pessoa.
Naturalmente, isto pressupõe certo conhecimento do que é
próprio de cada pessoa no interior da vida trinitária. Dado que a
Trindade só pode ser conhecida pela revelação histórica, somen-
te por meio do modo da ação salvadora de cada Pessoa se pode
saber o que, na vida interna de Deus, lhe corresponde mais dire-
tamente.
Há um caso, porém, em que sabemos que há uma ação ad
extra na qual as pessoas atuam diferenciadamente: a encarnação.
De fato, somente o Filho assumiu, hipostaticamente, a natu-
reza humana.
190 © Teologia Trinitária

É claro que as outras Pessoas tomaram parte nesse evento:


foi o Pai quem enviou o Filho ao mundo. Enviar é a ação própria do
Pai (cf. Jo 3,17.34; Rm 8,3; Gl 4,4).
Por sua vez, o Espírito Santo que desce sobre Maria possibilita a
encarnação (cf. Lc 1,35; Mt 1,20; DS 150). Na encarnação, em toda
a vida terrena de Jesus, em sua ressurreição e exaltação à direita
do Pai e no dom do Espírito [...] temos uma atuação diferenciada
das Pessoas divinas na história salvífica. É exatamente essa diferen-
ciação que nos permite conhecer as pessoas (LADARIA, 1998, p.
26-27).

Curiosamente, na Teologia, isto nem sempre foi tão eviden-


te. Durante séculos, foi doutrina comum que qualquer pessoa po-
deria se encarnar. Falava-se, inclusive, de uma "conveniência" da
encarnação do Filho. Assim pensaram os grandes mestres da esco-
lástica: Pedro Lombardo, S. Boaventura e Santo Tomás de Aquino.
Ora, o axioma fundamental ajuda a Teologia a perceber que,
se o Filho encarnou-se, é porque Ele é, em si mesmo, o revelador
do Pai e sua imagem perfeita (cf. 2Cor 4,4; Cl 1,15).
A comunicação de Deus ao mundo pode se realizar na forma
de união hipostática, porque esse modo corresponde/convém ao
modo de ser da segunda Pessoa. A comunicação do Espírito Santo
não assume a forma da encarnação porque isto não corresponde à
sua peculiaridade pessoal.
Se Deus revelou-se dessa maneira na economia salvadora (o
Pai envia, o Filho se encarna, o Espírito é doado pelo Pai e pelo
Filho), é legítimo pensar que esse modo de operar a salvação cor-
responde ao modo de ser das Pessoas na plenitude da vida intratri-
nitária (a Trindade econômica é a Trindade imanente).
Outra contribuição importante do axioma (primeira parte)
é que ele nos ajuda a entender, mais corretamente, a filiação
adotiva.
Nos tempos passados, o princípio da unidade de ação ad ex-
tra de Deus levou muitos teólogos a pensar que somos filhos da
Trindade (cf. STh III,32,1; 45,4; I,33,3). Mas o Novo Testamento não

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 191

pode ser invocado como fundamento dessa posição (cf. Gl 4,4-6;


Rm 8,14-16; Mt 5,45; 6,1.9.14; Lc 11,1-2). Entre a filiação divina de
Jesus e a nossa, há uma relação intrínseca.
A graça não é primordialmente um dom de Deus, mas o dom de
Deus mesmo, o dom do Espírito Santo [...], a Pessoa-Dom do Es-
pírito. Podemos, portanto, pensar em uma inabitação pessoal do
Espírito Santo no justo. Assim se manifesta a distinção das Pessoas
na ação de Deus em nós. A partir dela chegamos a descobrir as ca-
racterísticas do Pai, do Filho e do Espírito Santo na vida interna da
Trindade. Deus se comunica, age e salva tal como é em si mesmo. O
Deus Uno e Trino é nossa salvação e nosso salvador [...]. A primeira
parte do axioma fundamental nos diz que é Deus quem se dá a nós;
Ele não nos dá somente seus dons [...]. Se Ele não se doasse a nós
como é, não se doaria a si mesmo. Se não se manifestasse como é,
não se revelaria a nós (LADARIA, 1998, p. 30).

PARA VOCÊ REFLETIR


“Se a Trindade imanente não correspondesse à sua revelação
econômica, não seria possível nenhuma salvação na história: o
humano estaria irrevogavelmente condenado ao horizonte do hu-
mano, e nenhum respiradouro ficaria aberto à dolorosa experiên-
cia de nossa limitação” (FORTE, 1987, p. 17).

A Teologia católica aceitou, ao menos em princípio, essa pri-


meira parte do axioma fundamental.
A Comissão Teológica Internacional (1983) afirma que:
[...] o axioma fundamental da Teologia atual se expressa muito bem
com as seguintes palavras: a Trindade que se manifesta na econo-
mia da salvação é a própria Trindade imanente, e a Trindade ima-
nente é aquela que se comunica livre e graciosamente na economia
da salvação. Consequentemente é preciso evitar na Teologia e na
catequese toda separação entre Cristologia e doutrina trinitária
(disponível em: <http://www.mercaba.org/CTI/10_teologia_cris-
tologia_antropologia.htm>. Acesso em: 25. Mai 2010).

Como já foi dito, a segunda parte do axioma fundamental


de Rahner foi recebida com menos consenso por causa dos mal-
entendidos na interpretação do "vice-versa".
Para superar essas reservas, é preciso acentuar, inicialmente,
o que o axioma não quer dizer, ou seja, evitar possíveis interpreta-
192 © Teologia Trinitária

ções errôneas que o próprio Rahner não quis dar ao seu axioma.
Ora, ao acentuar o que o axioma não quer dizer, chega-se a enten-
der com mais clareza o que ele quer dizer.
A segunda parte do axioma fundamental não quer negar
que a comunicação econômica da Trindade Imanente seja gra-
tuita e livre.
A identificação (sem confusão) que o axioma faz entre Trin-
dade Imanente e Econômica não quer afirmar que a Trindade Ima-
nente só exista na economia, que Deus se torne trino na medida
em que se comunica aos homens e que a Trindade das Pessoas
seja fruto de sua decisão de se autocomunicar. Na economia, e
por ela, Deus comunica-se gratuita e livremente, não se aperfeiçoa
nela nem se constitui como Trindade.
Portanto, o axioma não nega a distinção (sem separação)
entre Trindade Imanente e Econômica, entre Trindade em si e em
sua comunicação. É essa distinção que reafirma a liberdade divina.
Essa distinção entre Trindade Imanente e Econômica se desdobra
em outra afirmação: a Trindade imanente é o fundamento trans-
cendente da economia salvadora.
A identidade (sem confusão) entre Trindade Imanente e Eco-
nômica não pode ser explicada em termos de uma realização de
Deus na economia.
Assim, a Trindade Imanente não se confunde com o desen-
volvimento da economia da salvação nem se dissolve nela, tam-
pouco se "esgota" na dispensação (dispensatio) salvadora na qual
se comunica gratuita e livremente.
Em sua comunicação salvadora, Deus revela-nos com mais
proximidade seu insondável mistério, mas não o elimina nem o
enfraquece!
De fato, não se pode esquecer que esse mistério da proximi-
dade de Deus em sua autocomunicação realiza-se na história por
meio do despojamento divino (= kénosis), da cruz e do esvazia-

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 193

mento que nos obrigam a reconhecer, uma vez mais, uma distin-
ção entre Trindade Imanente e Econômica. A revelação da glória
de Deus dá-se, paradoxalmente, na suprema humilhação da cruz.

INFORMAÇÃO:
Kénosis: A auto-humilhação a que se submeteu a segunda Pes-
soa da Trindade na Encarnação (Fl 2,5-11, cf. 2Cor 8,9). Isto não
significa (e não podia significar) o abandono da natureza ou da
substância divina. Comportou, no entanto, a aceitação dos limi-
tes da existência humana que, de fato, chegaram ao cume da hu-
milhação suprema da morte na cruz (O’COLLINS & FARRUGIA,
1995, p. 186).

A identidade entre Trindade Econômica e Imanente deve ser


entendida em dois sentidos intimamente conexos.
De um lado, em sua autocomunicação econômica, Deus doa-
se a nós e revela-se tal como é em si mesmo, mas o faz livremente,
ou seja, o seu ser não se realiza nem se aperfeiçoa nessa autoco-
municação.
Por outro lado, na revelação, Deus mantém seu mistério;
sua maior proximidade significa a manifestação mais direta de sua
grandeza ainda maior.
Vale a pena citar, aqui, um documento sobre estas questões
da Comissão Teológica Internacional (CTI):
É preciso evitar na teologia e na catequese toda separação entre
a cristologia e a doutrina trinitária [...] É preciso evitar igualmente
toda confusão imediata entre o acontecimento de Jesus Cristo e a
Trindade. A Trindade não se constitui simplesmente na história da
salvação pela encarnação, a cruz e a ressurreição de Jesus Cristo,
como se Deus necessitasse de um processo histórico para chegar a
ser trino. É preciso manter, portanto, a distinção entre a Trindade
imanente, na qual a liberdade e a necessidade são idênticas na es-
sência eterna de Deus, e a economia trinitária da salvação, na qual
Deus exercita absolutamente sua própria liberdade sem necessi-
dade alguma da parte de sua natureza. A distinção entre Trindade
econômica e imanente concorda com a identidade real de ambas.
A economia da salvação manifesta que o Filho eterno em sua pró-
pria vida assume o acontecimento kenótico do nascimento, da vida
humana e da morte na cruz. Este acontecimento, no qual Deus se
194 © Teologia Trinitária

revela e comunica absoluta e definitivamente afeta, de alguma ma-


neira, o ser mesmo de Deus Pai enquanto Ele é o Deus que realiza
estes mistérios e os vive como próprios com o Filho e o Espírito
Santo. Pois Deus Pai não somente se revela a nós e comunica livre
e gratuitamente no mistério de Jesus Cristo mediante o Filho e no
Espírito Santo, mas também o Pai, com o Filho e o Espírito San-
to, conduz a vida trinitária de modo profundíssimo e – ao menos
segundo nosso modo de entender – quase novo, enquanto que a
relação do Pai e do Filho, encarnado na consumação do dom do
Espírito Santo é a mesma relação constitutiva da Trindade. Na vida
interna de Deus está presente a condição de possibilidade daqueles
acontecimentos que pela incompreensível liberdade de Deus en-
contramos na história da salvação do Senhor Jesus Cristo. Portan-
to, os grandes acontecimentos da vida de Jesus manifestamente
expressam e tornam eficaz para nós, de um modo quase novo, o
colóquio da geração eterna, na qual o Pai diz ao Filho: "tu és meu
Filho eu hoje te gerei" (Sl 2,7; cf. At 13,33; Hb 1,5; 5,5; Lc 3,22) (The-
ologia – Christologia – Anthropologia, 1981, C., 2-3). (disponível
em:<http://www.mercaba.org/CTI/10_teologia_cristologia_antro-
pologia.htm>. Acesso em: 25. mai 2010).

O documento da CTI sublinha que a necessária distinção en-


tre Trindade Econômica e Imanente "concorda", ou melhor, coinci-
de com a identidade de ambas. Portanto, não há, absolutamente,
duas “Trindades”.
Essa distinção na identidade, ou identidade na distinção, leva
a reconhecer que, de uma parte, na Trindade Imanente, está o fun-
damento, a condição de possibilidade da economia salvadora, e,
de outro, a assinalar que o acontecimento kenótico da encarnação
e morte é assumido pelo Filho eterno em sua vida divina.
O Filho, uma vez feito homem, assume os acontecimentos
da vida terrena como seus, ou seja, como eventos de sua vida pes-
soal. A encarnação é a assunção, também, da história. Ela não se
limita ao aspecto material e biológico. Ser homem é ser histórico.
Ora, uma vez que o Filho assumiu uma humanidade concreta, os
acontecimentos de sua vida terrena não são, apenas, as vicissitu-
des de uma parte de si, mas as de sua pessoa. Por isso, podemos
dizer que o que acontece na vida terrena dele afeta a própria pes-
soa do Filho.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 195

Isto, porém, não é tudo. Já que os eventos da encarnação, da


morte e do despojamento são os do Filho, esses mesmos eventos
afetam, também, o Pai: Ele não é indiferente à kénosis do Filho, e
os vive, também, como próprios em comunhão com o Filho e com
o Espírito.
A vida da Trindade, que não se constitui nos acontecimentos,
vive esses acontecimentos do Filho de maneira quase nova.
Ainda que, em relação à economia, não caiba a categoria da
necessidade, uma vez que ela foi livremente decidida por Deus,
ela “afeta” a vida divina da Trindade Imanente. Isto não quer dizer
que a Trindade seja aperfeiçoada pela economia ou que esta lhe
proporcione algo de que carecia.
A novidade consiste na entrada do Filho, como homem, nas
relações constitutivas da Trindade. Jesus nasceu, morreu e ressus-
citou, e o Pai vive esses mistérios salvadores como próprios, não
como algo alheio nem extrínseco.
A economia não constitui Deus Trino nem o aperfeiçoa, mas
isto não quer dizer que não signifique nada para Ele. A Trindade
Imanente, na soberana liberdade de seu amor, é o fundamento
da história da salvação; entretanto, por sua vez, esta tem certa
"repercussão" no ser divino.

6. MISSÕES ECONÔMICAS
Como vimos nas partes bíblica e histórica, o Pai enviou o Fi-
lho (Gl 4,4, Jo 3,17; 5,23; 6,27; 17,18) e o Espírito Santo (Gl 4,6; Jo
14,16.26) ao mundo a fim de nos introduzir na comunhão que eles
vivem e são em si mesmos.

INFORMAÇÃO:
O envio no tempo da segunda e da terceira pessoas pelo Pai é o
que a Teologia Trinitária chama “missões divinas econômicas ou
temporais”. A importância delas para a fé e para a Teologia é que,
a partir delas, Deus possibilitou-nos o acesso à salvação e à sua
vida interior.
196 © Teologia Trinitária

As missões do Filho e do Espírito manifestam, na economia,


a distinção na ação comum das Pessoas. A ação unitária e total-
mente livre dá-se no tempo como ação dos Três, segundo suas
propriedades pessoais.
Deus vem ao encontro da humanidade e dá-se a conhecer
assim como é em si mesmo: a Trindade Econômica é a Trindade
Imanente. Se não se tivesse revelado em sua distinção pessoal,
seria impossível ao homem conhecer tal boa-nova.

INFORMAÇÃO:
Não é, portanto, um raciocínio por analogia que nos levou a cha-
mar Deus de Pai, mas a revelação do Filho.

Com efeito, revelando-se como o Unigênito, Jesus revela a


dimensão única e inesperada da paternidade de Deus que a ele se
refere (Pai do Unigênito).
Deus é Pai em senso único porque o é de um Filho único, ao
qual assegura igualdade de divindade. Jesus é Deus na condição de
Filho do Pai. A sua divindade abre a questão da Trindade.
Exatamente porque Jesus é o Unigênito, Deus pode ser reco-
nhecido como Pai em um sentido novo em relação às concepções
de paternidade das religiões e da Antiga Aliança.
O nome “Pai” é inseparável da revelação em seu acontecer his-
tórico. Por isso, o “manifestar e fazer conhecer o nome do Pai” sinteti-
za toda inteira atividade de Jesus em sua vida terrena (cf. Jo 17,6.26).
Santo Agostinho mostrou a novidade que caracteriza a mis-
são econômica em relação à onipresença divina:
Ainda que os dois estejam sempre juntos, um é enviado e o outro
envia, pois a missão é a encarnação, e esta encarnação é somente
a encarnação do Filho, não a do Pai. Por isso o Pai enviou o Filho,
mas não se separou do Filho. Portanto, não enviou o Filho para um
lugar, onde o Pai não estava presente (SANTO AGOSTINHO, Tract.
40,6 CCL 36,353-354). (Disponível em: <http://www.augustinus.it/
italiano/commento_vsg/index2.htm>. Acesso em: 25. Mai 2010).

