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Teoria dos direitos humanos

Prof. Adriano Moura, Profa. Ana Paula Sales

Descrição A teorização e a caracterização dos direitos humanos no tempo e no


espaço e suas consequências na sociedade globalizada e na realidade
contemporânea dos Estados.

Propósito Compreender as origens da proteção normativa dos direitos humanos é


essencial para a atuação profissional em relações sociais, econômicas
e jurídicas, reconhecendo as possibilidades e limitações culturais e
normativas em sua aplicação prática.

Objetivos

Módulo 1 Módulo 2

Teorias e Características dos


classificações dos direitos humanos
direitos humanos
Distinguir as características dos direitos
humanos de forma contextualizada.

Reconhecer as teorias e classificações dos


direitos humanos.

 Introdução
A presença dos direitos humanos nos mais diversos espaços sociais da
contemporaneidade não é uma novidade e muito menos uma estratégia
limitada aos juristas e seu campo acadêmico profissional.

Discursar, justificar, requerer ou tomar decisões importantes na gestão


pública e nas relações sociais de natureza privada de maneira embasada
tem sido uma prática recorrente desde a segunda metade do século XX,
ecoando importantes documentos internacionais de prescrição dos
direitos humanos, sem prejuízo de antecedentes mais restritos. Seja no
campo político, executivo, legislativo ou até mesmo do espaço da Justiça,
os direitos humanos têm lugar retórico de destaque nos debates e falas
organizadas.

Mas qual razão leva os direitos humanos a terem um alcance tão amplo na
sociedade contemporânea, ao mesmo tempo em que geram debates
muitas vezes tão polarizados que trazem a impressão de termos vitoriosos
e derrotados pautados no mesmo conteúdo?

Veremos que inconsistências terminológicas (interpretações genéricas ou


erradas dos termos dos direitos humanos), falta de comunicação com a
sociedade como um todo e uma seletividade (falsa noção de que direitos
humanos são apenas para alguns) em sua aplicação prática por parte do
poder público são alguns dos fatores responsáveis por isso.

Vamos, juntos, tratar das terminologias, teorias, dos modos de


classificação e das características que levam os direitos humanos a serem
tão presentes em nossas relações do cotidiano, ainda que não tenhamos
tal percepção.

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1 - Teorias e classificações dos direitos humanos


Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer as teorias e
classificações dos direitos humanos.

Expressões jurídicas e seu


contexto na realidade social
Uma das grandes preocupações dos estudiosos da aplicação do direito é
justamente a terminologia (estudo dos termos, das palavras e seu sentido)
utilizada ao longo do tempo nos mais diversos documentos jurídicos, tais como
leis, códigos, decretos, constituições, entre outros. Uma não rara
incompatibilidade entre discursos políticos e jurídicos, espécies normativas e o
direito que acaba sendo aplicado nem sempre é percebida pela sociedade civil e
pelos atores da operação do direito.

Comentário

O senso comum crê que os termos do direito são incompreensíveis e entendidos


quase como um código secreto. Ambos os lados precisam se esforçar, pois têm
muito a contribuir entre si.

Não estamos falando necessariamente da falta de conhecimento técnico das


pessoas não letradas nas ciências jurídicas, mas sim de muitas inconsistências
terminológicas criadas e/ou perpetuadas por fontes de reprodução de conteúdo
“não muito científicas”, por assim dizer (sem metodologia aplicada às teorias e
práticas da área do direito e suas relações com o restante do mundo).

Sim, o mundo jurídico tem seu próprio vocabulário escrito e falado, criado nem
sempre à imagem e semelhança da melhor técnica.

Pior do que não conhecer o vocabulário técnico, algo normal


em qualquer área, é não conhecê-lo e, por ouvir dizer, passar a
acreditar que ele significa algo que não tem sentido.
Não conhecer o vocabulário técnico também se agrava, em tese, com a realidade
espacial do momento mais globalizado do mundo, com possibilidades de trocas
intensas, principalmente nas comunicações, que incentiva ideias de maior
amplitude de aplicação de normas jurídicas; ou com traduções menos científicas
ainda, potencialmente universais, que acabam sofrendo resistência quando
aplicadas em determinado território, povo e em realidades cultural e
economicamente distintas.

E ainda mais se o desafio for tratar de direitos humanos, que são entendidos
como aplicáveis a todos os seres humanos. Vamos adentrar agora esse campo
para conhecermos as divergências terminológicas, teorias e classificações dos
direitos humanos que impactam as relações cotidianas, seja qual for a sua área
de atuação profissional ou interesse pessoal.

Em outras palavras, foi criado um conceito chamado pós-verdade, que pensa


nossa sociedade.

Segundo esse conceito, passamos a


crer menos no exercício racional.
Tendo em vista a fácil legitimidade de
qualquer troca de pensamento nas
redes de comunicação, passa a ser
desnecessária a reflexão científica.

Assim, se você acredita em algo e busca aquilo que reforça o seu olhar –
independentemente do grau de absurdo –, isso é suficiente para que a crença se
torne verdade. Veja um exemplo!

Verdade e exercício Pós-verdade e reforço



racional da crença
Direitos humanos ou direitos
fundamentais: qual o começo e
qual o nosso referencial?
Os direitos humanos normalmente aparecem no mundo ao largo da história em
momentos sequenciais de grandes tragédias humanas e ou humanitárias. O ser
humano, sim, ele mesmo que é tão protegido e regulado pelo direito protagoniza,
não raro, atos e fatos sociais que mancham a linha cronológica de sua própria
existência. Seja por valores e interesses materiais normalmente ligados ao
direito de propriedade ou exploração comercial, incluindo dominação de povos e
territórios, conceitos e ideologias de cunho filosófico ou religioso e até mesmo
biológicos, a história relata um número exaustivo de ações de humanos contra
humanos.

Não são casos de disputas ou rixas individuais por culpa ou dolo dos
protagonistas da cena em si, mas, sim, batalhas orquestradas e executadas com
propósitos coletivos, normalmente associados a liderança de um povo, estado
ou coletivo menor que intenta impor suas ideias a força para os demais; ou
castiga, quando percebe que não conseguiu seu objetivo primário.

Aqui estão algumas atrocidades lidadas na sociedade com naturalidade.


Acompanhe!

Largo
As transformações da história impactam o direito. Elas não ocorrem de forma
direta, mas como o direito é social, por consequência atingem em maior ou menor
grau as concepções jurídicas. Por isso, se diz “ao largo”.
Tirania do rei Leopoldo II da Bélgica, na África

Bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki

Holocausto judaico

Massacre de Armênios

Para evitar lágrimas, queremos apenas que você perceba que fala-se em direitos
humanos quando os sujeitos percebem o que suas ideias e verdades são
capazes de fazer com o outro. Negar ou justificar qualquer tipo de massacre faz
com que você esteja reproduzindo exatamente as ideias que nos levaram a tais
massacres. Pense nisso! Vamos continuar.

Comentário

Podemos conceber algumas ideias do Jusnaturalismo mais clássico que


assimilava direitos ou ideias de princípios da natureza e do cosmos como sendo
parte integrante também do ser humano. Com divergências e segmentações
diversas, os antigos filósofos foram pioneiros em agregar essas ideias de
direitos e características. Cícero foi um desses filósofos, um dos grandes nomes
de Roma. Segundo ele, o homem deve seguir a natureza, e então perceber como
funciona a característica individual de cada grupo. A ideia de mudança social,
por exemplo, é algo visto com estranheza. Quem nasce para ser filósofo será
filósofo, e ir contra sua natureza por qualquer interesse fará com que seu
percurso seja antinatural. O mesmo vale para a justiça.
Estamos aqui falando de um período que se estende de quatro a cinco séculos
antes de Cristo e que encontra um importante marco temporal de nossa
contagem histórica com a chegada do conceito de dignidade de cada uma das
pessoas, baseando-se no judaísmo e na filosofia cristã, sem prejuízo do que a
força religiosa da Igreja Católica iria proporcionar na Idade Média nos séculos
seguintes.

Igreja Católica
A religião judaico-cristã, filosoficamente falando, tende a propor instrumentos de
proteção da pessoa humana. Sim, o texto possui exceções e interpretações que
foram utilizadas de outra forma ao longo do tempo.

Se olharmos para o período do século X


até a chegada ao entorno contemporâneo,
perceberemos claramente a produção de
legislações que procuraram proteger
melhor os direitos inicialmente individuais
(e depois coletivos) dos seres humanos.

(MELLO, 2021)

Fato é que, partindo do Jusnaturalismo, na poeira dos séculos, a fé, a filosofia


cristã e o direito travariam intensos debates e batalhas para atuar em direitos
naturais, dignidade pessoal, liberdades individuais, propriedades e no contato e
atuação com a população indígena e com os negros como pessoas
escravizadas. Em outras palavras, ao longo do tempo tivemos uma oscilação
entre a defesa da dominação do outro, justificada de formas diversas, e a
obrigação moral de protegê-lo.

Já imaginou o conflito? Para não irmos muito além, podemos aqui apontar duas
atuações em especial veja!
Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobuçu, Benedito, Calixto, 1927.

Jesuítas e a atuação da Companhia de Jesus

A ordem Jesuíta tinha a missão de catequizar e cuidar dos índios, mas


foi acusada de exploração, escravidão e legitimação da escravidão.

Uma família brasileira do século XIX sendo servida por escravizados. O jantar. Passatempos
depois do jantar, Jean-Baptiste Debret, 1830.

Escravidão da população negra e a Lei do


Ventre Livre

O ordenamento jurídico no texto da lei fala em proteção da pessoa


humana, mas continua permitindo a escravização da população negra
como um todo.

Após a Segunda Guerra Mundial, foi


criada a Declaração Universal dos
direitos humanos em 1948, um marco
universal do tema que ilumina, desde
então, as reformas legislativas e a
busca de um norte referencial para o
comportamento humano social, ainda Eleanor Roosevelt segurando pôster da Declaração
Universal dos direitos humanos,1949.
que com diferenciados níveis de
aceitabilidade e aplicabilidade prática.

Caso queira, leia a declaração na íntegra e a use para acompanhar o material


daqui em diante.

Conheça alguns dos documentos mais importantes para a evolução desse


pensamento.

1888
Declarações de León

1215

Magna Carta Inglesa

1628

Petição de Direitos

1649

Habeas Corpus Act

1659

Toleration Act

1689

Bill of Rights

1776

Declaração de Independência
dos Estados Unidos da América
1787

Constituição dos Estados Unidos


da América

1789

Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão

1791

Declaração de Direitos

1864

Convenção de Genebra

1888

Lei Áurea do Brasil

1919

Convenção da Liga das Nações


1948

Declaração Universal dos


direitos humanos

1963

Carta Encíclica do Papa João


XXIII

Essa é só uma amostra da variedade geográfica e temporal das declarações que


podem ser encontradas ao longo da história defendendo interesses que passam
ao longo dos séculos e são encorpados ou associados a uma ideia maior dos
direitos humanos.

Muitos dos documentos mencionados, bem como diversos acontecimentos


contemporâneos a eles, ocorreram, principalmente, como resposta a tragédias
ou grandes violações históricas dos direitos das pessoas. Não podemos
esquecer que nem sempre “todos eram iguais perante a lei”, mesmo nos
territórios atuais de importantes países e lideranças mundiais.

Reside aí, talvez, a primeira e maior violação contra o ser humano, que afeta a
própria ideia de um standard (padrão ou modelo) mínimo refletido em alguns
países como o Brasil, no Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa
Humana (CRFB 88, art. 1º, III).

Não podemos esquecer que antigamente os costumes e tradições influenciavam


o comportamento humano e os limites da atuação dos poderes, em maior
medida do que o direito formal dos chamados Estados, uma realidade que nem
sempre foi a mesma que vemos hoje em dia.

Aliás, o tema dos costumes e tradições é muito bem-tratado na obra A Invenção


das Tradições (HOBSBAWN, 2012), quando o autor busca explicar o conceito de
tradição inventada e sua diferenciação dos costumes, sendo mais um indicativo
da dificuldade de termos, na prática, um rol hermético ou mais unificado de
direitos humanos universais.
CRFB 88, art. 1º, III
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:

I. a soberania;
II. a cidadania;
III. a dignidade da pessoa humana;
IV. os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V. o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Costumes  Tradição inventada

Nosso hábito de voltar muito no tempo para explicar uma sociedade é uma
invenção. Os processos que se aportam no passado são de interesse de um
grupo em afirmar que nós pertencemos a ele. Por isso, no Brasil vivemos com a
ideia de ter um passado tão europeu.

Nesse sentido, para além dos exemplos e documentos históricos citados e


apresentados acima, os direitos humanos no século XX, principalmente desde o
Pós-Guerra de 1945 até a chegada aos nosso dias, estão consolidados como
direitos que visam assegurar, no plano internacional e nos respectivos sistemas
jurídicos nacionais, as condições mínimas para a sobrevivência das pessoas.

Como exemplos, podemos citar o


direito ao nascimento com vida e
criação até a idade adulta, à
integridade física e moral, além de
temas como ir e vir, saúde, educação,
trabalho, direitos políticos, acesso à
justiça e outros temas relevantes para
uma vida digna.
Abrangem também as medidas de prevenção e reparação das violações
ocorridas. Vida digna não tem relação com “finanças”, mas, sim, com acesso e
com impedir que as pessoas não tenham condições de dignidade humana.

A memória da guerra e da violência do seu entorno é mais importante e trabalha


problemas mais próximos do que uma tradição histórica, que serve, de fato, para
legitimar e naturalizar violências.

A própria evolução da legislação e


justiça do trabalho no Brasil é um
exemplo claro de como um
documento jurídico interno protege
direitos humanos.

O maior expoente foi, sem dúvida, a


Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) pelo Decreto nº 5452 de 1º de
maio de 1943.

Ela reuniu esforços criando uma


legislação trabalhista antes espalhada
em legislações diversas, e as demais
Publicação das Consolidação das Leis do Trabalho
no Diário Oficial, 1943. legislações trabalhistas são
referenciadas e aparecem na mesma
CLT.

A CLT está disponível no site da Casa


Civil do Governo Federal.

Você percebeu que alcançamos o nosso conceito contemporâneo de direitos


humanos?

Os direitos humanos na contemporaneidade são direitos que visam assegurar os


direitos humanos no plano internacional e nos respectivos sistemas jurídicos
nacionais. Abrangem também as medidas de prevenção e reparação das
violações ocorridas.
Terminologia dos direitos
fundamentais
Quando discutimos a terminologia dos direitos fundamentais, a sensação é de
que estamos tratando de coisas muito parecidas até aqui, não é? Então por que
falarmos ora direitos humanos, ora direitos fundamentais?

E mais: o que os profissionais atualmente precisam conhecer sobre cada um


deles em suas respectivas áreas de atuação? Pois todos nós somos afetados
em nossas atividades pelas proteções jurídicas e sanções possíveis de
violações dos tais direitos humanos e dos direitos fundamentais.

Vejamos agora que nem sempre basta


um documento jurídico ter uma
expressão técnica para garantir ações
e resultados esperados.

A Constituição Imperial do Brasil, de


1824 ( encontrada na íntegra no site
da Casa Civil), continha no seu Título
8º, ao final do texto constitucional,
uma série de artigos destinados aos
direitos fundamentais entendidos
como essenciais à época, incluindo o
Recibo de venda da escrava nagô Francisca a Maria
Antônia Teixeira, 1848. direito à propriedade, utilizado
também para o tráfico e escravização
de pessoas de origem africana,
principalmente nas atividades
econômicas de então, como bem
sabemos.

Não será difícil você perceber o ponto de conexão entre as duas expressões.
Partindo, inclusive de um conceito mais jurídico, é possível ver no detalhe como
a conexão ocorre.
Os direitos fundamentais são conceituados
como direitos subjetivos, assentes no
direito objetivo, positivados no texto
constitucional, ou não, com aplicação nas
relações das pessoas com o Estado ou na
sociedade.

(MORAES, 2000)

Repare que, quando conceituamos os direitos fundamentais na


contemporaneidade, destacamos que os países os regulam nos sistemas
jurídicos nacionais, isto é, em suas Constituições, Códigos e Leis diversas. E
quando o fazem, buscam diferenciar ainda mais os direitos humanos (ou parte
deles) como direitos que estariam acima de outros direitos nacionalmente
protegidos. É uma maneira de dar maior destaque e normalmente aferir medidas
de proteção e sanção diferenciadas. É o caso do Brasil, inclusive, que traz na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 88), em seus arts.
5º a 17, o Título chamado Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Sanção
A parte da punição que cada ato deve conter. Como neste caso, são marcantes e
diferentes das demais bases da legislação.
Ulysses Guimarães segurando uma cópia da Constituição de 1988.

Ora, já começamos a entender um pouco melhor a terminologia de direitos


humanos e direitos fundamentais, uma vez que compreendemos que alguns
países elevam em suas constituições tais direitos (e outros de seu interesse) à
categoria de direitos fundamentais. Pense na palavra fundamental: ela
transforma a concepção de direitos humanos, uma proposição histórica, em
direitos fundamentais (que não podem ser abdicados).

Vamos então ratificar nossas conceituações sobre o tema, para facilitar ainda
mais a nossa compreensão, entenda!
Direitos humanos 

Visam assegurar, no plano internacional e nos respectivos sistemas


jurídicos nacionais, as condições mínimas para a sobrevivência das
pessoas, tais como o direito ao nascimento com vida e criação até a
idade adulta, à integridade física e moral, além de temas como ir e vir,
saúde, educação, trabalho, direitos políticos, acesso à justiça e outros
temas relevantes para uma vida digna. Abrangem também as medidas de
prevenção e reparação das violações ocorridas.

Direitos fundamentais 

Estão assegurados na ordem jurídica interna de cada país e integram o


rol de temas entendidos como superiores em categoria aos demais
direitos que regula. Se tal país é signatário de documentos jurídicos
internacionais que declaram direitos humanos, terá, em seu rol de direitos
fundamentais, os mesmos direitos, além, eventualmente, de outros mais
explicitados e que reflitam realidades nacionais, nem sempre
dimensionadas no macro. Os direitos fundamentais podem refletir
realidades de bens e interesses materiais e imateriais.

Com tais conceituações, é possível chegarmos à conclusão de que países como


o Brasil, por exemplo, têm uma dupla proteção jurídica no tocante aos direitos
humanos e que tais expressões não são excludentes, mas sim fortalecedoras de
que os sistemas jurídicos internacional e nacional estão afinados, cada qual ao
seu modo. Competências, decisões e força coerciva: esses países irão tomar
todas as providências para proteger os direitos de uma vida digna para as
pessoas.

E mais: na esfera internacional, os atores jurídicos são os países e estados


membros (no caso dos blocos) e há, portanto, um predomínio da linguagem de
direitos humanos mais ampla, com expressões macro indefinidas no
detalhamento de como deveriam ser integralmente respeitados os direitos nos
espaços políticos e jurídicos dos países.
Países
As forças internacionais impõem os direitos humanos? Não. no entanto, podem
restringir a participação nas relações internacionais. Um exemplo é o pleito dos
turcos e da Sérvia à União Europeia, que foi durante muito tempo negado por
entender que os países não observavam a questão dos direitos humanos.

É justamente aí que temos um grande


problema de execução, pois há
situações em que os países não
conseguem pôr em prática os direitos
humanos consagrados
internacionalmente, considerando
fatores locais, inclusive de natureza
cultural, ligados a tradições e
Entrada do Museu do Apartheid em Joanesburgo.
costumes diversos.

Casos históricos do Apartheid na


África do Sul e a mutilação de partes
do órgão sexual feminino da Nigéria
são alguns exemplos de tradição de
culturas que são consideradas, por
princípios, contra os direitos humanos.

Já na esfera dos sistemas jurídicos internos dos países, o acesso primário à


justiça é das pessoas naturais e jurídicas, normalmente visando esgotar o tema
com as normas jurídicas mais próximas, entre particulares e particulares ou
mesmo contra o poder público. Nesse espaço, para os países que fazem a
diferenciação de direitos fundamentais, busca-se primeiro a proteção a essas
normas, evoluindo-se, conforme o caso, instâncias e violações ao espaço de
tutela e atuação de organismos internacionais.

Público
A forma de acesso à lei e sua aplicação são internas e seguem as normas de cada
país.
Exemplo
É o caso da Comissão Interamericana de direitos humanos, criada para observar
casos de violação. Os procedimentos começam com uma denúncia e podem
culminar com sanções econômicas aos países signatários (OEA, 2021).

No caso do Brasil, há um ingrediente a mais logo como princípio fundamental de


nossa CRFB 88, que é a dignidade da pessoa humana. Essa é mais uma
demonstração do Brasil como país.

Na Assembleia Constituinte de 1987, o país valorizou a vida humana, assim


entendida como o direito ao nascimento, à alimentação, à moradia, ao meio
ambiente saudável, à criação dos pais em uma família, ao acesso à educação,
ao trabalho, à segurança pública; e o direito de ir e vir, de competir e crescer em
igualdade de condições pela propriedade privada, entre outros.

Tudo isso deve ser assegurado às pessoas durante todo o seu tempo de vida.
Aliás, no caso dos bebês, até antes, pois nosso Código Civil põe a salvo os
direitos do nascituro.

Assembleia Constituinte de 1987


A Constituição gerada por essa assembleia em 1988 foi chamada, por essas
características, de Constituição Cidadã, e tinha como prioridade romper com o
passado ditatorial.

Nascituro
Passa a ser considerado protegido e com direitos mesmo durante a gestação.

É possível afirmar que, em termos de documentos jurídicos, o


Brasil é um país extremamente protetivo dos direitos
humanos, do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e,
claro, dos direitos fundamentais, não só na CRFB 88, mas
também em sua legislação infraconstitucional.
É também comum que os entes federativos do Brasil, isto é, a União, o Distrito
Federal, os estados, territórios e municípios tenham em suas estruturas órgãos
de tutela dos direitos humanos, como ministérios ou secretarias. Veja alguns
exemplos!

Município União Estado


Ministério Ministério da Secretaria de
Secretaria Mulher, da Família Justiça, direitos
Municipal de e dos direitos humanos e
Assistência Social humanos. Desenvolvimento
e direitos Social.
humanos.

A imagem a seguir reflete certa confusão conceitual não só entre direitos


humanos e direitos fundamentais, mas com o sistema jurídico como um todo,
pois, se o direito está pautado para as relações das pessoas entre si e com o
Estado, todas as áreas deveriam entender que os aspectos inerentes aos direitos
humanos necessitariam estar presentes.

Exemplo de relação entre os elementos.


A existência de órgãos e estruturas públicas quase que exclusivamente
dedicadas a proteger e tutelar essa categoria de direitos demonstra o quão longe
estamos do equilíbrio e da naturalização de sua aplicação nas relações da vida.

Agora que conseguimos decifrar essas questões terminológicas e seus


significados, vamos voltar aos direitos humanos, sua classificação e teorias, de
modo a compreendermos como, de fato, podemos atuar preventiva e
reativamente para a proteção de tais direitos. Isso sem esquecer da percepção
do que devemos ou não praticar como profissionais de mercado, pois já vimos
que, quando lidamos com pessoas, também lidamos com um ou mais de seus
direitos humanos.

Naturalização
Fenômeno em que ocorre a compreensão coletiva de que algo é necessário e
socialmente natural.

Considerações sobre a
teorização e classificação dos
direitos humanos
Após tratarmos da terminologia e dos espaços dos direitos humanos e
fundamentais, vamos trabalhar com a teorização e classificação dos direitos
humanos, pois, dependendo do referencial de partida, a abrangência e aplicação
prática deles pode variar muito. É preciso entender que base teórica e critério de
classificação vamos seguir para o escopo de nossos objetivos.

Partindo de um método mais tradicional, é possível buscar uma linha de


raciocínio cronológico, tendo como referência maior a própria teorização e
conceituação do direito, partindo da ideia do Jusnaturalismo, que contempla
ideias e bens jurídicos em tese sempre presentes na proteção a ser consagrada
ao ser humano em sociedade.

Tratam-se de princípios atrelados à existência do próprio homem, não


necessariamente dependentes da ideia posterior de humanidade, convívio
coletivo e pactos sociais diversos.

Teorização e classificação dos direitos humanos


Dentro de um campo científico, é necessário compreender seus conceitos (disputas
sobre seu olhar, conhecido como teorização) e classificações (pensar como são
utilizados e as características que permitem seu reconhecimento).

Comentário

Historicamente, nas sociedades patriarcais como a nossa, adotamos “homem”


para designar humanidade ou o total das pessoas. Teremos que reproduzir
alguns desses usos, mas se aproximando da contemporaneidade eles ganham
formas mais igualitárias de tratamento.
Sem prejuízo dos diversos momentos e correntes do Jusnaturalismo,
obviamente ele tem uma sustentação muito favorável à defesa de direitos
humanos, considerando sua própria ideia formadora como algo inerente à
existência do homem. Se existe o homem, sua vida em existência
(principalmente coletiva) depende de standards mínimos para a sua
manutenção, ao menos em teorização primária.

Seguindo, em dualidade à ordem jurídica do direito natural, encontramos já bem-


sedimentada e aceita na doutrina a ordem jurídica do direito positivo, que,
apesar de ser apresentada como uma sucessora mais segura – menos
suscetível a vontades e divindades potencialmente variadas para a
essencialidade de proteção do ser humano originado do divino –, fica à mercê do
caráter temporal de sua criação normativa e vigência.

O apontamento inicial serve para inserirmos os direitos humanos como


conteúdo capaz de estar em espaços e fontes do direito natural e do direito
positivo, bastando, para isso, que os alicerces de cada movimento de teorização
do direito os reconheçam como tal.

Pela ótica do pensamento jusnaturalista e ético, a matriz orientadora da


fundamentação dos direitos humanos prevalecentes tem um caráter mais
Jusnaturalista ou de Positivismo Jurídico, vamos comparar!

Dualidade
Apresenta-se nas normas positivas (o que as pessoas fazem e está dando certo)
em vigor, que devem ser consideradas boas, válidas e legítimas (justas). Essa
dualidade faz com que a doutrina do direito natural provoque um tensionamento
constante na relação entre direito e justiça.
Jusnaturalista Positivismo Jurídico

Matriz orientadora da Ideias fundamentadas em


fundamentação dos direitos uma perspectiva mais
humanos prevalecentes. subjetiva, embora sejam
Tem um caráter mais formalmente garantidas
objetivista, pautado nas pelo sistema, estão
ideias essenciais e ancoradas nas realidades
universais, imutáveis ao  temporais, espaciais e
tempo, espaço e respectiva culturais, sem
história. Essa necessariamente refletir
fundamentação tem maior algum padrão relacionado à
relevância na base mais por suposta essência divina da
sua razão de ser do que por criação humana ou algo
seus efeitos. semelhante.

Sendo assim, se em tal tempo e lugar a proteção jurídica ao corpo humano


(material e imaterial) for algo extremamente valorizado, ela poderá, sim, figurar
como parte integrante do rol dos direitos humanos da referida época e
legislação. Tal proteção poderia, em um século seguinte, por exemplo, ser
completamente rechaçada pelo ordenamento jurídico de um país, bloco ou
mesmo por grandes organizações internacionais. Pensemos no caso de uma
família que se dissolve, veja!
Caso 1 

Um filho homem pode ter direito às posses do pai, e o compromisso de


passar a manter toda a família poderia ser um direito.

Caso 2 

Em uma sociedade como a nossa, em que o direito das mulheres é visto


de outra forma e a liberdade ganha um caráter de escolhas, o direito na
relação seria aplicado em outro sentido.

Dentro de tal realidade, a matriz de natureza mais subjetivista lista a dificuldade


de sustentar a existência universal dos direitos humanos, considerando as
próprias limitações globais entre povos e países. Parte do conteúdo de direitos
humanos que estamos estudando aqui é considerado ato atentatório à
dignidade da própria vida em alguns países do Oriente cuja formação e
existência político-religiosa tem base no Islã, por exemplo.
Não confunda! No caso Malala, a
negação do direito aos estudos era
contestável, inclusive internamente.
Ela pleiteia esse direito e recebe uma
violência marcante como forma de
manter uma tradição que não dialoga
com os direitos locais. Os costumes
poderiam aceitar a negação de seu
direito de estudar, mas um conjunto
Malala Yousafzai, ativista paquistanesa ganhadora vinculado à proteção e tutela dos
do Nobel da Paz em 2014. direitos humanos apontaria que seria
necessária uma revisão da primeira, e
uma completa inaceitação da
violência sofrida por ela em
consequência de pleitear tal direito.

Tal realidade sustenta a tese de que a matriz orientadora dos direitos humanos
tem natureza mais subjetivista, sendo que a maior prova disso é o que se coloca
em parâmetros e compromissos em documentos internacionais (declarações,
cartas, tratados ou convenções), e o mesmo vale para os sistemas jurídicos
internos dos países, como vimos há pouco.

E que fique claro que não temos aqui o propósito de convencer sobre qual
alinhamento matricial é o certo ou errado.

A ideia é apresentar as bases e, de certo modo, fazer você perceber que, no


modelo dos direitos humanos da atualidade, matrizes mais subjetivas acabam
por prevalecer nas democracias ocidentais, ainda que tenhamos um número
cada vez maior de direitos assegurados.

Tais matrizes vêm sustentando cada vez mais direitos humanos na sociedade
contemporânea e, certamente, também dentro do direito positivo, que se pratica
principalmente desde a consagração do movimento constitucionalista do século
XX e os importantes apontamentos feitos no período após a Segunda Guerra
Mundial.
Classificação dos direitos
humanos: critérios
diferenciados e Teoria do Status
A classificação de um instituto em qualquer área da ciência pressupõe a eleição
de um ou mais critérios que possam isolar quantitativa e qualitativamente partes
ou o todo de um elemento já conceituado. Estamos falando sobre os direitos
humanos que já tratamos nos itens anteriores. Sabemos já importantes
questões terminológicas a seu respeito, juntamente com os chamados direito
fundamentais, e conhecemos as matrizes orientadoras de sua origem e
sustentação ao longo dos séculos até os dias atuais. Agora, aprenderemos a
classificá-los e dividi-los para, na sequência, melhor entendê-los.

Antes de iniciarmos, vamos deixar claro que já contamos com alguns modelos e
critérios tradicionais de classificação. Podemos classificar os direitos humanos
a partir de 3 importantes critérios e planos de identificação.

  
Plano Plano de Plano
segundo a gerações ou internacional
Teoria do momentos e nacional
Status
(Georg
Jellinek)
A seguir, iremos apresentar cada plano de maneira aprofundada, vamos lá!

I - Plano segundo a Teoria do Status


(Georg Jellinek)
Os direitos humanos estariam vinculados e poderiam ser classificados de
acordo com a interatividade e proteção jurídica dos indivíduos com o Estado
(Poder Público). As 4 possibilidades jurídicas de se invocar direitos
fundamentais seriam os status apresentados a seguir, entenda!

Passivo 

Tendo o indivíduo como um sujeito em estado de submissão ao Poder


Público e que tem uma série de comportamentos exigidos.

Ativo-negativo 

Tendo o indivíduo o direito de resistir em face do Poder Público, pois


existem garantias do não agir estatal. É um critério negativo para o
Estado que não pode agir, sob pena de ferir os direitos do indivíduo.

Positivo-pretensão 

Tendo o indivíduo um papel de demandar do Estado uma série de


medidas em prol do respeito aos seus direitos. Refere-se à liberdade de
agir, muito associada à ideia de pretensão.

Ativo-acessibilidade 

Tendo o indivíduo uma série de possibilidades de integrar a estrutura do


Estado, do Poder. Na maioria das vezes, ocorre por atendimento a
contratações públicas diversas, ou mesmo pleitos de candidaturas e
processos de licitação vinculantes.
II – Plano de gerações ou momentos

Os direitos humanos são classificados de acordo com a linha temporal e o tipo


de direitos protegidos em cada momento de surgimento normativo. Por tal
critério de classificação, surgido no final dos anos 1970 e defendido por Karel
Vasakos, os direitos são divididos em 3 gerações que veremos melhor a seguir.

Karel Vasakos
Importante jurista tcheco-francês, com contribuições excepcionais a respeito dos
direitos humanos, especialmente no tocante aos modos de classificação e
categorização deles no tempo e no espaço.

Primeira Geração (Liberdades dos indivíduos)


Aqueles ligados ao exercício de
liberdades para cada indivíduo e
limitações ao agir do poder público
estatal. São os tradicionais direitos
civis e políticos, como liberdade,
isonomia e acesso à propriedade.

O Brasil sempre valorizou muito o direito de propriedade no âmbito de nosso


ordenamento jurídico. Durante o século XIX, a regulação do direito e acesso à
propriedade imobiliária, a aprovação das chamadas leis abolicionistas e, em
especial, a Lei do Ventre Livre (Lei nº 2040, de 1871) revelaram a preponderância
da propriedade versus a dignidade da pessoa humana, ao até permitir que os
filhos nascidos de pessoas escravizadas à época fossem libertos em dado
momento da vida, mas com uma espécie de indenização ao “Sr. Proprietário”.

Tal conceito e ideia viriam a ser equilibrados e elevados a conteúdo de Princípio


Fundamental da CRFB 88, mais de 100 anos depois. (art. 1º, III da CRFB 88).

Segunda Geração (Igualdade social)


Aqueles direcionados a possibilitar, de
fato e de direito, um sentimento de
igualdade de condições de
competição. São os direitos ditos
sociais, como educação, trabalho,
assistência, saúde e moradia, entre
outros.

O direito fundamental de acesso a um trabalho seguro e saudável é ainda uma


importante pauta internacional e nos sistemas internos dos países. A
Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, desenvolve desde
1919 uma atividade crescente na tutela dos interesses das pessoas em
atividade laboral – ou seja, de todos nós!

Saiba mais

A OIT está disponível nas redes. Ela atua na lógica da proteção, mais uma vez
marcada pelo tempo com a mudança nas formas de trabalho e a necessidade de
regulação da superioridade do empregador diante do quadro desfavorável do
trabalhador.

Terceira Geração (Fraternidade)


Aqueles destinados ao maior
equilíbrio de vida social, tal como a
paz pelo bem-estar social, meio
ambiente saudável, solidariedade,
diversidade, respeito às
características étnicas, entre outros.

Certamente você já ouviu falar das preocupações mundiais a respeito do meio


ambiente em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Seja pelas violações
mais ordinárias, como falta de saneamento básico e destinação correta do lixo
urbano, rural, residencial ou da produção econômica, o direito ao meio ambiente
é um direito constitucionalmente protegido e de todos.
Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.

(Art. 225 da CRFB 88)

Ele é tido como coletivo, numa linguagem mais universal, e “difuso”, no Brasil.
Segundo as nossas leis, o direito ao meio ambiente pode e deve ser tutelado por
qualquer um do povo e, em especial, pela figura do Ministério Público por todos
os entes federativos em competência concorrente. Sendo assim, há campo de
fiscalização e legislação para todos.

Dessa forma, atualmente podemos afirmar que proteger nossa fauna e flora de
um modo geral são atitudes que tutelam os direitos fundamentais e despertam
discussões ferrenhas no campo social, econômico, político e até jurídico, na
esfera nacional e internacional. Em compensação, há poucas décadas o ideal de
progresso defendia ocupação, distribuição de terras e abertura de estradas
como forma de proteção e de levar o melhor do mundo a todos.

III – Plano internacional e nacional

Os direitos humanos podem estar mais ou menos protegidos no plano


internacional e no plano dos direitos nacionais dos países. Trata-se de um
critério que busca identificar, reconhecer e separar, quando for o caso, tutelas
diferenciadas de diversos níveis de direitos humanos, no sistema de proteção
internacional e nacional desses direitos.
Atenção!

Os critérios ou planos de classificação não são necessariamente excludentes


entre si, e visam apenas a uma abordagem temática diferenciada, de acordo
com maior ou menor interesse, por um ou outro critério e seus resultados em
determinado momento de uma região, país ou bloco de países.

Países
As nações ou países não são os únicos atores envolvidos. Setores públicos,
privados e terceiro setor devem ser pensados nesse conjunto, sendo “países” uma
maneira de se referir a todos.

Mais do que decorar teorias e critérios de classificação dos direitos humanos, é


importante saber reconhecê-los nas atividades profissionais do cotidiano e em
todas as áreas do conhecimento. No plano internacional, tratados e convenções
de direitos humanos têm exigido compromisso do Poder Público e de empresas
privadas no cumprimento de metas e políticas públicas de medidas sanatórias
das desigualdades sociais oriundas da falta de acesso a um ou outro direito,
considerando-o como inerente e necessário à condição humana.

Direitos humanos X Direitos


 fundamentais no Brasil
Neste vídeo, apresentaremos as diferenças e características entre direitos
humanos e direitos fundamentais no Brasil.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Considerando a necessidade de medidas públicas de enfrentamento da crise


mundial de saúde desencadeada pela pandemia da covid-19, o Brasil, assim
como outros países, adotou medidas restritivas de direitos, entre elas, as
previstas no art. 3º da Lei 13.979/2020, que prevê, entre outros pontos, que
autoridades públicas no âmbito de suas competências podem determinar
medidas de isolamento e quarentena com restrição do direito de ir e vir,
vacinação, uso obrigatório de máscaras de proteção individual, entre outros.

Partindo da ideia conceitual dos direitos humanos, bem como da questão


terminológica envolvendo os chamados direitos fundamentais, marque a
opção correta:
Direitos fundamentais não são direitos humanos e podem ser
A limitados pela Lei 13.979/2020, mesmo em caso de pandemia
de covid-19.

Direitos humanos não são direitos fundamentais e podem ser


limitados, desde que no âmbito internacional, mas nunca
B
pelas leis internas de um país, mesmo em caso de pandemia
de covid-19.

Direitos humanos e direitos fundamentais são expressões


totalmente equivalentes e são assim utilizadas por questões
C
de linguística típicas de traduções de importantes
documentos jurídicos do inglês para o português.

Direitos humanos e direitos fundamentais permitem


restrições normativas e pontuais que visam proteger as
D condições de dignidade da pessoa humana, sobretudo em
meio a uma situação pandêmica, como ocorre no caso do
Brasil.

Direitos humanos são um dispositivo jurídico para conter os


excessos do Estado e são baseados na ideia de direitos
E
fundamentais (que o Estado deve prover minimamente a
todos os seus cidadãos).

Parabéns! A alternativa D está correta.

Os direitos humanos no plano internacional e sua incorporação no sistema


jurídico brasileiro não são violados por restrições normativas feitas em prol
da saúde, da vida e da coletividade. Ao contrário, o eventual e fundamentado
sacrifício de direitos individuais pode salvar milhares de vidas e milhões de
reais de gastos públicos. No caso do Brasil, os direitos fundamentais
ratificam e incorporam as ideias dos direitos humanos pactuados no cenário
internacional (art. 1º, inciso III e art. 5º, parágrafos 1º e 2º da CRFB 88).

Questão 2

“O conceito de ‘civilização’ refere-se a uma grande variedade de fatos: ao nível


da tecnologia, ao tipo de maneiras ao desenvolvimento dos conhecimentos
científicos, a ideias religiosas e aos costumes. Pode se referir aos tipos de
habitação ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos, à forma de
punição determinada pelo sistema judiciário ou ao modo como são
preparados os alimentos. Rigorosamente falando, nada há que não possa ser
feito de forma ‘civilizada’ ou ‘incivilizada’. Daí, é difícil sumariar em algumas
palavras tudo o que se pode descrever como civilização”. (ELIAS, 1994).

O texto acima trata sobre o conceito de civilização que é abordado pelo autor
em sua obra, demonstrando claramente que tal conceito é variável no tempo
e no espaço. A respeito do trecho, assim como da classificação e teorização
dos direitos humanos, é correto afirmar que
apesar de haver um decurso temporal considerável desde a
A Antiguidade Clássica, os direitos humanos não sofreram
grandes alterações em sua classificação.

o processo civilizatório da sociedade não afeta a


classificação e teorização dos direitos humanos, pois desde
B
sempre eles foram considerados direito natural, embora nem
sempre fossem respeitados.

o processo civilizatório da sociedade e seus costumes no


tempo e no espaço afetam diretamente a classificação e
teorização dos direitos humanos, e ainda trazem dificuldades
C
acerca da ideia de direitos humanos realmente universais,
assim entendidos, reconhecidos e aplicados em todos os
países do mundo.

o processo de concentração de capital nas indústrias bélicas


D
busca a manutenção da paz.

a civilidade ocidental histórica remete ao Império Romano e


depois passa por processos contínuos de superação e
E evolução, até alcançar o capitalismo, em que o homem obtém
equilíbrio e maturidade, entendendo que existem direitos
universais.

Parabéns! A alternativa C está correta.

A primeira fase do capitalismo financeiro se deu por meio da independência


dos setores empresariais dos interesses dos Estados Nacionais. Com o
comércio internacional se tornando uma peça fundamental na balança de
poder, cada vez mais os grandes investidores (haute finance) tiveram poder
sobre as decisões dos Estados.
2 - Características dos direitos humanos
Ao final deste módulo, você será capaz de distinguir as características dos
direitos humanos de forma contextualizada.

Reflexões sobre os direitos


humanos
Os direitos humanos ocupam um lugar de destaque no cenário internacional e
nos sistemas jurídicos de países e blocos de países ao redor do mundo, com
especial destaque para os que se enquadram como Estados Democráticos de
Direito, que adotam regimes políticos baseados na democracia (representação
direta do povo), ainda que de maneiras diferentes, na escolha dos membros dos
poderes, em especial legislativo e lideranças dos poderes executivos.
Mas como reconhecer as
características gerais dos direitos
humanos?

Como atentar para as especificidades


de sua aplicação na diversificada
realidade de cada país do mundo
global?

Regimes ditatoriais, regimes de


exceção e outras formas de Soldados chilenos queimando livros durante a
ditadura militar chilena de Pinochet, 1973.
aristocracia adotam em via de regra o
corpo legislativo de interesse do
grupo, não da população. Logo, para
eles, direitos humanos são
desnecessários ou não existem.

Podemos considerar uma única idealização, uma única visão dimensional


teórica e prática dos direitos humanos? Vamos lá descobrir as respostas a estes
questionamentos.

O que faz um direito ser um


 direito humano?
Confira neste vídeo algumas reflexões sobre a completa definição e amplitude
dos direitos humanos.
Caracterização dos direitos
humanos
Apesar de contarmos com importantes documentos históricos no âmbito
internacional com indicativos importantes a respeito do conteúdo jurídico dos
direitos humanos, sabemos que, na prática, a doutrina e os tribunais vêm
aplicando muito mais peso às características do que a nominata de direitos
propriamente dita. Tal situação ocorre também pelo fato de cada vez mais
direitos humanos estarem espalhados em legislações infraconstitucionais dos
variados ramos do direito.

Nominata
Nominata, ou seja, nomes atribuídos. Quer dizer que a literatura internacional e a
maturidade dos direitos humanos impactam mais na sua aplicação do que aquilo
que é referenciado na lei como direito humano.

Infraconstitucionais
Embora os direitos humanos estejam previstos como fundamentais, a sua aplicação
e leitura estão dipostas em leis dispersas abaixo da Constituição, como Estatuto do
Idoso, ECA, entre outras.

Se o corpo legislativo não é um código


específico encontrado em um vade
mecum (um manual específico de
leis), como podemos fazer para
reconhecê-lo difuso nas leis de um
país, ou mais especificamente nas leis
Congresso Nacional do Brasil, Brasília. brasileiras?

Vamos conhecer algumas


características do corpo legislativo e,
em seguida, acompanhar comentários,
conexões e exemplificações de
interesse.
Universalidade

O alcance dos direitos humanos não é excludente de qualquer ser humano por
qualquer razão ligada à pessoa humana. Outros fatores locais e normativos
podem fazê-los não chegar até o indivíduo, mas sendo possível chegar, toda
pessoa humana é agraciada.

É talvez uma característica mais desejada do que efetivamente alcançada,


considerando a diversidade cultural dos países no mundo. Para além da
tradicional divisão entre Oriente e Ocidente, dentro dos próprios continentes do
chamado mundo ocidental são encontradas inclusões e exclusões.

Temas como alimentação, caça aos animais, trabalhos forçados em sistemas


prisionais, pena de morte, legislação do trabalho, seguridade social e educação
são tratados de forma bem diferenciada. Veja alguns exemplos!

O direito e a prática da caça no Brasil e A diferença entre a cultura de vida nos


nos Estados Unidos da América centros urbanos e no meio rural

Observe quanta variação podemos ter. Entendeu a dificuldade da universalidade?


Soma-se a isso o maior número de relações sociais virtuais e presenciais entre
pessoas e culturas diferentes em razão das atuais tecnologias de comunicação,
bem como por consequência das facilidades para se viajar.

Essencialidade
Corolário da característica anterior, a essencialidade confirma a universalidade e
vice-versa. Só é universal pois é essencial à existência e sobrevivência de todo
ser humano.

Seguindo o comentário e a característica anteriores, resta saber o conteúdo


essencial em cada país e sua interpretação jurídica interna de validar ou não o
referido conteúdo. Para tal exemplo, podemos apontar a maior ou menor
tolerância que os governos têm na execução de políticas públicas em torno da
população carcerária e suas famílias.

O Massacre do Carandiru, 1992

Certamente você já ouviu a expressão direitos humanos relacionada a temas de


tratamento das pessoas apenadas preventivamente ou em caráter reativo (e
possivelmente também já ouviu muitas críticas a esse respeito), mas o fato é
que a essencialidade é discutível, por mais difícil que possa parecer para cada
um de nós, a respeito da visão dos gestores públicos nacionais e internacionais.

É também um tema de conflitos constantes entre autoridades de um país e


organizações internacionais que realizam estudos e outras atividades
relacionadas aos direitos humanos e direitos fundamentais das populações
carcerárias. Vamos conhecer o debate sobre o direito ao uso de armas, ouça!
Imprescritibilidade

A regra geral da segurança formal do direito no tempo não atinge os direitos


humanos. O bem jurídico tutelado supera o decurso temporal formal.
Obviamente, deve ser o titular do direito violado ou ameaçado diligente em sua
ação do Poder Judiciário, mas não há que se falar em prescrição.

É uma característica de maior


segurança jurídica, que pretende evitar
que casos de violações de direitos
fundamentais fiquem impunes. Como
exemplo, temos as notícias sobre
abusos da integridade física e moral
de pessoas, rotulados de assédios, ou
abusos majoritariamente com apelo
sexual.

A área do entretenimento e o campo das instituições religiosas vivem dramas


constantes com situações do gênero. A Lei Maria da Penha seria um direito
humano? Segundo o texto da lei, sim, mas segundo a decisão do STF (Supremo
Tribunal Federal) sobre ela, não.

Ouça e saiba mais sobre a Lei Maria da Penha.

Inalienabilidade

Ao contrário de outros direitos disponíveis, no caso dos direitos humanos a


inalienabilidade visa blindar direitos oriundos da própria condição do ser
humano, evitando assim que abusos ou negócios provenientes da exploração de
mercado e suas leis próprias afetem em especial os direitos das pessoas menos
favorecidas socialmente.
Antes Depois

Foto do Rana Plaza, um O prédio continuou


prédio de oito pisos que ocupado, até que em 2013
abrigava fábricas de ocorreu o colapso, deixando
vestuário prestadoras de cerca de mil trabalhadores
serviço para grandes
 mortos. A tragédia inflamou
marcas e um centro debates sobre direitos
comercial em Savar, humanos e a importância
Bangladesh, em 2012. O de uma cadeia de produção
imóvel apresentava mais sustentável para a
rachaduras e corria risco de moda.
desabamento.

A pressão do capital e de outros possíveis direitos e interesses são históricos na


vida humana, em especial nos espaços de maior liberalismo, fruto da
contemporaneidade. Ocorre que, com o aumento formal de direitos
fundamentais, foi necessário taxar de inalienável o rol de direitos que cada país
traz como integrante de sua categoria diferenciada.

Casos tradicionais colocados à prova diariamente, como os reiterados usos de


pessoas com crescimento físico diferenciado, modelos de pele negra e comércio
de órgãos são apenas alguns exemplos da necessidade de proteger a
mercantilização de direitos fundamentais, esbarrando sempre nos limites morais
das respectivas sociedades.

Vamos pensar agora sobre as crenças e os efeitos da intolerência religiosa,


acompanhe!
Irrenunciabilidade

Não se pode renunciar elemento ou parte integrante de seu todo, sob pena de
esvaziamento do todo. É uma incoerência lógica e jurídica. Visa, em última
análise, a evitar uma forma diversa da inalienabilidade negativa. Agora é a vez de
pensarmos o direito ao trabalho sob a perspectiva dos direitos humanos. Vamos
ouvir!

Trata-se de característica também presente em grande parte dos sistemas


jurídicos dos Estados Democráticos de Direito no mundo ocidental. Visa evitar
uma forma diferenciada de mercantilização às avessas e, na maioria das vezes,
com base no próprio ordenamento legal. Está normalmente associada ao direito
material e ao acesso à justiça pelas pessoas naturais.

Inviolabilidade

Os ordenamentos jurídicos dos países não podem violar os direitos humanos,


mitigando seus valores de forma indireta em normas que possam burlar as
proteções legais. Tais direitos são invioláveis.

Uma meta a ser atingida: essa é maneira mais honesta e transparente de


comentar e exemplificar a característica acima, pois, infelizmente, os direitos
fundamentais são diariamente violados pelas pessoas e pelo poder público. Um
dos exemplos mais marcantes na atualidade é o direito fundamental à saúde.
Refugiados esperam assistência de voluntários em um campo de refugiados na fronteira entre Grécia e
Macedônia, 2016.

Não é preciso se esforçar muito para constatar uma violação direta ou indireta. O
fato é que, apesar de haver trocas de responsabilidade entre os juridicamente
responsáveis, percebemos violações constantes há algum tempo. Isso necessita
ser revisto, sob risco de termos um sistema eternamente tolerante às violações
legais e constitucionais do tema.

Refletir a hipótese da venda de órgãos sob a perspectiva dos direitos humanos


também é importante, vamos ouvir!

Historicidade
São construções históricas, derivadas de marcos importantes e normalmente
associados a eventos com grandes perdas humanas e violações de outros
direitos correlatos. A característica geral da historicidade ratifica a percepção a
respeito das origens e possível caracterização de novos direitos na linha do
tempo e do espaço.

A historicidade é um elemento que dificulta a implementação da universalidade


dos direitos fundamentais, pois costumes, tradições e outros movimentos fazem
parte da vida e não de regras imutáveis. Além disso, não são fruto de uma
evolução linear melhor ou pior, mas sim resultados da realidade social.

A historicidade vai, portanto, variar


bastante nos continentes e realidades
de cada país, além de gerar conflitos
jurídicos supranacionais,
principalmente no mundo atual. É
preciso ficarmos atentos para não
Mulher com a bandeira palestina em frente aos sermos complacentes e intolerantes
soldados das Forças de Defesa de Israel durante
com as diferenças, ainda que, na
manifestações, 2010.
esfera internacional, elas estejam sob
o mantra dos direitos fundamentais e
humanos.

Mas está no meu livro, na minha liberdade de culto, este povo sempre teve direito
a esta terra: ouça um debate sobre Israel e Palestina.

