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HISTÓRIA E TEOLOGIA

DA IGREJA CRISTÃ

Autoria: Robson Stigar

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Tathyane Lucas Simão
Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Neivor Schuck


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2017


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

231.044
S854h Stigar, Robson

História e teologia da igreja cristã / Robson Stigar. Indaial:


UNIASSELVI, 2017.

142 p. : il.

ISBN 978-85-69910-84-8

1.Teologia.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Robson Stigar

É doutorando em Ciência da Religião na


PUCSP. Possui mestrado em Ciência da Religião
pela PUCSP; MBA em Gestão Educacional;
Especialização em Filosofia da Arte; Especialização em
Catequética; Especialização em Educação, Tecnologia
e Sociedade; Especialização em Ensino Religioso;
Especialização em Psicopedagogia; Especialização em
História do Brasil; Aperfeiçoamento em Ensino de Filosofia;
Aperfeiçoamento em Sociologia Politica pela UFPR.
É bacharel em Teologia; licenciado em Filosofia pela
PUCPR; Licenciado em Pedagogia pela UNINTER.
Atua como professor na Educação Básica e
no Ensino Superior. Autor do Livro “O Ensino
Religioso e sua Historicidade”, possui vários
artigos científicos publicados em periódicos e
artigos livres em jornais de circulação.
Sumário

APRESENTAÇÃO...........................................................................01

CAPÍTULO 1
A Igreja Cristã na Antiguidade................................................... 09

CAPÍTULO 2
A Igreja Medieval.......................................................................... 45

CAPÍTULO 3
A Igreja Renascentista e Moderna............................................ 79

CAPÍTULO 4
A Igreja Contemporânea........................................................... 107
APRESENTAÇÃO
Nesta obra “História e Teologia da Igreja Cristã”, procuramos apresentar de
forma rápida e objetiva a Igreja na Antiguidade, na Idade Média, no Renascimento,
na Idade Moderna e na Contemporaneidade.

No primeiro capítulo “A Igreja Cristã na Antiguidade” procuramos realizar


um pequeno estudo sobre a história da Igreja Cristã na Antiguidade, período
que vai de 30 depois de Cristo até o ano 476. Procuramos entender a expansão
da Igreja Cristã neste contexto histórico e geográfico bem como compreender o
crescimento do império Romano.

No segundo capítulo “A Igreja Medieval”, apresentamos a formação dos


monastérios da Igreja Medieval, a história desta Igreja no Sacro Império Romano-
Germânico, objetivando entender os grandes cismas que ocorreram na Igreja.
Vamos estudar sobre as Cruzadas, episódios tão marcantes naquele período que
deixaram marcas até os dias de hoje, e por fim, conhecer a Guerra dos Cem anos
e as causas da Queda de Constantinopla.

No terceiro capítulo “A Igreja Renascentista e Moderna”, apresentamos um


estudo analítico sobre a Reforma Religiosa iniciada no século XVI, procurando
assim, compreender sua origem e sentido, bem como as causas da Contrarreforma
e o Concílio de Trento, ambos realizados pela Igreja Católica em resposta à
Reforma Religiosa realizada por Martinho Lutero e outros reformadores.

No quarto capítulo “A Igreja Contemporânea”, apresentamos a história dos


Concílios Ecumênicos do Vaticano I e II, procurando compreender seu contexto
e importância tanto para a história da civilização como para a história da Igreja.
Vamos realizar um estudo reflexivo sobre a importância da renovação da Igreja
Protestante/Evangélica para a Igreja Cristã e para a sociedade de forma geral,
apresentando como suas rupturas e transições foram positivas para o seu
desenvolvimento.

Nosso objetivo é realizar um pequeno estudo sobre a história da Igreja


Cristã no Ocidente, tarefa difícil e complexa, dado o amplo período histórico que
temos, pois são vários séculos de história, fatos e acontecimentos para serem
apresentadas em poucas páginas.

O autor.
C APÍTULO 1
A Igreja Cristã na Antiguidade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Conhecer a igreja na Antiguidade (de 30 a 476 d. C.).

� Conhecer sobre a expansão do Império Romano.

� Estudar o crescimento da Igreja Cristã.

� Conhecer os Concílios de Niceia, Constantinopla e Calcedônia.

� Entender as causas da queda de Constantinopla.

� Promover uma análise crítica da Igreja Cristã na Antiguidade Clássica.


HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

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Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

Contextualização
O objetivo deste capítulo é realizar um pequeno estudo sobre a história da
Igreja Cristã na Antiguidade, período que compreende de 30 depois de Cristo até
476. Precisamos entender a expansão da Igreja Cristã neste contexto histórico e
geográfico, bem como compreender o crescimento do Império Romano.

Também vamos analisar os três grandes concílios que ocorreram naquela


época, que foram relevantes para a história da civilização e da igreja, são eles:
Niceia, Constantinopla e Calcedônia. Por fim, vamos procurar entender as causas
da queda de Constantinopla.

Temos também como tarefa conhecer um pouco do “período sombrio” que


afetou a Igreja Cristã, ou seja, como se deram as perseguições neste período e
como estas prejudicaram a igreja, bem como vieram a contribuir. Também vamos
conhecer o que se denomina por Cristianismo Primitivo.

Esta obra tem caráter de introdução, já que temos quase cinco séculos de
história sendo apontados em poucas páginas. Destacamos, entretanto, que cabe
ao aluno o desafio de seguir adiante, motivado com o espírito crítico e acadêmico,
buscando por novas informações e conhecimentos, pois esta é a dinâmica do
meio acadêmico e teológico.

A Expansão do Império Romano


Segundo Le Roux (2013), o Império Romano nasceu oficialmente em O Império
27 a.C. e terminou – dependendo do ponto de vista – com a conquista de Romano nasceu
Roma pelos godos, chefiados por Alarico, em 410 d.C., ou em 476 d.C., oficialmente em
27 a.C. e terminou
data da queda do último imperador do Ocidente, em consequência dos
– dependendo do
repetidos assaltos dos povos germânicos. ponto de vista –
com a conquista
Para Le Roux (2013), o Império Romano designa um período de Roma pelos
histórico marcado pela ampla dominação da potência romana, sob godos, chefiados
a direção de seus césares. Considerado isoladamente, o Império por Alarico, em 410
d.C., ou em 476 d.C.
Romano representava uma forma institucional e territorial do exercício
de um poder monárquico, mas ao qual eram associados os valores aristocráticos
tradicionais, o direito público como fonte de legitimidade e uma dimensão religiosa
que correspondia ao ponto de vista ideológico e à forma como raciocinavam as
elites romanas e as de suas províncias.

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HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Devido a sua geografia, o Império Romano agrupava um


conglomerado de cidades e de comunidades locais que, até
certo ponto, estavam integradas a uma rede de relacionamentos
sociais que copiavam as estruturas da sociedade romana.
Contudo, cada uma delas era constituída por suas próprias
sociedades individuais, hierarquizadas e culturalmente
mescladas, obedecendo em parte a tradições locais que
revelavam os aspectos mais variados (LE ROUX, 2013, p. 8).

Le Roux (2013) destaca que o conceito corresponde, para os não


especialistas, a uma forma ou outra de expansão da cidadania romana e de
florescimento de uma civilização portadora dos valores nobres proclamados
pelos literatos e filósofos latinos, mas caracterizada também pelos combates
de gladiadores e outros espetáculos desumanos dos circos e anfiteatros, e pela
perpetuação da escravatura, sem esquecer a grosseria de uma soldadesca
indisciplinada e de mentalidade estreita, que se manifestava sem reservas no
momento em que deixava os campos de batalha.

Roma se solidificou como o maior império que já existiu, sendo híbrida em sua
formação, ou seja, composta de várias culturas, devido às conquistas territoriais ao
longo dos tempos realizadas em suas guerras. Os romanos conquistaram grande
parte do Oriente e todo o Ocidente durante os dois últimos séculos antes da Era Cristã
e também na guerra civil interna, onde venceu Júlio César, em 100 a.C. – 44 a.C.

A partir desse momento, com a paz sedimentada, Otávio Augusto (63 a.C.
– 14 d.C.), o primeiro imperador romano, reorganizou o estado, delimitou as
fronteiras, abriu estradas (85 mil quilômetros), promoveu construções por toda a
extensão do império, de quase cinco milhões de quilômetros quadrados (divididos
hoje entre 30 nações). Com isso, assegurou um período inédito de estabilidade
em toda a região ao redor do mar Mediterrâneo (PIOPPI, 2012).
A pax romana
facilitou, o A pax romana facilitou, durante décadas, até mesmo nas regiões
desenvolvimento mais expostas do Império, o desenvolvimento de formas políticas,
de formas políticas, sociais e culturais que se contavam entre as mais “modernas”, segundo
sociais e culturais consideravam os antigos. À medida que seu poderio se expandia, os
que se contavam cidadãos romanos foram se envolvendo com a exploração e o controle
entre as mais
dos territórios submetidos (LE ROUX, 2013).
“modernas”.

Na metade ocidental, o idioma utilizado era o latim, e na região do


Mediterrâneo oriental e no Oriente Próximo era o grego. O Império Romano
tornou-se um governo pacífico e próspero, suas cidades estavam em progresso e
viajar não era mais difícil, pois muitas estradas foram construídas.

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Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

Segundo Le Roux (2013), foi Otávio Augusto quem estabeleceu inicialmente


a imagem de um universo centrado em Roma. A cidade conquistadora e senhora
do mundo era a única capital, a sede do império. Dotada de uma aparência
monumental, sem equivalente no mundo inteiro, obtida através de uma série
contínua de programas de desenvolvimento arquitetônico determinados pelos
imperadores, Roma foi escolhida unanimemente como o modelo do urbanismo,
mesmo antes de se tornar legalmente a pátria comum. Cosmopolita, ela vivia em
simbiose com o restante do império, não esquecendo nunca, contudo, que além
de capital, também era uma cidade.

Figura 1 – Grande imperador romano Otávio Augusto (63 a.C. – 14 d.C.)

Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?biw=1088&bih=510&tbm=isch&sa=1&q=otávio+augusto+imperador+romano>.
Acesso em: 24 nov. 2017.

Após sua morte, Otávio Augusto foi sucedido pelos imperadores Tibério (42
a.C. – 37 d.C.), Caio (12-41), Cláudio (10 a.C. – 54 d.C.) e Nero (37-68). Com
o suicídio de Nero, seguiu-se novo período de guerra civil, conhecido como o
ano dos quatro imperadores (69). Ao final desse ano, o comandante das forças
militares romanas em combate na primeira guerra judaico-romana, Vespasiano
(9-79), foi aclamado o novo imperador.

Posteriormente a ele seguiram seus filhos, Tito (39-81) e Domiciano (51-


96), cujo assassinato inaugurou o período de outros imperadores: Nerva (30-
98), Trajano (53-117), Adriano (76-138), Antonino Pio (86-161) e Marco Aurélio
(121-180). Nessa época, o Império Romano atingiu sua expansão máxima,
estabelecendo-se, assim, a paz romana, também conhecida como pax romana.
Todavia, ao fim desse período, Cômodo (161-192) se tornou imperador, iniciando
um longo período de instabilidades políticas (PIOPPI, 2012).

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HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

O Crescimento da Igreja Cristã


Na perseguição iniciada com a morte de Estevão, a igreja em Jerusalém
dispersou-se por toda a Terra. Alguns chegaram até Damasco e outros até
Antioquia. Por qual motivo sobrevieram então as perseguições? Marcos 16:15:
E disse-lhes: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura”. A
partir desta perseguição, os cristãos fugiam, porém, pregavam o evangelho e
testemunhavam das maravilhas que Jesus operava.

Difundindo assim Segundo o renomado pesquisador da história da igreja, Carlo


uma nova religião e, Pioppi (2012), a partir do século I, o cristianismo iniciou a sua expansão
consequentemente, “territorial”, sob a orientação de São Pedro e dos apóstolos, tendo
uma nova um rápido crescimento no Império Romano, nos primeiros séculos,
perspectiva de vida difundindo assim uma nova religião e, consequentemente, uma nova
religiosa.
perspectiva de vida religiosa.

A Palestina, onde o cristianismo deu seus primeiros passos, tinha uma


posição geográfica privilegiada, pois ocupava uma área onde era a encruzilhada
das grandes rotas comerciais que uniam o Egito à Mesopotâmia, e a Arábia com
a Ásia Menor. Por isso vemos, na história descrita no Velho Testamento, esta área
tão cobiçada sendo invadida por vários impérios.

Jesus nasceu dentro deste contexto que biblicamente se conhece como


"plenitude dos tempos" (Gl: 4:4-5). A igreja, respondendo às ansiedades da época
com a revelação de Deus em Jesus, conseguiu rapidamente conquistar o império.

Pioppi (2012) destaca que o poder político romano viu no cristianismo um


perigo, pelo fato de reclamar um âmbito de liberdade na consciência das pessoas
a respeito da autoridade estatal, assim, os seguidores de Jesus Cristo tiveram
que suportar numerosas perseguições, que conduziram muitos ao martírio.

O imperador Segundo Pioppi (2012), no ano 313 o imperador Constantino


Constantino I foi I foi favorável à nova religião, concedeu aos cristãos a liberdade de
favorável à nova
professarem a fé, e iniciou uma política favorável para com eles. Com o
religião
imperador Teodósio I (379-395), o cristianismo converteu-se na religião
oficial do Império Romano, e no final do século IV, os cristãos já eram a maioria da
população do império.

Pioppi (2012) destaca que no século IV a igreja teve que enfrentar uma forte
crise interna: trata-se da questão ariana. Ário, presbítero de Alexandria, no Egito,
defendia teorias heterodoxas, pelas quais negava a divindade do Filho, que seria,
assim, a primeira das criaturas, embora superior às outras. A divindade do Espírito
Santo era também negada pelos arianos.
14
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

O arianismo foi condenado pelo Concílio de Niceia, mas


a disputa teológica sobre a divindade de Cristo não terminou e
continuou sendo objeto, no Oriente e no Ocidente, de diferentes
orientações doutrinárias. Com o apoio do imperador Constantino,
interessado numa solução política para a unificação da igreja oriental
e ocidental, a decisão de Niceia foi aplicada e o arianismo foi banido
como heresia, e seus adeptos, desacreditados.

Fonte: Disponível em: <palavracriativa.org.br/site/wp-content/


uploads/2015/06/ARIANISMO1.pdf>. >. Acesso em: 24 nov. 2017.

A crise doutrinal, com que se encruzilharam frequentemente intervenções


políticas dos imperadores, perturbou a igreja durante mais de 60 anos; foi
resolvida graças aos dois primeiros concílios ecumênicos, o primeiro de Niceia
em 325 e o segundo de Constantinopla em 381, concílio em que se condenou
o arianismo, se proclamou solenemente a divindade do Filho (consubstantialis
Patri, em grego homoousios) e do Espírito Santo, e se compôs o símbolo niceno-
constantinopolitano (o Credo).

O arianismo sobreviveu até o século VII, porque os missionários arianos


conseguiram converter a sua crença muitos povos germânicos, que só pouco
a pouco passaram ao catolicismo. Destaca-se ainda que no princípio a igreja
também é vista ou considerada como uma seita do judaísmo, como consta no Ato
dos Apóstolos (At: 24:5; 28:22).

Entretanto, o pesquisador Pioppi (2012) nos lembra que no século V houve


duas heresias cristológicas, que tiveram o efeito positivo de obrigar a igreja a
aprofundar no dogma, para formulá-lo de modo mais preciso.

A primeira heresia é o nestorianismo, doutrina que, na prática, afirma a


existência em Cristo de duas pessoas, além de duas naturezas. Foi condenada
pelo Concílio de Éfeso em 431, que reafirmou a unicidade da pessoa de
Cristo. Dos nestorianos derivam as igrejas siro-orientais e malabares, ainda
separadas de Roma.

15
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

O nestorianismo afirmava a existência da natureza humana


completa em Jesus, os teólogos puderam estudar mais detidamente
o modo como humanidade e divindade se relacionaram em Cristo.
Antes, porém, de entrar em particulares, devemos mencionar as
duas principais escolas teológicas da Antiguidade: a Alexandrina e a
Antioquena, que muito influíram na elaboração da Cristologia.

A Escola Alexandrina era herdeira de forte tendência mística;


procurava exaltar o divino e o transcendental nos artigos da fé.
Interpretava a Sagrada Escritura em sentido alegórico, tentando
desvendar os mistérios divinos contidos nas sagradas letras. Em
assuntos cristológicos, portanto, era inclinada a realçar o divino,
com detrimento do humano. Ao contrário, a Escola Antioquena era
mais dada à filosofia e à razão: voltava-se mais para o humano, sem
negar o divino. Interpretava a Sagrada Escritura em sentido literal e
tendia a salientar em Jesus os predicados humanos mais do que os
atributos divinos. Era mais racional, ao passo que a de Alexandria
era mais mística.

Dito isto, voltemos à história do dogma cristológico. A primeira


tentativa de solução foi encabeçada por Nestório, elevado à cátedra
episcopal de Constantinopla em 428. Afirmava que o Lógos habitava
na humanidade de Jesus como um homem se acha num templo
ou numa veste; haveria duas pessoas, em Jesus – uma divina e
outra humana – unidas entre si por um vínculo afetivo ou moral. Por
conseguinte, Maria não seria a Mãe de Deus (Theotókos), como
diziam os antigos, mas apenas Mãe de Cristo (Christokós); ela teria
gerado o homem Jesus, ao qual se uniu a segunda pessoa da SS.
Trindade com a sua divindade.

Nestório propunha suas ideias em pregações ao povo, nas


quais substituía o título “Mãe de Deus” por “Mãe de Cristo”. As suas
concepções suscitaram reação não só em Constantinopla, mas em
outras regiões também, especialmente em Alexandria, onde S. Cirilo
era bispo ardoroso. Este escreveu em 429 aos bispos e aos monges
do Egito, condenando a doutrina de Nestório. As duas correntes se
dirigiram ao Papa Celestino I, que rejeitou a doutrina de Nestório num
sínodo de 430. Deu ordem a S. Cirilo para que intimasse Nestório a
retirar suas teorias no prazo de dez dias, sob pena de exílio; Cirilo
enviou ao patriarca de Constantinopla uma lista de 12 anatematismos
que condenavam o nestorianismo. Nestório não se quis dobrar, de

16
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

mais a mais que podia contar com o apoio do imperador; além do


mais, tinha muitos seguidores na Escola Antioquena, entre os quais o
próprio bispo João de Antioquia.

Em 431, o Imperador Teodósio II, instado por Nestório, convocou


para Éfeso o terceiro Concílio Ecumênico a fim de solucionar a
questão discutida. S. Cirilo, como representante do Papa Celestino
I, abriu a assembleia diante de 153 bispos. Logo na primeira sessão
foram apresentados os argumentos da literatura antiga favoráveis
ao título Theotókos, que acabou sendo solenemente proclamado;
daí se seguia que em Jesus havia uma só pessoa (a Divina); Maria
se tornara Mãe de Deus pelo fato de que Deus quisera assumir a
natureza humana no seu seio. Quatro dias após esta sessão, isto é,
a 26/06/431, chegou a Éfeso o patriarca Jogo de Antioquia, com 43
bispos seus seguidores, todos favoráveis a Nestório; não quiseram
unir-se ao concílio presidido por S. Cirilo, representante do papa; por
isto formaram um conciliábulo, o qual depôs Cirilo.

O imperador acompanhava tudo de perto e sentia-se indeciso.


S. Cirilo então mobilizou todos os seus recursos para mover Teodósio
II em favor da reta doutrina; nisto foi ajudado por Pulquéria, piedosa
e influente irmã mais velha do imperador. Este finalmente apoiou a
sentença de Cirilo e exilou Nestório. Todavia os antioquenos não se
renderam de imediato; acusavam Cirilo de arianismo a apolinarismo.
Após dois anos de litígio, em 433 puseram-se de acordo sobre uma
fórmula de fé que professava um só Cristo e Maria como Theotókos.
O nestorianismo, porém, não se extinguiu. Os seus adeptos,
expulsos do Império Bizantino, foram procurar refúgio na Pérsia,
onde fundaram a Igreja Nestoriana.

Esta teve notável expansão até a China e a Índia Meridional;


mas do século XIV em diante foi definhando por causa das incursões
dos mongóis; em grande parte, os nestorianos voltaram à comunhão
da Igreja Universal (são hoje os cristãos caldeus e os cristãos de São
Tomé). Em nossos dias, muitos estudiosos têm procurado reabilitar a
pessoa e a obra de Nestório, que parece ser autor de uma apologia
intitulada “Tratado de Heraclides de Damasco”: pode-se crer que
tenha tido reta intenção, mas certamente sustentou posições
errôneas por se ter apegado demasiadamente à Escola Antioquena.

Fonte: Disponível em: <http://www.clerus.org/clerus/dati/2009-01/02-13/


As_Heresias_Cristologicas_e_Trinitarias.html>. Acesso em: 28 ago. 2017.

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HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

A outra heresia foi o monofisismo, que defendia, na prática, a existência em


Cristo de uma só natureza, a divina; o Concílio de Calcedônia em 451 condenou
o monofisismo e afirmou que em Cristo há duas naturezas, a divina e a humana,
unidas na pessoa do Verbo. Dos monofisitas derivam as igrejas coptas, siro-
ocidentais, armênias e da Etiópia, separadas da Igreja Católica (FRÖLICH, 1987).

O monofisismo seria a luta contra o nestorianismo, que admitia


em Jesus duas naturezas e duas pessoas, deu ocasião ao surto
do extremo oposto, que é o monofisismo ou monofisitismo (“em
Jesus há uma só natureza e uma só pessoa: a divina”). O primeiro
arauto desta tese foi Eutiques, arquimandrita de Constantinopla:
reconhecia que Jesus constava originariamente da natureza divina e
da humana, mas afirmava que a natureza divina absorveu a humana,
divinizando-a; após a Encarnação, só se poderia falar de uma
natureza em Jesus: a divina.

Esta doutrina tornou-se a heresia mais popular e mais


poderosa da antiguidade, pois, para os orientais, a divinização
da humanidade em Cristo era o modelo do que deve acontecer
com cada cristão. Eutiques foi condenado como herege no Sínodo
de Constantinopla em 448, sob o patriarca Flaviano. Todavia não
cedeu e reclamou contra uma pretensa injustiça, pois tencionava
combater o nestorianismo. Conseguiu assim ganhar os favores da
corte. Solicitado pelo patriarca Dióscoro de Alexandria, o imperador
Teodósio II convocou em 449 novo Concílio Ecumênico para Éfeso,
confiando a presidência do mesmo a Dióscoro, que era partidário
de Eutiques. Dióscoro, tendo aberto o concílio, negou a presidência
aos legados papais; não permitiu que fosse lida a Carta do Papa S.
Leão Magno, que propunha a reta doutrina: as duas naturezas em
Cristo não se misturam nem confundem, mas cada qual exerce a
sua atividade própria em comunhão com a outra; assim, Cristo teve
realmente fome, sede e cansaço, como homem, e pôde ressuscitar
mortos como Deus. Esse Concílio de Éfeso proclamou a ortodoxia
de Eutiques; depôs Flaviano, patriarca de Constantinopla, e outros
bispos contrários à tese monofisita. Todavia os seus decretos foram
de curta duração. Os bispos de diversas regiões o repudiaram como
ilegítimo ou, segundo a expressão do Papa São Leão Magno, como
“latrocínio de Éfeso”; pediam novo concílio, que de fato foi convocado
após a morte de Teodósio II pela imperatriz Pulquéria (irmã de
Teodósio) e pelo general Marcião, que em 450 foi feito imperador e
se casou com Pulquéria.

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Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

O novo concílio, desta vez legítimo, reuniu-se em Caledônia,


diante de Constantinopla, em 451; foi o mais concorrido da
Antiguidade, pois dele participaram mais de 600 membros, entre
os quais três legados papais. A assembleia rejeitou o “latrocínio de
Éfeso”; depôs Dióscoro e aclamou solenemente a Epístola Dogmática
do Papa São Leão a Flaviano; esta serviu de base a uma confissão
de fé, que rejeitava os extremos do nestorianismo e do monofisismo,
propondo em Cristo uma só pessoa e duas naturezas: “Ensinamos
e professamos um Único e idêntico Cristo... em duas naturezas, não
confusas e não transformadas, não divididas, não separadas, pois
a união das naturezas não suprimiu as diferenças; antes, cada uma
das naturezas conservou as suas propriedades e se uniu com a outra
numa Única pessoa e numa Única hipóstase”.

Assim terminou a fase principal das disputas cristológicas: em


Cristo não há duas naturezas e duas pessoas, pois isto destruiria a
realidade da Encarnação e da obra redentora de Cristo; mas também
não há uma só natureza e uma só pessoa, pois Cristo agiu como
verdadeiro homem, sujeito à dor e à morte para transfigurar estas
nossas realidades. Havia, pois, uma só pessoa (um só eu) divina,
que, além de dispor da natureza divina desde toda a eternidade,
assumiu a natureza humana no seio de Maria Virgem e viveu na Terra
agindo ora como Deus, ora como homem, mas sempre e somente
com o seu eu divino.

O encerramento do Concílio de Calcedônia não significou


a extinção do monofisismo. Além da atração que esta doutrina
exercia sobre os fiéis (especialmente os monges), propondo-lhes
a humanidade divinizada de Cristo como modelo, motivos políticos
explicam essa persistência da heresia; com efeito, na Síria e no Egito
certos cristãos viam no monofisismo a expressão de suas tendências
nacionalistas, opostas ao helenismo e à dominação bizantina. Por
isto os monofisitas continuaram a lutar contra o imperador, que havia
exilado Dióscoro e Eutiques e ameaçado de punição os adeptos
destes: ocuparam sedes episcopais; inclusive a de Jerusalém (ao
menos temporariamente).

No século VII a situação se agravou, pois os muçulmanos


ocuparam a Palestina, a Síria e o Egito, impedindo a ação de
Bizâncio em prol da ortodoxia nesses países. Em consequência, os
monofisitas foram constituindo igrejas nacionais: a armena, a síria,
a mesopotâmica, a egípcia e a etíope, que subsistem até hoje com

19
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

cerca de 10 milhões de fiéis. No Egito, os monofisitas tomaram o


nome de coptas, nome que guarda as três consoantes da palavra
grega Aigyptos (g ou k, p, t ); são os antigos egípcios. Os ortodoxos
se chamam melquitas (de Melek, imperador), pois guardam a doutrina
ortodoxa patrocinada pelo imperador em Calcedônia. Há coptas
que se uniram a Roma em 1742, enquanto os outros permanecem
monofisitas, mas professam quase o mesmo credo que os católicos.

Na Abissínia os monofisitas também são chamados coptas, pois


receberam forte influência do Egito. “Dentre os melquitas, grande
parte aderiu ao cisma bizantino, separando-se de Roma em 1054;
certos grupos, porém, estão hoje unidos à Igreja Universal. Na Síria
e nos países vizinhos, os monofisitas foram chamados jacobitas,
nome derivado de um dos seus primeiros chefes: Jacó Baradai (= o
homem da coberta de cavalo, alusão as suas vestes maltrapilhas).
Jacó, bispo de Edessa (541-578), trabalhou com zelo e êxito para
consolidar as comunidades monofisitas, às quais deu por cabeça o
patriarca Sérgio de Antioquia.

Fonte: Disponível em: <http://www.clerus.org/clerus/dati/2009-01/02-13/


As_Heresias_Cristologicas_e_Trinitarias.html>. Acesso em: 28 ago. 2017.

Pioppi (2012) nos apresenta que nos primeiros séculos da história do


cristianismo assiste-se a um grande florescimento da literatura cristã, homilética,
teológica e espiritual: são as obras dos padres da igreja, de grande importância na
reconstrução da tradição; os mais relevantes foram Santo Ireneu de Leão, Santo
Hilário de Poitiers, Santo Ambrósio de Milão, São Jerônimo e Santo Agostinho,
no Ocidente; Santo Atanásio, São Basílio, São Gregório Nacianceno, São
Gregório de Nissa, São João Crisóstomo, São Cirilo de Alexandria e São Cirilo de
Jerusalém, no Oriente.

Paulo não foi o único missionário trabalhando fora da Palestina. A história


nos apresenta que os primeiros agentes da expansão missionária provavelmente
foram os convertidos do dia de Pentecostes (At: 2:9-11), que levaram o evangelho
consigo quando voltaram para casa.

Os outros missionários foram aqueles que foram espalhados por toda parte
na perseguição que se seguiu ao martírio de Estevão (At: 8:4). Estes foram
pregando na Fenícia, no Chipre e na Antioquia, mas sempre aos helenistas.
Um dos convertidos de Chipre e de Cirene (Líbia) pregou aos helenos (gregos)
em Antioquia.

20
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

A EXPANSÃO DO CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO

Expansão no Império Romano Leste: na Fenícia a fé logo cedo


parece ter sido mais forte do que na própria Palestina. Entretanto é
provável que aqui, como em quase todo o império, o cristianismo era
um fenômeno urbano, desenvolvendo-se especialmente nas cidades
costeiras. Tiro possuía uma igreja muito forte.

Na Síria se desenvolveram duas comunidades cristãs: a de


fala grega, que teve seu início em Antioquia e que se expandiu
nas cidades comerciais de língua grega na Síria. Embora a igreja
de Antioquia possa ter sido bilíngue desde cedo, a comunidade de
fala siríaca teve seu núcleo principal ao Leste na cidade de Edessa.
A força da igreja na Síria pode ser constatada pela presença de 20
bispos seus no Concílio de Niceia em 325.

Na Ásia Menor, área de trabalho de pelo menos dois apóstolos,


Paulo e João, o cristianismo tinha sido adotado mais largamente do
que qualquer outra região grande do império até o fim do III século.
Seu crescimento maior parece ter sido nas cidades onde a cultura
local estava desintegrando-se diante do impacto da cultura que
chegava, a greco-romana.

Nas cidades helênicas era menor, e nas cidades onde a


educação helenista era desconhecida, era quase inexistente. A carta
de Plínio ao imperador Trajano na segunda década do II século
atesta a larga expansão do cristianismo nas cidades e até no quadro
rural de Bitínia.

Expansão no Império Romano Africano: quanto ao Egito, a


tradição faz de Marcos o missionário que lá plantou o evangelho.
Sabemos que Apolo era de Alexandria, mas não sabemos se
converteu-se lá ou se voltou para lá após sua conversão. Até o fim
do segundo século a igreja já estava forte. Já incluía várias linhas
teológicas, das quais uma das mais fortes foi o gnosticismo.

Em Alexandria se desenvolveu muito cedo a famosa Escola


Catequética em que teve entre seus professores Clemente e
Orígenes. Já neste período, traduções de porções das Escrituras
foram feitas em línguas indígenas, dando condições para o
desenvolvimento da Igreja Copta.

21
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Na costa do Norte da África o cristianismo se alastrou cedo,


especialmente nas regiões da Líbia, Tunísia e Algéria. O progresso do
cristianismo nesta região parece ter sido muito rápido, especialmente
no século III. É de aqui que surgiu Tertuliano, Cipriano e, mais tarde,
Agostinho. A igreja parece ter sido mais forte nas cidades e entre a
população que falava latim.

Expansão no Império Romano Europeu: na Itália, o evangelho


chegou a Roma antes de Paulo, mas talvez não muito antes da
agitação que resultou na expulsão dos judeus sob Cláudio (41-54)
por causa dum certo Chrestus. Cf. At: 18:1-3. Até 250 a igreja em
Roma cresceu sobremaneira. Uns calculam 30.000 membros; outros
acham que foram muitos mais. Até meados do século III na Itália
havia cerca de 100 bispos.

Com a expansão rápida do cristianismo que ocorreu nas últimas


décadas daquele século, calcula-se que quase toda a cidade no Centro-
Sul e na Sicília tinham um núcleo de cristãos. A penetração do Norte da
Itália foi bem mais lenta e veio da Dalmácia e regiões ao Leste.

A Espanha, embora romanizada antes da África, foi muito mais


lenta em receber o Evangelho. Cedo, no III século, o cristianismo
parece firmemente estabelecido no Sul, nas cidades costeiras.

