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Módulo 1:
Introdução à
Teologia
Ad usum privatum
1
INTRODUÇÃO
À TEOLOGIA
2
“Por sua natureza a fé se apela à inteligência, porque desvela ao homem a
verdade sobre o seu destino e o caminho para o alcançar. Mesmo sendo a
verdade revelada superior a todo o nosso falar, e sendo os nossos conceitos
imperfeitos frente à sua grandeza, em última análise insondável (cf. Ef 3,
19), ela convida porém a razão — dom de Deus feito para colher a verdade
— a entrar na sua luz, tornando-se assim capaz de compreender, em certa
medida, aquilo em que crê. A ciência teológica, que respondendo ao convite
da verdade, busca a inteligência da fé, auxilia o Povo de Deus, de acordo
com o mandamento do Apóstolo (cf. 1 Pd 3, 15), a dar razão da própria
esperança, àqueles que a pedem” (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ,
Instrução sobre a vocação eclesial do Teólogo (IIa parte, n. 6), São Paulo
1990, 7).
1
Para Platão (427-347 a.C) o termo teologia significava o estudo crítico da mitologia. “Teologia seria, pois,
uma mito-logia rigorosamente racional, uma hermenêutica filosófica dos mitos” (C. BOFF, Teoria do
Método Teológico, Petrópolis 1998, 549). Para Aristóteles (384-322 a.C) usa o termo teologia para designar
a reflexão sobre o « ser supremo » ou « Deus », cf. BOFF, Teoria do Método Teológico, 551.
3
resposta positiva do homem ao Mistério que se revela. Resposta que
significa: acolhida do mistério e entrega de vida.
Dei Verbum n. 5: “A Deus que revela é devida a ‘obediência da fé’ (Rom.
16,26; cfr. Rom. 1,5; 2 Cor. 10, 5-6); pela fé, o homem entrega-se total e
livremente a Deus oferecendo ‘a Deus revelador o obséquio pleno da
inteligência e da vontade’ e prestando voluntário assentimento à Sua
revelação. Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e
concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito
Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do
entendimento, e dá ‘a todos a suavidade em aceitar e crer a verdade’. Para
que a compreensão da revelação seja sempre mais profunda, o mesmo
Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé mediante os seus dons”
Revelação do mistério
Acolhido na fé
4
À luz de tudo o que foi dito, compreendemos por que a Igreja não pode
não ser teóloga. Os teólogos na Igreja encarnam este apaixonamento pelo
mistério. São Tomás de Aquino os compara aos olhos da Igreja2. O que gera
os teólogos é o amor pelo Mistério.
Constituição Dei Filius, in: DH 30263: “Se alguém disser que o Deus uno e
verdadeiro, criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza
pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas: seja
anátema”.
6
Na sua relação com o mistério revelado, a razão humana deve
conservar o sentido do mistério, no exercício da sua atividade, a razão deve
reconhece a transcendência do objeto da teologia e seus próprios limites,
deve contemplar com respeito e amor este objeto, pode-se falar de uma
razão orante , adorante ou contemplativa, como o ideal para a teologia. O
grande inimigo da razão, no teologar, é a presunção, “mater erroris”6. A
razão presunçosa se apresenta como medida da realidade e referência para
a verdade, ela já possui a verdade, não precisa busca-la humildemente.
6
Summa contra Gentiles, I, 5: “(praesumptio), quae est mater erroris”. Cf. também I.
BIFFI, Il mistero dell’esistenza cristiana: conformi all’immagine del Figlio, Milano 2002,
p. 21.
7
palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa
ressurreição, enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa
totalmente e confirma com o testemunho divino a revelação, a saber, que
Deus está conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para
nos ressuscitar para a vida eterna.
Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará,
e não se há de esperar nenhuma outra revelação pública antes da gloriosa
manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo (cfr. 1 Tm 6,14; Tt 2,13).
Como Deus se revela? Através de palavras e gestos (“voces et res”), a
revelação não é sinônimo apenas de revelação não é sinônimo apenas de
transmissão de ideias e conceitos, mas ele acontece também através de
gestos simbólicos. Deus se revela na história, em acontecimentos
concretos, perceptíveis na história da salvação. Os Padres gregos afirmam
que Deus se revela mediante a “economia” da história salvífica.
7
No Oriente cristão prevalece uma teologia que poderia ser chamada apofática ou negativa, que
tenta preservar ao máximo a áurea do mistério. No Ocidente, prevalece uma teologia que poderia,
ser descrita, especialmente a partir da teologia escolástica, como uma teologia catafática ou
positiva.
8
Cf. Y. SPITERIS, Apofatismo, in: Lexicon – Dicionário Teológico Enciclopédico, São Paulo
2003, 41-42.
9
pensamento, afirmando que o não refletir sobre Deus, o não teologar, seria
um sinal de descaso, de indiferença, com Deus. O Silêncio teológico deve
ser entendido como sendo a consciência que o teólogo deve possuir, de que
por mais que ele se esforce, tudo o que ele possa compreender e dizer a
respeito de Deus, é como uma gota de água, diante do oceano da verdade
divina. Nunca chegaremos a compreender inteiramente a Deus (só o
próprio Deus pode compreender-se inteiramente).
10
Existe um saber teológico que acontece “per modum cognitionis” (pelo
modo cognitivo) , que é obtido “per studium” (pelo estudo)9. Os princípios
deste modo de conhecimento de Deus, provém da Revelação (cf. S. Theol. I
, q. 1, a. 6, arg. 3 e ad. 3). Este tipo de saber, exige a graça da fé e um grande
esforço do homem, que através do estudo teológico, participa da luz da
auto-contemplação divina. Através da fé, o teólogo busca a face de Deus.
Por isso, pode-se dizer que a teologia precede, tende para a visão beatífica.
Pela teologia explica-se, com todos os limites humanos e científicos, a
verdade, que será contemplada perfeitamente na visão beatífica (cf. 3 Sent.
25, 2, 1, 3 c).
9
Cf. INOS BIFFI, Teologia in San Bernardo e in San Tommaso, in: Aa. Vv.,
Sapere e contemplare il mistero. Bernardo e Tommaso (Atti di
inaugurazione della Cattedra Benedetto XVI di teologia e spiritualità
cisterciense – Abbazia di Santa Croce in Gerusalemme – Angelicum – 8 a
10 novembre 2007), Milano 2008, pp. 22-27.
