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Liturgia e vida:
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2011
2
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
3
Agradecer é preciso:
aos meus pais, Albertina e Dionésio dos Santos, pelo inefável amor e pelos inúmeros
a Dom Irineu Roque Scherer, bispo diocesano de Joinville, pela oportunidade de aprimorar
RESUMO
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por meio dos Documentos 43 e 52,
celebrar o Mistério Pascal de Cristo que envolve as suas vidas, a celebrar a Páscoa dos fiéis na
Páscoa de Cristo, através da Celebração Dominical da Palavra de Deus presidida por leigos e
leigas.
Porém, nota-se com frequência que há uma separação entre a vida pessoal, social e a
religião, afetando o modo de celebrar de nossas comunidades, onde a vida das pessoas não
incide na liturgia e esta, por sua vez, não incide na vida das pessoas. A vida do fiel e a história
elementos que incentivem a integração entre vida e liturgia, especialmente no que diz respeito
celebra a Páscoa acontecendo na vida das pessoas e na história sem que seja instrumentalizada
Deus está em celebrar a vida como um processo pascal, como uma passagem da morte para
vida, graças à libertadora intervenção de Deus. Deseja-se, ainda, apresentar que a relação
entre liturgia e vida auxilia o povo de Deus, que participa das celebrações, a penetrar
ABSTRACT
inspires the ecclesial communities and guides their celebrations. It encourages communities to
celebrate the Paschal Mystery of Christ that involves their lives, to celebrate the Passover of
Christ along with the congregation Passover, through the Sunday Celebration of God´s Word
conducted by laypeople.
However, it is often noticed that there is a separation among personal, social life and
religion, affecting the way communities celebrate, where people's lives are not tied to the
liturgy and the latter, in turn, is not tied to people´s lives The believer´s life and the history of
the humanity are not understood as Passover connected to the Passover of Jesus.
elements of the liturgical tradition, as well as in the Church General Magisterium about life in
the celebration, the aim of this paper is to highlight elements that encourage the integration
between life and liturgy, especially regarding the Sunday Celebration of God´s Word. Such
search will also verify that the liturgy celebrates the Passover happening in people's lives and
history without making use of its authenticity and that the Sunday Celebration of God‟s
Word authenticity resides in celebrating life as a Paschal process, as a passage from death to
life, thanks to the liberating intervention of God. This paper also intends to state that the
relation between liturgy and life helps the People of God, who participate in the celebrations,
to existentially penetrate in the Mystery, manifesting it later on in their own lives‟ conducts.
Keywords: liturgy and life, Sunday Celebration of the God’s Word, Document 43 of the
SUMÁRIO
SIGLAS E ABREVIAÇÕES.................................................................................................. 09
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
2.2 A vida na Celebração Dominical da Palavra de Deus e a ação do Espírito Santo ........ 21
2.4.1 Primeiro passo: situar o Mistério Pascal de Cristo no Mistério Pascal da vida da
comunidade ................................................................................................................... 24
celebrado ....................................................................................................................... 26
2.5 A vida nos ritos que compõem a Celebração Dominical da Palavra de Deus .............. 27
4.2 A vida na Celebração Dominical da Palavra de Deus e a ação do Espírito Santo ........ 38
4.5 A vida nos ritos que compõem a Celebração Dominical da Palavra de Deus .............. 41
SIGLAS E ABREVIAÇÕES
INTRODUÇÃO
A Igreja, comunidade dos que seguem a Jesus Cristo, celebra o plano eterno de Deus,
suas intervenções históricas, a antiga aliança de Deus com o seu povo e a aliança nova e
Cristo: “Façam isto em memória de mim” (1Cor 11,23-26; Lc 22,19-20). A liturgia cristã é
celebração memorial da morte e ressurreição de Jesus Cristo, do seu Mistério Pascal. Este
No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos constatou que 70% das comunidades
eclesiais celebram aos domingos o Mistério de Cristo sem a presença do ministro ordenado.
Pascal de Cristo que envolve as suas vidas, a celebrar com a Páscoa de Cristo também a
Páscoa dos fiéis, através da Celebração Dominical da Palavra de Deus presidida por cristãos
leigos. Manifesta que celebrar a Páscoa de Cristo é celebrar a vida do povo de Deus, tendo
situar a celebração na realidade da vida, ligando a Páscoa de Jesus Cristo aos acontecimentos
1
Missal Romano. 25º Domingo do Tempo Comum: Oração depois as comunhão. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2004,
p. 369.
11
Celebrações Dominicais da Palavra de Deus como fonte que alimenta a vida cristã e o cume
da experiência de Deus.
compreendidas como Páscoa na Páscoa de Jesus. Há uma separação entre a vida pessoal,
social e a religião, afetando o modo de celebrar de nossas comunidades, no qual a vida das
pessoas não incide na liturgia e esta, por sua vez, não incide na vida das pessoas.
que justifiquem e incentivem a integração entre vida e liturgia, especialmente no que diz
liturgia celebra a Páscoa que acontece na vida das pessoas e na história, sem que seja
Dominical da Palavra de Deus está em celebrar a vida como um processo Pascal, como uma
passagem da morte para vida, graças à libertadora intervenção de Deus. Deseja-se, ainda,
apresentar que a relação entre liturgia e vida auxilia o povo de Deus a penetrar
Para alcançar o proposto, esta dissertação apresenta três capítulos: o primeiro aborda a
Mistério Pascal.
experiência das primeiras comunidades cristãs, os Santos Padres, o Concílio Vaticano II, o
vida e da história nos ritos que compõem a Celebração Dominical da Palavra de Deus. Busca
CNBB na vida das pessoas e das comunidades cristãs e as consequências desta celebração
expressões “vida e história” porque a vida não se faz sem história, e esta já é aquela em ato.
continuidade. Algumas questões poderão ser mais bem abordadas por um futuro trabalho, por
comunidades eclesiais de celebrar a Páscoa de Cristo e a sua Páscoa mesmo na ausência dos
presbíteros.
13
CAPÍTULO I
da Palavra de Deus”, assim como um estudo destes mesmos documentos no que se referem à
O primeiro passo a ser seguido neste capítulo será descrever a gênese do Documento
43, “Animação da vida litúrgica no Brasil”. O segundo passo será apresentar o que este
para a celebração da Palavra de Deus”. O quarto e último passo apresentará o que narra este
desde a preparação até a celebração litúrgica. Por fim, serão apreciados dois elementos
vida e da história com a celebração litúrgica; a ligação entre a Páscoa de Jesus Cristo com os
1963. Depois da promulgação desta Constituição, houve uma grande reforma litúrgica na
Igreja. Geraldo Lyrio Rocha, bispo responsável pela Liturgia na CNBB nos anos de 1995 a
2003 e presidente do Departamento de Liturgia do CELAM nos anos de 1999 a 2003, afirma
que a reforma litúrgica impulsionada pela Sacrosanctum Concilium foi “a maior e a mais
profunda acontecida ao longo de toda a história da Igreja”2. Clemente Isnard, bispo que tomou
parte no Concílio Ecumênico Vaticano II, expressa que a Constituição sobre a Sagrada
Liturgia impulsionou não somente a reforma da liturgia na Igreja, como também impulsionou
participar na liturgia e provocou nas comunidades eclesiais muito entusiasmo. Quase 20 anos
Linha 4, através do projeto 4.19, “Novo impulso para a renovação litúrgica no Brasil”,
expressava:
2
Palavras de Dom Geraldo Lyrio Rocha ao apresentar a publicação da coleção Estudos da CNBB, 87: CNBB. A
Sagrada Liturgia 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2003, p. 5. (Estudos da CNBB, 87).
3
ISNARD, Clemente. A Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium. In: CNBB. A Sagrada Liturgia 40
anos depois. São Paulo: Paulus, 2003, p. 21. (Estudos da CNBB, 87).
4
CNBB. 7º Plano bienal dos organismos nacionais 1983/1984. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 50. (Documentos
da CNBB, 29).
15
Salvador, Bahia, inspirados por esse projeto 4.19 da Dimensão Litúrgica da CNBB, tiveram a
questionário a ser enviado às comunidades eclesiais. Neste encontro, foi elaborado o primeiro
questionário elaboradas pelos liturgistas no Encontro Nacional. Estes mesmos bispos pediram
CRB, aos superiores maiores das ordens e congregações religiosas no Brasil. O questionário
Ary Pintarelly, frei franciscano, tabulou e sintetizou as 2.042 respostas recebidas até julho de
1984. Estas respostas tabuladas e sintetizadas foram distribuídas a vários liturgistas. Entre
estes liturgistas, realizou-se uma verdadeira análise das respostas. Alguns sistematizaram as
respostas com poucas observações pessoais e outros ofereceram orientações para o agir.
coleção Estudos, no ano de 1986, com o título: “Liturgia, 20 anos de caminhada pós-
questão número cinco era a seguinte: “A liturgia tem celebrado o Mistério Pascal não somente
5
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil está organizada em 17 Regionais. Mais informações sobre a
organização da Igreja no Brasil podem ser encontradas em CNBB. Diretório da Liturgia e da Organização da
Igreja no Brasil 2011. Brasília: CNBB, 2010, p. 209-430.
6
CNBB. Liturgia, 20 anos de caminhada pós-conciliar. São Paulo: Paulinas, 1986, 172 p. (Estudos da CNBB,
42).
16
revivendo a Páscoa de Cristo, mas também a nossa participação, isto é, a liturgia está ligando
Os padres Maucyr Gibin e Luís Mórgano, responsáveis por comentar esta questão8,
como síntese de toda a obra salvífica realizada por Deus, em Jesus de Nazaré que se torna o
Cristo glorioso e libertador da humanidade”9. A história da salvação não é algo estático, mas
adquire novo vigor, atualiza-se, renova-se “mediante o Espírito Santo que opera a atualização
desse Mistério (SC 5)”10. Concluindo o comentário da questão de número cinco, os padres
[...] não se trata de uma justaposição a ser feita e menos ainda querer
privilegiar um ou outro termo. Se a vida não entra, não há celebração do
Mistério Pascal; se o Mistério Pascal na história de um povo e na vida de Jesus
não for essencial às nossas celebrações litúrgicas, simplesmente não haverá
liturgia. Julgo que não se trata de disjunção ou de integração artificial. Ambos
os elementos são essenciais para que haja celebração da fé cristã 11.
intitula-se: “A Liturgia no Mundo”. Esta parte contém o resumo das exposições do Congresso
Sacrosanctum Concilium12, que reuniu cerca de 200 presidentes e secretários de quase 100
segunda parte contém, ainda, o relatório sobre os 20 anos da reforma litúrgica no Brasil,
7
CNBB. Liturgia, 20 anos de caminhada pós-conciliar. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 12. (Estudos da CNBB,
42).
8
A análise completa das respostas à questão de número 5 do questionário para o levantamento da realidade
litúrgica no Brasil feita pelos padres Maucyr Gibin e Luís Mórgano pode ser encontrada em Ib. p. 47-51.
9
Ib. p. 48.
10
Ib. p. 48.
11
Ib. p. 51.
12
Mais informações sobre o Congresso podem ser encontradas na REVISTA DE LITURGIA. São Paulo, n. 67,
jan./fev. 1985.
17
afirmações sobre a situação da liturgia no Brasil. Esta publicação fez suscitar um novo
vida litúrgica no Brasil”14, e entregaram a esta Igreja preciosos elementos de pastoral litúrgica.
dos sacramentos. Porém, é uma contribuição para a promoção e animação da pastoral litúrgica
“na formação dos agentes de Pastoral, para dinamizar as celebrações, para a constituição de
Igreja”15.
primeira com dez capítulos intitula-se: “A vida litúrgica”. E a segunda com dois capítulos:
“Orientações pastorais sobre a celebração Eucarística”. Ione Buyst faz uma apresentação e
13
“Em preparação deste encontro, a Congregação enviou, em abril de 1984, aos presidentes das comissões
nacionais de liturgia um questionário, visando um relatório, sobre os seguintes itens: Línguas e livros litúrgicos;
Adaptações da liturgia à índole dos diversos povos; Pastoral litúrgica; Funções dos leigos na liturgia; Outros
eventuais problemas; Expectativas com relação à Congregação para o Culto Divino”. COMUNICADO
MENSAL DA CNBB, n. 383, p. 1135, [31 out.] 1984.
14
CNBB. Animação da vida litúrgica no Brasil. Elementos de Pastoral Litúrgica. 17. ed. São Paulo: Paulinas,
2002, 116 p. (Documentos da CNBB, 43).
15
Doc. 43 da CNBB, n. 3.
18
inculturação (195)”17.
Assembleia Geral dos Bispos, foi traduzido para o espanhol pelo CELAM e mereceu uma
“Animação da vida litúrgica no Brasil”. A inter-relação liturgia e vida é quase refrão de cada
capítulo. Este fio condutor, afirma Paludo, brota da aspiração “das comunidades eclesiais e
dos grupos de cristãos mais conscientes na prática de sua fé”19. Os bispos brasileiros chegam a
expressar, através do documento, a alegria em acolher “o atual anseio de, nas ações litúrgicas,
16
BUYST, Ione. Liturgia, acontecimento teologal. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 95, p. 150, set./out. 1989.
17
SIVINSKI, Marcelino. Elementos de pastoral litúrgica. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 97, p. 28, jan./fev.
1990.
18
Cf. COMUNICADO MENSAL DA CNBB, n. 441, p. 754, [abr. e maio] 1990.
19
PALUDO, Faustino. Ler o documento a partir da fé vivida e celebrada. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 95,
p. 135, set./out. 1989.
20
Doc. 43 da CNBB, n. 50.
19
à vida na celebração pelas comunidades eclesiais no Brasil brota “de uma nova expressão
relação entre o compromisso da fé, Palavra e vida ao celebrar. Esta realidade da vida litúrgica
Documento 43, ao afirmar que a “Palavra de Deus é sempre eficaz e transformadora” 23, chega
a perguntar sobre “o que falta para que as assembléias litúrgicas levem a maior compromisso
Deus25, mas também, a celebração Eucarística, liturgia à qual é confiada toda a segunda parte
Senhor, é onde a vida se articula mais com a celebração; pois a missa é que melhor celebra a
História”26.
Palavra de Deus, conforme o Documento 43, apresentará o que este documento explicita em
sua primeira parte sobre os elementos da Celebração da Palavra e depois, quando houver
21
Doc. 43 da CNBB, n. 15.
22
Doc. 43 da CNBB, n. 28.
23
Doc. 43 da CNBB, n. 31.
24
Doc. 43 da CNBB, n. 31.
25
A prática da Celebração Dominical da Palavra de Deus foi introduzida em 1898 em Burundi e em 1930 no
Togo, ambos os países africanos. Em 1943, a Celebração Dominical da Palavra de Deus tornou-se obrigatória em
áreas não frequentadas pelos missionários. Nos últimos anos, estas Celebrações difundiram-se nos países da
Ásia, África e América Latina e atualmente já não se trata mais de um fenômeno restrito às terras de missão,
sendo conhecidas em comunidades da Europa. Cf. CHUPUNGCO, Anscar. Liturgias do futuro: processos e
métodos
26
de inculturação. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 202. (Liturgia e teologia).
Doc. 43 da CNBB, n. 204.
20
Senhor, que perpetua na História a salvação que Cristo veio trazer a todos”27. Ao se referir à
do Mistério de Cristo. Este Mistério é o “objeto e conteúdo principal”29 da ação litúrgica, por
“envolve toda a vida de Cristo e a vida de todos os cristãos” 30. Por isso, o documento também
Palavra.
deve ressoar e completar-se na vida, toda a Liturgia deve levar a um compromisso social. [...]
Por outro lado, na medida em que as comunidades estão comprometidas com a transformação
27
Doc. 43 da CNBB, n. 39.
28
Doc. 43 da CNBB, n. 93.
29
Doc. 43 da CNBB, n. 48.
30
Doc. 43 da CNBB, n. 48.
31
Doc. 43 da CNBB, n. 93.
21
do mundo, seu engajamento repercute na Liturgia, fonte e ápice de toda a vida cristã”32. O
mais pobres e necessitados, e esta vida pascalizada do cristão ressoa na Celebração Dominical
próprio Documento 43 expressa que “sem a ação do Espírito Santo não pode haver Liturgia.
A Páscoa de Cristo que celebramos é fruto do Espírito Santo que impulsionou o Filho de Deus
a realizar a vontade do Pai até as últimas consequências”35. É este mesmo Espírito que
envolve no Mistério de Cristo, celebrado pelos cristãos através da Palavra de Deus, a vida, as
A ação do Espírito Santo “[...] pela Palavra, dinamiza a vida das comunidades” 37. É a
ação do Espírito Santo, também, através da Celebração Dominical da Palavra de Deus, que
comunitariamente, [...] revivendo nela [na história] o Mistério Pascal de Jesus Cristo”38.
32
Doc. 43 da CNBB, n, 157.
33
Cf. BECKHÄUSER, Alberto. Os fundamentos da Sagrada Liturgia. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 304.
34
Doc. 43 da CNBB, n. 300.
35
Doc. 43 da CNBB, n. 49.
36
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 49.
37
SILVA, José Ariovaldo da. Desafios à vida litúrgica para os próximos decênios. Revista de Liturgia, São
Paulo, n. 94, p. 109, jul./ago. 1989.
38
Doc. 43 da CNBB, n. 65.
22
É o Espírito Santo, ainda, que “continua exortando-nos a que ofereçamos nossa vida e
nosso compromisso de servir aos irmãos na construção do Reino, como hóstias vivas, santas e
agradáveis a Deus”39. Enfim, é o Espírito Santo, dom da Páscoa de Cristo, quem “nos
impulsiona continuamente a viver a nossa Páscoa, que são as múltiplas passagens da morte
para a vida”40.
história de seu povo. Assim sendo, por meio da Celebração Dominical da Palavra de Deus,
verdadeira ação litúrgica, Deus continua a intervir na vida e na história do ser humano e
comunica-se com o seu povo. O Documento 43, ao referir-se à Palavra de Deus na liturgia, se
[...] a Palavra de Deus, comunicação do próprio Deus, que nos convoca para
celebrar a Aliança, ilumina nosso caminho e alimenta nossa vida. Primeiro
porque Deus mesmo revelou o seu plano através de acontecimentos, cujo
sentido foi captado e transmitido, sob inspiração do próprio Deus, através de
palavras humanas, que hoje constituem o texto sagrado, objeto e alimento de
nossas celebrações41.
aqui e agora, com sua divina proposta, que aguarda nossa resposta concreta e generosa” 42.
Ione Buyst, inspirada pelo Documento 43, expressa que a Palavra na liturgia é celebração do
Mistério Pascal, é um acontecimento teologal e que, através desta Palavra, o Espírito introduz
39
Doc. 43 da CNBB, n. 49.
40
Doc. 43 da CNBB, n. 125.
41
Doc. 43 da CNBB, n. 77.
42
Doc. 43 da CNBB, n. 78.
23
e é esta Palavra de Deus ouvida e meditada pelo povo que vai dando seus frutos na vida
exprimem sua fé, sua esperança, seus sentimentos e suas necessidades numa primorosa e
Como Maria, “[...] nós cristãos nos empenhamos por marcar nossa vida com a escuta
da Palavra, o amor incondicional a Cristo e a caridade solícita para com os irmãos, que
caracterizam a santidade de Maria”45. Por fim, Deus intervém na história do seu povo através
envolva a comunidade de forma ampla e ativa. “Não basta a mera distribuição de tarefas ou
simples escolha de cantos, como muitas vezes ocorre, fazendo o povo ser apenas executor de
43
BUYST, Ione. Liturgia, acontecimento teologal. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 95, p. 148, set./out. 1989.
44
Doc. 43 da CNBB, n. 80.
45
Doc. 43 da CNBB, n. 135.
46
Doc. 43 da CNBB, n. 213.
24
preparação de uma celebração Eucarística47: “1º Passo: situar a celebração no Tempo litúrgico
anteriores”48.
Estes quatro passos propostos pelo documento contribuem e podem ser usados na
Porém, os dois primeiros passos põem em evidência a vida e a história na celebração e, por
2.4.1 Primeiro passo: situar o Mistério Pascal de Cristo no Mistério Pascal da vida da
comunidade
situar o Mistério Pascal de Cristo no Tempo litúrgico e na vida das pessoas da assembleia e da
história dos povos. O Mistério revelado durante todo o ano através do ciclo do Natal, da
Páscoa e do Tempo Comum, enfim, através do ano litúrgico50 é situado na realidade que
47
O documento afirma que existem outros passos a serem seguidos na preparação de uma celebração e que os
indicados são opções entre tantas outras possíveis. Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 219.
48
Doc. 43 da CNBB, n. 220-227.
49
Os interessados em aprofundar o terceiro e quarto passo na preparação de uma celebração são convidados a
conferir o próprio documento e uma obra referente ao assunto: Doc. 43 da CNBB, n. 211-228; BARONTO, Luiz
Eduardo. Preparando passo a passo a celebração: um método para as equipes de celebração das comunidades.
8. ed. São Paulo: Paulus, 2003, 42 p. (Celebrar a fé e a vida).
50
Ampla bibliografia sobre o ano litúrgico pode ser encontrada em SILVA, Frei José Ariovaldo da. Bibliografia
para estudar e vivenciar o ano litúrgico. In: CNBB. Liturgia em Mutirão: subsídios para formação. Brasília:
CNBB, 2007, p. 245-248.
51
Entendem-se como celebrantes, não apenas os ministros, ordenados ou não, que presidem as celebrações.
Afirma o Catecismo da Igreja Católica: “É toda a comunidade, o corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que
celebra. [...] A assembleia que celebra é a comunidade dos batizados, os quais, „pela regeneração e unção do
Espírito Santo, são consagrados como casa espiritual e sacerdócio santo para oferecer sacrifícios espirituais‟
[Lumen Gentium, n. 10]”. CIC, n. 1140-1141.
25
da vida, na história”52 onde o mundo e as pessoas são atingidas pelo Mistério de Cristo.
Como, então, preparar a celebração integrando a vida das pessoas e a história do mundo
“auscultar os acontecimentos que marcam a vida de nossa comunidade que passaram ou que
internacionais...”53.
[...]”54. São datas especiais, religiosas ou não, apreciadas e lembradas por toda a assembleia ou
não, mas que será convidada a recordar, “[...] por exemplo, uma data especial, dia da Bíblia,
Enfim, o documento sugere, ainda, “ver com quem se vai celebrar”56. As pessoas que
distintas de outras assembleias e comunidades que precisam ser observados para situar a
52
Doc. 43 da CNBB, n. 221.
53
Doc. 43 da CNBB, n. 221.
54
Doc. 43 da CNBB, n. 222.
55
Doc. 43 da CNBB, n. 222.
56
Doc. 43 da CNBB, n. 223.
57
Cf. BARONTO, Luiz Eduardo. Preparando passo a passo a celebração: um método para as equipes de
celebração das comunidades. 8. ed. São Paulo: Paulus, 2003, p. 23. (Celebrar a fé a e vida).
26
celebrado
Mistério celebrado [...]”58. Os fatos da vida e do Mistério celebrado são iluminados pela
leituras? o que significam para a nossa vida? como podem orientar o nosso agir? quais os
desafios de nossa realidade hoje? como a Palavra de Deus ilumina nossa realidade? como
um fato ocorrido ser iluminado pela Bíblia já era uma prática da comunidade primitiva (cf. At
nessa prática:
A vida e a história não são chaves de leitura somente para a Celebração Dominical da
Palavra de Deus, mas também para a interpretação da Bíblia nos estudos que a Igreja realiza
58
Doc. 43 da CNBB, n. 224.
59
Doc. 43 da CNBB, n. 225.
60
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja. Discurso de Sua Santidade o papa
João Paulo II e documento da Pontifícia Comissão Bíblica. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 139. (A voz do
papa, 134).
27
através dos seus exegetas. A Igreja acolhe a Sagrada Escritura “como Palavra de Deus que se
dirige a ela e ao mundo inteiro no tempo presente”61, afirma a Pontifícia Comissão Bíblica. O
celebração apresentado pelo Documento 43 pode ser iluminado, ainda, por três etapas
litúrgica da Palavra ou estudando esta mesma Palavra é chamado a confrontar a vida das
2.5 A vida nos ritos que compõem a Celebração Dominical da Palavra de Deus
graças e os ritos finais63. A segunda parte do documento, porém, apresenta os ritos que
Por isso, o estudo sobre “a vida nos ritos que compõem a Celebração Dominical da
Palavra de Deus” irá considerar o que o Documento 43 oferece em sua primeira parte e
61
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja. Discurso de Sua Santidade o papa
João Paulo II e documento da Pontifícia Comissão Bíblica. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 139. (A voz do
papa, 134).
62
Ib. p. 143.
63
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 101.
28
documento.
Palavra de Deus é a “reunião dos fiéis para manifestar a Igreja”64 e que os ritos iniciais
“expressam o Senhor, que chama e reúne seu povo, e o povo que alegremente vem e se
celebração66.
Após a saudação ritual ao povo reunido no início da celebração, “é desejável que [...]
haja uma palavra mais espontânea de introdução”67 e de acolhida realizada por quem preside a
comunidade sua união com a Igreja local, onde os irmãos celebram e lutam na construção do
consciência de estar unidos com a Igreja local, lugar onde os convocados pelo Senhor,
64
Doc. 43 da CNBB, n. 99.
65
Doc. 43 da CNBB, n. 101.
66
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 230.
67
Doc. 43 da CNBB, n. 101.
68
Cf. BUYST, Ione. Presidir a celebração do dia do Senhor. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 30. (Coleção rede
celebra; 6); CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Instrução Geral do Missal Romano. In: Id. Instrução
Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Brasília: CNBB, 2008, n. 74. Mas, quem é o animador ou
animadora na celebração dominical? Penha Carpanedo e Marcelo Guimarães apresentam este serviço na
celebração da seguinte forma: “Chamamos de animadores ou animadoras as pessoas que auxiliam na
coordenação, repartindo entre si tudo o que é comentário, como as monições e indicações para a assembléia [...].
CARPANEDO, Penha; GUIMARÃES, Marcelo. Dia do Senhor: Guia para as Celebrações das Comunidades.
Vol. II: Ciclo Pascal ABC. 2. ed. São Paulo: Paulinas; Apostolado Litúrgico, 2004, p. 31. (Coleção Liturgia no
caminho. Série dominical e santoral).
69
Doc. 43 da CNBB, n. 101.
70
Doc. 43 da CNBB, n. 244.
29
Existem comunidades, porém, que têm o costume de começar as celebrações com “[...]
breves palavras iniciais do(a) animador(a)”71. Esta palavra inicial, expressa o documento,
“mais do que uma exortação ou de uma introdução temática, é preferível situar a celebração
[...] no contexto do Tempo litúrgico e das circunstâncias concretas da vida da comunidade” 72.
O Documento 43 expressa através do artigo 251, após uma apresentação geral sobre o
ato penitencial, que este rito “[...] poderá ser usado com grande flexibilidade. Um ministro
[...] poderá orientar o momento de silêncio com um exame de consciência para cada um olhar
a sua vida e deixar que Deus olhe o seu coração ou orientar as invocações livres do „Senhor,
tende piedade‟”73.
e a comunidade não são levadas à reflexão do pecado social. Esta lacuna em relação ao
pecado social é superada pelo documento somente através do posterior artigo 255 que
expressa: “o rito penitencial bem realizado pode tornar-se um lugar importante para o
Batismo e na Penitência”74.
