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Direitos

Fundamentais
1º teste
Carolina Pereira Roriz
Licenciatura em Direito – 2º ano
2022/2023
I. Momento da consagração
1. O Estado como berço da noção de direitos fundamentais
A ideia de que aos seres humanos deve ser reconhecido um estatuto especial, um conjunto de direitos e de deveres
adequados à sua especial natureza foi sendo desenvolvida por diversas correntes filosóficas ao longo da História
das Ideias.
Desde a Antiguidade Clássica que encontramos autores que refletiram sobre valores como a dignidade e a
igualdade, havendo na filosofia clássica importantes afloramentos destas ideias.
O Cristianismo marcou decisivamente a nossa cultura e o modo como nele se manifestam os direitos
fundamentais.
Seria, no entanto, aguardar pelo final do século XVIII para que estas ideias fossem positivadas. É com o Estado
Constitucional e com as Revoluções Americana e Francesa, que se dão as primeiras consagrações globais,
universais e com valor constitucional dos direitos fundamentais.
Em 1776, o primeiro Bill of Rights, do Estado de Virginia, dizia no seu art.º 1º: “Todos os homens são por
natureza igualmente livres e independentes e possuem certos direitos que lhes são imanentes e dos quais quando
entram para o Estado de uma sociedade, não podem ser privados ou despojados.”
Em França foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o marco mais importante para
a afirmação dos direitos fundamentais na Europa continental, que no art.º 16º proclama que “qualquer sociedade
em que a garantia dos direitos não esteja assegurada, nem esteja consagrada a separação de poderes, não tem uma
Constituição”.
Começou assim, em finais do século XVIII, um movimento de positivação dos direitos fundamentais, que fora já
iniciado na Inglaterra há alguns séculos atrás, mas que agora se expande universalmente. A questão filosófica passa
a uma questão jurídica, através das Constituições.
É imperativo referir que os catálogos de direitos norte-americanos são muito diferentes dos das constituições
europeias.
Na tradição americana, os direitos consagrados são, sobretudo, o direito de resistência, direito de voto, liberdade
de imprensa, liberdade religiosa, liberdade de reunião e petição, justa indemnização; direito à reparação, princípio
nulla poena, sine lege, presunção de inocência, etc. As regras do processo penal como direitos humanos são, nesta
altura, uma especificidade americana: julgamento por júri, direito de confronto direto com as testemunhas; direito
a apresentar testemunhas de defesa; direito a não testemunhar contra si próprio; habeas corpus; proibição de penas
cruéis e da dupla pena.
Na França, e por influência em toda a Europa continental, a compreensão dos direitos era muito restrita à tríade
liberdade, segurança e propriedade e, mesmo em relação a estas, o seu âmbito era delimitado pela lei. São os ditos
direitos do Homem burguês.
Para além disso, há também diferenças no que toca ao poder contra o qual se protege o indivíduo. Os direitos
aqui, na tradição europeia continental, são concebidos como escudos de defesa face ao Executivo, ao Rei, à
Administração. Na América, os direitos são concebidos como escudos de defesa face ao legislativo.
Na tradição constitucional do continente, os direitos aparecem secundarizados face ao Direito. A explicação
histórica para isto parece estar no facto de, na Europa continental, o projeto constitucional ter por detrás um
projeto político de desmantelamento de sociedades feudais, em que as situações a que se queria pôr termo estavam
garantidas juridicamente por direitos de índole privada: direitos aos cargos públicos, direitos às prestações feudais
e senhoriais; direitos a posições de privilégio, direitos ao desempenho de funções jurisdicionais. Neste contexto,
um Estado garante de direitos não era desejável. O que se queria, antes, era um Estado em que o predomínio da
vontade do poder, materializada na lei, se impusesse.
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2. A evolução histórica dos direitos fundamentais e a importância
dos sistemas de proteção internacional – regionais e universais
Há 4 etapas sobre as quais se pode especificar a evolução histórica dos Direitos Fundamentais: a sua positivação,
universalização, internacionalização e especificação (Gregorio Peces-Barba).
1. Positivação – Inscrição dos direitos num documento em que se reconhece força jurídica/normativa.

2. Universalização – Após a positivação, ao longo do século XIX e no seu final há um clamor neste sentido.
Levanta-se a ideia de que os direitos que foram levantados para ir contra os privilégios se continuavam a dirigir
a uma determinada classe privilegiada. Faltaria dar a ideia de que os direitos fundamentais são direitos de todos.
Surgem, então, diversos movimentos sociais que vêm exigir que os direitos sejam efetivamente direitos de todos,
conduzindo ao aperfeiçoamento dos catálogos: movimento operário, doutrina social da igreja, movimentos
feministas, lutas pela igualdade racial.
3. Internacionalização – Passagem dos direitos fundamentais de um assunto que era do foro interno para um
assunto de foro internacional.
Apesar de o Estado ser o berço dos direitos fundamentais, não detém o monopólio da defesa destes direitos.
É no século XX que se dá início à internacionalização dos direitos fundamentais. Este corpo de direitos deixa de
se tratar de um mero assunto estadual (“domestic affair”), passando a ser concebido como um tema de interesse
internacional/universal (“international concern”).
Essa transição é motivada, sobretudo, no pós-Segunda Guerra Mundial. A Carta das Nações Unidas, Carta de São
Francisco, de 1945, refere-se à necessidade de os Estados cooperarem na defesa de direitos e liberdades
fundamentais, embora consagre igualmente o princípio de não ingerência nos assuntos internos de cada Estado.
Desde aí, muitos instrumentos internacionais surgiram com o objetivo de reconhecer a nível internacional um
conjunto de direitos humanos, referindo-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
A DUDH não tem força vinculativa, mas impulsionou outros instrumentos internacionais. A partir daí uma série
de instrumentos que tratam de direitos fundamentais autonomamente (discriminação racial, tortura, discriminação
contra as mulheres, direitos da criança, direitos da pessoa com deficiência, etc.) foram adotados sob a égide das
Nações Unidas.
O reconhecimento de direitos fundamentais na cena internacional enfrenta, naturalmente, dificuldades – pela
heterogeneidade cultural que se faz sentir numa organização internacional de vocação universal.
Também por isso, o reconhecimento de direitos humanos no plano internacional não se faz apenas no âmbito da
ONU. Faz-se também através de organizações de âmbito regional. Assim aconteceu também na Europa, em que,
no quadro do Conselho da Europa, logo em 1950, foi aprovada a Convenção Europeia para a Proteção dos
Direitos do Homem e a Salvaguarda de Liberdades Fundamentais.
4. Especificação – Adaptação do conceito de Direitos Fundamentais ao contexto e circunstância das pessoas
em concreto.
A compreensão universalista dos direitos fundamentais esvazia os direitos fundamentais do seu substrato concreto
que é a pessoa com as suas barreiras e problemas concretos.
Progressivamente, surgem convenções e normas que não são com pretensão universal, mas que pretendem atender
à pessoa concretamente situada. Passou a haver diversas categorias abertas de indivíduos, objeto de uma atenção
especifica.
Referem-se as seguintes convenções: Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial; Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres;
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Convenção contra a tortura; Convenção sobre os Direitos da Criança; Convenção sobre os direitos das pessoas
com deficiência.
A questão não é pôr termo à universalidade e fragmentar os direitos fundamentais em várias convenções. A ideia
não é a de criar direitos novos. Há uma aproximação da universalização com a especificação. Esta ideia tem reflexo
nos art.º 69º a 72º da CRP.

