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I.

Momento da consagração

1. O Estado como berço da noção de direitos fundamentais. A evolução


histórica dos direitos fundamentais.

A ideia de que aos seres humanos deve ser reconhecido um conjunto de direitos e de
deveres adequados à sua especial natureza foi sendo desenvolvida por diversas correntes
filosóficas ao longo da História:

‣ Na Antiguidade Clássica – ideias de igualdade e dignidade

‣ Cristianismo – afirma que todos os humanos são filhos de Deus e por isso têm igual
dignidade (isto teve grande impacto na nossa cultura e no modo como se manifestam os
direitos fundamentais)

No entanto, só no séc. XVIII é que estas ideias foram positivadas. É com o Estado constitucional de
final do século XVIII, em particular, com as Revolução Americana e Francesa, que se dão as
primeiras consagrações globais, universais e com valor constitucional dos direitos
fundamentais:

1776 1787 1789

1º Bill of Rights do Estado de A Constituição Federal Declaração dos Direitos do Homem


Virginia estabelece a igualdade Americana de 1787 e do Cidadão em França – marco
e independência de todos os retoma esses direitos mais importante para a afirmação
homens, servindo de modelo dos direitos fundamentais na
para outros Estados Europa

Começou assim, em finais do século XVIII, um movimento de positivação dos direitos


fundamentais, que fora já iniciado na Inglaterra há alguns séculos atrás, mas que agora se
expande universalmente. Por todo o lado surgem “Declarações de Direitos”, dirigidas ao próprio
Estado, que as edita. São direitos que o Direito não cria, mas reconhece, declarando-os.
Que direitos?

Na tradição americana, os direitos consagrados são, sobretudo, o direito de resistência, direito de


voto, liberdade de imprensa, liberdade religiosa, liberdade de reunião e petição, justa
indemnização; direito à reparação, princípio nulla poena, sine lege, presunção de inocência, etc.. As
regras do processo penal como direitos humanos são, nesta altura, uma especificidade americana:
julgamento por júri, direito de confronto direto com as testemunhas; direito a apresentar
testemunhas de defesa; direito a não testemunhar contra si próprio; habeas corpus; proibição de
penas cruéis e da dupla pena.

Na França e, por influência francesa em toda a Europa continental, a compreensão dos direitos
era muito restrita à liberdade, segurança e propriedade e, mesmo em relação a estas, o seu
âmbito era delimitado pela lei. E esta conceção marcou definitivamente a Constituição Portuguesa
de 1822 e Carta de 1826, bem como outras CRPs europeias continentais do século XIX.

O que levou Georg Jellinek a afirmar no século XIX – “Sem a América, sem as constituições dos seus
diversos Estados, talvez tivéssemos uma filosofia de liberdade, mas nunca teríamos uma legislação
que garantisse a liberdade”(1892).

Contra que poder era necessário proteger os indivíduos?

Também aqui há diferenças entre a tradição francesa e a tradição americana:

Na Europa, os direitos são concebidos como Na América, os direitos são concebidos como
escudos de defesa face ao Executivo, ao Rei, escudos de defesa face ao legislativo.
à Administração.

Por isso, a historiografia mais recente põe em causa a coerência do programa liberal e do
movimento constitucional com que ele se identifica: o liberalismo como o “primado dos direitos
sobre o direito” – a constituição de liberdades individuais.

Na tradição constitucional do continente, os direitos aparecem secundarizados face ao Direito. A


explicação histórica para isto parece estar no facto de, na Europa continental, o projeto
constitucional ter por detrás um projeto político de desmantelamento de sociedades feudais, em
que as situações a que se queria pôr termo estavam garantidas juridicamente por direitos de
índole privada: direitos aos cargos públicos, direitos às prestações feudais e senhoriais; direitos a
posições de privilégio, direitos ao desempenho de funções jurisdicionais. Neste contexto, um
Estado garante de direitos não era desejável. O que se queria, antes, era um Estado em que o
predomínio da vontade do poder, materializada na lei, se impusesse.
2. A importância atual dos sistemas de proteção internacional – regionais e
universais.

A internacionalização dos direitos fundamentais

Se é verdade que o Estado foi o berço dos direitos fundamentais, nos nossos dias, é também
verdade que o Estado não detém o monopólio da defesa destes direitos .

No século XX, deu-se a transição desta matéria de “domestic affair” para matéria de “international
concern”. Esta transição dá-se com particular força após a II Guerra Mundial, embora importantes
instrumentos de proteção dos direitos fundamentais tenham sido adotados na 1ª metade do
século XX e mesmo no século XIX:

‣ A Carta das Nações Unidas, Carta de São Francisco, de 1945, refere-se à necessidade de os
Estados cooperarem na defesa de direitos e liberdades fundamentais, embora esta
consagre igualmente o princípio de não ingerência nos assuntos internos de cada Estado.

‣ E, desde aí, muitos instrumentos internacionais surgiram com o objetivo de reconhecer a


nível internacional um conjunto de direitos humanos que, como se diz no Preâmbulo da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, a “dignidade inerente a todos os
membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis”.

‣ E, apesar de a Declaração não ter formalmente força vinculativa, foi o instrumento


impulsionador e uma referência para outros instrumentos internacionais que, a partir dela,
se haveriam de elaborar no quadro das Nações Unidas, como particular destaque para os
Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Económicos,
Sociais e Culturais, ambos de 1966.

‣ A partir daí uma série de instrumentos que tratam de direitos fundamentais


autonomamente – discriminação racial, tortura, discriminação contra as mulheres, direitos
da criança, direitos da pessoa com deficiência, direitos do trabalhador migrante, etc. –
foram adotados sob a égide das Nações Unidas – uns com mais sucesso do que outros.

E este sucesso afere-se, entre outros fatores, pela existência ou não de mecanismos de tutela e
garantia destes direitos que permitam às pessoas que se sintam vítimas de violações de direitos
humanos reagir a essas violações, apresentando queixas mesmo contra os Estados de que são
nacionais. Veremos, mais tarde, como funciona este mecanismo.

O reconhecimento de direitos fundamentais na cena internacional enfrenta, naturalmente,


dificuldades – desde logo, pela heterogeneidade cultural que se faz sentir numa organização
internacional de vocação universal.