Interdependência
Os direitos fundamentais estão interligados, conectados entre si nos
importantes documentos jurídicos internacionais e na legislação interna de cada
país.

A interdependência dos direitos fundamentais é uma importante característica


(mais prática do que teórica) e, por isso, falaremos dela. É pela via da
interdependência que validamos nossos sistemas jurídicos, principalmente em
países como o Brasil, com diferentes espaços de competência legislativa,
judiciária e executiva. Tal característica é essencial para uma pretensa
harmonização em busca de maiores níveis de eficiência da tutela dos direitos
fundamentais.

Um assunto relacionado ao direito fundamental é o acesso à justiça dos


consumidores, categoria da qual dificilmente escapamos e que cada vez mais se
envolve em situações jurídicas de prestação de serviços, compra e venda,
restrição de crédito e outras violações, inclusive de seus dados. Os
consumidores têm atualmente, à sua disposição, espaços diferenciados de
consensualidade no âmbito federal, estadual e municipal. Vejamos o exemplo
das opções de um consumidor residente no Rio de Janeiro.

Âmbito federal Âmbito Âmbito


estadual municipal
Agora que você distinguiu as características gerais e específicas dos direitos
humanos, está apto a seguir para a contextualização de tais direitos na visão
dimensional, na teoria e na prática. Vamos lá!

Visão dimensional dos direitos


humanos
O estudo dos direitos humanos, sua terminologia, teorias, características e
classificação ao longo dos séculos é base para a compreensão de como tais
direitos são operados dos sistemas jurídicos atuais dos países e também nas
possibilidades e limitações no campo de um direito supranacional que possa ser
aplicado em relações jurídicas estatais e situações complexas envolvendo
pessoas naturais, grandes corporações de atuação transnacional e outros fatos
que podem afetar a vida das pessoas em partes diferentes do globo.

Dentro da lógica desenvolvida e sedimentada, nos documentos históricos que


tratam dos direitos humanos e, no caso do Brasil e de alguns países europeus,
na tradição dos direitos fundamentais, tais direitos fundamentais são entendidos
como aqueles assegurados na ordem jurídica interna de cada um dos países.

Eles integram o rol de temas que um


país entende como mais importante
em categoria aos demais direitos que
regula.

Se tal país é signatário de documentos


jurídicos internacionais que declaram
direitos humanos, é comum ter, em
seu rol de direitos fundamentais, os
mesmos direitos, além de,
eventualmente, outros direitos mais
Ativistas em favor do voto feminino no Reino Unido,
explicitados e que refletem realidades
direito ainda tratado de acordo com regras
nacionais em muitos países, 1908. nacionais, nem sempre
dimensionadas no macro.

É possível reconhecer uma divisão ou


classificação em gerações, etapas ou,
como tem sido feito ultimamente, em
dimensões diferenciadas no tempo e
conteúdo.
Assim, ao falarmos de como os direitos humanos são atualmente enquadrados
pelos Estados de Direito (para além dos importantes referenciais históricos, já
reconhecidos baluartes de iluminação global), é no campo dos direitos
fundamentais que reconhecemos os efeitos da divisão geracional que pode
refletir direitos materiais e instrumentais de acesso à justiça e outros atos de
cidadania das pessoas em caráter individual ou coletivo.

Portanto, os direitos humanos são valorizados e enquadrados em dimensões ou


gerações, seguindo um encadeamento básico que vamos recapitular agora.
Direitos de 1ª Geração - Liberdade dos indivíduos 

São aqueles ligados ao exercício de liberdades para cada indivíduo e a


limitações do agir do poder público estatal. São os tradicionais direitos
civis e políticos: liberdade, isonomia e acesso à propriedade.

Direitos de 2ª Geração - Igualdade social 

São aqueles direcionados a possibilitar, de fato e de direito, um


sentimento de igualdade de condições de competição. São os direitos
ditos sociais, como educação, trabalho, assistência, saúde, moradia,
entre outros.

Direitos de 3ª Geração - Fraternidade 

São aqueles destinados ao maior equilíbrio de vida social, tais como paz,
bem-estar social, meio ambiente saudável, solidariedade, diversidade,
respeito às características étnicas, entre outros.

Direitos de 4ª Geração - Novos direitos 

Essa geração, que não é consensual, ligada aos direitos de acesso à


informação e comunicação digital em rede, ao regime mais democrático
possível, e novos direitos da bioética.
Seja como for, segundo Domenico de Masi, em sua ideia de paradigma, vivemos
atualmente as transformações mais intensas e rápidas desde o Renascimento,
Iluminismo, Revolução Industrial e outros importantes movimentos, em um
período que traduz os efeitos da ação e reação da sociedade civil, do mercado e
dos poderes estatais em uma espiral intensa e com giros dentro de uma mesma
geração.

Não são mudanças simplesmente de uma sociedade líquida. Para além da


liquidez, há a superação de teses, antíteses, tradições, costumes e outras
variáveis de mudança de comportamento. Reflita alguns questionamentos!

 Que Estado atenderá aos desejos e às necessidades da


geração presente, que vive consideravelmente mais que as
duas anteriores?

 Que educação será adequada?

 A educação será adequada apenas para a visão de mercado


ou sob outras premissas sociais mais amplas?
Não são questões enceradas, mas servem como fundamentação para defesa de
revisitação dos direitos humanos e respectivos direitos fundamentais de
maneira mais intensa. Este ponto evidencia uma das razões não para haver
unanimidade na ideia de dimensões sequenciais e sem fim, mas sim uma
revisitação e criação de novos direitos para novas realidades a serem
incorporados ao conjunto da obra.

Ocorre que essa visão geracional está muito ligada à noção predominante de
período/tempo e a um movimento mais positivista do direito, tendente a
regulações mais específicas, o que acaba gerando um “fatiamento” legislativo
dos direitos humanos e criando barreiras práticas para sua aplicação.

Refugiados venezuelanos buscando acesso a outros países da América Latina, fugindo da crise de
segurança e liberdade em seu país de origem, 2018.

Quando trabalhamos com a ideia dimensional, estamos pensando em direitos


humanos ou fundamentais que podem ser analisados sem separação ou
hierarquia nas seguintes dimensões, veja!
Se paração das dimensões em relação aos direitos humanos.

Não há, como na didática anterior geracional, a ideia de tanta fragmentação


integrar uma única realidade dinâmica. Veja, por exemplo, o Direito Fundamental
de Acesso à Justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV da CRFB 88, que traz sob o
prisma da igualdade a mensagem de que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Entenda melhor cada uma das 3
dimensões. Vamos lá!
Individual/Liberal

Na medida que tal acesso pode ser realizado por qualquer um do povo,
pessoa jurídica de direito privado ou público, interna ou estrangeira.

Social

Pode ter provocação e resposta de natureza coletiva, atingindo direitos


difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Fraterna

Mundialmente, a Justiça pode se dar cada vez mais por métodos


adequados e consensuais de solução ou gestão de conflitos, como
mediação, conciliação e justiça restaurativa, por exemplo. É o que
chamam de Cultura da Paz, Bem-Estar Social, entre outros.

Um importante direito que está ligado a várias dimensões não é limitado ou


hermético a um conceito, bem jurídico ou instituto específico; não está isolado
em período “A” ou “B” e pode ser referenciado pelos documentos históricos mais
antigos do século XIII, da Independência dos Estados Unidos e certamente da
Revolução Francesa no século XVIII; e até mesmo estudos e referenciais teóricos
mais modernos, como os trabalhos de Cappelletti e Garth do Projeto Florença e
seu extrato mais conhecido, a obra Acesso à Justiça (1998).

Atualmente, não se trabalha mais na prática com a clássica


divisão Geracional e Temporal. Estamos todos em uma
ambiência única, na mesma espiral. O que importa é garantir
o não retrocesso, assegurando que as pessoas possam
exercer seus direitos e que os Estados atuem como
defensores tanto de forma preventiva quanto reativa.
 Sem nenhum passo atrás!
Acompanhe no vídeo um bate-papo sobre os direitos humanos para o futuro e
quais são as preocupações necessárias para as novas gerações.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Considerando as características dos direitos humanos e sua relação com os


direitos fundamentais, marque a opção correta.
Os direitos humanos são todos imprescritíveis, enquanto os
A direitos fundamentais, não, pois são apenas leis internas dos
países.

Direitos humanos são imprescritíveis, assim como os direitos


fundamentais no Brasil. A ideia da imprescritibilidade está
B
relacionada à segurança jurídica para a suposta vítima exercer
seus direitos em busca da Justiça.

A historicidade está ligada aos direitos fundamentais, mas


C não aos direitos humanos, pois eles estão na esfera da
história mundial, e não local.

A interdependência está associada apenas aos direitos que


D
não são relacionados aos direitos humanos.

Os direitos humanos devem ser pensados no contexto social


de cada região, não podendo se sobrepor à cultura local.
E
Quando signatários plenamente, aí sim podem ser cobrados
pelos tribunais internacionais para seguirem o princípio.

Parabéns! A alternativa B está correta.

Imprescritibilidade: nem todos os direitos fundamentais são imprescritíveis,


mas a regra geral da segurança formal do direito no tempo não atinge os
direitos humanos. O bem jurídico tutelado supera o decurso temporal formal.
Obviamente, deve ser o titular do direito violado ou ameaçado diligente em
sua ação do Poder Judiciário, mas não há que se falar em prescrição.

Questão 2
De acordo com o sociólogo Domenico de Masi, vivemos um novo
“paradigma”, girando em torno de uma sociedade desorientada no tempo e no
espaço, diante da velocidade de incrementos tecnológicos iniciados por uma
revolução pós-industrial, com ênfase nos costumes e práticas sociais desde
o final do século passado até os nossos dias.

Segundo o estudioso, estaríamos avaliando e regulando novos tempos e ares


com velhos direitos e paradigmas, sendo assim impossível normatizar, com
precisão e segurança, codificações, constituições e outras formas de controle
social.

Considerando as características estudadas dos direitos humanos, marque a


opção correta.

A percepção de Domenico de Masi não se coaduna com


A
nenhuma das características dos direitos humanos.

A percepção de Domenico de Masi se coaduna à


B característica da imprescritibilidade dos direitos humanos,
pois ratifica a valorização de velhos direitos no tempo.

O processo civilizatório da sociedade e seus costumes no


tempo e no espaço estão passando por uma intensa onda de
C desorientação em que vários direitos humanos estão sendo
redimensionados, reforçando a característica da
historicidade.

O processo de concentração de capital nas indústrias bélicas


D
busca a manutenção da paz.

A leitura do autor foca na inviolabilidade dos direitos


E humanos, sendo esse um valor universal e, por isso,
indiscutível para todos os homens.
Parabéns! A alternativa C está correta.

A sociedade desorientada de Domenico de Masi está passando por um


redimensionamento de direitos, do papel do Estado e das pessoas. O
norteador desse processo deve ser a historicidade, compreendendo que os
elementos citados são construções históricas ligadas a marcos importantes
e/ou eventos com grandes perdas humanas e violações de outros direitos.

Considerações finais
Neste conteúdo, conhecemos as divergências terminológicas, teorias e
classificações que impactam as relações sociais e a compreensão da realidade
dos direitos humanos na atualidade. A base teórica é importante, considerando
que os sistemas jurídicos dos países não necessariamente utilizam a linguagem
universal dos documentos e compromissos internacionais, gerando assim uma
lacuna na racionalidade lógica para o direito e áreas afins.

Também distinguimos as características gerais e específicas dos direitos


humanos, contextualizadas com a visão dimensional e suas práticas clássica e
moderna, de modo a gerar percepções e reflexões múltiplas nas várias áreas
profissionais. O conhecimento das características e classificações, a
interlocução com o sistema constitucional dos direitos fundamentais no Brasil e
a sociedade em construção e reconstrução diante dos câmbios sociais são
apenas alguns dos ingredientes necessários à prática cotidiana dos direitos
humanos, que devem estar cada vez mais inseridos no conteúdo normativo das
normas jurídicas e comportamento das pessoas.

Em outras palavras, os direitos humanos devem estar pulverizados, contidos nos


mais diversos sistemas jurídicos, e ser tratados em caráter principiológico,
intrínseco a qualquer norma, devendo vir antes do direito, inclusive, quando
possível, mas não deixando de estar nele, sob qualquer pretexto.
 Podcast
Ouça e revisite alguns pontos importantes do debate sobre direitos humanos.

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Procure o vídeo Domenico de Masi “Paradigma”, disponível no YouTube.

Assista à entrevista do sociólogo Zygmunt Bauman concedida à Revista Cult,


disponível no Youtube.

Leia a Declaração Universal dos direitos humanos, disponível no site da ONU.

Pesquise o site da Comissão Interamericana de direitos humanos e obtenha


informações sobre como atuar na defesa de tais direitos em âmbito
internacional.

Leia as Sentenças da Corte Interamericana de direitos humanos relacionadas ao


Brasil, disponíveis no site do Governo Federal.
Brasil, disponíveis no site do Governo Federal.

Leia o artigo Vaticano sabia que ex-cardeal dos EUA era acusado de assédio
sexual, na página da Gazetaweb.

Leia o artigo Harvey Weinstein pega 23 anos de prisão em caso mais


emblemático do MeToo, disponível no site do jornal Folha de S.Paulo.

Leia o artigo direitos humanos: as Particularidades Africanas, de Marcolino


José Carlos Moco, da Universidade de Angola, disponível na página da
Associação Nacional de direitos humanos, Pesquisa e Pós-Graduação.

No site do Supremo Tribunal Federal, leia a Constituição da República Federativa


do Brasil de 1988 sob a ótica da instituição.

Conheça o site ShareAmerica e leia o artigo Estas vozes identificaram nossos


direitos humanos universais.

Referências

BBC BRASIL. Os sul-coreanos obrigados a trabalhar como escravos em minas


de carvão da Coreia do Norte. Consultado na internet em: 10 mai. 2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico,


1988.

CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio


Fabris, 1998.

ELIAS, N. O processo civilizatório Volume 1: Uma História dos Costumes. Rio de


Janeiro: Jorge Zarah, 1994.

GÓMEZ, F. J. G. La Mediación como Vía al Bienestar y la Felicidade. Cidade do


GÓMEZ, F. J. G. La Mediación como Vía al Bienestar y la Felicidade. Cidade do
México: Tirant lo Blanch, 2020.

HOBSBAWN, E.; RANGER, T. J. A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra,
2012.

MASI, D. Paradigma. Consultado na internet em: 10 mai. 2021.

MELLO, C. M. Da Construção Histórica aos Dias Atuais. Rio de Janeiro: Processo,


2021.

MORAES, G. P. direitos fundamentais: Conflitos e Soluções. São Paulo: Frater et


Labor, 2000.

Organização dos Estados Americanos (OEA). Comissão Interamericana de


direitos humanos. Consultado na internet em: maio 2021.

SÁENZ, K. La Bonda, la Compasión y el Desapego en la Solución de Conflitos.


Cidade do México: Tirant Lo Blach, 2020.

TAYLOR, A. et al. “Ela vai no meu barco”: casamento na infância e adolescência


no Brasil – resultados de pesquisa de método misto. Rio de Janeiro: Instituto
Promundo, 2015. Consultado na internet em: 10 ago. 2023.

TOLEDO, C. Casamento infantil, um drama que persiste na América Latina.


Portal G1, 2023. Consultado na internet em: 10 ago. 2023.

UNICEF. O que são direitos humanos? Portal UNICEF, 2015. Consultado na


internet em: 10 ago. 2023.

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DESCRIÇÃO

Os direitos dos grupos vulneráveis e a jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal em matéria de povos indígenas, mulheres, minorias de gênero e idosos.

PROPÓSITO

Compreender o tratamento jurídico-constitucional dos direitos de grupos


vulneráveis, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal e no campo
dos direitos de povos indígenas, mulheres, minorias de gênero e da pessoa idosa
é essencial não só para a prática específica do litígio de direitos humanos como
também para o entendimento mais amplo do sistema constitucional de proteção
desses grupos.
PREPARAÇÃO

Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos o texto atualizado da


Constituição Federal de 1988.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Definir o conceito de grupo vulnerável e os fundamentos da proteção aos povos


indígenas

MÓDULO 2

Identificar as principais discussões sobre gênero levadas ao Supremo Tribunal


Federal

MÓDULO 3

Distinguir os traços gerais da proteção ao idoso na Constituição Federal


INTRODUÇÃO
Neste tema, vamos tratar da relação entre a Justiça e os direitos de grupos
vulneráveis no Brasil. Quando falamos em grupos vulneráveis, tratamos, aqui,
daquelas coletividades sociais que, em razão de determinadas características,
foram historicamente marginalizadas ou discriminadas na história de uma
sociedade.

Há grupos que foram vulnerabilizados em razão de:

Gênero: como mulheres e pessoas transexuais

Raça e etnia: como pessoas negras e povos indígenas

Orientação sexual: como pessoas homossexuais e bissexuais

Por vezes, também falamos em minorias para nos referirmos a esses grupos.
Nesses casos, não significa que tais grupos sejam numericamente menores na
sociedade — o que não seria o caso, por exemplo, de mulheres e pessoas negras
no Brasil. Esses grupos são minoritários nos espaços de poder. Portanto, são
minorias políticas ou sociais, mas não necessariamente numéricas.

Aqui, vamos nos debruçar especificamente sobre os direitos de três grupos


vulneráveis: os povos indígenas, as minorias de gênero e a pessoa idosa. Cada
um desses grupos recebeu uma forma de tratamento em nosso texto
constitucional e tem recebido um tratamento específico na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.

MÓDULO 1
 Definir o conceito de grupo vulnerável e os fundamentos da proteção
aos povos indígenas

RECONHECIMENTO DOS POVOS


INDÍGENAS E DO
MULTICULTURALISMO
A Constituição de 1988 inovou ao trazer um capítulo próprio acerca da proteção
dos povos indígenas. Nos arts. 231 e 232 do texto constitucional brasileiro,
encontramos os dispositivos que conferem essa proteção diferenciada.

Aqui, precisamos nos recordar de que, historicamente, o Estado Brasileiro


negou reconhecimento aos povos indígenas. De fato, na história do Brasil, os
índios foram sujeitos a reiterados casos de genocídio, além da constante tentativa
de apagamento de sua cultura e sua religiosidade. Esse projeto político operou
por diversas razões.

De um lado, por interesses econômicos — especialmente relacionados à


apropriação das terras indígenas.

De outro, por interesses sociais, políticos e culturais diversos, que


buscaram negar humanidade e o respeito a essa parcela da população.

A pretexto de “integrar” os índios à sociedade brasileira, buscou-se o


apagamento dos traços característicos desses grupos — desde sua
religiosidade, passando por sua linguagem e seus costumes. Ainda hoje
encontramos em diferentes cursos e manuais jurídicos referências depreciativas
aos indígenas — tratados como incivilizados, ingênuos ou menos capazes do que
os não indígenas.
NISSO REPOUSA, ENTÃO, A INOVAÇÃO DO
TEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.

Ao dedicar um capítulo ao tratamento dos indígenas em suas especificidades, a


Constituição Federal passou a reconhecer a condição do indígena não só como
sujeito de direito universal, mas também como sujeito de direitos específicos.

 ATENÇÃO

Em outras palavras, aos indígenas são garantidos todos os direitos previstos no


texto constitucional, tanto quanto os direitos específicos que a condição de povos
indígenas exige.

Nesse aspecto, a Constituição incorporou a ideia de reconhecimento do


multiculturalismo, ou seja, da ideia de que determinadas sociedades (e cada
vez mais outras delas) são compostas por diferentes grupos étnicos que
partilham modos de vida, cultura e saberes diferenciados.

Em uma sociedade multicultural, então, não basta assegurar a todos os mesmos


direitos (igualdade formal). É necessário assegurar também o direito à diferença,
conferindo a cada grupo o tratamento jurídico compatível com suas
particularidades.

Em nossa análise, vamos verificar como esse grupo vem sendo percebido e
tratado pelo Poder Judiciário. Tradicionalmente, referimo-nos ao Poder Judiciário
como um fórum importante de efetivação dos direitos de grupos vulneráveis,
porque, diferentemente de outros poderes, o Judiciário não estaria sujeito às
reações da política majoritária. Juízes são independentes e, por isso, podem
decidir contra a vontade da maioria, protegendo direitos e minorias.

No entanto, nem sempre é assim: juízes e juízas também são pessoas inseridas
na sociedade, de modo que, se a sociedade é marcada por desigualdades
estruturais (como racismo, machismo e etarismo), juízes e juízas também estão
sujeitos a reproduzir essas desigualdades, por vezes perpetuando discriminações.
Ainda assim, muitas vezes a Justiça é capaz de exercer seu papel fundamental
de avançar nos direitos dos grupos vulneráveis.

DIREITOS ASSEGURADOS AOS


INDÍGENAS

VAMOS CONHECER, AGORA, OS DIREITOS


ASSEGURADOS AOS INDÍGENAS NO TEXTO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, SOB A
PERSPECTIVA DO DIREITO À DIFERENÇA E AO
RECONHECIMENTO.

Já no art. 231, no caput da Constituição, são reconhecidos direitos em favor dos


povos indígenas, os quais podemos classificar em dois grupos.

ETARISMO

Discriminação etária, baseada na idade do indivíduo.


EM PRIMEIRO LUGAR

Vêm os direitos relacionados ao reconhecimento de sua cultura, de seus modos


de vida e de seus saberes (reconhecimento étnico-cultural). É do que trata o
dispositivo ao afirmar que: “São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art.
231).

EM SEGUNDO LUGAR

O dispositivo reconhece o direito dos povos indígenas “sobre as terras que


tradicionalmente ocupam” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art. 231). Em uma
primeira leitura, poderíamos concluir que o direito à terra se trata de um direito
puramente econômico — o direito de propriedade sobre as terras.

E, de fato, o art. 231 e seus parágrafos 1º, 2º e 3º versam sobre aspectos


eminentemente econômicos relacionados às terras indígenas. É necessário, no
entanto, tecermos algumas distinções.

PRIMEIRO, AS TERRAS INDÍGENAS INTEGRAM


O CONJUNTO DE BENS DA UNIÃO,
CONFORME DISPÕE O ART. 20, INCISO XI, DA
CONSTITUIÇÃO. SÃO OS INDÍGENAS,
CONTUDO, QUE DETÊM A POSSE
PERMANENTE DESSAS TERRAS, NOS
TERMOS DO ART. 231, PODENDO USUFRUIR
DE SUAS RIQUEZAS COM EXCLUSIVIDADE.

Mais que isso: a exploração de recursos hídricos pelo Estado — por exemplo,
para construir uma hidrelétrica — não só depende de um processo mais difícil,
exigindo a autorização do Congresso Nacional, como também da oitiva das
comunidades indígenas.

No entanto, precisamos lembrar que a terra, para povos indígenas (e para povos
quilombolas, de que a Constituição trata em outros momentos) não tem um
significado puramente econômico, apesar de também ser fonte de subsistência. A
terra também tem um sentido existencial: há uma conexão intrínseca entre a
comunidade e sua identidade e a terra que ela habita.

Isso significa que, para os povos indígenas, a terra consubstancia múltiplos


direitos. São eles:

1º – DIREITO À DIGNIDADE HUMANA COMO


DIREITO AO RECONHECIMENTO
Na medida em que a dignidade da pessoa humana exige o reconhecimento e a
proteção de valores comunitários de povos indígenas, a terra — como integrante
desses valores comunitários — exsurge (ergue-se) como um direito digno de
tutela.

2º – DIREITO À MORADIA
A terra indígena também é o local onde os povos indígenas vivem e reproduzem
seus saberes e sua cultura.

3º – DIREITO À IDENTIDADE COLETIVA


A terra indígena não só é condição para a reprodução desses povos, mas
também um elo que une os diferentes indivíduos integrantes desses grupos. Isso
significa que, retirados de suas terras, diversos povos indígenas poderiam
desaparecer em seu vínculo coletivo — cada indivíduo buscando sua subsistência
em uma parte da geografia do Brasil, levando, assim, à extinção da própria
coletividade protegida pela Constituição.

É por essa razão que a própria Constituição dispõe, no art. 231, parágrafo 4º, que
as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos que
repousam sobre elas são imprescritíveis. Em outros termos, os povos
indígenas, que possuem direito de posse e de usufruto sobre suas terras, não
podem vendê-las a outras coletividades ou a outros indivíduos.

Do contrário, seria possível facilmente desvirtuar o direito previsto na


Constituição, já que a pressão econômica exercida por elites locais sobre as
comunidades indígenas (muitas vezes, pobres) levaria a que todas as terras
demarcadas fossem rapidamente vendidas. Assim, a proteção que a própria
Constituição tentou estabelecer seria esvaziada.

PORTANTO, PARA OS POVOS INDÍGENAS, A


TERRA NÃO TEM SENTIDO EMINENTEMENTE
ECONÔMICO, E SIM EXISTENCIAL.

Ainda que essa afirmação não seja totalmente precisa — ou seja, que haja
indivíduos ou mesmo grupos de indígenas que vislumbram um caráter
eminentemente econômico em suas terras —, o fato é que a tutela constitucional
do direito à terra de povos indígenas reveste-se dessa característica existencial.

Tal caráter existencial das terras indígenas fica ainda mais claro se repararmos o
que afirma o parágrafo 5º do art. 231 da Constituição.

O dispositivo veda que grupos indígenas sejam removidos de suas terras, salvo
na hipótese de catástrofe ou epidemia. Mesmo no caso de interesse da soberania
do país, a remoção só pode ser temporária e depende sempre de deliberação do
Congresso Nacional.

Estamos falando aqui, de fato, de proteção aos povos indígenas em sua


integralidade — como coletividade, cuja identidade é forjada tanto por seus usos e
costumes quanto por sua terra.

TERRAS TRADICIONALMENTE
OCUPADAS PELOS INDÍGENAS

Historicamente, a maior parte (senão toda) das terras brasileiras foi ocupada por
indígenas, expulsos delas desde o processo de colonização portuguesa. No
entanto, esta não pareceu ser a reivindicação dos movimentos dos povos
indígenas abarcada pela constituinte.

O que se pretendeu, de fato, foi tutelar os povos indígenas que havia em 1988 e
que viam suas terras sujeitas a constantes investidas advindas do Estado e de
particulares. Ainda assim, foi necessário que o Supremo Tribunal Federal
definisse os parâmetros para o reconhecimento do direito a tais terras.

Foi o que ocorreu no caso Raposa Serra do Sol (Petição nº 3.388), em que o
Tribunal estabeleceu que a definição de “terras tradicionalmente ocupadas” pelos
indígenas tem como marco temporal a promulgação da Constituição, ou seja, 5 de
outubro de 1988. Isso significa que eventuais aldeamentos indígenas que já
não existiam à data de promulgação da Constituição não mais teriam
reconhecidos direitos às terras que, no passado, ocupavam.
Fonte: Agencia Brasil/ Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil
 Figura 1- Índio no Tribunal

Assim, são terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que, em


1988, eram ocupadas por povos indígenas. As terras que apenas no passado
foram ocupadas por indígenas, mas que não mais o eram em 1988, não são
resguardadas pelo art. 231 da Constituição.

 EXEMPLO

O que acontece no caso de, por exemplo, um aldeamento indígena haver sido
violentamente expulso de suas terras alguns anos antes da promulgação da
Constituição?

Imagine um caso de esbulho possessório ocorrido antes da promulgação da


Constituição, ou seja, a situação em que um terceiro impede que indígenas
exerçam a posse sobre suas terras, muitas vezes mediante violência ou grave
ameaça.

SERIA POSSÍVEL NEGAR O DIREITO DESSES


POVOS INDEVIDAMENTE EXPULSOS, MAS
QUE SEGUIAM DISPUTANDO A POSSE
DESSAS TERRAS, PELO SIMPLES FATO DE
TEREM SIDO IMPEDIDOS DE EXERCER SUA
POSSE SOBRE AQUELAS TERRAS EM 5 DE
OUTUBRO DE 1988?

RESPOSTA
A resposta é negativa. Para o Supremo Tribunal Federal, estes casos — o
chamado “esbulho renitente” — são uma exceção à exigência de que os povos
indígenas ocupassem as terras à data da Constituição de 1988.

Como consequência da proteção constitucional às terras indígenas, a


Constituição prevê, no parágrafo 6º do art. 231, que serão considerados nulos e
extintos todos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse
dessas terras. Em outros termos, se um terceiro, não indígena, possuía
determinado título que lhe reconhecesse direitos sobre terras que, em
realidade, são tradicionalmente ocupadas por pessoas indígenas, esse título
seria imediatamente anulado e extinto, em favor dos povos ocupantes da
terra.

O Supremo Tribunal Federal decidiu nesse sentido, por exemplo, na Ação


Originária nº 312, em que declarou a nulidade de título de propriedade que tinha
como objeto imóveis localizados na Reserva Indígena Caramuru-Catarina
Paraguassu — terras tradicionalmente ocupadas pelo grupo indígena Pataxó Hã-
hã-hãe.
 ATENÇÃO

Assim, a Constituição de 1988 reconhece o direito à terra dos povos indígenas


como forma de assegurar a proteção a esse grupo étnico-racial sob uma
perspectiva eminentemente existencial e econômica. O direito à terra para povos
indígenas é uma proteção à sua identidade coletiva, ao seu direito à moradia, à
sua dignidade humana.

Essas terras são definidas de acordo com o dia 5 de outubro de 1988: os povos
que ocupavam terras naquela data tiveram seu direito assegurado pela
Constituição, mas também aqueles povos que se encontrassem em disputa sobre
terras — judicializada ou não — teriam seus direitos reconhecidos. Ficaram de
fora tão somente aquelas coletividades indígenas que, muito antes da
Constituição de 1988, haviam deixado de ocupar as terras ou mesmo aquelas que
haviam desaparecido ao longo dos anos.

Fonte: celio messias silva/Shutterstock.com

PROTEÇÃO DE DIREITOS DE POVOS


INDÍGENAS
Diversas particularidades que conformam o direito às terras de povos indígenas
não estão textualmente previstas na Constituição. De fato, nenhuma lei é capaz
de antecipar todas as controvérsias interpretativas que pode gerar. Disso resulta
a importância do Supremo Tribunal Federal, que, ao dar contornos
específicos aos direitos previstos na Constituição, pode assegurar em maior
ou em menor grau a proteção desses grupos vulneráveis.

É por isso que não basta a mera previsão textual de direitos para que eles sejam
assegurados. Direitos fundamentais também exigem a existência de organizações
e procedimentos capazes de protegê-los tanto de ofício quanto mediante
provocação dos interessados.

EM OUTRAS PALAVRAS, COMO OS POVOS


INDÍGENAS PODERÃO SE PROTEGER DIANTE
DE VIOLAÇÕES OU AMEAÇAS DE VIOLAÇÕES
A SEUS DIREITOS?

DE OFÍCIO

Sem a provocação de nenhuma das partes, por impulso oficial do Poder


Público.

Aqui repousa, então, a importância de irmos além do art. 231 da Constituição.


Não muito além: é o art. 232 que traz importante previsão quanto à organização e
procedimentos de proteção de direitos de povos indígenas. Nos termos desse
dispositivo, é garantido aos indígenas, a suas comunidades e a suas
organizações a legitimidade para ingressar em juízo em defesa de seus direitos
e interesses.

LEGITIMIDADE

Aqui, este termo tem sentido processual, ou seja, é a possibilidade de ser


autor um processo. No caso do art. 232 da Constituição, é especificamente
a possibilidade de ser autor em um processo na defesa de tais direitos
(legitimidade ativa).

O dispositivo prevê, assim, que os povos indígenas não precisam constituir-


se na forma de Pessoas Jurídicas específicas para que possam ajuizar uma
ação judicial em defesa de seus interesses. Essa previsão é importante,
porque, por terem seus próprios modos de vida, formas e organização, muitas
vezes, os povos indígenas não vão estruturar sua ação coletiva da mesma forma
que os não indígenas.

 EXEMPLO

Enquanto outras coletividades, por exemplo, podem formar associações civis


como forma de atender a determinados interesses em comum, povos indígenas
não possuem esse costume nem estão sujeitos a essa exigência.

Uma relevante discussão surge a partir dessa previsão. Apesar de não trazer
grandes controvérsias nas instâncias judiciais de primeiro grau, o dispositivo pode
gerar certas dúvidas com relação aos casos trazidos diretamente ao Supremo
Tribunal Federal.

EM ESPECIAL, SURGE A PERGUNTA: SE


FOREM SUJEITADOS A ATOS VIOLADORES DE
SEUS DIREITOS (PREVISTOS NA
CONSTITUIÇÃO), OS POVOS INDÍGENAS
PODERÃO AJUIZAR AÇÕES DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE PERANTE O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?

RESPOSTA
A dúvida surge, porque o ajuizamento de ações de controle de
constitucionalidade é limitado aos legitimados previstos no art. 103 da
Constituição Federal. Em uma primeira leitura, os povos indígenas não estão
previstos nessa lista de legitimados ativos. A questão foi solucionada pelo
Supremo Tribunal Federal em 2020, no julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709 (ADPF nº 709).

AÇÕES DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE

Entre estas ações estão:


Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).

Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC).

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

A ADPF foi ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) diante
da inércia do Poder Executivo Federal no combate à pandemia da Covid-19 em
comunidades indígenas. Afinal, a pandemia gerou impacto desproporcional sobre
esses grupos, causando níveis altíssimos de mortes sem uma resposta adequada
do governo federal.

Porém, a primeira pergunta que o Supremo precisava responder era:


poderia a APIB, uma articulação que não era constituída como Pessoa
Jurídica, ajuizar a ação de controle de constitucionalidade?

A resposta foi positiva. No entendimento do Supremo Tribunal Federal, o conceito


de “entidade de classe” também abarca as organizações de movimentos sociais.
No caso específico dos indígenas, em relação aos quais a Carta Magna dispensa
a constituição de Pessoa Jurídica específica (art. 232), o relator, ministro Luis
Roberto Barroso, entendeu que:

“NÃO SE PODE PRETENDER QUE TAIS POVOS


[INDÍGENAS] SE ORGANIZEM DO MESMO
MODO QUE NOS ORGANIZAMOS. ASSEGURAR
O RESPEITO A SEUS COSTUMES E [A SUAS]
INSTITUIÇÕES SIGNIFICA RESPEITAR OS
MEIOS PELOS QUAIS ARTICULAM A SUA
REPRESENTAÇÃO À LUZ DA SUA CULTURA.”

BRASIL, 2020.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal não só conferiu certos contornos aos


direitos fundamentais de povos indígenas ao longo dos anos como também
reconheceu a possibilidade de que tais povos acessem a jurisdição constitucional,
o que permitirá, com o decorrer do tempo, que novos casos de violações possam
ser levados e solucionados por essa instância do Poder Judiciário.

O DIREITO À TERRA DOS POVOS


INDÍGENAS: PROPRIEDADE OU
IDENTIDADE?

O especialista Wallace Corbo fala sobre O direito à terra dos povos indígenas:
propriedade ou identidade?
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. ESTUDAMOS SOBRE A PROTEÇÃO DE GRUPOS


VULNERÁVEIS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SOBRE O
CONCEITO DE GRUPOS VULNERÁVEIS, ASSINALE A
ALTERNATIVA INCORRETA:

A) Minorias sociais e políticas, como povos indígenas e homossexuais, podem ser


considerados grupos vulneráveis.

B) Maiorias numéricas podem ser consideradas grupos vulneráveis, caso tenham


sofrido discriminações históricas, como no caso das mulheres.

C) Não cabe ao Poder Judiciário atuar em favor de grupos vulneráveis, quando


isso signifique contrariar a visão das maiorias políticas e sociais.

D) A vulnerabilidade dos povos indígenas decorre da negação histórica de


direitos, da perseguição e até mesmo do genocídio, praticado pelo Estado
brasileiro contra esses povos ao longo dos séculos.

E) A ideia de discriminação que perpassa o conceito de vulnerabilidade está


relacionada à negação de direitos a certas coletividades.

2. SOBRE A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AOS POVOS


INDÍGENAS, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:

A) De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a proteção aos povos indígenas


busca integrar tais grupos sociais à sociedade em geral, de modo que eles
possam incorporar os usos e costumes do restante da sociedade, atingindo um
nível de civilidade.

B) A proteção aos povos indígenas é necessária, porque este é um grupo social


intelectualmente atrasado e dotado de menor capacidade econômica e técnica.

C) A proteção constitucional aos povos indígenas é uma forma de assegurar-lhes


o direito ao reconhecimento, promovendo o respeito ao multiculturalismo e à
identidade coletiva desses grupos sociais.

D) O Supremo Tribunal Federal reconhece o direito dos povos indígenas às terras


tradicionalmente ocupadas por eles, ainda que os aldeamentos não mais
existissem nem ocupassem tais terras à data de promulgação da Constituição de
1988.

E) Nos termos da Constituição Federal, as terras indígenas são bens de


propriedade dos povos indígenas.

GABARITO

1. Estudamos sobre a proteção de grupos vulneráveis no Supremo Tribunal


Federal. Sobre o conceito de grupos vulneráveis, assinale a alternativa
incorreta:

A alternativa "C " está correta.


Ainda que o Poder Judiciário possa ter limitações em sua capacidade de proteger
grupos vulneráveis, sua função é precisamente assegurar-lhes a proteção de
seus direitos, ainda que contra os interesses da maioria.

2. Sobre a proteção constitucional aos povos indígenas, assinale a


alternativa correta:

A alternativa "C " está correta.

O reconhecimento dos direitos dos povos indígenas consiste em uma forma de


proteção do direito à diferença. Não se trata, portanto, de considerar os povos
indígenas menos ou mais civilizados nem de reproduzir preconceitos racistas
contra esses grupos. Trata-se, sim, de respeitar a diversidade étnico-racial,
especialmente (mas não apenas) a partir do reconhecimento de seu direito à terra
e de sua relevância na formação nacional.

MÓDULO 2

 Identificar as principais discussões sobre gênero levadas ao Supremo


Tribunal Federal

QUESTÕES DE GÊNERO
ABARCADAS NA CONSTITUIÇÃO

Já vimos que grupos vulneráveis receberam especial atenção da Constituição


Federal. Isso se deve a diversos fatores. Um dos principais tem relação com a
própria origem da Constituição brasileira.
A Carta de 1988 foi elaborada no contexto da redemocratização, marcado
pela efervescência de diversos movimentos sociais preocupados com o avanço
nas pautas de promoção da igualdade e dos direitos humanos. Movimentos como
os de povos indígenas e de negros, entre tantos outros, fizeram-se diretamente
presentes na Assembleia Constituinte, ou indiretamente, por meio da pressão
social que marcou o processo de elaboração da Constituição.

É natural, portanto, que o movimento feminista também encontrasse eco em suas


pautas, muitas das quais foram expressamente adotadas pelo texto expresso da
Carta Magna. Assim, para listarmos os exemplos mais evidentes, são previstos na
Constituição:

O combate à discriminação de gênero – art. 3º, inciso IV

A igualdade de gênero – art. 5º, inciso I

A proibição de discriminação de gênero no mercado de trabalho – art. 7º,


inciso XXX

Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal

No entanto, como vimos no caso dos indígenas, não basta a previsão textual de
direitos para que eles sejam assegurados ou mesmo para que saibamos de
antemão o que significam os dispositivos constitucionais. É apenas a partir da
interpretação que conferimos sentido ao texto constitucional, transformando texto
em norma.

Essa transformação, enfim, permite-nos identificar os comandos


constitucionais e verificar as violações à Constituição. Nesse processo,
novamente o Supremo Tribunal Federal é um agente muito importante.
Fonte: fizkes/Shutterstock.com

TIPOS DE DISCRIMINAÇÃO
Um dos mais importantes casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal em
matéria de gênero foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.946 (ADI nº
1.946), julgada em 2003. O caso não parecia, a princípio, ter qualquer relação
com o tema da discriminação de gênero. O que se questionava ali era o
estabelecimento de um teto de benefícios do regime geral de Previdência Social
estabelecido pela Emenda Constitucional nº 20/1998.

De acordo com as alterações trazidas pela emenda, os benefícios advindos desse


regime previdenciário seriam limitados a R$1.200,00, de modo que caberia, a
princípio, aos empregadores arcar com os valores excedentes desse teto. Mais
uma vez, o texto nada dizia sobre homens e mulheres. Ocorre que, ao julgar a
ADI nº 1.946, o Supremo Tribunal Federal identificou o risco de se produzir, com
aquela norma, uma verdadeira discriminação indireta.

DO PONTO DE VISTA JURÍDICO, A


DISCRIMINAÇÃO CONSISTE NA NEGAÇÃO DE
DIREITOS A COLETIVIDADES
HISTORICAMENTE MARGINALIZADAS.

Essa discriminação pode ocorrer de duas formas:

Discriminação direta

Quando uma lei expressamente prejudica pessoas negras, mulheres, pessoas


com deficiência ou outros grupos vulneráveis.


Discriminação indireta

Quando uma lei ou uma prática não nega expressamente direitos a um grupo,
mas, aplicada de fato, acaba produzindo efeitos semelhantes aos que produziria
se discriminasse expressamente.

Foi exatamente isso que o Supremo Tribunal Federal entendeu que aconteceria
quando da aplicação do art. 14 da Emenda Constitucional nº 20/1998 à licença-
maternidade.

A lógica, antevista pelo STF, é bastante clara: caso o empregador fosse obrigado
a arcar com todo valor que exceda R$1.200,00, inclusive da licença-maternidade,
um incentivo à discriminação de gênero no mercado de trabalho seria criado.
Afinal, para qualquer função cuja remuneração excedesse o teto, o custo do
empregador com relação a uma trabalhadora seria potencialmente superior ao de
trabalhadores homens.

Consequentemente, essa nova norma constitucional iria de encontro ao objetivo


de promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho. Por essa razão, o
STF excluiu da aplicação do mencionado dispositivo o benefício da licença-
maternidade, que deixou de estar sujeito ao teto geral.

Veja que nada na Constituição afirmava expressamente que o teto de benefícios


previdenciários não poderia atingir a licença-maternidade. Porém, por meio de
uma interpretação sistemática, teleológica (argumentativa) e com a
aplicação do princípio da unidade da Constituição, o Supremo Tribunal
Federal deu concretude à proteção constitucional às mulheres como grupo
vulnerável ainda sujeito à intensa discriminação no mercado de trabalho e
em outros espaços.

PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL NA QUESTÃO DO ABORTO
A discussão sobre gênero se desenvolveu no STF para abarcar cada vez mais
debates. Um dos mais relevantes e que se seguiu à ADI nº 1.946/2003 ocorreu na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF nº 54). Neste
caso, discutia-se a constitucionalidade da criminalização do aborto (arts. 124, 126
e 128, incisos I e II, do Código Penal) no caso do feto anencéfalo.

FETO ANENCÉFALO

Feto desprovido de um Sistema Nervoso Central. Do ponto de vista


biológico, nesses casos, a vida extrauterina é inviável. Em outras palavras,
os fetos anencéfalos são natimortos — no limite, são capazes de manter
células vivas por poucas horas após o parto.
A discussão sobre o aborto desse tipo de feto tinha relevância na perspectiva do
gênero, porque, a pretexto de se proteger uma vida absolutamente inviável,
centenas de mulheres eram forçadas a se submeter à grave dor psicológica de
manter uma gestação sem frutos por até nove meses.

Para além da dor psicológica, médicos e médicas também se viam sujeitos a


graves riscos jurídicos por realizarem a interrupção da gestação, na medida em
que pairava insegurança jurídica acerca da caracterização do aborto.

ASSIM, AO PONDERAR A INEXISTÊNCIA DE


VIDA NO CASO DO FETO ANENCÉFALO E A
LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA DA
MULHER, BEM COMO SEU DIREITO À SAÚDE E
À AUTODETERMINAÇÃO, O SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL ENTENDEU QUE OS
ARTIGOS DO CÓDIGO PENAL QUE
CRIMINALIZAM O ABORTO NÃO FORAM
RECEPCIONADOS PELA CONSTITUIÇÃO DE
1988 EM RELAÇÃO À INTERRUPÇÃO DESSE
TIPO DE FETO.

O STF não decidiu que a criminalização do aborto é inconstitucional, e sim que a


criminalização do aborto do feto anencéfalo o é, por impor restrições significativas
aos direitos da mulher, sem gerar qualquer benefício possível para o feto.

Em termos mais amplos, a questão do aborto foi levada ao STF em dois casos
que já são paradigmáticos.

1. O primeiro consistiu em uma ação individual — um Habeas Corpus (HC nº


124.306) — julgada pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Nesse caso, a
turma entendeu que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não
poderia ser equiparada ao aborto, tendo em vista o direito à autonomia da mulher
e o impacto desproporcional da criminalização sobre as mulheres mais pobres.
Como se tratava de caso individual e julgado por turma (e não pelo Plenário) do
STF, o entendimento trazido no Habeas Corpus não significou que o Supremo,
como instituição, reconheceu a inconstitucionalidade da criminalização do aborto.

2. O segundo caso foi a análise da compatibilidade entre o crime de aborto e a


Constituição, feita pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 442,
cuja relatora é a ministra Rosa Weber. Nessa arguição, questiona-se a recepção
dos arts. 124 e 126 do Código Penal, tendo em vista a tutela constitucional:

À dignidade da pessoa humana.

À cidadania.

À não discriminação.

À inviolabilidade da vida.

À liberdade.

À igualdade.

À proibição de tortura ou de tratamento desumano ou degradante.

À saúde e ao planejamento familiar das mulheres.

Aos direitos sexuais e reprodutivos.

Até o final de 2020 o caso não havia sido julgado. É certo que caberia ao
STF analisar se a legislação editada em 1940 ainda é adequada à proteção
dos bens jurídicos constitucionais fundamentais, ou se ela revela uma
incompatibilidade, total ou parcial, com o novo ordenamento constitucional
brasileiro.
Fonte: ananaline/Shutterstock.com

DIREITOS DAS PESSOAS TRANS


De 2010 a 2020, os debates que envolvem questões de gênero ampliaram-se
para além das discussões sobre igualdade entre homens e mulheres. Nesse
período, verificamos, no Brasil e no mundo, o fortalecimento de movimentos
sociais voltados à proteção de minorias de gênero que, historicamente, foram
marginalizadas, e cujas identidades foram até mesmo tratadas como
enfermidades.

Falamos, aqui, especialmente das questões que envolvem pessoas transexuais,


transgêneros e travestis (pessoas trans). Dentro desse grupo estão:

PESSOAS TRANS

Pessoas cuja identidade de gênero não converge com seu sexo biológico ou
com o sexo que lhes foi atribuído no nascimento.
HOMENS TRANSEXUAIS

Identificados no nascimento como se fossem mulheres.

MULHERES TRANSEXUAIS

Identificadas no nascimento como se fossem homens.

TRAVESTIS, NÃO BINÁRIOS E AGÊNEROS

Outros grupos que não se identificam nem como homens nem como mulheres.

E O QUE O DIREITO TEM A VER COM ISSO?

Ora, pessoas trans foram historicamente relegadas à margem da sociedade, e a


elas foram fechadas as portas do mercado de trabalho, do acesso a direitos
básicos e do tratamento respeitoso, em uma sociedade marcada por
discriminações e intolerância.

Apenas em 2018 a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a


transexualidade da lista de transtornos mentais, dando um importante passo para
compreendermos a necessidade de proteção desses grupos sociais.

Considerando o compromisso igualitário da Constituição Federal, o


reconhecimento do tratamento discriminatório conferido pela sociedade brasileira
às pessoas trans exige a atuação das instâncias jurídicas e políticas com o
objetivo de resguardar seus direitos.

Nesse sentido, dois casos importantes avançaram na pauta da proteção de


direitos de pessoas trans no Supremo Tribunal Federal.

A ADI nº 4.275, ajuizada em 2009 e julgada apenas em 2018, voltava-se contra o


disposto no art. 58 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), que
estabelece parâmetros para a alteração do prenome. Para todas as pessoas, o
direito ao próprio nome é um dos primeiros passos para o reconhecimento
de sua identidade.

Pessoas cisgênero não enfrentam, em geral, maiores problemas com relação a


esse aspecto de sua identidade. Existem duas exceções:

PESSOA CISGÊNERO

Pessoas cuja identidade de gênero converge com seu sexo biológico ou


com as identidades que lhes foram atribuídas no nascimento.

Quando o prenome causa grave constrangimento à pessoa.

Quando a pessoa adota, ao longo de sua vida, um apelido público notório, pelo
qual, por vezes, é mais conhecida do que por seu prenome real.

NESSES DOIS CASOS, A LEGISLAÇÃO E A


JURISPRUDÊNCIA SEMPRE ADMITIRAM A
ALTERAÇÃO DO PRENOME.
 EXEMPLO

Foi o que aconteceu, por exemplo, com a apresentadora Xuxa e com o político
Lula.

No entanto, mesmo os tribunais brasileiros sempre tiveram grande resistência a


autorizar a alteração do nome de pessoas transexuais pelo chamado nome
social.

Disso resulta o fato de que, para pessoas trans, o nome registral sempre tenha
sido uma lembrança constante do não reconhecimento pelo Estado e pela
sociedade de suas identidades e de sua dignidade.

O sofrimento psicológico de serem identificadas, em todos os documentos


públicos, por um nome que não condiz com sua identidade, com sua
aparência e com seu gênero foi, então, um dos principais motivadores para
o ajuizamento da mencionada ADI nº 4.275.

Com fundamento nesse fato, o STF estabeleceu, no julgamento da referida ADI, o


direito das pessoas trans a alterarem não só seu nome como também seu sexo
no registro público, independentemente da realização de cirurgias e mesmo do
ajuizamento de ação judicial.

NOME SOCIAL

Nome pelo qual as pessoas transexuais são conhecidas.

Em outros termos, a partir do julgado do STF, as pessoas trans tiveram


reconhecido seu direito de buscar, administrativamente — ou seja, diretamente
junto ao cartório competente de Registro Civil de Pessoas Naturais —, a mudança
de seu nome e sexo, para que fosse compatível com sua identidade de gênero.

Ao passo que pessoas trans começaram a obter maior visibilidade social, também
tornou-se mais exposta a discriminação sofrida por elas — ora uma discriminação
que se produz no campo da negação de acesso a espaços, ora uma
discriminação que se converte até mesmo em casos de homicídio que afetam
desproporcionalmente essa população.

Para lidar com isso, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão nº 26 (ADO nº 26). Nesta, argumentou-se que a Constituição de 1988
impunha o dever do legislador no sentido de criminalizar não apenas o
racismo como também toda forma de discriminação, nos termos do art. 5º,
incisos XLI e XLII, da Constituição Federal.

No entanto, mais de 30 anos depois da promulgação do texto constitucional,


jamais avançaram os projetos de lei tendentes a criminalizar as chamadas:

HOMOFOBIA

Discriminação contra pessoas homossexuais.

BIFOBIA

Discriminação contra pessoas bissexuais.

TRANSFOBIA
Discriminação contra pessoas trans.