Esclarecimento terminológico – direitos humanos ou direitos


fundamentais

Existe, quanto ao objeto desta disciplina uma discussão quanto ao exato significado e alcance dos termos
utilizados para descrever o objeto do seu estudo.
Por um lado, o conceito de direitos humanos é um conceito que foi essencialmente desenvolvido e
usado no plano Internacional. O conceito de Direito Humano está normalmente associado, ao
tratamento dos direitos individuais, do ponto de vista internacional. O conceito de Direitos
Fundamentais está inerentemente ligado ao Direito Constitucional.
O conceito de “direitos humanos” é, frequentemente, utilizado numa aceção mais moral e
internacionalista, convertendo-se numa expressão algo ambígua, podendo referir-se com ela uma
pretensão moral ou um direito subjetivo protegido por uma norma jurídica.
Pelo contrário, o conceito de “direitos fundamentais” é, muitas vezes, usado numa aceção restrita,
pretendendo abranger apenas os direitos reconhecidos numa ordem constitucional concreta e deixando
de fora as outras vias normativas de reconhecimento de direitos.
Pela nossa parte, designamos como direitos fundamentais aqueles que são protegidos por normas
jurídicas de carácter vinculativo – sejam estas de nível internacional, europeu ou estadual.

3. As Gerações de Direitos
Os direitos fundamentais foram objeto de um processo longo de consolidação, primeiro no campo das ideias, da
filosofia, depois nas Constituições dos Estados e mais recentemente no plano internacional.
Este problema do reconhecimento progressivo de direitos fundamentais está ligado a uma metáfora – a metáfora
das gerações. Tal como a história humana se faz pela sucessão de gerações, também a história dos direitos se
poderia contar usando a mesma metáfora.
O uso desta metáfora remonta aos anos 70 do século XX, sendo a sua autoria atribuída a Karel Vasak, que analisou
o processo europeu de reconhecimento progressivo aos direitos fundamentais, associado à metáfora das gerações
a trilogia da Revolução Francesa.

 Direitos de Primeira Geração – direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, associados ao ideal de
Liberdade. Incluir-se-iam a liberdade física, as liberdades intelectuais e espirituais (de pensamento, consciência,
religião, expressão e criação artística).

 Direitos de Segunda Geração – direitos sociais, ao serviço do ideal da Igualdade. Encontraríamos o direito
à saúde, o direito à educação.

 Direitos de Terceira Geração – direitos de solidariedade entre povos e gerações, estavam ao serviço da
Fraternidade. Abrangem o direito dos povos à autodeterminação, o direito ao desenvolvimento e o direito ao
ambiente.
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Esta metáfora foi usada por muitos autores.
Temos a proposta de Vieira de Andrade, em que descobrimos um primeiro grupo de direitos, que coincide com
a que expusemos anteriormente, composta pelos direitos à liberdade, propriedade, reconhecidos como direitos de
defesa do indivíduo perante o Estado, que exigem do Estado uma postura de abstenção perante as pessoas. São
direitos que cumprem uma função de defesa do indivíduo perante os poderes públicos, aos quais corresponde um
status negativus, um dever de abstenção, de não ingerência, de não restrição, de não violação.
Num segundo grupo de direitos, encontraríamos os direitos de participação política, direitos que reconhecem na
pessoa um ser capaz de participar no processo de autodeterminação comunitária, votando, manifestando-se,
reunindo-se, associando-se, sindicalizando-se.
Num terceiro momento, os direitos sociais, direitos que exigem do Estado um conjunto de prestações de serviços
para satisfazer as necessidades individuais. São estruturalmente diferentes dos direitos de defesa, são direitos a
prestações. O Estado aparece como um ente que tem de intervir para garantir direitos fundamentais.
Desde o último quartel do século XX têm surgido diversas correntes que reclamam o reconhecimento de novos
direitos, direitos que se relacionam com a proteção de interesses coletivos e transgeracionais.
Esta compreensão geracional dos direitos não é isenta de críticas, pois indicia que os direitos das novas gerações
se substituem aos da geração anterior, o que não acontece. A evolução do acervo de direitos reconhecidos como
fundamentais tem obedecido a uma lógica de acumulação e não de substituição.
E a cada nova geração não são só novos direitos que se acrescentam aos existentes, mas são também novos
sentidos e novas dimensões que vêm enriquecer o sistema dos direitos fundamentais.
Vieira de Andrade assenta este processo nas ideias de acumulação, variedade e abertura.
Acumulação – cada época formula novos direitos que se vêm somar aos antigos. Os direitos típicos de cada
geração subsistem a par dos da geração seguinte.
Variedade – o leque abre-se e acrescentam-se novas dimensões e sentidos ao sistema, que se torna cada vez mais
complexo e multifuncional.
Abertura – os catálogos nunca são obras acabadas, já que se vão sempre descobrindo novas dimensões aos direitos
pré-existentes e vão-se descobrindo e acrescentando novos direitos.
Neste contexto refere-se o art.º 16º/1 da CRP, que consubstancia uma cláusula aberta. De acordo com esta
“cláusula aberta”, os direitos fundamentais reconhecidos na ordem jurídica portuguesa não são apenas aqueles que
constam do catálogo contido na Parte I da Constituição, mas são também todos os direitos consagrados em
normas de direito internacional ou mesmo na lei a que deva reconhecer dignidade de direitos fundamentais.
Põe-se em questão também se esta abertura dada à acumulação de novos direitos é exagerada –
panjusfundamentalização (excesso de direitos), que pode ter como consequência a banalização dos direitos
fundamentais.

