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ENSINANDO A ENSINAR

CIÊNCIAS
VOLUME II:
Discutindo práticas inclusivas
Michele Waltz Comarú
Fabiana da Silva Kauark
Nahun Thiaghor Lippaus Pires Gonçalves
(Organizadores)

ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS


VOLUME II:
Discutindo práticas inclusivas

Vitória, ES 2022
Editora do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Espírito Santo
R. Barão de Mauá, nº 30 – Jucutuquara
29040-689 – Vitória – ES
www.edifes.ifes.edu.br | editora@ifes.edu.br

Reitor: Jadir José Pela


Pró-Reitor de Administração e Orçamento: Lezi José Ferreira
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional: Luciano de Oliveira Toledo
Pró-Reitora de Ensino: Adriana Pionttkovsky Barcellos
Pró-Reitor de Extensão: Lodovico Ortlieb Faria
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: André Romero da Silva
Coordenador da Edifes: Adonai José Lacruz

Conselho Editorial
Aline Freitas da Silva de Carvalho * Aparecida de Fátima Madella de Oliveira * Eduardo Fausto Kuster
Cid * Felipe Zamborlini Saiter * Filipe Ferreira Ghidetti. * Gabriel Domingos Carvalho * Jamille Locatelli
* Marcio de Souza Bolzan * Mariella Berger Andrade * Ricardo Ramos Costa * Rosana Vilarim da Silva
* Rossanna dos Santos Santana Rubim * Viviane Bessa Lopes Alvarenga.

Revisão de texto: Projeto gráfico: Diagramação: Capa:


Michele Waltz Marcelo de Souza Nahun Thiaghor Marcelo de Souza
Comarú Aquino e William Lippaus Pires Aquino e William
Fernandes Gonçalves Fernandes
Gouveia Gouveia

DOI: 10.36524/9788582635582

Esta obra está licenciada com uma Licença Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Brasil.
APOIO
Comitê científico:
Francisco das Chagas Silva Souza – IFRN

Renato Matos Lopes – IOC/Fiocruz/RJ

Gerson de Souza Mól – UnB

Alex Jordane de Oliveira – IFES

Chrystian Carletti – IFRJ

Grazielle Rodrigues Pereira – IFRJ

Maria Adélia da Costa – CEFET/MG


AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todo corpo técnico responsável por esta publicação:
comitê científico, coordenação da Edifes e especialmente aos autores e
membros dos grupos de pesquisa que compartilharam conosco suas produções.

Com carinho também agradecemos aos alunos, docentes e coordenações


dos cursos de pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica –
ProfEPT - da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(RFEPCT); em Química em Rede Nacional – PROFQUI – do campus Vila Velha
do Ifes; e em Ensino de Biociências e Saúde – PGEBS - do Instituto Oswaldo
Cruz – IOC/Fiocruz/RJ.

Institucionalmente agradecemos à PGEBS/IOC/Fiocruz, ao IFES e ao


IFRJ pelo fomento financeiro.

Agradecemos também aos colegas gestores e colaboradores que nos


permitiram organizar esta obra e se envolveram na construção de mais um
instrumento voltado à divulgação de nossas pesquisas acadêmicas em prol da
consolidação de práticas em ensino de ciências mais inclusivas e colaborativas.

Nosso muito obrigado.

Michele Waltz Comarú


Fabiana da Silva Kauark
Nahun Thiaghor Lippaus Pires Gonçalves
(Organizadores)
PREFÁCIO

Ao realizar o prefácio da obra “DISCUTINDO PRÁTICAS INCLUSIVAS”,


como segundo volume da série “ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS”, publicado
pela editora Edifes e organizado pelas professoras Michele Waltz Comarú e Fabiana
Kauark, além do professor Nahun Gonçalves, registro a relevância social e cientifica,
traduzido na importância que autores fazem da defesa dos direitos humanos, reafirmando
direito à educação na rede comum de ensino.

O tema da formação de professores de ciências como temática central nos leva a


criar pontos com o segundo momento que a educação precisar viver, o das práticas
pedagógicas inclusivas, não só de pessoas com deficiências, mas também inclusão digital
e inclusão social. Os 17 textos selecionados abordam questões relacionados às temáticas
sobre a diversidade, seja ela de gênero, de etnia, da condição de deficiência e das relações
sociais

Em momentos difíceis, mas não impossíveis, como os que estamos vivendo,


marcados pela condenação em praça pública (redes sociais) daqueles que os defendem,
uma confusão premeditada do seu entendimento, além de violações da dignidade da
pessoa humana em um contexto brasileiro, a obra é oportuna, pois apresenta
possibilidades e potencialidades que já acontece nas escolas. Situações concretas que
destroem os argumentos daqueles que acreditam, ainda hoje, que a inclusão escolas e
social não é possível.

Segundo Cury (2002, p. 260) o acesso à educação, “é uma oportunidade de


crescimento do cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente
estima de si”. Por isso, toda criança ou jovem em situação de vulnerabilidade deve receber
apoio pedagógico. A escola é lugar privilegiado (mas não só) no qual a sociedade
escolheu para que todos e todas as pessoas aprendem, sem distinção.

Quando falo do direito de aprender estou referindo-me claramente ao acesso ao


currículo oficial, ou seja, a “[...] organização do conjunto das atividades nucleares
distribuídas no espaço e tempo escolares” (SAVIANI, 2011, p 17). Em poucas palavras:
socialização ao conhecimento sistematizado historicamente produzido. Isso representa
que o menino/menina deve aprender português, matemática, história, geografia e, é claro,
ciências. Ao propor novas alternativas para a inclusão no ensino de ciências, os autores
em suas inquietudes, na verdade, trazem novos problemas, novas abordagens, novos
métodos, novas reflexões, novas transformações, pois, como disse Marx na 11ª tese sobre
Feuerbach: “Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente;
trata-se, porém, de transformá-lo”.
O social vence o biológico. É preciso dizer em alto e bom som: OUTRAS
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS SÃO POSSÍVEIS!!!! No livro emergem algumas
possibilidades, dicas, pistas.

São caminhos que ajudarão aos alunos em sua trajetória escolar (e aos professores
em suas práticas) para acessar, permanecer e sair com sucesso desse processo como um
ser humano e profissional habilitado para exercer uma profissão e ter
reconhecimento/visibilidade social. É pensar que teremos médicos, psicólogos,
professores, engenheiros, assistentes sociais, físicos, biólogos com deficiência sendo
formados e atuando no mundo do trabalho. É uma ação que envolve uma mudança de
cultura, uma ação atitudinal não só parte das escolas/professores, mas também das
famílias e das próprias pessoas em condição de vulnerabilidade.

Ao prefaciar esse livro, encho-me de esperança de alguns possíveis propostos. Por


todo o exposto, pode-se concluir que esta obra é leitura
obrigatória aos que se interessam pela educação, pelo ensino na perspectiva de garantir o
DIREITO À APRENDIZAGEM DENTRO DO DIREITO À
EDUCAÇÃO.

Agradeço o convite, que muito me honrou, para prefaciar este livro produzido não
somente por pesquisadores, escritores, mas amigos de luta que acreditam em um outro
mundo possível.
Primavera de resistências e esperanças, 2021
Prof. Douglas Ferrari
Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes

REFERÊNCIAS

CURY, Carlos R. J. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos


de Pesquisa, n. 116, p. 245-262, 2002.
MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. Disponível em: <
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/tme_13.pdf >. Acesso em: 11
out. 2021.

SAVIANI, Demerval. Sobre a Natureza e Especificidade da Educação. In: SAVIANI,


Demerval. Pedagogia histórico-critica: primeiras aproximações. Campinas, Autores
Associados, 2011.
APRESENTAÇÃO
A série “Ensinando a Ensinar Ciências” visa disponibilizar textos científicos, de
caráter tanto teórico quanto prático, sobre assuntos que influenciam na formação de
professores de ciências, com o intuito de fortalecer a troca de saberes entre pesquisadores
da área de Ensino e também de promover um canal de troca de experiências, de registros
de pesquisa e de reflexões.
O primeiro livro da série, lançado pela Edifes em 2017, trouxe uma coletânea de
11 capítulos sobre a temática da formação de professores discutindo, entre outros
assuntos, alfabetização científica de crianças, uso de atividades lúdicas de laboratório,
formação interdisciplinar de professores de ciências, aprendizagem baseada em
problemas e educação inclusiva, sendo esse último tema, o gancho que nos levou a ideia
do segundo volume.
Para o volume II, intitulado DISCUTINDO PRÁTICAS INCLUSIVAS, buscou-
se reunir textos que abordassem para além da temática central FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE CIÊNCIAS, as relações com a INCLUSÃO, não só de pessoas com
deficiências, mas também inclusão digital e inclusão social. Assim, são apresentados
textos sobre as temáticas relacionadas à diversidade, seja ela de gênero, de etnia, de
relações sociais etc. Este segundo volume conta com produções de autores de nove
estados brasileiros (ES, RJ, BA, PA, RS, MG, SC, PE e GO), o que permite nesta obra
mapear realidades distintas e apresentar ao leitor perspectivas ampliadas das questões
inclusivas na formação de professores de ciências. Além disso, também são abordados
diversos temas acerca dos grandes eixos “formação de professores de ciências” e
“Inclusão”, tais como: ciência e arte; produção discursiva; museus e educação não-
formal; ensino de química, física e biologia; atividades experimentais problematizadas;
metodologias ativas; atividades de extensão; e perspectiva ciência, tecnologia, sociedade
e ambiente/çouçohl (CTSA). Esse panorama nos enche de orgulho pois também faz com
que esse espaço seja mais um eixo de troca e aprendizado entre os pesquisadores das áreas
de Ensino e Educação em ciências do Brasil.
Assim, esperamos que os leitores desfrutem dessa coletânea de 17 textos
cuidadosamente selecionados pelos organizadores e que eles venham a contribuir para
que as discussões, políticas e pesquisas em inclusão prosperem. Mas ainda mais, que
possamos também contribuir de alguma forma para que as práticas de ensino venham a
contemplar avanços no sentido de construirmos uma sociedade mais justa, humana,
fraterna e livre de preconceitos e intolerância. Que seja esse o legado dessa obra.

Profs. Michele Waltz Comarú, Fabiana da Silva Kauark, e Nahun Thiaghor


Lippaus Pires Gonçalves (Organizadores)
SUMÁRIO
1. A FORMAÇÃO DE UMA FORMADORA DE PROFESSORES DE QUÍMICA:
DIÁLOGOS SOBRE EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E INCLUSÃO .................... 14
Cynthia Torres Daher, Michele Waltz Comarú e Carolina Nascimento
Spiegel

2. A INCLUSÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO CURSO DE


CIÊNCIAS BIOLÓGICAS .......................................................................................... 28
Kelly Natally Gama dos Santos e Milene Maria da Silva Castro

3. APRENDIZAGEM EXPANSIVA NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA ALUNOS


COM DEFICIÊNCIA VISUAL..................................................................................... 38
Sofia Castro Hallais e Maria da Conceição de Almeida Barbosa-Lima

4. CONSTRUÇÕES REFLEXIVAS DO ENSINO DAS CIÊNCIAS POR


ENQUADRAMENTO DE MEMÓRIAS COMO PRODUÇÃO DISCURSIVA DE UMA
EDUCOMUNICAÇÃO INTERATIVA ........................................................................ 49
Marcia Regina da Silva Ramos Carneiro e Marcia Ferreira Mendes
Rosa, Jean Victor Barreto Costa

5. BAÚ DE PORTINARI: APLICABILIDADE NA PROMOÇÃO DA AUTONOMIA E


CRIATIVIDADE DURANTE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS .. 59
Roberto Rodrigues Ferreira, Rita de Cássia Machado da Rocha, Vinícius
dos Santos Moraes, Erik Jonilton Costa e Tania Araújo-Jorge

6. ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL: LUDICIDADE E INCLUSÃO DE LICENCIANDOS


NO CONTEXTO DO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL ..................................... 73
Andrela Garibaldi Loureiro Parente e José Moysés Alves
7. ENSINO DE QUÍMICA E ATIVIDADE EXPERIMENTAL PROBLEMATIZADA
(AEP) COM VISTAS À INCLUSÃO DIGITAL: ANÁLISE POR IMAGENS
DIGITAIS VIA ANÁLISE MULTIVARIADA DE DADOS NO CONTEXTO DA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA ..................................................... 88
Bruno Magela de Melo Siqueira, Pedro Mitsuo Takahashi, André Luís
Silva da Silva, Paulo Roberto Filgueiras e Paulo Rogerio Garcez de
Moura

8. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A DIVERSIDADE ENQUANTO EIXO


NORTEADOR DAS DISCUSSÕES QUE ENVOLVEM A ALIMENTAÇÃO
SAUDÁVEL ............................................................................................................. 104
Juliano Souza de Almeida, Manuella Villar Amado e Sandra Regina do
Amaral

9. FLORES DE BASÍLIO: REFLEXÕES SOBRE EXTENSÃO, INCLUSÃO E O


PAPEL DA POSTURA REFLEXIVA NO ORGANIZAR DE UM JARDIM
SENSORIAL ........................................................................................................... 116
Bruno Ricardo Peixoto de Rezende, Vinicius Cavatti Cancelieri e Fabiana
da Silva Kauark

10. ATUAÇÃO DOCENTE NO ENSINO DE CIÊNCIAS SOB O ENFOQUE


CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS) NO ESPAÇO DO ATENDIMENTO
EDUCACIONAL ESPECIALIZADO ........................................................................ 129
Ana Rita Gonçalves Ribeiro de Mello e Jorge Cardoso Messeder

11. O USO DE ESTRATÉGIAS VISUAIS E AUDITIVAS VISANDO A INCLUSÃO


DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) NO
ENSINO DE CIÊNCIAS........................................................................................... 140
Amanda Séllos Rodrigues e Marcelo Diniz Monteiro de Barros

12. A CONSTRUÇÃO DE UM PRODUTO EDUCACIONAL INVESTIGATIVO


INCLUSIVO PARA O ENSINO DE FÍSICA: MONTAGEM DE CIRCUITOS
ELÉTRICOS ............................................................................................................ 153
Aline Guilherme Pimentel, Sandro Soares Fernandes e Deise Miranda
Vianna
13. ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA A INCLUSÃO
ESCOLAR DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA .............................................. 171
Ana Paula Boff, Gisele Soares Lemos Shaw e Rosangela Vieira de
Souza

14. GASTRONOMIA, ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO: ENSINANDO A


ROMPER BARREIRAS .......................................................................................... 189
Verônica de Andrade Mattoso, Helena Carla Castro e Osilene Sá Cruz

15. GÊNERO E SEXUALIDADE EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS: ENTRE


PERSPECTIVAS BIOLOGIZANTES E CULTURAIS ...........................................205
Vandcleide Monteiro da Silva, Maria Cristina Ferreira dos Santos e Jonê
Carla Baião

16. ENSINO E APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS PARA ESTUDANTES SURDOS


DO FUNDAMENTAL II: DA TEORIA À UMA FORMAÇÃO E PRÁTICA
EDUCATIVA INCLUSIVA ....................................................................................... 221
Daniella de Souza Bezerra e Janaína A. Silva Bassani

17. ENSINAR CIÊNCIAS NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: REFLEXÕES DO


PERFIL AO TRABALHO DO EDUCADOR PESQUISADOR ................................ 234
Nahun Thiaghor Lippaus Pires Gonçalves e Fabiana da Silva Kauark
Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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1. A FORMAÇÃO DE UMA FORMADORA DE


PROFESSORES DE QUÍMICA: DIÁLOGOS
SOBRE EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E
INCLUSÃO

Cynthia Torres Daher1


Michele Waltz Comarú2
Carolina Nascimento Spiegel3
INTRODUÇÃO

Anuímos com Maurice Tardif (2014) quando sustenta que os


saberes dos professores resultam da “[...] interface entre o individual e o social, entre o
ator e o sistema [...]” (p. 16). Com isso, afirmamos que a dimensão social desses saberes
advém: - das complexas relações com os grupos de discentes; - das partilhas que o
professor efetiva com outros profissionais da educação e familiares vinculados aos
mesmos sistemas e respectivos recursos; - das negociações e reconhecimento sociais que
definem e legitimam o que e como o professor deve saber ensinar; - do condicionamento
histórico-político-temporal-cultural que influi no ensino e na aprendizagem; - e da sua
aquisição processual e progressiva em contexto de socialização profissional. Já a
dimensão individual desses saberes abarca a personalidade e a experiência profissional
do próprio professor com suas emoções, cognição, expectativas, história pessoal,
representações e crenças. Embora essas características sejam, também, influenciadas pela
construção social de sua humanidade, não eliminam a possibilidade de contribuição
pessoal desses atores na produção concreta do saber e na transformação de sua própria
situação em ação.

Compreender que os saberes dos professores se constituem no coletivo e no


subjetivo, implica a busca por meios que garantam que essas dimensões sejam, explícita
e conscientemente, contempladas em sua formação profissional, inicial e continuada.
Nesse viés, desde 2013 foram criadas oficinas de produção de materiais didáticos junto a
licenciandos matriculados no componente curricular de Instrumentação para o Ensino de
Ciências (IEC) dos cursos de Licenciatura em Química (LQ) do Instituto Federal do
Espírito Santo (Ifes). Em sua origem as oficinas primaram por favorecer a Prática como

1
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). Instituto Oswaldo Cruz (IOC) - FIOCRUZ. Pós-Graduação em
Ensino em Biociências e Saúde. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6874-7555
2
Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Programa de mestrado em rede em Educação Profissional e
Tecnológica; Instituto Oswaldo Cruz (IOC) - FIOCRUZ. Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3307-4255
3
Universidade Federal Fluminense (UFF). Instituto Oswaldo Cruz (IOC) - FIOCRUZ. Pós-Graduação em
Ensino em Biociências e Saúde. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3291-9903

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Componente Curricular (PCC), a abordagem de conteúdos científicos a partir da proposta
do movimento Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) e a ludicidade.
Posteriormente, esses objetivos foram ampliados para abranger a produção de materiais
didáticos inclusivos, idealizados para grupos de alunos que contemplam, também,
pessoa(s) com deficiência(s).

A PCC representa dimensão formativa prevista na resolução CNE/CP Nº 02/2002


que instituiu o mínimo de 400 horas para um “[...] conjunto de atividades formativas que
proporcionam experiências de aplicação de conhecimentos ou de desenvolvimento de
procedimentos próprios ao exercício da docência” (BRASIL, 2005). Foi mantida na
Resolução Nº 02/2015 que instituiu as diretrizes para a formação de profissionais do
magistério para a Educação Básica (BRASIL, 2015) e desfigurada na Resolução CNE/CP
Nº 02/2019 que institui as diretrizes para formação inicial de professores para a educação
básica e, também, a Base Nacional Comum para essa formação (BNC-Formação).

Já o movimento CTSA, preconiza uma educação científica em que ciência e


tecnologia devem ser compreendidas de maneira indissociável de seus antecedentes e
implicações sociais, políticos, econômicos e ambientais. Tal perspectiva busca favorecer
um ensino de ciências crítico e comprometido com atitudes e valores humanísticos, que
não prescinde de adequada formação profissional docente (CORTEZ, 2020; SANTOS,
2007).

Quanto à ludicidade, trata-se de expressão polissêmica cuja compreensão comum,


habitualmente, se materializa nos processos formais de ensino e de aprendizagem como
geradoras de prazer, diversão, alegria. Contudo, para Luckesi (2018), “[...] está
comprometida com a experiência interna do sujeito que vivencia a atividade, não na
atividade propriamente dita” (p. 30). Já para Brougère (1997), configura-se como
manifestação da realidade materializada em ação cultural, não sendo possível separar a
cultura lúdica da construção social. Há ainda os que, como Fortuna (2018), a
compreendem como movimento pendular entre fantasia e realidade que aproxima
sentimentos e objeto. Nesse sentido, Leal e D’Ávila (2013), em um movimento de síntese,
sempre temporária, defendem-na fundada em três aspectos: - o de que o brincar e as
atividades lúdicas são criações culturais; - o de um estado de ânimo que expressa
sentimento de entrega, de vivência plena e - o de que as atividades lúdicas, entendidas
como princípio formativo, devem estar presentes na sala de aula como elemento
estimulante do ensinar e do aprender.

No que tange à educação inclusiva entendida como “[...] processo que ajuda a
superar barreiras que limitam a presença, participação e conquistas dos estudantes”
(UNESCO, 2019), décadas de políticas, legislações, produção teórica e práticas
profissionais, ainda não foram suficientes para garanti-la como direito de todos. Embora
avanços possam ser destacados, Rodrigues (2014) afirma que a adequada formação
profissional do docente, para atuar com equidade e inclusão, deve oportunizar situações
formativas semelhantes às da prática profissional, contemplar o conteúdo da educação
inclusiva em todos os conteúdos de formação e ainda favorecer a relação entre teoria,
prática e pesquisa. Nesse sentido, Comarú (2017) evidencia que “[...] a formação inicial
não dá conta de tudo, mas preparar o professor para ter postura ativa na busca em superar
desafios é importante” (p. 136). Todavia, Bazon et al. (2018), identificaram em uma
pesquisa com docentes formadores de futuros professores de ciências que a grande
maioria tem pouca ou nenhuma formação para atuar com a inclusão, seja lecionando para

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alunos com deficiência ou formando professores para tal. Fato que eleva a urgência por
estratégias que minimizem esse contexto até que a inclusão escolar seja, de fato,
compreendida como processo de democratização e de garantia ao direito à educação,
sempre em construção.

Tanto na dimensão da PCC, como do movimento CTSA, da ludicidade e da


educação inclusiva, fica destacada a indissociabilidade da lógica coletiva e individual na
constituição dos saberes dos professores (TARDIF, 2014). Considerando que, ao formar
professores, o docente formador também se forma quando opta por pesquisar a própria
prática, descrevemos neste texto processos formativos da professora formadora
responsável pela criação e desenvolvimento das oficinas de materiais didáticos, com seus
desafios e potencialidades. Elencamos, também, saberes profissionais produzidos nas
oficinas, distantes da lógica disciplinar, fragmentada e isolada da abordagem dos
conteúdos, ainda presente nos cursos de formação docente.

