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O LUGAR DA ASSEMBLEIA:
A MORFOLOGIA DO LUGAR DA ASSEMBLEIA E SUA
CORRELAÇÃO COM O SENTIDO DE CRISTO TOTAL
São Paulo
2020
CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL,
UNIDADE SÃO PAULO, CAMPUS PIO XI
O LUGAR DA ASSEMBLEIA:
A MORFOLOGIA DO LUGAR DA ASSEMBLEIA E SUA
CORRELAÇÃO COM O SENTIDO DE CRISTO TOTAL
São Paulo
2020
Silva, Ronei Costa Martins
S583L O lugar da assembleia: a morfologia do lugar da assembleia e sua
correlação com o sentido de Cristo total / Ronei Costa Martins Silva. –
São Paulo: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2020.
118 f. ; 30 cm.
1
LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco. 1999. p. 19.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................11
Cl Colossenses
RB Ritual de Bênçãos
INTRODUÇÃO
(...) e se o senhor sente com temor que Deus também não existe
agora, neste momento em que falamos d’Ele -, então de que lhe vale
sentir falta d’Ele, que nunca existiu, como de algo passado, e procurá-
lo como se o tivesse perdido? Por que não pensar que Ele é aquele
que está por vir, aquele que se encontra diante da eternidade, o futuro,
o derradeiro fruto de uma árvore cujas folhas somos nós?
Reiner Maria Rilke2
As cartas escritas por Rilke e endereçadas a Franz Xavier Kappus, cuja reunião
resultou em seu livro mais conhecido, “Cartas a um jovem poeta”, revelam
questionamentos valorosos sobre a vida, a partir da vivência do autor. O trecho acima
foi extraído de uma carta que Rilke encaminha ao seu amigo por ocasião da
celebração do Natal. A carta, entretanto, desenvolve-se a partir de uma singela e
potente reflexão acerca da solidão. Entretanto, o que nos interessa aqui é o trecho
pescado e acima oferecido. Neste trecho específico, Rilke reflete com o amigo sobre
a sua crise de fé e da existência de Deus. Rilke, então, sugere uma analogia
interessante, propõe ele que Deus pode ser o derradeiro fruto de uma árvore cujas
folhas somos todos nós.
2
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um Jovem Poeta, 12. ed. Porto Alegre: Globo, 1984, p. 37.
12
3
BIANCHI, Enzo. Igrejas para as cidades de hoje. In Monastero di Bose. Secretariado Nacional da
Pastoral da Cultura, Lisboa. Disponível em:
https://www.snpcultura.org/igrejas_para_as_cidades_de_hoje.html. Acesso em: 29 jan. 2020.
4
Ibid.
5
Ibid.
13
Dos dois eixos aqui sugeridos, este ensaio dedicará atenção ao segundo, o
acolhimento ao Povo de Deus, que aqui será abordado a partir da espacialidade, da
arquitetura: o lugar da assembleia.
Capítulo primeiro
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS ASSEMBLEIAS LITÚRGICAS CRISTÃS
6
ROSA, João Guimarães. A terceira margem do rio. In: ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. p. 35.
7
A fonte Q é uma hipotética fonte usada na redação do Evangelho de Mateus e no Evangelho de Lucas.
E definida como um material de conteúdo comum encontrado em Mateus e Lucas.
15
Basurko defende que: “a Bíblia foi o primeiro livro litúrgico da comunidade a inspirar a
pregação e a prece” e complementa: “falta acrescentar que o culto comunitário teve
um notável papel na própria gestação do Novo Testamento.”8
A reunião dos cristãos nas casas, conforme se extrai do livro do Atos dos
Apóstolos, possuía sempre duas formas básicas de celebração: a Palavra e o
banquete comum11. Primeiro faziam memória dos feitos de Jesus. Aqueles que
presenciaram a trajetória do Nazareno ou que receberam, via tradição oral, os relatos
de seus feitos, compartilhavam com os membros da assembleia. Após esta partilha,
8
BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica. In: BOROBIO,
Dionisio (Org.). A celebração da Igreja. São Paulo: Loyola, 1990, p. 41.
9
BÍBLIA: Tradução Ecumênica. TEB. São Paulo: Loyola, 2000.
10
Cf. BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica, p. 51.
11
Cf. Ibid., p. 53.
16
daquilo que seria o embrião dos Evangelhos, eles se reuniam em torno de uma mesa
para banquetear. Esta herança persiste até os dias atuais, de forma simbólica, nas
liturgias da Palavra e da Eucaristia, que estruturam a celebração da missa.
Já no crepúsculo da era dos mártires, final do século III, houve uma inflexão
considerável devido ao Édito de Milão12 e ao Édito de Tessalônica13, tornando o
cristianismo, primeiramente, uma religião legal e, depois, oficial do império. Logo,
houve um aumento ostensivo na quantidade de adeptos, tornando, segundo Xabier, o
cristianismo a maior religião de todo o império14.
Este inchaço exigiu dos cristãos da época uma mudança no formato dos
encontros e, evidentemente, também exigiu mudanças nos espaços nos quais eles se
encontravam. Se antes, residências cedidas pelos fieis eram espaços ideais para os
encontros, a partir de então, estes espaços seriam inadequados, devido ao número
crescente de cristãos.
12
Cf. Édito de Milão, decretado por Constantino em 13 de junho de 313, pôs fim à perseguição do
império aos cristãos
13
Cf. Édito de Tessalônica, decretado por Teodósio em 27 de fevereiro de 380, tornou o cristianismo
religião oficial do império romano, abolindo todas as outras práticas religiosas.
14
Cf. BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica, p. 57.
15
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas. O significado do espaço litúrgico
para uma comunidade viva. Coimbra: GC Gráfica de Coimbra, 1998, p. 55.
16
Cf. BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica, p. 66.
17
17
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 56
18
Cf. BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica, p. 76.
19
Cf. Ibid., p. 90.
20
Cf. Ibid., p. 91.
21
RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 57.
22
Aimé Georges Martimort, padre francês, da cidade de Toulose, considerado grande teólogo sobre o
sentido da assembleia. Foi pioneiro nesta temática com a publicação L’assemblée liturgique, na
edição número 20 da La Maison Dieu, em 1949.
18
Esta separação entre o povo e a ação litúrgica, que poderá ser entendida como
a separação entre o corpo clerical e o corpo laical, produziu uma ruptura simbólica
bastante prejudicial ao conjunto da comunidade. A partir de então, estabeleceu-se
uma hierarquização nociva que distanciou o povo da mesa da eucaristia.
23
GONZÁLEZ PADRÓS, Jaume. La asamblea litúrgica es un signo. Aportación teológica de Aimé G.
Martimort. Phase, Barcelona: CPL, v. 43, n. 255, p. 234, set./out. 2003, p. 234. A prática cada vez
mais comum de missas privadas no ocidente. Assim, as missas são celebradas nos dias em que a
assembleia não foi convocada e, além disso, várias missas foram celebradas em altares da mesma
igreja, em vez de uma única missa que reunia todos os sacerdotes em torno de um único altar.
Nestas missas a participação do povo foi reduzida à presença simbólica do ministro. (tradução nossa)
24
Cf. ID., La asamblea litúrgica es un signo, p. 234.
25
Cf. ibid., p. 234.
26
Cf. MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: Fenomenologia e teologia da celebração. In:
BOROBIO, Dionísio (Org.). A celebração da Igreja. São Paulo: Loyola, 1990, p. 178.
