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Maria Clara Dias
Coleção:
FILOSOFIA - 177
PORTO ALEGRE
2004
© Copyright de EDIPUCRS, 2004
ISBN: 85-7430-437-9
PREFÁCIO / 9
INTRODUÇÃO / 11
REFERÊNCIAS / 70
a Sofia
Ernst Tugendhat
PREFÁCIO
Este livro é uma versão para o português da minha tese de doutorado, defendida
em setembro de 1993, na Universidade Livre de Berlim, sob a orientação de Ernst
Tugendhat. Na época, o livro publicado pela Hartung-Gorre Verlag Konstanz contava
com a novidade de discutir o recém publicado Faktizifãt und Gelrung de Habermas e o
então ainda inédito Vorlesungen über Ethik do próprio Tugendhat.
Tenho em Tugendhat, mais que um orientador, um mentor da minha formação
filosófica e pessoal. Durante o doutorado, investigamos, juntos, a questão dos direitos
humanos e sua inserção como uma conseqüência inexorável da moral do respeito
universal. De lá para cá, Tugendhat alterou vários aspectos de sua concepção. Um dos
aspectos mais relevantes foi sua adoção de uma perspectiva contratualista e sua recusa
de um certo decisionismo, inerente, ao menos, a minha interpretação das Vorlesungen.
De lá para cá, eu mesma alterei em vários aspectos o modo como pensava a
moralidade. Daquela época, mantenho a convicção, retirada de Tugendhat, de que a
escolha/adoção de um sistema normativo é parte do que elegemos como determinante da
nossa identidade qualitativa. Contudo, pensava a própria moralidade como um sistema
meramente prescritivo, correlato da nossa auto-compreensão como seres cooperativos,
portanto, como guia das nossas relações para com outros indivíduos. Hoje, considero tal
sistema como apenas um dos elementos da moralidade e esta última como abarcando todo o
universo de valores e escolhas que realizamos em resposta à questão geral acerca do tipo de
pessoa que queremos ser, o tipo de vida que desejamos viver e o tipo de sociedade que
pretendemos construir. A alteração na minha perspectiva acerca da moral, no entanto, não
interfere, em nada, na minha interpretação dos direitos humanos, tema deste livro, já que os
mesmos correspondem exatamente ao aspecto normativo da moralidade.
Considero que a revisão da minha concepção é uma decorrência inevitável do
modo como, ao abandonar a tentativa de fornecer uma fundamentação última da moral,
passei a considerar a questão da aceitação ou não de um sistema normativo em geral
como parte da questão acerca do tipo de pessoa que queremos ser ou do tipo de vida que
desejamos viver. Assumo, agora, esta como sendo a questão moral por excelência, o que,
conseqüentemente, torna a moralidade, como um todo, algo que não escolhemos, mas no
qual estamos imersos a partir do momento em que começamos a refletir sobre nossas
ações, sobre o que somos, nossos valores, nossas tradições e nossos ideais. Assim sendo,
se ainda é possível dizer que escolhemos um sistema normativo específico, já não faz
sentido dizer que optamos ou não pela moralidade. Ela é parte de nós: a parte que reflete
e delibera sobre o curso de nossas ações. A moralidade deixa de ser então algo
meramente coercitivo e restritivo e se torna algo que cresce conosco e em nós na medida
em que buscamos uma vida mais íntegra e uma sociedade mais harmônica, tolerante e
próspera na realização de seus ideais.
Trago, na memória, Berlim como a minha Pasárgada. Aos amigos que lá
estiveram, hoje dispersos por todas as partes do mundo, agradeço a lembrança destes
anos dourados. A Tugendhat, em especial, agradeço também o privilégio de um diálogo
e uma amizade que se fez parte essencial do que sou.
INTRODUÇÃO
No que se segue, pretendo apresentar a posição de Locke com respeito (1) aos
conceitos de estado de natureza e direito natural e (2) ao estabelecimento da sociedade
política.
1
John Locke, Two Treatise of Government,Cambridge, 1960.
2
Ver op. Cit., p. 271.
3
Ver op. cit., 271. P.
ser racional. Por meio da razão, os homens reconhecem a lei da natureza e são obrigados
a respeitar todos os demais quanto a seus direitos naturais.
Para consolidar sua concepção dos direitos naturais como originários ou
anteriores à formação do Estado, Locke apela à idéia de uma vida comum anterior à
formação do Estado, i. é, a um estado de natureza. A razão ensina à humanidade que
todos os homens são iguais e independentes no estado de natureza e que não é lícito a
ninguém causar danos à vida, propriedade, saúde e liberdade de um outro.4 A vida e a
liberdade são, portanto, um direito natural de cada um.
O direito à vida abarca em Locke o direito de todos à autodefesa, bem como a
proibição de agressão à vida humana. A vida humana é uma criação de Deus e, enquanto
tal, está subtraída ao arbítrio dos homens. Os homens são uma obra de Deus e este os
criou para que existam até quando lhe aprouver. 5 Já que eles foram criados como iguais e
independentes, não é lícito que seja aceita alguma hierarquia entre os seres humanos que
os autorize a aniquilarem-se uns aos outros, como se tivessem sido criados para o mero
proveito e uso de seus semelhantes.6 Do mesmo modo que um homem foi criado por
Deus, desse modo também ele deve ser reconhecido por todos os outros.
O direito à liberdade é o direito de cada um agir, em princípio, sem restrições
e sem coações. Esse direito proíbe que seres humanos sejam colocados sob pressão e que
sejam coagidos a agir pelo poder ou pela violência. Os homens nasceram iguais e
nenhum ser humano tem, por natureza, poder sobre os demais. Um homem deve ser livre
enquanto for capaz de agir de modo racional. O único limite a seu agir é a lei da natureza
e os direitos naturais correspondentes, pois esses podem restringir sua liberdade tanto
com relação a si mesmo quanto em relação aos outros. A lei da natureza à qual está
submetida a liberdade de ação não é considerada, no entanto, para Locke, como uma
restrição da liberdade, mas sim como a condição de sua expansão: caso os seres
humanos não se orientem pela lei da natureza, eles violam a liberdade e racionalidade de
suas ações.
No estado de natureza, Deus ofertou o mundo a toda humanidade para que os
homens o possuíssem em comum. Encontrando- se em uma situação de carência, os
seres humanos se viram forçados a cultivar a terra com o intuito de beneficiar sua vida. 7
Deles foi então requisitado o trabalho. Os frutos do trabalho de cada homem são sua
propriedade. E não é lícito que se retire de nenhum homem aquilo que lhe pertence. As
necessidades da vida humana conduzem, desse modo, à propriedade privada. E assim
que surge, para Locke, a partir do estado de natureza, um terceiro direito natural: o
direito à propriedade.8 Locke emprega o conceito de propriedade em dois sentidos
distintos: o primeiro abarca tudo aquilo que pode pertencer a alguém, como p. ex. sua
vida, sua liberdade e seus bens; o segundo refere-se apenas aos bens materiais de um ser
4
Ver op. cit., p. 271.
5
Ver op. cit., p. 271.
6
Ver op. cit., 271.
7
Ver op. cit., 271.
8
Ver op. cit., 271.
humano. O direito de propriedade deve ser entendido nesse segundo sentido, i. é., como
o direito de cada um à aquisição e como a proibição de violação à posse de alguém.
Os seres humanos receberam de Deus a capacidade do trabalho e seus bens são
os frutos desse trabalho. Por isso esses bens devem ser respeitados por todos. Ninguém
tem o direito a algo que tenha sido obtido pelo trabalho de outros. Ainda que Deus tenha
dado a terra a todos os homens em comum, ele também criou o homem de tal modo que
este possa satisfazer suas necessidades a- penas por meio de seu trabalho. O trabalho é,
portanto, tanto uma condição de sua sobrevivência quanto também a fonte da
distribuição do bem que era, na sua origem, comum. Os homens têm, nesse caso, direito
a tudo a que dispensaram tempo e esforços. Mas a lei da natureza prescreve igualmente
que não é lícito a ninguém trabalhar e possuir mais do que precisa e que não é lícito a
ninguém possuir sozinho algo que seja necessário à subsistência de outros. Enquanto
houver terra suficiente no mundo para a satisfação das necessidades de todos, o direito à
propriedade de cada indivíduo não significará, portanto, de acordo com a concepção de
Locke, uma ameaça aos direitos de outros.
Aqueles que negligenciam a lei da natureza declaram, desse modo, que querem
viver de acordo com um outro preceito que o da razão. 9 Eles desprezam a lei da natureza
e tornam-se, assim, uma ameaça à vida, à liberdade e aos bens de todos os demais. Já
que no estado de natureza não há nem uma superioridade nem uma jurisdição de um
sobre os outros, aquilo que é permitido a um, com vistas a sua observância da lei da
natureza, é também válido para todos.10 Para defender os direitos naturais que são
próprios a cada qual, é legítimo punir um malfeitor, fazendo, desse modo, vigorar a lei
da natureza. 11
Contra a teoria segundo a qual cada um detém, no estado de natureza, o poder
de execução da lei da natureza, pode-se objetar dizendo que os homens não estão sempre
em condições de fazer um juízo imparcial. E, p. ex., pouco razoável que os homens
sejam juízes naqueles casos em que estejam em jogo sua própria pessoa e suas próprias
paixões. Daí resultaria confusão e desordem.12 Para compensar essa insuficiência do
estado de natureza, institui-se a sociedade civil. De acordo com Locke, todos os seres
humanos encontram-se, em princípio, no estado de natureza e permanecem nele até que,
por seu prório assentimento, se tornem membros de uma sociedade política.13
9
Ver op. cit., 274.
10
Ver op. cit., 272.
11
Ver op. cit., 271.
12
Ver op. cit., 275.
13
Ver op. cit., 278.
Mas, tão logo o governo transgrida a fronteira que garante sua legitimidade, ele
perde sua função. Torna-se um obstáculo à sociedade e aos direitos dos indivíduos. Nesse
caso, ele não pode mais nem representar os membros da sociedade nem assegurar-lhes os
direitos advindos do estado de natureza. Assim sendo, o governo não pode mais alcançar
seu alvo e, desse modo, perde sua legitimidade. Nem uma autoridade absoluta e arbitrária
nem um governo sem leis fixas podem, de acordo com Locke, ser conciliados com os alvos
da sociedade e do governo. Os homens não abririam mão da liberdade do estado de
natureza e não colocariam em si próprios grilhões, caso não se tratasse da preservação e da
garantia, por meio de regras fixas, de sua vida, sua liberdade e seus bens.14
Como os seres humanos são, por natureza, livres, iguais e independentes,
ninguém pode, sem seu próprio consentimento, ser submetido à autoridade política de
um outro. E apenas por meio de seu livre assentimento que alguém se torna membro da
sociedade.15 Deste modo, Locke descreve a forma pela qual cada ser humano é
introduzido em uma sociedade. O homem é, por natureza, tanto livre como também
racional. E essas duas características são desenvolvidas simultaneamente. A criança
permanece sob a autoridade dos pais até que possa decidir, ela mesma, de que sociedade
quer participar e a que governo quer submeter-se. Antes disso não é lícito que nenhum
governo reivindique ter autoridade sobre ela. E só pelo assentimento do indivíduo que
surgem obrigações cujo cumprimento pode ser exigido pela sociedade. Quem não é
capaz de tomar uma tal decisão, i. é, quem não se orienta pela razão, também não é,
nesse sentido, livre e não pode ser considerado responsável por suas ações. Não está em
condições de reconhecer a lei da natureza e, desse modo, tem que ficar sob a autoridade
e sob a assistência de outros.
E apenas após um acordo que, segundo Locke, uma submissão pode ser exigida.
Mas mesmo um acordo, acrescenta Locke, pode ser rompido. Ele pode ser rompido tão
logo, por meio do mesmo, os direitos dos indivíduos não sejam suficientemente
considerados. Cada ser racional tem o direito de buscar para si uma nova sociedade.
Nenhum homem tem que se submeter a um governo com o qual não concorde. Se uma
determinada sociedade não pode proteger os direitos de seus membros, tampouco pode
querer ser encarada como uma superação das desvantagens do estado de natureza. Não
protegendo os direitos de seus membros, ela destrói até mesmo a liberdade de defesa dos
próprios direitos, uma liberdade de que, segundo o autor, todos dispunham no estado de
natureza.
2. Críticas a Locke
14
Ver op. cit., 359.
15
Ver op. cit., 331.
16
Sobre esta interpretação, ver J. Locke,An Essay Concerning Human Understanding, Cap. XXVII
resposta refere-se aos direitos naturais como uma condição necessária para que os
homens possam conviver. Sem o respeito aos direitos naturais de cada um, as condições
mínimas para que os homens possam conviver não são preenchidas. Surgem então agora
as seguintes questões: como esses dois aspectos concordam entre si; como eles se
relacionam com os exemplos concretos de direitos naturais oferecidos por Locke e como
eles deixam-se compatibilizar com nossa concepção atual.
Os direitos naturais abrangem, de acordo com Locke, o direito à vida, à
liberdade e à propriedade. O direito à vida consiste, como já foi dito, no direito de todos
em defender sua própria vida e na proibição de agressão à vida humana. A vida humana
é, segundo Locke, uma criação de Deus e não pode permanecer sujeita ao arbítrio do
homem. Isso tem que ser válido tanto para a própria vida quanto para a vida dos outros.
A decisão sobre a vida humana é um assunto exclusivamente divino.
De acordo com esse argumento, a vida humana deve ser respeitada por ser
concebida como uma criação de Deus e, enquanto tal, só pode estar submetida ao arbítrio
divino. Desse modo, trata- se aqui antes de uma limitação da liberdade do homem tanto
—
com relação a si mesmo, como também com relação aos outros do que de um argumento
em favor de uma regulamentação sem a qual a sociedade poderia estar correndo perigo.