O rito inicial é concluído com a oração do dia conduzida por quem preside, precedida
por um convite à assembleia para rezar: “todos conservam-se em silêncio [...] por alguns
os seus pedidos”75. Na oração do dia, “o tom de voz e a maneira de rezar, o gesto de mãos
abertas, que o povo, eventualmente, poderia acompanhar, uma palavra melhor explicitada,
71
Doc. 43 da CNBB, n. 237.
72
Doc. 43 da CNBB, n. 237.
73
Doc. 43 da CNBB, n. 251.
74
Doc. 43 da CNBB, n. 255.
75
Doc. 43 da CNBB, n. 258. Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Instrução Geral do Missal
Romano. In: Id. Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Brasília: CNBB, 2008, n. 54.
30
ajudarão a fazer deste momento o lugar de uma verdadeira súplica a Deus Pai, expressão de
proclamada e explicada, o Senhor fala da salvação ao seu povo, que responde professando a
fé, pedindo perdão, suplicando, louvando e bendizendo”77. Porém, o documento expressa que
muitas pessoas não possuem a clareza de “que a Palavra de Deus é antes de tudo um Eu que
se dirige ao Tu do seu povo reunido dialogicamente; e, mais ainda, que neste diálogo a
Palavra é, efetivamente, Palavra eficaz do Deus libertador que cria vida nova” 78. Como ajudar
o povo de Deus a ter clareza da finalidade da liturgia da Palavra e celebrar melhor? Duas
atualizando na vida das pessoas e na história dos povos esta mesma Palavra ouvida. No
entanto, as comunidades onde a “partilha da Palavra” realiza a integração entre a vida das
76
77
Doc. 43 da CNBB, n. 260.
78
Doc. 43 da CNBB, n. 101.
79
Doc. 43 da CNBB, n. 264.
Doc. 43 da CNBB, n. 265.
31
liturgia da Palavra que é reavivar o diálogo da Aliança entre Deus e o seu Povo, estreitar os
fazendo a ligação da Palavra escutada nas leituras com a vida e a celebração” 81. A vida e a
história iluminam a homilia e a homilia ilumina, por sua vez, a realidade82. O documento
história. Até mesmo sugere que o homiliasta faça “algumas perguntas sobre o que falaram as
leituras, como elas iluminam a nossa vida” 83. Estas perguntas ajudam o povo a perceber como
dos fiéis. A comunidade reunida pelo Senhor tem a convicção de que Ele lhe fala e, na oração
dos fiéis, este povo de Deus reunido exerce sua função sacerdotal e reza por toda a
humanidade85. O Documento 43 sugere que, “na formulação das intenções, sem negligenciar a
abertura para os grandes problemas e acontecimentos da Igreja universal, dar-se-á espaço para
as necessidades mais sentidas pela comunidade”86. Através da oração dos fiéis, as preces, os
pedidos, as angústias e as dores sentidas pela comunidade são elevadas a Deus. Enfim, a vida
é integrada na celebração.
80
Cf. BUYST, Ione. A missa: memória de Jesus no coração da vida. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 67; Doc. 43 da
CNBB, n. 262.
81
Doc. 43 da CNBB, n. 276.
82
Ampla bibliografia sobre a homilia pode ser encontrada em SILVA, José Ariovaldo. Bibliografia sobre a
homilia. In: CNBB. Liturgia em Mutirão: subsídios para formação. Brasília: CNBB, 2007, p. 242-244.
83
Doc. 43 da CNBB, n. 279.
84
Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Instrução Geral do Missal Romano. In: Id. Instrução
Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Brasília: CNBB, 2008, n. 65.
85
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 283.
86
Doc. 43 da CNBB, n. 284.
32
agradecimento do povo de Deus por causa da ressurreição de Jesus e da salvação que Ele
trouxe. Por isso, o Documento 43 expressa que a ação de graças é um dos elementos
grande resposta ao Deus que se faz Salvador é o homem e a mulher agradecendo. Por ela se
Deus que procura, ama e salva o ser humano. Através da ação de graças na celebração, as
comunidades presididas por cristãos leigos bendizem e louvam ao Senhor pela sua Páscoa na
os sinais de vida e ressurreição percebidos como intervenção divina na vida das pessoas e na
história dos povos e agradecem “a Deus por seu grande amor” e porque Ele continua a passar
sinais cotidianos do “grande amor” de Deus na vida das pessoas e na história da comunidade.
87
Doc. 43 da CNBB, n. 101.
33
consciência de que são enviados, assumem o compromisso da sua missão a serviço do Reino
na vida concreta”88. A vida das pessoas e a história do mundo não são esquecidas pelos ritos
fiéis, através de sucintos avisos, tomam parte da vida da comunidade na qual estão inseridos
Nos ritos finais, expressa o documento: “parece ser também o momento mais
ou do bairro; entre outros fatos da vida e da história de pessoas que fazem parte da assembleia
litúrgica. Estes são gestos de grande cuidado ou preocupação em relação aos irmãos que se
encontram na celebração. São sinais de sensibilidade com a vida e história das pessoas.
pela vida a realidade celebrada”91. Esta mensagem brotará da atualização feita da Palavra do
88
Doc. 43 da CNBB, n. 101.
89
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 327.
90
Doc. 43 da CNBB, n. 328.
91
Doc. 43 da CNBB, n. 329.
34
Senhor pela inspiração do Espírito Santo em sintonia com o Mistério Pascal que “envolve
litúrgica no Brasil, em 1983, mostrou que “70% das celebrações, no Dia do Senhor, são
realizadas por comunidades que vivem e celebram sua fé sem a presidência de um ministro
ordenado”94.
realidade destas comunidades que celebram o Dia do Senhor presididas por cristãos leigos,
através do Projeto 4.4: “Orientações para Celebrações Dominicais presididas por leigos” que
se encontram no 9º Plano bienal de pastoral da CNBB para os anos de 1987 e 1988. Este
projeto expressou:
92
Doc. 43 da CNBB, n. 48.
93
Depois de dedicada pesquisa, percebeu-se a escassez de bibliografia para a contribuição de melhor
apresentação da gênese do Documento 52.
94
Doc. 43 da CNBB, n. 25.
95
CNBB. 9º Plano bienal dos organismos nacionais 1987/1988. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 71. (Documentos
da CNBB, 39).
96
Cf. COMUNICADO MENSAL DA CNBB, n. 450, [abr.] 1990, p. 671.
35
comunidades que se reuniam para celebrar o Dia do Senhor presididas por cristãos leigos e,
Palavra de Deus no Brasil através de uma pesquisa em nível nacional, os bispos reunidos na
32ª Assembleia Geral da CNBB, revisaram o texto que foi entregue a eles, o completaram e o
duas partes. A primeira com 49 artigos, intitulada “Sentido litúrgico da celebração da Palavra
Documento 52 da CNBB possui, além dos 94 artigos, oito roteiros de celebração da Palavra
em seus anexos.
97
PALUDO, Faustino. Relatório referente à pesquisa sobre as celebrações da Palavra de Deus na ausência do
padre. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 105, p. 73, maio/jun. 1991.
98
CNBB. Orientações para a celebração da Palavra de Deus. 16. ed. São Paulo: Paulinas, 2004. 52 p.
(Documentos da CNBB, 52). Todos os parágrafos foram aprovados com um mínimo de 225 votos dos 231
votantes. O resultado final da votação do Documento 52 da CNBB encontra-se em COMUNICADO MENSAL
DA CNBB, n. 480, [abr.] 1994, p. 605-607.
36
Dominical da Palavra de Deus e expressam que esta celebração “é muito recomendada [...]
litúrgica reconhecida e incentivada pelo Concílio Vaticano II” 100. Esses artigos citam, ainda,
Nos próximos números deste capítulo, serão apresentadas as integrações feitas pelo
celebração da Páscoa de Jesus Cristo: é “[...] memória do Mistério Pascal de Cristo morto e
99
Doc. 52 da CNBB, n. 1.
100
Doc. 52 da CNBB, n. 1.
101
Doc. 52 da CNBB, n. 4.
102
Doc. 52 da CNBB, n. 6. Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 93.
103
Doc. 52 da CNBB, n. 5. Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 97.
104
Doc. 52 da CNBB, n. 5. Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 97.
37
foi expresso em Animação da vida litúrgica no Brasil106, ao declarar que, “através da Palavra
abrange a vida das pessoas e a história da humanidade e também através da liturgia este
Mistério é desvelado.
reconhecer a Páscoa de Cristo atingindo a sua vida. Ione Buyst reafirma que a Celebração
reunida em oração a perceber que a Páscoa de Cristo atinge e envolve a vida das pessoas e a
história de todo o mundo. Por isso, “continuar celebrando uma liturgia que paira acima da
história, por não levar em conta e não expressar a realidade, é negar a força da ressurreição de
105
Doc. 52 da CNBB, n. 12.
106
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 93.
107
Doc. 52 da CNBB, n. 6.
108
BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 30.
(Coleção Celebrar).
109
Id. Preparando a Páscoa: Quaresma, Tríduo Pascal, Tempo Pascal. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 37.
(Coleção Celebrar).
38
por ação inspiradora, age na comunidade durante a proclamação da Palavra. E a Palavra, por
ação do mesmo Espírito, torna-se fundamento, norma e ajuda de vida para toda a comunidade
dos fiéis110.
A Palavra de Deus ouvida por toda a comunidade torna-se alicerce, base sólida que
legitima e autoriza a vida em Cristo. A Palavra, por ação do Espírito Santo, torna-se motivo
também, norma de vida, princípio e orientação por ação do Espírito Santo e ajuda de vida,
experiência cristã da riqueza libertadora da Palavra de Deus e por ele a Palavra se transforma
fiéis que celebram a Palavra de Deus e age da mesma forma na história do mundo que é,
segundo o desígnio de Deus, história da salvação em Cristo. Esta ação do Espírito Santo na
Palavra112.
O Documento 52, também, expressa que “o Espírito Santo agiu na vida de Cristo, ele
está presente e atua na vida dos seguidores do Ressuscitado” 113. Através da Celebração
Dominical da Palavra de Deus, o Espírito está presente, agindo na vida de todo fiel e na
ela vive e estabelece um diálogo de salvação. Enfim, “quando Deus comunica a sua Palavra,
110
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 13; OLM, n. 4.
111
Doc. 52 da CNBB, n. 14.
112
Cf. JOÃO PAULO II. Dominum et vivificantem: Carta Encíclica de João Paulo II sobre o Espírito Santo. São
Paulo: Paulinas, 1986, n. 67. (A voz do papa, 112).
113
Doc. 52 da CNBB, n. 15.
39
sempre espera uma resposta, que consiste em escutar e adorar „em Espírito e Verdade‟. O
Espírito Santo age para que a resposta seja eficaz, para que se manifeste na vida o que se
A história dos seres humanos é a história da sua própria salvação. Na vida das pessoas
que vem de Deus. O Documento 52 afirma que esta presença e esta ação de Deus na vida e na
Através da Palavra, Deus intervém na história do seu povo com o propósito de instruir,
guiar e nutrir a vida cristã das comunidades, dando-lhes sustento, alento e incentivo. A
a celebração litúrgica é Jesus Cristo, palavra e sinal do amor com que Deus intervém e age
chamada a discernir sobre a própria vida para descobrir a presença atuante de Deus na
114
Doc. 52 da CNBB, n. 22.
115
Doc. 52 da CNBB, n. 10.
116
Doc. 52 da CNBB, n. 20.
117
Doc. 52 da CNBB, n. 11.
40
história. A Palavra de Deus está viva e operante hoje na Igreja. Deus continua a falar aos seus
A vida da comunidade e sua história, juntamente com o tempo litúrgico, são inerentes
à Celebração Dominical da Palavra de Deus. Por isso, o documento expressa que é necessário
Sagrada Escritura, lidos e refletidos pela equipe de celebração na preparação da liturgia, são
será celebrado121.
Deus a redescobrir através da liturgia os sinais da presença de Deus dentro da realidade da sua
história.
118
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 8.
119
A CNBB, através do Guia Litúrgico-Pastoral, apresenta as equipes de celebração da seguinte forma: “Estas
[as equipes de celebração] são encarregadas diretamente das celebrações da Palavra de Deus, da Eucaristia
(missas), do Batismo, do Matrimônio, das Exéquias e das Bênçãos nas paróquias e comunidades. Destas equipes
fazem parte, especialmente, leitores, ministros da distribuição da sagrada comunhão eucarística, recepcionistas,
salmistas, cantores e instrumentistas, animadores, comentaristas e ministros que presidem”. CNBB. Guia
Litúrgico-Pastoral. 2. ed. rev. ampl. Brasília: CNBB, s.d., p. 123.
120
121
Doc. 52 da CNBB, n. 43.
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 224.
41
Enfim, a celebração do Mistério Pascal, através de uma liturgia preparada pela equipe
que os fiéis exprimam em suas vidas e manifestem aos outros o Mistério de Cristo e a genuína
4.5 A vida nos ritos que compõem a Celebração Dominical da Palavra de Deus
povo”124.
em que a assembleia possa identificar como pertencente à sua realidade, à sua cultura, à sua
pessoas e, da mesma maneira, à cultura do povo 125. O Documento 52 da CNBB orienta, ainda,
122
123
Sacrosanctum Concilium, n. 2.
A CNBB, através do Guia Litúrgico-Pastoral, apresenta a meta das equipes de pastoral litúrgica da seguinte
forma: “A meta da equipe de pastoral litúrgica é favorecer a participação ativa nas ações litúrgicas em vista da
edificação da Igreja em comunidades vivas, comprometidas com a missão de Jesus Cristo e com a prática da
caridade. [...] Em síntese, as principais tarefas da equipe de pastoral litúrgica são: animação da vida litúrgica,
planejamento, coordenação, formação, assessoria e avaliação”. CNBB. Guia Litúrgico-Pastoral. 2. ed. rev. ampl.
Brasília: CNBB, s.d., 122 p.
124
Doc. 52 da CNBB, n. 50.
125
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 53.
42
Enfim, a equipe que prepara a celebração e a assembleia que dela participa, ao levar
Dominical da Palavra de Deus, farão a liturgia entrar nas dimensões mais profundas da
realidade127.
dos ritos iniciais. O Documento 52 lembra que é importante a apresentação das “pessoas que
tomam parte pela primeira vez, ou que estão em visita ou de passagem pela comunidade; a
favor da comunidade; a recordação dos falecidos e seus familiares enlutados” 128. Quem
preside, os que possuem algum ofício específico na celebração e os que dela participam
necessitam de abertura e sensibilidade para que a liturgia não seja um momento a-histórico,
da ação litúrgica. Não é mera informação, mas elemento constitutivo que compõe a
comunidade. O Mistério presente nas alegrias e nas tristezas, nas conquistas e nos insucessos,
126
Doc. 52 da CNBB, n. 54.
127
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 56.
128
Doc. 52 da CNBB, n. 58.
43
nas vitórias e nas desgraças da humanidade é celebrado pelos fiéis. Alguns destes
comunidade e do mundo nos ritos iniciais, estabelecendo conexão com o Mistério Pascal: “a
vida”129.
Dominical da Palavra de Deus, através do rito inicial, é iniciar a celebração com uma
procissão onde pessoas entram com faixas, cartazes e símbolos expressivos da realidade e da
humano reconhece-se pequeno e limitado diante da grande misericórdia e ternura de Deus que
oração e “poderá solicitar aos presentes, após uns instantes de oração silenciosa, que
129
Doc. 52 da CNBB, n. 59.
130
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 62.
131
Doc. 52 da CNBB, n. 63.
132
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 64.
44
comunidade convocada e reunida por Ele “e a interpela no hoje da história” 134. Deus se dirige
ao seu povo através de sua Palavra e o povo confronta sua vida e sua história com a Palavra
de Deus proclamada.
Documento 52 orienta as comunidades que, “nos dias de festa e nos domingos dos tempos
fortes do Ano Litúrgico [...], é importante que as leituras Bíblicas sejam as indicadas para as
celebrações Eucarísticas, pois elas muitas vezes parecem ser um providencial „recado‟ de
Acontecimentos esses que devem ser refletidos e celebrados pela comunidade, na perspectiva
da fé e tendo como ponto de referência a Sagrada Escritura”136. A vida do povo de Deus que é
envolta pelo Mistério, torna-se critério de escolha e interpretação das leituras da liturgia da
Palavra.
133
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 54.
134
Doc. 52 da CNBB, n. 66.
135
Doc. 52 da CNBB, n. 67.
136
Doc. 52 da CNBB, n. 67.
45
O Documento 52, ao referir-se à homilia, deixa claro que “ela atualiza a Palavra de
sentido dos acontecimentos, à luz do plano de Deus, tendo como referencial a pessoa, a vida,
a missão e o Mistério Pascal de Jesus Cristo”137. Para que a Palavra de Deus proclamada possa
ser atualizada pela homilia, há necessidade de escutar esta Palavra a partir da situação
presente, buscando discernir os aspectos da realidade que esta Palavra ilumina ou coloca em
questão.
presentes a dar depoimentos, contar fatos da vida, expressar suas reflexões, sugerir aplicações
que vem de Deus, realizada em Jesus por ação do Espírito Santo, vão realizando a integração
entre a vida e a Palavra. Assim o Mistério Pascal que envolve todas as realidades é
manifestado e celebrado.
pouco importando “se o ponto de partida seja a Bíblia ou os fatos da vida” 139. O que importa é
que esta “explicação viva da Palavra de Deus motiva a assembléia a participar na oração de
vida”140.
concluída. Esta oração “brota do coração da comunidade animada pelo Espírito Santo, pela
Palavra ouvida e pela vida. Por isso, não é coerente a simples leitura de intenções de um
137
Doc. 52 da CNBB, n. 75.
138
Doc. 52 da CNBB, n. 77.
139
BUYST, Ione. Homilia, partilha da Palavra. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 19. (Coleção rede celebra,
3).
140
Doc. 52 da CNBB, n. 75.
46
suas súplicas, os seus pedidos nascidos na iluminação que resultou do encontro entre a
Dominical da Palavra de Deus. É a resposta do ser humano que reconhece a salvação operada
pelo Senhor142. A vida no louvor elevado a Deus durante a celebração é expressa pelo
documento da seguinte maneira: “A comunidade sempre tem muitos motivos para agradecer
ao Senhor, seja pela vida nova que brota da Ressurreição de Jesus, como pelos sinais de vida
A ação de graças provém da experiência pascal feita pelo ser humano que reconhece a
salvação que vem de Deus, realizada em Jesus por ação do Espírito Santo. Os agradecimentos
nascem da Páscoa de Cristo que atinge a vida e a história, lugar onde acontece a Páscoa da
humanidade. Este Mistério presente no hoje das comunidades é percebido nos “sinais de vida”
Deus.
141
Doc. 52 da CNBB, n. 81.
142
Cf. Doc. 52 da CNBB, n. 83.
143
Doc. 52 da CNBB, n. 84.
144
Doc. 43 da CNBB, n. 300.
47
deste rito, “a assembléia toma consciência de que é enviada a viver e testemunhar a Aliança
Nos ritos finais, antes de encerrar a celebração, podem ser apresentados os avisos
dados à comunidade reunida que já se prepara para o envio que o Senhor lhe fará. O
documento expressa que “valorizem-se os avisos e as notícias que dizem respeito à vida da
comunidade, da paróquia ou da Diocese. Esses avisos podem ser uma forma de ligação entre o
compromisso despertado pelo Senhor durante toda a celebração. É uma confirmação da vida
envio para a missão e de despedida com a graça de Deus. É de suma importância que todos
retornem às suas casas e ao convívio social, com um compromisso, com esperança, com a
A assembleia é enviada e despedida em paz e os que foram chamados e enviados pelo Senhor
145
Doc. 52 da CNBB, n. 92.
146
Doc. 52 da CNBB, n. 93.
147
Doc. 52 da CNBB, n. 94.
148
Cf. TABORDA, Francisco. Fazei isto em meu memorial: a Eucaristia como sacramento da unidade. In:
CNBB. A Eucaristia na vida da Igreja. Subsídios para o Ano da Eucaristia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005, p.
86. (Estudos da CNBB, 89).
48
Documento 52. Estes roteiros foram selecionados dentre os vários roteiros presentes nas
comunidades que se reúnem para celebrar o Mistério Pascal ao redor da Palavra de Deus e
“Roteiro F” tem como título: “Celebração onde são proclamados os sinais de sofrimento, os
O título deste “Roteiro F”, para a celebração da Palavra, propõe a proclamação dos
Páscoa em todos os fatos, em todos os acontecimentos da vida humana e sua história. No hoje
Ritos Iniciais:
Canto de Entrada
Saudação e motivação
Oração
Partilhando a vida vivida
Comparando a vida com a Bíblia
Rito Penitencial
Oração dos Fiéis:
Pai-nosso,
Louvor e ação de graças
Profissão de fé,
Comunhão
Partilha Fraterna
Avisos, Bênção, despedida, Abraço da Paz
149
Doc. 52 da CNBB, n. 1.
150
Doc. 52 da CNBB, n. 50.
49
A proclamação dos sinais de sofrimento, dos sinais de vida, dos sinais de ressurreição
e dos sinais de esperança pode ser realizada durante os vários elementos que compõem a
Celebração Dominical da Palavra de Deus pela comunidade reunida. Porém, esta dissertação
se ocupará com dois elementos apresentados na estrutura do “Roteiro F”: “Partilhando a vida
vivida” e “Comparando a vida com a Bíblia”. A maioria dos outros elementos do roteiro já
foram estudados nesta dissertação quando foram analisadas “a vida e a história nos ritos que
acontecimentos da semana ligados à vida das pessoas, famílias, comunidades, Diocese, país e
Este elemento pode ser realizado de modo variado. Quem preside pode motivar e
“faixas, cartazes e símbolos expressivos da realidade e da vida de fé dos presentes” 153 para
serem apresentados nesse momento. Ou, ainda, a equipe que prepara a celebração poderá
de Cristo.
O “Roteiro F” não determina como realizar o “Partilhando a vida vivida”, por isso,
haverá outras descobertas criativas pelas equipes responsáveis em preparar a liturgia em que
Palavra de Deus.
Através do outro elemento apresentado pelo “Roteiro F”: “Comparando a vida com a
Bíblia”, acontece a escuta atenta e amorosa da Palavra de Deus e a atualização desta Palavra
151
Doc. 52 da CNBB, n. 59.
152
Doc. 52 da CNBB, n. 64.
153
Doc. 52 da CNBB, n. 62.
50
Dominical da Palavra de Deus foram “as indicadas para as celebrações Eucarísticas, pois elas
muitas vezes parecem ser um providencial „recado‟ de Deus para a situação concreta da
comunidade”154.
Bíblicas para a liturgia, como mostra o Documento 52: “a equipe de liturgia pode escolher os
textos bíblicos à luz dos acontecimentos da vida da comunidade. Acontecimentos esses que
devem ser refletidos e celebrados pela comunidade, na perspectiva da fé e tendo como ponto
celebração da Páscoa de Cristo na vida das pessoas, na história da humanidade como história
de salvação, permite aos celebrantes reconhecer que Deus Pai, através da Palavra, por ação do
Espírito Santo, pascaliza todas as coisas e que as Celebrações Dominicais da Palavra “atuam e
frutificam à medida que há uma resposta de vida, de fé, de esperança e de caridade da parte
de Cristo que envolve a vida do povo de Deus, por ação do Espírito Santo, e impulsiona os
154
Doc. 52 da CNBB, n. 67.
155
Os interessados em estudar as equipes de liturgia e celebração são convidados a conferir: BUYST, Ione.
Equipe de liturgia. São Paulo: Paulinas, 2006. 93 p. (Coleção Celebrar).
156
Doc. 52 da CNBB, n. 67.
157
Doc. 52 da CNBB, n. 24.
51
CAPÍTULO II
Este segundo capítulo mostrará que a integração entre vida e celebração não é
Porém, não se afirmará que a liturgia cristã é uma síntese de elementos vindos do mundo
judaico e do mundo religioso pagão, porque os primeiros cristãos criaram novos conteúdos
aos ritos herdados e novas expressões para prestar culto a Deus e receber dele a
santificação158. E mais, ainda, fizeram de suas próprias vidas um culto agradável a Deus159.
tradição litúrgica e do magistério geral da Igreja, o segundo capítulo não quer realizar uma
separação entre celebração e vida. A vida de acordo com a vontade de Deus é culto agradável
ao Senhor (cf. Rm 12,1) e a liturgia ritual é cume e fonte da liturgia existencial160, como
expressa Castellano:
158
Para melhor compreensão do termo „culto‟ faz-se necessário expor a precisão com que ele é usado, através de
um artigo de Gregório Lutz sobre a Celebração Dominical da Palavra de Deus: “Antes do Concílio Vaticano II,
„culto‟ era um termo frequentemente usado para definir a liturgia. Mas o culto que a pessoa humana presta a
Deus, é apenas uma dimensão da liturgia, como ela é vista pelo Concílio e pela Igreja hoje. A liturgia é
santificação da pessoa humana e glorificação de Deus (cf. SC 5 e 7). Ela tem, portanto, uma linha descendente e
uma linha ascendente. O „culto‟, porém, abrange somente a linha ascendente. Por isso, não convém usar este
termo para a liturgia dominical das comunidades sem padre. Pois também nestas celebrações Deus santifica o
seu povo, e somente santificado pelo Espírito de Deus, o povo pode glorificar o Pai”. LUTZ, Gregório. Teologia
da liturgia dominical da comunidade sem padre. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 52, p. 13, jul./ago. 1982.
159
Cf. MARSILI, Salvatore. A liturgia, momento histórico da salvação. In: NEUNHEUSER, Burkhard; et al. A
Liturgia, momento histórico da salvação. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 62. (Anámnesis, 1); MARTÍN,
Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 24.
160
Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 10.
52
É a litúrgica ritual “aberta” à realidade da vida dos cristãos que “impregnados” pela
liturgia ritual são conduzidos à liturgia existencial. A liturgia ritual tende com todo seu
dinamismo para a liturgia vivida 162. Marsili, ao apresentar a novidade da liturgia dos
primeiros cristãos, expressa: “os ritos cristãos eram verdadeiramente uma „novidade‟ em
matéria de culto, porque este não se revelava uma ação organizada ao lado da vida, mas
constituía a própria razão de ser cristãos, isto é, criava homens que viviam em Cristo”163.