Assim, sustentou-se perante o Supremo Tribunal Federal que essa omissão


legislativa violaria o dever de legislar imposto pela Constituição, cabendo ao
Supremo suprir tal omissão até que sobreviesse a legislação
criminalizadora.

De fato, o STF acolheu os argumentos apresentados na ADO, afirmando que, até


que sobrevenha a legislação especificamente voltada para a homotransfobia,
deve-se considerar tais manifestações como expressões de racismo,
compreendido em sua dimensão social. Isso significa que, nos termos da
decisão do Supremo nessa ADO, as práticas de racismo criminalizadas pela Lei
nº 7.716/1989 também englobam as discriminações de gênero voltadas contra
pessoas trans.

DISCRIMINAÇÃO E DESIGUALDADE
DE GÊNERO
Antes de concluirmos a análise da abordagem do Supremo Tribunal Federal com
relação a questões de gênero, não podemos deixar de tratar de outro conjunto de
casos que recebeu a análise da Corte.

A visibilidade de pessoas trans gerou reações acaloradas em grupos


conservadores e em grupos avessos à garantia de igualdade em favor de tais
minorias sociais. Então, esses grupos organizaram-se nacionalmente, buscando
aprovar diversas leis que tinham por objetivo combater o discurso inclusivo e
igualitário de pessoas trans no campo do ensino.

Em outras palavras, tanto no âmbito nacional quanto nos âmbitos municipal e


estadual, foram apresentados projetos de lei que pretendiam excluir do debate
escolar as questões relativas à discriminação e à desigualdade de gênero. Em
alguns casos, esses projetos foram aprovados e converteram-se em leis, que, por
sua vez, foram impugnadas no STF.

Assim, na ADPF nº 457, o Supremo entendeu que leis desse tipo, as quais
buscam impedir o debate sobre gênero nas escolas — essencial para a formação
de novas gerações capazes de respeitar a diferença e o outro — violam à
Constituição sob duas perspectivas:

Não cabe aos Estados e municípios editar normas gerais sobre o currículo escolar
— e a ação versava sobre lei municipal.

A Constituição veda a imposição do silêncio e a censura, especialmente quando


esse silêncio vai de encontro ao necessário combate a toda forma de
discriminação, estabelecido no art. 3º, inciso IV, da Carta Magna.

Com isso, vimos como são diversas as questões de gênero trazidas ao Supremo:
desde casos envolvendo a discriminação de gênero no mercado de trabalho, a
(in)constitucionalidade do crime de aborto até a proteção dos direitos de pessoas
trans.

São muitos os temas nos quais o Supremo Tribunal Federal atua, tomando
decisões — todas, até então, em favor da proteção dos grupos vulneráveis:
mulheres (transgênero e cisgênero) e pessoas trans. Mais uma vez percebemos
como a atuação do STF é capaz de conferir maior especificidade e densidade
normativa ao texto constitucional, assegurando o objetivo constitucional de
inclusão, de promoção da igualdade e de combate à discriminação.

DIREITO À IDENTIDADE DE PESSOAS


TRANSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E
TRAVESTIS
O especialista Wallace Corbo fala sobre o Direito à identidade de pessoas
transexuais, transgêneros e travestis.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO DA DESIGUALDADE DE


GÊNERO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ASSINALE A
ALTERNATIVA INCORRETA:

A) O Supremo Tribunal Federal reconheceu, na ADI nº 1.946, que a limitação


genérica do teto dos benefícios do regime geral de previdência geraria uma
situação de discriminação indireta contra mulheres no mercado de trabalho.

B) O Supremo Tribunal Federal afirmou o direito à interrupção do feto anencéfalo,


sem qualquer repercussão penal para a mulher nem para os profissionais de
saúde que realizassem o procedimento abortivo.

C) O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, com efeitos vinculantes, a


não recepção da criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 até o
terceiro mês de gestação.
D) Apesar de não serem minorias numéricas, as mulheres podem ser
consideradas grupos vulneráveis diante da discriminação de gênero histórica a
que foram sujeitas.

E) Em julgamento não vinculante proferido em habeas corpus, a 1ª Turma do


Supremo Tribunal Federal afastou as repercussões penais do aborto realizado em
gestante que não havia concluído o primeiro trimestre de gestação.

2. SOBRE A POSIÇÃO ADOTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL NAS DISCUSSÕES QUE ENVOLVEM IDENTIDADE DE
GÊNERO, ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:

A) O Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito de pessoas transexuais,


transgêneros e travestis a alterar seu nome e sexo no registro civil,
independentemente de cirurgia ou de ação judicial.

B) O Supremo Tribunal Federal afirmou que o objetivo de promoção de uma


sociedade livre de discriminações também implica levar discussões envolvendo a
discriminação contra mulheres e contra pessoas LGBT às escolas.

C) O Supremo Tribunal Federal reputou potencialmente lesiva a direitos de


crianças e adolescentes a realização de debates envolvendo discriminação de
gênero no âmbito das escolas.

D) O Supremo Tribunal Federal considerou que a discriminação contra


homossexuais e transexuais pode configurar uma expressão do crime de racismo.

E) O Supremo Tribunal Federal tem contribuído para o avanço de pautas de


grupos vulnerabilizados em razão de gênero, como mulheres e pessoas trans.

GABARITO

1. Sobre a judicialização da desigualdade de gênero no Supremo Tribunal


Federal, assinale a alternativa incorreta:

A alternativa "C " está correta.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, que afastou as consequências penais da


interrupção de gestação no primeiro trimestre, foi tomada em caso individual e
proferida por órgão fracionário. Portanto, não se trata de decisão vinculante.

2. Sobre a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal nas discussões


que envolvem identidade de gênero, assinale a alternativa incorreta:

A alternativa "C " está correta.

O Supremo Tribunal Federal considerou que a ideia de “ideologia de gênero” é


uma distorção do necessário debate acerca da discriminação de gênero e contra
pessoas transexuais, transgêneros e travestis nas escolas — razão pela qual
declarou a inconstitucionalidade de leis que tentavam impor silêncio sobre o tema.

MÓDULO 3

 Distinguir os traços gerais da proteção ao idoso na Constituição Federal


Fonte: Qualit Design/Shutterstock.com

CONCEITO DE IDOSO
Vamos voltar nossa atenção para um terceiro grupo vulnerável que, por
vezes, é negligenciado em seu tratamento jurídico e constitucional: as
pessoas idosas.

Sabemos que, no Brasil, tornar-se idoso é um direito que a realidade social,


muitas vezes, transforma em privilégio: a população brasileira jovem e negra, por
exemplo, é atingida por altíssimos níveis de violência e letalidade, impedindo-lhe
um envelhecimento saudável e o gozo da vida na chamada terceira idade.

O fato é, sem prejuízo disso, que as pessoas idosas estão sujeitas a uma forma
específica de vulnerabilidade social: muitas vezes, são acometidas por problemas
de saúde diretamente relacionados à idade, mas também por doenças
psicológicas que as afetam desproporcionalmente.

Fora do campo da saúde, a pessoa idosa também encontra dificuldades ora para
ser incluída no mercado de trabalho, quando assim deseja, ora para gozar de seu
direito à vida em um momento precioso que coroa toda uma existência ao longo
de décadas.

É NESSA LINHA QUE O TEXTO


CONSTITUCIONAL BRASILEIRO BUSCOU
CONFERIR AMPARO AOS IDOSOS, O QUE SE
REALIZA NÃO SÓ POR MEIO DE DIREITOS
ESPECÍFICOS COMO TAMBÉM DE POLÍTICAS
PÚBLICAS ESPECIFICAMENTE VOLTADAS
PARA ESSA POPULAÇÃO.

Antes de analisarmos tais dispositivos, precisamos, no entanto, definir quem se


qualifica juridicamente como idoso.

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) considera idosa toda pessoa com


idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Diante do envelhecimento da população brasileira, diversos projetos de lei foram


apresentados ao longo dos anos com o objetivo de alterar a idade a partir da qual
se considera idosa uma pessoa.

Mais especificamente, há quem defenda a alteração do parâmetro: dos atuais 60


(sessenta) anos para 65 (sessenta e cinco) anos. Até que advenha uma alteração
legislativa, no entanto, precisaremos atentar ao Estatuto do Idoso vigente.

Perceba, a este respeito, como estamos, aqui, diante de uma situação na qual a
Constituição nos apresenta um conceito jurídico indeterminado, que depende
da atuação legislativa para sua concretização. Assim, poderíamos considerar
como idosos pessoas acima de 80, de 70 ou de 60 anos, e todas essas
alternativas poderiam estar corretas.

COMO A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO NÃO NOS


DÁ A RESPOSTA, O LEGISLADOR ACABA,
ENTÃO, DEFININDO O RECORTE APLICÁVEL
NOS LIMITES DO QUE É PERMITIDO PELO
CONCEITO.
CONCEITO JURÍDICO
INDETERMINADO

Aquele que permite pluralidade de sentidos.

 ATENÇÃO

Aqui, surge um ponto importante: uma lei não poderia definir como idoso, por
exemplo, os maiores de 30 anos, porque sabemos, com segurança, que pessoas
com mais de 30 anos não são idosas. Da mesma forma, a lei não poderia
restringir o conceito de idoso às pessoas acima de 100 anos. Afinal,
pouquíssimos brasileiros chegam a essa idade, e implementar uma classificação
desse tipo esvaziaria o princípio constitucional da proteção da pessoa idosa.

Contudo, o legislador goza, sim, de discricionariedade para definir, nos limites


semânticos da palavra “idoso” o recorte que seja adequado à proteção
constitucional e aos objetivos da Carta Magna.

CONSTITUIÇÃO E TUTELA À PESSOA


IDOSA
O idoso é sujeito de direito e goza dos mesmos direitos fundamentais que
as demais pessoas. O Estatuto do Idoso teve a preocupação de prever essa
proteção a esse grupo social:
ART. 2º O IDOSO GOZA DE TODOS OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS INERENTES À
PESSOA HUMANA, SEM PREJUÍZO DA
PROTEÇÃO INTEGRAL DE QUE TRATA ESTA
LEI, ASSEGURANDO-SE-LHE, POR LEI OU POR
OUTROS MEIOS, TODAS AS OPORTUNIDADES
E FACILIDADES, PARA PRESERVAÇÃO DE SUA
SAÚDE FÍSICA E MENTAL E SEU
APERFEIÇOAMENTO MORAL, INTELECTUAL,
ESPIRITUAL E SOCIAL, EM CONDIÇÕES DE
LIBERDADE E DIGNIDADE.

LEI Nº 10.741, 2003.

Feito esse esclarecimento, passamos à análise do texto constitucional.

Um primeiro direito assegurado à pessoa idosa está previsto no art. 203, inciso V,
da Constituição. Trata-se da garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à
pessoa idosa que não possua meios de prover a própria manutenção nem tenha
família que possa provê-lo. Esse benefício, denominado “benefício de prestação
continuada”, foi regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº
8.742/1993), que o limitou a pessoas idosas com 65 (sessenta e cinco) anos ou
mais. Mais uma vez, diante do silêncio do texto constitucional, é razoável que a
legislação estabeleça determinado parâmetro para definir quem é a pessoa idosa
tutelada pelo benefício.

Já no capítulo voltado especificamente para a família, a criança, o adolescente e


o idoso, a Constituição consagrou, em seu art. 230, o dever do Estado, da família
e da sociedade de amparar as pessoas idosas:

ART. 230. A FAMÍLIA, A SOCIEDADE E O


ESTADO TÊM O DEVER DE AMPARAR AS
PESSOAS IDOSAS, ASSEGURANDO SUA
PARTICIPAÇÃO NA COMUNIDADE,
DEFENDENDO SUA DIGNIDADE E BEM-ESTAR
E GARANTINDO-LHES O DIREITO À VIDA.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988.

Trata-se, aqui, de um dispositivo que reflete o que o ministro Carlos Ayres


Britto do Supremo Tribunal Federal denominou “constitucionalismo
fraternal”, que exige a efetivação de uma solidariedade social em favor da
pessoa idosa.

Igualmente, o art. 230, em seu parágrafo 2º, estabelece o direito dos maiores de
65 anos à gratuidade dos transportes coletivos urbanos. Apesar da previsão
constitucional expressa, a matéria chegou a ser levada ao Supremo Tribunal
Federal em ação que impugnava o art. 39 do Estatuto do Idoso, que reproduzia
este dispositivo.

No entendimento do STF, diante da garantia de gratuidade inserida na


Constituição, não se poderia falar em violação pela legislação que reitera o texto
constitucional.

Dado o reconhecimento do direito dos idosos pelo Supremo Tribunal


Federal, vale conferir o julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
3.768 (ADI nº 3.768):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


ART. 39 DA LEI N. 10.741, DE 1º DE OUTUBRO
DE 2003 (ESTATUTO DO IDOSO), QUE
ASSEGURA GRATUIDADE DOS TRANSPORTES
PÚBLICOS URBANOS E SEMIURBANOS AOS
QUE TÊM MAIS DE 65 (SESSENTA E CINCO)
ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL. NORMA
CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E
APLICABILIDADE IMEDIATA. NORMA LEGAL
QUE REPETE A NORMA CONSTITUCIONAL
GARANTIDORA DO DIREITO. IMPROCEDÊNCIA
DA AÇÃO. 1. O ART. 39 DA LEI N. 10.741/2003
(ESTATUTO DO IDOSO) APENAS REPETE O
QUE DISPÕE O § 2º DO ART. 230 DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. A NORMA
CONSTITUCIONAL É DE EFICÁCIA PLENA E
APLICABILIDADE IMEDIATA, PELO QUE NÃO
HÁ EIVA DE INVALIDADE JURÍDICA NA NORMA
LEGAL QUE REPETE OS SEUS TERMOS E
DETERMINA QUE SE CONCRETIZE O QUANTO
CONSTITUCIONALMENTE DISPOSTO. 2. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
JULGADA IMPROCEDENTE.

ADI Nº 3.768, 2007.

DIREITO PREFERENCIAL DE
RECEBIMENTO DE PRECATÓRIOS
Outro importante direito assegurado pela Constituição à pessoa idosa diz respeito
à preferência no recebimento de precatórios.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM SEU ART. 100,


ESTABELECEU UM MECANISMO PRÓPRIO DE
PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES
PECUNIÁRIAS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA,
BUSCANDO ASSEGURAR IMPESSOALIDADE
NA SATISFAÇÃO A CREDORES.

Diferentemente do que acontece com um indivíduo que perde em uma ação


judicial, a Fazenda Pública não deve pagar as condenações judiciais
imediatamente. Esse pagamento é feito pelo mecanismo do precatório: a dívida
é inscrita no orçamento das entidades de direito público até 1º de julho, para que
seja realizado o pagamento até o final do exercício seguinte, na ordem
cronológica de apresentação dos precatórios.

Isso significa que o prazo para pagamento de condenações judiciais pela


Fazenda Pública nunca será inferior a aproximadamente seis meses.

Na prática, porém, diversos entes públicos reiteradamente descumprem o dever


de pagar seus precatórios, mesmo quando já há muito está esgotado o prazo de
pagamento. Em razão disso, diversas emendas à Constituição foram editadas, de
forma a reduzir tais dívidas e facilitar o pagamento pelos entes.

É nesse contexto de “calote” dos precatórios que surge um tratamento


diferenciado e privilegiado em favor da pessoa idosa. Nos termos do art. 100,
parágrafo 2º, da Constituição, os créditos de natureza alimentícia inscritos em
precatório serão pagos com preferência, caso seus titulares tenham 60
(sessenta) anos de idade ou mais:

ART. 100.
§ 2º OS DÉBITOS DE NATUREZA ALIMENTÍCIA
CUJOS TITULARES, ORIGINÁRIOS OU POR
SUCESSÃO HEREDITÁRIA, TENHAM 60
(SESSENTA) ANOS DE IDADE, OU SEJAM
PORTADORES DE DOENÇA GRAVE, OU
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, ASSIM
DEFINIDOS NA FORMA DA LEI, SERÃO PAGOS
COM PREFERÊNCIA SOBRE TODOS OS
DEMAIS DÉBITOS, ATÉ O VALOR
EQUIVALENTE AO TRIPLO FIXADO EM LEI
PARA OS FINS DO DISPOSTO NO § 3º DESTE
ARTIGO, ADMITIDO O FRACIONAMENTO PARA
ESSA FINALIDADE, SENDO QUE O RESTANTE
SERÁ PAGO NA ORDEM CRONOLÓGICA DE
APRESENTAÇÃO DO PRECATÓRIO.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988.

Essa previsão tem um objetivo específico que vai além da vulnerabilidade da


pessoa idosa. O texto constitucional concluiu que, sem esse tratamento
diferenciado, seria possível que diversas pessoas idosas jamais
recebessem o pagamento das condenações judiciais promovidas em seu
favor ou mesmo que, recebendo após anos, não pudessem gozar dessas
condenações.

PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL NA PROTEÇÃO À PESSOA
IDOSA
É interessante notarmos que, diferentemente do que ocorre com os povos
indígenas e com as minorias de gênero, a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal ainda é escassa em matéria de proteção à pessoa idosa. Isso ocorre
principalmente pelo fato de que a Constituição não previu amplos direitos
em favor desse grupo, o que reduz o parâmetro de controle de atos do
Poder Público.

Além disso, no sistema jurisdicional brasileiro, a proteção da pessoa idosa


depende, em larga medida, da implementação de políticas públicas no campo da
saúde, do emprego, do lazer, da moradia e do mercado de trabalho, cuja
implementação e desenho recaem com muito mais peso sobre:

Poder Legislativo

Define seus objetivos, suas fontes de financiamento e seus parâmetros gerais.

Poder Executivo

Efetivamente implementa as medidas concretas necessárias ao atingimento das


finalidades constitucionais.

Isso não significa que os desafios da proteção da pessoa idosa estejam


superados. Longe disso, há muito que se avançar nesse sentido. O
Supremo Tribunal Federal pode, eventualmente, ser chamado a avaliar
omissões e violações aos direitos desse grupo.

Hoje, no entanto, a tutela da pessoa idosa ocorre especialmente fora do debate


da jurisdição constitucional, evidenciando para nós, estudiosos do Direito, como
os direitos fundamentais dependem, em geral, da atuação de outros agentes
externos ao sistema de Justiça.

A PROTEÇÃO DO IDOSO COMO


DEVER DA FAMÍLIA E DO ESTADO:
ENTRE SOLIDARIEDADE E
POLÍTICAS PÚBLICAS
O especialista Wallace Corbo fala sobre A proteção do idoso como dever da
família e do Estado: entre solidariedade e políticas públicas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. SOBRE A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PESSOAS


IDOSAS, ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:

A) A pessoa idosa que não possua meios de prover a própria manutenção ou de


tê-la provida por sua família tem direito ao benefício mensal de um salário-
mínimo.

B) Nos termos do Estatuto do Idoso, considera-se pessoa idosa aquela com idade
igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

C) A proteção da pessoa idosa é dever do Estado e da própria pessoa, com


exclusão de quaisquer outros.

D) A proteção à pessoa idosa ocorre especialmente no campo das políticas


públicas.

E) É constitucional a gratuidade nos transportes públicos, assegurada a pessoas


com 65 anos ou mais.
2. SOBRE OS CONCEITOS QUE ENVOLVEM AS PESSOAS
IDOSAS E OS DIREITOS ASSEGURADOS A ELAS, ASSINALE A
ALTERNATIVA CORRETA:

A) A pessoa idosa não goza de direitos específicos na Constituição.

B) Diferentemente do que ocorre com relação a outros grupos sociais, a Fazenda


Pública deve pagar, de imediato, as condenações judiciais realizadas em favor da
pessoa idosa.

C) A vulnerabilidade da pessoa idosa decorre de sua idade avançada, fragilidade


de saúde e dificuldade de inserção em diversos espaços sociais.

D) O Poder Judiciário, em geral, e o Supremo Tribunal Federal, em específico,


são os principais promotores dos direitos da pessoa idosa.

E) Idoso é um conceito jurídico indeterminado, que admite diferentes


conformações pelo legislador, desde que não ultrapassem os sentidos mínimos
do termo.

GABARITO

1. Sobre a proteção constitucional às pessoas idosas, assinale a alternativa


incorreta:

A alternativa "C " está correta.

De acordo com o art. 230 da Constituição Federal, a proteção da pessoa idosa é


dever não apenas do Estado, mas também da sociedade e da família.

2. Sobre os conceitos que envolvem as pessoas idosas e os direitos


assegurados a elas, assinale a alternativa correta:

A alternativa "C " está correta.


A vulnerabilidade a que se sujeita a pessoa idosa diferencia-se, por vezes,
daquela que atinge outros grupos sociais. Enquanto indígenas, negros e mulheres
sofrem discriminações estruturais ao longo de sua vida, as pessoas idosas
encontram-se vulnerabilizadas especialmente em razão da dificuldade de
exercerem sua autodeterminação por motivos de saúde e de idade avançada, o
que também atinge o gozo de seus direitos em outros espaços.

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Supremo Tribunal Federal tem abordado o tema dos direitos de grupos
vulneráveis. Descobrimos como, por vezes, é em sede judicial que muitos direitos
podem ser conquistados, a despeito das resistências que enfrentam no campo da
política majoritária.

Temas como a promoção dos direitos de povos indígenas, o combate à


desigualdade e à discriminação de gênero em diversas facetas, e a proteção da
pessoa idosa revelaram as possibilidades e os desafios na relação entre Justiça e
minorias sociais e políticas.
FALA, MESTRE!
Mestres de diversas áreas do conhecimento compartilham as informações que
tornaram suas trajetórias únicas e brilhantes, sempre em conexão com o tema
que você acabou de estudar! Aqui você encontra entretenimento de qualidade
conectado com a informação que te transforma.

Qual o papel da Justiça na redução das desigualdades sociais?

Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e
primeira desembargadora negra do TJRJ, discorre sobre o compromisso que a
Justiça deveria ter com a redução das desigualdades sociais.

Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e
primeira desembargadora negra do TJRJ, discorre sobre o compromisso que a
Justiça deveria ter com a redução das desigualdades sociais.

AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020].

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos


Jurídicos. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do
Idoso e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, º out.
2003.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade


3.768. Relator: Cármen Lúcia, 19 de setembro de 2007. Diário da Justiça
Eletrônico: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Dje-131, Brasília, DF,
2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF/709 – Medida Cautelar na Arguição


de Descumprimento de Preceito Fundamental Nr. 709. Relator: Ministro
Roberto Barroso, 8 de julho de 2020. Diário da Justiça Eletrônico: jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, Dje-174, Brasília, DF, 2020.

CORBO, W. Discriminação indireta: conceito, fundamentos e uma proposta de


enfrentamento à luz da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

GARGARELLA, R. Derecho y grupos desaventajados. Barcelona: Gedisa


Editorial, 1999.

LENZA, P. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva


Educação, 2017.

MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:


Saraiva Educação, 2020. (Série IDP).

SARLET, I. W.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Curso de Direito


Constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2016.
EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos tratados neste tema, pesquise:

No YouTube e assista às sustentações orais realizadas na ADI nº 4.275, que


discutiu sobre o direito de pessoas trans à alteração de nome e sexo no registro
civil:

Sustentação oral STF – Registro de Pessoas Trans, por Wallace Corbo.

Sustentação oral STF – Registro de Pessoas Trans, por Gisele Alessandra.

Sustentação oral STF – Registro de Pessoas Trans, por Maria Berenice.

Na mesma plataforma, assista ao julgamento do Supremo Tribunal Federal que


tratou da luta contra o coronavírus em um grupo social considerado vulnerável:
Pleno Combate à Covid-19 em comunidades indígenas.

CONTEUDISTA

Wallace Corbo

 CURRÍCULO LATTES
DESCRIÇÃO
A fundamentação histórica dos Direitos Humanos e sua estruturação e efetivação no cenário nacional e
internacional.

PROPÓSITO
Compreender o que são os Direitos Humanos e quais são seus objetivos para uma formação
profissional plena que respeita os indivíduos permitirá que sua atuação contribua para a manutenção do
bem-estar social.

PREPARAÇÃO
Para esse módulo, o uso de um dicionário jurídico facilitará o entendimento de termos específico da
área.
OBJETIVOS

MÓDULO 1

Reconhecer as características e a evolução dos Direitos Humanos

MÓDULO 2

Identificar os argumentos teóricos e as críticas aos Direitos Humanos

MÓDULO 3

Contrastar a diversidade das culturas aos Direitos Humanos

MÓDULO 4

Analisar a estruturação dos Direitos Humanos no Brasil

INTRODUÇÃO
Os Direitos Humanos são um conjunto de direitos considerados essenciais para que qualquer ser
humano, independentemente de sua condição, origem, seu credo, sua raça ou orientação política, viva
com dignidade. A existência desse conjunto é de conhecimento geral e não é raro vermos referências
aos Direitos Humanos em reportagens ou conversas cotidianas. No entanto, ainda não são
compreendidos pelas pessoas.

Poucos entendem o que eles representam realmente e o que procuram fazer. Diversas informações
equivocadas sobre o assunto circulam e, muitas vezes, a mensagem tem distorções propositais para
questionar a importância dos Direitos Humanos e fazer que eles sejam negados a um determinado
grupo de pessoas.

A Ciência prega que um profissional entenda do assunto para além do senso comum e que tenha o
conhecimento suficiente para utilizar de forma correta a informação.

Este conteúdo tem o objetivo de propor um debate sobre os Direitos Humanos, dividindo o assunto em
quatro módulos, que abordarão a construção ética e histórica do conceito, procurando definir quais são
esses direitos e como eles foram moldados; as críticas e atualizações sobre seus preceitos básicos; a
discussão sobre seu caráter universal e a necessidade de que ele atenda a diferentes grupos; sua
formação jurídica e, finalmente, seu desenvolvimento no Brasil. Com esse debate, poderemos
compreender seus fundamentos, suas críticas e sua funcionalidade no Brasil e no mundo.

GLOSSÁRIO

Vamos conceituar alguns termos que serão abordados ao longo do tema.

MÓDULO 1

 Reconhecer as características e a evolução dos Direitos Humanos

CONSTRUÇÃO ÉTICA E HISTÓRICA DOS


DIREITOS HUMANOS
Imagem: Shutterstock.com

Direitos Humanos são direitos básicos que devem ser garantidos a todo ser humano independentemente
de sua condição. O significado parece simples, mas definir o que são condições mínimas para que
qualquer ser humano, em qualquer lugar do planeta, viva de forma digna é uma tarefa complexa, mais
ainda se pensarmos que essas condições se modificam ao longo do tempo.

Geralmente, quando falamos desse assunto, nos referimos aos Direitos Humanos criados recentemente
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, escrita em 1948, pela Organização das Nações
Unidas, popularmente conhecida como ONU.

 ATENÇÃO

Não se pode ignorar que, antes dessa declaração ser escrita, existiu um longo caminho de construção
de direitos básicos, com interesses que se modificam com o passar do tempo. Para compreendermos o
que são os Direitos Humanos, no século XXI, precisamos observar o desenvolvimento das necessidades
dos seres humanos ao longo do tempo e as lutas que foram travadas para desenvolver esse conceito.

É certo que, se observarmos cada sociedade, desde os primeiros povos, veremos que cada um teve as
suas urgências e que, em alguns momentos, foi preciso estabelecer um conjunto de leis, de regras ou
de ideias para garantir o mínimo de dignidade e condições de sobrevivência para todos.

Ao longo do tempo, as guerras aconteceram e deixaram alguns grupos mais interessados em garantir a
sua integridade do que outros, tecnologias foram sendo criadas e vistas como fundamentais para uma
condição digna de vida.

À medida em que o tempo passa e fatos acontecem, outras dificuldades aparecerão e nos farão
repensar o que consideramos essencial para viver.
 EXEMPLO

Após a pandemia de coronavírus, é possível que o acesso universal à vacinação seja muito mais
valorizado como um direito básico e reivindicado do que em outros tempos.

CADA ÉPOCA TEM SUAS NECESSIDADES BÁSICAS, QUE


SURGEM EM UM DETERMINADO CONTEXTO.

PRIMEIRAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS

As primeiras referências ao termo Direitos Humanos datam dos séculos XVII e XVIII, na Europa
Ocidental, quando se vivia a chamada crise do absolutismo, ou seja, no momento em que a ideia de um
governante soberano com todos os direitos concentrados em suas mãos perdia força.

 SAIBA MAIS

A historiadora Lynn Hunt afirma que, em um primeiro momento, a expressão não tinha o mesmo
conteúdo político e legal que conhecemos atualmente e que, naquele tempo, “direitos humanos” era
uma expressão usada apenas como um contraponto aos direitos divinos. (HUNT, 2009)

Sobre o assunto, o filósofo Norberto Bobbio afirmou que esse período pode ser conhecido também
como “era dos direitos”, pois foi naquele tempo que as ideias dos filósofos do Iluminismo inspiraram
os liberais a lutarem contra os absolutistas, criando um “Estado de direito”, ou seja, um Estado que
tinha sua organização determinada pelo uso das leis (BOBBIO, 1992).

ILUMINISMO

Movimento intelectual do século XVIII que questionou os princípios políticos e religiosos da época.
Ainda segundo Hunt, foi o Iluminismo que materializou a noção de direitos básicos para todos,
principalmente por meio de dois documentos que vamos analisar a partir de agora: a Declaração de
Independência, dos Estados Unidos; e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita
durante a Revolução Francesa.

DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS


UNIDOS

Esse documento foi resultado da insatisfação dos estadunidenses, naquele momento conhecidos como
as Treze Colônias Inglesas da América, com a metrópole Inglaterra.

Na época, os colonos viviam com uma relativa independência política e econômica até que foram
convocados pela Inglaterra a se envolver numa guerra contra os franceses, a Guerra dos Sete Anos.
Mesmo indo à batalha e garantindo a vitória inglesa no conflito, os americanos se viram, ao final da
Guerra dos Sete Anos, obrigados a pagar dívidas inglesas e a obedecer a ordens autoritárias da
metrópole.

Insatisfeitos, os colonos se reuniram e escreveram uma carta ao rei e ao parlamento inglês em que
declaravam sua fidelidade à Inglaterra, mas reclamavam das medidas adotadas. A carta não teve a
resposta esperada e, em 1776, os colonos americanos voltaram a se reunir no Segundo Congresso da
Filadélfia, onde redigiram a Declaração de Independência, na qual informavam à metrópole os motivos
pelos quais os colonos estavam rompendo com a Inglaterra e não fariam mais parte do reino inglês.

Imagem: Independence Hall/ Wikimedia Commons/ Domínio Público.


 O congresso votando pela independência.

Essa declaração americana anuncia que todos os homens são criados iguais por Deus e que recebem
Dele direitos que não lhes deveriam ser retirados: a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Esses
direitos são vistos pelos autores do documento como verdades “autoevidentes”, ou seja, direitos que são
natos a todos os seres humanos e que, caso não sejam respeitados pelo governo, o povo tem o direito e
o dever de substituir o governante ou de mudar as regras da política até que possa ser possível
desfrutar dos direitos com segurança.

O que podemos entender a partir dessa declaração é que a finalidade do documento não era
estabelecer direitos básicos, até porque eles são autoevidentes e estariam naturalmente disponíveis em
uma nação justa, mas que esses direitos são citados para argumentar a necessidade de rompimento
com a metrópole pela falta de respeito a eles, criando as bases da nova nação que iria surgir.

Com isso, a declaração demonstrou as intenções daquele momento, mas ainda não estava tornando
oficiais esses direitos, isso só iria acontecer posteriormente, em 1787, quando foi assinada a
Constituição dos Estados Unidos.

Neste novo documento, nota-se que alguns daqueles direitos autoevidentes não foram respeitados: as
leis estadunidenses, por exemplo, permitiam que a escravidão permanecesse legal nos Estados Unidos,
recusando-se aos trabalhadores escravizados ao menos dois dos três direitos básicos apresentados na
Declaração de Independência, como a liberdade e a busca pela felicidade.

Imagem: explorepahistory/ Wikimedia Commons/ Domínio Público.


 Pintura mostrando o massacre de Wyoming por militantes
lealistas e indígenas contra cidadãos americanos da fronteira,
Alonzo Chappel, 1778.
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO
CIDADÃO

Esse documento também foi resultado de um conflito que teve início com a insatisfação do povo com o
seu governante. Dessa vez, o descontentamento era dos franceses com o rei absolutista Luís XVI.

Após o envolvimento da França para apoiar os americanos na Guerra de Independência dos Estados
Unidos, o monarca francês tentou controlar uma crise econômica aumentando os impostos cobrados da
população, mas manteve as classes privilegiadas isentas de contribuição.

Inspirados também pelos valores iluministas, o povo se rebelou e se proclamou, em Assembleia


Nacional, para subordinar o rei a uma constituição. Assistindo as movimentações nas ruas e sem
conseguir controlar a situação, o rei reconheceu a legitimidade da Assembleia e orientou que os grupos
privilegiados também fossem cobrados.

Em 1789, com todas as classes reunidas, a Assembleia francesa aprovou a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão.

Imagem: Grands Salles des Menus-Plaisirs em Versalhes/Wikimedia Commons/ Domínio Público.


 Abertura da Assembleia dos Estados Gerais,
Isidore-Stanislaus Helman e Charles Monnet, 1789.

O documento francês defendeu que a ignorância, a negligência ou o menosprezo aos direitos dos
homens eram a razão da difícil situação em que o povo se encontrava e que, para mudar a situação, era
necessário defender de forma solene os direitos considerados naturais, inalienáveis e sagrados do
homem.
 ATENÇÃO

Aqui, podemos observar que, apesar de acreditar que existem direitos que são naturais aos homens,
diferentemente da ideia americana, eles não são evidentes por si só e precisam ser ditos e defendidos.

Como confirmação, podemos indicar o primeiro direito da declaração francesa, que afirma que os
homens não só nascem, como devem permanecer livres e iguais, ou seja, não é uma condição
provisória que pode ser retirada em algum momento, mas inerente ao ser humano.

Se compararmos as duas declarações, vamos encontrar outras diferenças importantes.

Imagem: Shutterstock.com

DECLARAÇÃO FRANCESA

Foi escrita para listar e defender os direitos considerados essenciais.

Documento legal escrito por uma Assembleia reconhecida pelo Estado, base da Constituição que seria
aprovada posteriormente e que repercutiu em direitos legais que tiveram atuação real.


Imagem: Shutterstock.com

DECLARAÇÃO AMERICANA

Apontou para a existência de alguns direitos básicos para defender um outro propósito, a
independência.

Documento no qual um comitê, representando as Treze Colônias, localizadas na América do Norte, foi
nomeado pelo Congresso para redigir a declaração.

Essas duas declarações alimentaram o início de um debate sobre os Direitos Humanos e serviram
de exemplo durante todo o século XIX para a criação de novos regimes políticos, incentivando os
processos de independência das colônias americanas, criando um novo mundo.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS

No século XX, os valores do mundo se transformaram mais uma vez, agora não por meio de processos
revolucionários, mas por duas conhecidas guerras que se iniciaram na Europa, envolveram países de
todos os continentes e deixaram um rastro de barbárie e mortes.
Foto: Everett Collection / Shutterstock.com
 Primeira Guerra Mundial – Batalha de Verdun (abril – junho, 1916).

Vamos acompanhar como as duas guerras mundiais influenciaram a criação dos direitos humanos como
existem atualmente e como essa declaração foi criada.

PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Em janeiro de 1919, pouco depois de acabar a Primeira Guerra Mundial, as nações vitoriosas se
reuniram na Conferência de Paz de Paris e assinaram o Tratado de Versalhes que, entre outras
decisões, criou a Liga das Nações, um órgão internacional que tinha como objetivo interceder pela paz.


SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Apesar dos esforços dessa organização, poucos anos depois, ou como descreve a Carta das Nações
Unidas “no espaço de uma vida humana”, um novo conflito de proporções ainda maiores viria acontecer,
a Segunda Guerra Mundial. O mundo se chocou ao viver o horror do uso de novas tecnologias de
guerra, de campos de concentração e de extermínio em massa, pelos dois lados do conflito.

Assim como na Primeira, no final desta Guerra, em 1945, os países vitoriosos se reuniram e assinaram
acordos para restabelecer a paz no mundo. Entre as decisões tomadas, criou-se uma organização
internacional neutra para substituir a Liga das Nações, a chamada Organização das Nações Unidas
(ONU).

O objetivo desse novo órgão foi descrito na Carta das Nações Unidas, produzida e assinada na cidade
de São Francisco, nos Estados Unidos, ainda no ano de 1945. Nesse documento, determina-se que a
ONU representa um pacto entre as nações que devem se observar e procurar juntas mediar as ações e
decisões tomadas por todos, a fim de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra” e reafirmar
a “fé nos direitos fundamentais do homem e no valor da pessoa humana; na igualdade de direitos dos
homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas”. Também eram objetivos desse
documento manter a justiça, o respeito, promover o progresso social, melhores condições de vida e a
liberdade. Para alcançar esses objetivos, três anos depois, em 1948, a ONU produziu a Declaração
Universal dos Direitos Humanos.

Imagem: Clam15/Wikimedia Commons/ Domínio Público.


 A ONU em 1945. Em azul claro, os membros fundadores. Em azul escuro, os protetorados e
territórios dos membros fundadores.

A Assembleia Geral da ONU desejava que essa Declaração fosse um ideal comum a ser buscado por
todos os povos e nações e anunciou trinta artigos que compreendem direitos como a proteção e
segurança pessoal, a abominação à escravatura ou servidão, à tortura, ao reconhecimento de todos os
indivíduos como seres jurídicos, ao casamento e ao fim dele, ao trabalho e ao repouso, entre outros.

Esse documento tornou-se extremamente importante na busca pelos direitos básicos, pois ele não foi
um documento regional, como as declarações americana e francesa, mas um tratado internacional, que
trabalhou e ainda atua para que esses direitos estejam mais perto de todos os seres humanos.

Nela são reconhecidos como direitos inalienáveis a liberdade, a justiça e a paz e é criado um conceito
importante para envolver todos os seres humanos em um patamar de igualdade, a ideia de que todos
fazemos parte de uma mesma família, a família humana. Essa ideia declara que não há diferença entre
os seres humanos, pois todos os indivíduos são parentes e têm a mesma origem, trazendo um
sentimento de afeto para reforçar que devemos respeitar o próximo e ter empatia por ele.
Foto: Neptuul/Wikimedia Commons/ CC BY 3.0.
 Nobel da Paz de 2001 – diploma na entrada da Sede da ONU
em Nova York.

 SAIBA MAIS

A Declaração das Nações Unidas de 1948 é o maior documento legal de direitos humanos produzido e,
para chegar a todos os seres humanos, essa declaração se tornou o texto mais traduzido no mundo.

Com sua grande tradução para vários idiomas e com um grande esforço de circulação, a declaração foi
e é analisada e estudada intensivamente por juristas de todas as nacionalidades, que identificam três
características que se tornam seus três pilares fundamentais.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS


HUMANOS
Foto: Shutterstock.com

UNIVERSALIDADE

A primeira característica desses direitos é que eles são universais, como indica o próprio nome. Isso
significa dizer que eles devem estar disponíveis ao acesso de todos os membros da família humana
igualmente, não podendo ser restringidos a ninguém.

Por essa condição, se alguém não puder gozar de algum desses direitos, todos os demais membros da
família humana estão ameaçados, pois eles não estão em pleno funcionamento. Assim, não é permitido
que algum direito seja aplicado a apenas uma pessoa ou grupo.

 EXEMPLO

Vamos pensar no direito à liberdade: se em algum lugar do mundo for permitido que algum ser humano
seja submetido a condições de trabalho escravo, isso significa que todos os outros seres humanos
correm o mesmo risco. Se vale para um, vale para todos.

INTERDEPENDÊNCIA

Outra característica é que esses direitos são interdependentes, ou seja, um direito complementa o
outro, a existência de um está condicionada à existência de todos os demais. Aqui entendemos que
nenhum direito é mais importante do que os demais. Eles se apoiam, como em um castelo de cartas. Se
um for ameaçado, todo o conjunto pode ruir.
 EXEMPLO

Se alguém estiver passando fome, ou seja, se tiver o seu direito de ter uma alimentação adequada
ameaçado, é possível que essa pessoa não consiga exercer a seu direito à liberdade, pois a essa
pessoa nada mais interessará, e todos os seus esforços estarão focados em alimentar-se, e ela pode
acabar aceitando qualquer condição imposta. Sua liberdade dependerá do acesso à alimentação. Assim,
podemos dizer que um direito só funciona se o outro também funcionar.

INDIVISIBILIDADE

A última característica é a indivisibilidade, que significa que não pode haver uma divisão desses
direitos em categorias. É preciso entender e respeitá-los como um todo, enxergando que os direitos
individuais, políticos, sociais e econômicos interagem e não podem ser afastados uns dos outros.

 EXEMPLO

Não é possível que uma nação mova esforços para garantir apenas os direitos políticos da sua
população sem garantir os direitos individuais dela, pois esses dois direitos não estão separados.

Vamos pensar nos primeiros anos da República no Brasil, no final do século XIX e o início do século XX.
Naquele momento, novos direitos políticos foram criados, permitindo que alguns homens votassem e
escolhessem seus governantes. No entanto não foram criadas condições para que o direito individual
fosse respeitado e, assim, esses eleitores eram ameaçados para que o voto fosse dado a um candidato
específico.

AMEAÇADOS

A essa prática de manipulação eleitoral demos o nome de voto de cabresto. Aqui entendemos que
o direito político e o direito individual não estão divididos e separados, ou seja, um direito não
existe sem o outro.
FASES DOS DIREITOS HUMANOS

Agora, destacaremos os principais eventos que marcaram os Direitos Humanos.

Ao acompanhar a trajetória dos Direitos Humanos, entendemos que seus objetivos e suas
características foram construídas ao longo do tempo.

PRIMEIRA GERAÇÃO

As declarações americana e francesa integram a primeira geração, que buscou a liberdade ao rejeitar o
controle do Estado absolutista e procurar limitar poderes autoritários, já que esses interferiam
diretamente no livre arbítrio de decisões individuais.

SEGUNDA GERAÇÃO

A segunda geração, no século XX, com as declarações e os tratados internacionais das Nações Unidas,
reafirmou a liberdade da primeira geração e buscou a igualdade, criando a ideia de família humana, em
que todos os seres humanos foram postos no mesmo patamar.


TERCEIRA GERAÇÃO

A partir dos anos de 1960, a última geração avançou sobre os direitos coletivos e difusos, ou seja, os
direitos que representam os indivíduos, mas que são do interesse de todos e que só podem ser exigidos
por todos juntos.

Enfatizou-se a defesa de interesses como a preservação do meio ambiente, o direito à paz e o


compartilhamento de conhecimento, tecnologia e cultura. Para entendermos melhor, vamos observar o
exemplo da preservação da Floresta Amazônica, que é uma preocupação coletiva e só pode ser exigida
em nome de todos.

Para concluir, podemos entender que a questão dos direitos demanda atualização e esforço por sua
manutenção. Apesar da intenção de colaborar com a criação de direitos básicos, nenhuma das três
declarações citadas teve valor constitucional, isto é, nenhuma teve valor de lei, foi capaz de garantir os
direitos universais ou de impedir regressos.

 SAIBA MAIS

Pouco depois da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a França voltou a ter um rei no
poder e depois da produção da Declaração dos Direitos Humanos, o mundo voltou a vivenciar diversas
guerras, genocídios e ditaduras.

Entendemos que esses direitos não são garantias, e, sim, um trabalho em progresso. Por isso,
precisamos estar sempre vigilantes para não retrocedermos em nenhuma conquista.

VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. AO ACOMPANHAR A HISTÓRIA DAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS
PRODUZIDAS AO LONGO DO TEMPO COMPREENDEMOS QUE:

A) A Declaração de Direitos Humanos da ONU superou todas as demais declarações, pois todos os
direitos defendidos eram inéditos na história.

B) O conjunto de Direitos Humanos que compreendemos atualmente é fruto de uma construção histórica
que se expandiu por vários países e está em constante evolução.

C) As declarações dos Direitos Humanos são documentos criados espontaneamente por cada
sociedade quando seus regimes estão estáveis e maduros.

D) As declarações de direitos ganharam visibilidade mundial, pois conseguiram transformar as


necessidades do povo em leis universais.

E) A Declaração de Independência foi uma vitória dos americanos, pois, a partir do seu processo de
independência, teve início o poder americano no mundo.

2. OS DIREITOS HUMANOS POSSUEM ALGUMAS CARACTERÍSTICAS QUE OS


AJUDAM A SE FORTALECER E SER GARANTIDOS POR UM TODO. SOBRE
ESSAS CARACTERÍSTICAS, É CORRETO AFIRMAR QUE:

A) Todos os direitos são independentes, ou seja, cada um tem sua importância e são debatidos isolados.

B) Todos os direitos são indiscutíveis, ou seja, sua importância é tão grande que eles deveriam ser
compreendidos por si só.

C) Todos os direitos são capacitistas, ou seja, determinam que os seres humanos devem ser exaltados
pelas suas melhores habilidades.

D) Todos os direitos são indivisíveis, ou seja, precisam ser respeitados como um todo.

E) Todos os direitos são jurídicos, a serem discutidos em espaços das leis, sem foco social.

GABARITO

1. Ao acompanhar a história das declarações de direitos produzidas ao longo do tempo


compreendemos que:

A alternativa "B " está correta.

A Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU reuniu alguns direitos que já haviam sido
debatidos em outras declarações com o objetivo de defender todos os integrantes da família humana.

2. Os Direitos Humanos possuem algumas características que os ajudam a se fortalecer e ser


garantidos por um todo. Sobre essas características, é correto afirmar que:

A alternativa "D " está correta.

Os direitos são indivisíveis, pois nenhum é mais importante que o outro ou pode ser interpretado
sozinho.

MÓDULO 2

 Identificar os argumentos teóricos e as críticas aos Direitos Humanos

FUNDAMENTAÇÃO E RECONSTRUÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS

Foto: Shutterstock.com

Ao acompanhar a trajetória dos Direitos Humanos, entendemos que eles são frutos de um processo
histórico que combinou ideias, pensamentos e necessidades de muitos momentos e grupos.

Atualmente, rejeitamos as ideias de um rei com todo o poder concentrado em suas mãos e de uma
sociedade que define nosso lugar social desde o nascimento sem chances de definirmos nossas
próprias vidas, mas nem sempre foi assim.
Para que direitos como a limitação de poder e o princípio de igualdade se efetivassem como tratados ou
leis, foi preciso construir uma grande argumentação teórica baseada em tradicionais correntes jurídicas
filosóficas.

Para entender a sustentação teórica dos Direitos Humanos, vamos analisar essas correntes e entender
sua argumentação e suas críticas. Os Direitos Humanos podem ser justificados por, pelo menos, três
correntes filosóficas: jusnaturalista, positivista e moral.

JUSNATURALISMO

No jusnaturalismo, o direito é visto como algo intrínseco e natural ao ser humano e às leis, como
resultados desse pensamento, funcionando antes mesmo de serem legalizadas pelas constituições ou
pelo Estado.

Na Antiguidade, os direitos jusnaturalistas foram interpretados como direitos de origem divina e,


posteriormente, na Modernidade, foram entendidos pelo uso da razão humana e vistos como direitos
naturais.

Segundo essa corrente, eles existem, pois haveria uma demanda natural da sociedade por certos
princípios, sendo os direitos uma consequência natural da organização dos homens e mulheres,
existindo independentemente de qualquer constituição ou diploma legal.

 EXEMPLO

Para compreensão do pensamento jusnatural temos o direito à vida. Os jusnaturalistas acreditavam que
se as pessoas têm naturalmente a ideia de que tirar a vida de outro ser humano é um ato injusto, seria
desnecessário uma lei para impedir que as pessoas se matem.

 ATENÇÃO

O uso do argumento jusnatural para defender os Direitos Humanos, no entanto, sofre uma crítica, pois,
acompanhando o seu desenvolvimento histórico, entende-se que os Direitos Humanos não são pré-
existentes ou uma necessidade natural da vida em sociedade.

Como nos mostra a história, os Direitos Humanos seriam fruto da evolução, da necessidade e do
entendimento de um grupo. Na crítica ao fundamento jusnaturalista, podemos ressaltar o
questionamento feito pela professora Lynn Hunt sobre a natureza “autoevidente”, definida pela
Declaração de Independência dos Estados Unidos; se esses são direitos tão óbvios por que eles
precisam ser reafirmados de tempos em tempos?

Foto: Shutterstock.com

POSITIVISMO

A corrente jurídica do positivismo entende que os direitos não são elementos naturais numa
sociedade. Eles seriam o resultado de discussões e entendimentos do Estado, que decide pela
oficialização e pela legalização de uma certa norma.

Segundo essa corrente, o direito só existe por determinação legal, ou seja, os Direitos Humanos só
passam a existir quando são institucionalizados e recebem o reconhecimento em forma de lei, em
constituições ou em tratados internacionais.

Para os positivistas não existem direitos como ideias, e os Direitos Humanos são apenas o que a lei
determina que são Direitos Humanos. Se estão representados apenas por declarações, eles não
existem e ninguém tem a obrigação de segui-los.
Imagem: Autor desconhecido/ Wikimedia Commons/ Domínio Público.
 Auguste Comte, formulador do positivismo.

 ATENÇÃO

A crítica acusa que a interpretação literal do que é um direito enfraquece a proteção dos Direitos
Humanos, pois deixa de fora uma série de direitos de grande importância, que são reconhecidos pela
comunidade ou que ainda estão sendo discutidos, antes de ser inscritos em alguma legislação.
Considerar apenas o que está previsto em lei implica numa redução de direitos.

MORALISMO

A corrente moralista, como a jusnaturalista, defende que os direitos são normas que não precisam
da sua oficialização em leis e constituições para ter validade; sua importância está diretamente
relacionada às necessidades e aos valores da sociedade em que estão inseridos. Mas, diferentemente
do jusnaturalismo, o direito moral não acontece naturalmente na sociedade, ele se baseia nas
necessidades e nos valores específicos morais e éticos de um determinado grupo.

 EXEMPLO
Não há uma lei que obrigue que as pessoas precisam respeitar uma fila que tenha se formado, ninguém
será preso por furar uma fila. Em algumas culturas, essa regra é importantíssima, e você pode até
mesmo se ausentar da fila por algum motivo que, ao retornar terá seu lugar garantido, enquanto, em
outros grupos, passar à frente de uma pessoa que estava desatenta não é um grande problema, e é até
normal.

 ATENÇÃO

A crítica a essa corrente aponta também para uma limitação que põe em risco os direitos, pois, se
cada sociedade possui seu próprio conjunto de valores e tem um entendimento moral, vários direitos
humanos diferentes seriam reivindicados pelo mundo, e o conjunto se enfraqueceria como um direito
universal.

CONSTRUÇÃO TEÓRICA DOS DIREITOS


HUMANOS
Apesar das diferenças evidentes, essas três teorias não se contradizem nem disputam entre si, elas se
complementam e colaboram para que os direitos humanos tenham sustentação e atuação mais forte na
sociedade.