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 197

A missão econômica é o fazer-se visível da pessoa divina em


sua distinção própria. Ela constitui um novo tipo de presença, dife-
rente da onipresença de Deus. Quando o Pai envia o Filho, não se
separa dele, uma vez que Deus é onipresente. Ao enviar o Filho ao
mundo, o Pai não o envia para um lugar onde esteja ausente.

Onipresença Divina ––––––––––––––––––––––––––––––––––


Deus é o criador e está presente em todas as coisas por sua ação criadora, por
sua imensidade incircunscrita e ilimitada e por seu conhecimento simplíssimo,
pleno e perfeito de tudo o que existe. O papa Leão XIIII, resumindo o ensinamen-
to tradicional e apoiando-se na autoridade de Santo Tomás, explica os modos de
presença de Deus desta maneira: “Deus se acha presente em todas as coisas
e está nelas: por potência porque estão sujeitas ao seu poder; por presença,
porque todas são abertas e evidentes aos seus olhos; por essência, porque em
todas elas ele se acha como causa de seu ser” (DIM 9,5,1897: Acta, Roma, 1899.
v. 17, 125ss). CARTA ENCÍCLICA DIVINUM ILLUD MUNUS, 1897, n. 10. (Dis-
ponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/
hf_l-xiii_enc_09051897_divinum-illud-munus_sp.html#top>. Acesso em: 25. mai
2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A encarnação é, somente, do Filho, porque ele é o enviado


do Pai. O fato de o Pai não se encarnar mostra o que o distingue do
Filho: Ele só envia e não é enviado.
Podemos ainda prosseguir partindo da intuição de Agosti-
nho: o Filho é o enviado do Pai e, juntamente com Ele, envia o
Espírito. O Espírito Santo, por sua vez, só é enviado e não envia. Em
relação à missão divina temporal, podemos, portanto, afirmar que
esse conceito não convém ao Pai, mas só ao Filho e ao Espírito.
Além da onipresença, a missão econômica é uma presença
qualificada, livre e pessoal, no senso de uma nova forma de pre-
sença do Filho e do Espírito no mundo.

INFORMAÇÃO:
A presença qualificada e pessoal do Filho se dá mediante a encar-
nação, isto é, da presença visível na natureza humana assumida
pelo Verbo. A presença qualificada do Espírito consiste no dom
invisível, universal, estável e verificável mediante a inabitação nos
corações. Inabitação trinitária é a presença de Deus que “habita
em” o mundo e o homem. Há dois modos de presença da Trinda-
198 © Teologia Trinitária

de: uma que podemos chamar de “natural” e outra de “sobrenatu-


ral”. O modo de presença natural consiste na presença de Deus
por sua ação criadora, por sua imensidade incircunscrita e por seu
conhecimento de todas as coisas. O modo de presença sobrenatu-
ral consiste na presença por graça. Trata-se assim de uma partici-
pação do ser humano na natureza divina pelo dom do Espírito aos
nossos corações (1Cor 3,16; 6,19; Rm 5,5; 8,11).

7. PROCESSÕES IMANENTES
Se Deus, de fato, revela-se livre e gratuitamente na econo-
mia salvadora como é em si mesmo, podemos dizer que as mis-
sões divinas temporais têm origem nas processões eternas e, ao
mesmo tempo, as revelam.
As missões econômicas podem ser qualificadas como imita-
ção, ampliação e prolongamento das processões eternas.

Para conhecer a definição do termo “processão”, consulte o Glos-


sário.

INFORMAÇÃO:
A partir dessa relação entre missões e processões divinas, pode-
mos compreender a diferença que há entre as teofanias e as mis-
sões divinas. Uma missão econômica é a manifestação sensível
da processão eterna de uma Pessoa divina, por isso sempre inclui
a teofania da Pessoa enviada. Pelo contrário, uma Pessoa divina
pode se manifestar no tempo sem, contudo, revelar a sua proces-
são eterna. Por isso, o Pai, que não procede de ninguém, pode se
manifestar de modo sensível, por exemplo, na voz que se ouve
após o batismo de Jesus, mas Ele não é enviado “porque, mesmo
que Deus Pai tenha querido se manifestar visivelmente por meio
da criatura submissa, seria totalmente absurdo afirmar que tenha
sido mandado pelo Filho, que ele gerou, ou pelo Espírito Santo,
que dele procede” (SANTO AGOSTINHO. A trindade. São Paulo:
Paulus, 1994, 4,21,32, p. 189).

Como o Pai enviou o Filho e (com o Filho) enviou o Espírito


Santo, assim, o Filho recebe seu ser do Pai, como também dele

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 199

o recebe, primariamente (principaliter), o Espírito Santo, embora


com a participação do Filho.
Essa distinção entre processio ad extra e processio imanens
não é mera questão de palavras. Ela mostra, por meio de uma lin-
guagem que pode parecer à primeira vista muito técnica, a riqueza
interior da Trindade.
Deus Trino, com efeito, possui e é, em si mesmo, Vida em
plenitude. Se Deus cria, não o faz por carência de algo, mas como
transbordamento generoso e soberano de sua plenitude que se
comunica.
Ao esquecer ou negar essa plenitude da vida divina ad intra,
Sabélio e Ário acabaram caindo no erro de pensar que toda ação
de Deus deveria ser, sempre, para o exterior (ad extra). Segundo
esse pressuposto, em Deus, não haveria fecundidade interior al-
guma.
A Teologia, inspirando-se na Bíblia, procurou explicar, mais
detalhadamente, as processões imanentes. Descreveu a proces-
são do Filho como geração e a do Espírito como espiração (cf. DS
150; 804). Elas expressam a vida e a fecundidade interna do Deus
Trino.

Consulte a explicitação do termo “espiração” no Glossário de Con-


ceitos incluso no Plano de Ensino desta disciplina.

A tradição da Teologia latina engloba a geração do Filho e a


espiração do Espírito no conceito comum de processão divina.
Esse termo genérico dá razão da diferença entre o Pai, por
um lado, e o Filho e o Espírito, por outro: o Filho e o Espírito têm
em comum o não ter em si mesmos a fonte de seu ser, diferente-
mente do Pai. Algo semelhante acontece, também, com as “mis-
sões” do Filho e do Espírito: usa-se, nos dois casos, já no Novo
Testamento, o mesmo termo: “enviar”.
200 © Teologia Trinitária

8. ANALOGIA DA MENTE HUMANA: SANTO AGOSTI


NHO E SANTO TOMÁS DE AQUINO
Santo Agostinho Hipona (354-430) e, depois, Santo Tomás de
Aquino (1225-1274), aprofundaram, especulativamente, a geração
do Filho como um ato de autoconhecimento do Pai, e a processão
do Espírito como ato de amor recíproco do Pai e do Filho. É o que
veremos, juntos, a seguir.

Para saber o que é “analogia”, “analogia do ente” e “analogia da


fé”, consulte o Glossário.

Santo Agostinho
Agostinho valeu-se de comparações tiradas da alma humana
para iluminar o mistério da Trindade.
Ele recorreu a essas comparações porque, segundo sua in-
terpretação de Gn 1,26s, a alma humana é a única criatura feita à
imagem e semelhança da Trindade (cf. De Trin. 7,6,12).
Agostinho pretendia penetrar nessa imagem divina impressa
na alma para obter alguma luz para se aproximar do mistério trini-
tário. Evidentemente, ele tem consciência de que essa imagem na
alma humana é imensamente desproporcional à Trindade mesma.
Dentre todas as criaturas, porém, é a única que recebeu tal ima-
gem da Trindade.
Criado por Deus, o homem é criado à imagem da Trindade.
No Comentário literal inacabado ao Gênesis (393), aparece o pri-
meiro indício de que Agostinho, pensando na Trindade, volta sua
atenção ao homem: “O homem não foi criado somente à imagem
do Pai, nem somente à do Filho nem somente à do Espírito Santo, e
sim, à imagem da própria Trindade” (disponível em: < http://www.
augustinus.it/italiano/genesi_incompiuto/index2.htm> Acesso
em: 25 maio 2010).

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 201

Nas Confissões, Agostinho apresenta, pela primeira vez, o


espírito humano como imagem da Trindade. O nosso espírito é,
conhece e ama; sabe que é, que conhece e que ama; ama ser, ama
conhecer e ama amar: “Veja quem pode como somos inseparáveis
na vida dessas três coisas, ou melhor, como elas constituam uma
única vida, uma única mente, uma única essência, como, enfim,
sejam inseparavelmente distintas e mesmo distintas” (AGOSTI-
NHO, 13,11,12, 1973, p. 293).
A exposição sistemática desse argumento se encontra em A
Trindade. Nessa obra, Agostinho busca, sistematicamente, a ima-
gem da Trindade no homem: no homem exterior e no homem in-
terior.
No homem exterior, estuda a cognição dos sentidos externos
e dos sentidos internos, levando em consideração, particularmen-
te, os olhos (cf. A Trindade, 9), encontrando a tríade: realidade,
visão, tensão; depois, uma segunda: memória sensitiva, visão in-
terna, vontade. Mas reconhece que, faltando-lhes igualdade dos
termos e identidade de substância, não há imagem da Trindade.
Há, somente, um vestígio.
Para encontrar a imagem da Trindade, é preciso entrar no
homem interior, mas não no homem interior que pensa coisas
temporais para conquistar a ciência (cf. A Trindade, 12) ou que
considera, por meio da fé, o que Deus realizou por nós no “tempo”
(cf. A Trindade, 13).
É preciso entrar no homem interior que intui as verdades e
orienta a si mesmo para a sua contemplação, no homem que pos-
sui a sabedoria.
Nesse homem interior, portanto, Agostinho busca e encon-
tra a imagem da Trindade, que exprime nesta fórmula: mente, co-
nhecimento, amor (mens, notitia, amor). No espírito humano, há
uma trindade mais evidente, que é: memória, inteligência, vonta-
de (memoria, intelligentia, voluntas).
202 © Teologia Trinitária

Essa última tríade, tendo um duplo objeto (o conhecimento


de si e o conhecimento de Deus), divide-se em duas. Assim, há:
memória, inteligência, vontade de si (memoria, intelligentia, vo-
luntas sui) e memória, inteligência, vontade de Deus (memoria,
intelligentia, voluntas Dei).

NFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
Para você entender os termos memória, inteligência e vontade:
Quando Agostinho fala da memória, ele não pensa nas simples
recordações das coisas passadas, mas naquilo que dá identidade
à nossa vida, àquilo que se diria, em termos modernos, a pre-
sença do ser humano a si mesmo, a consciência. Sabemos como
a esclerose da memória destrói a consciência do ser humano, o
faz perder a sua personalidade. A memória fundamental pode ser
considerada a imagem de Deus Pai. Dela surgem os pensamentos
que são como palavras interiores com as quais falamos com nós
mesmos, de modo análogo como o Filho nasce do Pai. Então in-
tervém um outro ato da alma. O ser humano que gera seus pensa-
mentos os ama, não quer se separar deles. O ato de amar aquilo
que pensamos e a decisão de realizá-lo é a vontade, a terceira
faculdade fundamental da alma, que pode ser considerada como
imagem do Espírito Santo, Espírito do amor. A nossa vida interior
se desenvolve, portanto, na contínua comunicação entre a nossa
consciência de ser, de conhecer e de amar. Esse dinamismo, pen-
sa Agostinho, é um vestígio do Deus trino (SPIDIK, 2004, p. 36).

Com efeito, o espírito humano foi criado de tal maneira que


sempre se recorda, entende e ama a si mesmo; todavia, o homem
chegará a ser imagem de Deus só quando a alma se recordar de
Deus, conhecê-lo e amá-lo, pois só assim participará da sabedoria
que é própria de Deus (AGOSTINHO, 1994, p. 461-462).
Essa imagem no homem interior é semelhante e desseme-
lhante à Trindade.
Semelhante porque memória, conhecimento e amor são três
realidades e, ao mesmo tempo, uma só substância, uma só vida,
e, quando são perfeitas, são iguais. São três realidades distintas
e inseparáveis: "De maneira admirável são inseparáveis umas das
outras e, todavia, cada uma delas, consideradas à parte, é uma
substância; e todas juntas são uma substância ou essência ainda

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 203

que se prediquem em relação recíproca" (SANTO AGOSTINHO,


1994, p. 290-291).
No ato de conhecer, o espírito humano gera um verbo den-
tro de si, que não se separa dele pelo fato de nascer. Analogamen-
te, Deus gera o seu Verbo sem que Ele se separe de Deus. Esse
Verbo é igual ao Pai (cf. De Trin. 15,14,23) (AGOSTINHO, 1994, p.
515-516).
Da mente, portanto, procede o verbo, e, da mente que se
conhece por meio do verbo, procede o amor. Assim também, em
Deus: do Pai procede o Filho, que é o Verbo; do Pai e do Filho pro-
cede o Espírito Santo, que é Amor.
Evidentemente, no uso dessas imagens, Agostinho é bem
consciente de que o Verbo de Deus e nosso não podem ser com-
parados. A presença da imagem de Deus na alma não elimina essa
diferença fundamental:
Uma coisa é a Trindade em si mesma, e outra a imagem da Trindade
em outra realidade [...]. Mas na suprema Trindade, incomparavel-
mente superior a todas as coisas, é tão perfeita a inseparabilidade
das três Pessoas, que enquanto nunca se diria que uma trindade
de homens possa ser chamada de um único homem, diz-se que
na Trindade divina há um Deus. Além disso, se essa imagem que
é o homem, com as suas três faculdades é uma única pessoa, não
acontece o mesmo na Trindade divina, pois aí são três as Pessoas:
o Pai do Filho, o Filho do Pai e o Espírito Santo do Pai e do Filho. É
verdade que a memória do homem oferece, à sua maneira, na ima-
gem trinitária, certa semelhança, por certo imperfeita, com o Pai,
e de qualquer forma manifesta-se nela uma similitude. E embora a
inteligência do homem, quando informada pela atenção do pensa-
mento no conteúdo da memória, diz o que sabe, produz-se o verbo
do coração. Verbo esse que não pertence a nenhuma língua, mas
que oferece, apesar de sua acentuada dessemelhança, certa seme-
lhança com o Filho. E ainda que o amor do homem, fruto de conhe-
cimento que associa a memória à inteligência, como algo comum
ao pai e à prole (o que leva a concluir que ele é distinto do que gera
e do que é gerado) esse amor também tem nesta imagem alguma
semelhança, embora muito tênue, com o Espírito Santo. Mas ape-
sar de tudo, assim como nesta imagem humana da Trindade as três
realidades não são um só homem, mas pertencem a um só homem,
assim também, na suprema Trindade, de cuja imagem é o homem,
as três realidades não pertencem a um só Deus, mas as três juntas
204 © Teologia Trinitária

são um só Deus. E ao mesmo tempo elas não são uma só pessoa,


mas três Pessoas. Com efeito, eis aí algo que é maravilhosamente
inefável e inefavelmente maravilhoso: sendo a imagem criada da
Trindade, uma única pessoa; e três Pessoas, a suprema Trindade.
Contudo essa Trindade de três Pessoas é mais inseparável do que
aquela trindade humana de uma só pessoa. Isso porque a natureza
da divindade ou, melhor, a natureza da deidade é imutavelmente
sempre igual entre si. Jamais houve tempo em que deixou de ser ou
foi de outro modo, e jamais haverá tempo em que deixará de ser ou
será de outro modo (AGOSTINHO, 1994, p. 541-542).