Se partimos do fato de que é apenas a Deus que pertence o poder sobre a vida
humana, não há, por assim dizer, mais nenhum espaço para a discussão de muitos
problemas morais relevantes hoje em dia, como, p. ex., o problema do suicídio, da
eutanásia ou do aborto. Esses três problemas teriam uma solução imediata: aquele que
aceita o suicídio, a eutanásia ou o aborto despreza a lei de Deus. Se nós, no entanto, não
considerarmos a vida humana como uma criação divina, não poderemos mais excluir
pelo menos a possibilidade de que um homem decida sobre sua própria vida. As três
questões mencionadas recebem então um novo tratamento exigindo novos argumentos,
para que possam ser tematizadas.
Para que a expressão ―direito à vida‖ faça ainda hoje sentido, ela tem que ser
compreendida no sentido de um direito que garanta a preservação de uma vida digna, i.
é, uma vida na qual o indivíduo possa se orientar para a realização de um projeto. Trata-
se de um direito que deve levar em consideração tanto a segurança quanto o mínimo
necessário à existência de cada um. Nesse sentido poderíamos dizer que não se trata, no
caso do direito à vida, de uma condição da convivência entre os homens em geral, mas
sim de uma condição mínima da sociedade humana, de uma condição mínima de toda
sociedade em que a vida de uma pessoa seja considerada por todos como objeto de
respeito. A questão sobre se a vida humana pode ser, de fato, entendida desse modo
permanece, contudo, em aberto. 17
O direito à liberdade é, de acordo com Locke, o direito de cada um de agir sem
restrições ou coerções. Isso já é válido para o homem no estado de natureza e deve
continuar a ser válido também no interior da sociedade. Apenas aquele que não pode agir
racionalmente perde esse direito. O direito à liberdade pertence, portanto, à natureza de
um ser racional. Mas como pode ser entendida essa relação entre o conceito de liberdade
17
A esta questão retornaremos no capítulo 5.
e o conceito de razão? Será que Locke pode derivar o direito à liberdade do próprio
conceito de razão?
Se compreendemos como ser racional aquele que é capaz de orientar suas ações
por princípios, então vinculamos ao agir racional um determinado conceito de liberdade, a
saber: o conceito de liberdade segundo o qual esta seria a capacidade do homem de agir
com base na sua vontade, i. é, a capacidade de poder escolher entre alternativas. Desse
modo, o agir livre é compreendido em oposição ao comportamento previamente
programado. Esse tipo de liberdade é, assim, a capacidade peculiar ao homem de se deixar
guiar pela razão. Nesse sentido, ao agir de um ser humano corresponde a sua liberdade.
Não se pode, contudo, derivar a liberdade a partir de sua conexão com o
conceito de agir racional. O reconhecimento de algo como sendo um direito contém uma
determinação normativa que não pode ser deduzida apenas do conceito de um ser
racional. O direito à liberdade também pertence, em Locke, como se sabe, à lei natural
que não apenas determina as características essenciais do homem, mas que também fixa
regras que devem guiar as relações humanas. Nesse sentido, a lei da natureza deve ser
entendida de modo totalmente normativo.
A razão pode ajudar os homens a reconhecer a lei da natureza. Mas ela não
pode fundamentar o caráter normativo do direito natural. Os homens devem, segundo
Locke, respeitar-se reciprocamente de acordo com as características com as quais foram
criados; e eles foram criados livres por Deus. O fato da liberdade dos homens dever ser
respeitada é, portanto, uma lei de Deus. Do que foi dito até aqui, resulta que a razão
decisiva para o reconhecimento dos direitos naturais deve ser buscada, de acordo com
Locke, no fato de esses exprimirem a vontade de Deus. Para reforçar essa interpretação
do texto de Locke pretendo considerar ainda o direito à propriedade.
O argumento de Locke a favor do direito à propriedade pode ser resumido da
seguinte maneira:
1. Todos os homens receberam de Deus a capacidade de trabalhar;
2. Sem seu trabalho o homem não pode extrair da terra o que necessita para
satisfazer suas necessidades;
3. Sua capacidade de trabalhar possibilita-lhe, ao mesmo tempo, satisfazer suas
necessidades e erguer pretensão ao que foi adquirido por meio do seu trabalho.
Todos os homens têm a capacidade de trabalhar e devem fazer uso da mesma.
Isso pode ser extraído como conseqüência a partir das duas primeiras premissas. A
capacidade de trabalhar cria, se ela é utilizada, propriedade. Isso resulta como
conseqüência das duas últimas premissas. Mas como pode ser fundamentada, a partir do
trabalho, a conseqüência que estabelece o direito à propriedade? A resposta de Locke a
essa questão consiste em afirmar que: os frutos da terra pertencem em comum aos
homens, aos quais Deus deu a capacidade de trabalhar. É na medida em que ele tem
direito a tudo o que recebeu de Deus que surge também seu direito à propriedade; o
direito à propriedade é derivado de sua capacidade de trabalhar. E a capacidade de
trabalhar é compreendida como uma parte da criação divina.
Mas o que aconteceria se nós não compreendêssemos mais a capacidade de
trabalhar como uma qualidade concedida por Deus? Será que, sem a idéia de que os
homens têm direito a tudo o que recebem imediata ou mediatamente de Deus, nós
poderemos ainda fundamentar o direito à propriedade a partir desta capacidade? Sem
essa idéia, não parece mais plausível que possamos proceder a uma tal fundamentação.
Não há nenhuma dúvida quanto ao fato de os homens terem de trabalhar para satisfazer
suas necessidades. Tampouco há dúvidas sobre o fato de cada um ter direito a satisfazer
suas necessidades. Mas o que não está muito claro é em que deve consistir a conexão
entre esse direito que cada um possui de satisfazer suas necessidades e o direito à
propriedade privada.
É sobretudo quando ao contrário do que Locke pressupôs não se admite
— —
nenhuma lei da natureza que proíba o homem de possuir mais do que precisa e de
possuir apenas para si próprio algo de que outros não necessitam para sua subsistência
que não podemos deixar de atentar para o perigo de um direito de propriedade irrestrito.
E não é apenas pelo fato de não haver no mundo recursos suficientes para todos que
devemos atentar para esse perigo, mas pelo fato de que os direitos de alguns podem
excluir os direitos mínimos de outros. Se o direito à propriedade deve ser compreendido
como um direito universal, então este deverá ser passível de restrição ao menos pelos
demais direitos básicos.
Mas será que a capacidade de trabalhar compreendida como uma qualidade
concedida por Deus é a única base possível de fundamentação do direito à propriedade
em Locke? Em seu artigo ―Natural Rights in Hobbes and Locke‖, C. B. Macpherson
lança mão de um argumento utilitarista para justificar, em Locke, a ampliação do
direito de propriedade:
18
C. B. Macpherson, ―Natural Rights in Hobbes and Locke‖ in: D. D. Raphael (org.), Political Theory and the
Rights of Man, Macmillan 1967, p. 9. O suporte dessa interpretação é, Segundo o autor, o parágrafo 37 do
capítulo ―Of Propetry‖ no segundo livro do Treatises Of Government de Locke.
bens, i. é, os frutos do trabalho, devam ser distribuídos, analogamente, de modo desigual.
O que é pressuposto ao se aceitar uma relação necessária entre capacidade de trabalho e
direito à propriedade é, portanto, também suficiente para a ampliação desse direito. Não se
faz necessário, para isso, nenhum argumento utilitarista adicional.
Por outro lado, pode-se mostrar que um argumento utilitarista em Locke não
apenas seria supérfluo, mas, além disso, não se coadunaria bem com sua concepção do
direito à propriedade como um direito natural. Um direito natural é, de acordo com
Locke, um direito anterior ao Estado e, enquanto tal, tem que ser independente do
assentimento dos membros de uma sociedade. O reconhecimento de um tal direito
baseia-se no reconhecimento de uma lei natural à qual todos os seres humanos têm que
estar submetidos. Nessa medida, o assentimento por parte dos membros de uma
sociedade não tem qualquer papel essencial para a fundamentação do direito à
propriedade. E com base nisso que também uma crítica à fundamentação do direito de
propriedade de Locke não pode basear-se no seu suposto recurso a uma premissa
utilitarista. Tal crítica tem que, antes, apontar para o fato de que, em Locke, há uma
conexão fragilmente fundamentada entre a capacidade de trabalhar e o direito à
propriedade. Se quisermos compreender o direito de propriedade como um direito
humano, deveremos então buscar novos argumentos. 19
Se aceitamos a idéia de um Deus criador da natureza e se aceitamos os direitos
naturais como uma expressão da vontade de Deus, então não precisamos mais colocar a
questão acerca da fundamentação dos direitos naturais. Os direitos naturais são
compreendidos simplesmente como uma lei de Deus. A segunda resposta de que lancei
mão no início de minha crítica a Locke a saber: o fato de os direitos naturais serem
—
encarados como condição necessária para a convivência pode, desse modo, ter um papel
—
19
Como a posição de Locke frente ao direito à propriedade pode ser defendida ainda hoje, sem o auxílio de
uma propriedade divina ou de uma lei da natureza, será investigado, a partir de Nozick, no capítulo 4.
válidos como princípios universais com referência aos quais os homens são considerados
como iguais. Toda sociedade tem que dispor de determinadas regras, mas não é
necessário que essas regras sejam, em todas as sociedades, regras universais, i. é, regras
com referência às quais os homens sejam considerados como iguais. O reconhecimento
de direitos naturais é, portanto, uma condição mínima para uma sociedade cujas regras
possam ser válidas, ao mesmo tempo, como princípios universais, i. é, para uma
sociedade em que os homens tenham o mesmo valor normativo independentemente de
sua posição e de suas aptidões.
Se, no entanto, a crença em Deus é suprimida e se a concepção de uma natureza
humana não mais nos fornece uma lei universal, como podemos ainda defender
princípios universais? Como podemos ainda falar de direitos naturais ou direitos
humanos? A afirmação de que as sociedades humanas são múltiplas tornou-se, nos
nossos tempos, tanto no âmbito das pesquisas antropológicas como no das investigações
filosóficas, um lugar comum. Se os homens podem ser, em princípio, tão dependentes da
cultura em que se encontram, sob que aspecto, então, podem ainda ser considerados
como iguais? Coloca-se assim em questão se o conceito de direitos naturais pode ainda
ter algum sentido independentemente de seu substrato metafísico, i. é,
independentemente da crença em Deus ou em uma lei transcendente.
Se a noção de direitos naturais ou, conforme o caso, de direitos humanos não
pode mais ser resguardada com base em pressupostos metafísicos, deve-se, então,
perguntar se ela não se tornou, atualmente, sem sentido ou se podemos, de algum
modo, apontar- lhe outras formas de fundamentação. Caso contrário, nosso discurso
acerca de direitos naturais ou humanos deveria ser encarado apenas como um
resquício vazio da tradição.
3. Resultado crítico
livres. Ele deve corresponder ao estado de direito. Aquele que no Estado rescinde o
20
Ver G. Fichte, Rechtslehre, Werke, p.6.
21
Ver G. Fichte, Grundlagen des Naturrechts, Werke, p.81.
22
Ver op. cit., p. 82.
23
Ver op. cit., p. 90.
24
Ver op. cit., p. 81.
25
Ver G. Fichte, Rechtslehre, Werke, p.11.
26
Ver op. cit., p. 15.
27
Ver op. cit., p. 14
28
Ver op. cit., p. 23.
29
Ver op. Cit., p. 23.
30
Ver op. Cit., p.30.
contrato dos cidadãos (Bürgervertrag), perde todo direito obtido através dele. Não pode
obter em sua sociedade mais nenhum direito porque mostrou-se incapaz de comportar-se
de acordo com as circunstâncias estabelecidas pelo direito.31 Fica, contudo, em aberto a
possibilidade de procurar um novo Estado, em que novamente tenha a chance de obter
direitos. Esta liberdade não pode ser suprimida por nenhum Estado porque não se baseia
num Estado, ou num contrato entre cidadãos, mas sim num direito originário. A
possibilidade de obter direitos é, em Fichte, um direito que pertence ao ser humano
enquanto tal. Esta possibilidade deve ser concedida a todos que não a tenham afastado
através de suas próprias ações. 32 A garantia desta possibilidade não é apenas uma
obrigação do Estado, mas de todos os indivíduos.
A pretensão humana ao direito é, neste sentido, em Fichte, um direito originário
de todos. E o direito de cada um realizar acordos e a liberdade de cada um escolher a
sociedade em que viverá e a lei a qual estará submetido. E, neste sentido, uma condição
à implementação de um estado de direito em geral. Assim, podemos analisar o conceito
de direito de Fichte em dois níveis. Em um, encontram-se os direitos, que se baseiam em
um acordo; no outro, os direitos que fornecem as condições de um estado de direito. Sob
estes recaem, em Fichte, o conceito de direito humano. O direito humano é, em suas
próprias palavras, aquele que
31
Ver op. cit., p. 173.
32
Ver op. cit., p.173.
33
Op. cit., p.173
34
Ver op. cit., p.49.
35
Op. cit., p. 46.
os seres humanos, assim como também o acordo do qual surgem os direitos. A liberdade
pertence a esta práxis não como objeto do acordo, mas como sua condição:
36
Op. cit., p. 109.
37
Ver op. Cit., p.49.
38
Ver op. Cit., p.49.
39
Ver op. Cit., p.109.
40
Ver op. Cit., p.110.
determinar suas próprias ações. Quando o Estado não está em condição de proteger este
direito, cada um passa a ter o direito à autodefesa. 41 A obrigação de ajudar um ser
humano em necessidade não é, em Fichte, apenas uma obrigação do Estado, mas de cada
cidadão, desde que ele próprio não se encontre em semelhante situação.
O segundo grupo de direitos básicos corresponde aos que denominarei direitos
sociais básicos. Eles compreendem, em Fichte, o direito à subsistência ou à autopreservação.