Também por isso, o reconhecimento de direitos humanos no plano internacional não se faz
apenas no âmbito da ONU. Faz-se também através de organizações de âmbito regional.
Assim aconteceu também na Europa, em que, no quadro do Conselho da Europa, logo em 1950, foi
aprovada a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e a Salvaguarda de
Liberdades Fundamentais.

“The arrival of human rights on the international scene is, indeed, a remarkable event because it is a
subsersive theory destined to foster tension and conflict among States. Essentially it is meant to tear
aside the veil that in the past covered and protected sovereignity, giving each State the appearance of
a fully armoured titanic structure, perceived by other States only 'as a whole', the inner meahanisms
of which could not be tampered with. Today the human rights doctrine forces the States to give
account of how they treat their nationals, administer justice, run prisons, and so on, Potentially,
therefore, it can subvert their domestic order and, consequently, the traditional configuration of the
international community as well.

On the whole, one can say that within the international community this doctrine has acquired the
value and significance which, within the context of domestic systems, was accorded to Locke's theory
of a social contract, Montesquieu's concept of the separation of powers, and Rousseau's theory of the
sovereignity of the people. Just as these political ideas eroded absolute and despotic monarchy,
democratizing the fondations om which kingdoms rested, so the doctrine of human rights has lent
and still lends, in the world community, tremendous impetus to respect for the dignity of all human
beings, and also to the democratization of States”

Antonio Cassese, International Law, Oxford, 2005.

Esclarecimento terminológico – direitos humanos ou direitos fundamentais?

Existe, quanto ao objeto desta disciplina uma discussão quanto ao exato significado e alcance dos
termos utilizados para descrever o objeto do seu estudo.

O conceito de “direitos humanos” é, frequentemente, utilizado numa aceção mais moral e


internacionalista, convertendo-se numa expressão algo ambígua, podendo referir-se com ela uma
pretensão moral ou um direito subjetivo protegido por uma norma jurídica.

Pelo contrário, o conceito de “direitos fundamentais” é, muitas vezes, usado numa aceção restrita,
pretendendo abranger apenas os direitos reconhecidos numa ordem constitucional concreta e
deixando de fora as outras vias normativas de reconhecimento de direitos.

Pela nossa parte, designamos como direitos fundamentais aqueles que são protegidos por
normas jurídicas de carácter vinculativo – sejam estas de nível internacional, europeu ou
estadual.

(A bibliografia aconselhada sobre esta matéria é a seguinte: Vieira de Andrade, Os direitos


fundamentais, p.17-50 ;Horst Dippel, História do Constitucionalismo Moderno - Novas Perspectivas,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007; Antonio Cassese, International Law, 2ª edição, Oxford
University Press, 2005, p. 375-396)

3. As “gerações” de direitos fundamentais.

Tal como a história humana se faz pela sucessão de gerações, também a história dos direitos se
poderia contar usando a mesma metáfora.

O uso desta metáfora remonta aos anos 70 do século XX, sendo a sua autoria atribuída a Karel
Vasak, que analisou o processo europeu de reconhecimento progressivo aos direitos
fundamentais, associando à metáfora das gerações a triologia da Revolução Francesa. E, assim,
defendeu que:

‣ Os direitos da primeira geração – direitos de defesa do indivíduo perante o Estado –


associados ao ideal de Liberdade;

o Aqui incluir-se-iam a liberdade física, as liberdades intelectuais e espirituais – de


pensamento, de consciência, de religião, de expressão, de criação artística.

‣ Os direitos de segunda geração – direitos sociais – estavam ao serviço do ideal da


Igualdade;

o Encontraríamos aqui o direito à saúde, o direito à educação.

‣ Os direitos de terceira geração – direitos de solidariedade entre povos e gerações –


estavam ao serviço da Fraternidade.

o Abrangem-se aqui o direito dos povos à autodeterminação, o direito ao


desenvolvimento e o direito ao ambiente

Esta metáfora das gerações foi, depois, usada por muitos autores, cada um fazendo a sua própria
leitura das principais etapas no processo de desenvolvimento do conjunto dos direitos
fundamentais.

Outra leitura sobre a evolução histórica dos direitos fundamentais (Vieira de


Andrade)

Seguindo, por exemplo, a proposta de Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais, p. 51-70),
descobrimos um primeiro grupo de direitos, que coincide com a que expusemos anteriormente,
composta pelos direitos à liberdade, direito à propriedade, reconhecidos como direitos de defesa
do indivíduo perante o Estado, direitos que exigem do Estado, fundamentalmente, uma postura de
abstenção perante as pessoas. São direitos que cumprem uma função de defesa do indivíduo
perante os poderes públicos, aos quais corresponde um status negativus, um dever de abstenção,
de não ingerência, de não restrição, de não violação.

Num segundo grupo de direitos, encontraríamos os direitos de participação política – direitos


que reconhecem na pessoa um ser capaz de participar no processo de autodeterminação
comunitária – votando, manifestando-se, reunindo-se, associando-se, sindicalizando-se.

Num terceiro momento, os direitos sociais – direito à saúde, direito à educação, direito à
habitação, direito à segurança social – direitos que exigem do Estado um conjunto de prestações
de serviços ou pecuniárias para satisfazer as necessidades individuais. São direitos
estruturalmente diferentes dos direitos de defesa; são direitos a prestações. Correspondem a uma
visão do Estado não como inimigo das liberdades, mas como um ente que necessita de intervir
para garantir os direitos fundamentais.

Novos direitos

Desde o último quartel do séc. XX têm surgido diversas correntes que reclamam o reconhecimento
de novos direitos:

‣ os direitos relacionados com a proteção do ambiente – direitos que se relacionam com a


proteção de interesses coletivos e transgeracionais;

‣ direitos contra a manipulação genética, à identidade genética, à autodeterminação bioética;

‣ o direito a morrer com dignidade;

‣ os direitos que se prendem com a utilização da informática e a defesa de liberdades


pessoais face a novas ameaças;

‣ os direitos dos povos à paz e à boa governação;

‣ e até os direitos dos animais.