A dessemelhança entre a imagem e o exemplar consiste no


fato de que a memória, a inteligência e a vontade estão no homem
e são dele, mas elas não são o próprio homem.
Não se pode, porém, dizer que a Trindade esteja em Deus ou
que seja algo de Deus, uma vez que a Trindade mesma é Deus.
Há, ainda, outra diferença: o homem recorda por meio da
memória, entende por meio do intelecto, ama por meio da vonta-
de, mas, em Deus, não se pode dizer que o Pai entenda por meio
do Filho ou que ame por meio do Espírito Santo.
Essas três prerrogativas: recordar, entender e amar são pró-
prias de cada uma das Pessoas, ainda que cada uma delas as pos-
sua de maneira diversa segundo a relação própria com as outras.

Santo Tomás de Aquino


Também Santo Tomás segue esse caminho da analogia da
mente humana aberta por Agostinho.

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
Santo Tomás de Aquino (1224/1225-1274) era membro da Ordem
dos Pregadores (dominicanos). Estudou sob a direção de Alberto
Magno em Paris e em Colônia. Autor prolífico, sua obra ultrapassa
oito milhões de palavras.

Partindo dos pressupostos agostinianos, ele afirma que, nas


processões, a ação não tem um efeito exterior, mas permanece no
mesmo agente.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 205

O exemplo mais claro disto é o intelecto, cuja ação – o en-


tender – permanece naquele que entende (cf. Sth. I,27,1) (disponí-
vel em: <http://www.permanencia.org.br/sumateologica/Ia/Q27.
pdf>. Acesso em: 25 maio 2010).
Como a concepção do intelecto é a semelhança da coisa en-
tendida, assim, o Pai gera o seu Verbo, que não se separa dele e é
sua imagem perfeita.
O modo como o Verbo se origina do Pai é chamado "gera-
ção": o Pai gera seu semelhante.
Por ser uma processão ao modo do intelecto, o Filho é seme-
lhante ao Pai: a geração faz o Filho semelhante a quem o gera.
Ao contrário, a processão por via da vontade não se faz se-
gundo a semelhança, porque não há na vontade semelhança al-
guma com a coisa querida: na vontade há antes um impulso e um
movimento para algo (cf. Sth. I, 27,4) (disponível em: <http://
www.permanencia.org.br/sumateologica/Ia/Q27.pdf>. Acesso
em: 25 maio 2010).

Estudo da imagem de Deus no homem


O estudo da imagem de Deus no homem ajuda, também,
no entendimento da diferença que há entre a geração do Filho e a
processão do Espírito.
Agostinho evidencia o modo diverso de proceder, em nós, do
verbo e do amor.
O amor supõe o verbo, isto é, o conhecimento, uma vez
que "ninguém pode amar algo totalmente desconhecido" (SANTO
AGOSTINHO, 1994, p. 309).
Por isso, enquanto o verbo procede da mente, o amor procede
da mente e do verbo juntos e constitui o anelo que une os dois. "O
que é, de fato, o amor senão certa vida que une dois seres ou tende
a unir o amante e o amado?" (SANTO AGOSTINHO, 1994, p. 284).
206 © Teologia Trinitária

O Espírito é "de Deus" (cf. 1Cor 2,12), mas não é gerado,


porque, do contrário, haveria em Deus dois filhos, contra a afir-
mação explícita do Novo Testamento (cf. Jo 1,14.18; 3,16.18; 1Jo
4,9). O verbo procede como expressão ou imagem da mente; por
isso, diz-se, justamente, que é gerado pela mesma. O amor, por
sua vez, não procede como imagem da coisa conhecida, mas como
um movimento, uma tensão em direção dela. O amor, com efeito,
é um peso que atrai a alma para a coisa conhecida e amada, le-
vando à união do querer e do pensar. Assim, o amor não é gerado
pelo princípio do qual procede, porque não é imagem dele (SANTO
AGOSTINHO, 1994, p. 284).
O Espírito Santo na Trindade é Amor. Porque é Amor, proce-
de do Pai e do Filho, mas não é o Filho porque não procede como
imagem, mas como dom, comunhão, abraço.
Santo Tomás explica a unidade e a distinção que há, na alma
humana, entre os atos de entendimento e os da vontade, relacio-
nando-os às processões divinas:
Segundo a operação da vontade, encontra-se em nós outra proces-
são, isto é, a processão do amor, enquanto o amado está no aman-
te, como pela concepção do verbo a coisa dita ou entendida está
no que entende. Daí que, junto com a processão do Verbo, põe-se
em Deus outra processão, que é a processão do amor (Sth I,27,3)
(disponível em: <http://www.permanencia.org.br/sumateologica/
Ia/Q27.pdf>. Acesso em: 25 maio 2010).

Partindo disso, ele descobre uma ordem nas processões.


Como o amor procede do entendimento – uma vez que ninguém
ama o que desconhece – assim a processão do amor distingue-
se da processão do Verbo (cf. Sth I,27,3) (disponível em: <http://
www.permanencia.org.br/sumateologica/Ia/Q27.pdf>. Acesso
em: 25 maio 2010).
As processões divinas se distinguem em razão dessa ordem
de uma a respeito da outra e por causa da diversidade da seme-
lhança que se dá em cada processão:
A semelhança pertence de uma maneira ao verbo e de outra ma-
neira, ao amor. Pertence ao verbo, enquanto é certa semelhança

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 207

daquele que o gera; mas pertence ao amor não porque o amor


mesmo seja semelhança, senão enquanto a semelhança é o prin-
cípio de amar. Donde não se segue que o amor seja gerado, senão
que o que é gerado é o princípio do amor (Sth I,27,4,ad 2) (disponí-
vel em: <http://www.permanencia.org.br/sumateologica/Ia/Q27.
pdf>. Acesso em: 25 maio 2010).

Segundo Santo Tomás, a processão do Espírito Santo deve


ser vista unida à do Verbo e, ao mesmo tempo, distinta dela. Não
há, em Deus, mais processões que a do Verbo e a do Amor.

9. ANALOGIA DO AMOR INTERPESSOAL: RICARDO


DE SÃO VÍTOR
Ricardo (†1173) foi cônego regular da Abadia de São Vítor
de Paris. Combinando a antiga teologia patrística, a escolástica, a
contemplação monástica e o racionalismo de seu tempo, Ricardo
escreveu Sobre a Trindade (De Trinitate).
A novidade dessa obra reside na forma de entender o ho-
mem criado à imagem de Deus: Ricardo vê o ser humano, reflexo
de Deus na terra, não como o indivíduo que se conhece e se ama
introspectivamente; pelo contrário, o ser humano só chega a ser
imagem de Deus Trino no encontro inter-humano, quando se con-
cebe sob a forma de vida partilhada e de união comunitária.
O homem não se realiza fechado em si mesmo, mas só quan-
do se expressa e se realiza a partir do outro e com o outro. A ra-
zão disso, segundo Ricardo, está no fato de que o verdadeiro amor
só chega à sua realização perfeita quando vence todo egoísmo e
quando o amante se supera dirigindo-se a um tu e a um terceiro
com o qual possa partilhar tudo o que é e tem. Com efeito, ele
afirma, perguntando: “O que é mais glorioso, mais sublime do que
a generosidade que quer compartilhar tudo o que possui? Assim
resulta claramente que não pode haver qualquer retenção mes-
quinha naquele bem inexaurível e naquele conselho sapientíssi-
mo” (SCHNEIDER, 2001, p. 452).
208 © Teologia Trinitária

Assim, Ricardo abre caminho para outra analogia: a analogia


do amor interpessoal. Com ela, Ricardo procura explicar a razão da
pluralidade fecunda em Deus uno.
De fato, Deus é um só e nele tudo é uno e simples, não ha-
vendo mais do que um Sumo Bem (cf. RICARDO DE SÃO VITOR, De
Trinitate, II,18).
A pluralidade em Deus só ocorre por causa da perfeição da
caridade: “nada melhor, nada mais perfeito do que a caridade (...).
Como, portanto, falta a pluralidade de pessoas, não pode, absolu-
tamente, existir a caridade” (De Trinitate III,2: nihil caritate melius,
nihil caritate perfetius... Ut ergo pluralitas personarum deest, cari-
tas omnino esse non potest) (LADARIA, 1998, p. 251).
Em termos positivos: para que a caridade seja perfeita, deve
haver pluralidade de pessoas.
A caridade, porém, não está ligada, somente, à perfeição e
ao bem, mas também à felicidade e ao gozo: "como não há nada
melhor do que a caridade, assim nada é mais gozoso do que a cari-
dade” (sicut nihil caritate melius nihil caritate iucundius) (LADARIA,
1998, p. 251).
Assim, a caridade não constitui somente a perfeição, mas
também a felicidade.
Para Deus, e, consequentemente, para o ser humano, a fe-
licidade consiste em amar, em comunicar ao outro a felicidade de
amar e em ser amado por aquele a quem se ama. Ora, se Deus é a
suprema felicidade, haverá, também, pluralidade de pessoas.

INFORMAÇÃO:
A caridade perfeita e verdadeira exige e explica a pluralidade de
pessoas em Deus: o Pai é o amor-fonte, que sai de si mesmo e
comunica tudo que tem e é para o Filho em gesto de geração; o
Pai é entrega total, infinita e eterna; o Filho, por sua vez, é amor
que recebe em gesto de agradecimento a plenitude do ser divino;
ele recebe tudo e em tudo corresponde ao Pai.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 209

Assim, a comunicação gozosa da caridade é tão perfeita e


sublime que o Amado é consubstancial ao Amante.
A pluralidade de pessoas, requisito para o amor gozoso, pede
que as pessoas sejam consubstanciais: “a suma caridade exige a
igualdade das pessoas” (caritas summa exigit personarum aequa-
litatem) (LADARIA, 1998, p. 251).
Deus Pai, de fato, só pode ser o sumo amor se houver um
que seja digno desse amor, isto é, um Condigno (Condignus). Mas
essa comunidade de amor não se fecha, exclusiva e egoisticamen-
te, no Amante e no Condigno.
O amor recíproco entre os dois não se transforma em egoís-
mo a dois porque a felicidade do amor que um proporciona ao ou-
tro é partilhada com um terceiro, que é o Coamado ou o Condileto
(condilectus). Não pode haver caridade em sumo grau nem, por
conseguinte, plenitude de bondade se não se pode ou não se quer
ter um associado da dileção, para comunicar-lhe o gozo supremo
da comunhão. Aqueles que são sumamente amados e amáveis
devem reclamar um e outro, simultaneamente, um Condileto ou
Amigo compartilhado, que eles tenham em harmonia perfeita.
A prova do amor perfeito é, portanto, o desejo que o amor
participado a um seja estendido a outros (SCHNEIDER, 2001, p.
453).
O Pai quer ter um Condigno para lhe dar seu amor, para co-
municar as riquezas de sua grandeza e para recebê-lo dele. Quer,
também, um Condileto, para ter o consórcio de amor e para ter a
quem comunicar as delícias de sua caridade.
A comunhão da majestade é a causa da processão do Con-
digno; a comunhão do amor é a causa da processão do Condileto.
A perfeição da caridade, portanto, exige não somente a plu-
ralidade, mas, especialmente, a trindade de pessoas. A partir dis-
so, você poderia perguntar: Por que só três? Por que não quatro,
cinco e assim por diante?
210 © Teologia Trinitária

Ricardo desenvolve uma fenomenologia do amor para res-


ponder a essa pergunta. No amor, ele distingue:
• o amor gratuito;
• o amor devido;
• o amor devido e gratuito.
Também no Amor Eterno se dá essa distinção. Em Deus, po-
rém, há uma peculiaridade: "cada Pessoa é o mesmo que o seu
amor” (quaelibet persona... est idem quod amor suus) (LADARIA,
1998, p. 252). Por isso, não há em Deus mais do que três pessoas:
o Pai dá o ser e o amor e não os recebe, o Filho recebe e dá o ser e
o amor, o Espírito Santo só os recebe:
• o Pai é amor gratuito, que só dá;
• o Espírito Santo é amor devido, ou seja, que só recebe;
• o Filho tem tanto o amor devido do Pai quanto o amor
gratuito ao Espírito Santo.
Se houvesse mais pessoas que dessem e recebessem, produ-
zir-se-ia uma confusão entre elas, porque cada pessoa não seria o
mesmo que seu amor. Por isso, não se pode multiplicar as pessoas
divinas, pois, se assim fosse, faltaria a peculiaridade de cada pes-
soa e cada uma delas não teria um tipo de amor como característi-
ca própria e exclusiva. Assim, em Deus Amor, não pode haver mais
do que três pessoas nem pode haver menos.

10. RELAÇÕES DIVINAS


As relações em Deus derivam das processões, isto é, do fato
de que no Pai, no Filho e no Espírito Santo se dá uma ordem no
“proceder”. A geração do Filho e a espiração do Espírito determi-
nam a existência de relações em Deus.

Santo Agostinho e as relações divinas


Santo Agostinho, em sua obra De Trinitate, não utiliza, ape-
nas, o termo relatio, mas também relativum, relative, e outras ex-

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 211

pressões equivalentes como ad aliquid, ad aliud etc. Ele observa


que, na suma simplicidade do ser divino, deve-se manter a dis-
tinção entre o que se diz de Deus em si mesmo (ad se) e o que
se diz em relação a outro (ad aliquid): “Embora seja diverso ser
Pai e ser Filho, não significa ter diversa substância; porque essas
coisas não se dizem segundo a substância, mas segundo a relação
(relativum); e esse relativo não é acidente, porque não é mutável”
(SANTO AGOSTINHO, 1994, p. 197).
Pai e Filho são nomes relativos, isto é, são nomes que mos-
tram as relações que há entre os dois. De fato, quando nomeamos
o Pai, não podemos deixar de nos referir ao Filho, e vice-versa. A
paternidade e a filiação são as relações que identificam as duas
pessoas.
Em contrapartida, Pai e Filho não são nomes absolutos. Isto
significa que, mesmo se distinguindo realmente, entre eles a subs-
tância é a mesma. Veja como Agostinho explica essa distinção en-
tre o que é relativo e o que é absoluto em Deus:

O que é afinal honrar o Pai senão proclamar que ele tem um Filho?
Porque uma coisa é quando te falam de Deus enquanto Deus, ou-
tra quando te falam de Deus como Pai. Quando te falam enquan-
to Deus, indicam o criador, o onipotente, o sumo espírito, eterno,
invisível, imutável; quando te falam dele como Pai, recomendam
a ti o Filho, porque Deus não se poderia chamar de Pai se não
tivesse um Filho, nem Filho, se não tivesse um Pai (Tract. 19,6
CCL 36,191). (disponível em: <http://www.augustinus.it/italiano/
commento_vsg/index2.htm>. Acesso em: 25 maio 2010).

