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ESBOÇO DE DOUTRINA CRISTÃ

SEÇÃO I – DEUS: SUA REVELAÇÃO, SUA NATUREZA E SUA ATUAÇÃO


1 – A REVELAÇÃO DE DEUS
2 – A NATUREZA DE DEUS
3 – A ATUAÇÃO DE DEUS

SEÇÃO II – O HOMEM: EM SEU ESTADO ORIGINAL E NO ESTADO DE PECADO


1 – O HOMEM EM SEU ESTADO ORIGINAL
2 – O HOMEM NO ESTADO DE PECADO

SEÇÃO III – O REDENTOR E A REDENÇÃO


1 – A NECESSIDADE E A POSSIBILIDADE DA REDENÇÃO
2 – O REDENTOR: << DEUS EM CRISTO, RECONCILIANDO CONSIGO O MUNDO >> 2 CO 5:19
3 – TRES FUNÇÕES DO REDENTOR

SEÇÃO IV – EXPERIÊNCIA DA SALVAÇÃO PESSOAL

SEÇÃO V – A VIDA COLETIVA DOS REMIDOS


– CREIO

SEÇÃO VI – O PORVIR
1 – A SEGUNDA VINDA DE CRISTO
2 – ALGUMAS CONCLUSÕES E QUESTÕES

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SEÇÃO I

DEUS: SUA REVELAÇÃO, SUA NATUREZA E SUA ATUAÇÃO

I – A REVELAÇÃO DE DEUS

a) A NECESSIDADE DA REVELAÇÃO DE DEUS


Será possível ao homem, finito e limitado como é em sua capacidade e em seu
entendimento, compreender a grandeza do Deus infinito?
Por si mesmo, é evidente que não. A não ser que Deus se revele ao homem, este não
pode conhece-lo.

b) AS FORMAS DA REVELAÇÃO DE DEUS


Chega-se, porém, à conclusão de que Deus se revelou a suas criaturas.
i) Deus se revela através de suas Obras na Natureza
Estudar a respeito: Sl 19:1-2; Is 40; Rm 1:19-20; 2:14-15
Algumas verdades contidas nas religiões pagãs derivam-se dessa fonte de
revelação. Outras provêm da consciência, a <<lei gravada nos corações>>. ( Rm
2:14-15).
É, contudo, insuficiente. Se revela a grandeza, a sabedoria e o poder de Deus, nada
diz do interesse que Ele tem no homem pecador nem se este pode se salvar.

ii) Deus se revela através da História


Particularmente na história da nação israelita. Esse povo acreditava que
Deus, a quem conhecia pelo nome de Javé ou Jeová, agia na sua vida individual e
nacional (Sl 78); que lhe falava por meio de profetas (1 Sm 3; Is 6; Os 1; Am 7:1-17),
revelando-lhes que Seu caráter era de justiça e amor(Is 6:3; Am 5:6-27; Dt 7:8; Jr
31:3; Os 11:1); que Israel era Seu povo escolhido(Dt 7:7-26; Jr 7:23; 13:11) e que
dele Deus reclamava não só o culto, como também a justiça e o amor em sua vida
social e nacional (Am 5:21-24; Is 1:27; Mq 6:8). Esse Deus era Senhor da criação (Is
40; 42:5; Am 5:8) e Rei moral da história (Dt 28; Jz 2; Am 5:14). Haveria, um dia, de
julgar o mundo e estabelecer um reino de justiça. Seu propósito final para os
homens era, portanto, a salvação e, para esse fim, escolhera Israel para seu servo,
o qual deveria levar a todos os homens à religião verdadeira. Como, porém, Israel
estava prejudicado pelo seu pecado, para executar a tarefa, Deus prometera
levantar, futuramente, um Libertador, chamado ora de Rei, na sucessão de Davi, ora
de Servo do Senhor (Is 2:1-4; 9:1-7;11:1-9;42:1-9; 49:1-6; 50:4-9; 52:13-53:12; Jr
31:31-40; 33:14-16; Ez 34:37).
Esta revelação já é mais explícita e informativa do caráter pessoal de Deus,
do que a revelação através da Natureza. Contudo, é também incompleta, e só
compreendemo-la plenamente à luz da terceira forma de revelação usada por Deus:
a vida e obra de Jesus Cristo.

iii) Deus se revela na pessoa de Cristo (Jo 5:19-47)


A vinda de Jesus Cristo foi a manifestação suprema e o pleno cumprimento
da Revelação que Deus começara a fazer de Sua Pessoa na vida de Israel. Jesus
afirmou explicitamente que Ele era Aquele de quem os profetas falavam (Mt 5:17; Lc
24:44). Referia-se a Si mesmo como o Filho de Deus (Mt 11:25-27 e atribuía às
Suas próprias palavras a autoridade de Deus (Mc 2:1-12; 13:31; 14:62).
Além de Suas palavras, o caráter e as ações de Cristo deviam ser
consideradas manifestações de Deus aos homens. Disso eram sinais, Seus
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milagres e Suas obras poderosas (Lc 12:54-56; Jo 3:2; 14:11). Toda sua vida
demonstra o amor que caracteriza a Deus( Mc 2:17; 10:21,45; Lc 19:1-10; Jo 3:16);
Sua morte coroou Sua vida de abnegação em favor dos homens (Mc 14:22-2) e Sua
ressureição e ascensão declaram que Deus se agradara da obra de Seu Filho e O
tinha exaltado (At 3:14-26; Rm 1:14). Seus discípulos passaram o restante de suas
vidas anunciando-o como Aquele que verdadeiramente revelava Deus aos homens
e lhes restabelecia a relação adequada com Ele. As provas impressionantes de Sua
influência nas vidas humanas, a partir de então, são outras tantas confirmações de
Sua pretensão de revelar Deus aos homens.
Essa revelação, na qual Deus se fez homem na pessoa de Seu Filho Jesus
Cristo, é uma revelação pessoal, perfeita e que não se repete. No sentido mais
completo, Jesus é a Palavra de Deus aos homens (Jo 1:1-18; Hb 1:1,2). É evidente,
portanto, que ninguém pode conhecer a Deus, senão por Jesus Cristo (Jo 1:18; Mt
11:27).

iv) Deus se revela por meio da Bíblia


Se a suprema revelação de Deus é Jesus, surge o problema; como então
pode Deus revelar-se a nós, que vivemos quase dois milênios depois de Cristo? Não
estando Jesus visivelmente entre nós, ficamos privados da possibilidade de alcançar
a plena revelação de Deus?
A resposta a essas perguntas é que existe ainda outra forma de revelação. E
que o Espírito de Deus capacitou homens a darem testemunho escrito da revelação
que receberam, de modo a poderem interpretá-la e transmiti-la às gerações
posteriores. Assim, podemos chegar ao conhecimento da revelação de Deus na
Natureza, na História e em Jesus Cristo, através do registro que dela temos em
mãos, na Bíblia, e pelo qual Deus fala hoje aos homens.
Desse modo Jesus Cristo se revela ainda aos homens. Ele não é uma extinta
Figura do passado, mas o Filho vivo de Deus, de maneira que os cristãos que Vivem
em eras posteriores à Sua crucificação podem afirmar que o conhecem e têm
comunhão com Ele.
Uma vez que é a Bíblia meio pelo qual seguramente Deus se revela hoje aos
homens, devemos examinar com algum cuidado seu caráter, sua suficiência e a
confiança que merece como revelação de Deus (2 Tm 3:15).