Nas palavras de Fichte: ―poder viver é propriedade absoluta inalienável de
todos os homens‖. 42 Enquanto este direito não é assegurado, nenhum outro direito pode
ser exercido. Tão logo este direito é suprimido, cessa qualquer estado de direito. ―Tão
logo alguém não pode viver, nenhum contrato pode ser estabelecido com relação a ele. O
alcance desta meta deve portanto ser garantido antes de qualquer outra‖43. Assim, este
direito não é apenas um pressuposto para qualquer estado de direito e para os direitos
que dele derivam, mas um pressuposto para a própria liberdade do agir humano. Sem sua
garantia, nenhum homem pode ser reconhecido em sua pretensão a direitos.
―A natureza congrega os homens porque apenas deste modo é possível formá-
los,‖44 Assim, eles fornecem sua contribuição à constituição do Estado. Ao Estado recai
a obrigação de assegurar a subsistência de cada um e seu direito à autopreservação.
Todos devem poder exercer sua atividade e, com isso, garantir sua autopreservação, isto
é, todos devem poder viver de seu trabalho. Para isto, o Estado deve garantir a todos uma
formação, um trabalho ou a possibilidade de cultivar um pedaço de terra. Cada um deve
poder satisfazer, com seu trabalho, suas necessidades vitais. A isto corresponde a
obrigação do Estado de garantir a preservação física de cada um.
O solo é, segundo Fichte, o amparo comum da humanidade. 45 Todos devem ter
o direito de cultivar um pedaço de terra para garantir sua subsistência. Por isso, o Estado
deve repartir o solo. 46 E este direito não é, em Fichte, um direito à propriedade, mas o
direito de cada um satisfazer suas necessidades vitais, isto é, o direito à subsistência,
direito à autopreservação ou direitos sociais básicos.
A vida deve ser, segundo Fichte, a recompensa de todos pelo seu trabalho, não
apenas no sentido de que ela deva ser preservada, mas também no sentido em que deve
poder ser gozada no ócio e livre de trabalho. Liberdade, autopreservação e ócio
constituem, assim, algo que cada qual conquistada pelo trabalho. ―O ócio proveniente do
trabalho é o valor do trabalho e deve ser garantido pelo Estado‖47. O Estado nunca pode
privar seus cidadãos das bases de sua subsistência e de seu lazer48. Ele deve garantir que
.
nenhum homem obtenha menos com seu trabalho do que necessita para preservar sua
vida. Isto pertence às obrigações do Estado, na medida em que ele deve preservar o
direito de cada um. Onde isto não ocorre, o Estado perde sua legitimidade.
41
Ver op. Cit., p.112.
42
Op. Cit., p.42.
43
Op. Cit., p.42.
44
Op. Cit., p.41.
45
Ver op. Cit., p.60.
46
Ver op. Cit., p.61
47
Op. Cit., p. 75.
48
Ver op. Cit., p.91.
2. Críticas a Fichte
em relação uns com os outros que cada ser humano reconheça a pretensão de direitos
—
dos demais, ou seja, que cada homem deva estar submetido à lei do direito?
Os homens são, segundo Fichte, obrigados a reconhecer todos os outros seres
que apresentam feições e comportamentos semelhantes aos seus. Eles são obrigados a
isto, porque se reconhecem a si mesmos como homens. Mas disso não podemos
concluir que devam reconhecer outros seres humanos em sua pretensão de direito.
Aqui devemos distinguir entre o reconhecimento que corresponde no discurso comum
à relação entre os homens e o reconhecimento dos seres humanos enquanto sujeitos de
49
G. Fiche, Grundlage dês Naturrechts, Werke, p. 88.
direito. Podemos esclarecer o primeiro apontando simplesmente para o fato de que ser
um ser humano não pode ser compreendido como uma experiência solipsista. Pertence
à natureza da relação entre seres humanos, que até mesmo a auto-compreensão de um
ser humano enquanto tal só pode se dar quando, ao mesmo tempo, há critérios para o
reconhecimento de outros seres humanos enquanto tal. O reconhecimento de outros
homens enquanto seres humanos pertence à mesma práxis, na que aprendemos o
significado do predicado ―humano‖. Nesta práxis, a feição humana e o comportamento
humano são aceitos como critérios suficientes para o uso deste predicado. O conceito
de um sujeito solipsista não contradiz apenas nossas relações recíprocas, mas também
nosso uso comum da linguagem. Neste sentido a questão acerca da possibilidade do
mútuo reconhecimento entre seres humanos supõe um distanciamento desta práxis, no
cerne da qual o erro e a incerteza não têm lugar. Mas se um esclarecimento do uso
comum da expressão ―homem‖ ou ―ser humano‖ não basta para justificar a atribuição
normal deste predicado, isto não é suficiente, contudo, para esclarecer o
reconhecimento de um ser humano em suas pretensões de direito. A questão do
reconhecimento de um homem como potencial sujeito de direitos excede a práxis, em
que aprendemos o uso comum da palavra ―homem‖.
Na concepção de Fichte, é a este reconhecimento de uma lei por todos que uma
comunidade de seres racionais aspira. Se o reconhecimento de um homem em sua
pretensão de direito não pode ser derivado de qualquer relação entre seres humanos, ele
pode ainda ser derivado da vontade de cada um reunir-se com os demais em uma
comunidade. Mas se Fichte quer descrever o estado de direito de tal modo que ele só
possa ser alcançado através do livre assentimento de todos, como pode, ainda, separar o
reconhecimento do homem enquanto sujeito de direito, assim como o estado de direito e
os princípios a ele relacionados, a saber, os direitos humanos, da moral?
Do mesmo modo que distinguimos o reconhecimento geral dos homens do
reconhecimento de sua pretensão de direitos, podemos também falar de direitos
independentemente de juízos morais. Parece-nos claro que nem todos os direitos devem
ser compreendidos como leis morais. Existem direitos que resultam de um acordo
limitado, que concernem apenas aquelas pessoas que satisfazem determinadas condições.
Um exemplo disso é o direito de um estudante obter desconto no bandejão ou no teatro;
este direito deve ser atribuído a todo estudante, mas concerne apenas aos estudantes.
Independentemente de uma sociedade reconhecer ou não tal direito, isto não faz com que
ela seja reconhecida como mais ou menos moral. Mas como podemos, no entanto,
distinguir os direitos e a moral em relação a um acordo para o qual todos os indivíduos
devem dar seu livre assentimento? Este é o caso de um estado de direito. O estado de
direito é, segundo Fichte, a obrigatoriedade, legalmente estabelecida, do direito de todos.
Como podemos ainda distinguir uma sociedade cujas leis fundamentais são estabelecidas
pelo acordo de todos de uma sociedade moral?
Nós podemos distinguir um conceito geral de direito de uma lei moral. Mas isto
não é mais possível quando falamos de um estado de direito no sentido de Fichte, ou
quando falamos de direitos humanos. Um estado de direito, na medida em que supõe o
assentimento de cada um deve ser entendido já sempre em sentido moral, O
assentimento é uma decisão moral, a saber, a decisão de tomar parte em uma
comunidade na qual todos os indivíduos sejam reconhecidos em sua pretensão de direito.
O reconhecimento de um ser humano em sua pretensão de direito é um princípio de
todos que querem se compreender como integrantes de uma tal comunidade.
Embora a lei moral possa ir além dos direitos humanos, não podemos, tal como
propõe Fichte, compreender o reconhecimento dos direitos humanos independentemente
da moral. Se os direitos humanos são condição para um estado de direito, então seu
reconhecimento representa um primeiro passo para uma sociedade moral. Onde os
direitos humanos não são respeitados, aí não existe nem um estado de direito, nem uma
sociedade moral. Os direitos humanos devem garantir as condições sem as quais os
indivíduos não estarão aptos a unir-se, implementar leis ou atribuir-se direitos. Eles são,
assim, as condições mínimas para uma sociedade, cujos princípios reclamam uma
validade universal.
3.Resultado crítico
também em relação à moral. Isto nos desloca para o contexto atual da discussão. No
próximo capítulo pretendo retomar tais questões a partir de uma análise do livro
Facticidade e validade (Faktizität und Geltung) de Habermas.
III
50
J.Habermas, Faktizität und Geltung, Frankfurt a. M. 1992.
Na segunda parte, pretendo tratar de críticas a Habermas. Tais críticas devem
ser compreendidas como críticas à teoria do discurso que serão então por mim estendidas
ao discurso de fundamentação do sistema legal, e, mais especificamente, à
fundamentação dos chamados direitos sociais básicos. Pretendo concluir mostrando que
a concepção de direitos básicos em Habermas contraria não apenas a concepção
tradicional de direitos humanos, mas nosso senso-comum atual, o que faz com que
tenhamos que buscar uma forma de fundamentação dos direitos sociais básicos fora da
teoria do discurso.
51
Ver op. Cit., p. 127.
52
Ver op. Cit., p. 133.
53
Ver op. Cit., p. 500.
54
Ver op. cit., p. 134.
comunicacional‖55. O princípio do discurso esclarece o ponto de vista, a partir do qual as
normas do agir podem ser justificadas de forma imparcial. No discurso de
fundamentação dos direitos este princípio assume a forma do princípio de democracia, a
saber, ―D: válidas são exatamente as normas do agir, com as quais todos os endereçados,
enquanto participantes do discurso racional, possam concordar.‖ 56
Apenas quando o princípio do discurso assume a forma do princípio de
democracia, pode fornecer ao processo de implementação dos direitos seu poder
legitimador. Sob a pressuposição de que as opiniões e desejos de cada qual possam
encontrar uma expressão racional, o princípio de democracia indica como estes podem
vir a ser institucionalizados, isto é, através de um sistema legal, no qual a igualdade de
chances de participação no processo de implementação dos direitos esteja assegurada.
A gênese dos direitos constitui o processo pelo qual o código legal e o
mecanismo para a implementação de sua legitimação, isto é, o princípio de democracia,
são simultaneamente constituídos. Este processo caracteriza, para Habermas, um
processo circular de auto-legitimação. Por um lado, o princípio de democracia deve
estabelecer um processo de implementação legal dos direitos. Deverão erguer pretensão
a legitimidade apenas as leis que, através de um processo discursivo adequado de
implementação, tenham finalmente alcançado a aceitação de todos. Por outro lado, a
aplicação do princípio de democracia supõe uma prática de autodeterminação do sujeito,
na qual os indivíduos se reconheçam mutuamente como participantes livres e iguais do
discurso.57 Neste sentido, o próprio princípio de democracia só pode ser compreendido
como o núcleo de um sistema legal.
Segundo Habermas, a tensão entre a positividade e a legitimidade dos direitos
só pode ser operacionalizada através de um sistema legal, que assegure igualmente a
autonomia privada e pública de cada integrante. Um tal sistema mobiliza e associa a
liberdade comunicacional de cada indivíduo em uma prática de constituição da lei, e ao
mesmo tempo submete à mesma o arbítrio de cada um. A lei será, então, o que torna
compatível a liberdade de ação de um indivíduo com a de todos os demais.
A gênese dos direitos se inicia com a aplicação do princípio do discurso ao -
para a forma legal, enquanto tal constitutivo - direito de liberdade de ação, e termina
com a institucionalização das condições para um exercício discursivo da autonomia
política. O sistema legal deverá englobar os princípios, aos quais os indivíduos devem
estar submetidos, quando pretendem orientar a vida comunitária através da ordem legal.
Deverá, portanto, englobar os princípios, que tornam possível o processo de legitimação
de direitos. Tais princípios serão os chamados direitos básicos. Os direitos básicos
exprimem- de acordo com Habermas - as condições de possibilidade de um consenso
racional acerca da institucionalização das regras do agir. Serão eles:
(1) Direito à igual liberdade de ação.
55
Ver op. cit., p. 152.
56
Ver op. cit., p. 138. A definição do princípio de democracia, fornecida por Habermas, é distinta da nossa
compreensão comum deste termo. Entendemos por ―democracia‖ o direito de todos à participação e o respeito
às minorias. De uma tal compreensão não deriva, contudo, que somente as normas aceitas por todos sejam
consideradas válidas. Para tal o assentimento da maioria é considerado suficiente.
57
Ver op. cit., p.155.
(2) Direito à livre associação entre os indivíduos.
(3) Direito à proteção dos direitos individuais.
(4) Direito à igual chance de participação no processo de formação de opiniões
e vontades.
(5) Direito à garantia de condições de vida, sociais, técnicas e econômicas,
necessárias para o exercício dos direitos relacionados acima. 58
O direitos básicos pertencentes a (1), (2) e (3) resultam, tão somente, da aplicação
do princípio do discurso ao discurso de fundamentação dos direitos. Somente através de (4)
e (5) cada sujeito assume então a função de autor de sua própria ordem legal.
A institucionalização do código legal exige uma garantia de um caminho legal,
no qual cada pessoa, que se sinta prejudicada em seus direitos, possa fazer valer suas
pretensões. Os direitos básicos são aqueles que tornam possível um sistema legal, do
qual resultam os direitos positivos. Direitos positivos são direitos legais. O não-
reconhecimento dos direitos básicos implica a impossibilidade do próprio discurso de
legitimação e, conseqüentemente, de todo e qualquer direito positivo.
58
Ver op. cit., p. 155.
59
Ver J. Habermas, ―Wahrheitstheorien‖em H. Fahrenbach (Hrsg), Wirklichkeit und Reflexion. Festschrift
Walter Schutz, Pflullingen 1973, p.241.
fala ideal é aquela realizada sem qualquer intervenção de elementos externos
contingentes, e sem qualquer forma de coerção.60 Isto só é possível, quando todos os
participantes do discurso possuem igual chance de eleger e realizar atos de fala, ou seja,
possuem igual oportunidade de participação. Deste modo, Habermas apresenta quatro
condições a serem satisfeitas pelos diversos modos de agir comunicacional:
(1) Todos os potenciais participantes do ―discurso‖ devem dispor de igual
chance de proferir atos de fala, de tal modo que possam colocar questões e fornecer
respostas livremente.