19
No final do século XII, foi introduzida uma nova piedade com relação à
eucaristia, aumentando ainda mais a distância entre o fiel e o sacramento. A partir de
então o conjunto dos fiéis28 se contentavam em apenas admirar e contemplar a
eucaristia29. Será neste momento histórico que surge a necessidade de chamar a
atenção do fiel para a consagração, por meio de um sinal sonoro: o tilintar dos sinos.
27
Cf. BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica, p. 92.
28
Cf. Não sei se é possível chamar aquele agrupamento de comunidade, uma vez que a mentalidade
individualista é ali predominante.
29
Cf. BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica, p. 102.
30
Cf. Ibid., p. 103.
31
Cf. Ibid., p. 104.
32
Cf. Ibid., p. 108.
20
Ora, se era para contemplar visualmente apenas, a forma das igrejas precisava
ser adequada ao citado propósito. Seus formatos predominantemente retangulares
forçavam o posicionamento das pessoas de frente para o altar, de modo a
direcionarem seus olhares para um ponto focal único: a Eucaristia. Nota-se, então, a
espetacularização da eucaristia.
Vale registrar que, nesse período, não havia o costume de se alocar bancos
nas igrejas. Os fieis ficavam em pé, posição que proporcionava maior dinamismo
durante as celebrações. As pessoas poderiam se direcionar para os locais dos
acontecimentos das celebrações, o momento do sermão, no púlpito, por exemplo,
noutro instante, o momento da consagração, já no altar.
33
Cf. Ibid., p. 114.
34
Ibid., p. 118.
35
Cf. Ibid., p. 119.
21
Muito embora o Sínodo do século XVIII tenha sido ignorado, a luz que dissipará
tal escuridão ensaiava, ali, seus primeiros raios. Lembremos Guimarães Rosa, em
36
Cf. BASURKO, Xabier. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica, p. 120.
22
37
ROSA, Joao Guimarães. Grande Sertão: veredas. 22. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019,
p.141.
38
André Haquin, professor da faculdade de teologia da UC Luvain, em Louvain-la-Neuve, Paris.
39
Joseph Gelineau, padre jesuíta francês, liturgista, especialista em música litúrgica cristã.
40
Cf. PRETOT, Patrick. Spazio Liturgico e Orientamento. Magnano: Edizione Qiqajon, 2006, p. 113.
41
Cf. Ibíd., p. 113.
42
Cf. GOENAGA, José Antônio. A constituição de liturgia do Vaticano II. In: BOROBIO, Dionísio (Org.)
A celebração da Igreja. São Paulo: Loyola, 1990, p. 146.
23
liturgia como fonte e cume da vida cristã, são elementos fundamentais que vão
influenciar a mudança de paradigma na arquitetura das igrejas e na valorização do
lugar da assembleia no corpo da edificação do templo.
Não há dúvida. Dentre os muitos avanços trazidos pelo Vaticano II, encontra-
se o resgate do sentido de comunidade cristã, percebido nas primeiras comunidades,
descritas no livro do Atos dos Apóstolos, nas Cartas Paulinas, na Patrística e no
próprio Evangelho. Bebendo nestas fontes essenciais, os padres do Concílio deixaram
um legado essencial.
43
CONSTITUIÇÃO Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. In: CONCÍLIO VATICANO II.
1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 11.
44
Ibid., p. 14.
45
Ibid., p. 27.
24
Aqui, a atenção deve ser direcionada para a terminologia “ao redor de um único
altar”. Sabe-se que há aqui duas intenções. A primeira é abolir os altares laterais das
igrejas. Um único altar, pois só há um único cordeiro imolado: Cristo. A segunda
intenção refere-se à ideia da ceia: ao redor da mesa. Quem é convidado para comer
não pode ficar distante. Os convidados em geral, de acordo com o costume de cada
cultura, são os primeiros a se aproximarem. Mas o sentido da palavra ainda é mais
radical. Ao redor da mesa não é o mesmo que de fronte para a mesa. Ao redor é no
seu entorno e não diante dela. A ideia implícita é que todos devem se aproximar, se
achegar, vir para perto, o mais perto que puderem, pois será dia de festa, de
comilança, de celebração. A fase da contemplação, apenas e tão somente, ficou com
a Idade Média. Pode-se contemplar, obviamente, mas comer junto, lado a lado com o
irmão será, a partir de então, o maior sinal da cristandade.
Dom Marcelo Molinero, monge beneditino argentino, afirma em sua obra que
“entre os pontos mais alcançados pelo Concílio, que ocupa um lugar eminente, está o
da revalorização da assembleia litúrgica”.47 E acrescentamos: a revalorização do
sentido de comunidade participativa.
46
CONSTITUIÇÃO Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, p. 41.
47
MOLINERO, Marcelo Antônio Audelino. O espaço celebrativo como ícone da eclesiologia. Para uma
teologia do espaço litúrgico. São Paulo: Paulus, 2019, p. 40.
25
E este exemplo citado por Richter se multiplicou aos milhares, mesmo após o
Vaticano II. Mais ainda: atualmente, mesmo após meio século das reflexões do
concílio, as autoridades eclesiásticas resistem em abrir as janelas e cortinas de suas
casas para a entrada da luz reformadora que dissipa o miasma que adoece a
comunidade.
Basta olhar para a imensa maioria das casas da Igreja espalhadas pelo Brasil
e pelo mundo. Insignificativa minoria possui uma forma que privilegia a participação
ativa da assembleia litúrgica e valoriza a comunidade.
48
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 63.
26
Capítulo segundo
QUESTÕES TEOLÓGICAS
Se fosse possível perguntar hoje ao apóstolo Paulo de Tarso onde está, para
ele, o Cristo, provavelmente ele responderia: Cristo está na comunidade reunida em
oração. Carlos Ortiz, nas primeiras páginas da obra “O Christo Total”, defende que o
cristianismo é uma vida, um Corpo, o Corpo Místico de Cristo, a Igreja.50
Esta capacidade abstrativa é a base do principal eixo da Teologia Paulina e se
ancora na ideia teológica do Corpo Místico de Cristo. Paulo, entretanto, só foi capaz
de alcançar este nível de percepção acerca do Mistério Salvífico por razões muito
práticas, dentre as quais pode-se arriscar duas: o fato de ele não ter conhecido Jesus
pessoalmente e o desmoronamento de suas convicções pessoais, quando a caminho
de Damasco.
49
D’ÁVILA, Santa Teresa. Pensador. Disponível em:
<https://www.pensador.com/frase/MTQ5ODg4Nw/> Acesso em: fev de 2020.
50
Cf. ORTIZ, Carlos. O Christo Total: Ensaio de uma syntese christã para militantes da Acção Católica,
São Paulo: Odeon, 1937, p. 11.
27
Paulo foi o mais prolixo escritor do Novo Testamento, responsável por 13 dos
27 livros, tendo ainda, no Atos dos Apóstolos, o registro sua trajetória e alguns
sermões. Segundo Reza Aslan, Lucas escreveu o livro do Atos dos Apóstolos em
homenagem a Paulo, 30 ou 40 anos após a sua morte. Segundo ele, na narrativa, os
apóstolos, que figuram somente no início do livro, servem apenas de ponte entre
Jesus e Paulo51.