10
Cf. INOS BIFFI, Teologia in San Bernardo e in San Tommaso, pp. 27-29.
11
“revelabilidade” de Deus. Revelando-se Deus, continua envolto na esfera
do mistério.
12
exigí-la, ela é sempre dom gratuito de Deus, manifestação da sua bondade
infinita.
11
Cf. R. FISICHELLA, Lumen Fidei (Gloriae, Rationis), in: Lexicon –
Dicionário Teológico Enciclopédico, São Paulo 2003, 450-451.
13
1.2- Teologia Sistemática
Em 1 Pd 3,15 o cristão é exortado a oferecer as razões da sua fé e da
sua esperança ao mundo. Em outras palavras, o autor da carta afirma que
a fé cristã pode ser apresentada de forma racional.
12
Cf. M. SCHULZ, Dogmatica, Lugano 2002, p. 23.
14
Moral). No século XIX surge a teologia apologética, mais tarte conhecida
como Teologia fundamental (cujo objetivo é fundamentar a possibilidade de
uma revelação definitiva de Deus na história. O iluminismo criticava a
possibilidade mesma de uma revelação divina de Deus na história).
15
acolhidos pela fé, permanecem ainda encobertos com o véu da mesma fé e
como que envoltos em certa escuridão, enquanto durante esta vida mortal
“somos peregrinos longe do Senhor, pois caminhamos guiados pela fé e não
pela visão” [2Cor 5,6s]”.
A Teologia Sistemática nasce do esforço de identificar as razões de
Deus, a lógica contida no ato e no conteúdo da Revelação de Deus. A
Sistemática busca individuar o “Ordo” (Ordem) do Mistério revelado na
história. Examinando e refletido sobre cada momento, não pode perder de
vista o todo. O todo da revelação é Cristológico, pois tudo Deus se revelou
ao homem através do seu Logos.
13
Cf. INOS BIFFI, Grazia, Ragione e Contemplazione. La teologia: le sue
forme, la sua storia, Milano 2000, pp. 22-23.
16
A teologia sistemática organizou a reflexão teológica em tratados14,
eles nos ajudam a compreender os nexos lógicos o Mistério revelado. Os
tratados não são percursos paralelos, mas se entrelaçam. Os tratados estão
intimamente interligados.
Entre os tratados, podemos dizer que os dois primeiros são o Tratado
da Trindade (Revelada e compreendida à Luz de Cristo) e o tratado da
Cristologia (da qual podemos “ascender” na direção da Trindade). A partir
destes tratados podemos entender todos os demais: sacramentos (brotam
de Cristo), eclesiologia (a Igreja é fundada por Cristo e espelho da
comunhão trinitária no mundo), antropologia teológica (contida
implicitamente na Cristologia), etc...
Trindade
ÁREA CRÍSTICA
Cristologia
Igreja,
Sacramentos
Antropologia
Teológica
[..]
14
Cf. M. SCHULZ, Dogmatica, Lugano 2002, pp. 32-33.
17
são testemunhas de uma única revelação, que atingiu o seu ápice em
Cristo15.
As fontes da teologia são a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição
(tradições antigas, orações, liturgia, arte, espiritualidade, escritos de santos
e doutores da Igreja) e o Magistério da Igreja.
15
Cf. SCHULZ, Dogmatica, p. 24.
18
Lendo os textos do Concílio Vaticano II, podemos dizer que as fontes
da teologia são na verdade uma só: a Revelação (a Escritura recebida na
Tradição e interpretada pelo Magistério).
DV 11: “As coisas reveladas por Deus, que se encontram escritas na Sagrada
Escritura, foram inspiradas pelo Espírito Santo. Com efeito, a santa Mãe
Igreja, por fé apostólica, considera como sagrados e canônicos os livros
inteiros tanto do Antigo como do Novo Testamento com todas as sua
partes, porque, de terem sido escritos por inspiração do Espírito Santo (cf.
Jo 20,31; 2Tm 3,16; 2Pd 1,19-21; 3,15-16), têm Deus por autor e como tais
foram confiados à própria Igreja. Todavia, para escrever os livros Sagrados,
Deus escolheu e serviu-se de homens na posse das suas faculdades e
capacidades, para que, agindo ele neles e por meio deles, pusessem por
escrito como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que ele quisesse.
E assim, como tudo quanto afirma os autores inspirados ou hagiógrafos
deve ser considerado como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo
se deve acreditar que os Livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente
e sem erro a verdade que Deus, causa da nossa salvação, quis que fosse
consignada nas sagradas Letras. Por isso, ‘‘toda a Escritura divinamente
inspirada é útil para ensinar, para argüir, para corrigir, para instruir na
justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, experimentado em todas
as obras boas’’ (2Tm 3,16-17 gr.)”.
Neste texto encontramos uma definição de inspiração importante:
“para escrever os livros Sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens na
posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo ele neles e por
meio deles, pusessem por escrito como verdadeiros autores, tudo aquilo e
só aquilo que ele quisesse”.
Outro conceito que vem à tona, é o de “inerrância” (sem erros): no que
concerne às verdades relevantes para a salvação, a Escritura Sagrada não
possui erros.
19
1.3.2- Sagrada Tradição16
A Sagrada Escritura não afirma que ela seja a única fonte e a
testemunha exclusiva da Revelação. Uma afirmação desta natureza não
seria possível, pois sabemos que a Bíblia é fruto da inspiração divina, mas
também de uma história que viu a formação dos textos sagrados, ser
precedida por um processo de testemunho e de transmissão não escrita do
Evento Cristo.
16
Resumo de um artigo: J. P. de M. DANTAS, Em busca do significado teológico da “Sagrada
Tradição”, in: Atualidade Teológica (2012), 488-502.
17
S. CIPRIANI, Le lettere di Paolo, Assisi 1999, 53: “... verso la fine del 51 o agli inizi del
52”. Cf. também M. ORSATTI, Introduzione al Nuovo Testamento, Lugano 2005, 252 e R.
F. COLLINS, La prima lettera ai Tessalonicesi, in: R. E. BROWN- J. A. FITZMEYER- R. E.
MURPHY, Nuovo Grande Commentario Biblico, Brescia 2002, 1010.
20
“Jesus de Nazaré (...) revelador e revelação (...), na Tradição, se torna de
novo, sujeito e conteúdo. Ele está na origem histórica na Tradição, a sua
pessoa é o conteúdo essencial que deve ser transmitido. O Espírito que na
Revelação permitia a Cristo estar em sintonia com o projeto original do Pai,
na transmissão da Revelação, se torna o princípio fundamental.
