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ESPAÇOS DE CUIDADO:

CONSTRUINDO
POSSIBILIDADES DE VIDA

Autoras
Érica Gonçalves Nunes
Isadora Simões de Souza
Márcia Gabriele Nunes

Organizadoras
Rita Maria Lino Tarcia
Sílvia Helena Mendonça de Moraes
Débora Dupas Gonçalves do Nascimento
CURSO DE APERFEIÇOAMENTO
EM SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
DE ADOLESCENTES E JOVENS

ESPAÇOS DE CUIDADO:
CONSTRUINDO
POSSIBILIDADES DE VIDA

Autoras
Érica Gonçalves Nunes
Isadora Simões de Souza
Márcia Gabriele Nunes

Organizadoras
Rita Maria Lino Tarcia
Sílvia Helena Mendonça de Moraes
Débora Dupas Gonçalves do Nascimento
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nunes, Érica Gonçalves


Espaços de cuidado [livro eletrônico] :
construindo possibilidades de vida / Érica Gonçalves
Nunes, Isadora Simões de Souza, Márcia Gabriele
Nunes ; organização Rita Maria Lino Tarcia, Sílvia
Helena Mendonça de Moraes, Débora Dupas Gonçalves do
Nascimento. -- Campo Grande, MS : Fiocruz Pantanal,
2023.
PDF

Bibliografia.
ISBN 978-85-66909-45-6

1. Adolescentes 2. Bem-estar social 3. Estatuto da


Criança e do Adolescente (ECA) 4. Saúde mental
I. Souza, Isadora Simões de. II. Nunes, Márcia
Gabriele. III. Tarcia, Rita Maria Lino. IV. Moraes,
Sílvia Helena Mendonça de. V. Nascimento, Débora
Dupas Gonçalves do. VI. Título.

23-144560 CDD-362.21
Índices para catálogo sistemático:

1. Adolescentes : Política de saúde mental :


Bem-estar social 362.21

Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415


© 2022. Fundo das Nações Unidas para a Infância – Coordenação de Educação da Fiocruz MS Autoras
UNICEF. Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul. Débora Dupas Gonçalves do Nascimento Isadora Simões de Souza
Vice- coordenadora de Educação Erica Gonçalves Nunes
Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, Márcia Gabriele Nunes
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Higor Cunha Léia Conche da Cunha
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Presidente em exercício
Coordenadora Pedagógica do Módulo llustrador
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Fiocruz MS
Jislaine de Fátima Guilhermino Revisor
Coordenadora Davi Bagnatori Tavares
SUMÁRIO

Apresentação do módulo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
NÚCLEOS E ESPAÇOS DE CUIDADO: CONSTRUINDO PROPOSTAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
CONHECIMENTOS E HABILIDADES ESSENCIAIS PARA A ESCUTA DE ADOLESCENTES E JOVENS: COMUNICAÇÃO
PRECISA; ABORDAGEM INICIAL; CONTINUIDADE DO ATENDIMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
FUNÇÕES, ATRIBUIÇÕES E LIMITES DO AGENTE DE CUIDADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
ÉTICA E SIGILO DAS INFORMAÇÕES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Encerramento do módulo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Minicurrículo das autoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental
e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

apresentação do módulo
Olá! Seja muito bem-vindo ao módulo 6! Este é o trecho os espaços de cuidado podem surgir em qualquer lugar como
final desse percurso formativo. Neste módulo, pensamos em tra- resultado das relações entre as pessoas, inspirando, portanto,
zer para o centro do debate a importância de fomentar outros múltiplas e novas formas de cuidado, de acordo com as possibi-
espaços de cuidado, assim como de pensar no fortalecimento lidades da sua atuação e/ou trabalho.
de diversos agentes de cuidado que estão no território, mas que,
Ao longo deste módulo, sugeriremos algumas atribui-
não necessariamente, estejam compondo a rede de serviços
ções para o exercício da escuta, passando por algumas habili-
já instituída. A intenção é garantirmos o princípio de prioridade
dades essenciais para o acolhimento de adolescentes e jovens,
absoluta estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente
como a escuta empática e o afastamento de julgamentos morais,
(ECA). É dever de toda a sociedade garantir direitos e cuidado
e, por fim, pensaremos em algumas considerações éticas para
para essa população.
realizar modos potencializadores e coletivos de cuidado.
Pensamos em problematizar pontos que nos autorizem a
escutar adolescentes e jovens, entendendo que isso não é uma
tarefa exclusiva dos especialistas da área, uma vez que a saúde
mental de adolescentes e jovens está presente e demanda aco-
lhimento em muitos espaços.

Para iniciar essa conversa, trouxemos o caso complexo


“A comunidade de Monte Verde: construindo espaços de cuida-
do e vida”, que retrata a história de jovens ribeirinhos, com vidas
atravessadas por um cenário de exploração e pobreza, mas que
encontram, em alguns agentes e parceiros, a possibilidade de
construir um outro espaço de escuta e acolhimento.

Chamaremos aqui tais construções de “espaços de cui-


dado”, por entendermos que estes podem ser múltiplos e di-
versos, não necessariamente aqueles instituídos pelas políticas
públicas, que são serviços formais. Pretendemos mostrar que

Módulo: Espaços de cuidado: Construindo possibilidades de vida


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e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

NÚCLEOS E ESPAÇOS DE CUIDADO: Chegamos ao último módulo e pensamos que esse seja
um espaço precioso por trazer ao cerne do debate os adolescen-

CONSTRUINDO PROPOSTAS tes e jovens como prioridade absoluta, ou seja, toda a sociedade
tem responsabilidade ética de acolher e cuidar dessa população.