O avanço do cristianismo ao Leste além dos limites do


Império Romano: a tradição indica que Tomé foi aos Partos e à
Índia; Mateus à Etiópia; Bartolomeu à Índia e André aos Citos.

Edessa estava localizada nas grandes rotas comerciais que


corriam entre as montanhas da Armênia, ao Norte, e os desertos da
Síria, ao Sul. Até o fim do II século estava fora do Império Romano
e dentro da esfera da influência dos Partos. A sucessão de bispos
remonta a fins do II século. Embora centro de cultura grega, o
cristianismo de Edessa era siríaco.

No início do III século, poucas cidades continham mais crentes que


Edessa. Até o fim do século parece que ela estava predominantemente
cristã. Edessa parece ter sido o ponto donde o evangelho penetrou
mais na Mesopotâmia e até aos limites da Pérsia.

As antigas religiões da Babilônia e da Assíria estavam em


desintegração e não ofereceram muita oposição ao cristianismo. A
oposição surgiu principalmente do zoroastrismo, que mais tarde se

22
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

tornou a religião do estado persa (meados do III século). Os primeiros


convertidos aparecem cerca de 100 a.D. Até o fim do primeiro quartel
do III século havia mais de 20 dioceses na Mesopotâmia.

No Leste, o cristianismo não só não teve os mesmos êxitos


que conseguiu no império, como também eventualmente quase
desapareceu. Isto possivelmente se deva a três razões: a política
religiosa dos Sassanidas (dinastia persa) que favoreceu o
zoroastrismo; a forte hierarquia deste com o apoio da monarquia
levantou uma forte resistência ao cristianismo. Também o próprio
êxito do cristianismo no império, após sua adoção por Constantino, o
tornou a religião do inimigo principal dos persas; e por último, a forma
herética com que o cristianismo foi pregado.

Fonte: FRÖLICH, Roland. Curso básico de história da


Igreja. 4. ed. São Paulo: Paulus, 1987.

O Cristianismo Primitivo
A denominação ‘cristianismo primitivo’ compreende o período que A denominação
se estende da morte de Jesus em 33 a.D. até a chamada “conversão ‘cristianismo
de Constantino” (306-337), ocorrida ao que parece no ano de 337 primitivo’
d.C. Este período pode ser dividido em três fases: a) a primeira fase compreende o
está situada entre a época da vida de Jesus até o ano 100, data em período que se
estende da morte
que a maioria dos contemporâneos de Jesus já havia falecido; b)
de Jesus em 33
a segunda fase vai do ano 100 ao ano de 250, no momento em que a.D. até a chamada
o cristianismo se propagava fora da Palestina, principalmente nas “conversão de
províncias romanas mais antigas (Síria, Ásia Menor, Egito e, é claro, Constantino” (306-
pela Itália, especialmente em Roma), sem, no entanto, constituir uma 337), ocorrida ao
religião universal; e c) o terceiro momento abrange a época em que que parece no ano
de 337 d.C.
o cristianismo foi mais intensamente perseguido pelo estado romano
(entre 250 e 311) até sua aceitação como religião do estado imperial
romano a partir de 391 (FRÖLICH, 1987).

A primeira fase é marcada por uma série de disputas doutrinais, a começar


pelos apóstolos companheiros de Jesus (em especial, Paulo e Pedro); disputas
essas menos em razão da condução das comunidades do que em razão da linha
de interpretação da ‘palavra’ adotada; tratava-se, pois, de responder às questões
fundamentais, tais como as contribuições do judaísmo ao advento do cristianismo

23
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

e a subsequente transmissão da ‘boa nova’ para fora das fronteiras do mundo


judeu. Ainda nessa época, a comunidade primitiva cristã entra em conflito direto
com a autoridade judaica hierosolimita, e grande parte dos judeus passou a se
distanciar do cristianismo, recusando-o e acusando-o de ser uma seita.

Na segunda fase, as diferentes comunidades passam a estabelecer normas


gerais, buscando um entendimento comum sobre as normas e os direitos das
mesmas; aparece com mais firmeza o credo em uma ‘Lei’ universal que deve
ser observada em todo o cosmos, e em um Deus que representa o princípio
da justiça e do amor para todos os homens; além disso, as comunidades então
estabelecidas passaram a praticar o ideal do “amor ao próximo”.

Não obstante, as disputas do primeiro período causaram as primeiras crises


internas, produzindo movimentos intelectuais considerados divergentes da doutrina
oficial (Gnosticismo, Marcionismo e Montanismo) e compelindo os seguidores
cristãos ao reconhecimento e acolhimento em nível institucional de uma única nova
fé (regula fidei). No bojo dessas transformações, a igreja constituiu sua hierarquia,
baseada em especial na sucessão episcopal (PIOPPI, 2012).

Na terceira fase, principalmente a partir do século IV, o cânon dos escritos


cristãos é mais firmemente estabelecido, isto é, desde então dá-se especial relevo
às questões sobre quais escritos deveriam fazer ou não parte do corpus bíblico,
quais seriam ou não considerados heréticos, como se constituiria o culto e quais
seriam seus verdadeiros crentes.

Além dessas divisões no tempo e no modo de agir, o cristianismo primitivo


deve ser também distintamente considerado do ponto de vista geopolítico, isto é,
devemos levar em conta a formação de duas comunidades diferentes em relação
ao poder central romano: a primeira com seu berço na Palestina e posteriormente
na Síria e no Egito, e a segunda em sua igreja em Roma.

Ao que consta, a comunidade primitiva cristã em Roma parece ter nascido


sob o signo da perseguição e da oposição ao império, enquanto na Palestina
tratava-se de uma luta fundamentalmente entre cristãos e judeus. Essa divisão
marcou profundamente toda a trajetória da igreja nos primeiros tempos, norteando
sua composição política, social e cultural, dividida entre o mundo greco-romano e
a herança vétero-testamentária judaica (PIOPPI, 2012).

24
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

Um Período Sombrio: as Perseguições


O último período do primeiro século, que vai do ano 60 ao 100 d.C.,
denominamos de “Período Sombrio", em razão das perseguições que ocorriam
sobre a Igreja Cristã.

O cristianismo considerava todos os homens iguais. Não havia distinção


entre seus membros, nem em suas reuniões, por isso foram considerados como
"niveladores da sociedade", portanto anarquistas, perturbadores da ordem social. O
paganismo, em suas práticas, aceitava as novas formas e objetos de adoração que
iam surgindo, enquanto o cristianismo rejeitava qualquer forma ou objeto de adoração.

As reuniões secretas dos cristãos despertaram suspeitas de praticarem atos


imorais e criminosos, durante a celebração da Santa Ceia, eram vetada a entrada dos
estranhos, a adoração aos ídolos estava entrelaçada com todos os aspectos da vida.

Nero chegou ao poder em 54, todos os que se opunham a sua vontade, ou


morriam ou recebiam ordens de se suicidar. Assim estavam as coisas quando em
64 a.D. aconteceu o incêndio em Roma.

Diz-se que foi Nero quem ateou fogo à cidade, contudo essa acusação ainda
é discutível. Entretanto, a opinião pública responsabilizou Nero por esse crime. A
fim de escapar dessa responsabilidade, Nero apontou os cristãos como culpados
do incêndio de Roma, e moveu contra eles tremenda perseguição.

O fogo durou seis dias e sete noites e depois voltou a se acender em diversos
lugares por mais três dias. Milhares de cristãos foram torturados e mortos, muitos
serviram de iluminação para a cidade, amarrados em postes e sendo-lhes ateado
fogo, muitos foram vestidos com peles de animais e jogados para os cães.

Nesta época morreram: Pedro, que foi crucificado em 67; Paulo, que foi
decapitado em 68, e Tiago, que foi apedrejado depois de ser jogado do alto do
templo. Além de serem torturados e mortos, serviram de diversão para o povo,
promovendo a velha política da Antiguidade, “pão e circo”.

25
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

No ano 81, Domiciano sucedeu ao imperador Tito, que invadira e destruíra


Jerusalém no ano 70. Com a destruição de Jerusalém, Domiciano ordenou que
todos os judeus deviam enviar a Roma as ofertas anuais, que eram enviadas a
Jerusalém; estes, por sua vez, não obedeceram, o que desencadeou a segunda
perseguição, não somente aos judeus, mas também aos cristãos.

Durante esses dias, milhares de cristãos foram mortos, especialmente em


Roma e em toda a Itália. Nesta época, o apóstolo João, que vivia em Éfeso, foi
preso e exilado na ilha de Patmos, foi quando recebeu a revelação do Apocalipse.

No início do segundo século, os cristãos já estavam radicados em quase todas


as nações, e alguns creem que a comunidade cristã se estendia até a Espanha e
Inglaterra. O número de membros da comunidade cristã subia a muitos milhões.
A famosa Carta de Plínio (governador da Bitínia – hoje Turquia) ao imperador
Trajano declara que os templos dos deuses estavam quase abandonados,
enquanto os cristãos em toda parte formavam uma multidão, e pertenciam a todas
as classes, desde a dos nobres até a dos escravos (PIOPPI, 2012).

Figura 2 – Perseguições aos cristãos: crucificações,


apedrejamentos, enforcamentos

Fonte: Disponível em: <https://pastormarcelosantos.wordpress.com/2011/08/09/


as-perseguicoes-ao-cristianismo-primitivo/>. Acesso em: 24 nov. 2017.

O fato de maior destaque na História da Igreja neste período foram,


sem dúvida, as perseguições realizadas pelos imperadores romanos. Estas
perseguições duraram até o ano 313 d. C., quando Constantino, o primeiro
imperador romano "cristão", fez cessar todos os propósitos de destruir a igreja
(PIOPPI, 2012). Os principais mártires desse Período Sombrio são:

26
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

• Inácio: provável discípulo de João, bispo em Antioquia, foi condenado


no ano 107 d.C. por não adorar a outros deuses. Foi morto como mártir,
lançado para as feras no anfiteatro romano, no ano 108 ou 110, enquanto
o povo festejava. Ele estava disposto a ser martirizado, pois durante a
viagem para Roma escreveu cartas às igrejas manifestando o desejo de
não perder a honra de morrer por seu Senhor.
• Policarpo: bispo em Esmirna, na Ásia Menor, morreu no ano 155. Ao ser
levado perante o governador, e instado para abandonar a fé e negar o
nome de Jesus, assim respondeu: "Oitenta e seis anos o servi, e somente
bens recebi durante todo o tempo, como poderia eu agora negar ao meu
Salvador?” Policarpo foi queimado vivo.
• Justino Mártir: era um dos homens mais competentes de seu tempo,
e um dos principais defensores da fé. Seus livros, que ainda existem,
oferecem valiosas informações acerca da vida da igreja nos meados do
segundo século. Seu martírio deu-se em Roma, no ano 166.

Entretanto, esse período de perseguições, denominado de sombrio, trouxe


outros efeitos para a Igreja Cristã, que foram por sinal extremamente positivos e
relevantes para a sua estrutura interna:

• As perseguições produziram uma igreja pura, pois conservava afastados


todos aqueles que não eram sinceros em sua confissão de fé.
• A igreja multiplicava-se. Apesar das perseguições ou talvez por causa
delas, a igreja crescia com rapidez assombrosa.
• Os escritos do Novo Testamento foram terminados, embora a formação
do Novo Testamento com os livros que o compõem, como cânon, não
foi imediata. Algumas igrejas aceitavam somente alguns livros como
inspirados, e outras igrejas, livros diferentes.
• O crescimento e a expansão da igreja foram consequência da
organização e da disciplina. A perseguição aproximou as igrejas e
exerceu influência para que elas se unissem e se organizassem.
• O desenvolvimento da doutrina. Na era apostólica a fé era do coração,
uma entrega pessoal à vontade de Cristo. Entretanto, no período que
agora focalizamos, a fé gradativamente passara a ser mental, era uma
fé do intelecto, fé que acreditava em um sistema rigoroso e inflexível de
doutrinas.

Nesta época surgiram três escolas teológicas. Uma em Alexandria, outra


na Ásia Menor e outra na África. Os maiores vultos da história do cristianismo
passaram por essas escolas: Orígenes, Tertulianao e Cipriano (PIOPPI, 2012).

27
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Os Concílios
Antes de adentrarmos nos concílios da Igreja Cristã da Antiguidade
propriamente, entendemos que se faz necessária uma rápida conceituação do
que vem a ser um concílio em primeiro momento, bem com apresentar quantos
concílios tivemos ao longo da história da Igreja Cristã.

Um Concílio Geral consiste numa reunião formal de representantes


Um Concílio Geral
consiste numa da igreja, junto ao papa, para tomar decisões dogmáticas e pastorais
reunião formal de que possam ajudar no crescimento da igreja, na eliminação dos erros e
representantes na difusão das verdades da fé.
da igreja, junto
ao papa, para Ao longo de dois mil anos de existência, a Igreja Cristã reconhece
tomar decisões
21 Concílios Gerais e ainda acrescenta o chamado “Concílio de
dogmáticas e
pastorais. Jerusalém”, reunião narrada nos Atos dos Apóstolos (At 15,1-40), como
parte da tradição da igreja e dos seus ensinamentos.

Pedagogicamente, podemos dividir esses 21 Concílios Gerais da igreja


em quatro períodos. Os concílios ficaram conhecidos pelos nomes das cidades
onde o papa, bispos e outros representantes da igreja se reuniam para discutir os
assuntos de fé e doutrina (ALBERIGO, 1997).

OS PRINCIPAIS CONCÍLIOS

Concílios do Primeiro Milênio:


• Niceia I (325)
• Constantinopla I (381)
• Éfeso (431)
• Calcedônia (451)
• Constantinopla II (553)
• Constantinopla III (680-681)
• Niceia II (787)
• Constantinopla IV (869-870

Concílios Medievais:
• Latrão I (1123)
• Latrão II (1139)
• Latrão III (1179)
• Latrão IV (1215)

28
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

• Lyon I (1245)
• Lyon II (1274)
• Vienne (1311-1312)

Concílios da Reforma:
• Constança (1414-1418)
• Basileia-Ferrara-Florença-Roma (1431-1445)
• Latrão V (1512-1517)
• Trento (1545-1548/1551-1552/1562-1563)

Concílios da Idade Moderna:


• Vaticano I (1869-1870)
• Vaticano II (1962-1965)

Fonte: Disponível em: <http://www.a12.com/redacaoa12/igreja/historia-


dos-concilios-gerais-da-igreja>. Acesso em: 24 nov. 2017.

Na sequência, vamos apresentar os três maiores concílios que ocorreram na


Igreja Cristã durante a Antiguidade.

O Concílio de Niceia I
Considerado como o primeiro dos três concílios fundadores da Igreja
Católica, o Concílio de Niceia I foi a primeira conferência de bispos ecumênica da
Igreja cristã, foi realizado de 20 de maio de 325 a 19 de junho de 325, em Niceia
(hoje İznik), cidade da Anatólia (hoje parte da Turquia).

Foi convocado pelo imperador Constantino e abordou questões levantadas


sobre a natureza ariana de Jesus Cristo: se uma pessoa com duas naturezas
(humana e divina), como zelava até então a ortodoxia, ou uma pessoa com
apenas a natureza humana (ALBERIGO, 1997).

29
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Figura 3 – Ícone retratando o Concílio de Niceia I

Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?q=Ícone+retratando+o+Primeiro+Concílio+de+Nicéia>.
Acesso em: 24 nov. 2017.

O Concílio de Niceia I reuniu 318 bispos por um período de dois meses para
resolver as diferenças entre Alexandre e Ário. Bispos de todas as províncias
foram chamados ao primeiro concílio ecumênico em Niceia: um lugar facilmente
acessível à maioria dos bispos, especialmente aos da Ásia, Síria, Palestina, Egito,
Grécia, Trácia e Egrisi.

A religião cristã nesses tempos era majoritária unicamente no Oriente. No


Ocidente era ainda minoritária. Portanto, os bispos orientais estavam em maioria;
na primeira linha de influência hierárquica estavam três arcebispos: Alexandre de
Alexandria, Eustáquio de Antioquia, e Macário de Jerusalém, bem como Eusébio
de Nicomédia e Eusébio de Cesareia. Entre os bispos encontravam-se Stratofilus,
bispo de Pitiunt (Bichvinta, reino de Egrisi). O Ocidente enviou não mais de cinco
representantes na proporção relativa das províncias: Marcus de Calábria de Itália,
Cecilian de Cartago de África, Osio de Córdoba (Espanha), Nicasius de Dijon, na
França, e Domnus de Stridon da província do Danúbio.

O papa em exercício na época, Silvestre I, não compareceu ao concílio. A


causa de seu não comparecimento é motivo de discussões: uns falam que recusou
o convite do imperador esperando que sua ausência representasse um protesto
contra a convocação do sínodo pelo imperador; outros dizem que Silvestre já
era ancião e estava impossibilitado, portanto, de comparecer. Silvestre já fora
informado da condenação de Ário ocorrida no Sínodo de Alexandria (320 a 321) e
para o Concílio de Niceia enviou dois representantes, Vito e Vicente (presbíteros
romanos) (ALBERIGO, 1997). Os pontos discutidos no sínodo eram:

30
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

• A celebração da Páscoa;
• A questão ariana;
• O cisma de Milécio;
• O batismo de heréticos;
• O estatuto dos prisioneiros na perseguição de Licínio;
• Estabelecimento da ordem de dignidade dos Patriarcados: Roma,
Alexandria, Antioquia, Jerusalém.

Foi no Concílio de Niceia I que se decidiu então resolver a questão, A páscoa dos
estabelecendo que a Páscoa dos cristãos seria sempre celebrada no cristãos seria
sempre celebrada
domingo seguinte ao plenilúnio após o equinócio da primavera. Apesar
no domingo seguinte
de todo esse esforço, as diferenças de calendário entre Ocidente e ao plenilúnio após
Oriente fizeram com que esta vontade de festejar a Páscoa em toda a o equinócio da
parte no mesmo dia continuasse até os dias de hoje. primavera.

Segundo Ário, presbítero de Alexandria, somente Deus Pai seria eterno


não gerado. O Logos, o Cristo preexistente, seria mera criatura. Criado a partir
do nada, nem sempre existiria. O Cristo existiria num tempo anterior a nossa
existência temporal, mas não era eterno.

Por outro lado, estavam Alexandre e o jovem Atanásio, que afirmava que
o Logos era eterno e era o próprio Deus que apareceu em Jesus. Deus é Pai
apenas porque é o Pai do Filho. Assim o Filho não teria tido começo e o Pai
estaria com o Filho eternamente. Portanto, o Filho seria o filho eterno do Pai, e o
Pai, o Pai eterno do Filho.

A cristologia de Ário foi rejeitada pelo Concílio de Niceia, afirmando que a


igreja acreditava em: "um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus; gerado do Pai,
unigênito da essência do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de
verdadeiro Deus, gerado não criado consubstancial com o Pai, por quem todas
as coisas foram feitas no céu e na terra; o qual, por nós homens e pela nossa
salvação desceu do céu e encarnou e foi feito homem", "todos os que dizem que
houve um tempo em que ele não existiu, ou que não existiu antes de ser feito, e
que foi feito do nada ou de alguma outra substância ou coisa, ou que o Filho de
Deus é criado ou mutável, ou alterável, são condenados pela Igreja Católica".

31
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

OS CÂNONES DO CONCÍLIO DE NICEIA

O Concílio de Niceia I estabeleceu 20 cânones, os quais darão


sequência ao Credo:

• Cânon I - Eunucos podem ser recebidos entre os clérigos,


mas não serão aceitos aqueles que se castram.
• Cânon II - Referente a não promoção imediata ao presbiterato
daqueles que provieram do paganismo.
• Cânon III - Nenhum deles deverá ter uma mulher em sua
causa, exceto sua mãe, irmã e pessoas totalmente acima de
suspeita.
• Cânon IV - Relativo à escolha dos bispos.
• Cânon V - Relativo à excomunhão.
• Cânon VI – Relativo aos patriarcas e sua jurisdição.
• Cânon VII - O bispo de Jerusalém seja honorificado,
preservando-se intactos os direitos da Metrópole.
• Cânon VIII - Refere-se aos novacianos.
• Cânon IX - Quem quer que for ordenado sem exame deverá
ser deposto, se depois vier a ser descoberto que foi culpado
de crime.
• Cânon X - Alguém que apostatou deve ser deposto, tivessem
ou não consciência de sua culpa os que o ordenaram.
• Cânon XI – Penitência que deve ser imposta aos apóstatas
na perseguição de Licínio.
• Cânon XII - Penitência que deve ser feita àqueles que
apoiaram Licínio na sua guerra contra os cristãos.
• Cânon XIII - Indulgência que deve ser dada aos moribundos.
• Cânon XIV – Penitência que deve ser imposta aos
catecúmenos que caíram em apostasia.
• Cânon XV - Bispos, presbíteros e diáconos não se transferirão
de cidade para cidade, mas deverão ser reconduzidos, se
tentarem fazê-lo, para a igreja para a qual foram ordenados.
• Cânon XVI - Os presbíteros ou diáconos que desertarem de
sua própria igreja não devem ser admitidos em outra, mas
devem ser devolvidos a sua própria diocese. A ordenação deve
ser cancelada se algum bispo ordenar alguém que pertence à
outra igreja, sem consentimento do bispo dessa igreja.
• Cânon XVII - Se alguém do clero praticar usura deve ser
excluído e deposto.

32
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

• Cânon XVIII - Os diáconos devem permanecer dentro de


suas atribuições. Não devem administrar a Eucaristia a
presbíteros, nem tomá-la antes deles, nem sentar-se entre
os presbíteros, pois que tudo isso é contrário ao cânon e à
correta ordem.
• Cânon XIX – As regras a se seguir a respeito dos partidários
de Paulo de Samósata que desejam retornar à igreja.
• Cânon XX - Nos dias do Senhor [refere-se aos domingos] e
de Pentecostes, todos devem rezar de pé e não ajoelhados.

Fonte: Disponível em: <http://www.ibconcordia.org/documentos/220413-Primeiro%20


Conc%C3%ADlio%20de%20Nic%C3%A9ia.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2017.

O Concílio de Constantinopla I
O Concílio de Constantinopla I ocorreu de maio a junho de 381 depois de
Cristo, durante o pontificado do Papa Dâmaso I (366-384), naquela época era
imperador Teodósio Magno.

O Segundo Concílio Ecumênico condenou o falso ensino dos


Este considerava o
denominados pneumatômacos (“adversários do espírito”), cujo Espírito Santo como
principal representante foi Macedônio, arcebispo de Constantinopla. um servo de Deus
Este considerava o Espírito Santo como um servo de Deus e cumpridor e cumpridor de sua
de Sua vontade, em algo próximo de como se considera os anjos. Daí vontade, em algo
que esta heresia não reconhecia o Espírito Santo como uma hipóstase próximo de como se
considera os anjos.
(pessoa) da Santíssima Trindade. A Santa Igreja exerceu posição firme
Daí que esta heresia
para proteger a pureza da doutrina e fé ortodoxa, estabelecendo as não reconhecia,
verdades básicas da doutrina cristã preservadas no Credo, que é um hipóstase.
guia constante para todos os cristãos ortodoxos em sua vida espiritual.

A doutrina da divindade do Espírito Santo e a condenação de Macedônio,


patriarca que era contra essa doutrina: “Cremos no Espírito Santo, Senhor e fonte
de vida, que procede do Pai, que é adorado e glorificado com o Pai e o Filho e
que falou pelos profetas”. “Com o Pai e o Filho ele recebe a mesma adoração e a
mesma glória”.

A sede de Constantinopla, ou Bizâncio “segunda Roma”, recebeu uma


preeminência sobre as sedes de Jerusalém, Alexandria e Antioquia. Desses
dois concílios anteriores surge o símbolo (Creio – Profissão de Fé) niceno-

33
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

constantinopolitano. O símbolo denominado niceno-constantinopolitano tem sua


grande autoridade no fato de ter resultado dos dois primeiros concílios ecumênicos
(325 e 381). Ainda hoje ele é comum a todas as grandes igrejas do Oriente e do
Ocidente (CIC§ 195) (ALBERIGO, 1997).

O Credo Niceno- O Credo Niceno-Constantinopolitano ou Símbolo Niceno-


Constantinopolitano Constantinopolitano é uma declaração de fé cristã que é aceita pela
ou Símbolo Niceno- Igreja Católica e pela Igreja Ortodoxa. O nome está relacionado com o
Constantinopolitano Primeiro Concílio de Niceia (325), no qual foi adotado, e com o Primeiro
é uma declaração
Concílio de Constantinopla (381), onde foi aceita uma versão revista.
de fé cristã que é
aceita pela Igreja Por esse motivo, ele pode ser referido especificamente como o Credo
Católica e pela Niceno-Constantinopolitano para o distinguir tanto da versão de 325
Igreja Ortodoxa. como de versões posteriores que incluem a cláusula filioque.

Houve vários outros credos elaborados em reação a doutrinas que


apareceram posteriormente como heresias, mas este, na sua revisão de 381,
foi o último em que as comunhões católica e ortodoxa conseguiram concordar
em todos os pontos. O Credo está dividido em 12 partes, das quais sete foram
formuladas no Primeiro Concílio Ecumênico, e as outras cinco no Segundo.

CREDO

Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,


Criador do céu e da terra,
de todas as coisas visíveis e invisíveis.
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho Unigênito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, luz da luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado não criado,
consubstancial ao Pai.
Por Ele todas as coisas foram feitas.
E, por nós, homens, e para a nossa salvação,
desceu dos céus:
e encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria,
e se fez homem.
Também por nós foi crucificado
sob Pôncio Pilatos;

34
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

padeceu e foi sepultado.


Ressuscitou ao terceiro dia,
conforme as escrituras;
E subiu aos céus,
onde está sentado à direita do Pai.
E de novo há de vir, em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos;
e o seu reino não terá fim.
Creio no Espírito Santo,
Senhor que dá a vida,
e procede do Pai;
e com o Pai e o Filho
é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos profetas.
Creio na Igreja una, santa,
católica e apostólica.
Professo um só batismo
para remissão dos pecados.
Espero a ressurreição dos mortos;
E a vida do mundo que há de vir.
Amém.

Fonte: Disponível em: <http://www.catolicoorante.com.br/


oracao.php?id=16>. Acesso em: 24 nov. 2017.

O Concílio de Calcedônia
O Concílio de Calcedônia inicia em 8 de outubro de 451 e termina em 1º de
novembro de 451, durante o pontificado do Papa Leão I, no império de Marciano.

35
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Figura 4 – El Concilio de Calcedonia

Fonte: Disponível em: <https://es.slideshare.net/RebecaReynaud/22-


conc-calcedonia-monofisismo-san-len>. Acesso em: 24 nov. 2017.

Definiu a cristologia O presente Concílio reafirma a cristologia do concílio anterior:


afirmando que Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único que devemos reconhecer
Jesus Cristo
em duas naturezas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão,
era: “perfeito em
divindade e perfeito sem separação. A diferença das naturezas não é de modo algum
em humanidade, suprimida pela sua união, mas antes as propriedades de cada uma são
verdadeiro Deus e salvaguardadas e reunidas em uma só pessoa (uma só hipóstase).
verdadeiro homem,
de alma racional e Definiu a cristologia afirmando que Jesus Cristo era: "perfeito em
corpo, da mesma
divindade e perfeito em humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro
substância com
o Pai segundo a homem, de alma racional e corpo, da mesma substância com o Pai
divindade; e da segundo a divindade; e da mesma substância conosco segundo a
mesma substância humanidade, semelhante a nós em todos os aspectos, sem pecado,
conosco segundo gerado do Pai antes de todos os tempos segundo a divindade".
a humanidade,
semelhante a
Em suma, reafirma a cristologia do concílio anterior: “na linha
nós em todos os
aspectos, sem dos santos padres, ensinamos unanimemente a confessar um só
pecado, gerado do e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em
Pai antes de todos divindade e perfeito em humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus
os tempos segundo e verdadeiramente homem, composto de uma alma racional e de um
a divindade”. corpo, consubstancial ao Pai, segundo a divindade, consubstancial a
nós segundo a humanidade, ‘semelhante a nós em tudo com exceção do pecado’
(Hb 4,15); gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nesses
últimos dias, para nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, Mãe de
Deus, segundo a humanidade”.

36
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

Entretanto, a questão do relacionamento entre o Filho e o Pai resolvida em


Niceia gerou novos questionamentos, agora em torno do relacionamento entre as
naturezas humana e divina de Cristo. Em geral, os teólogos ligados a Alexandria
salientaram a divindade de Cristo, enquanto que os relacionados a Antioquia, a
sua humanidade, às expensas de sua deidade (ALBERIGO, 1997).

A controvérsia se iniciou no ensino de Paulo de Samósata, bispo de Antioquia.


Este ensinava o que se chama de adocionismo ou monarquismo dinâmico. Jesus
era um homem "energizado" pelo Espírito no batismo e assim exaltado à dignidade
divina. Apolinário de Laodiceia foi o primeiro a negar formalmente que Jesus teve
uma alma racional. No seu lugar estava o divino Logos.
Também propôs
a condenação
O presente concílio também propôs a condenação da simonia, dos da simonia, dos
casamentos mistos e das ordenações absolutas (realizadas sem que o casamentos mistos
novo clérigo tivesse determinada função pastoral) (ALBERIGO, 1997). e das ordenações
absolutas.

Os Demais Concílios da Igreja Cristã


na Antiguidade
Segue um quadro com informações mais resumidas sobre os demais
concílios realizados no primeiro milênio:

Quadro 1 – Resumo sobre os demais concílios realizados no primeiro milênio


CONCÍLIO DECISÕES PRINCIPAIS
- Cristo é uma só Pessoa e duas naturezas;
CONCÍLIO DE ÉFESO
- Definição do dogma da maternidade divina de Maria, contra
Nestório, patriarca de Constantinopla, que foi deposto.
Data: 22/06 a 17/07 de 431 - Maria é THEOTOKOS, “Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus
Papa: Celestino I (422- tirou dela a sua natureza divina, mas porque é dela que Ele tem o
432) corpo sagrado dotado de uma alma racional, unido ao qual, na sua
pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne”.
Imperador: Teodósio, O
Jovem - Condenou o pelagianismo, que negava os efeitos do pecado origi-
nal.
- Condenação dos nestorianos (Teodoro de Mopsuéstia, Teodoro
CONCÍLIO DE CONSTAN- de Ciro e Ibas de Edessa). “Não há senão uma única hipóstase
TINOPLA II [ou pessoa], que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Um na Trindade...
Aquele que foi crucificado na carne, Nosso Senhor Jesus Cristo é
verdadeiro Deus, Senhor da glória e Um na Santíssima Trindade”.
“Toda a economia divina é obra comum das três pessoas divinas.
Data: 05/05 a 02/07 de 553
Pois da mesma forma que a Trindade não tem senão uma única e
Papa: Virgílio (537-555) mesma natureza, assim também não tem senão uma única e mesma
operação”. “Um Deus e Pai do qual são todas as coisas, um Senhor
Imperador: Justiniano Jesus Cristo para quem são todas as coisas, um Espírito Santo em
quem são todas as coisas”.

37
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

CONCÍLIO DE CONSTAN- - Condenação do monotelitismo, heresia defendida pelo patriarca


TINOPLA III Sérgio de Constantinopla, que ensinava haver só a vontade divina
em Cristo.

- Este concílio ensinou que Cristo possui duas vontades e duas op-
Data: 07/11 de 680 a 16/09 erações naturais, divina e humana, não opostas, mas cooperantes,
de 681 de sorte que o verbo feito carne quis humanamente, na obediência a
seu Pai, tudo o que decidiu divinamente com o Pai e o Espírito San-
Papa: Ágato (678-681) e to, para a nossa salvação.
Leão II (662-663)
- A vontade humana de Cristo “segue a vontade divina, sem estar
Imperador: Constantino em resistência nem em oposição em relação a ela, mas antes sendo
Pogonato subordinada a esta vontade todo-poderosa”.
- Contra os iconoclastas (destruidores de imagens): há sentido e li-
ceidade na veneração de imagens. “Para proferir sucintamente nossa
profissão de fé, conservamos todas as tradições da igreja, escritas
ou não escritas, que nos têm sido transmitidas sem alteração. Uma
delas é a representação pictórica das imagens (ícones), que concor-
CONCÍLIO DE NICEIA II
da com a pregação da história evangélica, crendo que, de verdade, e
não na aparência, o Verbo de Deus se fez homem, o que é também
útil e proveitoso, pois as coisas que se iluminam mutuamente têm
Data: 24/09 a 23/10 de 787 sem dúvida um significado recíproco”.