Paulo era um cidadão cosmopolita, tendo sido influenciado por três culturas
distintas: a hebraica, a romana e a grega. Tal amalgama certamente contribuiu para a
formação de sua teologia. Dos muitos conceitos para a doutrina cristã que Paulo
esculpiu e cristalizou, este trabalho concentrará atenção num deles, talvez o principal,
que será fundamental para o desenvolver da tese aqui pretendida: a ideia de Corpo
Místico de Cristo.
51
Cf. ASLAN, Reza. Zelota: A vida e a época de Jesus de Nazaré, Rio de Janeiro:Zahar, 2013, p. 202.
52
Cf. Ibid., p. 232.
53
Cf. Ibid., p. 232.
54
Ibid., p. 232.
55
Cf. ORTIZ, Carlos. O Christo Total: Ensaio de uma syntese christã para militantes da Acção Católica,
p. 15.
28
Lembremos que entre os anos 34 ou 35 da era cristã, na Síria, vivia Paulo, que,
então, chamava-se Saulo. Ele possuía documentos do Sinédrio autorizando-o a
prender todos os adeptos do nazareno, homens, mulheres e crianças. Ele era uma
espécie de inquisidor mor, ardoroso defensor das tradições judaicas. Podia invadir
casas, impor buscas e devassas, utilizando-se de torturas e instrumentos de suplício.
Os poucos cristãos viviam às escondidas, temendo tais perseguições.
Após a execução do nazareno Estevão, Saulo intensifica seu furor. Sabia ele
que o foco principal do radicalismo pró-Nazareno era em Damasco. Decidiu, então,
rumar para tal cidade, a fim de aniquilar aquele movimento insurgente. Ocorre que,
como sabemos pela tradição, no caminho, Saulo jaz por terra, mediante uma luz
intensa que o cega56. E no meio de completa escuridão em dia límpido, ele escuta
como um trovão em céu azul, chamamentos pelo seu nome: “Saulo, Saulo!” Em
seguida, uma pergunta inquisidora: “Porque me persegues?”57 Ainda atordoado, ele
ousa perguntar: “quem és tu, Senhor”?58 A resposta é fatal, fazendo desmoronar todas
as convicções daquele doutor. Não poderia haver outra alegoria para indicar sua
afetação: Saulo caiu por terra. Ali, a voz categórica responde: “eu sou Jesus, a quem
você persegue!”59 Esta resposta atordoa Saulo, impondo-lhe uma tragédia pessoal e
aniquilando seus planos de defender a tradição judaica, apontando a espada aos que
dela discordassem. Naquele momento desmoronou o frondoso edifício da tradição
judaica para Paulo e sobre tais ruínas seriam edificadas o cristianismo paulino e sua
esplendorosa teologia acerca dos princípios cristãos.
Importa adjetivar o cristianismo que será proposto, pois segundo Reza Aslan,
havia dois grupos distintos de seguidores do Nazareno.60 Os cristãos hebreus, um
grupo nacionalista, ligado à tradição judaica, no qual estavam inseridos os apóstolos
Pedro e Thiago e os cristãos helenistas que tensionavam para que a mensagem de
Jesus se tornasse um chamado universal atraente aos que viviam no ambiente greco-
romano. Neste grupo de cristãos, notadamente estavam Estevão, o primeiro mártir, e
56
Cf. At 9,3.
57
At 9,4.
58
At 9,5.
59
At 9,5.
60
Cf. ASLAN, Reza. Zelota: A vida e a época de Jesus de Nazaré, p. 199.
29
Saulo/Paulo. A tensão entre estes grupos pode ser percebida no livro do Atos dos
Apóstolos, que descreve o primeiro concílio (Atos dos Apóstolos 15,1-20).
O apóstolo dos gentios ofereceu inúmeras passagens nas quais faz alusão a
assembleias litúrgicas nas casas dos neocristãos. A mais significativa encontra-se na
primeira Carta aos Coríntios. Martin Mcnamara sugere que as informações mais
completas sobre as assembleias cristãs do primeiro século vêm de Corinto, por conta
de haver ali muito o que remediar.61 Em Corinto, a Eucaristia era celebrada numa
refeição tomada por todos (1Cor 11,17-27). Entretanto, havia se formado grupos e
61
Cf. MCNAMARA, Martin. As assembléias litúrgicas e o culto religioso dos cristãos primitivos.
Concilium, Petrópolis, n.002, jun-dez 1969, p. 19.
30
Para os Gálatas, Paulo enfatiza que não é ele mais quem vive, mas Cristo vive
nele (Gl 2-19), fazendo clara alusão ao sentido de ressureição: Cristo vive nele e nos
demais membros da comunidade que professam seus princípios.
Para os Colossenses pretende contribuir para que cada ser humano seja
perfeito em Cristo (Col 1-28), ou seja, que estando membro do Corpo Místico de
Cristo, alcance a perfeição, tal como um membro não pode crescer e se desenvolver
fora do corpo, Paulo avisa que só é possível tornar-se perfeito estando N’Ele.
E de onde Paulo, o apóstolo do Corpo Místico, extraiu esta ideia? Sabe-se que
sua revelação no caminho de Damasco é a centelha inicial, mas o que mais poderia
ancorar belíssima teologia? Carlos Ortiz enxerga uma conexão entre a Teologia
Paulina e o Evangelho.62 Provavelmente, Paulo tenha recebido, por meio da tradição
oral, o relato da parábola da videira, ensinada por Jesus. (Jo15-1 ss). Nesta parábola,
Jesus afirma ser a verdadeira videira, todo aquele que estiver conectado a ele dará
frutos.
Santo Agostinho faz clara ligação entre esta parábola e a doutrina do Corpo
Místico. Diz ele que “este lugar do evangelho, irmãos, onde o Senhor se diz a videira
e os seus discípulos os ramos, Ele o diz enquanto é a cabeça da Igreja e nós os seus
membros.”.63 Desse modo, diz Carlos Ortiz:
62
Cf. ORTIZ, Carlos. O Christo Total, p. 18.
63
Ibid., p. 18.
64
Ibid., p. 18.
32
65
Ibid., p. 25.
66
Os Padres de Igreja, ao longo dos sete primeiros séculos, elaboraram uma filosofia cristã denominada
Patrística. Foram os primeiros teóricos que formularam um conjunto doutrinal que está na base da
tradição católica.
67
ORTIZ, Carlos. O Christo Total, p. 56.
68
Ibid., p. 59.
69
Didaké é a Instrução dos Doze Apóstolos, um escrito do século I que trata do catecismo cristão. É
constituído de dezesseis capítulos, e, apesar de ser uma obra pequena, é de grande
valor histórico e teológico.
33
de Antioquia frequentemente lembra desta obrigação e pede que se reúnam com mais
frequência para dar ações de graças e louvores a Deus.
70
Didascália siríaca: Conjunto de orientações e ensinamentos do catecismo na Síria.
71
Concilium, Revista Internacional de Teologia, A Assembleia Litúrgica, p. 17.
72
Apud 53º Assembleia Geral da CNBB, artigo Liturgia e Vida, p. 4.
73
Cf. MORAES, Francisco Figueiredo de. Espaço do Culto. Á imagem da Igreja. São Paulo: Loyola,
2009, p. 52.
74
RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica. Brasília: Edições CNBB, 2019, p. 205.
34
75
Ibid., p. 206.
76
Cf. Ibid., p. 212.
77
Cf. Ibid., p. 212.