Desenvolvimento da Tradição, compreensão do seu significado mais
profundo e atualização da sua potencialidade, são obras do Espírito (...)
Kyrios Christós tradit seipsum per apostolum in Spiritu santo” 18.
18
R. FISICHELLA, La rivelazione: evento e credibilità. Saggio di teologia fondamentale,
Bologna 1989, 111.
19
L. SCHEFFCZYK, Fondamenti del dogma. Introduzione alla dogmatica, Città del
Vaticano 2010, 115.
20
SCHEFFCZYK, Fondamenti del dogma, 115-116.
21
Cf. H. HOLSTEIN, La tradition des âpotres chez St. Irénée, in: Recherches de Science
Religieuse 36 (1949), 229-270.
22
SCHEFFCZYK, Fondamenti del dogma, 116. Cf. também J. RATZINGER, Primato,
Episcopato e Successio Apostolica, in: K. RAHNER-J. RATZINGER, Episcopato e Primato,
Brescia 2007, 53-57.
21
gnósticos, Irineu formula o critério da regula fidei, cujo conteúdo coincide
com a totalidade da tradição apostólica23. Esta não inclui apenas o
Querigma, mas se expande até indicar também a interpretação eclesial da
Escritura24. Contra a heresia de Marcião, Irineu apresenta a Escritura e a
Tradição como dois momentos para a transmissão do Evangelho; a Tradição
(parádosis), que até então, indicava toda a transmissão da revelação, agora
significa somente a transmissão oral do ensinamento dos apóstolos.
23
Cf. Y. CONGAR, La tradizione e le tradizioni, I, Roma 1964, 45.
24
FISICHELLA, La rivelazione: evento e credibilità, 112.
25
A. FRANZINI, Tradizione e Scrittura, Brescia 1978, 71.
26
Commonitorium II, 4, in: Corpus Christianorum, series latina 64, 149.
27
Commonitorium II, 5, 149.
28
H. J. POTTMEYER, Tradição, in: R. LATOURELLE- R. FISICHELLA (org.), Dicionário de
Teologia Fundamental, Petrópolis-Aparecida 1994, 1017.
22
A Igreja se apresenta consciente do fato de ser portadora de uma
mensagem objetiva, mas que pode ser atualizada e interpretada na
dinâmica da história29.
29
FISICHELLA, La rivelazione: evento e credibilità, 113.
30
Cf. FISICHELLA, La rivelazione: evento e credibilità, 114. SCHEFFCZYK, Fondamenti
del dogma, 116: “Tommaso d’Aquino sa sicuramente che ‘gli apostoli hanno trasmesso
molte cose che non sono state scritte nel canone’ (In Sent. III d. 9 q. 1 a.2 sol 2 ad 3), ma
considera le tradizioni religiose prevalentemente ecclesiali come la venerazione delle
icone. Nel fondamento della fede, la Sacra Scrittura assume per antonomasia il ruolo di
fonte della fede, in modo che la sacra doctrina e la sacra scriptura sono messe quasi sullo
stesso piano. È conosciuta la questione concernente la Tradizione che p. Es. viene alla
luce nell’assegnare la materia della cresima alla traditio ecclesiae, come pure le molte
parole non scritte che hanno origine ex familiari Apostolorum traditione (S. Th. III q. 64
a. 2 ad 1). Nella questione ottiene una conferma soprattutto l’elemento di autorità della
Chiesa. Nell’orientamento biblico-ecclesiale della scolastica, la ‘Tradizione’ non è ancora
divenuta un tema ricorrente”.
31
Cf. POTTMEYER, Tradição, 1017. Cf. também Fisichella, La rivelazione: evvento e
credibilità, 115.
32
Cf. Confessio Augustana art. XV, 3.
33
POTTMEYER, Tradição, 1017.
23
Com o Concílio de Trento, a Igreja se posiciona diante dos ataques dos
“reformadores”. O decreto sobre os Livros sagrados e a Tradição (Sessão IV,
8 de abril de 1546) afirma que:
“Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, primeiro promulgou por sua
própria boca, e depois mandou que fosse pregado a toda criatura (cf. Mt
28,19-20; Mc 16, 15ss) por meio de seus Apóstolos, como fonte de toda a
verdade salvífica e de toda a disciplina de costumes. E vendo o concílio
perfeitamente que esta verdade e disciplina estão contidas nos livros
escritos e na Tradições que, recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio
Cristo, ou transmitidas como que de mão em mão (cf. 2 Ts 2,14), pelos
próprios Apóstolos, sob a inspiração dos Espírito Santo, chegaram até nós,
segundo os exemplos dos Padres de comprovada ortodoxia, com igual
sentimento de piedade e igual reverência recebe e venera todos os Livros,
tanto os do Antigo como os do Novo Testamento (...) e também as próprias
Tradições que pertencem à Fé e à Moral, quer tenham sido oralmente
[recebidas] do próprio Cristo, quer tenham sido ditadas pelo Espírito Santo,
e, por sucessão contínua, conservadas na Igreja Católica” 34.
34
CONCÍLIO DE TRENTO, Decreto sobre o cânon (sess. IV – 8.4.1546), in: J. COLLANTES,
A Fé Católica. Documentos do Magistério da Igreja. Das origens aos nossos dias,
Anápolis-Rio de Janeiro 2003, 155-156 (DS 1501).
35
LORIZIO, Tradizione, 1453.
36
Cf. CONGAR, Tradizione e tradizioni, I, 209.
37
FISICHELLA, La rivelazione: evento e credibilità, 118-119.
24
toda a verdade salvífica e de toda a disciplina de costumes”. O conceito de
Tradição inclui as tradições38 que são de “origem apostólica”, que
reguardam “a fé e a moral”, e que “chegaram até nós” “transmitidas como
que de mão em mão”.
Por fim, a Tradição deve ser aceita e venerada com a mesma “piedade”
e a mesma “reverência” com que aceitamos e veneramos a Sagrada
Escritura.
38
Cf. O uso do plural “tradições” não indica uma diferença em relação à Tradição, cf.
SCHEFFCZYK, Fondamenti del dogma, 117 (nota 14).
39
Cf. FISICHELLA, La rivelazione: evento e credibilità,119.