Papa: Adriano I (772-795) - Contra os iconoclastas (destruidores de imagens): há sentido e


liceidade na veneração de imagens. “Nós definimos com todo o rigor
Imperador: Constantino
e cuidado que, à semelhança da representação da cruz preciosa
VI (Regente: imperatriz
e vivificante, assim, as venerandas e sagradas imagens pintadas,
Irene)
quer em mosaico, quer em qualquer outro material adaptado, devem
ser expostas nas santas igrejas de Deus, nas alfaias sagradas, nos
parâmentos sagrados, nas paredes e mesas, nas casas e nas ruas;
sejam elas as imagens do Senhor Deus, dos santos anjos, de todos
os santos e justos”. Latria (adoração) Dulia (veneração).
CONCÍLIO DE CONSTAN-
TINOPLA IV

- Excomunhão do patriarca de Constantinopla (Fócio), que foi conde-


Data: 05/10 de 869 a 28/02 nado.
de 870
- O culto das imagens foi confirmado.
Papa: Adriano II (867-872)

Imperador: Basílio de
Macedônia

Fonte: Disponível em: <http://www.iscal.com.br/iscal/upload/


curso_capelania/parte-1.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2017.

38
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

A Queda do Império Romano


A partir do século III d.C., uma profunda crise se abateu sobre o Império
Romano, levando-o ao enfraquecimento. O comércio enfraqueceu, a falta de
moedas em circulação fez com que o comércio se tornasse difícil devido às
diferenças econômicas entre as províncias orientais e ocidentais.

As dificuldades em proteger e administrar o vastíssimo império, as crescentes


revoltas populares, a falta de escravos nesse período e o fim das conquistas
impossibilitavam o acúmulo de riquezas, levando Roma a uma situação
insustentável. Diante desse quadro, houve uma reforma política e Roma passou a
ter quatro imperadores por um tempo, formando uma tetrarquia.

O imperador Constantino suspendeu a tetrarquia e reformou o governo,


assinou o Édito de Milão (permissão para os cristãos professarem sua fé) e
transferiu a capital do império de Roma para Bizâncio (antiga colônia grega), a
qual passou a se chamar Constantinopla.

Alguns anos mais tarde, o Imperador Teodósio aboliu o culto aos antigos
deuses romanos e tornou o cristianismo a religião oficial de Roma, através do
Édito de Tessalônica em 380, o que significou o nascimento da Igreja Católica
Apostólica Romana ou Igreja Romana.

A respeito da fundação de Constantinopla, o imperador


Constantino compreendeu que a cidade de Roma estava intimamente
ligada à adoração pagã, cheia de templos e estátuas pagãs. Ele
desejava uma capital sob os auspícios da nova religião. Na nova
capital, a igreja era honrada e considerada, não havia templos pagãos.
Logo depois da fundação da nova capital, deu-se a divisão do império.
As fronteiras eram tão grandes que um imperador sozinho não podia
defender seu vastíssimo território. Início da Reforma religiosa.

39
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

No ano 395 o império foi definitivamente dividido em dois: Império Romano


do Ocidente, com sede em Roma, e Império Romano do Oriente com sede em
Constantinopla (atual Istambul, Turquia), também conhecido como Império
Bizantino. Roma teria dois imperadores.

Devido à falta de mão de obra escrava e à fragilidade das fronteiras, os


germânicos, que viviam nas fronteiras do império, ingressaram em terras romanas
para trabalharem de forma pacífica. Com o passar do tempo e percebendo a
fragilidade do Império, um grupo de tribos germânicas iniciou um processo de
conquista do império.

Figura 5 – A divisão do Império Romano em 395

Fonte: Disponível em: <http://historiapublica.blogspot.com.br/2009/05/


divisao-do-imperio-romano.html>. Acesso em: 16 out. 2017.

Observa-se que o Império Romano do Oriente permanece, enquanto o do


Ocidente se transformou em diversos reinos germânicos.

40
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

Sobre o desenvolvimento do poder na Igreja Romana, Roma


reclamava para si autoridade apostólica. A igreja de Roma era a
única que declarava poder mencionar o nome de dois apóstolos
como fundadores, isto é, Pedro e Paulo. A organização da igreja
de Roma e bem assim seus dirigentes defendiam fortemente estas
afirmações. Neste ponto há um contraste notável entre Roma e
Constantinopla. Roma havia feito os imperadores, ao passo que os
imperadores fizeram Constantinopla. Além disso, Roma apresentava
um cristianismo prático. Nenhuma outra igreja a sobrepujava no
cuidado para com os pobres, não somente com os seus membros,
mas também entre os pagãos. Foi assim que em todo o Ocidente o
bispo de Roma começou a ser considerado como autoridade principal
de toda a igreja (LE ROUX, 2013).

Atividade de Estudos:

1) Neste capítulo estudamos sobre a história da Igreja Cristã na


Antiguidade, procurando conhecer um pouco da sua especificidade
e historicidade a fim de conhecer a sua doutrina, origens e outros
conhecimentos que temos presentes no interior da Igreja Cristã.

Agora vamos procurar colocar um pouco deste conhecimento


em prática, ou, quem sabe, produzir uma práxis, ou seja,
empregar a teoria na prática.

Assim sendo, leia o artigo disponível no link a seguir, e após


a leitura elabore um pequeno texto apresentando o que vem a
ser a doutrina de Pelágio. Posteriormente, faça uma resenha
comparando a controvérsia entre Pelágio com Santo Agostinho.
Disponível em: <http://portal.pucminas.br/imagedb/documento/
DOC_DSC_NOME_ARQUI20060607103635.pdf>.
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HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Algumas Considerações
Como já havia sido apresentado na introdução deste capítulo, nosso objetivo
é realizar um pequeno estudo sobre a história da Igreja Cristã na Antiguidade,
tarefa difícil e complexa, dado o amplo período histórico que temos, pois são
quase cinco séculos de história, fatos e acontecimentos para serem apresentados
em poucas páginas.

Mesmo assim, procuramos da melhor forma possível apresentar ao nobre


leitor os fatos mais relevantes da história da Igreja Cristã na Antiguidade,
procurando desde os fatos históricos e geográficos, bem como a expansão desta
igreja junto ao Império Romano. Apresentamos também a Igreja Cristã diante das
perseguições, período sombrio, mas que também serviu de fortalecimento interno.

Entendemos que seria oportuno promover um estudo acerca dos três grandes
concílios que ocorreram naquela época, que foram extremamente relevantes
para a história da civilização e da igreja, são eles: Niceia, Constantinopla e
Calcedônia. Por fim, procuramos um rápido estudo sobre as causas da queda de
Constantinopla, a fim de entendê-la.

Não temos aqui a intenção de esgotar o assunto, até porque, como já foi dito,
a presente obra é de caráter de introdução. Aproveitamos e desejamos ao nobre
leitor uma boa leitura, assim como sucesso em seus estudos e reflexões sobre a
história da Igreja Cristã, bem como da Teologia de forma geral.

Referências
ALBERIGO, G. História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1997.

BETTENCOURT, D. Estevão. As Heresias Cristológicas e Trinitárias. [s.d.].


Disponível em: <http://www.clerus.org/clerus/dati/2009-01/02-13/As_Heresias_
Cristologicas_e_Trinitarias.html>. Acesso em: 28 ago. 2017.

BIHLMEYER, Karl; TUECHLE, Hermann. História da Igreja. V. 2: a Idade Média.


São Paulo: Paulinas, 1964.

COMBY, J.  Para ler a história da Igreja I - Das origens ao século XV. São
Paulo: Loyola, 1996.

DREHER, Martin N. A Igreja no Império Romano (Coleção História da Igreja).


São Leopoldo: Sinodal, 1993.

42
Capítulo 1 A Igreja Cristã na Antiguidade

FRÖLICH, Roland. Curso básico de história da Igreja. 4. ed. São Paulo:


Paulus, 1987.

HURLBUT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Vida, 1979.

LENZENWEGER, J.; STOCKMEIER, P.; AMON, K. História da Igreja


Católica. São Paulo: Loyola, 2006.

LE ROUX, Patrick. Império Romano. Tradução de William Lagos. Porto Alegre:


L&PM, 2013.

MATOS, Henrique Cristiano José. Introdução à história da Igreja. V. 1. Belo


Horizonte: O Lutador, 1997.

MONDIN, Battista. Os Grandes Teólogos do Século Vinte. V. 1 e 2. São Paulo:


Paulinas, 1980.

ORLANDIS, J. História Breve do Cristianismo. Rei dos Livros, 1993.

PIERINI, Franco. A Idade Média: curso de história da Igreja. V. 2. São Paulo:


Paulus, 1997.

PIOPPI, Carlo. História da Igreja. Tema 14. MTA-PPKE: Vaticano, 2012.

POTESTÀ, G. L; VIAN, G. História do Cristianismo. São Paulo: Loyola, 2013.

ROGIER, L. J; AUBERT, R; KNOWLES, M. D. Nova história da Igreja. V. 1 e


2. Petrópolis: Vozes, 1976.

ROMAG, Dagoberto. Compêndio de história da Igreja. V. 2: a Idade Média.


Petrópolis: Vozes, 1950.

STOCKMANN, Luis Henrique. A Sã Doutrina Bíblica. Tabernáculo Evangélico A


Voz De Deus. Arianismo. [s.d.]. Disponível em: <palavracriativa.org.br/site/wp-
content/uploads/2015/06/ARIANISMO1.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2017.

TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE, 1988.

WILLIANS, Terri. Cronologia da História Eclesiástica. São Paulo: Vida Nova,


1993.

43
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

44
C APÍTULO 2
A Igreja Medieval

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Estudar e conhecer a formação dos monastérios.


Estudar e conhecer o sacro império romano-germânico.


Estudar e conhecer os grandes cismas da Igreja.


Estudar e compreender as Cruzadas.


Estudar e compreender a Guerra dos Cem Anos.


Estudar e compreender as causas da queda de Constantinopla.


Promover uma análise crítica da Igreja Cristã no período Medieval.



HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

46
Capítulo 2 A Igreja Medieval

Contextualização
Este capítulo pretende apresentar um estudo analítico sobre a formação de
monastérios da Igreja Medieval; conhecer sua história no Sacro Império Romano-
Germânico para que possamos entender como ocorreram os grandes cismas.
Pretendemos, ainda, estudar as Cruzadas, episódios tão marcantes e que nos
deixaram um legado; conhecer a Guerra dos Cem anos e as causas da queda de
Constantinopla.

De forma clara e objetiva, pretendemos promover um panorama sobre a


Igreja Cristã no período Medieval (476 a 1453) não deixando de observar sua
contextualização histórica. Com isso, haverá um amadurecimento de opinião
tanto sobre a história da civilização quanto da Igreja diante dos acontecimentos.

A Era Medieval foi um período muito rico na formação teológica da Igreja,


tanto que, nos primeiros séculos da história do Cristianismo, assistiu-se a um
grande florescimento da literatura cristã, homilética, teológica e espiritual. Trata-
se de obras dos padres da Igreja que tiveram grande importância na formação do
Cristianismo e dos monastérios.

Os santos mais relevantes foram: Santo Ireneu de Leão, Santo Hilário de


Poitiers, Santo Ambrósio de Milão, São Jerônimo e Santo Agostinho, no Ocidente.
Santo Atanásio, São Basílio, São Gregório Nacianceno, São Gregório de Nissa, São
João Crisóstomo, São Cirilo de Alexandria e São Cirilo de Jerusalém, no Oriente.

A Formação dos Monastérios


A Idade Média compreendeu o período em que ocorreu a queda do Império
Romano, séculos V ao XV, ou seja, são dez séculos ou 1.000 anos de história em
que se consolidou o feudalismo com a nobreza no poder; período marcado pela
força espiritual e política da Igreja Católica. O conhecimento estava restrito aos
mosteiros e a grande questão discutida era a relação entre a fé e a razão, entre
filosofia e teologia.

O Império Romano do Ocidente foi invadido pelos povos germânicos


(arianos, pagãos eslavos, escandinavos e magiares) no ano de 476, e desde
então, o trabalho da Igreja passou a ser o de evangelizar e contribuir para civilizar
estes povos (PIOPPI, 2012).

Segundo o pesquisador, no século VI nasceu o monarquismo beneditino, que


garantiu o aparecimento da prosperidade e o retorno dos mosteiros. No século VII

47
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

foi de grande importância a ação missionária em todo o continente dos monges


irlandeses e escoceses; no século VIII, a dos beneditinos ingleses, quando
também terminou a etapa da Patrística, com os últimos dois padres da Igreja, São
João Damasceno, no Oriente e São Beda, o venerável, no Ocidente.

Com o passar do tempo, houve o desenvolvimento da vida monástica, que foi


crescendo durante a Idade Média, com as congregações femininas ou masculinas,
trazendo resultados positivos e negativos para a Igreja e para a sociedade. Com
o crescimento dessas comunidades, tornava-se necessária alguma forma de
organização, de modo que nesse período surgiram quatro grandes ordens.

Para Pioppi (2012) nos séculos XIII e XIV houve a Alta Escolástica com
grandes realizações teológicas e filosóficas: Santo Alberto Magno, São Tomás de
Aquino, São Boaventura, o Beato Duns Scoto. No que se refere à vida religiosa, é
de grande relevância a aparição, no início do século XIII, das ordens mendicantes
(franciscanos e dominicanos).

De acordo com importantes estudiosos, tanto de historiadores como de


teólogos, a aliança entre os conhecimentos da fé e da razão foi uma característica
do pensamento que permeou toda a Idade Média. Muito além de uma questão
puramente religiosa, a Igreja propôs à sociedade um ideal de formação humana.

A Igreja Católica, por meio dos monastérios, propôs superar as diferenças,


a instabilidade e o caos instaurado no convívio social após a falência do Império
Romano do Ocidente, que significava a continuidade da vida; uma busca pelo fim
do medo, da insegurança, da pobreza, das pestes e da destruição das instituições
e do pensamento reflexivo (PIERINI, 1997).

Os mosteiros, por meio da mística de São Bento, passaram a ser retomados


e revigorados a partir do ano 529. Os chamados ermitões passam a se organizar
em pequenos grupos. São Bento elaborou uma regra, dando nova forma à vida
monástica, a qual passou a ser um exemplo para outros mosteiros (SANTOS, 2012).

48
Capítulo 2 A Igreja Medieval

Eremita é um indivíduo que, usualmente


por penitência, religiosidade e amor à natureza, vive em lugar deserto,
isolado. Esse local é denominado de eremitério. Os eremitas se
espelham no surgimento da espiritualidade dos Padres do Deserto,
que buscavam através de um estilo de vida austero e contemplativo à
união com Deus no deserto do Egito. Eles atraíam muitos seguidores
para seus retiros, prestavam direção espiritual e conselhos; e são
concentrados na raiz do monarquismo oriental. 

Fonte: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Eremita>. Acesso em: 4 dez. 2017.

Santos (2012) expõe que a atividade diária de um monge é dividida entre


oração e trabalho (ora et labora), que possui sete momentos de oração em que
se dedica exclusivamente à vida espiritual; e no restante do tempo, ao trabalho
que é entendido como via, como meio de conversão. A seguir, algumas ordens
religiosas com seus respectivos fundadores e carismas:

a) Ordem dos Beneditinos

Fundada por São Bento em 529, em Monte Cassino. Essa ordem se tornou a
maior de todas as ordens monásticas da Europa. Suas regras exigiam obediência
ao superior do mosteiro; a renúncia a todos os bens materiais; e a castidade
pessoal. Cortava bosques, secava e saneava pântanos, lavrava os campos e
ensinava ao povo muitos ofícios úteis.

49
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Figura 6 – Ordem dos Beneditinos

Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?q=são+bento>. Acesso em: 29 nov. 2017.

b) Ordem dos Cistercienses

Surgiram em 1098, com objetivo de fortalecer a disciplina dos beneditinos,


que se dispersava. Seu nome deve-se à cidade francesa de Citeaux, fundada
por São Roberto, Alberico e Estevão. Esta ordem, que teve também como
representante São Bernardo, deu ênfase às artes, à arquitetura e especialmente à
literatura, copiando e escrevendo livros.

Figura 7 – Ordem dos Cistercienses

Fonte: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/_R1ZXVbCrtf8/S17q4cGS2jI/


AAAAAAAAAFE/TE9iQIc4J-8/s320/Funda.gif>. Acesso em: 29 nov. 2017.

50
Capítulo 2 A Igreja Medieval

c) Ordem dos Franciscanos

Fundada em 1209, por São Francisco de Assis, tornou-se a mais numerosa


de todas as ordens. Por causa da cor que usavam, tornaram-se conhecido como
os "frades cinzentos".

Figura 8 – Ordem dos Franciscanos

Fonte: Disponível em: <http://blog.cancaonova.com/fragmentos/files/2013/12/


sao-francisco-de-assis-historia.jpg>. Acesso em: 29 nov. 2017.

d) Ordem dos Dominicanos

Ordem espanhola fundada por São Domingos, em 1215. Os dominicanos


e os franciscanos diferenciavam-se das outras ordens, pois eram pregadores,
buscavam por toda parte o fortalecimento da fé dos crentes.

Figura 9 – Ordem dos Dominicanos

Fonte: Disponível em: <http://www.pliniocorreadeoliveira.info/SaoDomingos_


de_Gusmao_Guzman_meditando.jpg>. Acesso em: 29 nov. 2017.

51
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

No início, cada Ordem Monástica era um benefício para a sociedade. A


seguir, alguns resultados positivos:

• Os mosteiros hospedavam os viajantes, os enfermos e os pobres.


Serviam de abrigo e proteção aos indefesos, principalmente, às mulheres
e às crianças.
• Guardavam em suas bibliotecas muitas obras da literatura clássica e
cristã. Sem as obras escritas nos mosteiros, a Idade Média não teria
registro.
• Os monges serviram como missionários na expansão do evangelho, até
mesmo entre os bárbaros (PIERINI, 1997).

Como podemos observar, ao longo da Idade Média, os mosteiros tiveram


grande papel e relevância junto à teologia, além de preservam as escrituras
sagradas, tornam-se refúgio, guardaram as obras de arte e cultura, deram forma
ao monasticismo medieval.

Os Padres da Igreja
Os padres da Igreja, entre eles Santo Agostinho, Justino (século II), Clemente
de Alexandria (séculos II e III) e Orígenes (século III), inauguraram uma maneira
de pensar o Cristianismo e buscaram instrumentos para justificar a fé e defender
a doutrina cristã. Para isso, utilizaram-se da filosofia grega e do pensamento
helênico, formulando, então, a Filosofia Patrística.

A expressão Padres da Igreja é utilizada para designar um


conjunto de autores sacros que desenvolveram seu pensamento
teológico no período patrístico. A doutrina, por ele desenvolvida,
estava em consonância com o ensinamento dos apóstolos e era
seguida por uma comunidade de fiéis.

Fonte: Lacoste (2004, p. 1307).

52
Capítulo 2 A Igreja Medieval

Santos (2012) possui uma visão panorâmica e linear sobre os Padres da


Igreja, apresentando não só a sua relevância, como também a ousadia desses
ao propor uma teologia e mística para aquela época em que o pensamento era
predominantemente filosófico. O teólogo destaca que os tempos de ouro da
Patrística foram os séculos IV e V, embora alguns historiadores entendam que o
término foi no século VII com a chamada "Idade dos Padres".

Por Patrística, entende-se o período do pensamento cristão que seguiu


na época do novo testamento e chega até ao começo da Escolástica, isto
é, contempla os séculos II ao VIII. Este período da cultura cristã representa o
pensamento dos Padres da Igreja, que são os construtores da teologia católica,
guias e mestres da doutrina crista.

A Patrística designa o período do pensamento teológico próprio


dos primeiros séculos do cristianismo. “Ela apresenta a síntese da
filosofia grega clássica com a religião cristã”, que buscava defender o
cristianismo dos ataques das heresias pagãs.

Fonte: Jupiassú e Marcondes (2006, p. 213).

A Patrística é contemporânea do último período do pensamento grego, o


período religioso; é também contemporâneo do Império Romano, com o qual
polemiza, e que terminará por se cristianizar depois de Constantino. Santo
Agostinho é o principal pensador desse período, promovendo uma síntese
genial e inédita entre a doutrina cristã e o pensamento de Platão. Santo
Agostinho contribuiu de forma decisiva para a aproximação entre a fé cristã e
a filosofia grega.

53
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Figura 10 – Santo Agostinho de Hipona

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/DPYwhh>. Acesso em: 29 nov. 2017.

A Patrística tem três períodos: antes de Agostinho, no tempo de Agostinho e


depois de Agostinho:

• No período antes de Agostinho, os padres defendiam o cristianismo


contra o paganismo, os padres começam a defender a fé e a deixar
de lado a razão grega como demonstrava a filosofia helênica. Antes
de Agostinho, havia três correntes filosóficas: platonismo judaico,
platonismo cristão ou patrística e o platonismo pagão ou neoplatonismo.
O platonismo cristão defendia a fé como ponto essencial e fundamental
para a vivência da pessoa. Enquanto o platonismo judaico defendia a fé
na realidade dos antepassados e a razão na realidade em que viviam e
o platonismo pagão, defendia somente a razão. Neste período existiram
muitos filósofos, eis alguns: Fílon, platonismo judaico; Clemente de
Alexandria, platonismo cristão; Orígenes, platonismo cristão; Plotino,
platonismo pagão.

• No período de Agostinho houve um crescimento, que será visto adiante


com o estudo de Agostinho. O crescimento do pensamento aconteceu
pela causa de que é possível fazer filosofia com fé.

54
Capítulo 2 A Igreja Medieval

No período pós-Agostinho existiu Anselmo de Aosta e seus contemporâneos,


e começou uma batalha muito forte na defesa da fé e da razão. Dizia-se: precisamos
crer para entender? E a primeira necessidade da fé para o conhecimento é a
verdade religiosa e moral, daqui a importância do credo. Em segundo lugar, a
necessidade de usar a razão para que a adesão à fé não seja cega e meramente
passiva: eis a importância da inteligência. Eles diziam que as verdades religiosas
não podem ser compreendidas a não ser pela fé. O que existe na realidade é
maior ou mais perfeito do que o que existe só no intelecto. Afirmar que não existe
na esfera da realidade algo maior do que não se pode pensar, nada implica uma
contradição, porque significa admitir e ao mesmo tempo não admitir que se possa
pensar em outro maior do que ele, isto é, existente na realidade (PIERINI, 1997).

Os principais pais do Oriente foram: Eusébio de Cesareia, Santo Atanásio,


Basílio de Cesareia, Gregório de Nisa, Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo
e São Cirilo de Alexandria. Os principais padres do Ocidente foram: Santo
Agostinho, autor das "Confissões", obra-prima da literatura universal e Santo
Ambrósio; Eusébio Jerônimo Dalmata, conhecido como São Jerônimo que
traduziu a Bíblia diretamente do hebraico, aramaico e grego para o latim. Esta
versão é a celebre Vulgata, cuja autenticidade foi declara pelo Concílio de Trento.
Outros pais que se destacaram foram São Leão Magno e Gregório Magno, um
romano com vistas para a Idade Média, as suas obras "Os morais e os diálogos"
serão lidas pelos intelectuais da Idade Média, e o canto "gregoriano" permanece
até os dias atuais. Santo Isidoro de Sevilha, falecido em 636, foi considerado o
último dos grandes padres ocidentais.

Etimologicamente, a palavra apologética (do grego apologéticos,


apologia) significa justificação, defesa. Apologética é, pois, a
justificação e defesa da fé. Aborda temas como: da existência de
Deus, a existência da alma humana, da natureza de Deus e do
homem, a relação do homem com Deus.

55
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Atividade de Estudos:

1) Na Idade Média iniciou-se a Cristandade, que foi um período


histórico que teve início no século IV d.C., e que se constituiu
em um sistema de relações entre Igreja, sociedade civil e Estado.
Estas relações possibilitaram à Igreja forjar todo o sistema cultural
do Ocidente (TARNAS, 2000, p. 109).

No texto a seguir, uma narrativa de como este período foi


constituído e a explicitação de como as três principais influências
formataram a “visão de mundo” que constituiu não apenas a Igreja,
mas todo o período Medieval.

Após a leitura do texto, identifique quais são estas três


influências e o porquê.

A EMERGÊNCIA DA CRISTANDADE

Considera-se identidade singular a civilização clássico-


greco-romana que surgiu e decaiu no espaço de mil anos.
Aproximadamente, no meio desse milênio, nos remotos distritos da
Galileia e da Judeia – na periferia do império romano – o jovem líder
religioso judeu Jesus de Nazaré viveu, ensinou e morreu.

Sua radical mensagem religiosa foi adotada por um pequeno


grupo de discípulos judeus inspirados pelo fervor e pela crença de
que após sua crucificação, Jesus se levantaria novamente revelaria
ser o Cristo (o ungido), Senhor e Salvador do mundo.

Uma nova etapa na religião foi atingida com o advento de Paulo


de Tarso, judeu de nascimento romano por cidadania e grego pela
cultura. A caminho de Damasco, para desvelar uma disseminação
maior do que via como seita herética, perigosa para a ortodoxia
judaica, Paulo foi tomado por uma visão do Cristo ressuscitado. A
partir desse momento, adotou ardorosamente a mesma religião
da qual fora o mais enérgico oponente tornando-se seu mais
proeminente missionário e primeiro teólogo. Sob a liderança de
Paulo, o pequeno movimento religioso rapidamente se espalhou
a outras partes do império – Ásia Menor, Egito, Grécia e a própria
Roma – e começou a se constituir como igreja mundial.

56
Capítulo 2 A Igreja Medieval

Durante a efervescente era helenista surgiu uma espécie


de crise espiritual, da qual as pessoas impelidas pelos novos
conhecimentos, procuravam interpretação pessoal do cosmo e,
por extensão, o sentido da vida. Todas as religiões de mistérios,
cultos públicos, sistemas esotéricos e escolas filosóficas falavam
a essas necessidades – mas o Cristianismo, depois de períodos
intermitentes de perseguição implacável por parte do Estado romano,
foi gradualmente emergindo como vitorioso. O ponto decisivo desse
processo ocorreu no início do século IV, com a histórica conversão
de Constantino, imperador romano, que, nesse momento em diante,
empenhou-se com todo seu poder à propagação do cristianismo.

O mundo clássico transformou-se drasticamente em seus


últimos séculos

[...] a Igreja forjou uma cultura que nos outros mil


anos, daria origem ao Ocidente moderno. Essa
denominada Idade Média, período entre a Era
Clássica e o Renascimento foi de extrema ebulição,
com grandes consequências. A Igreja foi a instituição
que uniu o Ocidente mantendo elo com a civilização
clássica. De sua parte, os povos pagãos realizaram
duas coisas notáveis: converteram-se ao Cristianismo
e simultaneamente começaram a imensa tarefa de
aprender e integrar o riquíssimo legado intelectual
da cultura clássica que acabavam de conquistar.
Esse grandioso trabalho escolástico, lentamente
implementado nesses mil anos, inicialmente nos
monastérios e mais tarde nas universidades, abrangeu
a filosofia e letras gregas, o pensamento político romano
e ainda o impressionante volume de textos teológicos
dos antigos sacerdotes cristãos, cujo ápice estava na
obra de Agostinho – que escrevera no início do século
V, no momento em que o Império Romano desmoronava
a seu redor, sob o impacto das invasões dos povos
bárbaros. Dessa complexa fusão de elementos raciais,
políticos, religiosos, e filosóficos, emergiu gradualmente
uma visão de mundo de amplo alcance intelectual,
comum a toda a cristandade ocidental. Sucedendo à
visão dos gregos clássicos predominante na cultura, a
concepção cristã passaria a informar e inspirar a vida e o
pensamento de milhões de pessoas até a Modernidade
(TARNAS. 2000, p. 108-109).
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57
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

O Sacro Império Romano-Germânico


Segundo Pioppi (2012), desde a alta Idade Média até ao ano 1000
aproximadamente, foi, sem dúvida, um período difícil para a Europa, especialmente
pela conjuntura, seja pela violência política, econômica e social, seja, pelo
empobrecimento cultural e intelectual; e também devido às contínuas invasões.

Segundo Santos (2012), em meio da desorganização administrativa,


econômica e social, produzida pelas ocupações germânicas e ao esfacelamento
do Império Romano, praticamente apenas a Grande Igreja Católica, com sede
em Roma, conseguiu manter-se como instituição. Consolidando sua estrutura
religiosa, a Igreja foi difundindo o cristianismo entre os povos, enquanto preservava
muitos elementos da cultura greco-romana.

O termo “católico” (adjetivo grego que significa universal) usado


a partir do Concílio de Trento (1545-1563) para designar a Igreja
Romana em oposição às Igrejas da Reforma. Antes, o termo utilizado
era Cristandade.

Pioppi (2012) revela que nos séculos VII e VIII, logo após a morte de Maomé,
nasceu o Islamismo na Arábia. Os árabes se lançaram numa série de guerras
de conquista que os conduziram à constituição de um vastíssimo império, dentre
outros; subjugaram os povos cristãos da África do Norte e da Península Ibérica
e separaram o mundo bizantino do latino-germânico. O mesmo pesquisador
apresenta que, nos finais do século VIII, institucionalizou-se o poder temporal do
Papado (Estados Pontifícios), que já existia de fato desde o final do século VI;
tinha surgido com o propósito de suprir o vazio de poder criado na Itália central
pelo desinteresse do poder imperial bizantino, nominalmente soberano na região,
mas incapaz de prover a administração e defesa da população. Com o tempo,
os papas verificaram que um limitado poder temporal era uma eficaz garantia
de independência em relação aos diversos poderes políticos (imperadores, reis,
senhores feudais).

58
Capítulo 2 A Igreja Medieval

O termo “papa”, significa “papai”, sendo, um termo de carinho e


respeito. Este termo era usado para qualquer bispo, sem se importar
se ele era de Roma. Como Roma era, pelo menos de nome, a capital
do Império, a igreja e o bispo desta cidade logo se viram em posição
de destaque. A autoridade monárquica do papa, é fruto de um longo
processo. De um bispo igual aos outros, o de Roma passa a ser o
primeiro entre os demais e finalmente cabeça incontestável da Igreja

Pioppi (2012) apresenta em sua pesquisa que na noite de Natal do ano 800
restaurou-se o império no Ocidente (Sacro-Império Romano): o Papa coroou
Carlos Magno na basílica de São Pedro; nasceu, assim, um Estado Católico
com aspirações universais, caracterizado por uma forte sacralização do poder
político, e um complexo entrecruzar de política com religião, que durou até 1806.
Segundo o autor, no século X, o papado sofreu uma grave crise por causa das
interferências das famílias nobres da Itália central na eleição do Papa e mais em
geral, devido aos reis e senhores feudais terem se assenhoreado da nomeação
de muitos cargos eclesiásticos.

A reação papal diante de tão pouca edificante situação, ocorreu no século XI,
através da reforma gregoriana e a chamada “questão das investiduras”, em que
a hierarquia eclesiástica conseguiu recuperar amplos espaços de liberdade em
relação ao poder político.

Para Pioppi (2012) nos séculos XIII e XIV, houve o apogeu da civilização
medieval, com grandes realizações teológicas e filosóficas (a Alta Escolástica:
Santo Alberto Magno, São Tomás de Aquino, São Boaventura, o Beato Duns
Scoto), literárias e artísticas.

Segundo Pioppi (2012), o afrontamento entre o papado e o império, já iniciado


com a “questão das investiduras”, continuou com diversos episódios nos séculos
XII e XIII, terminando com o enfraquecimento das duas instituições. O império
reduziu-se, na prática, a um estado alemão, e o papado sofreu uma notável crise;
de 1305 até 1377, o local de residência do Papa transferiu-se de Roma para
Avinhão, no sul de França, e pouco depois do regresso a Roma.