FUNCIONAMENTO DAS OFICINAS

Em 2013 o componente curricular de IEC foi ofertado pela primeira vez no 5º


período do curso de licenciatura em Química em um dos campi do Ifes. Seu plano de
ensino estava, e ainda está voltado para estratégias diferenciadas de ensino de
Ciências/Química e que não são abordadas na disciplina de Didática, pré-requisito para
IEC. Desde então foram realizadas 9 oficinas de produção de materiais didáticos até
2020.

Cada oficina acontece em 7 etapas (Figura 1): - orientações iniciais acerca da


atividade com debate e roteiro próprio socializado com os licenciandos; - aprofundamento
teórico e planejamento do material didático; - orientações extraclasse com a docente de
IEC – posteriormente, também com outros professores formadores; - socialização de
ideias e desafios na produção do material com colegas e com a docente da turma de IEC;
- desenvolvimento do material didático; - validação do material – solicitada a partir de
2018 – e - apresentação do produto na disciplina e em eventos institucionais.

Figura 1: Etapas de cada oficina.

Fonte: Adaptada de Daher; Comarú; Spiegel (2020).

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Efetivamente, as oficinas são apresentadas aos licenciandos após estudos e
debates sobre o movimento CTSA quando, organizados em duplas ou trios, desenvolvem
materiais didáticos para estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio
abordando os conteúdos a partir dos pressupostos do movimento CTSA para ensinar
Química/Ciências. Não há direcionamento quanto ao tipo de material, ao conteúdo ou ao
grupo específico de discentes a ser contemplado. Com isso, buscamos envolver o
licenciando em sua formação de maneira autônoma, autoral, criativa e lúdica. Desejamos,
ainda, comprometê-lo com o estudante da educação básica a fim de que amplie seu
aprendizado científico em sintonia com a proposta CTSA e, também, de forma lúdica.

As 5 primeiras oficinas aconteceram entre 2013 e 2016 em um dos campi do Ifes,


sendo que a de 2016 não foi concluída por motivo de remoção da docente no meio do
semestre. As outras 4 oficinas se efetivaram no período de 2017 a 2020 no campus de
destino, também na disciplina de IEC, no 5º período do curso de LQ. Destacamos que as
9 oficinas até agora realizadas não foram iguais. Os desafios enfrentados e as experiências
vividas ao longo dos anos, implicaram na produção de novos saberes que levaram a
ajustes a cada edição. Esses mesmos desafios e experiências exigiram alternativas
teóricas, metodológicas e profissionais para o aprimoramento dos processos formativos
dos licenciandos e da docente de IEC, também em contínua formação e, nesse sentido,
Paulo Freire (1999) nos ensina que não há docência sem discência, esclarecendo ainda
que “[...] embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem
é formado forma-se e forma ao ser formado” (p. 25).

Nesse viés, é que delineamos a seguir os processos formativos, em especial da


docente formadora, desencadeados nas oficinas com licenciandos, demais professores
formadores e docentes e discentes da educação básica.

PROCESSOS FORMATIVOS: DESAFIOS E POTENCIALIDADES

Ao longo das primeiras oficinas entre 2013 e 2016 os principais desafios


envolveram a curta duração da atividade, os erros conceituais presentes em alguns
materiais didáticos e a não abordagem CTSA dos conteúdos em grande parte desses.
Como professoras de IEC, em diálogo com os licenciandos e atentas às suas falas e
expressões espontâneas, realizamos ajustes partilhados ou sugeridos pelos próprios
licenciandos.

No que tange à duração da atividade em cada semestre, foi, paulatinamente,


ampliada de 8 semanas, entre as orientações iniciais e a apresentação final do produto na
turma, para 16 semanas, o que representa todo o semestre letivo. Com isso, passamos,
docente e discentes, a ter mais tempo para nos envolvermos com a idealização e
desenvolvimento dos materiais didáticos com a inserção de novas etapas. Ainda sobre a
duração das oficinas, válido destacar evento institucional em que, como docente de IEC,
participamos de uma conferência de coordenadores de Mestrados Profissionais e, ao nos
atermos à fala de uma das coordenadoras, nos demos conta de que, habitualmente, os
mestrandos têm 2 anos para realizar o que os licenciandos de IEC realizavam em um
semestre apenas. Nesta ocasião, fomos visitadas por sentimento de dúvida sobre se
deveríamos prosseguir com as oficinas no formato habitual, realizar ajustes ou,
simplesmente, extingui-las. Foi então que o diálogo com Paulo Freire (1999) sobre os
saberes necessários à prática educativa nos trouxe firmeza em prosseguir lembrando de
nossa eterna inconclusão, agora explícita, mas ciente de que “[...] a conscientização é

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exigência humana, é um dos caminhos para a posta em prática da curiosidade
epistemológica. Em lugar de estranha, a conscientização é natural ao ser que, inacabado,
se sabe inacabado” (p. 60).

Foi a partir desa curiosidade epistemológica e da certeza de que ensinar exige


pesquisa (FREIRE, 1999) que fomos em busca de novos saberes, reificados em uma
pesquisa de doutorado, para melhor compreender os processos formativos vivenciados
com as oficinas. Nesse viés, com apoio de Tardif (2014), afirmamos a importância de
identificar e valorizar “[...] o conjunto de saberes utilizados realmente pelos profissionais
em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas funções” (p. 255).
Falamos aqui de uma epistemologia da prática.

Quanto aos erros científicos presentes em alguns materiais, geralmente, só eram


identificados na apresentação final do produto na turma de IEC quando não havia tempo
para corrigi-los dentro do período letivo. Para mediar tal contexto, introduzimos duas
etapas a partir de 2018, uma envolvendo a validação prévia do material e outra a parceria
com docentes formadores de Química para atuarem como orientadores e coautores dos
produtos. Nesse sentido, a ampliação da duração da atividade foi fator decisivo para
favorecer a exequibilidade dessas etapas.

Sobre a orientação dos professores formadores de Química, em 2017 já havíamos


solicitado aos licenciandos que buscassem esse apoio, todavia não se efetivou. Por esse
motivo, em 2018, contatamos cada professor individualmente, apresentando a proposta
das oficinas com objetivos e etapas, para, somente então, efetuarmos convite de
participação. Um desafio nesse momento foi a disponibilidade de tempo para realizarem
essa orientação, pois não contaria em seu plano de trabalho. Os docentes que aceitaram,
tiveram o nome e a área de interesse indicados no material de orientação socializado com
os licenciandos no início de cada oficina também contendo fundamentação teórica, o
passo a passo da atividade e o cronograma. Ao final das oficinas de 2018 uma professora
formadora demonstrou insatisfação com o produto gerado por seus orientados, por
apresentar erro conceitual. Segundo ela, apenas um dos licenciandos do grupo a procurou
com maior comprometimento e os encontros foram insuficientes. Esta mesma docente
sugeriu o estabelecimento de um número mínimo de encontros de orientação e, também,
a prévia autorização do orientador para que o produto pudesse ser apresentado ao final da
disciplina. Tais procedimentos foram adotados na oficina de 2019 trazendo resultados
melhores em nível de orientação e de produtos gerados, embora nem todos os grupos
tenham atendido integralmente essas novas solicitações. Em 2020, em meio à pandemia,
não foi possível renovar essa parceria com os docentes formadores.

Fato é que, em nosso primeiro momento de qualificação no doutorado, narrando


sobre essas vivências dialogais (FREIRE, 1987; FREIRE, 2011) geradoras de saberes e
de práticas profissionais, fomos convidadas a refletir que, tão importante quanto o produto
gerado, são os processos formativos envolvidos em seu desenvolvimento. Não que já não
o soubéssemos com o intelecto, mas a força da experiência trouxe novo significado a esse
saber, agora compreendido com o ‘corpo’, na prática e com os outros, docentes e
licenciandos.

Já a abordagem CTSA dos conteúdos representa desafio ainda não adequadamente


mediado. Desde a primeira oficina, nosso objetivo foi de que os materiais didáticos
gerados não abordassem os conteúdos de Química/Ciências de forma puramente

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conceitual, desconexa da realidade, mas a partir de seus antecedentes e consequências
sociais, políticas, ambientais, econômicas para o planeta, englobando aí a humanidade
(SANTOS; AULER, 2011). Contudo, dos 57 produtos gerados desde 2013 apenas 11
apresentaram sintonia com essa proposta. Para além da preocupação com os produtos em
si, nos inquietamos com nossa própria dificuldade em contribuir para que os licenciandos
compreendam e promovam vivências embasadas nos pressupostos do movimento CTSA
para o ensino de Química/Ciências (CORTEZ, 2020; SANTOS, 2007).

Entendendo o desafio que tal abordagem representa, na oficina de 2020, ainda no


ambiente presencial, iniciamos o semestre com debates e estudos sobre a temática da
educação ambiental crítica (LOUREIRO, 2007), por julgarmos favorecer reflexões
pertinentes à abordagem CTSA dos conteúdos. Também propusemos estudos de
dissertações contemplando abordagem CTSA para o ensino de ciências. Ocorre que, com
o início do distanciamento social em função da pandemia da Covid-19 e a natural demora
para formalização legal da transposição das aulas para o ambiente virtual de
aprendizagem (AVA) no Moodle, essa discussão acabou se perdendo no espaço on-line.
Acreditamos que se nova oficina for realizada no formato das Atividades Pedagógicas
não Presenciais (APNPs), provavelmente, os desafios iniciais em nível de acesso e
domínio da ferramenta tecnológica serão minimizados. Todavia, os processos dialógicos,
críticos e reflexivos, fundamentais à formação docente, esses, acreditamos que não
poderão ser vivenciados em ambientes virtuais pensados como substitutos temporários
dos presenciais. Justificam-se, apenas, em contexto emergencial como o vivenciado.

Em nível de potencialidades das oficinas, ficou manifesta, desde o início em 2013,


a aptidão para promoção da ludicidade como princípio formativo. Os momentos de
apresentação na turma tinham uma dinâmica diferente em nível de sons mais elevados
com gargalhadas e brincadeiras. A organização do ambiente era mais livre e os ânimos
mais festivos. Nesse sentido, segundo Leal e D’Ávila (2013), uma atividade pode ter seu
potencial lúdico manifesto quando influencia no estado de ânimo dos envolvidos.
Entretanto, esses ânimos não foram sempre festivos. Ao longo do semestre havia
momentos de tensão, o que não deixa de ser uma influência no estado de ânimo, pelo
desafio da atividade no que tange à exigência de ininterruptos diálogos entre os saberes e
sujeitos. Com saberes científicos específicos, saberes pedagógicos e saberes da
experiência profissional (NÓVOA, 2014) e com sujeitos da formação e da educação
básica.

Para além da ludicidade como influência no estado de ânimo, o aprofundamento


teórico oportunizado pelos estudos doutorais e pela participação no Grupo de Estudos em
Ciência, Educação e Ludicidade (GE-CEL) contribuíram para ampliação de nossa
compreensão. A dimensão cultural da ludicidade (BROUGÈRE, 1997) é uma dessas
novas apropriações. Somente a partir daí percebemos o quanto de cultural há nos
processos formativos e nos produtos gerados com as oficinas. Um exemplo é o fato de
que, dos 57 produtos, 35 são jogos. Considerando que no universo cultural a expressão:
lúdico, em geral, remete ao brincar e este, comumente, direciona para jogos, não é de se
estranhar que o maior número dos produtos seja deste tipo. Ainda sobre os produtos,
frequentemente, traziam relação com a experiência de vida dos licenciando, denotando
influência cultural, também, no seu desenvolvimento e nos processos formativos daí
decorrentes. Uma dupla de licenciandos, por exemplo, montou um modelo didático de
filtro caseiro com garrafa pet a partir da vivência de um deles como funcionário em uma
estação de tratamento de água. Outra dupla, com auxílio do pai de uma licencianda e

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conhecedor de marcenaria, montou o jogo ‘cara a cara’ de Química Orgânica feito em
madeira e dobradiças. Uma das histórias em quadrinhos produzida foi organizada por uma
licencianda fã dessas narrativas gráficas sequenciais. Esses são alguns exemplos de como
é possível buscar envolver saberes, prazeres e experiências na forma como se aprende, se
ensina e se produz conhecimentos. Nesse sentido, Freire (1999), ao afirmar que ensinar
exige reconhecimento e assunção da identidade cultural, destaca que: “Uma das tarefas
mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os
educandos em relação uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam
a experiência profunda de assumir-se” (p. 46).

Essa assunção da identidade cultural dos sujeitos não se dá fora da dialogicidade,


outra potencialidade das oficinas que, para Freire (1987), trata-se de um fenômeno
humano indissociável da palavra entendida como ação e reflexão, como práxis, e não se
efetiva fora uma relação horizontal entre sujeitos (FREIRE, 2011). Para ele, ensinar exige
disponibilidade para esse diálogo (FREIRE, 1999). Nesse sentido, com intuito de estender
o campo dialógico das oficinas e ainda colocar o licenciando em contato com realidades
próprias do exercício da docência, a partir de 2019, solicitamos que os materiais fossem
produzidos a partir de demanda real da educação básica para ensino de Química. Como a
disciplina de IEC é ofertada no 5º período do curso de LQ, com grande parte dos
licenciandos vinculada ao estágio supervisionado, ao Programa Institucional de Iniciação
à Docência (PIBID) ou à Residência Pedagógica, não houve dificuldade em identificar
essas demandas e firmar parcerias. Nesse contexto, os licenciandos e nós, como docente
de IEC, que antes dialogávamos internamente com docentes formadores de Química e
licenciandos, ampliamos esse diálogo com docentes e discentes da educação básica,
público-alvo dos materiais didáticos.

Aprendemos com essas experiências e nos diálogos teóricos com FREIRE (1999),
que a disponibilidade ao diálogo é, ao mesmo tempo, uma abertura ao risco e à segurança.
“É impossível viver a disponibilidade à realidade sem segurança, mas é impossível
também criar segurança fora do risco da disponibilidade” (FREIRE, 1999, p. 152). De
fato, a sensação de estarmos, constantemente, pisando em solo instável, sem saber se
iríamos cair logo adiante ou prosseguir com firmeza, era e é uma constante nas oficinas.
Embora existam tipos de materiais produzidos com certa recorrência, nunca são iguais,
cada um tem uma abordagem, um conteúdo diferenciado, produzidos com materiais
diversos e aplicados por métodos, algumas vezes, inesperados. Seus processos de
produção nunca são iguais, cada grupo de trabalho tem a própria subjetividade, interesses
e história de vida. Orientar tudo isso é, sem dúvida, um campo minado de dúvidas e
inseguranças, mas ao mesmo tempo aberto a novos e múltiplos saberes. A chegada dos
professores formadores de Química, novamente, nos trouxe maior segurança quanto à
correta abordagem dos conceitos científicos, mas também riscos em nível de ideias,
metodologias, críticas e mesmo relacionamentos. Novamente Freire (1999) nos lembra
que:

Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro


algo que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e
conhecer o que ainda não sei. Minha segurança se alicerça no saber
confirmado pela própria existência de que, se minha inconclusão, de
que sou consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de
outro, o caminho para conhecer (p. 153).

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Para além dos diálogos entre sujeitos, as oficinas também favorecem diálogos
entre instituições de educação superior e educação básica e entre saberes. Neste último
caso, vale ressaltar o diálogo oportunizado aos professores formadores entre seus saberes
científicos, pedagógicos e da experiência (NÓVOA, 2014; TARDIF, 2014). Embora este
não tenha sido um objetivo idealizado no início das oficinas.

A produção de materiais inclusivos foi outra potencialidade concretizada nas


edições de 2018 e 2019 a partir de sugestão do Pedagogo do campus que realiza pesquisa
nessa área e viu potencial na nossa atividade para também abrangê-los. Assim, mais uma
vez pisando em terreno instável, mas sempre sedentas por novos saberes e melhores
contribuições formativas e sociais, acolhemos a sugestão e todos os materiais didáticos
produzidos em 2018 e parte dos produzidos em 2019 foram pensados para grupos de
pessoas/estudantes com deficiência. Esta foi, de fato, uma experiência rica em
aprendizados, mas desafiadora pelas especificidades que exigiu de todos. Lembramo-nos
da fala de um licenciando da turma de 2018 quando durante as orientações iniciais, depois
de ciente da proposta, nos questionou: “_ Espera aí professora, você quer que a gente
construa um material didático, que já não é fácil, que seja inclusivo e que aborde os
conteúdos com a proposta CTSA?” “_ Isso mesmo!” Foi o que respondemos. Embora,
intimamente mais preocupadas com a complexidade do processo do que deixamos
transparecer, assumimos com eles o desafio de caminharmos lado a lado e seguimos
dialogando acerca da nota formal destinada à atividade que os licenciandos julgaram
reduzida em função da demanda de saberes e fazeres que lhes seriam exigidos e ao que
atendemos dobrando a pontuação e esclarecendo que, mais importante que a nota são os
processos formativos.

Hoje, dialogando teoricamente com Rodrigues (2014), concordamos que “[...] a


melhoria da escola e da educação não pode ser feita sem um investimento capaz, decidido
e competente na formação dos professores como principais agentes de mudança”. Nessa
perspectiva, Comarú (2017) afirma que “[...] a questão do ensino de ciências para alunos
com deficiência, tem relação direta com uma mudança de paradigmas do professor quanto
às escolhas de suas metodologias e recursos pedagógicos” (p. 142). Para tanto, Rodrigues
(2014), cita 3 princípios formativos indispensáveis. O isomorfismo ressaltando que os
docentes devem vivenciar na formação experiências semelhantes às que enfrentarão na
atuação profissional. No Brasil, esse princípio se aproxima, em parte, do que foi nomeado
como simetria invertida (BRASIL, 2001a) e faz parte de um dos objetivos da Prática como
Componente Curricular (BRASIL, 2002; BRASIL, 2005; BRASIL, 2015). Com o
segundo princípio, a infusão, ele afirma a “[...] necessidade de os conteúdos sobre
educação inclusiva estarem ‘embutidos’ nos restantes conteúdos ministrados nos cursos
de professores” (RODRIGUES, 2014) e não somente em disciplinas específicas sobre
inclusão e diversidade. Um terceiro princípio aponta para a relação entre a teoria, a
investigação e a prática.

A julgar por esses princípios, acreditamos que, no formato atual, a oficina de


produção de materiais didáticos contempla a todos. Oferece experiência formativa
semelhante à atuação profissional, aborda saberes sobre inclusão em disciplina não
específica da área e exige diálogo entre ensino, pesquisa e extensão, que não se efetivam
fora da relação entre a teoria e a prática. Reforçando essa compreensão Silva, Sousa,
Sondermann e Comarú (2017), ressaltam que o docente, ao criar seu material, tem maior
oportunidade de planejar e decidir a própria prática e de aprender a buscar alternativas
críticas sobre vários aspectos do ensino e da aprendizagem. Contudo, uma pesquisa

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bibliométrica sobre educação inclusiva no ensino de ciências realizada por Comarú et al.
(2021) apontou que, dentre os artigos analisados a grande maioria discute apenas o uso,
a avaliação ou desempenho de metodologias e materiais já utilizados em aulas
tradicionais de ciências. Fato que reforça a importância de buscarmos processos
formativos em que licenciandos e nós, docentes formadores, nos tornemos autores e
criadores de novas práticas e materiais de ensino.

Como última potencialidade aqui destacada, a criação da Mostra de Materiais


didáticos ao final do semestre letivo se efetivou a partir de 2018 e ampliou os diálogos de
licenciandos e formadores com a comunidade acadêmica do campus e com a sociedade
de maneira geral, convidados não só a observar, mas para interagir com os materiais. Em
2018, especificamente, formalizamos convite ao Instituto Braille do município de Vitória
e ao Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas
com Surdez (CAS) do município de Vila Velha. Tivemos a presença de pessoas com
deficiência visual e auditiva que puderam interagir e avaliar os materiais didáticos. Foi
um momento de elevado valor formativo para licenciandos e docentes formadores.
Muitos ainda não tinham tido oportunidade de interagir com pessoas deficientes, mesmo
de maneira informal, menos ainda em uma relação lúdica e não-formal de ensino e de
aprendizagem.

Ao longo dos anos, quatro dos produtos criados foram apresentados pelos próprios
licenciandos no formato de comunicação oral em eventos nacionais de ensino de Química
e de Ciências e grande parte dos outros produtos foram apresentados na I ou na II Mostra
de Materiais Didáticos do campus Vila Velha do Ifes. Acreditamos que tais participações
contribuem para a vivência da rigorosidade metódica (FREIRE, 1999) como meio de
estimular a capacidade crítica, a curiosidade científica e a capacidade criadora dos
licenciandos. Ao participarem desses eventos eles são incentivados, já na graduação, a
assumirem postura de pesquisadores da própria prática e, também, adotar atitude
dialógica por envolver diferentes interlocuções, sempre dialéticas, exigindo
posicionamento crítico e ético.

Com isso, avaliamos que os desafios e potencialidades até aqui descritos guardam
elevada sintonia com a dimensão formativa da Prática como Componente Curricular
(BRASIL, 2005) que, em nossa compreensão, favorece à constituição de uma
epistemologia que, de fato, seja da prática (TARDIF, 2014), discussão que fazemos a
seguir.

PRÁTICA COMO COMPONENTE CURRICULAR E A ESPISTEMOLOGIA


DA PRÁTICA

A PCC é uma dimensão formativa que foi explicitada pela primeira vez na
legislação brasileira de formação de professores no Parecer CNE/CP Nº 28/2001 e na sua
respectiva resolução CNE/CP Nº 02/2002 que tratam da duração e da carga horária dos
cursos de formação de professores da educação básica, em nível superior. Originalmente
esse Parecer discute a relação entre teoria e prática na formação inicial docente e distingue
a PCC, da prática de ensino e do estágio obrigatório. Nesse interim, afirma que esta deve
se configurar como uma prática flexível que produz algo no âmbito do ensino,
transcendendo a sala de aula para o conjunto do ambiente escolar e da própria educação
escolar envolvendo uma articulação com órgãos normativos e executivos dos sistemas de
ensino. Além disso, deve estar presente desde o início do curso e em toda sua duração e

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concorrer para a constituição da identidade profissional do docente. “Esta correlação
teoria e prática é um movimento contínuo entre saber e fazer na busca de significados na
gestão, administração e resolução de situações próprias do ambiente da educação escolar
(BRASIL, 2001).