4. As influências recíprocas entre o sistema estadual e os sistemas


supraestaduais de proteção dos direitos humanos
Como tivemos oportunidade de expor, a terceira tendência fundamental pela qual se marca a evolução histórica
dos direitos fundamentais é a internacionalização dos direitos fundamentais. Esta vertente adquire importância
significativa após a Segunda Guerra Mundial.
No pós segunda-guerra mundial há, com a criação da ONU, a assunção que esta organização assume o respeito
pelos direitos humanos como um dos seus objetivos fundamentais.

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O ímpeto à proteção dos direitos humanos no pós-guerra é entendível porque a comunidade internacional como
um todo entendeu que devia atuar conjuntamente no que toca aos direitos fundamentais. Tinha de entender-se
que esta questão merecia a atenção da comunidade internacional.
Surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que não é vinculativa, mas tem uma importância que
transcende essa questão formal. Veio afirmar-se como um marco fundamental na evolução dos diretos
fundamentais, porque pela primeira vez se condensou os direitos fundamentais no plano internacional. É um
catálogo universalizável.

Porém, o processo de consagração dos diretos fundamentais ressentiu-se de distinções decorrentes dos problemas
geopolíticos. Tivemos, durante a Guerra Fria, duas doutrinas de direitos fundamentais em confronto:

 A doutrina ocidental, que valorizava direitos civis e políticos, punha em especial relevo as liberdades cívicas
– como a liberdade religiosa, de pensamento, de consciência e de expressão e desvalorizava os direitos
económicos, sociais e culturais.

 A doutrina socialista, que valorizava os direitos económicos, sociais e culturais, mas defendia que os direitos
fundamentais era matéria de exclusivo interesse doméstico dos Estados na qual nem outros Estados nem
organizações internacionais deveriam poder intervir; defendiam o direito à autodeterminação.
Em consequência desta distinção, temos que na DUDH – encontramos direitos dos dois tipos misturados – mas
nos Pactos Internacionais de 1966 já encontramos o reflexo desta distinção geopolítica e vemos a divisão dos
direitos em dois Pactos: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos
Económicos, Sociais e Culturais.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos prevê a criação de um órgão – Comité dos Direitos Humanos,
que é um treaty monitoring body (entre os treaty-based), ao contrário dos charter-based, que tem o objetivo de
vigiar as partes no sentido de garantir que estas dão os passos certos, monitorando o avanço na realização dos
objetivos a que se comprometeram.
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O pacto internacional de direitos económicos, sociais e culturais não previa nenhum treaty monitoring body,
porque se levava a ideia de não ingerência mais longe. É uma diferença fundamental na conceção dos dois pactos,
que surgiram no mesmo ano – dois falsos gémeos.
Ainda hoje se tenta vencer na Comunidade Internacional o estigma que esta distinção representou. No plano do
direito internacional geral a igualdade e equiparação entre os direitos ainda parece estar longe.

A Constituição portuguesa dispõe de um catálogo de direitos fundamentais extenso, que as diversas revisões
constitucionais têm enriquecido progressivamente e onde estão presentes direitos das diversas “gerações” e
mesmo vários dos chamados “direitos novos”, como o direito ao ambiente (artigo 66º), o direito à fruição cultural
(artigo 78º).
Quando Portugal reconheceu o seu catálogo de direitos estávamos em Guerra Fria, havia os dois pactos
anteriormente referidos. Essa cisão é facilmente reconhecível na nossa Constituição – uma Constituição, dois
sistemas.
Esta distinção parte do entendimento de que os direitos, liberdades e garantias se consubstanciam em direitos de
defesa, de não intervenção, dos particulares face ao Estado, enquanto os direitos económicos, sociais e culturais
são direitos a prestações estaduais positivas.
As normas de direitos fundamentais previstas na CRP dividem-se em normas relativas a direitos, liberdades e
garantias (DLG) (artigos 24º a 57º da CRP) e normas relativas a direitos económicos, sociais e culturais (DESC)
(artigos 58º a 79º da CRP). Dentro das normas relativas a direitos, liberdades e garantias podemos distinguir entre:

 direitos, liberdades e garantias pessoais (artigo 24º a 47º);