É importante lembrar que a Declaração Universal de Direitos Humanos e os demais tratados da ONU
são declarações de intenção, ou seja, não são leis válidas por si só. Eles estão baseados nas teorias
moral e jusnatural e precisam do esforço e das estruturas legais dos países inscritos nas Nações Unidas
para que se positivem, ou seja, que se tornem legais e, de fato, possam ser acessados com mais
efetividade por todos.

Entretanto, sem o entendimento jusnatural e sem uma base moral e os esforços das Nações Unidas, os
defensores desses direitos não têm argumentos no debate, a fim de conseguir valor legal em todos os
lugares do mundo e, assim, alcançar toda a família humana.

Para refletirmos, se os direitos humanos fossem somente de natureza jusnatural, sem apoio moral, ou
seja, se não estivessem de acordo com os valores da sociedade, não haveria um entendimento da sua
urgência e eles não teriam aplicação prática na sociedade. Da mesma forma, se os direitos humanos
não tivessem uma argumentação baseada nos valores morais da sociedade, dificilmente eles
conseguiriam se transformar em discussões e, posteriormente, em leis, e não seriam positivados.

Vejamos o direito defendido pelo artigo 5º da declaração de 1945, que diz que “ninguém será submetido
à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Pela doutrina jusnatural,
ninguém deveria ser submetido à tortura, pois isso é um direito autoevidente, é um entendimento natural
que isso não deve acontecer, mas, se o ato não for ilegal naquela nação, ou se aquele valor não estiver
inscrito também na moral daquela sociedade em questão, corre-se o risco de que se ignore o senso
comum e a tortura, de fato, aconteça.

Foto: Shutterstock.com

Foto: Raymond D’Addario/Wikimedia Commons/Domínio Público.


 Banco dos réus no tribunal de Nuremberg.

Para entendermos a complexidade dessas correntes, também podemos pensar nas discussões do
Tribunal de Nuremberg, uma corte internacional formada ao final da Segunda Guerra Mundial para julgar
os oficiais de alta patente do regime nazista alemão pela acusação dos crimes contra a humanidade.

Na ocasião, a defesa dos militares nazistas foi montada sob o argumento de que seus atos eram legais
dentro do sistema de leis alemãs vigente no momento das ações, ou seja, quando os crimes foram
cometidos, nos locais em que foram cometidos, eles não infringiram nenhuma lei.

Nesta argumentação, pela corrente jusnaturalista, deve-se descartar o argumento da legalidade e se


condenar os atos como crimes, por se tratar de atitudes que deveriam ser naturalmente rejeitadas por
todos. Por outro lado, a ideologia positivista alega legitimidade dos atos dentro do sistema legal da
nação onde ocorreram.

Foto: Departamento de defesa/Wikimedia Commons/Domínio Público.


 Prisioneiros do campo de concentração de Wöbbelin.

Essa corrente ficou abalada e foi amplamente questionada por ter dado respaldo legal a ações dessa
natureza, legitimando atuações com indiferença aos valores éticos.

RUPTURA E RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS


HUMANOS
Além do debate sobre a legalidade, as políticas dos regimes fascistas foram um marco para as
discussões sobre violação de direitos e a responsabilidade da comunidade internacional em situações
como essa.

A filósofa alemã Hannah Arendt produziu importantes reflexões sobre o tema já que parecia que, apesar
do debate político e teórico que havia sobre direitos universais até a primeira metade do século XX, todo
o esforço político e filosófico não produzira efeitos práticos na sociedade.

Analisando os acontecimentos daquela época, Arendt, que escreveu seus estudos na metade do século
XX, propôs que havia acontecido uma ruptura nos Direitos Humanos, não somente por parte dos
regimes totalitários, de direita ou de esquerda – incluindo-se o regime stalinista na União Soviética -,
mas também por conta das políticas imperialistas praticadas naquela época, quando alguns países
impuseram políticas racistas de exploração e domínio sobre diversos povos africanos e asiáticos.

Foto: Dmitry Borko/Wikimedia Commons/ CC BY-SA 4.0.


 “Muro das lamentações” na primeira exposição das vítimas
do stalinismo em Moscou, 19 de novembro de 1988.

Se, após anos de debate sobre o assunto, o mundo vivenciou tais políticas bárbaras de desrespeito à
vida, era necessário refletir e criar novas condições para uma reconstrução dos direitos universais.

Segundo a filósofa, uma questão para se reconstruir esses direitos era dar atenção aos homens e
mulheres que perderam seu lugar na sociedade e na política, sejam por eles serem minorias ou por
terem tido necessidade de sair de seu local de origem, tornando-se apátridas ou refugiados.

Esse foi o problema fundamental que se agravou no período entreguerras. Após a dissolução dos
impérios ao final da Primeira Guerra Mundial, alguns grupos, como os armênios, os húngaros e os
romenos, perderam sua nacionalidade e se tornaram apátridas.

Outros grupos tiveram de sair e se refugiar em outros países, como milhares de judeus alemães, que
fugiram das políticas antissemitas do regime nazista (neste grupo encontra-se a própria Hannah Arendt
e seus familiares). Houve, ainda, aqueles que sofreram perseguições por suas escolhas religiosas, de
afetividade ou por convicções políticas, como os anarquistas e os comunistas.
Houve, nesse período, um grande deslocamento geográfico de pessoas pela Europa. Ao fugir de suas
terras, elas entraram como imigrantes em outros países, perdendo a proteção legal do Estado.

Foto: German Federal Archive/ Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0 DE.


 Judeus polacos expulsos da Alemanha em outubro de 1938.

Para Arendt, o grupo dos apátridas foi o que teve a situação mais angustiante e o que mais precisava de
atenção, pois, além de terem perdido seus direitos, eles não eram reconhecidos como iguais perante a
lei, já que a lei nem existia mais para eles.

Ao ser expulso da sua comunidade, o apátrida se vê isolado e destituído da sua humanidade. Com
tantas pessoas sem proteção de um Estado, surge a necessidade de uma política internacional que
garanta o atendimento dos direitos a essas pessoas independentemente da sua situação.

A ideia central de Hannah Arendt para a reconstrução dos direitos humanos é a de que o primeiro direito
a ser defendido tem de ser o direito a se ter direitos. Se há lugares no mundo onde indivíduos não têm
acesso a nenhum direito ou lhes é negado até mesmo o direito a participar dos debates políticos; não
tendo acesso a todo esse sistema internacional, ele está excluído.

ESTA NOVA SITUAÇÃO, NA QUAL A HUMANIDADE


ASSUMIU ANTES UM PAPEL ATRIBUÍDO À NATUREZA, OU
À HISTÓRIA, SIGNIFICARIA NESSE CONTEXTO QUE O
DIREITO A TER DIREITO, OU O DIREITO DE CADA
INDIVÍDUO A PERTENCER À HUMANIDADE DEVERIA SER
GARANTIDO PELA PRÓPRIA HUMANIDADE.

(ARENDT, 2004, p. 332)

Em outras palavras, seria necessário garantir que todos os homens e mulheres sem condições ou
exceções obtenham proteção jurídica na mesma medida que todos os demais. O indivíduo deveria ser
reconhecido como cidadão do mundo ou, como foi dito na declaração da ONU, integrante da família
humana, sem diferença entre nativo e estrangeiro.

Se o indivíduo precisa ter direitos acima do Estado, ele também necessita de um Estado para
transformar o princípio dos Direitos Humanos em lei na sociedade onde vive.

Os Direitos Humanos são progressivamente conquistados e devem ser continuamente defendidos,


baseando-se em argumentos bem construídos, a partir de suporte teórico e ações positivas. Observando
as rupturas sofridas, entendemos que seu estabelecimento não é definitivo e precisa ser questionado e
redefinido de tempos em tempos.

PRINCIPAIS OLHARES SOBRE OS DIREITOS


HUMANOS

Neste vídeo, vamos recuperar os principais olhares sobre os Direitos Humanos.

VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. SEGUNDO A FILÓSOFA HANNAH ARENDT, APESAR DOS ESFORÇOS PARA A
CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, ALGUNS ACONTECIMENTOS DO
FINAL DO SÉCULO XIX E DO INÍCIO DO SÉCULO XX CAUSARAM UMA RUPTURA
DESSES DIREITOS E, POR CONTA DISSO, A AUTORA DEFENDE UMA
RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. SOBRE O ASSUNTO, ASSINALE A
ALTERNATIVA CORRETA:

A) O ponto-chave na teoria da autora é a luta pelo direito a se ter direitos, pois muitas pessoas se
encontram totalmente desprotegidas e sem possibilidade de recorrer a ajuda de nenhum Estado.

B) O período mais tenso que a humanidade já passou foi durante a Guerra Fria, quando a iminência de
uma nova guerra mundial fragilizou a constituição dos países e muitos indivíduos ficaram sem
assistência jurídica.

C) A teoria da autora sofre diversas críticas internacionais, pois, ao apontar os problemas enfrentados
pelos Direitos Humanos sem indicar soluções, a filósofa estaria fragilizando a fundamentação dos
direitos.

D) A teoria de Hannah Arendt encontra-se totalmente superada nas discussões jurídicas, pois os
problemas apontados pela filósofa foram resolvidos ao final da Guerra Fria, quando os países socialistas
aceitaram fazer parte das Nações Unidas.

E) O argumento de Arendt, judia que viveu os horrores da Guerra, é considerado literário e emocional,
sendo adaptado pelos intelectuais, à lógica da defesa dos Direitos Humanos do cidadão.

2. PARA SE CONSOLIDAREM OS DIREITOS HUMANOS, FOI PRECISO BASEAR


SUA ARGUMENTAÇÃO EM DIVERSAS CORRENTES FILOSÓFICAS JURÍDICAS.
SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, PODEMOS AFIRMAR
QUE:

A) O jusnaturalismo é a corrente filosófica que possui menos reconhecimento no mundo jurídico, pois
seus argumentos são baseados em regras locais que não são aceitas por todos os grupos.

B) O positivismo é a corrente mais importante para a consolidação dos Direitos Humanos, pois somente
essa corrente defende que o direito se transforma em lei e passa a ter validade.

C) A corrente moralista é a corrente que menos recebe críticas, pois baseia-se na moral que é um
conceito universal e compreendido por todos os seres humanos.

D) Não há como determinar que corrente teórica é mais importante para a consolidação dos Direitos
Humanos, pois todos os argumentos reforçam a importância desses direitos.

E) A corrente educacional dos Direitos Humanos defende que a única possibilidade é pensar o direito
das crianças. Para os adultos já não teria mais sentido.

GABARITO

1. Segundo a filósofa Hannah Arendt, apesar dos esforços para a construção dos direitos
humanos, alguns acontecimentos do final do século XIX e do início do século XX causaram uma
ruptura desses direitos e, por conta disso, a autora defende uma reconstrução dos Direitos
Humanos. Sobre o assunto, assinale a alternativa correta:

A alternativa "A " está correta.

Segundo Hannah Arendt, na primeira metade do século XX, muitos indivíduos ficaram desprotegidos
judicialmente e os Direitos Humanos deveriam ocupar justamente esse espaço e servir a todos
independentemente da ação dos Estados.

2. Para se consolidarem os Direitos Humanos, foi preciso basear sua argumentação em diversas
correntes filosóficas jurídicas. Sobre a fundamentação dos direitos humanos, podemos afirmar
que:

A alternativa "D " está correta.

Todas as argumentações teóricas possuem o mesmo peso, pois todas recebem críticas e juntas elas se
complementam.

MÓDULO 3

 Contrastar a diversidade das culturas aos Direitos Humanos

FUNDAMENTOS DO UNIVERSALISMO VERSUS


MULTICULTURALISMO
Imagem: Shutterstock.com

O ano de 1948 se tornou um marco na história dos Direitos Humanos Naquele ano, as Nações Unidas
proclamaram sua declaração, propondo que este recurso estivesse à disposição de todas as pessoas da
família humana.

Esta declaração pretendia servir de base para a garantia de direitos em todos os lugares do mundo. No
entanto, não foi denominada como uma declaração internacional, mas autointitulada de declaração
universal.

A escolha do seu nome atendia à ideia de que esses direitos deviam estar acima de um ou outro país e
proclamava que esses direitos pertencem a todo mundo sem nenhuma condição ou exceção.

Ao pensar sobre a universalidade, surgiu um novo questionamento: seria possível criar um direito básico
que atendesse a todas as demandas, independentemente do gênero, da religião, da nacionalidade ou
qualquer outra característica da pessoa? Os Direitos Humanos deviam ou podiam ser universais?

A ideia de ser um recurso legal básico disponível para o mundo inteiro parecia ideal e irrecusável. Se
direitos são vistos como benefícios, não haveria razão para ser rejeitada por alguém, mas, apesar da
boa intenção, a ideia não foi aceita unanimemente.

 SAIBA MAIS

Há anos, a questão vinha sendo discutida e a universalidade desses direitos vinha sendo contestada,
principalmente pelos países não europeus, que não concordavam que essa declaração atendesse a
todas as culturas. Eles enxergavam que a proposta foi produzida a partir dos princípios ocidentais, com
fortes tendências eurocêntricas, e que ela impôs o que devia ser acolhido por todos, sem levar em
consideração que, em outras partes do globo, existem culturas diferentes, outras demandas sociais,
outras religiões além do cristianismo e de outras formas de organização política.
CRÍTICAS AO UNIVERSALISMO

Para os críticos da universalidade dos Direitos Humanos, a ideia de se criar um conjunto de direitos
básicos capazes de atender a todos se mostra até mesmo soberba, se levarmos em consideração que
ela foi escrita por um grupo, e não por todas as nações.

A partir dessa ideia, poderia ser criada a noção de que existe um grupo que é capaz de entender
sozinho as necessidades de todo o mundo e que pode decidir por todos o que é necessário para se ter
uma vida digna sem consultar aqueles que irão usufruir desse modo de vida.

Dessa maneira, reforça-se a ideia de hierarquia e desigualdade, segundo a qual um grupo ou uma
cultura é superior a outro e que pode ter a tutela do mundo.

Por esse ponto, surge também uma acusação de que, ao se fazer dessa declaração universal, pode-se
chegar ao efeito de uma prática imperialista, pois são impostas políticas de um grupo sobre os demais.
Pensar a universalidade dos Direitos Humanos como uma prática imperialista é um ponto
especificamente interessante, pois, segundo Hannah Arendt, foram justamente as políticas imperialistas
praticadas pela Europa no final do século XIX que romperam os Direitos Humanos no passado e deram
origem aos grandes conflitos do século XX. Assim, a universalidade acabou tornando-se um objetivo
contraditório, pois, ao mesmo tempo em que procura garantir direitos a todos, acaba ocasionando sua
própria ruptura.

Imagem: Shutterstock.com

Respondendo à acusação de ser uma declaração imperialista e imposta ao mundo, os defensores do


caráter universal da carta argumentam que, após a elaboração da Declaração, diversos países, de todos
os continentes e das mais variadas culturas, aderiram voluntariamente ao documento.
Assim, a legitimidade do caráter universal da Declaração mostrou-se naturalmente, na medida em que
os países se preocupam em adaptar suas constituições a esses valores, esquecendo-se de que uma
das principais características dessa Declaração é que ela é um objeto histórico, fruto do seu tempo,
resultado das necessidades de uma época, que procura atender às demandas de uma parte da
sociedade, geralmente a que a produziu, e que está em constante mudança e adaptação e nunca se
tornará definitiva, sempre havendo o que melhorar.

MULTICULTURALISMO

Diante de tantas críticas, surge o multiculturalismo, uma corrente em contestação à visão universalista e
que amplia as possibilidades de inclusão desses direitos em todo o mundo. Essa corrente tem como um
de seus principais apoiadores o sociólogo Boaventura de Souza Santos que, apesar de ser português,
critica a visão eurocêntrica da Declaração e procura discutir as diferenças culturais existentes no mundo
para contribuir com uma declaração mais plural.

O sociólogo afirma que é natural que todas as culturas enxerguem os seus princípios como os valores
mais corretos, que deveriam ser adotados pelos demais — ou não cultivariam aqueles hábitos. A
questão é que os ocidentais são os únicos que ultrapassam os limites, buscando se expandir e
se impor a todo o restante do mundo.

Ele diz que quando se assume a ideia da universalidade dos Direitos Humanos, tenta-se impor as
vontades locais ao todo, e que a solução para tal problema seria aceitar as diferenças existentes no
mundo e mudar a qualificação desses direitos, de universais para multiculturais. Caso contrário, a
Declaração acaba se tornando um instrumento que põe as civilizações em choque umas com as outras.

 ATENÇÃO

É importante reconhecer esses problemas para não cairmos na armadilha de relativizar todas as
atitudes em nome dos valores locais. Boaventura combate a ideia de relativizar as culturas ao extremo e
justificar todas as ações cometidas sem questioná-las.

O que dizer de se assistir a uma sociedade que provoca o mutilamento genital de meninas e mulheres
sem questionar, permitindo que atrocidades sejam cometidas em nome da cultura? Assumir as
imperfeições e os limites da cultura é o melhor caminho para a construção de direitos humanos
multiculturais.

Para Santos, o multiculturalismo representa o equilíbrio entre a competência global e a legitimidade


local, ou seja, entre aquilo que precisa ser um ponto em comum entre todos e o respeito das
características de cada comunidade. Antes de tudo, é necessário criar um conjunto de direitos que
promova a igualdade ao mesmo tempo que são respeitadas as diferenças culturais das diversas
comunidades.

Imagem: Shutterstock.com

[...] TEMOS O DIREITO A SER IGUAIS QUANDO A NOSSA


DIFERENÇA NOS INFERIORIZA; E TEMOS O DIREITO A SER
DIFERENTES QUANDO A NOSSA IGUALDADE NOS
DESCARACTERIZA. DAÍ A NECESSIDADE DE UMA
IGUALDADE QUE RECONHEÇA AS DIFERENÇAS E DE UMA
DIFERENÇA QUE NÃO PRODUZA, ALIMENTE OU
REPRODUZA AS DESIGUALDADES.

(SANTOS, 2003: 56)

Devemos reconhecer as diferenças entre os seres humanos, mas essa diferença não pode provocar
nem desigualdade e tampouco uma hierarquia, definindo pessoas em condições superiores ou inferiores
umas às outras, ou determinando quem deve mandar e quem deve obedecer, quem deve ser respeitado
e quem deve se submeter.
DIVERSIDADE CULTURAL

É preciso procurar, por meio do diálogo intercultural, atitudes que possam ser assumidas em diversos
grupos ou que sejam praticadas de formas diferentes, mas que tenham o mesmo objetivo de não
inferiorizar o outro.

 ATENÇÃO

Nunca se deve assumir um valor que classifique uma cultura ou um grupo como mais correto que outro.
Sobre essa relação de diferença e igualdade, podemos pensar no seguinte exemplo: homens e
mulheres são diferentes, mas isso não é, ou não deveria ser, motivo de tratamento desigual pela
sociedade.

As doutrinas cristã e judaica oferecem visões religiosas distintas, mas, para a sociedade, essa questão
não deveria ser hierarquizante nem gerar disputa entre seus praticantes.

Outro ponto que deve ficar claro a respeito das culturas é que elas são dinâmicas e que igualdade não é
sinônimo de uniformidade: apesar de serem originários do mesmo continente, norte-americanos,
brasileiros e argentino têm características bastante diferentes.

As versões de uma mesma cultura precisam ser também avaliadas e entendidas separadamente para
não se criar falsas generalizações.

Foto: Shutterstock.com
Dentro do grupo dos islâmicos, existem os xiitas, os sunitas e outras correntes. As ideias de cada um
desses grupos podem ser iguais em certo aspecto e radicalmente contrastantes em outros. Todas as
diferenças devem ser aceitas pela sociedade desde que nenhum valor inferiorize ou ameace o
outro. A burca utilizada pelas mulheres mulçumanas deve ser compreendida como um hábito cultural,
mas debatida quando mulheres que não a desejam, sejam obrigadas a vesti-la.

A aceitação das diferenças é importante até mesmo para que se garanta que os Direitos Humanos
sejam atendidos. Em cada sociedade, um direito irá repercutir de uma maneira. Um princípio contrário
às práticas cotidianas locais pode levar ao descumprimento contínuo de um direito, seja ou não seja lei.
Sem aceitação da comunidade, o direito não tem efetividade.

É preciso lembrar que os Direitos Humanos estão em constante debate e evolução e que, há anos, as
Nações Unidas assumem a missão de mediar os interesses de todos e promover debates acerca do
assunto para reorganizar os direitos universais.

Mesmo admitindo a existência de críticas, é preciso reconhecer o esforço da Declaração Universal e de


tantos outros tratados e documento redigidos pela ONU, ainda que alguns posicionamentos sejam
questionáveis é pelo trabalho que se faz uma movimentação global por um debate que visa promover os
sistemas jurídicos dos países em busca de uma situação confortável para todos.

A sociedade deve seguir aprendendo a tratar todas as pessoas com igualdade e a compreender
as diferenças da família humana.

Foto: Shutterstock.com

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A ORDEM


JURÍDICA
Se em um primeiro momento as declarações de direitos essenciais preocuparam-se com a garantia da
liberdade e da igualdade, no século XX, outro conceito passou também a ser considerado fundamental:
o respeito à dignidade da pessoa humana.

O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas assinado em 1948
afirma: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

O Brasil, que participa da ONU e que firmou o compromisso de garantir os direitos humanos a seus
indivíduos, positivou essa ideia na Constituição de 1988, que está em vigor.

Também no primeiro artigo da nossa Carta Magna, registra-se que a “República Federativa do Brasil (...)
tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana”.

A importância da dignidade é tratada em outros momentos, como no Artigo 170, no qual consta que toda
ação econômica tem como finalidade garantir uma existência digna. O artigo 230 define que é dever da
família, da sociedade e do Estado defender a dignidade das pessoas idosas.

A seguir, veremos o conceito de dignidade da pessoa humana.

Foto: Bogdan Khmelnytskyi / Shutterstock.com

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Dignidade da pessoa humana são as condições mínimas necessárias para que uma pessoa viva uma
vida justa, em condições adequadas e sem depreciação. Este é um valor absoluto, regulador de todos
os objetivos do ser humano, pois nada é mais importante do que a garantia das condições vitais para a
sobrevivência nesse mundo.

É uma noção incomensurável, insubstituível e que não permite equivalente, ou seja, é um valor que não
tem como ser medido de forma quantitativa ou qualitativa. A dignidade humana não pode ser trocada por
nenhuma outra coisa, possui um valor que não é comparável a nenhum outro.

Não há uma definição legal única que determine que condições são essas, pois elas variam em cada
cultura ou sociedade. Veja os dois exemplos a seguir:

Foto: Shutterstock.com

Para um homem europeu, ateu e inserido no mundo capitalista, essa noção pode estar completamente
baseada nas conquistas financeiras e na possibilidade de desenvolvimento da sua carreira ou do seu
negócio.


Foto: Shutterstock.com

Já uma mulher, árabe e praticante do islamismo pode ter essa noção amparada na possibilidade de
constituir uma família e de criar seus filhos dentro dos princípios da sua religião.

Seja como for, mesmo variando, é certo que todos os grupos e culturas nutrem valores básicos que
formam seu conceito de dignidade humana.

Nas sociedades ocidentais, podemos reconhecer as condições da dignidade da pessoa humana como
as que foram trazidas na Declaração dos Direitos Humanos da ONU, pois, se a declaração foi escrita
por representantes da cultura ocidental como os valores mínimos necessários para todas as pessoas, é
lá que estão descritos os seus pilares. Porém, apesar de serem direitos universais, eles não refletem as
condições da dignidade humana em todas as culturas do mundo.

 COMENTÁRIO

Segundo o sociólogo Boaventura de Souza Santos, para que os direitos humanos alcancem o maior
número de pessoas da família humana e se tornem multiculturais, é fundamental ter clareza de que
todas as culturas possuam sua concepção de dignidade da pessoa humana e que nem todas
enxergarão a sua noção de dignidade contemplada nos termos da declaração das Nações Unidas.

Para o melhor consenso, já que nem todas as concepções de dignidade humana conseguirão ser
contempladas, por serem opostas ou contraditórias, uma solução seria procurar atender ao maior
número possível de seres humanos, buscando uma versão mais aberta do conceito, ou seja, a visão da
dignidade humana que melhor será aceita dentro das particularidades das outras culturas.
 ATENÇÃO

Dentro de uma mesma cultura, pode haver diversas correntes, umas mais conversadoras que outras e
nenhuma concepção de direitos humanos seria capaz de agradar a todas elas. Dentro dos regimes
políticos ocidentais, por exemplo, há regimes democráticos e autoritários, e mais inflexíveis e o diálogo é
sempre bem-vindo.

CONCEITOS E SUAS TRANSFORMAÇÕES

Neste vídeo, vamos entender os conceitos e transformações pelos quais os direitos humanos passaram.

TRANSFORMAÇÕES NO CONCEITO

Também é necessário compreendermos que, assim como os direitos humanos são um conceito
construído a partir das demandas históricas que se modificam na medida em que novos acontecimentos
surgem, a noção de dignidade da pessoa humana de cada grupo e de cada época também é mutável.

Uma significativa transformação desse conceito aconteceu no momento após a Segunda Guerra
Mundial, quando houve a chamada “virada kantiana”, que rejeitou qualquer espécie de coisificação e
instrumentalização dos homens e mulheres. A dignidade da pessoa humana passou a ser considerada
um fim para a humanidade e não um meio para a construção do mundo.

Atualmente, não são mais as pessoas que precisam se esforçar para construírem uma sociedade
agradável, mas o contrário, o mundo é que precisa ser agradável para que as pessoas possam viver em
plenitude, seguras e felizes.
ESTRUTURAÇÃO DOS DIREITOS UNIVERSAIS

É quando se inverte a lógica e se assume que a sociedade deve acolher as pessoas, e não o contrário,
que a carta de Direitos Humanos universais das Nações Unidas é escrita.

A partir daquele momento, segundo o professor Fernando Quintana (1999), podemos separar os
esforços da ONU com os Direitos Humanos Universais em três fases de composição:

PRIMEIRA FASE
SEGUNDA FASE
TERCEIRA FASE

PRIMEIRA FASE

Seria a burocrática, a fase da definição dos Direitos Humanos.

SEGUNDA FASE

Período de promoção e estabelecimento desses direitos pelo mundo, quando foram realizados
congressos, publicações e diversos debates e estudos.

TERCEIRA FASE

A atual fase de proteção, em que é necessário observar e controlar o estabelecimento e o cumprimento


desses direitos. Foram criados comitês e grupos para fiscalizar e denunciar violações dos Direitos
Humanos em todos os países que aceitaram integrar ou não as Nações Unidas.

Para garantir o sucesso dessa declaração e o acesso aos direitos fundamentais a toda a “família
humana”, também foi necessário comprometer os países, fazendo com que assumissem compromissos
e tratados e construíssem um sistema que possibilitasse seu funcionamento.

Dessa forma, desde 1966 até os dias atuais, já foram assinados nove tratados que devem ser
observados e implementados pelos países membros e que levam em consideração temas específicos
como a tortura, os imigrantes, as crianças, as pessoas com deficiências e a discriminação racial e contra
a mulher, entre outros.

Foto: Shutterstock.com

Além disso, constituiu-se uma estrutura chamada Sistema Internacional de Proteção dos Direitos
Humanos, por órgãos como os comitês regionais; o Sistema Interamericano de Direitos Humanos; o
Sistema Europeu de Direitos Humanos e o Sistema Africano de Direitos Humanos.

Esses sistemas regionais acompanham diretamente os países integrantes e se responsabilizam pelos


demais países que não fazem parte de nenhum comitê regional, não ficando estes excluídos de acionar
os direitos internacionais.

É papel dos comitês regionais se responsabilizar pela proteção de pessoas cujos países não têm um
órgão similar. Ou seja, cabe a esses comitês ultrapassarem sua esfera e prestarem auxílio a países e
cidadãos de países sem comitê regional que necessitem de acolhimento e de proteção, fazendo valer o
princípio de que antes de o indivíduo ser pertencente a um país, ele é integrante da família humana.

VAMOS DEBATER O CONCEITO DE DIREITOS


HUMANOS
Vamos ouvir o professor Rodrigo Rainha sobre esse processo e as dificuldades em situar a
fundamentação destes conceitos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. A UNIVERSALIDADE É UMA CARACTERÍSTICA QUE LEVANTA UM AMPLO


DEBATE SOBRE A FORMA COMO OS DIREITOS HUMANOS SE APRESENTAM
AO MUNDO. SENDO ASSIM, É CORRETO AFIRMAR QUE A UNIVERSALIDADE
DOS DIREITOS HUMANOS:

A) Visa atender a todos os seres humanos sem nenhum critério de distinção, mas recebe críticas pois
não abre espaço para as diferenças culturais.

B) É a forma mais correta de se criar direitos humanos, impondo que sejam aceitos por todas as
culturas, pois algumas são extremamente fechadas e não garantem direitos aos indivíduos.

C) É um conceito ultrapassado que foi levantado durante a Revolução Francesa, mas que atualmente foi
substituído pelo relativismo cultural.

D) Visa fazer uma campanha mundial para que todos os países encontrem um ponto em comum das
suas culturas e reduzam o relativismo cultural.

E) Defende a unidade do mundo, criando uma ideia de igualdade em uma grande aldeia global.

2. SOBRE A ESTRUTURA CRIADA PELAS NAÇÕES UNIDAS PARA DEBATER,


FISCALIZAR E GARANTIR O ACESSO DOS DIREITOS HUMANOS A TODOS OS
MEMBROS DA FAMÍLIA HUMANA, É CORRETO AFIRMAR QUE:

A) Apesar de toda a estrutura criada pela ONU, o continente africano encontra-se sem nenhuma
fiscalização dos Direitos Humanos e, por isso, existem graves violações.
B) Foram criados diversos comitês para defender os Direitos Humanos, mas eles ainda não cobrem
todos os continentes, entretanto, isso não significa que aquelas pessoas estão desassistidas.

C) A ONU possui atualmente uma estrutura em remodelação já que, após o fim da Guerra Fria, as
estruturas políticas mundiais se transformaram.

D) Não há uma estrutura permanente para a defesa dos Direitos Humanos pela ONU. As Assembleias
para a discussão de novas pautas são convocadas de acordo com a necessidade e, a cada nova
reunião, um novo país se apresenta como sede.

E) As Nações Unidas assumem uma função política, redistribuindo para a Unesco e outras agências os
debates de Direitos Humanos.

GABARITO

1. A universalidade é uma característica que levanta um amplo debate sobre a forma como os
direitos humanos se apresentam ao mundo. Sendo assim, é correto afirmar que a universalidade
dos direitos humanos:

A alternativa "A " está correta.

Críticos defendem que não há possibilidades de um direito ser aplicável a todas as culturas, a única
forma de se fazer isso é entendendo as diferenças e criando um direito multicultural.

2. Sobre a estrutura criada pelas Nações Unidas para debater, fiscalizar e garantir o acesso dos
Direitos Humanos a todos os membros da família humana, é correto afirmar que:

A alternativa "B " está correta.

Apesar da Ásia e da Oceania não terem comitês regionais, isso não significa que os cidadãos daqueles
países estão desassistidos pois, em uma situação de violação de direitos, todos os comitês precisam
romper seu caráter regional e garantir a proteção dos seus vizinhos.

MÓDULO 4

 Analisar a estruturação dos Direitos Humanos no Brasil


LINHA DO TEMPO DOS DIREITOS HUMANOS NO
BRASIL
Vamos iniciar o módulo com uma linha do tempo que mostra a estruturação dos Direitos Humanos no
Brasil.

BRASIL E O CONTEXTO DA PROTEÇÃO DOS


DIREITOS HUMANOS

Foto: Dado Photos / Shutterstock.com

Se a Segunda Guerra Mundial foi o fator-chave para que, ainda na primeira metade do século XX, a
Europa Ocidental e a América do Norte começassem a pensar na atual ideia de direitos humanos, o
Brasil, que não teve participação direta no conflito e tem outra história, outra sociedade com outros
problemas e outras questões sociais, percorreu um caminho diferente na construção e na garantia
desses direitos.

Participamos do esforço inicial das Nações Unidas, mas suspendemos nossos trabalhos por algumas
décadas e, só no final dos anos de 1980, conseguimos positivá-los em nossa Constituição de 1988.

Consequentemente, se aderimos aos Direitos Humanos mais tarde, isso significa que ainda estamos
trabalhando no seu desenvolvimento e, pensando na situação atual do país e da população brasileira,
ainda teremos muitos desafios para consolidá-los. Muitos questionamentos podemos fazer:

Como desenvolver leis que tenham por princípio que todas as pessoas são iguais em um país de
extrema desigualdade?

Conseguiremos superar nosso passado de atraso?

Em qual estado nos encontramos e quais são nossas perspectivas?

FORMAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL

O Brasil é um país consideravelmente jovem e em pleno desenvolvimento político. Da nossa trajetória


histórica, costumávamos conhecer e contar apenas uma parte, a partir da chegada dos europeus neste
território. A seguir, confira o processo de desenvolvimento político e social:

Imagem: Acervo do Museu Histórico Nacional/ Wikimedia Commons/Domínio Público.

 Desembarque de Cabral em Porto Seguro, Oscar Pereira da Silva, 1904.

O ano de 1500 foi marcante para os povos que aqui habitavam, pois, depois do primeiro contato dos
nativos com os portugueses, não demorou muito para que os interesses dos europeus dominassem a
dinâmica local e se sobrepusessem às necessidades dos povos indígenas.
Imagem: Museu Nacional de Belas Artes, RJ/ Wikimedia Commons/ Domínio Público.

 Batalha dos Gurararapes, Victor Meirelles, 1879.

A partir daquele momento, houve silenciamento e uma brutal transformação cultural, política e social.
Por bastante tempo, fomos colônia de Portugal. Inicialmente, houve pouco interesse da metrópole em
explorar nosso território. As primeiras políticas implementadas aqui tiveram o objetivo de ocupar as
terras para que não fossem tomadas por franceses e holandeses.

Imagem: Acervo Artístico do Ministério das Relações Exteriores - Palácio Itamaraty/ Wikimedia
Commons/ Domínio Público.

 Engenho de Pernambuco, Frans Post (século XVII).

A intensa produção de açúcar tinha como estrutura uma pequena elite administrando os engenhos e
bastante uso de mão-de-obra escrava indígena e africana trabalhando arduamente nas engrenagens.
Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, a população cresceu, mas a sociedade continuou dividida
entre uma pequena elite que enriquecia e trabalhadores escravizados que suavam nas minas.
Imagem: Museu Paulista/ Wikimedia Commons/ Domínio Público.

 Independência ou Morte, Pedro Américo, 1888.

Em 1822, o Brasil se torna oficialmente independente de Portugal, mas continua com boa parte da
estrutura colonial. Ao contrário de outros países, o presidencialismo não substituiu a monarquia,
tampouco o trabalho escravo foi interrompido.

Foto: Antônio Luiz Ferreira/Wikimedia Commons/Domínio Público.

 Sessão do Senado em que se aprovou a Lei Áurea, a 12 de maio de 1888.

O governo imperial retardou a abolição da escravidão até quando não foi mais possível, e o Brasil
acabou sendo o último país a assinar a abolição da escravatura. Quando a Lei Áurea libertou os
escravizados, nenhuma política foi criada para dar assistência aos libertos, que abandonados pelo poder
público, encontraram muitas dificuldades para sobreviver.
Imagem: Arquivo Nacional/Wikimedia Commons/Domínio Público.

 Capa do Diário Popular do dia 16 de novembro de 1889 noticiando a Proclamação da República.

Um ano depois da abolição, em 1889, foi proclamada a República no Brasil. Nos primeiros anos, a
participação política se manteve limitada a uma pequena parcela da sociedade. Somente ao longo do
tempo que conseguimos conquistar a ampliação dos direitos políticos para todos.

Foto: Arquivo Nacional/Wikimedia Commons/Domínio Público.

 Primeiras eleitoras do Brasil, Natal, Rio Grande do Norte, 1928.

Nas primeiras décadas desse regime, mulheres, indígenas e analfabetos não podiam votar para eleger
um representante e tampouco se candidatar para lutar pelos seus direitos.
Foto: Arquivo da Agência Brasil/Wikimedia Commons/ CC BY 3.0 BR.

 Manifestação das Diretas Já em Brasília, diante do Congresso Nacional.

A nossa República é considerada um regime político muito frágil. Ao longo dos anos, passamos por
alguns processos de impeachment e por dois longos períodos de ditadura em que o Congresso Nacional
foi fechado, a Constituição deixou de ter poder legal e o povo teve uma série de direitos suspensos.

Foto: Agência Brasil/Wikimedia Commons/CC BY 3.0 BR.

Promulgação da Constituição de 1988.

Foi somente em 1988, ao final do regime militar, que conquistamos uma nova Constituição, garantindo
amplos direitos para o povo, em vigor até os dias atuais. Pela grande quantidade de direitos garantidos
ao povo, essa Constituição recebeu o apelido de Constituição Cidadã.

CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição de 1988 é a oitava Constituição escrita no nosso país, um número considerado muito
alto. Alguns países, como os Estados Unidos, usam a mesma Constituição desde o início de sua
formação jurídica, ou precisaram passar por poucas renovações.

 ATENÇÃO

A necessidade de reescrever a Constituição várias vezes demonstra nossa instabilidade política e como,
no passado, o nosso conjunto de leis não era adequado para garantir direitos a todos nem atendia às
demandas da nossa sociedade.

A nossa atual Constituição foi escrita para superar a suspensão de direitos que passamos durante o
regime militar, para restabelecer a democracia no país e para caminhar para uma redução da
desigualdade social e o combate à corrupção.

A elaboração dessa Carta foi discutida por mais de um ano e meio por deputados e senadores eleitos
democraticamente em 1986. É importante destacar que, dos mais de 500 congressistas participantes,
menos de 30 eram mulheres, sendo que nenhuma delas ocupava uma cadeira do Senado Federal, o
que mostra ainda a gritante desigualdade de gênero na representação dos brasileiros no setor
legislativo.

Nessa Carta, foram garantidos os princípios fundamentais do Brasil como a igualdade em direitos e
obrigações dos homens e mulheres na sociedade, a liberdade de expressão e a divisão de poderes, que
garante que não teremos um poder concentrado nas mãos de uma única pessoa, como nos regimes
absolutistas. Também foram assegurados uma série de direitos sociais, como o acesso permanente à
educação, à saúde, ao trabalho e ao lazer.
Foto: Shutterstock.com
 Forte em Saint Tropez ao por do sol

Além de ampliar os direitos dos brasileiros, essa Constituição também se compromete com os direitos
em nível universal e, logo nos primeiros artigos, determina que o Brasil deve prezar nas relações
internacionais pelo predomínio dos direitos humanos.

 SAIBA MAIS

É compromisso da nação fazer parte de tribunais internacionais que discutam tais direitos. Determinou-
se, também, que a Defensoria Pública tem a função de promover e defender os direitos humanos em
todo o país.

É importante destacarmos que apesar de termos uma Constituição escrita de forma democrática e que
prevê muitos direitos sociais para o povo, somente ela não é suficiente para garantir uma vida digna
aos brasileiros. As determinações nela feitas preveem princípios que devem ser implementados no
país, mas, para que isso aconteça, é preciso que uma série de políticas e dispositivos sejam feitas para
que funcione.

Os poderes Executivo e Legislativo precisam trabalhar juntos. Por exemplo, não basta que a
Constituição determine que as pessoas tenham acesso gratuito à saúde, pois, se o poder Executivo não
planejar uma estrutura de hospitais e médicos para o atendimento de todos esses direitos, a
Constituição passa a ser mero documento de intenção.
Foto: Fabio Venni/Wikimedia Commons/CC BY-SA 2.0.
 Detalhe da favela da Rocinha, a maior do Brasil.

BRASIL NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O Brasil foi um dos países fundadores das Nações Unidas em 1945, mas, apesar da contribuição com a
elaboração da Declaração Universal no início da década de 1960, o país interrompeu a consolidação
desses direitos quando atravessou duas décadas em um regime militar que suspendeu a Constituição e
boa parte de direitos civis e políticos.

Atualmente, com os direitos restabelecidos, retomamos o processo de consolidação dos Direitos


Humanos e fazemos parte do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, que visa garantir a efetivação desses direitos em nível regional e
dar apoio aos cidadãos de país que se encontram desassistidos pelo Estado.

Possuímos compromisso ratificado com oito tratados internacionais da ONU:

Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial;

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos;

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;

Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher;


Convenção contra a Tortura;

Convenção sobre os Direitos da Criança;

Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados;

Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência.

Imagem: Shutterstock.com
 Logo das Nações Unidas.

Nos últimos anos, tornamo-nos bastante ativos na participação das Nações Unidas. Além de retificar
tratados, acompanhamos a agenda de debates, integramos, por algumas vezes, o Conselho de
Segurança da ONU, e, atualmente, temos participação permanente na Assembleia Geral. Em 2011,
nossa então presidenta Dilma Rousseff foi a primeira mulher da história a abrir os debates dessa
reunião.

APLICAÇÕES E DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS


NO BRASIL

A Constituição e as políticas públicas são as principais ferramentas para a aplicação dos Direitos
Humanos dentro de uma nação. Se essas estruturas não estiverem sendo suficientes para garantir os
direitos básicos e a dignidade da pessoa humana, qualquer pessoa ou organização pode e deve cobrar
do governo a fiscalização e a execução deles.

Entenda o processo:

Foto: athosvieira / Shutterstock.com

O ESTADO NÃO ATENDE

Uma vez que o Estado não atenda aos seus cidadãos temos ainda a possibilidade de acionar os
sistemas internacionais de proteção dos Direitos Humanos. No caso do Brasil, podemos recorrer ao
Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

ACIONAMENTO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES

No momento em que forem acionados, os órgãos competentes irão investigar e podem condenar o país
por violação dos Direitos Humanos. Essas condenações acontecem quando se identifica que os direitos
foram fortemente descumpridos e que somente uma decisão judicial ou uma indenização não seria
suficiente para reparar aquele problema.

PRESSÃO SOBRE O ESTADO

Quando uma sentença internacional é dada, ela tem como objetivo pressionar o Estado a debater o
problema, revisar os sistemas que estejam provocando essas violações e desenvolver leis e políticas
públicas que evitem novas violações dos Direitos Humanos.

Em nossa história, o Brasil foi condenado por oito vezes pela Corte Interamericana. Uma dessas
condenações foi sobre o caso conhecido como Maria da Penha. Em 1983, Maria da Penha sofreu uma
tentativa de homicídio pelo seu marido e o processo que deveria condená-lo foi tão extenso e
inconclusivo que se passaram 15 anos sem que o culpado fosse preso.

O caso foi levado à Comissão Interamericana que, em 2001, quase 20 anos depois, responsabilizou o
Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância à violência contra as mulheres. O caso repercutiu
na nossa sociedade e, atualmente, temos uma lei com o nome da vítima, cujo objetivo é estipular
punição adequada e coibir a violência contra as mulheres.
Foto: Antonio Cruz/ABr/Wikimedia Commons/ CC BY 3.0 BR.
 A farmacêutica Maria da Penha,
que dá nome à lei contra a violência doméstica.

Na nossa sociedade, é comum vermos pessoas relativizando o uso dos Direitos Humanos e
desacreditando de sua importância. Isso é prova de que vivemos em um Estado de constante violação
dos direitos humanos, onde o desrespeito por direitos básicos é comum e pouco se faz para que seja
garantida a dignidade da pessoa humana.

No cenário atual do país, ainda é preciso reforçar as instituições democráticas, produzir muito debate,
criar políticas públicas e buscar a conscientização popular para que esse conjunto de direitos seja
respeitado e a nossa comunidade possa viver com mais dignidade e menos desigualdade.

ATIVIDADE

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É UM DOS


DIREITOS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA, A ELA TAMBÉM HÁ REFERÊNCIA NA
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA ONU. SOBRE ESSE
CONCEITO, PODEMOS AFIRMAR QUE, A DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA É:

RESPOSTA

O conjunto de condições mínimas que devem ser garantidas a uma pessoa que varia de uma cultura para
outra.

Comentário:

Cada cultura possui seu conjunto de características culturais que considera essencial para a manutenção de
uma vida digna, e a preservação dessas condições é o principal objetivo dos Direitos Humanos.

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E


CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA.

Neste vídeo, o professor Rodrigo Rainha aprofundará o conceito de dignidade da pessoa humana, tendo
como base a Constituição brasileira.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. DEPOIS DA CRIAÇÃO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS UNIVERSAIS DA


ONU, O BRASIL PASSOU POR UM LONGO PERÍODO DE SUSPENSÃO DOS
DIREITOS HUMANOS. APÓS A SUPERAÇÃO DO REGIME MILITAR, QUE
SUSPENDEU A CONSTITUIÇÃO, FOI NECESSÁRIO CRIAR UM CONJUNTO DE
LEIS PARA O PAÍS. SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE 1988, ASSINALE A
ALTERNATIVA CORRETA:

A) É considerada uma constituição fraca, pois, apesar de apresentar a preocupação com muitos Direitos
Humanos, não conseguiu se estruturar na nossa sociedade e um novo projeto já é pensado para
substituí-la.
B) Preocupa-se em observar vários Direitos Humanos, mas ainda é considerada incompleta, pois
impede que o Brasil se comprometa com órgãos internacionais nos deixando isolados e sem estrutura
para defesa dos direitos universais.

C) Se tornou um exemplo mundial a ser seguido, pois observou os Direitos Humanos sugeridos pela
ONU e criou a sua própria Declaração de Direitos Humanos que já é seguida por vários países da
América Latina.

D) Ficou marcada pela quantidade de direitos garantidos à população e por positivar diversos, além de
criar estruturas para a sua promoção.

E) Foi marcada pela ausência de normativas acerca da supressão e ameaça aos Direitos Humanos.

2. APÓS O RESTABELECIMENTO DOS DIREITOS NO BRASIL COM A


CONSTITUIÇÃO DE 1988, RETOMAMOS NOSSA PARTICIPAÇÃO NA ONU. SOBRE
NOSSO COMPROMETIMENTO ATUAL COM OS DIREITOS HUMANOS E OS
DEMAIS TRATADOS DAS NAÇÕES UNIDAS, ASSINALE A ALTERNATIVA
CORRETA:

A) Desde a criação da Constituição de 1988, estamos pleiteando uma vaga na cúpula da ONU, porém
os índices de desigualdade no país nos impedem de ocupar algumas cadeiras no conselho das Nações
Unidas.

B) Temos uma ampla participação na ONU, ratificamos a maior parte dos tratados e integramos o
Sistema de Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, mas, apesar disso, ainda estamos em
processo de consolidação dos direitos universais no nosso país.

C) Apesar dos esforços para cumprir a Declaração Universal na nossa Constituição, as constantes
violações de Direitos Humanos no país nos fizeram perder espaço dentro das Nações Unidas e,
atualmente, estamos suspensos pelo grande número de processos que respondemos.

D) O Brasil se tornou exemplo de superação de desigualdades e, com uma Constituição exemplar,


atualmente, ocupamos as principais cadeiras na diretoria da ONU, tendo recebido o título de país
modelo da América Latina.

E) Não tem sido de interesse do Estado brasileiro e dos sucessivos governos instalados no controle do
Estado a participação sistemática na ONU.

GABARITO

1. Depois da criação da Declaração dos Direitos Universais da ONU, o Brasil passou por um
longo período de suspensão dos Direitos Humanos. Após a superação do regime militar, que
suspendeu a Constituição, foi necessário criar um conjunto de leis para o país. Sobre a
Constituição de 1988, assinale a alternativa correta:

A alternativa "D " está correta.

Conhecida também como Constituição Cidadã, é um exemplo na garantia de direitos e está em exercício
até os dias atuais, apesar de que mesmo depois de 30 anos ainda observamos alguns direitos que não
são observados pelo Governo.

2. Após o restabelecimento dos direitos no Brasil com a Constituição de 1988, retomamos nossa
participação na ONU. Sobre nosso comprometimento atual com os Direitos Humanos e os
demais tratados das Nações Unidas, assinale a alternativa correta:

A alternativa "B " está correta.

Apesar de participar de diversas estruturas da ONU, nossa sociedade ainda se mantém com muitas
desigualdades e, constantemente, observamos a violação de Direitos Humanos no país.

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos reforçando a ideia de que os Direitos Humanos se constituem em um constante processo de
aperfeiçoamento e de descoberta de novas necessidades. Ao longo da história, muitas vezes, os direitos
básicos não foram respeitados e o mundo precisou sair em defesa daqueles que não tinham sua
dignidade humana considerada.

A Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU é um dos documentos mais importantes para se
garantir o debate e a defesa desses direitos, mas esse documento não é unânime e sofre diversas
críticas que reforçam que esse documento nunca estará concluído.

No Brasil, tivemos uma história marcada pela escravidão que enraizou uma sociedade extremamente
desigual e com diversos problemas sociais. Apesar de fazermos parte das Nações Unidas desde os
primórdios e termos colaborado com a constituição da declaração universal, passamos por um bom
período de interrupção de garantia desses direitos no país.
Foi somente no final da década de 1980 que conseguimos garantir a responsabilidade do Estado no
cumprimento desses direitos. E, se a nossa adesão a esses direitos aconteceu tardiamente, isso
significa que temos uma estrutura menos firme para sua manutenção, uma adesão menor pela
sociedade e maiores desafios para concretizá-los. Nossa organização política ainda é recente e frágil, e
o comprometimento da atual Constituição com os Direitos Humanos é uma conquista para a garantia
dos direitos dos brasileiros.

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das letras, 2004.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CARVALHO, Jose Sérgio (Org.). Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 2004.

DANTAS, João Marcelo B. R. Ruptura e reconstrução dos Direitos Humanos em Hannah Arendt.
Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 24, n. 5671. Consultado na internet em: abril 2021. Teresina, 2021.

HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das letras, 2009.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de Direitos Humanos. Lua Nova
[online], 1997, nº 39, p. 105-124.

EXPLORE+
Que tal conhecer um pouco mais dos documentos:
Declaração Universal dos Direitos Humanos

Declaração Universal das Crianças e dos Adolescentes

Constituição Brasileira de 1988

Livro que você precisa ler:

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CONTEUDISTA
Marina Contin Ramos

 CURRÍCULO LATTES
04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 1 - Aspectos Gerais e Introdutórios


INTRODUÇÃO

Para estudarmos a sistemática da investigação e suas ramificações com aplicabilidades será importante aprofundar
algumas noções sobre conflito e a finalidade contemporânea com que os juristas compreendem a investigação na pós-
modernidade.

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

OBJETIVOS

Examinar o conceito e o alcance da investigação forense;

Compreender o significado do conflito como fenômeno social e o direito como mecanismo de seu controle;

Esclarecer que a investigação não deixa de ser um mecanismo de busca para a solução de conflitos, por meio da
descoberta da verdade.

