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O processo de consolidação dos direitos humanos no plano internacional - Herta Rani Teles Santos

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1 de Maio de 2023

O processo de consolidação dos


direitos humanos no plano
internacional - Herta Rani Teles
Santos
Publicado por Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes há 13 anos  10,6K visualizações

Como citar este artigo: SANTOS, Herta Rani Teles. O processo


de consolidação dos direitos humanos no plano internacional.
Disponível em http://www.lfg.com.br - 15 de julho de 2010.

O PROCESSO DE CONSOLIDAÇAO DOS DIREITOS HU-


MANOS NO PLANO INTERNACIONAL

I. Introdução

O Direito Internacional dos Direitos Humanos, tal como conso-


lidado atualmente, é o resultado direto de uma sequência histó-
rica dirigida à proteção dos direitos e liberdades do indivíduo.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode ser definido


atualmente como um conjunto de normas e princípios que re-
gem a cooperação institucionalizada dos Estados para a defesa
dos direitos e liberdades do ser humano. Direitos estes conside-
rados pela comunidade internacional como um relevante valor a
proteger.

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Os direitos humanos, em seu sentido mais restrito, podem ser
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definidos como as faculdades atribuídas a pessoas ou a grupos
sociais para a garantia de suas necessidades em relação à vida,
liberdade, igualdade, participação política ou social ou qualquer
outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral
do ser humano como pessoa, exigindo o respeito a estes direitos
pelos demais homens da sociedade, grupos sociais ou Estados.

A ideia de direitos humanos está intrinsecamente relacionada


ao nascimento da instituição dos Estados. Afinal, uma das prin-
cipais razões do surgimento de tal ramo do direito foi a cres-
cente necessidade de se limitar o poder absoluto dos Estados.
Adicione-se a isso o fato de alguns desses direitos requererem a
atuação estatal para serem efetivados.

II. Avanços históricos

A) Século III antes de Cristo

Até o século III antes de Cristo não existia uma teoria dos direi-
tos humanos como ela se apresenta nos dias atuais, mas poder-
se-ia indicar dois antecedentes históricos: as referências filosó-
fico-jurídicas e o componente axiológico que seria o Código de
Hamurabi, uma das primeiras normas a introduzirem o con-
ceito de legalidade.

B) Idade Média

A partir do século XV faz-se referência a um conjunto de nor-


mas que reconheceram direitos aos particulares, embora elas
não assegurassem a universalização de tais garantias. Eram nor-
mas de caráter contratual. Tratava-se de pactos entre senhores
feudais e seus súditos e, portanto, restritos a eles. Não existia
ainda á época um direito amplo que abrangesse uma coletivi-
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dade de indivíduos, razão pela qual não se podia falar em direi-
tos humanos tal como reconhecidos hoje em dia.

Esses antigos contratos exigiam intercâmbio de prestações entre


os senhores feudais e seus trabalhadores; e os direitos humanos
são justamente o contrário: atribuem direitos às pessoas, sim-
plesmente pelo mero fato de serem pessoas humanas, não im-
plicando nenhum tipo de contraprestação obrigacional.

Outra característica que distingue esses pactos das garantias


atuais trazidas pelos direitos humanos é o fato das antigas cláu-
sulas consolidarem privilégios para certos setores sociais como
a nobreza e os cidadãos livres. Pode-se destacar entre esses di-
plomas normativos a Carta Humana Inglesa (1215) ou a Carta
Leonina dirigida a certas partes da sociedade e aos homens li-
vres. A Carta Inglesa reconhece o Direito à Propriedade e tam-
bém à proibição da pessoa ser presa sem mandato judicial a jus-
tificar tal detenção (antecedente do habeas corpus). A Carta Le-
onina incorporou um nível de proteção de direitos equivalente
ao da Carta Magna Inglesa, introduzindo, inclusive, o mandado
que proíbe a tortura nos interrogatórios. Cuida-se de um sis-
tema que estabelece uma regularidade precária apesar de intro-
duzir o princípio da segurança jurídica.

C) Antecedentes próximos

A partir do século XVI começam a surgir novos enfoques de ca-


ráter filosófico que permitem um avanço na teoria dos direitos
humanos.

Começam a acontecer mudanças sociais como o nascimento da


burguesia como classe social hegemônica. A sociedade passa a
ser centralizada no indivíduo e o indivíduo é o que raciocina e
compreende o mundo.
Surge o liberalismo como um novo modo de atuação política.
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Ele parte da teoria de que existem direitos próprios que não es-
tão submetidos à arbitrariedade do monarca. Trata-se da ideia
de o absolutista não ter poder absoluto. O poder dele, então, po-
deria ser, então, relativizado pelos direitos dos indivíduos en-
quanto pessoas humanas. Em termos normativos, essas mudan-
ças se traduzem em três tipos de normas que no século XVII in-
corporam antecedentes mais próximos à positivação da teoria
dos direitos humanos.