59
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Em 1378, iniciou-se o Grande Cisma do Ocidente; uma situação muito difícil,


em que se verificou, no início o aparecimento de dois papas e, depois, três (as
obediências a Roma, a Avinhão e a Pisa), enquanto o mundo católico da época
permanecia perplexo sem saber quem era o pontífice legítimo. Seguem os
concílios da Igreja Cristã no Período Medieval:

Quadro 2 – Concílios do Oriente


CONCÍLIO DECISÕES PRINCIPAIS
CONCÍLIO DE CON- - Condenação dos nestorianos (Teodoro de Mopsuéstia, Te-
STANTINOPLA II odoro de Ciro e Ibas de Edessa). “Não há senão uma única
hipóstase [ou pessoa], que é Nosso Senhor Jesus Cristo,
Um na Trindade... Aquele que foi crucificado na carne, Nosso
Data: 05/05 a 02/07 de Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e
553 Um na Santíssima Trindade”.

Papa: Virgílio (537-555) - “Toda economia divina é obra comum das três pessoas div-
inas. Pois da mesma forma que a Trindade não tem senão
Imperador: Justiniano uma única e mesma natureza, assim também, não tem
senão uma única e mesma operação”.

- “Um Deus e Pai do qual são todas as coisas, um Senhor


Jesus Cristo para quem são todas as coisas, um Espírito
Santo em quem são todas as coisas”.
CONCÍLIO DE NICEIA II - Contra os iconoclastas (destruidores de imagens): há sen-
tido e liceidade na veneração de imagens. “Para proferir
sucintamente nossa profissão de fé, conservamos todas as
• Data: 24/09 a 23/10 de tradições da igreja, escritas ou não escritas, que nos têm
787 sido transmitidas sem alteração. Uma delas é a represen-
tação pictórica das imagens (ícones), que concorda com a
• Papa: Adriano I (772- pregação da história evangélica, crendo que, de verdade, e
795) não na aparência.

• Imperador: Constanti- - Verbo de Deus se fez homem, o que é também útil e prove-
no VI itoso, pois as coisas que se iluminam mutuamente têm sem
dúvida um significado recíproco”.

- Contra os iconoclastas (destruidores de imagens): há senti-


do e liceidade na veneração de imagens. “Nós definimos com
todo o rigor e cuidado que, à semelhança da representação
da cruz preciosa e vivificante, assim as venerandas e sagra-
das imagens pintadas, quer em mosaico, quer em qualquer
outro material adaptado, devem ser expostas nas santas igre-
jas de Deus, nas alfaias sagradas, nos paramentos sagrados,
nas paredes e mesas, nas casas e nas ruas; sejam elas as
imagens do Senhor Deus, dos santos anjos, de todos os san-
tos e justos”. Latria (adoração), Dulia (veneração).

60
Capítulo 2 A Igreja Medieval

CONCÍLIO DE CON- - Excomunhão do patriarca de Constantinopla, (Fócio), que


STANTINOPLA IV foi condenado.

- O culto das imagens foi confirmado.

Data: 05/10 de 869 a


28/02 de 870

Papa: Adriano II (867-


872)

Imperador: Basílio de
Macedônia

Fonte: Disponível em: <http://www.iscal.com.br/iscal/upload/


curso_capelania/parte-1.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2017.

Quadro 3 – Concílios Do Ocidente


CONCÍLIO DECISÕES
CONCÍLIO DE LATRÃO - Necessidade de dois terços dos votos na eleição do papa,
III ficando excluído qualquer recurso às autoridades leigas para
dirimir dúvidas do processo eleitoral.

- Rejeição do acúmulo de benefícios ou funções dentro da


Data: 5 a 19 de março Igreja por parte da mesma pessoa.
de 1179
- Recomendação da disciplina, da regra aos monges e cava-
Papa: Alexandre III leiros regulares, que interferiam indevidamente no governo
(1159-1181) da Igreja.

- Condenou heresias da época, de fundo dualista (catarismo)


ou de pobreza mal-entendida (pattária, movimento dos po-
bres de Lião/Valdenses). Autoriza usar armas contra eles.

- Declarou nulas as ordenações dos antipapas Otaviano Gui-


do e João de Estruma.
CONCÍLIO DE LATRÃO - A condenação dos albigenses e valdenses.
IV
- Condenação dos erros de Joaquim de Fiore, que pregava o
fim do mundo para breve, apoiando-se em falsa exegese bíblica.

Data: 11 a 30/12/1215 - Declaração da existência dos demônios como sendo anjos


bons que abusaram do seu livre arbítrio pecando: “com efeito, o
Papa: Inocêncio III diabo e outros demônios foram por Deus criados bons em sua
(1198-1216) natureza, mas se tornaram maus por sua própria iniciativa”.

- A realização de mais uma cruzada para libertar o Santo Sep-


ulcro, em Jerusalém, que se achava nas mãos dos muçul-
manos; a profissão de fé na eucaristia, tendo sido então usa-
da a palavra “transubstanciação”.

- A obrigação da confissão e da comunhão anuais.

- Fixou normas sobre a disciplina e a liturgia.

- Fez legislação sobre os impedimentos matrimoniais.

- Começa a aparecer a tentativa de fixação do número sete


para os sacramentos.
61
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

CONCÍLIO DE LYON I

Data: 28/06 a 17/07 de - Excomunhão e deposição do imperador Frederico II da Ale-


1245 manha, por ser usurpador de bens eclesiásticos.

Papa: Inocêncio IV
(1243-1254)
CONCÍLIO DE LYON II

- Procedimentos referentes ao Conclave, eleição do papa


em recinto fechado.
Data: 07/05 a 17/07 de
1274 - Volta à unidade da Igreja latina com a Igreja grega (Con-
stantinopla) – Reafirmou o Conclave para a eleição papal.
Papa: Gregório X (1271-
1276)
CONCÍLIO DE VIENA –
FRANÇA
- Supressão da Ordem dos Templários (Cavaleiros Solda-
dos).

Data: 16/10 /1311 a - Contra o modo de viver a pobreza dos franciscanos,


06/05/1312 chamados “Espirituais” que adotavam ideias heréticas sobre
a pobreza.
Papa: Clemente V
(1305-1314)
CONCÍLIO DE CON- - Resignação do Papa, Gregório XII (1405-1415).
STANÇA
- Deposição do antipapa João XXIII (1410-29/05/1415).

- Deposição do antipapa avinhense, Benedito XIII (1394


Data: 05/11/1414 a -1415), em 26/07/1417.
22/04/1418
- Eleição de Martinho V em 11/11/1417.
Papas: vários antipa-
pas - Extinção do Grande Cisma do Ocidente (1305-1378).

- Condenação da doutrina de João Hus, João Wiclef e Jerôn-


imo de Praga, precursores de Lutero.

- Decreto relativo à periodicidade dos concílios;

- Rejeição do conciliarismo.

- Prevalência do poder do papa.

62
Capítulo 2 A Igreja Medieval

CONCÍLIO DE - Questões doutrinárias sobre a SS. Trindade: “O Espírito


BASILÉIA-FERR- Santo tem sua essência e seu ser subsistente ao mesmo
ARA-FLORENÇA-ROMA tempo do Pai e do Filho e procede eternamente de ambos
como de um só princípio e por uma única expiração. E uma
vez que tudo o que é do Pai, o Pai mesmo o deu ao seu
Datas e locais: em Ba- Filho Único ao gerá-lo, excetuando o seu ser de pai, esta
sileia de 23/07/1431 própria processão do Espírito Santo a partir do Filho, ele a
a 07/05/1437; em Fer- tem eternamente de Seu Pai que o gerou eternamente” (DS
rara, de 18/09/1437 1300-1301).
a 1/01/1438; em Flo- - “Tudo é uno [neles] lá onde não se encontra oposição de
rença, de 16/07/1439; relação” (DS 1330). “Por causa dessa unidade o Pai está
em Roma, a partir de todo inteiro no Filho, todo inteiro no Espírito Santo; o Filho
25/04/1442. está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Espírito Santo; o
Papa: Eugênio IV (1431- Espírito Santo todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho”. “O
1447). Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três princípios das
criaturas, mas um só princípio”. Em uma só criatura, em uma
só pessoa.

Fonte: Disponível em: <http://www.iscal.com.br/iscal/upload/


curso_capelania/parte-1.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2017.

O Poder Papal
Foi com o Papa Gregório I, o Grande, que houve um período de crescimento
do poder papal e que teve o apogeu no tempo de Gregório VII, mais conhecido
por Hildebrando.

Hildebrando reformou o clero, que se havia corrompido, elevou as normas


de moralidade desse clero, exigiu celibato dos sacerdotes, libertou a igreja da
influência do estado, pondo fim à nomeação de papas pelos reis e imperadores.
Hildebrando impôs a supremacia da igreja sobre o Estado.

O período de 882 a 903 se caracterizou pela torpe degradação do poder


papal, o qual enfraqueceu notadamente.

Estevão VI, foi aprisionado e morto. Posteriormente, foi eleito o Papa Marino,
cujo pontificado durou apenas alguns meses. João X, feito papa, procurou ab-
rogar os atos de Estevão, e de fato ab-rogou muitos deles. Leão V, depois de um
breve pontificado, foi morto por seu próprio capelão seu sucessor (PIOPPI, 2012).

63
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

No período de 903 a 963, com Sergio III começa a influência perniciosa de


uma aventureira de alta linhagem sobre o governo papal. De 936 a 956 o papado
esteve sob influência de Alberico, que nomeou quatro papas. Um filho dele, sob o
nome de João XIII, assumiu o ofício papal sendo o seu pontificado havido como
um dos mais imorais e licenciosos. Este papa morreu assassinado.

Otão, o Grande, fez sentir a sua interferência no papado em 983, com


a convocação de um sínodo para depor o imoral João XIII e substituí-lo por
Leão VIII. Durante este período, até 1073, foram nomeados vários papas e os
imperadores ficaram no direito de nomear e controlá-los para evitar a dissolução
completa do clero (PIOPPI, 2012).

Quadro 4 – Papas
Conseguiu que um concílio realizado em Roma decretasse que
Siricius nenhum bispo deve ser consagrado sem o conhecimento e con-
(354-398) sentimento do bispo de Roma. Mesmo que seja um decreto falso,
é muito antigo e exerceu grande influência.
Demonstrou grande ousadia em explorar as reivindicações de Roma,
Inocêncio I exigindo submissão universal a sua autoridade. Insistia que era a
(402-417) obrigação de todas as igrejas ocidentais se conformarem aos cos-
tumes de Roma.
Durante o exercício do seu papado, foi resolvido a mui agitada questão
Celestino do direito de apelar a Roma decisões nas províncias. Celestino ma-
nipulou as questões de uma maneira que sempre saía ganhando o
(422-432) prestígio de Roma, até o ponto de dispensar os cânones de um con-
cílio geral.
Homem humilde, insistia que era sucessor de Pedro e que não se pode
Leão I infringir a autoridade deste. Conseguiu do jovem e fraco imperador Val-
(440)-461) entino III um edito em que reconhece a primazia da sé de Pedro e
insiste que ninguém pode agir sem a permissão desta sé.
Possivelmente o maior papa deste período, filho de um senador, adotou
o costume monástico. Pretendia ser missionário aos ingleses quando
Gregório I foi consagrado papa aos 49 anos de idade. Reclamou que Máximo foi
eleito patriarca de Constantinopla no lugar de seu candidato e suspen-
(589-604) deu todos os bispos que o consagraram sob pena de anátema de Deus
e do apóstolo Pedro. Repreendeu o patriarca de Constantinopla por ter
assumido o título de bispo ecumênico.
Leão III O período começa com Leão III assentado na cadeira pontifical. Foi ele
(795-816) quem colocou Carlos Magno como imperador no ano 800.

64
Capítulo 2 A Igreja Medieval

Estevão IV Este papa coroou o Rei Luiz, o Piedoso, em Roma, ato que elevou
(816-817) ainda mais a posição do papa.

Gregório IV Foi com esse papa que apareceram falsos documentos a favor da pre-
(827-844) rrogativa papal. Gregório defendeu Roma contra os sarracenos.

Ascendeu a cadeira papal num momento de agitação e desordens,


Nicolau I aproveitando-se dos documentos falsos a favor da absoluta soberania
(858-867) e irresponsabilidade do papado, procurou firmar os direitos de suprem-
acia do papa e de sua jurisdição suprema.
Adrião II Trabalhou principalmente à sombra a influência atingida pelo seu an-
(867-872) tecessor.

João VIII O maior problema durante o papado de João VIII foi a ameaça sarra-
cena, forçando-o a pedir ao novo imperador Carlos a sua proteção,
(872-882) mas Carlos e o papa aceitou o tratado humilhante com os sarracenos.
Famoso O papa Formoso subiu ao poder em 891 e, dois anos depois de san-
891 guinolento pontificado, morreu, provavelmente envenenado.

Foi inquestionavelmente o maior estadista eclesiástico do Período Me-


Hildebrando dieval. Seu objetivo foi tornar um fato o domínio universal e absoluto do
(1073). papado, e sua política subordinou-se completamente a este propósito.
Este papa tomou o nome de Gregório VII.
Aproveitou as prerrogativas papais firmando umas e alargando outras.
Inocêncio III
Foi durante seu papado que o poder papal evoluiu gradativamente at-
(1198-1216)
ravés dos séculos, chegando ao auge. Ele foi o maior papa do século.
Subiu à cadeira pontífica no meio destas condições tão favoráveis ao
Bonifácio VII
papado, mas sem se adaptar a elas conservou aquele espírito de ar-
(1294-l303)
rogância e mandonismo, muito característico de seus antecessores.
Este não foi a Roma, mas estabeleceu sua corte Papal em Avignon e
Clemente V tornou se subserviente de Felipe rei da França. Aqui, ele e seus suces-
sores todos franceses serviram durante setenta anos. Tão notório se
(1305) tornaram as condições que os historiadores católicos estigmatizaram o
período de cativeiro babilônico do papado.
O pontificado foi notável, tendo sido construído nesse tempo o Vati-
Nicolau V cano e a Basílica de São Pedro, considerados como duas magníficas
(l448-1455) obras de arte. Talvez, nesta época, se tenha resolvido o problema dos
três papas.
Para melhorar a fortuna de seus filhos ilegítimos, pelejou contra
Inocêncio VIII Nápoles e recebia tributo anual de Sultão, por manter seu irmão e rival
(l484-l492) na prisão em vez de enviá-lo como cabeça de um exército contra os
inimigos da cristandade.

Fonte: Dreher (1993).

65
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Os Grandes Cismas
Neste momento haverá o estudo dos grandes cismas da Igreja que
influenciaram a igreja Cristã tanto positiva como negativamente. A seguir, os
fatos históricos como cismas: a separação da Igreja Católica do Oriente e a
do Ocidente; as Cruzadas, a Guerra dos Cem Anos; e a Reforma Protestante,
embora esta última já faça parte da Idade Moderna.

a) A separação da Igreja Católica do Oriente e a do Ocidente

No século XI houve o chamado Cisma do Oriente. O patriarca de


Constantinopla, Miguel Cerulário, foi o responsável pela separação definitiva dos
gregos da Igreja Católica. Este foi o último episódio de uma história de disputas
de separação iniciada já no século V neste período da história.

O Cisma do Oriente foi o rompimento, que ocorreu em 1054


d.C., entre as Igreja Católica do Oriente e a do Ocidente. Tratava-
se da mesma Igreja, mas possuía duas sedes, uma no Oriente e
outra no Ocidente. Com as invasões bárbaras, o Império do Ocidente
caiu em 476 e o Império do Oriente permaneceu até 1453, também
conhecido como Império Bizantino.

Popularmente utilizado, o Cisma do Oriente é o nome dado à divisão da


Igreja Católica, ocorrida em 1054, entre a Igreja chefiada pelo papa, em Roma,
e a igreja chefiada pelo patriarca, em Constantinopla (antigo Bizâncio e atual
Istambul). Devido às invasões bárbaras, o Império Romano do Ocidente caiu
em 476; restou o império Romano Oriental, conhecido como Império Bizantino
(DREHER, 1993).

As práticas religiosas consideradas impróprias pelo Ocidente e contrária à Fé


Romana, também chamadas de “heresias” serão apresentadas a seguir:

66
Capítulo 2 A Igreja Medieval

Quadro 5 – Heresias
HERESIAS CARACTERÍSTICAS
Acreditavam que Jesus Cristo tinha a existência unicamente divina,
visão teológica que se opunha à prerrogativa ocidental da natureza
humana e divina de Cristo. Contrariavam ainda o dogma católico da
Monofisistas
Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) como representação
de Deus. O movimento dos monofisitas iniciou-se no século V e alca-
nçou sua maior força com o reinado de Justiniano.
Caracterizava-se pela oposição à adoração de imagens, levando-os
Iconoclastas a destruírem os ícones religiosos. Afirmavam, dessa forma, uma per-
cepção religiosa de caráter mais espiritual.

Fonte: Dreher (1993).

Outras situações culturais, políticas e sociais fizeram com que as duas Igrejas
desenvolvessem esse cisma:

• A Igreja Católica do Ocidente teve as invasões bárbaras e foram


influenciados pelos povos germanos.
• A Igreja Católica no Oriente teve influências das tradições do mundo
clássico presentes na sociedade e na Igreja cultivando a cristandade
helenística. Carregou a tradição e o rito grego e integrou especialmente
o Império Bizantino.

Essas posições de fé e de ideologias da Igreja Ocidental e Oriental causaram


muita instabilidade social, promovendo o Cisma da Igreja em 1054, após o
patriarca Miguel Cerulário ser excomungado pelo Papa de Roma, surgindo
a Igreja Ortodoxa ou Igreja Católica do Oriente, com sede em Constantinopla, e
a Igreja Católica Apostólica Romana, sede em Roma (DREHER, 1993).

As Cruzadas
Podem-se definir as Cruzadas como expedições “militares” e religiosas
organizadas na Europa Ocidental com o objetivo de libertar a Terra Santa dos
muçulmanos, objetivo este que tinha o Papa Urbano II. Com as Cruzadas, o papa
esperava conquistar não só Jerusalém e o Santo Sepulcro, onde Jesus teria sido
sepultado, mas também a liderança da cristandade, tanto do Ocidente, quanto do
Oriente, sobre o imperador e a Igreja bizantina que estava afastada da Igreja de
Roma desde o Cisma do Oriente de 1054 (PIOPPI, 2012).

67
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Com outras palavras, as Cruzadas nada mais eram que um grande movimento
da Idade Média, sob a inspiração e mandado da Igreja, que se iniciaram no fim do
século XI. Conforme Pioppi (2012), ocorreram oito cruzadas:

• A Primeira Cruzada foi anunciada pelo Papa Urbano II, que era composta
de 275.000 dos melhores guerreiros, para combater os sarracenos
que tinham invadido Jerusalém. Após grande batalha, Jerusalém foi
reconquistada.
• A Segunda Cruzada foi convocada em virtude das invasões dos
sarracenos às províncias adjacentes ao reino de Jerusalém. Sob a
influência de Luiz VII, da França e Conrado III, da Alemanha, um grande
exército foi conduzido para socorrer os lugares reconhecidos como
santos. Enfrentara grandes dificuldades, mas obtiveram vitória.
• A Terceira Cruzada foi dirigida por Ricardo I, " Coração de Leão",
da Inglaterra e outros como Frederico Barbarroxa, Filipe Augusto.
Barbarroxa morreu afogado e Filipe desentendeu-se com Ricardo I e
voltou para França. A coragem de Ricardo I, sozinho, não foi suficiente
para conduzir seu exército para Jerusalém. Contudo fez um acordo para
que os cristãos tivessem direito a visitar o santo sepulcro.
• A Quarta Cruzada foi um completo fracasso porque causou grande
prejuízo à Igreja Cristã. Os cruzados afastaram-se do propósito
de conquistar a Terra Santa e fizeram guerra à Constantinopla,
conquistaram-na e saquearam-na. Constantinopla ficou, posteriormente,
à mercê dos inimigos.
• Na Quinta Cruzada, Frederico II conduziu um exército até a Palestina e
conseguiu um tratado no qual as cidades de Jerusalém, Haifa, Belém e
Nazaré, eram cedidas aos cristãos, porém 16 anos depois, a cidade de
Jerusalém foi tomada pelos maometanos.
• A Sexta Cruzada foi empreendida por São Luiz. Invadiu a Palestina
através do Egito, mas não obteve êxito, foi derrotado pelos maometanos
e libertado por uma grande soma.
• A Sétima Cruzada teve também a direção de São Luiz, juntamente com
Eduardo I. A rota escolhida foi novamente a África, porém, São Luiz
morreu e Eduardo I voltou para ocupar o trono na Inglaterra e a cruzada
teve um fracasso total.
• A Oitava Cruzada aconteceu no ano de 1270, liderada pelo reinado
francês, o qual chegou até a região do Egito, dominado pelos
maometanos. Entretanto, antes da luta entre estes e os cruzados iniciar,
uma peste assolou o exército cristão, dizimando-o, forçando assim, um
acordo de paz.

68
Capítulo 2 A Igreja Medieval

Figura 11 – Movimentos Cruzadistas

Fonte: Disponível em: <https://blogdoenem.com.br/idade-


media-cruzadas/>. Acesso em: 29 nov. 2017.

Cinco grandes movimentos de reformas surgiram na Igreja; contudo, o


mundo não estava preparado para recebê-los, de modo que foram reprimidos
com sangrentas perseguições.

Os albigenses "puritanos" surgiram em 1170, no sul da França, e rejeitavam a


autoridade da tradição, distribuíam o Novo Testamento e se opunham às doutrinas
romanas do purgatório, à adoração de imagens e às pretensões sacerdotais. O
Papa Inocêncio III promoveu uma grande perseguição contra eles, e a seita foi
dissolvida com o assassinato de quase toda a população da região.

Os valdenses apareceram, ao mesmo tempo, em 1170 com Pedro Valdo


que lia, explicava e distribuía as Escrituras, as quais contrariavam os costumes
e as doutrinas dos católicos romanos. Foram cruelmente perseguidos e expulsos
da França, e apesar das perseguições, permaneceram firmes, e atualmente
constituem uma parte do pequeno grupo de protestantes na Itália (PIOPPI, 2012).

João Wyclif, nascido em 1324, recusava-se a reconhecer a autoridade


do papa. Era contra a doutrina da transubstanciação, considerando o pão e o
vinho meros símbolos. Traduziu o Novo Testamento para a língua inglesa e seus
seguidores foram exterminados por Henrique V.

69
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

João Huss, nascido em 1369, foi um dos leitores de Wyclif. Pregou as


mesmas doutrinas e, especialmente, proclamou a necessidade de se libertarem
da autoridade papal. Foi excomungado pelo papa, e se retirou para algum
esconderijo desconhecido. Ao fim de dois anos, voltou a convite da Igreja para
participar de um concílio católico-romano de Constança, sob a proteção de um
salvo-conduto. Entretanto, o acordo foi violado sob o pretexto de que "Não se
deve ser fiel a hereges". Assim João Huss foi condenado e queimado.

Jerônimo Savonarola, nascido em 1452, foi monge dominicano, em Florença.


A grande catedral enchia-se de multidões ansiosas, não só para ouvi-lo, mas
também para obedecer aos seus ensinamentos. Pregava contra os males sociais,
eclesiásticos e políticos de seu tempo. Foi preso, condenado, enforcado e teve o
corpo queimado na praça de Florença em 1498.

Pioppi (2012) destaca que, no início do século XI, as repúblicas marítimas


tinham arrebatado o controle do Mediterrâneo aos muçulmanos, pondo limite às
agressões islâmicas. Ao final do século, o crescimento do poder militar dos países
cristãos teve como expressão o fenómeno das Cruzadas à Terra Santa (1096-
1291), expedições bélicas de caráter religioso cujo objetivo era a conquista de
Jerusalém.

Segundo o historiador Jacques Le Goff, um dos mais destacados estudiosos


da Idade Média, o saldo das Cruzadas para o Ocidente não foi tão animador quanto
esperavam seus participantes. As Cruzadas contribuíram significativamente para
aumentar e dinamizar o comércio do que para propriamente “abrir” o Mediterrâneo.

As Cruzadas promoveram a expansão das sociedades europeias e fizeram


entrar em circulação na Europa produtos orientais, sobretudo especiarias,
importadas por mercadores da península Itálica. Segundo Le Goff, os saques
realizados pelos cruzados nas cidades muçulmanas transferiram para a Europa
grande quantidade de moedas, aumentando sua circulação no continente. Isso
colaborou para que surgissem companhias mercantis, formadas pela associação
de comerciantes, que investiam capital na compra de barcos e de mercadorias.

Muitos servos se tornaram livres e passaram a arrendar terras de senhores


com base em contratos. Outros migraram para as cidades, desligando-se das
relações servis de produção. Assim, com o desenvolvimento comercial, todo o
sistema feudal entrava em crise.

A seguir, uma breve cronologia das Cruzadas, apresentadas de forma linear


e contínua:

70
Capítulo 2 A Igreja Medieval

• 1071 – Os turcos venceram o exército bizantino em Manzikert,


tomaram Jerusalém e proibiram as peregrinações cristãs.
• 1095 – Concílio de Clemont. O papa Urbano II pregou a
Primeira Cruzada.
• 1096 – Reuniu-se a “Cruzada dos Pobres”, massacrada pelos
mulçumanos, partida da primeira Cruzada, a “Cruzada dos
Nobres”.
• 1118 – Fundação da Ordem dos Templários.
• 1146 – Bernard Clairvaux pregou a segunda Cruzada.
• 1187 – Saladino, liderando seus exércitos, invadiu a Terra
Santa e conquistou Jerusalém.
• 1192 – Ricardo e Saladino assinaram um tratado de paz,
Ricardo deixou o Oriente.
• 1198 – O papa Inocêncio III pregou a Quarta Cruzada.
• 1212 – Cruzada das crianças.
• 1217 – Os cruzados reuniram-se em São João D’Arce.
• 1221 – Os cruzados foram emboscados no Rio Nilo e forçados
a bater em retirada, fim da Quinta Cruzada.
• 1228 – Frederico II chegou ao Oriente liderando a Sexta Cruzada.
• 1229 – Frederico assinou o tratado de paz reconquistando
Jerusalém e os lugares sagrados.
• 1244 – Os mulçumanos tomaram Jerusalém.
• 1248 – Luís IX, da França, conduziu a Sétima Cruzada.
• 1250 – Luís e seus exércitos foram derrotados e aprisionados.
• 1291 – Queda de São João D’Arce. Fim do domínio na Terra Santa.

Fonte: Pioppi (2012).

A Guerra dos cem anos


Antes de iniciarmos o estudo histórico religioso, envolvendo a questão
da Guerra dos Cem anos, precisamos de uma breve definição do que foi este
fato histórico. Por mais de cem anos, a exato 116 anos, França e Inglaterra se
envolveram em um conflito que marcou a passagem do mundo medieval para o
moderno. Na chamada Guerra dos Cem Anos (1337-1453), as tropas francesas
e inglesas se colocaram em combate devido a disputas de ordem econômica e
política (FRÖLICH, 1987).

71
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

A Igreja Cristã também esteve envolvida neste fato, em alguns momentos


de forma indireta e outras vezes de forma direta, posicionando-se politicamente.
Vejamos os seguintes fatos:

Em 1305, foi eleito o Papa Clemente V, sua ação foi, desde logo, marcada
pela decisão de instalar o papado em Avinhão (1309 a 1378), aliado e submisso
aos interesses da monarquia da França, fato que prenunciava em relação à Igreja
Ocidental graves dificuldades e discórdias. Importante salientar que todos os
papas desse período foram bispos franceses.

Em 1378, morreu Gregório XI, um concílio de cardeais italianos que aproveitou


o momento de fraqueza dos franceses elegeu o arcebispo de Bari como papa, sob
o nome de Urbano VI. Quando os cardeais franceses chegaram a essa assembleia,
ignoraram-na, consideraram Urbano VI herético e elegeram Roberto de Genebra,
um francês que se tornou papa com o nome de Clemente VII.

Passou-se, então, a ter dois papas. Iniciou-se, assim, o Cisma do Ocidente,


que separava internamente a cristandade romana em duas obediências e
arruinava o prestígio pontifical.

Os partidos políticos e de guerra transformaram-se nos partidos de apoio para


cada pontífice. Durante cerca de meio século foram propostas diversas soluções
para a resolução deste problema e somente a convocação de um concílio poderia
trazer alguma solução.

O concílio de Constança, que reuniu os cardeais e bispos da cristandade entre


1414 e 1418, finalmente, elegeu Martinho V, cujo pontificado, sem contestação,
prolongou-se de 1417 a 1431 (ALBERIGO, 1997).

A Queda de Constantinopla
A estabilidade do Império Bizantino foi ameaçada pelas dificuldades
financeiras. No auge do governo Justiniano, no século VI, quando se seguiu um
longo período de decadência. Com a morte de Justiniano em 565, as dificuldades
cresceram. Árabes e búlgaros intensificaram as tentativas de entrar no Império.

Durante a Baixa Idade Média (séculos X a XV), além das pressões dos povos
e impérios nas suas fronteiras orientais e perdas de territórios, o Império Bizantino
foi alvo da retomada expansionista ocidental, a exemplo das Cruzadas. Com a
expansão dos turcos-otomanos no século XIV, tomando os Bálcãs e a Ásia Menor,
o império acabou reduzido à cidade de Constantinopla.

72
Capítulo 2 A Igreja Medieval

O predomínio econômico das cidades italianas ampliou o enfraquecimento


Bizantino, que chegou ao fim em 1453, quando o sultão Maomé II destruiu as
muralhas de Constantinopla com poderosos canhões. Os turcos transformaram-
na em sua capital, passando a chamá-la de Istambul, como é conhecida hoje.

Em suma, podemos dizer que a queda de Constantinopla, ocorrida em 1453,


foi o divisor de águas entre os tempos medievais e os tempos modernos.

Província após província do grande império foi tomada, até ficar somente a
cidade de Constantinopla, que em 1453, foi tomada pelos turcos sob as ordens
de Maomé II. O templo foi transformado em uma mesquita. Constantinopla,
atual Istambul, tornou-se a capital do Império Turco e o fim do período da Igreja
Medieval (PIERINI, 1997).

Reforma Protestante
A Reforma Protestante significa o fim da unidade católica, uma ruptura dessa
unidade e o surgimento de novas religiões cristãs dentro da Europa Ocidental. A
Igreja Católica, única unidade religiosa que vinha com grande poder até o início
da idade moderna, fragmentou-se em seu núcleo e em seu seio.

Em 1517, houve a Reforma Protestante, quando na mesma data Martinho


Lutero publicou as 95 teses, criticando o comportamento da Igreja Católica frente
à indulgências, bem como apresentou a tese da livre interpretação da Bíblia.
Esses fatos permitiram o surgimento de novas igrejas, a serem vistos a seguir.
Foi o movimento que rompeu a unidade do Cristianismo centrado pela Igreja de
Roma. Esse movimento é parte das grandes transformações econômicas, sociais,
culturais e políticas ocorridas na Europa nos séculos XV e XVI, ou seja, já na
Idade Moderna (PIERINI, 1997).

73
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Figura 12 – Martinho Lutero

Fonte: Disponível em: <http://alunosonline.uol.com.br/upload/conteudo_


legenda/8143d9d3e312ef61cac99aa438d91a46.jpg>. Acesso em: 29 nov. 2017.

O protestantismo tem como fonte de sua fé a bíblia. Martinho Lutero


condenou imagens dos santos, celibato, latim nas celebrações, entretanto,
manteve o batismo e a eucaristia. Com essas reformas, deu origem ao chamado
Protestantismo Histórico, o qual, além dos luteranos, há também as seguintes
igrejas: Calvinista, Anglicana, Presbiteriana, Batista e a Metodista.

OS CINCO PILARES DA REFORMA PROTESTANTE

• Sola Fide (somente a fé): é pela fé se alcança a salvação.


Para os reformistas, as boas obras são apenas a expressão
da crença e não uma condição para a justificação, que é
considerada ato de Deus e fruto da graça.
• Sola Scriptura (somente a Escritura): a Sagrada Escritura era
a única fonte de revelação. Neste sentido, ela é o fundamento
doutrinal, quando interpretada a partir de si mesma.