Portanto, sem a liturgia ritual a vida cristã é impossível164 e, por sua vez, sem a liturgia
existencial, a liturgia ritual é vazia, “porque não acolhe o compromisso de viver em Cristo
segundo as exigências de obediência ao Pai e de serviço aos irmãos” 165, como expressa
Castellano. O cristão é chamado a fazer de toda a sua vida, a exemplo de Jesus, um culto
agradável a Deus. Ou como explicita Julian López: “não se pode dissociar celebração e vida,
rito e fé, ação litúrgica e compromisso pela justiça e pelo amor fraterno” 166.
serão citadas neste capítulo outras celebrações, como, por exemplo, a da Eucaristia. Com a
apresentação dos elementos presentes nas Sagradas Escrituras, nos testemunhos dos santos
experimentou Deus em sua vida, em suas lutas, vitórias e derrotas 168. As Sagradas Escrituras
testemunham o povo contar, recontar, cantar e celebrar suas alegrias e esperanças, aflições e
Por isso, o estudo da celebração judaica para a celebração litúrgica cristã é de suma
importância. Seria inviável estudar a vida na celebração cristã no Novo Testamento sem situá-
la em sua origem170. Da mesma forma, a liturgia cristã não seria compreendida corretamente
167
Para aprofundar a liturgia nas Sagradas Escrituras conferir, além das obras citadas neste item da dissertação,
as seguintes: ARGÁRATE, Pablo. A Igreja celebra Jesus Cristo: introdução à celebração litúrgica. São Paulo:
Paulinas, 1997, p. 7-20. (Liturgia e participação); AUGÉ, Matias. Espiritualidade Litúrgica: “Oferecei vossos
corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 25-39; AZCARATE,
Andres. La flor de la liturgia renovada: manual de cultura y espiritualidad litúrgicas. 9. ed. Buenos Aires:
Editorial Claretiana, 1982, p. 13-16; BASURKO, Xavier. Historia de la liturgia. Barcelona: Centre de Pastoral
Litúrgica, 2006, p. 21-69. (Biblioteca Litúrgica, 28); CENTRO DE LITURGIA. Liturgia em tempo de opressão:
à luz do Apocalipse. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1996, p. 15-40. (Cadernos de Liturgia, 1); Id. Liturgia e cultura
dos oprimidos no meio urbano. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 52-55. (Cadernos de Liturgia, 2); MOLY, Eugene.
A interação do mundo e do culto nas Escrituras. Concilium, Petrópolis, p. 159-167, 1971; NEUNHEUSER,
Burkhard. História da liturgia através das épocas culturais. São Paulo: Loyola, 2007, p. 39- 57; SILVA, José
Ariovaldo. A celebração do Mistério de Cristo ao longo da história: panorama histórico geral da liturgia. In:
CELAM. Manual de liturgia. Vol. IV: Outras expressões celebrativas do Mistério Pascal e a liturgia na vida da
Igreja. São Paulo: Paulus, 2007, p. 448-452. (Manual de Liturgia).
168
Cf. CNBB. Ele está no meio de nós! O Semeador do Reino. O Evangelho de Mateus. São Paulo: Paulus,
1998, p. 9.
169
As orações do povo de Deus, as expressões rituais e os seus cultos a Deus encontram-se em toda a Bíblia.
“Neste sentido, a Bíblia é um grande relato litúrgico”. SOUZA, Marcelo de Barros. Celebrar o Deus da vida.
Tradição litúrgica e inculturação. São Paulo: Loyola, 1992, p. 41.
170
Segundo Salvatore Marsili, “a Liturgia cristã encontra sua „pré-história‟ na Liturgia do AT; e certamente seria
metodologicamente errado pretender pesquisar as origens da Liturgia cristã partindo apenas dos dados históricos
colhidos nos livros do NT”. MARSILI, Salvatore. Das origens da Liturgia cristã às caracterizações rituais. In: Id;
et al. Panorama histórico geral da Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 11. (Anámnesis, 2).
54
Assim sendo, este item apresentará alguns elementos das Sagradas Escrituras sobre a
partir das atitudes de Jesus e da prática litúrgica das primeiras comunidades cristãs, salientará
Deus na sua história, buscou celebrar esta realidade. Por isso, a celebração de Israel no Antigo
Testamento é histórica, profética e a relação com a vida constitui a sua essência 171.
apenas alguns elementos, requer a distinção das diferentes etapas da história do povo de Israel
O povo judeu remete sua origem e sua fé a um tempo antigo 172. Diversos grupos de
pessoas seminômades, pastores, peregrinos foram seus ancestrais. Estes pais e mães de Israel
integravam na celebração sua luta, sua sobrevivência, sua vida e história. A sua experiência de
171
Cf. AUGÉ, Matias. Liturgia. História, celebração, teologia, espiritualidade. 3. ed. São Paulo: Ave-Maria,
2007, p. 16-20.
172
Informações sobre a origem do ritual israelita; o valor religioso do sacrifício; os atos secundários do culto; o
calendário litúrgico; as festas antigas de Israel; as festas posteriores; os santuários semíticos; os primeiros
santuários de Israel; o templo de Jerusalém; a centralização do culto; a função sacerdotal; o levitismo; o
sacerdócio de Jerusalém sob a monarquia; o sacerdócio após o Exílio; o altar; o ritual dos sacrifícios e a história
do sacrifício israelita podem ser encontrados em VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento.
São Paulo: Teológica, 2003, p. 307-553.
55
também, pais e mães de Israel. A sua experiência de Deus passava pelo cotidiano e sua
libertação da escravidão era celebrada como intervenção de Deus que viu a miséria, ouviu o
clamor, conheceu o sofrimento e desceu para libertá-los (cf. Ex 3,7-8). Essa experiência de
Deus, realizada pelos antepassados do povo judeu, foi diferente de todos os outros povos
Não se conhecia nenhum deus libertador dos pobres e oprimidos dentro das
teologias até então existentes. Os escravos do Egito é que serão os portadores
desta revelação: Existe um Deus contrário à opressão e a exploração. Um
Deus que milita para libertar os oprimidos174.
Celebravam a certeza da presença e intervenção de Deus nos conflitos, nas adversidades, nas
vitórias, nas diferentes situações da vida do povo 175. Esta celebração subverteu o modelo
temiam (cf. Ex 1,15-19). E a festa da Páscoa celebrava esta intervenção de Deus na história
dos que saíram do Egito: “Este dia será para vós um memorial, e o celebrareis como uma festa
para Iahweh; nas vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo” (Ex 12,14). A
173
ZABATIERO, João Paulo Tavares. Conflitos de Espiritualidade. Reflexões sobre a memória espiritual do
povo de Deus no AT. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 30, p. 10, 1991.
174
DIETRICH, Luiz José. Raízes da leitura popular da Bíblia. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 96, p. 16, 2007.
175
Nas religiões pagãs dos povos vizinhos de Israel, a manifestação de seus deuses dava-se através da natureza e
os próprios elementos da natureza eram cultuados como deuses. Para estas religiões, não é a história que revela
Deus, que revela o divino, mas a natureza. A distinta descoberta do povo judeu é que a história revela Deus. Cf.
DUMOULIN, Annette. A romaria em Juazeiro do Norte. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 28, p. 52, 1990;
MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes,
1996, p. 26.
56
celebração da Páscoa é ordem do Senhor, memorial da passagem de Deus pela vida de seu
povo e passagem do povo, graças à intervenção de Deus, da escravidão para a liberdade 176.
iguais. O povo nesta época prestava culto a Deus que luta e liberta, que acompanha a família,
que faz brotar as sementes, traz as chuvas, fala através dos trovões, cavalga os raios 177. Deus
envolvia-se com a vida do seu povo e manifestava-se no ordinário, nas coisas simples do
apresenta a liturgia dos judeus já constituídos como povo e suas consequências para a vida:
sustentava a aliança com Deus e o compromisso com uma sociedade de iguais. A celebração
divinas”179.
monarquia. O estado monárquico apoderou-se das leis que regulavam a vida do povo e as
176
Cf. GELINEAU, Joseh. Celebrar a libertação pascal. Concilium, Petrópolis, p. 249-259, 1974; SANTOS,
Luciano. A festa da Páscoa: um olhar panorâmico em sua gênese e evolução. Revista de Cultura Teológica, São
Paulo, v. 18, n. 72, p. 171-186, out./dez. 2010; VANNUCCHI, Aldo. Liturgia e libertação. 2. ed. São Paulo:
Loyola, 2005, p. 32.
177
Cf. ZABATIERO, João Paulo Tavares. Conflitos de Espiritualidade. Reflexões sobre a memória espiritual do
povo de Deus no AT. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 30, p. 12, 1991.
178
NAKANOSE, Shigeyuki. Para entender o livro do Deuteronômio. Uma lei a favor da vida? RIBLA,
Petrópolis; São Leopoldo, n. 23, p. 178, 1996.
179
MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes,
1996, p. 27.
57
tornou-se ritualista e desligada da vida180. Muitas pessoas acreditavam que estavam próximas
anunciaram que o verdadeiro culto não está no cumprimento da lei do sacrifício e, sim, na
prática da justiça social e do amor ao próximo182. Enganam-se os que pensam que os profetas
suas denúncias na experiência de Deus que através da história encontrou-se com o seu povo.
Os chefes da nação e o próprio povo consideravam-se fiéis a Deus, mas o profeta comparava-
os com Sodoma e Gomorra: “Ouvi a palavra de Iahweh, chefe de Sodoma, prestai atenção à
instrução do nosso Deus, povo de Gomorra!” (Is 1,10). Ele reprovava as próprias oferendas
cultuais dos que não possuíam um compromisso ético e as manifestava como detestáveis aos
olhos de Deus:
180
Cf. LUTZ, Gregório. Celebrar em espírito e verdade. Elementos de uma teologia litúrgica. 3.ed. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 10. (Coleção Celebrar a fé e a vida).
181
Cf. CENTRO BÍBLICO VERBO. Levanta-te e vai à grande cidade. Entendendo o livro de Jonas. São Paulo:
Paulus, 2010, p. 81.
182
Ib. p. 81.
183
“O livro do profeta Isaías é formado por um conjunto de 66 capítulos. Aí se encontram três livros de épocas
diferentes[...]: - Primeiro Isaías (1-39). Esta profecia é do século VIII a.C. O grupo enfrenta conflitos com a
monarquia e o império assírio. – Segundo Isaías (40-55). No contexto do exílio, por volta de 540 a.C., o povo
vive sob a tirania do império babilônico. – Terceiro Isaías (56-66). Surge em Judá, entre os anos 520 e 450 a.C.
No processo de reconstrução de Jerusalém, o grupo profético denuncia a corrupção e a exploração das elites
judaicas e do império persa”. Id. Sonhar de novo. Segundo e Terceiro Isaías (40-66): Roteiros e orientações para
encontros. São Paulo: Paulus, 2004, p. 11.
58
Este texto severo é contra os que oprimiam os pobres e confiscavam as suas terras
como consequência da não capacidade de pagamento dos altos tributos 184. O resultado era
desolador, a pobreza alastrava-se entre muitos e a riqueza se ilhava entre poucos que tentavam
egoístas. Contudo, o profeta Isaías afirmou que a celebração distante da vida e do auxílio aos
necessitados não é estimada por Deus: “Quando estendeis vossas mãos, desvio de vós meus
olhos; ainda que multipliqueis a oração não vos ouvirei. [...] Tirai da minha vista vossas más
ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem! Buscai o direito, corrigi o opressor!
Amós alertava que Deus não aceita o culto vazio e formalista. Ele, profeta no santuário
estatal do reino do norte em Betel, tinha palavras terríveis contra os santuários oficiais e seus
E Miquéias, homem simples do campo que profetizou no reino do sul, constatou que
da vontade do Senhor (cf. Mq 3,9-11a). Ele dizia que estes líderes estavam preocupados em
184
Cf. VANNUCCHI, Aldo. Liturgia e libertação. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005, p. 33.
59
profetizou a destruição do templo como castigo de Deus e anunciou que o que agrada a Deus
é a prática do direito e da justiça. Por isso foi preso e por pouco escapou com vida 185.
santuários e do templo de Jerusalém para lembrar ao povo a aliança com Deus, criticar a
celebração alheia à vida, à prática do direito e da justiça: “Porque é amor que eu quero e não
sacrifícios, ficou em ruínas e muita gente foi levada ao exílio. Os fiéis exilados na
povo judeu passou a ser mais em torno da Palavra e do memorial do Senhor, do que da pureza
Jerusalém. O templo foi reconstruído e o culto oficial israelita no pós-exílio voltou a ser
185
Cf. MARSILI, Salvatore. A Liturgia, momento histórico da salvação. In: NEUNHEUSER, Burkhard; et al. A
Liturgia, momento histórico da salvação. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 52. (Anámnesis, 1).
186
Muitos abandonaram o Deus de Israel ao alegar que não havia benefícios e privilégios em prestar culto a um
deus derrotado que nem pode proteger seu povo. O exilado profeta Ezequiel relatou que estes judeus aderiram ao
culto babilônico e levavam imagens dos deuses vencedores para suas casas (cf. Ez 14,1s). Consultavam
feiticeiras que coziam faixas para os pulsos e davam véus mágicos para o povo que vinha consultá-las (cf. Ez
13,18). Os que permaneceram fiéis aprenderam a relacionar-se de forma gratuita com Deus e não pelos
benefícios e privilégios que Deus lhes proporcionava. Cf. SOUZA, Marcelo de Barros. Celebrar o Deus da vida.
Tradição litúrgica e inculturação. São Paulo: Loyola, 1992, p. 51.
187
Cf. Id. O reencontro do primeiro amor. A inculturação do culto na Bíblia. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 35,
p. 19, 1992.
188
Cf. LUTZ, Gregório. Celebrar em espírito e verdade. Elementos de uma teologia litúrgica. 3. ed. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 12. (Coleção Celebrar a fé e a vida).
60
ritualista e centro de exploração do povo como no tempo da monarquia. Mas não faltou quem
gritasse contra as celebrações alienantes do templo neste novo período. Através do terceiro
Isaías189, Deus dirigiu-se às pessoas que pensavam estar próximas dele e que se reuniam para
celebrar não observando sua vontade. O capítulo 58 do profeta Isaías apresentou a pergunta
destas pessoas diante do comportamento indiferente de Deus da seguinte forma: “Por que
jejuamos e tu não o vês? Mortificamo-nos e tu não tomas conhecimento disso?” (Is 58, 3).
A resposta de Deus foi sem rodeios: “A razão está em que, no dia mesmo do vosso
jejum, correis atrás dos vossos negócios e explorais os vossos trabalhadores; a razão está em
que jejuais para entregar-vos a contendas e rixas, para ferirdes com punho perverso” (Is 58,1-
4). Através do profeta, Deus respondeu que a prática formal do jejum não encobria as
responsáveis pela miséria e exploração dos trabalhadores eram os que se reuniam para
necessitados:
Por acaso não consiste nisto o jejum que escolhi: em romper os grilhões da
iniquidade, em soltar as ataduras do jugo e pôr em liberdade os oprimidos e
despedaçar todo o jugo? Não consiste em repartir o teu pão com o faminto, em
recolheres em tua casa os pobres desabrigados, em vestires aquele que vês nu
e em não te esconderes daquele que é tua carne (Is 58,6-7)?
O profeta anunciou que o culto agradável a Deus reclamava olhos abertos para a vida
dos empobrecidos e esquecidos pela sociedade e exigia a partilha dos bens. Portanto, como
afirma Matias Augé, “os profetas do Antigo Testamento já tinham lembrado a exigência de
189
Cf. nota de rodapé número 183.
190
Cf. CENTRO BÍBLICO VERBO. Sonhar de novo. Segundo e Terceiro Isaías (40-66): Roteiros e orientações
para encontros. São Paulo: Paulus, 2004, p. 131.
191
AUGÉ, Matias. Domingo: festa primordial dos cristãos. São Paulo: Ave-Maria, 2000, p. 15-16.
61
Testamento. No livro de Levítico, por exemplo, a celebração perpassa a vida cotidiana dos
israelitas, define os espaços para os puros e impuros e rege a vida social definindo a exclusão
experiência do dia a dia, como apresenta o livro do Eclesiástico ao referir-se aos trabalhadores
manuais: “Não brilham nem pela cultura nem pelo julgamento, não se encontram entre os
criadores de máximas. Mas asseguram uma criação eterna, e sua oração tem por objeto os
conselho do povo e na assembleia não sobressaiam, mas a sua vida unia-se à celebração.
observância da lei na vida de cada pessoa. Outros, irrompem da vida do povo e muitas destas
orações são gritos contra a situação de dor e sofrimento192. Através dos Salmos, as situações
fracassos, dores e traições sofridas constituem a oração. Através da oração litúrgica dos
Salmos, revive-se a história de Israel e dos orantes do Antigo Testamento, atingem-se toda a
vida humana, seus altos e baixos e a multiforme história dos seres humanos com Deus 193.
Ana Flora e Frei Gorgulho explicam que a formação do povo de Deus, sua história e
vida são sustentadas pela liturgia: “A celebração das festas agrícolas, e as celebrações na casa,
e no Templo, foram fatores integrantes, e força de libertação para constituir o Povo como
192
Cf. CENTRO BÍBLICO VERBO. Sonhar de novo. Segundo e Terceiro Isaías (40-66): Roteiros e orientações
para encontros. São Paulo: Paulus, 2004, p. 137.
193
Cf. MARSILI, Salvatore. A Liturgia, momento histórico da salvação. In: NEUNHEUSER, Burkhard; et al. A
Liturgia, momento histórico da salvação. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 51. (Anámnesis, 1).
62
comunhão real, que supera a dominação e a dispersão de seus membros na base da vida e das
vontade divina todas as vezes que Israel se desviou da mútua integração e vitalização entre
celebração e vida. Por isso, com este estudo de alguns elementos do Antigo Testamento sobre
a vida na celebração, têm-se base sólida e possibilidade de proveitoso estudo da liturgia nas
termo culto, liturgia, oferenda, sacrifício e templo para a celebração cristã 195. Porém, estes
à fé dos gentios que creram (cf. Rm 15,15-16), ao serviço dos pobres (cf. 2Cor 9,12), ao
martírio (cf. Fl 2,17) e à vida dos cristãos (cf. Rm 12,1; 1Pd 2,5; 1Cor 3,16-17; Cl 3,17)196.
cristã concreta a exemplo de Jesus. Para os primeiros cristãos, segundo Claude Duchesneau ,
“a vida do cristão não é uma vida como as outras que cadencia, de vez em quando, um tempo
que se consagre a Deus. É uma vida inteiramente consagrada a ele, na integralidade de seu
194
GORGULHO, Frei Gilberto; ANDERSON, Ana Flora. Celebração e libertação. A força libertadora do
sagrado. [São Paulo]: s.n, p. 5, s.d.
195
Os escritores sagrados não quiseram servir-se destes termos para indicar as celebrações próprias dos cristãos
para não causar confusão nas primeiras comunidades cristãs. O culto que conheciam, ou era judaico e eles
sabiam bem suas deficiências, ou era romano imperial idólatra e opressor. Somente no séc. II, voltou-se a
empregar o vocabulário cultual da Bíblia grega para designar a liturgia cristã. Cf. AUGÉ, Matias. Liturgia.
História, celebração, teologia, espiritualidade. 3. ed. São Paulo: Ave-Maria, 2007, p. 11-16; BASURKO, Xavier;
GOENAGA, José Antonio. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica. In: BORÓBIO,
Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. I: Liturgia e sacramentologia fundamental. 2. ed. São Paulo:
Loyola, 2002, p. 52; MARSILI, Salvatore. Das origens da Liturgia cristã às caracterizações rituais. In: Id; et al.
Panorama histórico geral da Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 21. (Anámnesis, 2); MARTÍN, Julián
López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 22; SOUZA,
Marcelo de Barros. Celebrar o Deus da vida. Tradição litúrgica e inculturação. São Paulo: Loyola, 1992, p. 57.
196
Cf. MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis:
Vozes, 1996, p. 38-39.
63
tempo e de seu conteúdo”197. Oferenda e ação de graças a Deus são o conjunto da existência.
Diferente do ritualismo vazio e desligado da vida de grupos judeus e pagãos, a vida cristã
Os Evangelhos mostram Jesus indo a Jerusalém, mas ao invés de ir ao templo, ele ia até a
piscina para curar os doentes (cf. Jo 2,13-2) e o povo fazia experiência de Deus fora do
templo. Jesus mostrou que a celebração precisa considerar a vida e a necessidade das pessoas,
O Evangelho de Marcos, por exemplo, mostra que Jesus não se preocupou com os
sacrifical do templo (cf. Mc 7,11-12)200. No Evangelho de João, Jesus participou da festa das
tendas indo ao templo e revelando que o culto sacrifical é ineficaz. No lugar das abluções
rituais e da busca da água lustral, Jesus disse: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba
aquele que crê em mim‟ (Jo 7,37). Vai diante dos candelabros, que cada noite da festa são
liberdade em relação ao repouso sabático e ensinou que a lei do sábado terminava quando a
vida estivesse ameaçada. Jesus seguiu os judeus piedosos que no passado agiram desta forma,
197
DUCHESNEAU, Claude. A celebração na vida cristã. São Paulo: Paulinas, 1977, p. 117.
198
Cf. CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual. Teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p. 63.
199
Cf. LUTZ, Gregório. Celebrar em espírito e verdade. Elementos de uma teologia litúrgica. 3. ed. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 16. (Coleção Celebrar a fé e a vida).
200
Jesus fez oposição à organização sócio-econômico-política do templo que beneficiava e legitimava a
dominação romana. O templo era lugar do tesouro e do comércio controlados pelos sacerdotes latifundiários, do
sinédrio controlado pelos saduceus e das decisões políticas. Diante desta realidade, Jesus referiu-se a si mesmo
como sendo o verdadeiro caminho de acesso ao Pai e relativizou o templo como lugar do encontro com Deus. Cf.
FREYNE, Sean. Jesus peregrino. Concílium, Petrópolis, n. 266, p. 28, 1996; NAKANOSE, Shigeyuki;
MARQUES, Maria Antônia. Jesus e seus opositores. RIBLA. Petrópolis; São Leopoldo, n. 47, p. 100, 2004.
201
SOUZA, Marcelo de Barros. O reencontro do primeiro amor. A inculturação do culto na Bíblia. Estudos
Bíblicos, Petrópolis, n. 35, p. 25, 1992.
64
como narram Shigeyuki Nakanose e Maria Antônia: “Depois da guerra dos Macabeus (1Mc
2,41), após um massacre sem qualquer resistência dos judeus em dia de sábado, entrou o
costume de violar a lei em vista da defesa da vida”202. Jesus insistiu que o sábado era para dar
vida ao povo e não para impedir que fossem garantidas a dignidade e as necessidades do ser
No Evangelho de Mateus, Jesus revelou que a condição para uma celebração válida é a
relação de amor e de justiça para com o próximo: “Portanto, se estiveres para trazer a tua
oferta ao altar e ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua
oferta ali diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e depois virás apresentar
No diálogo com a samaritana, Jesus anunciou um culto “em espírito e verdade” (Jo
4,23). E Jesus, afirma Julián López Martín, não só instruiu que se devia adorar a Deus em
espírito e verdade, “mas também inaugurou ele próprio essa adoração, unindo culto e vida e
sintetizando essa unidade na oração que aflorava constantemente aos seus lábios: Abba, Pai
que integrem oração e vida, celebração e existência. Aqueles que multiplicam as palavras em
suas orações e não procuram o cumprimento da vontade de Deus não serão ouvidos em seus
Jesus, também, convidou os seus seguidores a dar suas vidas e partilhá-las como ele
mesmo fez207. No Evangelho de João, segundo Xavier Léon-Dufour, Jesus na Ceia com seus
202
NAKANOSE, Shigeyuki; MARQUES, Maria Antônia. Jesus e seus opositores. RIBLA, Petrópolis; São
Leopoldo, n. 47, p. 105, 2004.
203
MARSILI, Salvatore. Das origens da Liturgia cristã às caracterizações rituais. In: Id; et al. Panorama
histórico geral da Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 14. (Anámnesis, 2).
204
VANNUCCHI, Aldo. Liturgia e libertação. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005, p. 35.
205
MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes,
1996, p. 34.
206
Cf. MARSILI, Salvatore. Das origens da Liturgia cristã às caracterizações rituais. In: Id; et al. Panorama
histórico geral da Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 14. (Anámnesis, 2).
207
Cf. FOUREZ, Gérard. Os sacramentos celebram a vida. Celebrar as tensões e as alegrias da vida. Petrópolis:
Vozes, 1984, p. 44.
65
discípulos pediu dois tipos de memória: uma ação litúrgica e um comportamento de serviço.
“A convergência entre as duas memórias se impôs de tal forma que até o século XIII o lava-
pés foi considerado como um sacramento”208. A presença de Jesus no meio dos seus
discípulos não acontece somente através da liturgia, mas na caridade, no serviço, na doação da
própria vida. A celebração litúrgica não é negligenciada, é edificada sobre a vida de caridade
E foi isto que as primeiras comunidades cristãs, após a morte e ressurreição de Jesus,
buscaram viver: glorificar o Pai mediante a santidade de vida, constância no ensinamento dos
apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações210. O texto de Atos dos
primitiva:
Através deste texto é retratada a inter-relação entre Palavra, culto e caridade presente
nas primeiras comunidades. A conversão se exprime por um novo modelo de vida que é sinal
para “todo o povo”: partilha do pão, da Palavra, dos bens e a comunhão fraterna. Porém,
houve dificuldades de realização deste ideal de vida cristã na Igreja primitiva. A passagem
mais conhecida talvez seja a advertência de Paulo à comunidade cristã presente em Corinto.
Ele chamou a atenção para o banquete que precedia a ceia na comunidade que já não era mais
testemunho de partilha, mas tornou-se sinal de ostentação e discriminação dos mais pobres
208
LÉON-DUFOUR, Xavier. O partir do pão eucarístico segundo o Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1984,
p. 317-318.
209
Cf. Id. O Pão da Vida. Um estudo teológico sobre a Eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 59;
D‟ANNIBALE, Miguel Ángel. A celebração eucarística. In: CELAM. Manual de liturgia. Vol. III: A celebração
do Mistério Pascal. Os sacramentos: sinais do Mistério Pascal. São Paulo: Paulus, 2005, p. 178.
210
Cf. BASURKO, Xavier; GOENAGA, José Antonio. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução
histórica. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. I: Liturgia e sacramentologia
fundamental. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 49; MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I:
Introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 29.
66
(cf. 1Cor 11,17-34). São Paulo admoestou que não tem sentido a partilha do pão eucarístico se
não há partilha na vida comunitária e concluiu que a “Ceia do Senhor” é a proclamação da sua
morte (cf. 1Cor 11,26), é comunhão de seu corpo e sangue (cf. 1Cor 10,16-17), e comunhão
fraterna (cf. 1Cor 11,20). A Eucaristia está ligada à vida, é expressão e celebração da vida211.
A ação de graças de Paulo flui das notícias que chegam de toda parte, dos encontros,
das visitas, da comunhão fraterna e da partilha da vida. A oração brota, também, da vida das
igrejas e da preocupação dele por todas elas (cf. Fl 4,6). René Guerre mostra a capacidade de
Paulo em perceber a ação de Deus na história e a partir da vida dar graças da seguinte forma:
A ação de graças brota do dia a dia de Paulo, de sua vida pessoal com seus altos e
baixos, alegrias e tristezas, vitórias, angústias e fracassos. Paulo “não separa o culto cristão da
vida, o serviço de Deus do serviço dos irmãos. O culto, como a oração, sustenta toda a vida,
em todas as suas fases, a todas as horas” 213, como expressa Hamman. Paulo chamou de “ajuda
litúrgica” a própria coleta organizada para ajudar os irmãos de Jerusalém (cf. 2Cor 9,12).
Deus, a que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o
211
O repreensível em Corinto era que “para se assentarem à mesa, muitos não esperavam que todos estivessem
presentes; chegavam ao ponto de se embriagarem enquanto outros passavam fome. Daí os choques de que Paulo
tinha sido informado, choques que produziam muito provavelmente entre os fiéis mais abastados e as pessoas de
condição modesta, quer porque estas chegassem tarde, retidas por seu trabalho, quer porque fossem afastadas das
mesas melhor abastecidas”. LÉON-DUFOUR, Xavier. O partir do pão eucarístico segundo o Novo Testamento.