(2) Todos devem possuir igual chance de realizar interpretações, afirmações,
sugestões, esclarecimentos e justificações e problematizar as pretensões de validade das
mesmas, de tal modo que nenhum preconceito permaneça imune a críticas.
(3) São admitidos no discurso apenas os falantes, que enquanto agentes,
possuam igual chance de aplicar atos de fala, ou seja, de expressar suas posições,
sentimentos e intenções.
(4) São admitidos no discurso apenas os falantes que, enquanto agentes,
disponham de igual chance de aplicar atos de fala regulativos, ou seja, de dar e recusar
ordens, permitir e proibir, prometer e negar algo etc. 61
Tais regras são, em Habermas, os princípios transcendentaispragmáticos da
ética do discurso. ―Transcendentais‖ no sentido em que sua validade é uma condição de
possibilidade da comunicação. ―Pragmáticos‖ porque não se deixam elucidar meramente
a partir das características sintáticas e semânticas da linguagem. Elas são, segundo
Habermas, as regras de uma prática comunicacional, sem as quais não pode haver a
garantia de um discurso racional, capaz de fundamentar normas ou direitos.
Uma argumentação é, em Habermas, uma ação comunicativa entre indivíduos.
As regras da argumentação operacionalizam o princípio do discurso. Neste sentido elas
são aplicáveis tanto no âmbito da moral, como no do direito. A diferença entre estes dois
tipos de discursos surge, apenas, a partir da lógica do questionamento de cada um e do
tipo de argumento que lhes corresponde. 62 No discurso de fundamentação moral, este
princípio assume a forma do princípio de universalização. No discurso de legitimação de
direitos, ele assume a forma do princípio de democracia.
O princípio de democracia, do qual resultam os direitos positivos, representa a
aplicação do princípio do discurso às normas do agir, que tomam parte no sistema legal.
Tais normas erguem pretensão de estarem em consonância com as normas morais.
Porém, enquanto o princípio moral se estende somente às normas do agir que com
recurso a argumentos morais podem ser justificadas, a validade das normas legais está
baseada não apenas em argumentos morais, mas também pragmáticos e ético-políticos.63
As normas legais são, portanto, legítimas, quando, para além da moral, fornecem uma
60
Ver op. cit., p. 225.
61
Ver op. cit., p. 225-.
62
Ver J. Habermas, Faktizitä und Geltung, Frankfurt a. M, 1992, p. 140.
63
Ver op. cit., p. 193.
compreensão autêntica da comunidade, capaz de expressar, tanto uma justa consideração
dos interesses e valores defendidos, como uma escolha racional de estratégias e meios.64
O princípio de democracia elucida como demandas racionais podem vir a ser
institucionalizadas. Através do processo de implementação dos direitos positivos, é
possível fornecer às exigências morais uma expressão legal. Neste sentido a atribuição
de direitos pode vir a ser compreendida como um complemento da moral. Mas, para
além de um meio para a institucionalização das normas morais, os direitos positivos
deverão também servir como meio para fins políticos. Deste modo, a distinção entre
normas morais e direitos não será somente uma distinção relativa à validade de cada
qual, mas também a seus fins.65
Com isto, Habermas diferencia normas morais e direitos positivos. Resta, no
entanto, indagar pela relação entre princípios morais e direitos básicos. Os direitos
básicos não são o resultado de um discurso de fundamentação ou de um processo de
implementação de direitos, mas uma condição para tal. Eles são a versão habermasiana
dos princípios da ética do discurso, no contexto do discurso de fundamentação, do qual
resultam os direitos positivos. Neste sentido, os assim chamados direitos básicos não
dizem respeito ao plano dos direitos institucionalizados, mas sim ao das condições de
possibilidade do agir comunicativo, a saber, da ética do discurso.
Os Direitos básicos fundamentam o ―status‖ de cidadãos livres e iguais. Para
que este fim possa ser alcançado, é necessário a satisfação de certas condições vitais.
Aos direitos que satisfazem tais condições, pertencem os assim chamados direitos sociais
básicos. Os direitos sociais são, portanto, uma condição para que os direitos básicos
enunciados em (1), (2), (3) e (4) possam vir a ser exercidos. Neste sentido, eles
pertencem, necessariamente, à forma de um sistema legal, do qual direitos positivos
possam ser derivados.
2. Críticas a Habermas
64
Ver op. cit., p. 194.
65
Ver op. cit., p. 567.
Uma avaliação da concepção de direitos básicos em Habermas deve, portanto, começar
por uma avaliação crítica da própria ética do discurso.
Os problemas da ética do discurso já foram exaustivamente apresentados por
diversos autores.66 Aqui, pretendo me limitar às críticas que possam desempenhar um
papel decisivo para nossa investigação.
Nosso primeiro passo consiste na análise do suposto caráter essencialmente
comunicativo da linguagem. Um ato de fala é essencialmente comunicativo quando um
sujeito pretende, através do mesmo, dar algo a entender a um ou mais falantes. Quando
investigamos os diversos usos da linguagem, podemos certamente constatar a existência
de atos de fala deste tipo, tais como, por exemplo, as saudações e os pedidos. Para estes
dois tipos de atos de fala, é fundamental que possamos distinguir o papel do falante e o
papel do ouvinte. Por outro lado, podemos também reconhecer a existência de outros
usos da linguagem, com relação aos quais tal distinção não desempenha papel algum.
Este é o caso do próprio pensamento ou de jogos de linguagem monológicos, tais como a
―paciência‖. Nestes dois usos da linguagem não constatamos nenhum aspecto
essencialmente comunicativo.
A busca de uma estrutura comum a todos os atos de fala ou a todos os modos de
uso da linguagem é - como Wittgenstein procurou mostrar 67 - um grande equívoco. Não
há nada que possamos reconhecer como uma linguagem, que possa ser transferida de um
contexto a outro, de um jogo de linguagem a outro. Uma linguagem é uma forma de
vida, e não apenas um instrumento para comunicação. Isto significa que não podemos
reduzir a linguagem a uma estrutura meramente comunicativa. Ao elaborar uma teoria
do agir comunicacional, a partir da qual devem agora ser pensados tanto os enunciados
acerca dos objetos, como enunciados normativos, Habermas acaba por reduzir os
múltiplos modos de uso da linguagem a um uso comunicativo.
Entre os modos de uso da linguagem estão aqueles que podem ser
compreendidos como essencialmente comunicativos, porém estes não são os únicos.
Para evitar a confusão entre as regras do agir comunicativo e as regras de emprego da
linguagem, Tugendhat sugere que chamemos aquelas regras da linguagem, para as quais
é indiferente, se estão sendo usadas comunicativamente ou não, regras semânticas, e
reservemos o título de pragmáticas às regras que só podem ser compreendidas em um
contexto comunicacional. 68
Regras semânticas determinam o sentido ou o modo de uso da linguagem. Tais
regras podem ser compreendidas em si mesmas; ou complementadas através de regras
comunicativas ou pragmáticas. Porém, apenas quando um ato de fala não puder ser
pensado fora de um contexto comunicacional, fará então sentido caracterizá-lo como
essencialmente comunicativo.
66
Ver E. Tugendhat, ―Drei Vorlesungen über Probleme der Ethik‖, em Probleme der Ethik, Stuttgart 1987;
E.Tugendhat, ―Sprache und Ethik‖, em Philosophische Aufsätze, Frankfurt a. M. 1992; A. Wellmer, Ethik und
Dialog, Frankfurt a. M. 1986 e R. Alexy, Theorie der juristischen Argumentation Frankfurt a. M. 1983.
67
Ver L. Wittgenstein, Philosophische Untersuchungen, Frankfurt a. M. 1984, p. 250, 23.
68
Ver E. Tungendhat, Probleme der Ethik, Stuttgart 1984, p.112.
Mas será este o caso dos chamados enunciados normativos? Expressões normativas
contêm uma exigência recíproca. No entanto, disto não se segue que essas só possam ser
compreendidas a partir de um contexto comunicacional. Podemos formular,
monologicamente, argumentos para aceitação dc uma norma. Monologicamente, podemos
também tomar decisões acerca das normas de nossas ações. Por conseguinte, nem os
argumentos que nos levam ao reconhecimento de uma exigência normativa, nem a decisão de
agir segundo uma norma podem ser considerados essencialmente comunicativos.
O caráter essencialmente comunicativo de expressões normativas, em
Habermas, está associado a uma teoria consensual da verdade, de acordo com a qual o
consenso é o critério último para a verdade de uma asserção ou para a validade de uma
expressão normativa. Deste modo, o critério para validade de uma norma consistirá,
como já vimos, no possível acordo de todos os integrantes do discurso racional com
relação à mesma. Por discurso Habermas entende a argumentação racional entre duas ou
mais pessoas. Um consenso racional só é, portanto, alcançável através de um processo
comunicacional. Mas por que devemos aceitar o consenso como critério? Sem uma
resposta a esta questão, o caráter essencialmente comunicativo das normas do agir
permanece obscuro.
Para Habermas um consenso racional não é apenas um consenso fático, mas um
consenso qualitativo, ou seja, um consenso com base em argumentos. Ora, para
caracterizar um consenso qualitativo é necessário que se saiba quando uma crença
coletiva na verdade de uma determinada proposição é acompanhada de razões
adequadas. Neste caso, já não podemos supor que o próprio consenso desempenhe esta
função. Assim sendo, são os próprios argumentos, e não o consenso com relação aos
mesmos, a verdadeira base para o reconhecimento da validade de um enunciado. Segue-
se, portanto, que o acordo intersubjetivo não é ele mesmo o critério para o
reconhecimento da validade de asserções e normas, e sim uma conseqüência de que
existam critérios, com base nos quais a verdade de uma asserção ou a correção de uma
norma possa ser avaliada. Um tal acordo será, então, um consenso qualitativo, ou seja,
um consenso baseado em argumentos.
Os princípios da ética do discurso exprimem, para Habermas, as regras que
todos os participantes da comunicação devem aceitar. Elas pertencem à lógica da
argumentação. Nós podemos interpretar as regras da argumentação de dois modos. Ou
bem elas são algo assim como regras da razão que prescrevem os melhores meios, para
atingir determinados fins desejados, e neste sentido Habermas não pode derivar das
mesmas qualquer exigência moral.Ou elas devem ser entendidas em sentido forte,
enquanto já incluindo um aspecto normativo. Porém, neste caso, sua argumentação seria
circular, uma vez que Habermas estaria partindo de algo já normativo, para então
justificar a própria normatividade.
Analisemos agora a primeira alternativa mais detalhadamente. Se as regras da
argumentação são regras da razão, então elas não possuem nem um caráter essencialmente
comunicativo, nem um conteúdo moral. Uma regra da razão é uma regra do tipo: ―Se
queres alcançar x, então é racional eleger y‖. Neste sentido, podemos dizer: ―deve-se
eleger y‖, ou seja, seria irracional não agir deste modo. Este ―dever‖ não possui, portanto, o
sentido de um dever moral. Mas se os princípios da ética do discurso prescrevem que todos
os integrantes devem possuir igual chance de participação, que as opiniões de cada qual
devem ser igualmente respeitadas etc., então esses expressam exigências morais e não
podem, assim, ser meramente compreendidos como ―regras da razão‖.
A razão ou a lógica da argumentação nos obriga a reconhecer um bom argumento.
Os princípios da ética do discurso, por sua vez, nos obrigam a respeitar todos os possíveis
participantes do discurso racional, independentemente de seus argumentos. Uma tal
exigência não pode ser considerada uma exigência da racionalidade. A razão exige que os
bons argumentos sejam reconhecidos independentemente do seu porta-voz. E, no entanto,
um exigência da moral, que cada qual tenha igual chance de apresentar seus argumentos, e
que os mesmos sejam respeitados, quer sejam bons argumentos, quer não.69
Suponhamos, agora, que as regras da argumentação não sejam regras da razão,
mas sim regras constitutivas de um jogo de linguagem determinado. Ora, as regras de um
jogo de linguagem apenas explicitam nosso modo de uso das expressões no contexto em
questão. O estar submetido às mesmas não é uma exigência moral, mas sim parte
constitutiva do próprio jogo. Se recusamos tais regras, recusamos ou alteramos o próprio
jogo. As regras de um jogo de linguagem serão sempre tão diversas, quanto os próprios
jogos. Neste caso, jamais poderão ser reduzidas ao uso meramente comunicativo da
linguagem. Por conseguinte, além de não possuírem qualquer caráter normativo, elas não
possuem também qualquer caráter essencialmente comunicativo. A derivação dos
princípios da ética do discurso, a partir das regras da argumentação - sejam estas
entendidas como regras da razão ou como simples regras de jogo -é, portanto, inaceitável.70
Consideremos, agora, a segunda possibilidade: qualquer discurso racional já
contém uma exigência moral, ou seja, os princípios da ética do discurso. Um discurso
racional pressupõe - segundo Habermas - que cada um de seus integrantes possa se
colocar hipoteticamente na posição de todos os demais. Pressupõe, portanto, a aceitação
de um princípio de imparcialidade. Isto significa que o discurso que Habermas tem em
mente, antes de fundamentar um princípio moral, já o pressupõe.
O princípio de que todos os participantes de um discurso racional, enquanto tal,
devam ser igualmente considerados, constitui em Habermas a base da fundamentação
pragmática das normas do agir. Ora, este princípio é uma pressuposição que só pode ser
reconhecida no cerne de uma sociedade moral. As convicções morais de uma tal
sociedade não podem, no entanto, ser avaliadas por um consenso. Elas são, antes de
tudo, o que qualifica um consenso a- cerca das regras morais.