Em 2005, mediante consultas acerca da efetivação da PCC, o Conselho Nacional


de Educação (CNE) emitiu o Parecer CNE/CP Nº 15/2005 esclarecendo tratar-se de um
conjunto de atividades formativas que devem proporcionar experiências de aplicação de
conhecimentos próprios ao exercício da docência, bem como o desenvolvimento de
procedimentos específicos deste campo profissional. Foi com base nessas prerrogativas
que idealizamos as oficinas de produção de materiais didáticos. Hoje, dialogando
teoricamente com Tardif (2014), acreditamos que a dimensão formativa da PCC tem
elevado potencial em favorecer a consolidação de uma identidade profissional a partir da
constituição de uma epistemologia da prática docente. Nesse sentido, entendendo essa
epistemologia como conjunto de saberes utilizados pelos professores em seu espaço de
atuação profissional para desempenhar suas tarefas, Tardif (2014) afirma que sua
finalidade é:

[...] revelar esses saberes, compreender como são integrados


concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os
incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em função dos
limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho. Ela
também visa compreender a natureza desses saberes, assim como o
papel que desempenham tanto no processo de trabalho docente quanto
em relação à identidade profissional dos professores (p. 256).

Com base nessa compreensão é possível delinear alguns saberes que construímos
como sujeitos e com outros sujeitos nas oficinas de materiais didáticos. Dentre esses, a
dialogicidade se destaca como viabilizadora dos demais saberes. Acreditamos que, sem
ela não é possível idealizar alternativas teóricas, metodológicas ou profissionais de
produção de saberes. Retomando Tardif (2014) quando afirma que nossos saberes
profissionais se constituem no subjetivo e no coletivo, ainda que, individualmente,
tenhamos a potencialidade de produzir saberes e de transformar nossa realidade, fora do
social temos dificuldade em lhes dar significado.

Nesse sentido, o diálogo com licenciandos e docentes formadores nos tem


permitido ajustes metodológicos nas oficinas, o diálogo com os sujeitos da escola de
educação básica nos tem permitido construir novos procedimentos e fundamentos para
ensino, o diálogo com autores e orientadores nos tem permitido (re)construir saberes.
Inclusive os saberes sobre a própria dialogicidade que já detínhamos em nível intelectual,
mas que a vivência das oficinas trouxe novo sentido, ressignificando a própria teoria,
procedimentos metodológicos e posturas profissionais.

Aprender a caminhar de mãos dadas com a incerteza, eis um outro saber reificado
na prática das oficinas. Não que isso signifique descompromisso com a teoria ou com
formação. Ao contrário, corresponde ao estatuto de conhecimento das peculiaridades da
profissão docente, que, como todas as profissões, segundo Tardif (2014), mesmo se
baseando em disciplinas científicas, também necessitam de conhecimentos profissionais
que “[...] são, essencialmente, pragmáticos, ou seja, são modelados e voltados para a
solução de situações problemáticas concretas [...]” (p. 248). Assim, os conhecimentos

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profissionais exigem uma parcela de autonomia, improvisação e adaptação, demandando
capacidade de construir julgamentos em ação.

É nesse sentido que nosso desejo desde o início das oficinas foi criar situações
formativas semelhantes às da prática profissional docente, ainda que cientes dos desafios
que poderiam surgir. Na verdade, nossa intenção foi, também, de que, ao se depararem
com esses desafios, os futuros professores, ainda vinculados ao curso de licenciatura,
pudessem ser por nós acolhidos e orientados. Assim, o impacto das demandas da prática,
frequentemente urgentes, deixariam de ser algo totalmente desconhecido quando já na
atuação profissional.

Mais importante do que os produtos gerados são os processos formativos


envolvidos em sua construção. Outro saber corporificado na prática. Com isso queremos
dizer que, ainda que ao final da oficina o material didático apresente erro, sem tempo para
ser corrigido e sem poder ser reutilizado, ainda assim, os processos envolvidos na sua
produção e na identificação desses erros representam saberes construídos na prática, com
sujeitos, emoções, instituições e teorias. Embora de difícil dimensão, são saberes
utilizados pelos professores em situações análogas à sua atuação profissional para
desempenhar suas tarefas e contribuem para uma epistemologia nascida da prática. Com
isso, fica evidente para nós que não existe adequada formação docente fora da prática,
fora do ambiente da educação escolar. Daí a importância formativa dos estágios
supervisionados, do PIBID, da Residência Pedagógica, das atividades de extensão e de
práticas como a aqui apresentada das oficinas de produção de materiais didáticos.

A ludicidade na educação, para além de momentos de prazer durante atividades


de ensino, envolve a assunção da identidade cultural dos discentes e docentes, que por
poderem se assumir como sujeitos, tendem a acolher a identidade cultura dos outros e
construir ambiente com estados de ânimo favoráveis ao ensino e à aprendizagem. Eis aqui
outro saber construído a partir das oficinas.

Falar em inclusão escolar, sem falar em formação de professores é retardar o


alcance desse direito subjetivo de todos. Outro saber construído nas oficinas. Válido aqui
ressaltar que em 2018 os materiais construídos não partiram de demanda real das escolas,
mas de ideias e interesses dos licenciandos. Naquele momento, quando os jovens, adultos
e idosos cegos e surdos participaram da I Mostra de Materiais Didáticos do campus,
interagindo com os produtos e com os licenciandos, foi possível perceber o interesse da
maioria por conhecer mais e melhor os saberes científicos. Um idoso cego, por exemplo,
ao final, agradeceu e perguntou se os alunos não poderiam construir um material para ele
compreender o ciclo da água. Os licenciandos ficaram bastante envolvidos com o
contexto e podemos afirmar que comprometidos com o ensino de pessoas com
deficiência. Em que medida esse movimento influenciará em sua futura atuação
profissional? Não podemos afirmar, mas acreditamos que terá olhar diferenciado daquele
que não teve oportunidade de vivenciar experiência desta natureza.

Assim, como já mencionado, todos os saberes profissionais até aqui descritos e


(re)construídos na prática, não representam, necessariamente, novidades para a literatura
específica das respectivas áreas, mas resultam de vivências que oportunizaram sua
assunção e corporificação. Nesse contexto, entendemos com Tardif (2014) que “O
trabalho não é primeiro um objeto que se olha, mas uma atividade que se faz, e é
realizando-a que os saberes são mobilizados e são construídos” (p. 257).

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A (re)construção de saberes a partir das oficinas só foi possível porque se efetivou


na partilha entre diferentes sujeitos e contextos do ensinar e do aprender. Ganharam
sentido quando colocados em destaque em relação a um ambiente de trabalho coletivo,
unindo sujeitos, saberes e interesses. Com isso, para que as oficinas se mantenham como
espaços inclusivos de ensino, pesquisa e extensão, as parcerias com docentes formadores
e com docentes da educação básica são essenciais. Todavia, esses necessitam de situações
adequadas envolvendo tempo e valorização profissional. Falar em inclusão,
dialogicidade, ludicidade, caminhar na incerteza, apostar em novos processos formativos,
nada disso prescinde de condições de trabalho que as garantam.

Porém, temos aprendido, também com a experiência, que tais conquistas não se
darão fora da mobilização política (OLIVEIRA, 2017). Ainda que, nós docentes,
tenhamos sido historicamente levados pelas condições materiais da profissão no país a
não o fazer (CURY, 2021). Este é um saber que precisamos (re)construir. Com isso,
embora paradoxal diante do atual cenário político brasileiro com os retrocessos das
políticas públicas educacionais, as oficinas de materiais didáticos, ainda que não tenham
sido idealizadas com esse propósito, podem gerar ambiente propício à aproximação dos
profissionais da educação superior entre si e destes com os profissionais da educação
básica. Tal aproximação, tem potencial para gerar ambiente favorável à constituição de
vínculos profissionais que, por sua vez, são capazes de favorecer a (re)constituição de
saberes políticos em nível de categoria. Embora sejam movimentos lentos, acreditamos
que tendem a ser consistentes porque nascidos de interesses comuns: a melhoria na
formação dos professores e da educação por meio da (re)construção da profissionalidade
docente.

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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2. A INCLUSÃO DE PESSOA COM
DEFICIÊNCIA VISUAL NO CURSO DE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Kelly Natally Gama dos Santos4


Milene Maria da Silva Castro5
INTRODUÇÃO

A Educação Inclusiva é marcada por diversos movimentos de luta,


uma delas é a conquista do ingresso de pessoas com deficiências no âmbito universitário.
Referindo-se a Educação Superior, a educação inclusiva tem sido um espaço marcado
pela desigualdade de acesso e permanência de populações historicamente excluídas. As
instituições educacionais é um espaço de desenvolvimento humano e acervos de
experiência humana acumulada, por isso necessita promover e assegurar métodos de
apoio a todos que a integra (MARTINS, 2017). Segundo o Censo Demográfico de 2010,
no Brasil 46 milhões de pessoas declaram possuir alguma deficiência, o que corresponde
à 24% da população. Ainda em 2010, o Censo registrou que as desigualdades
permanecem em relação aos deficientes que têm taxas de escolarização menores que a
população sem nenhuma deficiência. Além disso, constatou que a deficiência visual
estava presente em 3,4% da população brasileira (BRASIL, 2010)

No século XIX foi introduzido os primeiros grupos para atendimento a pessoas


com deficiências, como cegueira e surdez no Brasil. Porém, apenas no século XX iniciou-
se à assistência especial para outras pessoas com deficiências (SILVA, 2006). Até meados
do século XX a educação da pessoa com deficiência se baseava no ensino de trabalhos
manuais, na tentativa de garantir-lhes meios de subsistência e assim isentar o Estado de
uma futura dependência desses cidadãos (JANUZZI, 2004). A partir de Dom Pedro II
começaram a surgir iniciativas oficiais e regionais relacionadas ao atendimento
educacional, em 1854 foi fundado o Imperial Instituto de Meninos Cegos, hoje
denominado de Instituto Benjamin Constant centro de referência na área da deficiência
visual na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1970, o modelo de integração no Brasil passou a ser cogitado, logo após


reinvindicações pelo direito e oportunidade educativa igual para todos. A Educação
Inclusiva vem sendo divulgada por meio da “Educação Especial” e teve sua origem nos
Estados Unidos com a lei pública 94.142/1975, resultado dos movimentos sociais de pais
e alunos com deficiência que reivindicavam o acesso de seus filhos com necessidades
educacionais especiais às escolas de qualidade (STAINBACK et al., 1999).

4
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus Jequié; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-
8068-7548.
5
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus Jequié. Departamento de Ciências Biológicas;
ORCID https://orcid.org/0000-0002-6416-7868.

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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A constituição Federal do Brasil de 1988, destaca em seu Art. 205 que “a educação
é um direito de todos e dever do Estado e da família”. Em 1994, a declaração de
Salamanca foi um marco na trajetória da Educação Inclusiva, a partir dessa, a Educação
Inclusiva se caracterizou como uma política de justiça social que alcança alunos com
necessidades especiais (SALAMANCA, 1994). Em 1994 a Conferência Mundial da
UNESCO sobre Necessidades Educacionais Especiais, declarou que “a educação é uma
questão de direitos humanos, e os indivíduos com deficiências devem fazer parte das
escolas” (DUARTE et al., 2015).

Ainda citando a constituição de 1988, o artigo 206, determina que o ensino seja
ministrado garantindo-se igualdade de condições de acesso e de permanência dentro do
âmbito educacional. Mais adiante, o artigo 208, estabelece que a escolarização seja feita
preferencialmente nas classes regulares, ficando o poder público responsável por garantir
o suporte necessário para viabilizar esse entendimento (BRASIL, 1988). Ademais, com a
aprovação da constituição de 1988, da Declaração de Salamanca e da Lei de Diretrizes e
Bases n° 9394/96 (LDB), houve uma grande conquista para os professores, pois baseado
nessas leis os direitos sublime da educação reconheceria a sua formação, como também,
a valorização do profissional da educação escolar. Além disso, em julho de 2015 foi
instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência nº3.146/2015 (LBIPD)
que assegura e promove as condições de igualdade, o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais da pessoa com deficiência.

De acordo com Figueiredo et al. (2011), os desafios para o estabelecimento da


educação inclusiva brasileira atravessam todos os níveis educacionais não deixando a
Universidade isenta. Bem como, Miranda (2007 apud Figueiredo et al., 2011) relata que
alunos que se matriculam em instituições de ensino superior passam por inúmeras
dificuldades para obter o acesso e a permanência, por certo, para o aluno com deficiência
independente da qual seja, é necessário que além de condições arquitetônicas também
sejam asseguradas adaptações curriculares e a contratação e formação de profissionais
preparados.

Segundo Barreto e Almeida (2014) a Educação Inclusiva é a consequência de um


movimento mundial que envolve estudos teóricos e práticos, com o objetivo de garantir
direitos aqueles que tenham capacidades e inteligências negadas por uma sociedade que
ainda caminha na prática da alteridade. Para Martins et al. (2017), a sociedade inclusiva
exige transformações, tanto arquitetônicas e urbanísticas quanto atitudinais diante das
pessoas com deficiência, assegurando assim, seu acesso, circulação e permanência em
espaços comuns.

Nesse contexto, Mantoan (2003) descreve a inclusão escolar como algo necessário
para aperfeiçoar as condições de uma instituição escolar, visando a formação de novas
gerações preparadas para acolher a diversidade humana, livre de preconceitos e
professores que elaborem suas práticas pedagógicas que contemple a toda sua diversidade
em sala de aula. Dessa maneira, a educação inclusiva é um avanço na mudança de valores
da educação tradicional, pois propõe novas políticas e restruturação do ensino e das
estratégias didáticas, tendo em vista, a demanda de pessoas com diferentes deficiências
ingressando em instituições educacionais (SILVA-NETO et al., 2018).

No entanto, após longos períodos de lutas e conquistas a educação inclusiva no


Brasil temeu ao retrocesso com a proposta do decreto nº 10.502/2020 que instituiu a

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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“Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao
Longo da Vida” a mesma propõe a retomada de uma política segregadora, aplicando
classes “especiais” dentro das escolas, após extensos debates esse decreto foi suspenso
(BRASIL, 2020).

Duarte et al. (2015) enumeram vários benefícios da inclusão, tanto para os alunos
quanto para os professores e a sociedade em geral. Porém, receber alunos com
deficiências em classes regulares e não desenvolver ações de socialização e participação
ativa não garante benefícios da inclusão. Por outro lado, Campos (2018) relata que a falta
de formação de professores, implica em uma atuação inadequada no processo de inclusão
escolar. Ressaltando que, para atuar com alunos com deficiência é necessário, ao
professor, recorrer a novos meios de pesquisa, novas alternativas de ensino e diversas
maneiras de aprender a ensinar (CARNEIRO, 2015).

CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

O estudo foi realizado na Universidade Estadual de uma cidade do interior da


Bahia, objetivando compreender as práticas de inclusão desenvolvidas para atender às
especificidades de um aluno com deficiência visual que ingressou no curso de Ciências
Biológicas, bem como, abordar discussões sobre Educação Inclusiva durante o processo
de formação do educando. O acesso de alunos com deficiência no ensino superior é
progressivo, portanto, é indispensável adentrar para além da acessibilidade, torna-se
fundamental compreender o atendimento adequado às necessidades do aluno e dos
educadores dentro da instituição.

De acordo com de Carvalho (1999) o ato educativo, além de pedagógico é


eminentemente político, é necessário para elevar a capacidade crítica dos professores de
modo a perceberem que a Universidade, como instituição social, está inserida em
contextos de injustiças e de desigualdades que necessitam ser modificados. E este é um
processo histórico condicionado pelas próprias condições de vida e resultado da ação
histórica dos homens.

Trata-se de uma pesquisa do tipo qualitativa e exploratória para organização e


direcionamento, conforme sustenta Minayo (2017) essa abordagem de pesquisa contribui
para a compreensão dos processos vivenciados entre grupos sociais e suas percepções
sobre o mundo e contribuem para a observação e compreensão das variedades de aspectos
encontrados no decorrer do estudo.

Participaram da pesquisa um aluno com deficiência visual ingresso no curso de


Ciências Biológicas, professores que lecionaram para esse aluno do primeiro ao quinto
semestre letivo e, a coordenadora do Núcleo de Ações Inclusivas para Pessoas com
Deficiência (NAIPD). Como representante institucional. O procedimento utilizado para
coleta de dados foi: realização de entrevista semiestrutura gravada, pois essa técnica
proporciona entrosamento social capaz de romper isolamentos grupais, individuais e
sociais, além de haver uma democratização da informação (MIGUEL, 2017). Para
identificação dos participantes foram utilizados codinomes: discente e coordenadora, os
docentes foram enumerados usando números naturais, a fim de, garantir o sigilo e
preservação da identidade dos participantes.

Para análise de dados, foram criadas 5 categorias, sendo elas: (1) Trilhando
caminhos: relato de experiência de discente com deficiência visual; (2) Educação

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Inclusiva na perspectiva dos docentes; (3) Explanação dos professores e aluno sobre as
experiências em suas disciplinas; (4) Políticas de Inclusão da Universidade: acesso e
permanência e (5) A formação de um professor de Ciências com deficiência visual. Os
meios escolhidos para elaboração do trabalho enquadraram-se no pensamento de Vergara
(2009), que enfatiza o relato de vivência, investigação e processo de construção realizada
no local de pesquisa, sendo assim, permite envolvimento do pesquisador nas vivências e
nos relatos de experiências dos participantes.

TRILHANDO CAMINHOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DE DISCENTE COM


DEFICIÊNCIA VISUAL

O discente discorreu sobre seu processo que o levou a perda da visão, que iniciou
quando a sua mãe teve uma complicação durante à gravidez, que não foi diagnosticada
com antecedência, dessa maneira, no seu nascimento os médicos o diagnosticaram com
miopia. No ano de 2010, aos 29 anos o discente teve perda total da sua visão, diante disso,
constatou-se que a complicação que sua mãe obteve na gravidez ocasionou uma película
na retina de seus olhos, devido ao equívoco médico e o uso de óculos de grau durante
muitos anos acarretou a destruição do seu globo ocular e no falecimento do seu nervo
óptico.

Durante a sua infância algumas escolas já o recusavam, pois havia desculpas de


não possuir nenhum tipo de adaptação e o discente necessitava de letras maiores nos livros
e materiais disponibilizados para estudo, porém de acordo com Schuetzer (2015), a partir
do século XIX as escolas no Brasil já deveriam ter uma diligência para acolher alunos
com deficiência visual, mas somente durante o século XX houve a categorização dessas
pessoas dentro de uma norma “Necessidades Educativas Especiais” (NEE) na intenção
de colaborar com o ensino-aprendizagem desses indivíduos.

Ressaltando que com a LDB/1996 as crianças com deficiência têm os mesmos


direitos sociais de igualdade e oportunidades educacionais. Ainda narrando sua trajetória,
o discente alega ter sido e ser um excelente aluno nas escolas as quais frequentou,
desfrutava de uma boa relação com os seus colegas de classe e professores, porém destaca
que havia um empecilho em relação aos professores não conseguirem contribuir de
maneira significativa para o seu processo de aprendizagem.

Nesse contexto, Garcia (2006) assinala, ainda, que os professores que ministram
aula para alunos com deficiência visual no ensino fundamental I e II, poderiam se
comunicar com os pais ou responsáveis dessa pessoa para traçar meios de comunicação
que auxilie no seu ensino, além de que, é essencial questionar ao discente a melhor
maneira para desenvolver trabalhos, suas dúvidas e contribuições, para juntos realizarem
um trabalho mútuo.

Ainda percorrendo pela sua trajetória educacional, o discente cursou dois cursos
técnicos antes de ingressar na Universidade, no entanto seu sonho era cursar medicina,
porém “abriu mão” de seu objetivo após perda total da visão, mas pelo amor as células
resolveu adentrar no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, ainda relata que, o
fortalecimento da sua entrada no curso se deu por conta de seu ex-sogro que era professor
na área de zootecnia e o motivava dialogando sobre as disciplinas que existiam no curso
e a área de atuação do profissional biólogo. Durante os seus cinco semestres cursados,
argumenta ter afinidade pelas disciplinas da área de botânica e que pretende se
especializar na mesma durante sua trajetória universitária.
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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA PERSPECTIVA DOS DOCENTES

De acordo com o docente 1, a educação inclusiva no âmbito educacional deveria


ser baseada no rendimento do discente durante as disciplinas cursadas em cada semestre,
ou seja, se o aluno obtiver um rendimento favorável na disciplina, ele estará sendo
incluído. Já o docente 2, descreve a educação inclusiva como uma ciência que permite as
pessoas com deficiências fazerem parte de um contexto educacional, visando não somente
a entrada dessas pessoas à Universidade, mas garantir a sua permanência, entretanto, o
docente 3 compreende a educação inclusiva como uma oportunidade semelhante de
aprendizados.

Esses três docentes relacionam a educação inclusiva como dispor possibilidades


para que pessoas com deficiências possam compreender os conhecimentos
compartilhados no âmbito educacional. Mas, segundo Pedroso (2016, p.33) a educação
inclusiva é um movimento que pressupõe não só uma escola ou universidade
comprometida com o ensino da diversidade, mas um professor com conhecimento para
atender às especificidades de cada aluno. Ademais, a LBIPD (2015) evidencia que é
necessário promover condições de igualdade e o exercício dos direitos e das liberdades
por pessoas com deficiência, visando a sua inclusão e não apenas a sua integração.

Na visão do docente 6, a educação inclusiva é uma dimensão de todo processo


educativo em que todos os sujeitos tenham as mesmas possibilidades de acessar o
processo de ensino-aprendizagem de maneira igualitária. Os docentes 3 e 6 foram os que
chegaram mais próximo do conceito de Educação Inclusiva, conceituando-a como uma
educação que inclua a todos e não apenas a pessoa com deficiência. Oliveira (2004)
propõe a educação inclusiva como uma nova possibilidade de reorganização dos
elementos constituintes do cotidiano educacional e conforme Rogalski (2010), a educação
inclusiva é um ato político, onde é necessário elevar a capacidade crítica dos professores
de modo a perceberem os contextos sociais no qual a sua instituição está inserida.