Para falar da relação que é própria do Espírito Santo, Agos-


tinho enfrenta maior dificuldade, uma vez que seu nome não é
relativo. De fato, o nome mais comum da terceira Pessoa parece
indicar mais o que é comum ao Pai e ao Filho do que uma proprie-
dade pessoal relativa:
O Espírito Santo é, portanto, uma espécie de inefável comunhão
entre o Pai e o Filho, e talvez seja chamado assim exatamente por-
que este nome pode convir ao Pai e ao Filho. De fato, para ele é
nome próprio o que para os outros é nome comum, porque o Pai é
212 © Teologia Trinitária

espírito, e espírito é também o Filho; o Pai é santo e santo também


o Filho. Portanto, para que uma denominação, que convém a am-
bos, indique a sua recíproca comunhão, se chama Espírito Santo o
dom de ambos. (SANTO AGOSTINHO, 1994, p. 205-206).

O caráter relativo do Espírito Santo aparece, no entanto, no


nome “Dom”, que é bíblico. O Novo Testamento, com efeito, usa
esse termo para se referir a ele: At 2,38; 8,20; 10,45; 11,17. Tam-
bém Jo 14,16 fala sobre o Espírito "dado".
No Novo Testamento, portanto, o Espírito é de Deus e é de
Cristo, e é dado pelos dois. Com esse nome fica claro que o Espíri-
to é dado pelo Pai e pelo Filho, que juntos constituem o princípio
único da terceira Pessoa (cf. SANTO AGOSTINHO, 1994).
Agostinho observa, ainda, que o Espírito Santo, já que é "Dom",
“não procede como nascido, mas como dado” (non quomodo natus,
sed quomodo datus) (SANTO AGOSTINHO, 1994, p. 209).
Em relação ao Espírito, há mais uma dificuldade que Agosti-
nho precisa enfrentar. Se Deus é imutável, as relações recíprocas
também o são: o Pai sempre foi Pai do Filho e o Filho sempre o
foi igualmente; nenhum deles recebeu ou teve de adquirir essa
condição.
No caso do Espírito, isto não é tão evidente. Se o Espírito é
dom, deveríamos nos perguntar se ele começou a existir a partir
do momento em que foi dado. Em outras palavras: como o Espírito
pôde ser chamado "dom" na eternidade, antes que houvesse uma
criação para receber o dom?
Agostinho responde a essa dificuldade distinguindo entre
“dom” (donum) e “dado” (donatum).
Assim, o Espírito pode ser “dom” desde a eternidade e antes
de ser “dado" da mesma maneira como Deus é "Senhor" antes
mesmo que houvesse a criação.
O mesmo acontece com o Espírito que é eternamente "dom",
sendo que o Pai e o Filho o dão, mas o Espírito só é "doado" quan-

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 213

do o mundo é criado: "de fato, o Espírito é eternamente dom, mas


temporalmente doado" (Nam sempiterne Spiritus donum, tempo-
raliter autem donatum) (SANTO AGOSTINHO, 1994, p. 211).
Por isso, a terceira Pessoa é coeterna às outras duas, e as
relações intratrinitárias que a ela se referem são, também, eternas
e, portanto, imutáveis.

Santo Tomás de Aquino e as relações divinas


Em relação à Teologia Trinitária, Tomás de Aquino é muito
influenciado por Agostinho. A doutrina agostiniana das relações
recebeu, com efeito, aprofundamento e mais precisão nas obras
de Tomás.
Segundo Tomás, as relações divinas são reais. Não se trata,
portanto, de simples distinções lógicas. Se há verdadeiramente um
Pai e um Filho, há, igualmente, verdadeira paternidade e filiação.
As relações não se distinguem da essência divina, uma vez
que elas não são um acidente. No entanto, as relações distin-
guem-se entre si.
Assim, as relações são reais e distintas. As duas proces-
sões imanentes dão origem a quatro relações divinas: a pater-
nidade, a filiação, a espiração ativa e a espiração passiva.
Da geração do Filho e da processão do Espírito, resultam
quatro relações:
a) a relação do Pai com o Filho: geração ativa (generare) ou
paternidade;
b) a relação do Filho com o Pai: geração passiva (generari)
ou filiação;
c) a relação do Pai e do Filho com o Espírito Santo: espira-
ção ativa (spirare);
d) a relação do Espírito Santo com o Pai e o Filho: a espira-
ção passiva (spirari).
214 © Teologia Trinitária

Três dessas relações são realmente distintas entre si: a pater-


nidade, a filiação e a espiração passiva. A espiração ativa, porém,
identifica-se com a paternidade e com a filiação e compete ao Pai
e ao Filho em comum. A espiração passiva, pelo contrário, é real-
mente distinta de ambos (KASPER, 1990, p. 318)
O ser humano é um ser de relações: são as relações que ele
estabelece com o mundo, com os outros e com Deus que determi-
nam e definem muito do que ele é.
No ser humano, porém, as relações são contingentes: pri-
meiro é necessário que ele (o ser) exista para que depois possa
entrar em relação. É o fato de ser que proporciona a possibilidade
de se relacionar. O mesmo não acontece com Deus.
Diferente do ser humano, Deus não tem relações. Pelo con-
trário, Ele próprio é diversidade de relações reais e distintas. Mais
ainda: Deus só existe nas relações: as relações divinas não são pos-
teriores ao ser de Deus; são eternas como a própria essência de
Deus. Assim, Deus não precisa existir antes de entrar em relação.
Dessa maneira entendidas, as relações explicam como a plu-
ralidade não rompe a unidade divina. De fato, as relações só se dão
no âmbito da unidade (divina), e não estão fora nem contra ela.

INFORMAÇÃO:
Em sintonia com essa reflexão, há um princípio elaborado pelo
Concílio de Florença que vale a pena reter na memória: [Em Deus]
tudo é um, exceto quando se interpõe a oposição da relação (Om-
niaque unum sunt, ubi non obviat relationis oppositio, DS 1.330).

INFORMAÇÃO:
Em Deus, trindade de pessoas e unidade de essência não se con-
tradizem.
A trindade de pessoas não faz de Deus menos “Uno”, tampouco a
unidade divina o faz menos “Trino”. A unidade divina não é atenu-
ada pelas relações distintas e reais. Pelo contrário, elas próprias
exprimem a unidade.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 215

11. PESSOAS DIVINAS


O conceito da relação divina implica a noção de pessoa, pois
as relações contrapostas em Deus são a expressão abstrata das
três pessoas divinas ou hipóstases (cf. KASPER, 1990, p. 319).
Em outros termos: se em Deus há algo que distingue, as pes-
soas são aquilo que é distinto pelas relações: a paternidade (rela-
ção) é o que distingue o Pai; a filiação é o que é próprio só do Filho;
a espiração passiva é o que é só do Espírito.
Vejamos como esse conceito evoluiu e foi debatido pela Te-
ologia Trinitária.

Boécio (480-524)
Político e teólogo, Boécio é considerado o primeiro dos es-
colásticos. Ele escreveu um opúsculo intitulado Como a Trindade
é um só Deus e não três deuses. Como pode ver, o título explica,
explicitamente, seu intento.
Nesse opúsculo, Boécio vê na noção de relação o ponto de
partida para mostrar que unidade e trindade não se contradizem
em Deus: "A substância contém a unidade, a relação multiplica a
Trindade: por isso só é afirmado individual e separadamente aqui-
lo que diz respeito à relação" (SESBOÜÉ, 2002, p. 266).
Em outra obra, Boécio elabora uma definição de pessoa que
terá grande aceitação durante toda a Idade Média: "pessoa é uma
substância individual de natureza racional” (Persona est naturae
rationalis individua substantia) (Liber de persona et duabus natu-
ris, 3, citado por SESBOÜÉ, 2002, p. 266).
Como toda boa definição, cada termo usado tem um significa-
do preciso e uma razão para sua escolha. Vamos, então, analisá-los:
• Substância individual (individua substantia): significa o
substrato individualizado do ser ou o princípio de espe-
cificação.
216 © Teologia Trinitária

a) Pessoa não é a natureza genérica ou comum, e, sim, a in-


dividualidade. Com efeito, a individualidade é aquilo que
nos diferencia de outros, aquilo que nos torna originais,
não repetíveis, em suma, "pessoais".
b) Assim, a pessoa é – como diziam os antigos – "incomuni-
cável" ou intransferível: o que é pessoal não pode ser co-
municado a outra pessoa, mesmo que a pessoa seja ela
mesma foco irradiante de comunicação com os outros.
c) Por exemplo: Maria não é Ana; João é pessoalmente
distinto de Antônio. Cada pessoa não pode ser de outra
maneira se cada uma tem que ser "pessoa". Cada uma
é autodiferenciada: só é e só pode ser idêntica a si mes-
ma.
d) Exatamente porque a pessoa só é idêntica a si mesma,
ela pode se comunicar com as outras. A identidade pes-
soal é assim, o que possibilita a comunicação interpes-
soal. A pessoa pode comunicar tudo, exceto sua própria
pessoa: esta é incomunicável, mesmo que seja o centro
de irradiação da comunicação interpessoal.
• Natureza racional (natura rationalis): indica a possibili-
dade de comunicação que é própria da pessoa.
a) Enquanto a "substância individual" indica a identidade, a
natureza racional especifica essa identidade: trata-se de
uma individualidade, radicalmente distinta dos outros e
capaz de estabelecer comunicação com eles.
b) De fato, somente os seres racionais podem intuir, ler,
desejar, amar e estabelecer unidade com as outras re-
alidades. Somente a individualidade não leva, ainda, ao
domínio do que entendemos normalmente por "pesso-
al". Só os seres racionais são "pessoas" e têm a individu-
alidade que os faz realmente originais.

Ricardo de São Vitor


Ricardo de São Vitor quis retocar a definição boeciana por-
que percebeu que a própria Trindade é "substância individual de
natureza racional" e, mesmo assim, não é uma pessoa.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 217

Além disso, o uso do termo “substância” aplicado à Trindade


poderia levar a pensar que, em Deus, há três substâncias ou essên-
cias em senso triteísta.
Para Ricardo, as pessoas distinguem-se não pela individuali-
dade, e, sim, pela ex-istência, ou seja, pelo modo de origem ou de
processão. Por isso, ele dá uma definição de "pessoa" um pouco
diferente daquela de Boécio nos termos, mas bastante diferente
no ponto de partida: pessoa é existência incomunicável de nature-
za divina (divinae naturae incommunicabilis existentia).
Com o termo "existência incomunicável", Ricardo indica tan-
to a essência (sistere) quanto a procedência (ex). Em Deus, há uni-
dade segundo o modo de ser (iuxta modum essendi), mas plurali-
dade segundo o modo de existir (iuxta modum existendi).
As pessoas divinas distinguem-se, exatamente, pelo modo de
ex-istir em relação com a procedência ou não procedência. Levan-
do em conta o modo de ex-istir, aparece a alteridade em Deus:
• O Pai não ex-iste, ou seja, não procede de ninguém; so-
mente ele ex-iste a partir de si mesmo.
• O Filho procede, ex-iste do Pai e tem outro que procede
ou ex-iste Dele.
• O Espírito procede, ex-iste do Pai e do Filho e não há al-
guém que proceda Dele.
Assim, há, em Deus, tantas pessoas quantas são as "existên-
cias incomunicáveis".
As exigências do amor são determinantes para o entendi-
mento dos modos de ex-istir. Recordemos o princípio já visto an-
teriormente: cada pessoa é o seu próprio amor. No amor, está a
alteridade em Deus.
Assim, em Deus, há coincidência entre o que é incomuni-
cável e o que é abertura aos outros: o amor é, ao mesmo tempo,
original, intransferível e o que abre a comunicação.
218 © Teologia Trinitária

O modo como cada pessoa sai de si no amor, e como se rela-


ciona com os outros, é o elemento incomunicável. Em Deus, há um
só amor que se distingue no modo como cada pessoa ama:
• O Pai comunica originariamente o amor ao Filho e ao Es-
pírito e de ninguém o recebe.
• O Filho recebe o amor do Pai e o comunica ao condileto.
• O Espírito não dá o amor ad intra, mas só o recebe.
O que distingue as Pessoas é o amor que, ao mesmo tempo,
é o que as une. Assim, unidade e trindade em Deus não se ex-
cluem; exigem-se e iluminam-se reciprocamente.

Santo Tomás de Aquino


Santo Tomás teve a vantagem de receber e o mérito de supe-
rar a definição de Boécio. Vejamos, inicialmente, como ele define
“pessoa”:
Ora, em Deus a distinção não se faz senão pelas relações de ori-
gem... Mas a relação em Deus não é um acidente que pertença a
um sujeito, mas é a própria essência divina. E, por conseguinte, é
relação subsistente, como subsistente é a essência divina. Portan-
to, como a deidade é Deus, assim a paternidade divina é Deus Pai,
que é uma pessoa divina. Assim, pois, a pessoa divina significa uma
relação subsistente (Sth. I,29,4) (disponível em: <http://www.per-
manencia.org.br/sumateologica/Ia/Q29.pdf>. Acesso em: 25 maio
2010).

Nessa citação, Tomás de Aquino fala da pessoa divina e não


da pessoa humana. Ele tem consciência de que a noção "pessoa"
não se aplica da mesma maneira a Deus e às criaturas.
Na verdade, o conceito “pessoa” aplica-se a Deus de maneira
exemplar e mais sublime e, ao ser humano, de maneira derivada,
já que, no homem, a relação não se identifica com sua natureza.
Por isso, podemos distinguir o que um homem é para outro (em
sua relação, é pai) e o que ele é em si (sua natureza de ser huma-
no). A relação no ser humano é acidental.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 219

Já em Deus a relação não é um acidente, mas subsistente,


isto é, a relação divina identifica-se com a essência divina; entre
relação subsistente e essência divina, não há distinção real, so-
mente racional: a distinção está em nossa cabeça, mas não na re-
alidade divina.
A distinção real só se dá quando uma relação se confronta
com sua relação oposta. Este é o caso das relações: paternidade
oposta à filiação, e espiração ativa (comum ao Pai e ao Filho) opos-
ta à espiração passiva.
Afirmar as relações subsistentes significa dizer, por exemplo,
que o que o Pai é para o Filho, o é em si mesmo: a relação subsis-
tente da paternidade divina é o Pai. O Pai é totalmente Pai, e só
Pai. Ele é em tudo um só com o Filho, exceto o ser Pai: o que o dis-
tingue do Filho é unicamente a relação subsistente. Assim, Tomás
supera a definição de Boécio.
Com efeito, no lugar em que Boécio falava de "substância in-
dividual", Tomás introduz a "relação subsistente", colocando, por-
tanto, acento não na individualidade e na incomunicabilidade, mas
na relação. O que individualiza a pessoa é o mesmo que a relaciona
com as outras. A pessoa, assim, não é fechamento, mas abertura
para o outro: o que a pessoa é em si mesma o é para o outro.
Evidentemente, a noção de Boécio não justifica a encapsula-
ção da pessoa, mas a definição de Tomás coloca em foco e acentua
com mais clareza a relação.
Na própria definição de pessoa divina, portanto, está pre-
sente a noção de abertura e de autodoação. Em Deus, o que dife-
rencia coincide com o que une.
Em outras palavras, as pessoas distinguem-se realmente.
Mas, enquanto entre os seres humanos a distinção nem sempre
conduz à unidade, em Deus, a distinção é o que une, pois o que
individualiza cada uma das pessoas divinas é exatamente a re-
lação subsistente. O Pai não é o Filho nem o Espírito, mas o que
220 © Teologia Trinitária

distingue o Pai do Filho e do Espírito é sua relação subsistente


que o une a Eles.