(Ver, sobre a matéria, Maria Luísa Neto, Novos Direitos, UPorto, 2010)

Críticas à teoria das gerações

Esta compreensão geracional dos direitos não é isenta de críticas. Ela indicia que os direitos das
novas gerações se substituem aos da geração anterior e não é assim. A evolução do acervo de
direitos reconhecidos como fundamentais tem obedecido a uma lógica de acumulação e não de
substituição. E a cada nova geração não são só novos direitos que se acrescentam aos existentes,
mas são também novos sentidos e novas dimensões que vêm enriquecer o sistema dos direitos
fundamentais.
Além disso, aos direitos de primeira geração tende a ser reconhecida uma densidade normativa
máxima que tende a regredir de geração em geração. Dessa diferença entre direitos de densidade
normativa forte e direitos de densidade normativa fraca, trataremos melhor quando estudarmos
os regimes dos direitos fundamentais e atentarmos na definição feita pela nossa Constituição
entre direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais.

Em função desta evolução, podemos caracterizar o sistema de direitos fundamentais como tendo
as seguintes características/ideias-força a orientar esta evolução: acumulação, variedade, abertura
(Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 67/68).

Acumulação – cada época histórica formula novos direitos, típicos do seu tempo, que se
vêm somar aos antigos. Os direitos típicos de cada geração subsistem a par dos da geração
seguinte.

Variedade – o leque abre-se e acrescentam-se novas dimensões e sentidos ao sistema –


que se torna cada vez mais complexo e multi-funcional.

Abertura – os catálogos não são nunca obras acabadas. Por interpretação vão-se
descobrindo sempre novas dimensões aos direitos pré-existentes e vão-se descobrindo e
acrescentando novos direitos.

A diferenciação entre os direitos no plano internacional

O processo de consagração dos direitos fundamentais ao nível internacional também se ressentiu


destas distinções – aqui o problema não foi “geracional”, mas geopolítico.

Tivemos, durante a Guerra Fria, duas doutrinas de direitos fundamentais em confronto:

‣ A doutrina ocidental, que valorizava direitos civis e políticos, punha em especial relevo as
liberdades cívicas – como a liberdade religiosa, de pensamento, de consciência e de
expressão e desvalorizava os direitos económicos, sociais e culturais.

‣ A doutrina socialista, que valorizava os direitos económicos, sociais e culturais, mas


defendia que os direitos fundamentais era matéria de exclusivo interesse doméstico dos
Estados na qual nem outros Estados nem organizações internacionais deveriam poder
intervir; defendiam o direito à autodeterminação.

Em consequência desta distinção, temos que na DUDH – encontramos direitos dos dois tipos
misturados – mas nos Pactos Internacionais de 1966 já encontramos o reflexo desta distinção
geopolítica e vemos a divisão dos direitos em dois Pactos: o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

Ainda hoje se tenta vencer na Comunidade Internacional o estigma que esta distinção representou.
Assim, em 1993, a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, de Viena, no parágrafo 5, pode
ler-se: “Todos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados.
A comunidade internacional deve considerar os Direitos Humanos, globalmente, de forma justa e
equitativa, no mesmo pé e com igual ênfase. Embora se deva ter sempre presente o significado das
especificidades nacionais e regionais e os diversos antecedentes históricos, culturais e religiosos,
compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas políticos, económicos e culturais,
promover e proteger todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais.”. Esta declaração tem
sido repetida posteriormente inúmeras vezes, mas, no plano do direito internacional geral, esta
igualdade e equiparação entre os direitos ainda parece estar longe.

Mesmo na Europa, cujo modelo de desenvolvimento dá um especial relevo aos direitos sociais, se
atentarmos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, constatamos que só lá estão
consagrados direitos de primeira geração, direitos de defesa dos indivíduos perante os Estados,
estando remetidos para a Carta Social Europeia os restantes. Ou seja, no seio do Conselho da
Europa, reflete-se a mesma cisão que se verifica ao nível das Nações Unidas.

O conjunto dos direitos fundamentais consagrados na CRP

A Constituição Portuguesa dispõe de uma catálogo de direitos fundamentais extenso, que as


diversas revisões constitucionais têm enriquecido progressivamente e onde estão presentes
direitos das diversas “gerações” e mesmo vários dos chamados “direitos novos”, como o direito ao
ambiente (artigo 66º), o direito à fruição cultural (artigo 78º).

A CRP consagra no seu art. 1.º o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal significa que a
conceção antropológica consagrada na nossa Constituição é a do humanismo ocidental, ou seja, é
uma conceção liberal moderna. Neste contexto deve entender-se o princípio da dignidade da
pessoa humana como o princípio de valor que confere unidade de sentido e fundamento ao
conjunto de preceitos relativos aos direitos fundamentais.

As normas de direitos fundamentais previstas na CRP dividem-se em normas relativas a direitos,


liberdades e garantias (DLG) (artigos 24.º a 57.º da CRP) e normas relativas a direitos económicos,
sociais e culturais (DESC) (artigos 58.º a 79.º da CRP). Dentro das normas relativas a direitos,
liberdades e garantias podemos distinguir entre:

‣ direitos, liberdades e garantias pessoais (artigo 24.º a 47.º);

‣ direitos, liberdades e garantias de participação política (artigo 48.º a 52.º);

‣ e direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (artigo 53.º a 57.º).

O catálogo de direitos fundamentais constante da CRP tem também explícita a nota


característica de abertura que acima referimos. Esta encontra-se no artigo 16º da Constituição. De
acordo com esta “cláusula aberta”, os direitos fundamentais reconhecidos na ordem jurídica
portuguesa não são apenas aqueles que constam do catálogo contido na Parte I da Constituição,
mas são também todos os direitos consagrados em normas de direito internacional ou mesmo na
lei a que deva reconhecer dignidade de direitos fundamentais.

Assim, além dos direitos fundamentais “em sentido formal” ou tipificados no catálogo,
temos ainda direitos fundamentais dispersos na Constituição, ou seja, direitos fundamentais
constitucionais, mas que se encontram previstos fora da parte I, sendo assim direitos
fundamentais dispersos, temos direitos fundamentais extra-constitucionais, de fonte internacional
ou legal.