EXPLANAÇÃO DOS PROFESSORES E ALUNO SOBRE AS EXPERIÊNCIAS


EM SUAS DISCIPLINAS

Do ponto de vista de experiência, todos os professores narraram que ministraram


aula para um aluno com deficiência visual pela primeira vez, nesse contexto, o docente 2
descreve a necessidade da discussão do tema “Educação Inclusiva na formação de
professores de ciências com deficiência visual”, não somente do aluno com deficiência,
mas de um modo amplo, salientando que a educação inclusiva nunca havia sido discutida
durante o seu processo de formação. O docente 2, deixou assentado que utilizava de
modelos práticos em tamanho real com altos relevos no decorrer da disciplina, além de
mencionar a importância da assistência do NAIPD, deixando claro que foi um período
enriquecedor para o seu conhecimento, independentemente de ter sido o seu primeiro
contato.

Já o docente 4 evidencia que ocorreu reuniões com os docentes do departamento


para que houvesse a socialização sobre as experiências dos professores com os alunos
com deficiência ingressos no curso, acentuando que este foi o único momento para o
diálogo sobre o tema, o docente ainda relata que tentava incluir o aluno na sua disciplina
realizando modelos práticos em alto relevo, para que através do toque o discente
compreendesse e visualizasse o que a turma observava pelo microscópio eletrônico e lupa,
o mesmo dedicava um dia para sanar as possíveis dúvidas desse aluno e em atividades -
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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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teóricas/práticas visava inclui-lo no processo de discussão com toda a turma, entendendo
que os modelos produzidos serviram para o aprendizado de todos que estavam
matriculados em sua disciplina.

Conforme sustenta Masseto (2003), é importante que os professores busquem que


seus alunos aprendam, mas que fiquem atentos as especificidades do processo de
aprendizagem. Nessa perspectiva Denari e Sigolo (2016, p. 17) decorrem que os
professores necessitam de apoio interno e externo para realizar materiais didáticos
adequados, além de um tempo específico para atender à diversidade em sala de aula.

O docente 5, relata que se sentiu amedrontado na vivência, pois não sabia como
discorrer o assunto da disciplina para que o discente compreendesse o conteúdo, mesmo
com o auxílio das técnicas do NAIPD, visto que os funcionários da assistência não tinham
formação na área de biologia ou afins. Ainda sob o olhar de Denari e Sigolo (2016, p.18)
os dispositivos legais deveriam dispor de serviços de apoio para os professores atuarem,
segundo esse preceito, haverá uma educação de qualidade que se propõe atender ao
máximo as necessidades educacionais.

Mediante essas considerações, o discente narra que se considera um excelente


aluno, pois se formou em dois cursos técnicos, além de ser um bom ouvinte para
compreender os assuntos, seu único empecilho seria a maneira que alguns docentes
atendem a sua especificidade. Contudo, o discente demonstra que os acontecimentos na
sua vida escolar não o impediram de se apaixonar pela biologia, perpassando as
adversidades e as adaptações que seriam enfrentadas.

POLÍTICAS DE INCLUSÃO DA UNIVERSIDADE: ACESSO E PERMANÊNCIA

A Universidade onde o estudo foi realizado, conta com a contribuição do Núcleo


de Ações Inclusivas para Pessoas com Deficiência (NAIPD), que surgiu em de 2007 com
o ingresso de dois alunos cegos nos cursos de Pedagogia e Letras, nesse período o núcleo
funcionou com a parceria da Associação Jequieense de Cegos (AJECE) durante um ano
e meio, até que em determinado momento a Universidade compreendeu que deveria
cumprir com as políticas de inclusão para garantir os direitos social e educacional desses
alunos, ao invés de uma organização não governamental está cumprindo esse papel,
assim, como consta na Lei nº 13.146/2015 no seu Art. 10º que “é competências do poder
público garantir a dignidade da pessoas com deficiência ao longo de toda vida” e no seu
Art. 27º retrata a educação como direito da pessoa com deficiência e que são assegurados
do sistema educacional inclusivo em todos os níveis de aprendizado ao longo da vida.

Sendo assim, no ano de 2009 foi implementado o Núcleo com a contribuição da


pró-reitoria da Universidade e a partir desse momento, a demanda de novos alunos com
deficiência ingressos na Universidade aumentaram e o público-alvo naquele momento era
pessoas com deficiências físicas, cegos e surdos, pois o papel da Universidade é exercer
a função de inclusão para todos.

A coordenadora do NAIPD relata que esses anos foram um período difícil e ainda
é, mas não mais que antes, pois a visão dos gestores na época era de que pessoas com
deficiência eram doentes, havendo uma resistência para incluir práticas metodológicas e
equipamentos que contribuísse para a permanência desses alunos na instituição.

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Januzzi (2004) declara que no Brasil os deficientes sempre foram tratados na área
clínica e utilizavam meio de reabilitação psicopedagógicas, mas nada relacionado ao
ensino-aprendizagem dessas pessoas. A coordenadora do NAIPD ainda ressalta que
naquela época houve o ingresso de alguns alunos com deficiência nos cursos da área de
saúde e para os professores e gestores da instituição foi um impacto, pois não acreditam
no desenvolvimento acadêmico dessas pessoas nessa área, para Santos e Mendonça
(2015) o professor tem um papel fundamental no processo de aprendizagem de todos os
seus alunos, sendo assim, quando se tem uma ideia preconcebida que enfatiza a
incapacidade de aprendizado de aluno com deficiência, a relação aluno-professor torna-
se árdua.

Atravessando todo contexto da implementação do NAIPD dentro da


Universidade, é de suma importância frisar que para os professores entrevistados o
Núcleo é torna-se imprescindível para que ocorra a comunicação e o entendimento da
especificidade do discente com deficiência visual, apesar de em determinado momento
ocorrer falhas nesse diálogo, porém a coordenação do Núcleo esclarece que para adequar
os materiais disponibilizados pelos professores demanda um determinado tempo, pois
todo o processo é realizado por um software.

Dado o exposto, o discente relata não ter o que questionar da Universidade, apesar
de não receber nenhum tipo de bolsa foi contemplado com empréstimo de notebook e
diversos auxílios de permanência ofertados na instituição, além de ter horários de leitura
de texto e descrição de imagens com as técnicas do Núcleo.

A FORMAÇÃO DE UM PROFESSOR DE CIÊNCIAS COM DEFICIÊNCIA


VISUAL

Refletindo sobre essa temática, os docentes entrevistados enfatizam estarem


apreensivos com o conhecimento adquirido pelo aluno no decorrer de cada semestre,
partindo de uma ideia ampla de que o curso de Ciências Biológicas é extremamente
visual. Nesse direcionamento Poker et al. (2016), descreve que a inclusão não é uma
modalidade, mas um início de um trabalho educativo que visa contemplar as
especificidades educacionais que representam exigências construtivas da educação.

Considerando as vivências dos professores, o docente 1 admite não ter confiança


no aprendizado desse aluno na sua disciplina, sendo assim, não consegue idealizar esse
aluno ministrando uma aula futuramente. Contraposto, o docente 3 acredita que esse
discente sairá preparado para enfrentar o mercado de trabalho, pois todos os alunos
possuem suas especificidades em compreender o conteúdo da disciplina, por isso, são
formuladas estratégias de ensino para facilitar o aprendizado de todos os presentes em
sala de aula, por conseguinte realizará o processo de inclusão.

Dado o exposto acima, o docente 2 acredita na formação de professores não só


como um tema de discussão do licenciado com deficiência visual, mas de formar críticos
capazes de dialogar sobre a educação inclusiva de maneira fluída, afirmando ter
expectativas positivas na formação do discente.

Ao referir sobre o assunto, o discente alega estar preparado para assumir uma sala
de aula, pois consegue trabalhar com materiais adaptados e microscópio eletrônico, além
de que, considera não sentir dificuldades ao ministrar uma aula sobre os diversos assuntos
da área que está se formando. E assim, partindo do princípio de que essa seria a maneira

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de praticar a educação inclusiva, envolver o outro independente das especificidades de
cada pessoa.

Além disso, Freire (1996) retrata que “ensinar não é transmitir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”, partindo dessa ideia, a
educação é um encadeamento animado e adaptável possibilitando diversos entrelaces.
Prosseguindo, o discente explana o seu agradecimento ao Núcleo de Ações Inclusivas
para Pessoas com Deficiência e aos professores que estiveram ao seu lado buscando novos
métodos de ensino-aprendizagem, fazendo com que não desistisse do curso independente
das adversidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença da Educação Inclusiva no Ensino Superior traz à tona as seguintes


reflexões: Quais são as possibilidades de assistência e permanência para esses alunos
dentro da Universidade? Quais são os recursos disponíveis para sanar a especificidade de
cada pessoa e profissional envolvido?

A partir do estudo realizado nessa Universidade, é possível concluir que os


docentes entrevistados apresentam dificuldades e apreensões por estarem obtendo um
primeiro contato com um licenciando com deficiência visual, mediante as circunstâncias
todos buscaram métodos alternativos de ensino, além de contar com a colaboração do
Núcleo de Ações Inclusivas para Pessoas com Deficiência.

É compreensível que os docentes tenham uma apreensão, dado o histórico da


educação inclusiva no Brasil, mas esse primeiro contato é significativo, pois é com os
acertos e erros que se criam os acervos de experiência. Logo mais, quando houver o
ingresso de outras pessoas com deficiência visual no curso de Ciências Biológicas as
estratégias traçadas pelos docentes estarão se aprimorando cada vez mais, de modo que
possa contribuir para o processo de ensino aprendizagem. Compreendendo as
especificidades de cada docente, o deslinde do tema traz à tona a necessidade da discussão
sobre a Educação Inclusiva durante o processo de formação do educador e a importância
da inserção das políticas de assistência e permanência dentro da Universidade.

O encerramento deste estudo deixa evidente que a educação inclusiva é um


processo de aprendizado contínuo e necessita de uma demanda de saberes sociais. A
educação dispõe de uma vasta legislação que auxilia na estruturação de uma educação
para todos, sendo assim, é necessário a busca por novos saberes e novas práticas de
ensino, salientando que o Estado não deve se isentar de disponibilizar todo amparo
estrutural para que a inclusão aconteça, pensando na formação do discente e na
capacitação do docente.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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3. APRENDIZAGEM EXPANSIVA NO ENSINO
DE CIÊNCIAS PARA ALUNOS COM
DEFICIÊNCIA VISUAL

Sofia Castro Hallais6


Maria da Conceição de Almeida Barbosa-Lima7
INTRODUÇÃO

O ato de ensinar envolve uma abordagem teórica e prática, que implica


na aprendizagem do aluno, sendo mais abrangente do que o simples espaço da sala de
aula. Assim, ensinar requer conhecimentos específicos e um repensar constante das ações
docente para facilitar o processo de aprendizagem.

Foi-se o tempo em que para dar aulas usava-se aqueles cadernos, já com folhas
amareladas, como um “manual” de determinada aula e que era aplicado a todas as turmas.
Temos o embasamento científico com pesquisas na área de Ensino, que comprovam que
cada aluno é diferente e da importância de o professor elaborar um planejamento didático
voltado para seu aluno. Ressaltamos, que a prática docente vai além de quem ensina ou
de quem aprende, mas quem aprende a aprender.

Quando abordamos sobre a práxis docente, refletimos também sobre os currículos


de formação que, em geral, são um aglomerado de disciplinas sem estarem
interconectadas e contextualizadas. E para uma turma inclusiva, infelizmente são poucas
instituições que possui uma disciplina específica que trata do processo de ensino e
aprendizagem de alunos com necessidades especiais, e quando este professor chega à sala
de aula se questiona: Como eu dou aula para fulano? Não aprendi nada sobre esta situação
na graduação, o que eu faço? Será que fulano vai entender o que eu falo?

Como busca a respostas para essas reflexões, fundamentamos este artigo na Teoria
da Atividade de Engeström abordando sua Teoria da Aprendizagem Expansiva
(ENGESTRÖM, 1987). Segundo essa teoria a aprendizagem expansiva, não se define
entre professores e alunos, pois o potencial expansivo está na articulação entre os sujeitos
e não no conhecimento isolado de um deles. Como uma formação de um grupo de pessoas
que compartilham um mesmo objeto orientador de suas atividades e têm seus próprios
instrumentos, suas regras e formas de divisão de trabalho (ENGESTRÖM, 2016).
Apresentamos essa perspectiva para o professor, no Ensino de Ciências para alunos com
deficiência visual, pois nos orienta sobre quais ações escolher para facilitar o processo de
aprendizagem desse aluno.

6
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde no Instituto Oswaldo
Cruz (IOC/FIOCRUZ) ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3556-6886
7
Professora Doutora, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/FIOCRUZ) ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1290-0060

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Nossas pesquisas estão voltadas para o processo de ensino e aprendizagem de
alunos com deficiência visual, com um dos propósitos de compreender como se ensina e
como se aprende. A busca por essa compreensão nos levou a enxergar a sala de aula como
um laboratório investigativo onde é possível partir da premissa de que as aulas compõem
uma pesquisa complexa acerca da atividade e como determinadas ações podem
impulsionar as aprendizagens.

Portanto o objetivo deste trabalho é mostrar como esses conceitos da


Aprendizagem Expansiva, em conjunto, podem servir como aporte teórico-metodológico
para a prática docente, seja inclusiva ou não.

TEORIA DA ATIVIDADE: BREVE HISTÓRICO DAS TRÊS GERAÇÕES

A Teoria da Atividade, tem suas raízes históricas oriunda da Teoria Histórico-


Cultural, que foi desenvolvida na década de 30 do século XX, na antiga União Soviética
pelo teórico Lev Semenovich Vigotski – considerado a primeira geração.

Os pressupostos fundamentais de Vigotski, que correlacionam com a temática


deste estudo, são: a concepção do homem como um ser que se constitui em contato com
a sociedade, com base nas relações sociais e no contexto histórico; a cultura é parte
essencial do processo de construção da natureza humana, e a relação homem-mundo é
uma relação mediada por sistemas simbólicos. Sendo assim, para o professor, as relações
sociais em sala de aula são fundamentais para o processo de construção do sujeito que
interfere diretamente no desenvolvimento do pensamento e do raciocínio de cada um.
Vigotski (1994), afirma que o homem é um ser cognoscente que tem em suas mãos o
poder de traçar seu destino, mesmo frente às adversidades que possa encontrar em seu
percurso, tendo a capacidade de superá-las e assim podendo promover a sua emancipação.
Compreendemos que a superação é uma das capacidades que os professores possuem em
sua prática docente diante das múltiplas diversidades dos alunos que surgem as
necessidades metodológicas adequadas para cada realidade.

E o papel do professor em sala de aula, é denominado como mediação para


Vigotski (1995), que o caracteriza como sendo uma atividade mediada por signos e
ferramentas – instrumentos psicológicos e físicos, respectivamente. Para
compreendermos melhor, a ferramenta está dirigida para fora, para provocar mudanças
no meio, e o signo está direcionado para dentro, para as operações psicológicas. Ambos,
direcionam ações diferentes e auxiliam no desenvolvimento cultural do sujeito, tanto para
o professor como para o aluno.

Essa relação é mediada entre estímulo-resposta, como representada pela Figura 1.


MEDIAÇÃO

ESTÍMULO RESPOSTA

Figura 1 – Relação mediada


Fonte: Vigotski (1991, p. 44)

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Após a pesquisa final de Vigotski e com o desenvolvimento da Teoria da
Atividade, a representação acima é modificada: o estímulo e resposta são substituídos por
sujeito (S) e objeto (O) respectivamente (RUSSEL, 2002). Ilustra-se a primeira geração
da Teoria da Atividade, quando o teórico propõe reflexões das relações construídas a
partir da atividade, representada pela Figura 2.

ARTEFATOS MEDIADORES

SUJEITOS OBJETOS

Figura 2 – Modelo da Teoria da Atividade na primeira geração


Fonte: Vigotski (1991, p. 45)

Os estudos de Vigotski, deram base para o teórico Alexis Nikolaevich Leontiev –


considerado a segunda geração - continuar com a pesquisa e desenvolver a Teoria da
Atividade (TA), com a fundamentação do conceito de atividade que relaciona ao contexto
em que o sujeito está inserido. Leontiev (2016), afirma que os homens direcionam suas
atividades de maneira intencional através de ações planejadas, sendo assim, em sala de
aula não podemos nomear todos os processos de atividade, como o autor salienta que:

Não chamamos todos os processos de atividade. Por esse termo


designamos apenas aqueles processos que, realizando as relações do
homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial
correspondente a ele. Nós chamamos de atividade um processo como,
por exemplo, a recordação, por que ela, em si mesma, não realiza, via
de regra, nenhuma relação independente com o mundo e não satisfaz
qualquer necessidade especial (LEONTIEV, 2016, p.68).

Nesse sentido, a atividade se constitui na movimentação dialética dos seguintes


pressupostos: é orientada por um objeto que responde à necessidade do sujeito, sendo
identificado como o motivo da atividade e executado por meio de ações e operações
planejadas de acordo com as características sociais e culturais dos sujeitos envolvidos e
o conteúdo a ser trabalhado. Essa estrutura da atividade, de acordo com o quadro 1,
permite compreender a estrutura da consciência, que é o resultado das relações do sujeito
com a realidade material que o cerca e da atividade do sujeito nesse cenário (LEONTIEV,
1978).

Atividade Motivo/Objeto
Ações Metas/Objetivos
Operações Condições
Quadro 1 – Estrutura da Atividade de acordo com Leontiev
Fonte: Leontiev (1978)

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Tal teoria, parte do princípio de que toda atividade é intencional e surge das
necessidades, ressaltando a importância de o professor elaborar e desenvolver um
planejamento que atenda ao objetivo do conteúdo e que perpassa pelo contexto histórico,
cultural e social de todos os sujeitos envolvidos.

A Teoria da Atividade não cessou seus estudos, sendo continuada e expandida por
Yrjö Engeström (1987) – considerado a terceira geração - com foco no estudo do
desenvolvimento coletivo, na aprendizagem como contexto de atividade compartilhada
em diferentes cenários e o potencial de desenvolvimento que essa atividade
compartilhada oferece (ENGESTRÖM, 1987, 2010, 2013). Entendemos essa atividade
compartilhada quando o professor promove em sala de aula a troca de conhecimentos e a
participação dos alunos em todas as etapas de desenvolvimento do conteúdo a ser
explorado.

Após esse breve quadro histórico, iremos nos aprofundar no próximo tópico sobre
os pressupostos da Teoria da Atividade por Engeström e o desenvolvimento da Teoria da
Aprendizagem Expansiva.

TEORIA DA ATIVIDADE NA PERSPECTIVA DE ENGESTRÖM

Conforme foi apresentado, o avanço na compreensão da mediação permitiu


ampliação de três gerações no escopo de análise da Teoria. Recapitulando, a primeira
geração: temos uma estrutura hierárquica da atividade com o fator principal sendo a
mediação do artefato, no entanto, saber somente essa geração não é suficiente para
compreender todas as modificações do sistema de atividade. Sendo assim, surge a
segunda geração, que se preocupa com a transformação entre os níveis da atividade e é
caracterizada pela sua importância em colocar o foco nas inter-relações que existem em
um sistema de atividade (Engestöm,1999).

É importante destacar que Leontiev não fez modificações no esquema triangular


de mediação de Vigotski, mas sua proposta deu fundamentos a Engeström (1987), para
continuar com os estudos e acrescentar alguns elementos que consideram ser a terceira
geração da atividade, conforme mostra a Figura 3 a seguir.

Figura 3 – Estrutura do sistema de Atividade


Fonte: Engeström (2002, p. 36)

Nessa estrutura, o Sujeito pode ser um indivíduo ou grupo, Objeto é algo concreto
para a qual a atividade está dirigida e é transformado em Resultado com o auxílio dos

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artefatos mediadores. Estes podem ser materiais (ferramentas) ou simbólicos (signos) e
medeiam as ações. Na Comunidade, estão outros indivíduos que compartilham o mesmo
Objeto, no nosso caso poderia ser o professor, a escola, entre outros. A Divisão do
Trabalho refere-se a divisão horizontal de tarefas e a divisão vertical de poder que existe
no sistema de atividade. Por fim, as Regras dizem respeito às normas, seja explícita ou
implícita, que restringem as ações naquele sistema de atividade (ENGESTRÖM;
SANINNO, 2016).

A partir desse sistema, Engeström considera que o foco da atividade não é apenas
para um sujeito, no caso o aluno, mas para toda a coletividade, como por exemplo: a
família, o aluno, a escola e o professor. Neste sentido, surge o modelo sistêmico da
atividade no qual é mediada também por elementos sociais/coletivos em um sistema que
demanda negociação. Para ficar claro, temos o seguinte exemplo: um professor passa uma
tarefa em sala de aula para os alunos, um desses alunos ao chegar em casa comenta com
a família sobre o que aprendeu e de que forma foi feito, a mãe não concorda e se dirige
até a escola para reclamar com a coordenação e esta reclama com o professor, afirmando
que dependendo do conteúdo não se pode inovar tanto. É um caso clássico, e há diversos
outros, para exemplificar como uma determinada ação move toda a comunidade escolar,
e determinadas escolhas vão influenciar diretamente no trabalho docente e na
aprendizagem do aluno.

Salientamos que essa proposta de atividade, é um processo colaborativo por reunir


a relação entre os artefatos, sujeitos, objetos, regras, comunidade e a divisão de trabalho,
que o autor assim o define:

“[...] um sistema de atividade refere-se à formação relativamente


estável de um grupo de pessoas inseridas em um sistema que possua
seus próprios instrumentos, regras e divisão de trabalho, tendo como
objetivo dar forma a um objeto compartilhado (ENGESTRÖM, 2013,
p. 242).

Podemos dizer também, que esses sistemas de atividades são formações coletivas,
dirigidas a um objeto, que evoluem ao longo de períodos extensos, frequentemente
assumindo a forma de instituições e organizações (DANIELS, 2011).

Continuando com a pesquisa, Engeström (1999), apresenta uma rede de sistema


de atividade interativa para ser analisada e se propõe a responder questionamentos que
objetivam explicar a atividade humana, nesse sentido temos o surgimento da terceira
geração representada na Figura 4. Ele expande a estrutura da segunda geração, ao explicar
as mudanças que ocorrem nas práticas humanas como uma rede de sistemas de atividade,
como por exemplo, o professor planeja abordar o conteúdo de uma forma e na aula
percebe-se que os alunos não compreenderam, para isso na aula seguinte precisará
abordar de outro jeito, essas mudanças e ações vão representar esse sistema de atividade.