 direitos, liberdades e garantias de participação política (artigo 48º a 52º);
 e direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (artigo 53º a 57º).
O catálogo de direitos fundamentais constante da CRP tem também explícita a nota característica de abertura que
acima referimos. Esta encontra-se no artigo 16º da Constituição. De acordo com esta “cláusula aberta”, os direitos
fundamentais reconhecidos na ordem jurídica portuguesa não são apenas aqueles que constam do catálogo contido
na Parte I da Constituição, mas são também todos os direitos consagrados em normas de direito internacional ou
mesmo na lei a que deva reconhecer dignidade de direitos fundamentais.
Assim, além dos direitos fundamentais “em sentido formal” ou tipificados no catálogo, temos ainda direitos
fundamentais dispersos, temos direitos fundamentais extra-constitucionais, de fonte internacional ou legal.
Convém realçar que, na nossa ordem jurídica, a distinção entre DLG e DESC não é meramente teórica, pois, por
um lado, implica o reconhecimento de um regime mais protetor, estabelecido na CRP para os direitos, liberdades
e garantias; por outro lado, também releva na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias (uma
vez que esta se aplica apenas a estes direitos e não já a direitos económicos, sociais e culturais).

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II. Momento da proteção especial: a definição de um
regime particular dos direitos fundamentais
Depois de referidas as circunstâncias em que os direitos fundamentais se afirmam como elementos centrais das
Constituições, do direito internacional e do direito europeu, é chegado o momento de analisar em que é que se
traduz, do ponto de vista substancial, a atribuição a um qualquer direito do adjetivo fundamental.
As Constituições e as jurisdições constitucionais criaram um regime particular para defesa e garantia dos direitos
fundamentais.
Esse regime veio, no entanto, a criar mecanismos de proteção e de defesa dos direitos fundamentais que foram
depois reproduzidos pelas instâncias internacionais que se ocupam da proteção dos direitos fundamentais – em
particular, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sediado em Estrasburgo, que é a instância de proteção
internacional dos direitos fundamentais com a qual as jurisdições constitucionais mais têm dialogado.

1. O sistema constitucional português de proteção direitos


fundamentais

As normas de direitos fundamentais previstas na CRP dividem-se em normas relativas a direitos, liberdades e
garantias (DLG) (artigos 24.º a 57.º da CRP) e normas relativas a direitos económicos, sociais e culturais (DESC)
(artigos 58.º a 79.º da CRP). Esta distinção marca de modo acentuado o regime aplicável aos direitos fundamentais,
tendo, portanto, consequências práticas significativas.

Tem havido alguma contestação a esta separação estabelecida na Constituição. Jorge Reis Novais tece várias
críticas à consagração de regimes diferenciados para os DLG e DESC: considera que a ideia de hierarquização
dentro dos direitos fundamentais, com a superioridade dos DLG (regime de proteção mais reforçado), é contrária
à ideia de DF em Estado de Direito e não é compatível com a vivência prática destes direitos.

Procura-se justificar a consagração constitucional desse regime privilegiado no facto de estes direitos terem uma
relação mais próxima com princípios nucleares do Estado de Direito (dignidade da pessoa humana, a autonomia
ou autodeterminação pessoal). Reis Novais considera esta tentativa infundada: não há razões objetivas que a
sustentem. Assim sendo, Jorge Reis Novais defende a aplicação de uma dogmática unitária extensível a todos os
direitos fundamentais.

A CRP acrescentou uma norma que permite mitigar alguns efeitos desta separação e compreensão rígida. É a
norma do artigo 17º, que prevê que o regime dos DLG se aplica aos DLG que a CRP identifica/tipifica no título
II da Parte I, mas também aos direitos fundamentais de natureza análoga.
Podemos encontrar direitos de natureza análoga aos DLG noutros lugares da CRP. Dá-se o exemplo do direito
de propriedade ou da iniciativa económica privada. Referem-se ainda direitos da parte III, relativa à AP, mas que
consagram direitos fundamentais.

Para além disso, o art.º 16º permite reconhecer direitos legais e previstos em normas internacionais.
Que critérios é que podemos usar para defender que determinado direito é de natureza análoga a DLG?
Na identificação dos direitos fundamentais extra-catálogo, podemos socorrer-nos de um simples critério de
analogia com os direitos do catálogo ou podemos socorrer-nos de um critério material de direitos fundamentais.

 Critério da analogia: direitos semelhantes aos DLG, fazendo com que estes beneficiem do mesmo regime.
Caso não exista analogia evidente recorremos a critérios meramente tendenciais.

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 Função de defesa/exigência de prestação: a função de todos os preceitos relativos aos direitos fundamentais
há de ser a proteção e a garantia de determinados bens jurídicos das pessoas ou de certo conteúdo das suas
posições ou relações na sociedade que sejam considerados essenciais ou primários. Equivalem, portanto, a
direitos de primeira geração – direitos à abstenção do Estado.
Os preceitos que não atribuam posições jurídicas subjetivas só pertencem à matéria dos direitos fundamentais
se contiverem normas que se destinem diretamente a garantir essas posições jurídicas.
Assim, se o direito exige uma prestação associamos aos DESC.

 Critério da determinabilidade do conteúdo: os DLG são direitos cujo conteúdo está determinado ou é
determinável a partir do próprio enunciado, enquanto os DESC são direitos cujo conteúdo impõe uma tarefa
de concretização político-administrativa.

