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AULAS DE CRIAÇÃO DE BASE


DIREITOS HUMANOS
Professor Caio Paiva
profcei.caiopaiva@gmail.com

Caio Paiva | Assessor de Juiz de Direito do TJMG (2010-2013). Defensor


Público Federal (2013-2021). Especialista em Ciências Criminais.
Coordenador-geral do CEI e do Tudo de Penal.

AULA 1: INTRODUÇÃO AO CONCEITO E À HISTÓRIA DA


INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

1. Introdução ao conceito

Conceituar – também – significa reduzir um objeto de estudo.


Conceituar direitos humanos é difícil, pois se trata de um objeto de estudo
permeável a contingências políticas, ideológicas e históricas.
Identifico duas técnicas para conceituar direitos humanos.
A primeira, que chamo de generalista, trabalha com um conceito de direitos
humanos material, no sentido de não separar – pelo menos de forma rígida – as ordens
jurídicas nacional e internacional, incluindo naquela categoria todos os direitos essenciais
à consecução de uma vida digna, estejam eles previstos em Constituições nacionais ou
em tratados internacionais.
A segunda, que chamo de específica, trabalha com um conceito de direitos
humanos formal, no sentido de considerar como integrante deste catálogo de direitos
essenciais à consecução de uma vida digna somente aqueles previstos em instrumentos
internacionais, no que eles se diferenciam, portanto, dos direitos fundamentais, que são
assegurados e protegidos pela ordem jurídica interna.
A técnica específica revela-se mais adequada porque favorece a compreensão do
DIDH como disciplina autônoma.
Embora exista semelhança ou identidade no catálogo, são diversos os mecanismos
e os órgãos de proteção.
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Cançado Trindade estrutura um conceito bem completo de Direito Internacional


dos Direitos Humanos:

“Entendo o Direito Internacional dos Direitos Humanos como o corpus


juris de salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo,
por normas, princípio e conceitos elaborados e definidos em tratados e
convenções, e resoluções de organismos internacionais, consagrando
direitos e garantias que têm por propósito comum a proteção do ser
humano em todas e quaisquer circunstâncias, sobretudo em suas
relações com o poder público, e, no plano processual, por mecanismos
de proteção dotados de base convencional ou extraconvencional, que
operam essencialmente mediante os sistemas de petições, relatórios e
investigações, nos planos tanto global como regional. Emanado do
Direito Internacional, este corpus juris de proteção adquire autonomia,
na medida em que regula relações jurídicas dotadas de especificidade,
imbuído de hermenêutica e metodologias próprias” (Desafios e
conquistas do Direito Internacional dos Direitos Humanos no início do
século XXI).

2. Terminologias

§ Direitos fundamentais: surgiu no contexto da proteção nacional dos


direitos essenciais do ser humano, não sendo adequada, portanto, para
designar direitos previstos em tratados.
§ Direitos do homem: utilizada, por exemplo, na Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão (França, 1789) e na Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948), foi cada vez menos
utilizada após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, considerado
o seu caráter sexista.
§ Liberdades públicas e liberdades fundamentais: muito utilizadas pela
doutrina francesa, devem ser evitadas atualmente por representarem mais
os direitos de liberdade.
§ Direitos humanos fundamentais: utilizada, por exemplo, no preâmbulo
da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e por um setor
da doutrina, segue a técnica generalista.
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Conforme observa a historiadora Lynn Hunt:

“(...) Ainda mais perturbador é que aqueles que com tanta confiança
declaravam no final do século XVIII que os direitos são universais
vieram a demonstrar que tinham algo muito menos inclusivo em mente.
Não ficamos surpresos por eles considerarem que as crianças, os
insanos, os prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos
de plena participação no processo político, pois pensamos da mesma
maneira. Mas eles também excluíam aqueles sem propriedade, os
escravos, os negros livres, em alguns casos as minorias religiosas e,
sempre e por toda parte, as mulheres. Em anos recentes, essas
limitações a ‘todos os homens’ provocaram muitos comentários, e
alguns estudiosos até questionaram se as declarações tinham um
verdadeiro significado de emancipação. Os fundadores, os que
estruturaram e os que redigiram as declarações têm sido julgados
elitistas, racistas e misóginos por sua incapacidade de considerar todos
verdadeiramente iguais em direitos” (A invenção dos direitos
humanos).

Sobre a questão de gênero no DIDH, é importante lembrar que em 1791, Olympe


de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze, que foi uma dramaturga, ativista, feminista e
abolicionista francesa, dirige uma carta à rainha, para ser apresentada à Assembleia
Nacional, com o título Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Ironicamente,
Olympe escreve no art. 1º: “A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em
direitos (...)”.
O texto foi rejeitado, mas ficou na história como o primeiro documento feminista
que buscou uma igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Mas isso cai em concurso?
Vejamos a seguinte questão cobrada no concurso da DPE/SP de 2015:

1. “Os direitos do homem, os direitos humanos, são diferenciados como


tais dos direitos do cidadão. Quem é esse ‘homem’ que é diferenciado
do cidadão? Ninguém mais ninguém menos que o membro da sociedade
burguesa”.
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2. “Mulher, desperta. A força da razão se faz escutar em todo o


universo. Reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza não
está mais envolto de preconceitos, de fanatismos, de superstições e de
mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da ignorância
e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve
necessidade de recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando-
se livre, tornou-se injusto em relação à sua companheira”.
São autores, respectivamente, dos excertos críticos à Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão:
A) Karl Marx e Simone de Beuvoir.
B) Jen-Jacques Rosseau e Olympe de Gouges.
C) Karl Marx e Olympe de Gouges.
D) Jean-Jacques Rosseau e Simone de Beauvoir.
E) Robespierre e Hannah Arendt.