78
Apud GELINEAU, Joseph. O amanhã da liturgia. Ensaio sobre a evolução das assembleias litúrgicas.
São Paulo: Paulinas, 1977, p. 60.
35
79
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar 2003, p. 48.
80
Cf. GELINEAU, Joseph. O amanhã da liturgia, p. 61.
81
Ibid., p. 63.
36
de vivência em comunidade. Para alcançar este intento, Gelineau vai sugerir que “as
assembleias devam ampliar suas funções e modificar sua fisionomia”.82
82
GELINEAU, Joseph. O amanhã da liturgia, p. 64.
37
83
Cf. GELINEAU, Joseph. O amanhã da liturgia, p. 26.
84
Ibid., p. 26.
38
Somente com o Concílio Vaticano II, como já vimos, a Igreja buscou iniciar um
processo paulatino de reequilíbrio, busca que, atualmente, ainda se encontra aquém
do necessário para a retomada do sentido original dado às assembleias litúrgicas dos
primeiros séculos.
85
A Era dos Rubricistas iniciou-se com a Sagrada Congregação dos Ritos, criada pelo papa Sisto V,
que tinha a missão de vigiar o cumprimento das prescrições contidas nos livros litúrgicos e demais
documentos advindos das reflexões posteriores ao Concílio de Trento. Neste período a prática da
liturgia se reduziu ao rubricismo (legalismo), ao esteticismo e ao devocionismo, fruto de um abandono
da teologia que tornou a liturgia pomposa e vazia e acentuando o distanciamento entre o clero e o
povo.
86
Aimé Georges Martimort, padre francês, da cidade de Toulose, considerado grande teólogo sobre o
sentido da assembleia. Foi pioneiro nesta temática, com a publicação L’assemblée liturgique, na
edição número 20 da La Maison Dieu, em 1949.
87
Cf. GONZÁLEZ PADRÓS, Jaume. La asamblea litúrgica es un signo, p. 240.
88
Ibid., p. 240.
89
Cf. Ibid., p. 241.
39
90
GELINEAU, Joseph. O amanhã da liturgia, p. 73.
40
Capítulo terceiro
QUESTÕES SOCIOLÓGICAS
Neste capítulo, trataremos das tensões existentes no lugar litúrgico entre corpo
clerical e corpo laical, bastante evidente durante a Idade Média, quando clero e
assembleia eram separados até por barreiras físicas, como vimos no capítulo primeiro.
Veremos, também, que estas tensões ainda produzem consequências na atualidade.
Em seguida, trataremos da conceituação das terminologias “espaço” e “lugar”, visando
qualificar, do ponto de vista fenomenológico, o lugar da assembleia. A partir destes
conceitos, poder-se-á verificar a tipologia dos ambientes existentes nos templos
cristãos ao longo da história e na atualidade.
91
DREXLER, Jorge. Letras. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/jorge-drexler/movimiento/>
Acesso em: 10 fev. 2020.
92
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 33.
41
Sua obra apresenta uma tese sobre a organização interna do campo simbólico,
como estrutura de um sistema de dominação. Para ele a definição de classe social,
defendida por Marx, é insuficiente para interpretar a sociedade. Enquanto a tese
marxista separa a sociedade em classes sociais, a partir da posse dos meios de
produção, ou seja, estratifica a sociedade, a partir de um pressuposto econômico, uma
materialidade objetiva, para Bourdieu, a compreensão da sociedade extrapola essa
determinação, devendo ser abordada a partir da leitura das ações e relações
simbólicas, nos chamados campos simbólicos.
93
Ibid., p. 33.
42
Desse modo, pode-se deduzir que o campo é formado por duas variáveis
fenomenológicas que se interpenetram: as tensões geradas pelo encontro entre os
atores sociais e o espaço nos quais estas tensões acontecem. Este trabalho pretende
focar nesta segunda variável do campo: o loccus, o local.
94
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas, p. 17.
43
Segundo Paul Radin, o monoteísmo, que consistia em uma prática rara nas
sociedades primitivas, consolida-se em função da aparição de um corpo de
sacerdotes solidamente organizados.95 Esta organização e disciplina vai,
paulatinamente, desequilibrando a correlação de forças existentes entre as demais
expressões religiosas e o monoteísmo, favorecendo este, em detrimento daquelas.
95
Cf. Apud BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas, p. 37.
96
Ibid., p. 39.
44
Lendo estes conceitos, não é difícil lembrar de muitas práticas que estão
circunscritas no campo da magia, mas que são recorrentemente evocadas na religião,
sobretudo quando se fala em religiosidade popular. Exemplo disto: o tradicional bolo
de Santo Antônio, realizado com a anuência do corpo clerical, ou mesmo o costume
97
Ibid., p. 43.
98
Cf. Ibid., p. 45.
45
de se impor certo castigo à imagem do santo, até que ele atenda o pedido da
candidata nubente, costume da religiosidade popular, sem, aparentemente, o
patrocínio clerical.
99
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas, p. 53.
46
100
CELAM. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano e do Caribe. 5. ed. Brasília-São Paulo: Edições CNBB-Paulinas-Paulus 2008, p. 497.
101
CELAM. Movimento de Leigos. In: II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano.
Conclusões de Medellin. Petrópolis: Vozes, 1970, 10.
102
CELAM. IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Conclusões de Santo Domingo.
São Paulo: Loyola, 1992, 98.
103
CELAM. Documento de Aparecida, p. 213.
104
Cf. VILHENA, Maria Angela. A religiosidade Popular à luz do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus,
2015, p. 103.
47
exatamente por membros do campo clerical (cardeais, bispos e padres), de tal modo
que o acesso aos documentos fica comprometido.
Percebe-se que a maioria dos templos religiosos são edificados para reforçar
esta tese de dominação, a partir de uma luta simbólica que impõe uma definição
conforme determinados interesses. O trabalho em tela ousará dialogar com este
conceito sedimentado no campo religioso, propondo uma nova percepção, que poderá
orientar a edificação de espaços litúrgicos cristãos na perspectiva da valorização da
assembleia litúrgica cristã.
105
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da
geografia. Hucitec, São Paulo, 1988, p. 25.
48
Se, para Milton Santos, paisagem e espaço são elementos diversos, ao menos
na obra “Metamorfoses do Espaço Habitado”, os conceitos de espaço e lugar
aparecem na condição de sinônimos. Vejamos o que ele diz sobre o sentido de lugar:
“O que define o lugar é exatamente uma teia de objetos e ações com causa e efeito,
que forma um contexto e atinge todas as variáveis já existentes, internas; e as novas,
que se vão internalizar.”.107
Ou seja, para Santos, tanto espaço, quando lugar possuem variáveis muito
parecidas. Ambos se definem como a relação entre os objetos pertencentes a
determinado meio e cuja relação produzirá novas resultantes.
106
Ibid., p. 25.
107
Ibid., p. 97.
108
Yi-Fu Tuan é geógrafo sino-americano, autor de “Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência”
(São Paulo: Difel, 1983).
109
Otto Friedrich Bollnow arquiteto, pedagogo e filósofo alemão, autor de “O homem e o espaço”
(Curitiba: UFPR, 2008).
110
Cf. Apud BELING, Eder. Arquitetura e Liturgia: espaço, arte e fé no lugar de culto. Porto Alegre:
Livraria Fi, 2019, p. 45.