São Paulo: Loyola, 1984, p. 247.
212
GUERRE, René. A oração das primeiras comunidades. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 10, p. 51, 1989.
213
HAMMAN, Adalbert. Liturgia e apostolado. Petrópolis: Vozes, 1968, p. 21.
67
vosso culto espiritual” (Rm 12,1). A existência cristã, vivida na fidelidade ao Espírito de
O autor da carta aos Hebreus diz que esta liturgia, ou seja, o sacrifício da vida, o
engajamento em favor dos outros, está unida ao sacrifício de Cristo: “Por meio dele [Jesus],
ofereçamos continuamente um sacrifício de louvor a Deus, isto é, o fruto dos lábios que
confessam o seu nome. Não vos esqueçais da beneficência e da comunhão, porque são estes
os sacrifícios que agradam a Deus” (Hb 13,15-16). A vida cristã é considerada como liturgia,
como “uma imensa procissão litúrgica de peregrinos em direção ao santuário onde habita
ouvintes” (Tg 1,22). Ele destaca que o verdadeiro culto a Deus é este: “visitar os órfãos e as
viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1,27). Tiago queria
irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de
cada dia, e alguém dentre vós lhes disser: „Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos‟, e não lhes
der o necessário para a sua manutenção, que proveito haverá nisso?” (Tg 2,15-16). Portanto,
para Tiago, a fé sem obras é morta e o culto que não leva ao compromisso com os pobres e
marginalizados é vazio. Para ele, culto e caridade, sacrifício e ação, liturgia e vida são
complementares e uma celebração da Palavra que não leva em consideração a vida e não
214
Cf. BASURKO, Xavier; GOENAGA, José Antonio. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução
histórica. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. I: Liturgia e sacramentologia
fundamental. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 47.
215
VAGGAGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia. São Paulo: Loyola, 2009, p. 234.
216
Cf. PORTO, Humberto. Liturgia judaica e liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 1977, p. 88-89.
68
comunidades cristãs através de diversos hinos e orações. Cada oração é uma liturgia da vida e
cada hino envolve toda a vida da Igreja. Segundo Ferreira, “cada hino do Apocalipse surge
Apocalipse:
Esta comunidade ora a resistência, reza a vitória do Cordeiro com todo o seu
ser. Ela celebra a vida com garra, apesar dos sofrimentos impostos por
Domiciano. Ela sabe que muitos cristãos foram e serão torturados e
assassinados. Vê que o sangue continua ser derramado. Ela vence o desespero
e o medo e reza com toda a fé a história passada (saída do Egito) e a presente
(julgamento de Roma e vitória dos perseguidos). Reza para si própria para
superar os momentos terríveis da tribulação e reza para toda a Igreja em
qualquer ponto do império para não esmorecer218.
por Deus (cf. Ap 4-5), encontravam força para resistir, celebravam a vida, rezavam suas
esperança dos cristãos por dias melhores. O Apocalipse integra liturgia e vida, celebração e
realidade histórica.
das primeiras comunidades cristãs, a ação litúrgica está profundamente ligada à vida cotidiana
se pode experimentar e crer que amar é servir, partir o pão é partilhar a vida, comungar o
217
Cf. FERREIRA, Joel Antônio. É possível rezar em tempo de perseguição? A Liturgia da Vida no Apocalipse.
Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 35, p. 59, 1992.
218
Ib. p. 65.
219
“Uma vez soltos [Pedro e João], foram para junto dos seus e referiram tudo o que lhes disseram os chefes dos
sacerdotes e os ancião. Ouvindo isto, todos juntos elevaram a voz a Deus, dizendo: „Soberano Senhor, foste tu
que fizeste o céu, a terra, o mar, e tudo o que neles existe [...]‟” (At 4,23-24).
69
Mistério de Cristo compromete, na caridade para com os irmãos, aquele que celebra220.
sua diakonia221. O cuidado com os pobres foi parte integrante da vida de Jesus e seus
seguidores e é pelo compromisso profético que os primeiros cristãos foram considerados “os
que andaram revolucionando o mundo inteiro” (At 17,6). Assim, o Novo Testamento mostra
que a vida do cristão, além de ser prolongamento da liturgia ritual, é culto agradável a Deus, é
liturgia existencial222.
exige enorme labuta e prudência. Porém, informações extra-bíblicas das comunidades pós-
apostólicas, testemunhos dos padres da Igreja, textos litúrgicos ou até mesmo canônicos
ajudam no estudo sobre a vida na celebração no início do cristianismo. Isto atesta Jesús
Castellano:
220
Cf. BOROBIO, Dionisio. Liturgia y compromiso social. Phase, Barcelona, n. 181, p. 58, 1991; HAMMAN,
Adalbert. Liturgia e apostolado. Petrópolis: Vozes, 1968, p. 9-45.
221
BOROBIO, Dionisio. Liturgia y compromiso social. Phase, Barcelona, n. 181, p. 61, 1991.
222
Cf. AUGÉ, Matias. Liturgia. História, celebração, teologia, espiritualidade. 3. ed. São Paulo: Ave-Maria,
2007, p. 20-25; Id. Espiritualidade Litúrgica. “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a
Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 25-39.
223
Para aprofundamento da liturgia nos Santos Padres conferir, além das obras citadas neste item da dissertação,
as seguintes: ARGÁRATE, Pablo. A Igreja celebra Jesus Cristo: introdução à celebração litúrgica. São Paulo:
Paulinas, 1997, p. 20-33. (Liturgia e participação); AZCARATE, Andres. La flor de la liturgia renovada:
manual de cultura y espiritualidad litúrgicas. 9. ed. Buenos Aires: Editorial Claretiana, 1982, p. 17-18;
BASURKO, Xavier; GOENAGA, José Antonio. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução
histórica. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. I: Liturgia e sacramentologia
fundamental. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 56-83; BASURKO, Xavier. Historia de la liturgia. Barcelona:
Centre de Pastoral Litúrgica, 2006, p. 71-184. (Biblioteca Litúrgica, 28); NEUNHEUSER, Burkhard. História da
liturgia através das épocas culturais. São Paulo: Loyola, 2007, p. 59-84; SILVA, José Ariovaldo. A celebração
do Mistério de Cristo ao longo da história: panorama histórico geral da liturgia. In: CELAM. Manual de liturgia.
Vol. IV: Outras expressões celebrativas do Mistério Pascal e a liturgia na vida da Igreja. São Paulo: Paulus,
2007, p. 452-459. (Manual de Liturgia).
70
Geralmente para os primeiros cristãos não existia contradição entre reunir-se para o
são a Carta de São Clemente Romano aos Coríntios e a Didaqué. São escritos
oração cristã extra-bíblica227. Clemente iniciou essa oração, após orientar penitência ou exílio
aos responsáveis por provocar desordem na comunidade de Corinto, para que a harmonia
224
CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual. Teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p. 75.
225
Cf. HAMMAN, Adalbert. A vida cotidiana dos primeiros cristãos (95-197). São Paulo: Paulus, 1997, p. 205-
206.
226
Clemente possuía grande autoridade na antiguidade, tanto que a Igreja siríaca contou seu escrito entre as
Sagradas Escrituras e o mesmo foi inserido no Codex Alexandrinus da Bíblia que se encontra em Londres. Cf.
CLEMENTE ROMANO. Carta aos coríntios. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 7.
227
Cf. Ib. p. 60.
228
CLEMENTE ROMANO. Carta aos Coríntios, 59,4. In: SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA
(Org). Antologia Litúrgica. Textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima [Portugal]:
Coimbra, 2004, p. 91.
71
enfermos, famintos, prisioneiros, fracos e desanimados. Esta oração não pertence a uma
celebração, mas virá a tornar-se modelo de oração dos fiéis na liturgia da Palavra. É
íntegra e relações harmônicas aos participantes da celebração litúrgica: “Quem tiver alguma
desavença com o seu irmão, não se reúna convosco antes de se reconciliar, para que não seja
profanado o vosso sacrifício”233. Para o desconhecido autor desta instrução, a vida do fiel
cristão: “se partilhais os bens da imortalidade, com maior razão deveis fazê-lo quanto aos
possibilidades para quem celebra, mas são necessidades e obrigações da vida cristã.
Alguns textos do século II revelam que o compromisso ético e vida de caridade brotam
da liturgia e são celebrados por ela. São testemunhos de Inácio de Antioquia, Aristides de
229
Análise de Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns em: CLEMENTE ROMANO. Carta aos coríntios. 3. ed.
Petrópolis: Vozes, 1984, p. 10.
230
Jungmann ao citar a obra Stromata de Clemente expressa: “cabe ao cristão perante Deus uma ação de Graças
ao longo de toda a sua vida; esta é a expressão da verdadeira adoração de Deus”. JUNGMANN, Josef Andreas.
Missarum Sollemnia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, p. 41.
231
Do tempo dos apóstolos, este texto foi escrito entre os anos 90-100 d.C., na Síria, na Palestina ou em
Antioquia. Cf. DIDAQUÉ. Catecismo dos primeiros cristãos. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 13.
232
Cf. Mt 5,23-24
233
DIDAQUÉ. 14,2. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 98-99.
234
DIDAQUÉ. 4,8. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 94.
72
Inácio235, através da sua Carta aos Esmirnenses, afirmou que os docetas236 negavam a
relacionar o abandono da caridade aos necessitados com o abandono da liturgia: “Não lhes
os libertos, nem com os que padecem fome ou sede”238. Para ele, a celebração impulsionava
Aristides de Atenas foi um dos apologistas gregos que mais se destacou. Sua apologia
verdadeiro ao verdadeiro Deus e, por isso, a vida moral destes fiéis não era nociva ao império:
Amam-se uns aos outros, não desprezam as viúvas, defendem o órfão das
mãos de quem o trata com violência, e aquele que possui bens dá sem inveja
ao que não tem... Quando sabem que algum dos seus está na prisão ou é
oprimido por causa do nome de Cristo, socorrem com solicitude a sua
necessidade, e, se é possível libertá-lo, libertam-no... Se entre eles alguém é
pobre e passa necessidades, e os outros não têm abundância de meios, jejuam
dois ou três dias para satisfazer a falta de alimento daquele que não tem... 239.
Para Aristides, o culto dos judeus era superficial, a religião pagã era inconciliável com
o verdadeiro conceito de Deus e nociva para o império. Somente a celebração cristã dava
jejum, pertencente às três práticas judaicas de piedade240, era direcionado para a caridade aos
235
Inácio foi bispo de Antioquia durante o governo do imperador Trajano (98-117 d.C). Segundo a tradição,
havia sido levado prisioneiro da Síria a Roma para ser dilacerado pelas feras na arena. Durante a viagem, Inácio
escreveu sete cartas, quatro desde Esmirna e três de Trôade.
236
Doutrina existente nos séculos II e III que negava a existência de um corpo material a Jesus Cristo, que seria
apenas espírito.
237
“Abstêm-se da Eucaristia e da oração, porque não acreditam que a Eucaristia é a carne do nosso Salvador
Jesus Cristo, carne que sofreu pelos nossos pecados e que o Pai, em sua bondade, ressuscitou”. INÁCIO DE
ANTIOQUIA. Inácio aos Esmirnenses, 7,1. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 112.
238
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Inácio aos Esmirnenses, 6,2. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 112.
239
ARISTIDES DE ATENAS. Apologia, 15, 5-7. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 124.
240
O jejum, a caridade e a oração são as três práticas judaicas de piedade. Cf. CENTRO BÍBLICO VERBO.
Sonhar de novo. Segundo e Terceiro Isaías (40-66): Roteiros e orientações para encontros. São Paulo: Paulus,
2004, p. 122-137.
73
Justino foi outro brilhante apologista do século II. Para ele, defender o cristianismo e
apresentar a Eucaristia das Igrejas no século II ao imperador Antonino Pio era, também,
explicitar que as ofertas dos fiéis colocadas em comum estavam à disposição dos
Os que vivem em abundância e querem repartir, dão, cada um o que lhe apraz
e parece bem. E o que se recolhe é deposto aos pés daquele que preside, e ele,
por seu turno, presta assistência aos órfãos, às viúvas, aos doentes, aos pobres,
aos prisioneiros, aos estrangeiros de passagem, numa palavra, a todos os que
sofrem necessidade242.
Justino afirmava que o verdadeiro culto a Deus provinha daqueles que não queimavam
as ofertas e, sim, as ofereciam como alimento aos necessitados243. Ele expressou, ainda, aos
que buscavam o Batismo: “Se entre vós há um ladrão deixe de o ser, se há um adúltero, faça
penitência, se há um mentiroso, que se converta” 244. Quem quiser seguir Jesus Cristo precisa
celebrada.
Minúcio Félix respondeu, ao pagão Cecílio, à acusação feita aos cristãos de “seita
deplorável”245 e de ausência de elementos nos seus cultos que caracterizavam os cultos pagãos
da seguinte forma:
Não temos templos nem altares... Mas que templo poderei eu construir a Deus,
se o mundo inteiro, obra das suas mãos, não O pode conter?... Não será
possível dedicar-Lhe um templo no espírito e no fundo do coração?... São
estes os nossos sacrifícios. É este o culto que nós prestamos a Deus, e, para
nós, é mais religioso aquele que é mais justo [...]. Em qualquer parte que nos
encontremos, Deus não só está perto de nós, mas está em nós mesmos [....].
Não só agimos sob o seu olhar, mas vivemos n´Ele 246.
241
CASTILHO, José Maria. Onde não há justiça não há Eucaristia. In: ALONSO, José; et al. Fé e justiça. São
Paulo: Loyola, 1990, p. 129.
242
JUSTINO. Apologia I, 67,6. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 141.
243
Cf. JUSTINO. Apologia I, 13,1. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 137. “A única homenagem que lhe [a Deus
Pai] é digna é, usar seus dons em prol de nós e dos pobres”. JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia:
origens, liturgia, história e teologia da missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, p. 42.
244
JUSTINO. Diálogo com Trifão, 12,3. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 143.
245
MINÚCIO FÉLIX. Octávio, 8. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 154.
246
MINÚCIO FÉLIX. Octávio, 32. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 155.
74
Minúcio afirmou que aquele que pratica a justiça é quem apresenta fortes elementos de
adoração, veneração e culto a Deus. Desta forma, ele vinculou a celebração à vida íntegra do
cristão que a apresentou como modesta, inocente e pautada pelo amor. Os pagãos, ao
Quanto à Carta a Diogneto, não se conhecem nem o autor e nem o destinatário, apenas
que este autor desconhecido do século II respondeu à pergunta como os cristãos cultuam a
Deus e quem são eles248. No capítulo 10 da apologética Carta, dentre outros assuntos, o autor
descreveu a possibilidade de o ser humano ser imitador de Deus e que a felicidade de quem o
imita não está “em oprimir o próximo, em querer estar acima dos mais fracos, em tornar-se
rico e ser violento com os inferiores”249. A Carta indica que os cristãos cultuam a Deus e
tornam-se seus imitadores quando levam o fardo do próximo e procuram fazer o bem ao que
menos possui250.
No século III, o Império Romano viveu uma decadência dos costumes do povo e do
exército, gerada por uma grave crise econômica caracterizada por uma espantosa inflação
monetária e uma legislação que pretendia controlá-la. A perseguição aos cristãos tornou-se
oficial, diferente do século II, que era limitada. Neste contexto, encontram-se escritos
expressivos sobre a vida na celebração nos seguintes autores ou obras do século III: Ireneu de
Cartago.
Ireneu de Lião251, “doutor da Igreja” por ter sido o primeiro a apresentar uma visão de
culto ritual. Ireneu ressaltou, também, que onde não existe testemunho de vida cristã não
247
Cf. MINÚCIO FÉLIX. Octávio, 31. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 155.
248
Cf. LIBANIO, João Batista. Olhando para o futuro. Prospectivas teológicas e pastorais do Cristianismo na
América Latina. São Paulo: Loyola, 2003, p. 154.
249
CARTA A DIOGNETO. 10,5. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 159.
250
Cf. CARTA A DIOGNETO. 10,6. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 159.
251
O seu martírio é apresentado nas obras de São Jerônimo e de São Gregório de Tours.
75
existe verdadeira celebração e Eucaristia agradável a Deus. Afirmou, ainda, que o sacrifício se
Cada qual, em dia fixo do mês ou quando quiser (se quiser e se puder),
contribui com uma pequena quantia, mas ninguém é obrigado: a contribuição
é espontânea. Estes são como que os fundos comuns da piedade [...], para
alimentar e sepultar os pobres, crianças, donzelas órfãs, criados já velhos e
também os náufragos... Aqueles que estiveram nas minas, nas ilhas e nas
prisões, desde que tenha sido só pela causa de Deus, passam a ser sustentados
pela fé que confessaram 254.
Ao referir-se à ágape, Tertuliano afirmou que “até pelo nome, mostra a sua razão de
ser. Chamamo-la pelo nome que entre os Gregos significa “amor”. [...] com esta refeição
vamos ao socorro de toda a sorte de necessitados..., dado que, junto de Deus, é muito grande a
estima em que são tidos os pequenos”255. A celebração da ágape está associada à vida dos
Para Hipólito de Roma, a vida cristã é alimentada pela liturgia e flui na caridade para
com próximo. Ao término da celebração dos sacramentos da iniciação cristã, ele instruiu os
neófitos a apressarem-se “a fazer boas obras, a agradar a Deus e a viver de maneira digna,
Hipólito transmitiu aos diáconos, servidores dos necessitados: “Se alguém receber dons para
levar a uma viúva, a um doente ou a alguém que se ocupa das coisas da Igreja, levá-los-á no
252
Cf. IRENEU DE LIÃO. Contra as heresias, IV, 18,3. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 171.
253
Tertuliano nasceu em Cartago e recebeu sólida instrução intelectual. Foi advogado em Roma e em 193 d.C.
converteu-se ao cristianismo, pondo toda a sua cultura a serviço da fé cristã.
254
TERTULIANO. Apologético, 39,5-6. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 190.
255
TERTULIANO. Apologético, 39,16. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 191.
256
HIPÓLITO DE ROMA. Tradição Apostólica, 21. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 236.
76
mesmo dia. Se o não fizer, leve-os no dia seguinte, acrescentando algo do que é seu ao que
havia, por ter permanecido em sua casa o pão dos pobres”257. Quem não possui o mínimo
justiça e da solidariedade, encontrado no século III, vem da Didascália dos Apóstolos. O autor
orientava para não se receber na celebração ofertas dos ricos que tratavam mal seus criados e
oprimiam os pobres, dos comerciantes injustos, dos que dão falso testemunho, dos que
traficam com condenações ilegais, dos magistrados que proferiram sentenças de morte e dos
homicidas. Dessas pessoas e, em geral, do dinheiro que provém da injustiça, o altar de Deus
não pode depender258. É preferível morrer de fome a viver das ofertas dos iníquos e dos que
cometem injustiças259.
A Didascália dos Apóstolos afirma, também, que “se houver pessoas em litígio entre si
obrigação de convencê-las a fazer a paz, porque onde há divisão, a celebração não tem valor e
não é aceita por Deus. Afirma, ainda, que o próprio bispo precisa ser o primeiro a dar
testemunho da caridade à comunidade reunida para celebrar: “Se chega um pobre, homem ou
mulher, da tua paróquia ou de fora, sobretudo se for avançado em idade, e não houver lugar
para ele, dá-lhe um lugar de todo coração, ó bispo, mesmo que precises sentar-te no chão”261.
Não se trata de um simples gesto de atenção, mas o pobre é sacramento de Deus e o bispo,
como pai dos pobres, deve reconhecer e estimar o Senhor naqueles em situação inferior.
257
HIPÓLITO DE ROMA. Tradição Apostólica, 24. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 237.
258
Cf. LA DIDASCALIA de los Apóstoles. IV, 5,2. Phase, Barcelona, n. 132, 1991.
259
Cf. LA DIDASCALIA de los Apóstoles. IV, 8,2. Phase, Barcelona, n. 132, 1991.
260
DIDASCÁLIA DOS APÓSTOLOS. II, 54,1. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 246.
261
DIDASCÁLIA DOS APÓSTOLOS. II, 58,6. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 248.
77
Um dos pensadores cristãos mais originais de todos os tempos foi Orígenes262. Ao ser
questionado pelos cristãos sobre o jejum a praticar, orientava-os a evitar o pecado, as más
Orígenes ensinou publicamente aos cristãos que o mais importante e sagrado é a vida
íntegra e de caridade que eles podiam ter: “o santuário do Senhor não deve ser procurado num
lugar, mas nas tuas ações, na tua vida, nos teus costumes” 264. Celebrando e vivendo desta
Para Cipriano266, a celebração mais agradável a Deus era a vida sem divisão, reflexo
da unidade que existe entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ele afirmava que a liturgia é
rejeitada por Deus quando é celebrada na discórdia e dissensão. Cipriano ensinava que a
Eucaristia exigia unidade e que “Deus não aceita o sacrifício do que vive em discórdia e
manda-o retirar-se do altar para ir primeiro reconciliar-se com seu irmão, porque só as orações
se: “Aqueles que oram não devem apresentar-se diante de Deus com preces estéreis e nuas. É
vã a súplica quando se ora a Deus com orações sem obras... Depressa sobem para Deus as
262
Orígenes foi mártir na perseguição de Sétimo Severo, doutor e sábio de destaque da Igreja antiga, homem de
conduta intacta e de erudição enciclopédica.
263
ORÍGENES. Homilias sobre o Levítico, Homilia 10,2. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 256.
264
ORÍGENES. Homilias sobre o Levítico, Homilia 12,4. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 256.
265
Cf. ORÍGENES. Homilias sobre Josué, Homilia 9,2. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 260.
266
Cipriano nasceu em uma família pagã abastada. Influenciado pelo presbítero Cecílio, converteu-se ao
cristianismo. Durante o tempo de catecumenato, decidiu viver na pobreza e castidade como forma de imitação de
Cristo para chegar até Deus.
267
CIPRIANO. A oração dominical, 23. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 280.
78
orações que apresentam a Deus os méritos das nossas obras” 268. É ineficaz e falsa a
celebração de quem presta culto a Deus sem correspondente vida de caridade e doação. Nem
as mulheres ricas, que participavam da celebração durante a peste que se estendeu por toda a
região de Cartago no outono de 252, escapavam de sua crítica: “Sendo opulenta e rica, pensas
que celebras a Ceia do Senhor, tu que nem sequer olhas para a caixa, que vens à celebração
sem oferenda e recebes parte da oferenda que o pobre apresentou?” 269 Ele denunciou a falta
de sensibilidade e empatia destas mulheres com os sofredores e atingidos pela epidemia. Elas
não veem os pobres e moribundos por possuírem os olhos cobertos de pinturas negras. Assim,
que ela desenvolvesse suas instituições e estruturas, tanto em sua organização hierárquica
como em sua dimensão litúrgica, pastoral e monástica. A partir da reflexão sistemática sobre
os conteúdos da fé, surgiram numerosos tratados e obras de um valor perene. Nestes dois
Um destes homens foi Comodiano. Seu conselho aos que exercem um trabalho
Aconselho aos leitores [...] a ajudarem os outros com o exemplo de vida. Fugi
de disputas e de quaisquer outros litígios, espremei o tumor e nunca sejais
soberbos. [...] E sede, com as vossas boas obras, lírios entre espinhos. Vós sois
flores no meio do povo, sois lâmpadas de Cristo. Guardai o que sois e podereis
recordar-vos (de tudo isso)271.
268
CIPRIANO. A oração dominical, 32-33. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 280-281.
269
CIPRIANO. As obras e as esmolas, 15. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 281.
270
Os interessados em aprofundar o ministério do leitor na história da liturgia do primeiro milênio:
SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA. O livro do leitor. Fátima [Portugal]: Coimbra, 2007, p. 51-99.
271
COMODIANO. Instruções, II, 67,22. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 326.
79
Outro expoente foi Eusébio de Cesaréia272. Em sua obra História Eclesiástica, através
das cartas festais de Dionísio273, explicitou a vida litúrgica dos cristãos em tempo de
perseguição da seguinte forma: “Cada lugar de tribulação se converteu para nós em lugar de
assembléia festiva: campo, deserto, barco, albergue, cárcere. Mas a mais esplendorosa de
todas as festas celebram-na os mártires perfeitos, jubilosos com o festim do céu”274. Segundo
celebrar, antes os conduziam à admirável liturgia que tinha como modelo a liturgia dos
Dentre inúmeras orações para a liturgia, uma oração litânica cuja utilização deve ser
diversos desta oração são pelos “que têm fé e reconheceram o Senhor Jesus Cristo; [...] por
todas as autoridades; [...] pelos homens livres e escravos, pelos homens e pelas mulheres,
pelos velhos e crianças, pelos pobres e pelos ricos; [...] por todos os viajantes; [...] pelos
celebrativo.
antiguidade, e apresentam uma riquíssima Oração Universal, em que aos pedidos de Serapião
do parágrafo anterior, acrescenta-se uma prece pelos que, “na santa Igreja, trazem oferendas e
272
Eusébio teve sua atividade literária interrompida pela violenta perseguição dos cristãos desencadeada em 303
e esteve preso em Tiro e Egito. Por volta de 313, tornou-se bispo de Cesaréia e por sua sabedoria, influenciou o
imperador Constantino. A obra que o imortalizou foi sua História Eclesiástica, em 10 volumes, abrangendo
desde a fundação da Igreja até a vitória de Constantino sobre Licínio.
273
Eram cartas em que se anunciava a data da festa da Páscoa, porque a sua determinação levantava muitas
dificuldades.
274
EUSÉBIO DE CESARÉIA. História Eclesiástica, VII, 22,4. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 346.
275
SERAPIÃO DE THEMUIS. Eucológio, 5,4-10. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 372.
80
pelos que dão esmolas aos pobres”276. A própria oração eucarística traz a realidade da
assembleia e intercede por ela: “por esta cidade e seus habitantes, pelos enfermos, pelos
seguir, é da primeira oração eucarística romana em grego: “Purifica para ti este povo, que se
mantém à volta da vida, zeloso de boas obras, e que se reúne à volta da tua substância”278. A
assembleia litúrgica é constituída por pessoas que se mantêm comprometidas com uma vida
aplicada à caridade. Circundar o altar e envolver-se com a realidade da comunidade devem ser
Ao comparar, aos neófitos, o sacrifício oferecido aos deuses e o sacrifício ao Deus dos
cristãos, Zenão de Verona expressou que “se aos deuses corporais convém o sacrifício
corporal, certamente o sacrifício feito a Deus espiritual também deve ser espiritual. Este não
nasce da bolsa [não se compra com dinheiro], mas do coração; não se compra com rebanhos
mal cheirosos, mas com vidas honestas” 279. O que agrada a Deus é uma vida honrada,
por Etéria, a peregrina, em seu diário de viagem. Neste documento, encontram-se a celebração
e vida dos cristãos, a liturgia diária, semanal, anual e as grandes festas de Jerusalém. Segundo
Beckhäuser, Etéria narrou que “o culto comunitário era realmente expressão da fé, da piedade
e do amor dos cristãos. [...] Familiaridade com a Bíblia, aplicada à vida, a união na oração e a
276
CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS. VIII, 10,12. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 429.