Na identificação dos direitos fundamentais extra-catálogo, podemos socorrer-nos de um


simples critério de analogia com os direitos do catálogo ou podemos socorrer-nos de um
critério material de direitos fundamentais (ver, neste sentido, critérios propostos por Vieira de
Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 79 e seguintes).

Já vimos que a existência de uma dicotomia entre direitos, liberdades e garantias e direitos
económicos, sociais e culturais está, antes do mais, relacionada com a própria evolução histórica
dos direitos fundamentais e é ainda oriunda dos textos de Direito Internacional. Para além disso,
esta distinção parte do entendimento de que os direitos, liberdades e garantias se consubstanciam
em direitos de defesa, de não intervenção, dos particulares face ao Estado, enquanto os direitos
económicos, sociais e culturais são direitos a prestações estaduais positivas.

Convém realçar que, na nossa ordem jurídica, esta não é uma distinção meramente teórica, uma
vez que tem consequências práticas significativas: por um lado, implica o reconhecimento de um
regime mais protetor, estabelecido na CRP para os direitos, liberdades e garantias; por outro lado,
também releva na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias (uma vez que esta
se aplica apenas a estes direitos e não já a direitos económicos, sociais e culturais, nos termos que
depois veremos).

II. Momento da proteção especial: a definição de um regime


particular dos direitos fundamentais

1. A divisão dos direitos fundamentais entre direitos, liberdades e


garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais.

Depois de referidas as circunstâncias em que os direitos fundamentais se afirmam como


elementos centrais das Constituições, do direito internacional e do direito europeu, é chegado o
momento de analisar em que é que se traduz, do ponto de vista substancial, a atribuição a um
qualquer direito do adjetivo fundamental.
Este é um problema que se põe, fundamentalmente, no plano interno, onde os direitos
fundamentais convivem com outras pretensões que não são qualificadas como direitos
fundamentais.

E foi por isso que as Constituições e as jurisdições constitucionais criaram um regime particular
para defesa e garantia dos direitos fundamentais, que, a seguir estudaremos.

Esse regime veio, no entanto, a criar mecanismos de proteção e de defesa dos direitos
fundamentais que foram depois reproduzidos pelas instâncias internacionais que se ocupam da
proteção dos direitos fundamentais – em particular, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, sediado em Estrasburgo, que é a instância de proteção internacional dos direitos
fundamentais com a qual as jurisdições constitucionais mais têm dialogado. Neste diálogo vem
participando, cada vez mais, o Tribunal de Justiça da União Europeia, como já vimos.

O sistema constitucional português de proteção direitos fundamentais

As normas de direitos fundamentais previstas na CRP dividem-se em:

‣ normas relativas a direitos, liberdades e garantias (DLG) (artigos 24.º a 57.º da CRP)

‣ normas relativas a direitos económicos, sociais e culturais (DESC) (artigos 58.º a 79.º da
CRP).

Esta distinção marca de modo acentuado o regime aplicável aos direitos fundamentais, uma vez
que tem consequências práticas significativas:

‣ por um lado, implica o reconhecimento de um regime mais protetor, estabelecido na CRP


para os direitos, liberdades e garantias;

‣ por outro lado, também releva do ponto de vista da proteção judicial dos direitos, havendo
meios específicos de proteção de direitos, liberdades e garantias, que excluem os direitos
económicos, sociais e culturais.

Defesa de uma conceção unitária dos direitos fundamentais: Reis Novais

Tem havido da parte da doutrina alguma contestação a esta separação estabelecida na


Constituição. Jorge Reis Novais, por exemplo, tece várias críticas à consagração de regimes
diferenciados para os DLG e DESC. Este Autor considera que a ideia de hierarquização dentro dos
direitos fundamentais, com uma pretensa superioridade dos direitos, liberdades e garantias (uma
vez que gozam de um regime de proteção mais reforçado), é contrária à ideia de direitos
fundamentais em Estado de Direito e não é compatível com a vivência prática destes direitos. Esta
distinção pressupõe a consideração do direito na sua globalidade e aquilo que acontece na vida de
todos os dias são conflitos e limitações, não do direito como um todo, mas de modalidades e
dimensões particulares, específicas, parcelares do direito.

Por outro lado, segundo o Autor, é também comum na doutrina procurar a justificação da
consagração constitucional de um regime privilegiado de proteção aos direitos, liberdades e
garantias no facto de estes direitos terem uma relação mais próxima com princípios nucleares do
Estado de Direito, como sejam a dignidade da pessoa humana, a autonomia ou autodeterminação
pessoal, etc.

No entanto, considera que também esta tentativa é infundada, porque não há razões objetivas que
a sustentem. Por que, por exemplo, se deverá considerar que o direito de antena (DLG pessoal na
enumeração constitucional) está mais vinculado à dignidade ou à autonomia pessoal que o direito
a uma habitação condigna?

Assim sendo, Jorge Reis Novais defende a aplicação de uma dogmática unitária extensível a todos
os direitos fundamentais.

“As ideias diretrizes desta proposta são as de atribuição aos direitos sociais de uma relevância
plena enquanto direitos fundamentais, acompanhado do reconhecimento de uma especificidade
de natureza de que resultam consequências de diferenciação num quadro de uma dogmática una e
abrangente de proteção jurídica aos direitos fundamentais.

Ser um direito fundamental significa, em Estado constitucional de Direito, ter uma importância,
dignidade e força constitucionalmente reconhecidas que, no domínio das relações gerais entre o
Estado e o indivíduo, elevam o bem, a posição ou a situação por ele tutelada à qualidade de limite
jurídico-constitucional à atuação dos poderes públicos. Significa, por outro lado, já no plano das
relações entre os poderes públicos, que os bens, posições ou situações tuteladas pelos direitos
fundamentais são retirados da plena disponibilidade decisória do poder político democrático,
sendo a sua garantia atribuída, em última análise, à justiça constitucional. (...)

Assente aquele reconhecimento [de que os direitos sociais são direitos fundamentais], ele não
pode prescindir da atribuição da devida relevância à especificidade que os direitos fundamentais
apresentam no sistema dos direitos fundamentais. Designadamente, há que dar a devida
relevância ao facto de os direitos sociais (...) serem ainda sujeitos a uma reserva do
financeiramente possível e, logo, das margens de decisão e apreciação que (...) cabem ao legislador
democrático e ao poder judicial” (Reis Novais, Direitos sociais, 251-253).
2. O regime geral aplicável a todos os direitos fundamentais – âmbito de
aplicação dos direitos.