INFORMAÇÃO:
As pessoas divinas (Pai, Filho e Espírito Santo) são pessoas divi-
nas enquanto se relacionam. A relação não só distingue as pesso-
as, mas também as une; a “oposição” entre elas deve ser entendi-
da como reciprocidade. Por isso, a unidade divina não é unicidade
solitária, mas unidade da comunhão, autêntica unidade de Pesso-
as que não somente estão em relação, mas que são a sua própria
relação subsistente. Diversamente do ser humano, as Pessoas di-
vinas não precisam ser primeiro, para depois entrarem em relação.
As Pessoas só são enquanto se relacionam e se doam.

Como você pôde notar, a doutrina das pessoas e das rela-


ções de Santo Tomás não é mera especulação abstrata. Ela mostra
a maravilha da unidade de Deus, que é incompatível com a solidão.
Além disso, o mistério das relações e das pessoas divinas aponta
para maneiras corretas de entender e viver as relações humanas, o
respeito pela individualidade e a beleza da comunhão.

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
As pessoas divinas não são menos e sim infinitamente mais dia-
lógicas do que as pessoas humanas. As pessoas divinas não só
estão em diálogo, mas, sobretudo, são diálogo. O Pai é pura auto-
expressão e alocução ao Filho, sua palavra; o Filho é todo ouvidos
ao Pai e, portanto, pura realização de seu envio; e o Espírito Santo
é pura recepção, puro dom. Essas relações pessoais são recípro-
cas, mas não são intercambiáveis. O Pai é o que fala; o Filho, o
que responde ou corresponde; o Pai é, mediante o Filho e com
Ele, o que dá, e o Espírito Santo é o que recebe. O Filho, em sua
resposta, não é o que fala, nem o Espírito Santo é o doador. Daqui
não se segue que não haja um tu recíproco. A resposta obediente
e a gratuidade é também um dizer “tu”, que leva a sério a peculia-
ridade da própria e da outra pessoa. Isso significa que em Deus e
entre as pessoas divinas há – não “apesar de”, mas por causa da
sua unidade infinitamente maior – uma inter-relacionalidade e in-
terpessoalidade infinitamente maiores que nas relações interpes-
soais dos homens [...].
A afirmação de que as pessoas são relações é uma afirmação so-
bre a trindade de Deus, mas dela se segue algo decisivo sobre o
homem como imagem e semelhança de Deus. O homem não é um
“ser em si” autárquico (substância) nem um “ser para si” autônomo
individual (sujeito), e sim um ser que vem de Deus e ruma para

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 221

ele, que vem de outros homens e vai a eles; o homem somente


vive humanamente em relações eu-tu-nós. O amor aparece como
o sentido de seu ser (KASPER, 1990, p. 330).

Discussão contemporânea sobre “Pessoa”


A discussão contemporânea sobre o conceito de "pessoa" fez
notar que o termo filosófico da Idade Média evoluiu e, durante o tem-
po, começou a significar um ser que se possui a si mesmo na auto-
consciência e na liberdade.
K. Bath (†1968) foi o primeiro a notar as dificuldades que essa
evolução representava para a Teologia Trinitária. Transpor o significa-
do atual de "pessoa" para as Pessoas da Trindade pode levar a pensar
que, em Deus, há três centros de consciência, três vontades, três li-
berdades e três sujeitos capazes de se autodeterminar. São represen-
tações muito próximas do triteísmo.
K. Rahner procurou superar esse perigo dizendo que, em Deus,
se dá uma distinção consciente de três Pessoas, mas não a partir de
três subjetividades, senão que o ser consciente (pessoa) se dá em
uma só consciência (essência).
Mas é preciso ir além. Se a unidade da essência divina exclui em
Deus três autoconsciências, não por isso exclui três agentes, três "su-
jeitos". Há três sujeitos reciprocamente conscientes por meio de uma
só consciência possuída de modo diverso pelos Três.
A consciência de si (autoconsciência) é exercida pelas três Pes-
soas.
A autoconsciência é, para cada uma, a consciência de ser Deus
em comunhão com as duas outras Pessoas e a consciência de si como
distinto delas, mas na relação e na total reciprocidade interpessoal.
Cada Pessoa é consciente de seu "eu" vivendo nas outras Duas
e para elas. Cada uma é autoconsciente de si; é consciente de que é
Deus e tem consciência da divindade comunicada ou recebida. Por
isso, essa consciência existe e é exercida pelos Três na comunhão.
222 © Teologia Trinitária

12. NOÇÕES, PROPRIEDADES E APROPRIAÇÕES


Como você já estudou anteriormente, em Deus, há uma rea-
lidade estritamente comum: a essência divina.
Na suprema simplicidade de Deus, tudo é uno, exceto onde
há oposição de relação. Cada uma das relações identifica-se com
a única essência divina, mas, onde há oposição de relação, a dis-
tinção é real.
As pessoas são constituídas por essas relações opostas. Além
disso, as pessoas distinguem-se por suas propriedades.
De fato, em Deus, há propriedades não comuns, realmente dis-
tintas entre elas, que pertencem somente a uma pessoa e não a ou-
tras. Tais propriedades se dão a conhecer a nós por meio das noções.
Assim, propriedade é o que é próprio de uma pessoa, e no-
ção é o modo de conhecer a pessoa divina. Por isso, noção e pro-
priedade se identificam.
As propriedades ou noções são:
a) inascibilidade;
b) paternidade;
c) filiação;
d) espiração comum;
e) processão (espiração passiva).
A carência de origem (innascibilitas = agennesía) é proprie-
dade do Pai. Ele não pode se dar a conhecer como vindo de ou-
tro, e, sim, como aquele que é fonte e origem das outras pessoas
(paternidade). A propriedade que é só do Filho, ou a noção pela
qual Ele se faz conhecer, é a filiação. A espiração comum (ativa) é
propriedade do Pai e do Filho, enquanto que a do Espírito é a pro-
cessão (ou espiração passiva).
Na linguagem teológica, as apropriações são a aplicação de
um atributo ou de uma ação comum da Trindade a uma determi-
nada pessoa divina.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 223

A razão dessa atribuição se deve a certa afinidade que há


entre o atributo comum e a pessoa divina em questão. Alguns
atributos, que, por si mesmos, se aplicam à Trindade, na prática,
são "apropriados" a uma ou outra pessoa divina, dependendo do
modo como ela se manifesta.
Um exemplo pode esclarecer mais do que muitas definições.
No hino de louvor, é comum a assembleia litúrgica glorificar o Pai
criador, o Filho redentor e o Espírito santificador. Muito espontane-
amente, portanto, a comunidade reunida para a missa "apropria"
a criação ao Pai, a redenção ao Filho e a santificação ao Espírito.
Evidentemente, a criação é uma ação de toda a Trindade;
não somente o Pai é criador, mas também o Filho e o Espírito o
são, e, mesmo assim, há só um criador, pois as três pessoas são um
só princípio da criação (cf. DS 800; 851).
Em contrapartida, não há dúvida de que convém ao Pai ser
o princípio das criaturas, já que Ele é fonte e origem de toda a
Trindade. Na economia da salvação, apropriamos ao Pai a criação
porque, intratrinitariamente, Ele é, para o Filho e o Espírito, fonte
e origem da divindade.
A redenção é a ação de Deus que nos liberta da escravidão
do pecado e do mal. Como tal, ela é ação de toda a Trindade, que
é princípio único de salvação para a humanidade.
A linguagem litúrgica e teológica apropria, porém, a ação
redentora ao Filho, porque, pela sua encarnação, morte, ressur-
reição e envio do Espírito Santo, libertou-nos do poder do pecado
e da morte, purificou-nos da culpa, transformou nosso coração e
nos conduziu a uma nova aliança de amizade com Deus.
Também a santificação é ação comum da Trindade. Ela con-
siste na ação divina que habilita o ser humano a participar, mais
plenamente, da santidade e perfeição de Deus.
É claro, porém, que, ao Espírito Santo, se apropria a santifi-
cação, uma vez que é Ele que "abre" a vida da Santíssima Trindade
224 © Teologia Trinitária

para a humanidade. Ele o faz em sua indistinguível união com Cris-


to por meio da Igreja e introduzindo os seres humanos na comu-
nhão com o Pai.
Podemos dizer que o Espírito santifica (ou diviniza) – sem-
pre em unidade de obediência ao Pai e ao Filho – porque é nele
que Deus toca a humanidade, e esta é elevada à comunhão com a
Trindade.
A doutrina das apropriações é uma expressão coerente da
unidade e pluralidade em Deus, ou melhor, da unidade de essência
e da trindade de pessoas.
A ação econômica de Deus (ad extra) é sempre comum às
Pessoas divinas que agem não como três princípios. Mas essa uni-
cidade de ação ad extra contém, em si, mesma a distinção. O agir
salvífico que atua na economia reflete, portanto, o modo de ser
mesmo de Deus, que é Uno e Trino.
Recorramos, mais uma vez, a um exemplo para esclarecer o
princípio de que a atuação diferenciada das pessoas é um reflexo
da distinção intradivina. O cristão não somente confessa que Deus
é o Criador de tudo, e, sim, que o Pai tudo fez por meio do Verbo
no Espírito Santo.
Essa formulação trinitária expressa, em forma densa e su-
cinta, não somente a peculiaridade da fé cristã, mas, sobretudo,
a intenção profunda do Criador, o sentido e o destino último do
mundo. A fé em Deus criador implica não somente acreditar que a
Trindade cria, mas que o faz como tal.
Em vez de reservar a onipotência criadora a uma essência
divina soberana, sábia e boa, a fé trinitária não considera, isola-
damente, a unidade divina em relação à criação; pelo contrário,
sempre a aborda na ordem pessoal da Trindade.
Assim, a fé trinitária não somente coloca os Três no princípio
da criação, mas, sobretudo, explica como o ato criador, sem deixar
de ser uno, se diversifica em cada um dos Três. No ato da criação,

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 225

o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só princípio, um só Criador


e um só Senhor. A operação deles é una e idêntica devido à con-
substancialidade dos Três. No entanto, tal unidade não elimina a
ordem pessoal de cada uma das pessoas divinas: o Pai cria como
Pai, o Filho como Filho, e o Espírito como Espírito.
Em relação às criaturas, as pessoas divinas agem e são uma
só potência criadora, mas essa unidade não impede que elas real-
mente sejam distintas ao exercer e possuir o mesmo poder cria-
dor.
É preciso, portanto, reconhecer a distinção real das pessoas
divinas também no ato criador: o Pai cria mediante o Filho no Espí-
rito Santo. Dito em outras palavras: o Pai age como Poder, o Filho
como Sabedoria e o Espírito como Amor.
Eles detêm, segundo a ordem trinitária, o único agir criador
que exercem como um só, mas cada um se apropriando, diver-
samente, dele: tudo provém do Pai por meio do Filho no Espírito
Santo.
A ordem trinitária dá a cada uma das pessoas divinas uma
maneira particular de intervir na mesma operação comum, sem,
contudo, negar a unidade. A criação tem seu primeiro princípio
pessoal no Pai, ao qual é atribuída por apropriação a onipotência
criadora.
Com efeito, a Trindade inteira opera a criação, e a supera-
bundância do amor, que é a origem da criação, nada mais é do que
a superabundância da vida trinitária.
A ação comum da Trindade não é, porém, indiferenciada: do
Pai procede o impulso transcendente de partilhar com o mundo
sua plenitude em seu Filho e em seu Espírito.
Em outras palavras: o mundo existe em virtude do transborda-
mento e da efusão do diálogo de amor e da comunicação entre o Pai e
o Filho, que é o Espírito. A criação é livre e gratuitamente dinamizada
pelo Espírito para Cristo e para a configuração filial com ele.
226 © Teologia Trinitária

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
Toda a economia divina é obra comum das três pessoas divinas.
Pois da mesma forma que a Trindade não tem senão uma única
e mesma natureza, assim também não tem senão uma única e
mesma operação. “O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três
princípios das criaturas, mas um só princípio” (Concílio de Floren-
ça, DS 1331). Contudo, cada pessoa divina opera a obra comum
segundo sua propriedade pessoal. Assim a Igreja confessa, na li-
nha do Novo Testamento: “Um Deus e Pai do qual são todas as
coisas, um Senhor Jesus Cristo para quem são todas as coisas,
um Espírito Santo em quem são todas as coisas” (II Concílio de
Constantinopla, DS 421). São, sobretudo, as missões divinas da
Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo que manifestam
as propriedades das pessoas divinas.
Obra ao mesmo tempo comum e pessoal, toda a economia divina
dá a conhecer tanto a propriedade das pessoas divinas como a
sua única natureza. Outrossim, toda a vida cristã é comunhão com
cada uma das pessoas divinas, sem de modo algum separá-las.
Quem rende glória ao Pai o faz pelo Filho no Espírito Santo; quem
segue a Cristo o faz porque o Pai o atrai e o Espírito o impulsiona
(Catecismo da Igreja Católica, 1997, n. 258-259).

13. PERICHORESIS OU CIRCUMINCESSIO


Um termo teológico importante e muito valorizado ultima-
mente é o de perichoresis ou circumincessio. Essas expressões sig-
nificam a presença e interpenetração recíproca das três pessoas
divinas.
O termo pericorese foi introduzido por Gregório Magno (329-
389) e adquiriu com João Damasceno (aproximadamente 675-749)
seu pleno significado técnico.
Evidentemente, a base da doutrina da pericorese ou circu-
mincessão está no Novo Testamento (cf. Jo 10,38; 14,10s; 17,21),
que originou a ideia de uma recíproca inabitação do Pai e do Filho,
que, depois, se desdobrou incluindo, também, o Espírito Santo.
Vejamos, juntos, alguns textos antigos que nos ajudam a en-
tender o significado dessa doutrina.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 227

Hilário de Poitiers:
O que está no Pai está no Filho, o que está no não gerado está no
Unigênito [...]. Não é que os dois sejam o mesmo, mas que um está
no outro, e não há em um e no outro uma coisa distinta. O Pai está
no Filho porque o Filho nasceu dele, o Filho está no Pai porque de
nenhum outro tem o ser Filho [...]. Assim estão um no outro, por-
que como tudo é perfeito no Pai não gerado também o é no Filho
unigênito [...]. Aquele em quem está Deus é Deus. Porque Deus não
habita em uma natureza distinta e alheia a ele mesmo (POITIERS,
2005, p. 79).

Concílio de Florença:
Por causa dessa unidade o Pai está todo inteiro no Filho, todo no Es-
pírito Santo; o Filho está todo no Pai, todo no Espírito Santo; o Espí-
rito Santo está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho (DS 1.331).