40
DH 3006. Cf. também J. R. GEISELMANN, Tradição, in: H. FRIES (org.), Dicionário de
Teologia. Conceitos fundamentais da teologia atual (Vol. V), São Paulo 1971, 353.
41
Cf. FISICHELLA, La rivelazione: evento e credibilità, 121-122.
25
2- Teoria da suficiência da Escritura (J. R. Geiselmann): A Escritura
transmite a o material da Revelação, a Tradição tem um escopo a
explicação-interpretação do conteúdo da Escritura;
3- Teoria da suficiência relativa da Escritura (J. Beaumer): tentativa de
síntese. A Tradição contém de modo formal toda a verdade revelada
e a Escritura de modo substancial.
42
Cf. Dei Verbum no 7.
43
Cf. Dei Verbum no 9.
44
Cf. SCHEFFCZYK, Fondamenti del dogma, 118-119. Cf. também J. H. MÖHLER,
Simbolica, Milano 1984, 295-296.
45
POTTMEYER, Tradição, 1018.
46
Cf. SCHEFFCZYK, Fondamenti del dogma, 122.
26
pertecence à sua economia e participa das suas notas características.
Progredindo, em relação ao Concílio de Trento, o Vaticano II acrescenta
uma certa determinação relativa ao conteúdo da Tradição: esta é formada
pelas palavras, exemplos, comportamentos, decisões, de tudo o que
constituiu a relação vital entre Jesus e os apóstolos; de tudo o que os
apóstolos aprenderam sob o influxo do Espírito Santo; a Tradição
compreende o âmbito da doutrina, da vida (costumes), do culto (incluindo
os sacramentos) e do governo moral da comunidade cristã47.
52
SESBOÜÉ, História dos dogmas IV, 441.
53
Dei Verbum no10.
54
J. A. MÖHLER, L’unità nella Chiesa. Il principio del cattolicesimo nello spirito dei
Padri della Chiesa nei primi tre secoli, Roma 1969, 51.
55
Cf. P. GOYRET, Dalla Pasqua alla Parusia. La successione apostolica nel “tempus
Ecclesiae”, Roma 2007, 358.
28
Exatamente por causa da Palavra, que na nova aliança, não é letra morta,
mas viva vox, faz-se necessária uma viva successio (...) Sucessão Apostólica
é, segundo a sua essência, a presença viva da Palavra na forma pessoal do
testemunho. A ininterrupta continuidade das testemunhas- apóstolos e
seus sucessores – no tempo, deriva da essência da palavra que é auctoritas
e viva vox” 56.
56
RATZINGER, Primato, Episcopato e Successio Apostolica, 59-61.
57
RATZINGER, Primato, Episcopato e Successio Apostolica, 58.
29
para formardes uma habitação de Deus, pelo Espírito’ (Ef 2,19-22). Graças
à Tradição, garantida pelo ministério dos Apóstolos e dos seus sucessores,
a água da vida que saiu do lado de Cristo e o seu sangue saudável alcançam
as mulheres e os homens de todos os tempos. Assim, a Tradição é a
presença permanente do Salvador que vem encontrar-se conosco, redimir-
nos e santificar-nos no Espírito mediante o ministério da sua Igreja, para
glória do Pai” 58.
58
BENTO XVI, A comunhão no tempo: a Tradição (Audiência Geral do 26 de abril de
2006), in: L’Osservatore Romano (Edição semanal em Português) n. 17 (1897), 29 de
abril de 2006, 12.
59
BENTO XVI, A comunhão no tempo, 12.
30
Esta corrente do serviço continua até hoje, continuará até ao fim do mundo.
De fato, o mandato conferido por Jesus aos Apóstolos foi por eles
transmitido aos seus sucessores. Além da experiência do contato pessoal
com Cristo, experiência única e irrepetível, os Apóstolos transmitiram aos
Sucessores o envio solene ao mundo recebido do Mestre” 60.
60
BENTO XVI, A Tradição Apostólica (Audiência Geral do 03 de maio de 2006), in:
L’Osservatore Romano (Edição semanal em português) n. 18 (1898), 06 de maio de 2006,
12.
61
BENTO XVI, Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, São Paulo 2010, 41.
31
1.3.3- Magistério da Igreja
O Magistério não está acima da revelação (como temia Lutero), mas a
serviço da mesma (cf. DV n. 10).
O serviço que o Magistério presta é o de interpretar autenticamente o
depósito da fé. Somente o Magistério que exerce a sua missão em nome de
Cristo, foi confiada a missão de interpretar com autoridade a palavra de
Deus, escrita ou transmitida.
R. Latourelle afirma que:
“a) O Magistério ouve piedosamente a voz viva do Evangelho que
ressoa continuamente a seus ouvidos, pois o Magistério, enquanto tal,
também vive na fé, sendo o primeiro a prestar ouvidos à palavra de Deus.
Como a Virgem piedosamente recolhia as palavras dos lábios de Cristo,
assim também o Magistério está atento à palavra de Deus.
b) O Magistério guarda santamente a palavra de Deus. Esta expressão
tomada ao Vaticano I, é tradicional e encontra-se frequentemente nos
documentos do Magistério, com forma idêntica ou equivalente. Guardar
santamente o depósito da palavra de Deus significa nada perder, nada
subtrair, nada acrescentar. Assim como nada se pode acrescentar à
Escritura, assim também nada se pode tampouco acrescentar à Tradição. O
esforço para perscrutar as Escrituras não pretende enriquecer o tesouro
das Escrituras. Assim também a Tradição viva da Igreja, que se exprime sob
formas diversas através dos tempos, não pretende enriquecer o tesouro da
Tradição recebido dos apóstolos. O que se aperfeiçoa não é a revelação,
mas a compreensão que dela temos, as explicitações sucessivas com as
quais procuramos manifestar as suas inesgotáveis riquezas para iluminar as
sucessivas gerações; aperfeiçoam-se, finalmente, as formulações que
multiplicamos para traduzir em termos humanos todo esse esforço de
assimilação da palavra de Deus. Da função de custos ou guardião da
revelação segue-se a função de proteger a palavra de Deus contra os
desvios, deslizes e heresias.
c) O Magistério deve também expor fielmente a palavra de Deus, poi
a função da Igreja não é apensa de guardar e defender a palavra: deve
propô-la aos homens de todos os tempos. Isto significa declarar o seu
sentido autêntico, esclarecendo e explicando o que for obscuro. A
32
exposição fiel da palavra é a meta total da missão de ensinar que a Igreja
recebeu e que exerce por seu Magistério ordinário e extraordinário.
d) Finalmente, diz o concílio, o Magistério haure dessa fonte viva da
palavra de Deus tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado. Nada
propõe que já não esteja contido no único depósito de fé. O
desenvolvimento dogmático, que é um esforço para propor e formular, de
modo fiel, mas preciso e mais rico, a palavra de Deus, realiza-se sempre no
interior do objeto da fé” 62.