Os Dois Testamentos
O Antigo ou Velho Testamento é o registro da primeira grande etapa da revelação:
os tratos de Deus com a nação israelita. Esboça a história de Israel, de modo a salientar
suas feições significativas, do ponto de vista de Deus. Preserva dizeres e escritos de
homens a quem Deus se manifestou. Os diversos livros que compõem essa biblioteca de
trinta e nove volumes foram escritos e coligidos através de muitos séculos. Até o tempo de
Jesus, Os judeus chegaram a aceitar e destacar esses livros como revelação autêntica de
Deus.
A lgreja Cristã seguiu o exemplo de seu Mestre, ao tomar as Escrituras sagradas
dos judeus como seus próprios documentos abalizados (Lc 24:27,44). Destacou também,
da grande quantidade de material que foi aparecendo, seus próprios livros sacros
distintivos. Formou-se assim o cânon do Novo Testamento, composto de vinte e sete livros,
escritos pelos apóstolos e seus companheiros, os quais registram a vida e os ensinos de
Jesus e a história da Igreja primitiva. E reconhecido, neste cânon, a revelação completa da
pessoa e Obra de Deus em Jesus Cristo Seu Filho Único. Os livros foram incluídos no
cânon do Novo Testamento porque os cristãos reconheciam neles o cunho da autoridade
pela inspiração divina. Assim, não é exato afirmar-se que a Igreja conferiu autoridade aos

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livros; ela simplesmente reconheceu a autoridade que os livros em si possuíam e
demonstravam.

A Inspiração Divina da Bíblia


Há duas razões por que a Bíblia pode revelar Deus aos homens. A primeira é que a Bíblia
é o registro de Seus atos de revelação na história de Israel e no ministério de Jesus Cristo (Jo
20:30-31). A segunda razão é que Deus é, em última análise, o Autor do Livro, de modo que, pela
Bíblia, Ele pode falar aos homens. Podemos dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus expressa em
forma escrita. E, portanto, um livro divino-humano: humano, porque, escrito por homens,
manifesta sentimentos e pensamentos humanos, às vezes em desacordo com os de Deus (ver,
por exemplo, os discursos dos amigos de Jó); divino, porque é obra de homens a quem a Palavra
de Deus foi revelada. Isso se deu naturalmente de modos diversos: ora os escritores
simplesmente registravam fatos históricos; ora registravam as mensagens que profetas e
apóstolos recebiam de Deus; ora refletiam intimamente sobre coisas de Deus e Este usava seus
pensamentos para levar sua mensagem aos homens; ora eram guiados por Deus a escrever
palavras revestidas de sentido mais profundo do que eles próprios sabiam (1 Pe 1:10-12; cf Dn
8:15; 12:8-12).
Assim a Bíblia, obra de autores humanos, é contudo inspiração divina e isso num sentido
mais elevado do que o que se dá ao fazer referência a outras obras que se costumam dizer
inspiradas. É-lhe aplicado em 2 Tm 3:16 um adjetivo que significa «insuflado por Deus» (cf. Gn
2:7); seus escritores são chamados «homens impelidos (ou 'carregados') pelo Espírito Santo» (2
Pe 1:20-21; cf Ap 19:9; 22:6; 2 Sm 23:2).
A aceitação da Bíblia como Palavra de Deus não é matéria de prova científica e sim de fé.
Isto não quer dizer que tomamos atitude irracional ou sem fundamento. Antes, nossa atitude se
baseia no testemunho de Jesus, a respeito do Antigo Testamento (ver Mt 4:4; 5:17-18; 19:4-5;
21:13; 22:29-32; 23:35; 25:31; Mc 12:10; 14:49; Lc 4:16-21; 10:26; 17:26; 18:31; 22:37; 24:25-27,
44-46; Jo 10:34-36; etc., etc.) e no testemunho da própria Bíblia, sobre sua natureza (ver Is 38:5;
43:1, etc.; Mc 1:1-2; Lc 1:1-4; Jo 20:31; At 1:1; 1 Co 14:37). E uma atitude que vemos confirmada
em nossa própria experiência, porque na Bíblia ouvimos e sentimos Deus falar-nos. De certo
modo, podemos compará-la a nossa aceitação de Jesus Cristo como Filho de Deus, a qual não
depende, em última análise, de provas humanas de Sua divindade, e sim, de um ato de fé.
Semelhante ato de fé, todavia, não nos livra da responsabilidade de examinarmos os
argumentos que sejam apresentados contra nossa fé. E o que vamos fazer.

Objeções à Doutrina da Inspiração da Bíblia


Primeira objeção: Afirma-se que declarações escritas ou palavras podem ser usadas para
nos informar de atos de revelação, mas não podem constituir a revelação, porque esta (afirma-se)
ocorre somente através de fatos ou pessoas, podendo, assim, a Bíblia ser um livro a respeito da
revelação, não sendo ela mesma uma revelação de Deus.
Esse argumento ignora que um dos principais meios pelos quais as pessoas se revelam
umas às outras é a conversação, ou seja, as palavras. Deus, que é uma Pessoa, não se limitou
ao emprego de ocorrências para revelar-se a nós: utilizou também palavras que punha nos lábios
de Seus profetas (ex.: Dt 4:1-5; 2 Sm 23:2; Jr 1:9). Ao revelar-se na Pessoa de Jesus, de novo
Deus fez uso de palavras: os escritores dos Evangelhos interessam-se tanto pelo que Jesus disse
como pelo que fez e, segundo João, afirmavam que Suas palavras eram as palavras ou palavra
de Deus (Jo 7:16-18, 8:38, 14:24; 17:8,14) Outrossim. foi pela pregação que a primitiva Igreja
confrontava os homens com Jesus. Não há, portanto, razão de se negar que uma das maneiras
pelas quais Deus se revela aos homens é por palavras (cf 1 Co 2:13).
Segunda objeção: Alega-se às vezes que, de acordo com o modo de entender delineado
acima, os escritores humanos da Bíblia nada mais eram do que instrumentos passivos, uma

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espécie de máquina de escrever, usados por Deus para registrar o que Ele queria. A alegação
equivaleria tanto quanto ao se dizer que Jesus, ao falar, agia como um gravador de fita divino. A
verdade é que a palavra de Deus veio aos escritores bíblicos de diferentes modos, porém,
geralmente, através do exercício normal das faculdades da mente e da razão que Deus lhes deu,
e nunca como ditafones ou simples gravadores humanos. Sem dúvida se trata de um paradoxo,
uma vez que assim consideramos a Bíblia, simultaneamente, um livro humano e um livro divino;
porém é paradoxo idêntico à crença de que Jesus era perfeito homem e, ao mesmo tempo, o
Filho de Deus. Na verdade, podemos legitimamente empregar essa analogia para nos ajudar a
entender a natureza da Bíblia, uma vez que não caiamos na bibliolatria, que é o erro de encarar a
Bíblia como espécie de encarnação do Espírito Santo, tendo um valor mecânico, mesmo sem
compreensão da sua mensagem. Isto levaria alguém a venerá-la como um ídolo.
Terceira objeção: Pergunta-se se é acertado dizer que toda a Bíblia é inspirada ou que
Deus fala igualmente através de todas as suas partes. A esse respeito, é importante lembrarmos
que a lgreja adotou e separou um cânon da Escritura. Fazendo-o, negou expressamente a
inspiração de muitos outros livros que tratavam da história de Israel e da lgreja primitiva e,
igualmente, afirmou expressamente que os livros aceitos eram inspirados por Deus. A experiência
cristã tem confirmado que de fato Deus se revela aos homens através de toda a Bíblia, ainda que
faça com maior nitidez em certas partes (João, por exemplo) do que em outras (como
Eclesiastes) que são, por assim dizer, periféricas em relação à suprema revelação em Jesus
Cristo. Cremos que Deus inspirou alguém a registrar palavras de homens que estavam
enganados, como a exemplo dos consoladores de Jó, cujos argumentos o próprio Deus refutou.
Não é que o Evangelho de João seja «mais inspirado» do que Eclesiastes; antes, é que, naquele,
Deus estava concedendo a João a mais suprema e plena revelação de Deus, ao passo que, em
Eclesiastes, fornecia o registro das últimas tentativas humanas para conseguir a felicidade
debaixo do sol.».
Outrossim, mesmo que algumas partes da Bíblia pareçam não trazer mensagem de Deus
para nós, em nossa situação atual, é muito possível que tenham falado, ou que ainda venham a
falar, a outras pessoas em situações diferentes. Basta lembrarmos, por exemplo, como o livro do
Apocalipse tem revivido, vez após vez, por para cristãos que sofriam a perseguição. Devemos
lembrar também que a própria Bíblia não nos autoriza a dividi-la em partes mas, antes, a
considerá-la um todo orgânico, tendo cada livro um papel a desempenhar na obra total.