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Figura 4 – Modelo mínimo da terceira geração da Teoria da Atividade


Fonte: Engeström (2002, p. 38)

O modelo apresentado acima é considerado mínimo, pois depende das interações


e das respostas dos sujeitos, à medida que o processo de desenvolvimento da
aprendizagem ocorre, essa triangulação transforma-se em rede de sistemas. Em sala de
aula, ocorre por exemplo a seguinte situação: o professor apresentou o conteúdo e fez um
determinado questionamento, um aluno responde, outro questiona remetendo a situação
vivenciada, e o professor afirma que a resposta está presente em outro conteúdo, mas
ambos se ligam criando essa rede de sistemas, no qual o professor pode apresentar os
conteúdos expandidos para aquela vivência e demais situações equivalentes.

Engeström estabelece princípios que caracterizam essa nova proposição da Teoria


da Atividade, que de acordo com os autores Ploettner e Tresseras (2016), em uma
entrevista com Engeström e Sannino o conceito de atividade é determinado por
seteprincípios: o primeiro sendo o Laboratório de Mudança que está relacionado com os
métodos de aplicação em vários cenários; o segundo o trabalho de agência e geração de
agência transformadora, como os sujeitos envolvidos na pesquisa se relacionam com o
ambiente escolhido para a prática; o terceiro o sistema de atividade coletivo que é
mediado e orientado pelos objetos; o quarto é a multivocalidade que representa a
importância das diversas vozes trazidas ao sistema, que nosso caso o professor e o aluno;
o quinto a historicidade de cada sujeito envolvido nesse processo; o sexto trata das
contradições, isto é, as questões apontadas pelos participantes, e o sétimo princípio pauta-
se na possibilidade de transformações expansivas no sistema de atividade, caso a
atividade precise de algumas mudanças de ações para facilitar a compreensão do aluno
ou quando o objeto escolhido precise de novos ajustes, temos consequentemente
expansão da atividade em si.

Devido aos sistemas de atividade estarem em constante mudança, como por


exemplo pelas trocas, questionamentos, conflitos compartilhados em sala de aula,
Engeström (1987) explica essas transformações como ciclos expansivos de movimentos
contínuos de construção e resolução de tensões e contradições, que abordaremos no
próximo tópico, por ser fundamental para a prática docente.

TEORIA DA APRENDIZAGEM EXPANSIVA

A Teoria da Aprendizagem Expansiva, desenvolvida por Engeström (2002), é a


expansão da Teoria da Atividade. Nela, recomenda-se que os alunos tenham a
oportunidade de vivenciar no ambiente escolar: a crítica, o questionamento, contradizer
e debater; descobrir soluções alternativas.
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Engeström (1987) explica que a cada ação pensada e executada na sala de aula
ocorre transformações de aprendizagem, gerando ciclos expansivos que são movimentos
contínuos de construção e resolução de tensões e contradições, em um sistema que
envolve objeto, artefatos e as perspectivas dos participantes envolvidos. Precisamos
esclarecer que esses ciclos não são lineares, não seguem estágios pré-definidos, na
verdade são movimentos cíclicos, instáveis, que o professor pode fazer modificações a
cada necessidade e a análise desse sistema auxiliará ao professor a melhorar sua prática
facilitando a aprendizagem dos alunos.

O ciclo de aprendizagem expansiva possui uma sequência, para que o professor


(no nosso caso) possa se guiar, planejar e fazer as mudanças, representado na Figura 5.

Figura 4 – Ciclo da aprendizagem expansiva


Fonte: Engeström (1999, p. 38)

Cada parte seguida de número apresentada no ciclo acima, chamaremos de ação,


conforme os pressupostos da teoria. Neste sentido, o ciclo inicia-se com a primeira ação
de questionar, que pode representar tanto uma pergunta problematizadora para iniciar a
aula ou uma pergunta investigativa que o professor busca por respostas. A segunda ação
é analisar uma situação, sendo constituída pelos contextos histórico, dos participantes
envolvidos, e a atual e empírica que explica as relações internas.

Em seguida a terceira ação, que visa construir um modelo que ofereça uma solução
para o questionamento determinado na ação 1. A quarta ação é examinar se o modelo
(desenvolvido na ação 3) atende a proposta estabelecida. A quinta ação é a implementação
do modelo, isto é, o professor testar em sala de aula com os seus alunos.

A partir da sexta ação tem-se o processo de análise, em refletir sobre o ciclo de


aprendizagem expansiva, identificar e compreender as limitações, respostas e o
desenvolvimento do conhecimento acerca do conteúdo. E por fim, a sétima ação, que visa
consolidar as novas práticas desenvolvidas e fazer novos ciclos.

DEFICIÊNCIA VISUAL

Após a apresentação da Teoria da Atividade, é imprescindível conhecer os alunos


para que o planejamento seja capaz de atender todas as especificidades. Pensamos numa
turma inclusiva, que há alunos sem e com deficiência visual, e para que haja equidade o
professor precisa planejar as aulas que possa incluir todos os alunos.

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Para compreender melhor o aluno com deficiência visual, recorremos ao decreto
n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta as leis n. 10.048 e 10.098 e
conceitua a “Deficiência Visual” da seguinte forma:

Cegueira – a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho,


com a melhor correção óptica; a Baixa visão - significa acuidade visual
entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos
nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos
for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer
das condições anteriores. (BRASIL, 2004, sp)

No entanto, é possível encontrar um universo de variáveis entre cada aluno com


baixa visão ou cego, por isso é fundamental considerar os aspectos pedagógicos como as
características físicas e psicológicas, a funcionalidade no uso do resíduo visual
(diagnóstico e prognóstico, acuidade visual para longe e perto, sensibilidade aos
contrastes, visão para cores, prescrição de recursos ópticos e orientação para o seu uso)
(ALVES et al., 2019). Essas considerações, irão dar condições ao professor em selecionar
e buscar por recursos, estratégias e metodologias adequadas para o desenvolvimento da
aprendizagem destes alunos.

Ressaltamos a importância de o professor ter uma formação que pelo menos seja
apresentado as especificidades dos alunos com deficiência e onde buscar por auxílio, mas
infelizmente sabemos que na prática não é assim, muitos professores são apresentados a
estes alunos apenas na sala de aula. A finalidade deste trabalho, é nortear e minimizar
essas barreiras. A seguir iremos elucidar alguns caminhos para os professores de Ciências,
sabendo que não é um recurso fechado a determinados alunos ou uma disciplina
específica, mas uma oportunidade expansiva.

ATIVIDADE ORIENTADORA PARA OS PROFESSORES DE CIÊNCIAS

Conforme foi discutido ao longo deste texto, é fundamental o professor conhecer


seus alunos, para que a partir deles e do conteúdo específico possa planejar uma atividade
que perpassa por todos os aspectos sócio-histórico-culturais com o objetivo de
contextualizar o conhecimento da vivência do sujeito. É muito comum, por exemplo, o
professor em sala de aula falar sobre um tipo de planta e não saber se o aluno a conhece,
ou falar do risco de fazer “gato” em cabos de energia e a família daquele aluno sempre
faz, são situações que sem o conhecimento prévio do professor pode apresentar mais
barreiras que o próprio conteúdo em sim. Por isso a importância, de fazer perguntas para
se investigar as preconcepções, concepções alternativas, investigar o meio social daqueles
alunos.

Tal situação se agrava, quando temos uma turma inclusiva, principalmente de


alunos com deficiência visual, que é preciso considerar suas limitações, habilidades, seu
cotidiano, a fim de aproximar o conteúdo daqueles alunos. O planejamento da atividade,
conforme vimos na Teoria da Atividade, é orientadora, intencional, com motivação e
ações que desenvolvem o saber crítico, facilitam a autonomia e participação do aluno.

O estudo e a análise do planejamento, como o esquema triangular e o ciclo


expansivo de Engeström, após a aplicação em sala de aula, oferece subsídios para o
professor compreender os diálogos, os conflitos e as mudanças, e principalmente o que
pode melhorar.

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A fim de exemplificar como o professor de Ciências pode colocar em prática tais
pressupostos, apresentamos alguns trabalhos recentes (ALMEIDA, 2017; CARVALHO,
COUTO, CAMARGO, 2018; CENCI, VILAS BÔAS, DAMIANI, 2020; SANTOS,
BRANDÃO, 2020; LAGO, ORTEGA, MATTOS, 2019; MONTEIRO, et al., 2019) que
abordam a Teoria da Atividade para alunos com deficiência visual no ensino de Ciências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentamos neste trabalho três vertentes: o ensino de Ciências na perspectiva


de formação de professores, a Teoria da Atividade e a Teoria da Aprendizagem Expansiva
de Engeström. Ambos os temas, se unem para servir como aporte teórico-metodológico
para a prática docente, quando há uma turma inclusiva de alunos com deficiência visual.

Conforme a Teoria da Atividade, cabe ao professor conhecer seu aluno para


elaborar um planejamento contextualizado adequado e buscar por metodologias que irão
facilitar o processo de ensino e aprendizagem. E a Teoria da Aprendizagem Expansiva se
complementa ao elucidar que o processo é cíclico e aberto, que as mudanças estão no
objeto e os sujeitos são participantes ativos que auxiliam na construção do saber.

Ressaltamos, que essa abordagem não se encerra aqui, é uma possibilidade de o


professor refletir esses conceitos, observar sua prática e seus alunos, para tentar encontrar
um caminho que mais se adeque à sua realidade cultural, histórica e social.

E para o ensino de Ciências inclusivo, salientamos que adaptar materiais para


alunos com deficiência visual irá garantir a aprendizagem em sala de aula, é muito mais
além que isso, é preciso saber como usar, em qual momento aplicar, de que forma, para
que esses alunos tenham a mesma oportunidade e acesso ao conhecimento que os demais.
Trouxemos pontos relevantes da teoria que inicia essa reflexão ao leitor desse texto, o
professor, para que a partir da teoria possa melhorar sua prática.

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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4. CONSTRUÇÕES REFLEXIVAS DO ENSINO
DAS CIÊNCIAS POR ENQUADRAMENTO DE
MEMÓRIAS COMO PRODUÇÃO DISCURSIVA
DE UMA EDUCOMUNICAÇÃO INTERATIVA

Marcia Regina da Silva Ramos Carneiro8


Marcia Mendes9
Jean Victor Barreto Costa10
O ENSINO DAS CIÊNCIAS: FORMALIDADES INSTITUCIONAIS E DESAFIOS
DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS

Ao apresentar a obra Ensino de Ciências por investigação: condições


para a implementação em sala de aula (2020), organizado pela professora Anna Maria
Pessoa de Carvalho, Maria Candida Capecchi discorre sobre o espaço escolar, a partir da
“sala de aula”, como encontro entre conhecimentos diversos em que a relação pedagógica
entre professor-estudante-conhecimentos se constitui por diferentes dimensões, inclusive
de ordem afetiva “relacionadas às expectativas de cada um” (CAPECCHI in
CARVALHO, 2020, p. VII). E a mesma professora Anna de Carvalho aponta que as
condições atuais para o Ensino de Ciências enfrentam questões quanto acúmulo das
produções científicas que são confrontadas, nas práticas escolares, com a proposta
curricular apresentadas pela Base Nacional Curricular editada em 20 de dezembro de
1996 (Lei nº 9.394/1996) e a BNCC que, desde 2017, vem sendo elaborada e
implementada com modificações quanto às escolhas temáticas e de abordagens.
Considerando o acúmulo das produções científicas, enquanto produto da humanidade,
Anna de Carvalho aponta para a importância de se privilegiar a qualidade de ensino ante
a perspectiva conteudista, que privilegia a quantidade de informações repassadas aos
estudantes.

As mudanças propostas pela nova BNCC para o Ensino de Ciências incluem não
somente modificações na nomenclatura dos Eixos Temáticos, mas, também, em relação
à proposta de complexificação de habilidades a serem construídas durante o processo de
Ensino-Aprendizagem. Neste mesmo sentido, a BNCC, ainda em vigor, propõe:
“proporcionar aos alunos o contato com processos, práticas e procedimentos da
investigação científica para que eles sejam capazes de intervir na sociedade. Neste

8
Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento (UFF – Campos dos Goytacazes). ORCID: :
https://orcid.org/0000-0001-6400-4199 .
9
Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-
6730-9083
10
Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (UFF – Campos dos Goytacazes).
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4044-1209 .

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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percurso, as vivências e interesses dos estudantes sobre o mundo natural e tecnológico
devem ser valorizados.” (BRASIL, MEC, BNCC, 2017).

Quanto aos Planos Curriculares Nacionais (PCNs), Thiago Wedson Hilario e


Helaíny Wanyessy Kenya Rodrigues Silva Chagas (2020) discorrem sobre as orientações
quanto ao Ensino de Ciências que constam na Base Nacional Comum Curricular
homologada em dezembro de 2017 e implementada em 2018.

Ao abordarem as contextualizações históricas que correspondem às das


implantações do Ensino de Ciências no Brasil os autores apontam as perspectivas que, na
década de 1950, correspondia ao ideal de formação para o cientista de elite. Na década de
1960, segundo os autores, a tendência seria a de formação do cidadão e, na década de
1970, a perspectiva voltar-se-ia para a formação profissional.

Rose Rico observa que no documento referente aos terceiro e quarto ciclos as
nomenclaturas foram modificadas e o tema “Ambiente” ampliava-se como “Vida e
Ambiente”, enquanto “Recursos Tecnológicos” passava a ser nomeado: “Tecnologia e
Sociedade”.

Na prática, a maior parte das escolas e os livros didáticos os distribuíam


de maneira linear e isolada, com um assunto sendo abordado inteiro de
uma vez. Em geral, o 6º ano trabalhava Terra e Universo, o 7º, Seres
Vivos e o 8º, Corpo Humano e o 9º, Matéria e Energia, por exemplo.
(RICO, 2017, pp. 1-2)

Esta constatação é importante quanto à prática escolar cotidiana dos professores


do Ensino das Ciências: a distância entre o conteúdo e a vivência científica dos
educandos. Uma questão, em prol da prática pedagógica, e como recurso didático, precisa
ser constantemente relembrada pelo professor: “Até que ponto o teor dos conteúdos
ensinados é apreendido pelos estudantes como parte de suas existências como seres
humanos convivendo em sociedade?”

Diante de expressões negacionistas propagadas na atualidade, numa conjuntura


pandêmica, o Ensino de Ciências tem papel fundamental. E até que ponto os Projetos de
Educação delineados a partir do Estado são desenvolvidos como projeto educacional que
vise mudanças positivas em termos de progresso intelectual e na qualidade de vida dos
educandos?

Embora as mudanças nos PCNs tenham tido o propósito de sintetizar, e viabilizar,


o Ensino de Ciências, com a organização em três unidades temáticas: 1. Matéria e
Energia; 2. Vida e Evolução; 3. Terra e Universo. E, apesar do esforço pedagógico de
uma mudança de paradigma, com a proposta de aplicação de um currículo espiralado,
com a complexificação dos conteúdos, anteriormente apresentados e que retornam às
temáticas desenvolvidas nas classes seriadas, de acordo com as referências acumuladas,
em forma de conhecimento, dos educandos, ainda é preciso repensar as relações abstratas
que o Ensino da Ciência reproduz entre conhecimento (que é real) e a vida (também real)
dos estudantes.

Os atuais PCN, segundo Rico, ao proporem o trabalho em espiral, com a repetição


dos eixos temáticos, indicam a projeção “de uma progressão da aprendizagem no conjunto
de habilidades propostas têm por objetivo facilitar a compreensão, com os conceitos

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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sendo construídos gradativamente, com complexidade maior ano a ano, conforme avança
o desenvolvimento e a maturidade dos alunos. “(RICO, 2020, p. 2).

Rico aponta, ainda, que a BNCC, ao intentar a integração entre as unidades


temáticas, deixa evidente o tratamento dado ao tema sustentabilidade socioambiental.
Conforme cita a autora, o documento propõe que o Ensino de Ciências deve contribuir
para o entendimento da importância da biodiversidade em prol do equilíbrio dos
ecossistemas.

Esta temática também deve ser abordada, quanto à relação entre produção e
consumo, considerando a extração dos recursos naturais e exploração industrial, dos usos
de combustíveis fósseis e a relação do aproveitamento abusivo, pós Revolução Industrial,
destes recursos ante as consequentes mudanças climáticas que atingem o Planeta.

É importante destacar que estas questões estão presentes nos debates em classe, já
desenvolvidas por professores engajados (transgressores) em projetos que visam
promover a percepção crítica em relação ao meio ambiente.

Como elenca Rosi Rico, os pressupostos dos PCNs preservados na atual BNCC
referem-se à concepção do Ensino de Ciências enquanto conhecimentos que fornecem
elementos para a compreensão do mundo e de suas transformações. O Ensino de Ciências
também contribui para a consciência corporal, considerando a saúde como um valor
pessoal e social.

Considerando a prática pedagógica, em sala de aula, como exercício intelectual


do educador e, ainda que, como tal, o professor construa uma relação de dependência em
relação à Estrutura curricular, como intelectual, o professor assume a posição de
independência esclarecida quanto à praxis educativa. No célebre texto Resposta à
Pergunta: O que é “Esclarecimento” (Aufkläqrung)?, publicado em 1783, Immanuel
Kant responde que “Esclarecimento” significa assumir a capacidade de fazer uso do
entendimento sem a direção de outro indivíduo. A constatação desta capacidade,
enquanto aquisição intelectual individual é elemento fundamental para uma Educação
libertadora. O esclarecimento condiz com o desenvolvimento das especificações
disciplinares definidas durante o século XIX, o século das Ciências. Definições
caudatárias das “revoluções” Copernicana, Galilaica, Cartesiana e, fundamentalmente,
Newtoniana.

A concepção newtoniana do ordenamento do mundo, ainda que contraposta às


teorias quânticas e relativistas, permanece como fundamento estrutural econômico e
social e mesmo absorvido por uma concepção escatológica da natureza divina. Não se
pode negar as relações que se estabeleceram entre conservadorismo liberal e religião que
vêm suportando o neoliberalismo desde a Era Thatcher/Reagan, na segunda metade do
século XX e que se confunde, na atualidade brasileira, com um “patriotismo” de direção
estadunidense, e profético em direção ao Estado de Israel. O cristianismo neopentecostal,
ainda que considerando a diversidade de engajamento à atual política estatal, é usado
como “pano de fundo” midiático e anti-esclarecimento, assumido por uma plataforma
política conservadora antidemocrática.

Contrapondo-se a este movimento “negacionista” é tarefa do Ensino das Ciências


esclarecer. E entender-se como educador é entender-se como intelectual e, como tal,
promotor de esclarecimentos.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Quando Francisco Weffort aponta, em suas “Reflexões sociológicas sobre uma
pedagogia da Liberdade” na apresentação do livro: Educação como Prática da
Liberdade, de Paulo Freire, publicado em 1967, ele demonstra a posição privilegiada do
educador no sentido de sua capacidade libertadora, como possibilidade de intervenção no
mundo: a capacidade de transformação, pois de “esclarecimento”. Na concepção
freiriana, esta condição do esclarecimento era confrontada, no período que corresponde
ao da ditadura militar, no contexto de uma

Sociedade intensamente cambiante e dramaticamente contraditória.


Sociedade em “partejamento”, que apresentava violentos embates entre
um tempo que se esvaziava, com seus valores, com suas peculiares
formas de ser, e que “pretendia” preservar-se e um outro que estava por
vir, buscando configurar-se. (FREIRE, 1985, 35)

Esclarecimento, para Paulo Freire, corresponde, portanto, a ruptura com a


“educação” para a “domesticação” do “homem-objeto” propondo uma educação para a
liberdade: a educação para o homem-sujeito.

Nesta perspectiva, pretende-se, neste trabalho, contribuir com a metodologia


interativa que se constitui como instrumento não restrito ao ambiente escolar, mas como
meio para intervenção nas realidades contextuais dos educandos e educadores.

O Ensino de Ciências também pressupõe o entendimento das implicações


intersubjetivas que dizem respeito à convivência social e o uso ético das pesquisas e
produções científicas, quanto ao impacto das ações humanas em suas relações com a
natureza.

Neste sentido, a Educomunicação, enquanto área de conhecimento, atua como


interface entre comunicação e educação e como possível ferramenta didática que promove
a interação por intermediação tecnológica, seja virtual ou física.

As experimentações virtuais que exigiram dos professores reorganizações de


planejamentos e de práticas nestes tempos pandêmicos, impactaram o Ensino de Ciências
e de outras disciplinas. Porém, a esta intermediação cibernética “emergencial” não pode
ser atribuída a nomenclatura de “Educomunicação”.

Segundo Adilson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa (2011), a


Educomunicação surge no Brasil por intermédio de Anísio Teixeira e Roquette Pinto que
contribuíram para a introdução de tecnologias da comunicação, assim como
“reordenações sociais, culturais, filosóficas, das passagens históricas que caracterizam o
mundo no pós-guerra e que ajudaram a forjar a alta modernidade ou pós-modernidade
(...)” (CITELLI & COSTA, 2011, p. 7) que teriam levado à redefinições de projetos,
procedimentos e objetivos em relação à Educação.

Deste modo, considera-se a Educomunicação como um dos instrumentos


metodológicos cuja centralidade da comunicação que, na perspectiva da pedagogia de
Paulo Freire, deve identificar-se com a promoção do autorreconhecimento do educando
como sujeito ativo de mudanças de sua realidade pois consciente de sua condição no
mundo.

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Samiles Vasconcelos Cruz Benedito, ao elaborar o Guia Prático em
Educomunicação destinado a professores, reproduz a definição do professor Ismar Soares
da Universidade de São Paulo: “ Educomunicação é

o conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e


avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e
fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos
presenciais ou virtuais, assim como a melhorar o coeficiente
comunicativo das ações educativas, incluindo as relacionadas ao uso
dos recursos da informação no processo de aprendizagem. (SOARES
In BENEDITO, 2019, p. 3)

Desta perspectiva, a proposta de um Ensino de Ciências inclusivo, interseccional


e interativo deve ser integrador das relações teóricas e práticas no processo que considera
a concepção Socioambiental enquanto concepção da realidade vivida em comum, na
totalidade do ambiente educativo: escola/família. Enquanto a concepção de Escola não
deve se restringir ao edifício e aos demais espaços da instituição escola. Também, a
instituição família assume os contornos contemporâneos em sua composição: família é
considerada, neste sentido, o ambiente relacional que reúne pessoas por vinculações
parentais ou genealógicas e ou por afinidades e afetividades. Estas questões globais que
estão presentes no cotidiano escolar, complexo, difuso, é compreendido pela
interseccionalidade como trabalho intelectual dialógico desprovido de autoritarismos e de
posicionamentos hierárquicos: o educador também e educando e o educando também é
educador, como demonstra toda a obra de Paulo Freire.