62
R. LATOURELLE, Teologia da Revelação, São Paulo 1985, 397-398.
33
infalibilidade, ele que é a Verdade. Pelo ‘sentido sobrenatural da fé’, o povo
de Deus se atém indefectivelmente à fé, sob a guia do Magistério vivo da
Igreja.
63
Cf. B.-D. DE LA SOUJEOLE, Introduction au Mystère de l’Église, Toulouse 2006, pp. 14-
17.
34
Um exemplo: A definição dogmática da Assunção de Maria (Pio XII,
1950). A definição propriamente dita, afirma que: “ao final da sua vida
terrestre, a Imaculada Mãe de Deus, Maria sempre Virgem, foi levada ao
céu de corpo e alma para a Glória”.
Quem fala: o Papa, em virtude da sua autoridade de Pontífice supremo
da Igreja.
Qual o contexto? Trata-se de uma declaração dogmática solene, ou
seja, de uma decisão irreformável, através da qual, o Papa invoca a sua
autoridade de Vigário de Cristo, em matéria de fé, fazendo uso do seu
carisma de infalibilidade.
Qual a intenção? Oferecer à fé dos fiéis uma luz a mais sobre um ponto
importantíssimo de nossa fé.
O que se diz? Maria está atualmente presente de corpo e alma na
Glória do seu filho Ressuscitado.
O que não se diz? Quando isso aconteceu exatamente (antes ou depois
da sua morte? Ela foi preservada da morte?). Como isso aconteceu
exatamente (ela foi levada ao céu como Jesus subiu ao céu, na sua
ascensão?). Estes pontos, não entram na definição dogmática. Por esta
razão, continuam a ser objeto da discussão teológica atual.
Esta etapa do trabalho teológico é importantíssima, caso contrário a
segunda etapa da teologia poderá sofrer graves desvios.
Pode-se cometer graves erros, mas normalmente o erros podem ser
classificados em: erros por excesso (exemplo: acentuar excessivamente a
humanidade de Jesus) e erros por insuficiência (exemplo: negligenciar a
divindade de Jesus). Erros no âmbito da Cristologia (cf. exemplos dados),
vão conduzir a uma eclesiologia e a uma teologia dos sacramentos
defeituosas.
b- Explicitar e ordenar os dados (Teologia especulativa): nesta etapa, o
teólogo não pode se limitar a perguntar-se se a verdade em questão é
revelada ou não. Ou interrogar-se quanto ao contexto no qual a verdade é
afirmada. É necessário aprofundar a questão.
O teólogo se pergunta nesta etapa, diante de tudo o que Deus nos
disse no decorrer da história, o que significa cada verdade revelada em si
mesma? Qual a sua importância em si mesma (não se preocupa com o
contexto histórico, linguístico, cultural, sociológico, etc... isto faz parte da
35
primeira etapa) e qual a sua importância no contexto global da revelação?
Com a sua inteligência iluminada pela fé, o teólogo busca as relações entre
as verdades reveladas, os seus pontos de contato, as suas conexões, o lugar
de cada uma das verdades no “grande mosaico da Revelação”. Ele busca a
“ordem” (hierárquica) das verdades. Qual (quais) é (são) a verdade primeira
(as verdades primeiras)? Ao redor da qual as outras se organizam (Exemplo:
esta verdade pode ser comparada ao sol, ao redor do qual giram os planetas
do sistema solar) as demais verdades.
O método teológico será o da análise racional (iluminada pela fé) e o
da demonstração.
64
Cf. NICOLAS, Vocabulário da Suma Teológica, pp. 73-74.
36
Deus, ele considera todas as outras verdades reveladas, mas sempre nas
suas relações com o objeto principal da teologia. Estas relações, segundo
Tomás, são fundamentalmente duas: Deus é o princípio de todas as coisas
(criador de tudo – pela sua providência ele guia tudo) e Deus é o fim último
de todo o criado (elas foram criadas para retornar a ele).
Este duplo movimento das criaturas – elas provêm de Deus e
“caminham” para Deus – é chamado tradicionalmente de exitus e redditus.
O esquema de Tomás65:
• Deus (em si mesmo).
• Deus na sua relação com a sua criação Como princípio
65
Cf. SOUJEOLE, Introduction au Mystère de l’Église, pp. 18.
66
Cf. SOUJEOLE, Introduction au Mystère de l’Église, pp. 18-19.
37
verdadeiro67. Na antiguidade, usava-se este termo para se falar de opiniões
e ensinamentos filosóficos.
Lucas usa o termo dogmata para indicar os decretos imperiais (Lc 2,1
e At 17,7). Em At 16,4, são chamadas dogmata, as deliberações do concílio
dos apóstolos.
Mais tarde, Santo Inácio de Antioquia (início do II século) usará o termo
dogmas como sinônimo de ensinamento de Cristo e dos apóstolos (cf. Carta
aos Magnésios 13,1). Eusébio de Cesaréia (III século) empregará termo
para designar também o ensinamento e as deliberações eclesiásticas.
Na Idade Média, a palavra dogma não possui uma função decisiva na
teologia, usa-se mais expressões como artigo de fé (articulus fidei) ou
verdade católica (veritas catholica)68.
Foi graças ao conflito com a teologia reformada, que pouco a pouco se
afirma no âmbito católico o entendimento atual que temos de dogma.
67
Cf. SCHULZ, Dogmatica, p. 36.
68
Cf. SCHULZ, Dogmatica, p. 36.
38
1.6- Breve história da Teologia
69
“Crer para entender e entender para crer”, este axioma ilumina a nossa compreensão global do
período patrístico.
70
H. C. J. MATOS, Estudar teologia. Iniciação e método, Petrópolis 2005, 42.
71
MATOS, Estudar teologia. Iniciação e método, 42.