A Bíblia, Registro Merecedor de Confiança


Os cristãos têm sustentado tradicionalmente que a Bíblia, na qualidade de livro inspirado
por Deus, é uma revelação de Deus absolutamente fidedigna. Essa afirmativa baseia-se na
atitude de Jesus para como Antigo Testamento e no testemunho da Bíblia a Seu próprio respeito
(Mt 5:17-18; Mc 7:1-13; 12:35-37; Jo 5:39-47;: 10:34-36; 1 Co 14:37-38; Ef 3:3), sendo corolário
da crença de que a Bíblia é inspirada por Deus. Tal como a crença na inspiração, portanto, a
crença na fidedignidade da Bíblia é matéria de fé e não de provas, porém é uma crença que pode
ser defendida pelos métodos normais do estudo histórico.
É verdade que muitas vezes nos afirmam que tal, crença deixou de ser sustentável no dia
de hoje e que não podemos mais afirmar a fidedignidade da Bíblia por causa dos muitos erros e
contradições que (segundo afirmam) ela contém. Devemos, pois, esclarecer os seguintes pontos
referentes a nossa convicção.
Primeiramente, sustentamos que a Bíblia é uma revelação, plena e merecedora de crédito,
de Deus. Não tem a pretensão de ser uma, enciclopédia infalível de informações sobre todos os
assuntos e, por isso, não nos fornece a resposta a todas as perguntas que podemos fazer a
respeito do mundo a nosso redor.
Segundo, a Bíblia é escrita na linguagem do povo e não com a terminologia e exatidão
científicas do nosso século. De fato, seria tolice esperar que o fosse, e se, por algum milagre, isso

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fosse conseguido, o livro se tornaria incompreensível para a maioria de nós, para todos os que
nos precederam e, dentro de pouco tempo, se tornaria arcaica.
Terceiro, a Bíblia registra uma revelação progressiva de Deus através de muitos séculos e
a povos vários. Não devemos, portanto, tomar suas afirmações isoladamente, mas considerá-las
à luz do todo. Não podemos basear nossas crenças em versículos isolados, destacados de seu
contexto.
Quarto, é inegável que a moderna ciência da arqueologia muito tem feito no sentido de
confirmar a exatidão da história registrada na Bíblia; muito raramente, e em assuntos de pequena
importância, põe um ponto de interrogação ao lado do registro bíblico. Uma vez que a Bíblia
registra uma revelação que se deu através da história, podemos sentir satisfação em saber que o
esboço histórico apresentado na Bíblia é capaz de tanta confirmação arqueológica.
Quinto, muitos problemas, que se alegam existir na Bíblia, devem-se à nossa falta de saber
interpretá-la corretamente. Às vezes procuramos, por exemplo, informações literais em
passagens que devem ser tomadas como poéticas. Através de uma compreensão integral da
Bíblia, podemos descobrir que muitas discrepâncias desaparecem ou são de somenos
importância, no que se refere à verdade da Bíblia, vista como um todo.
Levadas em conta essas considerações, ver-se-á que não carece tanto, de base, quanto
muita gente hoje pensa, a crença na fidedignidade ou (de acordo com termo tradicional)
infalibilidade da Bíblia. Há, é claro, dificuldades em torno dessa crença, como as há em torno da
crença no amor de Deus em um universo onde são tão comuns o mal e a dor; mas podemos
muito bem, duvidar que essas dificuldades sejam suficientes para derribar uma doutrina que a
própria Bíblia atesta.

A Interpretação da Bíblia (2 Pe 3:15-18)


A convicção de que a Bíblia merece absoluta confiança como revelação de Deus não
garante, necessariamente, a compreensão exata dessa revelação por parte de quem a lê.
Devemos lembrar, por exemplo, que nem tudo o que está na Bíblia, conforme já dissemos, é para
ser tomado ao pé da letra. Não só alguns livros como os Salmos e o Apocalipse são escritos em
linguagem poética ou simbólica, como algumas parábolas, por exemplo, devem ser consideradas
ficção com o propósito de ensinar. E necessário que usemos de cautela e humildade para evitar a
presunção de que só a nossa interpretação de determinada passagem, ou a de nosso
comentarista ou expositor predileto, é a única admissível. Devemos valer-nos de todos os
recursos que possuímos, inclusive da mais escrupulosa honestidade intelectual e também dos
frutos do discernimento de homens piedosos e eruditos.
As próprias Escrituras contêm material e princípios orientadores para determinação de seu
sentido. O Novo Testamento, ao citar e aplicar o Antigo, serve-lhe de comentário inspirado e
autorizado, como também demonstra princípios de interpretação (2 Pe 1:20).

A Suficiência da Bíblia (Sl 119:89-104; Lc 16:29,31)


Faz parte integrante da fé evangélica a convicção de que a Igreja nada pode acrescentar à
Bíblia e de que todas as suas doutrinas devem ser testadas pela sua fidelidade às Escrituras.
Embora valendo-nos da erudição dos expositores, nem por isso devemos aceitar deles, ou de
quem quer que seja, qualquer opinião que esteja em conflito com o sentido claro da própria Bíblia
- pois cremos que esta nunca se contradiz.
Em última análise, devemos depender da unção do mesmo Espírito de Deus que inspirou
os escritores (Jo 16:13; 1 Co 2:10-14: 1 Jo 2:27). Para tanto, havemos de «permanecer nele», a
fim de sabermos o que é que nos diz a nós o Deus que «falou aos profetas». Ver também Jo
6:63; 2 Co 3:6.

2 - A NATUREZA DE DEUS

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a) A Existência de Deus
A Bíblia presume que Deus existe (Gn 1:1), e não trata de prová-lo a não ser pela sua
atuação. Faz alusão à insensatez de quem ignora a existência de Deus (Sl 14:1; 53:1). Ver
contudo: Js 3:10; SI 53:1; 90; Is 40:12-26; Jr 10:10-16; Dn 6:26; Jo 4:24; At 17:28; Rm 1:19; 1 Ts
1:9; Hb 11:6.
Fora da Bíblia, há várias linhas de argumento pela existência de Deus, das quais podemos
mencionar as seguintes:
i) Um dos argumentos mais antigos é o chamado cosmológico, porque, contemplando
o cosmos ou universo visível, conclui que o universo não pode ser auto-existente.
Todos os fatos e fenômenos que conhecemos têm sua causa, e se o mundo, da
mesma forma, for dependente, há-de ter sua origem em alguma causa ou algum ser
independente; um Ser autodeterminado é uma necessidade do pensamento.

ii) O argumento chamado teleológico afirma que o homem pensante não pode deixar e
ver, na ordem da Natureza, um plano coordenado, visando a algum propósito, o que
subentende a existência de uma Inteligência criadora. O desenho dá a entender a
existência de um Desenhista.