A interseccionalidade pressupõe a constatação da inerência humana quanto as


diferenças. Ser humano é uma concepção universalista de uma igualdade original
biológica, ou racial. Porém, a diversidade cultural apresenta-se ora como intermediadora
ou subalternizada pelos processos de expansão globalizadora que atravessam a história,
por todos os continentes.

A interseccionalidade, essencialmente, é inclusiva, polissêmica e poliglota, como


escrevem Patricia Collins e Sirma Bilge (2021), pois não exclui abordagens
comportamentais ou linguagens. A interseccionalidade não restringe a modernidade por
sua conotação pós-moderna no que se refere às referências à fluidez identitária em
oposição à individuação cartesiana. A interseccionalidade pode ser apreendida como
possibilidade do Ser e não restringe a ação educativa do professor do Ensino de Ciências,
quando se leva em consideração à promoção da inclusão por interação participativa.

Utilizando a linguagem como “ferramenta” metodológica participativa em


Projetos de Extensão, Carneiro aponta que esta “ferramenta” metodológica adquire
dimensão educativa quando referidas à três funções para a interação social que, de acordo
com Carneiro são: “configuração de identidades, a ativação dos conhecimentos de mundo
e o estabelecimento de vínculos e compromissos.” (CARNEIRO, 2003, p. 69).

Deste modo, a dialogização estabelecida entre educador e educandos requer,


ainda, construções didáticas com uso de linguagens metodológicas e midiáticas, suportes
para interações educativas inclusivas, com suas variadas possibilidades sócio-culturais
libertadoras de quaisquer estigmatizações sociais, atávicas ou físicas. A interação não tem
a pretensão de igualar, mas de promover a relação de igualdade na convivência das
diferenças. A inclusão, portanto, adquire significado de participação.

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Esta participação requer meios, mediações e metodologia que objetivem
resultados perceptíveis enquanto práticas educativas. No caso do Ensino das Ciências, a
Pedagogia de Projetos, enquanto técnica, é apresentada por José Adilson dos Santos
Guerra (2018) como agência motivadora das construções dialéticas entre teoria e prática
educativa. Concebendo o educando também como agente motivador crítico em relação
aos desafios sócioambientais do mundo contemporâneo. A proposta pedagógica por
Projetos, segundo Guerra deve servir de ferramenta para o “desenvolvimento das
capacidades de observação, análise, raciocínio lógico, comunicação e abstração.

Ainda como proposta fundamental, seguindo a perspectiva de um “Ensino de


Ciências por investigação”, conforme a proposta apresentada por Anna Maria Pessoa de
Carvalho, acima citada, acrescenta-se o projeto de uma Educação diferenciada por meio
de construções de Aprendizagem baseada em Projetos. William Bender contribui com a
definição desta Aprendizagem baseada em projetos como “modelo de ensino que consiste
em permitir que os alunos confrontem as questões e os problemas do mundo real que
consideram significativos, determinando como abordá-los e, então, agindo
cooperativamente em busca de soluções.” (BENDER, 2015, p. 9).

Cabe ressaltar que quando Fernando Hernández propõe a Transgressão e


mudança na Educação por meio de Projetos de Trabalho, ele conclui que “Não é possível
recriar a a Escola se não se modificam o reconhecimento e as condições de trabalho dos
professores” (HERNÁNDEZ, 1998, p.9). Transgredir, para para autor, significa opor-se
ao ideal comportamentista disciplinar e construir uma outra relação com a educação: a do
estímulo à imaginação criadora, à paixão, ao afeto e ao “risco por explorar ovos
caminhos” (HERNÁNDEZ, 1998, p.13).

EDUCOMUNICAÇÃO POR ENQUADRAMENTO DE MEMÓRIAS: A


INTERAÇÃO FOTOGRÁFICA

Vivemos em uma sociedade cada vez mais imersa em telas, telas essas recheadas
de formas e representações. As imagens se tornam meio significativo para compreensão
e apreensão do mundo real, efetivando mudanças na nossa percepção como seres
humanos e sujeitos históricos. A fotografia (escrita com luz) desenvolvida de forma
coletiva e turbulenta, que surge no séc. XIX, é instrumento de linguagem e de ordem
técnica da impressão. O mundo ocidental se depararia, a partir de então, com novas
questões para compreender as dimensões e campos de representação.

Paralelamente, o processo de desenvolvimento da impressão com a luz abre alas


para novos dispositivos de atuação e representação sobre o mundo real (radio, cinema...),
contudo, não vem ao caso se debruçar no estudo sobre as demais tecnologias de
comunicação. Esse trabalho carrega em seu bojo questionamentos relacionados a
capacidade pragmática do ato fotográfico a partir da sua recente massificação (câmeras
digitais, celulares...). Será a fotografia um elemento de base técnica e teórica capaz de
rediscutir nossa realidade e compreender as complexidades do mundo atual? Será a
dialética, imbricada no ato fotográfico, capaz de abrir nossos olhos para a necessidade
crítica de olhar o mundo?

O estudo que tende à novas compreensões do uso fotográfico é crescente no


campo da epistemologia e da filosofia da linguagem, tanto pela característica da imagem
rastro, quanto pelo complexo processo sensitivo da produção fotográfica, que atinge
diretamente o campo dos signos, importante campo que ordena nossos entendimentos
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sobre os significados que empregamos sobre o mundo. Com a fotografia sendo
responsável por reorganizar e impor novos desafios para compreender os signos que
recheiam nossa realidade.

Por meio do desenvolvimento desses estudos a fotografia sofre uma série de


intervenções sociais que se tensionam sobre os seus usos, sentidos e itinerários. Esse
movimento se complexifica a partir da percepção dos transeuntes sobre a realidade que
os cerca e um crescimento vertiginoso das tecnologias da informação.

Parte-se da constatação de que estamos inseridos em uma cultura visual e em um


mundo informatizado, onde a dinâmica de produção e reprodução das imagens se
modificam a cada dia, com novos dispositivos, desde os métodos manuais à total criação
digital com a computação gráfica. Utilizamos da relação entre escola e territórios, através
da perspectiva de uma didática ética, estética e dialética que possibilita maior interação e
trocas educativas, que não sejam a leitura escrita formal, já conhecida. O que se pretende
é alinhar as possibilidades do uso da fotografia de celular a fim de explorar outras
ferramentas; sendo as oficinas de fotografia com celular um instrumento didático para o
ensino e aprendizagem e construção do conhecimento na perspectiva inter e
transdisciplinar.

A mensagem fotográfica tem a capacidade de nos envolver com sua cínica


fragilidade, e o mundo que a constitui nos perturba, estremece à nossa lucidez e embriaga
nossa percepção, isso se dá pela sua capacidade denotativa e conotativa. “A cena literal
deve ser lida como a mensagem denotada, isto é, o conteúdo objetivo da fotografia:
planos, composição, objetos, pessoas, gestos. A cena cultural cabe na mensagem conotada
e resulta em sentido simbólico ou em representação na fotografia.” (Experiências de
mídia-educação: estudando a fotografia no Ensino Médio. Unicamp. 2012.)
Evidenciando, que para a leitura da imagem, é preciso se ater às camadas que compunham
a imagem fotográfica.

A fotografia, ou melhor, a mensagem fotográfica – se organizaria com


base em um repertório de signos pertencentes à cultura ocidental,
entretanto, o sentido atribuído a essa organização teria como elemento
de estruturação a ideologia burguesa e como forma de dominação, a
hegemonia dos meios de circulação da mensagem fotográfica.” (Org.
SHIAVINATTO, Iara, COSTA, Eduardo. Cultura Visual e história,
“Fotografia Pública e a experiência histórica contemporânea,
possibilidades metodológicas '' .- 1. ed. São Paulo: Alameda, 2016. Pag.
177.)

Diante dos desafios apresentados pelo desenvolvimento da tecnologia fotográfica


e dos meios de difusão dessas fotografias em que a sociedade imerge em imagens que
constroem realidades e mesmo “fatos” que p~em em debate a produção de cultura visual.

É importante destacar que cultura visual pressupõe transdisciplinaridade. O


debate sobre o conceito de cultura visual se intensificou nos últimos vinte anos. Segundo
o texto “Cultura Visual e História”, da Iara Lis Franco Shiavinatto e Eduardo Augusto
Costa, esta se constitui enquanto campo de saber e disciplinar, e foi introduzida no âmbito
da Teoria do Conhecimento a partir de meados dos anos de 1990. A partir de 1990, houve
uma reorganização que expandiu a compreensão de cultura visual, não simplesmente um
estudo sobre tipologia documental, relacionando avaliações entre texto e imagens,

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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apelando para teoria da representação, retornando a verossimilhança e universalização da
visão. Trata-se de um campo com problematizações amplas do que um assunto bem
definido.

Considerando o que se impõe na atualidade pedagógica na qual o processo de


ensino aprendizagem deve ser capaz de contribuir para sujeitos críticos ativos
socialmente, aponta-se para a necessidade não somente da interação dialógica e
intertextual entre as disciplinas escolares, mas, simultaneamente, da percepção educador-
educando de que o conhecimento que se faz do mundo integra-se a sua “experimentação”.

Partimos de uma premissa básica: a fotografia ocupa um lugar central na cultura


contemporânea, por isso devemos influenciar a leitura de imagens. Hoje somos todos
fotógrafos, como salienta o fotógrafo Pedro Meyer. Com essa afirmação observa-se a
necessidade de introduzir uma leitura crítica de fotografia, incentivando a observação
analítica, produção de imagens, o conhecimento técnico e a reflexão sobre a sua prática.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Pode-se atribui ao Ensino de Ciências no Brasil um histórico de complexidade na


diversidade. Extraindo dos contextos históricos brasileiros as relações entre Ciência e
Política, é possível encontrar importantes debates, contradições e concordâncias
relacionais entre estes dois aspectos que, apesar de aparentemente dissonantes, estão
localizados na mesma estrutura sócio-cutural: pertencem à superestrutura enquanto
processos ideológicos. A história da Ciência Moderna é a história da construção do
pensamento burguês, da concepção do individualismo e da política como território dos
“comuns” na concepção do parlamentarismo, desde o século XVII, caudatária das
concepções republicanas nas obras de Maquiavel, Morus, Erasmo, entre outros.

No Brasil colonial, embora visto pelo viés da dependência à Monarquia


portuguesa, esta, ao trazer a corte para o território brasileiro, introduziu neste, malgrado
a oposição ao império napoleônico, as mesmas características do Ensino Superior
promovido pela Revolução francesa: as Escolas Superiores de Medicina, Direito e
Politécnica.

Durante o Império, a Imperatriz Leopoldina incentivou as pesquisas naturalistas,


com a vinda de Von Martius e Johann Baptist Von Spix, doutores em Medicina.

Embora restringido às elites econômicas e sociais o acesso à Educação científica,


não se pode negar a existência de produção científica no Brasil durante o século XIX.

Apesar dos distanciamentos impingidos pelo acesso desigual à educação e pela


permanência, até a atualidade, de abismos educacionais, os esforços dos professores do
Ensino de Ciências são postos em cheque cotidianamente. Na atualidade, do Ensino de
Ciências exige-se uma “pedagogia engajada”. Um engajamento que, conforme a
perspectiva apontada por bell hooks (em letras minúsculas, como defende a autora), parte
do lugar social no qual está inserido o educador. Do seu “lugar de fala”.

Mas o “lugar de fala” do professor pode produzir hierarquização na relação entre


professor e estudante? Esta é uma questão complexa que a autora, influenciada por Paulo
Freire coloca em questão: Ensinar a transgredir é repensar continuamente as práticas de
ensino e construir estratégias para melhorar o aprendizado.

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Este trabalho, portanto, se conclui com questões e não respostas. Aqui se expôs
meios e não receitas prontas. Os instrumentos “Pedagogia por Projetos” que devem estar
mediados, por interação, pela fotografia, é um caminho lúdico, mas, essencialmente
científico porque o uso da técnica fotográfica requer “enquadramento”. Enquadrar é
escolher o objeto a ser “estudado”, pois permanece como imagem reconhecível mediante
a intermediação de textos, sejam imagéticos ou linguísticos. A linguagem científica, seja
através da Física, da Biologia, da Química, da Matemática e mesmo das Ciências
Humanas, é intermediada por signos. E o Ensino de Ciências é desafiado cotidianamente
neste sentido: as interpretações abstratas dos signos e suas relações com a prática, a
experimentação. Sempre é bom relembrar que Galileu e Descartes são ambos fundadores
da Ciência Moderna e que, apesar das premissas opostas entre a indução e a dedução, a
racionalidade está presente como fundamento científico. O Ensino de Ciências pode ser
lúdico, deve ser prático, na medida do possível, o que requer as observações conjunturais
do exercício de ser professor no Brasil. O que propomos é que se utilize os recursos que
os estudantes da atualidade têm acesso em maior ou menor escala tecnológica: o acesso
aos aparelhos celulares. Não é necessária a padronização de equipamentos, mas é
importante a reivindicação por acesso às conexões às redes de telecomunicações. E este
desafio é transgressor porque a transgressão é a capacidade de lutar por Educação de
Qualidade, como prática da liberdade, e pelo acesso ao Ensino de Ciências para todos.
Por uma educação tansgressora.

REFERÊNCIAS

BENDER, William. N. Aprendizagem baseada em Projetos. Educação diferenciada


para o século XXI. Porto Alegre: Grupo A Educação, 2015.

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metodologias interativas de projetos e extensão. In THIOLLENT, Michel et all (orgs.).
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Construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

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FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967.

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GUERRA, José Adilson dos Santos. Pedagogia de Projetos. Curitiba: Appris, 2018.

HERNANDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação. Os projetos de


trabalho. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

HILARIO, Thiago Wedson & CHAGAS, Helaíny Wanyessy Kenya Rodrigues Silva. O
Ensino de Ciências no Ensino Fundamental: dos PCNs à BNCC. In Brazilian Journal of
Development. Curitiba, v.6, n.9, p.65687-65695, sep.2020. Conferir em:
https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/16233/13273 . Acesso
em 18/10/2021.

HOOKS, Bell. Ensinando pensamento crítico. Sabedoria prática. São Paulo: Elefante,
2020.
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir. A educação como prática da liberdade. São
Paulo: WMF, Martins Fontes, 2017.
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Conferir em: https://novaescola.org.br/bncc/conteudo/61/o-que-preve-a-bncc-para-o-
ensino-de-ciencias . Acesso 18/10/2021.

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5. BAÚ DE PORTINARI: APLICABILIDADE NA
PROMOÇÃO DA AUTONOMIA E CRIATIVIDADE
DURANTE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DE CIÊNCIAS

Roberto Rodrigues Ferreira11


Rita de Cássia Machado da Rocha12
Vinícius dos Santos Moraes13
Erik Jonilton Costa14
Tania Araújo-Jorge15
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios
1 esticador de horizontes

Manoel de Barros

INTRODUÇÃO
Lá vai Candinho!
Pra onde ele vai?
Vai pra Brodoski? Buscar seu pai.

Lá vai Candinho!
Pra onde ele vai?
Foi pra Brodoski.
Juntar seu boi.

Lá vai Candinho!
Com seu topete!
Vai pra Brodoski.
Pintar o sete
(Vinícius de Moraes, 1962).

11
Pesquisador LITEB/IOC/Fiocruz, https://orcid.org/0000-0001-5010-7007
12
Doutoranda PGEBS/IOC/Fiocruz, https://orcid.org/0000-0002-5052-2486
13
Doutorando PGEBS/IOC/Fiocruz, https://orcid.org/0000-0001-8765-0935
14
Doutorando PGEBS/IOC/Fiocruz, https://orcid.org/0000-0001-5427-9279
15
Pesquisadora LITEB/IOC/Fiocruz, https://orcid.org/0000-0002-8233-5845

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Os versos do poema para Candinho Portinari em sua morte cheia de
azuis e rosas, do poeta Vinícius de Moraes, revelam traços marcantes da biografia do
pintor brasileiro Candido Portinari (1903-1962). Desde menino já possuía alma de artista.
O carinhoso apelido de infância, “Candinho”, já designava um menino arteiro e brincante,
em “Brodoski” (São Paulo), cidade natal que inúmeras vezes foi retratada em suas
pinturas. O trecho “buscar seu pai”, destaca não apenas a função de genitor de Batista
Portinari, mas também de incentivador da carreira de artista do filho. Batista Portinari e
Domênica Torquato, ambos italianos, que imigraram para o Brasil no final do século XIX,
para viver e trabalhar nas lavouras de café. O casal Portinari se dividia entre as plantações
de café e a criação dos 12 filhos. O menino Candinho, segundo filho do casal, vivia a
“pintar o sete”, como bem destaca o poeta (CALLADO, 1979; PORTINARI, 2011).

Primeiro na escola, por pouco tempo, cursando somente o primário, depois


integrando um grupo de artistas italianos que ornamentavam a igreja da sua cidade,
permaneceu pintando o Brasil por toda a sua vida, até quando foi proibido de pintar por
ter sido envenenado pelo chumbo e componentes da tinta a óleo. Tamanha aptidão, que
se manifestou desde a tenra idade, o levou ao Rio de Janeiro para ingressar no Liceu de
Artes e Ofício, em 1919, e, posteriormente, na Academia Nacional de Belas Artes no ano
seguinte.

O artista possui mais de 5.173 obras catalogadas e disponibilizadas através do


Portal Portinari (www.portinari.org.br). Em 59 anos de vida, dedicou 45 deles ao ofício
de pintor, o que daria uma média de 114 obras por ano. Fez parte do movimento
modernista brasileiro, quando introduziu em seus trabalhos elementos do modernismo
europeu, principalmente o cubismo, bem como do muralismo mexicano. Mas não se
limitou ao estilo clássico acadêmico, ficou atento aos elementos da cultura nacional,
dentre eles a pintura de baús. Em seus baús o pintor retratou esse elemento, tão comum à
época, para guardar os “tesouros” pessoais. Notamos em pinturas como Catequese (1941)
e O baú e a cabaça (1946) a presença deste artefato (Figura 1A e B) (PORTINARI, 2004;
PORTINARI, 2011).

A B
Figura 1: A - Quadro Catequese (1941); B - Quadro O baú e a cabaça (1946). Obras de Candido
Portinari Fonte: Portal Portinari.

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O “Baú de Portinari” foi criado no Projeto Portinari, que tem como objetivo
retratar a vida do pintor, com cenas lúdicas e com brinquedos do início do século XX. Os
baús são elementos retratados na tela do artista Cândido Portinari e um símbolo do lugar
de guardar lembranças de famílias (PORTINARI, 2008). Também foi incorporado como
uma das atividades no Simpósio de Ciência, Arte e Cidadania, em 2018, realizado no
Pombal da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz (Figura 2A), na qual alunos entravam em
contato com as artes incluídas no Baú, conheciam a história de Portinari e pintavam suas
impressões. Esse elemento também foi uma atividade incorporada ao projeto Expresso
Chagas XXI, uma exposição participativa com ciência e com arte para falar da doença de
Chagas em cidades endêmicas (ARAÚJO-JORGE et al., 2021). Nesse estudo, o “Baú de
Portinari” foi exibido no “Vagão 3: Brincar e Descobrir” (Figura 2B). Todas essas
atividades vêm sendo desenvolvidas em projetos do Laboratório de Inovações em
Terapias, Ensino e Bioprodutos (LITEB/IOC/Fiocruz).

A B
Figura 2: A - Simpósio CAC 2018; B - Vagão 3 (Expresso Chagas). Fonte: Registro Próprio.

Através das atividades do Baú, trabalhamos algumas categorias cognitivas


importantes para o desenvolvimento da criatividade, como o brincar, pensar com o corpo,
ter empatia e sintetizar (ROOT-BERNSTEIN & ROOT-BERNSTEIN, 2001). As 13
categorias proposta pelos autores são: observar e registrar; evocar imagens; abstrair;
reconhecer padrões; formar padrões; estabelecer analogias; pensar com o corpo; ter
empatia; pensar de modo dimensional; modelar; brincar; transformar e sintetizar (ROOT-
BERNSTEIN & ROOT-BERNSTEIN, 2001).

Com o advento da pandemia de COVID-19, as relações e atividades de ensino


formal e não-formal foram adaptadas a um novo contexto: o on-line (OMS, 2020;
COUTO et al., 2020). As atividades educacionais foram suspensas, regulamentadas no
Brasil pela Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, do Ministério da Educação e por atos
de alguns Conselhos Estaduais e Municipais de Educação. Assim, as Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) foram essenciais nessa transição do ensino, outrora
presencial, ao remoto de forma emergencial. O uso das TIC’s na Educação à Distância
(EaD) é anterior ao período pandêmico, mas foi expandido e se tornou de conhecimento
de um maior número de docentes e discentes e, possivelmente, permanecerá no ensino no
pós-pandemia (MATOS, 2020; SANTOS & GAMA, 2021).

Apesar das facilidades promovidas pelas tecnologias digitais, a utilização dessas


ferramentas no período de isolamento social, classificado como remoto, não foi fácil
(ARRUDA et al., 2020). Questões inerentes à usabilidade e disponibilidade de aparelhos
tecnológicos foi o grande dificultador para professores e estudantes envolvidos neste

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processo que, somadas às limitações e restrições de acesso à internet, resultaram em
tribulações no ensino (SILVA et al., 2020). Assim, repensar a prática docente para o
formato remoto/virtual se tornou um grande desafio (ALBUQUERQUE et al., 2020).

Nos deparamos com essas questões durante o planejamento da disciplina


CienciArte I, oferecida pelo curso de pós-graduação em Ensino em Biociências e Saúde
(PPGEBS) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) – Fiocruz em 2021. Com o prolongamento
do isolamento social no Brasil, realizamos adaptações no curso para a sua oferta na EaD.
Um elemento que surgiu como ferramenta nesse processo de (re)construção foi a
atividade “Baú de Portinari”.