277
CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS. VIII, 12,45. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 435.
278
MÁRIO VITORINO. Contra Ário, 1,30. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 379.
279
ZENÃO DE VERONA. Tratados, I, 15,5. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 383.
81
Celebração da Eucaristia constituíam uma bela expressão da vida da Igreja de Jerusalém” 280.
como convinha “à nova condição de batizados” 283 e expressava que ao cristão era exigida a
integridade de vida, fruto da perseverança na fé284. Ao explicar a história de Nabot (cf. 1Rs
21,1-29) em uma homilia, Ambrósio condenou a vida sem caridade dos ricos que
Senhor Deus? E tu vens à igreja, não para dar qualquer coisa a quem é pobre, mas para te
“Persuado-te, rogo-te, exorto-te, aviso-te... Vence o Demônio, enquanto ainda tens com que
vencê-lo. Não acrescentes outro pecado ao teu pecado... Se quiseres assistir ao sacrifício, eu
imperador. Porém, reconhece a sua natureza impulsiva e o convida a vencer as suas tentações
São João Crisóstomo, zeloso com os pobres e doentes, tinha sob seus cuidados três mil
viúvas, virgens e enfermos. Para ele, a atenção aos necessitados pertencia à essência do ser
280
Comentário de Alberto Beckhäuser em: ETÉRIA. Peregrinação de Etéria: Liturgia e catequese em Jerusalém
no Século IV. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 27.
281
Cf. ETÉRIA. Peregrinação ou Diário de Viagem, 25,1. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 449; ETÉRIA.
Peregrinação de Etéria: Liturgia e catequese em Jerusalém no Século IV. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 34.
282
Ambrósio, governador da Ligúria e da Emília, com residência em Milão, presenciou violentas perturbações
que agitaram os católicos e os arianos de Milão por ocasião da eleição do novo bispo, depois da morte do bispo
ariano Auxêncio. Quando Ambrósio acudiu para manter a ordem, ambos partidos aclamaram-no, de surpresa,
bispo. Ele relutou, fugiu e se escondeu, mas, encontrado, foi trazido a Milão e ele, então consentiu. Ele era
apenas catecúmeno, mas foi ordenado bispo oito dias depois de seu Batismo. Distribuiu sua grande fortuna aos
pobres, levando uma vida estritamente ascética. Acessível a todos, em tempo integral e sem formalismo, era
continuamente procurado por aqueles que vinham pedir auxílio. Como pregador, conforme testemunho de
Agostinho, teve êxito extraordinário.
283
AMBRÓSIO DE MILÃO. Os mistérios, 1. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 528.
284
Cf. AMBRÓSIO DE MILÃO. Os mistérios, 9,55. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 537.
285
AMBRÓSIO DE MILÃO. A história de Nabot, 10,45. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 539.
286
AMBRÓSIO DE MILÃO. Cartas, 51, 4.11-13. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 548.
82
cristão que, se não fizer o bem a alguém, é como fermento que não fermenta ou perfume sem
odor. Crisóstomo dizia que a oferta deve ser resultado de um trabalho justo e digno e que a
Atender aos pobres e necessitados é atender ao próprio Cristo, porque eles são o Cristo 287.
Quem cumpre este dever realiza, segundo Crisóstomo, uma verdadeira ação sacerdotal.
ao pobre. O pobre para ele é uma Eucaristia viva. Vannucchi, ao comentar Crisóstomo,
afirma: “A missa nada representa, se ela não se prolonga no „sacramento do pobre‟” 288. Ao
Há muitos outros textos dos padres da Igreja, porém, julga-se suficiente concluir este
item da dissertação com Santo Agostinho que, em seu livro, A fé e as obras290, acentuou a
sacramentos da iniciação cristã. E, na obra: A cidade de Deus, afirmou que a Igreja, sendo
batizado torna-se liturgia, culto agradável a Deus graças a Cristo. A genuína celebração
litúrgica cristã assume a vida do fiel e faz dela uma oferta a Deus292.
287
Jean Corbon expressa a unidade entre liturgia e vida em São João Crisóstomo da seguinte forma: “São João
Crisóstomo, querendo explicar aos fiéis de Antioquia a unidade misteriosa entre a liturgia que eles estão a
celebrar e aquela que eles terão de viver ao saírem da igreja, diz-lhes que não deixem o altar da Eucaristia a não
ser para ir ao altar dos pobres. O símbolo da continuidade é revelador. O mesmo Corpo de Cristo que servimos
no Memorial da sua paixão e da sua Ressurreição, devemos servi-l‟O agora na pessoa dos pobres. Na celebração,
o altar era o sinal do túmulo, o „não lugar‟ da morte, a origem do espaço novo da Ressurreição; na vida, o pobre
é o sinal de Cristo ressuscitado, aquele donde pode surgir o amor vivificante”. CORBON, Jean. A fonte da
liturgia. Lisboa: Paulinas, 1999, p. 187. (Dessedentar, 1).
288
VANNUCCHI, Aldo. Liturgia e libertação. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005, p. 88.
289
Cf. HAMMAN, Adalbert. Liturgia e apostolado. Petrópolis: Vozes, 1968, p. 36-37.
290
AGOSTINHO DE HIPONA. A fé e as obras. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 743-748.
291
AGOSTINHO DE HIPONA. A cidade de Deus, X, 20. In: Antologia Litúrgica, op. cit. p. 805.
292
Cf. AUGÉ, Matias. Espiritualidade Litúrgica: “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a
Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 30.
83
Essa pesquisa de alguns testemunhos dos santos padres sobre a vida na liturgia
explicitou os dois modos de expressão da vida cristã: a liturgia ritual e a existencial. Este
na vida dos pobres, pois estes constituem a lembrança mais viva do Senhor. Durante muitos
séculos, a celebração cristã impulsionou a caridade dos celebrantes para com os que estavam
sós na vida293.
As perspectivas bíblicas e patrísticas sobre o elo entre celebração e vida, vistas até
Palavra de Deus. Houve purificação da noção de liturgia e está ficando cada vez mais claro
que não se pode contrastar celebração e vida, rito e fé, ação litúrgica e compromisso pela
293
Cf. VANNUCCHI, Aldo. Liturgia e libertação. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005, p. 37.
294
Cf. CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual: Teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p. 83; MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis:
Vozes, 1996, p. 22. Os documentos magisteriais posteriores ao Vaticano II retornam com mais intervalos à
temática deste estudo, sobretudo no magistério ordinário dos papas e dos bispos.
84
Palavra de Deus com o seguinte artigo: “Promova-se a celebração da Palavra de Deus nas
vigílias das festas mais solenes, em alguns dias feriais do Advento e da Quaresma e nos
domingos e dias de festa, especialmente onde não houver sacerdote”296. Estas celebrações,
históricos particulares como nas missões297. Após o Concílio, ganharam espaço em toda a
Igreja por inúmeros motivos, tais como: a renovação da eclesiologia e da doutrina sobre os
nas comunidades em que o padre não pode estar presente, mas o ministro ordenado não é
proibido de presidir a Celebração da Palavra, sobretudo nas vigílias das festas mais
importantes, como expressa o Cerimonial dos Bispos: “principalmente nas vésperas das festas
mais solenes, nalgumas férias do Advento e da Quaresma e nos domingos e dias festivos,
295
Para aprofundamento da liturgia nos documentos do Concílio Vaticano II, conferir, além das obras citadas
neste item da dissertação, as seguintes: BASURKO, Xavier. Historia de la liturgia. Barcelona: Centre de
Pastoral Litúrgica, 2006, p. 447-658. (Biblioteca Litúrgica, 28); BASURKO, Xavier; GOENAGA, José Antonio.
A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração
na Igreja. Vol. I: Liturgia e sacramentologia fundamental. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 126-146; LUTZ,
Gregório. O que é Liturgia? A natureza da liturgia à luz da constituição sobre a Sagrada Liturgia do Concílio
Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2003, p. 38-39. (Coleção Celebrar a fé e a vida).
296
Sacrosanctum Concilium, n. 35,4. “Este texto foi introduzido no documento conciliar a pedido de dois bispos
argentinos. [...] Eles lembram especialmente a situação da América Latina, onde por falta de sacerdotes
ordenados, muitos fiéis raramente podem participar da missa e nem podem ouvir a palavra de Deus”. LUTZ,
Gregório. Teologia da liturgia dominical sem padre. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 52, p. 5, jul./ago. 1982.
297
“Na Europa, a celebração da Palavra de Deus parece ter existido em outros contextos sócio-político-eclesiais:
na Alemanha, na Diocese de Trier, por volta de 1220 a 1630, os presbíteros eram poucos e cada presbítero podia
presidir somente uma missa por dia, de modo que havia as celebrações da Palavra de Deus, presidida pelo
presbítero. Em 1380, o bispo de Brandenburg escreveu sobre o jeito de celebrar a Palavra de Deus, presidida
pelo presbítero”. FERNANDES, Veronice. A dimensão orante da Celebração Dominical da Palavra de Deus.
2002. p. 53. Dissertação (Mestrado em Teologia). Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção,
Centro Universitário Assunção, São Paulo.
85
presidir. Esta celebração deve ser vista com o valor que lhe é próprio, não somente com
relação à Eucaristia ou ao sacerdócio ministerial. Ela não é uma imitação da missa e, muito
menos, uma missa truncada299. A Celebração da Palavra de Deus é de máximo valor para a
vida não somente dos fiéis leigos, mas também para os ministros ordenados que são
Porém, Kémérer expressa que constitui um erro “crer que a santificação do Domingo só é
possível pela celebração da missa. Isto significa condicionar essa santificação à presença do
sacerdote, como se, faltando este, já não houvesse possibilidade de promovê-la. É necessário
combater de toda forma este modo de pensar”301. A Celebração da Palavra de Deus é um meio
Palavra, não existe, contudo, um artigo específico sobre a vida na Celebração da Palavra de
Deus. Entretanto, a relação entre vida e liturgia encontra-se logo no início da Sacrosanctum
Concilium quando expressa que a liturgia “contribui sumamente para que os fiéis exprimam
298
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Cerimonial dos bispos: Cerimonial da Igreja. 3. ed. São
Paulo: Paulus, 2004, n. 223.
299
Cf. STEINMETZ, Geremias. Análise do documento 52 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil:
orientações para a celebração da Palavra de Deus. 1998, p. 11-12. Thesis ad Licentiam in Sacra Liturgia
[Mestrado em Liturgia] Pontificium Athenaeum S. Anselmi de Urbe. Pontificium Institutum Liturgicum, Romae.
300
Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Cerimonial dos bispos: Cerimonial da Igreja. 3. ed. São
Paulo: Paulus, 2004, n. 222; ISNARD, Clemente. O bispo e a liturgia. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 44, n.
176, p. p. 818-834, dez. 1984.
301
KÉMÉRER, Jorge. Celebração da Palavra de Deus sem sacerdote. In: BARAÚNA, Guilherme. A Sagrada
Liturgia renovada pelo Concílio. Petrópolis: Vozes, 1964, p. 508.
86
A mesma Constituição expressa que “a Liturgia é ápice e fonte da vida da Igreja” 304 e
que “a vida cristã”305 é promovida através da liturgia. A vida cristã nasce, orienta-se, é
expressão da liturgia e tem nesta a sua referência 306. Josef Jungmann apresenta a liturgia
renovada pelo Concílio Vaticano II como “a coroação da vida cristã e a fonte de força que
liturgia e vida da seguinte forma: “A celebração litúrgica poderá servir de fonte e cume da
vida se a vida estiver presente na liturgia e a liturgia na vida” 308. Não há possibilidade de o
302
Sacrosanctum Concilium, n. 2.
303
Cf. ESTEVES, José Fernando Caldas; CORDEIRO, José Manuel Garcia. Liturgia da Igreja. Lisboa:
Universidade Católica Editora, 2008, p. 210; ROUET, Albert. A missa na história. 2. ed. São Paulo: Paulinas,
1987, p. 125. (Coleção liturgia e teologia, 3).
304
Sacrosanctum Concilium, n. 10.
305
Sacrosanctum Concilium, n. 1.
306
Cf. ESTEVES, José Fernando Caldas; CORDEIRO, José Manuel Garcia. Liturgia da Igreja. Lisboa:
Universidade Católica Editora, 2008, p. 210.
307
JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. São
Paulo: Paulus, 2009, p. 182.
308
AUGÉ, Matias. Espiritualidade Litúrgica: “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a
Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 96.
309
Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 14.
310
Cf. CORBON, Jean. A fonte da liturgia. Lisboa: Paulinas, 1999, p. 98. (Dessedentar, 1).
311
CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual. Teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p. 54.
87
ponto alto do dia a dia, da semana e do compromisso de vida daqueles que dela participam.
Através da Celebração Dominical da Palavra, a vida e a liturgia são unidas e o povo de Deus
santificada pela graça divina que flui do Mistério Pascal da paixão, morte e ressurreição de
Jesus Cristo, a vida de cada fiel e a história da comunidade são transformadas, sob a ação do
Espírito Santo, em oferenda agradável ao Pai e num culto espiritual (cf. Rm 12,1-2)313.
de Jesus na assembleia litúrgica e transforma o fiel conforme a imagem do Filho de Deus (cf.
inserção da própria vida do fiel neste Mistério de Cristo são condições para formar a vida dos
fiéis do melhor modo possível para receberem frutuosamente a graça, cultuarem devidamente
a Deus e praticarem a caridade”314. É deste modo que a existência do crente torna-se vida em
evangelizadora da “caridade fraterna dos fiéis”316, a presença dos cristãos no mundo e o seu
testemunho de fé. A Gaudium et Spes assegura que a celebração do Mistério Pascal é sinal de
fraternidade e move aqueles que celebram ao testemunho de vida e à promoção dos bens
Testamento, este documento conciliar afirma que o divórcio entre vida e celebração constitui
312
Cf. AUGÉ, Matias. Espiritualidade Litúrgica: “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a
Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 99; ESTEVES, José Fernando Caldas; CORDEIRO, José Manuel Garcia.
Liturgia da Igreja. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, p. 215.
313
Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 12.
314
Sacrosanctum Concilium, n. 59.
315
Cf. MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I: Introdução teológica à liturgia. Petrópolis:
Vozes, 1996, p. 337-344.
316
Gaudium et Spes, n. 21.
317
Cf. Gaudium et Spes, n. 38.
88
um dos erros mais graves do tempo atual. Toda a vida do cristão, liturgia ritual e existencial,
A Gaudium et Spes destaca, ainda, que a comunidade dos crentes precisa penetrar “os
sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho”319. Por isso, a Celebração Dominical da
Palavra de Deus precisa de tal modo ser celebrada para que leve o ser humano a perceber os
sinais da presença de Deus nos acontecimentos históricos e ajude o fiel a perceber que sua
vida está inserida no projeto do Pai e faz parte do Reino de Deus que cresce e se desenvolve
existência dos fiéis ao expressar que, “pela regeneração e unção do Espírito Santo, os
batizados são consagrados para serem edifício espiritual e sacerdócio santo, a fim de, por
todas as obras do cristão, oferecerem sacrifícios espirituais” 321. Por meio da noção de
sacerdócio dos fiéis e de culto espiritual, a Lumen Gentium une a vida inteira dos fiéis à
Pai como oferta de Jesus e toda a existência cristã é configurada à própria vida de Jesus Cristo
318
Cf. CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual. Teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p. 84-85; Gaudium et Spes, n. 43.
319
Cf. Gaudium et Spes, n. 4.
320
Cf. AUGÉ, Matias. Espiritualidade Litúrgica. “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a
Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 70.
321
Lumen Gentium, n. 10.
322
Lumen Gentium, n. 34.
89
no contexto da celebração litúrgica é “fonte pura e perene da vida” 324 e alimento que nutre a
fé. A Dei Verbum sustenta, também, que “a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e
transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela própria é e tudo quanto ela acredita”325. A
liturgia está em íntima relação com a doutrina da Igreja e com a existência da assembleia. Há
no processo de transmissão da revelação uma íntima relação entre fé, culto e vida 326.
consciente, ativa e plena327. Esta participação, direito e dever do povo cristão, será reforçada
celebração. Porque é neste contexto histórico e nesta realidade situada que os celebrantes
vivem e estão de um modo ou de outro implicados a assumir ou tomar posições no dia a dia
323
Cf. AUGÉ, Matias. Espiritualidade Litúrgica: “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a
Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 44-46; CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual: Teologia,
celebração, experiência. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 83.
324
Dei Verbum, n. 21.
325
Dei Verbum, n. 8.
326
Cf. AUGÉ, Matias. Espiritualidade Litúrgica: “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a
Deus”. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 70; MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I. Introdução
teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 342.
327
Cf. IGMR, n. 18; 20.
328
Especialmente na Oração Eucarística sobre a Reconciliação II, nas Orações Eucarísticas para as diversas
circunstâncias VI-A, VI-B, VI-C, VI-D e em muitos prefácios. Segundo Catellano, “especialmente da oração
eucarística, que é fonte, norma e síntese da oração da Igreja, terá que tomar as expressões mais autênticas da
oração cristã: memória e louvor das maravilhas de Deus, ação de graças, oblação, intercessão, compromisso de
vida”. CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual: Teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p. 352.
90
reconciliação, consolo, justiça, paz, unidade e caridade. As Orações mostram, também, que os
pobres e oprimidos receberam especial atenção de Jesus: “Ele sempre se mostrou cheio de
misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos
Nós voz agradecemos, Deus Pai todo-poderoso, e por causa de vossa ação no
mundo vos louvamos pelo Senhor Jesus. No meio da humanidade, divida em
contínua discórdia, sabemos por experiência que sempre levais as pessoas a
procurar a reconciliação. Vosso Espírito move os corações, de modo que os
inimigos voltem à amizade, os adversários se dêem as mãos e os povos
procurem reencontrar a paz. Sim, ó Pai, porque é obra vossa que a busca da
paz vença os conflitos, que o perdão supere o ódio, e a vingança dê lugar à
reconciliação. Por tudo de bom que fazeis, Deus de misericórdia, não podemos
deixar de vos louvar e agradecer 330.
agradecem pelo que já receberam, imploram, suplicam pelas situações atuais e expressam
reunida não se mantêm alheias à celebração. Aliás, a realidade vivida pela assembleia oferece
às celebrações uma dimensão mais participativa e compromete o fiel com a vida de cada dia e
Os seguidores de Jesus pedem ao Pai por ação do Espírito Santo que o serviço de Deus
à humanidade seja continuado pelos celebrantes. Eles manifestam a sua disposição, não só em
repartir o pão com os necessitados, como expressa o Prefácio da Quaresma III 332, mas em ser
329
Missal Romano. Oração Eucarística VI-D: Jesus que passa fazendo o bem. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2004 , p.
860.
330
Op.cit. Oração Eucarística VIII: sobre reconciliação - II. p. 871.
331
Op.cit. Oração Eucarística VI-D: Jesus que passa fazendo o bem. p. 860.
332
Op.cit. Prefácio da Quaresma III: os frutos da abstinência. p. 416.
91
Dai-nos olhos para ver as necessidades dos nossos irmãos e irmãs; inspirai-nos
palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos; fazei que, a
exemplo de Cristo, e seguindo o seu mandamento, nos empenhemos lealmente
no serviço a eles. Vossa Igreja seja testemunha viva da verdade e da liberdade,
da justiça e da paz, para que toda a humanidade se abra à esperança de um
mundo novo333.
eucarística que ajudam os fiéis a celebrar o Mistério de Cristo presente em sua realidade: pela
sociedade civil, pelas diversas circunstâncias da vida social, pelo progresso dos povos, pela
Enfim, é possível encontrar o diálogo entre liturgia e vida em todo o Missal Romano.
desta relação: “Ó Deus, auxiliai sempre os que alimentais com o vosso sacramento para que
vida dos que dela participam, como expressa Julián López Martín:
Assim como Jesus não viveu à margem dos problemas humanos e das
aspirações do seu povo em sua vida terrena e fez da solução de alguns um
sinal da vinda do Reino de Deus, a liturgia, como obra da Igreja, também não
pode alienar-se das realidades deste mundo e pretender santificar os homens e
prestar culto a Deus à margem da vida concreta dos beneficiários de sua
336
missão .
É a liturgia existencial que atinge seu “cume” na liturgia ritual que se torna “fonte” de
333
Missal Romano. Oração Eucarística VI-D: Jesus que passa fazendo o bem. p. 860.
334
O Missal Romano apresenta vários formulários que vão desde os assuntos públicos como a paz, o trabalho, a
inauguração do curso, os governantes e outros, até os assuntos particulares como a concórdia, o perdão dos
pecados, a família, os que nos afligem. Cf. Missal Romano. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p. 907-937.
335
Missal Romano. 25º Domingo do Tempo Comum: Oração depois as comunhão. 9. ed. São Paulo: Paulus,
2004, p. 369.
336
MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. II. Introdução antropológica à liturgia. Petrópolis:
Vozes, 1997, p. 77.
337
“A Liturgia é ápice e fonte da vida da Igreja”. Sacrosanctum Concilium, n. 10.
92
criação são envolvidas pelo Mistério de Cristo. Ajuda a perceber, também, que toda realidade
humana tem em Cristo sua plenitude e consumação. A celebração vivida deste modo torna-se
patrística da Igreja, garante a unidade entre vida e celebração340: a terceira parte do Catecismo
capítulo, e deságua na “Vida em Cristo”, terceira parte 344. Através do Catecismo da Igreja
Católica, pode-se verificar que os fiéis prolongam o Mistério celebrado na vida e produzem
338
Cf. MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. II. Introdução antropológica à liturgia. Petrópolis:
Vozes, 1997, p. 75-79; TENA, Pere. Celebrar el Misterio. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2004, p. 23-
25. (Biblioteca Litúrgica, 23).
339
Para aprofundamento da liturgia no Catecismo da Igreja Católica conferir, além das obras citadas neste item
da dissertação, a seguinte: FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica. São Paulo: Paulinas, 2006, p.
353-363.
340
Cf. ALDAZÁBAL, José. La Eucaristía en el “Catecismo de la Iglesia Católica”. Phase, Barcelona, n. 240, p.
492, nov./dic. 2000.
341
Cf. CIC, n. 1691-2557.
342
Cf. CIC, n. 26-1065.
343
Cf. CIC, n. 1066-1690.
344
Cf. BOROBIO, Dionisio. Cultura, fe, sacramento. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2002, p. 190.
(Biblioteca Litúrgica, 17).
345
Cf. Ib. p. 191; CIC, n. 1072.
93
porque celebra o Mistério de Cristo. E os fiéis celebrantes, com firme propósito, “vivam e
dêem testemunho”347 do Mistério no mundo. Deste modo, a existência cristã deve levar à
doação a Deus e ao próximo, a exemplo de Cristo que fez de sua vida um dom. Na liturgia, os
sacramentos são mais do que o momento de sua celebração ritual: abarcam uma preparação,
uma realização ritual e uma verificação ética, existencial e vital que desemboca no
integradora da vida e liturgia. E o Catecismo, muitas vezes, ao beber das fontes, emprega a
palavra “liturgia” para designar não somente a celebração ritual, mas também o anúncio do
Evangelho e a prática da caridade349. A liturgia é entendida como serviço a Deus e aos seres
humanos. “Na celebração litúrgica, a Igreja é serva à imagem do seu Senhor, [...] participando
Por último, o Catecismo afirma que na liturgia da Palavra é o Espírito Santo quem
“„recorda‟ à assembléia tudo o que Cristo fez por nós” 351, intervindo na história, tornando-a
história de salvação. Afirma, também, que é ele quem dá vida à Palavra de Deus proclamada à
assembleia reunida em nome do Senhor e move os corações para que esta Palavra seja
recebida e vivida352.
346
CIC, n. 1071.
347
CIC, n. 1068.
348
Cf. BOROBIO, Dionisio. Cultura, fe, sacramento. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2002, p. 191.
(Biblioteca Litúrgica, 17).
349
Cf. CIC, n. 1397; CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual. Teologia, celebração, experiência. São
Paulo: Paulinas, 2008, p. 85.
350
CIC, n. 1070.
351
CIC, n. 1103.
352
Cf. CIC, n. 1100.
94
conferências, as celebrações não relacionadas com a vida têm pouco a dizer à situação do
com os sacramentos nos quais ela alcança sua máxima eficácia e particularmente com a
modo: “Como não vivemos ainda a plenitude do Reino, toda celebração litúrgica está
essencialmente marcada pela tensão entre o que já é uma realidade e o que ainda não se
353
Para aprofundamento da liturgia nos documentos das Conferências do Episcopado Latinoamericano conferir,
além das obras citadas neste item da dissertação, as seguintes: BOMBONATO, Vera Ivanise. Liturgias,
celebrações e Eucaristia. In: AMERINDIA (Org). V Conferência de Aparecida: renascer de uma esperança. São
Paulo: Paulinas, 2008, p. 218-225; CARPANEDO, Penha. Celebração Dominical da Palavra. Revista de
Liturgia, São Paulo, n. 206, p. 4-7, mar./abr. 2008; LUTZ, Gregório. A liturgia na V Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano e Caribenho em Aparecida/SP. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 203, p. 4-7,
set./out. 2007; PALUDO, Faustino. A celebração da Palavra de Deus. In: CELAM. Manual de liturgia. Vol. IV:
outras expressões celebrativas do Mistério Pascal e a liturgia na vida da Igreja. São Paulo: Paulus, 2007, p. 161-
162. (Manual de Liturgia); SILVA, José Ariovaldo. A celebração do Mistério de Cristo ao longo da história:
panorama histórico geral da liturgia. In: Ibidem, p. 509-518.
354
Cf. BOER, Sjaak. Por uma liturgia libertadora: a unção coletiva dos doentes. São Paulo: Paulinas, 1998, p.
255. (Liturgia e participação); CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual. Teologia, celebração,
experiência. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 426.
355
Medellín, n. 9,14.
95
A comunidade cristã celebra o Mistério Pascal no Reino já presente, o que foi feito
para a realização deste Reino e o que ainda está faltando para alcançá-lo plenamente. Desse
compromisso deve ser vivido na comunidade eclesial e ritualizado na liturgia. Por isso, a vida
compromisso de caridade, num esforço sempre renovado por ter os sentimentos de Cristo
Jesus e para uma contínua conversão. Os celebrantes são convocados ao compromisso com a
justiça e a própria celebração necessita estar em sintonia com a vida do povo 358. No
356
Medellín, n. 9,2.
357
BOER, Sjaak. Por uma liturgia libertadora: a unção coletiva dos doentes. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 233.
(Liturgia e participação).
358
Cf. Medellín, n. 9,3.4.7. O documento de Medellín expressa que existe um elo entre celebração e vida, mas
não transmite como a vida pode estar relacionada na celebração.
96
Esta celebração, para ser sincera e plena, deve conduzir tanto às várias obras
de caridade e mútua ajuda como à ação missionária e às várias formas de
testemunho cristão. No momento atual da América Latina, como em todos os
tempos, a celebração litúrgica comporta e coroa um compromisso com a
realidade humana, com o desenvolvimento e com a promoção, precisamente
porque toda a criação está envolvida pelo desígnio salvador que abrange a
totalidade do homem359.
libertação. A celebração compromete com estas buscas, com Deus e seu projeto de vida em
abundância para todos (cf. João 10,10), porque celebra o Reino já presente na história atual do
povo de Deus.
e econômica do povo latinoamericano: “celebrar a fé, na Liturgia, como encontro com Deus e
com os irmãos, como festa de comunhão eclesial, como fortalecimento em nosso peregrinar e
como compromisso de nossa vida cristã” 360. Em Puebla, os bispos insistiram, também, no
em volta da Palavra. É celebrar o Mistério Pascal de Jesus Cristo que envolve a realidade
atual. É comprometer-se com este mesmo Senhor e com a transformação de tudo aquilo que
359
Medellín, n. 9,3-4.