Regime geral dos direitos fundamentais

O regime geral aplica-se quer a direitos, liberdades e garantias, quer a direitos económicos e
culturais, e está previsto no Título I da Parte I da CRP.

Os elementos fundamentais desse regime – universalidade, igualdade – são elementos


reafirmados na generalidade das constituições e nos instrumentos internacionais como pilares
essenciais a qualquer afirmação de direitos fundamentais.

‣ Artigo 12º – princípio da universalidade

Segundo o qual todos os cidadãos gozam dos direitos da CRP e estão sujeitos aos mesmos deveres.
Não invalida que certos direitos pressuponham uma certa idade, como é, p. ex., o caso da
generalidade dos direitos políticos (art. 49.º – direito de voto – e no art. 122.º – elegibilidade para
PR), ou ainda que haja direitos reservados a certas categorias de pessoas, como é o caso dos arts.
51.º ss (direitos dos trabalhadores), ou do art. 71.º (cidadãos portadores de deficiência). Quanto às
pessoas coletivas (art. 12º, n.º 2) estas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis
com a sua natureza. Tal significa que as pessoas coletivas gozam de direitos fundamentais que não
pressuponham características intrínsecas ou naturais do homem.

‣ Artigo 13º – princípio da igualdade

Segundo alguns autores é uma exigência que já decorre do princípio do Estado de Direito (em
sentido material, isto é, como um Estado comprometido com a realização da justiça). A inserção do
princípio nesta parte da CRP significa que a garantia de igualdade entre os cidadãos é medular do
próprio sistema constitucional dos direitos fundamentais, que são estruturas de igualdade e não de
privilégios. Tal não implica uma igualdade absoluta, visto que o princípio da igualdade visa apenas
proibir as discriminações arbitrárias irrazoáveis. O princípio da igualdade poderá inclusivamente
justificar tratamentos diferenciados das pessoas quando haja fundamento objetivo para tal
diferenciação.

‣ Artigo 14º – df’s de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro

Estabelece que estes gozam dos direitos que não sejam incompatíveis com a ausência do país. Como
exemplo de um direito que não pode ser gozado por cidadãos portugueses que não residam em
Portugal podemos referir a capacidade eleitoral passiva, na maioria dos atos eleitorais. Já a
capacidade eleitoral ativa poderá ser exercida também por aqueles que residam no estrangeiro, nos
termos previstos na CRP e na lei.

‣ Artigo 15º – princípio da equiparação

Significa que os estrangeiros e apátridas gozam também dos direitos consignados na CRP para os
cidadãos portugueses. Estão apenas excluídos do gozo do leque de direitos que pertencem
exclusivamente a cidadãos portugueses e que estão previstos no n.º 2 deste artigo. Esta disposição
parece dar “carta-branca” ao legislador ordinário para alargar as exceções, reservando aos cidadãos
portugueses quaisquer direitos que entenda. No entanto, tem-se entendido que as exceções a
estabelecer por lei ordinária àquela regra não são livres, devendo as leis que eventualmente
reservem direitos deste tipo para cidadãos portugueses ser consideradas verdadeiras leis
restritivas e sujeitas às condições de legitimidade estabelecidas no artigo 18.º. Os restantes
números (3, 4 e 5) do art. 15.º consagram exceções às exceções.

(Sobre a interpretação que o Tribunal Constitucional tem feito do sentido e alcance desta norma, ver
Ana Luísa Pinto e Mariana Canotilho, “O Tratamento dos Estrangeiros e das Minorias na
Jurisprudência Constitucional Portuguesa”, em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel
Cardoso da Costa, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 231- 248)

3. O regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

Vimos que a CRP estabelece uma dicotomia entre direitos, liberdades e garantias e direitos
económicos sociais e culturais. Vimos também que essa distinção não é meramente teórica, tendo
consequências no regime aplicável aos diferentes direitos. Independentemente da bondade desta
diferenciação (que já vimos que é contestada), vamos ver qual o regime estabelecido pela CRP
para os DLGs e que visa proteger, com especial intensidade, estes direitos.

Dentro do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, podemos distinguir entre: um
regime material, um regime orgânico e um regime de revisão constitucional.

Regime material

O regime material específico está essencialmente previsto no artigo 18.º da CRP (embora haja
também outras disposições constitucionais que atribuem um regime mais protetor a estes
direitos, como é o caso dos arts. 19º, 20º, nº 5, 21º, 22º e 272º, nº3).

‣ Aplicabilidade direta (18.º, n.º 1)

Os DLGs são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. Assim, este regime
material específico consubstancia-se na aplicabilidade imediata, o que significa que os preceitos
constitucionais vinculam todos os órgãos ou agentes do poder sem necessidade de mediação
legislativa.

No entanto, a aplicabilidade direta das normas consagradoras de DLGs não implica sempre a
transformação automática destes em direitos concretos e definitivos. É preciso distinguir consoante as
normas de DLGs sejam ou não exequíveis por si mesmas. Se ela for exequível por si mesma, ela pode
ser imediatamente invocada, ainda que haja falta ou insuficiência de lei. Pelo contrário, se a norma não
for exequível por si mesma (ex.: art. 26º, n.º 2), o sentido a atribuir ao art. 18.º é o de que o legislador
está vinculado a editar as medidas legislativas necessárias, não tendo o poder de apreciação quanto á
oportunidade de legislar. A falta dessas medidas implica uma inconstitucionalidade por omissão,
sujeita ao regime de controlo do artigo 283º.

(Ver, sobre esta matéria da aplicabilidade direta, em particular, Vieira de Andrade, Os Direitos
Fundamentais, p. 191-205).

‣ Vinculação de entidades públicas

Por outro lado, o art. 18.º estabelece a vinculação das entidades públicas e privadas aos direitos,
liberdades e garantias. Segundo esta disposição os DLGS obrigam tanto entidades públicas como
entidades privadas. Nas entidades públicas abrangem-se os órgãos legislativos, jurisdicionais e toda
AP, estendendo-se este imperativo de respeito pelos DLGs mesmo a poderes que não sejam estaduais,
mas exercidos através de pessoas coletivas públicas, como autarquias, universidades, ou outras.