49
se ele fosse destacado do sujeito.111 Para ele, ambos só existem mediante a interação
com o ser humano e a sociedade.
Entretanto, para qualificar a residência (espaço) como lar (lugar), não bastará
residir na edificação. Será preciso acontecer uma interação afetiva, na qual surjam
vínculos. Esta é condição indispensável para qualificar o espaço. Nesse processo, a
residência tornar-se-á muito mais do que paredes, pisos, telhado, janelas e portas,
arquitetonicamente ordenados. Ela transcenderá sua materialidade, revelando valores
imateriais. O lar será, então, a extensão de quem nele habita, ou seja, o corpo da
família dilatado, exibindo nas paredes aquilo que seus habitantes são.
111
Cf. Ibid., p. 46.
112
Ibid., p. 47.
113
Cf. Ibid., p. 51.
50
Em seu trabalho, ela também traz à tona a obra de Eric Dardel que, já em 1952,
foi reconhecida como a primeira obra geográfica inspirada pela fenomenologia. Dardel
definia o lugar como “suporte do ser”. Vejamos:
114
Cf. RODRIGUES, Kelly. O conceito de Lugar: a aproximação da geografia com o indivíduo. In: Anais
XI Encontro Nacional da ANPEGE (Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia).
Presidente Prudente-SP, 2015
115
Cf. Ibid., p. 04.
51
Assim, o lugar repousa sobre a ideia de um sujeito ativo que deve, sem
cessar, tecer ligações complexas que lhe dão sua identidade, ao
mesmo tempo em que definem suas relações com seu ambiente. O
relato fornece o meio de operacionalizar o espaço conceitual assim
aberto. O lugar, como o sujeito, se institui e se exprime sobre o modo
privilegiado da narrativa.118
Temos, então, para Fani, que o lugar é o resultado de uma interação entre ser
humano e a natureza, resultado este que, necessariamente, impactará a identidade
dos indivíduos.
O poeta francês Noël Arnaut diz que “Sou o espaço onde estou”120. Ora, sendo
esta sentença verdade, pode-se inferir que o espaço em que se está influencia
diretamente o ser. Por conseguinte, influencia a vivência em comunidade, pois a
comunidade é formada por indivíduos/membros, conforme nos ensina Paulo, apóstolo
116
Vicent Berdoulay, geógrafo, doutor pela universidade da Califórnia, coautor da obra “Lugar e
Sujeito”.
117
John Nicholas Entrikin, geógrafo, professor da universidade de Notre Damme, coautor da obra
“Lugar e Sujeito”.
118
Apud RODRIGUES, Kelly. O conceito de Lugar, p. 09.
119
Apud MARANDOLA JR, Eduardo et al. Qual o espaço do lugar?: geografia, epistemologia,
fenomenologia. São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 307.
120
Apud BACHELARD, Gaston. A poética do Espaço. 2. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2008, p. 146.
52
121
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 27.
122
Apud BACHELARD, Gaston. A poética do Espaço, p. 113.
123
Cf. MARTINS, Raquel Monteiro. A Ideia de Lugar, um olhar atento às obras de Siza. Coimbra:
FCTUC, 2009.
124
Cf. BELING, Eder. Arquitetura e Liturgia: espaço, arte e fé no lugar de culto, p. 93.
125
Cf. Ibid., p. 94.
53
Entretanto, Augé afirma que a linha tênue que separa o lugar do não-lugar não
existe como antes.126 Para ele, estes espaços estão misturados, sobrepostos e
interpenetrados.127
Ali é o ambiente para se consumir, não interagir, não para socializar. Qualquer
situação que não seja o ato de consumir deverá ser, então, desestimulada. Inevitável
não trazer à tona o fenômeno social ocorrido em vários shoppings de São Paulo em
2014. Muitos jovens, centenas deles, a esmagadora maioria sem poder de consumo,
decidiram passear pelas alamedas ladeadas por ricas vitrines no interior dos
shoppings129. Estas atividades ficaram conhecidas como “rolezinhos”. Entretanto,
além de não consumirem, aqueles jovens atrapalhavam os que queriam consumir.
126
Cf. Ibid., p. 95.
127
Cf. Ibid., p. 95.
128
BAUMAN, Zigmunt, Modernidade Líquida, Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 114.
129
Cf. PINTO, Tales dos Santos. Rolezinhos e discriminação social. Brasil Escola. Disponível em:
<https://brasilescola.uol.com.br/historiab/rolezinhos-discriminacao-social.htm>. Acesso em: 10 fev.
2020.
54
Desse modo, para efeito de leitura e interpretação deste trabalho, lugar será
entendido como um espaço antropológico, dotado de valor, no qual o indivíduo e a
comunidade interagem, visando qualificá-lo, tornando-o um ambiente afetivo. O
opostos disto será considerado não-lugar, ambiente no qual a interação deve ser
desestimulada e a impessoalidade e o individualismo potencializados.
130
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo.
São Paulo: Edusp, 2000. p. 308.
55
Capítulo quarto
A ASSEMBLEIA LITÚRGICA
vividos. Esta troca, esta partilha das dores e alegrias são incentivos que impelem as
pessoas a se encontrarem.
Marko Rupnik ensina que a missa se inicia quando os católicos deixam suas
casas em direção à Casa da Igreja.134 Armando Cuva, no Dicionário de Liturgia,
quando escreve o verbete “Assembleia”, afirma que:
O evangelho de João fixa que era preciso que Jesus morresse para reunir na
unidade os filhos de Deus que estão dispersos (Jo 11,52). Os encontros dos cristãos,
então, são motivados por esta mística Cristã: celebrar o Mistério Pascal (encarnação,
vida, paixão, morte e ressurreição de Cristo) e sua resplandescência, em vista da
antecipação do Reino de Deus. E viver o Reino em vista de sua antecipação é
necessariamente viver em comunidade, tal como faziam as primeiras comunidades
cristãs, como já vimos.
Para expressar esta realidade peculiar, surgiu uma linguagem própria. Luis
Maldonado afirma que para expressar este encontro de fiéis utilizavam-se os termos
syneleusis, synagogé, coetus, convocatio, congregátio, collecta, processio, synaxism
synerjomai, azroitzomai, coire, convenire, congregari136. Mas a despeito de toda esta
nomenclatura, o termo que se consolidará será ekklesia, vocábulo latinizado a partir
do grego e que significará não só uma comunidade, mas a sua reunião periódica num
local determinado e a partir de um chamado, de uma convocação 137. Daí deriva o
134
Cf. RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p. 206.
135
CUVA, Armando. Assembleia,103.
136
Cf. MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração, p. 163.
137
Cf. Ibid., p. 164.
58
termo conhecido “Igreja”, que é facilmente confundido com a edificação, mas que seu
real sentido é povo reunido em assembleia, mediante uma convocação. Os primeiros
cristãos chamavam o local onde se reuniam de domus Ekklesia, ou seja, casa da
Igreja.
Klemens Richter defende que “do ponto de vista teológico a liturgia já não é
entendida como uma tarefa do pároco ou de outros funcionários profissionais, mas é
uma tarefa de toda a comunidade”.140
138
Cf. Ibid., p. 165.
139
Cf. Ibid., p. 165.
140
RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 73.