A questão de como fundamentar os princípios da ética do discurso, ou uma
concepção de imparcialidade, não é, senão a própria questão de como é possível
fundamentar uma posição moral e, ainda, ―se‖ e ―como‖ é possível decidir entre
concepções morais concorrentes. Tal questão está para além dos fins propostos para esta
investigação, Ela compreende bem mais do que uma mera investigação dos assim
chamados direitos humanos seria capaz de fornecer. Minha pretensão, aqui, é, tão somente,
recusar a possibilidade de dedução dos princípios morais, a partir da regras da
69
Ver A. Wellmer, Ethik und Dialog, Frankfurt a. M. 1986, p. 108.
70
Para a distinção entre regras da razão (Vernunftregeln), regras de jogo (Spielregeln) e regras sociais
(socialize Regeln) ver E. Tungendhat, ―Sprache und Ethik‖ em Philosophische Aufsätze, Frankfurt a. M. 1992.
racionalidade e, por conseguinte, de que estes princípios possam ser compreendidos como
pressupostos pelos diversos discursos de fundamentação, dado que isto seria, ao menos no
que concerne ao discurso de fundamentação das normas morais, um circulus vitiosus.
Quais conseqüências podemos extrair das críticas até aqui realizadas, para o
caso específico do discurso de fundamentação de direitos em Habermas? Tal qual
anteriormente, podemos agora indagar se o discurso acerca de direitos deve possuir algo
de essencialmente comunicativo. Direitos exprimem demandas sociais. Contudo,
enquanto tais demandas não estiverem baseadas em um consenso, mas sim em bons
argumentos, não podemos reduzir nosso discurso acerca de direitos ao aspecto
comunicativo. O consenso na fundamentação de direitos - quer se trate de direitos
positivos ou de direitos humanos - não pode ser tomado com critério. Ele é antes de mais
nada uma conseqüência, de que possamos reconhecer boas razões para pleitear algo, seja
como uma lei universal, i. é, um direito humano, seja como uma lei do sistema legal, i. é,
um direito positivo.
Habermas denomina o princípio do discurso, no processo de implementação de
direitos, princípio de democracia. O princípio de democracia estabelece como válidos os
direitos, com relação aos quais todos os potenciais integrantes do discurso racional
possam estar de acordo. Enquanto desempenha o papel de gerador de direitos positivos,
o princípio de democracia é ele mesmo institucionalizado através de um sistema, que
garante a igualdade de participação no processo de legitimação dos direitos. A aplicação
do princípio de democracia, no discurso de legitimação dos direitos, pressupõe, portanto,
um sistema no qual todos os indivíduos - enquanto autores e endereçados do direito -
possuam igualdade de condições. Esta é uma pressuposição do princípio de democracia,
enquanto um princípio do discurso. Contudo, ao contrário do que supõe Habermas, a
igualdade de condições não pode ser caracterizada, quer como um princípio da
racionalidade, quer como um princípio da linguagem em geral, mas tão somente como
um princípio moral. Deste modo, antes mesmo de realizar qualquer distinção entre moral
e direito, Habermas já pressupõe um princípio moral, como condição do próprio
princípio de democracia.
A implementação democrática dos direitos é um processo no qual os indivíduos
- com base na igualdade de participação - chegam a um consenso acerca das regras que
desejam institucionalizar. Surgem, assim, os chamados direitos positivos. Direitos
básicos serão chamadas as regras que precisam ser respeitadas, a fim de que a igualdade
de participação possa ser garantida. Se aceitamos que os direitos básicos devam
satisfazer a exigência de igualdade de condições, então deveremos - independentemente
de Habermas - compreendê-los como princípios morais. Neste sentido, podemos também
- com Habermas - apontar para a satisfação de tais direitos como uma condição do
processo de fundamentação do sistema legal. Contudo, isto não nos impede de recusar
tanto o consenso como critério de verdade ou validade, como o suposto caráter
essencialmente comunicativo de nosso discurso acerca de direitos e a derivação de uma
ética do discurso, a partir da lógica da argumentação.
De acordo com Habermas, os direitos básicos devem garantir a igualdade de
chances de participação no discurso. Eles fundamentam o ―status‖ de indivíduos livres e
iguais. E devem proteger a autonomia privada e pública de cada qual. A atribuição de
direitos sociais básicos não constituirá, aqui, nenhuma exceção. Tais direitos exprimem
condições necessárias para que o indivíduo possa desfrutar sua autonomia. Como
podemos, então, fundamentar a atribuição de direitos básicos àqueles que não possuem
autonomia? Direitos básicos devem ser atribuídos a todos os seres humanos ou somente
àqueles que possam tomar parte em um discurso racional? Esta mesma questão pode ser
igualmente colocada para a ética do discurso. Contra a teoria habermasiana podemos
assim acrescentar que ela é incapaz de fornecer resposta a questões hoje consideradas
como eminentemente morais, a saber: questões que concernem ao ―status‖ de fetos e
recém-nascidos, às futuras gerações, aos animais e ao meio ambiente. Pretendo, contudo,
manter minha crítica limitada a um determinado âmbito, ou seja, ao âmbito dos assim
chamados direitos humanos ou direitos básicos.
Segundo Habermas os direitos básicos são uma condição para que alguém possa
tomar parte no discurso de fundamentação. Neste sentido, sua concepção de direitos
humanos pode responder à demanda tradicional pelo direito à liberdade. Mas será
possível satisfazer também a demanda por direitos sociais básicos? Os direitos sociais
podem pertencer a um conceito de direito, que não possa, por exemplo, ser estendido a
crianças e deficientes físicos ou mentais? Uma tal concepção estaria em contradição, não
apenas com as concepções tradicionais dos direitos humanos, mas com o nosso próprio
senso comum. A garantia de um mínimo para subsistência é, por exemplo, um direito
que supomos inerente a todo ser humano, independente do seu ―status‖ como possível
integrante de um discurso racional.
Naturalmente, é possível imaginar uma situação, na qual os integrantes do
discurso de fundamentação pleiteiem direitos sociais para aqueles que não podem tomar
parte no discurso racional. Porém, os direitos que resultam do discurso de
fundamentação não possuem mais o ―status‖ de direitos básicos. Eles são direitos
positivos, e dependem, assim, do assentimento dos possíveis participantes do discurso de
fundamentação racional. Devemos, contudo, conceder que apenas uma elite decida por
direitos que a todos pertencem? Quando se trata de direitos sociais básicos, não podemos
aceitar, que a decisão acerca de tais direitos pertença apenas a uma parcela da
humanidade. Deste modo, a aplicação da ética do discurso ao âmbito do discurso de
fundamentação dos direitos conduz a uma forma de paternalismo político.
3. Resultado crítico
Nesta etapa pretendo apresentar (1) o conceito de liberdade em Alexy e (2) seu
argumento a favor dos direitos sociais básicos.
1) Em seu livro Theorie der Grundrechte (Teoria dos direitos básicos), Alexy
considera três distinções aplicadas ao conceito de liberdade: (1) entre liberdade positiva
e liberdade negativa; (2) entre liberdade negativa em sentido estrito, isto é, a liberdade
no sentido liberal, e liberdade negativa em sentido amplo, ou seja, liberdade social e (3)
entre liberdade de direito e liberdade de fato.
A primeira distinção, ou seja, a distinção entre liberdade positiva e negativa diz
respeito, segundo Alexy, ao objeto da liberdade. Liberdade positiva é um conceito de
liberdade que se refere apenas a ações, ou seja, um conceito de liberdade que tem como
objeto apenas as ações humanas. Neste sentido dizemos que a liberdade positiva é uma
71
R. Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt a. M. 1986.
72
R. Nozick, ―The Entitlement Theory‖, in: P.H Werhane, A.R. Gini e D. T. Ozar (org), Philosophical Issues
in Human Rights, New York 1986, p. 2009-215.
capacidade dos seres racionais, e os obstáculos a ela correspondentes são idéias pouco
claras, afetos, inclinações sensíveis ou falsa consciência. Exemplos deste emprego do
conceito de liberdade podem ser encontrados, de acordo com Alexy, na Ética de
Spinoza73 e na Metafísica dos costumes74 de Kant ou nas Lições sobre a filosofia da
história75 de Hegel.
Liberdade negativa é um conceito de liberdade relacionado às alternativas de
ação, ou seja, um conceito de liberdade que tem por objeto as alternativas de ação. A ele
corresponde o conceito de liberdade de direito. Nas palavras de Alexy:
Quando o objeto da liberdade for uma alternativa de ação, deve-se falar de uma
liberdade negativa. Uma pessoa é, via de regra, livre no sentido negativo, quando
suas alternativas de ação não estão bloqueadas. Para além disto, o conceito de
liberdade nada diz sobre o que uma pessoa livre em sentido negativo faz ou faria,
em determinadas condições; ele diz apenas algo sobre as suas possibilidades de
fazer alguma coisa. 76
73
Ver, op. cit., p. 197. Citação: ― Ea res libea dicitur, quae exsola suae naturae necessitate existit, et a se sola
ad agendem determinatur‖, B. De Spinoza, Ethica, in: Ders., Opera, Ed. Por .K. Blumenstock, Bd. 2,
Darmstadt 1967, p. 88.
74
Op. cit., p. 197. Citação: I. Kant, Metaphusik der Sitten, p. 213.
75
Op. cit., p. 197. Citação: G.W.F. Hegel, Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte, Theorie
Werkausgabe 12, Frankfurt a. M., 1970, p. 57.
76
Op. cit., p. 198.
77
A liberdade negativa em sentido amplo foi denominada por Tugendhat, em seus comentários sobre Alexy,
―liberdade positiva‖. Ver E. Tugendhat ―Gerechrigkeit und Menschenrechte‖, p. 16. (citado a partir do
manuscrito) e Vorlesungen über Ethik, cap. 17. Aqui utilizarei para este conceito a expressão ―liberdade
social‖. Para a liberdade em sentido estrito utilizarei a expressão ―liberdade liberal‖
78
Ver op. cit., p. 318.
79
Ver op. cit., 344.
negativa); responsabilidade pelas ações cooperativas no corpo político comum
(liberdade democrática positiva). 80
80
Ver op. cit., p. 344.
81
Ver op. cit., p. 458.
82
Op. cit., p. 459.
83
Ver op. cit., p. 460.
que cada ser humano possa desenvolver livremente sua ―dignidade‖ 84 na comunidade
social, então está sendo com isso pressuposta a liberdade de fato. Para Alexy, somos
então forçados a concluir que:
2. Críticas a Alexy
84
Op. cit., p. 460.
85
Op. cit., p. 460.
86
Ver op. cit., p. 318.
Alexy apontou como obstáculo à liberdade liberal, sobretudo, as ações
controladoras do Estado. Se a liberdade é concebida como um direito de todos, então isto
significa que nenhum ser humano deve ter suas alternativas de ação suprimidas. Todos
devem ter oportunidades iguais para eleger, de acordo com seus próprios fins, entre
alternativas de ação. Como poderiam, então, alguns indivíduos, sem a ajuda do Estado
realizar seu direito à liberdade? Para garantir a liberdade de todos o Estado precisa
intervir nas ações dos indivíduos através da criação de impostos e da adoção de medidas
sociais. Exatamente este tipo de intervenção foi considerada na concepção de liberdade
liberal como um obstáculo à liberdade.
Uma liberdade de fato supõe, como Alexy mostra, um estado geral de liberdade
que só pode ser alcançado mediante um certo grau de cobertura econômica. A garantia
deste grau de afastamento de uma situação de carência econômica deve envolver pelo
menos a garantia de um mínimo existencial. Se o Estado deve se ocupar da possibilidade
de um estado geral de liberdade, então coloca-se para ele a tarefa de garantir para todos
os indivíduos ao menos este mínimo. Esta tarefa exige dele uma atuação efetiva, como,
por exemplo, a implementação de impostos e sua aplicação cm medidas sociais que
possam ajudar pessoas em situação de carência econômica. Mas se o conceito de
liberdade negativa em sentido estrito, ou seja, o conceito liberal de liberdade, considera
esta ação do Estado como um obstáculo à liberdade, torna-se incompreensível como este
conceito de liberdade possa estar contido no conceito de liberdade social.87
A concepção de liberdade liberal limita de tal forma o papel do Estado que este
deixa de estar em condições de adotar medidas sociais para garantir a cada indivíduo um
mínimo existencial. Sem a garantia deste mínimo, um indivíduo não possui alternativas de
ação, nem a oportunidade de agir conforme seus próprio fins. Uma concepção de liberdade
que considera as ações do Estado para garantia de um mínimo existencial para todos um
obstáculo à liberdade - e exatamente assim Alexy descreve a concepção liberal - não é
compatível com uma concepção de liberdade comprometida com o afastamento de um
certo grau de carência econômica. Podemos assim concluir que o conceito de liberdade
negativa em sentido amplo, ou seja, liberdade social, não pode, sem contradição, conter o
conceito de liberdade negativa em sentido estrito, ou seja, liberdade liberal.
Até aqui, podemos apontar para a garantia de um mínimo existencial como uma
condição da liberdade de fato. Se a liberdade de fato é reconhecida como um direito de
todos, ou seja, como um direito básico ou humano, então devemos poder exigir também
a garantia de um mínimo existencial. Alexy procura fundamentar a liberdade de fato
como um direito universal, ou seja, um direito básico, através de um argumento moral.
O segundo passo do argumento de Alexy consiste na fundamentação da
liberdade como um direito básico. Aqui são introduzidos dois argumentos. O primeiro
diz que um direito que proteja o indivíduo de uma situação de carência é para cada
indivíduo de existencial importância. Sem a garantia de um mínimo existencial -
pertencente ao conceito de liberdade social - a liberdade de direito torna-se um conceito
vazio. O segundo argumento coloca o conceito de liberdade social como uma condição
87
Há aqui uma falha na edição alemã, p.82. Nela aparece como se o conceito de liberdade liberal devesse
abarcar o de liberdade social.
da nossa concepção de direitos básicos, se os entendemos como a expressão dos
princípios que devem garantir a dignidade humana.