Pensamos em problematizar pontos que nos autorizem a


escutar esse público, entendendo que isso não é uma tarefa única
Expliquei à professora que na sala de aula tudo
era perto e que nada se distanciava de nada dos especialistas e que a questão da saúde mental de adolescen-
como nos montes da paisagem. Mas a profes- tes e jovens pode ter lugar e acolhimento em muitos espaços, que,
sora negou. Disse-me que o rosto de cada um aqui, serão denominados de “espaços de cuidado”, justamente por
também era imenso como a paisagem e, visto entender que esses lugares podem ser múltiplos e diversos, não
com atenção, tinha distâncias até infinitas que necessariamente precisam ser aqueles instituídos pelas políticas
importava tentar percorrer. [...] Percebi que para públicas.
dentro de nós há um longo caminho e mui-
ta distância. Não somos nada feitos do mais Estamos querendo mostrar que os espaços de cuidado
imediato que se vê à superfície. Somos feitos podem surgir em qualquer lugar, através das relações entre as
daquilo que chega à alma e a alma tem um ta- pessoas.
manho muito diferente do corpo. Percebi que
para ver verdadeiramente uma pessoa obriga a Profissionais dos campos da saúde, assistência social e
um esforço como o de estarmos sentados nos educação costumam pensar em como intervir em situações de
nossos bancos a tomar conta do que passa pe- sofrimento. Isso também ocorre com familiares, amigos, vizinhos,
los montes. Percebi que ver verdadeiramente entre outros. Situações de sofrimento podem mobilizar cuidado e,
uma pessoa também é como prevenir os fogos,
em outros casos, podem afastar, em virtude de se temer uma inter-
como fazia o meu pai que, afinal, era guarda flo-
venção equivocada. Aqui, imaginamos que um lugar de escuta e de
restal. [...] Toda a vida precisamos estar atentos,
acolhimento é precioso e que esse acolhimento pode ser feito por
se assim não fizermos vamos perder muito do
mais importante que acontece em nosso redor.
diferentes atores, tanto na rede formal de serviços, quanto em redes
Como se houvesse um incêndio mesmo diante informais, nos territórios em que a vida acontece.
de nós e nem sequer o percebêssemos antes
Para ampliarmos essa conversa, decidimos compartilhar
que restem todas as coisas completamente
um pouco da história de cuidado de crianças, adolescentes e jo-
queimadas (Mãe, 2015).

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vens, na intenção de pensarmos juntos formas de fazer e tecer 2) Código de Menores (BRASIL, 1979)
esse cuidado.
- Forte tendência à institucionalização de crianças e ado-
Você sabia que o cuidado de crianças e adolescentes lescentes e criminalização da infância. Tal característica
tem uma longa história no Brasil? Indicamos e situamos alguns teve como consequência a desassistência e segregação
dos marcos legais no campo da infância e da adolescência que da população infantojuvenil;
antecederam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), - Abertura “galopante” de estabelecimentos para abrigar,
como legislações que traziam uma marca de criminalização da em condições desumanas, “os filhos da pobreza” – afas-
infância pobre e de suas famílias. Mostramos a seguir, na linha do tamento compulsório das famílias;
tempo, algumas questões centrais dessa história: - Movimentos sociais e intelectuais começam a rediscutir
o modelo de atenção às crianças e adolescentes em res-
LINHA DO TEMPO – LEGISLAÇÃO E PRINCIPAIS PONTOS DE posta às arbitrariedades do regime ditatorial.
CADA TEMPO

3) Constituição Federal – artigo 227 (BRASIL, 1988)


1) Código Mello Mattos (BRASIL, 1927)

- Afirma-se enquanto instrumento legal destinado e regu- - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
lado à “disciplinarização dos filhos da pobreza”; à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
- Finalidade: Saneamento Social; prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
- Fim do Império e início da República, modelo de família educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
moral cristã; dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
- À infância “pobre” foi atribuído o sentido de familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
periculosidade; toda forma de negligência, discriminação, exploração,
- Aliança entre médicos (educadores das famílias) e juristas violência, crueldade e opressão;
– composição que resultava em intervenções na vida das - O Estado no lugar de garantir direitos, ou seja, essa fun-
pessoas; ção deixa de ser exclusiva da família;
- Processo centralizador da ditadura. - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL,
1990);

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- O debate de crianças, adolescentes e jovens como sujei- Quando pensamos na questão do cuidado em saúde
tos de direitos se fortalecia; mental, remetemo-nos logo à questão da escuta, existindo, em
- Substituição do termo “menor” por “crianças e adoles- muitos casos, a prática de uma “pretensa proteção”, justifican-
centes”; do a aplicabilidade do “melhor interesse” da criança (princípio
- Doutrina da Proteção Integral, pautado na criação de po- central do ECA). Contudo, é importante percebermos que muitas
líticas públicas voltadas à cidadania plena. pessoas, inclusive trabalhadores de diferentes campos das po-
líticas públicas da saúde, assistência e educação, baseando-se
em uma lógica adultocêntrica, julgam saber o que é melhor para
Foi somente após a promulgação da Constituição Fe-
as crianças, como podemos perceber no caso complexo deste
deral de 1988 – marco de restabelecimento de um Estado De-
módulo, quando o seu Cleiton aponta caminhos na intenção de
mocrático de Direito no Brasil – que entrou em vigor o Estatuto
ajudá-los, mas sem verdadeiramente escutar as demandas que
da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), que passa
Maurício e seus amigos tinham.
a considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos,
abolindo definitivamente o termo “menor” e as “práticas meno- Pensando nessa perspectiva, a autora Maria Cristina Vi-
ristas”, marca central dos códigos anteriores. Calcado na pers- centin (2016) produziu um importante debate para apresentar o
pectiva da doutrina da proteção integral, o ECA abandonou o conceito de descriançável, que envolve um entendimento da-
foco no assistencialismo para a população de 0 a 18 anos e re- quelas práticas que não acolhem as crianças e adolescentes. Diz
direcionou as ações do Estado para a proteção integral de crian- a autora:
ças e adolescentes. O ECA afirma que a proteção somente será
[...] identificamos o ‘descriançável’ no pano-
efetiva através da implantação de políticas públicas voltadas à
rama das relações contemporâneas quando
cidadania plena.
estas produzem um empobrecimento ou
mesmo um sufocamento dos processos de
Apesar do reconhecimento dos avanços no Sistema de
abertura, acolhimento e invenção de territó-
Garantia de Direitos da Infância e da Adolescência, ainda perce-
rios com as crianças e adolescentes (VICEN-
bemos que estão vigentes crenças e valores morais semelhantes
TIN, 2016, p. 31).
aos antigos códigos. Esse fator determina a necessidade de am-
pliar a discussão sobre ações de proteção, garantindo atuações Como resposta a estas “práticas de sufocamento”, a au-
éticas para uma efetiva proteção de crianças e adolescentes. tora (VICENTIN, 2016, p. 31) nos dá pistas para pensarmos em