iii) Há o argumento que podemos chamar de racional, porque leva a sério a autoridade
da razão humana e a convicção inexpugnável de que este mundo é racional. A
própria Ciência só é possivel porque a Natureza corresponde ao que dela pensamos
e nosso pensamento corresponde a Natureza. A Ciência é obrigada a aceitar como
axioma a autoridade da razão; mas evidentemente a razão não pode provar sua
própria autoridade; por isso, não podemos deixar de acreditar que o sistema que
assim corresponde à razão é obra da Razão infinita e universal que dirige o
desenvolvimento da matéria, sendo transcendente e criadora.

iv) O argumento moral parte do senso de obrigação moral que distingue o homem dos
mais inteligentes animais irracionais. É mero sofisma afirmar-se que o bem e o mal
não têm base na ordem eterna das cousas e que tais noções não passam de
«convenção social», pois os estudos antropológicos demonstram que as criaturas
mais primitivas reconheciam o mal da perfídia, da devassidão, do homicídio. Se
ideias morais não podem existir sem o pensamento, um ideal moral absoluto só
pode existir em um Pensamento, que é fonte e sustentáculo de toda a excelência
moral, de toda a realidade.

v) O argumento ontológico salienta que a própria idéia de Deus não nos seria possível
se Deus não existisse. O pensamento humano indica sempre a existência de algo
além de si; não se compreende a mente do homem a não ser que todo o processo
criador que fez nascer essa mente seja dirigido por uma Mente. De qualquer outro
ponto de vista seria impossível confiar no poder da mente para conhecer a verdade.

vi) O argumento humano baseia-se nas experiências e fatos religiosos que, embora
muito diversos, fazem parte integrante da história da humanidade. A história
humana fornece aquela experiência religiosa básica que torna compreensível as
revelações sucessivas que Deus tem feito de Si mesmo e sem a qual a revelação
em Jesus Cristo não seria possível. O valor desses argumentos está no seu
testemunho conjunto da existência de Deus, porém não nos dizem quem é Deus.
Isso jamais poderíamos saber, se o próprio Deus não se tivesse aquela revelado.

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b) Os Nomes Divinos na Bíblia

Este é um estudo vastíssimo, do qual podemos indicar que apenas suas linhas mestras.
Devemos ter sempre em mente a classificação geral dos nomes de Deus e notar que sempre há
uma razão para o uso de um ou de outro dos nomes. Cada nome é indicativo do caráter de Deus
ou do princípio em que se baseia a mensagem. Classificação:

i) Nomes Gerais
El (singular) ocorre umas 250 vezes. O conceito básico que encerra é o de Força. Traz
ainda a idéia de Primeira Causa, como em Gn 14:18-22. Pode-se traduzir por Deus
Altíssimo. E ligado, geralmente, a um dos atributos divinos, como Deus misericordioso
(Dt 4:31), Deus zeloso (Ex 20:5), etc..
Esse uso do hebraico dá várias combinações como: El Elyon (Gn 14, acima); El Olam,
Deus eterno (Gn 21:33); El Shadai, Deus todo-poderoso (Gn 17:1; Ex 6:3).
As formas singulares Elvah e Elah são usadas referindo-se a Deus como Objeto do
culto.
Elohim (plural) ocorre mais de 2.000 vezes e sugere o Deus da Criação, da
Providência e também Supremo Governador. Traz consigo a noção da trindade do
Deus Uno (Gn 1:26; 3:22), ou então seria o plural de majestade.

ii) O Nome de Deus no Pacto com Israel: JHVH.


A forma Jeová resulta do emprego pelos judeus na antiguidade das vogais de Adonai
(Senhor) com a palavra YHVH do hebraico antigo, em que não se escreviam vogais. A
forma mais provavelmente correta é Jahveh (Javé ou Yavé), mas nem assim certeza de
que represente a pronúncia primitiva, israelita, por medo de incorrer na condenação de
Ex 20:7, evitava tão sistematicamente proferir o sacratíssimo Nome, que a pronúncia se
perdeu. Origem e sentido: ver Ex 3:14-15. Ocorre cerca de 7.000 vezes no Antigo
Testamento e significa: Aquele que existe por si só. Na velha a Versão Brasileira da
Bíblia é transcrito por Jeovah; na maior parte das versões é traduzido por Senhor (que
normalmente traduz Adonai), sendo que na Almeida Atualizada e distinguido por meio
de versaletes (maiúsculas menores).

iii) Nomes Especiais


Vários desses são compostos do nome Jeová ou Javé com substantivos ou formas
verbais, como: Javé-jiré (o Senhor proverá - Gn 22:14); Javé-nissi (o Senhor é minha
Bandeira - Ex 17:15); Javé-tsidkenu (o Senhor, justiça nossa - Jr 23:6; 33:16).
Outras formas do nome divino são: Jah (ocorre 49 vezes); Adon (singular - 30 vezes) e
Adonai (plural cerca de 280 vezes). As duas últimas melhor se traduzem por Soberano
Senhor ou Possuidor. Ver por exemplo Gn 15:2,8; Ex 22:17.

iv) No Novo Testamento


Theos corresponde simplesmente a nosso vocábulo Deus. Kurios, Senhor, substitui
Adonai, e Jeová é aplicado também a Cristo em citações do Antigo Testamento. Pater,
Pai, tem muitas vezes caráter individual, referindo-se a Deus como Pai dos crentes em
Cristo, porém, algumas vezes, o designa como Criador de todos (1 Co 8:6; Ef 3:14; Hb
12:9; Tg 1:17) e outras vezes como primeira Pessoa da Trindade (Jo 14:11: 17:1).

c) A Natureza Essencial de Deus


Embora constitua mistério inescrutável, a natureza e o caráter de Deus (Jó 11:7; 37:23; Sl
145:3; Is 40:28; Rm 11:33), o fato de Sua auto-revelação (ver Seção I) anima-nos a tentar uma
descrição em palavras humanas daquilo que dele podemos saber. Teremos de trazer sempre na

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lembrança que essas palavras são inadequadas para exprimirem plenamente a maravilha do
caráter de Deus. Podemos considerá-las como analogias ou metáforas que nos ajudam a
compreendê-Lo. Contudo, podemos empregar, com alguma confiança, essas analogias que
descrevem Deus em termos humanos, porque o homem é uma criatura feita à. imagem e
semelhança de Deus (Gn 1:26; 6:6-7; Dt 29:20; 2 Cr 16:9; Jr 15:6).

i) Deus é Amor (1 Jo 4:8,16) - Amor que é absolutamente altruísta, Amor que alcança os
inimigos mais detestáveis, Amor que busca exclusivamente o maior bem de todos os
homens. O amor de Deus se revela supremamente na morte de Jesus Cristo, Seu filho
unigênito, pelos pecadores (Jo 3:16).

ii) Deus é Luz (Is 60:19; Tg 1:17; 1 Jo 1:5). Luz, na Bíblia, simboliza santidade, perfeição,
justiça, verdade, conhecimento e salvação (Sl 27:1; MI 4:2; Jo 3:19; 8:12; 2 Co 6:14; Ef
5:8; Ap 22:5). A santidade é o aspecto moral do amor de Deus.
iii) Deus é Espírito (Jo 4:24; 2 Com 3:17) conceito de difícil alcance para nós. Apresenta a
existência divina como sendo basicamente diversa da nossa existência humana e
corporal (Is 31:3). Por isso a Bíblia se opõe tenazmente à idolatria e a qualquer
tentativa de se fazerem representações materiais de Deus (Ex 20:4-6). Nossos modos
normais, físicos e materiais, de pensar, fracassam quando os aplicamos a Deus.
<<Espirito>> dá também a entender que a existência de Deus é verdadeira e real, livre
das limitações e da corrupção que se prendem à existência corporal.