O legislador também está vinculado aos direitos fundamentais – “são as leis que gravitam à volta dos
direitos fundamentais e não os direitos fundamentais que gravitam à volta das leis” (Krűger). No
entanto, o legislador tem um papel essencial na proteção dos direitos fundamentais, através de leis
que podem ampliar, ordenar e concretizar o gozo e o exercício de direitos fundamentais. Tem
também um papel mais ingrato, que é o de intervir antecipando conflitos entre os direitos
fundamentais ou entre estes e bens comunitários essenciais através de leis que restringem DLGs. Os
termos concretos desta vinculação específica estão previstos nos números 2 e 3 do artigo 18º.

‣ Vinculação do poder judicial aos direitos, liberdades e garantias

O papel dos juízes na proteção dos direitos fundamentais, como amigos das liberdades do cidadão,
obriga os tribunais a uma vinculação estrita em matéria de DLGs. Esta vinculação impõe-lhes uma
atuação particularmente célere nos processos em que estão em causa, de modo mais flagrante, direitos
fundamentais – em particular naqueles em que há lesão iminente de bens jurídicos fundamentais
(quando há arguidos presos, quando se trata de um recurso perante o TC em que estão em causa DLGs,
quando se requer uma providência cautelar para defesa de DLGs – sobre isto, veremos, mais à frente,
concretizações legais específicas destas exigências).

Na substância das suas decisões, o dever de interpretar normas em conformidade com a CRP e de
recusar a aplicação de normas que com não se conformam com a CRP tem uma expressão mais intensa
quando se trata de normas relativas a DLGs.

‣ Vinculação da Administração

A vinculação das entidades administrativas às normas de DLGs, prevista no art. 18º/1 e reforçada no
art. 266º da CRP, significa que a Administração:

 tem o dever de interpretar a lei em conformidade com as normas de DLGs,

 tem o dever de quando atua em domínios de discricionariedade, respeitar os DLGs e assumi-los


como parâmetros decisivos para o preenchimento dos espaços livres de pré-determinação
legislativa (devendo o cumprimento deste dever ser objeto de controlo judicial)
 e pode ter ainda o dever, em circunstâncias excecionais e muito limitadas, de recusar a aplicação de
normas com fundamento na violação de DLGs.

(Ver sobre esta matéria, André Salgado de Matos, A Fiscalização Administrativa da


Constitucionalidade, Almedina, 2004, 215 e seguintes.)

3.1. as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias

Restrições = uma ação que afeta desvantajosamente o conteúdo de um direito fundamental, ou


seja, a restrição implica um enfraquecimento do âmbito de proteção do direito.

Por que é que o legislador precisa de restringir direitos fundamentais?

 os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados.

 a necessidade de coexistência de diversos direitos fundamentais titulados por vários


sujeitos cria a necessidade de intervenções legislativas que vão limitar o “espaço” que se
poderia considerar protegido por uma liberdade ou um direito fundamental.

 essa atuação legislativa permite ao legislador interferir no espaço de liberdade de cada um,
regulando-o, daí que a CRP crie um conjunto de requisitos, de “cautelas” que devem ser
verificadas sempre que estejamos perante leis restritivas de DLGs

Antes, porém, de estudarmos quais são esses requisitos, convém entendermos melhor o que são
leis restritivas, começando por enfrentar o problema da determinação do âmbito de proteção dos
direitos.

Determinação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais.

Só estamos perante uma lei restritiva quando: esta comprime o âmbito de proteção do direito, tal
como ele resulta da norma (ou das normas) que o consagram.

A determinação do âmbito de proteção é, pois, uma tarefa prévia essencial para que se possa
concluir quanto à verificação ou não de uma restrição. Há duas formas de circunscrever o âmbito
de proteção:

 uma é a teoria do âmbito de proteção alargado

Segundo estas teorias, o âmbito de proteção deve ser definido, abrangendo o mais amplo e
completo conjunto de manifestações possíveis do direito fundamental. Não cabe ao
intérprete excluir prima facie do âmbito de proteção do direito situações que estão dentro
das margens semânticas da norma, cujos pressupostos devem ser amplamente
interpretados (posição defendida por Robert Alexy).

 e outra é a teoria de âmbito de proteção estreito.


Aqui, deve tentar afastar-se ab initio do âmbito de proteção do direito as manifestações
meramente aparentes do direito. Nem tudo o que cabe nas “margens semânticas” da norma
que consagra o direito fundamental constitui uma conduta protegida enquanto
manifestação desse direito. Ao intérprete cabe a tarefa de identificar os limites dessa
garantia, atendendo ao sentido e ao alcance da norma constitucional e às condutas que se
devem considerar efetivamente como alvo de proteção.

_Também na doutrina portuguesa estas posições se confrontam.

Como é fácil de compreender, as teorias do âmbito de proteção alargada potenciam os conflitos


entre direitos fundamentais enquanto as teorias estreitas os limitam.

Jorge Reis Novais defende que na delimitação do âmbito de proteção do direito deve excluir-se
apenas aquilo que, com toda a evidência, não pode ser considerado pela consciência jurídica
própria de Estado de Direito como exercício jusfundamentalmente protegido – comportamentos
que apresentem intolerável danosidade social ou sejam radicalmente incompatíveis com os
requisitos mínimos da vida em comunidade e que, por isso, suscitam reprovação social e jurídica
consensuais.

Requisitos das leis restritivas

Quais são as condições que a CRP estabelece para a restrição de DLG?

A nossa Constituição prevê, nos números 2 e 3 do artigo 18º seis requisitos substanciais para a
restrição legal de direitos, liberdades e garantias:

 previsão constitucional expressa;

 restrição justificada pela necessidade de proteção de bens constitucionalmente relevantes;

 respeito pelo princípio da proporcionalidade;

 necessidade de as restrições terem carácter geral e abstrato;

 carácter prospetivo (eficácia projetada no futuro) das restrições;

 respeito pelo conteúdo essencial dos direitos.