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONFLITO


O homem, por ser um animal gregário, somente pode viver em sociedade. Organizando-se em grupo, o homem busca a
obtenção de fins comuns:

Ao se reunir em sociedade, busca alcançar o que alguns nomeiam de “felicidade”. (glossário)

Nesse contexto surge o Estado. Os homens renunciam parcela de sua liberdade com o fim de criar esse ente fictício
chamado Estado, com seus três elementos: povo, território e governo. Este conceito foi extraído da obra o ilustre
filósofo e teórico político Jean-Jacques Rousseau. (glossário)

Saiba Mais
, Tourinho Filho, lecionando sobre o tema, afirma: “visando à continuidade da vida em sociedade, à defesa das liberdades
individuais, em suma, ao bem-estar geral, os homens organizaram-se em Estado. Desde então eles se submeteram às ordens dos
governantes, não mais fazendo o que bem queriam e entendiam, mas o que lhes era permitido ou não proibido”.
É certo que a criação do Estado e a reunião do homem em sociedade não têm o condão de eliminar as intempéries
externas por completo, mas podem reduzi-las para níveis controláveis. Contudo, a própria evolução da sociedade,
acompanhada da evolução científica e do domínio do homem sobre a natureza, fizeram nascer novos fatores de risco à
sobrevivência do ser humano, enquanto raça humana. Foi o que o sociólogo Ulrich Beck chamou de “sociedade de
risco”. (glossário)

CONFLITO DE INTERESSES
No entanto, não foram apenas os riscos externos que atemorizaram os homens no viver em sociedade. A própria
convivência gera conflitos internos que ameaçam sua própria existência. Aqui sobressai a relevância ao que os
processualistas chamam de conflito de interesses.

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

Frequentemente, surge no âmbito social conflitos entre seus integrantes. O sentido comum do vocábulo interesse nos
remete à ideia de desejo, anseio, aspiração, cobiça, ambição, ou seja, a coisa que o homem quer. Não raro duas
pessoas desejam o mesmo bem, ou seja, possuem interesse pelo mesmo objeto, inclusive acreditando terem direito a
tal bem.

Atenção
, Entretanto, os bens são limitados à porção do mundo exterior e que possam satisfazer a necessidade do homem, enquanto esta
mesma necessidade é ilimitada, fazendo surgir um conflito de interesses, pois um depende do outro, há uma ligação entre esses
dois termos, daí a decorrência do conflito. E sendo os bens limitados e a vontade humana ilimitada, a sociedade precisou
disciplinar tal conflito que surgiam em torno dos bens.
Surge o conflito de interesses quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade excluir a situação
favorável à satisfação de uma necessidade distinta. Isso é vislumbrado quando uma pessoa possuir mais de um
interesse que se sobrepõe ao interesse do outro.

Quando uma das partes envolvidas nesse conflito resiste à pretensão da outra, diz-se que existe o conflito de
interesses ou litígio.

Pois bem, o conflito está intimamente ligado à ideia de interesse, uma vez que deste decorre. Cada ser humano possui
a sua necessidade e procura a sua satisfação. Ocorre que muitas vezes a busca por essa satisfação se dá por meio de
um bem, confrontando ao interesse de outrem, pois os bens são limitados. Segundo orientação de Schnitman (1999):

MODOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

Fonte da Imagem: Supoj Pongpancharoen / Shutterstock

Para a solução de conflitos, os homens desenvolveram, ao longo da história, inúmeras formas de resolução de
conflitos, inicialmente relegadas ao próprio particular, conhecida como justiça privada.

A primeira delas e, talvez, a mais usual, era o uso da força, conhecida tecnicamente como autodefesa ou autotutela.
Dito de outra forma, quando a decisão do conflito depende da força dos competidores, o mais forte sempre terá a
razão ao seu lado.

A autodefesa sempre apresentou graves inconvenientes, pois a solução do conflito estaria ligada diretamente à
superioridade de forças de uma das partes.
Considerando os inconvenientes da justiça privada e da autotutela, nasceu a necessidade de que a solução dos
conflitos na sociedade fosse realizado de forma pacífica e justa, e que o ato de decidir ficasse a cargo de uma terceira
pessoa, não interessada diretamente no litígio, pois assim poderia solucioná-lo com equidade e justiça. Mas não
poderia ser qualquer terceira pessoa. Haveria a necessidade de termos um terceiro forte o suficiente para que pudesse
ter sua decisão aceita espontaneamente ou imposta coercitivamente, principalmente aos integrantes do conflito.

Dessa necessidade, surgiu o monopólio da administração da justiça (glossário) pelo Estado. A tutela pelo Estado.
Nesta feita, ele avoca para si a tarefa de compor os conflitos da sociedade, afastando a possibilidade da vingança
privada, que somente passa a ser possível de forma excepcional.

Atenção
, O Estado detém, portanto, o monopólio da administração da justiça , cabendo a ele, na pessoa do Juiz, dizer o direito no caso
concreto de maneira definitiva. Para tanto, se utiliza do processo, visto como instrumento que dispõe o Juiz e as partes para
reconstruírem os fatos objeto do conflito, possibilitando que o Juiz possa aplicar a lei ao caso concreto, ou seja, solucionar os
conflitos.
Nesta linha, a investigação criminal e a consequente instrução processual passam a ser instrumentos para a busca da
verdade, possibilitando ao julgador (juiz) decidir o conflito.

Aqui utilizaremos a investigação criminal como norte já que foi desta espécie de investigação que se ramificou as
demais investigações que estudaremos nesta disciplina.

A VERDADE COMO FORMA DE SOLUÇÃO DO CONFLITO


A verdade nem sempre foi a forma encontrada pela sociedade para a composição do conflito. Outras fórmulas foram
utilizadas ao longo da história da sociedade.

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

Por exemplo, na Alta Idade Média (século V a X) a composição do conflito se dava por meio da denominada justiça
privada, pelo mecanismo da autodefesa; pelo duelo; ordálios ou juízos de Deus.

Já na Baixa Idade Média (séculos XI a XIV) o conflito ocorria pela sujeição e submissão do suserano ao vassalo, com
fortes influências da Igreja, período denominado de Feudalismo. Na Idade Moderna, o Estado absolutista (séculos XV a
XVIII) substitui pela ideia dos contratualistas a dominação por uma pessoa na figura de um ente fictício, qual seja o
Estado, como acumulando todos os poderes de legislar, executar e julgar, até os dias de hoje com a idade
Contemporânea (século XIX até hoje), na qual esses poderes são divididos em três.

A ideia de verdade surge no Estado absolutista como mecanismo de substituição de forças. Substitui-se a força
privada e do mito pela força do Estado, e futuramente pelas ideias de fé, que até hoje norteiam alguns paradigmas
jurídicos, como o denominado senso comum teórico, que é objeto de desconstrução das ciências sociais aplicadas,
como é o caso do Direito e sua interdisciplinariedade.

A verdade que se quer comprovar, por muito tempo se afirmou ser uma verdade real, capaz de reconstruir com
absoluta perfeição os fatos exatamente como aconteceram. Por isso, se afirmava que adotávamos o princípio da
verdade real no processo penal.

Contudo, esse conceito, ao longo do tempo, foi sendo alterado, pois se percebeu que a busca por essa verdade tida
como real acabava por cegar o caminho da investigação, que se preocupava apenas em alcançá-la a qualquer custo.
Naquela época os fins justificavam os meios, e tanto é verdade essa afirmação que a tortura era aceita, pois era um
instrumento eficaz para se conseguir a confissão.

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

A prova obtida por meio da confissão era a que possuía maior valor, com efeito, satisfatória para dar por reconstruído
os fatos exatamente com aconteceram. Acreditava ser possível reconstruir, em especial com a confissão, os fatos
exatamente como aconteceram em uma “verdade” absoluta, por isso tida como real.

Esse período em que se buscava a verdade real não mais vigora em tempos atuais, sendo necessário reconhecer que a
verdade que se alcança é uma versão verossímil dos fatos.

Atenção
, Nesse diapasão, por hora, precisamos assimilar que é impossível reconstruir os fatos exatamente como aconteceram na
realidade se o meio para fazer isso é o processo, logo devemos nos contentar e aceitar que a verdade que se comprova em juízo é
uma verdade caracterizada pelo princípio da verossimilhança, que é a construção de uma versão fundamentada, que seja
razoável, conforme os elementos de informação colhidos., , Contudo, a comprovação dos fatos com a apresentação de uma
versão verossímil necessitará, muitas vezes, de uma investigação. Essa necessidade tanto se aplica aos aspectos criminais como
civis. A investigação, que na sua essência é uma pesquisa sobre os acontecimentos da vida humana (no aspecto do processo
Penal ou Civil de relevância jurídica), tem incidência em qualquer fato da vida humana que desperte interesse a outra pessoa.

Por isso, podemos fazer a ilação de que a solução de um conflito de interesse, muitas vezes será decidido por quem
melhor investigar e conseguir construir uma versão verossímil dos fatos como por exemplo:

Comprovar a culpa no processo penal e com isso conseguir uma condenação.

Construção de uma versão verossímil e com isso comprovar uma união estável para posterior solicitação de
divisão de bens.

Comprovar uma fraude de um funcionário para justificar a demissão com justa causa.

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

Comprovar a infidelidade de um dos cônjuges para lhe imputar a culpa da separação e ulterior indenização
por danos morais se for o caso.

Essa atividade de investigar dependerá, para ter sucesso, da competência de quem realiza a tarefa. Logo, saber quais
competências profissionais o investigador deve possuir é muito importante.

ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS DO CONFLITO


Além da abordagem sistêmica, podemos destacar abordagens sociológicas do conflito.

A teoria do conflito social se origina com o pensamento de Karl Marx, um conhecido filósofo e teórico político. Marx
estudou a maneira como os conflitos dirigem os comportamentos humanos e de um grupo, indo do nível individual ao
governamental. Existem vários tipos de teoria de conflito social. Cada um deles parte de um ângulo ou de uma
abordagem específicos para discutir o conflito, a luta pelo poder e a alocação de recursos.

Teoria materialista do conflito

A abordagem materialista do conflito social vê a história como impulsionada pelo tipo de


trabalho desempenhado em uma sociedade e por como esse trabalho sustenta as
necessidades básicas do trabalhador. Karl Marx teorizou que qualquer coisa de valor em
uma sociedade é produto do trabalho humano. Ele postulou que o processo de trabalho e de
construção da sociedade leva à consciência humana, e não o contrário.

Na teoria do conflito social baseada no materialismo de Marx, existem duas classes: a


classe dominante e a classe dominada. A classe dominante detém a propriedade e o
controle dos meios de produção, incluindo os trabalhadores, as fábricas e as máquinas. De
acordo com Marx, a classe dominante vai continuar a oprimir a classe trabalhadora para
estabelecer firmemente a divisão entre as duas.

Teoria crítica

A teoria crítica é um tipo de teoria do conflito que procura explicar o conflito por meio das
humanidades e das ciências sociais, incluindo áreas como a literatura, a política e outras
tendências sociais. A teoria crítica enfatiza a mudança social, em vez de simplesmente se
concentrar em observações e descobertas sobre uma determinada classe social,
movimento ou geração.

Teoria feminista

A teoria feminista é um tipo de teoria do conflito que vai mais longe do que os movimentos
feministas que procuram entender e explicar as tendências da sociedade. Teóricos
feministas examinam as desigualdades de gênero e buscam atribuir determinados males

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04/02/24, 14:32 Disciplina Portal

sociais e problemas a essas desigualdades. Dentro da área da teoria feminista, artes,


linguagem, cinema, filosofia, geografia, política, estudos do sexo e da economia são usados ​
para fornecer um olhar sobre os problemas entre as classes sociais e as desigualdades de
gênero em vários campos.

Pós-moderna

A teoria pós-moderna rejeita o pensamento modernista e o uso de contextos históricos para


analisar as lutas entre as classes. Os pós-modernistas não acreditam em verdades objetivas
sobre as classes sociais, movimentos e gerações, porque a narrativa histórica dos
movimentos e períodos anteriores foi essencialmente escrita pelas classes dominantes.
Voltando à teoria original de Marx, é fácil ver por que os pós-modernistas seriam céticos
com relação aos construtos sociais de hoje, já que eles foram formados a partir das
narrativas feitas pela classe dominante - aqueles com poder e dinheiro. Os pós-modernistas
afirmam que muito da história foi deixado de fora da narrativa central da política global.
Existem muitos outros tipos de teoria do conflito social, como:

1. Teoria sobre gênero;


2. Teoria pós-colonial;
3. Teoria pós-estruturalista;
4. Teoria dos sistemas mundiais.

Cada uma apresenta uma abordagem diferente para a ideia fundamental de conflito-luta entre duas classes para
alcançar riqueza, poder ou um bem desejado.

Esse aspecto de lutas traz reflexos em alguns teóricos ao abordar a educação, como por exemplo, a visão de Max
Weber que demonstra, atualmente, não mencionando a luta de classes, mas denominando como racionalização do
conhecimento pela educação, uma forma de burocratizar o acesso de controle do Estado.

Em outras palavras, será pela educação que o Estado realizará o controle da sociedade.

Saiba Mais
, As reflexões de Weber sobre a educação pode ser compreendida no âmbito de sua Sociologia Política e de sua Sociologia da
Religião e que influenciaram decididamente no modo de vida das pessoas. A Educação é, segundo Weber, o instrumento que
propicia ao homem a preparação necessária para o exercício de atividades funcionais adequadas às exigências das mudanças
ocasionadas pela racionalização que o homem irá se deparar socialmente.
O fundamento da racionalidade, da submissão à lei, e da preparação de indivíduos para gerenciar as atividades
burocráticas do estado foi lentamente se difundindo. Na constituição do Estado e do capitalismo moderno esses
elementos são indissociáveis.

Por isso Weber enfatiza dois aspectos:

• A constituição pautada no Direito Racional (um dos sustentáculos do processo de racionalização da vida).
• A constituição da Administração Racional (embasada no modelo burocrático).

Saiba Mais
, A Educação, para Weber, na medida em que a sociedade se racionaliza historicamente, não é mais a preparação para que o
indivíduo compreenda seu papel no conjunto harmônico do contexto social. E nem é vista como meio de libertação. Torna-se o
meio determinante de estratificação social, uma maneira distinta em que se busca obter privilégios sociais., , A Educação

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sistemática, na análise de Weber, tornou-se um conjunto de conteúdos e regras direcionadas para a qualificação de pessoas que
demonstrassem reais possibilidades de gerenciar o Estado, as empresas e a política, de maneira racional.
Um dos pressupostos básicos na formação do Estado moderno é a constituição de uma administração burocrática
racional. Esse processo só ocorreu na sua totalidade no Ocidente, com a substituição gradual de trabalhadores sem
qualificação, por trabalhadores qualificados, e com orientação política fundamentada em normas racionais.

Esses aspectos influenciarão a formação do sistema jurídico de controle social, quando a educação não é focada para
o evitamento do conflito, mas para a preparação de pessoas para manipular o sistema e manter aqueles que não se
adequam a esta sistemática fora da comunidade, pela ideia autoritária do encarceramento em massa.

QUESTÃO 1
Para compreendermos a noção de conflito nos dias atuais podemos realizar um pequeno exercício sobre o tema e sua
contextualização histórica e suas políticas do modelo de investigação criminal. Nesse sentido, qual período histórico
mais adequando para a charge a seguir?

Resposta Correta

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Glossário
FELICIDADE

Para um aprofundamento filosófico sobre o tema ler: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.

JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Do Contrato Social. Disponível em: //www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv00014a.pdf


(//www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv00014a.pdf)

JEAN-JACQUES ROUSSEAU

O conceito de sociedade de risco foi originariamente desenvolvido pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, em 1986, quando publicou
seu livro Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne, traduzido para o português como Sociedade de Risco: rumo a
uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. Beck, ao realizar uma análise entre o capitalismo e a evolução
tecnológica, conclui que vivemos em um momento de ruptura da sociedade moderna, que passa a assumir novos contornos de
uma sociedade de risco. O advento dessa nova modernidade opera, nos dizeres de Beck, mudanças radicais na política, na
economia e no comportamento, na medida em que a produção social de riquezas se faz acompanhar, cada vez mais, de uma
produção social de riscos da instabilidade dos mercados às catástrofes ambientais e ao terrorismo, por exemplo.

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MONOPÓLIO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

Art. 5º, inciso XXXV, da CRFB. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

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Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 2 - Noções sobre a investigação criminal


no Brasil
INTRODUÇÃO

A investigação no direito brasileiro pode ser empreendida por vários instrumentos, mas tem-se no inquérito policial a

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forma mais conhecida.

Regulamentado pelo art. 4º do Código de Processo Penal, de 1941 (glossário), o inquérito policial é, se não o principal,
talvez o mais conhecido instrumento de apuração de fatos criminosos.

A investigação busca uma reconstrução histórica dos fatos no sentido de se determinar a verdade dos acontecimentos
objetos de investigação.

Vamos falar mais sobre esse assunto, nesta aula.

Bons estudos!

OBJETIVOS

Definir o conceito de investigação criminal;

Compreender a investigação inserida em um Estado Democrático de Direito;

Distinguir as consequências do sistema acusatório no inquérito policial.

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INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Lopes Jr. (2013, p.224) afirma que “O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara
alusão ao órgão encarregado da atividade. O inquérito policial é realizado pela polícia judiciária, que será exercida pelas
autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições, e terá por fim a apuração das infrações penais e
de sua autoria (art. 4º)”.

Fonte: Photographee.eu / Shutterstock

Segue o texto do art. 4º do Código de Processo Penal para uma melhor análise:

Art. 4º, CPP. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades


policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por
fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (Redação
dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995 (glossário)).

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Fonte: Ross Strachan / Shutterstock

Por essa leitura do art. 4º do Código de Processo Penal, temos uma clara alusão ao propósito do inquérito policial, que
pode ser estendido para o próprio fim de toda investigação criminal: a determinação de indícios de autoria e prova da
materialidade do delito.

Nessa linha, informa o professor Nicolitt (2014, p.179):

A finalidade do inquérito é proporcionar ao Ministério Público, ou


ao ofendido no caso de ação penal privada, os elementos
necessários para dar seguimento à persecutio criminis através da
ação penal, a saber: indícios de autoria e materialidade do fato.

Bettiol (1973, p.250), já ensinava que o fim de todo processo será a busca da verdade (glossário) dos fatos, para que
sejam provados em sua subsistência histórica. A busca dessa verdade, no contexto da investigação criminal, seria, nos
termos do art. 4º do Código de Processo Penal, a reconstrução histórica dos fatos, demonstrando-se quem foi o autor
do fato criminoso (indícios de autoria) e a própria existência desse fato criminoso (materialidade do delito).

Nesse momento, já podemos delimitar um breve conceito sobre inquérito policial, que passará pela análise de sua
natureza jurídica. Veja a seguir:

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Fonte: Verkhozina Ekaterina / Shutterstock

O inquérito, embora seja doutrinariamente o principal instrumento utilizado na investigação, não é o único e,
atualmente, talvez seja o menos prestigiado. Pelo seu excessivo formalismo, produto de uma legislação datada de
1941 (glossário), a sociedade moderna demandou novos instrumentos investigativos.

Uma dessas inovações foi a edição da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (glossário), que, entre outros institutos,
criou os chamados Termos Circunstanciados de Ocorrências, com o objetivo de desburocratizar as investigações e
substituir o inquérito policial.

Art. 69, Lei 9.099/95. A autoridade policial que tomar


conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o
encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a
vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais
necessários.
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo,
for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o
compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em
flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o
juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento
do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima (Redação
dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002).

Essa maneira de investigação (procedimento investigativo) encontrava-se restrita às infrações penais de menor
gravidade chamadas de pequeno potencial ofensivo, ou de menor potencial ofensivo (glossário). Nesses casos, o
inquérito policial era substituído por outro procedimento investigatório, menos formal, chamado Termo
Circunstanciado de Ocorrência (TCO).

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Fonte:

Embora o inquérito policial e o Termo Circunstanciado apresentem peculiaridades procedimentais distintas, ambos
preservam sua finalidade como princípio reitor: a busca pela reconstrução história da verdade dos fatos (autoria e
materialidade do delito).

Características da investigação criminal


Vejamos algumas características da investigação criminal, também chamada de persecução penal. Essas
características são apontadas pelos doutrinadores como sendo características do inquérito policial, mas se estendem
às outras formas procedimentais de investigação.

Esse tema será melhor estudado no conteúdo da disciplina de Processo Penal, mas necessitamos desenvolver
antecipadamente algumas dessas características. Veja, a seguir.

Unidirecional
Essa é a característica do inquérito policial (e de todas as outras formas de investigação). Nicolitt (2014, p. 185), ao
estudar essa característica, afirmou:

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O objetivo único do inquérito policial é apurar os fatos e


encaminhar os resultados à apreciação do Ministério Público.

Fonte da Imagem: Andrey_Popov / Shutterstock

Em razão desse raciocínio, o delegado de polícia não poderia realizar nenhum juízo de valor sobre os elementos
informativos do inquérito, o que na prática não ocorre, já que para o delegado aplicar a lei é necessário realizar uma
análise jurídica sobre os fatos. E cada fato ou ocorrência policial possui peculiaridades do caso concreto, o que
forçosamente exige a aplicação do conhecimento jurídico deste profissional para aplicar a lei ao caso concreto, sejam
as normas penais ou processuais penais.

Em algumas ocasiões, a própria lei já deixa essa necessidade de forma expressa, como ocorre no art. 52, I da Lei
11.343/06 (glossário):

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Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a


autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito
ao juízo:
I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as
razões que a levaram à classificação do delito, indicando a
quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o
local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as
circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os
antecedentes do agente;”

Fonte: Ross Strachan / Shutterstock

A investigação, com base nessa perspectiva controvertida, portanto, tem como seu principal destinatário o Ministério
Público (glossário), órgão com atribuição constitucional para a propositura da ação penal pública em juízo (glossário),
ou o próprio ofendido (vítima do crime), nos casos de ação penal privada.

, Essa concepção não é tão clara assim em relação ao delegado de polícia. No entanto, na 6ª edição de seu livro, Nicolitt (2016, p.
201) alterou seu entendimento com base na doutrina do professor e Delegado Henrique Hoffmann: “nas edições anteriores
afirmávamos que o inquérito era unidirecional, no intuito de demonstrar que sua função é exclusivamente direcionada a formar a
opinião do MP sobre a propositura ou não da ação penal. No entanto, a doutrina tem vinculado que o sentido de tal característica
seria a impossibilidade do delegado de polícia fazer juízo de valor no âmbito do inquérito policial. Certo é que, no curso da
investigação, a autoridade policial emite inúmeros juízos de valor.”

Inquisitorial ou inquisitivo
O inquérito policial também é inquisitivo ou inquisitório, se contrapondo ao processo que, por previsão expressa na
Constituição, deve respeitar o princípio do contraditório (art. 5º, inciso LV, CRFB).

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Art. 5º, CRFB. [...]


LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...].

O inquérito, bem como as demais formas de investigação, é um procedimento. E como tal, não se encontra abrangido
pelo princípio do contraditório, visto como a organização dialética entre as partes (acusação e defesa). Assim, temos:

Fonte: Ross Strachan / Shutterstock

Por ser inquisitivo e unidirecional, o inquérito policial objetiva unicamente que o órgão acusador promova a acusação
em juízo, ou seja, proponha a ação penal.

Nessa linha, outra característica que se relacionará com o modelo inquisitivo é o sigilo da investigação. Vejamos a
seguir.

Sigiloso
O modelo inquisitivo sigiloso é previsto no art. 20 do Código de Processo Penal. Observe:

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Art. 20, CPP. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo


necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da
sociedade.

Desde a edição do Código de Processo Penal, o sigilo do inquérito sofreu grande mitigação, inclusive ganhando novos
contornos e funções.

Por uma leitura exclusiva do art. 20 do CPP, tem-se um sigilo absoluto, visto sob uma “função utilitarista”, ou seja, com
o fim de assegurar a eficácia da investigação no interesse da sociedade.

Contudo, modernamente, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988 (glossário), a pessoa


investigada (suspeita de um crime) deixa de ser vista como mero objeto de uma investigação, passando a ser
observada como sujeito de direitos. Nessa linha, desenvolve-se uma função garantista do sigilo do inquérito policial, no
sentido de garantir a intimidade e dignidade da pessoa investigada (que tecnicamente se chama indiciado).

Além disso, com a promulgação do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906, de 4 de julho de 1994
(glossário), restou mitigado o sigilo do Inquérito, na medida em que o art. 7º, inciso XIV, concedeu a prerrogativa
funcional ao advogado ter acesso à procedimentos de investigação.

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Art. 7º, Lei 8.906/94. São direitos do advogado:


[...]
XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir
investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de
investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento,
ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos, em meio físico ou digital; (Redação dada pela Lei
nº 13.245, de 2016).

O aparente conflito entre o direito de acesso do advogado a investigações em curso e o sigilo do inquérito policial
acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal, que pacificou o tema com a edição da Súmula Vinculante nº 14,
permitindo o acesso do advogado aos elementos de prova já documentados na investigação, no interesse do exercício
de defesa do investigado. Observe:

Súmula Vinculante nº 14 do STF: É direito do defensor, no


interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária,
digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Escrito
O inquérito policial também possui como característica o fato de ser escrito, conforme dispõe o art. 9º do Código de
Processo Penal.

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Art. 9º, CPP. Todas as peças do inquérito policial serão, num


só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste
caso, rubricadas pela autoridade.

Indisponível
O inquérito policial pode ser, ainda, indisponível, pois uma vez instaurado não pode a Autoridade Policial determinar seu
arquivamento, conforme art. 17 do Código de Processo Penal.

Dispensável
O inquérito policial também pode ser dispensável, pois o titular da ação penal poderá utilizar outras fontes de
informação para a propositura da ação penal.

Art. 17, CPP. A autoridade policial não poderá mandar


arquivar autos de inquérito.

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Fonte da Imagem: Official / Shutterstock

A investigação criminal é procedimento normalmente conduzido por delegado de polícia, servidor público integrante
das Polícias Civis, no âmbito estadual, ou da Polícia Federal, no âmbito federal.
Contudo, a função de investigar não é monopólio das polícias, conforme interpretação do parágrafo único, art. 4º do
CPP e art. 144 da CRFB. Veja a seguir.

Art. 4º, CPP. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades


policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por
fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (Redação
dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995).
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá
a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a
mesma função.

Art. 144, CRFB. A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através
dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.

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O monopólio da investigação penal pela polícia é tema que já chegou aos Tribunais brasileiros. Nesse sentido, o
Supremo Tribunal Federal decidiu que ao cuidar das funções de polícia judiciária e investigações criminais atribuídas
às Polícias Civis, o texto constitucional do §4º do art. 144 não utiliza o termo exclusividade (glossário).

Assim, outros órgãos podem realizar investigação criminal. São eles:

Ministério Público

Possui atribuição para praticar atos de investigação por força de interpretação de vários
dispositivos legais e constitucionais esparsos.

Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI)

Possui competência expressa para realizar investigações criminais por força do art. 58, § 3º,
da CRFB.

Art. 58, CRFB. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões


permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições
previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
[...]
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos
nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato
determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade
civil ou criminal dos infratores.

Tribunais

Também poderão, embora excepcionalmente, realizar investigação criminal quando houver


indício da prática de crime por parte de magistrado.

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04/02/24, 14:34 Disciplina Portal

Art. 33, LC 33/79 (Loman). São prerrogativas do magistrado:


Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da
prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou
militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial
competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
Como examinamos, o inquérito policial, visto como uma das formas procedimentais mais conhecidas para se realizar a
investigação criminal, é o instrumento utilizado para a busca da verdade dos fatos. Ou seja, por meio da investigação
criminal busca-se provar algo.

O vocábulo prova não possui um único sentido, podendo ser entendido de duas maneiras:

Fonte: Ross Strachan / Shutterstock

Desse binômio entre objeto de prova e meio de prova é que ganhará relevância o tema das perícias, vista como um dos
meios de prova mais relevantes na investigação e no processo judicial.

ATIVIDADE
Após compreender os modelos e formas de investigação criminal no Brasil realize a atividade a seguir:

Analise a charge e indique a forma e o órgão mais adequados para realizar a investigação criminal.

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Resposta Correta

Denomina-se de sistema acusatório:

a) O sistema processual penal, na qual as funções de investigar, acusar, defender e julgar são exercidas por órgãos distintos.

b) O sistema processual penal, na qual as funções de investigar, acusar, defender e julgar são exercidas um mesmo órgão.

c) O sistema processual penal, na qual as funções de investigar, acusar, defender e julgar são exercidas pela Polícia Judiciária,
Ministério Público e o Judiciário.

d) O sistema processual penal, na qual as funções de acusar, defender e julgar são exercidas pelo Ministério Público e o
Judiciário.
e) Sistema processual penal exercido pelo poder judiciário.

Justificativa

Pelos estudos do nosso sistema processual penal e uma breve leitura do artigo 26 do Código de Processo Penal:
“Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria
expedida pela autoridade judiciária ou policial.”, podemos concluir:

a) É exemplo típico do funcionamento do sistema acusatório.


b) Traduz o atual modelo brasileiro.
c) Traduz um modelo universal, consagrado em quase todos os países do mundo, que adotam o sistema acusatório.

d) Que se trata de uma permissão para que o juiz ou delegado possam dar início a ação penal pública, porém, não mais
constitucional porque a ação penal pública é privativa do Ministério Público.
e) Como está na lei deve ser cumprido.

Justificativa

Sobre os estudos do modelo brasileiro de sistema acusatório previsto na Constituição da República, assinale a opção
mais adequada, que explique a redação do art. 155 do Código de Processo Penal:

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“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

a) A redação traduz um ideal inquisitorial.

b) A redação representa um ideal acusatório.

c) A redação é tipicamente de um sistema de juizado de instrução.

d) Aplica-se a modelos de Códigos tipicamente fascistas.


e) Aplica-se a modelos de Códigos tipicamente nazistas.

Justificativa

Glossário
VERDADE

Essa concepção de verdade dos fatos, embora seja amplamente dominante na doutrina jurídica brasileira, vem sendo criticada,
cada vez mais, frente à impossibilidade de se utilizar o método analítico-científico das ciências naturais nas ciências sociais.
Para um aprofundamento no tema, ver KHALED JR., Salah. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição
inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.

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LEGISLAÇÃO DATADA DE 1941

O inquérito policial encontra-se previsto principalmente no Código de Processo Penal, promulgado pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 3
de outubro de 1941.

MENOR POTENCIAL OFENSIVO

O próprio legislador definiu as infrações de pequeno potencial ofensivo como sendo todas as contravenções penais e os crimes
cuja pena máxima cominada em abstrato não fosse superior a 2 anos, conforme art. 61 da Lei 9.099/95:
“Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a
que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” (Redação dada pela Lei nº 11.313, de
2006).

MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público, por força constitucional, é o órgão responsável pela propositura da ação penal nos crimes de ação pública,
conforme art. 129, inciso I, da CRFB: São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal
pública, na forma da lei; [...].

AÇÃO PENAL PÚBLICA EM JUÍZO

Somente para uma breve contextualização, necessitamos antecipar alguns conceitos. A doutrina processual penal classifica a
ação penal como sendo: crime de ação pública (incondicionada e condicionada) e crimes de ação privada. Nos primeiros (crimes
de ação pública), caberá ao próprio Estado, mediante a atuação do Ministério Público, a propositura da ação penal, mediante uma
peça técnica chamada de “denúncia”. Já nos crimes de ação privada, cabe à própria vítima do crime, chamada de querelante, a
propositura da ação penal, mediante a peça técnica chamada de “queixa-crime”. A repercussão social do crime, definida na
própria lei, é que determinará se o crime é de ação penal pública (quando o interesse lesado atinge, além da vítima do crime, a
sociedade/Estado/coletividade) ou de ação penal privada (quando o interesse lesado atinge apenas a vítima).

CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988 prevê no art. 1º a dignidade da pessoa humana como fundamento da República.
Art. 1º, CRFB. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana; [...].

EXCLUSIVIDADE

O tema restou pacificado no julgamento do RE 593727 (18.05.15), com repercussão geral reconhecida.

ATOS DE INVESTIGAÇÃO

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04/02/24, 14:34 Disciplina Portal

A possibilidade do Ministério Público realizar investigações criminais decorreria da interpretação conjunta do art. 129, VIII, CRFB;
Art. 7º e 8º da LC 75/83; art. 26 da Lei 8.625/93; e aplicação da chamada teoria dos poderes implícitos, reproduzido no brocado
“quem pode o mais, pode o menos”, na medida em que se o Ministério Público pode realizar a propositura da ação penal, por ser o
titular da ação penal pública, poderia, também, realizar investigação criminal.

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Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 3 - Noções sobre a investigação criminal


no Direito Comparado
INTRODUÇÃO

Os países da América Latina dos anos 1980 em diante realizaram diversas alterações em seus ordenamentos, frutos

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da transição de sistemas autoritários para democráticos.

Por essa razão se faz necessário compreender a investigação criminal inserida em um contexto político com essa
perspectiva e quais os efeitos colaterais dessa transição no Brasil.

OBJETIVOS

Compreender o conceito de investigação criminal no período de transição democrática no mundo;

Examinar a investigação inserida em uma transição política na América Latina;

Conhecer as consequências das alterações, advertindo para uma mudança no sistema brasileiro.

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NECESSIDADE DE MUDANÇA
Estudiosos partiram de algumas premissas para a construção de um sistema processual penal democrático,
fundamentalmente, em uma instrução processual penal informada pelos seguintes corolários:

Os elementos informativos colhidos na fase investigativa, prévia


ao processo, servem exclusivamente para a formação da opinio
delicti do acusador, a ser aferida pelo juiz, não podendo
ingressar nos autos e ser valorados como provas (salvo se
forem provas antecipadas, de natureza cautelar, que serão
submetidas ao contraditório posterior);

O exercício da jurisdição depende de acusação formulada por


órgão ou pessoa diversa do juiz (o que corresponde ao aforismo
romano nemo in iudicium tradetur sine accusatione);

Todo o processo há de desenvolver-se em contraditório, perante


o juiz natural. Eis o ponto nodal desses estudos: o modelo de
instrução processual penal, adotado na Espanha, em Portugal e
na América Latina incorpora esses postulados fundamentais do
modelo acusatório? Quais são os países que o adotam, quais os
projetos de reforma que dele se aproximam, quais os sistemas
ainda renitentes às novas exigências de uma instrução penal que
siga o modelo acusatório?

Em uma tentativa de sistematização, os países da comunidade ibero-americana serão agrupados em três categorias
básicas:

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

Fonte: Mdesignstudio / Shutterstock

Observe-se que os dois primeiros modelos se enquadram no sistema misto, também denominado de instrução formal,
em que a etapa de instrução pode ser confiada, dependendo de cada sistema, ao juiz de instrução ou ao Ministério
Público.

A diferença entre os dois tipos não se fez pela autoridade inquirente, mas sim pela circunstância de existir, ou não,
contraditório nessa etapa. O terceiro modelo é o da denominada citação direta, em que o Ministério Público apresenta
sua acusação, na base dos elementos colhidos na investigação prévia, correndo todo o processo por audiências,
suprimida a etapa prévia de instrução.

O sistema misto clássico

As principais características desse sistema são as seguintes:

Quanto à etapa da instrução


Trata-se de etapa escrita e secreta, sendo que o informe mexicano prefere falar em publicidade restrita às partes e aos
procuradores; no Uruguai, essas características acentuam-se no pré-sumário. Na Venezuela, mesmo na legislação
especial mais recente, a oralidade só começa com o "acto de cargos", praticado em audiência pública, já no plenário.

Em alguns países, a etapa do sumário não é regida pelos princípios da concentração, da imediação, da identidade
física da autoridade inquirente; em outros, apenas pela imediação (México) ou pela imediação e concentração
(Venezuela), ou ainda pela identidade física (Uruguai).

O sumário pode ser dirigido por um juiz (Venezuela, Uruguai) ou pelo Ministério Público (México), mas em qualquer
caso não existe a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, havendo apenas o inquirente e o inquirido.

O sumário desenvolve-se inteiramente sem contraditório (no Uruguai, para o pré-sumário), ou em contraditório limitado
(como na Venezuela e no sumário uruguaio em que, na prática, o inquirido pode requerer a produção de provas e o
tribunal pode deferi-las, não lhe sendo dado, porém, intervir na prova; ou como no México, limitadamente a certos atos,
como o interrogatório).

O direito de defesa, na instrução, não é assegurado no pré-sumário do Uruguai; é fortemente limitado no México, na
Venezuela e no sumário uruguaio, sendo que, neste último sistema, a assistência técnica pode tomar conhecimento

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

dos atos praticados, exercendo sobre eles um certo controle.

As medidas cautelares (prisão, busca e apreensão, sequestro, interceptações telefônicas etc.) são determinadas pela
própria autoridade inquirente, com controle interno, pelos recursos aos tribunais superiores (Venezuela, Uruguai); e no
México existe um juiz para as medidas cautelares, uma vez que a etapa de instrução é presidida pelo Ministério
Público.

Os direitos constitucionais não são observados na etapa de instrução do sistema uruguaio, inteiramente divorciado das
garantias constitucionais e onde a prisão preventiva é a regra geral. No México, os direitos e garantias constitucionais
atuam de forma bastante limitada, estando o sumário sujeito ao poder discricionário do Ministério Público, embora
com possibilidade de recursos; na Venezuela, há direitos e garantias constitucionais asseguradas para o sumário mas,
na prática, é permanente a luta contra as violações cometidas sobretudo pela polícia. Contudo, importantes inovações
relativas às garantias constitucionais e à liberdade do acusado submetido a processo foram introduzidas neste país
pela legislação mais recente.

A etapa da instrução pode ser precedida por uma fase investigativa prévia, conduzida pela polícia, no Uruguai e na
Venezuela. Esta fase prévia não existe no México.

Quanto à etapa do juízo


Desenvolve-se perante juiz monocrático, no México, no Uruguai e na Venezuela, sendo que nestes últimos países é o
mesmo juiz da etapa do sumário que preside a do juízo.

A forma é escrita no México e no Uruguai; também é escrita na Venezuela, ressalvado o "acto de cargos", oral. É oral
nos demais países pesquisados.

A publicidade é ampla no México, na Venezuela e no Uruguai.

O princípio observado na etapa do juízo é o da imediação, no México e na Venezuela. Não se observam a concentração
e a identidade física do juiz, exceto no sentido de que é o juiz da etapa do sumário que preside a dos debates, na
Venezuela e no Uruguai.

As provas colhidas na etapa do sumário ingressam livremente na do juízo, no México e no Uruguai; na Venezuela
também, embora sejam submetidas a contraditório na etapa do juízo.

O juiz pode formar seu convencimento, embasando-se livremente nas provas produzidas na etapa do sumário, no
México e no Uruguai; na Venezuela, só pode apoiar-se nas provas produzidas na fase de instrução, se elas forem
submetidas a contraditório posterior.

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

O sistema misto com instrução contraditória

Assim podem ser indicadas as características desse sistema, pelos países pesquisados:

Quanto à etapa da instrução

A instrução é dirigida pelo juiz instrutor, ressalvada a previsão do art. 785 bis LECRIM espanhola, em que a instrução,
nos procedimentos abreviados, pode excepcionalmente, e sob certas condições, ser dirigida pelo Ministério Público.

A forma da instrução é escrita na Espanha, Peru, e no Anteprojeto do Uruguai, ressalvados, evidentemente, os atos
processuais orais por natureza, como os depoimentos; e é mista (escrita e oral) em El Salvador e no Brasil, quanto aos
procedimentos de competência do Júri.

A instrução é sigilosa no Peru, sendo regida pela publicidade restrita às partes na Espanha (salvo nos casos em que
seja declarado, especial e limitadamente, o sigilo), em El Salvador e no Anteprojeto do Uruguai. A publicidade é ampla
no Brasil, na instrução dos processos de competência do Tribunal do Júri.

Os princípios que regem a instrução são, no Peru, a concentração, a imediação e a identidade física do juiz; no
Anteprojeto do Uruguai e em El Salvador, a identidade física do juiz. Na Espanha e no Brasil (para a instrução
preparatória do Júri) os princípios mencionados não se aplicam à etapa da instrução.

Em todos os países analisados, as funções de acusar, defender e julgar, na instrução, são separadas e atribuídas a
órgãos distintos.

Com exceção do Peru e de El Salvador, onde o contraditório é limitado a certos atos, nos demais sistemas estudados, a
instrução desenvolve-se em contraditório pleno. Na Espanha, prevê-se expressamente a produção antecipada da prova,
em incidente processual, para os casos legalmente contemplados. Todavia, há hipóteses em que a prática do ato pode
ser acompanhada apenas pelo Ministério Público e ainda casos de sigilo nas diligências, declarado pelo juiz.

O direito de defesa é plenamente observado em todos os países analisados, tendo sido extraordinariamente
potenciado pela Constituição, na Espanha.

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Quanto às medidas cautelares, pessoais e reais, são elas de competência do juiz da instrução em todos os países
pesquisados. Na Espanha, o ordenamento permite excepcionalmente a expedição de provimentos cautelares por parte
do Ministério Público e da Polícia Judiciária, com controle posterior e imediato do juiz da instrução. Os provimentos
cautelares, em todos os países, estão submetido ao controle jurisdicional, pelos recursos ordinários ou por habeas
corpus.

Os direitos e garantias constitucionais, amplamente assegurados na etapa da instrução, são efetivamente operantes e
sua observância é submetida ao controle dos tribunais superiores, em todos os países. A Espanha ressalta o avanço da
Constituição de 1978, que incorporou diversas garantias processuais. O Anteprojeto do Uruguai reafirma todas as
garantias oriundas da Constituição e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Há instrumentos processuais
adequados, em todos os países - incluindo, em alguns deles, o habeas corpus - para assegurar a efetiva
operacionalidade dos direitos e garantias fundamentais na fase de instrução. O habeas corpus brasileiro é utilizado
não somente em relação à privação da liberdade, mas também como controle sobre o procedimento, que deve ser
pautado pelas garantias do devido processo legal.

A etapa da instrução é precedida por uma fase investigativa prévia, necessária no Peru, em El Salvador e no Brasil
(neste país, no tocante aos crimes da competência do Tribunal do Júri); e eventual na Espanha e no Uruguai. A
investigação prévia é conduzida pelo Ministério Público, com o auxílio da Polícia Judiciária, no Peru. Nos demais
países, é levada a cabo diretamente pela Polícia, normalmente a Polícia Judiciária, com exceção do Uruguai, que não
conta com essa instituição. Na Espanha, a Polícia Judiciária é órgão auxiliar do Poder Judiciário e do Ministério
Público, trabalhando sob as ordens destes. Se os fatos investigados se caracterizam como infrações penais, a fase
investigativa incorpora-se à fase judicial de instrução. Se os fatos não constituírem delitos, a fase conserva caráter
administrativo.

No CPP uruguaio é expressa a determinação de que as informações administrativas da fase investigativa policial só
podem ter valor de indicação para a instrução, carecendo de qualquer força probatória. No Brasil, a Polícia Judiciária
integra o Poder Executivo, mas é submetida ao controle externo do Ministério Público (órgão considerado como
exercendo funções essenciais à Justiça e contemplado fora do capítulo do Poder Judiciário e do Poder Executivo,
tendo asseguradas todas as garantias da magistratura).

Quanto à etapa do juízo

O juízo desenvolve-se perante um juiz monocrático - que é o mesmo da instrução - no Anteprojeto uruguaio; perante um
juiz unipessoal ou um tribunal colegiado, conforme o caso, na Espanha; sempre perante um tribunal colegiado, no Peru
e em El Salvador. E, no Brasil, perante o Tribunal do Júri, pois só a instrução dos processos da competência deste
submetem-se ao regime bifásico.

Em todos os países pesquisados, a etapa do juízo é pública, sendo regida pelos princípios da concentração, da
imediação e da identidade física do juiz. A oralidade é plena na maioria dos países, com exceção de alguns atos
preparatórios escritos no Anteprojeto Uruguaio (acusação e defesa), prosseguindo depois o processo por audiências.
Também no Brasil, para os atos preparatórios do julgamento do Tribunal do Júri, embora o juízo seja essencialmente
oral, há alguns atos escritos.

A atividade probatória da etapa do juízo destina-se à formação do convencimento judicial sobre a pretensão punitiva,
em todos os países. Mas duas questões devem ser realçadas: há que saber-se, em primeiro lugar, se, na etapa do juízo,
podem ser aproveitadas as provas produzidas na etapa de instrução; e, em segundo lugar, se o juiz ou tribunal, para
julgar o mérito, pode apoiar-se nas provas produzidas durante a instrução. E aqui as respostas divergem.

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

- Quanto ao aproveitamento, na etapa do juízo, das provas produzidas durante a instrução: No Anteprojeto uruguaio,
todas as provas que tenham sido submetidas a contraditório na etapa da instrução ingressam livremente na fase do
juízo. É o mesmo sistema do Júri brasileiro, que incorpora perante os Jurados as provas produzidas durante a
instrução, todas submetidas a contraditório nesta fase. No Peru, todas as provas lícitas, relevantes e pertinentes,
produzidas na instrução, ingressam livremente na fase do juízo, sendo submetidas a contraditório nesta. El Salvador
não admite o ingresso, na fase do juízo, das provas produzidas na etapa de instrução, com exceção das irrepetíveis.
Também na Espanha, somente são consideradas provas as produzidas na fase do juízo, não podendo ser aproveitadas
as da instrução, salvo quando se tratar de prova antecipada, em incidente probatório, que se desenvolve segundo os
mesmos princípios que regem o juízo oral. A informação recebida, porém, também se refere à "leitura de diligências
sumariais, sob pressupostos estritos".

- Quanto à formação do convencimento do juiz ou tribunal do mérito poder basear-se, ou não, nas provas produzidas na
instrução: O Uruguai, pelo Anteprojeto, admite que na etapa do juízo o juiz do debate forme seu convencimento com
base nas provas produzidas em contraditório na fase da instrução.

O mesmo ocorre no Brasil, onde, porém, o veredicto dos jurados - que julgam sobre os fatos - é de consciência, não
sendo motivado. No Peru, as provas da instrução, desde que submetidas a contraditório na etapa do juízo, embasam o
convencimento do juiz ou tribunal do mérito. Em El Salvador, o tribunal não pode apoiar-se em provas produzidas
apenas na fase de instrução, salvo no que respeita às irrepetíveis. Na Espanha, coerentemente com a linha segundo a
qual só as provas produzidas antecipadamente em incidente probatório, regido pelas mesmas regras aplicáveis ao
debate oral, podem ingressar na etapa do juízo, somente nestas, entre as colhidas durante a instrução, pode
fundamentar-se a decisão do juiz ou tribunal do mérito, observada, porém, a possibilidade de leitura das diligências
sumariais, sob certos pressupostos, que também podem embasar a formação do convencimento do juiz ou tribunal.

O SISTEMA ACUSATÓRIO SEM JUIZADOS DE INSTRUÇÃO


A última etapa do caminho evolutivo da instrução rumo ao modelo acusatório cumpre-se pela adoção de um sistema
que aboliu os juizados de instrução, substituindo-os por uma fase investigativa prévia de índole administrativa,
produzida pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária, como ocorre no Reino Unido, denominado sistema inglês,
cuja acusação e cujos elementos informativos não são consideradas provas, nem podem fundamentar a decisão de
mérito. Após a investigação preliminar, oferecida a acusação, inicia-se o processo, todo moldado pelo contraditório e
conduzido em audiências públicas, sendo emprenhado de maior ou menor oralidade, conforme os diversos países.

Filiam-se a esse sistema, que é o do Código de Processo Penal, Portugal, Bolívia, Brasil - para os crimes que não sejam
da competência do Tribunal do Júri - Chile, Costa Rica, Guatemala, Honduras e Paraguai. Seguem o mesmo modelo os
códigos argentinos das Províncias de Tucumã, de Córdoba e de Santiago del Estero.

A Espanha poderia ser incluída neste sistema somente com relação à hipótese excepcionalíssima do art. 785 bis
LECRIM, relativa a casos muito restritos atinentes aos procedimentos abreviados (semelhantes aos juizados especiais
criminais aqui no Brasil).

São as seguintes as características fundamentais do processo, nos países agrupados nesse sistema:

Quanto à investigação prévia, de índole administrativa

A finalidade desta etapa é a de colher elementos informativos para a formação do convencimento do acusador, a fim
deste poder, oportunamente, acusar ou não, na base de sua opinio delicti.

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

Durante a investigação, o juiz intervém necessariamente para autorizar as medidas cautelares requeridas pelo
Ministério Público, bem como para presidir à colheita das provas antecipadas, em contraditório.

O juiz das medidas cautelares é um juiz diverso daquele do processo, no Código Modelo na Bolívia, na Costa Rica, no
Chile, na Guatemala, em Honduras e no Paraguai; mas é o mesmo juiz da futura instrução e julgamento, em Portugal e
no Brasil.

A etapa das investigações é dirigida pelo Ministério Público, com o auxílio da Polícia Judiciária, ou a Polícia Judiciária
investigando diretamente como ocorre no sistema inglês da Europa Continental, submetida ao controle externo do
Ministério Público, que pode a qualquer momento intervir nas investigações.

ATIVIDADES
Leia atentamente os artigos e a pergunta a seguir:

Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria
expedida pela autoridade judiciária ou policial.

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Esses artigos do CPP brasileiro são adequados a que modelo de investigação criminal?

Resposta Correta

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

Glossário

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 4 - Verdade e investigação


INTRODUÇÃO

É possível encontrarmos diversos parâmetros científicos para a abordagem da verdade e seus reflexos no processo
penal, que vai desde a Bíblia, Jo: 18, 38, O que é verdade?, passando pela filosofia de Aristóteles na Ética a Nicômaco,
Habermas, na obra Teoría de la Acción Comunicativa ou Hanna Arendt na obra Verdade e Política, cujo reflexo direta ou
indiretamente surge no conceito do justo como igualdade ou neutralidade, ou até mesmo em relação de dominação por

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

lutas entre poderes, como ocorre na abordagem do sociólogo Michel Foucault na obra A verdade e as formas jurídicas,
com reflexos diretos no sistema processual penal por toda a história da humanidade.

OBJETIVOS

Compreender o surgimento histórico das formas jurídicas de controle;

Analisar o surgimento da verdade como uma forma de controle do Estado;

Definir as diversas formas de verdades jurídicas em nosso ordenamento.

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O INÍCIO DO SISTEMA DE PROVAS


Vamos viajar no tempo e compreender o surgimento do sistema de provas...
Período aproximado dos séculos V a X

No direito feudal germânico, na Idade Média, a prova recaía na estratégia pela vitória e não na revelação de uma verdade, ou seja,
não havia uma sistematização comunicacional em busca de uma verdade, no período aproximado dos séculos V a X.
Séculos XI ao XII

Quando alcançamos os séculos XI ao XII surgiu o sistema de provas denominado ordálios, que era um sistema de provas de
cunho social, como critério de solução de conflito, revelando-se a importância dos membros da sociedade como um mecanismo
de autopreservação, consequentemente, um mecanismo excludente.
Século XIII

A partir do século XIII surgiu o procurador do Rei associado à Igreja (clero) que passaram a balizar ideologias da fé cristã como
paradigma de controle social, inclusive punindo seus opositores como hereges.
Séculos XIV e XV

A opressão desse sistema fez surgir nos séculos XIV e XV formas de estabelecimento da verdade por testemunhos, geralmente
pessoas com conhecimentos científicos, que perduraram até o XVIII, sofisticando-se as regras sobre provas, através da disputatio,
que consistia em um resultado do processo como elementos de confirmação e refutação.
Século IX

No século IX, a sofisticação iluminista influenciou o desenvolvimento do método da verdade como forma de pesquisa, origem da
Sociologia, da Psicologia, da Criminologia no contexto social da Idade Moderna.
Sedimentou-se, na doutrina hodierna, que o processo como meio heterogêneo de composição de conflitos sociais,
entre outras finalidades, visa à reconstrução de determinado fato pretérito, tendo como resultado final a aplicação de
uma regra jurídica adequada (glossário), prevista no ordenamento positivo.