Podemos aqui indagar se estes dois argumentos para a fundamentação dos
direitos sociais básicos não poderiam ser aplicados diretamente. Não podemos mostrar,
sem a ajuda do conceito de liberdade, que os direitos sociais básicos são indispensáveis
para a garantia de elementos essenciais, tais como subsistência, trabalho, saúde,
educação e que pertencem, portanto, aos princípios que, nas palavras de Alexy, devem
garantir a dignidade humana? Se a resposta for negativa, então não poderemos
fundamentar, com os argumentos propostos, nem os direitos sociais básicos, nem um
conceito de liberdade que compreenda medidas sociais. Se obtemos, no entanto, uma
resposta afirmativa, então não necessitamos mais de um argumento acerca da liberdade
para fundamentar os direitos sociais básicos. Neste sentido, o que o segundo passo de
Alexy contém é propriamente uma fundamentação de um conceito de liberdade como
um direito humano e não uma parte necessária de um argumento para a fundamentação
dos direitos sociais básicos.
Apenas quando um conceito de liberdade já foi moralmente fundamentado
como um direito universal, ele pode apoiar um argumento em favor da garantia de um
mínimo existencial como um direito humano. Mas se precisamos de uma concepção
moral, para fundamentar a liberdade social como um direito humano, então podemos
perguntar se nossa demanda por direitos sociais básicos não é em si mesma o resultado
da adoção de uma perspectiva moral.
Se os direitos sociais básicos exprimem os princípios que devem assegurar a
dignidade humana, então eles não apenas independem de um argumento acerca da
liberdade, como não se deixam reduzir a este direito. Vimos que a satisfação dos direitos
sociais básicos é uma condição da liberdade de fato. Isto não significa, contudo, nem que
a satisfação dos direitos sociais básicos possa garantir a liberdade de todos, nem que a
demanda por direitos sociais básicos possa ser reduzida à demanda pela liberdade. Que a
liberdade de um indivíduo supõe a satisfação de condições outras que não apenas a
garantia de seus direitos sociais básicos, significa que a garantia de um mínimo
existencial é uma condição necessária, porém não suficiente, para a liberdade. Que a
garantia de direitos sociais básicos não se deixa compreender apenas como uma
condição para o exercício da liberdade, significa que um ser humano não deixa de ser o
sujeito de direitos sociais básicos quando não está em condições de agir livre ou
autonomamente. Crianças pequenas, portadores de determinadas doenças, ou pessoas
idosas podem, por exemplo, não estar em condições de agir autonomamente. Mas
justamente nestes casos em que falta autonomia, supomos que sua carência deva ser
suprida através de medidas adicionais.
Assim, podemos concluir que a garantia de direitos sociais básicos deve ser
considerada uma condição para satisfação do direito à liberdade. Mas se os direitos
básicos são a expressão dos princípios que devem preservar a dignidade humana, então
não podemos reduzir a garantia de direitos sociais básicos ao direito à liberdade. Isto não
é propriamente nem uma objeção ao direito à liberdade como um direito básicos, nem
aos direitos sociais básicos, mas apenas uma crítica à tentativa empreendida por Alexy
de fundamentar os direitos sociais básicos através de um argumento acerca da liberdade.
Na próxima etapa analisarei uma crítica aos direitos sociais básicos que, por sua
vez, também se apóia em um argumento a favor da liberdade
Uma das objeções mais comuns aos direitos sociais básicos apóia-se na tese de
que os direitos sociais básicos são inconciliáveis ou pelo menos colidem com outros
direitos. Neste sentido, afirma-se que os mesmos direitos que Alexy pretende
fundamentar através de um argumento a favor da liberdade colidem com o próprio
direito à liberdade. Pretendo agora discutir aquela que na concepção libertária seria a
principal colisão entre os direitos sociais básicos e o direito à liberdade. Trata-se da
colisão entre os direitos sociais básicos e a liberdade do indivíduo dispor do que lhe
pertence. Para tal, pretendo analisar o argumento de Nozick, apresentado no contexto de
sua teoria do entitulamento (Entitlernent Theory).
O princípio do liberalismo libertário é a liberdade negativa em sentido estrito,
ou seja, a liberdade de o indivíduo realizar, sem intervenção do Estado, aquilo que
quiser. A tarefa do Estado deve ser limitada à proteção dos indivíduos contra trapaças,
violência e coação. A isto corresponde o ideal do chamado ―estado mínimo‖. Esta
concepção de liberdade inclui o direito do indivíduo dispor de sua propriedade
livremente. Através da teoria do entitulamento Nozick pretende justificar a concepção
libertária.88
Os princípios de sua teoria são justiça na aquisição ou transferência de bens,
assim como reparação de injustiças que tenham sido cometidas na aquisição ou
transferência de bens. O critério para o que será então considerado justo ou injusto é a
forma da aquisição. Quando um indivíduo toma posse de algo de acordo um princípio de
justiça, então ele deve ser livre para dispor do que adquiriu do modo que desejar.
Uma transferência justa ocorre, segundo Nozick, quando alguém que adquiriu
algo de acordo com o princípio de justiça na aquisição o transfere livremente a outros.
Um controle do Estado neste processo violaria a liberdade do indivíduo dispor do que é
seu. Qualquer ação do Estado que possa intervir no direito do indivíduo dispor de sua
propriedade é considerada, então, injusta. Antes que se reivindique justiça social, deve-
se perguntar, segundo Nozick, por que o Estado deve ter direito a reparar a injustiça
cometida contra alguns através da violação do direito de outros.89
Para esclarecer o que devemos entender por aquisição, Nozick recorre à
concepção de direito à propriedade de Locke. De acordo com Locke um indivíduo pode
se apossar de algo como sua propriedade privada, quando esse é fruto de seu próprio
trabalho. Nozick utiliza esta explicação para elucidar o princípio original da aquisição.
Toda aquisição é originalmente justa quando decorre da relação entre o trabalho e seus
frutos. Quando partimos de uma divisão justa, o indivíduo deve ser considerado livre
88
Sobre a distinção entre liberalismo igualitário e libertarianismo, ver T. Nagel, ―Liberalism without
Foundations‖, em: Paul (org.), Reading Nozick, Oxford 1982.
89
Ver R. Nozick, ―Entitlement Theory‖, em: P.G. Werhane, A.R. Gini e D. T. Ozar (org.), Philosopical Issues
in Human Rights, New York 1986.
para promover uma nova divisão. A nova repartição será então tão justa quanto a
original, quando for realizada segundo o princípio de justiça na transferência. A
passagem de uma divisão V1 para uma divisão V2 é justa, quando os indivíduos
decidem livremente por ela, ou seja, quando consentem na nova repartição. Para ilustrar
esta perspectiva, Nozick sugere o caso do jogador de basquete Wilt Chamberlain.
Segundo o exemplo, uma repartição de bens justa se daria quando os indivíduos
livremente empregassem seu dinheiro para ver o famoso jogador em ação. Nas palavras
de Nozick:
4. Críticas a Nozick
90
Op. cit., p. 214.
91
Naturalmente isto não significa que Nozick não possa bsucar para a liberdade liberal um fundamento moral.
Numa perspectiva utilitarista, por exemplo, o que justifica a adoção de uma regra é exatamente seu sucesso. No
entanto, o argumento de Nozick a favor do direito dos indivíduos contrapõe-se justamente ao utilitarismo.
Neste sentido, ele não poderia, sem incorrer em contradição, apelar a um conceito moral utilitarista.
Quando se trata de um direito humano, o direito de alguns deve ser limitado
pelo direito de outros. O Estado deve garantir este limite através da criação de leis e da
implementação das mesmas. O argumento de Nozick contra os direitos sociais básicos
procura mostrar que a instituição destes direitos vai contra a liberdade que o indivíduo
possui de dispor de seus bens. Então, ainda restaria a Nozick mostrar como um tal
conceito de liberdade poderia ser compreendido como um direito de todos.
Um conceito de liberdade que corresponda a um direito humano deve poder ser
estendido a todos os seres humanos e não deve violar outros direitos humanos. Nozick
parte do direito de cada um dispor livremente de seus bens. Com isso ele supõe, ou bem,
que todos os indivíduos já desfrutam de um mínimo existencial - o que é simplesmente
falso - ou que este direito não é universal - o que então impediria sua classificação como
um direito básico ou humano.
Mas ainda que partíssemos da propriedade como um direito de todos,
permaneceria em aberto se o direito ilimitado sobre a propriedade ou se a liberdade
ilimitada de cada um dispor de sua propriedade, não poderia violar direitos básicos de
outros. Tomemos o exemplo de um indivíduo que tivesse em suas terras a única fonte de
água potável de uma região. Poderíamos atribuir-lhe o direito de monopolizar o uso da
fonte a tal ponto que todos os demais não teriam acesso a água potável? 92 O direito
ilimitado de um indivíduo colocaria neste caso em perigo não apenas as alternativas de
ação de muitos, mas até mesmo suas vidas. Se os direitos a alternativas de ação e a vida
são direitos de todos, então podemos contra Nozick acrescentar que seu conceito de
liberdade incide contra direitos humanos.
Mencionei, anteriormente, duas condições que todo direito humano precisa
satisfazer: (i) precisa ser um direito de todos e (ii) não pode violar outros direitos humanos.
Já vimos que o conceito de liberdade de Nozick não satisfaz a primeira condição. Mas para
que possamos afirmar que seu conceito de liberdade se choca contra a liberdade como um
direito humano ou contra outros direitos humanos, ou seja, que o conceito de liberdade de
Nozick não satisfaz também a segunda condição, precisamos ainda mostrar como um
direito humano em geral pode ser fundamentado e, neste caso, que há direitos que podem
ser reconhecidos legitimamente como universais ou humanos. Um direito humano só pode
ser fundamentado através de argumentos morais. Isto deve valer tanto para o conceito de
liberdade de Nozick, quanto para o conceito de liberdade social ou para os direitos sociais.
Neste sentido, antes que tenhamos fundamentado a liberdade social ou os direitos sociais
como direitos humanos, não podemos mobilizá-los contra Nozick.
Tudo o que podemos dizer é que também a limitação do papel do Estado na
concepção de liberdade liberal de Nozick não pode ser fundamentada apenas através do
conceito de liberdade. Quando se trata de um direito humano, devem ser considerados
obstáculos ao direito universal à liberdade apenas as ações do Estado ou dos cidadãos
que violam um direito humano. E apenas se a liberdade liberal puder ser fundamentada
como um direito humano, a implementação de medidas sociais poderá ser encarada
como um obstáculo à realização ou uma violação de um direito humano. Se este contudo
92
Ver C. Ryan, ―Yours, Mine and Ours: Property Rights and Individual Liberty‖, em. Paul (org.) Reading
Nozick 1982, 323-343.
não for o caso, resta-nos a possibilidade, de contra Nozick, mostrar que a liberdade
ilimitada é bem mais um obstáculo à possibilidade de um estado geral de liberdade e à
realização de outros direitos humanos. Mas antes de darmos estes dois passos,
precisamos ainda esclarecer como, afinal, um direito humano deve ser fundamentado.
5. Resultado crítico
93
E. Tungendhat, Vorlesungen über Ethik, citado a partir do manuscrito.
A decisão de aceitar ou não uma concepção moral é, segundo Tugendhat, em ultima
instância, um ato da autonomia do indivíduo. Não há, portanto, nada que nos obrigue a tal.
Deste modo, a questão filosófica da fundamentação da moral passa a ser compreendida como
uma questão acerca de possuirmos ou não ―bons‖ motivos94 para nos identificarmos como
integrantes da comunidade moral. Nós nos identificamos com determinadas qualidades,
quando é para nós fundamental ser uma pessoa de determinado tipo.
Durante seu processo de socialização, um indivíduo aprende a desempenhar
uma série de tarefas: atividades corporais (tais como andar, nadar e correr), artísticas
(como, por exemplo, pintar, cantar ou tocar um instrumento) e o desempenho de
determinadas funções (tal como ser professor, ser pai etc.). A capacidade de exercitar
determinadas atividades fornece ao indivíduo a medida de seu próprio valor. Ao fracasso
no desempenho das atividades que o indivíduo considera para si fundamentais
corresponde uma perda da auto-estima manifesta pelo sentimento de vergonha. 95
Entre todas as funções aprendidas, há contudo uma que desempenha um papel
central na socialização. Nela consiste o próprio aprendizado do que seja integrar uma
sociedade. Trata-se, segundo Tugendhat, do papel de cada indivíduo enquanto membro de
uma comunidade, ou melhor, enquanto ser cooperativo. As regras que definem o bom
desempenho desta função são aquelas a que chamamos regras morais.96 A negligência ou
infração de tais regras corresponde uma sanção interna, manifesta em primeira pessoa pelo
sentimento de vergonha moral ou culpa, em segunda e terceira pessoas pelos sentimentos
de ressentimento e indignação. A presença de tais sentimentos nos fornece, assim, um
critério para o reconhecimento da inserção de um indivíduo na comunidade moral. A
constituição de uma consciência moral e os sentimentos a ela associados dependem de que
o indivíduo queira ser compreendido como integrante da comunidade moral, ou seja,
queira pertencer à totalidade dos indivíduos, cujo agir está orientado por regras morais.