Leonardo Boff escolhe a pericorese como a expressão mais


adequada da unidade trinitária, melhor, até, do que processão, ge-
ração, espiração ou causa:
Esta é a realidade primeira, a coexistência em comunhão do Pai,
do Filho e do Espírito Santo; numa linguagem mais formal, dos Três
Únicos pericoretizados, sendo um só e único Deus. Desta forma,
evitamos o risco da hierarquização subordinacionista em Deus (pri-
meiro o Pai, segundo o Filho e terceiro o Espírito Santo) ou a subor-
dinação desigual: o Pai tem tudo, não recebe de ninguém, o Filho
recebe só do Pai, e o Espírito recebe do Pai e do Filho ou só do Pai
mediante o Filho. Evitamos também o teogonismo e o modalismo
quando derivamos as Pessoas da natureza divina que seria, por mo-
dos distintos, apropriada por cada uma das Pessoas ou por uma
virtude intrínseca se desdobraria em três concreções hipostáticas
(BOFF, 1986, p. 183).

A circumincessão exprime (como as propriedades e noções,


as apropriações, as relações e as processões divinas) a unidade na
diversidade em Deus.
As pessoas divinas não estão somente em relação com as
outras (esse ad), mas também estão umas nas outras (esse in);
cada uma delas se encontra em profunda união e comunhão com
as outras duas. Manifesta-se, assim, uma dimensão fundamental
da unidade divina: que essa unidade é a da Trindade.
228 © Teologia Trinitária

O "estar em" de uma pessoa divina nas outras duas não deve
ser entendido como algo acrescentado a uma essência divina pré-
via. Pelo contrário, a inabitação recíproca constitui a própria uni-
dade divina. Não se deve, também, pensar o “estar em" em modo
estático, pois há verdadeira interação dinâmica entre as três pes-
soas: a pericorese une mantendo a distinção.
Na unidade pericorética trinitária e na unidade que se cons-
titui por meio de Jesus Cristo, a unidade e a autonomia não se
contrapõem. Quanto maior é a unidade, maior será a autonomia.
A verdadeira autonomia só pode se realizar mediante a unidade
do amor. Em Deus, a máxima unidade das pessoas coincide com
a máxima distinção delas, e não o inverso. Na unidade com Deus
fundada em Cristo, o homem não é anulado nem absorvido. Pelo
contrário, a unidade com Deus significa distinção permanente e
funda a verdadeira autonomia e liberdade do homem. A comu-
nhão pericorética da Trindade é o fundamento mais profundo e o
sentido último do mistério da pessoa humana e de sua perfeição
no amor (cf. KASPER, 1990, p. 323-324).

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
Deus é a Trindade de Pessoas entrelaçadas pelo amor e pela co-
munhão. As três são originárias desde toda a eternidade. Nenhuma
é anterior à outra. As relações são antes de participação recíproca
que de derivação hipostática; são de correlação e de comunhão
e menos de produção e processão. O que se produz e procede é
a revelação intratrinitária e interpessoal. Uma Pessoa é condição
da revelação da outra num dinamismo infinito como espelhos que
se espelham triplamente sem fim. O risco do triteísmo é evitado
pela comunhão e pela pericórese, quer dizer, pelas relações sem-
pre ternárias que originalmente vigoram entre as Pessoas. Ela é
simultânea e originária com as Pessoas. Elas são o que são por
sua essencial e intrínseca comunhão. Se assim é fica patente que
em Deus tudo é ternário, tudo é Patreque, Filioque e Spirituque. As
partículas de conjunção se aplicam absolutamente às três Pesso-
as. A partícula “e” se encontra sempre e em tudo [...]. Enfim, cada
Pessoa recebe tudo da outra e simultaneamente dá. Como são
Três Únicos, nunca, na verdade, há relações diádicas de oposição
(Pai e Filho ou Pai-Filho e Espírito Santo), mas relações ternárias
de comunicação e de comunhão. Existindo como Três eternamen-
te, também eternamente se entrelaçam e convergem na suprema
comunhão que se mostra como unidade do mesmo e único Deus

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 229

trinitário. Por sua própria dinâmica interna, as três divinas Pessoas


se efundem para fora, criando outros diferentes (criação cósmica e
humana) para que possam ser receptáculo da transfusão do amor
comunicativo e do oceano sem limites da vida trinitária (BOFF,
1986, p. 184-185).

Leitura Complementar ––––––––––––––––––––––––––––––––


A filiação adotiva e a Trindade
O Pai cria e adota o homem por meio do Filho no Espírito Santo. Como o Filho
é Deus com o Pai, distinguindo-se dele, recebendo dele o próprio ser Deus e
referindo-se a ele, por meio da geração eterna, como princípio de toda deidade,
assim, os filhos adotivos participam da natureza divina sem participar da paterni-
dade, recebendo, porém, o ser deiforme do Pai e referindo-se a ele como princí-
pio desse ser. A filiação adotiva é uma participação da filiação eterna. Enviando
seu Filho ao mundo para engendrar filhos adotivos, o Pai comunica aos homens
uma participação criada da filiação não criada. Também o Filho comunica uma
participação em sua filiação ao se tornar participante da natureza humana e ao
constituir com os homens o Cristo total, composto pelo Filho por natureza e pelos
filhos por adoção. Para que sejam adotados como filhos e para que recebam a
imagem de seu Filho, o Pai envia o Espírito de filiação aos homens de tal modo
que eles amam, filialmente, o Pai, a exemplo do Filho. Os fiéis, identificados
misticamente ao Filho feito carne, vivem do Espírito do Filho e podem com con-
fiança chamar “Pai nosso” o Pai de Cristo. Tanto na criação quanto na redenção,
a Trindade age, é verdade, como um único princípio; entretanto, na ação comum,
o Pai age como Pai, o Filho como Filho e o Espírito Santo como Espírito. A ado-
ção divina é uma ação comum da Trindade em razão da unidade de natureza;
os Três divinos, porém, não operam a adoção como três pais, mas cada um
segundo sua propriedade pessoal. O Pai é Pai nosso não somente em virtude
de uma apropriação, mas, sobretudo, em sua qualidade de Pai, que consiste em
gerar tanto o Filho eterno quanto os filhos adotivos para participar da vida divina
do Unigênito; o Filho é Irmão nosso porque nos comunica seu ser gerado pelo
Pai, fazendo-nos renascer como filhos por graça e participação e endereçando,
irrevogavelmente, nosso ser ao Pai; o Espírito Santo nos faz gritar “Pai” ao Pai
de Cristo por uma reprodução, em nós, do amor filial de Cristo. A filiação adotiva
não se explica sem uma referência à Trindade; ela é uma filiação que se constitui
por uma relação com o Pai por meio do Filho no Espírito Santo. A gênese da
graça, em nós, procede do Pai pelo Filho no Espírito Santo e a vida da graça nos
conduz do Espírito Santo pelo Filho ao Pai; a economia da salvação tem no Pai
seu princípio e seu termo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

14. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as
questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade.
230 © Teologia Trinitária

A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para


você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Imagine que você vai expor o dogma trinitário a uma
pessoa sem instrução acadêmica, mas que tem muito in-
teresse em saber como é possível haver um só Deus em
Três Pessoas. Quais seriam os temas que você escolheria
como os mais adequados para essa pessoa? Como você
explicaria esses temas para tal pessoa? Justifique suas
escolhas.
2) Imagine que você vai expor o dogma trinitário para uma
pessoa instruída e com espírito crítico. Quais seriam as
principais dificuldades que esse crítico poderia levantar
contra o dogma trinitário? Como você responderia às
suas reservas?
3) Lembre-se: para saber se realmente compreendemos
um conteúdo, é preciso averiguar se o estudo nos tor-
nou capazes de comunicá-lo a pessoas que não têm a
mesma formação e preparação que a nossa, além de an-
tecipar as dificuldades que um espírito crítico poderia
ter ao entrar em contato com o assunto exposto.

15. CONSIDERAÇÕES
Para falar da Trindade, a Teologia Trinitária recorre ao uso de
uma terminologia que a ajuda no debate interno e no diálogo com
a cultura atual sobre tal conceito.

Centro Universitário Claretiano


© Vida Interna de Deus 231

Os termos: “missões”, “processões”, “relações”, “pessoa”,


“essência”, “propriedade” e “apropriações” não esgotam o misté-
rio divino, mas nos ajudam a "pensar" a Trindade e a mostrar que,
em Deus, não há absolutamente contradição entre diversidade e
unidade: Deus não é menos uno por causa da distinção das pesso-
as; a unidade não atenua a realidade da distinção entre as pessoas
divinas.

16. EREFERÊNCIAS
AGOSTINHO, In Iohannis evangelium tractatus, Roma, Città Nuova. Disponível em:
<http://www.augustinus.it/italiano/commento_vsg/index2.htm>. Acesso em: 20 ago.
2008.
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Teologia, Cristologia, Antropologia (1981).
Disponível em: <http://www.mercaba.org/CTI/10_teologia_cristologia_antropologia.
htm>. Acesso em: 20 ago. 2008.
LEÃO XIII. Carta encíclica Divinum illud munus sobre la presencia y virtud admirable del
espíritu santo, Roma, 1897. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/
encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_09051897_divinum-illud-munus_sp.html#top>.
Acesso em: 20 ago. 2008.
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teologia. Disponível em: <http://www.permanencia.
org.br/sumateologica/Ia/Q27.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2008.
Catecismo da Igreja Católica, 1997. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/
cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html>. Acesso em: 20 ago. 2008.

17. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AGOSTINHO. A trindade. São Paulo: Paulus, 1994 (Coleção Patrística 7).
AGOSTINHO. In Iohannis evangelium tractatus. Roma: Città Nuova, 1968.
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (Coleção Os Pensadores, vol.
VI).
BINGEMER, M. – FELLER, V. Deus trindade: a vida no coração do mundo. Valencia:
Siquem, 2002.
BOFF, L. A trindade, a sociedade e a libertação. Petrópolis: Vozes, 1986.
CATECISMO Igreja Católica. Petrópolis: Vozes, 1997.
COMBLIN, J. O espírito no mundo. Petrópolis: Vozes, 1978.
DENZINGER-HÜNERMANN. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e de
moral. São Paulo: Paulinas/ Loyola, 2007.
DURRWELL, F. O pai: Deus em seu mistério. São Paulo: Paulinas, 1990.
232 © Teologia Trinitária

FEINER, J.; LÖRER, M. (Org.). Mysterium Salutis, vol. II/1. Petrópolis: Vozes, 1978.
FORTE, B. A trindade como história. Ensaio sobre o Deus cristão. São Paulo: Paulinas,
1987.
O’COLLINS & FARRUGIA. Dizionario sintético di teologia. Editrice Vaticana, 1995.
GALVÃO, A. M. A Santíssima Trindade. O mistério de três pessoas e um só Deus. São
Paulo: Ave-Maria, 2000.
GESCHÉ, A. Deus. São Paulo: Paulinas, 2004.
KANT, I. Il conflitto delle facoltà. Gênova, 1953.
KASPER, W. El Dios de Jesucristo. Salamanca: Sigueme, 1990.
KLOPPENBURG, B. Trindade. Petrópolis, Vozes, 2000.
LADARIA, L. F. El Dios vivo y verdadero. Salamanca: Secretariado Trinitario, 1998.
LEÃO XIII. Carta encíclica Divinum illud munus sobre la presencia y virtud admirable del
espíritu santo. Roma, 1897.
LIBÂNIO, J. Deus Espírito Santo. São Paulo: Paulinas, 2000.
______. Deus Pai. São Paulo: Paulinas, 2000.
MOLTMANN, J. Trindade e reino de Deus. Petrópolis: Vozes, 2000.
O’DONNELL, J. Il mistero della Trinità. Casale Monferrato: Piemme, 1989.
PASTOR, F. Semântica do mistério. São Paulo: Loyola, 1982.
PIKASA, X.; SILANES, N. Dicionário teológico o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1988.
POITIERS, H. Tratado sobre a Santíssima Trindade. Tradução de Cristina Penna de
Andrade. São Paulo: Paulus, 2005 (Coleção Patrística, n. 22).
SCHEEBEN, M. A Santíssima Trindade. São Paulo: Paulus, 1999.
SCHNEIDER, T. H. (Org.). Manual de dogmática. Petrópolis: Vozes, 2001. v. 2.
SESBOÜÉ, B. (Org.), História dos dogmas (tom. I: O Deus da salvação. A tradição, a regra
de fé e os símbolos; a economia da salvação; o desenvolvimento dos dogmas trinitários e
cristológicos). São Paulo: Loyola, 2002.
SMAIL, T. A pessoa do Espírito Santo. São Paulo: Loyola, 1998.
SPIDIK, T. Nós na trindade. Breve ensaio sobre a trindade. São Paulo: Paulinas, 2004.

Centro Universitário Claretiano


EAD
Fé Trinitária e Vida Cristã

4
1. OBJETIVOS
• Apresentar o estudo do mistério da Trindade como encon-
tro com os acontecimentos da revelação e da salvação.
• Refletir sobre a importância da fé trinitária para os cristãos e
seu valor na organização da esperança e na luta pela justiça.
• Identificar os pontos que podem e devem ser desenvolvi-
dos pela Teologia Trinitária.

2. CONTEÚDOS
• Trindade e transcendência humana.
• Trindade e a dualidade varão-mulher.
• Salvação e liberdade.
• Sofrimento de Deus.
• Comunhão divina e humana.
• Missões divinas e missão da Igreja.
234 © Teologia Trinitária

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) A reflexão teológica deve se preocupar em falar de ma-
neira significativa. Por isso, o teólogo é um cristão estu-
dioso que se deixa interpelar pelas questões atuais. Para
que você tenha uma ideia e uma primeira aproximação
dessa dimensão "apologética" da teologia, leia alguns
ensaios publicados por Moltmann, referenciados ao fi-
nal desta unidade. Os ensaios mais sugestivos são os que
falam da "Paixão de Deus" (p. 35-36); "a entrega e a exal-
tação do Filho" (p. 88-102) e "o Reino e a liberdade" (p.
197-224).

4. INTRODUÇÃO
Na unidade anterior, aprofundamos nosso estudo sobre o
mistério trinitário e sua relevância tanto para a Igreja quanto para
a sociedade contemporânea.
Nesta unidade, recolheremos, de maneira explícita, algumas
intuições sobre a Trindade, que surgiram ao longo do percurso fei-
to até agora.
Lançaremos um olhar retrospectivo, mas também prospecti-
vo, sobre as atitudes e os comportamentos concretos que o Misté-
rio Trinitário nos inspira a assumir na vida cristã e na da sociedade
humana.
As reflexões que faremos juntos servem mais para provocar
uma reflexão do que para dar respostas definitivas. Esta é, de fato,
a dinâmica da investigação teológica: quando pensamos ter chega-
do a uma conclusão, é aí que começa nosso trabalho.
Bons estudos!

5. TRINDADE E TRANSCENDÊNCIA HUMANA


A criação do mundo e do ser humano é evento verbal e diálo-
go de amor. O Pai não somente diz o mundo, Ele se diz ao mundo.