2. Regime geral aplicável a todos os Direitos Fundamentais


Existem três regimes que a generalidade da doutrina reconhece: regime geral aplicável a todos os direitos
fundamentais, um regime especial aplicável aos DLG e um regime específico de DESC.
A CRP só tipifica e detalha o regime específico aplicado aos DLG. No entanto podemos encontrar na Constituição
aspetos de regime mais abrangente, amplo que são aplicáveis a todos os direitos fundamentais – regime geral.
Os elementos fundamentais desse regime são a universalidade e a igualdade, reafirmados na generalidade das
constituições e nos instrumentos internacionais como pilares essenciais.
O artigo 12º consagra o princípio da universalidade, que diz respeito ao âmbito de titularidade dos direitos e
segundo o qual todos os cidadãos gozam dos direitos consignados na Constituição e estão sujeitos aos mesmos
deveres. Esta norma com uma leitura crua parece que exclui os estrangeiros (“todos os cidadãos”). Neste sentido,
“cidadãos” deve ser entendido como todas as pessoas, para corresponder ao princípio da universalidade.
Tal não invalida que certos direitos pressuponham, pela sua própria natureza, uma certa idade, como é, por
exemplo, o caso da generalidade dos direitos políticos, nomeadamente dos previstos no art.º 49º (direito de voto)
e no art.º 122º (elegibilidade para Presidente da República), ou ainda que haja direitos reservados, pela sua natureza,
a certas categorias de pessoas, como é o caso dos art.º 51º e ss. (direitos dos trabalhadores), ou do art.º 71º
(cidadãos portadores de deficiência).
Quanto às pessoas coletivas, segundo o disposto no art.º 12º/2, estas gozam dos direitos e estão sujeitas aos
deveres compatíveis com a sua natureza, o que significa que gozam de direitos fundamentais que não
pressuponham características intrínsecas ou naturais do homem.
A CRP resolveu dividir o âmbito da titularidade dos direitos fundamentais em dois grupos: artigo 14º e 15º. O
art.º 14º refere-se aos direitos fundamentais de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, estabelecendo que
estes gozam dos direitos que não sejam incompatíveis com a ausência do país, determinando, assim que a regra é
a da universalidade e o que tem de se justificar é a exceção.
O artigo 15º é referente ao gozo de direitos fundamentais por parte de estrangeiros que habitam em Portugal. A
simples presença em território nacional é suficiente para criar um vínculo com o Estado português. Este artigo
estabelece, então, um princípio da equiparação. Os estrangeiros e apátridas estão apenas excluídos do gozo do
leque de direitos que pertencem exclusivamente a cidadãos portugueses e que estão previstos no n.º 2 deste artigo
– direitos políticos, exercício de funções públicas que não sejam de carácter meramente técnico e direitos
fundamentais que a Constituição ou a lei reservam para os nacionais.
No entanto, tem-se entendido que as exceções a estabelecer por lei ordinária àquela regra não são livres, devendo
as leis que eventualmente reservem direitos deste tipo para cidadãos portugueses ser consideradas verdadeiras leis
restritivas e sujeitas às condições de legitimidade estabelecidas no artigo 18º.

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Os n.º 3, 4 e 5 consagram grupos particulares de estrangeiros, sendo exceções às exceções. Assim, sob condição
de reciprocidade, podem ser reconhecidos alguns direitos políticos limitados a estrangeiros com residência em
Portugal (números 4 e 5); um estatuto especialíssimo de acesso a elevados cargos do Estado para cidadãos de
Estados de língua portuguesa (estatuto de que, neste momento, só os cidadãos brasileiros podem beneficiar –
número 3).
O artigo 13º consagra o princípio da igualdade, que, segundo alguns autores, é uma exigência que decorre já do
princípio do Estado de Direito. A inserção do princípio nesta parte da CRP significa que, em matéria de direitos
fundamentais, a garantia de igualdade entre os cidadãos é medular do próprio sistema constitucional dos direitos
fundamentais, que são estruturas de igualdade e não de privilégios.
A formulação do princípio da igualdade no artigo 13º/1 é num sentido formal, o reconhecimento da igualdade de
todos perante a lei. Hoje temos uma ideia de igualdade no sentido material, segundo o qual devemos tratar o que
é igual igualmente e o que é diferente diferentemente, na medida dessa diferença. O tratamento pode ser
diferenciado e essa mesma diferenciação possa ser mesmo exigida por este princípio. A proibição de diferenciação
que decorre deste princípio é uma proibição arbitrária, proibição de diferença não fundamentada e mesmo quando
haja fundamento para a diferenciação, esta tem de ser na medida da diferença, adequada, necessária e proporcional.
O art.º 13º/2 estabelece as categorias suspeitas, um elenco exemplificativo de categorias que, ao longo da história,
foram caracterizadas por comportamentos de diferenciação sem fundamento. Presume-se que a diferenciação com
base nestas categorias é ilegítima, salvo que haja uma justificação para essa diferenciação.
Refere-se ainda o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, segundo qual todos os direitos fundamentais são
justiciáveis. No art.º 20º/5 prevê-se uma proteção intensa para DLG pessoais e o art.º 31º consagra um
procedimento de proteção ao direito à liberdade, o habeas corpus.

3. Regime específico dos Direitos, Liberdades e Garantias

Dentro do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, podemos distinguir entre: um regime material
(art.º 18º), um regime orgânico (art.º 164º e 165º) e um regime de revisão constitucional (art.º 288º).

Principais aspetos deste regime:


1. Aplicabilidade direta (18º/1 CRP)
2. Vinculação das entidades públicas (18º/1 CRP)
3. Vinculação das entidades privadas (18º/1 CRP)
4. Disciplina das leis restritivas dos DLG (18º/2/3) – elemento particularmente complexo
4.1. Reserva de lei (remissão do 18º/2 para 165º/1/b))
4.2. A exigência de previsão constitucional expressa (18º/2)
4.3. A finalidade da restrição (18º/2)
4.4. Respeito pelo princípio da proporcionalidade (18º/2)
4.5. A exigência de generalidade e abstração (18º/3)
4.6. A não retroatividade (18º/3)
4.7. Respeito pelo conteúdo essencial dos direitos (18º/3)
5. Suspensão dos DLG em situações de estado de sítio e estado de emergência (19º)
6. Revisão constitucional (288º/d))

O regime material específico está essencialmente previsto no art.º 18º da CRP, embora haja também outras
disposições constitucionais que atribuem um regime mais protetor a estes direitos.