A questão de se queremos ou não pertencer a uma comunidade moral é, assim,
uma parte da questão geral acerca de quem queremos ser. Esta é a questão acerca da
constituição da identidade qualitativa de cada um de nós. A identidade de cada indivíduo
compreende sempre algo que já está determinado, tal como, por exemplo, elementos de
sua história pessoal ou talentos individuais, e também algo que depende de cada um. A
identidade qualitativa é, assim, uma resposta do indivíduo ao seu passado e, ao mesmo
tempo, a determinação de seu futuro. O indivíduo elege para seu futuro aquilo que
considera fundamental para sua vida e para sua identidade. Ele vivencia sua vida
enquanto bem-sucedida ou feliz, quando atinge uma identidade bem-sucedida. 97
O papel do indivíduo na constituição de sua identidade qualitativa, ou seja, a
responsabilidade do indivíduo pela parte da sua vida que cabe a ele determinar, é uma
característica da sociedade moderna. Esta é uma sociedade de indivíduos98, ou seja, uma
sociedade cujos integrantes se relacionam entre si apenas como indivíduos e não como
94
Motivos (Motive) são para Tugendhat razões (Gründe) de um tipo especial, a saber, razões que falam a favor
ou contra a aceitação de um sistema moral. Ver, op. cit., Pat. 1.
95
Ver op. cit., cap. 3.
96
Ver op. cit., cap. 3.
97
Ver. E. Tugendhat, ―Identidad: Personal, nacional y universal‖, p. 13, citado a partir do manuscrito.
98
Ver op. cit., p.14.
membros de determinadas castas ou extratos sociais. Voltada para a característica do
indivíduo como ser cooperativo, não resta à moral moderna senão reconhecer todo e
qualquer integrante da comunidade moral como igual objeto de respeito; em outras
palavras, como portador de igual valor normativo. Uma moral moderna é, portanto, em
sua base, de acordo com Tugendhat, necessariamente igualitária99
Uma identidade moral na sociedade moderna consiste, assim, na identificação
com os princípios de uma moral universal e igualitária, ou seja, uma moral que atribua a
todos os indivíduos igual valor normativo. Neste sentido, todas as tentativas
contemporâneas de restrição das normas morais aos indivíduos de uma determinada
nação ou etnia solapam as bases sobre as quais poderiam ser justificadas, fracassando,
assim, na justificação de sua pretensão moral.
Igualmente fadada ao fracasso está, no entanto, a tentativa de justificar tais
restrições com recurso a um modelo de sociedade tradicional. Em sociedades
tradicionais, a identidade de cada um é determinada pela inserção a uma determinada
casta ou grupo social. A identificação a uma massa amorfa, que inclua indivíduos de
grupos sociais, credos e profissões diversas - identificação esta inerente a todo
nacionalismo - seria neste modelo de sociedade impensável.
E, contudo, necessário que a identidade moral desempenhe um papel constitutivo na
identidade do indivíduo moderno? Nós dissemos que cada indivíduo elege para si, aquilo que
para sua identidade e para sua vida considera fundamental. E a identidade moral de um
indivíduo essencial para uma identidade ou para uma vida bem-sucedida? Tal questão
permanece em aberto. Até aqui, podemos apenas afirmar que uma identidade moral na
sociedade moderna corresponde a uma identificação a princípios universais e igualitários.
Isto significa que qualquer indivíduo que reivindique para suas ações uma pretensão moral,
precisa reconhecer em todos os demais um mesmo valor normativo. O que, deste modo, está
sendo excluída é a possibilidade de restrição do âmbito de aplicação das regras morais, porém
não a liberdade de cada indivíduo aceitar ou não uma posição moral. A assim chamada
―carência de sentido‖ moral (lack of moral sense) permanece como sendo uma possibilidade,
determinando o limite de todo discurso moral.
Fundamentar uma concepção moral específica, significa para Tugendhat
fornecer uma definição plausível do que seja o bom desempenho de um indivíduo
enquanto ser cooperativo, ou melhor, fornecer um Conceito de ―bem‖ plausível, e ao
mesmo tempo mostrar que todas as alternativas concorrentes são menos plausíveis ou
inaceitáveis.100 Tal conceito Tugendhat extrai da concepção moral kantiana, a saber, da
segunda formulação do imperativo categórico: ―Age de tal maneira que a humanidade,
tanto na tua pessoa, quanto na pessoa de outros, possa ser a cada momento considerada
como um fim em si mesma, e jamais exclusivamente como um meio 101 Em outras
palavras: ―Não trates seres humanos como simples meio‖, ou ainda, ―Não
instrumentalizes seres humanos‖. Com a ajuda deste princípio, será então definida a
moral do respeito universal. Respeito significa, aqui, o reconhecimento de cada ser
99
Ver E. Tugendhat, Vorlesungen über Ethik, cap. 10.
100
Ver op. cit., cap. 5.
101
Ver. I Kant, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, Werke, p.61.
humano enquanto sujeito de direito. O conteúdo desta exigência nada mais é do que a
consideração à vontade e aos direitos de cada qual. Uma tal moral é, portanto, universal
e igualitária, Suas normas são aquelas que, a partir da perspectiva de qualquer integrante
da comunidade moral, podem ser aceitas.
Resta, portanto, nos perguntarmos: (1) se queremos nos compreender enquanto
integrantes de uma comunidade moral qualquer e (2) se queremos nos compreender
enquanto integrantes da comunidade moral definida pelo conceito de ―bem‖ aqui
apresentado. Tais questões são formuladas por Tugendhat em três níveis:
102
E. Tugendhat, Vorlesungen über Ethik, cap. 5.
103
Ver op. cit., cap. 14.
seus próprios interesses, pelo menos enquanto os outros não descobrirem que ele está
indo contra as normas da comunidade. Apenas numa situação como essa poderia parecer
plausível separar a questão da motivação para agir moralmente. Mas esta plausibilidade
se dissolve tão logo possamos constatar que o indivíduo em questão não terá também
nenhum sentimento de culpa ao infringir o ―dever‖ moral. Podemos então dizer que ele
apenas representa o papel de um integrante da comunidade, mas que efetivamente não
possui uma razão para aceitar um conceito de moral. Deste modo, também aqui, não
poderíamos mais distinguir a questão da motivação para aceitar um conceito de moral da
questão da motivação para agir moralmente.
Quando adotamos um conceito de bem e tudo o que a ele se relaciona, estamos
assumindo uma posição moral que não se deixa mais reduzir à mera realização dos
próprios interesses. Não há nada que nos obrigue a nos tornarmos integrantes da
comunidade moral. Mas se queremos nos compreender como integrantes desta
comunidade, então devemos também querer agir moralmente. Apenas nisto pode
consistir a obrigação moral.
A identificação com uma comunidade significa, em geral, fazer de seus
princípios nossos próprios princípios. A identificação com os princípios da moral do
respeito universal significa considerar cada indivíduo como sujeito de diretos. Se
queremos que nossas próprias pretensões sejam respeitadas, então devemos eleger viver
em uma sociedade cujo princípio supremo é o respeito aos interesses de cada um.
Se à identidade qualitativa do indivíduo pertence a identificação com os
princípios da moral do respeito universal, então o respeito a todos os seres humanos será
uma condição necessária para que o indivíduo possa ter consciência de uma identidade
ou uma vida bem-sucedida. O respeito ao ser humano é o respeito a seus direitos. Os
direitos atribuídos a todos os indivíduos são aqueles a que chamamos direitos humanos.
O reconhecimento dos direitos humanos é, portanto, uma exigência da moral do respeito
universal e uma regra do agir de qualquer indivíduo que queira ser compreendido como
integrante da comunidade moral e de todo Estado que erga pretensões morais.
Respeito significa, aqui, o reconhecimento de cada qual enquanto sujeito de
direitos. Reconhecer alguém como portador de direitos significa tomar o outro não como
mero objeto de nossas obrigações, mas reconhecer nossas próprias obrigações como
refléxo de seus direitos.104 Apenas no âmbito de uma comunidade moral assim definida,
pode cada indivíduo reclamar seus direitos como algo independente do arbítrio dos demais.
Os direitos humanos correspondem aos princípios morais, que devem fornecer a
garantia de satisfação das condições mínimas para a realização de uma vida digna. Uma
vida digna é antes de tudo uma vida em que o indivíduo possa satisfazer suas
necessidades básicas. Uma identidade lograda na sociedade moderna supõe um sistema,
no qual a satisfação de tais necessidades esteja assegurada. A garantia de satisfação das
necessidades básicas de cada um; em outras palavras, o reconhecimento dos direitos
humanos é uma exigência da sociedade moral. Nosso próximo passo consiste na
investigação do papel desempenhado pelos direitos sociais básicos no cerne da sociedade
moral.
104
Ver op. cit., cap. 17.
2. Os direitos sociais básicos e a comunidade moral
105
Tais medidas fazem parte do que Tugendhat denomina ―ajuda para auto -ajuda‖ (Hilfe zur Selbsthilfe) Ver
op. cit., cap. 17.
106
H. Shue, Basic Rights, Princeton 1980.
Direitos básicos são, de acordo com Shue, aqueles que necessitam ser
satisfeitos, a fim de que qualquer outro direito possa ser reclamado ou exercido.
Segurança, subsistência e liberdade de participação e movimento são, segundo ele,
direitos básicos no sentido acima. Na ausência de tais direitos, a atribuição de qualquer
outro direito se torna vazia. Quem não dispõe dos direitos básicos, não se encontra em
condições de usufruir dos demais direitos que lhe venham a ser conferidos.
A estrutura do argumento para fundamentar o caráter necessário dos direitos
básicos é apresentada nos seguintes termos:
Para que possamos aplicar tal argumento para a fundamentação dos direitos
sociais básicos são, contudo, necessários alguns esclarecimentos. Como devemos
compreender a premissa de que cada indivíduo possui um direito a algo? Suponhamos
que estejamos tratando de um direito qualquer. Já vimos que a palavra direito não é
utilizada apenas com referência a direitos morais, senão também com referência aos
chamados direitos pessoais e direitos legais. Seria razoável supor que o reconhecimento
dos direitos básicos de um indivíduo seja uma condição para que possamos lhe atribuir
um direito pessoal?
À primeira vista nossa resposta parece ser claramente negativa. Um direito
pessoal pode assumir a estrutura de uma promessa. Quando digo a alguém: ―Eu lhe
prometo estar aqui na tarde do dia 23.‖ Assumo uma obrigação perante este indivíduo de
comparecer no dia determinado. Neste sentido lhe outorgo o direito de reclamar a
promessa realizada. Até aqui, ainda não podemos contudo falar, quer do surgimento de
um direito legal, quer moral. Uma promessa pode ser a base de uma série de acordos
compreendidos como completamente amorais. Tomemos como exemplo uma
organização como a máfia. Aqui, o ato da promessa exerce um papel fundamental,
independentemente de qualquer premissa moral. Deste modo podemos dizer que o que
realmente esta em questão não é o simples fato de que o indivíduo possua um direito,
mas sim as razões pelas quais seus direitos são respeitados. Podemos respeitar uma
promessa, tanto por respeito a outra pessoa, como por temor a sanções externas. Porém,
apenas no primeiro caso podemos falar de uma razão moral. No segundo, trata-se bem
mais de uma mera relação de poder.
Direitos básicos são direitos morais, e neste sentido eles supõem uma
comunidade moral. Apenas no cerne de uma comunidade moral, cada indivíduo deve ser
tomado como objeto de respeito de todos. O respeito à pessoa alheia significa o
reconhecimento de suas pretensões. Nós respeitamos alguém como sujeito de direitos,
quando nos compreendemos como integrantes de uma comunidade moral.
107
Op. cit., p.31.
Reconhecemos os direitos básicos de um indivíduo como uma garantia para o exercício
de seus demais direitos, quando respeitamos seus direitos por razões morais, ou seja,
quando respeitamos cada indivíduo como um sujeito de direitos. Deste modo a premissa
de que todos os indivíduos possuem direitos deve ser compreendida nos seguintes
termos: cada indivíduo, enquanto integrante da comunidade moral, possui direitos.
Apenas sob a perspectiva da moral do respeito universal, podemos agora apontar para a
satisfação de direitos sociais básicos, direito à subsistência, como uma condição mínima
para o exercício dos demais direitos, sejam estes morais ou não.
De acordo com Shue uma vida saudável e ativa é uma condição necessária para
que um indivíduo possa usufruir de seus direitos. A garantia de condições mínimas de
subsistência é uma condição mínima para uma vida saudável e ativa. A realização de
qualquer direito supõe, portanto, a garantia de tais condições108. A esta garantia
corresponde os aqui chamados direitos sociais básicos.
108
Ver Op. cit., p. 25.
compreenda como integrante da comunidade moral e de todo Estado que erga pretensões
morais. Ele é uma expressão do respeito a cada indivíduo como sujeito de direitos.
As obrigações morais são descritas por Shue em três níveis, a saber:
O primeiro corresponde à obrigação de não privar alguém de algo que possa ser
necessário à satisfação de necessidade básicas. Esta obrigação prescreve a interdição de
qualquer ação que possa restringir os direitos básicos de outro ser humano.
Relativamente aos direitos sociais básicos este primeiro nível corresponde à obrigação
passiva de não agir de modo a impedir que outros seres humanos tenham acesso a bens
que são necessários a sua subsistência.
O segundo nível corresponde à obrigação de proteger uma pessoa da privação
de algo essencial para a satisfação das suas necessidades básicas. A obrigação de
proteção é, em certo sentido, um reforço da primeira obrigação negativa. Ela deve ser
satisfeita através da criação de instituições que possam cuidar tanto da satisfação da
obrigação negativa como também da punição à violação dos direitos a ela
correspondentes. Tais instituições têm assim a tarefa de apoiar os indivíduos na
realização de suas obrigações.
O terceiro nível corresponde à obrigação de ajudar uma pessoa, quando privada
de bens que lhe são necessários à satisfação de suas necessidades básicas. A obrigação
de ajudar outras pessoas não é apenas um reforço para os casos em que os dois níveis
anteriores não tenham sido satisfatoriamente realizados, mas também uma obrigação
frente àqueles que por causas naturais as mais variadas se encontram em situação de
emergência. Este é o caso das vitimas de catástrofes naturais, como, por exemplo, das
vítimas de um terremoto.