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práticas “criançáveis”, mostrando caminhos para visualizarmos 2) Caderneta de Saúde da


“onde estão os manicômios infantis e juvenis nos dias de hoje” Criança Menino;
e onde estão “as situações de perigo” e, por fim, como pensar
em “descolonizar a infância”, com base na afirmação de práticas
criançáveis1. A seguir, detemo-nos em duas “situações de peri-
go” que a autora nos apoia nessa discussão:

- na delimitação de fluxos dos serviços de


saúde por critérios exclusivamente diagnós-
ticos e não pelas expressividades e neces-
sidades das situações ou pelo reconheci- 3) Cadernos de Atenção Básica
mento dos vínculos e dos territórios forjados – Saúde da Criança: crescimento e de-
pelos usuários; senvolvimento;

- na adoção acrítica às noções de proteção


e desenvolvimento e, de forma geral, às co-
lonizações que fazemos da infância (VICEN-
TIN, 2016, p. 34).

Seguem sugestões de materiais que podem ser utiliza-


dos para aprofundar seus estudos:
4) Cadernos de Atenção Básica
1) Caderneta de Saúde da
– Saúde Mental;
Criança Menina;

1 Para a autora Maria Cristina Gonçalves Vicentin, práticas “criançaveis” são aquelas que ocorrem quando efetivamente valorizamos a
infância.
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5) Linha de Cuidado para a Aten-


ção às Pessoas com Transtornos do Es- Para refletir:
pectro do Autismo e suas Famílias na
Rede de Atenção Psicossocial do Siste- É muito importante reconhecermos e sabermos quais es-
ma Único de Saúde; paços de cuidado para adolescentes e jovens existem no
território. Sabemos que o Brasil é um país com diferenças
e especificidades locorregionais, porém, em toda cidade
da federação, existem pontos de atenção à saúde, à as-
sistência social e à educação. Nesse sentido, é muito im-
6) Atenção Psicossocial a Crian- portante que a rede de profissionais, assim como a socie-
ças e Adolescentes no SUS; dade civil, esteja atenta para garantir espaços de escuta,
cuidado e vida para a juventude, promovendo protago-
nismo e autonomia para essa população.

Para além dos espaços instituídos nas políticas públicas


que acabamos de citar, é importante valorizarmos as redes de
apoio que vão sendo construídas ao longo da vida, como a famí-
lia, amigos e comunidade. Você consegue pensar em espaços de
7) Fórum Nacional de Saúde cuidado e escuta a que você tinha acesso na sua adolescência?
Mental.

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e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

CONHECIMENTOS E HABILIDADES de 64. Contou-me de sua experiência com os ín-


dios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há
um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de ini-
ESSENCIAIS PARA A ESCUTA ciar o concerto, diante do piano, ficam assentados
em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando

DE ADOLESCENTES E JOVENS: todas as ideias estranhas). Todos em silêncio, à es-


pera do pensamento essencial.

COMUNICAÇÃO PRECISA; ABORDAGEM Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio den-
tro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o
INICIAL; CONTINUIDADE DO silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que
não ouvia. Eu comecei a ouvir.

ATENDIMENTO Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se refe-


Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nun- ria a algo que se ouve nos interstícios das palavras,
ca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo no lugar onde não há palavras. A música acontece
quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No
ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca
Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, li-
complicado e sutil… vres dos ruídos do falatório e dos saberes da filo-
sofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão
Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ou- linda nos faz chorar.
vidos para ouvir o que é dito; é preciso também que
haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no si-
gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo lêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros:
dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz a beleza mora lá também. Comunhão é quando a
com aquilo que a gente tem a dizer... Nossa incapa- beleza do outro e a beleza da gente se juntam num
cidade de ouvir é a manifestação mais constante e contraponto. Ouçamos os clamores dos famintos e
sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, so- dos despossuídos de humanidade que teimamos a
mos os mais bonitos... não ver nem ouvir. É tempo de renovar, se mais não
fosse, a nós mesmos e assim nos tornarmos seres
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou humanos melhores, para o bem de cada um de nós.
para os Estados Unidos estimulado pela revolução

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É chegado o momento, não temos mais o que


esperar. Ouçamos o humano que habita em cada Feedback positivo:
um de nós e clama pela nossa humanidade, pela A escuta é um recurso essencial para a promoção da saúde
nossa solidariedade, que teima em nos falar e mental de adolescentes e jovens. Por meio deste, podemos
nos fazer ver o outro que dá sentido e é a razão
oferecer atenção, cuidado e ferramentas de transformação
do nosso existir, sem o qual não somos e jamais
às situações de conflito ou sofrimento vivenciadas pelos
seremos humanos na expressão da palavra.
mesmos.
Alves, 1999