Grande parte da doutrina tem uma posição crítica quanto ao primeiro e ao último requisitos
constitucionais, tendendo a desvalorizá-los ou a contorná-los.

‣ Previsão constitucional expressa

O art. 18.º, n.º 2 estabelece uma exigência de previsão constitucional expressa da respetiva restrição.
Ora esta exigência constitucional coloca uma série de problemas, uma vez que há muitos preceitos
constitucionais que não preveem expressamente restrições legislativas. (ex: direito à vida, à
integridade pessoal e outros direitos pessoais - arts. 24.º a 26.º, liberdade de aprender e de ensinar -
art. 43.º, direitos de deslocação e emigração - art. 44.º, direito de reunião e manifestação - art. 45.º,
etc.)

A doutrina tem procurado diferentes vias para contornar este requisito de previsão constitucional
expressa da possibilidade de restrição, seja através da ideia de limites imanentes, da existência de
restrições implícitas ou ainda do apelo ao art. 29.º da DUDH.

Jorge Reis Novais, cuja tese de doutoramento trata precisamente o problema das restrições não
expressamente previstas na Constituição, considera, por seu lado, que a consagração constitucional de
um direito fundamental sem a simultânea previsão da possibilidade da sua restrição não deve
constituir qualquer indicação definitiva sobre a sua limitabilidade. Segundo este autor, “[t]omado a
sério, o limite do n.º 2 do artigo 18.º CRP significaria serem inconstitucionais hipotéticas normas
ordinárias que, por exemplo, possibilitassem à Administração impor medidas de vacinação obrigatória
em caso de epidemia (por violação do art. 25.º, n.º 1), que permitissem a um corpo policial ou de
bombeiros entrar, sem autorização, no domicílio de alguém em caso de incêndio (por violação do art.
34.º) ou que proibissem um culto religioso que envolvesse a prática de crimes (por violação do art.
41.º, n.º 1) (…).”

Assim, partindo da natureza principiológica da generalidade das normas constitucionais de direitos


fundamentais, o Autor entende que estas consagram garantias subordinadas a uma reserva geral
imanente de ponderação ou necessidade de compatibilização com valores, bens ou interesses dignos
de proteção.

O reconhecimento de uma reserva geral imanente de ponderação despe de todo e qualquer sentido útil
o requisito da necessidade de previsão constitucional expressa, pois onde a Constituição preveja,
implícita ou explicitamente, a necessidade de restrição, já o legislador estava autorizado a restringir
com base naquela reserva.

‣ Necessidade de salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente


protegidos

Por outro lado, a restrição só se pode justificar para a salvaguarda de um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido: o interesse que se visa acautelar tem que ter suficiente e adequada
expressão no texto constitucional (ex: defesa nacional, a segurança interna, ordem pública, etc.). O fim
que se visa com a restrição de um bem jurídico fundamental tem de ter dignidade constitucional, sob
pena de a restrição ser ilegítima, injustificada.

‣ Princípio da proporcionalidade

Não basta, no entanto, que haja outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos a
garantir. É ainda exigido que a restrição se limite ao necessário para salvaguardar esses outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos, nos termos do artigo 18º, número 2. Está aqui em causa
o princípio da proporcionalidade, que obriga a que entre o conteúdo de uma decisão estadual e o fim
que ela prossegue haja um equilíbrio.
Podemos distinguir três critérios no seio do princípio da proporcionalidade: a idoneidade, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido restrito.

O princípio da idoneidade ou adequação obriga a que se tenha em conta se um dado meio é apto para a
realização do fim em vista. O que se requer é um juízo de razoabilidade, bastando provar que
razoavelmente, em circunstâncias normais, o meio escolhido é apto para alcançar o fim de interesse
público que justifica a medida estadual.

Quanto ao princípio da necessidade, trata-se de apreciar se não existe outra medida menos gravosa
capaz de assegurar o objetivo com o mesmo grau de eficácia. O que se pretende avaliar é se não haverá
outro meio igualmente apto para a prossecução do fim mas que seja menos oneroso para os direitos
fundamentais.

Finalmente, na proporcionalidade em sentido restrito, deve aferir-se se a medida adotada é equilibrada


no sentido de as desvantagens dela decorrentes não serem superiores aos benefícios que se poderão
alcançar.

‣ Necessidade de as restrições terem carácter geral e abstrato

O art. 18.º, n.º 3 exige ainda que as restrições de direitos, liberdades e garantias têm de revestir
carácter geral e abstrato. Ou seja, as normas que as preveem têm de ter como destinatários um número
indeterminado ou indeterminável de pessoas e devem aplicar-se a um número indeterminado ou
indeterminável de situações.

‣ Não podem ter carácter retroativo

Esta exigência visa tornar claro que, se a possibilidade de leis retroativas – sempre indesejável num
Estado de Direito, preocupado em garantir e respeitar a segurança jurídica dos cidadãos – não é
sempre inconstitucional, em matéria de restrições a direitos, liberdades e garantias, é inadmissível. Ou
seja, não deve haver aqui margem de ponderação no sentido de perceber se o fim que legitima a
restrição sobreleva as expectativas juridicamente protegidas. Se essas expectativas se referem a
direitos, liberdades e garantias, estas devem sempre prevalecer.

‣ Respeito pelo conteúdo essencial

Teorias absolutas: defendem que o Teorias relativas: que reconduzem o


conteúdo essencial é o núcleo intocável de requisito do conteúdo essencial ao princípio
cada direito fundamental e que é da proporcionalidade.
independente da colisão de interesses
verificada no caso concreto.

Então: deve o conteúdo essencial proteger a posição subjetiva do titular do direito fundamental
afetado (teoria subjectiva), ou o preceito constitucional enquanto norma referida a valores, a bens
jurídicos como tal considerados (teoria objectiva)?

Perante estas dificuldades, Jorge Reis Novais considera que a garantia do conteúdo essencial não
desempenha, hoje, qualquer papel autónomo significativo nem desenvolve qualquer efeito jurídico
efetivo enquanto limite aos limites dos direitos fundamentais e, consequentemente, para a limitação
dos poderes de restrição dos direitos fundamentais.