A primeira seria o Direito dos Índios. Com o descobrimento das


Américas, surge na Espanha a polêmica a respeito da natureza
do povo indígena. Discutia-se se os índios seriam seres huma-
nos ou não. Foi um debate que deu lugar ao jusnaturalismo es-
panhol e ao desenvolvimento do direito internacional na Espa-
nha. A postura consolidada é a que reconhece alguns direitos a
estes povos. Assim, paulatinamente, direitos individuais são as-
segurados aos povos indígenas.

Posteriormente, poder-se-ia citar as normas relativas ao direito


da tolerância, em relação ao aspecto religioso. A Europa no sé-
culo XVI foi afetada pelas guerras religiosas: cristãs e protestan-
tes. Para acabar com estes conflitos religiosos foi necessário es-
tabelecer alguns acordos em relação á tolerância. O Direito à to-
lerância surge da polêmica que apareceu a partir do século XV
na Europa medieval entre os protestantes e os católicos. Depois
das guerras de cunho religioso na Europa no século XVI, re-
solve-se permitir a livre determinação religiosa. Esta possibili-
dade de liberdade religiosa se encontra na Acta de Meriland so-
bre liberdade religiosa (1646).

Por fim, têm-se as normas que foram aprovadas nas revoluções


burguesas da Grã-Bretanha, ao longo do século XVII. Nesse
contexto surgiram sucessivas normas que introduziram elemen-
tos importantes para o processo de positivação dos direitos
humanos.
Há três instrumentos que são considerados os mais relevantes:
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A Petição de Direitos de 1628, o Ato Habeas Corpus de 1678 e a
Declaração de Direitos de 1689.

A Petição de Direitos de 1628 incide basicamente na defesa de


direitos de caráter patrimonial. Veda-se que o Poder Executivo
confisque arbitrariamente o direito dos particulares. Seria ne-
cessário, então, ser estipulado um critério de razoabilidade para
respaldar tal ação.

O ato Habeas Corpus estipula uma garantia processual segundo


a qual não se pode deter um indivíduo ou mantê-lo à disposição
da autoridade judicial antes de vinte dias. A pessoa pode ser de-
tida, já que há uma acusação de direito contra ela, mas se im-
pede que este poder de prender determinado indivíduo seja ar-
bitrário. Então se estipula um prazo. Esse ato e os direitos a ele
conexos já tinham precedentes na Idade Média, como restou ex-
plicitado alhures. Não existiam, no entanto, instrumentos que
assegurassem isso a todos os cidadãos.

Quanto à declaração de Direitos de 1689, trata-se de uma regu-


larização pormenorizada do que foi recolhido na petição de
1628.

No final do século XVIII e já no início da Idade Contemporânea,


há um salto qualitativo no reconhecimento desses direitos.
Surge em 1776 a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia e
em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Es-
ses aparatos possuem outra significação. Trazem em seu bojo
direitos que pertencem a todos os seres humanos independente-
mente do estado em que se encontrem.

A partir de então, inicia-se um processo de desenvolvimento da


teoria dos direitos humanos com a incorporação de normas jurí-
dicas obrigatórias.
O processo de positivação dos direitos humanos continua ao
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longo do século XIX, no entanto a ampliação do âmbito material
não se produzirá até o começo do século XX. As primeiras cons-
tituições nacionais a incorporarem novos direitos referentes à
pessoa humana incorporados em suas disposições são: a Consti-
tuição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.

A Constituição Mexicana assegurou a proteção dos direitos e ga-


rantias individuais, os direitos econômicos, sociais e culturais,
bem como outros direitos relativos à proteção dos direitos da
coletividade (direito de associação, de greve, direito ao traba-
lho). O catálogo de direitos humanos é ampliado e o processo
continua.

A Constituição de Weimar dedicou o seu livro II inteiramente


aos Direitos Humanos e Fundamentais do Cidadão.

Alguns autores sustentam que se existisse um sistema que efeti-


vamente garantisse esses direitos internacionalmente, provavel-
mente não ocorreriam guerras mundiais.

Na última etapa é estabelecido um sistema de garantia interna-


cional para salvaguardar os direitos humanos.

III. Processo de positivação internacional dos Direitos


Humanos

A positivação em bloco dos direitos humanos só ocorre definiti-


vamente a partir de 1945, devido às consequências geradas após
a segunda Guerra Mundial.

Um março desse processo de positivação é a elaboração da


Carta das Nações Unidas assinada em São Francisco no ano de
1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre
Organização Internacional, a qual entra em vigor em 24 de ou-
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tubro daquele mesmo ano.

A Carta consolida, ainda que de forma incipiente, os Direitos


Humanos, pois apesar de não haver uma enumeração taxativa
dos direitos fundamentais, esses tem presença marcante no re-
ferido diploma normativo.

A Carta das Nações Unidas é resultado de uma organização res-


trita arquitetada pelas potencias vencedoras da Segunda Guerra
Mundial, mediante um processo de negociação iniciado no final
de 1944 entre as nações hegemônicas.