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 235

A Palavra, pela qual tudo foi feito, fez-se, ela própria, mundo.
O Logos encarnado é, em consequência, a lógica do mundo. O Pai
pensa-nos e ama-nos, paternalmente, no Filho e no Espírito, e isto
funda a existência, a razão e a liberdade humanas: “Ele pensa em
mim, por isso sou” (cogitor ergo sum).
O Pai criou o homem para ser mais do que homem. O Pai é
para o Filho e este para o Pai; o homem é criado para Deus.
A transcendência do homem – sua sede de infinito, o desejo
de conhecer o bem e não o erro, o anelo de bem e de felicidade,
sua inquietude fundamental (o coração inquieto de Santo Agosti-
nho: cor inquietum) –, tem sua condição de possibilidade no fato
de sua criação ter-se dado para isto.
Constitutivamente criado para Deus, a transcendência do
homem para além de si mesmo só se compreende no contexto do
Pai, que, em sua doação de amor, se comunica, perfeitamente, ao
Filho e ao Espírito de tal forma que eles sejam Deus como é o Pai.
O Pai cria, imprimindo no homem a marca do Unigênito que
tudo recebe, e devolve ao Pai (ele é total receptividade e entre-
ga); cria insuflando seu Espírito, que é a societas do Pai e do Filho
(amor dos dois e procedente dos dois).
A fecundidade paterna de Deus, que se manifesta e age na
criação e na história salvadora, exprime, em maneira participativa,
vocacional, livre e gratuita, a inefável paternidade eterna.
Alargando essa perspectiva trinitária para todo o cosmo, Leo-
nardo BOFF (1986, p. 283) parte do Pai como princípio da criação:
A ação própria do Pai é a criação. Ao se revelar ao Filho no Espí-
rito, o Pai projeta todos os criáveis, expressão de si, do Filho e do
Espírito Santo. Uma vez criados, todos os seres expressam o misté-
rio do Pai, possuem um caráter filial (porque eles provêm do Pai),
fraternal-sororal (porque são criados no Filho) e "espiritual" (quer
dizer cheios de sentido, de dinamismo, porque foram criados na
força do Espírito Santo).
236 © Teologia Trinitária

A natureza humana não se constitui como uma realidade


independente, fechada e perfeita diante da graça. Pelo contrário,
ela é uma estrutura com um peso específico, orientada, dinamica-
mente, para além de si mesma, para uma plenitude que ela não
pode se proporcionar, mas que deve ser recebida.
Quando a criatura se distancia da fonte da vida e da luz, ela
decai de sua condição. Ela só pode subsistir e alcançar seu verda-
deiro destino mediante a graça da criação e da salvação.
A salvação do homem pressupõe sua criação por um Pai que
o constitui não somente como um sujeito moral responsável e, por
isso, sujeito ao julgamento, mas também como uma criatura que
pode esperar e receber o dom do perdão e da redenção.
Além disso, a fé na Trindade-Comunhão não é somente um
apelo para os indivíduos, mas provoca nos cristãos uma atitude de
sadia insatisfação em relação à sociedade atual.
A fé na Trindade não se reduz a uma mensagem sociorrevo-
lucionária. É mais do que isto! Ela tem uma dimensão não somente
"informativa", mas, sobretudo, "performativa": a Comunhão divi-
na do céu (a Sociedade adorável de Três distintos em admirável
unidade) entra, misteriosa e realmente, a fazer parte de nossa so-
ciedade terrena.
É o que Bento 16 mostra, magistralmente, em sua Encícli-
ca Spe Salvi: "a sociedade presente é reconhecida pelos cristãos
como uma sociedade imprópria: eles pertencem a uma sociedade
nova, rumo à qual estão a caminho e que, em sua peregrinação, é
antecipada" (BENTO XVI, Carta Encíclica sobre a esperança cristã
"Spe salvi", 2007, p. 4.)
Não há como falar de Deus (teologia) sem falar do ser huma-
no (antropologia). O ser humano foi criado para ser mais do que
simples homem. Sem Deus, ele permanece um ser contraditório
para si mesmo. Ele só encontra repouso para a sua inquietude fun-
damental na pátria da Trindade.

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 237

PARA VOCÊ REFLETIR:


Que imagem de ser humano você tem depois de ter estudado esta
disciplina? Nossas reflexões provocaram em você alguma mu-
dança no conhecimento que tinha de Deus e do homem? Quais
são as consequências mais importantes desse estudo para o re-
lacionamento com o outro? Quais experiências você pode indicar
como sinais da antecipação da pátria trinitária para a qual cami-
nhamos?

6. PAI/MÃE, HOMEM E MULHER


A atualidade e a importância do tema da relação homem-
mulher dispensam apresentação e justificativa.
No mundo atual, as relações homem-mulher passam por
transformações importantes e têm necessidade de um processo
"terapêutico" trinitário, que consiste em afirmar não a divisão, a
separação, mas o encontro, a acolhida e a doação recíproca.
Homem e mulher não são complementares, mas duas ple-
nitudes. Plenitude que consiste em ser, cada um, imagem e seme-
lhança de Deus não na separação, mas no encontro.
À luz da distinção e unidade da Trindade, a distinção dos se-
xos perde seu caráter de divisão.
A humanidade, como masculino e feminino, foi criada à ima-
gem e semelhança do Deus tri-uno. O masculino e o feminino en-
contram sua última razão de ser no mistério da comunhão trinitá-
ria. “Embora a Trindade seja transexual, podemos falar em forma
masculina e feminina das divinas pessoas” (BOFF, 1986, p. 283).

PARA VOCÊ REFLETIR:


A questão da relação homem/mulher suscita outra: podemos cha-
mar Deus de Mãe? Deus é homem ou mulher?
238 © Teologia Trinitária

Mesmo que não seja esta a questão a ser respondida pelo


Catecismo da Igreja Católica (239), encontramos um texto escla-
recedor:
Ao designar a Deus com o nome de "Pai", a linguagem da fé indica
principalmente dois aspectos: que Deus é origem primeira de tudo
e autoridade transcendente, e que ao mesmo tempo é bondade e
solicitude de amor para todos os seus filhos. Essa ternura paterna
de Deus pode também ser expressa pela imagem da maternidade,
que indica mais a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e
a sua criatura. A linguagem da fé inspira-se assim na experiência
humana dos pais (genitores), que são de certo modo os primeiros
representantes de Deus para os homens. Mas essa experiência hu-
mana ensina também que os pais humanos são falíveis e que po-
dem desfigurar o rosto da paternidade e da maternidade. Convém
então lembrar que Deus transcende a distinção humana dos sexos.
Ele não é nem homem nem mulher, é Deus. Transcende também a
paternidade e a maternidade humanas, embora seja a sua origem
e medida: ninguém é pai como Deus o é.

É errada a tendência de remeter o ser humano, em sua


distinção de sexos, a Deus. A paternidade maternal de Deus
supera e transcende a dualidade sexual. Não podemos, assim,
projetar em Deus a dualidade sexual, que é própria da natureza
humana. A Trindade, de gênero gramatical feminino, não é nem
masculina nem feminina, mas compreende as perfeições do ho-
mem e da mulher.
Na linguagem da fé, é preciso levar em conta que o gênero
gramatical nem sempre corresponde ao sexo real. Um exemplo:
Igreja tem gênero gramatical feminino, mas a realidade não é nem
masculina nem feminina.

PARA VOCÊ REFLETIR:


Que intuições emergem da consideração da relação de Deus
Trindade com a mulher e que podem iluminar e orientar a relação
homem-mulher? Como o conhecimento e a experiência da pericó-
rese divina podem ajudar a superar o machismo, a discriminação
do sexo oposto, a divisão dos sexos? Como as diferenças entre
homem e mulher podem levar ao encontro e à reciprocidade?

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 239

7. DIVINIZAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO E FILIAÇÃO


O Pai não abandona o homem em seu pecado e envia o Filho
e o Espírito ao mundo. Toda a economia da criação e da salvação é
animada e sustentada pela iniciativa paterna voltada a fazer viver
e recuperar o pecador para adotá-lo como filho.
A mais alta revelação do Pai se dá quando Ele ama e perdoa,
e a mais plena expressão da nossa filiação se dá quando nos com-
portamos da mesma maneira em relação aos irmãos.
Na relação única do Pai e do Filho, os homens são inseridos
por pura graça. Os homens receberam o poder de se tornar filhos
de Deus (cf. Jo 1,12), exatamente porque Jesus é o Filho por natu-
reza.
O Verbo encarnado é o Primogênito de muitos irmãos (cf. Ef
1,3-14; Cl 1,15-20). Na filiação adotiva, a criação recebe uma luz
nova a partir do desígnio originário da predestinação de todos a se
tornar filhos no Filho.
Ao adotar os homens como filhos e coerdeiros, o Pai não age
com ciúme. Ao adotar o ser humano como filho, Deus o diviniza:
"Eis, portanto, para o que Deus nos chama: a não sermos mais
homens" (AGOSTINHO, 1968, p. 5). A infinita distância ontológica
entre Deus e a criatura é superada pela graciosa condescendência
da Trindade.
Há uma correspondência entre as missões econômicas e a
deificação do homem. Pelo fato da encarnação ser − pela ação do
Espírito, na pessoa do Verbo − a união definitiva de uma humani-
dade integral com a natureza divina sem confusão nem absorção,
a divinização do ser humano se dará em senso trinitário.
O ser humano não deixa de ser homem ao ser liberto do
pecado e tornado participante da natureza divina. Ele se torna es-
piritual e filho do Pai, no Filho, pelo dom do Espírito. Ele se torna
filho adotivo do Pai, filho no Filho, e filho pelo dom do Espírito.
240 © Teologia Trinitária

Como a encarnação é união e não diminuição, deve-se, en-


tão, falar de crescimento e de verdadeira humanização quando se
trata da divinização do homem.
Uma vez que o pecado é o que de mais desumano e antidi-
vino possa acontecer ao homem, a divinização não é diminuição;
pelo contrário, é a elevação da natureza humana realizada pelo Pai
que enviou o Filho e o Espírito ao mundo.
A unidade entre Pai e Filho converte-se mediante o Espírito
dos dois, no fundamento da unidade dos crentes e em sinal pro-
fético e antecipação escatológica para a Igreja, que se descobre
como corpo unido à sua cabeça, e para o mundo, que se vê coloca-
do diante de uma interpelação radical e decisiva.
Dessa maneira, o reconhecimento de que o Pai não enviou
seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para salvá-lo, implica
uma nova concepção do próprio mundo e uma compreensão arti-
culada das relações entre Igreja-Mundo-Reino.
Ao criar e ao salvar, Deus revela sua paternidade universal,
elegendo e predestinando. Parece uma contradição insuperável
afirmar que o Pai seja Pai de todos os que criou e salvou e que,
em sua predestinação, tenha eleito os que deviam ser como o seu
Filho Unigênito.
Trata-se, realmente, de um paradoxo que só pode ser su-
perado, não anulado, quando se reconhece que a paternidade de
Deus é paternidade de amor.
A paternidade revelada pelo Filho e corroborada pelo Espí-
rito, enviados ao mundo, é paternidade oferecida e que, por isso,
reclama a aceitação do homem criado como um ser livre.
Entre ordem de criação e de salvação, não há contradição,
uma vez que ambas são colocadas por Deus.
A revelação de Deus Pai põe o mundo diante de uma opção
dramática: aceitar na fé o Enviado e receber o poder de se tornar
filho de Deus ou rejeitá-lo.!

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 241

A possibilidade do pecado e sua gravidade é a afirmação pa-


radoxal de uma paternidade que não anula a liberdade humana. A
amorosa predestinação paterna, que elege os cristãos no Filho a ser
membros de seu corpo, é a condição de possibilidade para a realiza-
ção das “obras maiores” do que as realizadas pelo Filho (cf. Jo 14,12).

PARA VOCÊ REFLETIR:


A liberdade é um dos maiores anseios da humanidade. Em relação
a esses anseios, o que há entre liberdade e Trindade? O outro é
um limite e um obstáculo para minha liberdade pessoal? Como a
comunhão trinitária pode iluminar a contradição que, muitas vezes,
se estabelece entre diversas liberdades? Pode a Trindade ser es-
paço de liberdade para o ser humano?

Assim, a revelação de Deus que é (não se torna) Pai tem


como consequência a necessidade da conversão para se tornar fi-
lho do Pai por meio do Filho no Espírito.

INFORMAÇÃO:
O conhecimento do mistério do Pai atinge sua profundidade salví-
fica na inserção do homem, por participação, nas relações eternas
com o Filho e o Espírito.

8. SOFRIMENTO DE DEUS
A imutabilidade e impassibilidade divinas não significam, ab-
solutamente, indiferença ao que acontece com os homens. Deus
Trino, na cruz de Cristo, é modelo de toda compaixão.
A paternidade mostra-se em toda sua claridade na miseri-
córdia, manifesta-se em sua plenitude na paixão e na morte de seu
amado Filho. Assim, a presença nova e definitiva de Deus com e
nos homens é, também, presença de despojamento (kénosis).
O sofrimento do Filho é sofrimento do Verbo que se fez car-
ne. Tendo assumido uma carne passível, os sofrimentos humanos
são transfigurados no sofrimento do Filho.
242 © Teologia Trinitária

Em Cristo, o Pai ama com amor de Pai os membros sofredo-


res porque estes não são somente cristãos, mas o próprio Cristo.
Nessa “comunicação de idiomas” entre cabeça e membros,
está o senso profundo e radical do compromisso do Pai com a hu-
manidade.
O Pai compadece-se dos sofredores e não é indiferente, por-
que seus padecimentos foram feitos e são os de seu Filho.
A encarnação é a vinculação absolutamente irrevogável do
Filho eterno com a humanidade. Na paixão, o envio por parte do
Pai se revela como entrega (cf. Jo 3,16) e autoentrega do Filho, já
que sua missão salvífica lhe é confiada pelo Pai. Sua glorificação
pelo Pai é a eternização da união hipostática nas relações com o
Pai e o Espírito.
Uma vez que a humanidade de Cristo não é absorvida pela
glorificação da forma de servo (forma servi), a relação Pai-Filho,
agora, é uma relação com o encarnado e, por isso, com o “Cristo
total” (totus Christus).
Sobre isso, é interessante o que escreveu H. U. Von Balthasar
(1988, p. 35):
É uma ilusão de ótica do homem que "filosofa" supor que o sofri-
mento acontece "aqui em baixo", e "lá em cima" está observando
um Deus beato que não toma parte. Todos os punhos fechados
dos homens voltados contra o céu apontam na direção falsa. O so-
fredor, que grita em agonia, está em Deus. Ele está nele porque
o mundo inteiro, assim como é, com todo o seu sangue e todas
as sua lágrimas, está em Cristo e, dito mais exatamente, no Cristo
crucificado foi pensado e criado. "Nele nós, segundo o beneplácito
de Deus, nos tornamos filhos, pois nele temos, mediante o seu san-
gue, a redenção, a remissão dos pecados" (Ef 1,5-7).

PARA VOCÊ REFLETIR:


A morte e o abandono de Cristo na cruz é um evento trinitário
que critica, radicalmente, nossas representações de Deus diante
do sofrimento humano. Baseado nessa afirmação, reflita: de que
maneira a kenose (esvaziamento) da cruz pode ajudar a superar
o sofrimento humano? Qual é a boa-nova para os sofredores que
brota do mistério pascal? Quais atitudes concretas são inspiradas
pela entrega do Pai, da autoentrega de Cristo e da “entrega do
Espírito” na cruz?