Este requisito em particular do conteúdo essencial está presente também noutras Constituições e
consta atualmente de modo expresso do artigo 52º, número 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia, ao lado dos requisitos do princípio da proporcionalidade. Donde se deve atentar no
facto de, também ao nível da União, se fazer uma consideração autónoma do requisito do respeito pelo
conteúdo essencial.

Regime orgânico

A matéria dos DLGs está sujeita a reserva de lei num duplo sentido material e formal. Por um lado,
só a lei pode intervir na esfera reservada e protegida pelos direitos fundamentais. Por outro lado,
só o Parlamento pode legislar em matéria de DLGs. Estes fazem parte da reserva relativa da
Assembleia da República, o que está previsto no art. 165º, n.º 1, alínea b) da Constituição. Há, no
entanto, determinadas matérias relativas a DLGs que estão abrangidas pela reserva absoluta da
Assembleia da República. É o caso das alíneas a),b),c),e),h),i),j),l),m) e o) do art. 164º.

Regime da revisão constitucional

Finalmente, a alínea d) do art. 288.º da CRP integra os DLGs como limites materiais de revisão
constitucional. No entanto, tal não significa que não se possa alterar de forma alguma a parte da
Constituição que os consagra. Não são os preceitos constitucionais em si que são irrevisíveis, mas
o sentido dos princípios ou normas que visam proteger (p. ex., as alterações introduzidas por
revisão constitucional nos artigos 33º e 34º, admitindo a extradição de nacionais em situações
excecionais e admitindo a entrada no domicílio durante a noite para repressão de criminalidade
grave).

O regime específico e os direitos de natureza análoga a direitos, liberdade e


garantias

Em que termos é que os direitos previstos noutros lugares da CRP, na lei e em normas
internacionais aplicáveis que sejam análogos (por natureza) aos direitos enumerados no Título II,
Parte I da CRP, são equiparados, a DLG, nos termos do artigo 17.º?

 Quanto aos direitos análogos constantes do Título I, Parte I da CRP (ex: direito de acesso a
tribunal; direito de resistência, etc.): ficam sujeitos ao regime jurídico dos DLGs na sua
plenitude.

 Quanto aos demais direitos análogos (extraconstitucionais) podemos encontrar


diferentes posições na doutrina:
 Jorge Miranda e Casalta Nabais entendem que só o regime material é que deve ser
aplicado.

 Gomes Canotilho, Bacelar Gouveia e Vieira de Andrade, por seu lado, consideram
que também se deve aplicar o regime orgânico, sendo que este último Autor
defende ainda que o regime de revisão se deve aplicar, na medida em que não se
deve inserir na CRP nenhum preceito que vá contra o direito em causa.

 Sérvulo Correia considera que os direitos fundamentais análogos de carácter formal


(direitos que se encontram na CRP, mas que não estão no Título II da Parte I da CRP)
devem estar não apenas submetidos ao regime material, mas também ao regime
orgânico e ao regime de revisão constitucional dos DLGs. Já quanto aos direitos
fundamentais análogos previstos na lei e nas normas internacionais entende que
não incidem sobre eles, por natureza, os limites de revisão constitucional. Por outro
lado, considera ainda que não faz sentido a sujeição destes direitos análogos à
reserva de Parlamento.

Colisão entre direitos, liberdades e garantias

Para além das situações de previsão abstrata de conflitos resolvidos através de restrição
legislativa, subsistem ainda muitas situações de colisão entre direitos fundamentais – situações
em que o direito fundamental de A colide com outro direito fundamental de B. Essa colisão pode
ser mais ou menos intensa consoante afete faculdades mais ou menos nucleares dos direitos
fundamentais em causa.

Para estas situações não dispomos à partida de uma hierarquia entre os direitos fundamentais,
que nos autorize a sacrificar direitos menos fundamentais do que os outros que pretendemos
salvaguardar.

Devemos partir sempre de uma ideia de igual valor dos direitos fundamentais em conflito e
formular juízos de ponderação entre os bens constitucionais em conflito tentando encontrar para
a situação concreta uma solução adequada, equilibrada e razoável – o que nos remete para a
aplicação do princípio da proporcionalidade. Os direitos em conflito hão-se ser sacrificados
apenas na estrita medida do que se revele necessário para permitir a realização do direito
conflituante.

Para se encontrar a solução para o conflito, uma vez que não partimos de uma hierarquia abstrata,
temos de atender às circunstâncias concretas do caso, selecionando quais os elementos que devem
ser relevantes para o juízo de ponderação que se impõe.
3.2. o regime de exceção constitucional

O elemento que se segue é um aspeto do regime das DLGs, que é a possibilidade de restringir os
DLGs em situações excecionais. Em 1976 previram que para além de conceder ao legislador a
possibilidade de restringir DLGs para conciliar os direitos individuais e gerais poderiam ocorrer
situações onde teria de ser adotado um regime excecional que deveria de passar pelos estados da
exceção constitucional (art. 19 CRP nº1 e nº2):

1º-Hipotese: Agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras

2º Hipótese: Possibilidade de grave ameaça a ordem constitucional democrática, ex: golpes de


estado

3º Hipótese: Calamidade pública (ex.: terramoto)


O que é a suspensão? Distingue-se da figura da restrição na medida em que, a suspensão pode ser
total ou parcial. A nossa constituição obriga a que o máximo de período de suspensão a ser
decretado é de 15 dias art. 19 nº5.
Vieira de andrade diz que a suspensão parcial não totalmente diferente da restrição. Só será
diferente se for totalmente proibido. Isto significaria que durante este período o direito de
manifestação estaria proibido.
A suspensão de DLG’s tem um procedimento próprio, o PR pode faze-lo conforme o art. 134º al. d)
e art. 138º . Envolve o governo que tem de ser ouvido e vai executar qualquer medida, o AR
permite ao PR emitir o decreto de estado de sitio.
A nossa CRP tem um conjunto de exigências do ponto de vista material, art. 19º diz que estas
exigências passam essencialmente por: Principio da proporcionalidade e identificação de direitos
insuscetíveis de suspensão.
Principio da Proporcionalidade- art. 19º nº3, 4, 5.
Identificação de direitos insuscetíveis de suspensão- art. 19 nº6
Ultimo elemento de restrição dos DLG’s- art. 288º al. d)- limites materiais de revisão

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