74
Capítulo 2 A Igreja Medieval

• Solus Christus (somente Cristo): existe apenas um único


mediador, Jesus Cristo. Os reformistas rejeitam qualquer
doutrina que estabelecesse a intermediação entre Deus e a
humanidade, seja ela relacionada à Virgem Maria, aos santos
ou a alguns dos sacramentos.
• Sola Gratia (somente a Graça): a salvação é um dom
proveniente da graça de Deus que foi concedida por meio de
Cristo, e não fruto do mérito ou das obras humanas.
• Soli Deo Gloria (glória somente a Deus): toda glória e louvor
deveriam ser dadas somente a Deus, fonte de toda graça e
salvação. Nenhum gesto correspondente a estas atitudes
deveria ser relacionado a seres humanos, mesmo que
tivessem tido uma vida de devoção.

Fonte: Natel (2016, p. 100-131).

A cisão iniciou-se pelos maus hábitos da Igreja Católica, como a venda de


cargos eclesiásticos. Ao invés de preparar seu clero, a igreja vendeu os cargos
para obtenção de recursos financeiros, permanecendo o clero despreparado para
lidar com a população extremamente carente e teocêntrica (PIERINI, 1997).

Algumas Considerações
O referido material de estudo procurou de forma simples, porém objetiva e
clara apresentar um estudo reflexivo e analítico sobre a história da Igreja Cristã
no Período Medieval. Procuramos promover uma transposição didática, ou seja,
trocar o conhecimento acadêmico para o pedagógico sem perder a essência
deste saber.

Procuramos abordar historicamente os mais diversos temas relevantes e


presentes nesse longo período da história da civilização, quando a Igreja se fez
protagonista com diversas reflexões teológicas, e em especial com a temática da
fé e da razão.

75
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Nesta unidade estudamos como a formação dos monastérios influenciou


e contribuiu com a Igreja Cristã; conhecemos algumas ordens religiosas e seus
carismas; quem eram os Padres da Igreja; estudamos o Sacro Império Romano-
Germânico, os Concílios da Igreja Cristã no Período Medieval e o poder papal;
também estudamos os Grandes Cismas cuja ênfase foi dada em torno da
separação da Igreja Católica do Oriente e a do Ocidente e em seguida a da
Reforma Protestante; compreendemos também o papel das Cruzadas nesse
período histórico; procuramos também conhecer a relevância da Guerra dos Cem
Anos e, por fim, analisamos a queda de Constantinopla.

Esse material não tem o objetivo de encerrar a temática. Neste sentido


convidamos o leitor a dar sequência nos estudos com leituras complementares a
iniciar pelas referências bibliográficas citadas na respectiva obra.

Referências
ALBERIGO, G. História dos concílios ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1997.

BIHLMEYER, K.; TUECHLE, H. História da igreja. v. 2: a Idade Média. São


Paulo: Paulinas, 1964.

CAIRNS, E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 1984.

COMBY, J.  Para ler a história da igreja I: das origens ao século XV. São Paulo:
Loyola, 1996.

DREHER, M. N. A igreja no império romano (Coleção História da Igreja). São


Leopoldo: Sinodal, 1993.

JUPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janei-


ro: Zahar, 2006

LENZENWEGER, J.; STOCKMEIER, P.; AMON, K. História da igreja católi-


ca. São Paulo: Loyola, 2006.

FRÖLICH, R. Curso básico de história da igreja. 4. ed. São Paulo: Paulus,


1987.

HURLBUT, J. L. História da igreja cristã. São Paulo: Vida, 1979.

76
Capítulo 2 A Igreja Medieval

LACOSTE. J. Y. Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Loyola, 2004.

LE ROUX, P. Império romano. Tradução de William Lagos. Porto Alegre: L&PM,


2013.

MATOS, H. C. J. Introdução à história da igreja. vol. 1. Belo Horizonte: O


Lutador, 1997.

MONDIN. B. Os grandes teólogos do século vinte. vol. 1 e 2. São Paulo: Pau-


linas, 1980.

NATEL. A. Teologia da reforma. Curitiba: InterSaberes, 2016.

ORLANDIS, J. História breve do cristianismo. Lisboa: Rei dos Livros, 1993.

PIERINI, F. A Idade média: curso de história da igreja. v. 2. São Paulo: Paulus,


1997.

PIOPPI, C. História da igreja. Tema 14. MTA-PPKE: Vaticano, 2012.

POTESTÀ, G. L.; VIAN, G. História do cristianismo. São Paulo: Loyola, 2013.

ROGIER, L. J.; AUBERT, R.; KNOWLES, M. D. Nova história da igreja. v. 1 e


2; Petrópolis: Vozes, 1976.

ROMAG, D. Compêndio de história da igreja. v. 2: a Idade Média. Petrópolis:


Vozes, 1950.

SANTOS, J. A igreja na idade média. Disponível em: <https://doutrinacatolica.


wordpress.com/2012/02/03/a-igreja-na-idade-media-ii-entendendo-o-surgimento-
da-cristandade/>. Acesso em: 22 set. 2017.

TARNAS, R. A epopeia do pensamento ocidental: para compreender as ideias


que moldaram nossa visão de mundo. Tradução de Beatriz Sidou. 6. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

TILLICH, P. História do pensamento cristão. São Paulo: ASTE, 1988.

WILLIANS, T. Cronologia da história eclesiástica. São Paulo: Vida Nova, 1993.

77
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

78
C APÍTULO 3
A Igreja Renascentista e Moderna

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Estudar sobre a Reforma Religiosa.


Estudar sobre as causas e ações da Contrarreforma.


Conhecer o desenvolvimento do luteranismo, calvinismo, anglicanismo.


Conhecer o Concílio de Trento.


Compreender as missões católicas e protestantes.


Compreender a implantação do protestantismo no Brasil.


Promover uma análise crítica da Igreja Cristã Renascentista e Moderna.



HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

80
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

Contextualização
No presente capítulo pretendemos apresentar um estudo analítico sobre a
Reforma Religiosa iniciada no século XVI, procurando compreender sua origem
e sentido, bem como as causas da Contrarreforma e o Concílio de Trento, ambos
realizados pela Igreja Católica em resposta à Reforma Religiosa realizada por
Martinho Lutero e outros reformadores.

Vamos também procurar conhecer um pouco da história do desenvolvimento


do luteranismo, do calvinismo e do anglicanismo. Objetivamos ainda estudar
as missões católicas e protestantes, bem como compreender a implantação do
protestantismo no Brasil. Sem nos alongarmos, pretendemos promover uma
rápida análise crítica da Igreja Cristã Renascentista e Moderna.

Após a Idade Média, há um período de transição entre os séculos XV e XVI,


que significou uma ruptura com a tradição cristã, quando tudo era fundamentado
em Deus, e passou-se a valorizar o ser humano. É o período chamado de
Humanismo Renascentista, em quee se rompe com a visão sagrada e teológica
na arte, no pensamento, na política, na literatura, enfim, com o pensamento
teocêntrico. Os pensadores desse período passam a valorizar o saber dos
gregos antigos.

A Idade Moderna traz a proposta de uma nova ordem e visão de mundo,


rejeitando a autoridade imposta pelos costumes e pela hierarquia da nobreza e
igreja, em favor da recuperação do que há de virtuoso, intuitivo e espontâneo na
natureza humana. Surge um novo estilo, com nova temática. Valoriza-se o corpo
humano, as artes, o pensamento, a política, a ciência.

Resumidamente, podemos afirmar que este é o cenário social, político,


econômico e cultural da sociedade europeia da época, em que a Igreja Cristã
também está inserida e protagonizando em muitas ações, dentre elas a Reforma
Religiosa e a Contrarreforma, como política de enfrentamento.

81
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

A Reforma Religiosa Protestante


Antes de adentrarmos na Reforma Religiosa Protestante propriamente, se
faz necessário destacar que tivemos outras tentativas de reformas anteriores a
esta, que, segundo Ferraz (2010), são movimentos que surgiram no interior da
própria Igreja, entretanto, nem a Igreja e nem o mundo estavam preparados para
recebê-los, de modo que foram reprimidos com sangrentas perseguições.

Um exemplo se dá em 1054, onde temos Miguel Keroularios, que rompeu


com o papa, e o início da Igreja Ortodoxa. A seguir, apresentamos
É importante outros reformistas anteriores à Reforma Religiosa Protestante, com
destacar que as suas respectivas reivindicações, presentes tanto na Idade Média como
reformas luteranas,
no período Renascentista.
calvinistas e
anglicanas foram um
rompimento político É importante destacar que as reformas luteranas, calvinistas e
com Roma e não anglicanas foram um rompimento político com Roma e não apenas
apenas religioso. religioso.

Quadro 6 – Reformistas anteriores à Reforma Religiosa Protestante


"Puritanos" surgiram em 1170 no Sul da França. Eles rejeitavam
a autoridade da tradição, distribuíam o Novo Testamento e opun-
ham-se às doutrinas romanas do purgatório, à adoração de ima-
Os Albigenses
gens e às pretensões sacerdotais. O Papa Inocêncio III promoveu
uma grande perseguição contra eles, e a seita foi dissolvida com
o assassinato de quase toda a população da região.
Apareceram ao mesmo tempo, em 1170, com Pedro Valdo, que lia, ex-
plicava e distribuía as Escrituras, as quais contrariavam os costumes
e as doutrinas dos católicos romanos. Foram cruelmente perseguidos
Os Valdenses
e expulsos da França; apesar das perseguições, eles permaneceram
firmes, e atualmente constituem uma parte do pequeno grupo de prot-
estantes na Itália.
Nascido em 1324, recusava-se a reconhecer a autoridade do papa e
opunha-se a ela. Era contra a doutrina da transubstanciação, consid-
João Wyclif
erando o pão e o vinho meros símbolos. Traduziu o Novo Testamento
para o inglês e seus seguidores foram exterminados por Henrique V.
Nascido em 1369, foi um dos leitores de Wyclif, pregou as mesmas
doutrinas, e especialmente proclamou a necessidade de se libertarem
da autoridade papal. Foi excomungado pelo papa, e então retirou-se
para algum esconderijo desconhecido. Ao fim de dois anos, voltou a
João Huss
convite da Igreja para participar de um concílio católico-romana de
Constança, sob a proteção de um salvo-conduto. Entretanto, o acordo
foi violado sob o pretexto de que "não se deve ser fiel a hereges". As-
sim, João Huss foi condenado e queimado.

82
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

Nascido em 1452, foi monge dominicano, em Florença. A grande cate-


dral enchia-se de multidões ansiosas, não só de ouvi-lo, mas também
Jerônimo Sa-
para obedecer aos seus ensinos. Pregava contra os males sociais,
vonarola
eclesiásticos e políticos de seu tempo. Foi preso, condenado, enforca-
do e seu corpo queimado na praça de Florença em 1498.

Fonte: Adaptado de Pioppi (2012).

Segundo Santos (2012), a Reforma Religiosa Protestante foi o movimento


que rompeu a unidade do cristianismo centralizado pela Igreja Católica Apostólica
de Roma. Esse movimento é parte das grandes transformações econômicas,
sociais, culturais e políticas ocorridas na Europa nos séculos XV e XVI, que
enfraqueceram a Igreja, permitindo o surgimento de novas doutrinas religiosas,
embora cada qual tenha sua identidade e interesses.

No início do século XVI, a Igreja Católica revelava diversos problemas e


vícios, pois estava envolvida em uma grave crise interna e mundana, a burguesia
vinha crescendo, o nacionalismo desenvolvia-se nos estados modernos e o
Renascimento Cultural despertava a liberdade de crítica na sociedade.

No entender de Lima (2012), durante a Idade Média, a Igreja Católica foi


objeto de diversos movimentos que se propunham a reformar suas estruturas,
procurando corrigir esses problemas e vícios e voltando a viver de acordo com os
ideais do cristianismo dos primeiros séculos, mas isso não foi possível e a crise
institucional só se agravou cada vez mais.

A invenção da imprensa veio a ser um aliado da Reforma Religiosa


Protestante, que possibilitou a socialização das Escrituras por vários idiomas na
Europa. O Novo Testamento tinha sido traduzido por Martinho Lutero durante o
período em que permaneceu preso. As pessoas que liam a Bíblia se convenciam
de que a Igreja papal estava muito distanciada do ideal do Novo Testamento.

Para Ferraz (2010), uma das forças que conduziram à Reforma foi a
Renascença, levando a Europa para novos interesses: literatura, artes, filosofia,
racionalismo, ciência, dentre outros. Em outras palavras, tivemos uma mudança
de paradigmas e métodos conceituais significativos que mudaram os rumos do
pensamento europeu, do teocentrismo para o antropocentrismo.

Segundo Ferraz (2010), existiam ainda outras causas e fatos que originaram
a Reforma Religiosa, os primeiros questionamentos são referentes a:

83
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

• As Indulgências (documentos assinados pelo papa, que absolviam o


comprador de alguns pecados cometidos, diminuindo o tempo de sua
pena no purgatório, era um comércio em vista da salvação).
• A Simonia, comercialização de coisas sagradas (cargos eclesiásticos,
cobrança por sacramentos, objetos).
• O celibato, culto às imagens, excesso de sacramentos, atitude mundana
do alto clero, dentre outras.
• A Igreja era excessivamente rica e estava demasiado ligada ao poder
político.
• Existia corrupção e imoralidade entre alguns membros da igreja.
• O ideal de pobreza evangélico não era cumprido por muitos religiosos,
que viviam no luxo e na ostentação.
• Os papas e bispos eram escolhidos entre as famílias mais ricas e não
entre os religiosos mais honestos e competentes.
• Existia o alto clero (papas, cardeais, arcebispos, bispos e abades),
cujos representantes vinham quase que só da nobreza, e o baixo clero
(padres paroquiais), integrado por indivíduos das camadas inferiores da
sociedade.
• Muitos padres não respeitavam o celibato sacerdotal, viviam como
casados.
• Muitos religiosos tinham uma reduzida formação cultural e intelectual,
assumiam o sacerdócio sem nenhuma preparação prévia.
• O espírito crítico do Renascimento levantou dúvidas sobre certas ideias
da igreja.
• Alguns membros da Igreja ocupavam vários cargos eclesiásticos
simultaneamente.

Figura 13 – Lutero protestando - afixando as suas 95


teses na porta da Catedral de Wittenberg

Fonte: Disponível em: </www.google.com.br/


search?biw=1088&bih=510&tbm=isch&sa=1&q=reforma+religiosa>.
Acesso em: 29 nov. 2017.
84
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

Segundo Ferraz (2010), a data exata apontada pelos historiadores como


início da Reforma Religiosa foi registrada como 31 de outubro de 1517. Na manhã
desse dia, Martinho Lutero teria afixado na porta da Catedral de Wittenberg um
pergaminho que continha as “noventa e cinco teses”, em que apresentava seu
protesto contra vários pontos da doutrina católica, propondo uma Reforma na
Igreja Católica. Evidentemente que teve um preço:

Lutero foi excomungado por uma bula do Papa Leão X, no


mês de junho de 1520. Pediram então ao eleitor Frederico da
Saxônia que entregasse preso Lutero, a fim de ser julgado e
castigado. Entretanto, em vez de entregar Lutero, Frederico
deu-lhe ampla proteção, pois simpatizava com suas ideias.
Martinho Lutero recebeu a excomunhão como um desafio,
classificando-a de "bula execrável do anticristo". No dia 10 de
dezembro, Lutero queimou a bula, em reunião pública, à porta
de Wittenberg, diante de uma assembleia de professores,
estudantes e do povo. Juntamente com a bula, Lutero queimou
também cópias dos cânones ou leis estabelecidas por
autoridades romanas. Esse ato constituiu a renúncia definitiva
de Lutero à Igreja Católica Romana (FERRAZ, 2010, p. 27).

A maior divulgação da Bíblia e de outras obras religiosas contribuiu para


a formação de uma vontade mais pessoal da população em conhecer Deus e
atender a Sua vontade, sem a intermediação dos padres e da Igreja, o que levou,
por sua vez, a uma interpretação pessoal da Bíblia. Os princípios fundamentais da
Reforma Protestante são conhecidos como as Cinco Solas:

Quadro 7 – As Cinco Solas


Sola = Somente Característica
Os reformistas afirmavam que é somente através da fé  que
Sola Fide
alcançamos a salvação, as obras são apenas a expressão
(somente a fé)
da crença.
Sola Scriptura Para os reformistas, a Sagrada Escritura era única fonte de
(somente a Escritura) revelação, sendo ela o fundamento da doutrina cristã.
Para os reformistas existe apenas um mediador, que é
Solus Christus
Jesus Cristo, não havendo outra mediação entre Deus e a
(somente Cristo)
humanidade (santos, Virgem Maria, sacramentos).
Sola Gratia Os reformistas compreendiam a salvação como um dom da
(somente a Graça) graça de Deus, e não fruto do mérito humano.
No entender dos reformistas, toda glória e louvor deveriam ser
Soli Deo Gloria
dados somente a Deus, que é fonte de toda graça e salvação,
(glória somente a Deus)
e não às pessoas humanas.

Fonte: Natel (2016, p. 131).

85
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Atividade de Estudos:

1) Inserida no contexto histórico do Renascimento, a Reforma


Protestante pode ser compreendida, segundo Monteiro (2007), a
partir de três matrizes analíticas diferenciadas. Neste sentido, leia
o trecho do artigo: “As Reformas Religiosas na Europa Moderna”,
que se encontra a seguir, e posteriormente elabore um mapa
conceitual no qual você possa ressaltar as três compreensões
históricas que o texto apresenta sobre a Reforma Protestante.

“Com efeito, o tema das Reformas Religiosas pertinente ao início


da Época Moderna possui implicações que ultrapassam as mudanças
institucionais eclesiásticas no século XVI, relacionando-se também
a aspectos culturais, econômicos e de poder vividos na Europa. A
historiografia nem sempre foi atenta a esses desdobramentos e relações,
e pode-se afirmar que uma transformação significativa na análise das
questões religiosas referentes ao século XVI começou a ocorrer a partir
da década de trinta do século XX, com os trabalhos de Delio Cantimori,
Lucien Febvre e Hubert Jedin, até os anos cinquenta [...].

Delio Cantimori [...] conclui que o protestantismo, em seu


advento, representou o próprio fracasso do ideal humanista, da
autoconfiança exacerbada no potencial do homem, otimismo
excessivo em sua transformação através do livre-arbítrio. Dessa
forma, o servo-arbítrio de Lutero seria não apenas o antídoto
contra o livre-arbítrio – princípio essencial à teologia católica –,
mas a confirmação da onipotência divina em oposição ao programa
educacional encetado pelos homens do Renascimento [...].

Lucien Febvre não se particularizava por realizar uma história


confessional, [...] propunha uma história da espiritualidade mais
abrangente que as questões institucionais e teológicas vividas
no século XVI, na Europa ocidental. No célebre estudo sobre os
“problemas de conjunto”, este historiador interroga-se sobre as
origens da Reforma na França. Febvre refere-se ao problema
dos historiadores franceses que, absorvidos pelas questões da
“especificidade”, da “prioridade” e da “nacionalidade”, buscavam
uma origem para a Reforma francesa. [...] indica que o suposto
primeiro reformador francês não criticava os abusos da Igreja, e
que o problema do surgimento da reforma deveria levar em conta
a intensa religiosidade vivida na Europa – inclusive na França – ao

86
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

final do século XV e no início do século XVI: fidelidade às velhas


crenças, devoção tradicional, a fé concretizada nos “testemunhos de
pedra” do gótico tardio e no sucesso de obras surgidas no século
XV, como a Imitação de Cristo. Se a realidade devocional era forte,
entre ela e o clero existia um abismo marcado pela insensibilidade.
Deste modo, o historiador francês justifica o sucesso da reforma – na
França e alhures – mediante dois fatores: pelo surgimento da Bíblia
em língua vulgar, e pela questão da justificativa da salvação pela fé.
Em conclusivo, defende que a reforma deve ser relacionada a uma
crise moral e religiosa de muita gravidade que assolou a Europa
naquele tempo.

[Por fim] Coube a Hubert Jedin, jesuíta alemão que conseguiu o


acesso aos documentos do Concílio de Trento, a criação do conceito
de Reforma Católica, diferente de Contrarreforma. Em sua história
sobre o Concílio de Trento, Jedin renova os estudos da estrutura
organizacional da Igreja no século XVI, contemplando também o
período da pré-reforma, o que possibilita pensar as mudanças vividas
no papado durante os Quinhentos. O autor alemão enfatiza as linhas
de força do concílio, caracterizadas pelo reforço das escrituras e da
tradição, seguindo passo a passo a marcha do evento” (MONTEIRO,
2007, p. 132-137).

87
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

A Reforma Luterana
Segundo Lima (2012), a Reforma Religiosa Luterana foi proposta por Martinho
Lutero (1483-1546), que nasceu em Eisleben, na Saxônia, no dia 10 de novembro
de 1483. Lutero era filho de um empreiteiro de minas que atingiu certa prosperidade
econômica. Influenciado pelo pai, ingressou em 1501 na Universidade de Erfurt,
para estudar Direito, mas seu perfil era para a vida religiosa.

Em 1505, após quase ter morrido em uma violenta tempestade, ingressou


na Ordem dos Monges Agostinianos. Estudioso, metódico e aplicado, Lutero
conquistou prestígio intelectual, tornou-se professor da Universidade de
Wittenberg em 1508. Esteve em Roma, onde conviveu com o alto clero e lá se
decepcionou. Aprofundou seus estudos teológicos a ponto de fundamentar uma
nova doutrina religiosa.

Sua inquietação com a corrupção da Igreja da época persistiu, até que


conseguiu formular para o seu drama interior uma teoria da salvação da alma
com base nas epístolas de São Paulo, nas quais encontrou o que procurava em
afirmações como esta: "Nós sustentamos que o homem é justificado pela fé, sem
as obras da lei".

Figura 14 – Martinho Lutero – A Justificação pela fé

Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?biw=1088&bih=470&tbm=isch&sa=1&q=Lutero>. Acesso em: 30 nov. 2017.

88
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

Concluiu Lutero que o homem, corrompido em razão do pecado Concluiu Lutero


original, só poderia salvar-se pela fé incondicional em Deus, "o justo se que o homem,
salvará pela fé". Somente a fé seria capaz de justificar os pecados e de corrompido em
razão do pecado
conduzir à salvação, graças à misericórdia divina.
original, só poderia
salvar-se pela fé
Dando-se a salvação pela fé e não sendo possível alguém ter fé incondicional em
em lugar de outrem, a salvação convertia-se numa questão particular, Deus
que dizia respeito apenas a cada um. Assim, não havia necessidade de
padres ou santos, dispensando todos os intermediários entre Deus e os fiéis e,
por isso, foi tida como uma heresia pela Igreja Católica, como um pecado contra
os dogmas da Igreja (LIMA, 2012).

Quadro 8 – A doutrina luterana


A DOUTRINA LUTERANA
Proclamava a criação de igrejas nacionais autônomas. O trabalho reli-
gioso poderia ser feito por pessoas não obrigadas ao celibato sacerdo-
Igreja tal. Lutero aceitava a dependência da Igreja ao Estado. O idioma das
cerimônias religiosas deveria ser aquele de cada nação e não o latim,
que era o idioma oficial das cerimônias católicas.
A cerimônia religiosa deveria obedecer a ritos mais simples, reduzindo a
Rito religioso
pompa existente nos cultos católicos. Santos e imagens foram abolidos.
A Bíblia era o livro sagrado do luteranismo, representando a única fon-
te da fé. Sua leitura e interpretação deveriam ser feitas por todos os
Livro Sagrado
cristãos. Lutero, em 1534, traduziu para o alemão um original grego da
Bíblia.
Salvação hu-
O homem salva-se pela fé em Deus e não pelas obras que pratica.
mana
Sacramentos Preservaram-se como sacramentos básicos o batismo e a eucaristia.

Fonte: Disponível em: <http://boanova.tripod.com/reforma.htm>. Acesso em: 2 out. 2017.

As ideias de Lutero estariam de acordo com os preceitos do cristianismo


primitivo, o que agradou a muitos nobres do Sacro-Império que, devido às disputas
com o imperador, passaram a confiscar terras da Igreja. Lutero defendia que o
homem estaria sempre condenado em virtude da gravidade que representou o
pecado original, porém, apesar de saber que estava condenado, o fiel poderia
manter a sua fé e com isso salvar a própria alma.

89
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

A Reforma Calvinista
Influenciado pelas ideias de Lutero, o francês João Calvino passou
Influenciado pelas
a divulgar uma nova doutrina religiosa em Genebra, na Suíça. Segundo
ideias de Lutero,
o francês João ele, todos os homens estavam sujeitos à vontade de Deus, sendo
Calvino passou a apenas alguns os predestinados à salvação (teoria da predestinação de
divulgar uma nova Santo Agostinho).
doutrina religiosa em
Genebra, na Suíça. O sinal da graça divina estaria em uma vida cheia de virtudes,
Segundo ele, todos
dentre as quais, o trabalho diligente, a sobriedade e a parcimônia em
os homens estavam
sujeitos à vontade relação aos bens materiais. A Bíblia era a base da doutrina, não sendo
de Deus, sendo necessário um clero regular para interpretá-la. Na opinião de Calvino,
apenas alguns os quanto mais sucesso a pessoa possuía nos negócios, mais próximo da
predestinados à graça de Deus.
salvação (teoria da
predestinação de
• Na França, os calvinistas eram chamados de Huguenotes (calvinistas
Santo Agostinho).
confederados).
• Na Inglaterra, eram denominados de Puritanos (protestantes calvinistas
radicais que buscavam a essência das escrituras, defensores da pureza
do indivíduo, da Igreja e dos valores da burguesia).
• Na Escócia, eram os Presbiterianos, termo que advém da palavra
grega presbyteros, que significa ancião, utilizada na entrada das igrejas
protestantes calvinistas da Escócia após a difusão das novas ideias
religiosas por John Knox, antigo aluno de Calvino.

O sinal da graça divina estaria em uma vida cheia de virtudes. Uma ética
religiosa bem recebida pela burguesia da época, bastante aproximada da ética
do capitalismo emergente, buscando inclusive desenvolver esta ética cristã,
primando pela honestidade nos negócios.

A Reforma Anglicana
O advento do anglicanismo relaciona-se aos interesses políticos e
econômicos do Rei Henrique VIII, governante inglês do século XVI. Em 1534, o
rei fundou uma nova Igreja Cristã, submetida a sua própria autoridade, rompendo
os laços com o papado romano.

Ao ser excomungado, o rei confiscou os bens da Igreja Católica do reino,


enriquecendo os cofres do Estado absolutista inglês, obtendo assim grande
vantagem financeira, demonstrando que o interesse não era só a separação e um
novo casamento, mas enriquecer às custas da Igreja Católica.

90
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

As justificativas para o rompimento com a Igreja Católica estão As justificativas para


vinculadas ao desejo de anulação, por parte do rei, do casamento o rompimento com
a Igreja Católica
com Catarina de Aragão e a realização de uma nova união com sua
estão vinculadas ao
amante, Ana Bolena, prática essa proibida pelo catolicismo, bem desejo de anulação,
como aos interesses financeiros ao se expropriar os bens da Igreja por parte do rei,
Católica no reino. do casamento com
Catarina de Aragão
Há outros motivos também, a Igreja Católica exercia grande e a realização de
uma nova união
influência política dentro da Inglaterra, pois era dona de grande parte
com sua amante,
das terras e monopolizava o comércio de objetos sagrados. Havia o Ana Bolena, prática
interesse de fortalecer o poder da monarquia inglesa, assim o rei essa proibida pelo
Henrique VIII teria que reduzir a influência do papa dentro da Inglaterra. catolicismo, bem
A nobreza capitalista inglesa tinha grande interesse econômico em como aos interesses
apossar-se das terras da Igreja. Para que isso acontecesse era preciso financeiros ao se
expropriar os bens
unir-se em torno do rei, a fim de que os poderes da Igreja Católica se
da Igreja Católica no
enfraquecessem. reino.

O anglicanismo se assemelha ao catolicismo, porque mantém imagens em


seus cultos, bem como um clero regular e secular submetido à autoridade do
rei inglês, maior autoridade da nova religião. Aproxima-se, porém, da doutrina
calvinista da predestinação, servindo aos interesses do rei absolutista, mas
também às expectativas da ascendente burguesia inglesa (SANTOS, 2012).

A Contrarreforma
Segundo Ferraz (2010), após haver-se iniciado o movimento da O avanço do
Reforma Religiosa, um poderoso esforço também foi iniciado pela Protestantismo
levou a Igreja
Igreja Católica Apostólica Romana para recuperar o terreno perdido.
Romana a se
O avanço do Protestantismo levou a Igreja Romana a se reorganizar reorganizar política
política e pastoralmente para reagir à expansão da doutrina protestante e pastoralmente
pela Europa. para reagir à
expansão da
Para Santos (2012), a Igreja Católica precisava se autorreformar doutrina protestante
pela Europa.
ou não sobreviveria, pois precisava, ainda, evitar que outras regiões da
Europa virassem protestantes. Esse movimento de reforma interna já existia em
outras épocas, inclusive desde a Idade Média, mas é nesse momento na Idade
Moderna que ele é aprofundado e concretizado.

Resumidamente, podemos afirmar que a Contrarreforma é um movimento de


reação da Igreja Católica contra a Reforma Protestante, recorrendo, por vezes, a
ações de força e violência. Esse movimento foi denominado de Reforma Católica,
mas também é conhecido popularmente como Contrarreforma. Os principais
instrumentos de ação da Contrarreforma foram (SANTOS, 2012):
91
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

• Concílio de Trento – tentativa de reformar a Igreja internamente.


• O Index (Índice) – encarregado da censura de obras impressas, lista de
livros cuja leitura era proibida aos fiéis, pois que iam contra a fé e a moral.
• Inquisição (Tribunal do Santo Ofício da Igreja) – encarregado de
combater a reforma e julgar as heresias.
• Companhia de Jesus – As Missões Jesuíticas.
• As perseguições – pressão sobre as pessoas.

A Guerra dos Trinta Anos


Ferraz (2010) apresenta que como resultado dos interesses e propósitos
contrários dos Estados da Reforma e dos católicos na Alemanha, iniciou-se então
a chamada “Guerra dos Trinta Anos”, no ano de 1618, quase um século depois da
Reforma Religiosa.

Esse conflito envolveu quase todas as nações da Europa, onde várias


rivalidades políticas e religiosas estavam presentes, dentre elas, os Estados
que professavam a mesma fé, apoiavam partidos políticos contrários, um
desentendimento generalizado (FERRAZ, 2010).

Para Moita (2012), a Guerra dos 30 Anos, que devastou a Europa central entre
1618 e 1648, foi um conflito de grande envergadura e de natureza compósita. Foi
simultaneamente uma guerra religiosa, um confronto entre as potências da época,
um choque entre interesses dinásticos e uma rebelião dos príncipes alemães
contra o imperador do Sacro Império Romano-Germânico.

Figura 15 – Conflito generalizado – Tentativa de ambas as religiões


de expandir suas doutrinas religiosas sob outros Estados

Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?biw=1088&bih=470&tbm=isch&sa=1&q=a+guerra+dos+trinta+anos>.
Acesso em: 30 nov. 2017.

92
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

Contexto Histórico da Guerra dos


Trinta anos
• Em 1517, Lutero afixa na Catedral de Wittenberg as suas 95 teses, ato
simbólico que assinala a origem da Reforma Protestante.
• Calvino proclama uma doutrina próxima à de Lutero, com variantes
próprias, e o calvinismo espalha-se a partir de Genebra pelo norte da
França.
• O caso da Dieta de Worms de 1521, que assinala a condenação de
Lutero.
• O caso do Édito de Nantes, de Henrique IV de França, que punha fim ao
massacre dos Huguenotes, em 1598.
• Intervenção francesa, aliada à Suécia para afrontar a hegemonia do
Império Romano-Germânico e da Espanha, a fim de conquistar a posição
de primeira potência europeia.