iv) Sua Infinidade e Eternidade. Deus não é sujeito a limitações a não ser pela sua
própria natureza: Amor sem limite, é Santidade sem limite, é Atividade sem limite (Ex
15:11; Jó 11:7-10; Sl 145:3; 147:5). Ao que podemos entender, o conhecer o passado
ou o futuro é igual para Deus, ao conhecimento do presente; Ele não é limitado pelo
passado nem pelo futuro (Jo 8:58; 2 Pe 3:8; Hb 13:8).

v) Sua Transcendência e Onipresença (Imanência). Somente o Cristianismo reúne


esses dois conceitos de Deus: Sua absoluta auto-existência, independente de Suas
criaturas; contudo, Sua proximidade, Sua presença em todos e em tudo, pois nele
subsistem todas as cousas. Paulo, no Areópago, proclamou a ambas: «0 Deus que fez
o mundo... Senhor do céu e da terra.. não é servido por mãos humanas como se de
alguma cousa precisasse»; contudo «não está longe de cada um de nós, pois nele
vivemos e nos movemos e existimos» (At 17:24-25, 27-28).
Precisamos distinguir cuidadosamente entre os dois conceitos e ao mesmo tempo tê-
los em equilíbrio, pois a falta desse equilíbrio é que tem produzido heresias sobre a
natureza de Deus. A ênfase exclusiva sobre um ou outro se vê no agnosticismo (que
destaca o mistério inescrutável que é Deus); no deísmo (que dá tanta ênfase à sua
transcendência, a ponto de tirar-lhe o controle do Universo que criou); no panteísmo
(que identifica Deus com Sua própria criação, pela ênfase que dá à Sua imanência).
Somente o Cristianismo da Bíblia integral reúne os diversos aspectos da verdade de
Deus em um todo harmonioso, ainda que inescrutável.

vi) Sua Personalidade e Liberdade. Os elementos de personalidade - mente, emoções,


vontade, liberdade - são atribuídos a Deus. É como Espírito que Ele é pessoal, sem as
noções limitadoras que se prendem a nosso conceito da pessoa humana. Em Ef 1:11
vemos Deus como a absoluta e livre Causa Pessal que exerce a soberania sobre toda
a existência.

9
vii) Sua Imutabilidade e Eternidade. Ver Dt 33:27: Sl 90:2; 102:26-27; MI 3:6; 1 Tm 1:17;
Tg 1:17. Deus não é limitado pelo tempo nem pelo espaço. Seus atributos são
constantes e permanentes. Contrastar-se com o amor humano, e sua emoção instável.

viii) Manifestações de Deus. A Bíblia revela um Deus que se manifesta de várias


maneiras. Ele é o Soberano Criador, Preservador do Universo (Hb 1:1) e o Supremo
Controlador da história humana.

d) Outras Perfeições Divinas


i) Perfeito Conhecimento (Onisciência). Deus tudo sabe e tudo conhece: cousas
passadas, presentes e futuras; aquilo que de fato existe e aquilo que é apenas possível
existir ou Ocorrer. Ver 1 Rs 8:29; Sl 139:1-16; Is 46:10; Ez 11:5; At 15:18; Jo 21: 17; Hb
4:13.

ii) Perfeita Sabedoria. É o atributo de Deus que se manifesta na escolha de fins dignos e
dos melhores meios para a realização desses objetivos. O objetivo final, a que Deus
tudo subordina, é sua própria glória (Rm 11:33; 1 Co 2:7; Ef 1:6,12,14; Cl 1:16).

iii) Perfeita Santidade, Justiça, Veracidade e Fidelidade. São as perfeições divinas que
se manifestam pelo fato de ser Deus luz. Deus é santo, no sentido de Sua absoluta
distinção de todas as Suas criaturas e da Sua exaltação sobre elas em infinita
majestade (Ex 15:11; Is 57:15). É santo também no sentido da perfeição moral, da
isenção completa de impureza moral ou pecado. Na presença desse Deus, o homem
tem a consciência profunda de seu próprio pecado (Jó 34:10; Is 6:5; Hb 1:13). Em
virtude de Sua justiça, Deus mantém o governo moral do mundo e impõe ao homem
uma lei justa, galardoando a obediência e punindo a desobediência (Sl 99:4; Is 33:22;
Rm 1:32). Deus é verdadeiro em Seu íntimo (nele não há hipocrisia), em Sua revelação
(nele não há encenação) e na Sua relação com Seu povo (nele não há falta de
sinceridade). É o verdadeiro Deus em contraste com os ídolos; conhece as cousas
como são e é fiel cumprimento de Suas promessas (fidelidade) (Nm 23:19; 1 Co 1:9; 2
Tm 2:13; Hb 10:23).

iv) Perfeita Bondade, Graça, Misericórdia, Longanimidade.


São as perfeições divinas que se manifestam pelo fato de Deus ser amor. Sua bondade
leva-o a tratar benigna e generosamente com todas as Suas criaturas (Sl 36:6; 104:21;
145:8,9,16; Mt 5:45; At 14:17). Quando Seu amor se revela no perdão do pecador, é
chamado Sua graça (Ef 1:6-7; 2:7-9; Tt 2:11). Ao aliviar a miséria daqueles que sofrem
as conseqüências do pecado, é chamado misericórdia ou compaixão (Lc 1:54,72,78;
Rm 9:16-18, 15:9; Ef 2:4). E quando mostra paciência com o pecador que não atende
às instruções e aos avisos de seu Criador, chama-se longanimidade (Rm 2:4; 9:22; 1
Pe 3:20; 2 Pe 3:9,15).

v) Perfeita Soberania (Onipotência). A soberania de Deus pode ser considerada de dois


pontos de vista diferentes: o de Sua vontade soberana e o de Seu poder soberano. A
base de Dt 29:29, costuma-se fazer distinção entre a vontade oculta e a vontade
revelada de Deus. Aquela é conhecida somente através de suas conseqüências; a
vontade revelada de Deus o está em Suas leis e no Evangelho (Jó 11:10; 33:13; SI
115:3; Pv 21:1; Mt 20:15; Rm 9:15-18; Ap 4:11). O poder de Deus, de executar Sua
vontade, chamamos Sua onipotência. Que Deus é onipotente, não significa que Ele
seja capaz de fazer de tudo, pois a própria Bíblia nos ensina que há cousas que Deus
10
não pode fazer: não pode mentir, pecar, negar a si mesmo (Nm 23:19; 1 Sm 15:29; 2
Tm 2:13; Hb 6:18; Tg 1:13,17). Significa, antes, que, pelo simples exercício de Sua
Vontade, Deus pode efetuar tudo quanto resolveu realizar e que se o quisesse, poderia
fazer ainda mais (Gn 18:14; Jr 32:27; Zc 8:6; Mt 3:9;26:53).