É comum vermos pessoas exaltando a importância de Feedback orientador:


falar, principalmente de falar bem, ter boa oratória, uma fala A sociedade, a família e a escola, quando ofertam espaços
eloquente, mas será que as pessoas também compreendem genuínos de escuta e troca, ao mesmo tempo em que garan-
e valorizam a importância de escutar, de saber escutar? tem o acolhimento e acesso às reais necessidades do sujei-
to, permitem que o jovem seja protagonista da sua própria
Rubem Alves chama a atenção para isso no início do seu
história.
texto. Ele diz da existência de muitos cursos de oratória e da au-
sência de cursos de escutatória. Percebemos isso como uma
Primeiramente, vamos fazer uma distinção entre escutar
realidade, a escassez de pessoas disponíveis para escutar, e,
e ouvir. “Do ponto de vista conceitual, escutar é diferente de ou-
quando nos referimos a escutar adolescentes e jovens, essa in-
vir. Escutar remete a aderir ao que se ouve, e ouvir não implica
disponibilidade se evidencia ainda mais.
adesão. Aderir é se permitir ouvir quem nos fala – ainda que não
acordemos com aquilo que é dito por quem nos fala” (FERREIRA,
2022, p. 128). Nessa perspectiva, ouvir limita-se à função orgâni-
Proposição 1 ? ca. Já escutar remete a ser afetado, a sentir o que é trazido pela
Você já parou para pensar sobre isso? Sobre o quanto, fala do outro.
muitas vezes, a sociedade, a família e até mesmo a esco-
la não dão espaço para o que os adolescentes e jovens É importante ressaltar que, quando falamos de escuta,
têm a dizer? estamos nos referindo a um modo de cuidado não exclusivo de
determinada área do saber. Não se trata de uma escuta exclusi-
va de profissionais especialistas da saúde mental. Esses locais

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de escuta especializada instituídos formalmente são legítimos, para não se colocar no lugar de distanciamento e de superiorida-
importantes e indispensáveis em casos específicos. Contudo, de em relação àquele que fala, evitando uma postura adultocên-
precisamos estar atentos para o fato de que eles não são os úni- trica, como já mencionado anteriormente.
cos lugares e modos de escuta possíveis. Como já vimos, esses
podem e precisam ser ampliados.

Então, de qual escuta estamos falando? A escuta a que


nos referimos aqui é uma ferramenta e uma habilidade que toda
Proposição 2 ?
A fala de pessoas adultas ou mais velhas para os adoles-
pessoa humana é capaz de desenvolver. É um instrumento vital
centes e jovens, na maioria das vezes, vem carregada de
para a relação humana. Pensando nessa relação numa perspec-
opiniões e conselhos, mesmo quando baseados nas me-
tiva dialógica, em que uma pessoa se coloca diante da outra em
lhores intenções. Você já parou para pensar se isso favo-
uma atitude de respeito, presença, horizontalidade, igualdade e
rece ou atrapalha a comunicação?
inteireza. Martin Buber (1977) aponta que o ser humano tem a
capacidade de inter-relacionamento com seu semelhante. Essa
relação eu-tu acontece no encontro verdadeiro de duas pessoas Feedback positivo:
e se expressa pela habilidade da escuta.
Para a fala do outro acontecer, faz-se valioso que a pessoa
Para a prática dessa escuta, à qual podemos nos referir que escuta abra espaço dentro de si para acolher o que é
como uma escuta ativa, afetiva, amorosa, empática e acolhedora, dito pelo outro, desprendendo-se de julgamentos e vivên-
não existe uma receita pronta ou uma regra rígida a ser seguida. cias pessoais, evitando conselhos precipitados, excessos
Estamos falando de algo que se estabelece na complexidade e de teorizações e/ou veredictos.
na individualidade de cada relação, sem modelos preestabeleci-
dos. No entanto, existem “habilidades” potencializadoras dessa
escuta. Feedback orientador:
Recorrer a respostas prontas, universais e/ou motivado-
Vamos pensar sobre algumas dessas habilidades? Inicial-
ras pode ser um recurso acalentador ou apaziguador para
mente, o estabelecimento de vínculo entre a pessoa que escuta
quem diz, sem qualquer possibilidade de impacto profícuo
e a pessoa que fala é imprescindível. Nesse sentido, quem escu-
para quem escuta. É preciso estar atento aos efeitos adver-
ta precisa estar disponível para a relação mais próxima, simétrica
sos do acolhimento.
e igualitária possível. A pessoa que escuta precisa ter cuidado

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e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

A arte de escutar demanda da pessoa que se propõe a ela consiste em quatro atitudes: assumir a perspectiva da outra
fazê-la a atitude de se esvaziar de si. Esse esvaziar-se, como men- pessoa; não julgar; reconhecer a emoção do outro; e comunicar
ciona Rubem Alves em seu texto, requer, muitas vezes, o silêncio. essa emoção.