360
Puebla, n. 939.
361
Puebla, n. 918.
97
nesta realidade não é sinal do seu Reino. É manifestar a comunhão com o projeto de Deus
através da promoção da vida em suas diferentes dimensões. Para Puebla, quem vive e celebra
liturgia da Igreja e instrumento de evangelização realizada por cristãos leigos 363. Estas
celebrações são fomentadas pelo documento como alimento dominical para a vida e a fé dos
fiéis que estão impossibilitados de celebrar o domingo de maneira plena através da Eucaristia.
Por isso, Puebla reconheceu a necessidade de “promover a formação dos agentes de pastoral
litúrgica, por meio duma autêntica teologia, que os leve a um compromisso vital” 364.
vida e liturgia acontece naquelas comunidades onde a celebração origina-se da própria vida
coerente com o Evangelho e torna-se uma fonte de dignidade e conforto para o pobre. Quando
o cristão prolonga no dia a dia o que celebra, converte toda a sua existência “em oferenda e
oblação”, em culto agradável a Deus: “O culto que Deus nos pede – expresso na oração e na
liturgia – prolonga-se na vida cotidiana através do esforço que se faz para converter tudo em
oferenda e oblação”365.
liturgia, mas neste pouco, encontra-se a observação de que a celebração deveria “ajudar a
estabelece, também, a relação entre o Mistério Pascal de Cristo e a vida do povo quando diz:
362
Cf. Puebla, n. 194; BOER, Sjaak. Por uma liturgia libertadora: a unção coletiva dos doentes. São Paulo:
Paulinas, 1998, p. 236-238. (Liturgia e participação).
363
Cf. Puebla, n. 900; 944; 946.
364
Puebla, n. 942.
365
Puebla, n. 252.
366
Santo Domingo, n. 52.
98
Portanto, a celebração não pode ser paralela, alheia à vida e precisa expressar mais
reforça este compromisso com a promoção humana, penetra no coração das culturas e conduz
da vida. A liturgia não possui um título ou subtítulo específico no documento, mas aparece
episcopado latinoamericano:
367
Santo Domingo, n. 34.
368
Cf. Santo Domingo, n. 35; 240.
369
Aparecida, n. 253.
99
Dominical da Palavra não podem ficar alheios à realidade que está à sua volta, nem à
realidade social. A vida de cada fiel, a vida da Igreja, a história do continente latinoamericano
precisam ser vividas e entendidas como processo pascal, envolvidas pelo Mistério de Cristo,
como ação de Cristo e da Igreja. Orientam para que estas mesmas celebrações manifestem a
celebração que integra a vida torna-se afirmação jubilosa de que a vida pode ser diferente, de
que a sociedade pode ser organizada de outra forma, e de que o Pai, que ressuscitou seu Filho
Celebração da Palavra aos fiéis impossibilitados por diversos fatores de participar da missa,
370
Aparecida, n. 290.
371
Cf. BUYST, Ione. Liturgia, acontecimento teologal. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 95, p. 141, set./out.
1989.
372
Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Celebrações dominicais na ausência do presbítero.
Petrópolis: Vozes, 1989, n. 2; 7. (Documentos Pontifícios, 224).
100
Palavra de Deus não são promovidas ou facilitadas, apenas orientadas e reguladas, quando
cristã375 e são recomendáveis nesta situação de carência de ministros ordenados que possam
Deus”376.
importância capital da assembléia do domingo, quer como fonte de vida cristã de cada pessoa
e das comunidades, quer como testemunho do projeto de Deus: reunir todos os homens em
seu Filho Jesus Cristo”377. A Celebração Dominical da Palavra de Deus é “fonte” de vida e de
Tito Buss, bispo da Diocese de Rio do Sul, foi um dos pioneiros no Brasil em
apresentar propostas rituais para a Celebração Dominical da Palavra de Deus. O livro que
recolheu inúmeras propostas de celebração recebeu o título de Culto Dominical e foi editado
373
Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Celebrações dominicais na ausência do presbítero.
Petrópolis: Vozes, 1989, n. 21. (Documentos Pontifícios, 224).
374
Cf. Ib. n. 5; 6.
375
Cf. Ib. n. 15.
376
Ib. n. 20.
377
Ib. n. 50.
378
Cf. Lutz, Gregório. Teologia da liturgia dominical da comunidade sem padre. Revista de Liturgia, São Paulo,
n. 52, p. 6, jul./ago. 1982.
101
elogios e incentivos de sua parte através do cardeal Villot em uma carta endereçada a dom
Tito:
Examinados, com a melhor atenção, esses escritos, foi o teor do mesmo levado
ao conhecimento do Santo Padre. Confiou-me ele o vir exprimir-lhe, ainda
uma vez, o seu apreço por tão acertadas iniciativas e pelo zelo e preocupação
que elas refletem, de catequizar os fiéis dessa grei e de vivificar as suas
manifestações de religiosidade e do seu sentido de Igreja. Bem andaram,
efetivamente, V. Excia. e os seus colaboradores, na escolha e elaboração dos
processos de atuação apostólica, dado o condicionamento. Eles acham-se em
prefeita sintonia com as normas orientadas do recente Concílio Ecumênico II
do Vaticano [...]. A este apreço deseja o sumo pontífice que ajunte uma
benevolente palavra, para todos os que se acham comprometidos em tal
trabalho, de estímulo e encorajamento: a continuarem, com o mesmo
entusiasmo e a mesma atitude de serviço e de contínua busca da maior
proficiência, em ensinar a fé, por meio duma catequese adequada, e em
celebrá-la com uma liturgia conforme a índole, capacidade, idade e condições
de vida do povo [...]380.
atingindo as comunidades e criando uma nova prática litúrgica. Estas Celebrações Dominicais
do povo. A homilia preparada e impressa para cada domingo, por exemplo, encorajava os
melhor alimentação; escola; estradas; orientação na lavoura” 381. Aos fiéis era manifestado o
sofrimento de Jesus que continua, ainda hoje, “no pobre, no doente, no analfabeto, no
encarcerado e em todos os que andam tristes e oprimidos”382. As pessoas uniam seu próprio
sofrimento aos de Jesus e percebiam a presença de Deus no dia a dia de suas vidas.
379
Cf. SECRETARIADO DIOCESANO DE RIO DO SUL. Culto dominical ano a: para as comunidades onde
não há possibilidade de celebrar a Eucaristia. São Paulo: Paulinas, 1974, p. 5.
380
Ib. p. 6. O grifo é nosso.
381
Ib. p. 129.
382
Ib. p. 72.
102
partilhavam a Palavra, elevavam o seu culto a Deus e recebiam dele a salvação. A celebração
da Palavra de Deus, a Diocese de Rio do Sul conseguiu integrar a vida das pessoas e das
comunidades na liturgia.
encontrou-se com ministros que presidiam as Celebrações Dominicais da Palavra de Deus nas
e denominou esta iniciativa de louvável. Através desta Celebração, os bispos não privaram o
povo do Pão da Palavra já que estavam privados do Pão da Eucaristia por escassez de
presbíteros383.
Aos bispos brasileiros do Regional Sul-1, João Paulo II destacou o elo profundo
existente entre a liturgia e a vida das pessoas, a Páscoa de Cristo e a Páscoa dos fiéis:
383
“Pero, ¿qué pasa cuando la escasez de presbíteros y diáconos no permite que ese ministerio de la
evangelización de la Palabra llegue a todas partes? ¿La gente se verá privada del pan de la Palabra, como se ve
privada del Cuerpo de Cristo en la Eucaristía? Es una gran cosa, muy conforme con la tradición de la Iglesia, que
vuestros obispos hayan resuelto - recogiendo y evaluando laudables iniciativas - delegar especialmente a
quienes, como vosotros, bien dispuestos, bien preparados y profundamente conscientes de la tarea que asumen,
se ofrecen a responder a este llamado de servir a sus hermanos”. Disponível em:
<http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/homilies/1983/documents/hf_jp-ii_hom_19830308_san-pedro-
sula_sp.html>. Acesso em: 10 dez. 2010, 09:30h.
384
JOÃO PAULO II. Diretrizes aos bispos do Brasil: pronunciamentos do Santo Padre por ocasião da visita ad
limina apostolorum em 1990. São Paulo: Loyola, 1991, p. 44. (Documentos Pontifícios).
103
Cristo no Mistério da vida dos cristãos. Ou como afirma Gregório Lutz: “Devemos celebrar
não apenas a morte e a ressurreição do Cristo de dois mil anos atrás, mas na Páscoa de Cristo
também a Páscoa do povo aqui e agora”385. O Mistério da vida de Cristo na vida de quem
importância, como por exemplo, na Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis e na Carta
Apostólica sobre o Grande Jubileu do ano 2000. Na Sollicitudo rei socialis, afirma: “Nos
casos de necessidade, não se podem preferir os ornamentos supérfluos das igrejas e os objetos
do culto divino preciosos; ao contrário, poderia ser obrigatório alienar estes bens para dar de
comer, de beber, de vestir e casa a quem disso está carente”386. Desse modo, João Paulo II
recordou os testemunhos patrísticos que unem a vida litúrgica com a vida social. Na Tertio
millennio adveniente, “com uma sensibilidade nova, destacou o nexo indissolúvel entre vida
litúrgica dos cristãos, manifestada nas celebrações jubilares, e o profundo sentido de uma
reuniões das comunidades cristãs “para louvar o Senhor e fazer memória do dia a ele
dedicado”388, onde o presbítero está impossibilitado de se fazer presente. Nesta carta encíclica
sobre o amor cristão, mesmo não se referindo à Celebração Dominical da Palavra de Deus, o
papa ressaltou a estreita relação que existe entre a Eucaristia e a caridade fraterna quando, de
385
LUTZ, Gregório. Liturgia “fria” ou “quente”. In: COSTA, Valeriano Santos (Org). Liturgia: peregrinação ao
coração do Mistério. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 167. (Coleção celebrar e viver a fé).
386
JOÃO PAULO II. Sollicitudo rei socialis. Carta Encíclica de João Paulo II sobre a solicitude social da Igreja.
Petrópolis: Vozes, 1988, n. 31. (Documentos Pontifícios, 218).
387
CASTELLANO, Jesús. Liturgia e vida espiritual: teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p.85.
388
BENTO XVI. Sacramentum Caritatis: Exortação Apostólica Pós-Sinodal de Bento XVI sobre a Eucaristia,
fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2007, n. 75. (A voz do papa, 190).
104
forma muito expressiva, diz que “uma Eucaristia que não se traduza em amor concretamente
Eucaristia e amor fraterno não devem divergir, mas “Fé, culto e ethos compenetram-se,
mutuamente, como uma única realidade que se configura no encontro com a ágape de Deus.
„culto‟, na comunhão eucarística, está contido o ser amado e o amar, por sua vez, os
outros”390.
Como exemplo de pessoa que realizou esta íntima conexão entre Eucaristia e amor ao
próximo, o papa Bento XVI apresentou a beata Tereza de Calcutá e declarou que a capacidade
sempre renovada de amar é resultado do seu encontro com o Senhor através da liturgia.
mensagem aos que ajudavam os mais necessitados. “Que celebrem bem a Eucaristia” foi a sua
resposta. O entrevistador insistiu na mensagem, deixando a entender que a beata não tinha
realizado o proposto. Ela repetiu: “Que celebrem bem a Eucaristia. Sabe por que eu me dedico
a cuidar dos mais pobres e enfermos? Porque acabo de comungar. O mesmo Cristo a quem é
O papa Bento XVI recordou, ainda, que “na liturgia da Igreja, na sua oração, na
comunidade viva dos crentes, nós experimentamos o amor de Deus, sentimos a sua presença e
entre celebração e vida, liturgia e caridade é expressa pelo papa, seguindo a tradição bíblica,
389
BENTO XVI. Deus caritas est: Carta Encíclica de Bento XVI sobre o amor cristão. São Paulo: Paulinas,
2006, n. 14. (A voz do papa, 189).
390
Ib. n. 14.
391
Ib. n. 18.
392
Cf. Editorial da Phase, Revista de pastoral litúrgica, Barcelona, v. 46, n. 273, p. 300, mai./jun. 2006.
393
BENTO XVI. Deus caritas est. Carta Encíclica de Bento XVI sobre o amor cristão. São Paulo: Paulinas,
2006, n. 17. (A voz do papa, 189).
105
Neste segundo capítulo, com descrição de alguns elementos sobre a vida na celebração
a vida humana se faz história e é parte essencial da liturgia. É claro que muitas fontes fizeram
da Palavra de Deus. Porém, percebeu-se o elo existente entre a vida cristã e liturgia, entre a
liturgia existencial e liturgia ritual e que, por meio de Cristo, a celebração envolve toda a vida
Nacional dos Bispos do Brasil com a Tradição. Constatou-se que a vida deve ressoar na
celebração do Mistério Pascal e este mesmo Mistério celebrado deve conduzir o cristão a uma
vida pascal, como expressou o documento 43 da CNBB: “o cristão celebrante é sinal vivo do
O próximo e último capítulo tratará sobre o Mistério Pascal de Jesus Cristo, realizado
sugestões para que a totalidade da existência humana possa ser integrada nos ritos iniciais, na
liturgia da Palavra, na ação de graças e nos ritos finais e para que as celebrações possam
394
Cf. CASTELLANO, Jesus. Liturgia e vida espiritual. Teologia, celebração, experiência. São Paulo: Paulinas,
2008, p. 384; ESTEVES, José Fernando Caldas; CORDEIRO, José Manuel Garcia. Liturgia da Igreja. Lisboa:
Universidade Católica Editora, 2008, p. 211.
395
Cf. MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. I. Introdução teológica à liturgia. Petrópolis:
Vozes, 1996, p. 47.
396
Doc. 43 da CNBB, n. 157.
106
CAPÍTULO III
assembleia litúrgica precisam tomar consciência do Mistério que celebram para que a liturgia
A participação consciente, ativa e frutuosa desejada pelo Concílio Vaticano II, direito
Pascal celebrado por meio de ritos e orações e o relaciona com sua vida. Ao referir-se à
devem ser organizadas de tal modo que favoreçam “a escuta e a meditação da Palavra de
Deus, a oração e o compromisso de vida” 399. A celebração precisa ser preparada de tal forma
Deus e com a comunidade reunida e penetre as dimensões mais profundas da vida do povo de
Deus400.
397
Sacrosanctum Concilium, n. 11.
398
Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 14.
399
Doc. 52 da CNBB, n. 55.
400
Cf. BIANCHI, Enzo. Presbíteros: Palavra e Liturgia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 81; PALUDO, Faustino. A
celebração da Palavra de Deus. In: CELAM. Manual de liturgia. A celebração do Mistério Pascal. Vol. IV:
Outras expressões celebrativas do Mistério Pascal e a liturgia na vida da Igreja. São Paulo: Paulus, 2007, p. 182;
Sacrosanctum Concilium, n. 48.
107
privilegiado onde Deus nos fala no momento presente da nossa vida: fala hoje ao seu povo,
que escuta e responde”401. Por isso, a Celebração Dominical da Palavra de Deus bem
preparada pela equipe de celebração é meio privilegiado de comunicação de Deus com seu
Porém, este encontro com Deus e com os irmãos através da Celebração Dominical da
Palavra, na maior parte das vezes, não seria possível se a vida do fiel e da comunidade reunida
não estivesse presente. Ratzinger, ao escrever sobre liturgia e vida, assegura que, assim como
o culto faz parte da celebração, “a vida segundo a vontade de Deus também faz parte dela” 402.
A vida de cada pessoa que participa da liturgia e a vida da humanidade são imprescindíveis na
celebração para um verdadeiro culto a Deus. Quando há interação entre vida e liturgia, a
que aprende a viver o Mistério celebrado. A celebração torna-se uma escola de vida e epifania
do Mistério403.
seguimento de Jesus Cristo diante das situações desfavoráveis à vida, partilham a realidade
Celebração Dominical da Palavra de Deus, relacionados à vida, que possam promover maior
401
BENTO XVI. Verbum Domini: Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na
missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2010, n. 52. (A voz do papa, 194).
402
RATZINGER, Joseph. Introdução ao espírito da liturgia. 2. ed. Prior Velho [Portugal]: Paulinas, 2006, p. 12-
13. (Dessedentar, 2).
403
Cf. BIANCHI, Enzo. Presbíteros: Palavra e Liturgia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 8; JUNGMANN, Josef
Andreas. Missarum Sollemnia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, p.
205; LUTZ, Gregório. Liturgia “fria” ou “quente”. In: COSTA, Valeriano Santos (Org). Liturgia: peregrinação
ao coração do Mistério. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 166. (Coleção celebrar e viver a fé).
404
Cf. PALUDO, Faustino. A celebração da Palavra de Deus. In: CELAM. Manual de liturgia. A celebração do
Mistério Pascal. Vol. IV: Outras expressões celebrativas do Mistério Pascal e a liturgia na vida da Igreja. São
Paulo: Paulus, 2007, p. 159; Id. A Palavra de Deus na celebração. In: CELAM. Manual de liturgia. A celebração
do Mistério Pascal. Vol. II: Fundamentos teológicos e elementos constitutivos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 153.
108
celebração.
Palavra de Deus da seguinte forma: “Os Ritos iniciais expressam o Senhor, que chama e reúne
seu povo, e o povo que alegremente vem e se apresenta” 405. Estes ritos bem celebrados
expressa Buyst:
realidade vivida nas últimas semanas que ainda esta bem presente na lembrança de todos. A
de Deus quando a vida do fiel e da comunidade cristã é contemplada nos ritos iniciais. Além
de latente, a realidade dos fiéis pode ser manifestada em algum momento no início da
celebração. Porém, como a vida do povo de Deus pode estar presente nos ritos iniciais? Como
angústias são algumas atitudes simples que manifestam o contentamento das pessoas em rever
a comunidade, são gestos que promovem a união e a participação dos fiéis que se reúnem para
os cantos para a liturgia, inclusive o de abertura nos ritos iniciais da celebração, devem ser
adequados “às necessidades dos fiéis que os utilizam”409. O canto de abertura, bem escolhido,
ministros410.
407
Doc. 52 da CNBB, n. 57.
408
A assembleia cristã é a primeira realidade da Celebração Dominical da Palavra de Deus. A reunião dos fiéis é
um valor da celebração porque é sinal de que a Igreja existe e está presente neste lugar. Assim como, no primeiro
dia da semana os seguidores dispersos congregaram-se ao redor do Senhor ressuscitado; hoje os atuais
seguidores de Jesus são reunidos pelo Pai, por ação do Espírito Santo e expressam esta certeza dizendo: “Bendito
seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”. Cf. ALDAZÁBAL, José. Aspectos aclesiológicos de la tercera
edición del misal romano y de los prenotandos de otros libros litúrgicos. In: ASOCIACIÓN ESPAÑOLA DE
PROFESSORES DE LITURGIA. La liturgia, epifanía de la Iglesia. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica,
2010, p. 54. (Culmen et fons, 6); BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São
Paulo: Paulinas, 2002, p. 51. (Coleção Celebrar); Doc. 43 da CNBB, n. 99.
409
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Instrução Liturgicae Instaurationes. n. 3. In:
SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA. Enquirídio dos documentos da reforma litúrgica. Fátima:
Coimbra, 1998, p. 570.
410
Cf. COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006,
p. 26-27. (Coleção Tabor); Doc. 43 da CNBB, n. 238-239; FONSECA, Joaquim. Cantando a missa e o ofício
divino. São Paulo: Paulus, 2004, 15-17; IGMR, n. 47-48.
110
da celebração, que quer falar ao seu povo 412. O beijo é um dos gestos compreensíveis da vida
Após o canto de abertura e os elementos rituais que este canto acompanha, aquele que
preside saúda a comunidade reunida. A saudação se inicia com o sinal da cruz. A cruz é sinal
de acolhida, amor, vitória, benção, compromisso e esperança. Nos ritos iniciais no Batismo de
criança, quem preside, juntamente com os pais, padrinhos e algumas pessoas da comunidade,
fazem o sinal da cruz na fronte da criança, acolhendo-a: “Assim, N., nós te acolhemos na
assinalados: na fronte para aprender a conhecer a Cristo e segui-lo; nos ouvidos para que
ouçam a voz do Senhor; nos olhos para que vejam a glória de Deus; na boca para que
respondam à Palavra de Deus; no peito para que Cristo habite pela fé em seus corações; nos
ombros para que carreguem o jugo suave de Cristo. Enfim, os catecúmenos são assinalados
Santo”, foram pronunciadas no Batismo daqueles que estão reunidos em assembleia litúrgica.
Por isso, o sinal da cruz no início da Celebração Dominical da Palavra de Deus recorda à
assembleia que ela está mergulhada em Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. O fiel, ao tocar
o seu corpo em forma de cruz, é motivado a perceber que o Mistério da cruz e da ressurreição
411
A comunidade que não possui o livro dos Evangelhos poderá realizar esta saudação ao Lecionário ou, ainda, à
Bíblia.
412
Cf. BORÓBIO, Dionisio. Eucaristía. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 2005, p. 131. (Sapientia Fidei
– Serie de Manuales de Teología, 23).
413
Cf. ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. II:
Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993, p. 316; COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de
restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 28. (Coleção Tabor).
414
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DO SACRAMENTO. Ritual do Batismo
de crianças. São Paulo: Paulus, 2003, n. 16; 43-44; 115-116; 182-183; 235-236; 308-309.
415
Cf. Id. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos. São Paulo: Paulus, 2001, n. 83-85.
111
celebrado416. Ratzinger afirma que “quando fazemos o sinal da cruz, colocamo-nos sob a sua
proteção, segurando-a ao mesmo tempo diante de nós como um escudo, que nos ampara nas
corações dos fiéis reunidos para que possam perceber a presença da cruz na vida de outras
O sinal da cruz no início da celebração contribui para que o povo se lembre de que
Jesus continua morrendo nas cruzes que os filhos de Deus carregam, espalhados pelo mundo
inteiro. Se aqueles que celebram ficam emocionados com as dores da Paixão de Jesus,
também não podem ficar indiferentes aos sofrimentos que penalizam tantas pessoas, seus
irmãos. Diante dessas cruzes, a comunidade cristã é chamada a ajoelhar-se, não para adorar,
mas para tratá-las, para eliminá-las da vida de cada um que nasceu para ser feliz já neste
mundo. O sinal da cruz deve aumentar a sensibilidade para as cruzes dos seres humanos e a
coragem de lutar, unir-se aos que sofrem desde dores físicas até os danos impostos por uma
carentes.
Pascal, a força de Deus na fraqueza do crucificado, a ação de Deus que vai transfigurando os
desde o Batismo põe a vida do fiel sob o nome e benção da Trindade, mostra o caminho da
416
O Mistério da cruz é a chave de toda a vida cristã e da história da humanidade. Cf. RATZINGER, Joseph.
Introdução ao espírito da liturgia. 2. ed. Prior Velho [Portugal]: Paulinas, 2006, p. 134. (Dessedentar, 2).
417
Ib. p. 132.
418
BUYST, Ione. Liturgia, de coração. Espiritualidade da celebração. ed. ampl. São Paulo: Paulus, 2003, p. 96-
97.
112
vida que é o seguimento de Jesus e imprime na vida do povo de Deus a vida de Jesus que
A saudação inicial à comunidade reunida dá-se, também, através de uma fórmula ritual
de inspiração bíblica. Com esta saudação, aquele que preside a assembleia toma o primeiro
contato expresso com a comunidade e o faz manifestando a presença do Senhor, dando assim
plenitude à comunidade reunida como sinal da Igreja unida a seu Senhor. A saudação ritual de
quem preside desemboca na resposta da assembleia: “Bendito seja Deus que nos reuniu no
amor de Cristo”420. A promessa de Cristo: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu
nome, ali estou no meio deles” (Mt 18,20), refere-se especialmente a uma comunidade
congregada em seu nome. Por isso, a Celebração Dominical da Palavra de Deus deve ser
realizada com a convicção da presença protagonista do Senhor em meio aos seus e à história
assembleia e expressar que esta união não se fundamenta somente na amizade, na afinidade
ou interesse comum. A assembleia reunida firma-se no amor de Cristo, como sugere Ione
Buyst: “é o amor de Deus que circula e que nos faz assumir nossas diferenças e desavenças,
perdoar as faltas uns dos outros, unir nossas vozes num único ritmo de dança na procissão”423.
Desse modo, a introdução espontânea expressa, sobretudo, a vida do povo de Deus, une
419
Cf. BIANCHI, Enzo. Presbíteros: Palavra e Liturgia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 15; BUYST, Ione. Liturgia,
de coração. Espiritualidade da celebração. ed. ampl. São Paulo: Paulus, 2003, p. 97; COSTA, Valeriano Santos.
Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 29. (Coleção Tabor);
RATZINGER, Joseph. Introdução ao espírito da liturgia. 2. ed. Prior Velho [Portugal]: Paulinas, 2006, p. 132.
(Dessedentar, 2).
420
Missal Romano, p. 389.
421
Cf. ALDAZÁBAL, José. La Eucaristía. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2007, p. 381. (Biblioteca
Litúrgica, 12); IGMR, n. 50.
422
Doc. 43 da CNBB, n. 244.
423
BUYST, Ione. A missa: memória de Jesus no coração da vida. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 46. (Coleção
celebrar).
113
no Brasil as “celebrações costumam ser precedidas por breves palavras iniciais do (a)
animador (a)”424 que situam a celebração “no contexto do Tempo litúrgico e das
Pascal de Cristo no Tempo litúrgico e na vida do povo de Deus. Poderá apresentar as pessoas
que estão participando pela primeira vez da comunidade ou a estão visitando; as crianças que
trabalhar no Dia do Senhor ou os que estão viajando, os que morreram na semana que passou
ou os familiares enlutados426.
A vida pode ser expressa nos ritos iniciais da Celebração Dominical da Palavra de
Atos dos Apóstolos (cf. At 4,23-31), a oração da assembleia brotou da recordação da vida dos
Como em Atos dos Apóstolos, a comunidade cristã hoje, à luz do Mistério Pascal,
424
Doc. 43 da CNBB, n. 237. A Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB, com uma nota de 6 de
agosto de 2007 aos redatores dos “folhetos litúrgicos”, pede para não mais usar a palavra “comentarista” porque
esta não é a função litúrgica exercida por esta pessoa ou, a palavra “comentário” porque este não é o espírito das
breves palavras iniciais da celebração, da liturgia da Palavra etc. Cf. COMISSÃO EPISCOPAL PARA A
LITURGIA. Os „comentários‟ na liturgia da Palavra. In: CNBB. Liturgia em Mutirão II: subsídios para
formação. Brasília: CNBB, 2009, p. 234-236.
425
Doc. 43 da CNBB, n. 237.
426
Cf. BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 51-
52. (Coleção Celebrar); Doc. 52 da CNBB, n. 58.