72
A linguagem simbólica não significa uma linguagem metafórica, mas uma linguagem que se reconhece
inadequada (limitada) na sua missão de “pensar” e “dizer” o mistério. Eles usam a linguagem simbólica
para falar de verdades sublimes
73
J. B. LIBANIO- A. MURAD, Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas, São Paulo 2014, 104.
74
Cf. Catecismo da Igreja Católica n. 236. Cf. também BOFF, Teoria do Método Teológico, 554.
39
ou bispados. A teologia limita-se à leitura e ao comentário da Sagrada
Escritura, com o auxílio de textos patrísticos recolhidos e selecionados75.
Séculos X-XII: Surgem novas cidades, corporações, ordens religiosas
unificadas, movimentos das ordens mendicantes (franciscanos,
dominicanos). Entre 1120 e 1160 “descobrem-se os escritos aristotélicos que
fornecem uma teoria crítica do saber e da demonstração”76. Usa-se o método
dialético que propõe o confronto entre as opiniões diferentes, entre a
negação e a afirmação, como via para o esclarecimento da verdade. O
método em questão desafia a teologia monástica77 (São Bernardo de Claraval,
Hugo de São Vítor, etc.) que, de um certo modo, prolongava linhas
importantes da teologia patrística. Uma obra importante que consolida o
método dialético é o Livro das Sentenças de Pedro Lombardo.
Santo Anselmo une a teologia monástica de matriz agostiniana, favorável à
absoluta suficiência da fé, ao pensamento dialético, buscando passar da
simples verdade crida à verdade sabida, pensada e expressa, uma fé em busca
de inteligência (“fides quaerens intellectum”)78:
“Não pretendo, Senhor, penetrar a tua profundidade, porque de forma
alguma a minha razão é comparável a ela; mas, desejo entender de certo
modo a tua verdade, que o meu coração crê e ama. Não busco, com efeito,
entender para crer, mas crer para entender” (Proslogion, Proem.).
Séculos XIII-XV- Escolástica. Com o nascimento das Universidades, pratica-se
a teologia nas “escolas” vinculadas aos grandes centros urbanos. Ensina-se a
Sacra Doctrina no horizonte de outras ciências e artes. Os professores e os
teólogos exercitam uma análise metódica e crítica e o raciocínio dialético.
Difundem-se as obras de Aristóteles. Estabelece-se pouco a pouco uma certa
autonomia do profano em relação ao sagrado, da filosofia e de outras ciências
em relação à teologia, distingui-se o “crer” do “compreender”.
O nome mais importante da idade de ouro da Escolástica (séc. XIII) é o
dominicano Tomás de Aquino, mas não se deve esquecer também a
importância do franciscano Boaventura.
Vejamos agora os seis elementos que compunham o modelo de ensino
escolástico: 1- Lectio: explicação do mestre; 2- Commentarium: exegese das
grandes obras do passado; 3- Quaestio: desenvolvimento dialético,
submetendo determinada afirmação à elaboração crítica; 4- Disputatio:
estudantes e mestres discorrem juntos sobre determinados temas e
pensamentos ligados a um certo autor ou obra; 5- Quodlibet: extensão da
75
Cf. LIBANIO- MURAD, Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas, 112.
76
LIBANIO- MURAD, Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas, 112.
77
Para conhecer mais sobre a Teologia Monástica, cf. J. LECLERQ, O Amor às letras e o desejo de Deus,
São Paulo 2012 (especialmente o capítulo 9, pp. 229-278.
78
Cf. LIBANIO- MURAD, Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas, 113.
40
disputatio (discussão livre sobre assuntos afins); 6- Sententiae: preparam-se
as sumas de teologia79.
79
Cf. . LIBANIO- MURAD, Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas, 113-114.
80
Cf. LIBANIO- MURAD, Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas,118-119.
81
Sobre a teologia do século XX cf. R. GIBELLINI, A teologia do século XX, São Paulo 2002; Id., Breve
história da teologia do século XX, Aparecida 2010; B. MONDIN, Os grandes teólogos do século XX (2
41
Nota-se um verdadeiro despertar da teologia católica no início do século
XX, especialmente no campo positivo, com os estudos de exegese,
patrologia, história das religiões, história dos dogmas e história da Igreja.
Na França, por exemplo, surgem novos e importantes dicionários, bem
como, novas revistas.
Encorajado pelo papa Leão XIII surge o neotomismo, que tenta dialogar com
algumas questões da modernidade, sem trair a teologia tradicional da
Igreja. Como representantes desta escola, podemos citar: J. Maréchal; J.
Maritain; E. Gilson e M. D. Chenu.
Na primeira década do século XX surge também o “movimento
modernista”, que visava adaptar o catolicismo tradicional ao pensamento
moderno, à custa de uma certa descontinuidade com a teologia e o
ensinamento magisterial precedente. Influenciado pelo protestantismo
liberal, também se vê sob o influxo do agnosticismo, do neokanbtianismo e
do neohegelianismo, do panteísmo e do evolucioniosmo. Um
representante importante desta tendência teológica foi A. Loisy (1857-
1940), professor do Instituto Católico de Paris. Pio X condenará o
modernismo em documentos importantes: Lamentali (DH 2001-2065) e
Pascendi (DH 2071-2109), em 1907.
Entre a primeira e a segunda guerra mundial, temos as importantes
contribuições de: J. M. Lagrange no âmbito da exegese (suas contribuições
abrirão o caminho para a encíclica Divino afflante Spiritus de Pio XII); J.
Mersch e S. Tromp82 propõe uma bem fundada eclesiologia do corpo
místico (tal contribuição será acolhida no magistério de Pio XII com a
encíclica Mystici corporis, 1943); H. de Lubac83 e J. Daniélou iniciam a
famosa coleção Sources Chrétiennes (Fontes cristãs: edição crítica de textos
patrísticos no original e em francês) e encabeçam junto com Y. Congar84 e
M. D. Chenu85 um movimento teológico que ficou conhecido como Nouvelle
Théologie (Nova Teologia), que propunha uma volta às “fontes” (bíblicas,
patrísticas, medievais), a aplicação do método histórico-crítico, a
valorização do aspecto evolutivo dos dogmas, o diálogo católico com as
volumes), São Paulo 1987; R. V. GUCHT - H. VORGRIMER, Bilan de la Théologie du XXe siècle (4
volumes), Paris 1970.
82
Para conhecer melhor o pensamento teológico de S. Tromp cf. J. P. de M. DANTAS, In Persona
Christi Capitis. Il ministro ordinato come rappresentante di Cristo capo della Chiesa nella discussione
teologica da Pio XII ad oggi, Siena 2010, 133-160.