A receptividade é uma estratégia importante no contexto (Animação: O poder da empatia. Site: | em casa gobblynne | Ani-
da escuta de adolescentes e jovens. É a atitude de acolher sem mação, Ilustração)
julgamento o que o outro diz. Isso não significa concordar com
Quando se está diante do relato de uma situação difícil
tudo que o adolescente ou o jovem fala nem aceitar comporta-
vivida pelo outro, é comum se ter o impulso de tentar amenizar a
mentos negativos. No entanto, quer dizer aceitar as suas emo-
situação. O uso de argumentos de conforto precisa ser pondera-
ções, legitimar seus sentimentos e dar espaço para que ele pos-
do, pois pode gerar o efeito negativo de fazer o outro não se sen-
sa expressar o que sente e vive.
tir compreendido. Por outro lado, a postura empática, a de tentar
Só é possível conhecer alguém se a pessoa que ouve se compreender a perspectiva vivida pelo outro naquele contexto,
dispuser a escutar o outro que fala como ele é e não como queria sem julgamentos e buscando reconhecer e comunicar as emo-
que ele fosse. Por meio de uma atitude receptiva, pode ser pos- ções que ele vive, favorece a conexão e pode trazer benefícios.
sível compreender o que é trazido pelo outro, o que está aconte-
Compreendemos que a escuta é uma alternativa para li-
cendo com ele e, a partir daí, pensar os cuidados que ele precisa.
dar com a dor e com o adoecimento. Ela, por si só, é uma estraté-
Quando nos referimos ao que é trazido ou dito pelo ado- gia potente, que pode repercutir de modo positivo em muitos ca-
lescente ou jovem é importante destacar que esses modos de sos. No entanto, é importante que a pessoa que escuta conheça
dizer nem sempre são verbais. A comunicação ocorre de modos seus limites e reconheça que determinadas questões identifica-
variados, inclusive de modo não verbal. Por isso é preciso estar das podem demandar apoio de algum serviço e/ou atendimento
atento para as atitudes, expressões, gestos, atos corporais e até especializado. Por isso é de suma importância conhecer a rede
mesmo o silêncio, que em alguns casos também está a serviço de serviços existente em seu território.
da comunicação.
Como já foi mencionado, a escuta à qual nos referimos
Voltando às habilidades que favorecem a escuta acolhe- aqui não se refere a uma escuta exclusiva de determinada área
dora, vamos pensar na postura empática, que é tentar se colocar do saber, muito menos a uma escuta clínica terapêutica. Diversas
no lugar do outro. A empatia seria a capacidade de estar junto do pessoas que tenham interesse no cuidado de adolescentes e jo-
outro para sentir o que ele sente, legitimando as emoções senti- vens podem ser agentes e promotores de cuidado.
das pelo outro. Brené Brown (2016) estuda a empatia e diz que
Módulo: Espaços de cuidado: Construindo possibilidades de vida
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e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

FUNÇÕES, ATRIBUIÇÕES E LIMITES DO cuidarmos uns dos outros nos aproximamos do que há de mais
humano em nós. É esse o lugar do agente de cuidado.

AGENTE DE CUIDADO Você já presenciou algum jovem contando uma história


que aconteceu com ele para um amigo? Percebeu como eles
dão ênfase às palavras, ficam empolgados e carregam a fala de
Há algo nos seres humanos que não se encontra emoções? É dessa forma que muitos jovens chegarão até você.
surgido há milhões de anos no processo evolutivo Outros falarão baixo, com pouca expressividade. Há também um
quando emergiram os mamíferos, dentro de cuja grupo que, simplesmente, não fala, apenas acena com a cabe-
espécie nos inscrevemos: o sentimento, a capaci- ça e responde monossilabicamente às nossas perguntas. Esses
dade de emocionar-se, de envolver-se, de afetar serão alguns dos jovens que irão aparecer em nossas salas de
e de sentir-se afetado. Um computador e um robô
aula, cozinhas, corredores de hospitais, centros comunitários, as-
não têm condições de cuidar do ambiente, de cho-
sociações, vizinhança e, até mesmo, dentro das nossas próprias
rar sobre as desgraças dos outros e de rejubilar-se
casas.
com a alegria do amigo. Um computador não tem
coração. Só nós humanos podemos sentar-nos O que nós precisamos vivenciar com esses jovens é uma
à mesa com o amigo frustrado, colocar-lhe a mão
comunicação, um dialogar. O diálogo é uma ponte que leva o ser
no ombro [...] e trazer-lhe consolação e esperança.
humano a se aproximar de outro ser humano. E para que esse
Construir o mundo a partir de laços afetivos. Esses
diálogo possa fluir é essencial ser capaz de ouvir quem me fala,
laços tornam as pessoas e as situações preciosas,
portadoras de valor. Preocupamo-nos com elas. mesmo que eu discorde, ainda que seja diferente do que penso,
Tomamos tempo para dedicar-nos a elas. Sentimos do que sinto, mas eu respeito, eu escuto (FERREIRA, 2022).
responsabilidade pelo laço que cresceu entre nós
Algumas vezes, esses meninos e meninas farão pedidos
e os outros. A categoria cuidado recolhe todo esse
modo de ser. Mostra como funcionamos enquanto diretos de ajuda a você; outras vezes esses pedidos não serão
seres humanos. muito claros; e haverá pedidos quase imperceptíveis. Em qual-
quer circunstância, é primordial estar atento e disponível para
(Boff, 2015). oferecer a escuta, o apoio, a ajuda.
Leonardo Boff nos mostra a nossa capacidade humana
de sentir, de chegar perto de outra pessoa, de afetar e ser afe-
tado pelo outro, de formar laços, fazer vínculos e cuidar. E ao

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e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

Um jovem pode procurar você com demandas variadas.