59
Ele ainda se propõe uma questão retórica para reforçar sua tese. Ele se
pergunta acerca da eficácia do sentido da assembleia, como Corpo de Cristo, se
temos a presença real d’Ele na Eucaristia. E, então, sai em defesa da essencialidade
da assembleia reunida para que a eucaristia aconteça. Em suas palavras: “En primero
lugar porque la eucaristía supone la asamblea, como algo previo, y porque sin el
141
Cf. Apud BELING, Eder. Arquitetura e Liturgia: espaço, arte e fé no lugar de culto, p. 59.
142
Ibid., p. 176. A missa e os sacramentos exigem a assembleia e pedem, urgentemente, a reunião
efetiva e real do povo cristão (tradução nossa).
60
143
Apud GONZÁLEZ PADRÓS, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort. Barcelona:
Centro de Pastoral Litúrgica; 1. ed, 2004, p. 190. Em primeiro lugar, porque a Eucaristia supõe a
assembleia como algo anterior e porque, sem a reunião da assembleia, não seríamos tão sensíveis
ao aspecto comunitário da Eucaristia (tradução nossa).
144
Mas, independentemente da Eucaristia e dos outros sacramentos, Cristo está presente na
assembleia litúrgica, conforme lemos: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou
no meio deles” (tradução nossa).
145
Apud GONZÁLEZ PADRÓS, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort, p. 204.
Façam isto em memória de mim quando reunidos em assembleia (tradução nossa).
146
Cf. BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, Bolonha:
Dehoniane, 2003, p. 208. A igreja, a ecclesia, a assembleia é chamada como o corpo de Cristo e,
portanto, hierarquicamente ordenada, é o primeiro sacramento da liturgia da mesa da eucaristia
(tradução nossa).
147
Yves Marie Joseph Congar, eclesiólogo, teólogo dominicano e cardeal francês.
61
148
PRETOT, Patrick. Spazio Liturgico e Orientamento, p. 111. Fala-se em assembleia litúrgica. É claro
que o adjetivo aqui é decisivo; no forte sentido do termo, ele especifica o sujeito. Nem todo grupo
de pessoas é uma assembleia: você deve ter sido convidado, deve ter respondido a um chamado.
Em toda assembleia existe um elemento que a constitui, algo que se propõe a ser feito em conjunto.
No caso específico, é o culto a ser dado a Deus como o corpo comunhonal de Cristo, encontrando
neste um benefício pessoal da vida santa. Este culto não é deixado para mostrar iniciativa pura e
simples, mas vem de Cristo, vem de seu corpo, é o ato de Cristo e seu corpo, somos convidados a
entrar nele, a se juntar a ele. Precisamente porque pertence a Cristo e ao seu corpo é litúrgico.
(tradução nossa)
149
Cf. MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração, p. 166
150
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 68.
151
Cf. MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração, p. 166.
62
152
Cf. Ibid., p. 167.
153
Cf. Ibid., p. 167.
154
Cf. Ibid., p. 167.
155
Cf. Ibid., p. 168.
156
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo.
São Paulo: Edusp, 2000, p. 308.
157
CUVA, Armando. Assembleia, p. 101.
158
Apud GONZÁLEZ PADRÓS, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort, p. 179. A
primeira lei é que a assembleia litúrgica, como a Igreja, reúne o que foi disperso. É um encontro de
igualdade entre homens e mulheres de todas as tribos, idiomas e status social. De toda essa
diversidade, Cristo criou um único povo, um único corpo (tradução nossa).
63
E ainda continua: “la asamblea litúrgica no es, pues, la reunión de una elite de
exquisita formación, una sociedad de perfectos. Sólo dos condiciones se piden para
entra em ella: la fe profesada y el bautismo”.159
Para são João Crisóstomo, a Igreja “foi feita, não para separar aqueles a quem
reúne, mas para unir e juntar os que se acham separados. É isso que significa
assembleia.”.161
159
Apud GONZÁLEZ PADRÓS, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort, p. 180. A
assembleia litúrgica não é, portanto, o encontro de uma elite de requintada formação, uma
sociedade perfeita. Apenas duas condições são solicitadas para entrar nela: a fé professada e o
batismo (tradução nossa).
160
Cf. GONZÁLEZ PADRÓS, Jaume. La asamblea litúrgica es un signo, p. 238.
161
Apud MARTINS, Nabeto Carlos. A Igreja de Cristo: citações patrísticas. 4. ed. São Paulo: Clube de
Autores, 2012, p. 114.
64
Entretanto, Luis Maldonado vai dizer que é necessário evitar que o templo seja
considerado um espaço meramente funcional, se assemelhando com uma simples
sala de conferências, de reuniões ou congressos166, pois o templo deve expressar seu
significado cristão-eclesial.
162
Cf. MALDONADO, Luis. Onde e quando se celebra. Espaços e tempos de celebração. In: In:
BOROBIO, Dionísio (Org.). A celebração da Igreja, p. 176.
163
São Basílio Magno, teólogo, Bispo de Cesareia (Capadócia) e Doutor da Igreja.
164
São Gregório de Nazianenzo, teólogo, Bispo e Doutor da Igreja.
165
Cf. RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p.106.
166
Cf. MALDONADO, Luis. Onde e quando se celebra. Espaços e tempos de celebração, p. 176
167
RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p. 86.
65
168
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 24.
169
Cf. Ibid., p. 24.
170
BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 193. De
fato, é a disposição que caracteriza situações de incapacidade de sair da inércia de uma liturgia
pré-conciliar, de tipo clerical (tradução nossa).
171
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 25.
172
Romano Guardini (1885-1968) foi um influente teólogo do século XX. Contribuiu decisivamente para
preparar o caminho para o Concílio Vaticano II.
66
173
Cf. Apud RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p. 106.
67
174
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 33.
175
CUVA, Armando. Assembleia, p. 102.
176
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 59.
177
Ibid., p. 59.
68
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Capela_palatina#/media/Ficheiro:AachenChapelDB.svg
178
Apud RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 34.
69
Falta a perspectiva dos olhos nos olhos, aqui ninguém vê o outro à sua
frente, todos olham para a frente. Aqui falta o intercâmbio quente das
mãos, a entrega do homem ao homem, a circulação de uma ligação
cordial, já que aqui cada um está solitário no contexto. A forma
longitudinal deixa cada um sozinho no todo, o coração permanece em
solidão. As pessoas não podem sentir-se cordialmente próximas, já
que este esquema não tem um coração.179
Klemens sugere que as pessoas vêm para a celebração com o desejo de maior
proximidade, de serem aceitas e amadas, mas, ao mesmo tempo, retraem-se perante
o encontro com alguém desconhecido180. Nota-se, segundo o autor, uma tensão entre
o desejo da experiência da proximidade e a situação real de acanhamento e
distanciamento para com o outro desconhecido no encontro litúrgico.
Soma-se a isto o fato de que se houver pequenos conflitos entre as pessoas já
conhecidas, estes poderão ser motivos de afastamento, de fuga das contendas,
procurando evitar a troca de olhares, frente-a-frente, entre os atores. Tal fenômeno
social, já tratado neste ensaio a partir do conceito de Coexistência de Diferenças Não
Assimiladas181, é algo que enriquece e fortalece a comunidade, entretanto, sabe-se
ser mais cômodo e confortável fugir deste exercício.
179
RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 65.
180
Cf. Ibid., p. 66.
181
Ver abordagem sobre a coexistência de diferenças não assimiladas na página 51.
70
desejam distância dos desconhecidos, quando para aqueles que desejam evitar os
possíveis conflitos.