83
Para conhecer melhor o pensamento teológico de H. de Lubac cf. MONDIN, Os grandes teólogos do
século XX (vol. 1), 177-205.
84
Para conhecer melhor o pensamento teológico de Y. Congar cf. MONDIN, Os grandes teólogos do
século XX (vol. 1), 153-176.
85
Para conhecer melhor o pensamento teológico de H. de Lubac cf. MONDIN, Os grandes teólogos do
século XX (vol. 1), 123-151.
42
principais correntes do pensamento moderno, a integração da teologia com
a vida comum dos cristãos, etc.
Diante de tamanha novidade, a primeira reação do magistério pontifício foi
de desconfiança, através da encíclica Humani generis (1950), o papa Pio XII
condenou algumas teses da Nouvelle théologie.
86
Para um estudo aprofundado das correntes teológicas posteriores ao Concílio Vaticano II cf. A.
MARRANZINI (org.), Correnti teologiche post-conciliari, Roma 1974.
87
Para conhecer melhor o pensamento teológico de E. Schillebeeckx cf. MONDIN, Os grandes teólogos
do século XX (vol. 1), 237-268.
88
Para conhecer melhor o pensamento teológico de H. U. von Balthasar cf. MONDIN, Os grandes teólogos
do século XX (vol. 1), 207-235.
89
Para conhecer melhor o pensamento teológico de J. Ratzinger cf. T. ROWLAND, A Fé de Ratzinger. A
Teologia do Papa Bento XVI, São Paulo 2013; S. MADRIGAL (org.), El pensamento de Joseph Ratzinger.
Teólogo y Papa, Madrid 2009.
90
BOFF, Teoria do Método Teológico, 300.
43
encontra em outro nível ontológico. Uma tentativa de aplicar a
linguagem unívoca a Deus se encontra no discurso teológico de
caráter antropomórfico;
b) Equívoca: Quando “se predica de realidades totalmente
diferentes entre si segundo o mesmo sentido” (S. Theol. I q. 13 a.
5). Quando se atribui o mesmo nome a duas realidades
essencialmente diferentes, como quando damos o nome de
animais às constelações e aos seres vivos terrestres... A teologia
reconhece os limites da linguagem humana para tratar de seu
objeto específico, mas afirma que a linguagem humana não é
puramente equívoca (exterior e arbitrária), pois Deus se revelou
usando a linguagem humana. O agnosticismo é o erro dos
equivocistas91;
c) Analógica: “Efetivamente, para falar de Deus se podem empregar
termos de nossa linguagem humana, indicando por uma parte, o
que no Mistério ‘bate’ com seu sentido e, por outra, o que não
‘bate’. É isso precisamente o que faz a linguagem analógica (...) A
analogia é, com efeito, uma espécie de semelhança . Mas, não é
mera semelhança, como a do filho com o pai. Essa é uma
semelhança unívoca. A semelhança analógica é uma semelhança
unida a uma dessemelhança, que é sempre maior. Trata-se, pois,
de uma ‘dessemelhança semelhante’. Na analogia se vê mais o
diferente que o semelhante, como, por exemplo, a vida na planta
e no homem”92.
91
Cf. BOFF, Teoria do Método Teológico, 307.
92
BOFF, Teoria do Método Teológico, 309.
93
BOFF, Teoria do Método Teológico, 314.
94
F. BACON, De dignitate et argumentis scientiarum, I. III, cap. 1, apud BOFF, Teoria do Método
Teológico, 314.
44
Exemplo 2 - Paternidade
95
BOFF, Teoria do Método Teológico, 340.
45
substância divina a via da negação [via remotionis]” (S. contra os
Gentios I cap. 14).
Santo Agostinho afirma: “Deus se sabe melhor dessabendo; Se
compreendes a Deus não é ele! Ser chegaste ao fim, não é Deus”96.
No seu comentário ao tratado da Trindade de Boécio, Tomás ensina:
“Quanto mais negações se conhecem de Deus tanto menos confuso
se faz o conhecimento em nós” (In Boetium... q. 6, a. 3).
3- Via da eminência: “Esta forma de predicação é constituída de
afirmações relativas aos Mistérios, enquanto levadas ao grau
supremo. Exemplo: Deus é boníssimo, Deus é a sabedoria por
excelência, Cristo é o Senhor dos senhores, etc.
(...) A via da eminência, em si mesma, não diz nada de circunscrito
em Deus. Ela é apenas abertura de uma qualidade ao infinito. Nesse
sentido, ela é o corretivo de toda a afirmação, elevando esta ao nível
da transcendência. Tal elevação não acontece pela via do aumento,
mas pela via do salto ao infinito, o qual define justamente a via da
eminência”97.
São Bernardo afirmava: “Por mais alto que o pensamento avance,
Deus está para além” (De Consideratione V, 7, 16).
96
C. Boff (p. 342) cita Y. CONGAR, Langage des spirituels et langage des théologiens, in: AA. VV., La
mystique rhénane. Colloque de Strasbourg (16-19/05/61), Paris 1963, 17-23.
97
BOFF, Teoria do Método Teológico, 344.
98
Cf. J. RATZINGER, Natureza e missão da teologia, Petrópolis 1993, 87.
46
Vaticano II. Durante o referido Concílio, os próprios bispos se deixaram
guiar de boa vontade em suas decisões pelo parecer de insignes teólogos.
99
Cf. RATZINGER, Natureza e missão da teologia, 88.
100
Cf. RATZINGER, Natureza e missão da teologia, 90.
47
doutrina revelada. É ela que deve fornecer os critérios para o discernimento
destes elementos e instrumentos conceituais, e não vice-versa” (n. 10).
No n. 11, lemos que o teólogo exercita a sua missão no interior da fé
da Igreja . “Por conseguinte a teologia, enquanto ’serviço muito
desinteressado à comunidade dos fiéis, comporta essencialmente um
debate objetivo, um diálogo fraterno, uma abertura e uma disponibilidade
para modificar as próprias opiniões’” (n. 11).
O cardeal Ratzinger, em sua apresentação, observa que para o
teólogo, além do rigor metódico, duas coisas são necessárias: a filosofia,
ciências históricas e humanas, mas também a participação ativa na vida da
Igreja (fé, oração, meditação, vida cristã autêntica, etc.)101.