Proposição 3 ? Ele pode, por exemplo, estar vivenciando uma angústia enorme,
Qual seria a sua função como agente de cuidado? Será e encontrar você em um corredor da escola pode trazer a ele a
que você está preparado para esse desafio? ideia de não estar sozinho e de não ser necessário tomar uma
decisão precipitada (VERAS, 2020, p. 298)

Feedback positivo:
Vamos voltar um pouco ao caso complexo deste módulo. Você percebe a importância do seu pa-
Na sua opinião, o seu Cleiton estava disponível para ofere- pel nessas situações? A sua escuta pode
cer uma escuta acolhedora, sem julgamentos aos jovens? trazer alívio ao jovem que conversa com
Podemos imaginar que ele ainda não estivesse preparado você. E poder proporcionar isso ao outro
para ouvir o outro. Será que realmente você escuta o outro é algo extremamente gratificante. clique e
acesse
quando está pensando nos seus objetivos e sentimentos?
A resposta é “Não”. Ele queria impor a sua crença religiosa Ouça a música “Laços”, de autoria de Nando Reis
para os meninos da comunidade de Monte Verde dizendo:
“Seria muito bom para esses meninos saírem do pecado e
Assim, para escutar um jovem, precisamos estar interes-
conhecerem a palavra de Deus”.
sados na sua fala e na sua história, assim como nos aproximar
dele. Quem pode oferecer a escuta? Eu, você e qualquer pes-
Feedback orientador: soa interessada em tentar ajudar pode! A escuta deve ser livre de
preconceitos e julgamentos, não seguir uma fórmula pronta nem
A tentativa de resolução do problema sem escutar as neces-
produzir frases feitas; deve ser uma escuta de respeito ao outro e
sidades do sujeito em sofrimento pode levar ao silenciamen-
de liberdade. Devemos ouvir sempre mais, a ponto de promover
to, distanciamento e desencorajamento de novos pedidos
a desconstrução de certezas consolidadas. Esse caminho nos
de ajuda.
leva à reconstrução de nós mesmos, com novas ideias, novos
saberes, novos olhares.

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Atribuições e competências dos agentes de cuidado: 5) Realizar os primeiros socorros emocionais (PSE) (UNICEF,
2021). São eles: oferecer apoio e ajuda; perguntar o que a
1) Conhecer a si mesmo (autoconhecimento), conhecer
pessoa precisa ou como você pode ajudar; ver se a pes-
seus limites, suas características, habilidades, valores e
soa está com fome, sede ou precisa saber de alguma coi-
crenças. O autoconhecer-se é um dos fatores de prote-
sa; ouvir com atenção sem forçar a pessoa a falar nada
ção à nossa saúde mental.
nem julgar o que diz; falar coisas que possam ajudá-la a
Acolher os jovens, oferecendo uma escuta acolhedora se sentir melhor ou ficar mais calma; proteger a pessoa.
que possibilite a expressão dos sentimentos e a com-
preensão, sem avaliação e sem julgamento, estabelecen-
do uma relação saudável, de respeito e de empatia com
os jovens.

2) Promover a saúde mental escutando as demandas dos


adolescentes, realizando orientações e até mesmo enca-
minhamentos para serviços de saúde mental, como os
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), e buscando um
estado de bem-estar usando habilidades para lidar com
aquilo que vive e atuar em sua comunidade.

3) Promover a criação de espaços para que os jovens pos-


sam se cuidar, como associações de moradores, escolas
e até mesmo na garagem de Dona Lourdes, como acon-
teceu no caso complexo.

4) Procurar informações sobre temas de interesse dos jo-


vens, que poderão variar tanto inter, quanto intra-territo-
rialmente. Lembrar-se de que tudo precisa ser pensado
para os jovens e com os jovens. O protagonismo juvenil é
importante nos espaços de cuidado.

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Ao pensar em todas essas atribuições, você se per-


Proposição 4 ? gunta: será que tudo isso será muito pesado para mim? Será
Ao ler todas estas atribuições, você pode pensar: será que eu vou dar conta?
que vou conseguir?
Nesses casos, precisamos pedir ajuda. Quem cuida do
cuidador? Como estou me sentindo com tudo isso que está
Feedback positivo: acontecendo com esse jovem? Buscar ser verdadeiro com você
A resposta mais justa é: algumas vezes sim e outras não. São mesmo, pedir ajuda a um colega e procurar serviços estratégicos
os seus limites; cada um tem os seus, é preciso apurá-los. Se voltados à saúde mental são possibilidades para melhorar a sua
você tem dificuldade em ouvir alguns temas ou lidar com escuta e o seu acolhimento das situações difíceis vivenciadas
algumas situações, por exemplo, isso pode ocorrer devido pelos jovens. Você também pode participar de capacitações, for-
a dificuldades que você tenha vivido no passado e que ain- mações e cursos para compreender e utilizar técnicas que facili-
da provocam sentimentos ruins, comprometendo ou impe- tam o processo de comunicação e reconhecimento dos limites e
dindo o acolhimento ao jovem. Pensemos em uma situação potencialidades da atuação.
concreta: uma jovem está falando sobre o comportamento
suicida, cuja vivência e expressão são semelhantes ao que
você está vivenciando em casa com a sua filha. Como agen-
te de cuidado, ouvir essa jovem pode trazer identificação fa-
miliar, angústia, lembranças de sofrimento, tirando do foco a
possibilidade de escuta ativa da jovem.

Feedback orientador:
Reconhecer os próprios limites é um ato de cuidado con-
sigo e com o outro. Humanizar-se, acolher-se, adaptar-se à
situação e/ou demandas específicas, buscar ajuda e/ou en-
caminhamento para o jovem em sofrimento também é uma
função do agente de cuidado. Esta não é uma função pron-
ta, se constrói continuamente.

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ÉTICA E SIGILO DAS INFORMAÇÕES - Atitudes que sejam contrárias a situações de negligên-
cia, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.