Talvez, por esta razão, as propostas de igrejas com uma morfologia mais
adequada à comunidade comensal eucarística 182 ainda hoje não sejam acolhidas por
muitas comunidades, dando preferência às igrejas longitudinais (igrejas corredor).
Nas palavras do bispo Paul Josef Cordes “o encontro deve ser recíproco, cada
qual voltado para o outro. Todos têm no altar o centro espiritual da sua assembleia e
à comunidade é concedida uma proximidade espacial com o centro.” 186 Desde tempos
antigos, nas celebrações, os participantes eram designados de circunstantes 187,
aqueles que estão ao redor. Ao redor do altar.
182
Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 64.
183
Cf. Ibid., p. 66.
184
Ibid., p. 73.
185
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Instrução
Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Brasília: Edições CNBB, 2008, 331.
186
Apud RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 74.
187
Cf. Ibid., p. 74.
71
Este item será dedicado à reflexão acerca do tamanho das casas da Igreja. Não
se pretenderá, entretanto, apontar uma dimensão ideal, uma vez que cada
comunidade e realidade local devem ser consideradas quando da edificação ou
reforma de um templo. As ideias aqui externadas servirão, apenas, para ensejar
reflexões, novas pesquisas e estudos que aperfeiçoem os espaços litúrgicos na
perspectiva da resplandescência do Mistério Pascal de Cristo.
188
BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 195. Por
fim, é necessário ter em mente a possibilidade de movimento dentro da assembleia, porque, como
veremos, as celebrações litúrgicas são dinâmicas, não apenas pelos padres ou por aqueles que
servem diretamente à liturgia, mas pelos próprios fiéis: não se trata de “ajudar como espectadores
mudos” em uma representação realizada por outros em um tipo de palco, mas em “participar”, ou
seja, atuar como protagonistas (tradução nossa).
189
Cf. MCNAMARA, Martin. As assembleias litúrgicas e o culto religioso dos cristãos primitivos. Revista
Conciliun. Petrópolis, n.002, jun-dez 1969, p. 24.
72
A provocação que se faz, a partir das ideias acima, é acerca do tamanho das
casas da Igreja. É perceptível que a dimensão monumental da assembleia litúrgica,
73
É óbvio que os santuários não podem ser incluídos nesta reflexão, pois são
lugares de peregrinação, nos quais pouco se observa a existência de pastorais
orgânicas e vivência comunitária. São lugares em que a dimensão monumental é
necessária para o acolhimento do volume grande de fieis peregrinos. A despeito
destes, o tamanho das assembleias é fator determinante para a adequada experiência
cristã, em vista do exercício da vivência comunitária, à luz dos ensinamentos de Cristo.
190
GELINEAU, Joseph. O amanhã da Liturgia: Ensaio sobre a evolução das assembleias cristãs, p. 36.
74
191
Ibid., p. 38.
75
192
Apud MORAES, Francisco Figueiredo de. Espaço do Culto, p. 52.
76
Eles ainda comentam acerca das celebrações com até 50 pessoas, nas quais,
segundo eles, acontece um real envolvimento:
193
GELINEAU, Joseph. O amanhã da Liturgia: Ensaio sobre a evolução das assembleias cristãs, p. 37.
194
BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 193. É
necessário evitar um ambiente disperso e anômalo, mas, acima de tudo, porque uma assembleia
deve ser assim, não pode exceder um certo número de participantes: 100, no máximo 200 pessoas
(tradução nossa).
195
ID., p. 193. Ótimas são as celebrações com pequenos grupos (30 a 50 pessoas), nas quais um real
coenvolvimento e uma participação eficaz da celebração acontecem desde o início. As grandes
celebrações de 500 a 1000 pessoas (mas porque agora não mais) só são possíveis em casos
excepcionais (tradução nossa).
77
a atmosfera que se quer criar, para que não nos sintamos como
espectadores solitários na plateia.196
196
BELING, Eder. Arquitetura e Liturgia: espaço, arte e fé no lugar de culto, p. 175.
197
Ibid., p. 175.
78
É evidente que celebrar a eucaristia numa capela para até 100 pessoas é uma
experiência muito boa. Entretanto, diante da realidade que se apresenta, é necessário
encontrar um equilíbrio entre a proposta ideal e a demanda da realidade local.
Capítulo quinto
QUESTÕES PRÁTICAS
198
CERVANTES, Saavedra, Miguel de. O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Primeiro
Livro, edição bilíngue. 7. ed. São Paulo: Editora 34, 2016, p. 678.
199
Cf. BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 198.
200
Ibid., p. 198. De fato, a estrutura da liturgia é uma estrutura centrípeta (tradução nossa).
80
convém que o lugar permita e promova interações mútuas entre os membros, tal como
representado conceitualmente na ilustração 03.
participantes podem se ver uns aos outros, reconhecer, falar e ouvir. Em suas
palavras:
Ainda fazem referência aos coros das igrejas dos monastérios, nos quais, como
já visto aqui, a assembleia é dividida em duas partes, uma de frente para a outra, de
tal modo que todos se entreolham, escutam-se e se relacionam, como corpo eclesial.
201
BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 192. Em
primeiro lugar, a disposição que hoje permite que isso seja realizado pode ser apenas uma figura
de semicírculo, na qual cada participante pode ver outros cara a cara, reconhecer, falar e ouvir um
ao outro. Todos protagonistas. A imagem também pode ser inspirada nos coros monásticos
(tradução nossa).
202
Albert Gerhards, teólogo e cientista litúrgico alemão.
84
203
GERHARDS, Albert. Spazio Liturgico e Orientamento, p. 172.
85
Algo que, para uma sala de espetáculos é perfeitamente aceitável, jamais para um
espaço litúrgico cristão.
Ilustração 07. Esquema de uma disposição mais adequada para uma celebração.
204
Ibid., p. 172.
86
205
Cf. BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 200.
206
Cf. Escatologia é uma disciplina da teologia que aborda o destino final do ser humano.
207
Cf. BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 200.
208
Ibid., p. 200. Essa disposição também se reflete na axialidade simbólica, que se refere a você
conhecer a entrada processional na igreja, o ritual de enxertia no corpo da assembleia, marcado
pelos sacramentos da iniciação cristã, dos quais é fundamental manter a memória constante na
vida litúrgica da igreja cristã (tradução nossa).
87
aparente do sol. A porta de entrada a oeste e a abside a leste. Isto para reforçar a
ideia-símbolo de Cristo como sol da justiça. Assim nossos autores afirmam: “Nel
simbolismo della tradizione la tencione escatologica era expressa prevalentemente
dall’asse longitudinale-orizzontale ‘ocidente-porta-abside-oriente’, basato sul símbolo
del sole nascente como Cristo ‘Sol Justitiae’ che deve venire della gloria”.209
209
BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 201. No
simbolismo da tradição, a tensão escatológica foi expressa principalmente pelo eixo longitudinal-
horizontal "porta oeste-abside-leste", baseado no símbolo do sol nascente como Cristo "Sol
Justitiae", que deve vir em sua glória (tradução nossa).
88
Ainda sobre esta tensão escatológica, Bergamo e Petre sugerem que a Igreja
é um corpo de pessoas presentes na terra, mas que tem a cabeça no céu 210, tal como
se percebe nas pinturas do período Bizantino, nas quais os santos e as pessoas
retratadas nas obras sacras eram disformes, evidenciando uma certa longilinidade
simbólica, na qual se poderia interpretar que aquela pessoa possuía os pés na terra,
mas a cabeça estava no mundo celeste, um sinal de primorosa espiritualidade.