Durante a elaboração da atividade “Baú de Portinari” para a EaD, nos


questionamos: “Seria possível adaptar as práticas de forma a estimular a criatividade e
autonomia dos discentes?”. Apesar de ter em sua premissa o estímulo à autonomia dos
sujeitos participantes, por vezes, observamos na EaD uma reprodução de um ensino
engessado e pouco estimulante a tais práticas (BASEGGIO & ERAY, 2009).

Munidos destes questionamentos, recorremos ao nosso aporte teórico para que a


(re)construção dessa atividade pudesse promover autonomia e criatividade apesar das
distâncias geográficas impostas. Nossa primeira e grande referência ao pensar autonomia
no processo educativo é Paulo Freire. Grande entusiasta do debate da formação docente,
Freire trouxe importantes reflexões em diversas obras, entre elas Pedagogia da
Autonomia (1996). Para Freire, o educador precisa ser sujeito de sua prática docente,
exercendo autoria sobre a construção e reconstrução da mesma (SAUL, 1993).

A autonomia defendida por Freire (1996) se constitui como “valor, objetivo e


experiência pedagógica concreta, inerente à natureza educativa e à pedagogia” (LIMA,
1999, p. 65) que, dessa forma, estimula em docentes e discentes uma prática livre e
responsável e possa promover uma educação democrática.

Pensamos a autonomia de Freire sob múltiplas dimensões, no contexto da


disciplina CienciArte I, entendendo sua importância para romper com a estrutura
engessada que pode assolar a EaD; como ferramenta para estimular a práxis libertária e
democrática nos educadores e propiciar a reflexão, nos sujeitos participantes, de sua
centralidade na autoformação.

Existem diferentes propostas metodológicas e ferramentas que podem promover


e estimular práticas educacionais criativas e autônomas. Este campo é de fundamental
importância quando se pensa a área de Ensino. Utilizamos como norte as estruturas
propostas por Root-Bernstein e Root-Bernstein (2001) em suas categorias cognitivas
promotoras da criatividade. A sistematização proposta pelo casal Root-Bernstein é
utilizada pelo nosso grupo do LITEB nas práticas da disciplina de CienciArte I, assim
como em projetos desenvolvidos no âmbito do ensino formal e não formal e nos permite
praticar a capacidade criadora em ações de ciência e arte.

Entendemos que as 13 categorias promotoras da criatividade são ferramentas que


possibilitam a superação da racionalidade cartesiana, ampliando a visão e interpretação
de mundo e propiciando outras formas de compreensão da realidade. Educadores atentos
a tais mecanismos promotores de criatividades podem mais facilmente estimular ações
inter ou transdisciplinares e atrair os educandos para novos olhares na construção do
conhecimento. Magalhães (2019) reforça esse pensamento ao afirmar que

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A necessidade de formar pessoas criativas, capazes de transitar entre
diferentes campos do conhecimento, de maneira a promover a inovação
tecnológica, vem ao encontro desta reintegração de saberes em
contraposição à fragmentação e especialização em vigor nos currículos
(MAGALHÃES, 2019 p. 14).

Outro importante referencial teórico para se trabalhar sobre o processo de


construção de autonomia e criatividade nas ações de ciência e arte, e também na formação
de professores, é o manifesto ArtScience proposto por ROOT-BERNSTEIN et al. (2011).
O documento elenca 17 princípios que fundamentam uma outra forma de conceber o
conhecimento, integrando saberes e práticas de diferentes campos. Para os autores, é
possível pensar o processo formativo de educadores a partir de diferentes formas de
construção dos conhecimentos, que vejam os currículos de forma integrada e, em especial,
que tenham “a compreensão da experiência humana da natureza pela síntese dos modos
artístico e científico de investigação e expressão” (ARAÚJO-JORGE et al., 2018, p. 26).
Dessa forma, o docente formado a partir desses pressupostos, e que os aplica na sua ação
educativa, pode propiciar a reintegração dos conhecimentos assim com a
(re)humanização da construção do saber.

Neste capítulo, focaremos na discussão emergente da atividade denominada “Seu


Baú de Portinari: Artes e Memórias”, uma proposta de criação remota do próprio baú com
base no “Baú de Portinari”. O objetivo do trabalho é descrever uma analogia da criação
do baú com as 13 categorias de Root-Bernstein (O que a construção do baú de cada um
nos revela?), bem como elucidar sua aplicabilidade na promoção da autonomia e
criatividade durante a formação de professores de ciências.

O PERCURSO DE (RE)CONSTRUÇÃO

Essa foi uma atividade desenvolvida na disciplina CienciArte I oferecida pelo


PPGEBS, de caráter on-line (Figura 3). Nesta modalidade remota, os alunos tiveram
como missão compor este artefato com objetos e recursos presentes em suas residências,
além de utilizar o seu próprio Baú nas demais atividades da disciplina. Tal proposta difere
da iniciativa feita no formato presencial, no qual o Baú era oferecido aos alunos já com
os materiais para sua utilização para aplicação nas atividades em CienciArte.

Como proposta do exercício de construção dos Baús, os estudantes deveriam listar


os materiais escolhidos para compor seus artefatos e fotografá-los, assim como relatar o
processo de construção e intuito com os itens adicionados. Desta forma, almejamos
investigar a sua aplicabilidade na promoção da autonomia e criatividade, avaliar a
composição dos elementos e, ainda mais importante, o que os motivou na composição
destes artefatos. Tivemos, ao total, 53 alunos inscritos na disciplina, e analisamos os
elementos citados acima.

O projeto teve sua aprovação pelo Comitê Ético de Investigação em Humanos do


Instituto Oswaldo Cruz (CEP-IOC/Fiocruz) (CAAE 15584119.4.0000.5248) de acordo
com as leis e regulamentos brasileiros de investigação com humanos. Os participantes
desta pesquisa concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido
(TCLE) para preenchimento dos formulários investigativos e autorização de uso de
imagem e voz para os encontros síncronos da disciplina que foram gravados através da
Plataforma Zoom.

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Para auxiliar na análise dos materiais enviados pelos alunos, utilizamos uma
planilha de acordo com o modelo presente no quadro 1. Analisamos elementos utilizados
para a construção do baú em si, entendendo que o material, o formato, suas dimensões e
características de personalização implicam em diferentes modos de conectar com os
artefatos. Nesta etapa, durante a análise, buscamos observar as possíveis relações
estabelecida em um primeiro momento entre sujeito e baú.

Os possíveis materiais que poderiam compor os baús foram, a priori, por nós
listados e, em seguida, categorizados de acordo com suas funções primárias de modo que
pudéssemos vislumbrar os elementos norteadores das escolhas e compreender os
principais olhares de cada artefato. Os itens não presentes em nossa lista primária foram
alocados, quando possível, dentro destas categorias. Esse outro olhar nos permitiu
também repensar objetos e materiais para práticas de CienciArte. Utilizamos então as 13
categorias cognitivas (ROOT-BERNSTEIN; ROOT-BERNSTEIN 2001) como
referencial analítico para compreender como tais itens poderiam se relacionar com as
práticas educativas.

Figura 3: "CienciArte no ensino remoto à luz do baú de Portinari, conectando pessoas e superando
barreiras". Na ilustração, a personagem compõe seu próprio Baú de Portinari com materiais
educativos enfatizando a criatividade, elemento fundamental e sempre estimulado na disciplina de
CienciArte. O ambiente carregado de luz solar simboliza, o insight, aquele momento de introspecção,
compreensão, conhecimento e intuição do artista, cientista, e nesse caso, do estudante. Fonte: Erik
Costa

Inserimos em nosso quadro de análise os relatos disponibilizados no campus


virtual registrados pelos estudantes acerca do processo de construção e das motivações
nas escolhas dos elementos para compor os baús, respeitando o fato de que nem todos
comentaram sobre o processo e muitos somente elencaram os itens. Consideramos este
processo como fundamental para entender a forma de construção utilizada pelos discentes
e como tais escolhas podem interferir nos processos de autonomia e criatividade nas suas
ações educativas.
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A partir das listagens dos materiais apresentados pelos alunos, foi construída uma
nuvem de palavras como análise qualitativa de dados. A nuvem foi construída através da
ferramenta online WordArt (https://wordart.com/), aplicação gratuita disponível na web
e que cria formas gráficas mostrando a frequência das palavras em duas dimensões:
quanto mais a palavra for utilizada, maior ela fica no tamanho da fonte aplicada na nuvem
(FEINBERG, 2010).

Quadro 1. Modelo do quadro de análise dos Baús de Portinari.


Categorias Aluno 01 Aluno 02 Aluno 03
Formato do baú
Baú personalizado?
Materiais básicos? (caderno, caneta, lápis, borracha, tesoura, régua,
cola e etc.)
Materiais de artes visuais? (tintas, pincéis, papéis coloridos, telas,
glitter, EVA, cola colorida e etc.)
Materiais musicais? (instrumentos musicais, CDs, fone de ouvido e etc)
Produtos literários? (livros, revistas, poemas e etc.)
Materiais de teatro e dança? (Perucas, roupas de dança, tecidos, penas,
vestuário, fantoche e etc.)
Artefatos científico-biológicos? (Lupa, microscópio, bisturi, lâmina,
conchas, sementes e etc.)
Artefatos científico-químicos? (balança, tubos de ensaio, compostos
químicos e etc.)
Artefatos científico-físicos/matemáticos? (calculadora, transferidor,
compasso, fita métrica, prisma e etc.)
Artefatos tecnológicos? (notebook, smartphone, tablet, kindle,
impressora, jogos digitais e etc.)
Outros
Relato
Fonte: Autores

DESVELANDO OS BAÚS
Na disciplina, 53 cursistas foram matriculados, em sua maioria, se classificaram
como brancos (50%), alunos de doutorado (86%), com idade inferior a 40 anos de idade
(73%). Cerca de 70% deste público tem formação docente e atua ou atuou em áreas como
Biologia, Física, Química, História e Educação Física. Sendo um público bastante
heterogêneo em sua composição, o que possibilita múltiplos olhares nas composições dos
baús. Os perfis dos discentes, assim como os meios nos quais souberam do curso
CienciArte I estão presentes na tabela 1.
Todos criaram seus baús para o trabalho nas aulas do curso. Os participantes da atividade
registraram no sistema e exibiram seus baús durante a disciplina, a maioria demonstrando
satisfação e pela construção do seu baú e animação em apresentá-lo, visto em uma fala
de um discente solicitando: “Posso apresentar o meu (baú), professora!?” (Figura 4).
Outra discente comentou já ter criado um espaço de inovação denominado “Lab
de invencionices” em sua residência no período da pandemia de COVID-19 com
objetivo de aguçar a criatividade e em pensar atividades com seus alunos ao terminar.

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Para essa discente, “o baú foi como um sintetizador” do que ela já vinha realizando.

Tabela 1. Perfil dos cursistas da disciplina CienciArte I 2021.


Categoria n (%)
Cor
Branca 27 (50%)
Parda/Negra 18 (35%)
Prefiro não responder 8 (15%)
Faixa Etária
22 a 29 anos 23 (42%)
30 a 39 anos 16 (31%)
40 a 49 anos 9 (17%)
> 50 anos 5 (10%)
Curso
Mestrado 7 (14%)
Doutorado 46 (86%)
Formação
Administração 1 (2%)
Biologia 19 (36%)
Biomedicina 1 (2%)
Ciências 4 (8%)
Comunicação 1 (2%)
Educação Física 1 (2%)
Engenharia Agrônoma 1 (2%)
Física 8 (15%)
Fisioterapia 1 (2%)
Geografia/ambiente 3 (6%)
Historia 2 (4%)
Medicina 2 (4%)
Pedagogia 3 (6%)
Psicologia 2 (4%)
Química 4 (8%)
Como soube da Disciplina
E-mail do Programa de Pós-Graduação 39 (75%)
Plataforma Siga - Fiocruz 10 (21%)
Rede de Ciência, Arte e Cidadania 1 (1%)
Orientador(a) 1 (1%)
Contato com coordenação da disciplina 1 (1%)
Trabalha na área 1 (1%)

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Figura 4. Exemplos dos Baús apresentados pelos cursistas da disciplina CienciArte I. Fonte:
Discentes da Disciplina CienciArte I.
Ao longo das análises, listamos 155 tipos de itens utilizados pelos discentes nos
seus 53 baús e dispostos em nuvem de palavras (Figura 5). Não observamos um item
predominante e/ou presente em todos os artefatos produzidos pelos discentes, o que nos
indica uma pluralidade nas composições e um consequente olhar criativo para possíveis
abordagens de CienciArte, visto a diversidade do perfil das áreas dos alunos: professores
de biologia, arte, química, física.

Figura 5. Nuvem de palavras com itens/materiais presentes nos Baús de Portinari. Fonte: Os
Autores.

Observamos na nuvem, em maior destaque, elementos como lápis, cola, tesoura,


lápis de cor e régua, materiais essenciais para qualquer prática educativa, independente
de CienciArte. Estes itens, presentes em 94% dos baús e, por nós agrupados na categoria
materiais básicos de papelaria (Tabela 2), por muitas vezes, no imaginário coletivo,
podem ser associados como materiais “básicos” e/ou únicos para as produções artísticas.
Desta forma, não podemos afirmar se existia nestes discentes uma atenção maior ao fazer
artístico ou estes eram os “itens de artes” presente em suas casas.
Destacamos os materiais para artes visuais como segundo grupo mais frequente
em nossas análises dos baús (89%) (Tabela 2), que incluem elementos como cartolinas,
canetinhas, giz de cera, tintas, EVA e outros tipos de papéis com texturas e cores variadas.
Estes materiais podem implicar em uma visão limitada do fazer artístico se restringindo
às artes visuais. Este processo é oriundo da formação em educação artística vindo da
escola primária que preconiza somente aspectos como tecnicismos e o lazer
descompromissado deste campo (SBUTIL, 2011).

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Entretanto, entendemos que esses materiais “básicos”, se utilizados sob a
perspectiva da CienciArte, podem propiciar recursos inseridos nas 13 categorias
promotoras da criatividade. Destacamos aqui a observação, registro e sintetização,
primeira e última categorias cognitivas elencadas pelo casal Root-Bernstein (2001). Por
serem materiais com maiores possibilidades de aplicação, podem ser utilizados em outras
categorias cognitivas e superar os desafios citados acima.

Tabela 2. Categorização dos itens/materiais presentes nos Baús de Portinari. Fonte: Autores
Categoria Presença nos Baús

Materiais básicos 94%

Materiais de artes visuais 89%

Produtos literários 40%

Materiais musicais 23%

Artefatos tecnológicos 19%

Artefatos científicos-físicos/matemáticos 17%

Materiais de teatro e dança 15%

Artefatos científicos-biológicos 13%

A terceira categoria de elementos mais presente nos Baús analisados foi a de


produtos literários (presente em 40% dos baús). Consideramos nesta categorização livros
de literatura, revistas, poemas e outros materiais que possibilitem a exploração da
linguagem textual. A utilização de obras literárias no ensino de ciências é um recurso
recorrente nas aulas e com grande debate na literatura científica. Sua abordagem pode se
dar para contextualização de conteúdo, para a formação de novos leitores, como
facilitadora de aprendizagem até a inserção como temática nas obras de ficção científica
(PINTO; RABONI, 2005; GUERRA; MENEZES, 2009; PIASSI; PIETROCOLA, 2009;
GROTO; MARTINS, 2015).

A utilização desses recursos permite, principalmente, a exploração da categoria


evocar imagens (ROOT-BERNSTEIN; ROOT-BERNSTEIN, 2001). Para os autores, a
categoria propicia o acesso a sensações e sentimentos que podem ser explorados
associando a leitura ou a contação de uma história ou locução de um poema. Esse penetrar
no subjetivo permite associações do contexto lido/narrado com as vivências dos
educandos (MAGALHÃES, 2019). Educadores atentos a esse olhar, podem utilizá-la
como ferramenta para a abordagem de CienciArte contextualizada com a realidade dos
indivíduos e atrativa ao público.

A presença de objetos como fantoches, vestuários e tecidos, indica que elementos


do teatro, dança e cenografia foram pensadas pelos cursistas na composição de seus baús.
Estes objetos que compõem a categoria materiais de teatro e dança (presente em 15% dos
baús), somado ao grupo materiais de música (presente em 23% dos baús) podem ser
recursos para a promoção da categoria criativa pensar com o corpo (ROOT-
BERNSTEIN; ROOT-BERNSTEIN, 2001). Estes materiais permitem que, durante a ação
educativa, sejam trabalhadas práticas de sensibilização onde corpo e sentimento possam

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se conectar para expressar determinadas sensações. É no corpo que se expressa aquilo
que toca o íntimo destes sujeitos. É com o corpo também que podemos representar e,
quem sabe, fazer analogias, utilizando metáforas corpóreas para abordar conceitos e
conhecimentos (GUERRA, ABÍLIO, ARRUDA, 2006; BAÍA et al., 2009 e LIZAMA et
al. 2019).

Ao observar a presença de objetos recicláveis como papelão, tampas de garrafa,


recortes de tecidos, jornais e revistas, podemos perceber a intencionalidade da realização
de atividades denominadas de reciclagem, mas que podem explorar a transformação
através da abordagem da CienciArte. Estes materiais, somados a outros elementos de artes
visuais como massa de modelar, EVA e palitos, podem também ser promotores de
atividades que explorem a categoria “modelar”, proposta por Root-Bernstein; Root-
Bernstein (2001). A categoria “brincar” foi vista em poucos baús que incluíram
brinquedos pedagógicos, musicais, de cartas e/ou digitais. Entretanto, se aliados à
categoria de “transformar”, poderão ser explorados conjuntamente na criação de jogos a
serem utilizados nas práticas educativas.

Os artefatos tecnológicos, grupo presente em 19% dos Baús, abrigou objetos como
smartphones, tablets, notebooks e kindles. Esta informação, a princípio, nos parece um
pouco controversa, em especial pela grande imersão tecnológica vivida em decorrência
das atividades remotas por conta da pandemia de COVID-19. Encontrar estes dados nos
lança o questionamento de como são percebidas as ações de CienciArte através das
tecnologias digitais? Nesse caso, se faz necessário trabalhar com esses cursistas a
compreensão e abordagem da arte sob o olhar das TIC para propiciar uma aprendizagem
que seja participativa, integrada e afetiva (BARBOSA, 2019).

Somado aos desafios de pensar a CienciArte através das tecnologias digitais,


observamos que objetos voltados para o fazer científico tais como microscópio, tubo de
ensaio, compasso, transferidor e calculadoras foram pouco expressivos nos baús, sendo
cada uma das categorias criadas (Artefatos científicos-físicos/matemáticos; artefatos
biológicos, artefatos químicos) representa nos baús com valores inferiores a 20%. Essa
observação nos levou à reflexão de como foram percebidas as atividades para estes
cursistas, já que categorias “artísticas” tiveram maior representação nos Baús, em
comparação aos elementos “científicos”. É importante que o olhar destes educadores não
“inclua” somente a arte em suas práticas. Sujeitos praticantes de CienciArte promovem
ações transdisciplinares para investigar e explicar os fenômenos do mundo. Como
expresso pelo manifesto ArtScience, a CienciArte “não é arte + ciência ou arte-e-ciência
ou arte/ciência, nos quais os componentes retêm suas distinções e compartimentalização
disciplinares” (ARAÚJO-JORGE et al., 2018, p. 26).

Além dos itens mais representativos presentes na nuvem (Figura 5), destacamos a
inclusão de objetos como velas aromáticas, globo terrestre, itens de maquiagem, esmalte,
entre outros, que se fizeram menos presentes, mas que nos indicam outras possibilidades
de ações de CienciArte, reforçando a multidimensionalidade neste processo que vai de
acordo com o perfil e autonomia e subjetividade de cada aluno. Desta forma, podemos
explorar quase infinitas possibilidades para a promoção de CienciArte em nossas
investigações e sempre repensar as práticas na disciplina e nas ações de ensino.

As demais categorias promotoras da criatividade (Reconhecer padrões, formar


padrões, ter empatia, pensar em múltiplas dimensões) não foram observadas de modo

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direto nos itens/materiais analisados, mas podem ser incentivadas através de inúmeras
atividades pelo educador, se realizado sob a perspectiva da CienciArte. Entretanto, a
formação ofertada nesta atividade específica e ao longo da disciplina contribuiu para
sensibilizar os cursistas nessa perspectiva.

As observações realizadas durante as análises nos permitiram vislumbrar a


promoção da criatividade e autonomia dos educadores formados ao longo da disciplina.
Através da construção dos baús, observamos uma percepção holística em parte do
repertório de ferramentas para utilização em CienciArte. Este é o primeiro passo para a
realização de práticas integradas em ciência e arte, de modo que o fazer docente possa ser
transversal e transdisciplinar (MORIN, 2000; SAWADA, 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adaptação da atividade Baú de Portinari na disciplina CienciArte I, remeteu a


cada cursista uma vivência particular, na qual uns utilizaram os materiais ali reunidos nas
próprias atividades da aula, outros utilizarão em suas vidas e em seus contextos
profissionais. Desse modo, o Baú se transformou em objeto promotor da criatividade e da
autonomia, importantes no processo de formação e da prática com CienciArte que, de
acordo com o Manifesto ArtScience, nos permite alcançar uma compreensão mais
completa e universal das coisas.

A categorização dos materiais presentes nos baús nos permitiu identificar uma
diversidade de objetos/instrumentos e reforçar um olhar plural para a realização de
atividades com a abordagem da CienciArte. A pluralidade se faz importante para que as
ações realizadas estimulem, de diferentes formas, as 13 categorias cognitivas para a
promoção da criatividade (ROOT-BERNSTEIN; ROOT-BERNSTEIN, 2001).

A presença dos itens/materiais não é uma garantia total de promoção de processos


de criatividade ou execução de artefatos de CienciArte. Entretanto esses materiais nos
permitiram vislumbrar um olhar atento e holístico dos cursistas na construção de seus
baús, assim como nos permitiu incentivar a proposição de outras abordagens que
estimulem a realização das categorias mencionadas.