e) A Tri-unidade de Deus

i) Unidade e Trindade. «Há um só Deus» (1 Tm 2:5). É esse o ensino inequívoco de


toda a Bíblia. Uma das verdades salientadas pelo Antigo Testamento e na história de
Israel é que o Senhor (Jeová) é Um e que além dele não existe outro, sendo falsos os
pretensos deuses dos pagãos (Dt 6:4; Jr 5:7). Esse Deus uno, entretanto, no Antigo
Testamento já fala de Si mesmo no plural (Gn 1:26; 11:7); o Anjo de Jeová é referido
como sendo o próprio Jeová (Gn 16:7,13; 18:1,2) que, portanto, assume forma visível;
ao Espirito também se faz referência (Is 48:16; 63:10). No Novo Testamento, os
escritores mencionam juntos Pai, Filho e Espirito Santo, de tal maneira que dão
claramente a entender que os três Nomes, no pensamento cristão, ficam no mesmo
plano. Ver especialmente Mt 28:19; 2 Co 13:13; Ef 2:18; 4.4-6; 2 Ts 2:13-14; 1 Pe 1:2.
Trata-se, evidentemente, de verdade que transcende nossa limitada compreensão e
lógica humanas e à qual alcançamos sô pela fé. As tentativas para racionalizar a
doutrina têm produzido ensinos contraditórios. Antes de os examinarmos, será útil
observar as seguintes verdades bíblicas:
- Embora sejam atribuídas atividades distintas ao Pai, ao Filho e ao Espírito, estão de
absoluto acordo em pensamento e propósito, ligados pelos mais estreitos laços do
amor e conhecendo perfeitamente cada um a intenção dos dois outros (Jo 5:19-23, 26-
27,30; 17:21,23). Nalguns casos compartilham as mesmas funções- O Pai e o Filho são
o Criador (Gn 1:2; Jo 1:1-3); o Filho e o Espírito são o Consolador (Jo 15:26-16:16; Mt
28:20).
- Embora não haja absolutamente, na sua natureza, diferentes graus de divindade entre
os três, há, contudo, distinção de funções e nisso o Pai é supremo como a Fonte: dele
procedem o Filho (1 Jo 4:9,14) e o Espírito (Jo 14:16,26), Este enviado pelo Filho da
parte do Pai (Jo 15:26). Ver ainda 1 Co 15:24-28, e o estudo mais minucioso sob os
títulos correspondentes ao Filho (Quem é Jesus Cristo?) e ao Espírito Santo.

ii) Ensinos heterodoxos(heresias). Sabélio, no século III, para evitar o que lhe parecia a
noção de três deuses, ensinou que o Filho e o Espírito Santo não passavam de
atributos, emanações ou modos aparentes de Deus Pai. E o ensino chamado
sabelianismo ou modalismo. Ário, antes do ano de 325 quando foi condenado, deu
muita ênfase à personalidade distinta e separada das Pessoas da Trindade, colocando
o Filho em plano inferior ao Pai e negando a eternidade de Sua condição de Filho;
admitia a divindade deste e em sentido secundário apenas. É o arianismo ou
subordinacionismo. Sócino, no século XVI, e, modernamente, os unitarianos e seitas
semelhantes, têm em comum a opinião de que o Deus uno é uma única Pessoa; daí,
necessariamente atribuem a Cristo e ao Espírito Santo natureza e posição inferior à
verdadeira divindade. É o socinianismo.

A doutrina cristã, de acordo com as essencialmente as três verdades:


- a unidade de Deus; - a plena divindade do Filho e do Espírito; - a subordinação do
Filho e do Espírito ao Pai.

11
3-A ATUAÇÃO DE DEUS

a) A Criação
Em contraste com as hipóteses humanas, é admiravelmente simples o ensino da Bíblia a
respeito da Criação.

i) Seu Arquiteto: Deus. <<Criou Deus os céus e a terra>> (Gn 1:1). <<Todas as cousas tu
criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas>> (Ap 4:11).

ii) Seu Construtor: o Filho. Pelo qual fez o universo (Hb 1:2). Tudo foi criado por meio Dele
(Cl 1:16). Sem Ele nada se fez (Jo 1:3). O Espírito de Deus também se achou ligado à obra da
Criação (Gn 1:2).

iii) A Ocasião: No Princípio. «No princípio criou Deus os céus e a terra» (Gn 1:1). Segue-se
uma descrição do fato, de acordo com a revelação que Deus concedeu.
Deu início então o sétimo dia, quando Deus descansou de sua obra (Gn 2:2). O sétimo dia, ao
que parece, continua até hoje, uma vez que não consta que Deus tenha reiniciado sua obra de
criação material, (ainda que Jo 5:17 afirme que Deus, Pai trabalha até agora»). Fora disso,
nenhuma indicação há da duração dos dias da Criação. A hipótese gratuita de terem sido 24
horas cada um, não só está em desacordo com o que sabemos da continuação do sétimo dia
e como fato de somente no quarto dia constar o aparecimento do Sol, do qual dependem
nossos dias atuais, de 24 horas, mas também cria sem motivo um conflito entre o que
sabemos do que Deus diz em seu Livro Escrito, a Bíblia, e o que se entende do que Deus faz
na Natureza; entre a Bíblia e as ciências. E muito melhor cingirmo-nos à singeleza da narrativa
bíblica, na persuasão de que palavra e obra são do mesmo Deus, e de que, quando tudo
soubermos e entendermos, veremos que ambas se harmonizam perfeitamente.
De qualquer modo, o que aqui nos interessa não é o processo nem o tempo que levou a
Criação, e sim: 1) que foi Deus quem a realizou; e 2) que o fez <<no princípio>>.

iv) A Aquisição desse Conhecimento: Pela Fé. «Pela fé reconhecemos que o mundo foi
formado pela palavra de Deus, de modo que as cousas visíveis se originaram do invisível» (Hb
11:3) O grande rádio-astrônomo Bernard Lovell, de Jodrell Bank, falando em 1961 sobre a
origem do Universo, declarou que a astronomia nada podia opinar sobre a existência ou não
de um Criador e que provavelmente nunca poderá fazê-lo. Realmente, a matéria não é da
alçada da Ciência, e sim, da Religião Revelada; o respectivo conhecimento não se adquire
pelas pesquisas, mas pela fé. Trata-se de campos distintos de conhecimento, os quais se
completam, porém não devem interferir um no outro. Quanto a nós leigos, devemos valer-nos
de ambos.

v) O Universo é sustentado pelo Filho - <<pela palavra de seu poder>> (Hb 1:3). <<Nele
tudo subsiste>> (Cl 1:17). Ele mantém aquilo que foi criado por meio dele.

vi) Os céus e a terra atuais não permanecerão eternamente.


<<Envelhecerão como um vestido... serāo mudado>> (SI 102:26). Serão substituidos.

vii) Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança.


Vide Seção 2, item 1.

b) A Providência de Deus
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A Bíblia ensina que Deus opera permanentemente em benefício de suas criaturas (Sl 107,
etc.) e sobretudo daqueles que o amam (Rm 8:28). A esse aspecto da atuação divina chamamos
de Providência. Vê-se em:
i) Seu Governo - aquela atividade pela qual Deus rege sobre tudo, de maneira a realizar
Seus planos. Tanto o Antigo como o Novo Testamentos apresentam Deus como o Rei do
Universo (SI 103:19; Pv 16:9; Is 33:22; 44:24-28; Dn 4:3,17; At 5:38-39; Tg 4:12).

ii) Sua Provisão - Os escritores bíblicos atribuem as estações,a chuva e o Sol, ao cuidado
de Deus com os homens e com as demais criaturas Suas (Gn 8:22;48:15; Dt 28:1-14; SI
23:5; 104; 147:8-9; Mt 5:45;6:25-34; At 14:17).

ii) Sua Proteção - Podemos confiar em Deus, que Ele nada permitirá acontecer a nós sem
o Seu inteiro conhecimento e de acordo com Seus perfeitos planos (Mt 10:29-31; 1 Pe 5:7;
Rm 8:28; Jó 2:1-7; Gn 50:20).

iv) Sua Disciplina - A Bíblia relaciona a bênção de Deus com a conduta de Seu povo.
Deus pode permitir contratempos para nossa instrução (Dt 28:15-68; Hb 12:5-10), mas isto
não quer dizer que a Bíblia ensina que todo sofrimento humano tem uma finalidade
disciplinar (cf Jo 9:1-3).

c) A Redenção do Homem - Ver adiante, sob «A Redenção».