Na redação desse diploma não foi feita referência explícita a di-


reitos humanos. A Carta se centralizou especificamente na ma-
nutenção da paz e da segurança internacional.

É importante trazer à lume que, durante o processo de redação


final da Carta da ONU, incidiam duas forças: as das organiza-
ções não governamentais dos EUA, que objetivavam a incorpo-
ração de matérias de direitos humanos à Carta, e as do bloco
dos países que resistiam à incorporação destes direitos pela
Carta.

As maiores resistências à indexação dos Direitos Humanos na


Carta emanavam das grandes potências. Como exemplo, poder-
se-ia citar a União Soviética que desrespeitava a liberdade de as-
sociação e de expressão; ou então os Estados Unidos que prati-
cavam descriminação racial e vulneravam os direitos humanos.
Havia ainda a França e a Grã-Bretanha; ambas possuíam impé-
rios coloniais e, portanto, não respeitavam o princípio da livre
determinação dos povos.
Além disso, as distintas concepções defendidas por cada um dos
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países entraram em choque no momento de definir os direitos
humanos.

Na redação final da Carta poucas disposições sobre direitos hu-


manos foram incorporadas. Além disso, ela não define nem es-
tabelece mecanismos de proteção para aludidas garantias.

Na Carta da ONU, as regularizações que se fazem dos Direitos


Humanos se encontram no Preâmbulo, nos artigos 1, 13, 55, 56,
62 e 68.

O Preâmbulo reafirma a fé nos direitos fundamentais do ho-


mem. É uma referência de caráter genérico apenas, apesar de o
preâmbulo possuir um valor interpretativo.

O artigo primeiro relaciona os propósitos da ONU, o artigo 13


estipula as competências da Assembleia Geral das Nações Uni-
das. A discriminação é o único dos direitos humanos materiali-
zado na prática.

O artigo 55 fixa as competências da ONU em matéria de direitos


humanos.

O artigo 56, por sua vez, elenca as competências dos Estados


membros da ONU em matéria de direitos Humanos. Os países
obrigam-se, dessa forma, a adotar medidas para o respeito dos
Direitos Humanos.

Já as competências do Conselho Econômico e Social são fixadas


pelo artigo 62.

O artigo 68 permite ao Conselho Econômico e Social criar ór-


gãos subsidiários para desempenhar suas funções. Este artigo
serve de base para que, em 1946, este Conselho crie a Comissão
de Direitos Humanos.
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Como resultado de todo esse processo, há uma ruptura no prin-


cípio de que só os Estados seriam sujeitos de Direito Internacio-
nal. Passa-se a entender, a partir de então, os indivíduos como
sujeitos plenos de Direito Internacional.

Vale consignar, todavia, que esse reconhecimento, entretanto, é


condicionado a alguns temperamentos.

IV. Conclusões finais

Ao longo dos anos, houve uma evolução considerável do direito


internacional dos direitos humanos, eis que juntamente com o
reconhecimento internacional, houve o interno, no âmbito de
cada país. Isso contribuiu sobremaneira para a solidificação e o
fortalecimento da proteção da pessoa humana no âmbito
internacional.

Constata-se, entretanto, que a consolidação do direito internaci-


onal dos direitos humanos só ocorreu efetivamente após a se-
gunda guerra mundial. Isto porque o elevado número de vítimas
da época, assim como as consequências desastrosas do conflito
que envolveu o maior número de nações até então evidenciaram
a necessidade de se criar mecanismos eficientes para a proteção
dos direitos humanos no plano internacional.

Note-se que apesar da positivação do direito internacional dos


direitos humanos e da implantação dos correspondentes instru-
mentos de defesa, atualmente ainda são encontrados vários fo-
cos de violação desses direitos fundamentais, o que torna duvi-
dosa a real eficácia dessas normas.
Urge, então, fortalecer e cristalizar os mecanismos internacio-
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nais de proteção da pessoa humana para que as frequentes vio-
lações a estes direitos fundamentais sejam severamente punidas
e diminuam. Assim as normas internacionais protetoras dos di-
reitos humanos passarão a ser consideradas verdadeiramente
eficientes e eficazes.

V. Referências Bibliográficas

CASTILLO, Mireya. Derecho Internacional de los Dere-


chos Humanos . Valencia: Tirant to blanch, 2003.

FERNÁNDEZ DE CASADEVANTE, Carlos (coord.). Derecho


Internacional de los Derechos Humanos . Madrid: Dilex,
2000.

NIKKEN, P. La Protección internacional de los Derechos


Humanos. Su desarrollo progressivo . Madrid: Civitas,
1987.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público .


Curso Elementar.São Paulo: Saraiva, 2005.

VILLAN DURAN, Carlos. Curso de Derecho Internacional


de los Derechos Humanos. Madrid: Trotta, 2002.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-processo-de-consolidacao-dos-direitos-


humanos-no-plano-internacional-herta-rani-teles-santos/2283478

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