Em síntese, a Guerra dos 30 Anos significou um afrontamento entre


as principais potências europeias do século XVII, no quadro de numerosas
convulsões e afrontamentos que entre elas tiveram lugar nesse período da
transição do século XVI para o XVII. A Guerra dos 30 Anos não foi apenas uma
guerra de religião, foi também um confronto entre as potências da época, que
tinham interesses políticos, econômicos e territoriais.

A guerra só terminou em 1648 com a assinatura do tratado de paz de


Westfália, que fixou os limites dos estados católicos e protestantes, que
permanecem até os dias atuais, e mesmo assim, em algumas regiões da Europa,
nos dias de hoje alguns conflitos ainda são presentes, como na Irlanda do Norte,
por exemplo (MOITA, 2012).

O Concílio de Trento
O Concílio de Trento ocorreu na cidade de Trento, situada no Norte da
Itália. Durou 18 anos (1545 a 1563), pois foi realizado em três momentos, dado
o falecimento de dois dos três papas que o presidiram. Esses dois papas tiveram
que ser substituídos por meio de um Conclave, que é considerado um dos
concílios mais importantes da história da Igreja.

Segundo Ferraz (2010), tentou-se inicialmente fazer a Contrarreforma


dentro da própria Igreja por via do Concílio de Trento, convocado no ano de 1545
pelo Papa Paulo III, principalmente com o objetivo de investigar os motivos e

93
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

pôr fim aos abusos que deram causa à reforma. Esperavam que a separação
entre católicos e protestantes teria um fim, e que a Igreja ficaria outra vez unida,
entretanto isso não ocorreu.

Em linhas gerais, Conclave é a eleição do papa. Do latim cum


clavis  (fechado à chave). Os cardeais eleitores e elegíveis ficam
reunidos, a portas fechadas, isolados durante todo o período de
eleição, sem contato com o exterior, para evitar influências exteriores
a sua decisão para escolher o próximo papa.

A nova missa estandardizada tornou-se conhecida como a "Missa Tridentina",


com base no nome da cidade de Trento, onde o concílio teve lugar. Regula
também as obrigações dos bispos e confirma a presença de Cristo na Eucaristia.
São criados seminários como centros de formação sacerdotal e reconhece-se a
superioridade do papa sobre a assembleia conciliar.

Quadro 9 - Algumas informações sobre o Concílio


de Trento – O Concílio da Reforma
Data: 13/12/1545 a 04/12/1563
- Contra a Reforma de Lutero.
Realizado em três períodos:
- Doutrina sobre a escritura e a tradição: reafir-
Papa Paulo III (1534-1549) mação do Cânon das Sagradas Escrituras e de-
clarou a Vulgata isenta de erros teológicos.
Papa Júlio III (1550-1555)
- Doutrina do pecado original, justificação, os sac-
Papa Pio IV (1559-1565) ramentos e a missa, a veneração e invocação dos
santos, eucaristia, purgatório, indulgências etc.

Fonte: O autor.

Este concílio instituiu reformulações, mudanças e reafirmações, emitindo


vários decretos disciplinares, especificou claramente as doutrinas católicas quanto
à salvação, os sacramentos e o cânone bíblico, em oposição aos protestantes,
e estandardizou a missa através da Igreja Católica, abolindo largamente as
variações locais.

94
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

Quadro 10 – O Concílio de Trento em dois grupos


• Reafirmou-se a autoridade do papa.

• Manteve os sete sacramentos.

Decisões • Reforçou o culto dos santos e da Virgem.


doutrinárias
• Conservou o papel das boas obras na salvação.

• Opôs-se à comunhão em duas espécies (pão e vinho) e


afirmou a presença real de Cristo na Eucaristia.
• Obrigação de os padres e de os bispos residirem nas suas
paróquias e dioceses, respectivamente.

Decisões disci- • Proibição de acumular benefícios.


plinares
• Proibição de ordenação sacerdotal antes dos 25 anos.

• Obrigatoriedade do celibato eclesiástico.

• Criação de seminários em todas as dioceses.

Fonte: O autor.

É instituído o índice de livros proibidos Index Librorum Prohibitorum e


reorganizada a Inquisição e o Tribunal do Santo Ofício, cujas penas poderiam
ser de penitência, de confisco de bens, de excomunhão ou mesmo de morte. No
processo judicial podia recorrer-se à tortura (CAIRNS, 1984).

Quadro 11 – Decretos de reforma estabelecidos no Concílio de Trento


“As imagens de Cristo e da Virgem Maria, Mãe de Deus, e dos
santos, devem ser guardadas nas igrejas, onde se lhes devem
prestar a devida honra e veneração; não por crer que haja nelas
“divindades” ou “virtude alguma”, a quem queremos adorar ou
Decreto de refor- pedir favores imitando os antigos gentios, que punham toda a
ma I sua confiança em seus ídolos, mas porque as honras que lhes
prestamos as referimos aos protótipos que elas representam, de
sorte que, quando beijamos uma imagem, ou nos descobrimos
ou prostramo-nos diante dela, adoramos Jesus Cristo e venera-
mos os santos por elas representadas”.
“Quando Deus toca o coração do homem pela iluminação do Espírito
Santo, o homem não é insensível a tal inspiração, que pode também
Decreto de refor- rejeitar; e, no entanto, ele não pode tampouco, sem a graça divina,
ma II chegar, pela vontade livre, à justiça diante dele”. “Tendo recebido de
Cristo o poder de conferir indulgências, já nos tempos antiquíssimos
usou a Igreja deste poder, que divinamente lhe fora doado…”.
“Se alguém disser que a todo pecador penitente, que recebeu a graça
da justificação, é de tal modo perdoada a ofensa e desfeita e abolida
Decreto de refor- a obrigação à pena eterna, que não lhe fica obrigação alguma de
ma III pena temporal a pagar, seja neste mundo ou no outro, purgatório,
antes que lhe possam ser abertas as portas para o reino dos céus -
seja excomungado”.

95
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

“A Igreja ensina e ordena que o uso das indulgências, particular-


mente salutar ao povo cristão e aprovado pela autoridade dos santos
Decreto de refor-
concílios, seja conservado na Igreja, e fere com o anátema aos que
ma IV
afirmam serem inúteis as indulgências e negam à Igreja o poder de
as conceder” (decreto sobre as indulgências).
“Fiéis à doutrina das Sagradas Escrituras, às tradições apostólicas,
Decreto de refor- e ao sentimento unânime dos padres, professamos que os sacra-
ma V mentos da nova lei foram todos instituídos por Nosso Senhor Jesus
Cristo”.
“No santíssimo sacramento da Eucaristia estão contidos verdadeira-
Decreto de refor- mente, realmente e substancialmente, o corpo e o sangue juntam-
ma VI ente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por
conseguinte, o Cristo todo”.

Fonte: Adaptado de Alberigo (1997).

Figura 16 – O Concílio de Trento: uma das ações da Contrarreforma

Fonte: Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/images/


concilio-trento-sesion-21.jpg>. Acesso em: 30 nov. 2017.

O avanço do protestantismo e o cenário social, político, econômico e cultural


da sociedade europeia do século XVI levaram a Igreja Católica Apostólica Romana
a se reorganizar politicamente e pastoralmente, e uma das ações foi a convocação
do Concílio de Trento, que ficou conhecido como o Concílio da Reforma.

96
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

IGREJA ORTODOXA DA RÚSSIA

Entre os muitos acontecimentos que se desenrolaram sob


o pontificado de Gregório XVI, merece particular menção o que
se refere à chamada Igreja Russa Ortodoxa. Ortodoxo é aquele
que pensa com retidão. Pois bem, a Igreja Católica que conserva
e pratica o santo Evangelho, tal como o ensinava Jesus Cristo, é a
única que pensa e sente retamente; logo, ela só se deve chamar
ortodoxa. Heterodoxo quer dizer, ao contrário, o que pensa ou sente
diversamente; por isso a Igreja russa, cismática e herética, deve
chamar-se heterodoxa, porque pensa e crê diversamente do reto e
verdadeiro.

Para fazermos uma ideia precisa sobre a origem da Igreja russa,


devemos recordar que pouco depois da celebração do Concílio
Ecumênico de Florença, no ano 1439, e precisamente em princípio
do século décimo sexto, começou o cisma russo, sob o imperador
Basílio III. Este, procedendo com completa independência da
Santa Sé, elegeu um patriarca na cidade de Moscou, e decretou
que unicamente a este patriarca deviam obedecer todas as outras
igrejas de seu império. Mais de uma vez trabalharam os papas para
restituir este reino vastíssimo ao rebanho de Jesus Cristo, porém
sempre durou pouco a conciliação. Finalmente, o imperador Pedro, o
Grande, vendo que as desordens políticas diariamente cresciam pela
falta de um chefe supremo nos assuntos religiosos, depois de ter
trabalhado inutilmente para induzir ao patriarca e aos bispos a que
se submetessem ao pontífice romano, deliberou acrescentar à Coroa
Imperial o poder de soberania suprema, fazendo-se, desta maneira,
ele mesmo, papa e juiz em todos os assuntos religiosos. Por isso, no
ano 1720, transladou a capital do império para São Petersburgo, e a
erigiu como centro da autoridade civil e religiosa, e estabeleceu uma
liturgia sob o nome de Estatuto Eclesiástico, onde se acham contidos
os mesmos erros de Fócio.

Estabelece como base de seu estatuto uma inteira liberdade de


consciência. São admitidas neste império todas as seitas cristãs, o
maometismo e até a própria idolatria. E com o fim de retrair cada vez
mais seus súditos da obediência ao Pontífice romano, ordenou que
não se desse cargo político ou religioso a pessoa alguma que não
pronunciasse este juramento: “Confesso e confirmo sob juramento,

97
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

que o juiz supremo da autoridade religiosa é nosso monarca, senhor


absoluto de todas as Rússias”. Os soberanos da Rússia, chamados
autocratas ou senhores absolutos, deixaram por algum tempo aos
católicos a liberdade de praticar sua religião, porém, paulatinamente
pretenderam mandar sobre as consciências, de tal sorte que no
pontificado de Gregório XVI, chegaram a uma perseguição aberta.

Fonte: BOSCO, João. Compêndio de História Eclesiástica.


Turim: Congregação de São Francisco de Sales, 1872.

A Companhia de Jesus e as Missões


na América Latina
A Ordem dos
Jesuítas, fundada A Ordem dos Jesuítas, fundada em 1534 pelo espanhol Inácio de
em 1534 pelo Loyola, era uma ordem monástica caracterizada pela severa disciplina,
espanhol Inácio de intensa lealdade à Igreja e à Ordem, profunda devoção religiosa e
Loyola, era uma dedicada em arrebanhar fiéis. Seu principal objetivo era combater o
ordem monástica movimento protestante, tanto com métodos conhecidos como outros
caracterizada pela
sigilosos.
severa disciplina,
intensa lealdade
à Igreja e à Segundo Ferraz (2010), a Ordem dos Jesuítas tornou-se tão
Ordem, profunda poderosa que teve oposição até mesmo nos países católicos; foi
devoção religiosa suprimida em quase todos os países da Europa, e por decreto do Papa
e dedicada em Clemente XIV, no ano de 1773, a Ordem dos Jesuítas foi proibida de
arrebanhar fiéis. Seu
funcionar dentro da Igreja.
principal objetivo
era combater
o movimento Apesar desse fato, a Ordem Jesuítica continuou a funcionar,
protestante, tanto secretamente, durante algum tempo, mais tarde abertamente, e foi
com métodos reconhecida pelo papa em 1814. Hoje é uma das forças mais ativas
conhecidos como para divulgar e fortalecer a Igreja Católica Romana em todo o mundo.
outros sigilosos.
Segundo Custodio (2009), os jesuítas tiveram importante papel na relação
com os povos nativos e na consolidação dos novos territórios, nos contextos
coloniais os jesuítas promoveram a construção de inúmeros colégios, igrejas e
povoados, por meio de missões e nas reduções que foram utilizadas na chamada
Conquista Espiritual.

Os jesuítas desenvolveram sua ação missionária na América, com diferentes


grupos nativos e em diferentes regiões, desde o Norte do México até o Sul do Chile,
a partir do Tratado de Tordesilhas, firmado em 1494, onde foram estabelecidos

98
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

os limites e parâmetros de navegação e de possessões das nações ibéricas. A


Província Jesuítica do Brasil foi fundada em 1553, e em 1604 foi constituída a
Província Jesuítica do Paraguai, independente das províncias do Brasil.

Custodio (2009) destaca que durante mais de 150 anos os missionários


jesuítas conviveram com os guaranis, em diferentes regiões. O espaço missioneiro
se constituiu assimilando a experiência dos padres jesuítas, com diferentes
formações culturais e nacionalidades, seja com o conhecimento da natureza, com
os costumes e/ou com o modo de ser do guarani, num processo que moldou as
características próprias.

Figura 17 – As missões jesuíticas no Brasil: a


catequização dos índios e dos escravos

Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?biw=1088&bih=470&tbm=isch&sa=1&q=jesuitas>. Acesso em: 30 nov. 2017.

As Perseguições
Para Ferraz (2010), as perseguições foram outra arma poderosa usada para
impedir a reforma que vinha crescendo rapidamente. Na verdade, desde o século
XIV já havia perseguições específicas para aqueles que defendiam uma reforma
religiosa. John Wycliffer foi um exemplo na Inglaterra, que defendia ideias próprias
contra as normas da Igreja Católica, ele não aceitava vários dogmas estabelecidos
pela Igreja Católica e buscava uma vida de acordo com o cristianismo original dos
primeiros séculos.

99
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Inúmeras pessoas, Seus ideais foram se espalhando e inúmeros católicos começaram


em especial as a aderir ao movimento protestante, a criticar as regras da Igreja, dentre
mulheres, foram eles estão o monge Girolamo Savarola, que foi torturado e enforcado
queimadas em
por ordem do Papa Júlio II; o jurista Thomas Morus, Erasmo de Roterdã,
praças públicas,
tidas como bruxas dentre outros que clamavam por uma reforma na religião da época.
pelo Tribunal da Inúmeras pessoas, em especial as mulheres, foram queimadas em praças
Santa Inquisição. públicas, tidas como bruxas pelo Tribunal da Santa Inquisição.

Figura 18 – Santa Joana d’Arc vítima de um tribunal civil borguinhão

Fonte: Disponível em: <http://www.amen-etm.org/


Inquisicao.htm>. Acesso em: 30 nov. 2017.

Na Espanha estabeleceu-se a inquisição, por meio da qual inumerável


multidão sofreu torturas e muitas pessoas foram queimadas vivas, especialmente
as mulheres, que eram tidas como bruxas. Nos Países-Baixos, o governo
espanhol determinou matar todos aqueles que fossem suspeitos de heresias.

Também tivemos a Também tivemos a chamada Inquisição Protestante, que promoveu


chamada Inquisição atitudes e ações semelhantes às da Igreja Católica, às vezes em menor,
Protestante, que
igual ou maior nível, inclusive com os mesmos objetivos.
promoveu atitudes e
ações semelhantes
às da Igreja Na França, o espírito de perseguição alcançou o clímax, na
Católica, às vezes matança da chamada Noite de São Bartolomeu, 24 de agosto de
em menor, igual ou 1572, e que se prolongou por várias semanas. Com essas ações, a
maior nível, inclusive Igreja Católica buscou intimidar a população da época a não aderir ao
com os mesmos
protestantismo, tendo essas pessoas sido sacrificadas como referências
objetivos.
daquilo que era ruim e negativo.
100
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

As Missões Católicas
Ferraz (2010) nos apresenta que os esforços missionários da Igreja
Católica Romana devem ser reconhecidos, também, como uma das forças da
Contrarreforma. Esses esforços eram dirigidos em sua maioria pelos jesuítas,
e tiveram como resultado a conversão das raças nativas da América do Sul, do
México e de grande parte do Canadá.

Na Índia e países circunvizinhos estabeleceram-se missões por intermédio


de Francisco Xavier, um dos fundadores da sociedade dos jesuítas. Já nos países
pagãos, as missões iniciaram-se um século antes das missões protestantes e
conquistaram grande número de membros para a Igreja Católica.

As missões de São Francisco de Sales conseguiram o regresso ao


catolicismo de grande parte da suíça francesa. São Vicente de Paulo também
promoveu missões de alcance popular, às quais se dedicaram os lazaristas,
oriundos do Seminário de São Lázaro.

Já São João Batista de La Salle funda uma ordem religiosa voltada para
o ensino, e a ordem dos Cistercienses foi reformada pelo Abade Rancé, dando
origem à Ordem Trapista, ambas também têm grande relevância neste processo
missionário e evangelizador, como ações da Contrarreforma.

As Missões Protestantes e a
Implantação do Protestantismo no
Brasil
O protestantismo
O protestantismo tem como fonte de sua fé a Bíblia e defende a tem como fonte
livre interpretação da mesma, pois para Lutero só há revelação pelas de sua fé a Bíblia
escrituras. Assim sendo, acabou com imagens dos santos, com celibato, e defende a livre
com o latim das celebrações, desconsidera o magistério, só aceita os interpretação
sacramentos que aparecem na Bíblia, que são o Batismo e a Eucaristia. da mesma, pois
para Lutero só há
revelação pelas
A partir dessas teses, surge o chamado Protestantismo Histórico, escrituras.
e além dos luteranos, temos outras igrejas fazendo parte: Calvinista,
Anglicana, Presbiteriana, Batista e a Metodista. Todas essas buscaram promover
suas missões e evangelizações de acordo com seus ideais, carismas e princípios.

101
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Luteranismo
A Igreja Luterana foi fundada pelo alemão Martinho Lutero, que viveu de 1483
a 1546 e foi o responsável pela Reforma Protestante. Segundo Cairns (1984):

• Os luteranos acreditam que Jesus Cristo é o Filho de Deus e que ele é


igual ao Pai em todos os sentidos; que ele ressuscitou corporalmente
dentre os mortos; que ele é o único caminho que nos conduz aos céus;
que ele virá pela segunda vez no fim do mundo para julgar os vivos e os
mortos.

• Os luteranos ensinam que a fé é a aceitação de Jesus Cristo, por parte


do pecador arrependido, como seu real e único Salvador, e a completa
confiança na obra de Cristo para o perdão dos pecados e a Salvação;
que aquele que permanece nesta fé até o fim será eternamente salvo;
que sem a fé, a Salvação é impossível.

• Para os luteranos, o arrependimento, no sentido bíblico do termo, é


o reconhecimento do pecado; que a todo pecador verdadeiramente
arrependido é assegurado o perdão gratuito e completo de Deus.

Anglicanismo
No que se refere
as suas doutrinas, Vertente do cristianismo, o anglicanismo surgiu em 1534 na
crenças e dogmas, Inglaterra, durante o reinado de Henrique VIII, onde o Estado tinha
o anglicanismo o controle sobre os cargos religiosos, nomeando padres, bispos e
também incorporou cardeais. Nesse período, as relações entre Henrique VIII e a Igreja
alguns princípios chegavam ao seu fim – quando o Papa Clemente VII se negou a anular
e semelhanças ao
seu casamento com Catarina de Aragão.
catolicismo, como
a fé na Bíblia,
os sacramentos No que se refere as suas doutrinas, crenças e dogmas, o
do Batismo e anglicanismo também incorporou alguns princípios e semelhanças
da Eucaristia. ao catolicismo, como a fé na Bíblia, os sacramentos do Batismo e da
Entretanto, as Eucaristia. Entretanto, as imagens e a autoridade papal não são aceitas
imagens e a
(CAIRNS, 1984).
autoridade papal
não são aceitas.

102
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

Calvinismo
A religião calvinista foi fundada por João Calvino (1509–1564), seus adeptos
acreditam que só Deus pode salvar a alma do homem e que os eleitos a serem
salvos já teriam sido determinados no céu. A doutrina segue os princípios do
protestantismo, que afirma o dogma da predestinação, pela qual o homem está
destinado à salvação ou condenação por escolha divina.

O termo calvinismo também se refere às doutrinas e práticas das igrejas


reformadas ou presbiterianas. O calvinismo é resultado de uma evolução
independente das ideias protestantes que nasceram sob a influência de João Calvino.

O calvinismo
O calvinismo defende ideias e princípios morais rígidos, o trabalho defende ideias e
e a poupança como duas virtudes a serem valorizadas pelo verdadeiro princípios morais
cristão, valoriza o trabalho e a contenção dos lucros, que atraíram rígidos, o trabalho
vários representantes da burguesia europeia. e a poupança
como duas
virtudes a serem
O calvinismo serviu de ponto de partida e inspiração para que o
valorizadas pelo
sistema capitalista se desenvolvesse, com ideias como a do trabalho verdadeiro cristão,
árduo e acúmulo de capitais, que impulsionaram o desenvolvimento dos valoriza o trabalho
negócios e empreendimentos, criando novas nações ricas. O sistema e a contenção
calvinista pode se resumir nos chamados Cinco Pontos do Calvinismo, dos lucros, que
elaborados durante o Sínodo de Dort realizado na Holanda, entre 1618 e atraíram vários
representantes da
1619, conhecidos pelo acróstico TULIP. Segundo Cairns (1984):
burguesia europeia.

• T de Total Depravity (Depravação Total).


• U de Unconditional Election (Eleição Incondicional).
• L de Limited Atonement (Expiação Limitada).
• I de Irresistible Grace (Graça Irresistível).
• P de Perseverance of the Saints (Perseverança dos Santos).

103
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Algumas Considerações
Nesta unidade estudamos sobre as origens da Reforma Religiosa e as
consequências, como a Contrarreforma e o Concílio de Trento que ocorreram
consequentemente, e para não deixarmos o estudante alheio ao contexto histórico
das religiões reformadas, também realizamos um estudo sobre o luteranismo, o
calvinismo e o anglicanismo.

Procuramos ainda conhecer e compreender um pouco sobre as missões


católicas, promovidas pela Companhia de Jesus na América Latina, sobre as
missões protestantes e sobre a implantação do protestantismo no Brasil que
ocorreram oficialmente a partir do século XIX.

Em suma, a presente obra procurou promover uma análise crítica da Igreja


Cristã Renascentista e Moderna de forma simples, porém objetiva e clara,
apresentando um estudo reflexivo e analítico sobre a trajetória da Igreja Cristã
neste período histórico.

Este material é de caráter introdutório, não tem o objetivo de esgotar a


presente temática, cabendo ao estudante seguir adiante com seus estudos,
explorando as referências bibliográficas citadas, bem como buscar outras e
também por novos desafios e leituras que levem ao crescimento intelectual.

Referências
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BIHLMEYER, Karl; TUECHLE, Hermann. História da Igreja. V. 2: a Idade Média.


São Paulo: Paulinas, 1964.

BOSCO, João. Compêndio de História Eclesiástica. Turim: Congregação de


São Francisco de Sales, 1872.

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova,
1984.

COMBY, J.  Para ler a história da Igreja I. Das origens ao século XV. São Paulo:
Loyola, 1996.

CUSTODIO, Luiz Antônio Bolcato. Missões Jesuíticas: Arquitetura e Urbanismo.


In: Caderno de História. Nº 21, 2009.

104
Capítulo 3 A Igreja Renascentista e Moderna

FERRAZ, José. História da Igreja: Os grandes períodos da história da Igreja.


São Paulo: Adoração, 2010.

FRÖLICH, Roland. Curso básico de história da Igreja. 4. ed. São Paulo:


Paulus, 1987.

HURLBUT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Vida, 1979.

JUPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio


de Janeiro: Zahar, 2006.

LACOSTE, Jean Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola, 2004.

LENZENWEGER, J.; STOCKMEIER, P.; AMON, K. História da Igreja


Católica. São Paulo: Loyola, 2006.

LIMA, Dawson Campos de. A reforma protestante e a reação católica.


Disponível em: <http://www.pibjo.org.br/pibjo/wp-estudos/A%20Reforma%20
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Acesso em: 2 out. 2017.

MATOS, Henrique Cristiano José. Introdução à história da Igreja. Vol. 1. Belo


Horizonte: O Lutador, 1997.

MOITA, Luís. Uma releitura crítica do consenso em torno do sistema westfaliano.


Janus.net e-journal of International Relations, v. 3, nº 2, 2012.

MONDIN, Battista. Os Grandes Teólogos do Século Vinte. V. 1 e 2. São Paulo:


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MONTEIRO, Rodrigo Bentes. As Reformas Religiosas na Europa Moderna: notas


para um debate historiográfico. Revista Varia História. v. 23, nº 37, 2007.

NATEL, A. Teologia da Reforma. Curitiba: InterSaberes, 2016.

ORLANDIS, J. História Breve do Cristianismo. Rei dos Livros, 1993.

PIOPPI, Carlo. História da Igreja. Tema 14. MTA-PPKE: Vaticano, 2012.

POTESTÀ, G. L; VIAN, G. História do Cristianismo. São Paulo: Loyola, 2013.

ROGIER, L. J; AUBERT, R; KNOWLES, M. D. Nova história da Igreja. V. 1 e


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105
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

ROMAG, Dagoberto. Compêndio de história da Igreja. V. 2: a Idade Média.


Petrópolis: Vozes, 1950.

SANTOS, Juberto. Doutrina Católica. A Igreja na Idade Moderna. 2012.


Disponível em: <https://doutrinacatolica.wordpress.com/2012/02/03/a-igreja-na-
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TARNAS, Richard. A Epopeia do Pensamento Ocidental: para compreender as


ideias que moldaram nossa visão de mundo. Tradução de Beatriz Sidou. 3. ed.
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TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE, 1988.

WILLIANS, Terri. Cronologia da História Eclesiástica. São Paulo: Vida Nova,


1993.

106
C APÍTULO 4
A Igreja Contemporânea

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Estudar os concílios ecumênicos do Vaticano I e II.


Estudar a renovação das igrejas protestantes e evangélicas.


Compreender o pluralismo do cristianismo a partir do ecumenismo e do diálogo



inter-religioso.

Compreender o posicionamento das igrejas cristãs diante dos avanços técnicos



científicos.

Compreender o posicionamento das igrejas cristãs diante do consumismo e do



capitalismo.

Promover uma análise crítica da igreja cristã contemporânea.



HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

108
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Contextualização
Neste capítulo pretendemos apresentar um estudo analítico sobre os
concílios ecumênicos do Vaticano I e II, procurando compreender seu contexto
e importância, tanto para a história da civilização como para a história da igreja.
Pretendemos realizar um estudo reflexivo sobre a importância da renovação da
igreja protestante/evangélica para a igreja cristã e para a sociedade de forma
geral, apresentando como as rupturas e transições foram positivos para o seu
desenvolvimento.

Vamos procurar compreender o cristianismo e a igreja cristã a partir do


ecumenismo e do diálogo inter-religioso, bem como a relevância desses para
a sociedade pluralista atual. Também analisaremos criticamente os avanços
técnicos científicos presentes na sociedade, procurando verificar sua pertinência
para o ambiente ético e cristão que desejamos. Outro desafio, é compreender
o posicionamento das igrejas cristãs diante do consumismo e do capitalismo
exacerbado, presente em nossa sociedade contemporânea, servindo de ideologia.

Resumidamente, pretendemos de forma rápida, clara e objetiva, promover


uma análise crítica da igreja cristã na sociedade contemporânea, apresentando a
sua relação interna e externa ao mundo, bem como os problemas e temáticas que
interagem com a mesma.

O Concílio Ecumênico Vaticano I


O XX Concílio Ecumênico da Igreja Católica foi convocado pelo papa Pio IX,
por meio da bula papal “Aeterni Patris” em 1868, quando foi realizado na Basílica
de São Pedro em Roma, de 8 de dezem­bro de 1869 a 18 de julho de 1870.

109
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

A bula papal é um documento pontifício que versa sobre


temas relativos à fé ou interesses em geral, que é expedido pela
Chancelaria Apostólica do Vaticano. Recebe este nome, tendo em
vista seu aspecto externo, principalmente devido ao lacre que era
utilizado para fechá-lo, o qual tinha o símbolo do sumo pontífice.

Figura 19 – Modelo de bula papal

Fonte: Disponível em: <http://www.a12.com/source/files/


originals/bula_papal.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2017.

Foram convidados a participar do con­ cílio os não católicos, mas não


compareceram. Entretanto, participaram cerca de 730 padres católicos de todo
o mundo: dois ter­ços eram europeus e, destes, a metade eram italianos e não
houve bispo negro. No entanto, foram os bispos fran­ceses e alemães que tiveram
intervenções mais notáveis e decisivas.

O auge desse concílio foram as discussões para se chegar a definição que o


papa tem “infalibilidade na sua autoridade doutrinária”, ou seja, a pessoa do papa
não é infalível, mas somente as suas declarações feitas da cátedra de Pedro em
questões de fé e de moralidade (PIOPPI, 2012).

110
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Infalibilidade papal: de acordo com a doutrina da igreja


católica, o papa não é um ser humano perfeito, mas é infalível
quando se pronuncia a respeito de temas concernentes à fé, ou seja,
quando o bispo de Roma fala ou decide oficialmente como pastor
de todos os cristãos, em nome da igreja, supostamente não erra.
Nessa condição, possui a infalibilidade para decisões definitivas no
campo da fé e da ética, diz a doutrina católica, estabelecendo assim
a primazia do papa sobre toda a igreja.

Assim, este concílio


Assim, este concílio teve como principal objetivo, num mundo teve como principal
marcado pela mudança e democratização das instituições, definir a objetivo, num
infalibilidade papal. Recaía pressão por dois grupos sobre a igreja, mundo marcado
um mais reacionário e outro mais aberto ao novo. Os trabalhos pela mudança e
deste concílio estiveram centrados em torno das constituições Dei democratização das
instituições, definir a
Filius e Pastor Aeternus, apresentadas anteriormente (PIOPPI, 2012).
infalibilidade papal.

Quadro 12 – Resumo dos principais temas tratados e


das principais decisões do concílio Vaticano I
Dados Temáticas
Data: • A constituição Dei Filius foi votada em 24 de abril de 1870 e foi a con-
08/12/1869 clusão das discussões sobre as relações entre a razão e a fé. Diante dos
erros do racionalismo, do panteísmo, do fideísmo etc., o concílio definiu
a a existência de um deus pessoal que a razão pode alcançar, embora afir­
mando a necessidade da revelação. Não pode haver conflito entre a razão
18/07/1870
e a fé. Eis o texto: “Se alguém disser que é uma só e a mesma a substân-
cia ou essência de Deus e a de todas as coisas, seja anátema”. E ainda:
“Se alguém disser que Deus vivo e verda­deiro, criador e Senhor nosso,
Papa: não pode ser co­nhecido com certeza pela luz natural da razão humana
através das coisas que foram feitas, seja anátema”.
Pio IX
• A constituição pastor Aeternus foi votada em 18 de julho de 1870, em
(1846-1878) meio a aclamações e a uma tremenda tempestade. O documento contém
essencialmente a afirmação do primado e da in­falibilidade do papa. O
debate foi prolixo e apai­xonado. O fato do primado e de sua perpetuidade
não apresentava dificuldade, mas os qualificati­vos de “plena, ordinária,
imediata, episcopal”, aplicados à jurisdição pontifícia, ocasionaram
ásperas discussões. Muito mais o texto em que se afirmava a infalibil-
idade do papa quando fala “ex cathedra” e a irreformabilidade de suas
decisões sem necessidade do “consensus Ecclesiae”. O tex­to foi aprova-
do por 533 padres; 55 se ausentaram de Roma para não votar contra na
sessão definiti­va; dois votos foram negativos.

111
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Ensinamos e declaramos que a igreja Ro­


mana, por disposição do Senhor, possui o
primado de potestade ordinária sobre todas
as outras, e que essa potestade de jurisdição
do Romano Pontífice, que é verdadeiramente
episcopal, é imediata... Ensinamos e
definimos ser dogma di­vinamente revelado
que o Romano Pontífice, quando fala ‘ex
cathedra’... goza daquela infa­libilidade de que
o Redentor divino quis que estivesse provida
sua igreja na definição da dou­trina sobre a fé
e os costumes; e portanto, que as definições
do Romano Pontífice são irrefor­máveis por si
mesmas e não pelo consentimento da igreja
(CONCÍLIO VATICANO I, 1).

Fonte: O autor.