Os direitos sociais básicos demandam tanto a obrigação de proteger, quanto a
de ajudar. Neste sentido são então compreendidos como direitos positivos. São direitos
que exigem uma performance, ou seja, direitos que um indivíduo possui perante o
Estado ou perante outros indivíduos que correspondem a uma performance por parte
dos mesmos. Deste modo, a garantia de um direito social básico inclui, por exemplo,
tanto o fornecimento de alimentos para as pessoas que não têm acesso aos mesmos,
como a implementação de medidas sociais que permitam restabelecer direitos violados
ou punir sua violação.
Mas será que direitos positivos podem ser reconhecidos como direitos universais?
E para nós desejável reconhecer como um direito humano algo que exija de nós uma
atitude positiva? Buscar uma resposta para esta questão será nosso próximo passo.
109
Op. cit., p. 52.
Vimos, até aqui, que o reconhecimento dos direitos sociais é uma exigência da
comunidade moral. A garantia de um existencial mínimo é uma condição mínima para
que o indivíduo possa reconhecer nos princípios da sociedade o respeito por suas
próprias pretensões. Este mesmo respeito é para o indivíduo não apenas uma condição
para sua auto-estima, mas também para seu respeito pelas normas da sociedade e por
seus integrantes. Com base nesta análise, pretendo agora procurar responder a três
objeções ―standard‖ contra o reconhecimento de direitos sociais.
A primeira objeção apóia-se na tese de que apenas direitos negativos podem ser
reclamados como direitos universais: Direitos sociais incluem custos. Neste sentido
dependem da riqueza de cada nação e como tal não podem ser encarados como universais.110
Contra este argumento podemos mostrar que todos os direitos conferidos face ao
Estado incluem custos, ou seja, correspondem a uma obrigação positiva, ou melhor, supõem
uma performance por parte do Estado. Neste sentido, não há direitos puramente negativos.
A tradição liberal aponta como direitos negativos o direito à liberdade e o
direito à segurança. Liberdade, no sentido liberal estrito, é entendida como a
possibilidade de cada qual agir conforme sua própria vontade e determinar suas ações,
independentemente de qualquer intervenção do Estado. Se tomarmos agora a noção de
liberdade contida na própria definição liberal, isto é, liberdade como a possibilidade de
cada indivíduo determinar suas próprias ações, podemos então mostrar que este direito
de liberdade só pode ser usufruído por todos, quando o Estado é capaz de fornecer
condições que permitam aos ―menos favorecidos‖ um mínimo de independência
econômica e social. Sem que, portanto, o Estado desempenhe um papel ativo na
sociedade, o direito liberdade, entendido no seu sentido mais geral, jamais poderá ser
usufruído como um direito universal, e não passará de um privilégio de poucos.
Quanto ao direito de segurança, é fácil mostrar que a garantia da segurança do
indivíduo exige uma série de medidas, cujo custo pode, certamente, ser comparado ao
custo implicado pelos direitos sociais básicos. Entre os custos do direito à segurança,
devem ser contabilizados os gastos com todo o sistema penitenciário, com as forças
armadas etc. Podemos, portanto, concluir que nem mesmo os direitos à liberdade e à
segurança estão isentos de custos e de qualquer performance por parte Estado.
A distinção tradicional entre direitos negativos (Abwehrrechte) e direitos
positivos (Leistungsrechte) perde o sentido, quando pensamos nos deveres que estão
associados à concessão de direitos morais. Quando reconhecemos como tarefa do Estado
o dever de proteger cada indivíduo, então não seria igualmente razoável que lhe
atribuíssemos o dever de fornecer a cada indivíduo a ajuda necessária, para que este
possa usufruir de seus direitos? Em que sentido podemos, aqui, realmente separar a
tarefa de proteção e o dever de prestar ajuda ao indivíduo? O reconhecimento de um
direito moral supõe, não apenas que o Estado deva proteger este direito do indivíduo
face aos demais, mas ainda que deva fornecer ao indivíduo condições para o exercício do
mesmo. E isto significa, também, o dever de prestar socorro quando necessário.
Ver M. Cranston, ―Human Rights, Real and supposed‖, em D.D. Raphael, Politicaç Theory The Rights of
110
111
O ―Lifeboat Argument‖ estabelce uma analogia entre as nações ricas e um barco salva-vidas: ―IF we divide
the world crudely into rich nations and poor nations, two thirds of them are desperately poor, and only one
third comparatively rich people. In the ocean outside each lifeboat swim the poor of the world, who would like
to get in, or at least to share some of the wealth. What should the lifeboat passenger do?‖, G. Hardin, ―Lifeboat
Ethics: The Case Against Helping the Poor‖, em P.H. Werhane, A.R. Gini e D.T. Ozar, Philosophical Issues in
Human Rights, New York 1986, p. 445. Ver também M.D. Bayles, Ethics and Population, Cambridge 1976 e
G. R. Lucas e T. Ogletree, Lifeboat Ethics: The Moral Dilemmas of World Hunger, New York 1976.
quando uma população já dispõe de condições sócio-econômicas mínimas, é possível um
controle racional da natalidade. A concessão de uma alta taxa de mortalidade como
mecanismo de controle populacional, onde um controle da natalidade é possível, seria
tanto desnecessária como inconcebível. A famosa metáfora do ―barco salva-vidas‖ é, por
conseguinte, desapropriada, pois neste caso o que está em questão está longe de ser uma
decisão entre salvar a própria vida ou a vida de outros. Não há, aqui, um dilema moral,
mas sim a aceitação de uma premissa absurda.
Em segundo lugar o argumento de que outras pessoas devem ser privadas de
algo que lhes é essencial, para que aquilo de que estão sendo privadas não nos falte no
futuro, não é um argumento moral, mas sim um argumento egoísta. Tal argumentação se
torna insustentável, quando assumimos uma perspectiva imparcial. Uma tal posição não
pode, portanto, erguer qualquer pretensão moral.
A terceira tentativa de recusa do reconhecimento dos direitos sociais, enquanto
direitos humanos, alega que a satisfação universal de direitos sociais básicos pode vir a
piorar o padrão de vida de muitos, e até mesmo da sociedade como um todo. Ou seja: a
garantia de um mínimo para todos pode levar ao empobrecimento da sociedade. Agora
não esta sendo questionado que a garantia deste mínimo seja desejável, mas sim que seja
razoável reconhecer algo como um direito humano, que possa ter um preço tão alto para
a sociedade. Se todos os indivíduos possuírem o direito a um mínimo, e puderem
reclamar tal direito, alguns terão que pagar pelo direito de outros. Podemos supor que
isto seja desejável?
É desejável, quando desejamos viver em uma sociedade, na qual todos os seres
humanos possuam igual valor normativo, por conseguinte igual pretensão à satisfação de
suas necessidades básicas. O reconhecimento de um mínimo existencial como um direito
de todos é, portanto, um dever de todo integrante da comunidade moral e de todo estado
que erga para suas ações e leis uma pretensão moral.
Os direitos sociais básicos correspondem, tal como vimos, às condições
mínimas para a realização de uma vida digna. Em uma sociedade em que todos devam
poder ter a mesma pretensão a uma vida digna, a satisfação de tais condições deve ser
compreendida como uma prioridade. Neste sentido, um indivíduo tem a obrigação moral
de ajudar os demais a satisfazer seus direitos sociais básicos, desde que com isso não
viole seus próprios direito básicos. A prioridade dos direitos básicos de todos sobre os
direitos especiais de alguns corresponde ao que Shue denominou ―princípio da
prioridade112. A adoção de um tal princípio é uma conseqüência necessária do
reconhecimento de direitos iguais e universais, uma vez que a garantia de direitos sociais
para todos só é possível, onde o princípio de prioridade esteja valendo.
Uma desigualdade social é moralmente condenável, quando representa um
perigo tanto para o auto-respeito do indivíduo quanto para sua pretensão a uma vida
digna. Por isto, também os direitos especiais devem ser limitados, quando puderem levar
a uma violação dos direitos básicos em geral. Um exemplo disto é o direito à
propriedade privada de alguns que, em certas circunstâncias, pode infringir o direito à
subsistência de outros. A satisfação dos direitos sociais básicos deve, portanto, valer
112
H. Shue, Basic Rights,Princeton 1980, p.114.
como um pressuposto para a admissão do direito à propriedade. O direito à propriedade
só pode estar em consonância com as normas da comunidade moral quando os direitos
básicos de cada um estiverem garantidos, ou seja, quando a posse de uma propriedade
não limitar os direitos básicos de outros indivíduos. Deste modo, enquanto o mínimo
necessário à subsistência de cada um não for respeitado, é injusto e, até mesmo, absurdo
exigir o respeito ao direito à propriedade de alguns.
Todo princípio de distribuição, que erga uma pretensão moral, deve, portanto,
partir da garantia de um mínimo existencial. Caso contrário, não passará de uma mera
ficção, ou perderá seu fundamento moral. Uma distribuição igualitária é - como mostra
Tugendhat 113 - a distribuição justa, quando não há argumentos em contrário. Para que se
possa colocar em questão a distribuição igualitária dos direitos básicos é, portanto,
necessário justificar por que alguns seres humanos devem ser considerados como
possuindo um valor normativo maior do que os demais. É preciso, por exemplo,
justificar como atributos, tais como cor de pele, sexo ou pertinência a um determinado
grupo social, podem possuir conseqüências normativas114, em outras palavras, podem
determinar o valor moral de um indivíduo. Quando não há razões que permitam
hierarquizar a seres humanos a priori, então é preciso conceder que ao menos os direitos
básicos devam ser distribuídos de forma igualitária.
O reconhecimento dos direitos básicos do homem, ou seja, dos direitos
humanos representa, portanto, a garantia de uma noção mínima de justiça que antecede
qualquer possível distinção entre os indivíduos. Apenas quando os direitos básicos de
cada qual estão satisfeitos, podemos conceder - sem incorrer em contradição
- uma distribuição secundária não-igualitária115. Uma tal distribuição poderá, então, levar
em conta as diferenças constatadas entre as necessidades pessoais, talentos e os direitos
adquiridos de cada qual 116. Uma distribuição secundária não-igualitária, longe de
contradizer uma tal noção mínima de justiça, será uma conseqüência de sua própria
aplicação. Apenas quando todos os indivíduos são igualmente respeitados enquanto
portadores de direitos, podemos também considerar cada qual de acordo com suas
próprias necessidades, méritos e em seus direitos pessoais.
4. Conclusão
113
Ver E. Tugendhat, ―Gerechtigkeit und Menschenrechte‖ e Vorlesungen über Ethik. Cap.18. Ambos os
textos citados a partir do manuscrito.
114
Ver E. Tugendhat Vorlesungen über Ethik, cap. 18.
115
Ver G. Vlastos ―Justice and Equality‖em A.Melden, Human Rights, California 1970, pp.84.
116
Ver E. Tugenhat ―Gerechtigkeit und Menschenrechte‖, p. 25, citado a partir do manuscrito.
2) Através da investigação da posição de Fichie, Habermas e Alexy chegamos
primeiramente ao direito à liberdade e só então aos direitos sociais básicos como
condição cio exercício do direito à liberdade. Através da crítica a Alexy e da análise do
argumento de Nozick contra o reconhecimento dos direitos sociais básicos tornou-se
claro que até mesmo a demanda por um direito universal a liberdade exige um
fundamento moral. A garantia de direitos universais é, portanto, um princípio moral.
3) Através da análise da posição de Tugendhat apontei para a garantia de
direitos universais como o núcleo da moral do respeito igual e universal. O respeito a um
ser humano é o seu reconhecimento como sujeito de direito. A garantia de direitos
básicos é, com isso, uma condição mínima do respeito a cada um. Ela é a garantia da
satisfação das necessidades básicas de todos os indivíduos.
4) A autonomia de um indivíduo é uma parte essencial do seu auto-respeito.
Neste sentido, ela é uma necessidade básica do indivíduo. O reconhecimento do direito à
liberdade é, assim, uma parte essencial do reconhecimento de cada um como sujeito de
direito. Um mínimo existencial é uma condição mínima para que um indivíduo possa
exercer sua liberdade. A garantia de direitos sociais básicos é, assim, urna garantia para a
liberdade de cada um. Tal garantia é, no entanto, também, a única possibilidade de
contemplar as necessidades básicas daqueles que não possuem autonomia. Os direitos
sociais básicos incluem tanto o direito a uma renda mínima, ou seja, bens materiais,
como também à oportunidade de conquistar estes bens, ou seja, direito a trabalho,
educação, cuidados médicos etc.
5) Com Tugendhat vimos que a aceitação de um conceito de moral é uma
decisão de cada indivíduo. Tal aceitação é uma parte da questão que concerne a como
queremos nos compreender. Um indivíduo elege para sua vida o que é importante para
uma identidade. A identificação com uma comunidade só pode desempenhar para o
indivíduo um papel fundamental, quando ele reconhece nos princípios dessa comunidade
o respeito a suas necessidades básicas. A satisfação das necessidades básicas de um
indivíduo é, portanto, uma condição mínima para que o mesmo venha a respeitar os
princípios e os integrantes de uma comunidade. O reconhecimento das necessidades
básicas de cada um é um princípio da comunidade moral. Ele é uma obrigação para cada
indivíduo que quer pertencer a uma comunidade moral e para qualquer Estado que erga
pretensões morais.
A sociedade moderna é uma sociedade de indivíduos. Se não dispusermos de
razões para considerar os indivíduos originalmente como desiguais, ou seja, se não
pudermos justificar que ―por natureza‖ alguns indivíduos ou grupos possuem um valor
distinto dos demais, não nos restará outra alternativa senão atribuir a todos igual valor
normativo, O resultado será, então, a garantia de direitos iguais e universais.
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