427
Cf. CNBB. Diretório da Liturgia e da Organização da Igreja no Brasil. Brasília: CNBB, 2011, p. 21.
428
BUYST, Ione. Recordação da Vida. In: A ESPERANÇA dos pobres vive: coletânea em homenagem aos 80
anos de José Comblin. São Paulo: Paulus, 2003, p. 380.
114
elemento ritual que recebeu o nome de Recordação da Vida429, explicita que a vida da
atual é revelada e o povo vai percebendo, desse modo, a ação de Deus na sua história
concreta. Quem preside, ou outra pessoa responsável, poderá motivar e convidar a assembleia
realidade e da vida de fé dos presentes para serem apresentados nesse momento, ou, ainda,
comunidade na Celebração Dominical da Palavra de Deus são enumeradas por Ione Buyst:
429
“No Ofício Divino das Comunidades este momento de trazer os fatos da vida está previsto para o início, após
a abertura e antes do hino. Nas reuniões da equipe que pensou e redigiu o Ofício, sentimos a necessidade de
encontrar um nome para este momento. Foi aí que surgiu o termo recordação da vida”. BUYST, Ione.
Recordação da Vida. In: A ESPERANÇA dos pobres vive: coletânea em homenagem aos 80 anos de José
Comblin. São Paulo: Paulus, 2003, p. 378.
430
OFÍCIO divino das comunidades. 12. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 11. Cf. Gaudium et spes, n. 1.
431
PALUDO, Faustino. A celebração da Palavra de Deus. In: CELAM. Manual de liturgia. A celebração do
Mistério Pascal. Vol. IV: Outras expressões celebrativas do Mistério Pascal e a liturgia na vida da Igreja. São
Paulo: Paulus, 2007, p. 180.
432
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 244; Doc. 52 da CNBB, n. 62; 64.
433
BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 76.
(Coleção Celebrar).
115
variados da celebração. Poderá estar situada nos ritos iniciais ou no início da liturgia da
Palavra, antes da proclamação dos textos bíblicos ou ainda na homilia434. Porém, os fatos da
vida lembrados precisam ser relidos à luz do Mistério de Cristo e retomados durante a
ação de graças435.
também pode fazer-se presente principalmente quando há distribuição da comunhão 436. O rito
penitencial é uma chamada à conversão mais do que um reconhecimento de culpa e poderá ser
correspondam ao projeto de Deus poderão ser lembrados e toda a comunidade pedirá perdão
ao Senhor. Quem preside deverá estar atento, principalmente quando o ato penitencial for
espontâneo, para que as situações lembradas não sejam apenas de pecados pessoais, mas que
este momento ritual conduza a assembleia a refletir também sobre os pecados sociais437.
Não seria desacertado trocar o lugar do ato penitencial e situá-lo depois da homilia,
sobretudo quando as leituras bíblicas são de tom penitencial e convidam à conversão 438.
Pode-se substituir o rito penitencial pelo rito da benção e aspersão da água439. O rito da
benção e aspersão da água recorda o Batismo, pelo qual os fiéis deixaram a vida de pecado
para viver a nova vida que veio através de Jesus Cristo e ajuda a assembleia a começar a
434
Cf. BUYST, Ione. Recordação da Vida. In: A ESPERANÇA dos pobres vive: coletânea em homenagem aos 80
anos de José Comblin. São Paulo: Paulus, 2003, p. 378.
435
“No caso de uma celebração eucarística, é na liturgia da Palavra, principalmente na homilia, que se revela a
presença ativa de Deus na história, estabelecendo o „círculo hermenêutico‟ entre os textos bíblicos e a „vida‟,
entre a revelação de Deus nos fatos passados e nos fatos da atualidade”. Ib. p. 384.
436
Cf. BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 96.O
Documento 52 possui oito roteiros de sugestões de Celebração da Palavra, como já visto no primeiro capítulo.
Destas oito sugestões, duas não possuem menção alguma de um momento penitencial.
437
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 251; 255; Doc. 52 da CNBB, n. 63; FONTBONA, Jaume. La Cena del Señor,
misterio de comunión. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2007, p. 235. (Biblioteca Litúrgica, 32).
438
“Alguns roteiros da Celebração da Palavra de Deus prevêem, logo após a homilia, um rito penitencial
motivado pela proclamação e escuta da Palavra”. Doc. 52 da CNBB, p. 35.
439
Cf. IGMR, n. 51.
116
celebração renovando a consciência de ser povo de batizados, povo eleito de Deus, povo
sacerdotal. Através deste elemento ritual, a comunidade cristã pede a Deus que renove a graça
Geralmente, depois do ato penitencial têm-se o Kyrie. O sentido deste canto e a sua
execução são apresentados pela Instrução Geral do Missal Romano: “Tratando-se de um canto
por todos, tomando parte nele o povo e o grupo de cantores ou o cantor” 441. O Kyrie não tem,
pois, sentido penitencial, senão de aclamação a Cristo e invocação de sua misericórdia na vida
Senhor vivida pelo povo e, por isso, deverá também ser executado após o rito da benção e
aspersão da água.
O hino do Glória e o Kyrie não foram compostos originalmente para a missa. O Glória
é um cântico entusiasta de glorificação e suplica pelo qual o fiel expressa alegria, humildade e
seguida, recolhe as intenções do povo dirigidas a Deus, através da oração do dia444. Porém,
440
Cf. BUYST, Ione. Celebração Dominical. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 52, p. 18, jul./ago. 1982;
CARPANEDO, Penha; GUIMARÃES, Marcelo. Dia do Senhor: guia para as celebrações das comunidades. Vol.
IV. São Paulo: Paulinas; Apostolado Litúrgico, 2003, p. 307. (Coleção liturgia no caminho. Série dominical e
santoral); Missal Romano. Rito para benção e aspersão da água. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p. 1001-1004.
441
IGMR, n. 52.
442
ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. II:
Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993, p. 320. Cf. BALTHAZAR, Hans Urs Von. Credo: meditações sobre o
Símbolo dos Apóstolos. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1997, p. 53.
443
Cf. COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006,
p. 33-34. (Coleção Tabor); JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia: origens, liturgia, história e
teologia da missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, p. 344.
444
Para aprofundar a oração do dia nos ritos iniciais da liturgia conferir: BERGER, Rupert. Oração do dia. In:
Dicionário de liturgia pastoral. Obra de consulta sobre todas as questões referentes à liturgia. São Paulo:
Loyola, 2010, p. 277; COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo:
Paulinas, 2006, p. 35-36. (Coleção Tabor); PISTÓIA, Alexandre. Compromisso. In: TRIACCA, Achille;
SARTORE, Domenico (Org). Dicionário de liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 206.
117
[...] quem preside poderá solicitar aos presentes, após uns instantes de oração
silenciosa, que proclamem os motivos de sua oração – fatos da vida,
aniversários, falecimentos, problemas, alegrias e esperanças – e, depois,
concluirá a oração proposta, integrando as intenções no conteúdo e no espírito
do tempo litúrgico445.
petição dos fiéis no começo da celebração446. Esta oração expressa o diálogo entre Deus e o
desta história para cada circunstância da existência humana, a renovação da vida, a salvação
A oração do dia da sexta-feira da oitava da Páscoa, por exemplo, pede para que os fiéis
traduzam na vida o Mistério de Cristo: “Deus eterno e todo poderoso, que no Sacramento
realizar em nossa vida o Mistério que celebramos na fé”448. A relação entre liturgia e vida é
vozes, louve a alma e louve a vida; e porque é teu o obséquio do que somos, seja teu tudo
quanto vivemos”449.
Aquele que preside cuidará, por exemplo, com o tom de voz, a maneira de rezar, os
gestos de mãos abertas. Enfim, todo o ser do presidente da celebração ajudará o povo “a fazer
445
Doc. 52 da CNBB, n. 64.
446
O Diretório para as Celebrações Dominicais na Ausência do Presbítero orienta que “os textos das orações [...]
para cada domingo ou solenidade tomam-se habitualmente do Missal [...]. Desse modo os fiéis, seguindo o curso
do Ano litúrgico, terão possibilidade de orar [...] em comunhão com outras comunidades da Igreja”.
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Celebrações dominicais na ausência do presbítero. Petrópolis:
Vozes, 1989, n. 36. (Documentos Pontifícios, 224).
447
Cf. ALDAZÁBAL, José. La Eucaristía. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2007, p. 388. (Biblioteca
Litúrgica, 12); BORÓBIO, Dionisio. Eucaristía. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 2005, p. 134.
(Sapientia Fidei – Serie de Manuales de Teología, 23); NOCENT, Adrien. História da celebração da Eucaristia.
In: MARSILI, Salvatore; et al. A Eucaristia: teologia e história da celebração. São Paulo: Paulus, 1986, p. 222.
(Anámnesis, 3).
448
Missal Romano. Sexta-feira na oitava da Páscoa: oração do dia. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p. 301.
449
“Laudet te, domine, ora nostra, laudet anima, laudet et vita; et quia tui muneris est quod sumus, tuum sit
omne quod vivemus: per Christum dominum nostrum”. MOHLBERG, Leo Cunibert (Editor). Sacramentarium
Veronense (Leonianum). Roma: Herder, 1966, n. 1329. (Rerum Ecclesiasticarum Documenta).
118
deste momento o lugar de uma verdadeira súplica a Deus Pai, expressão de sua vida e de sua
aqueles que preparam e presidem a liturgia precisam considerar como prioritária a finalidade
destes ritos e não os meios. Os ritos iniciais serão breves, sem repetições desnecessárias e
acessíveis à compreensão dos fiéis. Por isso, sendo a liturgia ponto culminante e fonte da vida
e da ação cristã, a vida e o agir do povo de Deus estarão presentes desde o início da liturgia.
Assim, o povo de Deus participará de forma mais consciente, ativa e frutuosa da Celebração
participa da mesa da Palavra de Deus, coração da celebração e seu fundamento. Por meio da
Páscoa vivida pelo povo é inserida na Páscoa de Cristo. “O incremento da vida litúrgica e, por
promover [...] um suave e vivo amor da Sagrada Escritura”452, afirmou o papa João Paulo II.
Através da liturgia da Palavra, Cristo fala aos fiéis, orienta suas vidas, consola-os na realidade
A assembleia, por ação do Espírito Santo, interpreta sua vida à luz da Palavra
450
Doc. 43 da CNBB, n. 260.
451
Cf. LUTZ, Gregório. Liturgia “fria” ou “quente”. In: COSTA, Valeriano Santos (Org). Liturgia: peregrinação
ao coração do Mistério. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 168. (Coleção celebrar e viver a fé); NOCENT, Adrien.
Em torno da reforma do ordinário da missa. In: BARAÚNA, Guilherme (Org). A Sagrada Liturgia renovada
pelo Concílio. Petrópolis: Vozes, 1964, p. 469.
452
JOÃO PAULO II. Vigesimus Quintus Annus: Carta Apostólica sobre o XXV aniversário da Sacrosanctum
Concilium sobre a Sagrada Liturgia. Petrópolis, 1989, n. 8. (Documentos Pontifícios, 227).
119
cada um dos seus membros”453. A presença ativa de Cristo e de seu Espírito na liturgia da
Palavra vivifica a celebração, abre o coração dos fiéis para a acolhida da Palavra que é
alimento para a humanidade, faz reconhecer os sinais dos tempos presentes na história,
de Deus454.
Porém, para que esta Palavra repercuta na vida do povo de Deus, a liturgia da Palavra
requer esmero em sua preparação e zelo na celebração. Não basta que a Palavra de Deus seja
proclamada na língua conhecida do povo, ela precisa ser proclamada com entusiasmo e isto
requer preparação prévia, escuta devota e silêncio meditativo para que a Palavra de Deus
mesa da Palavra de Deus, lugar de onde o Senhor oferece o primeiro e necessário alimento da
vida cristã. Através desta mesa bendita, Deus alimenta seu povo com a Palavra que atua na
vida da assembleia reunida e leva os seus filhos a traduzir a Palavra em suas vidas. Por isso, a
liturgia da Palavra que acontece em torno do ambão, transmite, anuncia e atua vitalmente no
povo de Deus456.
453
BENTO XVI. Verbum Domini: Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na
missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2010, n. 53. (A voz do papa, 194).
454
Cf. ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. II:
Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993, p. 325; D‟ANNIBALE. Miguel Ángel; PALUDO, Faustino. A Palavra
de Deus na celebração. In: CELAM. Manual de liturgia. A celebração do Mistério Pascal. Vol. II: Fundamentos
teológicos e elementos constitutivos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 161-162; JUNGMANN, Josef Andreas.
Missarum Sollemnia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, p. 391;
KÉMÉRER, Jorge. Celebração da Palavra de Deus sem sacerdote. In: BARAÚNA, Guilherme (Org). A Sagrada
Liturgia renovada pelo Concílio. Petrópolis: Vozes, 1964, p. 510; MALDONADO, Luis. A homilia: pregação,
liturgia, comunidade. São Paulo: Paulus, 1997, p. 92; MESTERS, Carlos. O apocalipse de São João. Uma chave
de leitura. Curso de verão: IV, São Paulo, p. 35, 1990. (Coleção teologia popular); OLM, n. 9.
455
Cf. JOÃO PAULO II. Mane nobiscum: Carta Apostólica para o Ano da Eucaristia. 4. ed. São Paulo: Paulinas,
2005, n. 13. (A voz do papa, 187); MALDONADO, Luis; FERNADEZ, Pedro. A celebração litúrgica:
fenomenologia e teologia da celebração. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. I: Liturgia
e sacramentologia fundamental. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 193.
456
Cf. AROCENA, Félix María. La celebración de la palabra. Teología y pastoral. Barcelona: Centre de
Pastoral Litúrgica, 2005, p. 126; 136; 169. (Biblioteca Litúrgica, 24); COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a
Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 41-43. (Coleção Tabor); OLM, n. 32-34.
120
Durante a liturgia da Palavra, assim como em toda a celebração, Deus é quem toma a
iniciativa de falar ao seu povo. Arocena afirma que “se a vida eterna significa contemplar a
Deus que é Luz, também significa ouvir a Deus que é Palavra” 457. Por isso, com a primeira
com a aclamação: “Palavra do Senhor”. A resposta: “Demos graças a Deus”, indica que os
fiéis ouviram o Senhor, entenderam o que ele acaba de dizer e viverão a Palavra458.
presentes. Segundo Lauster, “nos salmos repercute toda a diversidade imensa da experiência
de vida humana, que se estende desde a alegria e a gratidão até a dor e sofrimento” 460. Através
Deus. Além disso, o salmo responsorial atinge a vida do povo de Deus e suas relações461.
A segunda leitura geralmente é tirada das cartas apostólicas. Ela possui valor de
à comunidade reunida como falou a seus apóstolos na tarde de sua ressurreição. Por sua vez, o
457
AROCENA, Félix María. La celebración de la palabra. Teología y pastoral. Barcelona: Centre de Pastoral
Litúrgica, 2005, p. 103.
458
“A Palavra é escutada na medida em que é realizada e posta em prática; se não há realização, é porque não
houve escuta”. BIANCHI, Enzo. Presbíteros: Palavra e Liturgia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 48.
459
“O salmo responsorial [...] está sempre referido à leitura que o precede. Por isso é responsorial. É Palavra de
Deus, portanto ainda Deus falando, e não resposta da assembléia à Palavra proclamada”. COSTA, Valeriano
Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 44. (Coleção Tabor).
460
LAUSTER, Jörg. Religião como intepretação da vida. São Paulo: Loyola, 2009, p. 66. (Theologica).
461
Cf. AROCENA, Félix María. La celebración de la palabra. Teología y pastoral. Barcelona: Centre de
Pastoral Litúrgica, 2005, p. 99. (Biblioteca Litúrgica, 24); IGMR 18; 39; OLM 21; 22.
121
povo acolhe o Senhor que lhe vai falar com o canto do Aleluia 462 ou outro apropriado,
semana como leitura da atuação de Deus na história atual. Bernal defende esta prática e
Se é certo que Deus se revela na vida e nos acontecimentos, não vejo razão
alguma para impedir a possibilidade de ler tudo aquilo que é expoente da vida,
mas com uma condição. Isto é, na condição de que esta leitura não substitua a
leitura da Bíblia. Há de ser precisamente a Escritura o critério mediador que
nos permita estabelecer uma interpretação cristã da vida e dos acontecimentos.
Só à luz do plano de Deus, revelado em Jesus, é possível descobrir a presença
divina no acontecer do mundo464.
CNBB, pode parecer estranha para muitas pessoas, mas ainda no fim do século IV, os Atos
dos mártires eram lidos na missa no dia do aniversário da sua paixão. Por mais que a primazia
sempre tenha sido da Sagrada Escritura, existem testemunhos desta prática na África com
462
O Aleluia ressoa quatro vezes nos cantos celestiais do apocalipse (cf. Ap 19,1.3.4.6). O Aleluia é uma
aclamação com uma mensagem: Hallelu Ya! Se forma do imperativo do verbo hebreo Hallel (Louvar) e o nome
de Deus Yahvé, porém, resumido: Ya. Então, Hallelu-Ya equivale a dizer louvado seja Yahvé, louvado seja o
Senhor! Cf. AROCENA, Félix María. La celebración de la palabra. Teología y pastoral. Barcelona: Centre de
Pastoral Litúrgica, 2005, p. 102. (Biblioteca Litúrgica, 24).
463
“No Tempo da Quaresma, no lugar do Aleluia, canta-se o versículo antes do Evangelho proposto no
lecionário. Pode-se cantar também um segundo salmo ou trato, como se encontra no gradual”. IGMR, n. 62.
Segundo Lucien Deiss, o povo poderá, ainda, aclamar o Senhor da seguinte forma: “Mesmo que se celebre
durante a semana diante de uma assembléia reduzida, mesmo que o espaço exíguo não permita uma procissão
solene, dever-se-ia ao menos fazer a ostensio Evangelii, isto é, mostrar o livro dos Evangelhos: o celebrante
toma o livro de cima do altar, mostra-o à assembléia que aclama o Cristo. Essa ostensio é semelhante à da hóstia
consagrada e à do cálice, por ocasião da consagração. Mesmo em situações as mais humildes, o rito conserva seu
luminoso significado”. DEISS, Lucien. A Palavra de Deus Celebrada: Teologia da Celebração da Palavra de
Deus. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 151. A Igreja venera a Sagrada Escritura tal como o faz com o Corpo do
Senhor. Tanto que antigamente havia em algumas igrejas dois sacrários: um para guardar a Eucaristia e outro
para guardar a Bíblia. Cf. BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 72. (Coleção Celebrar); Dei Verbum, n. 21.
464
BERNAL, José. Leituras não bíblicas? In: ALDAZÁBAL, José; ROCA, Josep (Org). A arte da homilia. Prior
Velho [Portugal]: Paulinas, 2006, p. 54. Os fatos importantes poderão ser lidos como introdução à liturgia da
Palavra ou intercalados com as leituras ou, ainda, inseridos dentro da homilia.
122
Santo Agostinho, na Gália e em vários outros lugares. Em Milão, ainda hoje, a vida dos santos
Entretanto, por mais que os textos não bíblicos ajudem a assembleia a compreender a
Palavra de Deus dentro da vida, é importante salientar que os textos bíblicos nunca devem ser
substituídos por texto algum. É melhor citar os textos não bíblicos na homilia. É importante
salientar, ainda, que nenhum acontecimento é de per si Palavra de Deus e que estes
normas de vida cristã. Através dela, as leituras bíblicas ouvidas são interpretadas e
atualizadas. No entanto, a homilia atualiza a Palavra de Deus quando relaciona três realidades:
Palavra na vida do povo de Deus, enchendo a vida dos fiéis de alegria469. Na homilia, a
converte em homilia uma interpretação da Escritura que tem em vista a vida dos ouvintes 470.
Dos três enfoques, Palavra, vida e rito, o „olhar a vida‟ pertence à dimensão profética da
homilia, dimensão que será mais bem aprofundada na sequência deste trabalho.
Presbyterorum ordinis, orienta que a homilia “não deve expor apenas de modo geral e
abstrato a palavra de Deus, mas sim aplicando às circunstâncias concretas da vida a verdade
privilegiada para se expor o Mistério de Cristo no „aqui e agora‟ da comunidade, partindo dos
homilia não só interpreta os textos bíblicos, mas igualmente os fatos da vida. Não manifesta
só o passado, mas também o presente. Não apresenta só o que Jesus fez e disse, mas o que faz
e diz hoje473.
Bento XVI exortou que “a homilia constitui uma atualização da mensagem da Sagrada
Escritura, de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da
470
Cf. ALBERTON, Elcio. Homilia: arte de ouvir e falar. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 70, n.
278, p. 436-450, abr. 2010; ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na
Igreja. Vol. II: Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993, p. 330; AROCENA, Félix María. La celebración de la
palabra. Teología y pastoral. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2005, p. 107. (Biblioteca Litúrgica, 24);
BUYST, Ione. Celebração Dominical. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 52, p. 19, jul./ago. 1982; COSTA,
Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 50-53.
(Coleção Tabor); GUINDA, Francisco Javier Calvo. Homilética. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 2006,
p. 49; 62. (Sapientia Fidei – Serie de Manuales de Teología, 29).
471
Presbyterorum Ordinis, n. 4.
472
Puebla, n. 930.
473
Cf. MALDONADO, Luis. A homilia: pregação, liturgia, comunidade. São Paulo: Paulus, 1997, p. 12; 25.
124
Palavra de Deus no momento atual da sua vida”474. A homilia tem a obrigação de mostrar
como Deus está presente, atuante na história e chama todos à conversão. A homilia precisa
mostrar com fatos atuais que a Palavra de Deus se cumpre e é eficaz hoje475.
de Deus com a celebração e com a realidade dos que o escutam476. O homiliasta, afirma o
Documento 52, “atualiza a Palavra de Deus, de modo a interpelar a realidade da vida pessoal
e comunitária, fazendo perceber o sentido dos acontecimentos, à luz do plano de Deus, tendo
como referencial a pessoa, a vida, a missão e o Mistério Pascal de Jesus Cristo”477. A tarefa da
pessoa responsável pela homilia é ligar liturgia e vida, levar o povo de Deus a um encontro
não deve proferir palavras alheias à vida concreta da assembleia, palavras abstratas, aulas de
Bíblia ou moral479. A linguagem usada na homilia deve ser existencial, simbólica, própria da
liturgia. Por isso, a Recordação da Vida realizada nos ritos iniciais ou no início da liturgia da
para que ela perceba o que o Senhor solicita a ela. Desse modo, a realidade pessoal,
474
BENTO XVI. Verbum Domini: Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na
missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2010, n. 59. (A voz do papa, 194).
475
Cf. BUYST, Ione. A missa: memória de Jesus no coração da vida. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 62. (Coleção
Celebrar); Id. Homilia, partilha da Palavra. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 19. (Coleção Rede Celebra, 3).
476
“Em virtude do Batismo e da Confirmação, os fiéis leigos são testemunhas da mensagem evangélica,
mediante a palavra e o exemplo de vida cristã; podem também ser chamados a cooperar com o Bispo e os
presbíteros no exercício do ministério da palavra”. Código de Direito Canônico, can. 759.
477
Doc. 52 da CNBB, n. 75.
478
Cf. ALANIS, Martí. O problema da homilia. In: ALDAZÁBAL, José; ROCA, Josep (Org). A arte da homilia.
Prior Velho [Portugal]: Paulinas, 2006, p. 14; BUYST, Ione. Liturgia, de coração. Espiritualidade da celebração.
ed. ampl. São Paulo: Paulus, 2003, p. 51; Lumen Gentium, n. 35; OLM, n. 24; ZAVAREZ, Maria de Lourdes.
Homilia: “Conversa familiar”, ligando Vida, Palavra de Deus e Celebração. In: CNBB. Liturgia em Mutirão:
subsídios para formação. Brasília: CNBB, 2007, p. 113-117.
479
“A orientação prática e concreta que há de ter a interpretação da Escritura não deve convertê-la em mera
busca de normas morais, que orientem em cada momento a atuação prática do crente. Se a Bíblia não é uma
simples crônica, nem um tratado filosófico ou dogmático, tão-pouco podemos considerá-la como mero manual
de receitas morais”. LLOPIS, Joan. Exegese e homilia. In: ALDAZÁBAL, José; ROCA, Josep (Org). A arte da
homilia. Prior Velho [Portugal]: Paulinas, 2006, p. 32.
125
Por fim, o homiliasta fará a homilia brotar da sua contemplação das leituras bíblicas,
dos textos eucológicos e da realidade. Ele ouvirá e meditará a voz do Senhor antes de
que acontece ao seu redor481. O homilista é um irmão que dirige suas palavras a outros irmãos,
prepara a homilia quando se esforça por viver a riqueza do Evangelho, quando vive o que diz,
próximo das pessoas, dos seus problemas, das suas dores, quando lê o jornal e quando ora.
Quanto mais clara é a realidade da comunidade para o responsável pela homilia, tanto mais
poderá a homilia alcançar o povo de Deus e ser frutuosa, de modo que o fiel sinta que se trata
realidade, relatar fatos de vida, expressar suas reflexões e sugerir aplicações concretas da
Palavra de Deus483. No Diretório das missas com crianças também se encontra a sugestão da
480
Cf. BUYST, Ione. A missa: memória de Jesus no coração da vida. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 62. (Coleção
Celebrar); DEISS, Lucien. A Palavra de Deus Celebrada: Teologia da Celebração da Palavra de Deus.
Petrópolis: Vozes, 1998, p. 109; MALDONADO, Luis. A homilia: pregação, liturgia, comunidade. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 150.
481
“Para uma adequada „aplicação à vida‟, o pregador deve esforçar-se por conhecer a assembléia: as suas
circunstâncias, a sua ideologia e sensibilidade. Deve entrar em sintonia com a vida da comunidade concreta que
celebra com ele. Tal como refletiu sobre o que diz a Palavra, deverá meditar sobre os aspectos em que a Palavra
interpela, hoje e aqui, estes ouvintes que, provavelmente, serão distintos dos do ano passado. [...] Se foi fiel à
Palavra, deverá também ser fiel à comunidade e à sua vida”. ALDAZÁBAL, José. Aplicação da Palavra ao
„hoje‟ e „aqui‟. In: Id; ROCA, Josep (Org). A arte da homilia. Prior Velho [Portugal]: Paulinas, 2006, p. 50-51.
482
Cf. ALANIS, Martí. O problema da homilia. In: Id; ROCA, Josep (Org). A arte da homilia. Prior Velho
[Portugal]: Paulinas, 2006, p. 16; D‟ANNIBALE. Miguel Ángel; PALUDO, Faustino. A Palavra de Deus na
celebração. In: CELAM. Manual de liturgia. A celebração do Mistério Pascal. Vol. II: Fundamentos teológicos e
elementos constitutivos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 181; DEISS, Lucien. A Palavra de Deus Celebrada:
Teologia da Celebração da Palavra de Deus. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 108; GUINDA, Francisco Javier Calvo.
Homilética. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 2006, p. 50. (Sapientia Fidei – Serie de Manuales de
Teología, 29).
483
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 279; Doc. 52 da CNBB, n. 77.