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1. Aplicabilidade Direta

O art.º 18º/1 estabelece que os direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades
públicas e privadas. Assim sendo, este regime material específico consubstancia-se, em primeiro lugar, na
aplicabilidade imediata, o que significa que os preceitos constitucionais vinculam todos os órgãos ou agentes do
poder sem necessidade de mediação legislativa.
No entanto, a aplicabilidade direta das normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias não implica sempre
a transformação automática destes em direitos concretos e definitivos.
É necessário distinguir consoante as normas de direitos, liberdades e garantias sejam ou não exequíveis por si
mesmas: se for exequível por si mesma, pode ser imediatamente invocada, ainda que haja falta ou insuficiência de
lei; se a norma não for exequível por si mesma (ex: art.º 26º/2), o sentido a atribuir ao art.º 18º é o de que o
legislador está vinculado a editar as medidas legislativas necessárias, não tendo o poder de apreciação quanto á
oportunidade de legislar. A falta dessas medidas implica uma inconstitucionalidade por omissão, sujeita ao regime
de controlo do artigo 283º.

2. Vinculação das entidades públicas

Retiramos do art.º 18º que o Estado está, que todos os poderes públicos estão vinculados aos direitos, liberdades
e garantias. Abrangem-se aqui os órgãos legislativos, os órgãos jurisdicionais e toda a Administração Pública,
estendendo-se este imperativo mesmo a poderes que não sejam estaduais, mas exercidos através de pessoas
coletivas públicas, como autarquias, universidades ou outras.
O legislador está vinculado aos direitos fundamentais, não lhe cabendo determinar e circunscrever
autonomamente o âmbito de proteção dos direitos fundamentais, pois são as leis que gravitam à volta dos direitos
fundamentais e não os direitos fundamentais que gravitam à volta das leis (Krűger). O legislador tem um papel
essencial na proteção dos direitos fundamentais, através de leis que podem ampliar, ordenar e concretizar o gozo
e o exercício de direitos fundamentais.
Deste modo, o dever do legislador vai para além de um dever de abstenção e de respeito, sendo também um dever
positivo. Exige-se do legislador a criação de condições para o desfrute efetivo dos DLG por parte dos seus
destinatários (dever de promoção). O dever efetivo de proteção implica até um dever de criminalização de
determinadas condutas, pelo que a descriminalização de determinadas condutas pode traduzir-se numa atitude de
insuficiência na proteção dos DLG. O dever de proteção é, assim, um dever de atuar sempre que os DLG possam
ser postos em causa, mesmo que por terceiros.
Tem também um papel mais ingrato, que é o de intervir antecipando conflitos entre os direitos fundamentais ou
entre estes e bens comunitários essenciais através de leis que restringem direitos, liberdades e garantias. Os termos
concretos desta vinculação específica estão previstos nos números 2 e 3 do artigo 18º que a seguir trataremos.
No que diz respeito à vinculação dos tribunais, estão obrigados a uma vinculação estrita em matéria de direitos,
liberdades e garantias. Esta vinculação impõe-lhes uma atuação particularmente célere nos processos em que estão
em causa, de modo mais flagrante, direitos fundamentais – em particular naqueles em que há lesão iminente de
bens jurídicos fundamentais.
Na substância das suas decisões, o dever de interpretar normas em conformidade com a Constituição e de recusar
a aplicação de normas que com não se conformam com a Constituição (art.º 204º) tem uma expressão mais intensa
quando se trata de normas relativas a direitos, liberdades e garantias.
Ao contrário do poder judicial, o poder administrativo começou por ser considerado a principal ameaça às
liberdades dos cidadãos. A vinculação das entidades administrativas às normas de direitos, liberdades e garantias,
prevista no art.º 18º/1 e reforçada no artigo 266º da Constituição, significa que a Administração tem o dever de
interpretar a lei em conformidade com as normas de direitos, liberdades e garantias, tem o dever de quando atua

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em domínios de discricionariedade, respeitar os direitos, liberdades e garantias e assumi-los como parâmetros
decisivos para o preenchimento dos espaços livres de predeterminação legislativa e pode ter ainda o dever, em
circunstâncias excecionais e muito limitadas, de recusar a aplicação de normas com fundamento na violação de
direitos, liberdades e garantias.
Todos os poderes públicos, de uma forma mais ou menos forte, estão vinculados às normas que preveem DLG.

3. Vinculação das entidades privadas

(a abordar mais especificamente posteriormente)


Apesar de a nossa Constituição referir expressamente a vinculação das entidades privadas no art.º 18º/1 tem-se
entendido que esta norma não é inteiramente conclusiva.
Dentro da categoria dos direitos, liberdades e garantias existem normas de direitos fundamentais que devem ser
excluídas desta discussão, uma vez que são, em princípio inoponíveis aos particulares, na medida em que têm por
destinatário exclusivamente os órgãos estatais.
Esta vertente é uma extensão da função original que os direitos fundamentais tinham nas constituições no século
XIX, em que aquilo que se pretendia com o constitucionalismo era criar formas de limitar o poder do Estado.
No século XX foi-se entendendo que não é só o Estado que exerce poder e, portanto, a proteção dos DLG estaria
incompleta se não incidisse também nas entidades jurídicas privadas.