Sabe-se que profissões regulamentadas têm seus códi-


Ética é tradicionalmente entendida como um estudo ou
gos de ética para subsidiar as reflexões de cada profissional acer-
uma reflexão sobre as ações humanas (VALLS, 2017). A ética, na
ca de sua prática. O objetivo de um código de ética não deve ser
prática, convida a pensar e a responder questões sobre como
engessar e normatizar o trabalho, mas assegurar, de acordo com
se deve agir em sociedade. Esse convite está sendo feito a você.
os padrões estabelecidos socialmente, direcionamentos para as
Discutimos até aqui questões voltadas para o cuidado da saúde
profissões. Nesse sentido, destacamos o valor desses códigos
mental de adolescentes e jovens. Discorremos sobre diferentes
de ética, sendo relevante que profissionais que os tenham ba-
espaços e ambiências em que esse cuidado pode e deve acon-
seiem suas práticas nesses documentos.
tecer; sobre a prática da escuta acolhedora; sobre habilidades
que favorecem a escuta; e sobre a atuação daqueles que atuam A perspectiva ampliada proposta neste módulo, em con-
nessa frente, a quem chamamos de agentes de cuidado. Abri- sonância com as discussões da política de saúde mental, convo-
mos agora um espaço para pensarmos sobre a atuação ética dos ca ao lugar de agente de cuidado pessoas variadas (profissionais
agentes de cuidado. de saúde, da assistência social, da educação, enfim, pessoas da
sociedade em geral). Ainda que alguns desses profissionais não
A atuação do agente de cuidado é tecida à disponibi-
tenham código de ética específico, a conduta ética deve sempre
lidade e à necessidade de se deixar desconstruir pelo outro.
nortear as intervenções. Algumas legislações, como a Declara-
Não há fórmula, receita, respostas prontas ou universais. ção Universal dos Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do
Porém, esse fazer sempre deverá estar atrelado a: Adolescente (BRASIL, 1990) e o Estatuto da Juventude (BRASIL,
2013), também trazem contribuições para a atuação diante da es-
- Atitudes éticas respaldadas no respeito, liberdade, digni-
cuta e do trabalho com este público.
dade, igualdade e integridade da pessoa humana;
Em consonância com a ética, o sigilo das informações
- Atitudes que busquem promover a saúde e a qualidade
deve ser prioridade, com vistas a proteger a confidencialidade
de vida desses adolescentes e jovens;
e a intimidade das pessoas. A quebra do sigilo só deve ocorrer
- Atitudes que estejam comprometidas com a garantia de diante de situações que ponham em risco a vida do adolescente
direitos; ou jovem; devendo ser eventual, limitada a informações estrita-

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mente necessárias e baseada sempre na busca pelo menor pre- que podem levar à patologização e medicalização excessiva, e
juízo. É relevante que qualquer decisão relacionada à quebra de até institucionalização.
sigilo deva priorizar o diálogo com esse adolescente ou jovem.
Diante de casos de autolesão, com ideação suicida ou
Ressaltamos que a quebra do sigilo de fato deve ser utili- mesmo situação de violência vivenciada pela adolescente, o
zada apenas se estritamente necessária, tendo em vista os riscos agente de cuidado precisa avaliar a situação com cautela: nem
que essa pode acarretar. Pode gerar, a depender do caso: a) a pode ser “duro demais” e nem ser movido pela excessiva sensi-
ruptura da confiança e do vínculo, levando esse adolescente ou bilização e tomar atitudes precipitadas; ser cuidadoso para não
jovem a não mais confiar em se abrir e pedir ajuda a outras pes- romper o sigilo como um modo de autoproteção ou com a finali-
soas; b) a potencialização do risco ou revitimização da pessoa. dade de tentar “resolver o problema” de forma imediatista. Nes-
ses casos mais complexos, é muito importante pensarmos em
Em outras palavras esse procedimento só pode ser feito
acionar a rede de serviços de saúde, como os Centros de Aten-
após alguns critérios terem sido analisados: existe algum outro
ção Psicossocial (CAPS). Na ausência de um CAPS infantojuvenil,
caminho que não seja a quebra de sigilo? Existe de fato um risco
você pode buscar o CAPS adulto ou até mesmo a sua Unidade
iminente à vida desse adolescente ou jovem que justifique esta
Básica de Saúde (UBS).
escolha? Com a quebra do sigilo, haverá mais efeitos positivos
ou negativos?

Vamos pensar aqui em uma situação proposta por Ana


Marta Lobosque (2019) para subsidiar a nossa reflexão. A autora
levanta uma discussão que aborda situações de automutilação
em meninas, mas podemos utilizá-la de modo mais ampliado.
Lobosque aponta que, diante de casos de automutilação de me-
ninas, a pessoa que escuta e/ou percebe a situação corre dois
riscos: o primeiro risco é “o da recusa, uma interpretação que pri-
vilegia a minimização da dor do outro, a simulação, problemas
falsos, indignos de atenção; o segundo risco é o de alarme, cujo
apelo captura-nos em demasia, especialmente pelo temor do
risco de suicídio, acionando estratégias, por vezes exageradas,

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e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

Nesse sentido, qualquer discussão ética a respeito do si-


Fica a dica! gilo e da postura dos agentes de cuidado deve estar vinculada a
uma escuta atenta, cuidadosa, que busque acolher, compreen-
É importante compartilhar, com adolescentes e jovens,
der, estar junto desse adolescente ou jovem, trilhando novos ca-
alguns números de contato, como:
minhos e novas possibilidades, sempre em uma perspectiva de
CAPS respeito e cuidado.

CRAS Dessa forma, retomamos o caso complexo, que ocor-


reu na cidade de Monte Verde, em que os próprios moradores
Disque 100 (Disque Direitos Humanos), para casos de pensaram em um espaço de cuidado e vida para adolescentes e
Violência jovens. Em seu território, você identifica espaços que sejam po-
tentes para o cuidado de adolescentes e jovens? Caso eles não
Disque 180, para casos de violência doméstica
existam, você consegue pensar na criação deles? Quem seriam
CVV 188 os parceiros mais próximos para começar esse espaço?