d) Os Anjos
i) Sua Criação, Existência e Natureza. O vocábulo anjo, na Bíblia, significa mensageiro
ou representante. A Bíblia não faz menção direta da criação dos anjos, porém se
depreende estarem incluídos em C1 1:16.
No tempo de Jesus, os saduceus não acreditavam na existência dos anjos (At 23:8), porém
Jesus fazia referência inequívoca e frequente a esses seres. Quanto a seu número, o
escritor aos Hebreus fala de «hostes incontáveis de anjos» (12:22). Um deles, Miguel, é
chamado arcanjo (Jd 9). O Antigo Testamento registra varias aparições de anjos em
passado remoto: a Hagar (Gn 16 e 21), a Ló (Gn 19), etc...
Sabemos, por Mt 22:30; e Mc 12:25, que os anjos são assexos, o que contraria uma
antiga tentativa de explicação de 1 Co 11:10, alusão da qual depreendemos que eles
assistem aos cultos dos discípulos de Cristo, apreciando a <<decência e boa ordem>>.
Seus conhecimentos têm limites (Mt 24:36; 1 Pe 1:12). Não é sujeita aos anjos «economia
vindoura» (o Reino) (Hb 2:5). Cultuam ao Filho (Hb 1:6) e não se admite que a eles seja
prestado culto (CI 2:8; Ap 22:8-9) a não ser no caso do Anjo do Senhor. Quando, na terra,
um pecador se arrepende, há <<júbilo diante dos anjos de Deus>> (Lc 15:10). Jesus
informa, a respeito das crianças, que «seus anjos nos céus vêem incessantemente a face
de meu Pai celeste» (Mt 18:10).

ii) Seu Serviço. Os anjos socorrem os homens, inclusive ao Filho do homem (Mt 4:11;
26:53; Mc 1:13; Lc 4:10; Hb 1:14) e os conduzem até o bem-estar além-túmulo (Lc 16:22).
Vão adiante dos homens para os guiar, proteger ou libertá-los (Gn 24:7; Ex 14:19; 23:20
23; 2 Cr 32:21-22; Dn 3:28; 6:22; At 5:19; 11:7-11).
Comunicam aos homens, da parte de Deus, ordens, promessas, avisos ou repreensões
(Gn 16:9-12, 19; 22:11-18; Nm 22; Jz 2:1-5; 6:11-24; 2 Sm 24:16-17; 1 Cr 21:15-30; 1 Rs
19:5-7; Mt 2:13; 28:2,5; At 8:26; 10:3-6; 11:13-14; 27:23-24). Anunciaram concepção de
Sansão (Jz 13), de João Batista (Lc 1:11-20), de Jesus (Lc 1:26-38 o anjo Gabriel a Maria),
bem como o nascimento (Lc 2:9-15) e a ressurreição (Mt 28:2,5; Lc 24:23; Jo 20:12) de

13
Jesus. Futuramente, virāo anunciar o Filho do homem (Mt 16:27; 24:31; 25:31; Lc 9:26; 2
Ts 1:7) e reunir os escolhidos (Mc 13:27).

iii) Algumas pessoas têm hospedado anjos sem os reconhecer como tais (Hb 13:2).

iv) O Senhor chamou de anjo ao representante responsável de cada igreja local em Ap


2:1,8,12, 18; 3:1,7,14. Muitos entendem que se trata de um homem; outros rejeitam essa
interpretação.

v) Em Gn 18; Ex 3:2,6; Jz 6:22-23, o Anjo de Jeová é o próprio Jeová que assume forma
visível.

vi) Anjos caídos são mencionados em 2 Pe 2:4 e Jd 6 como estando reservados para o
juízo. Pertencem ao diabo (Mt 25:41) e para eles está preparado o lago de fogo. São
incapazes de separar o crente do amor de Deus em Cristo (Rm 8:38). Serão derrotados
por Miguel e seus anjos (Ap 12:7-9). Os crentes hão de julgar os anjos (1 Co 6:3).

vi) Satanás, o diabo. E o príncipe do mal e portanto dos anjos caídos. Seu nome, Satanás,
vem do hebraico que significa «adversário», apontando para sua oposição aos homens.
Ele atua de tal forma nos incrédulos (Ef 2:2) que o mundo inteiro fica sob seu controle (1 Jo
5:19; Lc 4:6; Jo 12:31; 14:30). Os homens descrentes estão sujeitos a ele (At 26:18)
cegados por ele (2 Co 4:4) e enganados por ele (2 Co 11:13, 14). Ele é homicida e
mentiroso por essência (Jo 8:44) e tem poder da morte sobre seus súditos (Hb 2:14).
O crente é libertado do império do diabo (Cl 1:13) mas não de sua tentação (At 5:3; 1 Co
7:5). Ele pôde barrar o caminho de Paulo (1 Ts 2:18) e mandar-lhe um espinho na carne (2
Co 12:7). Ataca os crentes com dardos inflamados (Ef 6:16), enreda com estratagemas
sutis (1 Tm 3:7;2 Tm 2:26; Ap 20:3) e desmoraliza com maledicência (1 Tm 5: 14, 15). Seu
nome diabo (gr diabolos) significa «acusador» (cf Jó 1 e 2), e subentende o desejo de
devorar (1 Pe 5:8), peneirar (Lc 22:31) e derrotar os discipulos de Cristo.
Cristo já conquistou o diabo e seus anjos (Lc 10:18; Jo 12:31). Logo essa vitória na cruz
(CI 2:15) será confirmada no esmagamento de Satanás (Rm 16:20), sendo primeiramente
lançado no abismo (Ap 20:2,3) e depois no lago de fogo (Ap 20:11; Mt 25:41).

SEÇÃO II

O HOMEM: EM SEU ESTADO ORIGINAL E NO ESTADO DE PECADO

1 - O HOMEM EM SEU ESTADO ORIGINAL

a) O Homem foi Criado por Deus

Sejam quais forem os demais pormenores do processo da Criação do Homem, a Bíblia


ensina que o Senhor Deus:
i) formou o homem do pó da terra;
i) inspirou-lhe nas narinas um sopro de Vida, e
ii) o homem passou a ser alma vivente Gn 2:7, citado em 1 Co 15:45.

b) O Homem foi Criado à Imagem de Deus


i)conforme determinação divina, e

14
ii) pela atuação divina (Gn 1:26-27).
Que vem a ser essa «imagem de Deus» As opiniões variam, Berkhof, por exemplo,
informa que, de acordo com a opinião:

1) católico-romana: a «imagem» consiste em certos dons naturais como a


espiritualidade da alma, a vontade livre e a imortalidade, e mais um dom sobrenatural
chamado justiça original;

2) luterana: consiste somente nas qualidades espirituais que foram outorgadas ao


homem quando foi criado, a saber: verdadeiro conhecimento, justiça
e santidade;

3) reformada: distingue-se entre imagem natural e moral de Deus, sendo que a primeira
abrange o ser espiritual, racional, moral e imortal, obscurecido, porém não perdido pelo
pecado; a segunda seria a imagem de Deus no sentido mais restrito e consistiria no
verdadeiro conhecimento, justiça e santidade. Neste segundo sentido esta imagem foi,
no homem, perdida pelo pecado e é restaurada em Cristo que é por natureza a Imagem
de Deus (CI 1:15; 3:10; Ef 4:24). Como o homem conservou a imagem no sentido mais
lato, pode ainda ele ser chamado imagem de Deus (1 Co 11:7; Tg 3:9).

Se, entretanto, isso for achado muito complexo e teórico, poder-se-á, com alguma
vantagem, limitar-se ao que a Bíblia ensina, a saber: que o homem, de alguma forma
não física, se assemelha a seu Criador. Recebeu domínio sobre o mundo da Natureza
(Gn 1:28-30) e pode modificar seu próprio ambiente. Possui natureza moral refletida na
sua consciência, sabendo distinguir entre o bem e o mal, entre o amor e o ódio.

c) O Pacto de Deus com o Homem.