Se esse pensamento tradicional é correto, não se deve esquecer que essa suposta reconstrução fática ocorre,
inevitavelmente, em termos de linguagem (comunicação entre os sujeitos processuais), pois, no processo, de acordo
com lições de Taruffo, os fatos são representados pelo que se diz dele.

Não se provam fatos, e sim alegações fáticas, consoante suas lições:

“No processo, o fato, na realidade, é o que se diz acerca


dele: é a enunciação fática, não o objeto empírico que é
enunciado” (TARUFFO, 2002, p.114).

Decerto, o juiz, para dar o direito no caso concreto a quem tem razão, precisa de meios que
o possibilitem alcançar a veracidade dos enunciados levados pelos demais sujeitos

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

processuais (Ministério Público ou querelante, assistente de acusação, e acusado)


ao seu conhecimento.

A esse mister judicante, a prova representa a possibilidade palpável de encontrar (justificar)


essa verdade (racionalização da descoberta da verdade) e permitir que o magistrado profira
uma decisão justa, ou melhor, um provimento final socialmente aceitável.
Desse modo, em uma perspectiva processual, a verdade encontra-se delimitada pelo complexo probatório constante
dos autos, que poderá ser insuficiente ou satisfatório, a depender da intensidade da atividade probatória das partes e
da atuação cooperativa do juiz, sem contudo, lhe atribuir caráter de inquisitorialidade.

Sucede que, atualmente, a controvérsia doutrinária consiste em saber se a verdade almejada no processo penal,
principalmente após a Constituição de 1988, que assegurou direitos e garantias fundamentais ao acusado, continua
sendo absoluta ou assumiu a conotação de relativa, diante da proibição da prova obtida por meio ilícito.

VERDADE REAL, VERDADE FORMAL E PROCESSUAL


Utilizar, processualmente, a expressão verdade real (absoluta) ou verdade relativa é, ainda que inconscientemente,
valorar, do ponto de vista espaço-temporal, a existência de um fato pretérito. Ora, esta é una, insuscetível de qualquer
apreciação valorativa:

ou o fato existiu, ou o fato não existiu.


Dito de outro modo, a verdade, em tese, não comporta predicados.

Todavia, a reflexão inadvertida sobre o assunto teve como efeito colateral a consagração da dicotomia verdade
absoluta/verdade relativa.

Segundo esta classificação, no processo civil predominaria a verdade relativa ou também denominada de formal,
porquanto, além da disponibilidade da relação jurídica deduzida em juízo, fenômenos como o das presunções legais,
inexigibilidade de prova sobre fatos incontroversos, preclusão e outros, impediriam o desvelamento da verdade real
(glossário), que, por sua vez, corresponderia ao processo penal, já que, em nome da tutela de interesses indisponíveis
(defesa social), não se toleraria o menor obstáculo para alcançá-la.

Nesse sentido, Julio Maier (1999, p. 859) sustenta que:

“por razão do ideal que persegue - averiguar a verdade objetiva, real ou material -, no
Direito Processual Penal, toda a regulação jurídica da prova, como método para alcançar esse objetivo,
é favorável à investigação do caso, em uma medida muito superior a prevista por outros procedimentos
judiciais. Este é, precisamente, um dos aspectos que caracteriza o Direito Processual Penal, que alguns
autores tem elevado à categoria de princípio” (tradução livre).
E complementa que:

“é preciso aclarar, em princípio, que, como sucede com a persecução penal, o interesse público pela pena
estatal está destituído do interesse particular, inclusive em matéria probatória. De tal maneira, o próprio Estado,
por intermédio de seus órgãos competentes, é interessado em averiguar a verdade acerca da existência ou
inexistência de um direito, para aplicar suas regras penais e, eventualmente, fazer atuar a consequência jurídica,
prescindindo do interesse particular” (Julio Maier, 1999, p. 860  tradução livre).
Comentário
, Alguns doutrinadores chegam a mencionar a denominada verdade eticamente construída ou verdade processual, pois o juiz
decide de acordo com as argumentações representativas dos fatos postos em juízo, o que não necessariamente representará a
verdade, mas os fatos conforme a visão argumentativa de cada um, que também poderá ser diferente da verdade compreendida
pelo juiz.

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, ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL


Entre as repercussões práticas do princípio da verdade real, uma não poderia, ainda que sucintamente, deixar de ser analisada:

a relação entre a busca da verdade absoluta e o ônus da


prova objetivo
(presunção de inocência enquanto regra de julgamento) no
processo penal.
Em verdade, nem sempre se logra, em um primeiro momento, conhecer a verdade dos fatos alegados
pelas partes no processo ou perseguido na investigação criminal, muitas vezes, possui dúvida irremovível
sob ponto relevante para o julgamento ou para a conclusão da investigação.
Vale dizer: ao valorar o complexo probatório constante dos autos, não se convence, suficientemente,
sobre a (in)existência da conduta delitiva imputada ao réu seja para condená-lo seja para se perquirir
uma medida cautelar como a interceptação telefônica, consequentemente os aspectos da culpa ou
inocência, suspeito ou testemunha.

, QUAL A TERMINOLOGIA CORRETA?


Pouco importa a denominação. São apenas vocábulos que, de uma forma geral, designam a falsa representação de
uma realidade, algo imaginário, não científico. São termos que demonstram o quão é inalcançável a verdade absoluta
dentro da investigação criminal.
Vale lembrar que a construção da verdade real repousa suas raízes no sistema inquisitório, estando, intrinsecamente,
ligado à concepção de um Estado autoritário, que, através de torturas, fez da confissão a rainha da provas.

Apesar disso, como nossa doutrina e Tribunais decidem


sobre a verdade?
A análise desse princípio inicia-se pelo conceito de verdade, que será sempre relativa, enquanto não findar as possibilidades
de se alcançar o retrato fiel de como os fatos ocorreram na realidade.
Malatesta afirma que a verdade é a“conformidade da noção ideológica com a realidade” e que a certeza é a crença
nessa conformidade, gerando um estado subjetivo do espírito ligado a um fato, sendo possível que essa crença não
corresponda a verdade objetiva.

Portanto, pode-se afirmar que a certeza e a verdade nem


sempre coincidem; por vezes, duvida-se do que
objetivamente é verdadeiro; e a mesma verdade que parece
certa a um, a outros parece por vezes duvidosa ou até
mesmo falsa.

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04/02/24, 14:35 Disciplina Portal

Fonte da Imagem: Andrey_Popov / Shutterstock

Diante disso jamais, no processo, pode assegurar o juiz ter alcançado a verdade objetiva, aquela que corresponde
perfeitamente com o acontecido no plano real.

Assim, pelo princípio da livre investigação das provas, a verdade material ou real é a que mais se aproxima da
realidade, tendo o legislador facultado ao juiz ir além da iniciativa das partes na colheita das provas, devendo, se for o
caso, agir de ofício, esgotando todas as possibilidades para alcançar a verdade real sobre os fatos para fundamentar a
sentença.
STJ. RHC 1806/RJ 6ª Turma DJ 02.05.2006, já se posicionou nesse sentido “ A busca da verdade real constitui
princípio que rege o Direito Processual Penal. A produção de provas, porque constitui garantia constitucional, pode ser
determinada, inclusive, pelo Juiz, de ofício, quando julgar necessário.

Ressalte-se que na esfera penal a investigação trilha caminho diverso da esfera civil, na qual o tratamento da verdade
obedece a regras distintas, quando em regra de direitos disponíveis ou transacionáveis, permitindo a admissão da
parte contrária quando não impugna determinado fato trazido pelo autor na petição inicial, incidindo o princípio da
eventualidade e da impugnação especificada, trazendo efeitos materiais ao que ocorre em um dos efeitos materiais da
revelia, também no processo civil.

Em outras palavras, no processo civil, vige a verdade formal, em se tratando de algumas hipóteses, em sua maioria
admissíveis nos direitos disponíveis, e por assim o serem, atribui-se à parte inteira disposição sobre seu próprio direito
material, regulamentando como um ônus processual determinadas posturas do réu, que ao ferirem preceitos e
princípios (como os citados anteriormente) inerentes a esta disponibilidade, têm como consequência processual,
reflexo de ordem material, como tornar incontroversa matéria não impugnada ou presumirem verdadeiros aquilo, que
para o réu, não interessava impugnar.

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ATIVIDADE
Será que estamos aptos a realizar um exercício de reflexão sobre o tema? Vamos tentar?

Analisando a figura a seguir qual o aspecto da verdade que poderá prevalecer em nossa realidade jurídica?

Resposta Correta

Glossário

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APLICAÇÃO DE UMA REGRA JURÍDICA ADEQUADA

“As exposições clássicas costumam apresentar o mecanismo do julgamento sob a forma de um silogismo, em que a premissa
maior seria a norma, e a menor o enunciado fático. Essa explicação um tanto simplista desfigura em certa medida a dinâmica do
ato de julgar, mas não sofre dúvida que norma e fato serão sempre dois pontos básicos de referência no processo mental do
julgador” (MOREIRA, 1988, p. 73).

DESVELAMENTO DA VERDADE REAL

TARUFFO, Michel. Ob. Cit., p. 45. Quanto à impossibilidade prática de desvelar a verdade absoluta, Michele Taruffo registra que:
“[...] o juiz não dispõe de instrumentos cognoscitivos nem de tempo e da liberdade de investigação que dispõe o cientista ou
historiador. Diferentemente da atividade desses dois últimos, o processo deve se desenvolver em um tempo limitado, dado que
tanto o interesse público quanto privado pressionam para que o final do litígio seja alcançado rapidamente, e este é um grande
obstáculo para a busca da verdade.”

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Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 5 - Teoria geral da prova e meios de prova


INTRODUÇÃO

O termo prova vem do latim probatio que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação
ou confirmação.

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Daí vem o verbo provar - probare - significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar
satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar.

Para Adalberto José Q. T. Camargo Aranha, prova, no sentido jurídico, representa os atos e meios usados pelas partes e
reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados.

Paulo Rangel define a prova como o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de
comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de
ação e de defesa.

Falaremos mais sobre esse assunto, nesta aula.

Bons estudos!

OBJETIVOS

Compreender o regramento da prova no sistema acusatório;

Analisar a interpretação sobre elementos informativos ou evidências e a prova processual;

Identificar as diversas formas de meios de se demonstrar formalmente a verdade na investigação no processo.

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Ao iniciar esta aula você conheceu o significado do termo prova. No entanto, esse tema traz alguns questionamentos
que necessitam ser respondidos.

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Fonte: Andrey_Popov / Shutterstock

Fonte: Prath / Shutterstock

Camargo Aranha vai mais longe e diz que:

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Fonte: vicvic13 / Shutterstock

Atenção
, Desse modo, desde que os meios de prova não sejam indignos, imorais, ilícitos ou ilegais, respeitando a ética e o valor da pessoa
humana, poderão ser admitidos no processo, mesmo que não sejam legalmente relacionados no Código de Processo Penal.

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Fonte: Evlakhov Valeriy / Shutterstock

Fonte: Lisa S. / Shutterstock

Fonte:

A pessoa física é o sujeito ativo da prova e o juiz, o seu receptor.

Saiba Mais
, No entanto, quanto à titularidade, não se pode dizer que a prova é de uma ou de outra parte, ou seja, não existem provas da
acusação e da defesa, mas sim, provas do processo, do juízo, conforme se verá no estudo do princípio da comunhão da prova.

PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS PROVAS


Veja, a seguir, os princípios que são aplicáveis às provas.

Autorresponsabilidade das partes

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Cada parte deverá suportar ou assumir as consequências de sua inatividade, erros e


negligência, pois a demonstração do fato caberá a quem interessar.

Aquisição ou comunhão da prova

Toda prova produzida servirá a ambas as partes e ao juiz, já que é colhida no interesse da
justiça e da busca da verdade.

O ônus de produzir a prova pertence a cada parte que tenha interesse, mas, uma vez
produzida a prova, existirá sua comunhão.

Veja um exemplo de julgado sobre o tema:

“Exame grafotécnico e recusa do investigado


Informativo STF 639 de setembro de 2011

A 2ª Turma denegou habeas corpus em que se sustentava a nulidade de sentença


condenatória por crime de falso, sob a alegação de estar fundamentada em prova ilícita,
consubstanciada em exame grafotécnico a que o paciente se negara realizar. Explicitou-se
que o material a partir do qual fora efetuada a análise grafotécnica consistira em petição
para a extração de cópias, manuscrita e formulada espontaneamente pelo próprio paciente
nos autos da respectiva ação penal. Consignou-se inexistir ofensa ao princípio da proibição
da auto-incriminação, bem assim qualquer ilicitude no exame grafotécnico. Salientou-se que,
conforme disposto no art. 174, II e III, do CPP, para a comparação de escritos, poderiam
servir quaisquer documentos judicialmente reconhecidos como emanados do punho do
investigado ou sobre cuja autenticidade não houvesse dúvida. Em seguida, aduziu-se que a
autoridade poderia requisitar arquivos ou estabelecimentos públicos do investigado, a quem
se atribuíra a letra. Assentou-se que o fato de ele se recusar a fornecer o material não
afastaria a possibilidade de se obter documentos. Ademais, mesmo que se entendesse pela
ilicitude do exame grafotécnico, essa prova, por si só, não teria o condão de macular o
processo. Por fim, em relação à dosimetria, assinalou que o STF já tivera a oportunidade de
afirmar entendimento no sentido de que, uma vez reconhecida a continuidade delitiva, a
exasperação da pena, a teor do que determina o art. 71 do CP, ocorreria com base no
número de infrações cometidas. HC 99245/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.9.2011. (HC-
99245)”

Audiência Contraditória

Toda prova admitirá uma contraprova. A audiência, portanto, é bilateral sob pena de
nulidade, por força do princípio da bilateralidade da audiência.

Oralidade

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Com as reformas do Processo Penal, tanto no procedimento comum, quanto no Tribunal do


Júri, predomina a oralidade, pois o juiz deve formar sua convicção pela observação viva e
dinâmica dos fatos, situação que somente o processo oral permite.

Concentração

Deflui do princípio da oralidade que obriga a uma maior concentração das provas em
audiência, com celeridade na sua coleta. Não obstante, é possível abrir exceções quando for
imprescindível fracionar a audiência.

Publicidade

A regra é que a produção da prova, assim como qualquer ato judicial, seja pública, somente
podendo ser restringida a publicidade em casos expressamente previstos em lei.

Livre Convencimento Motivado

As provas não são previamente valoradas. Não vigora em nosso processo penal o critério da
prova tarifária em que cada prova tem um valor previamente fixado em lei, pois o julgador
tem liberdade de valorar as provas de acordo com sua consciência e convencimento, desde
que motivadamente e não extrapolando o que consta do processo.

Além do princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional - adotado no


Brasil - e, ainda, resquícios da prova tarifada, existe, ainda, o sistema da íntima convicção no
qual o juiz tem total e irrestrita liberdade para coligir e apreciar as provas, sem qualquer
necessidade de fundamentar suas decisões. Esse sistema é adotado no Brasil somente no
Tribunal do Júri.

ÔNUS DA PROVA E PRODUÇÃO PROBATÓRIA PELO JUIZ


Primeiramente se faz necessário distinguir entre ônus (encargos) e dever jurídico. Veja:

Também chamado de encargo, é uma faculdade que o sujeito processual pode suportar consigo mesmo, ou seja, por
conta e risco, pois se não praticar o ato na qual a lei processual imputa um ônus, em especial, a prova, correrá o risco
de não obter a vantagem pretendida no processo. Portanto, não se trata de mera faculdade, pois, nesta nada é exigido.
O ônus é uma faculdade na qual o sujeito do processo suporta uma desvantagem que pode-lhe acarretar prejuízo, no
entanto, não poderia alegar nulidade pois o disposto no art. 565 do Código de Processo Penal, incide o princípio do
nemo turpitudinem suam allegare potest, na qual ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza.

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No dever jurídico há sempre uma sanção prevista para o seu descumprimento, situação que não ocorre quando se está
diante de um simples ônus processual.

No Processo Penal Brasileiro, a regra é a de que quem alega um fato tem o ônus (ou encargo) de prová-lo, sob pena de
não obter a pretendida vantagem. É o que se extrai da leitura do artigo 156 do CPP.

De acordo com o dispositivo supramencionado, o ônus da prova é, em regra, da acusação, que apresenta a imputação
em juízo através da denúncia ou queixa-crime. Entretanto, o réu pode chamar a si o interesse de produzir prova quando
alega em seu benefício algum fato que propicie a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

O Autor deve fazer prova da ocorrência do fato e de sua autoria, o que inclui o elemento subjetivo (dolo ou culpa),
embora parte da doutrina entenda que o dolo é presumido (entendimento minoritário). Por outro lado, o réu deve fazer
prova da inexistência do fato ou da existência de excludentes de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade, bem como, de
qualquer circunstância que lhe traga algum benefício.

Fonte:

Cabe à defesa, na verdade, fazer prova dos fatos impeditivos (exclusão do dolo ou da culpabilidade), modificativos
(excludentes de ilicitude) e extintivos (extinção da punibilidade).

No entanto, não se pode esquecer que, no processo penal, em virtude do princípio da presunção de inocência, o ônus
da defesa não deve ser analisado de forma tão rigorosa, pois, o descumprimento do ônus de provar fato impeditivo,
modificativo ou extintivo por parte do réu não acarretará, necessariamente, a procedência do pedido acusatório em
razão do princípio do in dubio pro reo.

O Código de Processo Penal permite que, havendo dúvida que não tenha sido dirimida pela produção probatória das
partes, possa o juiz determinar diligências ou a produção de provas de ofício.

É preciso frisar, entretanto, que o juiz somente deve determinar a produção de provas de ofício quando se tratar de
ação penal pública, pois, na ação penal de iniciativa privada vigora o princípio da disponibilidade.

Atenção
, Entretanto, como no Brasil o sistema processual é acusatório, o juiz só deve agir na busca de provas de forma supletiva e,
quando isso for necessário, a ação do juiz pode ocorrer mesmo antes de iniciada a ação penal (art. 156, incisos I e II, do CPP).
Por fim, existem alguns autores que entendem que a inovação do art. 156, inciso I, do CPP, trazida pela Lei 11.690/08
(glossário), ofende o princípio acusatório e, portanto, o dispositivo deve ter interpretação conforme a Constituição no
sentido de somente ser admissível ao juiz determinar a produção de provas na fase investigatória quando houver
pedido de uma das partes.

ATIVIDADE
Chegou a hora de testar os seus conhecimentos! Responda à questão, abaixo:

As provas produzidas na investigação criminal servem para a condenação do autor do fato?

Resposta Correta

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Glossário

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Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 6 - Aspectos gerais da perícia


INTRODUÇÃO

O perito é um auxiliar da justiça, devidamente compromissado, estranho às partes, portador de um conhecimento


técnico altamente especializado e sem impedimentos ou incompatibilidades para atuar no processo.

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A perícia legal é um dos diversos meios de prova possíveis, ou seja, formas de se reconstruir faticamente algo,
possibilitando uma tomada de decisão.

OBJETIVOS

Compreender o conceito e alcance do significado de perito e da perícia;

Examinar que o perito e as perícias estão inseridas na legislação pelo Código de Processo Penal;

Analisar a sistematização e a aplicabilidade da perícia em casos concretos específicos e determinados.

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Perito e Natureza
Jurídica
Perito é auxiliar da Justiça, trata-se de pessoa física
que presta serviços à Justiça, sem funções
judicantes. Exige-se dele que preste compromisso e
que seja equidistante das partes. Além disso, deve
ter conhecimento técnico especializado acerca do
objeto da perícia.

Do acima exposto podemos extrair o entendimento


de que o perito tem natureza jurídica de auxiliar da
justiça.

PERITOS OFICIAIS E PERITOS PARTICULARES


O perito será considerado oficial quando investido na função por lei e não simplesmente por nomeação do juiz. No
processo penal a perícia é realizada, normalmente, por peritos pertencentes aos quadros do Estado.

Anteriormente, exigia-se a realização da perícia por dois peritos oficiais, mas, com a mudança operada pela Lei
11.690/08, permite-se a perícia realizada por um único perito. Tal inovação visou simplificar e tornar mais ágeis as
perícias.

Onde não houver perito oficial continuam valendo as seguintes regras:

a) O exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, preferencialmente na
área específica relativa ao exame;

b) Os peritos não oficiais prestarão compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

1. A reforma a formulação de quesitos e a indicação de assistentes técnicos pelo Ministério Público, pelo assistente de
acusação, pelo ofendido, pelo querelante e pelo acusado.

2. A atuação dos assistentes técnicos se dará após a conclusão do trabalho do perito oficial. Assim, admitidos pelo
juiz, os assistentes técnicos devem aguardar o término do exame feito pelo perito oficial para, então, poderem atuar.

3. Durante o processo, as partes poderão requerer a oitiva dos peritos, desde que sejam estes intimados e recebam os
quesitos com antecedência mínima de dez dias da audiência. Além disso, poderão também, a qualquer tempo, indicar
assistentes técnicos.

4. Em se tratando de perícia complexa, abrangendo mais de uma área de conhecimento especializado, será possível
designar mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente.

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04/02/24, 14:36 Disciplina Portal

Perícia legal
Perícia legal é o gênero que comporta duas
espécies: perícia criminal e medicina legal (ou
perícia médico-legal).

Aqui trataremos da perícia criminal e da perícia


médico-legal. Por óbvio que ambas guardem
enorme similitudes, há também espaço para
particularidade nestes dois seguimentos.
No âmbito penal, HERCULES (2014) assim leciona, ao abordar a perícia criminal:

“Os fatos alegados em um processo precisam ser demonstrados, e


essa demonstração depende de sua natureza. Quando tais fatos
não deixam vestígios material e se desvanecem no mesmo
instante em que ocorrem, ou logo após, a sua comprovação em
juízo só pode ser feita pela prova testemunhal. E o relato de
testemunhas pode, por diversas razões, não corresponder
fielmente à realidade.

No entanto, se resultam vestígios duradouros dos fatos ocorridos,


com a possibilidade de serem detectados pelos nossos sentidos, o
seu exame e registro devem ser feitos obrigatoriamente. E por
pessoas tecnicamente capacitadas para fazê-lo. O exame desses
elementos materiais, quando feito por técnico qualificado para
atender solicitações de autoridade competente, é chamado de
perícia” (grifo nosso).

Observa-se, portanto, que a perícia é uma análise técnica realizada por profissional capacitado, sobre os elementos
materiais do fato (criminoso), com o fim de demonstrar algo. Entretanto, se estes vestígios estiverem relacionados
com o corpo humano, estaremos diante do ramo da medicina legal, portanto, será exercida pelos profissionais da
medicina e ciências auxiliares.

, Importante apresentar, neste momento, a definição, as funcionalidades, as áreas de atuação e os meios de ação dessa
importante ferramenta de trabalho, cuja aplicação na investigação, seja ela criminal ou não, consideramos de fundamental
importância, em alguns casos, para o êxito de qualquer ação.

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04/02/24, 14:36 Disciplina Portal

VOCÊ SABIA?

A aplicação da ciência e da técnica à busca, análise e interpretação dos vestígios decorrentes de atos que se pretende
investigar, é o objeto da criminalística, lembrando que esses atos podem ser criminosos ou não.

A perícia criminal, nessa esteira, é a disciplina que tem por objetivo o reconhecimento e a interpretação dos indícios
materiais extrínsecos relativos ao fato investigado, ficando a Medicina Legal responsável pelos exames dos vestígios
intrínsecos na pessoa.

Nos dias de hoje, em decorrência do enorme desenvolvimento tecnológico e


da diversificação das práticas humanas (delituosa ou não), essa definição, já
não expressa, adequadamente a missão e o campo de ação da moderna
perícia criminal (Criminalística).

Atualmente, a Criminalística utiliza-se de conhecimento científico dos mais


diversos campos, de técnicas e de métodos científicos da Física, da Química,
da Biologia, da Geologia, da Contabilidade, da Engenharia, da Informática e da
Agronomia, entre outras ciências, para realizar a sua atribuição de investigar o
crime por meio dos seus vestígios materiais.

Por outro lado, a disciplina dispõe também, de ferramentas próprias, tais


como a Balística Forense, a Documentoscopia, a Merceologia e a Grafotecnia.
Rabello (1996) define a Criminalística como: “[...] uma disciplina técnico-
científica por natureza e jurídico-penal por destinação, a qual concorre para a
elucidação e a prova das infrações penais e da identidade dos autores
respectivos, por meio da pesquisa, do adequado exame e da interpretação
correta dos vestígios materiais dessas infrações […]”.
Cumpre destacar que o referido autor possui uma visão sobre os ramos da perícia legal da qual não compartilhamos,
pois para o autor, ao comentar essa definição, faz uma referência à separação dos campos de atuação da
Criminalística e da Medicina Legal, concluindo: “assim, quanto a esta parte, até a Medicina Legal está compreendida na
definição moderna de Criminalística”.

Contudo, a compreensão do presente estudo, em que pese o respeito a outras posições, é no sentido de que o ramo
principal, o troco que deve receber a definição de perícia legal, é mais abrangente, permitindo assim, a inclusão de
ramificações mais específicas como a perícia criminal e medicina legal como suas espécies.

Assim, a perícia criminal se utiliza da aplicação de técnica e ciência na investigação dos vestígios (glossário) que não
derivam do corpo humano. Evidentemente, algumas vezes, com adaptações e outras desenvolvendo ferramentas
específicas da nova ciência. Por exemplo, para análise de drogas, utiliza-se a química. Para análise de grafismos, a

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04/02/24, 14:36 Disciplina Portal

criminalística se utiliza em parte, da física, mas precisa desenvolver ferramentas específicas para tal análise, como a
grafotecnia.

Em apertada síntese, pode-se dizer que esses métodos são a pesquisa e descoberta dos vestígios, o seu
reconhecimento, coleta, defesa e interpretação visando à conclusão, por meio das técnicas científicas que forem
necessárias.

De acordo com Cavalcante (1985), a Criminalística apresenta os seguintes princípios:

PRINCÍPIO DA IDENTIDADE (A=A)


Não existem duas coisas ou fatos iguais. Cada uma possui suas particularidades diferentes. “Uma coisa, um corpo, um ente, só
pode ser igual a si mesmo”.
De acordo com esse princípio, não existem duas coisas ou dois fenômenos iguais, e assim sendo, não acontecem dois crimes da
mesma maneira, com os mesmos instrumentos, e exatamente nas mesmas circunstâncias. Consequentemente, dois crimes
mesmo parecidos, nunca serão exatamente iguais.

PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE
As técnicas usadas em Criminalística são de conhecimento e aplicação universal. Isso quer dizer que as técnicas e os métodos
usados aqui no Brasil devem ser as mesmas usadas em outros países e reconhecidas pela comunidade científica internacional.
De acordo com esse princípio, a ciência se comporta como sistema uniforme em toda comunidade científica.

PRINCÍPIO DA INTERCOMUNICABILIDADE
Ninguém entra em um local sem levar para o mesmo as marcas da sua presença e nem sai sem levar sobre si, marcas deste
local. O princípio da intercomunicabilidade implica que qualquer ação que gere resultados, gerará também vestígios, que podem
ficar gravados, impressos, tanto na pessoa que pratica a ação, como no local onde foi praticada: Onde quer que pise, tudo em que
toque, tudo que deixe, até mesmo inconscientemente, servirá como evidência silenciosa contra ele.
Não só suas impressões digitais ou pegadas, mas também cabelo, as fibras das roupas, o copo que ele quebra, a marca de
ferramenta que ele deixa, a pintura que ele arranha, o sangue ou sêmen que ele deposita ou coleta, todos estes e outros são
testemunhas ocultas contra ele. Esta é a evidência que não se esquece. Não fica confusa pela excitação do momento. Não é
ausente, porque testemunhas humanas são. É a evidência efetiva.
Evidência física não pode estar equivocada; não pode se perjurar; não pode estar completamente ausente. Só a sua
interpretação poderia estar errada. Só o fracasso humano em encontrá-la, estudá-la e entendê-la pode diminuir o seu
valor.

Geralmente, os vestígios materiais são perpetuados, por meio do laudo pericial. Em Criminalística, vale a máxima: “Não
adianta saber, é preciso provar com convicção por meio dos vestígios materiais”.

Nessa esteira de raciocínio, o produto dessa análise realizada por esse especialista denomina-se perícia. Esse
profissional detém uma capacidade cognitiva sobre determinados aspectos dos vestígios que se sobrepõem à média
do ser humano e, principalmente, muitas vezes, das próprias partes envolvidas no litígio em questão.

, Importante destacar que para servir na solução do conflito, com o viés de promoção de justiça como dito anteriormente, o
profissional da perícia deve ser imparcial, pois só assim realizará seu labor com isenção e focará única e exclusivamente na
apresentação dos vestígios perceptíveis, independentemente de quem sua conclusão beneficie ou prejudique.

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04/02/24, 14:36 Disciplina Portal

Fonte da Imagem: penguiin / Shutterstock

Engana-se quem imagina que a atividade de perícia é exclusiva de servidores públicos, pois há espaço para realização
de perícia por pessoas com grande conhecimento sobre a ação que se quer perpetuar com a perícia. Importante
destacar o trabalho de peritos ad hoc ou seja, nomeados para aquele ato, bem como a possibilidade de pessoas com
conhecimentos técnicos específicos atuarem como assistentes do perito em um processo, com a finalidade de avaliar
o trabalho do perito.

Não se pode negar que a ação de perícia se confunde com a própria ação de investigar em relação à conduta de
pesquisar. Entretanto, possui metodologia própria. A perícia apresenta vários segmentos, podendo colaborar com uma
investigação de várias formas possíveis conforme veremos em disciplinas específicas sobre o tema.

Espécies Prova pericial previstas no CPP

Exame de Corpo de Delito

Conceito de Corpo de Delito - é a verificação da prova da existência do crime, feita por


peritos, diretamente ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios, ainda que
materiais, desapareceram.

O exame de corpo de delito é indispensável nos crimes que deixam vestígios, também
chamados de crimes não transeuntes - exemplo: um homicídio, um furto mediante
arrombamento, um estupro etc.

Diferença entre Corpo de Delito e Instrumento do Crime

O corpo de delito constitui, no conjunto, a soma de todos os vestígios e sinais deixados por
um delito não transeunte. É o conjunto de elementos sensíveis do fato criminoso, toda a
substância formada de elementos sensíveis, isto é, aqueles que podem afetar os sentidos,
que podem ser percebidos pela visão, audição, tato, paladar ou olfato.

Por outro lado, os instrumentos do crime são os instrumentos usados como causa eficiente
para a realização do delito, os objetos materiais dos quais o agente se serviu para delinquir e
nos quais se procurará verificar a natureza, a eficiência, a potencialidade danosa etc.

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Desse modo, o exame no cadáver perfurado por projéteis de arma de fogo é um exame de
corpo de delito, pois visa verificar qual foi a causa da morte, mas, o exame feito na arma
apreendida com o suspeito é exame em instrumento do crime, pois visa saber se o projétil
causador da morte foi disparado por ela, se havia potencial lesivo etc.

EXAME DE CORPO DE DELITO E PROVA TARIFADA (SISTEMA


VINCULATÓRIO OU LIBERATÓRIO)
Quanto ao juiz, as legislações penais relativas à perícia estabelecem dois sistemas:

SISTEMA VINCULATÓRIO
Pelo sistema vinculatório, o julgador está vinculado à perícia, subordinando o juiz à opinião do perito, o que dá a este um relevo
bastante acentuado.

SISTEMA LIBERATÓRIO
No sistema liberatório atribui-se ao juiz uma liberdade, maior ou menor, conforme o caso, de modo a ser subordinada a opinião do
perito.
O sistema liberatório deve ser analisado sob um tríplice aspecto:
Quanto à conveniência;
Quanto ao procedimento;
Quanto à avaliação da prova pericial.

, Não obstante a adoção do sistema liberatório, fica evidente pela redação do art. 158, do CPP, uma reminiscência do sistema da
prova legal ou tarifária, posto que, se o crime deixar vestígios, a perícia passa a ser obrigatória não podendo ser suprida nem pela
confissão do acusado., , Tamanha é a importância da prova pericial que a sua ausência nos crimes que deixam vestígios é causa
de nulidade absoluta, conforme determina o art. 564, III, b, do CPP., , Tais regras, segundo muitos autores, atentam contra o
sistema do livre convencimento motivado e, de acordo com a previsão legal e constitucional de que devem ser aceitas no
processo todas as provas que não sejam proibidas por lei, já decidiu o STJ que a parte final do art. 158, do CPP, teria sido
derrogada, ou seja, mesmo que a perícia não seja realizada nos crimes não transeuntes, a confissão do acusado pode embasar
decreto condenatório, desde que respeitadas as regras previstas nos arts. 197 a 200, do CPP.

EXAME DE CORPO DE DELITO DIRETO E INDIRETO


O exame direto é aquele feito sobre o próprio corpo de delito - a chave usada, o cadáver, a porta violada etc.

O exame indireto é realizado por meio de um raciocínio dedutivo sobre um fato retratado por testemunhos, por não se

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04/02/24, 14:36 Disciplina Portal

ter a possibilidade do uso da forma direta.

Assim, ao examinar o corpo lesionado, o perito estará fazendo um exame direto; ao ler um relatório, fichas hospitalares,
ouvir médicos e enfermeiros que atenderam a vítima, elaborará um exame indireto.

Para ler mais sobre o Exame de corpo de delito, clique aqui (glossário).

ATIVIDADES
A criminalística é uma ciência autônoma?

Resposta Correta

Glossário
VESTÍGIOS

Vestígios podem ser definidos como sendo qualquer modificação no mundo exterior perceptível pelos sentidos humanos.

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 7 - Ramos da perícia


INTRODUÇÃO

Antes de ingressarmos na apresentação de alguns ramos da perícia é importante identificarmos onde se situa seu
estudo.

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

As espécies de perícias podem existir dentro de um ramo da perícia. Por exemplo, na medicina legal, ciência que
compõe a criminalística, podem ser realizados diversos tipos de perícias como o exame cadavérico, laboratoriais de
DNA, toxicologia etc.

Vamos falar mais sobre esse assunto, nesta aula.

Bons estudos!

OBJETIVOS

Compreender que existem diversas espécies de perícias;

Identificar que os exames periciais possuem finalidades específicas previstas no Código de Processo Penal e estão
inseridas em uma organização sistematizada com o princípio acusatório;

Estabelecer que a prova pericial na verdade é um documento resultante do exame ou constatação que se realiza sobre
um objeto ou pessoa.

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

CIÊNCIAS FORENSES
Ciência Forense é a aplicação de um conjunto de técnicas científicas para responder
a questões relacionadas ao Direito e, por isso, forense, podendo se aplicar à análise
científica de fatos com reflexos no âmbito criminal, civil e administrativo.
O esclarecimento de crimes é a função de destaque na criminalística. Através da análise
dos vestígios deixados na cena do crime, os peritos, especialistas nas mais diversas
áreas, conseguem chegar à análise científica e resultado demonstrável a afirmável pela
ciência, consequentemente, angaria credibilidade, permitindo ao investigador,
coordenado pelo Delegado de Polícia, a reunir as evidências e afirmar a existência do
crime, que denomina-se materialidade, e os indícios de autoria.

Algumas das áreas científicas que estão relacionadas à Ciência Forense são a Antropologia, Biologia, Computação,
Matemática, Química, e várias outras ligadas à Medicina, como por exemplo, a Psiquiatria e Psicologia Forense.
Poderíamos representar o texto na seguinte representação:

CRIMINALÍSTICA
A Ciência Forense pode descambar na criminalística, que se direciona para a seara criminal e consiste na observação,
análise, interpretação, descrição, documentação da prova ou evidências, traduzidos no local do crime que, por sua vez,
possuem elementos subjetivos e objetivos (vestígios, evidências e indícios). É possível que, no local do crime, a ação
criminosa tenha recaído sobre uma pessoa e o exame tenha que ser realizado sobre ela e, neste momento, entra em
cena a Medicina legal, que consiste, em linhas gerais, no exame intrínseco da pessoa.

Fonte: Alexandru-Radu Borzea / Edw / Damerau / Shutterstock

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

CRIMINOLOGIA
Outra área que contribui significativamente para a Ciência Forense é a criminologia.
A criminologia é a ciência que estuda as causas e as concausas da criminalidade e
da periculosidade como ambiente propício à ocorrência da criminalidade, bem como
as manifestações e os efeitos da criminalidade, incluindo-se a política criminal de
prevenção ou reação aos perigos ocasionados pela criminalidade, suas manifestações
e seus efeitos.
Ela irá auxiliar na Ciência Forense na medida em que os fenômenos da criminalidade
possam intuir ao investigador qual poderia ter sido, por exemplo, a causa da prática
do crime que se investiga. Consequentemente, auxilia na investigação criminal.

FÍSICA FORENSE
A importância dessa ciência é imensa. Passa pelos conhecimentos de Mecânica, aplicados, por exemplo, a acidentes
de trânsito e morte por projeção de grande altura; balística; engenharia, aplicada, por exemplo, à acústica para
identificação de vozes. Veja:

Física forense na balística externa.

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

Física forense em acidente de trânsito.

DOCUMENTOSCOPIA

Fonte da Imagem: Tiko Aramyan / Shutterstock

Estuda a questão da falsidade documental e tem como subdivisão a grafoscopia, que examina, especificamente, a
escrita, a fim de determinar a sua autenticidade ou não, sua origem e sua autoria.

PAPILOSCOPIA

Fonte da Imagem: Slaven / Shutterstock

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Consiste no levantamento e estudo de impressões digitais.

BALÍSTICA FORENSE
Estuda armas e munições, faz confrontos para se determinar as evidências a respeito dos indícios de autoria de um
disparo.

TOXICOLOGIA FORENSE

Fonte da Imagem: Tish1 / Shutterstock

Trata-se do conhecimento sobre a química, farmacologia e bioquímica para identificação de tóxicos em geral, como
elementos de crimes por envenenamento, por exemplo.

QUÍMICA FORENSE
Consiste na análise de alimentos e bebidas, exame de manchas orgânicas, de pelos e cabelos, análise de componentes
de artefatos explosivos, cargas propelentes de projéteis de armas de fogo, química de cosméticos, de tintas.

Fonte: Looker_Studio / Alexander Raths / science photo / Shutterstock

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

Exemplo
, Como exemplo, podemos citar o tráfico de drogas e, ainda mais grave, o art. 273 do Código Penal:, , “Art. 273: Falsificar,
corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Pena: reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)”

BIOLOGIA FORENSE

Fonte da Imagem: Arhiv / Shutterstock

Apresenta uma estreita relação com a Medicina Legal, estudo da morte que compreende também a Entomologia
Forense (glossário) e a genética forense, por intermédio de exames de DNA.

GENÉTICA FORENSE

Fonte da Imagem: Konstantin Faraktinov / Shutterstock

É a ciência que estuda a utilização dos conhecimentos e das técnicas de genética e de biologia molecular no auxílio à
justiça, seja na seara criminal ou civil. A Genética Forense também é conhecida como DNA Forense.

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

ENTOMOLOGIA FORENSE

Fonte da Imagem:

A ciência passou a ser capaz de fornecer dados suficientes para indicar vestígios de um crime e supostos criminosos.
A credibilidade das provas vem crescendo com a aplicação da entomologia forense. Apesar de essa técnica ser de
grande importância, ainda é pouco utilizada no Brasil, devido às condições climáticas. Entretanto, esta modalidade de
estudo vem crescendo e progredindo de forma satisfatória no âmbito policial.

A seguir, veja um gráfico que demonstra a espécie de inseto relacionada a fase de decomposição cadavérica,
demonstrando uma das informações importantes para análise dos vestígios do crime.

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FRAUDE PROCESSUAL
Esse é um tema bastante relevante para a Ciência Forense.

O crime de fraude processual, disposto no art. 347 do Código Penal, consiste em

As evidências colhidas no local do crime, por intermédio dos ramos da perícia que hora se identificou em alguns dos
exemplos que pudemos citar, de nada podem ser úteis se o criminoso ou os agentes investigadores contaminam o
local com elementos que não fazem parte da cena, de maneira que tal conduta pode vir a ser criminalizada, por
consistir em uma fraude processual.

Em se tratando de crimes de trânsito, quando o local é adulterado propositadamente, ou seja, com dolo, corresponde
ao art. 312 da Lei 9.503/97 (glossário), aplicando-se este diploma ao revés do Código Penal, em razão do princípio da
especialidade.

ATIVIDADE
1 - Qual a natureza jurídica do depoimento do perito em juízo?

Resposta Correta

2 - A respeito da criminalística, assinale a alternativa correta:

a) Não tem a menor importância para o crime.

b) Tem como função exclusiva o esclarecimento da autoria do crime.

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c) Tem como função primordial o esclarecimento de crimes.

d) Tem como função exclusiva o esclarecimento da materialidade do crime.


e) Tem como função primordial a capacitação dos peritos criminais.

Justificativa

3 - Nos estudos sobre as ciências forenses, assinale a alternativa que possa explicar o significado da papiloscopia:

a) Ciência responsável pela fala, mais conhecida por “papo” ou “bate-papo”.

b) Ciência responsável pela coleta, exame e análise dos indícios deixados nas papilas gustativas.

c) Ciência responsável pela criação e estudo do papiloscópio.


d) Ciência que consiste no levantamento e estudo de impressões digitais.

e) Ciência que analisa as papoulas.

Justificativa

4 – Imagine que em um crime a perícia necroscópica determinou que a morte ocorreu decorrente de paralisação dos
órgãos em razão de ação de substância considerada “veneno”, indique qual ciência forense é responsável por este
estudo e identificação desta circunstância:

a) Toxicologia forense.

b) Hematologia forense.

c) Medicina legal.

d) Biologia forense.
e) Genética forense.

Justificativa

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04/02/24, 14:37 Disciplina Portal

Glossário
ENTOMOLOGIA FORENSE

Estudo de formas larvais para se determinar o período de morte.

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 8 - Perícias em espécies


INTRODUÇÃO

Conceito de Corpo de Delito é a verificação da prova da existência do crime, feita por peritos, diretamente ou por
intermédio de outras evidências, quando os vestígios, ainda que materiais, desapareceram.

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

OBJETIVOS

Compreender a aplicabilidade das ciências forenses e seu significado;

Definir que os ramos das perícias são ramos científicos de conhecimento específico;

Registrar que esses conhecimentos específicos, em razão da complexidade, podem se subdividir em outras
especialidades.

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

EXAME DE CORPO DE DELITO


Como já estudamos na aula 6, faremos um resumo sobre o tópico do exame de corpo de delito.

• Esse exame é indispensável nos crimes que deixam vestígios, como homicídio, roubo, entre outros;

• Há diferença entre corpo de delito e instrumento do crime: O exame no cadáver perfurado por projéteis de arma de
fogo é um exame de corpo de delito; o exame feito na arma apreendida com o suspeito é exame em instrumento do
crime;

• Quanto ao juiz, as legislações penais relativas à perícia estabelecem dois sistemas: o vinculatório e o liberatório;

• O sistema liberatório deve ser analisado sob um tríplice aspecto: Quanto à conveniência, ao procedimento e à
avaliação da prova pericial.

• A prova pericial é tão importante, que sua sua ausência nos crimes que deixam vestígios é causa de nulidade
absoluta, conforme determina o art. 564, III, b, do CPP;

• Exame de Corpo de Delito pode ser Direto e Indireto: ao examinar o corpo lesionado, o perito estará fazendo um
exame direto; ao ler um relatório, fichas hospitalares, ouvir médicos e enfermeiros que atenderam a vítima, elaborará
um exame indireto;

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• A prova pericial não poderá ser suprida quando os vestígios desaparecerem por inércia dos organismos estatais
responsáveis pela persecução penal;

• Há delitos nos quais a prova pericial não pode ser suprida por nenhuma outra. Um exemplo é o porte de substância
entorpecente, quando, não havendo a apreensão da droga ficará bastante difícil sustentar a acusação apenas com
base em prova testemunhal.

EXAME GRAFOTÉCNICO
Trata-se do chamado reconhecimento de escritos, previsto no art. 174, do CPP,
que busca certificar, admitindo como certo, por comparação, que a letra inserida em
determinado escrito pertence à pessoa investigada.
O procedimento previsto no dispositivo mencionado pode ser utilizado também para
perícias de escritos envolvendo datilografia ou impressão por computador.

VOCÊ SABIA?

Consoante o art. 174, incisos II e III, do CPP, justamente para contornar a falta de colaboração do interessado, prevê a
lei processual penal que a delegado de polícia se valha de outros documentos emanados do punho do investigado, cuja
autenticidade já tenha sido evidenciada em juízo ou por qualquer outro meio de prova em direito admitido. Poderá,
ainda, haver requisição de documentos constantes de arquivos ou estabelecimentos público ou privados para proceder
à comparação.

Os documentos podem ser aferidos em sentido amplo ou estrito:

• Documento em sentido amplo é qualquer coisa que represente um fato ou realização do homem;

• Documento em sentido estrito é o objeto material em que se insere uma expressão de conteúdo intelectual, por meio

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

de um escrito ou de quaisquer outros sinais, imagens ou sons.

O CPP, ao tratar dos documentos como meios de prova, refere-se a eles em seu sentido estrito, conforme se percebe da
leitura do art. 232 do CPP. Assim, o referido dispositivo não considera documentos, no sentido estrito do termo, as fitas
gravadas, as fotografias e os desenhos.

No entanto, o próprio CPP, em algumas passagens, faz alusão a documentos gráficos e diretos:

• Os gráficos são representados por outra forma que não a escrita, como pinturas, esquemas, desenhos, entre outros;

• Os diretos são as fotografias e gravações, quando o fato é representado diretamente, com espeque nos arts. 170 e
479, do CPP.

Além desses, há, como já mencionado, os documentos escritos.

DOCUMENTOS PÚBLICOS E PARTICULARES


Os documentos são públicos quando lavrados por funcionário público no exercício da função ou
fornecidos por repartição pública; já os documentos particulares são lavrados por particular ou,
a contrario sensu da definição de documento público, são aqueles que não são lavrados ou produzidos
por funcionário público no exercício de sua função.
Podemos, ainda, ter documentos que são formal e materialmente públicos quando, além de terem sido
lavrados por funcionário público no exercício de suas funções, tratam de assuntos de interesse público;
ou formalmente públicos e materialmente privados quando, não obstante lavrados por funcionário público
no exercício de suas funções, tratam de interesses privados.

Atenção
, Para fins penais e processuais penais, basta que o documento seja formalmente público para que tenha o caráter de documento
público.

ESPÉCIES DE EXAME DE CORPO DE DELITO


Vimos que o corpo de delito é objeto sob o qual recai a conduta do criminoso e esse objeto em regra, deixa elementos,
alterações no bem jurídico.

A perícia é esse exame sob o corpo de delito. O Código de Processo Penal elenca algumas espécies de corpo de delito.
Vamos ver a seguir:

Autópsia ou necropsia ou exame cadavérico (nomenclaturas sinônimas)

Alguns autores criticam o nome autópsia, pois seria equivalente a fazer o exame em si
mesmo, mas outros discordam afirmando que não tem relação alguma com o autoexame.

A finalidade consiste na identificação da causa morte, seis horas após o óbito, ou


antecipado em razão de evidência de morte à luz do art. 162, CPP.

Essa evidência pode ser em razão dos equipamentos dos peritos ou pelo tipo de morte,
como uma morte violenta por decaptação, por exemplo.

Tratando-se de uma morte violenta é necessário que se faça o exame. Em uma morte
natural não é necessário a necropsia, uma vez que não houve delito.

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

Portanto, só haverá a necessidade de necropsia se tiver que ser analisado algum elemento
interno.

Realização: análises externa e interna, visceral.

Geralmente a causa da morte é constatada através de análise interna, apesar de evidências


externas.

Pode ocorrer a dispensa em razão da morte natural (doença ou senelidade) e morte violenta.
162, parágrafo único, CPP. Ex: decapitação. Em outras palavras, a morte violenta que não
precisa de necropsia é aquela que se evidencia a causa morte.

Exumação (desenterrar cadáver). Art. 163 a 166, CPP

Trata-se de ordem que há reserva de jurisdição, não havendo necessidade de representar ao


juiz para exumar um cadáver.

Não deixa de ser uma variação da necropsia. Há exames que precisam ser feitos no cadáver
após o sepultamento, porque durante a investigação se constatou que aquela pessoa foi
vítima de um erro médico, por exemplo.

A legitimidade para a realização é do Juiz ou Delegado;

Atenção: no sistema acusatório não é função do juiz atuar de ofício na investigação


criminal. O ato será de reserva da jurisdição quando ingressar na reserva da seara absoluta
da jurisdição. Art. 282, §2º, CPP.

Exame complementar de lesão corporal. Art. 168, §1º. CPP

Esse exame vai fornecer a extensão do dano causado na lesão corporal. Há lesões leves e
graves. Pode ser necessário o tempo para se constatar algumas lesões.

Crimes que deixam vestígios precisam de prova pericial, não podendo a testemunhal suprir
tal requisito. A exceção da prova pericial nos crimes que deixam vestígios ocorre quando for
evidente tal lesão. Os crimes que deixam vestígios são hipóteses de prova tarifada. Não
pode o juiz ter iniciativa probatória na investigação.

Perícia laboratorial, conforme o art. 170, CPP (química, biológica, física)

Em razão do material perecível os peritos guardam uma amostra em laboratório. O perito


pode decidir por ele mesmo se deve fazer essa guarda, e nada impede que o delegado
requisite a guarda desse material.

Perícia grafotécnica, art. 147, CPP

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

Geralmente, é o exemplo dado pela doutrina de que o investigado não é obrigado a produzir
prova contra si mesmo. Acaba, portanto, sendo discutido como inconstitucional se o
investigado for compelido a realizar, no entanto, não há impedimento se realizado
voluntariamente.

Exame de instrumento do crime. Art. 175, CPP

Se fizermos uma interpretação literal, o citado artigo determina que todos os instrumentos
do crime sejam periciados.

No âmbito do crime de roubo, o STJ já decidiu que o emprego de arma de fogo não
precisaria de perícia, pois, o art. 157, §2º, I, CP, se refere apenas em emprego de arma de
fogo. Segundo o STJ, a eficácia da arma na situação é de causar maior perigo para a vítima
e não de efetuar disparos.