Site www.canaldeajuda.org.br, para casos de vítima ou


testemunha de cyberbullying

Site Pode Falar, canal de escuta 24h para adolescentes e


jovens

Site Como comunicar uma situação de perigo - Comissão


Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crian-
ças e Jovens (cnpdpcj.gov.pt)

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encerramento do módulo ocorrem com a juventude. Partimos, assim, da história e da legis-


lação sobre direitos da adolescência e juventude para construir e
inspirar modos plurais de reconhecimento, acolhimento e cuida-
do voltados a essa população, independentemente do espaço
Chegamos ao final de um longo processo de aprendiza- físico, estrutura e exercício da profissão.
gem. Não somos mais os mesmos, assim como o mundo tam-
bém já é outro. Enfrentamos a dureza da pandemia de Covid-19, De modo a centralizar o cuidado na relação e nas ferra-
a tristeza de um luto coletivo, os efeitos da precarização de certas mentas coletivas, tecemos questionamentos, conhecimentos,
existências, entre outros desafios. Nos diferentes territórios do habilidades, aspectos éticos e técnicos para reafirmar o com-
país, percebemos diferentes questões que atravessam a vida de promisso político com a promoção da saúde mental dos adoles-
adolescentes e jovens, como a violência, a violência do Estado e centes e jovens. Essa escrita, que pode ser complementada por
a falta de oportunidades e de espaços de partilha de vida. Depa- você em sua prática, visa expandir temas, modos e exercício de
ramo-nos com expressões de sofrimento vividas e sentidas pe- um cuidado solidário, equânime e emancipador. Sigamos!
los jovens, como o uso abusivo de drogas, trabalho no tráfico de
drogas, violências diversas, como autolesões e comportamento
suicida, etc.

Pensamos que, diante do desamparo e de tantas cenas


intoleráveis que nossos adolescentes e jovens estão vivendo, é
necessário construirmos respostas de cuidado melhores e mais
ampliadas, que os acolham e que não os julguem, ou seja, que
não minimizem aquilo que está sendo sentido e vivido. Para isso,
é importante nos posicionarmos nessa trincheira ao lado deles,
garantindo espaços de acolhimento, participação e, fundamen-
talmente, protagonismo.

A tecitura deste módulo teve como motivação reconhe-


cer os avanços da garantia de direitos de adolescentes e jovens,
assim como questões ainda não superadas, e olhar para muitos
dos desafios atuais da comunicação, diálogo e conflitos que

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e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

referências FERREIRA, H. M. A geração do quarto: quando crianças e ado-


lescentes nos ensinam a amar. Rio de Janeiro: Record, 2022.

LOBOSQUE, A. M. As meninas que cortam. In: Saúde Mental In-


fantoJuvenil - Territórios Políticas e Clínicas de resistência. Lucia-
ALVES, R. O amor que acende a lua. 8. ed. Campinas: Editora na Togni de Lima e Silva Surjus; Maria Aparecida Affonso Moysés
Papirus, 1999. (Orgs.). Santos: Unifesp/ Abrasme, 2019.
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nov. 2022.
VICENTIN, M. C. G. Criançar o Descriançável. In: LAURIDSEN- RI-
BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre Esta- BEIRO, E.; LYKOROPOULOS, C. B. (Comp.). O CAPSi e o desafio
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sília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

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de Menores. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 out. 1979.

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da as leis de assistência e proteção a menores. Coleção de Leis
do Brasil, 31 dez. 1927.

BROWN, B. A coragem de ser imperfeito. Rio de Janeiro: Sex-


tante, 2016.

BUBER, M. Eu e Tu. Introdução e Tradução de Newton Aquiles


Von Zuben. 2. ed. São Paulo: Moraes, 1977.

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Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental
e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

minicurrículo das autoras


Erica Gonçalves Nunes

Psicóloga e Advogada. Especialista em Intervenções em Psico-


logia Social e Comunitária pela Faculdade Frassinetti do Recife,
FAFIRE (2017). Mestranda no Programa de Pós-graduação em
Educação, Culturas e Identidades da UFRPE/FUNDAJ. Membro
do Grupo de Estudo Transdisciplinar da Infância e Juventude
(GETIJ). Atendente voluntária no canal Pode Falar – UNICEF.

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Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental
e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

minicurrículo das autoras


Isadora Simões de Souza

Psicóloga, doutora em psicologia social pela Pontifícia Universi-


dade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Saúde Men-
tal pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova
de Lisboa, Portugal. Os principais temas em que atua são saúde
mental, saúde mental infantojuvenil, justiça, gênero, drogas e di-
reitos humanos. Atualmente, é professora do curso de Gradua-
ção em Psicologia da Universidade Mackenzie em São Paulo-SP;
professora e supervisora da Residência Médica em Psiquiatria
em Rede (SUS) da 8 Coreme, da Prefeitura de São Paulo; e super-
visora de CAPSij, na cidade de São Paulo.

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Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental
e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens

minicurrículo das autoras


Marcia Nunes

Psicóloga. Trabalhadora do SUAS. Mestranda em Educação, Cul-


turas e Identidades pela Universidade Federal Rural de Pernam-
buco (UFRPE). Especialista em Direitos da Criança e do Adoles-
cente pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (2021),
Especialista em Saúde Mental e Intervenções Psicossociais
pela UNIFAVIP DEVRY (2011). Pesquisadora no Grupo de Estu-
do Transdisciplinar da Infância e Juventude (GETIJ). Membro do
Núcleo do Cuidado Humano da UFRPE. Atendente voluntária no
canal Pode Falar – UNICEF.

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Realização
FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL

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