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 243

9. ESSÊNCIA, RELAÇÃO E INABITAÇÃO


Reconhecer que Deus é Pai significa reconhecer, igualmente,
que o supremo e o último não é a essência ou substância, mas a
relação: significa entender o ser a partir não da substância que
subsiste em si mesma, mas do amor que se comunica.
O Pai é o que envia e a origem não originada, a fonte pura e
a efusão pura. O Filho recebe do Pai a vida, a glória, o poder, e não
recebe para monopolizar nem se apega ciosamente para desfru-
tar, mas recebe para devolver e entregar. Nesse dar e entregar, o
Espírito é o próprio dom que o Pai dá ao Filho que o entrega. Ele é
o puro dom dos dois.
A comunhão perfeita na única essência de Deus inclui dife-
renças no modo de possuir essa mesma essência. Deus é amor e o
Pai possui o amor como origem e fonte que se comunica ao Filho.
O Filho o recebe para entregar. O Filho é a entrega pura. O Espírito
Santo possui o amor como alegria da comunhão pura do amante e
do amado unidos entre si.
Crer em Deus Pai significa crer que Ele é para o Filho e para
o Espírito. O Pai é fonte e origem da divindade para as duas outras
pessoas exatamente porque possui a divindade na perfeita comu-
nicação.
Tudo o que é o Pai, ele o é na doação sem reservas para o
Filho e para o Espírito. Na fonte e origem da divindade, o possuir
coincide com o doar. Quanto mais perfeita é a posse, mais radical
e altruísta é a doação.
Ora, tudo o que é o Pai, ele o comunica ao Filho e ao Espírito:
o Pai comunica seu amor que é posse e doação. Por isso, comuni-
ca-se totalmente, suscitando a mesma autocomunicação integral
do Filho e do Espírito.
Se é assim, a Teologia Trinitária não tem por que contrapor
igualdade e comunhão das pessoas à monarquia paterna. Igualda-
244 © Teologia Trinitária

de e comunhão não são corretivos da monarquia; pelo contrário,


existem fundadas sobre ela.

INFORMAÇÃO:
Monarquia paterna significa que o Pai é a única origem e fonte do
Filho e do Espírito Santo. Alguns teólogos atuais, entre eles L. Boff,
acham que essa concepção não faz justiça a plena igualdade das
pessoas divinas: o Pai detém tudo, o Filho e o Espírito só recebem
do Pai. Isto leva, também, a ameaçar a comunhão das pessoas,
uma vez que a comunhão só pode se dar entre iguais. Mas bem
entendida, a monarquia paterna não ameaça nem a igualdade das
pessoas divinas tampouco a comunhão entre elas. Já que o Pai dá
tudo, o Filho recebe tudo e o Espírito é espirado pelos dois, não
há por que contrapor igualdade e comunhão das pessoas divinas
à monarquia paterna.

Expressão e fruto do “ser para” é a mútua inabitação das


pessoas, ou o estar no, testemunhada pelo evangelho de João (cf.
Jo 10,38; 14,10-11; 17,21-23). O estar em relação ao outro conduz
ao estar presente no outro.
Assim, missão não significa separação. Ao enviar, o Pai não
se separa do Filho e, em consequência de uma relação criada na
glorificação, este não se separa dos fiéis.
De fato, a economia da criação e da salvação é a gratuita
abertura de Deus para o mundo e para a humanidade. Essa mes-
ma economia da criação e da salvação funda a substancialidade e
história intramundanas e realiza uma nova maneira da Trindade:
Deus se fazer presente nos fiéis.
Como a relação e a inabitação mútua dos Três pressupõe a
distinção real deles, a nova relação e inabitação dos Três não viola
a natureza criada nem a liberdade do homem.
Por isso, o estar presente nos homens inclui que estes este-
jam presentes em Deus como fruto de opção livre.
A inabitação é, com efeito, encontro de dois amores que li-
vremente se dão e leva a termo a aspiração mais genuína e a mais
sublime vocação da criatura feita à imagem e semelhança de Deus.

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 245

Com efeito, Bento XVI confirma que a unidade com Deus não viola
nem destrói nada:
Na verdade, existe uma unificação do homem com Deus – sonho
originário do homem –, mas esta unificação não é confundir-se, um
afundar no oceano anônimo do Divino; é unidade que cria amor, na
qual ambos – Deus e o homem – permanecem eles mesmos, mas
tornando-se plenamente uma só coisa (BENTO XVI, Carta Encíclica
"Deus é amor", 2005, p. 10.)

Os Três divinos manifestam-se e habitam, inseparavelmente,


nos fiéis porque inseparável é a ação deles. Assim, a manifestação
interior deles parte do amor e termina num amor ainda mais per-
feito: inicia com a presença da majestade divina, que preenche o
universo e se conclui na inabitação, possibilitando e ativando um
olhar espiritual de fé capaz de contemplar os autores divinos da
salvação.
A comunhão e a inabitação trinitária não são confusão nem
perda da identidade das pessoas. Pelo fato de ser comunhão de
pessoas em si mesma (ad intra), a pericórese divina é o fundamen-
to transcendente da inabitação da Trindade no justo (ad extra).
Além disso, Leonardo Boff afirma que a pericorese inspira atitudes
e comportamentos para o indivíduo, para a Igreja, para os pobres
e a sociedade:
Da pericórese-comunhão das três divinas pessoas se derivam im-
pulsos de libertação para cada pessoa humana, para a sociedade,
para a Igreja e para os pobres, num duplo sentido, crítico e cons-
trutivo. A pessoa humana é convidada a superar todos os mecanis-
mos de egoísmo e a viver sua vocação de comunhão. A sociedade
ofende a Trindade ao se organizar sobre a desigualdade e a honra
quanto mais propiciar participação e comunhão de todos, gerando
assim justiça e igualdade a todos. A Igreja é tanto mais sacramento
da comunhão trinitária quanto mais supera as desigualdades en-
tre os cristãos e os vários serviços e quanto mais entende e vive
a unidade com co-existência da diversidade. Os pobres rejeitam
seu empobrecimento como pecado contra a comunhão trinitária
e veem no inter-relacionamento dos divinos diferentes o modelo
de uma sociedade humana que se assenta sobre a colaboração
de todos, em pé de igualdade, a partir das diferenças de cada um,
gerando uma formação social fraterna, aberta, justa e igualitária
(BOFF, 1986, p. 283).
246 © Teologia Trinitária

PARA VOCÊ REFLETIR:


Como você descreveria as atitudes e os comportamentos que se
enraízam na pericórese divina e que deveriam ser vividos na eco-
nomia, na educação, na política, na vida familiar, no trabalho, na
ecologia, na comunicação social e na vida cristã?

10. MISSÃO DIVINA E MISSÃO DA IGREJA


A teologia da missão centrou-se, preferencialmente, sobre o
ser humano. De fato, a missão está relacionada com a salvação do
homem, o anúncio do Evangelho e a vida nova por meio da fé e do
batismo. No entanto, esta não é a única perspectiva possível para
a teologia da missão. Além do destinatário, a teologia da missão
deve levar em conta, sobretudo, a origem e o fim.
A missão da Igreja funda-se nas missões do Filho e do Espíri-
to, que são como a ampliação no mundo do que é próprio do Filho
e do Espírito.
Ao se fazer presentes no mundo e em um modo novo, o
Filho e o Espírito inserem no homem a vida trinitária não somente
como um dom extrínseco, mas como algo constitutivo do ser hu-
mano.
Essa participação no ser pessoal do Filho e do Espírito é,
também, o mistério da Igreja, na qual as pessoas divinas prolon-
gam nos membros a vida que o Filho recebe do Pai e que o Espírito
recebe de ambos.
A missão da Igreja perpetua no tempo e na história as mis-
sões econômicas. Assim, a missão da Igreja só é possível na condi-
ção de serviço à missão do Filho e do Espírito.
Não há fundamentação mais forte e profunda na missão da
Igreja do que essa humilde dependência. Igualmente, nada há de
mais fecundo e dinâmico do que essa raiz da vocação missionária
da Igreja.

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 247

Toda a Igreja é missionária. Ela é enviada para proclamar que


Deus não enviou seu Filho ao mundo para julgá-lo, mas para salvá-
lo por meio dele (cf. Jo 3,17), ou seja, para participar da vida do
Filho e tenha Deus por Pai.
Os cristãos não podem viver, somente, para si mesmos, como
se sua única preocupação fosse a própria salvação. Os laços de ca-
ridade que unem os cristãos entre si fazem que a salvação não seja
um assunto privado, mas que dependa, também, da salvação dos
outros.
Assim, o zelo pela casa de Deus significa responsabilidade
pela salvação alheia, dever de correção fraterna e esforço contí-
nuo de ganhar outros para Cristo.
O cristão tem zelo pela casa de Deus da qual ele próprio é
membro: "De fato, nenhuma casa é tanto tua quanto a casa onde
obténs a salvação eterna" (SANTO AGOSTINHO, 1968, 10,9).
O termo último, a meta suprema da missão da Igreja, é o
mesmo das missões econômicas. Ver o Pai é o que basta. Do amor
do Pai, é gerado o Filho e é espirado o Espírito. Do excesso de amor
da Trindade, é criado tudo o que existe.
Ora, tal transbordamento não cessa com o pecado, mas re-
vela, mais uma vez, o excesso do amor paterno com o envio do
Filho e do Espírito. Eles difundem no mundo a mesma vida que
recebem e doam na vida intratrinitária, possibilitando, assim, ao
gênero humano participar da vida pela visão do Pai.
A essência da missão da Igreja coincide, portanto, com sua
origem e seu próprio fim: a Igreja vem de Deus, é de Deus e deve
retornar a Deus.
No Documento de Aparecida, encontramos muitas passa-
gens que evidenciam essa compreensão que a Igreja da América
Latina e do Caribe têm de sua missão evangelizadora radicada nas
missões salvíficas:
248 © Teologia Trinitária

O mistério da Trindade é a fonte, o modelo e a meta do mistério da


Igreja: “um povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espíri-
to”, chamado em Cristo “como sacramento ou sinal e instrumento
da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano”. A
comunhão dos fiéis e das Igrejas locais do Povo de Deus se sustenta
na comunhão com a Trindade (155).
Todos os batizados e batizadas somos chamados a viver e a trans-
mitir a comunhão com a Trindade, pois a evangelização é um cha-
mado à participação da comunhão trinitária (157).
A Igreja, como comunidade de amor, é chamada a refletir a glória do
amor de Deus, que é comunhão, e assim atrair as pessoas e os povos
para Cristo. A Igreja cresce, não por proselitismo, mas por "atração":
como Cristo 'atrai tudo para si' com a força do seu amor (159).
No povo de Deus, a comunhão e missão estão profundamente
unidas entre si. A comunhão é missionária e a missão é para a
comunhão (163).

O Documento de Aparecida é feliz em não confundir dois ter-


mos: comunhão e comunidade. Esse segundo designa um agrupa-
mento bem determinado de pessoas, fundado sobre a partilha da
fé em Cristo morto e ressuscitado, enquanto o primeiro significa a
condição de graça pela qual os homens se tornam interiormente
ligados a Cristo.
Mesmo não confundindo essas duas realidades (Deus-Koi-
nonia e Igreja-Comunidade), há, entre elas, profunda relação. Na
transmissão da fé, ocorre um tipo de círculo virtuoso: de um lado,
comunicar e propagar a fé produz o materializar-se da comunhão
(pericórese/koinonia) na comunidade e, de outro lado, traz consi-
go a exigência de a fé ser levada avante por uma comunidade.
A comunicação/propagação da fé é um chamado para entrar
na comunhão (koinonia) divina. A comunhão que a Igreja vive e
experimenta com alegria é toda e totalmente derivada de outra,
mais misteriosa e sublime: a comunhão das pessoas em Deus.

PARA VOCÊ REFLETIR:


Que impulsos missionários surgem da reflexão e contemplação
de Deus-Koinonia e das missões salvíficas do Filho e do Espírito?
Que mudança de paradigma missionário inspira a comunhão trini-
tária? Como a pericórese trinitária pode inspirar o ecumenismo e o
diálogo inter-religioso?

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 249

11. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Nesta unidade, nas seções "Para você refletir", foram fei-
tas muitas perguntas que permanecem abertas no deba-
te teológico. Mesmo que você seja iniciante em Teologia,
procure participar do debate atual e tente responder às
questões feitas.

12. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegamos ao final da disciplina Teologia Trinitária, mas não do
assunto, muito menos de nossa peregrinação à pátria da Trindade.
Ao concluir esse percurso pedagógico, será um sinal alenta-
dor saber que você continua tendo perguntas e vontade de conti-
nuar a estudar. Significa que o método pedagógico foi acertado e,
especialmente, que seu esforço e coragem foram fecundos.
Na pesquisa científica, quanto mais sabemos, mais reconhe-
cemos nossa ignorância. Em relação a Deus, a teologia fala de uma
"douta ignorância" que não põe fim à investigação; pelo contrário,
a impulsiona sempre mais.
250 © Teologia Trinitária

Antes de continuar, é conveniente um momento de silêncio:


silêncio que tanto precede quanto se segue à pesquisa teológica.
De fato, o teólogo deve falar de Deus, mas deve, também, silenciar
e orar:
Quaeramus inveniendum,
quaeramus inventum.
Ut inveniendus quaeratur, occultus est;
ut inventus quaeratur, immensus est.
Unde alibi dicitur: Quaerite faciem eius semper (Ps 104,4).
Satiat enim quaerentem in quantum capit;
et invenientem capaciorem facit
ut rursus quaerat impleri,
ubi plus capere coeperit.
Busquemo-lo para encontrá-lo,
busquemo-lo depois de tê-lo encontrado.
Para encontrá-lo, seja buscado porque é oculto;
depois de encontrá-lo, seja buscado porque é imenso.
Por isso se diz: buscai sempre sua face! (Sl 104,4).
Ele sacia quem o procura na medida em que compreende
e aumenta a capacidade de quem o encontra,
a fim de que procure ainda mais ser cumulado
com sua capacidade de compreender aumentada (AGOSTINHO,
1968, 63,1).

13. EREFERÊNCIAS
AGOSTINHO. In Iohannis evangelium tractatus: Disponível em: <http://www.augustinus.
it/italiano/commento_vsg/index2.htm>. Acesso em: 20 ago. 2008.
CATECISMO da Igreja Católica. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/
cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html>. Acesso em: 20 maio. 2010.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AGOSTINHO, In Iohannis evangelium tractatus, Roma: Città Nuova, 1968.
BALTHASAR, H. U. Dio e la sofferenza. Casale Monferrato: Piemme, 1988.
BENTO XVI, Carta Encíclica "Deus é amor". São Paulo: Paulus e Loyola, 2005.
BENTO XVI, Carta Encíclica sobre a esperança cristã "Spe salvi". São Paulo: Paulus e
Loyola, 2007.

Centro Universitário Claretiano


© Fé Trinitária e Vida Cristã 251

BINGEMER, M.; FELLER, V. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. Valência: Siquem,
2002.
BOFF, L. A Trindade, a sociedade e a libertação. Petrópolis: Vozes, 1986.
BOFF, L. O Pai-nosso. A oração da libertação integral. Petrópolis: Vozes, 1980.
CODA, P. O evento pascal. Trindade e história. São Paulo: Cidade Nova, 1987.
COMBLIN, J. O Espírito no mundo. Petrópolis: Vozes, 1978.
CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida. Texto conclusivo
da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. Brasília - São Paulo:
Ed. CNBB – Paulina – Paulus, 2007.
MOLTMANN, Trindade e Reino de Deus, Petrópolis: Vozes, 2000.
QUEIRUGA, A. T. Creio em Deus Pai. O Deus de Jesus como afirmação plena do humano.
São Paulo: Paulinas, 1993.

Você também pode gostar