“Na teologia (...) [a] liberdade de investigação inscreve-se no interior
de um saber racional cujo objeto é dado pela Revelação, transmitida e
interpretada na Igreja sob a autoridade do Magistério, e acolhida pela fé.
Descurar estes dados que têm valor de princípio, seria equivalente a deixar
de fazer teologia” (n. 12).
4. Magistério e Teologia
Esta quarta parte se divide em dois pontos: a) as relações de
colaboração; b) o problema da dissensão.
a) As relações de colaboração (nn. 21-31)
“O Magistério vivo da Igreja e a teologia, mesmo tendo dons e funções
diferentes, têm em última análise o mesmo fim: conservar o Povo de Deus
na verdade que liberta fazendo dele, assim, a ‘luz das nações’. Este serviço
à comunidade eclesial põe em relação recíproca o teólogo com o
Magistério. Este último ensina autenticamente a doutrina dos Apóstolos, e
beneficiando-se do trabalho teológico, refuta as objeções e as deformações
da fé, propondo além disso, com autoridade recebida de Jesus Cristo, novos
aprofundamentos, explicitações e aplicações da doutrina revelada. A
teologia por sua vez adquire, reflexivamente, uma compreensão sempre
mais profunda da Palavra de Deus, contida na Sagrada Escritura e
transmitida fielmente pela Tradição viva da Igreja sob a guia do Magistério,
procura esclarecer o ensinamento da Revelação diante das instâncias da
razão, e enfim lhes confere uma forma orgânica e sistemática” (n. 21).
O n. 22 acrescenta:
101
Cf. RATZINGER, Natureza e missão da teologia, 91.
48
“A colaboração entre o teólogo e o Magistério se realiza de maneira
especial quando o teólogo recebe a missão canónica ou o mandato de
ensinar. Essa se torna então, em certo sentido, uma participação da obra
do Magistério, ao qual um vínculo jurídico a une. As normas de deontologia
que derivam por si mesmas e com evidência do serviço à Palavra de Deus
são corroboradas pelo compromisso contraído pelo teólogo aceitando o
seu trabalho e emitindo a Profissão de fé e o Juramento de fidelidade.
Desde aquele momento ele é investido oficialmente do dever de
apresentar e ilustrar, com toda a exatidão e na sua integridade, a doutrina
da fé” (n. 22).
No n. 25, encontra-se um ensinamento muito importante para os
teólogos:
“Ainda quando a colaboração se desenvolve nas mais propícias condições,
não é impossível que nasçam entre o teólogo e o Magistério certas tensões.
O significado que a elas é dado e o espírito com que são encaradas não são
indiferentes: se as tensões não nascem de um sentimento de hostilidade e
de oposição, podem representar um fator de dinamismo e um estímulo que
impele o Magistério e os teólogos a cumprir as suas respectivas funções
praticando o diálogo.
26. No diálogo deve dominar uma dupla regra: quando está em questão a
comunhão de fé vale o princípio da ‘unitas veritatis’; quando persistem
eventuais divergências que não põem em risco esta comunhão,
salvaguardar-se-á a ‘unitas caritatis’.
27. Ainda que a doutrina da fé não esteja em questão, o teólogo não
apresentará as suas opiniões ou as suas hipóteses como se se tratasse de
conclusões indiscutíveis. Esta discrição é exigida pelo respeito à verdade,
assim como pelo respeito pelo Povo de Deus (cf. Rm 14, 1-15; 1 Cor 8, 10.
23-33). Pelos mesmos motivos ele renunciará a uma expressão pública e
intempestiva delas” (n. 25).
O teólogo não deve se sentir dono ou juiz da verdade, mas um humilde
servo da mesma.
b) O problema da dissensão (nn. 32-41).
“O fenômeno da dissensão pode ter diversas formas, e as suas causas
remotas ou próximas são múltiplas. Entre os fatores que podem influir
remota ou indiretamente, deve-se recordar a ideologia do liberalismo
filosófico102, do qual está impregnada também a mentalidade da nossa
102
“Daqui provém a tendência a considerar que um juízo tem valor tanto maior quanto mais
provenha do indivíduo que se apoia sobre as suas próprias forças. Assim se opõe a liberdade
de pensamento à autoridade da tradição, considerada causa de escravidão” n. 32.
49
época (...) O peso de uma opinião pública 103artificiosamente orientada e
dos seus conformismos, exerce também a sua influência (...) Enfim, também
a pluralidade das culturas e das línguas, que em si mesma é uma riqueza,
indiretamente pode conduzir a mal-entendidos, motivo de sucessivos
desacordos” (n. 32).
“A dissensão pode revestir-se de diversos aspectos. Na sua forma mais
radical, ela tem em mira a transformação da Igreja de acordo com um
modelo de contestação inspirado naquilo que se faz na sociedade política”
(n. 33).
“A justificação da dissensão se apoia, em geral, sobre diversos argumentos,
dos quais dois têm caráter mais fundamental. O primeiro é de ordem
hermenêutica: os documentos do Magistério não seriam nada mais que o
reflexo de uma teologia opinável. O segundo invoca o pluralismo teológico,
levado às vezes até um relativismo que coloca em questão a integridade da
fé: as intervenções magisteriais teriam a sua origem em uma teologia entre
muitas outras, enquanto nenhuma teologia particular pode ter a pretensão
de impôr-se universalmente” (n. 33).
103
“Com frequência os modelos sociais difundidos pelos ‘mass-media’ tendem a assumir um
valor normativo; se difunde, em particular, a convicção de que a Igreja não deveria se
pronunciar, a não ser sobre problemas considerados importantes pela opinião pública, e no
sentido que convenha a esta”, n. 32.
50
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51
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J. WICKS, Introdução ao Método Teológico, São Paulo 2014.
52
Sumário
1.1- O que é a Teologia? ....................................................................................................... 3
1.2- Teologia Sistemática.................................................................................................... 14
1.3- As fontes da Teologia .................................................................................................. 17
1.3.1- Sagrada Escritura....................................................................................................... 19
1.3.2- Sagrada Tradição ....................................................................................................... 20
1.3.3- Magistério da Igreja .................................................................................................. 32
1.4- As duas funções da Teologia ....................................................................................... 34
1.5- Dogma e dogmas ......................................................................................................... 37
1.6- Breve história da Teologia ........................................................................................... 39
1.7- Linguagem teológica ................................................................................................... 43
1.8- O Teólogo e o Magistério ............................................................................................ 46
Bibliografia .................................................................................................................................. 51
53