Deus abençoou o homem que tinha criado, concedendo-lhe: fecundidade, domínio,


sustento (Gn 1:28-30), trabalho («para o cultivar»), responsabilidade («e o guardar» Gn
2:15), liberdade e orientação (Gn 2:16-17).

d) O Homem: Corpo, Alma e Espírito (1 Ts 5:23)


Ao estudante que lhe solicitava esclarecimento deste assunto, certo ensinador bíblico
limitava-se a pôr à disposição do consulente sua vasta biblioteca. A Palavra de Deus
«divide alma e espírito» (Hb 4:12), porém para nós não é muito fácil fazê-lo. O que
podemos observar é que:

i) não é bíblica a expressão comum, nem o conceito correspondente, que o homem


«tem uma alma.» Ele é alma (Gn 2:7);

ii) os termos «alma» e «espirito» são, muitas vezes, empregados na Bíblia com o
mesmo sentido: comparar, por exemplo: Gn 35:18 e 1 Rs 17:21 com Lc 23:46 e At 7:59;
Ap 9:6 e 20:4 com 1 Pe 3:19 e Hb 12:23;

iii) ambos os termos indicam o elemento espiritual do homem e as vezes parece que o
fazem de pontos de vista diferentes, sendo o espirito o principio de vida e ação que
domina o corpo; a alma, o sujeito pessoal que pensa, sente e decide, e às vezes é a
sede dos afetos;

iv) a alma (psychē) pode ser considerada simplesmente a vida ou a manifestação do

15
ser não material do homem para com o mundo; o espirito (pneuma), sua manifestação
para com Deus pois Deus é espírito, de modo queo homem não pode aproximar-se
dele senão «em espírito» (Jo 4:23, mas isto pode significar «no Espírito Santo»);

v) a distinção entre o homem «natural» (psychikos) e o «espiritual» (pneumatikos) em 1


Co 2:14-15 dá a impressão de que o homem que não nasceu de novo é somente
condicionado pela <<alma>> (psyche), não podendo apreciar a revelação divina, ao
passo que o nascido do Espirito está vivo para com Deus. O descrente está «morto», o
crente está «Vivo dentre os mortos», na Sua relação com Deus. E o homem psychikos
que «não tem o Espirito» - isto é, o Espírito Santo controlando sua vida (Jd 19);

vi) daí acharem alguns ensinadores que o descrente é apenas corpo e alma; o crente,
corpo, alma e espirito. Até certo ponto parece ter razão esse parecer; contudo, quanto a
seu ser original, o homem, alma vivente, tinha capacidade para a comunhão com Deus.

2 – O HOMEM NO ESTADO DE PECADO

a) O Inicio do Pecado no Mundo (Gn 3)

Livre para escolher entre a obediência a Deus e a desobediência, o homem, incitado pela
serpente, tomou a decisão errada: desobedeceu. Começou, assim, no mundo, o pecado com
todas as suas terríveis consequências.
A narrativa limita-se a registrar o fato, nada nos informando da maneira ou da razão da
tentação nem de como apareceu o tentador no mundo, onde tudo o que Deus fizera, inclusive a
serpente, era até então «muito bom» (Gn 1:31). Há vislumbres de alguma espécie de rebelião
entre seres angélicos (Gn 6:1-8; Jd 6), o que, porém, apenas nos leva mais um passo atrás, sem
nenhuma explicação da origem do mal. As normas reconhecidas da hermenêutica não nos
permitem a inclusão aqui de opiniões expendidas sobre Is 14;12-15 ou Ez 28, pois essas
passagens tratam declaradamente, uma do rei de Babilônia (Is 14:4) e a outra do rei de Tiro, não
passando de conjectura a e interpretação» de que vê nestas passagens a queda dum arcanjo que
na rebelião se tornou o diabo (vd Sec. I, 3,d,vi, vii).

b) A Natureza do Pecado

O mal, conforme observou Agostinho, é essencialmente negativo: é o deixar de seguir a


orientação divina; é a não obediência diante do aviso que esclarece a vontade de Deus.
Desse ponto de vista, o mal não tem «origem» no sentido normal do termo. O homem,
tentado a deixar de obedecer a Deus seguindo o bem (que é positivo), simplesmente tomou a
decisão de abandonar sua lealdade a seu Criador.
Consultado certa vez sobre a origem do mal, célebre pastor brasileiro respondeu que a
esse respeito pouco podia adiantar mas que, se o consulente estivesse interessado em vencer o
pecado em sua vida, poderia ajudá-lo.
De acordo com a definição bíblica (1 Jo 3:4), o pecado é indisciplina, insujeição ou
insubordinação; é o inconformismo com a vontade conhecida (lei) de Deus. A transgressão da lei,
resultante desse inconformismo, é a consequência. É esse o ensino de Mt 5:21-32.
Conforme o sentido de um dos vocábulos gregos, e também um dos hebraicos, mais
empregados na Bíblia para representar o pecado, pecar é errar o alvo ou caminho. O pecado é
ainda o não atingir o padrão divino (Lc 15:18,21; Rm 3:23). Constitui também ofensa contra Deus
(Ef 2). Com relação a nosso semelhante, o deixar de amá-lo (Mt 5:38-48; 1 Jo 3:15; 4:8; Rm
13:9); é pecador quem deixa de respeitar a personalidade e o direito alheios (Gn 4:5, 2 Sm 11).

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Em relação a nós mesmos, pecado é afetação (ou pedantismo) e auto-suficiência (MI 4:1; Lc
1:51; Tg 4:6; 1 Jo 2:16), a atitude de quem se sente perfeitamente capaz de conduzir sua própria
vida e repugna a interferência por parte de quem quer que seja, mesmo de Deus. É o orgulho
egocêntrico.

c) Os Efeitos do Pecado

O pecado contamina todos os aspectos da vida do homem; seu veneno afeta a tudo que
ele pensa, diz e pratica.

i) Culpabilidade diante de Deus


Haja ou não o senso de vergonha (Gn 3:8), o pecado torna o homem culpável diante de
Deus (Rm 3:19; Tg 2:10); coloca-o, perante Deus, na mesma situação em que se acha o
criminoso perante a lei do país.

ii) Perda da Livre Comunhão com Deus


O pecado faz separação entre o homem e seu Deus (Gn 3; Is 59:2; Lc 5:8; 1 Jo 2:28).

iii) Morte espiritual


De acordo com o prévio aviso que Deus lhe dera (Gn 1:17), o homem, pecando, morreu
espiritualmente (Ef 2:1-5). A morte física segue-se a essa morte espiritual, como <<salário do
pecado>> (Rm 5:12-21; 6:23), culminando na <<segunda morte>> com a exclusão definitiva do
pecador da presença de Deus ( Mt 25:41; 2 Ts 1:19; Ap 20:11-15).

iv) Sofrimento
O Livro de Jó torna bem claro que nem todo sofrimento é resultado do pecado de quem
sofre. No sentido geral, global, porém, o sofrimento é fruto do pecado. Na verdade, um dos
aspectos mais terríveis do pecado é o sofrimento em que ele resulta, mesmo para pessoas que
não participaram daquele pecado (Gn 3:16-19; Rm 8:19-22; Gl 6:7).

v) Escravidão moral
O pecado escraviza o homem: não se trata de uma simples questão de pensamentos e
atos pecaminosos isolados, e sim, de uma força maléfica que toma conta do homem,
manietando-o e tornando-o cada vez menos capaz de praticar o bem (Rm 7:18-20).

vi) Herança nefasta


Herdamos a tendência para o pecado, já desde Adão e de todas as gerações
intermediárias (Rm 5:12-21). Transmitimos à nossa posteridade a mesma peçonha que
herdamos, acrescida da nossa parcela de vaidade e materialismo, de desregramento ou
devassidão, no caso de nos entregarmos ao mal (Gn 8:21; Sl 51:5; Jo 3;6; Rm 8:8).

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