O Concílio Ecumênico Vaticano II


Este concílio é considerado como o XXI Concílio Ecumênico da Igreja
Católica, e foi convocado pelo papa João XXIII, por meio da bula papal “Humanae
Salutis” em 25 de dezembro de 1961. Iniciou em 11 de outubro de 1962, foi
realizado em quatro sessões e encerrou em 8 de dezembro de 1965 com o papa
Paulo VI.

O concílio teve como linhas mestras a atualização (Aggiornamento), o diálogo


(comunhão – corresponsabilidade, participação) e a renovação (diaconia, serviço)
como um novo modo de ser presença no mundo.

A questão do aggionarmento é central para o concílio Vaticano


II, pois indica a sua finalidade. O termo significa atualização e pode
ter três sentidos básicos: colocar em dia; modernizar no sentido de
adequar-se às novas exigências; e adiantar-se (PASSOS; SANCHEZ,
2015, p. 8).

112
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Ele buscou promover o diálogo e a unidade de todos os cristãos; e a paz


no mundo; além da valorização dos leigos. O seu ponto referencial foi Jesus
Cristo, profeta, sacerdote e pastor, que serviu como modelo de ação pastoral e
evangelizadora da igreja no mundo.

Por desejo expresso do beato papa João XXIII foram convidadas as igrejas
separadas de Roma: anglicana, igrejas alemãs, escocesas e orientais, das quais
muitas responderam positivamente. Além disso, contou com a presença de alguns
cristãos leigos como observadores e, sem sombra de dúvidas, foi o primeiro
concílio a receber tão numerosa participação de igrejas e seus representantes,
além dos leigos.

O concílio tinha como objetivo refletir sobre a igreja nos tempos atuais. As
suas decisões estão expressas nas quatro constituições, nove decretos e três
declarações elaboradas e aprovadas pelo respectivo concílio.

Quadro 13 – Resumo dos principais temas tratados e


das principais decisões do concílio Vaticano II

Dados Temas

Data: • Entre as várias decisões conciliares, destacam-se as


11/10/1962 renovações na constituição e na pastoral da igreja, que
passou a ser mais alicerçada na igualdade e na dignidade de
a todos os fiéis.

• Reformou-se também a liturgia, em que a missa de rito


romano  foi simplificada e passou a ser celebrada em língua
08/12/1965 nativa de cada sociedade.

• Foi clarificada a relação entre a revelação divina e a tradição,


Papas: também foi impulsionada a liberdade religiosa, uma nova
abordagem ao mundo moderno.
João XXIII
(1958-1963) • Abertura ao ecumenismo, uma relação de tolerância com os
não cristãos e o apostolado dos leigos.
e
• O concílio Vaticano II não proclamou dogma, mas as suas
Paulo VI orientações doutrinais, pastorais e práticas são de extrema
(1963-1978) importância para a igreja atual.

Fonte: O autor.

113
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

a) Das constituições

Lumen gentium: esta constituição salientou que a igreja de Cristo,


como sociedade constituída e organizada no mundo, destacou que a igreja
é sacramento de Cristo e instrumento de união do homem com Deus, e da unidade
de todo o gênero humano. A partir de então, a igreja passou a ser vista não apenas
como uma instituição hierarquizada, mas também como uma comunidade de
cristãos espalhados por todo o mundo e constituintes do corpo místico de Cristo.

Gaudium et spes: esta constituição salientou os aspectos pastorais da


igreja e nos diversos problemas do mundo atual, a  explosão demográfica, as
desigualdades, as injustiças sociais, entre outros problemas sociais e econômicos,
as preocupações com o desenvolvimento técnico científico, entre outros.

Dei verbum: esta constituição aborda o tema da revelação divina sob dois


pontos de vista: a revelação em si mesma e a sua transmissão. A relação entre
estes dois pontos de vista, que geram alguma confusão entre os católicos.

Sacrosanctum concilium: esta constituição centra-se em torno da liturgia.  É


analisada pelos padres conciliares sob uma tríplice dimensão teológica, eclesial e
pastoral: a liturgia é obra da redenção em ato, celebração hierárquica e ao mesmo
tempo comunitária, expressão de culto universal, que envolve toda a criação. Os
padres conciliares descrevem ainda a liturgia como a primeira e necessária fonte
onde os fiéis hão de beber o espírito genuinamente cristão.

b) Dos decretos

Christus dominus: este documento aborda o ministério pastoral dos bispos.


Presbyterorum ordinis: este documento aborda o ministério e vida
sacerdotal dos presbíteros.

Optatum totius: este documento insiste na necessidade de maior


amadurecimento humano, psicológico e afetivo dos candidatos ao sacerdócio e
da estruturação da formação nos seminários vinculando a missão da igreja às
exigências do mundo moderno. Aborda um tipo específico de educação cristã: a
formação sacerdotal.

Apostolicam actuositatem: reconhece o papel essencial que cabe aos


leigos na vida da igreja, a sua responsabilidade e autonomia em função de sua
vocação específica.

114
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Perfectae charitatis: dirige atenção para a renovação e modernização


da "vida consagrada" a Deus no exercício de castidade, pobreza, obediência,
estabelecida por meio dos votos "em ordens", "congregações religiosas".

Orientalium ecclesiarum: aborda a questão das igrejas orientais católicas.


Estas igrejas particulares sui iuris possuem características únicas e diferentes em
relação à igreja latina. Este documento afirma que, "na única igreja de Cristo" (que
subsiste na igreja Católica), as igrejas latinas e orientais "... desfrutam de igual
dignidade... nenhuma prevalece sobre a outra”.

Unitatis redintegratio: este documento é sobre o ecumenismo e


"fundamenta-se em duas ideias: todo aquele que acredita em Cristo, mesmo que
não pertença à igreja católica, encontra-se em algum tipo de comunhão" com
a verdadeira igreja de Cristo; e "não existe ecumenismo verdadeiro sem uma
conversão interior que se aplica a todos, inclusive à igreja católica”.

Ad gentes: o documento reflete sobre a  atividade missionária  da igreja,


atitude inerente à sua natureza. A atividade missionária deve começar com o
testemunho, continuar com a pregação e formar as comunidades valorizando as
riquezas de cada cultura.

Inter mirifica: este documento se pronuncia sobre os meios de comunicação


de massa, sem julga-los com moralismo, mas solicitando a serviço do reino de Deus.

c) Das declarações

Dignitatis humanae: o documento considera a liberdade religiosa como um


direito da pessoa e das comunidades à liberdade social e civil em matéria religiosa,
reconhece, ainda, que todos estes direitos humanos, incluindo o da liberdade, são
inerentes à dignidade, inalienável da pessoa humana.

Nostra aetate: o documento analisa a atitude da igreja católica para com


as religiões não cristãs, buscando uma aproximação respeitosa com as outras
religiões não cristãs.

Gravissimum educationis: o documento tratou dos vários temas sobre


a educação, mais em particular, sobre a educação cristã, defendeu também o
direito de todos os homens a receber uma educação que seja fundamentada
na dignidade da pessoa.

Entre as grandes decisões vistas no concílio Vaticano II, pode-se citar:

115
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

• Culto em língua nacional (a missa em latim deixa de ser executada


obrigatoriamente).
• Utilização dos meios de comunicação social (cinema, televisão, rádio, jornais).
• Liberdade de consciência.
• Criação das pastorais.
• Reformas litúrgicas.
• Ampliação dos leigos na vida da igreja.
• Nova codificação do direito canônico.
• Definição de uma igreja democrática, ética e ecumênica.

O concílio resgatou a centralidade cristológica da fé, especialmente na


liturgia, para que o sentido pascal se tornasse mais evidente; e incentivou que as
celebrações fossem mais voltadas para a realidade do povo, mais participativa e
comunitária.

O concílio Vaticano II foi, sem dúvida, para a igreja católica, o maior


acontecimento do século XX, originando um processo de abertura, renovação e
participação que foi determinante para as dioceses, criando um magistério próprio,
manifestado nas quatro últimas conferências do Episcopado Latino-Americano
(CELAM), sendo elas: Conferência de Medellín (1968), Conferência de Puebla
(1978), Conferência de Santo Domingo (1992) e Conferência de Aparecida (2007).

Como consequência do Vaticano II, a igreja da América Latina ganhou uma


fisionomia própria a partir da Conferência de Medellín, que buscou interpretar o
concílio para a igreja da América Latina, dando um salto qualitativo pela explícita
opção pelos pobres e lançando sementes de uma igreja mais popular, como as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

As CEBs revelam uma igreja católica mais comunitária, embasada na bíblia,


através dos círculos bíblicos que multiplicam a experiência de pequenas células
no interior da igreja. Muitos destes grupos passam a se dedicar às pastorais
sociais, aos movimentos de luta e às reivindicações populares.

A interpretação libertadora do concílio Vaticano II fez história na América


Latina em termos de teologia, de estruturas de igreja e de práticas pastorais.
Surgiu, neste momento, uma teologia latino-americana que recebeu o nome
Teologia da Libertação porque desejou dialogar com outras instituições e
pensadores do campo social e político que, igualmente, desejavam contribuir
para a libertação de todas as injustiças, e propunha que o pobre assumisse o ser
sujeito da história para mudar a sociedade (ALBERIGO, 1997).

116
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

ARenovaçãodasIgrejasProtestantese
Evangélicas
Segundo Suda (2014), de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), a porcentagem de pessoas que se declaram protestantes,
vêm crescendo a cada ano no Brasil. No início dos anos 2000, o Brasil passou
por um fenômeno que os especialistas chamam de trânsito religioso, ou seja, a
passagem de fiéis de uma religião para outra

O país perdeu católicos na mesma proporção que ganhou evangélicos.


As pesquisas apontaram que, em 2000, o número de católicos era de 74% da
população e em 2007 já era de 64% apenas. A mesma instituição revela que, no
início da década, o número de evangélicos crescia 1% ao ano, e também que, o
número de evangélicos no Brasil aumentou 61,45% em 10 anos, segundo dados
do censo demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em 2012.

Em 1970, constatou-se uma população evangélica de 4,8 milhões; em 1980


de 7,9 milhões; em 1991 de 13,7 milhões; e em 2000, cerca de 26,2 milhões se
declararam evangélicos, ou 15,4% da população. Em 2010, eles passaram a ser
42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros.

A EXPANSÃO NUMÉRICA – FATORES DETERMINANTES

Os evangélicos têm ganhado constantemente espaço nos


veículos de comunicação devido às características que sustentam,
porém não se pode afirmar que todos os evangélicos têm se
destacado, uma vez que, dos 15% da população que se confessam
evangélicos, mais da metade pertence a denominações pentecostais
e neopentecostais. Tal superação numérica dos pentecostais
e neopentecostais com relação às igrejas tradicionais foram
observadas desde o início da década de 80 (pouco mais de dez anos
desde o surgimento das igrejas neopentecostais) como mostra o
trecho da reportagem de Lopes (1981):

[...] em 1930, os pentecostais representavam apenas


9,5% dos protestantes brasileiros. Um recente
levantamento do sociólogo Francisco Cartaxo Rolim, da
Universidade Federal Fluminense, constatou que eles

117
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

somam agora 70% desse total”. O que esses dados nos


mostram é que em cinqüenta [sic] anos os pentecostais
se multiplicaram, ou seja, os evangélicos conhecidos
hoje, são em sua grande maioria pertencentes a igrejas
pentecostais e neopentecostais. [...].

A expansão do número de igrejas é atribuída ao grande


investimento de capital na compra de emissoras de rádio e televisão
e ao uso contínuo de diversos recursos modernos que visam,
sobretudo, o aumento do número dos evangélicos. É interessante
como a superexposição pública que era condenada pela igreja
católica e protestantes tradicionais deu certo, pois “[...] na última
década, a população evangélica cresceu 94%, passando de 13,5
milhões para 26,2 milhões de fiéis” (CABRAL, 2004, p. 43). Esses
26,2 milhões de pessoas fazem movimentar um mercado evangélico
de “[...] 3 bilhões de reais por ano e gera pelo menos 2 milhões de
empregos” (EDWARD, 2002, p. 94). Para além dos investimentos
realizados pelas igrejas para atrair mais filiados, coexistem
motivações de ordem privada que contribuem para o crescimento
do número de evangélicos. Muitos pesquisadores atribuem a esse
crescimento o fato das igrejas pentecostais e neopentecostais se
fixarem em locais pobres.

Segundo diversos estudos, o retorno ao místico


representado pelo crescimento do número de adeptos
é atribuído à busca, por parte das pessoas carentes,
de itens básicos como: justiça, saúde, acolhimento,
segurança, paz, alegria, lazer, dentre outros; os quais
estas pessoas não conseguem vivenciar como uma
realidade, pois as políticas sociais no Brasil têm sido
falhas no atendimento as classes baixas: Acredito
que o homem que hoje busca a religião está também
e principalmente procurando regras para o seu
comportamento que também possa levar em conta a
presença do outro: basta de estar só. É o mesmo que
dizer que ele ou ela procura responder a uma pergunta
crucial: ‘Quem sou? Onde está quem me diga quem sou
eu?’ O que não é muito diferente da questão proposta
pela psicanálise e disciplinas similares, técnicas da
sociedade moderna às quais os pobres não têm menor
possibilidade de acesso (PIERUCCI; PRANDI, 1996, p.
27).

As classes populares buscam no sagrado a cura divina para sua


enfermidade, que vem se arrastando há anos, sem que consigam
uma vaga em um hospital público; clamam por libertação de vícios
como drogas, etilismo, prostituição, como sendo o grande motivador
de violência. Lá também buscam a comunhão com os filiados

118
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

como uma fuga de uma realidade excludente, pois podem se sentir


acolhidos ao serem chamados de “irmãos”. Após frequentarem os
templos evangélicos, muitos mudam seus hábitos considerados
inadequados, para buscar uma vida mais pacífica, seguindo o modelo
do próprio Cristo. Os bairros mais pobres começam a perceber a
redução da criminalidade e do alcoolismo nestes locais, além de
notarem que o envolvimento com o sagrado também pacificou o
ambiente penitenciário onde vivem seus maridos e filhos que em
momentos de fraqueza cometeram delitos, mas hoje encontram-se
arrependidos (LIMA, 1998).

No entanto, percebe-se que as inúmeras pesquisas que


relacionam o crescimento pentecostal à pobreza não perceberam
que os pentecostais têm crescido também nas camadas mais altas,
como mostra a Revista Veja (jul., 2002), que traz depoimentos de
cantores, atores, milionários, políticos e empresários a respeito de
sua conversão. Na política, por exemplo, a bancada de parlamentares
evangélicos em Brasília aumentou 287,5% o que leva a pensar o
quanto o esforço evangelizador das igrejas pentecostais tem sido
grande e diferente dos protestantes tradicionais que repudiavam
a política. O que tem conduzido estas pessoas ao sagrado?
Acreditamos que essa resposta possa ser encontrada no âmbito
privado, em depoimentos de artistas e empresários relatados na
Revista Veja de julho de 2002. Na maioria das vezes eles expressam
sensação de vazio, de ausência de valores, solidão, angústia, dentre
outros fatores que acreditam terem sido suplantados pela comunhão
com Deus

Fonte: SILVA, Sandra Rosa Campi Guimarães. Protestantismo: surgimento,


subdivisões, crescimento no brasil e sua relação com a política, economia
e educação. Revista da Católica. Uberlândia, v. 1, n. 2, p. 9-11, 2009.

Como se pode observar nos dados apresentados, há uma renovação da igreja


protestante e evangélica no Brasil, com um rápido crescimento, tanto pastoral
como demográfico, bem como um declínio do número de pessoas católicas.

Esse crescimento das igrejas protestantes e evangélicas se dá pelas várias


obras e ações desenvolvidas, que não ficaram apenas no âmbito pastoral ou
missionário. Essas instituições religiosas aproveitaram de seus espaços físicos
e da filantropia que obtiveram junto ao Estado (quando obtiveram) e realizaram
outras obras e com isso cresceram fisicamente. São obras de:

119
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

• Assistência social: projetos com dependentes químicos, moradores de rua.


• Assistência jurídica: providenciando documentos, acompanhando
processos.
• Assistência médica: médicos, dentistas, remédios.
• Assistência educacional: projetos de alfabetização, escolas, creches.
• Assistência religiosa: capelania hospitalar, aconselhamento.

A seguir, um quadro do desenvolvimento das igrejas protestantes


e evangélicas no Brasil, procurando mostrar o seu rápido crescimento
demográfico, pastoral e missionário, promovendo assim novos paradigmas para
a atual sociedade.

Quadro 14 – Cronologia das igrejas protestantes e evangélicas no Brasil


Chegaram ao Brasil na cidade do Rio de Ja-
Igreja Angli-
1816 1º capelão neiro, RJ, o primeiro capelão anglicano, Robert
cana
C. Crane.
Chegaram ao Brasil os primeiros lutera-
nos vindos da Alemanha para a Região Sul,
Início da imi-
1824 Igreja Luterana mais precisamente a São Leopoldo, RS e Blu-
gração alemã
menau, SC. Inauguração da Igreja Luterana
em Nova Friburgo, RJ.
Reverendo americano Fountain Elliot Pitts
chegou ao Brasil na cidade do Rio de Janei-
ro, RJ. Pioneiro da obra metodista no Bra-
sil, veio para avaliar a possibilidade de uma
missão metodista em terras brasileiras, onde
ficou por algum tempo, reunindo-se com um
grupo de crentes majoritariamente norte-amer-
icanos. Pitts abriu uma missão metodista
Igreja Meto- Primeiro mis- no Uruguai. Em seguida, chegaram ao Brasil
1835 dista sionário meto- os missionários metodistas norte-americanos
dista Rev. Justin Spaulding e Rev. Daniel Parish Kid-
der, com suas respectivas famílias, para dar
prosseguimento à missão, porém, a missão
metodista no Brasil é suspensa em 1841 por
causa da Guerra Civil da Secessão que divide
os EUA e também a igreja metodista dos EUA
no povo do norte e do sul. Foi retomada em
1867 com a chegada do Rev. Junius Estaham
Newman.
Chegou ao Brasil, na cidade do Rio de Janei-
Igreja Con- Primeiros mis- ro, RJ o primeiro casal de missionários da ig-
1855
gregacional sionários reja Congregacional, Robert Reid Kalley (es-
cocês) e Sarah Poulton Kalley (inglesa).

120
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Primeira igreja evangélica de estilo congrega-


cional e de língua portuguesa no Brasil: a Igre-
Fundação da
Igreja Con- ja Evangélica Fluminense, fundada pelo mis-
1858 1ª igreja con-
gregacional sionário escocês Robert R. Kalley. Em 1913,
gregacional
junta-se à união das igrejas evangélicas con-
gregacionais do Brasil.
Fundador: Ashbel Green Simonton, mis-
Igreja Presbite- Fundação da
sionário americano. Fundada na cidade do Rio
1862 riana do Brasil 1ª denomi-
de Janeiro, RJ. Origem: igreja presbiteriana
nação
dos Estados Unidos (PCUSA).
Em 1871, um pequeno grupo de batistas res-
identes em Santa Bárbara d'Oeste, SP, or-
Organização ganizaram a primeira Igreja Batista em solo
1871 Igreja Batista da primeira brasileiro. Os fundadores foram os Pr. Richard
igreja batista Ratcliff e o Pr. Robert Porter Thomas. Os cul-
tos eram realizados em inglês, para servir aos
imigrantes estadunidenses.
Reverendo Newman organiza, com nove
Fundação da
Igreja Meto- membros, a primeira igreja metodista no Bra-
1ª denomi-
1871 dista sil em Saltinho, SP. Origem: Igreja Metodista
nação meto-
Episcopal do Sul – EUA embora não apoiada
dista
oficialmente por essa organização.
Igreja Episco- Fundação de Fundadores: missionários Lucien Lee
1890 pal Anglicana denominação Kinsolving e James Watson Morris.
do Brasil anglicana Fundada na cidade de Porto Alegre, RS.
Igreja Adven- Albert B. Stauffer, primeiro missionário enviado
1º missionário
1893 tista do Sétimo ao Brasil pela liderança mundial da Igreja Ad-
adventista
Dia ventista, chega a São Paulo, SP.
Igreja Meto-
1º pastor meto- Bernardo de Miranda foi o primeiro brasileiro
1885 dista
dista nomeado como pastor metodista.

Igreja Presbite- Fundador: reverendo Eduardo Carlos Pereira.


riana Indepen- Fundação de Fundada na cidade de São Paulo, SP.
1903
dente do Brasil denominação Sede: São Paulo, SP. Dissidência: Igreja Pres-
biteriana do Brasil.
Igreja Evan- Fundador: diversos pastores luteranos.
gélica Luterana Fundação de Fundada na cidade de São Pedro do Sul, RS.
1904
do Brasil denominação Sede: Porto Alegre, RS. Origem: Igreja Lutera-
na – Sínodo de Missouri.
Convenção
Fundada por 32 delegados batistas que rep-
Batista Bra- Fundação de
1907 resentavam 39 igrejas, reunidos na cidade
sileira denominação
de Salvador, BA.

União das
Igrejas Evan- Treze igrejas locais originarias do trabalho do
gélicas Con- Fundação de casal Kalley se reuniram e formaram a União
1913
gregacionais denominação das igrejas Evangélicas Congregacionais do
do Brasil Brasil.

121
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

A primeira igreja batista de Murray, Kentucky,


ligada à Convenção Batista do Sul, enviou o
missionário americano Joseph F. Brandon para
Início de a Amazônia. Foi aberta a primeira igreja batista
1923 Igreja Batista
missão na cidade de Cruzeiro do Sul, Acre. O primeiro
discípulo de Brandon, Francisco Santiago, via-
jou de canoa até Manaus, Amazonas, inician-
do outras cinco igrejas durante a viagem.
Igreja Metodis- Fundador: Pastor José Henriques da Matta
Fundação de
1934 ta Ortodoxa Fundada na cidade de Belo Horizonte, MG.
denominação
Dissidência: igreja metodista do Brasil.
Igreja de Cristo Chega ao Rio de Janeiro, RJ, oriundo dos
Início de
1935 Pentecostal no EUA, o primeiro missionário da "Igreja de Cris-
missão
Brasil to Pentecostal", o reverendo Horace S. Ward.
Missão Evan- Fundadores: missionários Harland e Hazel
gélica Pente- Fundação de Graham (americanos). Fundada na cidade
1939
costal do Brasil denominação de Manaus, AM. Sede: Natal, RN. Origem: ig-
reja da Beira da Estrada – Seattle, EUA.
Chegou à cidade do Rio de Janeiro, RJ, o pri-
Igreja de Cristo Início de meiro casal de missionários americanos Lloyd
1948
no Brasil missão David Sanders e Ruth Sanders com a missão
de estabelecer a "Igreja de Cristo" no Brasil.
Fundador: Missionário Harold Edwin Willians
Igreja do (americano) e Pr. Emílio Vasquez. Funda-
Evangelho Fundação de da na cidade de São João da Boa Vista, SP.
1951
Quadrangular denominação Sede: São Paulo, SP na Avenida General
Olímpio da Silveira. Origem: igreja do evangel-
ho quadrangular, EUA.
Igreja Evan- Fundador: missionário Manoel de Mello e
gélica Pente- Fundação de Silva. Fundada na cidade de São Paulo, SP.
1955
costal o Brasil denominação Sede: São Paulo, SP. Dissidência: igreja do
Para Cristo evangelho quadrangular.
Fundador: Missionário David M. Miranda.
Igreja Pente-
Fundada na cidade de São Paulo, SP. Sede:
costal Deus é Fundação de
1962 "Templo da Glória de Deus" em São Paulo, SP.
Amor denominação
Dissidência: Igreja Evangélica Pentecostal o
Brasil para Cristo.
Fundador: diversos pastores da Igreja Meto-
Igreja Metodis- dista do Brasil que aderiram ao movimento
Fundação de
1967 ta Wesleyana de renovação. Fundada na cidade de Nova
denominação
Friburgo, RJ. Sede: Nova Friburgo, RJ. Dissi-
dência: Igreja Metodista do Brasil.
Fundador: Romildo Ribeiro Soares mais
Igreja Inter-
conhecido como missionário R.R. Soares.
nacional da Fundação de
1980 Fundada na cidade de Duque de Caxias, RJ.
Graça de Deus denominação
Sede: São Paulo, SP. Dissidência: Igreja Uni-
versal do Reino de Deus.
Comunidade
Fundadores: bispos Robson Rodoval-
evangélica
Fundação de ho e Maria Rodovalho. Fundada na cidade
1992 Sara Nossa
denominação de Brasília, DF. Sede: Brasília, DF. Dissidên-
Terra
cia: comunidade evangélica de Goiânia.

122
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Fundador: apóstolo Valdemiro Santiago. Fun-


Igreja Mundial
dada na cidade de Sorocaba, SP. Sede: Tem-
do Poder de Fundação de
1998 plo dos milagres na cidade de São Paulo, SP.
Deus denominação
Dissidência: Igreja Universal do Reino de
Deus.
Fundador: Apóstolo Rinaldo Luis de Seixas
Bola de Neve
Fundação de Pereira (Apóstolo Rina). Fundada na cidade
2000 Church
denominação de São Paulo, SP. Sede: São Paulo, SP. Dissi-
dência: Igreja Apostólica Renascer em Cristo.

Fonte: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia_das_igrejas_prot-


estantes_e_outras_no_Brasil>. Acesso em: 7 dez. 2017.

Como se pode
Como se pode observar, com as informações apresentadas observar, com
no quadro, tem-se um rápido e constante crescimento das religiões as informações
protestantes e evangélicas no Brasil. Tal movimento, denominado de apresentadas no
trânsito religioso é extremamente relevante e positivo para a sociedade, quadro, tem-se um
rápido e constante
uma vez que não só permite desenvolvimento social, mas também
crescimento
cultural e espiritual para a sociedade, que como sabemos também das religiões
necessita de transcendência para o seu crescimento e amadurecimento. protestantes e
evangélicas no
Segundo Silva (2009), atualmente, os protestantes são conhecidos Brasil.
pelo nome de “evangélicos”, adquirido pela defesa da livre interpretação
dos evangelhos bíblicos. Entretanto, há vários pesquisadores que se esforçam
para classificar cada igreja em uma determinada categoria, mas as constantes
subdivisões acabam confundindo qualquer tentativa de classificação inflexível,
já que uma mesma igreja pode conter características de todas as categorias de
classificação ou uma categoria pode subdividir-se ainda outras vezes mais.

Para Silva (2009), sem o objetivo de firmar uma classificação rígida e esgotar
o assunto, pode-se estabelecer um tipo de caracterização que reduza ao máximo
as subdivisões. Observando que, em virtude de a religião ser demasiadamente
dinâmica a ponto de tornar-se sua classificação cada vez mais problemática,
o que pode ser demonstrado pelos diversos termos utilizados para melhor
elucidação dividir aquilo que hoje é chamado de evangélico em três categorias: os
tradicionais, os pentecostais e os neopentecostais, são eles:

• As tradicionais são aquelas que tiveram origem a partir do rompimento


de Lutero. Produtos de variadas interpretações, as denominações
tradicionais rejeitam a adoração de imagens, não creem na glossolalia
(dom de falar em línguas estranhas) e também não acreditam no
exorcismo, concentrando-se no aprendizado das escrituras e aplicação
desses ensinamentos em sua vida, ou seja, "a Bíblia constitui-se em um
recipiente de memória escrita ao qual é preciso voltar continuamente".

123
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

• As pentecostais tiveram origem em 1901, nos Estados Unidos, quando


um grupo de pessoas se reuniu para fazer orações em uma vigília. Em
certo momento, à repetição do dia de Pentecostes relatado na bíblia,
aqueles que estavam presentes acreditam ter recebido a visita do espírito
santo. Este teria manifestado sua presença através da distribuição do
dom de falar em línguas estranhas, semelhantemente ao fato ocorrido
no livro bíblico de Atos dos Apóstolos. Sua crença diferencia-se da
dos tradicionais, pois além de crerem na palavra escrita, admitem as
manifestações do Espírito Santo na cura de enfermidades, nas profecias,
além da glossolalia, dentre outros. Os pentecostais conservam costumes
rígidos, como a proibição de mulheres de usarem calças, cortar o cabelo,
depilarem os pelos do corpo, casar-se com homens não filiados à
mesma religião (MACHADO, 1996). Pode-se citar como membros desse
grupo a congregação cristã do Brasil, a Assembleia de Deus, a Igreja do
Evangelho Quadrangular, Deus é Amor, entre outras.

• O terceiro grupo é o mais recente, sendo conhecido entre os pesquisadores


como neopentecostais. Surgiu por volta da década de 1970, admite
todos os preceitos dos pentecostais, porém, diferenciam-se destes pelos
costumes menos rígidos. Tal liberalização dos usos e costumes tem um
objetivo: evangelizar o máximo possível (MARIANO, 1999). A maioria
das denominações neopentecostais é originária da iniciativa de certos
membros de outra denominação que manifestam o desejo de criarem uma
nova igreja. Assim, pode-se dizer que a maioria delas são "autóctones",
ou seja, não provêm de missões evangelizadoras, mas nasceram e
se expandiram no Brasil. Do grupo dos neopentecostais fazem parte a
Universal do Reino de Deus, a Renascer em Cristo, e outras.

Segundo Silva (2009), a expansão do número de igrejas é atribuída ao


grande investimento de capital na compra de emissoras de rádio e televisão e ao
uso contínuo de diversos recursos modernos que visam, sobretudo, o aumento
do número dos evangélicos. Porém, existem outros fatores que justificam esse
o crescimento dessas instituições para atrair mais filiados. Muitos pesquisadores
atribuem a esse crescimento o fato das igrejas pentecostais e neopentecostais se
fixarem em locais pobres.

Segundo diversos estudos, o retorno ao místico representado pelo


crescimento do número de adeptos é atribuído à busca, por parte das pessoas
carentes, de itens básicos como: justiça, saúde, acolhimento, segurança, paz,
alegria, lazer, dentre outros. Estas pessoas não conseguem vivenciar como uma
realidade, pois as políticas sociais no Brasil têm sido falhas no atendimento as
classes baixas.

124
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Como se sabe, as pessoas buscam no sagrado a cura divina para sua


enfermidade; clamam por libertação de vícios como drogas, prostituição,
depressão, entre outros. Em suma, na sociedade moderna as pessoas expressam
uma sensação de vazio, de ausência de valores, solidão, angústia, que precisam
ser exteriorizados em algum espaço e neste o espaço religioso um dos locais
apropriados (PIOPPI, 2012).

Nas décadas de 60 e 70 do século XX, espalhou-se pelas igrejas dos Estados


Unidos, especialmente aquelas de tendência pentecostal, um movimento cuja
afirmação principal é garantir saúde integral, sucesso total nos empreendimentos,
enfim, prosperidade a todas as pessoas que cumprem a vontade de Deus, através
de suas vidas.

A teologia da prosperidade foi disseminada no Brasil a partir do final da


década de 1970 do século XX, com o surgimento das igrejas neopentecostais.
Desde então, tem ganhado cada vez mais adeptos em todas as camadas sociais.
Sua forma de abordagem da bíblia e de vivência da religião rompe com a ética
protestante presente no protestantismo histórico e até mesmo com temas comuns
às religiões cristãs, como a caridade, a salvação e a rejeição dos prazeres do
mundo.

O crescimento do número de evangélicos é um elemento significante para a


compreensão das várias transformações ocorridas no campo religioso e político
brasileiro. A secularização e redemocratização do Estado no Brasil nos séculos
XIX e XX e o consequente enfraquecimento do poder da igreja católica, bem como
a conquista da liberdade religiosa, permitiram a diversas igrejas buscarem espaço
e legitimidade dentro da sociedade brasileira.

Destacando o acentuado crescimento das igrejas pentecostais, e, sobretudo,


das neopentecostais, que souberam aproveitar dessas diversas modificações e do
contexto econômico e social do país, nasce a chamada teologia da prosperidade.

A chamada teologia da prosperidade parte do princípio de que todos são


filhos de Deus e que recebem os benefícios desta filiação em forma de riqueza.
Afirmam também, que só não prospera aquele que não tem fé, não respeita os
ensinamentos da bíblia e está em relação, mesmo que indireta, com o diabo, ou
seja, a responsabilidade é sempre do fiel e nunca da igreja.