Imagens bíblicas desta axialidade pretendida, que liga céu e terra, podem ser
percebidas nas alegorias da árvore da vida do Éden, o arco íris de Noé, a escada de
Jacó e a mais significativa, a cruz de Cristo.211
210
Cf. Ibid., p. 201.
211
Cf. Ibid., p. 202.
212
CUVA, Armando. Assembleia, p. 97.
213
BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 201.
Portanto é necessário combinar a axialidade longitudinal com essa convergência em direção ao
centro, a fim de colocar a assembleia em tensão e abri-la na dimensão do mistério que ela celebra.
Bem presta-se a essa axialidade vertical 'céu-terra’ (tradução nossa).
89
214
Cf. BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 201.
215
Cf. Ibid., p. 202.
90
216
Cf. Ibid., p. 208.
91
cadeiras ficou com 1,20m, de tal modo resultando em um espaço livre de 0,60 metros,
favorecendo a circulação.
217
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Instrução
Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário, 293.
92
Fonte: Desenho do autor, livremente inspirado na obra de BERGAMO e DEL PETRE. Spazi celebrativi.
L’architettura dell’ecclesia. 218
Fonte: Desenho do autor, livremente inspirado na obra de BERGAMO e DEL PETRE. Spazi celebrativi.
L’architettura dell’ecclesia. 219
218
BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 209.
219
Ibid., p. 209.
94
Fonte: Desenho do autor, livremente inspirado na obra de BERGAMO e DEL PETRE. Spazi celebrativi.
L’architettura dell’ecclesia..220
220
Ibid., p. 209.
95
Fonte: Desenho do autor, livremente inspirado na obra de BERGAMO e DEL PETRE. Spazi celebrativi.
L’architettura dell’ecclesia.221
Fonte: Desenho do autor, livremente inspirado na obra de BERGAMO e DEL PETRE. Spazi celebrativi.
L’architettura dell’ecclesia.222
221
Ibid., p. 209.
222
Ibid., p. 209.
223
Cf. Ibid., p. 210.
96
Por fim, nossos autores trazem a sexta e última tipologia, finalizando o conjunto
estudado com a circunferência completa - 360º.
Fonte: Desenho do autor, livremente inspirado na obra de BERGAMO e DEL PETRE. Spazi celebrativi.
L’architettura dell’ecclesia.224
224
Ibid., p. 209.
225
Cf. Ibid., p. 210.
97
Sem delongas, comecemos pela casa da Igreja de São José de Anchieta. Uma
capela particular, com capacidade para 130 pessoas, desejada pelo bispo diocesano
que será edificada na cidade de Itanhaém.
226
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra (Coleção Leitura), 1996, p. 11.
99
Como se trata de uma capela para até 130 pessoas, não foi necessário colocar
degraus para o presbitério. Os locais das duas mesas (Eucaristia e Palavra) apenas
foram marcados com uma diferenciação no piso, para evidenciar o lugar Santo. Isto
também favorecerá a percepção da noção de Corpo da comunidade.
101
Muito embora, nas análises das tipologias, os autores condenem esta tipologia,
alegando que tal disposição impede a consolidação da noção de hierarquia no corpo
eclesiástico, neste projeto, o que se percebe é a harmonia entre a ideia do círculo
fechado com a assembleia ao entorno do altar e a manutenção do sentido hierárquico.
E isto foi possível mediante a posição da sédia, que se encontra sob o ícone do Bom
Pastor, bem como seu distinto desenho que dialoga com os demais monumentos
pascais (altar, ambão e fonte).
Ilustração 24. Foto da igreja Nossa Senhora das Graças em dia de celebração.
A situação atual é idêntica à tipologia 01, estudada por Bergamo e Petre. Uma
igreja corredor, modelo prejudicial à vivência comunitária e à participação ativa na
liturgia, conforme poderá ser visto nas ilustrações 25 e 26.
CONCLUSÃO
Com esta analogia poderosa, Victor Hugo nos conduz para vislumbrarmos o
poder que os lugares exercem sobre todos e cada um. Se não com esta intensidade,
ao menos em certa medida, mesmo que reduzida, somos todos, uns mais outros
menos, “Quasímodos” de alguma “catedral”.
227
ROSA, Guimarães. Pensador. Disponível em: <https://www.pensador.com/frase/Mjk5MzUz/>
Acesso em: fev. 2020.
228
HUGO, Victor. O Corcunda de Notre Dame, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013, p. 223.
111
Moraes vai na mesma toada, discorrendo sobre o poder dos espaços edificados
na construção das identidades culturais, tanto do indivíduo, quanto de uma
comunidade.
Além disso, ainda de carona nesta analogia, pensemos que a roupa, além de
ser de utilidade prática, protegendo do frio e do calor, traz consigo uma considerável
carga simbólica, tanto é verdade que é possível apreender informações sobre as
pessoas apenas olhando as escolhas que fazem para suas vestimentas. Ora,
evidentemente esta condição é hiperpotencializada quando se fala “roupa” da Igreja,
a casa de oração, na qual os símbolos são elementos fundamentais para a vivência
da comunidade.
229
MORAES, Francisco Filgueira de. O espaço de culto à imagem da Igreja, p. 25.
112
alcance de mãos humanas. Por isso é necessária uma postura humilde diante do
Mistério. Por maior que seja o gênio humano, a grandeza de Deus não cabe nele.
Ao longo de toda a Idade Média, até meados do século XIX, esta situação só
se agravara, distanciando cada vez mais o povo da Mesa do Banquete. A oxigenação
necessária somente surge com o advento do Movimento Litúrgico e seu desfecho no
Concílio Vaticano II, que buscou o resgate dos princípios cristãos até então
abandonados.
pudéssemos afirmar que não é possível ser “católico de missa”, a única via possível
para a vivência cristã é a vivência em comunidade.
Para tanto, para que este conceito recuperado dos primórdios seja bem vivido,
será necessário ambientes coerentes. Não se pode mais concordar com lugares para
a assembleia que apenas permitam ao povo “assistir” à missa, pois esta passividade
deverá ser definitivamente eliminada. Casas da Igreja que mais se assemelham a
salas de espetáculos, cinemas ou salas de conferências e palestras não devem mais
servir aos intuitos da liturgia, pois não deve haver mais quem assiste àquele que faz.
Todos fazem, todos são protagonistas. Este sentido de participação, somente será
possível se o lugar da assembleia passar por uma radical transformação, eliminando
todos os vestígios da Idade Média e recuperando a herança da cristandade primitiva.
114
Enfim, o que se buscou aqui neste estudo foi um convite à reflexão acerca da
coerência entre o sentido de Corpo Total (Corpo Místico de Cristo) e o lugar que este
corpo, chamado igreja, utiliza para se encontrar. Quisemos direcionar os olhares para
a concepção morfológica do aludido lugar do encontro e desafiarmo-nos a considerar
as seguintes perguntas retóricas: os atuais lugares da assembleia litúrgica são
capazes de promover a percepção de Corpo por parte de cada um de seus membros?
Os atuais lugares são capazes de estimular o encontro relacional, caminho mais
eficiente para se fortalecer os vínculos afetivos, como cimento que une as partes num
todo indivisível?
Este é o desafio.
115
REFERÊNCIAS
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