126
Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado
utilizada com prudência pelo ministro celebrante, como meio expositivo através do qual não
facilitada, é possível que quase todos possam partilhar as leituras bíblicas. Porém, a homilia
partilhada não dispensa àquele que preside de preparar e realizar a homilia. A homilia
Certamente que estes documentos citados no parágrafo anterior não estão incentivando
a realidade, assim como fez o homiliasta. Que os fiéis devam preparar-se para a celebração
não é uma exigência atual, mas é uma orientação muito antiga que São João Crisóstomo
484
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Diretório das missas com crianças, n. 48. In: CNBB.
Pastoral dos Sacramentos da Iniciação Cristã. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 134. (Documentos da CNBB, 2a).
485
CONGREGAÇÃO PARA O CLERO; et al. Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos
fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes. São Paulo: Paulinas, 1997, n. 3,3. (A voz do papa, 154).
486
Cf. GUINDA, Francisco Javier Calvo. Homilética. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 2006, p. 184.
(Sapientia Fidei – Serie de Manuales de Teología, 29).
487
JOÃO CRISÓSTOMO. Homilias sobre São João, 11,1. In: DEISS, Lucien. A Palavra de Deus Celebrada:
Teologia da Celebração da Palavra de Deus. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 104.
127
Palavra que toca os seus problemas, sonhos, acertos e desacertos488. Ao aprofundar as leituras
a assembleia poderá ouvir novamente de Jesus: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa
passagem da Escritura” (Lc 4,21), ou até mesmo exclamar: “Hoje se cumpriu para nós essa
recitado ou cantado. O missal explica a razão de ser do credo: “levar todo o povo reunido a
responder à Palavra de Deus anunciada da Sagrada Escritura e explicada pela homilia, [...]
488
“A leitura orante pessoal e comunitária prepara, acompanha e aprofunda o que a Igreja celebra com a
proclamação da Palavra no âmbito litúrgico. Colocando em relação tão estreita lectio e liturgia, podem-se
identificar melhor os critérios que devem guiar esta leitura no contexto da pastoral e da vida espiritual do Povo
de Deus”. BENTO XVI. Verbum Domini: Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a Palavra de Deus na vida e
na missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2010, n. 158. (A voz do papa, 194). Para aprofundamento da Lectio
Divina, confira algumas obras: BARBAN, Alessandro. O caminho espiritual da lectio divina. In: Id; WONG,
Joseph (Org). Como água da fonte: a espiritualidade monástica camaldolense entre memória e profecia. São
Paulo: Loyola, 2009, p. 157-183; BIANCHI, Enzo. Rezar a Palavra. In: GUIGO II, Cartuxo. et. al. Lectio
Divina: ontem e hoje. 3. ed. Juiz de Fora: Subiaco, 2005, p. 35-108; BIANCO, Enzo. Lectio Divina: encontrar
Deus na sua Palavra. São Paulo: Salesiana, 2009; CNBB. Leitura Orante nos seminários e casas de formação:
“Fala Senhor, teu servo escuta”. Brasília: CNBB, 2010. (Documentos da CNBB, 93); COVOLO, Enrico. A
“Lectio” Divina nos padres da Igreja. Revista Benedetina, Juiz de Fora, n. 26/27, p. 31-43, mar./jun. 2008;
GIURISATO, Giorgio. Lectio Divina hoje. In: GUIGO II, Cartuxo; et al. Lectio Divina: ontem e hoje. 3. ed. Juiz
de Fora: Subiaco, 2005, p. 130-169; OLIVERA, Bernardo. A tradição da “Lectio” Divina. Revista Benedetina,
Juiz de Fora, n. 26/27, p. 3-30, mar./jun. 2008; RUIZ, Pilar Avellaneda. A dimensão esponsal na “Lectio”
Divina. Revista Benedetina, Juiz de Fora, n. 26/27, p. 57-70, mar./jun. 2008; TERRA, João Evangelista Martins.
Lectio divina: leitura de meditação e contemplação da Palavra de Deus. São Paulo: Ave-Maria, 2009; TURRA,
Luiz. Leitura Orante da Bíblia. In: CNBB. Liturgia em Mutirão II: subsídios para formação. Brasília: CNBB,
2009, p. 205-207; VINNEL, Albert. A lectio divina. In: GUIGO II, Cartuxo; et al. Lectio Divina: ontem e hoje.
3. ed. Juiz de Fora: Subiaco, 2005, p. 171-195.
489
Cf. BIANCHI, Enzo. Presbíteros: Palavra e Liturgia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 60; BUYST, Ione. Homilia,
partilha da Palavra. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 19-28; DEISS, Lucien. A Palavra de Deus Celebrada:
Teologia da Celebração da Palavra de Deus. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 94; MALDONADO, Luis. A homilia:
pregação, liturgia, comunidade. São Paulo: Paulus, 1997, p. 13; 89; 121.
490
IGMR, n. 67.
128
dos fiéis à Palavra de Deus ouvida nas leituras e na homilia e compromisso de viver esta
Palavra491.
A liturgia da Palavra poderá ser finalizada com a oração universal ou dos fiéis492.
Através desta oração, a Palavra de Deus ouvida, meditada e professada continua sendo
celebrada sob a forma de pedidos. A Palavra semeada começa a se enraizar na vida dos fiéis
através dos pedidos para a Igreja, para a comunidade civil e para todo o mundo. Os fiéis oram
ao Pai para que a salvação, que as leituras anunciaram e atualizaram, seja eficaz e se cumpra
Mistério celebrado e da vida das pessoas493. Não são orações individualistas e intimistas. Na
oração, o pedido pronunciado por um torna-se o pedido de todos: “Senhor, escutai a nossa
prece!” É a prece do povo que exerce sua função sacerdotal e pede a Deus por toda a
O Documento 43 sugere que, na oração dos fiéis, “sem negligenciar a abertura para os
mais sentidas pela comunidade”494. Através da oração universal, os fiéis apresentarão ao Pai
comunidade ou, até mesmo, o que se consideraria insignificante. Desse modo, tudo poderá
491
COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p.
54. (Coleção Tabor).
492
Justino dá testemunho claro desta oração: “Nós o levamos [o neo-batizado] aos que se chamam irmãos, no
lugar em que estão reunidos, a fim de elevar fervorosamente orações em comum por nós mesmos, por aquele que
acaba de ser iluminado e por todos os outros espalhados pelo mundo inteiro, suplicando que se nos conceda, já
que conhecemos a verdade, ser encontrados por nossas obras como homens de boa conduta e observantes do que
nos mandaram, e assim consigamos a salvação eterna”. JUSTINO DE ROMA. Apologia I, 65. In: Id. I e II
Apologias. Diálogo com Trifão. São Paulo: Paulus, 1995. (Coleção patrística, 3).
493
Nocent afirma que a oração dos fiéis “deve estar em relação com a vida concreta de hoje e com as
necessidades sentidas pela comunidade”. NOCENT, Adrien. História da celebração da Eucaristia. In: MARSILI,
Salvatore; et al. A Eucaristia: teologia e história da celebração. São Paulo: Paulus, 1986, p. 240. (Anámnesis, 3).
494
Doc. 43 da CNBB, n. 284.
129
levar os fiéis a elevar os olhos para Deus, comprometê-los com a Palavra e a realidade e, levá-
A liturgia da Palavra poderá terminar, também, com gestos simbólicos preparados pela
equipe de celebração de acordo com o Evangelho ou com a festa celebrada, ligados à vida da
bandeira da paz em uma vigília pela paz; memória da confirmação ou a recepção da bandeira
do Divino na festa de Pentecostes; unção com óleo perfumado no domingo com o Evangelho
da pecadora pública (cf. Lc 7,36-8,3); estender a mão à cruz no domingo com o Evangelho da
opção radical (cf. Lc 14,25-33); benção da luz e dos filhos da luz no Evangelho que Jesus
convida os discípulos a viver como filhos da luz 497 (Lc 16,1-13); procissão dos fiéis até a
A liturgia da Palavra poderá terminar, ainda, com uma coleta fraterna, sinal de
necessitados. Enquanto a assembleia realiza a coleta fraterna, canta um canto apropriado para
495
Porém, existem comunidades que precisam aprender a rezar: “Infelizmente, em muitas comunidades, a oração
que deveria brotar do coração da comunidade, inspirada pelo Espírito, pela Palavra ouvida e pela vida vivida,
não existe. É substituída, muitas vezes, por uma leitura de „preces‟ e „intenções‟ extraídas de um folheto, feito
com meses de antecedência ou em realidades totalmente diferentes daquela comunidade. Esses „filhos‟, para
falar com seu Pai, escondem-se atrás de papel, atrás de fórmulas de orações escritas por outros”. BUYST, Ione.
Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 95. (Coleção Celebrar). Cf.
ALDAZÁBAL, José. Oración universal o de los fieles. In: Id. Vocabulário básico de liturgia. Barcelona: Centre
de Pastoral Litúrgica, 2002, p. 277. (Biblioteca Litúrgica, 3); AROCENA, Félix María. La celebración de la
palabra. Teología y pastoral. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2005, p. 107; 109. (Biblioteca Litúrgica,
24); AZCARATE, Andres. La flor de la liturgia renovada: manual de cultura y espiritualidad litúrgicas. 9. ed.
Buenos Aires: Claretiana, 1982, p. 68-69; COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar
a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 55. (Coleção Tabor); FONTBONA, Jaume. La Cena del Señor, misterio de
comunión. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2007, p. 235. (Biblioteca Litúrgica, 32); IGMR, n. 69;
LLOPIS, Joan. Reza-se de fato em nossas Eucaristias e faz-se rezar os participantes? Concilium, Petrópolis, n.
229, maio, p. 93-105, 1990; SCHALLER, Hans. Pedir e agradecer: unidade significativa. Concilium, Petrópolis,
n. 229, maio, p. 11-18, 1990; VELASCO, Juan Martín. Oração de petição e ação de graças nas religiões.
Concilium, Petrópolis, n. 229, maio, p. 19-30, 1990.
496
CARPANEDO, Penha; GUIMARÃES, Marcelo. Dia do Senhor: Guia para as Celebrações das Comunidades.
Vol. I. São Paulo: Paulinas; Apostolado Litúrgico, 2002, p. 146. (Coleção Liturgia no caminho. Série dominical
e santoral).
497
Cf. Ib. Vol. II, p. 107; 173; 184; 357; 366.
498
Cf. Ib. Vol. V, p. 190; KÉMÉRER, Jorge. Celebração da Palavra de Deus sem sacerdote. In: BARAÚNA,
Guilherme (Org). A Sagrada Liturgia renovada pelo Concílio. Petrópolis: Vozes, 1964, p. 511.
130
o momento499. Porém, para que esta coleta não seja confundida com o momento da
Não deve haver numa celebração que não é missa, um „ofertório‟ ou qualquer
oferecimento ritual. Só a missa é sacrifício, é atualização do único sacrifício
do Novo Testamento, ao lado do qual não pode haver outros. Isso não impede
que se faça durante estas celebrações dominicais uma coleta. Mas não
devemos dar a ela um aspecto de oblação. [...] devemos deixar clara a
finalidade deste gesto: a partilha com os pobres ou as necessidades da
comunidade. Assim não se pensa facilmente numa „oferta‟ 500.
A coleta de donativos pode ser concluída com uma oração que expresse a
Deus, pastor das nossas vidas, bendito és pelas graças recebidas, pela maravilha de sermos
teus filhos amados, pelo amor que nos une como irmãos neste dia de domingo e pelos frutos
que recebemos da tua bondade, através da terra e do nosso trabalho que partilhamos
Porém, não usar a oração sobre as oferendas da liturgia eucarística. Geralmente estas
orações possuem sentido sacrificial, aspecto que a coleta fraterna na Celebração Dominical da
Portanto, através da liturgia da Palavra, o fiel reconhece a sua própria vida, a história
celebrado e a Recordação da Vida feita nos ritos iniciais ou no início da liturgia da Palavra.
Na oração universal, o diálogo com Deus sobre a vida continuou a partir das Sagradas
499
Cf. CARPANEDO, Penha; GUIMARÃES, Marcelo. Dia do Senhor: Guia para as Celebrações das
Comunidades. Vol. II. São Paulo: Paulinas; Apostolado Litúrgico, 2002, p. 45; 48; 51. (Coleção Liturgia no
caminho. Série dominical e santoral).
500
LUTZ, Gregório. Teologia da liturgia dominical sem padre. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 52, p. 12,
jul./ago. 1982.
501
Cf. BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 58.
(Coleção Celebrar).
131
ação de graças, o povo reunido e tocado pela imensa misericórdia do Senhor, rende graças ao
Pai por sua intervenção na vida e na história da humanidade. O Documento 52 afirma que “a
Palavra de Deus”502. O Domingo é dia do louvor, da ação de graças a Deus que por sua ação
ser humano que reconhece em sua vida a salvação operada por Deus. Com a ação de graças, a
agradecem a Deus por sua intervenção decisiva na história que se deu na morte e ressurreição
resumem e se atualizam todas as intervenções salvadoras de Deus junto ao seu povo que,
através da liturgia, participa deste Mistério Pascal e experimenta a redenção de Cristo. Por
isso, a ação de graças da assembleia é culto de adoração ao Pai pelo Mistério Pascal de Cristo,
ação de graças não significa que nela não caibam outros fatos ou acontecimentos. A
celebração da Páscoa de Cristo não é uma simples lembrança do passado, mas uma memória
profética que deixa espaço para inserir a Páscoa do povo. O Mistério de Cristo penetra a vida
502
Doc. 52 da CNBB, n. 83.
503
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 101; Doc. 52 da CNBB, n. 83.
504
Cf. FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 166; RATZINGER,
Joseph. Introdução ao espírito da liturgia. 2. ed. Lisboa: Paulinas, 2006, p. 12-13.
132
da humanidade, impregna da presença de Deus e vivifica a vida do seguidor de Jesus 505. Por
isso, a ação de graças na Celebração Dominical da Palavra de Deus não pode tornar-se um
Assim como Jesus não viveu à margem dos problemas humanos e das
aspirações do seu povo em sua vida terrena e fez da solução de alguns um
sinal da vinda do Reino de Deus, a liturgia, como obra da Igreja, também não
pode alienar-se das realidades deste mundo e pretender santificar os homens e
prestar culto a Deus à margem da vida concreta dos beneficiários de sua
missão 506.
obra de Cristo que foi lembrada, sobretudo na liturgia da Palavra, são retomados na liturgia de
ação de graças e não inseridos ao acaso. A vida das pessoas presentes na Celebração
Dominical da Palavra de Deus e a história em que fazem parte são relacionadas ao Mistério de
Cristo, ponto de referência para interpretar os fatos e para avaliar a história. À memória da
vida da assembleia e de toda humanidade é inserida ao louvor pelo Mistério Pascal de Jesus
Por isso, além do grande motivo de ação de graças que é a ressurreição de Jesus e a
vida nova que ele trouxe, aquele que preside a assembleia poderá convidar os fiéis a expressar
espontaneamente motivos que possuem para agradecer a Deus. Após a exposição dos fatos
vivenciados pela assembleia e que são motivos de louvor, são elevadas a Deus ações de
505
Cf. BUYST, Ione. Recordação da Vida. In: A ESPERANÇA dos pobres vive: coletânea em homenagem aos 80
anos de José Comblin. São Paulo: Paulus, 2003, p. 379; FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica.
São Paulo: Paulinas, 2006, p. 22.
506
MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade. Vol. II: Introdução antropológica à liturgia. Petrópolis:
Vozes, 1997, p. 77.
507
Cf. BUYST, Ione. Recordação da Vida. In: A ESPERANÇA dos pobres vive: coletânea em homenagem aos 80
anos de José Comblin. São Paulo: Paulus, 2003, p. 381; CENTRO DE LITURGIA. Liturgia em tempo de
opressão: à luz do Apocalipse. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1996, p. 9. (Cadernos de Liturgia, 1); Doc. 43 da
CNBB, n. 300; Doc. 52 da CNBB, n. 84.
133
graças através de cantos, salmos, hinos, orações litânicas, benditos e outras orações inspiradas
na piedade popular508.
A ação de graças termina com a oração do Pai-nosso, que nunca deverá faltar na
das seguintes formas: com a comunhão eucarística; com a partilha de alimentos ou com os
ritos finais. Antes destes momentos, os fiéis poderão, entre outros elementos rituais, exprimir
entre si a comunhão eclesial e a mútua caridade através do gesto simbólico da paz. Assim, os
fiéis continuam a comprometer-se com Deus, com a realidade humana e manifestam esta
comunhão510.
redentora e de todos os grandes e pequenos feitos de Deus em favor dos homens; nela entra a
vida da comunidade, e nem falta um gesto eloquente e popular”511, como afirma Gregório
reconhece a sua própria experiência e insere no louvor a Deus os acontecimentos atuais da sua
508
Cf. Doc. 52, n. 85. Para aprofundar as louvações populares, os benditos da refeição fraterna: LIMA, Jânio
Fernandes de. Uma análise teológico-litúrgica das louvações populares na celebração dominical da Palavra,
uma forma inculturada de ação de graças e louvor. 2002. Dissertação (Mestrado em Teologia) Pontifícia
Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, Centro Universitário Assunção, São Paulo.
509
Cf. COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006,
p. 84-85. (Coleção Tabor); SOARES-PRABHU, George. Falar ao “Abba”: a oração como petição e
agradecimento no ensino de Jesus. Concilium, Petrópolis, n. 229, maio, p. 45-57, 1990.
510
Cf. BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 41.
(Coleção Celebrar); Id. Celebração Dominical. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 52, p. 19, jul./ago. 1982;
COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 85-
86. (Coleção Tabor); Doc. 52 da CNBB, n. 89-90; IGMR, n. 82; Medellín, n. 9,3.4.6; Puebla, n. 214-215.
511
LUTZ, Gregório. Teologia da liturgia dominical sem padre. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 52, p. 12,
jul./ago. 1982.
512
Cf. BUYST, Ione. Recordação da Vida. In: A ESPERANÇA dos pobres vive: coletânea em homenagem aos 80
anos de José Comblin. São Paulo: Paulus, 2003, p. 379.
134
expressivos da relação entre liturgia e vida, entre a liturgia ritual e a liturgia existencial. É por
meio dos ritos finais, afirma o Diretório para as celebrações dominicais na ausência do
presbítero, que “se indica a relação que existe entre a liturgia e a vida cristã” 513. Estes ritos
auxiliam os fiéis a passar da celebração para a vida, da liturgia ritual à liturgia existencial,
para que toda a vida cristã seja uma ação de graças: “Glorificai o Senhor com vossa vida” 514.
Este é o imperativo, a missão dos cristãos: esforçar-se por fazer de suas vidas um culto, um
louvor ao Pai, a exemplo de Jesus, por ação do Espírito Santo, como expressa Juan Flores:
A Celebração Dominical da Palavra de Deus permite que os fiéis revisem suas vidas,
compromisso de viver mais unidos, mais solidários, de viver de acordo com a celebração. Os
ritos finais impelem os fiéis a comunicar ao mundo o Mistério que celebraram e os envia para
a missão, para diversas ações na Igreja e na sociedade, de acordo com as suas necessidades 516.
513
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Celebrações dominicais na ausência do presbítero.
Petrópolis: Vozes, 1989, n. 41. (Documentos Pontifícios, 224).
514
Missal Romano, p. 505.
515
FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 405.
516
“Se a Igreja é, por sua própria natureza, missionária, a missão é um constitutivo da assembléia litúrgica”.
FLORISTAN, Casiano. Pastoral Litúrgica. In: BORÓBIO, Dionisio (Org). A celebração na Igreja. Vol. I:
Liturgia e sacramentologia fundamental. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 405. Cf. BECKHÄUSER, Alberto.
Liturgia, cume e fonte da vida dos discípulos e missionários de Cristo. In: COSTA, Valeriano Santos (Org).
Liturgia: peregrinação ao coração do Mistério. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 133. (Coleção celebrar e viver a fé);
BORÓBIO, Dionisio. Eucaristía. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 2005, p. 386. (Sapientia Fidei – Serie
de Manuales de Teología, 23); BUYST, Ione. Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 59. (Coleção Celebrar); CORBON, Jean. A fonte da liturgia. Lisboa: Paulinas, 1999, p. 152;
155. (Dessedentar, 1); COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo:
Paulinas, 2006, p. 89-92. (Coleção Tabor); HAMMAN, Adalbert. Liturgia e apostolado. Petrópolis: Vozes,
1968, p. 89.
135
Porém, antes que a comunidade seja enviada em missão, o Documento 52 afirma que
Esses avisos podem ser uma forma de ligação entre o ato litúrgico e os compromissos da
semana”517.
Mistério Pascal de Cristo, tornando-o presente. Agora, uma parcela do povo de Deus
participará dos eventos anunciados, outros rezarão pelo seu bom êxito, mas todos procurarão
comunidade519.
É importante, ainda, uma mensagem final, diz o Documento 43: “[...] se exorte a
comunidade a testemunhar pela vida a realidade celebrada” 520. É um estímulo daquele que
preside a assembleia para que esta busque a plenitude da sua existência na vivência do
Palavra e às vezes pela Eucaristia, são enviados à sociedade. O livro dos Atos dos Apóstolos
“Celebrando eles o culto em honra do Senhor e jejuando, disse-lhes o Espírito Santo: „Separei
para mim Barnabé e Saulo, para a obra à qual os destinei‟. Então, depois de terem jejuado e
517
Doc. 52 da CNBB, n. 93.
518
“Todos os cristãos, constituídos pelo Batismo e pela Confirmação no Espírito, pregadores da Palavra de Deus,
tendo recebido a graça da audição, devem anunciar essa Palavra de Deus na Igreja e no mundo, pelo menos com
o testemunho de sua vida”. OLM, n. 7. Cf. D‟ANNIBALE. Miguel Ángel. A celebração eucarística. In:
CELAM. Manual de liturgia. A celebração do Mistério Pascal. Vol. III: Os sacramentos: sinais do Mistério
Pascal. São Paulo: Paulus, 2005, p. 158.
519
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 328.
520
Doc. 43 da CNBB, n. 329.
136
orado, impuseram-lhes as mãos e despediram-nos” (At 13, 2-3). Através dos ritos finais, “a
assembléia toma consciência de que é enviada a viver e testemunhar a Aliança no seu dia-a-
dia e nos serviços concretos na edificação do Reino”521, como afirma o Documento 52, recebe
Ainda que as pessoas se separem e retornem às suas casas e ao convívio social, através
da benção, o Espírito Santo as enviará para viver a liturgia e as manterá unidas através da
compromisso de vida, a conformar sua existência com o Mistério celebrado, como afirma
Jean Corbon: “O mesmo Cristo que nós celebramos é Aquele que vivemos; aqui e lá, é
presença constante do Senhor: “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe. Graças a Deus!” 524
Partem com a missão de viver em ação de graças, de fazer de suas vidas um culto agradável a
521
Doc. 52 da CNBB, n. 92. “Pelos Ritos de conclusão, os fiéis, que tomaram consciência de que são enviados,
assumem o compromisso da sua missão a serviço do Reino na vida concreta”. Doc. 43 da CNBB, n. 101.
522
Doc. 52 da CNBB, n. 94.
523
CORBON, Jean. A fonte da liturgia. Lisboa: Paulinas, 1999, p. 155. (Dessedentar, 1).
524
Missal Romano, p. 505.
525
“Deus todo-poderoso [...] sempre vos alimente com os ensinamentos da fé e vos faça perseverar nas boas
obras”. Bênçãos Solenes. Tempo Comum II. Missal Romano, p. 525.
137
CONCLUSÃO
A Sacrosanctum Concilium afirma que Cristo “está presente na sua palavra, pois é Ele
quem fala quando na Igreja se leem as Sagradas Escrituras”526. Cristo está presente pela
ausência do presbítero não são órfãs. Através da Celebração Dominical da Palavra de Deus,
vida de Cristo e a vida de todos os cristãos527. No Brasil, 70% das comunidades celebram este
Mistério através das Celebrações Dominicais da Palavra de Deus 528. Através de palavras e
gestos, em espaços e tempos, os fiéis celebram o Mistério de Cristo que resume e atualiza
Deus na história529.
de Cristo para que todos os acontecimentos de suas vidas sejam lidos, interpretados,
entendidos e vividos à luz deste Mistério. A vida da Igreja, conjunto dos fiéis que participam
da celebração, deve incidir na celebração junto a tudo o que a vida cotidiana exige e oferece.
526
Sacrosanctum Concilium, n. 7.
527
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 48; Doc. 52 da CNBB, n. 75.
528
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 93; Doc. 52 da CNBB, p. 5.
529
Cf. LLOPIS, Juan. A liturgia celebra a presença de Deus no mundo e seu convite ao homem. Concilium,
Petrópolis, p. 237-244, 1974.
530
Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 10.
138
Assim, o povo de Deus celebra o Mistério de Cristo, relacionando-o à sua realidade, à sua
vida cotidiana que também é Páscoa e lugar privilegiado de comunicação com Deus.
Senhor, faz memória dos fatos passados em que Ele atuou em favor de seu povo e das
intervenções na história atual. A comunidade, então, louva e agradece, pede perdão, implora e
viver o Mistério Pascal celebrado. Através desta celebração, os fiéis reconhecem a presença
salvadora de Deus em suas vidas que aí são lembradas, vivenciam o mistério de amor e de
Reino, atualizando as ações salvíficas de Deus e de Jesus Cristo no hoje da história. Por isso,
a celebração não é só memória da história da salvação, que tem seu ponto culminante em
Cristo, mas a própria celebração é uma etapa desta mesma história. A celebração une e
salvação que agora é oferecida sob o véu dos sinais e com as limitações de todos os atos
com o Pai que salva em Jesus Cristo por ação do Espírito Santo. A celebração torna-se, assim,
portadora da Palavra, mas torna-se Palavra de Deus para o mundo, como afirma São Paulo:
“Nossa carta sois vós, carta escrita em vossos corações, reconhecida e lida por todos os
homens. Evidentemente, sois uma carta de Cristo, entregue ao nosso ministério, escrita não
em tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne,
139
Evangelho.
Palavra de Deus. Mas, no Brasil, onde 70% das comunidades se reúnem para celebrar o
Mistério Pascal através da Celebração Dominical da Palavra de Deus, sem uma participação
vivo para a humanidade. Quanto mais a comunidade celebrar a Palavra, tanto mais ela terá
e na Palavra do Senhor. Na celebração, o povo de Deus assume esta Palavra como luz que
ilumina, alimento que fortalece na caminhada, espírito que gera nova vida. A celebração faz
com que a Igreja continue sendo no mundo sinal sagrado para a humanidade. A vida de cada
Contudo, para que a celebração impulsione com força o fiel, é preciso que as
fiel apareça nos ritos. Assim, depois da liturgia ritual, o povo de Deus voltará para a vida, que
Pascal que celebrou e será testemunha da Páscoa no mundo. Assimilará a força renovadora da
seres humanos no momento da celebração e no dia a dia, porque possui essa força capaz de
Cristo com a Páscoa de toda a humanidade, explicitando que é essencial a relação entre a vida
140
e a Celebração Dominical da Palavra de Deus531. A interação entre vida e liturgia é vital para
de ambas. A celebração apreciada por Deus se dá não na fuga da realidade vivida, mas
momentos da vida do cristão, fazendo de cada um desses momentos uma Páscoa contínua e
prolongada.
531
Cf. Doc. 43 da CNBB, n. 300; Doc. 52 da CNBB, n. 6; 56.
141
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Liturgia e vida:
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2011