No porte ilegal de arma de fogo, o ideal é que haja o exame pericial de que tipo de arma é
aquela. Entretanto, é um crime de perigo abstrato, ou seja, o perigo é presumido.

Quando estamos diante de um crime de furto qualificado pela escalada, destruição e


rompimento de obstáculos, o Código exige perícia, conforme art. 171, CPP.

Da mesma forma, o crime patrimonial, quando possível constatar o objeto do crime, é


necessário o exame de Avaliação, como preconiza o art. 172, caput e parágrafo único do
CPP, podendo servir para eventual aplicação do princípio da insignificância ou verificação do
valor para a incidência do privilégio da causa de diminuição de pena nos crimes
patrimoniais, quando admitidos, para bens de pequeno valor.

Busca pessoal ou revistas

Não são intervenções corporais. A revista não é intervenção corporal, uma vez que não há
intervenção no corpo, como a introdução de objetos por nenhuma cavidade corporal.

Exames radiológicos e ecográficos

Nesses exames, não ocorrem a penetração no corpo humano. No entanto, há interferência


no corpo em razão dos efeitos da irradiação, consequentemente, caracteriza uma
intervenção corporal.

Intervenções corporais

Extração de sangue é uma intervenção corporal. Desnude, intervenções anais e vaginais por
se tratarem de ato invasivo, também caracterizam intervenção corporal.

Atenção
, A título de exemplo trazemos um caso concreto (galeria/aula8/docs/caso_concreto.pdf) decidido por nossos Tribunais.

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

ATIVIDADES
1 - Uma pessoa pode ser objeto de prova? E a dignidade da pessoa humana prevista no art. 1º, III da CR/88?

Resposta Correta

2 - Com relação a quem possui legitimidade para exumação do cadáver, podemos afirmar que poderá(ão) determiná-la:

a) Somente o juiz.

b) Somente o delegado.

c) O perito.
d) Juiz ou delegado.
e) Parentes da vítima.

Justificativa

3 - Em se tratando do estudo da finalidade da necropsia conforme o código de processo penal, podemos afirmar que se
presta à:

a) Identificação da causa da morte sempre em razão da evidência da morte.

b) Identificação da causa da morte, após seis horas após o óbito, ou antecipado em razão da evidência da morte.
c) Identificação da causa da morte imediatamente após o óbito, ou antecipado em razão da evidência da morte.
d) Identificação da causa da lesão corporal, após seis horas do crime, ou antecipado em razão da evidência do crime.

e) Identificação da causa do estupro, após seis horas do crime, ou antecipado em razão de sua evidência.

Justificativa

4 - Sobre os estudos do exame de corpo de delito podemos afirmar que a necropsia pode ser dispensada quando
houver:

a) Morte por queda.


b) Morte por perfuração.

c) Morte natural, como doença ou senilidade.


d) Morte suspeita.
e) Morte por enforcamento.

Justificativa

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04/02/24, 14:38 Disciplina Portal

Glossário
ART. 174, INCISOS I E IV, DO CPP

Prevê a intimação da pessoa interessada a fim de que possa reconhecer documentos provenientes de seu punho, que servirão
como padrão para a comparação, ou para que forneça diretamente à autoridade o material emanado de seu punho, conforme lhe
for ditado.
Não se pode olvidar que, segundo nosso sistema constitucional, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo e,
portanto, o suspeito não será obrigado a fornecer material para comparação e isso não caracterizará crime de desobediência e
nem poderá ser interpretado em seu desfavor.

https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_12171088/temas/8/conteudos/1 9/9
04/02/24, 14:40 Disciplina Portal

Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 9 - Investigação na área empresarial


INTRODUÇÃO

A investigação na área empresarial é mais um viés de trabalho, cuja responsabilidade deve ser atribuída àquele
profissional com possui perfil determinado, incansável para a busca dos fatos, com capacidade de resolução de
problemas e boa observação.

https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_12171088/temas/9/conteudos/1 1/10
04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

Em razão da legislação atual, e por força da compliance há a necessidade das empresas contratarem profissionais
para investigações privadas, transformando esse mercado em expansão.

Ser hábil com a comunicação escrita também é importante porque o produto final que será entregue ao cliente é um
relatório investigativo escrito.

OBJETIVOS

Compreender os riscos da atividade empresarial;

Refletir sobre as rotinas empresariais gerais;

Converter este conhecimento em monitoramento preventivo das atividades empresariais.

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

INVESTIGAÇÃO EMPRESARIAL
A investigação empresarial é amplamente utilizada atualmente por pessoas com experiência
na área da investigação criminal, em geral, policiais aposentados.
Suas tarefas geralmente são cobradas quando há suspeita de má-fé de algum funcionário que
utiliza o networking para seu próprio benefício. Como exemplo, podemos citar o uso indevido da
mala direta da empresa por sócio, concorrente ou um cliente, que tenha se apropriado do banco
de dados da empresa.

Em alguns países essa atividade é regulamentada, como nos Estados Unidos da América, em alguns Estados.

É uma atividade na qual irá se desenvolver inteligência para investigar:

São questões problemáticas que podem estar sendo


realizadas na clandestinidade e, quando descobertas,
podem acarretar, até mesmo, a interrupção do
desenvolvimento e reputação da empresa, além de
prejuízos financeiros que poderão levá-la à falência.

Desse modo, a investigação criminal, neste caso preventiva,


pode ajudar o empreendedor a descobrir condutas ilícitas,
como desvios e fraudes, interrompendo os esquemas de corrupção criados.

Atenção
, Para descobrir desvios de conduta e atos ilícitos praticados contra uma empresa, a investigação deve lançar mão de diversos
mecanismos operacionais e táticos para monitorar e acompanhar os alvos investigados, bem como deve saber que tipo de perícia
deverá precisar para saber apontar um assistente técnico para analisar documentos, como uma perícia contábil da empresa., ,
Após a averiguação, o investigador deve saber elaborar um relatório detalhado para fornecer ao cliente, apontando, inclusive, as
provas necessárias para a utilização judicial (processo criminal) ou extrajudicial (inquérito policial).

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO EMPRESARIAL


Para uma investigação empresarial bem-sucedida, o investigador deve possuir conhecimento para saber adquirir
equipamentos para utilização em sua empreitada para que possa colher a prova. Para isso, é necessário ter noções de
Direito para saber, entre outros aspectos, se a prova colhida é lícita ou não e como acompanhar o envolvimento do alvo.

Entre as diversas técnicas podemos destacar:

Saiba Mais
, Existem diversas maneiras de realizar essa empreitada, como por exemplo, a utilização de disfarces, se fazendo passar por um
novo funcionário da empresa, da mesma forma que ocorre com o instituto do agente infiltrado. Isso permite a ação nas
dependências da empresa sem despertar suspeitas, conversar com funcionários e até mesmo simular ações ilegais por meio de
oferecimento de dinheiro ou vantagens em troca de informações, o que demonstraria o envolvimento do funcionário suspeito em
atividades criminosas.

As investigações sobre pessoas físicas são menos complexas comparadas às investigações em empresas,
que costumam ser mais delicadas e muito minuciosas, uma vez que a imagem e a reputação da organização
podem ser afetadas. Isso pode ocorrer quando há irregularidades e problemas na gestão, em razão de atividades
ilícitas de um sócio ou diretor.
Não há dúvidas de que se as falhas na empresa são causadas dolosamente por seus funcionários ou empregados,
o empregador tem todo o direito de investigar e até mesmo de entrar com uma ação contra o funcionário, seja uma
ação na Justiça do Trabalho, apresentação de uma notícia-crime na delegacia de polícia, ou ação civil para reparação
dos danos, visando bloquear eventuais enriquecimentos ou aquisições de bens, oriundos da atividade ilícita desenvolvida.

Para se chegar a esse sucesso ou êxito é necessário ter


provas e materiais que sejam concretos e comprovem as
hipóteses e evidências que fazem crer ser o funcionário o
responsável pelos danos.

As investigações podem ser sobre um funcionário que apresentou atestado médico falso,
ou possui qualquer outro comportamento suspeito. Podem também ser por situações de perigo,
como é o caso de espionagem de concorrência ou concorrentes desleais.

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Em geral, será mais comum encontrar problemas de ordem econômica como desvios de verbas,
desvios ou subtrações de informações, por exemplo. As investigações precisam ser realizadas
sob sigilo absoluto e as provas podem ser obtidas através de gravações em ambientes internos
e externos, com a utilização de micro câmeras escondidas, associados aos disfarces na infiltração.

Saiba Mais
, As empresas que adotarem esses recursos como métodos de prevenção poderão assegurar menos prejuízos e diminuirão os
riscos, além de evitar que suas reputações sejam atingidas com a divulgação de funcionários envolvidos em escândalos de
corrupção., , Os planos de investigação devem ter por fim a execução e o desenvolvimento estratégico de inteligência e
contrainteligência, estabelecendo as medidas necessárias para proteger o cliente, sejam pessoas físicas ou jurídicas, de direito
público ou privado, de ameaças internas e externas.
Entre as atividades ilícitas empresariais, não raras vezes praticadas por funcionários e prepostos, estão a divulgação
de informações sigilosas, sabotagens, fraudes, roubos, furtos, pirataria etc. Além disso podemos destacar a
especificadamente:

Fonte da Imagem:

A atividade de investigação empresarial deve atuar na área de Transportes de bens, furto e desvio de carga, bem como
na averiguação cadastral de motoristas e auxiliares, na análise do perfil civil e criminal de funcionários, prestadores e
clientes, efetuando pesquisas em banco de dados como do SERASA, SPC, sites dos tribunais, em busca de ações civis
e criminais.

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Deve realizar exame técnico de local, em casos de crime de incêndio em grandes proporções, e atuar no levantamento
de informações sobre sua origem, causas, motivos e possível autoria, executando a coleta de informações nas
violações de direitos autorais, tais como: denúncia de fraude no uso indevido de nome empresarial, marca e patente,
oposição arbitrária de nome próprio em mercadoria de outro produtor, utilização fraudulenta de recipiente ou invólucro
de outro produtor, cópia de programas piratas etc.

Atenção
, Paralelamente aos exames de locais, é imprescindível a realização de investigação de evidências digitais armazenadas ou
transmitidas através da internet ou rede de computadores, para a elucidação de um amplo contingente de atividades ilegais e
criminosas como: homicídios, estupros, sequestros, abuso de crianças, aliciamento de menores, pornografia infantil, assédio,
fraudes, culto ou apologia a atividades criminosas ou racistas, roubo, trafico de drogas, invasão de computadores, espionagem e
terrorismo.

Outro campo de atuação da investigação empresarial está na Consultoria e Gerenciamento


de Risco nas áreas de Correspondentes Bancários, fraudes com cartões de crédito e empréstimos
para aquisição de bens móveis e imóveis.
Devemos lembrar que essas investigações, quando necessitam de conhecimento técnico de uma área do
conhecimento humano muito específico, demanda parceria com peritos para a realização de laudos técnicos,
consultoria ou assessoria médica, por meio de assistência técnica, por intercâmbio, associações ou parcerias.

Essa análise pericial poderá ser de exames em sistemas de segurança, peças e componentes de veículos,
reconstituição de acidentes por computação gráfica, croqui para levantamento topográfico de locais, exame de
veículos oriundos de colisão, abalroamento, atropelamento, entre outros, incluindo os eventos de fraudes de acidentes,
de furtos ou roubos entre diversos outros crimes como:

Incêndios e explosões, acidentes do trabalho

Desabamentos e desmoronamentos

Alteração de limites (glossário)

Enfim, será necessário até mesmo, e se for o caso,


vigilância e segurança privada, como em bancos, comércio,
rede hoteleira, indústrias, colégios e universidades,
edifícios e condomínios, rede hospitalar etc.
TIPOS DE CRIMES
Ao verificarmos os tipos de crimes mais comuns, que podem ser investigados na seara empresaria poderíamos
associar:

Estelionato

1. No crime de estelionato, os alvos preferidos das ações criminosas são:

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a) Bancos;
b) Comércio em geral;
c) Rede hoteleira.
Fraude em cheque, cartões de crédito, documentos de identificação etc.

Contra o patrimônio

2. No crime contra o patrimônio, os alvos preferidos das ações criminosas são:

a) Colégios e universidades;
b) Rede hospitalar;
c) Edifícios e condomínios.
Crimes como dano, furto e roubo.

Tráfico

3. No tráfico e uso de drogas, os alvos preferidos das ações criminosas são:

Crimes que deixam vestígios precisam de prova pericial, não podendo a testemunhal suprir
tal requisito. A exceção da prova pericial nos crimes que deixam vestígios ocorre quando for
evidente tal lesão. Os crimes que deixam vestígios são hipóteses de prova tarifada. Não
pode o juiz ter iniciativa probatória na investigação.

Pirataria

4. Nos crimes contra a propriedade imaterial, denominada de pirataria, os alvos preferidos


das ações criminosas são:

a) Colégios e universidades;
b) Comércio em geral;
Atividade artística.

Importante, ainda, destacar no âmbito da investigação empresarial as legislações:

• Lei 12.683/2012 (atualiza a lavagem de dinheiro);


• Lei 12.846/13 (lei anticorrupção);
• Lei 9.605/98 (lei ambiental).

COMPLIANCE
São normas que trazem diversos deveres às empresas para que não sejam sancionadas pela prática de crimes
realizados por seus funcionários ou membros, ou por seus dirigentes, denominadas lei anticorrupção, lavagem de
dinheiro e lei ambiental.

Em especial a lei anticorrupção e lavagem de dinheiro trazem o instituto da Compliance, que anuncia um “conceito que
provém da economia e que foi introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento
das normas, não necessariamente de natureza jurídica.”

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De acordo com o jurista Pierpaolo Botini:

“São diversos os modelos de Compliance, mais ou menos


abrangentes ou estruturados de acordo com o setor e com
a complexidade das atividades da empresa. Há setores de
compliance voltados para assegurar o cumprimento de
normas trabalhistas, outros direcionados à regulação
tributária, ambiental, do consumidor, entre outros. Nesse
contexto, surge o criminal compliance.”

Relativamente à criminalidade econômica, diversos deveres e obrigações são impostos às


instituições pertencentes a determinados setores competentes, fazendo com que haja a
necessidade de adoção de procedimentos internos nas rotinas operacionais, o que inclui a
investigação empresarial.
Todo esse movimento tem como finalidade o cumprimento das diretrizes dos órgãos de controle,
evitando quer sanção ou responsabilização da instituição financeira ou estabelecimento relacionado.
Não há uma estrutura rígida para a elaboração de um programa de Compliance.

Todavia, na tentativa de ilustrar e sistematizar a temática,


pode-se elencar alguns elementos e características
inerentes a tal prática.
Os seguintes pontos devem ser analisados para a orientação do Compliance e para as diretrizes da equipe de
investigação empresarial:

Paralelamente ao conjunto de normas, não se pode deixar de implementar e estabelecer


o conjunto de sanções. Como a maioria dos sistemas normativos, o estabelecimento de
sanções ou reprimendas frente à eventual cometimento de irregularidade é elemento

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relevante dentro da organização de um apropriado e eficiente sistema de Compliance.


A criação de um plano de reação frente às irregularidades é igualmente importante ao
procedimento de detecção dos problemas, já que a simples constatação da fraude ou
da irregularidade não basta para a manutenção da correta saúde financeira e gestão de
riscos das empresas, sendo necessária a elaboração de planos de ação para a contenção
de condutas inadequadas.

Anteção
, Saliente-se, inclusive, que os setores de compliance de determinadas empresas servem como verdadeiros órgãos investigativos
e de produção probatória relativamente à verificação de irregularidades., , Assim, ante a confirmação de uma nova estrutura e
complexidade social, a figura do Compliance adquire relevo cada vez mais acentuado, circunscrevendo sua atuação e utilização a
diversas outras áreas do saber, entre elas a ciência jurídica e, em medida crescente, o direito penal. Aliás, justamente nesta
interseção, com o direito penal e a criminologia, é que reside aspecto relevante.

QUESTÃO 1
As pessoas jurídicas podem cometer crimes?

Resposta Correta

Glossário
ALTERAÇÃO DE LIMITES

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Atualmente para até mesmo analisar furto de abigeato, por força de Lei 13.330/16, danos simples e qualificados, adulterações,
exames de cofres e caixas fortes, exames de áudio e vídeo, depuração e filtragem de fitas de áudio, falsificações de documentos
e assinaturas, avaliações judiciais, processos físicos, químicos e bioquímicos, perícia médica, reconstituição de acidentes
pessoais.

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Teoria Geral da Investigação


e Perícia

Aula 10 - Segmentos de atuação na


investigação criminal

INTRODUÇÃO

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

A cientificidade da ação investigativa exige uma nova metodologia de construção do perfil profissional do investigador,
hoje não é mais concebível ter como referência apenas o conhecimento empírico - que é o conhecimento adquirido
através da observação. É uma forma de conhecimento resultante do senso comum, por vezes baseado na experiência,
sem necessidade de comprovação científica - desassociado de um conhecimento técnico-científico.

A abordagem sobre o perfil do profissional adequado que pretende exercer essa atividade de investigação está
diretamente relacionada ao processo de formação que busque responder: O que este profissional precisa saber? O que
ele irá fazer? Que atitude deverá ter?

A resposta a esses questionamentos se desdobraram nos atributos do profissional, ou seja, em características


qualitativas que veremos nesta aula.

Bons estudos!

OBJETIVOS

Compreender o perfil de um investigador;

Refletir sobre as habilidades que se deve desenvolver para ser um investigador;

Analisar a utilidade de cada uma das competências de um investigador.

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

PERFIL DO INVESTIGADOR
O perfil do profissional de investigação deve ser balizado de acordo com a natureza
dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição, exigindo-se de seus
executores atributos e habilidades específicas, adequadas ao propósito de busca da
verdade de um determinado acontecimento da vida humana que desperte interesse
de outrem.

Quando se fala em atributos e habilidades específicas, vislumbramos a conclusão de que devemos direcionar nossa
análise sobre a competência profissional. Segundo define o educador francês Perrenoud (2000):

Nesse contexto, tem-se que:

, Observe que não há como desvincular o perfil profissional do investigador das competências profissionais, que serão formatadas
pela educação profissional do indivíduo, baseada em um modelo de pensamento crítico e reflexivo, de atitude reflexiva e de
organização do pensamento.

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

ATRIBUTOS DO PROFISSIONAL DE INVESTIGAÇÃO


Os profissionais que atuam no campo da investigação em geral devem possuir alguns atributos básicos de
proatividade, flexibilidade e propensão à mudanças. Estas e outras características deverão ser os elementos de
postura para a resolução dos problemas apresentados diuturnamente no seu trabalho.

A seguir, tem-se uma relação de características, exemplificativas, que revelam atitudes necessárias aos integrantes
dessa atividade:

Podemos compreender que o profissional de investigação deve possuir uma gama de atributos para poder executar
seu mister com eficiência e qualidade, pois só assim irá se destacar.

Com esse perfil, podemos afirmar que o profissional possuirá habilidades para desenvolver-se nas seguintes
atividades:

1
Assessoria jurídica em segurança;

2
Assessoria em administração de segurança;

3
Assistente técnico;

4
Assistente técnico de auditoria;

5
Assistente de acusação;

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

6
Assistente de defesa;

7
Assessoramento de inteligência;

8
Atividade policial.

ATIVIDADE
Vamos, agora, exercitar os seus conhecimentos.

1- É possível formular quesitação na investigação criminal?

Resposta Correta

2 - No âmbito da investigação forense, é possível encontrarmos mercado de trabalho para o desenvolvimento das
seguintes situações, fora do âmbito do concurso público:

I - Assessoria jurídica em segurança.


II - Assessoria em administração de segurança.
III - Assistente técnico de auditoria.
IV - Assistente de acusação ou de defesa.

a) As alternativas I e II estão corretas.


b) As alternativas I, II e III estão corretas.
c) As alternativas I, II, III e IV estão corretas.

d) As alternativas II, III e IV estão corretas.


e) As alternativas II e III estão corretas.

Justificativa

3 - Assinale a alternativa correta:

São atributos do profissional de investigação identificados pelos estudos técnicos sobre o tema desenvolvido na aula:

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

a) Curiosidade e interatividade.
b) Proatividade, flexibilidade e propensão a mudanças.
c) Passividade e reflexão.

d) Comunicabilidade, interação funcional e adversabilidade.


e) Hiperatividade, autodidatismo e desconfiança.

Justificativa

4 - Ao se afirmar que “o processo de investigação tem data de começo, mas o final depende de uma série de fatores,
que poderão até ser previsíveis, mas, muitas vezes, estão fora do controle do investigador”, estamos diante de qual
característica do investigador?

a) Paciência

b) Resiliência
c) Tolerância
d) Bondade

e) Astúcia

Justificativa

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04/02/24, 14:41 Disciplina Portal

Glossário

https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_12171088/temas/10/conteudos/1 7/7
DESCRIÇÃO

A proteção dos direitos humanos no plano internacional por meio de sistemas


internacionais.

PROPÓSITO
Compreender como funcionam os vários sistemas internacionais de proteção dos
direitos humanos existentes na atualidade é de absoluta importância nos âmbitos
nacionais e internacional, considerando um mundo cada vez mais globalizado e
internacionalizado.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar este conteúdo, tenha em mãos um dicionário jurídico para
entender determinados termos específicos da área. Tenha, também, a Convenção
Europeia de Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Identificar o papel desempenhado pela ONU na proteção dos direitos humanos

MÓDULO 2

Listar os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos

MÓDULO 3

Descrever finalidade, competência, composição e atuação do Tribunal Penal


Internacional na proteção dos direitos humanos
INTRODUÇÃO
Entre os estudiosos, é comum a afirmação de que os horrores da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) e toda a barbárie perpetrada contra a vida e a
dignidade humana durante esse triste período da história da humanidade
constituem o ponto de partida para a consagração dos direitos humanos tais
como são conhecidos atualmente.

Os direitos humanos são entendidos hoje como um conjunto de direitos


considerado imprescindível para a existência da vida humana pautada na
liberdade, igualdade e dignidade, direitos esses dos quais todas as pessoas são
titulares, pelo simples fato de pertencerem à raça humana.

Neste conteúdo, estudaremos sobre o surgimento da Organização das Nações


Unidas (ONU) e, por meio desse organismo internacional de caráter global, o
estabelecimento de um sistema global de proteção dos direitos humanos.

Veremos também o surgimento de sistemas regionais de proteção de direitos


humanos, com vistas a complementar a proteção global desses direitos, a partir
de organizações internacionais regionais, tais como a Organização dos Estados
Americanos (OEA), o Conselho da Europa (CE) e a União Africana (UA).

Por fim, focaremos a formação do Direito Penal Internacional, a partir de um


conjunto de normas jurídicas internacionais estabelecedoras de direitos humanos,
e a criação e atuação do Tribunal Penal Internacional, considerando a sua
estrutura, competência e funcionamento.

MÓDULO 1

 Identificar o papel desempenhado pela ONU na proteção dos direitos


humanos

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES


UNIDAS E OS DIREITOS HUMANOS

Foto: MadGeographer/Wikimedia commons/CC BY-SA 2.0


 O Escritório das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, é o segundo maior
centro da ONU, depois da sede das Nações Unidas, em Nova York

Neste módulo, aprenderemos como está estruturado e como opera o sistema


universal de proteção dos direitos humanos, também conhecido como sistema
onusiano (Default tooltip) ou sistema global de proteção dos direitos humanos.

O objetivo do módulo é proporcionar a compreensão da arquitetura existente na


área da ONU para a proteção dos direitos humanos, notadamente por meio da
análise de seus principais instrumentos normativos e da estrutura organizacional
especificamente relacionada à proteção de tais direitos.

A CRIAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O


INÍCIO DA EDIFICAÇÃO DO TEMPLO DOS
DIREITOS HUMANOS

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS


HUMANOS É A PORTA DE ENTRADA DO
TEMPLO DOS DIREITOS HUMANOS.

(CASSIN, 1951)

Antes do término da Segunda Guerra Mundial, os países aliados já arquitetavam


a construção de um novo organismo internacional — que viria substituir a antiga
Liga das Nações — que tivesse como um de seus mais importantes objetivos a
proteção da vida e a salvaguarda da dignidade humana em uma escala global.

É nesse contexto que nasce a Organização das Nações Unidas (ONU), criada
por meio da Carta das Nações Unidas (ou Carta de São Francisco), um tratado
internacional assinado em São Francisco (EUA), em 26 de junho de 1945, por
ocasião da Conferência de Organização Internacional da Nações Unidas.
Imagem: FDRMRZUSA/Wikimedia commons/Domínio Público
 Bandeira da ONU.

A Carta das Nações Unidas dispôs que uma das principais finalidades da
organização é a promoção dos direitos humanos e sua efetivação em nível global,
assim como a manutenção da paz e da segurança internacional (arts. 1º; 13.1, b;
55, c; 62, 2; 68 e 76, c). Desse modo, logo após a sua instituição, a ONU passou
a desenvolver trabalhos específicos para o alcance de tais objetivos. O primeiro
resultado desses esforços foi a proclamação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas (Resolução 217 A III) em 10 de dezembro de 1948.

Não há dúvida de que a DUDH constitui um documento marco na história mundial


dos direitos humanos, sendo responsável pela gênese e pelo desenvolvimento da
proteção internacional desses direitos, hoje consubstanciada em um ramo
específico do Direito Internacional, denominado e conhecido globalmente como
Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), que visa proteger e
promover a dignidade humana em todo o mundo ao consagrar uma série de
direitos (universais, indivisíveis e interdependentes) dirigidos a todas as pessoas,
sem distinção de qualquer natureza, inclusive de nacionalidade ou do Estado em
que o indivíduo se encontre.

A DUDH inaugurou uma nova era na história internacional, dando origem à


concepção moderna ou contemporânea dos direitos humanos, especialmente por
ser um instrumento que transcendeu as fronteiras nacionais, ultrapassando os
espaços soberanos em que a precária proteção dos direitos se encontrava
confinada até então, dando voz a uma herança cultural de toda a humanidade e
alçando a proteção desses direitos ao nível internacional.

CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS

Esta Carta foi incorporada ao sistema jurídico-legislativo brasileiro pelo


Decreto n.º 19.841, de 22 outubro de 1945.

Foto: Joalpe/Wikimedia commons/Domínio Público


 A brasileira Bertha Lutz na Conferência de
São Francisco, nos Estados Unidos, que elaborou
a Carta da Organização das Nações Unidas – ONU

Seja no plano ideológico, filosófico ou jurídico-normativo, nenhum documento na


história da humanidade tem contribuído tanto para a defesa e garantia dos direitos
humanos como a DUDH, razão pela qual é sempre importante uma reflexão sobre
a sua origem, natureza e seu legado, dentre outros aspectos que envolvem esse
notável documento.

Nas palavras de René Cassin (1951, p. 277, tradução nossa, grifo nosso), um
dos grandes juristas responsáveis pela redação do texto final, a DUDH teve como
mérito constituir o “pórtico de entrada do grande templo dos direitos humanos
que foi construído a partir dela”.

O ARCABOUÇO NORMATIVO DE
PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO
ÂMBITO DA ONU

Com a criação da ONU e, mais especificamente, com a proclamação da DUDH,


aos poucos o sistema global de proteção dos direitos humanos foi ganhando
forma e contornos cada vez mais específicos. Impulsionados pela ONU, os
Estados-membros da organização sucessivamente passaram a adotar uma série
de tratados internacionais, juridicamente vinculantes para os Estados, bem
como outros instrumentos de caráter não vinculante (por exemplo, resoluções,
declarações, regras mínimas, princípios etc.), todos eles voltados genérica ou
especificamente para a proteção universal dos direitos humanos.
Imagem: MSClaudiu/Wikimedia commons/Domínio Público
 A Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 10 de dezembro de 1948.

COMO FRUTO DESSA ATIVIDADE, TEMOS


HOJE UM AMPLO ARCABOUÇO NORMATIVO
QUE CONSTITUI O CORPUS JURIS
INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS. ESSES TEXTOS
NORMATIVOS TÊM SIDO APLICADOS EM
LARGA ESCALA PARA A SOLUÇÃO DE
MUITOS TIPOS DE CONFLITOS, TANTO PELAS
CORTES E TRIBUNAIS INTERNOS DOS
ESTADOS, COMO PELA JUSTIÇA
INTERNACIONAL, COMPOSTA POR CORTES,
TRIBUNAIS, COMISSÕES E COMITÊS, ENTRE
OUTROS ÓRGÃOS INTERNACIONAIS DE
PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.

Dois tratados de grande importância no âmbito da ONU são o Pacto


Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional
dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (PIDSEC), ambos adotados pela
Assembleia Geral da ONU em 1966, responsáveis por complementar material e
processualmente a DUDH, e que em conjunto com ela receberam o nome de
Carta Internacional dos Direitos Humanos.

Além desses, vale a pena conhecermos outros instrumentos normativos


onusianos, responsáveis por consagrar os direitos humanos para todas as
pessoas, independentemente de qualquer fator comumente utilizado para
promover a discriminação. São documentos que estabelecem uma proteção
genérica (para todos) ou específicas (mulheres, negros, crianças, idosos, pessoas
com deficiência etc.) ao redor do globo.

Alguns desses importantes instrumentos, juridicamente vinculantes para os


Estados-partes são:

Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948).


Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951).

Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e


das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura (1956).

Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966).

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Racial (1966).

Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967).


Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW) (1979).

Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos


ou Degradantes (1984).

Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos


(1989).

Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).

Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os


Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (1990).

Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação contra a Mulher (1999).

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Referente à


Venda de Crianças, à Prostituição Infantil e à Pornografia Infantil (2000).

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo ao


Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados (2000).

Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas,


especialmente Mulheres e Crianças, Complementar à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (2000).


Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (2002).

Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o


Desaparecimento Forçado (2006).

Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu


Protocolo Facultativo (2007).

Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e


Culturais (2008).

Outras regras que não são juridicamente vinculantes, mas que servem de
diretrizes e princípios para a atuação dos Estados-membros da ONU no tocante à
proteção dos direitos humanos são:

As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos


(Regras de Mandela), de 1955.
As Regras Mínimas da ONU para Administração da Justiça da Infância e
Juventude (Regras de Beijing), de 1985.

As Regras Mínimas da ONU para Proteção dos Jovens Privados de


Liberdade, de 1990.

As Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil


(Diretrizes de Riade), de 1990).

A Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993.

As Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e


Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de
Bangkok), de 2010.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DE
PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO
ÂMBITO DA ONU
Foto: Vassil/Wikimedia commons/CC BY-SA 1.0
 Palácio das Nações, escritório das Nações Unidas em Genebra (Suíça)

Ao lado da proteção de caráter normativo, que se dá por meio dos tratados


internacionais e por textos de outra natureza, conforme elencados anteriormente,
o sistema global de proteção dos direitos humanos conta ainda com órgãos e
mecanismos internacionais de proteção e monitoramento dos direitos
humanos, que são responsáveis pela aplicação e efetivação das normas
internacionais relativas a esses direitos e por prestar auxílio aos Estados no
tocante ao fomento e efetivação dos direitos humanos em seus respectivos
territórios.

A ONU POSSUI ÓRGÃOS PRÓPRIOS E


TAMBÉM RELAÇÕES DE APOIO
ADMINISTRATIVO E TÉCNICO COM VÁRIOS
ÓRGÃOS CRIADOS PELOS DIVERSOS
TRATADOS INTERNACIONAIS ELABORADOS
SOB SEU PATROCÍNIO, VOLTADOS À
PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. ESSE
CONJUNTO DE MECANISMOS DE PROTEÇÃO
GERIDOS TANTO PELOS PRÓPRIOS ÓRGÃOS
ONUSIANOS QUANTO POR AQUELES
PREVISTOS NOS TRATADOS TAMBÉM
INTEGRA O DENOMINADO SISTEMA GLOBAL
DE DIREITOS HUMANOS.

O que os une tais órgãos é a atuação da ONU, quer diretamente, por meio
daqueles da própria organização; ou indiretamente, mediante a atuação de
organismos independentes, previstos em tratados elaborados sob seu patrocínio
e que recebem apoio técnico e administrativo da organização. Vamos conferir
quais são os principais deles.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos


(ACNUDH) é o principal órgão da ONU encarregado de promover e proteger os
direitos humanos. Foi criado pela Resolução n.º 48/141 da Assembleia Geral da
ONU, de 1993, a partir de recomendação da Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos de Viena, ocorrida no mesmo ano.

[A] FUNÇÃO PRECÍPUA DO OHCHR É


PROMOVER E PROTEGER OS DIREITOS
HUMANOS NO MUNDO E LIDERAR OS
ESFORÇOS DAS NAÇÕES UNIDAS NESSE
SENTIDO, CONFERINDO TAMBÉM MAIOR
RELEVÂNCIA POLÍTICA AO TRATAMENTO DO
TEMA (...) INCLUI, ENTRE SUAS
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS, O APOIO AOS
DEMAIS ÓRGÃOS DA ONU ENVOLVIDOS COM
A MATÉRIA, ABRANGENDO A COORDENAÇÃO
DAS ATIVIDADES QUE DESENVOLVEM E O
ESFORÇO PARA QUE TODAS AS ÁREAS DAS
NAÇÕES UNIDAS INCLUAM CONSIDERAÇÕES
RELATIVAS À PROTEÇÃO DA DIGNIDADE
HUMANA NO TRATAMENTO DOS TEMAS DE
SUA COMPETÊNCIA.

(PORTELA, 2017, p. 914)

Outro importante órgão da ONU é o Conselho de Direitos Humanos, criado em


2006, por meio da Resolução n.º 60/251 da Assembleia Geral da ONU. O
Conselho substituiu a antiga Comissão de Direitos Humanos (1946-2006), que
havia sido criada pelo Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC).
Foto: GnuCivodul/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
 Sala usada pelo Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas no Palácio das Nações, em Genebra (Suíça).

Sua principal função é promover o respeito universal aos direitos humanos por
meio da supervisão do cumprimento dos compromissos internacionais celebrados
pelos entes estatais na matéria. É composto por 47 Estados-membros, escolhidos
por votação secreta da Assembleia Geral da ONU, para um mandato de três
anos. Tem competência para promover e fiscalizar a observância da proteção de
direitos humanos pelos Estados da ONU e fazer, atualmente, a gestão do Sistema
de Procedimentos Especiais e do Mecanismo da Revisão Periódica Universal
(RPU), que são instrumentos pelos quais fiscaliza o cumprimento e a proteção
dos direitos humanos por parte dos Estados-membros da ONU.
Foto: Kjetil r/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
 Sala usada pelo Conselho Econômico e Social
das Nações Unidas, em Nova York (EUA).

Os Relatores Especiais de Direitos Humanos também são órgãos onusianos


de proteção dos direitos humanos. A partir da criação dos procedimentos
especiais pelas Resoluções n.º 1235 (procedimento público) e n.º 1503
(procedimento confidencial) do Conselho Econômico e Social da ONU
(ECOSOC), especialmente em razão do primeiro, surgiu a necessidade de
nomeação de órgãos de averiguação de violações de direitos humanos, cuja
abrangência pode ser geográfica (por país) ou temática.

Tais órgãos podem ser unipessoais ou coletivos e a denominação é variada, isto


é, nos casos unipessoais, há o uso da expressão “Relator Especial” ou ainda
“Especialista Independente”; no caso dos órgãos colegiados, utiliza-se a
expressão “Grupo de Trabalho”.

Conforme explica André de Carvalho Ramos (2021), o trabalho desses órgãos


“consiste em realizar visitas aos países, em missões de coleta de dados (fact-
finding missions), bem como em agir diante de violações de direitos humanos
solicitando (não podem exigir) atenção do Estado infrator sobre os casos. Seus
relatórios não vinculam, apenas contêm recomendações, que são enviadas aos
Estados e também ao Conselho de Direitos Humanos e Assembleia Geral da
ONU”.

Por fim, importante também mencionar os comitês criados por tratados


internacionais de âmbito universal, que têm como principal atribuição monitorar
o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados dentro do sistema global
ao aderirem ou ratificarem determinado tratado. Estão voltados, portanto, a
assegurar a observância das normas convencionais, seja de um único tratado ou
de uma restrita série de acordos específicos.

São exemplos desses comitês: o Comitê de Direitos Humanos; o Comitê de


Direitos Sociais, Econômicos e Culturais; o Comitê para a Eliminação da
Discriminação Racial; o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a
Mulher; o Comitê contra a Tortura; o Comitê para os Direitos da Criança; o Comitê
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; e o Comitê contra
Desaparecimentos Forçados.
Foto: Flickr upload bot/Wikimedia commons/CC BY-SA 2.0
 Sra. Navanethem Pillay, alta comissária para os Direitos
Humanos, no Dia da Eliminação da Discriminação Racial de 2010.

ESSES COMITÊS GERALMENTE PODEM TER A


SUA COMPETÊNCIA RECONHECIDA PELOS
ESTADOS PARA ANALISAR PETIÇÕES DE
INDIVÍDUOS QUE LHES SERÃO DIRIGIDAS
NOTICIANDO VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS.

Em termos conclusivos, podemos afirmar que, no âmbito da ONU, existe


atualmente um sofisticado sistema de proteção dos direitos humanos em nível
universal voltado para todas as pessoas pelo simples fato de serem humanas,
sem discriminação de qualquer natureza.

Agora, o professor Luciano Meneguetti apresenta os órgãos e mecanismos de


proteção e monitoramento dos direitos humanos na ONU.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. ACERCA DO SISTEMA UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS


DIREITOS HUMANOS, INSTITUÍDO NO ÂMBITO DA ONU,
ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:

A) Visando à proteção global dos direitos humanos, a ONU possui órgãos


próprios e também relações de apoio técnico e administrativo com vários órgãos
criados por tratados internacionais elaborados sob seu patrocínio.

B) O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos é o


principal órgão da ONU encarregado de promover e proteger os direitos humanos
em nível global.

C) O Sistema de Procedimentos Especiais e o mecanismo da Revisão Periódica


Universal são instrumentos de fiscalização do cumprimento dos direitos humanos
pelos Estados-membros da ONU, e são operacionalizados pelo Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

D) O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem como principal função a


promoção do respeito universal aos direitos humanos por meio da supervisão do
cumprimento dos compromissos internacionais celebrados pelos Estados.

E) Os comitês criados por tratados de âmbito universal têm como principal


atribuição monitorar o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados ao
aderirem ou ratificarem um tratado de direitos humanos.

2. SOBRE O CORPUS JURIS UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS


DIREITOS HUMANOS, ASSINALE ABAIXO A ALTERNATIVA
CORRETA:

A) A Carta Internacional dos Direitos Humanos é formada pelo Pacto Internacional


dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Sociais,
Econômicos e Culturais.

B) Integram o corpus juris universal de proteção dos direitos humanos apenas os


tratados internacionais celebrados sob o patrocínio da ONU.

C) A Carta das Nações Unidas é considerada o pórtico de entrada do grande


templo dos direitos humanos.

D) As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos,


conhecidas como as Regras de Mandela, de 1955, têm a natureza jurídica de
tratado internacional, razão pela qual devem ser obedecidas pelos Estados-
membros da ONU, sob pena de sanção.

E) O arcabouço de proteção dos direitos humanos da ONU é formado por


tratados internacionais e por diversos outros instrumentos que, mesmo não sendo
juridicamente vinculantes, são importantes para direcionar os Estados na
efetivação desses direitos.
GABARITO

1. Acerca do Sistema Universal de Proteção dos Direitos Humanos,


instituído no âmbito da ONU, assinale a alternativa incorreta:

A alternativa "C " está correta.

Tais procedimentos são operacionalizados pelo Conselho de Direitos Humanos, e


não pelo Alto Comissariado.

2. Sobre o corpus juris universal de proteção dos direitos humanos,


assinale abaixo a alternativa correta:

A alternativa "E " está correta.

O corpus juris universal de direitos humanos é composto por tratados e vários


outros instrumentos que promovem os direitos humanos.

MÓDULO 2

 Listar os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos

SISTEMAS REGIONAIS DE
PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Paralelamente à ONU, outras organizações internacionais regionais começaram a


surgir após o término da Segunda Guerra Mundial, tais como a Organização dos
Estados Americanos (OEA), em 1948; o Conselho da Europa (CE), em 1949;
e, um pouco mais tarde, a Organização da Unidade Africana (OUA), de 1963,
que teve como sucessora a União Africana (UA), em 2002. Na área dessas
organizações também surgiram e passaram e ser desenvolvidos sistemas
regionais de proteção dos direitos humanos, com vistas a complementar a
proteção global desses direitos, anteriormente instituída pela ONU. Na atualidade
coexistem, em uma relação de complementariedade, o sistema global e os
sistemas regionais de proteção dos direitos humanos.

Foto: Ssolbergj/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0


 Sessão da Assembleia Parlamentar do Conselho
da Europa na antiga Casa da Europa em Estrasburgo em 1967.

Atualmente, existem três sistemas que se encontram estruturados em diferentes


continentes:
Imagem: Tohaomg/Wikimedia commons/Domínio Público
 Bandeira do Conselho da Europa.

O sistema europeu de proteção dos direitos humanos, arquitetado no âmbito


do Conselho da Europa (CE).

Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0


 Bandeira da Organização dos Estados Americanos.

O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, arquitetado no


âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Imagem: UAmtoj/Wikimedia commons/Domínio Público


 Bandeira da União Africana.

O sistema africano de proteção dos direitos humanos, arquitetado no âmbito


da União Africana (UA).

Apesar da existência de alguns documentos voltados à proteção dos direitos


humanos no plano regional árabe-islâmico, não é possível afirmar, na atualidade,
a existência de um sistema árabe-islâmico de proteção dos direitos humanos, o
que ainda é uma grande aspiração. Nesse contexto, é possível destacar a
existência de alguns poucos instrumentos: (i) a Declaração Universal Islâmica
de Direitos Humanos, de 1981; (ii) a Declaração dos Direitos Humanos do
Cairo ou Declaração dos Direitos Humanos do Islam, adotada em 1990 pela
Organização para a Cooperação Islâmica (OCI); e (iii) a Carta Árabe dos
Direitos do Homem, adotada pelo Conselho da Liga dos Estados Árabes, em
1994 e atualizada em 2004.

VALE DESTACAR TAMBÉM QUE OS DIREITOS


HUMANOS PARA OS POVOS ÁRABES
GERALMENTE SE APRESENTAM COMO UM
PODER DERIVADO DE UM PODER DIVINO, O
QUE ACABA POR PRODUZIR SITUAÇÕES
COMPLEXAS E VIOLADORAS DE DIREITOS
HUMANOS PARA DETERMINADOS
SEGMENTOS SOCIAIS, COMO MULHERES E
CRIANÇAS.

Por sua vez, no continente asiático não existe até o presente momento qualquer
documento relevante sobre a proteção dos direitos humanos e sequer uma
expectativa de conclusão de uma convenção regional ou sub-regional de direitos
humanos.

Antes de passarmos à análise específica de cada um dos sistemas regionais, é


necessário esclarecer que eles atuam paralela e complementarmente ao sistema
global. Portanto, esses sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos
não se excluem, ao contrário, se completam. Como já vimos, a finalidade do
sistema global é atuar de forma ampla em todos os Estados soberanos, ao passo
que os sistemas regionais têm uma atuação complementar àquele, buscando
aperfeiçoar e fortalecer as determinações dos moldes gerais, bem como tratar das
especificidades relativas aos direitos humanos em cada âmbito regional.

Rhona K. M. Smith (2014, p. 87), ao apontar algumas vantagens dos sistemas


regionais, destaca que, “na medida em que um número menor de Estados está
envolvido, o consenso político se torna mais facilitado, seja com relação aos
textos convencionais, seja quanto aos mecanismos de monitoramento. Muitas
regiões são ainda relativamente homogêneas, com respeito à cultura, à língua e
às tradições, o que oferece vantagens”.

O SISTEMA REGIONAL EUROPEU DE


PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS

O sistema europeu de proteção dos direitos humanos é atualmente o mais


desenvolvido dos sistemas regionais. Foi o primeiro efetivamente instalado, fato
que se deu em 4 de novembro de 1950, com a adoção da Convenção Europeia
para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais ou
simplesmente Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH). A
Convenção foi elaborada no âmbito do Conselho da Europa, órgão criado em 5 de
maio de 1949, com o objetivo de unificar a Europa.
O ARCABOUÇO NORMATIVO

A CEDH é o tratado-regente do sistema europeu, que entrou em vigor


internacional em 3 de setembro de 1953, e continua a ser o mais expressivo
catálogo europeu de direitos humanos. Logo em seu art. 1º, estabelece a
obrigação geral de os Estados-partes respeitarem os direitos humanos.

A principal finalidade da CEDH é disciplinar as diretrizes referentes à proteção dos


direitos da pessoa humana e garantir os instrumentos para sua aplicação. Ela
também institucionaliza um compromisso dos Estados europeus em cumprir
efetivamente as normas protetivas nela previstas, não adotando quaisquer
concepções contrárias em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos.

Imagem: UAmtoj/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0


 Edifício do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo, na
França.

A CEDH também determina a submissão dos países europeus ao Tribunal


Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), órgão criado para atuar
jurisdicionalmente caso haja o desrespeito às normas impostas pela Convenção,
julgando e condenando os Estados violadores de suas disposições e de outras
normas integrantes do sistema europeu de proteção.

A CEDH é estruturada basicamente em três partes. A primeira (arts. 2º a 18)


regulamenta os direitos e as liberdades fundamentais de natureza civil e política,
que se baseiam no direito à vida, na proibição da tortura, na proibição da
escravidão e do trabalho forçado, na garantia da liberdade, da segurança, da vida
privada e familiar, do processo judicial equitativo e nas liberdades de expressão,
pensamento, consciência e religião, na liberdade de reunião e de associação, na
proibição da discriminação, entre outros. A segunda parte do texto (arts. 19 a 51)
diz respeito à estrutura interna e funcionamento da Corte EDH, órgão responsável
por julgar os casos de violação de direitos humanos consagrados e positivados
pela Convenção. Por fim, a terceira parte (arts. 52 a 59) estabelece disposições
gerais, tais como a assinatura e ratificação, as reservas, a denúncia e a aplicação
territorial.

Além do texto principal da CEDH, vários outros instrumentos normativos foram


criados para a consagração desses direitos no continente europeu, com destaque
para os protocolos relativos à Convenção, que ampliaram o rol dos direitos
protegidos. A seguir, estão destacados os protocolos mais importantes:

Protocolo n.º 1 (1952), que dispôs sobre o direito de propriedade; o


Protocolo n.º 2 (1993), que trata do direito à educação.

Protocolo n.º 4 (1963), que cuida da liberdade de locomoção.

Protocolo n.º 6 (1983), que dispôs sobre a abolição da pena de morte em


tempo de paz.

Protocolo n.º 7 (1984), que estabeleceu o direito de apelar em questões de


natureza criminal, o direito a uma justa compensação por erro judiciário e o
direito à igualdade entre os cônjuges.
Protocolo n.º 12 (2000), que prevê o direito à não discriminação.

Protocolo n.º 13 (2002), que trata da abolição da pena de morte em tempo


de guerra.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Junto à CEDH e aos seus protocolos, o sistema europeu conta atualmente com
mais de 185 instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, todos
adotados pelo Conselho da Europa. Dentre eles, merecem destaque a
Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e de Tratamentos Desumanos
e Degradantes (1987), a Carta Europeia para as Línguas Regionais ou de
Minorias (1992) e a Convenção para a Proteção de Minorias Nacionais (1995).

OS ÓRGÃOS COMPONENTES DO
SISTEMA

De início, com a finalidade de monitorar os direitos previstos na CEDH e


desenvolver métodos eficazes na produção de resultados protetivos dos direitos
consagrados, a própria Convenção estabeleceu três órgãos distintos, cada um
com competências específicas previamente instituídas: a Comissão Europeia de
Direitos Humanos, a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Comitê de
Ministros do Conselho da Europa.
Imagem: File Upload Bot (Magnus Manske)/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
 Salão da Corte Europeia de Direitos Humanos.

Enquanto um dos órgãos inicialmente criados pela CEDH, a Comissão tinha uma
competência política e “semijudicial”. Sua função era analisar as queixas ou
comunicações apresentadas pelos Estados-membros do sistema europeu e
também pelos indivíduos (ONGs ou grupos de indivíduos), acerca de uma
violação da Convenção, buscando resolver o problema de uma maneira mais
informal e conciliatória, privilegiando-se a busca pela solução rápida.

A Comissão realizava uma espécie de juízo de admissibilidade das petições


protocoladas, atuando como mecanismo de filtragem para decidir quais petições
seriam consideradas admissíveis. Também atuava propondo aos litigantes a
solução pacífica dos conflitos e também aplicando medidas protetivas de caráter
preliminar. Caso restassem infrutíferas as tentativas de conciliação e solução dos
litígios, à Comissão cabia submeter o caso à Corte.
UM DOS ÓRGÃOS MAIS IMPORTANTES
CRIADOS PELA CEDH FOI A CORTE,
INSTITUÍDA EM 20 DE ABRIL DE 1959, COM
FUNÇÃO JURISDICIONAL. A SUA PRINCIPAL
TAREFA ERA A APLICAÇÃO DAS PREMISSAS
DA CONVENÇÃO AO JULGAR OS CASOS QUE
LHE ERAM SUBMETIDOS E A COMINAÇÃO DE
EVENTUAIS SANÇÕES AOS PAÍSES
VIOLADORES DOS DIREITOS PROTEGIDOS,
REALIZANDO ASSIM O JUÍZO DE MÉRITO DOS
CASOS.

Ao logo do tempo, contudo, o sistema europeu passou por vários processos de


aperfeiçoamento, concretizados por diversos Protocolos (tratados modificativos e
complementares à CEDH). Em razão do Protocolo n.º 11 (1998), profundas
alterações foram realizadas no âmbito do sistema, dentre elas a extinção da
Comissão e da Corte inicialmente criadas (que atuavam em tempo parcial) e a
criação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), agora único e
permanente, com competência obrigatória para a realização dos juízos de
admissibilidade e de mérito dos casos de violações de direitos humanos que lhe
são submetidos.

Nesse contexto, vale ressaltarmos que o sistema europeu também se destaca por
ser o único sistema regional de proteção dos direitos humanos que permite o
acesso direto de indivíduos, ONGs e grupos de indivíduos ao TEDH (jus standi),
a fim de que possam, por meio do exercício do direito de petição (CEDH, art.
34), exigir uma reparação devido à violação de direitos por um Estado-parte na
CEDH. Essa alteração ocorreu por meio do Protocolo n.º 11; antes dele, somente
Estados e a extinta Comissão eram legitimados para provocar a Corte.

JUS STANDI

Legitimidade conferida aos indivíduos para comunicar diretamente a


violação de direitos humanos para um órgão internacional, no caso o TEDH.