4. As restrições de direitos, liberdades e garantias

Vamos agora tratar o problema das restrições legais aos direitos, liberdades e garantias.
Quando falamos de restrições estamos a referir-nos a uma ação que afeta desvantajosamente o conteúdo de um
direito fundamental, ou seja, a restrição implica um enfraquecimento do âmbito de proteção do direito.
O legislador precisa de restringir direitos fundamentais porque estes não são absolutos nem ilimitados. Não existe
qualquer modelo de solução para, de forma geral e abstrata, se resolverem os eventuais conflitos entre direitos
fundamentais. Há situações que têm que ser resolvidas pelo legislador ordinário ou, em casos de imprevisão deste,
pelo poder judicial.
A própria necessidade de coexistência de diversos direitos fundamentais titulados por múltiplos sujeitos cria a
necessidade de intervenções legislativas que, nalguns casos, inevitavelmente, vão limitar o “espaço” que se poderia
considerar protegido por uma liberdade ou um direito fundamental.
Essa atuação legislativa é, naturalmente, problemática, daí que a CRP crie um conjunto de requisitos, de “cautelas”
que devem ser verificadas sempre que estejamos perante leis restritivas de DLG.
Antes, porém, de estudarmos quais são esses requisitos, convém entendermos melhor o que são leis restritivas,
começando por enfrentar o problema da determinação do âmbito de proteção dos direitos.
Para sabermos quando a atuação do legislador assume uma dimensão restritivo temos de olhar para a norma que
prevê o direito, interpretá-la e perceber se a atuação do legislador é ou não restritiva.
Só estamos perante uma lei restritiva quando esta comprime o âmbito de proteção do direito, tal como ele resulta
da norma (ou das normas) que o consagra(m).
A determinação do âmbito de proteção é, pois, uma tarefa prévia essencial para que se possa concluir quanto à
verificação ou não de uma restrição.

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Exemplos:
Lei em que se proíbe reuniões em que as pessoas estejam armadas. Temos de perceber se a conduta
está protegida pela norma que prevê o direito. Neste caso, o direito de reunião só existe de forma
pacífica e sem armas, pelo que a lei não é restritiva, apenas repete um limite constitucional (art.º
45º).
Liberdade de criação artística, em que se pretende desenvolver uma performance em que há morte de
um interveniente. Neste caso, o objetivo do legislador constituinte não terá sido o de ir tão longe, pelo
que o limite já estava implícito na constituição, é um limite imanente (não explícito).

Ora, nesta matéria, há duas formas de circunscrever o âmbito de proteção: uma é a teoria do âmbito de proteção
alargado e outra é a teoria de âmbito de proteção estreito.

 Segundo as teorias do âmbito de proteção alargado, este deve ser definido, abrangendo o mais amplo e
completo conjunto de manifestações possíveis do direito fundamental. Não cabe ao intérprete excluir prima
facie do âmbito de proteção do direito situações que estão dentro das margens semânticas da norma, cujos
pressupostos devem ser amplamente interpretados. Naturalmente, dela resulta um potenciamento dos
conflitos entre direitos, liberdades e garantias.

 Segundo as teorias do âmbito de proteção estreito, deve tentar afastar-se ab initio do âmbito de proteção
do direito as manifestações meramente aparentes do direito. Nem tudo o que cabe nas “margens semânticas”
da norma que consagra o direito fundamental constitui uma conduta protegida enquanto manifestação desse
direito. Ao intérprete cabe a tarefa de identificar os limites dessa garantia, atendendo ao sentido e ao alcance
da norma constitucional e às condutas que se devem considerar efetivamente como alvo de proteção.
Também na doutrina portuguesa estas posições se confrontam. Jorge Reis Novais defende que na delimitação do
âmbito de proteção do direito deve excluir-se apenas aquilo que, com toda a evidência, não pode ser considerado
pela consciência jurídica própria de Estado de Direito como exercício jusfundamentalmente protegido –
comportamentos que apresentem intolerável danosidade social ou sejam radicalmente incompatíveis com os
requisitos mínimos da vida em comunidade e que, por isso, suscitam reprovação social e jurídica consensuais.
Requisitos das leis restritivas
Quais são as condições que a Constituição estabelece para a restrição de DLG? Estão previstos nos números 2 e
3 do art.º 18º da CRP.
1. Princípio da reserva de lei
Quando se refere “a lei só pode”, estamos perante a aceção de lei em sentido formal porque só por lei da AR pode
haver restrição, por conjugação dos artigos 18º/2 e 165º/1/b). Esta reserva de lei implica que as leis restritivas de
DLG sejam leis da AR ou Decreto-lei autorizado.
Há, no entanto, determinadas matérias relativas a direitos, liberdades e garantias que estão abrangidas pela reserva
absoluta da Assembleia da República. É o caso das alíneas a),b),c),e),h),i),j),l),m) e o) do art.º 164º.
2. Exigência de previsão constitucional expressa
O art.º 18º/2 estabelece uma exigência de previsão constitucional expressa da respetiva restrição. Ora esta
exigência constitucional coloca uma série de problemas, uma vez que há muitos preceitos constitucionais que não
preveem expressamente restrições legislativas. (ex: direito à vida, à integridade pessoal e outros direitos pessoais -
art.º 24º a 26º, liberdade de aprender e de ensinar - art.º 43º, direitos de deslocação e emigração - art.º 44º, direito
de reunião e manifestação - art.º 45º, etc.)

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A doutrina tem procurado diferentes vias para contornar este requisito de previsão constitucional expressa da
possibilidade de restrição, seja através da ideia de limites imanentes, da existência de restrições implícitas ou ainda
do apelo ao art.º 29º da DUDH.
Jorge Reis Novais entende que as normas constitucionais de direitos fundamentais consagram garantias
subordinadas a uma reserva geral imanente de ponderação ou necessidade de ponderação ou necessidade de
compatibilização com valores, bens ou interesses dignos de proteção.
Porém, o reconhecimento de uma reserva geral imanente de ponderação despe de todo e qualquer sentido útil o
requisito da necessidade de previsão constitucional expressa, pois onde a Constituição preveja, implícita ou
explicitamente, a necessidade de restrição, já o legislador estava autorizado a restringir com base naquela reserva.
3. Salvaguarda de um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido
Por outro lado, a restrição só se pode justificar para a salvaguarda de um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido: o interesse que se visa acautelar tem que ter suficiente e adequada expressão no
texto constitucional (ex: defesa nacional, a segurança interna, ordem pública, etc.). O fim que se visa com a
restrição de um bem jurídico fundamental tem de ter dignidade constitucional, sob pena de a restrição ser ilegítima,
injustificada.
4. Princípio da proporcionalidade
Não basta, no entanto, que haja outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos a garantir. É ainda
exigido que a restrição se limite ao necessário para salvaguardar esses outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos, nos termos do artigo 18º/2. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade,
ou da proibição do excesso, que obriga a que entre o conteúdo de uma decisão estadual e o fim que ela prossegue
haja um equilíbrio.
Podemos distinguir três critérios no seio do princípio da proporcionalidade: a idoneidade, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito.