3. Introdução à história da internacionalização dos direitos humanos

Há duas formas de contar a história dos direitos humanos:

§ História social ou política dos direitos humanos, que consiste no resgate


de cada movimento social e político na luta por condições dignas de vida,
partindo desde documentos como o Antigo Testamento.
§ História normativa dos direitos humanos, que consiste na identificação de
cada marco normativo que contribuiu para a criação de uma estrutura de
proteção internacional.

Vamos tentar mesclar estas formas de contar a história dos direitos humanos,
dando uma ênfase na história normativa.
A história dos direitos humanos não é linear.
Vejamos, a respeito do assunto, a lição de Cançado Trindade:

“Constato hoje com nitidez que, laborar na proteção internacional dos


direitos humanos, é como o mito de Sísifo, uma tarefa que não tem fim.
É como estar constantemente empurrando uma rocha para o alto de uma
montanha, voltando a cair e a ser novamente empurrada para cima.
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Entre avanços e retrocessos, desenvolve-se o labor da proteção. Ao


descer da montanha para voltar a empurrar a rocha para cima, toma-se
consciência da condição humana, e da tragédia que a circunda. Mas há
que seguir lutando: na verdade, não há outra alternativa” (Desafios e
conquistas do Direito Internacional dos Direitos Humanos no início do
século XXI).

A história da internacionalização dos direitos humanos é a história do nascimento


e do desenvolvimento de uma consciência jurídica universal, responsável pela evolução
do Direito para proteger de forma eficaz o ser humano em todas e quaisquer
circunstâncias.
A formação da consciência jurídica universal capaz de afirmar, em 1948, que
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (DUDH, art.
1º), decorre de múltiplas fontes, como textos religiosos, políticos, filosóficos e,
principalmente, das lutas, batalhas e reivindicações por direitos humanos dos mais
diversos movimentos feministas, antidiscriminação etc.
Há, inclusive, quem encontre nos romances uma fonte de mudança cerebral para
gerar mais empatia e vislumbre de novas formas de organização social (Lynn Hunt, A
invenção dos direitos humanos).
Há fragmentos de limitação de poder e, portanto, de direitos humanos, na
antiguidade oriental (Código de Hamurabi, século XVIII a.C.; Cilindro de Ciro, século
XI a.C.), na tradição grega, nos alicerces romanos, na tradição judaico-cristã, na tradição
inglesa dos direitos e da lei (início século XIII, com a Magna Carta), na filosofia do
contrato social a partir do século XVII (Locke, Hobbes e Rousseau), no Iluminismo, na
revolução americana, na revolução francesa, no sufrágio universal e começo do
feminismo, no movimento trabalhista, entre outros eventos históricos.
Vejamos os precedentes históricos que mais de perto influenciaram na
internacionalização dos direitos humanos, superando-se, assim, a ideia de soberania
estatal absoluta, bem como projetando a ideia da pessoa como sujeito de direito na ordem
jurídica internacional:

§ Direito Internacional Humanitário;


§ Liga das Nações;
§ Organização Internacional do Trabalho.
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O Direito Internacional Humanitário é conhecido como o componente de


direitos humanos no “direito de guerra”. Seu desenvolvimento remonta ao século XIX e
prossegue no século XX, por meio de uma série de tratados (como as Convenções de
Genebra e de Haia) que buscam proteger tanto os combatentes quanto os não
combatentes.
Flávia Piovesan ressalta que “O Direito Humanitário foi a primeira expressão de
que, no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que
na hipótese de conflito armado”.
A Liga das Nações foi uma organização internacional criada após a Primeira
Guerra Mundial, por meio do Tratado de Versalhes (1919), para assegurar a paz e a
segurança internacionais. Sua estrutura orgânica era semelhante à da ONU. A Liga
fracassou e não conseguiu evitar a Segunda Guerra Mundial e foi dissolvida, sendo
substituída pela ONU em 1945.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada no âmbito da Liga
das Nações, com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919, como uma parte do Tratado
de Versalhes, tendo como objetivo estabelecer parâmetros mínimos para a proteção do
trabalhador, disciplinando a sua condição no plano internacional por meio de diversas
convenções. Com o fim da Liga, foi incorporada à ONU como uma de suas agências
especializadas.
Finalmente, importante compreender que a história dos direitos humanos é cíclica
e que em diversos períodos a população esteve majoritariamente ao lado de ditadores e
políticos autoritários.

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