Tais movimentos religiosos, que utilizam da teologia da prosperidade,


procuram entrar na vida social das pessoas e nas dificuldades e conflitos de
maneira que as aflições humanas são amenizadas. A ausência de sentido do

125
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

cotidiano motiva as pessoas a buscarem seu preenchimento no espaço sagrado,


homens e mulheres apagados na sociedade ganham espaço como obreiros,
missionários, pastores, a elas é permitido uma reconstrução de sua identidade a
partir da religião.

A racionalidade empregada na política para a conscientização e


direcionamento dos votos de seus fiéis, é também empregado no espaço simbólico
sustentado por crenças e valores. O voto passa a ser guiado pelo compromisso
cristão de salvar o país do mau, estabelecendo uma nova moral e ética na política.

A teologia da prosperidade realiza uma inversão de valores, reinterpretando


e ajustando os ensinamentos bíblicos para a adequação à sociedade de consumo
imediato. Se antes o sofrimento glorificava o homem e a sua recompensa era
além-mundo, agora a valorização se dá na boa vida terrena.

Reunindo promessas de prosperidade financeira, saúde, alívio dos


sofrimentos e a derrota sobre o diabo, a teologia da prosperidade nos Estados
Unidos na década de 40 do século XX. Constituindo-se, de fato, como movimento
doutrinário na década de 70, momento em que encontra apoio nos evangélicos
carismáticos.

O Pluralismo do Cristianismo:
Ecumenismo e Diálogo Interreligioso
Destaca se que O ecumenismo e o diálogo inter-religioso constituem neste início do
o ecumenismo século XXI um dos desafios mais imprescindíveis para a humanidade.
não é aceitar Tem-se falado inúmeras vezes que a paz entre as religiões constitui
simplesmente a
condição fundamental para a paz no mundo, entretanto, este horizonte
religião do outro
e suprimir a sua de fraternidade e diálogo encontra-se ainda bem distanciado.
como propõe a
ditadura relativista. Destaca se que o ecumenismo não é aceitar simplesmente a
Ecumenismo se religião do outro e suprimir a sua como propõe a ditadura relativista.
refere ao respeito Ecumenismo se refere ao respeito das religiões de mesma raiz. Refere-
das religiões de
se ao respeito e à tolerância religiosa.
mesma raiz. Refere-
se ao respeito e à
tolerância religiosa. Sem dúvida, o ecumenismo como o diálogo inter-religioso
são temas que vêm ao encontro da realidade humana que e são
essencialmente pluralistas. Começando pela constituição da natureza humana
que já vem caracterizada pelo gênero masculino e feminino. Somando a outras
condições que estão ligadas a fatores externos como costumes, língua, cor,
aparência física e outros. Pode-se concluir que existem mais diferenças do que

126
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

semelhanças. O que torna interessante é a integração dessas diferenças, que


acontece também em forma de diálogo. O outro tem algo a dar que não tenho e
vice-versa, isto é, acontece a riqueza do intercâmbio.

O momento é delicado, pois revela o desafio de conviver num mundo plural,


em que a multiculturalidade está cada vez mais presente devido ao processo da
globalização, embora não sendo um fato novo na história, desperta algo novo,
que é a tomada de consciência da importância deste fenômeno. Obrigando desta
forma, ao questionamento sobre o desenvolvimento de uma dinâmica social
marcada por relações interculturais.
Conforme afirmou
Conforme afirmou Hans Küng (2004), nenhuma religião poderá Hans Küng (2004),
abdicar por completo de empregar seus próprios e bem específicos nenhuma religião
critérios de verdade em favor das outras religiões. Esses critérios poderá abdicar
por completo de
podem ser os cristãos, os mulçumanos, os hinduístas, os budistas ou
empregar seus
os critérios do confucionismo. O diálogo não significa autonegação. próprios e bem
específicos critérios
Um dos grandes embaraços que dificultam o exercício e a reflexão de verdade em
sobre o diálogo inter-religioso relaciona-se à questão da verdade. Neste favor das outras
sentido, o diálogo é a questão que se coloca para garantir os direitos religiões. Esses
critérios podem
individuais entre as culturas e suas determinadas manifestações, entre
ser os cristãos,
elas a manifestação religiosa presente em cada uma. os mulçumanos,
os hinduístas,
O fato é que as religiões históricas no ocidente, mais precisamente os budistas ou
o cristianismo, com suas igrejas, estão tendo certa dificuldade em os critérios do
responder aos reais anseios de religiosidade que emergem de confucionismo. O
diálogo não significa
multidões, que procuram respostas seguras. O mundo parece ficar
autonegação.
cada vez menor diante da crescente consciência das diferenças entre
as civilizações que são cada vez maiores.

Existe um clamor surdo pela transcendência e que é abafado pelos


racionalismos cientificistas de costas viradas para o mistério, para a mística e
do qual até as igrejas são vítimas. As doutrinas dogmáticas, principalmente no
mundo monoteísta ocidental, não estão sendo capazes de situar o ser humano
dentro do cosmos, da transcendência.

A violência religiosa termina por atrapalhar o dinamismo que anima a


relação do ser humano com o absoluto. Ao ocorrer certa violência em nome da
religião, seria questionável afirmar com certeza de que está acontecendo algo
equivocado na interpretação do mistério divino. A religião tem seu lado ambíguo,
que é a canalização dos conflitos sociais. Não tem como as religiões não virem

127
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

ou sentirem a capacidade destrutiva do ser humano, pois ela está impregnada


nas instituições e relações de cada comunidade, aplica-se também a imagem
de Deus e a compreensão que se tem dos seres humanos. Sendo próprias das
sociedades, tal capacidade nunca pode se extinguir.

Portanto, sempre haverá relação entre violência e religião, justamente por ser
a religião, parte da sociedade e de suas fontes conflitivas. Para responder qual o
motivo da relação com o divino em poder produzir morte e sua lógica; segundo
Küng (2004), a lógica consiste na afirmação de que se Deus está do nosso lado,
da nossa religião, nosso partido, nossa nação, então é lícito fazer qualquer coisa
contra o partido adversário, que deve ser o diabo. Logo, é normal, justo querer
destruir esse mal, mesmo em nome de Deus.

Diante dessas justificativas perante à violência nas religiões, pode-se


constatar o contrário, a religião muito tem feito pela paz e continuará fazendo.
Hans Küng (2004) afirma que as religiões têm muito a contribuir para que haja
paz através da propagação de que a pessoa humana seja mais valorizada em
sua dignidade própria. Para construir o ser humano em sua total integridade, é
necessário resguardar as diferenças culturais e religiosas, mesmo custando-lhe a
renúncia ao poder para se levar em consideração a questão do absoluto na vida
da pessoa que é vivenciado através da sua religiosidade.

Segundo Wolff (2005), as igrejas avaliam os “riscos” como a perda da


identidade confessional, o relativismo da fé eclesial, a perda do “controle” das
iniciativas ecumênicas de seus fiéis. Constata-se, assim, uma tensão entre
orientações oficiais e iniciativas ecumênicas no meio popular. De modo geral, as
dificuldades das igrejas em relação ao ecumenismo são:

• A fragilidade das convicções ecumênicas no âmbito institucional.


• A setorização do ecumenismo nas igrejas, pela sua concentração na
ação de pessoas ou grupos.
• Motivações, concepções e práticas ecumênicas diferentes e em
contradição no interior de uma mesma tradição eclesial, o que dilacera o
ideal ecumênico.
• A carência da formação ecumênica dos fiéis.
• A não recepção estrutural dos resultados dos esforços ecumênicos.
• As motivações diplomáticas nas relações entre as igrejas suplantam as
motivações teológicas.
• A notória contradição entre os pronunciamentos oficiais a favor do
ecumenismo e as práticas ante ecumênicas.
• A dificuldade da contextualização social da busca da unidade.

128
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Mudanças importantes aconteceram a partir do Concílio Vaticano II, com


a afirmação progressiva, mas cautelosa de um espírito mais ecumênico. Küng
(2004), por exemplo, defende que a verdade não constitui monopólio de nenhuma
religião, o que não significa que as religiões não tenham critérios específicos
de verdade. Estes critérios, válidos e fundamentais, encontram sua relevância
e obrigatoriedade no âmbito interno de cada confissão religiosa, não podendo,
porém, estender-se objetivamente às outras confissões.

Segundo Teixeira (2002), a abertura teológica que acompanhou o concílio


Vaticano II (1962-1965) já significou um primeiro passo de sensibilização para as
outras tradições religiosas. Permanece, porém, como um desafio imprescindível
um “salto qualitativo da teologia cristã”, em todos os seus tratados, no sentido de
uma maior valorização e fundamentação teológica da experiência religiosa dos
outros. Trata-se de condição essencial para a manutenção da credibilidade da
mensagem cristã no mundo multicultural e multirreligioso da atualidade.

Para o cientista da religião, uma teologia hermenêutica busca correlacionar


de forma criativa a experiência contextual presente e o testemunho da experiência
fundante confiada à memória da tradição eclesial. O pensamento teológico é
convidado a inserir-se numa dinâmica ou movimento criativo que articula de forma
viva o passado e o presente, expondo-se, assim, ao risco de uma interpretação
nova do cristianismo para o tempo presente.

Atividade de Estudos:

1) Tendo em vista o cenário religioso atual, o diálogo inter-religioso e


o ecumenismo se tornaram demasiadamente importantes. Neste
sentido, leia o fragmento do artigo: “Diálogo Inter-religioso” de
Rosangela Strümer e explique qual é a condição necessária para
a efetivação do diálogo inter-religioso.

Toda uma diversidade religiosa presente não só no nosso país,


mas também em todos os continentes, implica um desafio cada vez
maior ao ecumenismo. Isso porque nem sempre a diversidade é
vista como riqueza, mas como competição, proselitismo e ameaça
para as igrejas tradicionais. O grande desafio está em favorecer um
espírito de abertura para compreender esta realidade diversificada,
rompendo com qualquer resquício de intolerância, o que não significa
abdicar de nossa identidade religiosa singular, condição fundamental
para qualquer processo dialogal, nem renunciar à consciência crítica

129
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

para avaliar os limites presentes nas experimentações em curso,


até na nossa. É contra essa tendência, veiculada nos diversos
fundamentalismos, que se impõe, hoje, o imperativo de pensar no
diálogo inter-religioso como condição de possibilidade para um
mundo mais pacífico e mais solidário [...].

Reconhecer o valor do pluralismo religioso não significa,


necessariamente, abrir para o indiferentismo religioso ou o
relativismo. Este só ocorre quando, em nome da indiferenciação,
renuncia-se às convicções assumidas e ao valor da identidade
religiosa.

O reconhecimento do pluralismo de direito é condição essencial


para o verdadeiro diálogo inter-religioso. No entanto o diálogo não
acontece sem a convicção religiosa, pois implica a interlocução
de sujeitos que se comunicam com a integralidade da própria fé.
O relativismo é bem outra coisa, pois pulveriza as identidades. Na
realidade, na base do temor do relativismo está a insegurança e o
medo daqueles que vivem a dificuldade de perceber a presença livre
e operante da graça do Deus que era, que é e que vem. [...]

Diálogo inter-religioso enquanto experiência que motiva não


apenas o mútuo conhecimento entre tradições religiosas distintas,
mas igualmente o seu recíproco enriquecimento. Isso não ocorre
quando as tradições em questão permanecem fixadas em sua
identidade, deixando de admitir e perceber a presença de verdade,
valor e graça na experiência alheia. Para que o diálogo aconteça,
em primeiro lugar é necessária a consciência da vulnerabilidade e
dos próprios limites. Reconhecer que a verdade não é uma posse
garantida, mas fruto de uma experiência de caminhada comum, de
partilha e de busca permanente.

Não é possível realizar o diálogo, a não ser quando se reconhece


o valor da convicção do outro. Não é correto e justo para com as
outras tradições religiosas restringir a presença e o falar de Deus
para a religião cristã, como se as mesmas fossem simplesmente
religiões naturais. As religiões não são apenas genuinamente
diferentes, mas também autenticamente preciosas. Há de honrar esta
alteridade em sua especificidade peculiar e respeitar a alteridade é
ser capaz de reconhecer algo de irredutível e irrevogável nas outras
tradições religiosas, ou melhor, reconhecer o valor e a plausibilidade
do pluralismo religioso de direito ou de princípio. Portanto, o diálogo
é instrumento para a concretização da fraternidade e se apresenta

130
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

como uma necessidade permanente. Na medida em que se torna


prática, requer dos dialogantes abertura e espaço. O diálogo só se
realiza quando se dá espaço para a singularidade do outro. Assim, o
diálogo possibilita uma comunicação e um compartilhar de vida, de
experiência e de fé”.

Fonte: STRÜMER, R. Diálogo inter-religioso. Revista


Ciberteologia. v. 2. n. 15. 2009, p. 54, 55 e 57).

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As Igrejas Cristãs Diante dos Avanços


Técnicos Científicos
O diálogo entre religião e ciência é necessário, principalmente, porque o
cientista e o religioso podem ser a mesma pessoa, portanto, trata-se de conciliar
os conhecimentos.

O avanço das biotecnociências abriu novas áreas de pesquisas, criando


novas possibilidades de intervenções humanas sobre a natureza. Elaborou uma
nova maneira de compreender a evolução, permitindo a reflexão na vida, tal como
a sua realidade e sua complexidade. Com o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia o ser humano programa a sua vida, sua sociedade, provocando um
novo hábito, uma nova cultura.

Essa programação não inclui todos, continua-se a ver no mundo inúmeros


sofrimentos desnecessários, exclusões, atitudes anti-humanas, nesse sentido,
faz-se necessário ter um cuidado maior com esta inclusão. Todos devem estar
no planejamento, ou seja, todos devem fazer parte desse desenvolvimento

131
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

científico. Nesse sentido, a ética deve estar sempre alerta, a fim de refletir se
essa manipulação, esse desenvolvimento vem respeitando a essência humana, a
dignidade humana.

A vida do homem contemporâneo e as questões ligadas às relações sociais


dos diversos grupos humanos fez nascer na área de saúde, a bioética. Entre
seus pilares, está a busca de maior humanização e ética nas relações sociais e
pessoais entre paciente, médico e sociedade, como preferem alguns estudiosos
“é a ciência com consciência e ética”.

A bioética surgiu a partir de cientistas preocupados com o rumo de suas


pesquisas e suas relações com os pacientes nos EUA no final dos 1970 e não
demorou a migrar para outros continentes e países; e chegou à América Latina
nos anos 1990 do século XX (TEIXEIRA, 2002).

a) A relevância da bioética

A relevância da bioética vem sendo desenvolvida a partir do desenvolvimento


genético e de suas relações com o ser humano. São inúmeros os casos de
eugenia que a própria mídia e os comitês de bioética vem apresentando, são
situações diversas, mas de grande importância à vida humana. A ponto crucial
é a manipulação do genoma, que tem como objetivo o aprimoramento genético,
mas que não reconhece o ser humano e simplesmente o seu genótipo, ou seja,
cria-se um reducionismo biológico, ameaça a biodiversidade e ainda a imposição
dos padrões genéticos sendo impostos a partir daqueles que datem o poder na
sociedade.
Os cientistas
afirmam que é
a bioética que Assim, a bioética tem a responsabilidade de alertar a sociedade da
responderá realidade existente no mundo da biotecnociência, deve a bioética ser
satisfatoriamente crítica, ser analítica e reflexiva diante das ações políticas e ideológicas.
à sociedade, Infelizmente os cientistas não estão preocupados com o bem-estar
para a pessoa
social e sim com o lucro que podem ter com a manipulação genética e
humana, dando-
lhes a oportunidade outros, ou seja o fator econômico está à frente do científico e a bioética
de escolha nas tem essa responsabilidade de evitar que a genética seja um fator
suas ações. O ideológico determinista (BERNARD, 1998).
que acontece no
laboratório deve ser b) A bioética como meio
exposto à sociedade
e a sociedade deve
dizer o que fazer, Os cientistas afirmam que é a bioética que responderá
ou seja, a ética da satisfatoriamente à sociedade, para a pessoa humana, dando-lhes a
sociedade deve oportunidade de escolha nas suas ações. O que acontece no laboratório
estar presente na deve ser exposto à sociedade e a sociedade deve dizer o que fazer, ou
ética do laboratório. seja, a ética da sociedade deve estar presente na ética do laboratório.

132
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

Assim, a bioética não nasceu com a ideia de proibir o desenvolvimento


genético, mas com o princípio de ter uma ética, ou seja, uma conduta, no agir e no
desenvolvimento da manipulação genética.

Existem conflitos no termo bioética, conflitos não só na nomenclatura, mas


também de posição ideológica e filosófica. Ela pode ser entendida como “ética
da vida”, “vida é ética”, “vida e ética”, mas de qualquer forma seu maior objetivo é
a defesa da vida. Assim, a bioética se apresenta de maneira aberta e se articula
com diversos temas ligados à vida. A bioética é uma parte da ética que estuda as
relações da ética com a vida. A bioética também pode ser vista como uma nova
ciência, que se desenvolva e se torne uma ciência autônoma.

Para a bioética ser entendida como ciência, é preciso lembrar de seus


objetivos, que é o estudo de normas e temas que regem a ação humana e sua
intervenção técnica sobre a vida humana. Em outras palavras, a bioética é a
ciência do comportamento moral dos seres humanos diante de intervenção das
biotecnociências sobre a vida humana em todo o seu contexto. Pode-se entender
a bioética como ciência da vida ou ciência da saúde, ambas se referem a ação
humana, atitudes humanas (BERNARD, 1998).

Em suma, a bioética deve ser um meio de diálogo e de reflexão ética e


humana, junto à comunidade científica e não como um princípio fundamentalista e
pragmática ou como um fim determinista e totalitário.

A interdisciplinaridade é uma das características da bioética, pois necessita


passar, dialogar, refletir e se comunicar com as mais diversas áreas do
conhecimento. Entretanto, as ciências são cartesianas, específicas, fragmentadas,
não tendo abertura ao diálogo com as outras ciências, filosofia, teologia e outras;
causando um grande vazio no aspecto ético.

Esse, sem dúvida, é um grande desafio da bioética, romper com a


fragmentação, com o pragmatismo, com o individualismo e avançar com isso
no diálogo e reflexão junto com as demais ciências, ou seja, trabalhar o todo, a
integralidade, o holístico.

Assim, a bioética precisa ser cada vez mais plural em suas relações, mais
intercultural, a fim de não ser mais um instrumento de dominação cultural. A
essência e o princípio da bioética, a priori, é sem dúvida a sua relação da ética
com a vida.

A sociedade carrega inúmeras influências do pensamento cartesiano e


newtoniano. Talvez a questão problemática não seja propriamente o pensamento
de Descartes e de Newton, mas o que fizeram desses pensamentos.

133
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

O que existe é uma ciência, uma sociedade, uma educação fragmentada,


dividida, específica e individualizada, que não dialoga, que não visualiza o todo,
não visualiza o mundo e as coisas de forma holística, ecológica, sistêmica, além
de ser inúmeras vezes fundamentalistas e deterministas (BERNARD, 1998).

c) A transcendência

A bioética não pode ignorar a questão da transcendência que, para a


religiosidade, é considerada preponderante à vida humana, de sua dignidade
e de sua existência. Se negada a existência, nega-se automaticamente a
transcendência. Assim, a bioética deve estar atenta às questões religiosas, tal
como suas crenças, dogmas, costumes, tradições, modo de ser, enfim atento às
questões culturais, pois estas questões se remetem à questão da vida humana,
de sua existência e consequentemente de sua dignidade.

Pode-se questionar o motivo pelo qual se deve atentar para a transcendência.


A bioética busca o bem comum dentre todos os seres vivos e não poderá se opor
às questões comunitárias científicas sem o respaldo do bem comum e do diálogo
e, para isso, faz-se necessário estar atento e inserido em diversos contextos a
fim de não cair no fundamentalismo e determinismo religioso. Faz-se necessário,
também, um diálogo e contato entre as religiões com as ciências; a bioética pode
ser uma ciência que mede este diálogo. O individualismo não faz sentido.

Nunca se ouviu tanto sobre ética, valores, não restando dúvidas de que a
crise ética é uma consequência das crises existenciais, crises de sentido à vida,
assim, para voltar à harmonia, é necessário reconstruir a pessoa humana, ou
seja, afirmar o sentido a existência.

Tal crise ética está relacionada à questão da antropologia e parece que a


mesma não tem conseguido resolver as questões ligadas à existência, pelo único
fato da própria existência estar ligada diretamente à transcendência, ou seja não
ignorar o mistério também é uma tarefa da bioética, talvez a mais difícil de todas,
conscientizar da sua importância e relevância à vida (BERNARD, 1998).

AsIgrejasCristãsDiantedoConsumismo
e do Capitalismo
Os primeiros humanos produziam e consumiam apenas o necessário para
a sua sobrevivência. Quando necessitava de algo que não produzia, usava-se o
método de escambo, ou seja, procurava por alguém interessado pelo seu produto

134
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

para negociar. Com o passar dos tempos, surgiu a “moeda de troca”, ou seja, o
dinheiro, o que acabou gerando o acúmulo de riqueza, fato este que não o objetivo
(SANTOS, 2017).

Os judeus e os protestantes não viam problemas com este ato, o que ajudou
a fortalecer o capitalismo. O problema foi o desejo ganancioso e desenfreado
de acumular bens em excesso de forma ilícita, bem como a exploração sobre
a outra pessoa afligindo a dignidade humana alheia. Nesta perspectiva moral, a
igreja protestante sempre postulou críticas ao sistema econômico capitalista e ao
consumismo pagão.

A igreja católica, por sua vez, sempre vem alertando e criticando este
sistema desigual e alienante, pois além de gerar exclusão social, não permite
igualdade, fraternidade e justiça social. São inúmeras as desigualdades sociais
provocadas pelo capitalismo, pela industrial cultural, pela mídia, pelo consumismo
desenfreado, pelas ideologias de massa a serviço dos meios de comunicação.

O capitalismo torna-se condenável, segundo Pio XI, somente quando viola


normas de justiça, ou seja, quando os trabalhadores têm seus direitos violados,
desprezando-se a dignidade humana e a função social da economia. O papa São
João Paulo II defende que se precisa distinguir o capitalismo liberal e o capitalismo de
mercado. Afirma que capitalismo de mercado pode ser aceito, mas aconselha mudar
o nome para economia de mercado, economia de empresa ou economia livre.

Palavras como competição, individualismo, acúmulo de riquezas como


objetivo de vida, materialismo, exploração, consumismo etc., não estão de acordo
como os princípios do evangelho. O pensamento de Cristo, em muito, contrasta
com o pensamento capitalista.

A sociedade atual é fortemente marcada pela globalização, que influencia


diversos aspectos da vida humana e possui como características fundamentais:
o desenvolvimento tecnológico; a divisão do planeta em blocos econômicos; a
intensificação da comunicação; o caráter mundial da economia; a disponibilização
de informações em tempo real e a integração de povos; os países estão interligados,
o que torna a distância mais curta para relações econômicas e culturais.

O aparecimento de novas tecnologias permitiu a produção em larga escala


a custo baixo, aumentando a oferta de produtos, colaborando para uma maior
competição e para o surgimento de mão de obra especializada que aumentou o
desemprego, ampliando a desigualdade entre ricos e pobres. O mercado tornou-
se mais agressivo e o consumo foi fortalecido, visando incessantemente ao lucro,
com o predomínio de busca pela satisfação pessoal.

135
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Nessas condições, pode-se perceber que as mudanças no cenário mundial


não implicaram, necessariamente, na melhoria da qualidade de vida.  Os efeitos
da globalização fizeram com que  ocorresse uma inversão de valores, quando o
ser humano vive em função da concretização de desejos materiais que aumentam
o contraste social, pois quem não se enquadra é excluído. O individualismo, o
desamor, a falta de fé e de princípios só fazem aumentar a insegurança e violência

A atual sociedade tecnicista não remete ao ser humano seu devido valor,
esquecendo-se que a pessoa humana é um ser complexo e profundo que não
pode simplesmente ser reduzido a uma máquina, animal ou objeto, pois cada qual
é único e irrepetível. O homem deve ser considerado como indivíduo, uma unidade
e totalidade, valorizado em sua globalidade de aspectos que se encontram em
harmonia.

Um dos documentos da igreja católica que debate questão do capitalismo e


do consumismo é a encíclica do papa João Paulo II, Centesimus Annus, onde é
realizada uma profunda reflexão sobre o trabalho humano e o mercado neoliberal.
Veja alguns pontos de destaque:

 Trabalho: refletindo sobre a encíclica de Leão XIII, ele diz que


a chave de leitura do texto leonino é a dignidade do trabalhador
enquanto tal e, por isso mesmo, a dignidade do trabalho. Depois,
refere-se à dimensão pessoal e social do trabalho, acentuadas
por Leão XIII. Retoma ainda alguns outros pontos da Rerum
Novarum, tais como salários dignos e horários humanos.

 Capital: João Paulo II retoma alguns tópicos da Rerum Novarum


para demonstrar que Leão XIII já havia afrontado em seu
tempo o conflito capital-trabalho, que ele chamava de “questão
operária”. A esse propósito, apresentou algumas indicações,
tais como aquelas da dignidade do trabalho e do trabalhador,
que permanecem válidas até hoje (CA, n. 5). Falando de
luta e empenho pela justiça, a encíclica enfatiza que é justo
falar de “luta contra um sistema econômico”, entendido como
prevalência absoluta do capital, da posse dos meios de produção
e da terra, relativamente é livre subjetividade do trabalho do
homem. Nessa luta, não se via como alternativa o socialismo
(CA, n. 35).

136
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

 Salário: retorna-se ao ensinamento da Rerum Novarum, sobre a


dupla dimensão do trabalho, pessoal e necessário, reafirma-se o
ensinamento de que, enquanto necessário para a subsistência, o
salário deve ser tal a garantir um nível de vida digno, de sustentar
o trabalhador e sua família.

A encíclica salienta que, apesar de tantas convenções trabalhistas nacionais


e internacionais, ainda há atualmente situações como aquelas do “capitalismo
selvagem” do tempo da Rerum Novarum, onde o trabalhador é obrigado a
aceitar um salário que não atende às suas reais necessidades (CA, n. 8). Uma
das funções do Estado, na esteira do ensinamento da Novarum, é exatamente
assegurar níveis salariais adequados ao sustento do trabalhador e de sua família,
função também importante dos sindicatos.

 Propriedade: a encíclica recorda a doutrina tradicional da igreja, desde


a Rerum Novarum, sobre o direito natural à propriedade privada, e ao
mesmo tempo sobre as responsabilidades que pesam sobre esse direito.
Depois, fala da origem de todos os bens, que é o ato criador de Deus.
Ele criou tudo para todos, sem privilegiar ninguém. Está aqui a fonte
do princípio patrístico da destinação universal dos bens. É através do
seu trabalho e inteligência que o homem consegue transformar a terra
e estabelecer nela sua morada. Assim, o trabalho está na origem da
propriedade individual. Acena-se ainda sobre a necessidade de não
se impedir que outros tenham acesso a esse direito; pelo contrário,
deve se fomentar esse direito para todos. Fala-se de um novo tipo de
propriedade atualmente, que é da “técnica” e do “saber”. A riqueza das
nações industrializadas fundamenta-se no monopólio deste know how,
que não é repartido com outras nações (CA, n. 30 ss).

 Mercado: embora a ideologia neoliberal acentue o contrário, a encíclica


ensina que o mercado não é total, mas tem limites:

a) O mercado só é viável para quem tem a oferecer, deixando de fora os


que não podem entrar no sistema de empresa (n. 33).

137
HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

b) O mercado vale somente para as realidades solvíveis, passíveis de


serem vendidas e compradas. Existem, porém, necessidades humanas
fundamentais que não entram nessa categoria e que devem ser
respondidas fora do sistema de mercado (n. 34).

c) Existem necessidades coletivas e qualitativas às quais o mercado não


pode responder (n. 40).

O mercado é, pois, um mecanismo idôneo, mas com limitações


que é preciso suprir. A igreja reconhece a positividade do mercado
e da empresa, mas esses devem estar orientados para o bem
comum. Existem, portanto, outros critérios que vão além dos técnico-
econômicos, para regular o mercado.

 Estado e economia: a atividade econômica não pode


desenvolver-se num vazio institucional. Eis então a primeira
função do Estado: garantir a segurança de quem trabalha e
produz. Outra tarefa do Estado é vigiar e orientar o exercício dos
direitos humanos no setor econômico; nesse campo, entretanto,
a primeira responsabilidade não é do Estado, mas dos indivíduos
e diversos grupos que se articulam na sociedade. Pode ainda o
Estado intervir quando situações particulares de monopólio criem
atrasos ou obstáculos ao desenvolvimento. Pode ainda exercer
uma função de suplência quando setores sociais ou sistemas de
empresas se mostram inadequados à sua missão.

Conteúdo concreto do papel do Estado:

- 1º Determinar o marco jurídico dentro do qual se desenvolvem as


relações econômicas e salvaguardar as condições fundamentais
para uma economia livre (n. 15; 25).
- 2º Garantir a igualdade de condições dos distintos agentes
econômicos (n. 15; 48). Uma igualdade de condições perante a
lei e, principalmente, na hora da negociação dos contratos, mas
não igualitarismo na distribuição das rendas ou de um critério de
redistribuição das mesmas.
- 3º Tutelar os direitos de nível superior: proteger a liberdade de
todos (n. 44), zelar pelo exercício de direitos humanos no campo
econômico (n. 48).

138
Capítulo 4 AIgrejaContemporânea

- 4º Prover os ‘bens públicos’: sistema monetário estável, serviços


públicos eficientes, segurança jurídica (n. 48), defesa e tutela dos
bens coletivos, tais como o ambiente humano e natural (n. 40).
- 5º Uma presença de suporte e suplência da iniciativa privada,
segundo o princípio de subsidiariedade (n. 48).

No conjunto, as tarefas do Estado resultam mais amplas do que


lhe atribuem alguns economistas liberais, mas também notavelmente
mais restritiva que as que sustentam os intervencionistas.

Fonte: Disponível em: <https://noticias.cancaonova.com/especiais/


canonizacao-joao-paulo-ii-e-joaoxxiii/magisterio-social-de-jpii-
enciclica-centesimus-annus/>. Acesso em: 7 dez. 2017.

Algumas Considerações
Nesta unidade estudamos os concílios ecumênicos do Vaticano I e II; a
renovação da igreja protestante/evangélica; o pluralismo do cristianismo a partir
do ecumenismo e do diálogo inter-religioso; o posicionamento das igrejas cristãs
diante dos avanços técnicos científicos; o posicionamento das igrejas cristãs
diante do consumismo e do capitalismo; objetivando com isso promover uma
breve análise crítica da igreja cristã contemporânea.

A igreja cristã, ao longo dos últimos séculos e principalmente após


o Iluminismo, tem sofrido com as mudanças sociais, culturais, políticas e
econômicas. Podemos dizer que vivemos em uma nova sociedade, onde temos
novos paradigmas, uma nova moral, uma nova ética, um relativismo exacerbado
da qual se instaurou um círculo, o qual não é possível sair dele.

Entretanto, entendemos que a igreja cristã, seja qual for a denominação


religiosa, tem um papel relevante na construção do reino de Deus, da qual não
podemos nos omitir. Socialmente falando, trata-se da chamada responsabilidade
social do líder religioso. Ao pensar no reino de Deus, estamos pensando numa
sociedade justa e vice-versa. Ao idealizar justiça social estamos idealizando o
amor de Deus na Terra.

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HISTÓRIA E TEOLOGIA DA IGREJA CRISTÃ

Em suma, a igreja cristã contemporânea tem um papel ímpar na construção


do reino de Deus, que é o seu protagonismo atual e que leva junto a sua
responsabilidade moral e social. Por fim, destacamos que o material é de nível
introdutório, portanto, não tem o objetivo de esgotar academicamente a temática,
cabendo ao leitor por meio de leituras e estudos fundamentar sua pesquisa.
Lembramos que as referências bibliográficas citadas na respectiva obra colaboram
com essa fundamentação intelectual.

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