 O princípio da idoneidade ou adequação obriga a que se tenha em conta se um dado meio é apto para a
realização do fim em vista. O que se requer é um juízo de razoabilidade, bastando provar que razoavelmente,
em circunstâncias normais, o meio escolhido é apto para alcançar o fim de interesse público que justifica a
medida estadual.

 Quanto ao princípio da necessidade, trata-se de apreciar se não existe outra medida menos gravosa capaz
de assegurar o objetivo com o mesmo grau de eficácia. O que se pretende avaliar é se não haverá outro meio
igualmente apto para a prossecução do fim, mas que seja menos oneroso para os direitos fundamentais.

 Finalmente, na proporcionalidade em sentido estrito, deve aferir-se se a medida adotada é equilibrada no


sentido de as desvantagens dela decorrentes não serem superiores aos benefícios que se poderão alcançar. A
medida que seja simultaneamente adequada e necessária ainda assim pode ser excessiva.

5. Necessidade de as restrições terem caráter geral e abstrato


O art.º 18º/3 exige ainda que as restrições de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e
abstrato. Ou seja, as normas que as preveem têm de ter como destinatários um número indeterminado ou
indeterminável de pessoas e devem aplicar-se a um número indeterminado ou indeterminável de situações.
6. Não retroatividade
Esta exigência visa tornar claro que, se a possibilidade de leis retroativas – sempre indesejável num Estado de
Direito, preocupado em garantir e respeitar a segurança jurídica dos cidadãos – não é sempre inconstitucional, em
matéria de restrições a direitos, liberdades e garantias, é inadmissível. Ou seja, não deve haver aqui margem de
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ponderação no sentido de perceber se o fim que legitima a restrição sobreleva as expectativas juridicamente
protegidas. Se essas expectativas se referem a direitos, liberdades e garantias, estas devem sempre prevalecer.

7. Respeito pelo conteúdo essencial


Podemos distinguir aqui entre as teorias absolutas, que defendem que o conteúdo essencial consiste num núcleo
intocável presente em cada direito fundamental e que é independente da colisão de interesses verificada no caso
concreto, e as teorias relativas, que reconduzem o requisito do conteúdo essencial ao princípio da
proporcionalidade.
A dificuldade que levanta a teoria absoluta é a de saber em que é que consiste efetivamente o âmbito nuclear
intocável de cada direito fundamental, não sendo fácil a distinção entre elementos nucleares ou essenciais e
elementos aureolares ou acidentais.
Quanto às teorias relativas, que tudo reconduzem a juízo casuístico quanto à parcela do direito que deve ser
poupada à restrição na situação concreta, a crítica que se lhes aponta é o facto de, no limite, admitirem a anulação
integral da eficácia de um direito e, no fundo, acabam por se reconduzir ao princípio da proporcionalidade.
Depois, deve o conteúdo essencial proteger a posição subjetiva do titular do direito fundamental afetado (teoria
subjetiva), ou o preceito constitucional enquanto norma referida a valores, a bens jurídicos como tal considerados
(teoria objetiva)?
A teoria subjetiva não parece poder ter aplicação naquelas situações mais difíceis em que as intervenções restritivas
reduzem drasticamente ou excluem mesmo qualquer possibilidade de exercício de determinado direito
fundamental pelo seu titular. Por outro lado, a proteção que a teoria objetiva confere tem pouco significado
prático, porque ao referir-se apenas ao preceito enquanto norma de valor, só protege de situações extremas de
esmagamento total das liberdades.
Perante estas dificuldades, Jorge Reis Novais considera que a garantia do conteúdo essencial não desempenha,
hoje, qualquer papel autónomo significativo nem desenvolve qualquer efeito jurídico efetivo enquanto limite aos
limites dos direitos fundamentais e, consequentemente, para a limitação dos poderes de restrição dos direitos
fundamentais.
Convém ter, no entanto, presente que este requisito em particular do conteúdo essencial não é uma
“excentricidade” da Constituição portuguesa. Está presente também noutras Constituições e consta atualmente
de modo expresso do artigo 52º/1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ao lado dos requisitos
do princípio da proporcionalidade. Donde se deve atentar no facto de, também ao nível da União, se fazer uma
consideração autónoma do requisito do respeito pelo conteúdo essencial.

Colisão entre direitos, liberdades e garantias

Para além das situações de previsão abstrata de conflitos resolvidos através de restrição legislativa,
subsistem ainda muitas situações de colisão entre direitos fundamentais.
Para estas situações não dispomos à partida de uma hierarquia entre os direitos fundamentais, que nos
autorize a sacrificar direitos menos fundamentais do que os outros que pretendemos salvaguardar.
Devemos partir sempre de uma ideia de igual valor dos direitos fundamentais em conflito e formular
juízos de ponderação entre os bens constitucionais em conflito tentando encontrar para a situação
concreta uma solução adequada, equilibrada e razoável – o que nos remete para a aplicação do princípio
da proporcionalidade. Os direitos em conflito hão-se ser sacrificados apenas na estrita medida do que
se revele necessário para permitir a realização do direito conflituante.
Para se encontrar a solução para o conflito, uma vez que não partimos de uma hierarquia abstrata, temos
de atender às circunstâncias concretas do caso, selecionando quais os elementos que devem ser
relevantes para o juízo de ponderação que se impõe.
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