Com sede em Estrasburgo, o TEDH é regulado pela CEDH e tem competência


contenciosa para se pronunciar sobre todas as questões relativas à interpretação
e à aplicação da Convenção (arts. 32 a 46). Pode receber petições de qualquer
pessoa singular, ONG ou grupo de particulares que se considerem vítimas de
violação dos direitos previstos na Convenção pelos Estados-partes (art. 34) e
também pode apreciar denúncias feitas por um Estado-parte sobre a violação de
tais direitos por outro Estado-parte (art. 33). Contudo, para que o Tribunal possa
conhecer as questões que lhe são submetidas, condições de admissibilidade
devem estar presentes, dentre elas, o esgotamento dos recursos internos (art.
35).

Além da competência contenciosa, o TEDH tem também uma competência


consultiva, segundo a qual, por solicitação do Comitê de Ministros, formula
pareceres e opiniões consultivas sobre questões jurídicas relativas à interpretação
da CEDH e de seus protocolos (arts. 47 e 48).

O TEDH é composto por um número de juízes equivalente ao número de


Estados-partes da CEDH (art. 20). Todos eles exercem suas funções a título
individual — com independência e não como representantes de seus Estados de
origem — e devem gozar da mais alta reputação moral, bem como reunir as
condições requeridas para o exercício de altas funções judiciais ou ser
jurisconsultos de reconhecida competência (art. 21). Os juízes são eleitos, por
maioria de votos expressos, pela Assembleia Parlamentar, com base em uma lista
de três candidatos indicados por cada Estado-parte da CEDH (art. 22), para um
período de nove anos, não sendo reelegíveis (art. 23).

Quanto à sua estrutura interna de funcionamento, o TEDH atua por meio de um


Tribunal Singular, comitês, seções e Tribunal Pleno (art. 26). As decisões, quando
proferidas pelo Tribunal Pleno, são definitivas (art. 44) e têm força vinculante para
os Estados condenados, que devem cumprir integralmente as condenações
fixadas nas sentenças proferidas (art. 46).

O SISTEMA REGIONAL
INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos está arquitetado no
âmbito da OEA, uma organização de vocação regional, criada pela Carta da
Organização dos Estados Americanos (ou Carta da OEA), aprovada na IX
Conferência Internacional Pan-Americana, realizada em Bogotá, em 1948. Pode-
se afirmar que tal sistema foi “inaugurado” formalmente por esse tratado, que
destacou em seu preâmbulo a necessidade de contemplar um sistema capaz de
garantir o respeito aos direitos humanos no continente americano.

Na mesma Conferência em que foi adotada a Carta da OEA, os Estados


americanos também proclamaram a Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem (1948), que foi o primeiro instrumento regional americano
específico sobre direitos humanos.
Foto: Ras67/Wikimedia commons/Domínio Público
 Edifício da sede da União Pan-Americana
em Washington em 1943.

O ARCABOUÇO NORMATIVO

A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (CADH), também conhecida


como Pacto de San José da Costa Rica, é o tratado-regente do sistema
interamericano de proteção dos direitos humanos. Foi adotada na Conferência
Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, ocorrida em San José,
Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e entrou em vigor internacional em 18
de julho de 1978.

Trata-se do texto de direitos humanos mais importante e expressivo das


Américas, tornando-se um dos pilares da proteção dos direitos humanos, ao
consagrar direitos políticos e civis, bem como os relacionados à integridade
pessoal, à liberdade e à proteção judicial. Em seu art. 1º, estabelece a obrigação
geral de os Estados-partes respeitarem os direitos e as liberdades nela
reconhecidos e garantirem seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja
sujeita à sua jurisdição, sem discriminação de qualquer natureza.

Além de prever um amplo rol de direitos civis e políticos, a principal finalidade da


CADH é estabelecer as diretrizes referentes à proteção dos direitos da pessoa
humana, garantindo importantes mecanismos para sua aplicação. Ela também
institucionaliza um compromisso dos Estados-partes em cumprir efetivamente as
normas protetivas nela previstas, não adotando quaisquer concepções contrárias
em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos.

A CADH é estruturada basicamente em três partes. A primeira (arts. 1º a 32)


regulamenta os direitos e as liberdades fundamentais de natureza civil e política,
que se baseiam no direito à vida, à integridade pessoal, na proibição da
escravidão e da servidão, no direito à liberdade pessoal, nas garantias judiciais,
na proteção da honra e da dignidade, na liberdade de consciência e de religião,
na liberdade de pensamento e de expressão, no direito à nacionalidade, na
proteção da família, nos direitos políticos e de personalidade, entre outros.

A segunda parte (arts. 33 a 73) diz respeito à estrutura interna e funcionamento


dos órgãos de proteção dos direitos humanos componentes do sistema. Por fim, a
terceira parte (arts. 74 a 82) trata das disposições transitórias, abordando tópicos
como assinatura, ratificação, reserva, emenda, protocolo e denúncia à
Convenção, bem como disposições gerais sobre a Comissão e a Corte.

O Brasil aderiu à CADH em 25 de setembro de 1992, mediante o depósito da


carta de adesão junto à Secretária-Geral da OEA, momento em que entrou em
vigor no plano internacional para o Estado brasileiro. No plano interno, o
Congresso Nacional aprovou a Convenção por meio do Decreto Legislativo n.º 27,
de 26 de maio de 1992, mas somente entrou em vigor no plano doméstico
brasileiro em 6 de novembro de 1992, com a promulgação do Decreto n.º 678,
pelo presidente da República, momento em que passou a integrar o direito
brasileiro, conforme a prática brasileira de internalização dos tratados.
ALÉM DA CARTA OEA, DA DECLARAÇÃO
AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO
HOMEM E DA CONVENÇÃO AMERICANA
SOBRE DIREITOS HUMANOS, O SISTEMA
INTERAMERICANO CONTA AINDA COM
DIVERSOS OUTROS INSTRUMENTOS
(TRATADOS E DECLARAÇÕES) QUE
COMPÕEM O CORPUS JURIS
INTERAMERICANO.

Dentre os principais instrumentos juridicamente vinculantes podemos citar os


seguintes:

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985).

Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria


de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como Protocolo de San
Salvador (1988).

Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos referente à Abolição


da Pena de Morte (1990).

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a


Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará (1994).

Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas


(1994).

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999).

Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas


Correlatas de Intolerância (2013).

Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância


(2013).

Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas


Idosas (2015).

Dentre os instrumentos que não possuem força jurídica vinculante para os


Estados, podemos destacar a Declaração de Princípios sobre Liberdade de
Expressão (2000), a Carta Democrática Interamericana (2001), e a Declaração
Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016).

OS ÓRGÃOS COMPONENTES DO
SISTEMA

Visando garantir a promoção, fiscalização e efetiva proteção dos direitos humanos


previstos na CADH e nos demais instrumentos normativos do sistema
interamericano, foram instituídos dois importantes órgãos: a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH), previstos no art. 33 da CADH e disciplinados
especialmente em outros dispositivos da Convenção.
Foto: bmszealand/shutterstock.com
 Sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
na cidade de San Jose, na Costa Rica.

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS


HUMANOS

Foto: Bestbudbrian/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0


 Edifício da sede da União Pan-Americana em Washington, nos EUA.
A Comissão é um órgão criado inicialmente pela OEA para “promover o respeito e
a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização”
sobre a matéria (Carta da OEA, art. 106 e CADH, art. 41). Por determinação da
norma prevista na Carta da OEA, a CADH regulamentou a Comissão, dispondo
sobre a sua organização, suas funções, sua competência e seu procedimento em
seus arts. 34 a 51 (salvo disposição em contrário, os artigos citados a seguir
estão previstos na CADH). Além dessas previsões, a Comissão conta também
com um Estatuto e um Regulamento.

Situada em Washington, D.C. (EUA), a Comissão realiza pelo menos dois


períodos ordinários de sessões por ano, no lapso determinado previamente, bem
como tantas sessões extraordinárias quantas considerem necessárias.

É composta por sete membros, denominados comissários ou comissionados, que


devem ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria
de direitos humanos (art. 34). Esses membros são eleitos a título pessoal (não
como representantes dos seus Estados de origem), pela Assembleia Geral da
OEA, de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados-
membros, sendo que cada governo pode propor até três candidatos, nacionais do
Estado que os propuser ou de qualquer outro Estado-membro da OEA. Quando
for proposta uma lista de três candidatos, pelo menos um deles deverá ser de
Estado diferente do proponente (CADH, art. 36). No tocante ao mandato de seus
membros, eles serão eleitos por quatro anos e só poderão ser reeleitos uma única
vez, não podendo fazer parte da Comissão mais de um comissário de um mesmo
Estado (art. 37).

A CADH criou um sistema de petições individuais e de comunicações


interestatais, possibilitando à Comissão o recebimento de denúncias ou queixas
contendo alegações de violações de direitos humanos protegidos pela Convenção
e por outros instrumentos normativos do SIDH (Default tooltip) . O procedimento
de petição individual é considerado de adesão obrigatória para os Estados que
aderem ou ratificam a CADH (art. 44). Por outro lado, o procedimento de
comunicação interestatal (entre Estados) é estabelecido pela própria Convenção
como facultativo (art. 45).

Para que um procedimento de petição individual contendo uma denúncia ou


queixa de violação dos direitos humanos previstos na CADH possa ser iniciado
junto à Comissão, devem estar presentes algumas condições de admissibilidade,
conforme o estabelecido pelo art. 46 da Convenção. Em suma, são elas: (i) o
esgotamento dos recursos internos (local remedies rule (Default tooltip) ); (ii) a
ausência do decurso do prazo de 6 meses, contados do esgotamento dos
recursos internos, para a apresentação da petição; (iii) ausência de litispendência
internacional; (iv) ausência de coisa julgada internacional; e (v) identificação do
peticionário.

A Comissão já apreciou diversos casos envolvendo várias espécies de violação


de direitos humanos pelo Estado brasileiro, sendo que um deles resultou em uma
recomendação ao país para elaboração de uma lei voltada à prevenção e ao
combate à violência doméstica, que resultou na edição da Lei n.º 11.340/2006,
conhecida como Lei Maria da Penha.

A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS


HUMANOS

O segundo órgão de proteção dos direitos humanos do SIDH é a Corte


Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), uma instituição judicial
autônoma que é um órgão da CADH. Sua criação decorre diretamente do art. 33,
“b”, da Convenção.

A CORTE IDH TEM SUA PRINCIPAL DISCIPLINA


JURÍDICA NA CADH, QUE ESTABELECEU A
SUA ORGANIZAÇÃO, SUAS COMPETÊNCIAS,
FUNÇÕES, SEUS PROCEDIMENTOS E SUAS
DISPOSIÇÕES COMUNS NOS ARTS. 52 A 73.
ASSIM COMO A COMISSÃO, ALÉM DA
REGULAÇÃO PREVISTA NA CONVENÇÃO, A
CORTE TAMBÉM CONTA COM NORMAS
REGULAMENTADORAS EM SEU ESTATUTO E
REGULAMENTO.

Em 22 de maio 1979, durante o VII Período Extraordinário de Sessões da


Assembleia Geral da OEA, os Estados-partes na CADH elegeram os membros
que, por sua capacidade pessoal, seriam os primeiros juízes a compor a Corte. A
sua primeira reunião foi realizada em 29 e 30 de junho de 1979, na sede da OEA,
em Washington. Atualmente a sede da Corte está situada em San José, capital da
Costa Rica.

De acordo com o art. 1º do seu estatuto, a Corte “é uma instituição judiciária


autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos”, exercendo suas funções em conformidade com as
disposições da Convenção e do seu Estatuto. Trata-se, portanto, de um tribunal
“com o propósito primordial de resolver os casos que lhe são apresentados por
supostas violações aos direitos humanos protegidos pela Convenção Americana”
(GUERRA, 2015, p. 166).

Em relação ao seu funcionamento, de acordo com o art. 22.1 do seu estatuto, a


Corte pode realizar sessões ordinárias e extraordinárias (pois não é um tribunal
permanente como o TEDH), sendo que os períodos ordinários de sessões serão
determinados regularmente pela própria Corte (art. 22.2) e os períodos
extraordinários de sessões serão convocados pelo presidente ou por solicitação
da maioria dos juízes (art. 22.3).

Conforme estabelece o art. 11 de seu regulamento, a Corte realizará os períodos


ordinários de sessões que se fizerem necessários durante o ano para o pleno
exercício de suas funções, nas datas que tiver fixado em sua sessão ordinária
imediatamente anterior.

No tocante à sua composição, conforme dispõe o art. 52.1 da CADH, a Corte IDH
é composta de sete juízes, nacionais dos Estados membros da OEA, eleitos a
título pessoal, que devem ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecida
competência em matéria de direitos humanos, reunindo as condições requeridas
para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do
Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos.

Seus juízes são eleitos por um período de seis anos e só poderão ser reeleitos
uma vez (art. 54.1). A eleição ocorre por meio de votação secreta e pelo voto da
maioria absoluta dos Estados-partes da Convenção, na Assembleia Geral da
OEA, de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados (CADH, art.
53.1). Cada governo pode propor até três candidatos, nacionais do Estado que os
propuser ou de qualquer outro Estado membro da OEA. Quando for proposta uma
lista de três candidatos, pelo menos um deles deverá ser nacional de Estado
diferente do proponente (CADH, art. 53.2). Não deve haver dois juízes da mesma
nacionalidade compondo a Corte simultaneamente (CADH, art. 52.2).

De acordo com a CADH, a Corte IDH pode exercer uma função consultiva (art.
64), segundo a qual emite pareceres ou opiniões em resposta às consultas que
lhe são dirigidas pelos Estados, bem como uma função contenciosa (arts. 61, 62
e 63), de acordo com a qual analisa e julga os casos de violações de direitos
humanos que lhe são submetidos.

A competência contenciosa da Corte não é automática, mas precisa ser


reconhecida expressamente pelo Estado-parte da CADH. Assim, para que a Corte
possa exercer sua jurisdição contenciosa sobre determinado Estado, no momento
da adesão ou ratificação (ou em qualquer outro momento), o ente estatal deve
declarar expressamente que reconhece como obrigatória, de pleno direito e
sem convenção especial a competência da Corte em todos os casos relativos à
interpretação ou aplicação da Convenção (CADH, art. 62.1).
NO BRASIL, ESSE RECONHECIMENTO FOI
APROVADO PELO CONGRESSO NACIONAL
POR MEIO DO DECRETO LEGISLATIVO N.º 89,
DE 3 DE DEZEMBRO DE 1998. POR MEIO DE
NOTA TRANSMITIDA AO SECRETÁRIO-GERAL
DA OEA NO DIA 10 DE DEZEMBRO DE 1998, O
BRASIL RECONHECEU A JURISDIÇÃO E A
COMPETÊNCIA OBRIGATÓRIA DA CORTE IDH,
CONFORME DISPOSTO NO DECRETO N.º
4.463, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2002.

Acerca da legitimidade para provocar a Corte IDH, de acordo com o art. 61 da


CADH, somente os Estados-partes (que tenham também reconhecido a jurisdição
da Corte) e a Comissão têm o direito de submeter casos para sua apreciação e
julgamento. Contrariamente ao que ocorre no âmbito do sistema europeu, no
SIDH os indivíduos dependem da Comissão ou de outro Estado (actio
popularis (Default tooltip) ) para que suas vindicações possam chegar à Corte
IDH, pois até o presente momento lhe é vedado o direito de ação internacional
(jus standi).

As sentenças proferidas pela Corte IDH são de cumprimento obrigatório por parte
dos Estados-partes na CADH em todo caso em que forem partes, conforme
disposto no art. 68.1 da CADH. O art. 67 da CADH determina que a sentença é
definitiva e inapelável, sendo que no caso de divergência sobre o sentido ou
alcance da decisão, a Corte deverá interpretá-la, a pedido de qualquer das partes.

Desde o ano de 2006, a Corte IDH já julgou dez casos envolvendo o Brasil, sendo
que apenas em um deles o país não foi condenado. São eles: Caso Ximenes
Lopes vs. Brasil (2006); Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil (2006);
Caso Escher e outros vs. Brasil (2009); Caso Garibaldi vs. Brasil (2009); Caso
Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil (2010); Caso
Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil (2016); Caso Cosme Rosa
Genoveva, Evando de Oliveira e outros (“Favela Nova Brasília”) vs. Brasil (2017);
Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil (2018); Caso Herzog e
outros vs. Brasil (2018); e Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo
Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil (2020).

Além dos casos já julgados, até o presente momento outros três casos
envolvendo o país encontram-se pendentes de julgamento. São eles: Caso
Barbosa de Souza e outros vs. Brasil (2019), Caso Barbosa de Souza e outros vs.
Brasil (2020) e Caso Tavares Pereira e outros vs. Brasil (2021).

A execução forçada das decisões da Corte IDH, em sentido próprio, não existe.
Os casos de não cumprimento dessas decisões por parte de um Estado
condenado podem ser levados ao conhecimento da Assembleia Geral da OEA por
meio de um relatório anual. Desse modo, é ativado um shaming mechanism
(mecanismo da vergonha), visando motivar o Estado envolvido à execução da
decisão.

CASO EMPREGADOS DA FÁBRICA DE


FOGOS DE SANTO ANTÔNIO DE
JESUS E SEUS FAMILIARES VS.
BRASIL

Foi o caso submetido à Corte em 19 de setembro de 2018. A Comissão


Interamericana de Direitos Humanos submeteu à jurisdição da Corte
Interamericana o Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio
de Jesus e seus familiares contra a República Federativa do Brasil. O caso
está relacionado à explosão de uma fábrica de fogos de artifício em Santo
Antônio de Jesus, ocorrida em 11 de dezembro de 1998, em que 64
pessoas morreram e 6 sobreviveram, entre elas 22 crianças. A Comissão
determinou que o Estado violou: i) os direitos à vida e à integridade pessoal
das supostas vítimas e de seus familiares, uma vez que não cumpriu suas
obrigações de inspeção e fiscalização, conforme a legislação interna e o
Direito Internacional; ii) os direitos da criança; iii) o direito ao trabalho, pois
sabia que na fábrica vinham sendo cometidas graves irregularidades que
implicavam alto risco e iminente perigo para a vida e a integridade pessoal
dos trabalhadores; iv) o princípio de igualdade e não discriminação, pois a
fabricação de fogos de artifício era, no momento dos fatos, a principal e,
inclusive, a única opção de trabalho dos habitantes do município, os quais,
dada sua situação de pobreza, não tinham outra alternativa senão aceitar
um trabalho de alto risco, com baixa remuneração e sem medidas de
segurança adequadas; e v) os direitos às garantias judiciais e à proteção
judicial, pois nos processos civis, penais e trabalhistas conduzidos no caso,
o Estado não garantiu o acesso à justiça, a determinação da verdade dos
fatos, a investigação e punição dos responsáveis, nem a reparação das
consequências das violações de direitos humanos ocorridas.

Agora, o professor Luciano Meneguetti apresenta os órgãos de proteção dos


direitos humanos no âmbito interamericano.
O SISTEMA REGIONAL AFRICANO DE
PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS

Foto: RogDel/Wikimedia commons/Domínio Público


 Cúpula do 50º Aniversário da União Africana em Adis Abeba, Etiópia.

O sistema regional africano de proteção dos direitos humanos está estruturado no


âmbito da União Africana (UA) e nasceu somente em 1981, com a adoção da
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), também
conhecida como Carta de Banjul. A Carta foi aprovada na Conferência Ministerial
da então Organização da Unidade Africana (hoje denominada União Africana), em
Banjul, Gâmbia, entrou em vigor internacional em 1986, e constitui-se o tratado-
regente do referido sistema.

EM UMA ESCALA DE DESENVOLVIMENTO, O


SISTEMA EUROPEU É O MAIS DESENVOLVIDO
E O SISTEMA INTERAMERICANO SE
ENCONTRA EM UMA POSIÇÃO
INTERMEDIÁRIA. JÁ O SISTEMA AFRICANO É
AINDA INCIPIENTE E SE ENCONTRA EM
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO, EVOLUÇÃO E
AMADURECIMENTO.

O ARCABOUÇO NORMATIVO

A CADHP está estruturada em três partes. A primeira (arts. 1º a 29) elenca os


direitos e os deveres dos cidadãos, contemplando-se, inclusive, além dos direitos
de 1ª e 2ª geração, também os direitos de 3ª geração, tais como o direito ao meio
ambiente sadio, ao desenvolvimento e à paz. A segunda parte (arts. 30 a 63)
estabelece as medidas de salvaguarda da Carta, dispondo sobre a composição e
a organização da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
(Comissão ADHP), sobre o processo perante a Comissão, além dos princípios
aplicáveis. Por fim, a última parte (arts. 64 a 68) fixa disposições diversas, tais
como a entrada em vigor da Carta e o processo para emenda ou revisão do texto.

Vários outros instrumentos integram o arcabouço normativo do sistema africano


de direitos humanos, tais como a Convenção da UA que Regula Aspectos
Específicos dos Problemas dos Refugiados na África (1969), a Carta
Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança (1990), o Protocolo à Carta
Africana dos Direitos Humanos e Dos Povos sobre os Direitos das Mulheres
na África (2003), a Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação
(2011) e o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
sobre os Direitos das Pessoas Idosas na África (2018). Há, ainda, outras
disposições não dotadas de força vinculante, como princípios e diretrizes.
ALÉM DA CADHP E DOS INSTRUMENTOS
REGIONAIS ACIMA MENCIONADOS, OS
ESTADOS AFRICANOS TAMBÉM ADERIRAM E
RATIFICARAM A MAIORIA DOS
INSTRUMENTOS NORMATIVOS DE PROTEÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS DO SISTEMA
GLOBAL (ONU).

OS ÓRGÃOS COMPONENTES DO
SISTEMA

Diferentemente dos sistemas europeu e interamericano, que inicialmente


estabeleceram dois órgãos de proteção dos direitos humanos (uma Comissão e
uma Corte), a CADHP criou apenas a Comissão ADHP. Foi somente em 2004,
quando entrou em vigor o Protocolo à Carta ADHP, adotado em 1998, que surgiu
a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Corte ADHP). Por isso,
costuma-se dizer que o sistema africano se desenvolveu em duas etapas.

A COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS


HUMANOS E DOS POVOS

À semelhança da extinta Comissão EDH e da Comissão IDH, a função da


Comissão ADHP, em funcionamento desde 1987, é promover os direitos humanos
e dos povos e assegurar sua respectiva proteção no continente africano.
Ressalta-se que este foi o primeiro e único órgão de proteção dos direitos
humanos criado pela Carta ADHP (art. 30).

A Comissão é composta por onze membros, que devem ser escolhidos entre
personalidades africanas que gozem da mais alta consideração, conhecidas pela
sua alta moralidade, sua integridade e sua imparcialidade, e que possuam
competência em matéria dos direitos humanos e dos povos (art. 31). São eleitos,
a título individual (para uma atuação com independência), por escrutínio secreto
pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, de uma lista de pessoas
apresentadas para esse efeito pelos Estados-partes na Carta ADHP (art. 33). Os
membros da Comissão são eleitos para um mandato de seis anos, sendo
renovável (art. 36).

A Comissão ADHP exerce sua função de proteção dos direitos humanos mediante
aceitação (i) de petições individuais, que lhe são enviadas por indivíduos ou
ONGs, denunciando violações de direitos previstos na Carta ADHP, bem como (ii)
de comunicações estatais, feitas pelos Estados-partes da Carta, nas quais
igualmente denunciam tais violações.

A CORTE AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS


E DOS POVOS

A Corte ADHP foi criada pelo Protocolo à Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos (art. 1º), adotado em 10 de junho de 1998, por ocasião
da 34ª Sessão Ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da
Organização de Unidade Africana (atual União Africana), reunida em
Ouagadougou, no Burkina Faso. O Protocolo entrou em vigor internacional em 25
de janeiro de 2004 e a Corte foi oficialmente inaugurada em 2006, tendo a sua
sede permanente em Arusha, República Unida da Tanzânia.

Conforme dispõe o próprio preâmbulo do Protocolo, a criação da Corte ADHP tem


como finalidade o fortalecimento da proteção dos direitos humanos e dos povos
consagrados na Carta ADHP, visando conferir maior eficácia à atuação da
Comissão.

A Corte é composta por onze juízes, que devem ser nacionais dos Estados-
membros da UA. São eleitos por sua capacidade individual e devem ter elevada
reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos e
dos povos, não podendo haver dois juízes nacionais do mesmo Estado
(Protocolo, art. 11). Os juízes são eleitos para um mandato de seis anos e podem
ser reeleitos uma única vez (Protocolo, art. 15.1).

Podem submeter casos à Corte ADHP: (i) a Comissão ADHP; (ii) o Estado-parte
que submeteu o caso perante a Comissão; (iii) o Estado-parte contra o qual o
caso na Comissão foi submetido; e, (iv) as organizações africanas
intergovernamentais (Protocolo, art. 5.1).

O Protocolo também prevê que a Corte “poderá conferir a relevantes


organizações não governamentais com status de observadora perante a
Comissão e a indivíduos a prerrogativa de submeter-lhe casos diretamente, de
acordo com o art. 34 (6) do Protocolo” (art. 5.3). Esse dispositivo convencional
revela a previsão de acesso direto de indivíduos e ONGs à Corte ADHP (jus
standi), ainda que tal fato esteja condicionado ao aceite do Estado, conforme
prevê o art. 34.6 do Protocolo.

Tal como ocorre com a Corte IDH, a Corte ADHP tem uma competência
consultiva e também contenciosa.

COMPETÊNCIA CONSULTIVA
No exercício de sua competência consultiva, a pedido de um Estado-membro da
União Africana, da própria UA, de um de seus organismos ou de uma organização
africana reconhecida pela UA, a Corte ADHP pode emitir pareceres ou opiniões
consultivas sobre a interpretação da Carta ADHP ou de outro instrumento de
direitos humanos (Protocolo, art. 4º).

COMPETÊNCIA CONTENCIOSA
No tocante à sua competência contenciosa, a Corte ADHP tem competência por
todos os casos e litígios que lhe forem apresentados relativos à interpretação e
aplicação da Carta ADHP, do Protocolo sobre o estabelecimento da Corte e de
outros instrumentos de direitos humanos que tenham sido ratificados pelos
Estados envolvidos (Protocolo, art. 3º).

As decisões da Corte ADHP são vinculativas para os Estados-partes envolvidos


no litígio, que estão obrigados a garantir a execução da decisão em seus
respetivos territórios (Protocolo, art. 30). O monitoramento da execução de uma
decisão é responsabilidade de um Conselho de Ministros (Protocolo, art. 29.2). A
execução forçada das decisões da Corte em sentido próprio não existe. Os casos
de não cumprimento dessas decisões por parte de um Estado podem ser levados
ao conhecimento da Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo em um
relatório anual. Desse modo, deve ser ativado um shaming mechanism
(mecanismo da vergonha), visando motivar o Estado envolvido à execução da
decisão.

Em 2008, foi adotado o Protocolo Relativo aos Estatutos do Tribunal Africano


de Justiça e dos Direitos Humanos, mediante o qual se faz uma fusão do
Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos e do Tribunal de Justiça da
União Africana (este último, criado pelo Protocolo do Tribunal de Justiça da União
Africana, adotado pela Conferência da União em Maputo, Moçambique, em 2003).

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. ACERCA DOS SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS


DIREITOS HUMANOS, É CORRETO AFIRMAR:

A) Que o sistema europeu, constituído pela Comissão Europeia de Direitos


Humanos e pela Corte Europeia de Direitos Humanos, atualmente é o mais
desenvolvido dentre os sistemas regionais.

B) Que o sistema interamericano tem como tratado-regente a Convenção


Americana sobre os Direitos Humanos.

C) Que o sistema africano possui dois importantes órgãos de proteção dos


direitos humanos que são a Comissão e a Corte Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos, embora não conte ainda com um tratado-regente para a completa
regulação do sistema.

D) Que esses sistemas não guardam nenhuma relação com o sistema onusiano
de proteção dos direitos humanos, não atuando de maneira complementar a este
último.

E) Que o sistema interamericano garante o jus standi ao indivíduo perante a Corte


Interamericana de Direitos Humanos.

2. SOBRE O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS


HUMANOS, ARQUITETADO NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS, É INCORRETO AFIRMAR:

A) Que a Comissão Interamericana é composta por sete comissários que devem


ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de
direitos humanos.

B) Que juízes da Corte Interamericana são eleitos por um período de sete anos e
só poderão ser reeleitos uma única vez.

C) Que a Convenção Americana criou um sistema de petições individuais e de


comunicações interestatais para que a Comissão possa receber denúncias e
queixas contendo alegações de violações de direitos humanos.

D) Que a Corte Interamericana é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo


é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos.

E) Que o Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e


também reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana, razão pela qual pode
ser julgado por ela.

GABARITO

1. Acerca dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, é


correto afirmar:

A alternativa "B " está correta.

A alternativa A está incorreta, pois o sistema europeu tem hoje apenas um órgão,
que é o TEDH. A alternativa C está incorreta, visto que o sistema africano tem
como tratado regente a CADHP; a alternativa D está incorreta, pois os sistemas
regionais e onusiano são complementares e não excludentes; a alternativa E está
incorreta, dado que o indivíduo não pode acessar diretamente a Corte, apenas a
Comissão Interamericana.

2. Sobre o sistema interamericano de direitos humanos, arquitetado no


âmbito da Organização dos Estados Americanos, é incorreto afirmar:

A alternativa "B " está correta.

Justificativa: Estando todas as demais alternativas corretas, a alternativa “b” está


incorreta porque os juízes da Corte Interamericana são eleitos para um mandato
de seis anos, permitida uma reeleição.

MÓDULO 3
 Descrever finalidade, competência, composição e atuação do Tribunal
Penal Internacional na proteção dos direitos humanos.

O TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL E O DIREITO PENAL
INTERNACIONAL

Foto: Ech25/Wikimedia commons/Domínio Público


 Artilharia Real durante o treinamento em Ellesmere, na Inglaterra, em agosto
de 1943.

A história da humanidade é marcada por incontáveis guerras através dos séculos,


sendo esse um de seus aspectos mais sombrios. Como é de conhecimento geral,
o mundo já presenciou duas grandes guerras mundiais, sendo que a Segunda
Guerra constituiu o mais sangrento e brutal conflito armado já ocorrido. Milhões
de vidas foram ceifadas, tanto combatentes como civis. O número exato nunca
saberemos.

Além dessas guerras de abrangência mundial, inúmeros conflitos armados já


ocorreram internamente a muitos países ao redor do globo. Tristemente, as
guerras civis também têm sido frequentes na história humana, deixando por vezes
um rastro de atrocidades e violações da vida e da dignidade humana.

É nesse contexto que surge a conhecida expressão genocídio, aqui entendido


como o extermínio em massa de pessoas ou, mais tecnicamente, como uma ação
coordenada para exterminar uma nação, um povo ou um grupo étnico. A história
humana é marcada por genocídios, tais como os que ocorreram na Circássia
(1864 a 1867), na Armênia (1915 a 1922), no Holocausto (1939 a 1945), no
Camboja (1975 a 1979), em Ruanda (1994) e na antiga Iugoslávia (1995), que
conjuntamente a muitos outros, vitimaram milhões de pessoas.

Foto: Buidhe/Wikimedia commons/Domínio Público


 Judeus holandeses no campo de concentração
de Buchenwald, na Alemanha.

COMO UMA REAÇÃO A ESSE TRISTE


QUADRO, ALGUNS PAÍSES E,
POSTERIORMENTE, TODA A SOCIEDADE
INTERNACIONAL ESTABELECERAM UM
CONJUNTO DE NORMAS JURÍDICAS
DESTINADAS À PUNIÇÃO DOS
RESPONSÁVEIS PELOS HORRENDOS CRIMES
COMETIDOS, BEM COMO CRIARAM ÓRGÃOS
ESPECÍFICOS PARA REALIZAR O
JULGAMENTO E APLICAÇÃO DAS PENAS
IMPOSTAS.

Surge assim o Direito Internacional Penal (DIP), entendido como um ramo do


Direito ou das Ciências Jurídicas que se ocupa de assuntos criminais em uma
esfera global, mediante o estabelecimento de normas jurídicas voltadas à
tipificação de condutas que configuram graves crimes que atingem a consciência
da humanidade. Essas normas criam e regulamentam a jurisdição e a
competência para o julgamento e a aplicação de sanções penais por órgãos
internacionais de natureza penal, vinculados à Justiça Internacional, tal como
reconhecida pela sociedade internacional. Nas palavras de Kai Ambos (2005, p.
1), trata-se do “conjunto de todas as normas de Direito Internacional que
estabelecem consequências jurídico-penais”.
Foto: Jarekt/Wikimedia commons/Domínio Público
 Ex-oficiais nazistas no banco dos réus no
Julgamento de Nurembergs, entre 1945 e 1948.

Adjacente ao conjunto de normas voltado à punição de indivíduos responsáveis


por genocídios e massacres em larga escala, tribunais penais também passaram
a ser instituídos com o objetivo específico de julgar os crimes cometidos nesse
cenário. A título de exemplo, citamos o Tribunal de Nuremberg, o Tribunal
Militar Internacional de Tóquio e os Tribunais Penais para Ruanda e para a
ex-Iugoslávia.

Esses tribunais, que são conhecidos como tribunais de exceção ou tribunais ad


hoc, sempre foram muito criticados, especialmente por serem constituídos em
caráter temporário ou excepcional, após a ocorrência dos fatos (e não ex post
facto). Outra crítica preponderante se deve à sua composição por juízes que, em
tese, não teriam a imparcialidade necessária para o julgamento, uma vez que não
são previamente investidos de jurisdição de acordo com leis estabelecidas,
ofendendo-se com isso o princípio do juiz natural, consagrado no Direito
Internacional e no âmbito do Direito interno dos Estados.
É nesse cenário que a sociedade internacional viu a necessidade de criar um
Tribunal Penal Internacional de caráter permanente e com competência
legalmente instituída para o julgamento dos graves e bárbaros crimes que
atentam contra a consciência coletiva de toda a humanidade. Ademais, seria até
mesmo falacioso falar-se na proteção internacional dos direitos humanos (global e
regional), conforme estudamos nos módulos anteriores, sem a contrapartida da
instituição da responsabilidade criminal dos indivíduos no plano internacional
(MAZZUOLI, 2019).

O ESTATUTO DE ROMA DO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E
A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL (TPI)
O TPI foi criado pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, um
tratado internacional adotado pela Conferência das Nações Unidas de
Plenipotenciários para o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, em
17 de julho de 1998. Entrou em vigor em 1° de julho de 2002, conforme
estabelecido em seu art. 126, e somente os Estados que expressaram
formalmente o seu consentimento são obrigados a se submeter às previsões do
TPI.
Foto: Hypergio/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0
 Edifício do Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda.

O Brasil é um dos Estados-partes do referido tratado, submetendo-se à jurisdição


do TPI. O Estatuto foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto
Legislativo n.º 112, de 6 de junho de 2002. Posteriormente, foi ratificado pelo país
por meio do depósito do instrumento de ratificação em 14 de junho de 2002,
passando a integrar o ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n.º
4.388, de 25 de setembro de 2002. Além da ratificação do Estatuto, que foi
suficiente para caracterizar a submissão do Estado brasileiro à jurisdição do TPI,
visando reforçar o reconhecimento do Tribunal, a Emenda Constitucional n.º 45,
de 30 de dezembro de 2004, incluiu o § 4º ao art. 5º da CRFB (Default tooltip) ,
que assim dispôs: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal
Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

O Estatuto de Roma do TPI é composto por 128 artigos que abrangem um


preâmbulo e 13 partes assim divididas:

I – Criação do Tribunal

II – Competência, admissibilidade e direito aplicável


III – Princípios gerais de direito penal

IV – Composição e administração do Tribunal

V – Inquérito e procedimento criminal

VI – O julgamento

VII – As penas

VIII – Recurso e revisão

IX – Cooperação internacional e auxílio judiciário

X – Execução da pena

XI – Assembleia dos Estados-partes

XII – Financiamento

XIII – Cláusulas finais


 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

PRINCIPAIS ASPECTOS DO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Instalado oficialmente em 11 de março de 2003, em Haia, na Holanda, o TPI foi
criado (Estatuto, art. 1º) mediante o reconhecimento pelos Estados de que
“milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades
inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade”, e que
“os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu
conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente
assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da
cooperação internacional”, conforme dispõe o Preâmbulo do Estatuto.

O Tribunal, que é independente e tem personalidade jurídica internacional


(Estatuto, art. 4.1), é “uma instituição permanente, com jurisdição sobre as
pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional
(...) e será complementar às jurisdições penais nacionais” (Estatuto, art. 1º),
sendo que a competência e o funcionamento do Tribunal são regidos pelo seu
Estatuto constitutivo. Precisamos destacar, portanto, que a sua atuação é
subsidiária, pois de acordo com o próprio Estatuto, atua “complementarmente” à
jurisdição dos Estados soberanos, não visando substituir esta última.

 ATENÇÃO

É importante salientarmos que o TPI julga indivíduos (pessoas físicas) pelo


cometimento dos crimes de sua competência, diferentemente das demais cortes
internacionais de direitos humanos estudadas nos módulos anteriores,
competentes para julgar Estados por violações de direitos humanos.

COMPETÊNCIA

Os crimes de competência do TPI, que são imprescritíveis (Estatuto, art. 29),


estão previstos no art. 5º do Estatuto, sendo eles: o crime de genocídio; os crimes
contra a humanidade; os crimes de guerra; e o crime de agressão.

CRIME DE GENOCÍDIO

De acordo com o Estatuto, o genocídio é entendido como qualquer ato praticado


com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial
ou religioso, o que compreende segundo o art. 6º:

Homicídio de membros do grupo.

Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo.

Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a


sua destruição física, total ou parcial.

Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo.


Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

O Estatuto compreende qualquer ato cometido no quadro de um ataque,


generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo
conhecimento desse ataque. Compreende-se especificamente os vários atos
descritos no art. 7º do Estatuto, 15 ao todo, pelos quais pode ser cometido um
crime contra a humanidade. Dentre eles, destacam-se:

Foto: EtienneDolet/Wikimedia commons/Domínio Público


 Imagem do Genocídio Armênio perpetrado pelo
Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial.
Homicídio

Extermínio

Escravidão

Deportação ou transferência forçada de uma população

Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação


das normas fundamentais de direito internacional

Tortura

Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada,


esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual
de gravidade comparável

Desaparecimento forçado de pessoas

Crime de apartheid
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Conforme afirma Valerio Mazzuoli (2019), a “expressão ‘crimes contra a


humanidade’ geralmente conota quaisquer atrocidades e violações de direitos
humanos perpetrados no planeta em larga escala, para cuja punição é possível
aplicar-se o princípio da jurisdição universal”.

CRIMES DE GUERRA

Também conhecidos como crimes contra as leis e costumes aplicáveis em


conflitos armados, “são fruto de uma longa evolução do direito internacional
humanitário, desde o século passado, tendo sido impulsionado pelo Comitê
Internacional da Cruz Vermelha, ganhando foros de juridicidade com as quatro
Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, e com as bases teóricas do
direito costumeiro de guerra” (MAZZUOLI, 2019).

Imagem: Paebi/Wikimedia commons/Domínio Público


 Assinatura da primeira Convenção de Genebra em 1864, retratada por
Charles Édouard Armand-Dumaresq.

Conforme dispõe o Estatuto, os crimes de guerra são entendidos como graves


violações às Convenções de Genebra, consistentes nos atos enumerados no
art. 8.2(a) do Estatuto, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos.
Destacam-se as Convenções de Genebra que estabelecem o Direito
Internacional Humanitário, isto é, o Direito aplicável na guerra – jus in bello,
notadamente para a proteção dos direitos humanos.

Ainda conforme estabelece o art. 8.2(b) do Estatuto, também são considerados


crimes de guerra “outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em
conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional”, conforme os
atos enumerados no referido dispositivo convencional.

Foto: Soerfm/Wikimedia commons/CC BY-SA 2.0

O Estatuto determina que, no caso de conflitos armados que não sejam de índole
internacional, também são considerados crimes de guerra as graves violações do
artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra, consistentes nos atos
descritos no art. 8.2(c) do Estatuto, cometidos contra pessoas que não participem
diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que
tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a
combater devido à doença, lesão, prisão ou a qualquer outro motivo, assim como
outras graves violações das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que
não têm caráter internacional, no quadro do Direito Internacional, conforme os
atos enumerados no art. 8.2(e) do Estatuto.

CRIME DE AGRESSÃO

Inicialmente, não havia no Estatuto de Roma uma definição do que seria o crime
de agressão. Previa-se somente que o Tribunal poderia exercer a sua
competência em relação a tal crime desde que, nos termos dos arts. 121 e 123 do
Estatuto, fosse aprovada uma disposição definindo o crime em questão —
obrigatoriamente compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações
Unidas (art. 5.2) — e que se enunciassem as condições em que o Tribunal teria
competência relativamente a esse crime.

A definição do crime foi adotada por meio da emenda do Estatuto de Roma do


TPI, na primeira Conferência de Revisão do Estatuto em Kampala, Uganda, em
2010, de modo que o crime de agressão foi definido como “o uso de força armada
por um Estado contra a soberania, integridade ou independência de outro
Estado”. Em 15 de dezembro de 2017, a Assembleia dos Estados-partes adotou,
por consenso, uma resolução sobre a ativação da jurisdição do Tribunal sobre o
crime de agressão a partir de 17 de julho de 2018.

COMPOSIÇÃO E FUNCIONAMENTO

No tocante à sua composição, o TPI é composto pelos seguintes órgãos: a


Presidência, responsável pela administração do Tribunal; uma Seção de
Recursos, uma Seção de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de
Instrução; o Gabinete do Procurador; e a Secretaria (Estatuto, art. 34).
NOS TERMOS DO ESTATUTO, O TPI É UMA
PESSOA JURÍDICA DE DIREITO
INTERNACIONAL QUE TEM A CAPACIDADE
NECESSÁRIA PARA O DESEMPENHO DE SUAS
FUNÇÕES E DE SEUS OBJETIVOS NO
TERRITÓRIO DE QUALQUER ESTADO-PARTE
E, POR ACORDO ESPECIAL, NO TERRITÓRIO
DE QUALQUER OUTRO ESTADO, CONFORME
O DISPOSTO NO PRÓPRIO ESTATUTO (ART.
4º).

O TPI é composto atualmente por 18 juízes, eleitos pela Assembleia dos Estados-
partes no Estatuto. Seus membros devem ser pessoas de elevada idoneidade
moral, imparcialidade e integridade, que reúnam os requisitos para o exercício
das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países, e têm mandatos de
nove anos não renováveis (Estatuto, art. 36). No âmbito de suas atividades,
garantem julgamentos justos e proferem suas sentenças, emitem mandados de
prisão ou intimações para o comparecimento perante o Tribunal, autorizam as
vítimas a participar dos julgamentos e ordenam medidas de proteção às
testemunhas, dentre outras atividades. Também elegem, entre si, o presidente do
Tribunal e dois vice-presidentes.

O Tribunal possui três divisões judiciais, que julgam as matérias em diferentes


fases do processo: pré-julgamento, julgamento e recursos.

Em suma, os juízes de pré-julgamento (geralmente três juízes por caso) decidem


se há evidências suficientes para um caso ir a julgamento e, em caso afirmativo,
confirmam as acusações e submetem o caso para julgamento.

Os juízes de julgamento (geralmente três juízes por caso) conduzem julgamentos


justos, decidindo se há evidências suficientes para provar, além de qualquer
dúvida razoável, que o acusado é culpado da acusação e, em caso afirmativo, os
julgam pronunciado a sentença em público, momento no qual emitem ordens de
reparação às vítimas, incluindo a restituição, a compensação e a reabilitação.

Por fim, os juízes de recursos (cinco juízes) apreciam os recursos apresentados


pelas partes, podendo confirmar, reverter ou alterar uma decisão sobre a culpa ou
inocência, ou sobre a sentença e, se necessário, solicitam um novo julgamento
perante uma Câmara de Julgamento diferente.

Agora, o professor Luciano Meneguetti discorre sobre o Tribunal Penal


Internacional.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. “FOI A CRIAÇÃO DO TPI, POR MEIO DO ESTATUTO DE


ROMA DE 1998, QUE EFETIVAMENTE IMPULSIONOU A TEORIA
DA RESPONSABILIDADE PENAL INTERNACIONAL DOS
INDIVÍDUOS, NA MEDIDA EM QUE SE PREVIU PUNIÇÃO
INDIVIDUAL ÀQUELES PRATICANTES DOS ILÍCITOS
ELENCADOS NO ESTATUTO” (MAZZUOLI, VALÉRIO DE
OLIVEIRA. CURSO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 12.
ED. RIO DE JANEIRO: FORENSE, 2019. E-BOOK.).

COM BASE NO TEXTO, CONCLUI-SE QUE O REFERIDO


ESTATUTO:

A) Estabelece o TPI como uma instituição permanente, com jurisdição sobre as


pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance
internacional, e substituirá as decisões eventualmente proferidas pelas jurisdições
penais nacionais.

B) Dispõe como crimes de competência do TPI o crime de genocídio, os crimes


contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão, sendo que para
este último ainda não há uma definição expressa.

C) Estabelece que os crimes de competência do TPI são imprescritíveis, exceto o


crime de agressão, por não contar ainda com uma definição expressa.

D) Prevê como crime contra a humanidade qualquer ato cometido no quadro de


um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo
conhecimento desse ataque, compreendendo especificamente os vários atos
descritos no próprio Estatuto.

E) Determina que os crimes contra a humanidade também são conhecidos como


crimes contra as leis e costumes aplicáveis em conflitos armados.

2. SOBRE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, ASSINALE


ABAIXO A ALTERNATIVA CORRETA:

A) Seus juízes são eleitos para mandatos de nove anos, permitida uma reeleição.

B) Seus juízes são eleitos para mandatos de cinco anos, não renováveis.

C) Seus juízes são eleitos para mandatos de nove anos, não renováveis.
D) Seus juízes são eleitos para mandato de seis anos, permitida uma reeleição.

E) Seus juízes são eleitos para mandato de seis anos, não renováveis.

GABARITO

1. “Foi a criação do TPI, por meio do Estatuto de Roma de 1998, que


efetivamente impulsionou a teoria da responsabilidade penal internacional
dos indivíduos, na medida em que se previu punição individual àqueles
praticantes dos ilícitos elencados no Estatuto” (MAZZUOLI, Valério de
Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. E-book.).

Com base no texto, conclui-se que o referido Estatuto:

A alternativa "D " está correta.

A alternativa correta está de acordo com os termos do art. 7º do Estatuto de


Roma. A alternativa A está incorreta, pois o TPI atua complementarmente às
jurisdições estatais; a alternativa B está incorreta, visto que o crime de agressão
já foi definido; a alternativa C está incorreta, dado que o crime de agressão já foi
definido e o Estatuto estabelece que todos os crimes são imprescritíveis (art. 29);
a alternativa E está incorreta, pois os crimes de guerra são conhecidos conforme
o previsto na alternativa.

2. Sobre o Tribunal Penal Internacional, assinale abaixo a alternativa correta:

A alternativa "C " está correta.

Os juízes são eleitos para o exercício de um mandato de nove anos que não é
renovável, nos termos do art. 36.9(a) do Estatuto de Roma.
CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste estudo, podemos concluir que os direitos humanos atualmente não
apenas são tutelados pelos ordenamentos jurídicos internos dos países, mas
também contam com sofisticados esquemas de proteção no âmbito internacional.

Conforme estudamos, o sistema global de proteção dos direitos humanos,


instituído no âmbito da ONU, conta com um amplo arcabouço normativo e com
uma rede integrada de órgãos e mecanismos destinados à promoção, fiscalização
e tutela dos direitos e da dignidade humana para todas as pessoas do globo, sem
discriminação de qualquer natureza.

Além do sistema onusiano, vimos que a proteção dos direitos humanos se dá


também por meio dos sistemas regionais, que hoje são três — europeu,
interamericano e africano — e estão estruturados no âmbito de organizações
internacionais específicas, buscando tutelar os direitos humanos em distintas
regiões do globo, considerando as características e peculiaridades de cada
região.
AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
AMBOS, K. A construção de uma parte geral do Direito Penal Internacional.
In: AMBOS, K.; JAPIASSÚ, C. E. A. Tribunal Penal Internacional: possibilidades e
desafios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 1-31.

CASSIN, R. La Déclaration Universelle et la Mise en Oeuvre des Droits de


L’homme. In: Recueil des Cours de l’Académie de Droit International; tomo 79, II,
1951, p. 237-367.

COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS. Carta


Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Consultado na internet em: 9
mai. 2021.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção


Americana Sobre Direitos Humanos. Consultado na internet em: 9 mai. 2021.

GUERRA, S. Direitos Humanos: curso elementar. 3. ed. São Paulo: Saraiva,


2015.
MAZZUOLI, V. de O. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. E-book.

PORTELA, P. H. G. Direito Internacional Público e Privado: incluindo noções


de Direitos Humanos e de Direito Comunitário. Salvador: JusPODIVM, 2017.

RAMOS, A. de C. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.


E-book.

SMITH, R. K. M. Textbook on International Human Rights. 6. ed. Oxford:


Oxford University Press, 2014.

TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Convenção Europeia dos


Direitos do Homem. Consultado na internet em: 9 mai. 2021.

EXPLORE+
Que tal aprofundar o seu estudo sobre direitos humanos e os sistemas que os
protegem?

Para um estudo sobre a história da Declaração Universal dos Direitos Humanos e


sua importância para a construção dos direitos humanos, leia o artigo de autoria
de Luciano Meneguetti Pereira, intitulado A Declaração Universal dos Direitos
Humanos e sua Importância na Gênese, Desenvolvimento e Consolidação do
Direito Internacional dos Direitos Humanos, disponível no site Academia.edu.

Acerca da força jurídica da Declaração Universal dos Direitos Humanos, veja


artigo de autoria de Luciano Meneguetti Pereira, intitulado Reflexões sobre a
Natureza Jurídica e a Força Vinculante da Declaração Universal dos Direitos
Humanos aos 70 (1948-2018), disponível no site Academia.edu.

Sobre a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos, você ainda


pode assistir no YouTube ao vídeo intitulado Há 70 anos: adotada a Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Para entender as diferenças e similaridades entre os sistemas regionais de
direitos humanos, assista à palestra Análise comparativa e crítica dos sistemas
regionais de proteção dos direitos humanos, promovida pela Fundação Alexandre
de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI).

Uma visão específica e aprofundada do sistema europeu de proteção dos direitos


humanos é apresentada no artigo de Valerio Mazzuoli, intitulado O Sistema
Regional Europeu de Proteção dos Direitos Humanos, disponível na Revista
Cadernos da Escola de Direito.

Ainda sobre a proteção dos direitos humanos no continente europeu, leia o artigo
de autoria de Luciano Meneguetti Pereira e Ana Paula Grossi, intitulado A
Proteção dos Direitos Humanos no Continente Europeu: Breves Apontamentos,
disponível na Revista Fides.

Para conhecer os demais casos brasileiros que foram julgados na Corte


Interamericana de Direitos Humanos, busque pelo portal da Corte IDH.

Por fim, para complementar os seus estudos, acesse o material sobre os sistemas
internacionais de proteção dos direitos humanos, desenvolvido pela Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão.

CONTEUDISTA
Luciano Meneguetti Pereira

 CURRÍCULO LATTES

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