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6. ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL: LUDICIDADE E
INCLUSÃO DE LICENCIANDOS NO CONTEXTO
DO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL

Andrela Garibaldi Loureiro Parente16


José Moysés Alves17
INTRODUÇÃO

Objetivamos contribuir com a discussão sobre um ensino de


ciências inclusivo, ilustrando-o com situações ocorridas em uma prática pedagógica no
ensino superior, no contexto do ensino remoto emergencial (ERE). Descrevemos uma
atividade investigativa sobre alimentação saudável, criada nesse contexto, que
proporcionou comunicação entre os envolvidos e intervenção atenta às condições
subjetivas que orientaram esse processo. Definimos a atividade como uma gincana, pois
além de seu caráter lúdico, os licenciandos precisaram cumprir algumas tarefas, incluindo
a análise e registro de rótulos de alimentos e a divulgação dos resultados do estudo.

Somos professores da Licenciatura Integrada em Ciências, Matemática e


Linguagens (LICML) desde o ano de 2011, quando este curso foi implantado.
Vivenciamos práticas pedagógicas colaborativas e, continuamente, temos cooperado um
com o outro, valorizando os princípios que orientam a formação no curso (ALVES;
PARENTE, 2020; PARENTE; ALVES. 2020). No ERE não foi diferente. Considerando
o fechamento das Instituições de Ensino Superior (IES) motivados pelo princípio da
salvaguarda da saúde pública (UNESCO, 2020), foi desafiador dar continuidade às
atividades profissionais, no âmbito da formação inicial de professores. Primeiro, pelas
condições concretas de ensino e recursos disponíveis. Segundo, pelo agravamento dos
problemas sociais, políticos e econômicos, advindos da pandemia de Covid-19 e seus
desdobramentos na vida das pessoas. Entre as preocupações indicadas pela Unesco com
relação aos estudantes foram apontadas “a conectividade à internet, as questões
financeiras e as dificuldades em manter um cronograma regular” (UNESCO, 2020, p.15).

O curso LICML se destina à formação inicial de professores para os anos iniciais,


tendo como princípios de formação e de atuação qualificada, a sensibilidade, a autonomia
e a criatividade. Quanto às questões didáticos-pedagógicas, valoriza e incentiva a
investigação, as vivencias dos licenciandos, o diálogo e a avaliação como um processo
contínuo. No curso, os professores também são incentivados ao trabalho coletivo e
interdisciplinar.

Temos em comum o interesse pelo estudo sobre o desenvolvimento humano a


partir da perspectiva histórico-cultural, e seu desdobramento atual na Teoria da

16
Universidade Federal do Pará http://orcid.org/0000-0003-3396-700X
17
Universidade Federal do Pará – UFPA http://orcid.org/0000-0003-1307-1249

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Subjetividade. A teoria da subjetividade e a epistemologia qualitativa tem permitido gerar
inteligibilidade para fenômenos humanos em campos diferentes como os da saúde e da
educação (MITJÁNS MARTINEZ; GONZÁLEZ REY, 2019). Em nossa prática
pedagógica como professores universitários, essa teoria, a epistemologia qualitativa e o
método construtivo-interpretativo são recursos para a reflexão crítica de nossas ações e
qualidade das relações construídas no ato de ensinar.

Esse contexto teórico influencia nossa atividade profissional e constitui um


recurso imprescindível para criar as práticas pedagógicas, tendo em vista gerar espaços
de aprendizagens mutuas. A Teoria da Subjetividade torna-se para o professor uma
“cosmovisão” de como funciona a aprendizagem, sendo a pesquisa indissociável da
atividade profissional. Segundo os autores, Mitjáns Martínez e González Rey (2019,
p.26), “[...] essa cosmovisão que é constituidora da prática se articula com os saberes
específicos que o professor vai gerando nela, constituindo e fundamentando uma prática
pedagógica coerente e eficiente”. Compreendemos que nossas influências teóricas e a
prática que será foco de nossa discussão nesse capítulo, contribui para a discussão de uma
educação científica inclusiva, por considerar a dimensão subjetiva da aprendizagem dos
licenciandos no contexto do ERE.

Esse capítulo está organizado em três seções. Na primeira, tratamos do contexto


da prática pedagógica que inspirou a criação da atividade, caracterizado pelo acesso
limitado à internet, a carência de recursos e o interesse de proporcionar um ensino
inclusivo. Na segunda, tratamos da prática pedagógica, com destaque para as situações
que emergiram no contexto de relação da professora com os licenciandos, que a
mobilizaram para a criação de uma atividade sobre alimentação saudável. Tal proposta
foi inspirada em uma perspectiva de investigação no ensino e de formação para a
cidadania. Somente nesse momento, o texto assume a primeira pessoa do singular, pois a
atividade que é apresentada como ilustração no âmbito do ensino remoto emergencial,
ocorreu no tema Alfabetização e Letramento em Ciências e Matemática IV, ministrado
pela primeira autora desse capítulo. Na última seção, discutimos sobre os desafios e
possibilidades de realizar um ensino inclusivo nesse contexto emergencial.

ENSINO REMOTO EMERGENCIAL

O ERE foi regulamentado na Universidade Federal do Pará pela portaria N. 5.294,


de 21 de agosto de 2020 e constitui uma excepcionalidade de ensino em condições de
pandemia. Fomos convidados a participar da discussão que antecedeu a aprovação da
resolução pelo Conselho Universitário e ouvidos em relação as dúvidas, desconfortos e
dificuldades que afetavam a todos. Ao mesmo tempo, um sentimento de esperança nos
movia, por entendermos que a ausência da oferta e descontinuidade das atividades
formativas à comunidade poderia contribuir para agravar ainda mais processos históricos
de exclusão. O sentimento de esperança era potencializado pelo valor de justiça social.
Também, pela atmosfera de ajuda mútua que se fez presente nas oportunidades criadas no
processo de implementação dessa modalidade de ensino.

Além de cursos e oficinas que auxiliaram na preparação das atividades de ensino


e aprendizagem à professores e universitários, fomos informados sobre as condições dos
licenciandos do curso LICML. Em reunião, realizada pela Faculdade de Educação
Matemática e Científica – FEMCI, foi apresentado aos professores um levantamento de
informações obtidas junto aos licenciandos, em um documento denominado “Perfil dos

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discentes e condições na pandemia”. Entre outras informações, o documento incluía a
prontidão dos licenciandos para participar das aulas remotas, acesso à internet e
disponibilidade de computador e/ou celular. A discussão do documento, assim como as
reflexões que fizemos sobre as informações compartilhadas foram as primeiras
referências para projetar os temas curriculares como Alfabetização e Letramento em
Ciências e Matemática IV.

No polo de Soure-Pará, dos 37 licenciandos ativos, 27 prestaram informações. A


maioria indicou não desejar participar do ensino remoto, justificando não concordar com
esta modalidade de ensino (37%) ou porque teriam dificuldades (37%). Alguns
declararam que participariam ainda que tivessem dificuldades (22%), e somente uma
minoria (4%) afirmou que não teria dificuldades para participar. A maioria (67%) também
informou dispor de celular ou computador para participar das aulas, mas uma parcela
significativa dos licenciandos (22%) não possuía equipamentos. O principal motivo para
não desejar participar foi o acesso à internet, entretanto, alguns mencionaram também
dificuldade para se concentrar (11%) e problemas emocionais (4%). Sobre a qualidade de
acesso à internet no município, alguns consideraram que era razoável (26%), a maioria
considerava precário (56%) e outros informaram que não tinham acesso (19%). A
qualidade da internet foi uma condição que diferenciou a prontidão dos licenciandos dos
polos de Belém-PA e de Mocajuba-PA para participar do ERE, pois para estes o acesso à
rede era bom ou razoável.

A velocidade da internet nos municípios paraenses, onde encontram-se instalados


polos da universidade, é muito menor que aquela disponível na capital. Por exemplo,
enquanto a velocidade da internet na rede do campus de Belém era de 10 Gbps, em Soure
era 100 Mbps. A telefonia móvel em Belém era de 80 Mbps, em Soure 20 Mbps1. Antes
mesmo do primeiro contato com a turma, era fundamental providenciar condições para
ofertar o tema, considerando, em particular, o acesso à rede.

Conforme a referida resolução (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, 2020),


os licenciandos não seriam prejudicados no seu percurso formativo, por não conseguirem
cursar os temas ofertados, ficando a universidade com o compromisso de atender suas
necessidades, em outro momento. Quando ofertamos o tema Alfabetização e Letramento
em Ciências e Matemática IV para o polo de Soure, 29 licenciandos se matricularam. Foi
curioso constatar que esse número de licenciandos matriculados, embora não
representasse a totalidade de licenciandos ativos no curso, era maior que o número de
licenciandos que responderam que participariam do ERE, com ou sem dificuldades.

No ERE, os desafios não eram somente dos licenciandos, mas também dos
próprios professores convidados para a realização da etapa do curso. Em sua maioria,
eram “marinheiros de primeira viagem”, tendo recebido seus primeiros treinamentos para
trabalhar com plataformas e na modalidade de ensino remoto.

Consideramos que um ensino inclusivo deve projetar alternativas que possibilitem


espaços de aprendizagem, valorizando o interesse e protagonismo dos licenciandos,
levando em conta suas condições concretas. Assim, a atividade que descrevemos, a seguir,
foi planejada para ser realizada por meio de um aplicativo de mensagens instantâneas para
smartphones (além das mensagens escritas, chamadas de voz, de vídeo e possibilidade de
anexar imagens e documentos em vários formatos) e utilizando formulários online por
serem de uso costumeiro dos licenciandos.

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ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL: MICRONUTRIENTES E PROCESSAMENTO

Fui convidada para ministrar o tema Alfabetização e Letramento em Ciências e


Matemática IV, cuja carga-horária é de 45h, no primeiro período de 2021, de 29 de março
a 09 de abril. Foi um momento de agravamento da pandemia de Covid-19 no Brasil. Eu
já havia ministrado esse tema, presencialmente, mas não dispunha de um material
específico com discussões estruturadoras, que pudessem auxiliar os licenciandos em um
estudo dirigido, como se fazia necessário no ERE, em especial para atender a demanda
da turma de licenciandos de Soure-Pará.

O tema prioriza o ensino de conhecimentos químicos com a possibilidade de


abordar assuntos como água, lixo e saneamento básico. Tinha interesse de abordar
conteúdos de ensino relativos às propriedades dos materiais, misturas, substâncias,
mudanças físicas e químicas. Produzi um material (denominado Materiais de Estudo) com
informações necessárias sobre o tema (período, contatos, cronograma, quadros
comunicativos, percursos de estudo). Considerei que isso garantiria que todos os
licenciandos matriculados pudessem cursá-lo, ao assumirem uma rotina de estudo com
atividades assíncronas e síncronas. Eles poderiam usar os Materiais de Estudo, aplicativo
de mensagem, ligações telefônicas, uso de formulários online e o e-mail.

As atividades síncronas foram definidas em horários acertados com a faculdade e


com a turma. Desconsiderei, de início, o uso de interações síncronas com o auxílio de
webconferência e descartei seu uso, após ouvir relatos sobre as dificuldades enfrentadas
pelos professores que me antecederam.

Nos materiais de estudo previ quadros comunicativos que objetivavam criar um


espaço de interação com a turma ou com os licenciandos, individualmente. As principais
orientações desses quadros são ilustradas a seguir, no Quadro 1.

Nos quadros comunicativos, os licenciandos eram incentivados a solicitar maiores


detalhamentos sobre o que estava contido nos Materiais de Estudo, apresentar dúvidas e
pedir explicações a qualquer momento, durante a realização do tema. O combinado era
que eu produzisse vídeos de 1 min sobre os detalhamentos, dúvidas e explicações
solicitadas. Em seguida, compartilhar com a turma, por meio do aplicativo de mensagem.
Contudo, dado a dificuldade de usar dados moveis para baixar os vídeos, resolvemos
utilizar as mensagens escritas e, em alguns momentos, por áudio.

Nos Materiais de Estudo, organizei o percurso de estudo em dois tópicos


principais. O primeiro tópico, possuía como fio condutor o tema água e apresentava
conceitos e atividades relacionadas a todos os conteúdos previstos, ou seja, propriedades
dos materiais, misturas, substâncias, mudanças físicas e químicas. O segundo tópico,
tinha como fio condutor o assunto consumismo. Esse tópico retomava as discussões de
materiais e substâncias e aprofundava o conteúdo de reações químicas. O segundo tópico,
não foi trabalhando com a turma, dada a introdução de novas atividades não programadas,
inicialmente, mas que avaliei como necessárias, tendo em vista atender às demandas que
se originaram na interação com os licenciandos. Considerei essa mudança uma
possibilidade de dar continuidade ao tema, sem que muitas pessoas da turma evadissem.

Cada tópico continha objetivos e conteúdos específicos, atividades e tarefas de


estudo diversas. As atividades, em sua maioria, eram orientadas por questionamentos, e
continham tarefas como leituras de reportagens, textos didáticos, textos autorais,

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experimentos e questões de estudo. Para alguns textos didáticos, organizei formulários
específicos com questões de compreensão e reflexão. No final de cada tópico, explicitei
critérios de avaliação da aprendizagem dos conteúdos e as referências utilizadas.

Quadro 1 – Descrição dos quadros comunicativos

Era a primeira vez que eu ministrava um tema para essa turma e não os conhecia,
pessoalmente. Nem eles me conheciam. Resolvi escrever uma carta de apresentação para
eles. Nela contei sobre uma história de minha infância, do desejo que tinha de conhecer
a ilha do Marajó, e dos desafios que imaginava enfrentar para conhecê-la. Sempre ouvi
histórias sobre navegar em baías. Disse à eles “Hoje o meu desafio não é somente chegar
à Ilha, mas chegar até cada um de vocês”.

A carta de apresentação estava contida nos Materiais de estudo enviados para


todos, assim que o grupo foi criado no aplicativo de mensagem pela representante da
turma. Também enviei um vídeo curto de 1 min que fiz, usando um aplicativo, no qual os
convidava para a realização do tema.

Nos Materiais de Estudo sugeri que, no primeiro encontro síncrono, eles se


apresentassem enviando uma foto e escrevendo o nome. Como eles se conheciam, sugeri
que um ou mais, dentre os colegas da turma, escrevessem uma frase sobre o amigo. Foi a
forma que imaginei para estabelecer uma aproximação. A turma participou dessa
interação síncrona, e foram bem interessantes os comentários publicados. Geralmente,
elogiavam os colegas. Alguns preferiam escrever frases sobre si ao postar sua imagem.

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Isso me possibilitou informações sobre cada licenciando. Nesse momento, salvei todos
os contatos deles, identificando-os pelo nome.

Todos os dias, eu postava no grupo o que denominei de Agenda Diária para


mobilizá-los para o estudo dirigido, ao cumprimento das atividades previstas no
cronograma e incentivá-los para a comunicação.

Mesmo que tivéssemos combinado sobre o uso do aplicativo de mensagem, eu


tinha receio de que perdêssemos o foco de discussão sobre o tema, com conversas
paralelas ou brincadeiras inoportunas, que não interessassem ao grupo. Mas em nenhum
momento eu escrevi sobre isso, proibindo-as. Desejava que eles se sentissem à vontade.
Elas aconteceram sim. Às vezes por meio de uma figura ou uma frase. E, em uma dessas
vezes, um comentário foi escrito por um licenciando, Paulo2: “a porta que o google meet
fechou a professora meteu logo o pé rs”. Em seguida, uma licencianda postou
gargalhadas. Eu não entendi muito bem. Fiquei curiosa e solicitei esclarecimento no
grupo: “Oi??? Não entendi”. A licencianda, Fátima2, respondeu à minha mensagem:
“Foi só um elogio”. Interpretei que eles estavam considerando minha proposta uma
alternativa ao uso da webconferencia, que tinha dificultado a participação deles em outros
momentos.

Em outra ocasião, busquei saber mais de Paulo sobre a mesma mensagem escrita,
enviando uma mensagem em seu número privado. Ele escreveu sobre suas experiências
com o ensino remoto e de sua avaliação, ao comparar os encontros síncronos usando
webconferência e o aplicativo de mensagem. Mencionou que ficava envergonhado nas
aulas síncronas, ocorridas com o auxílio do Google Meet, pois tinha que ligar o microfone
e falar. Acrescentou ainda que, pelo chat, nem todos falavam e havia pouco retorno.

Quando propus a realização do tema, usando como um dos meios o aplicativo de


mensagem, não tinha atentado para o aspecto mencionado pelo licenciando. A partir
daquele momento, fazia todo sentido para mim quando alguém no grupo escrevia: “agora
faz um áudio!”. Entretanto, avalio que num momento síncrono com o uso do aplicativo
de mensagem, considerando o acesso de todos, mesmo um áudio poderia se constituir um
problema para alguns do grupo, dado a necessidade de fazer uso de pacote de dados para
baixar o conteúdo do áudio. A minha aproximação com o grupo foi se constituindo por
situações como essas, ao buscar realizar o tema, considerando as dificuldades que
estávamos enfrentando.

Outros canais de comunicação foram estabelecidos em função de demandas da


turma, como o que foi sugerido por Gustavo2, após o retorno das notas da primeira
avaliação. Por mensagem ele escreveu “abra espaço para interposição de recursos
contra questões. Isso porque, ao realizar a atividade, notei que pode haver divergência
entre o que estudei e alternativas ou comando de algumas questões [...]”. Respondi para
ele: “muito interessante sua colocação. Você indicou divergência entre o que estudou e
as questões ou alternativas das questões. Estou pensando numa forma de encaminhar
sua proposição. Você tem alguma sugestão?” Dessa discussão resultou a proposição de
um formulário online para manifestações referentes as atividades avaliativas. Após o
envio dos retornos das atividades avaliativas, eu disponibilizava formulários específicos
para questionamentos referentes à avaliação. Eles se manifestavam pedido
esclarecimentos, discordando e questionando.

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Dos 29 licenciandos escritos no tema, 26 concluíram com êxito. Três deles
desistiram antes da primeira avaliação, alegando não terem condições de dar
continuidade. No último dia de aula, solicitei a colaboração de todos para a avaliação do
tema nas condições criadas no contexto do ERE. Dos 26 licenciandos que concluíram, 20
atenderam a solicitação feita, a seguir, na Figura 1, uma síntese da avaliação.
Gostei...
A Agenda Diária...
Da avaliação opcional
Ajudou-me a organizar o tempo
dedicado ao estudo Das avaliações

Da gincana - investigação
Explicitava as atividades diárias,
30% ajudando-me a compreender a Da gincana - jogo e investigação
dinâmica proposta para o tema, as
atividades a serem realizadas Da gincana - jogo
Não fez diferença para mim, pois não
consegui acompanhar as atividades Do experimento didático
70%
Das questões de estudo
Não fez diferença para mim, pois
tenho uma rotina focada nos estudos Leituras dos textos

0% 50% 100%
Sobre a leitura e compreesão do que estava Os Materiais de Estudo foram...
contido nos Materiais de Estudo
Adequados para
compreender a proposta
Li e conpreeendi o que estava do tema e os conteúdos
contido nos Materiais de Estudo 15% abordados
Parcialmente adequados
35% Li o que estava contitido nos para compreender a
Materiais de Estudo, mas o proposta do tema e os
compreendi parcialmente conteúdos abordados
65% 85%
Não li os Materiais de Estudo Inadequados para
compreender a proposta
do tema e os conteúdos
abordados

Prefiro para os encontros síncronos... O uso combinado dos Materiais de Estudo,


aplicativo de mensagem e formulários foram...
o uso do aplicativo de mensagem

adequados para o meu


o uso da webconferência
15% aprendizago
30% 30%

o uso combinado da wbeconferência parcialmente adequados para o


e o aplicativo de mensagem meu aprendizado

85%
35% em função das condições de acesso Inadequados para o meu
à internet dos integrantes da turma, aprendizado
prefiro o uso de aplicativo de
mensagem

Figura 1 – Avaliação do tema

A GINCANA

A proposição da Gincana também foi motivada no processo de comunicação com


a turma, em particular pelas possibilidades que foram sendo criadas com o uso do
aplicativo de mensagem, e pelo interesse de manter o grupo conectado, por mensagens
que abordassem discussões referentes aos conteúdos presentes nos Materiais de Estudo.
Denominei a atividade de gincana, porque eles precisavam cumprir algumas tarefas em
certo intervalo de tempo para continuar participando. Desconsiderei o caráter de disputa
comumente associado a ela. Busquei valorizar a comunicação por meio das mensagens,
o diálogo, o engajamento e o protagonismo dos licenciandos.

Criei essa atividade durante a realização do tema, mas já venho trabalhando com
o assunto alimentação há algum tempo, em uma perspectiva interdisciplinar, que articula

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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conhecimento químico com educação em ciências orientada para uma formação cidadã,
em especial pelo cuidado com o ambiente e o autocuidado.

No início do primeiro tópico, presente nos materiais de estudo, compartilhei uma


matéria do Jornal Beira do Rio cujo título era “Que tipo de água está na sua mesa?” A
reportagem tratava de fraude na comercialização de água mineral por empresas, a partir
do resultado de alguns estudos físicos e químicos comparativos, e da ação dos órgãos
competentes. A reportagem destacava que as águas comercializadas como água mineral
eram na verdade água potável de mesa, e explicava que as empresas informavam, nos
rótulos, o conteúdo dos produtos como sendo água mineral, porque visavam dar maior
credibilidade ao que comercializavam. Considerando a reportagem e o desdobramento
comunicativo que ela mobilizou no grupo da turma, bem como as mensagens particulares
recebidas, resolvi sugerir que assumíssemos uma atitude investigativa, inspirada na
reportagem, mas desta vez, investigando sobre algumas das informações contidas nos
rótulos de produtos alimentícios industrializados.

Pensei na possibilidade de problematizar as informações contidas nos rótulos,


mais especificamente, sobre a relação entre as informações presentes no campo valor
nutricional e ingredientes. Os rótulos dos alimentos possuem informações que são úteis
para uma escolha adequada, mas também podem gerar escolhas inadequadas, quando as
informações não são analisadas em seu conjunto. A lista de ingredientes, origem, prazo
de validade, conteúdo líquido, lote e informação nutricional são informações que devem
estar presentes nos rótulos de alimentos industrializados (ANVISA, 2005).

A composição nutricional do alimento, que é obrigatória constar no produto,


fornece informações sobre os macros e micronutrientes, e seus valores diários de
referência. O único micronutriente que é obrigatório informar é a presença de Sódio
(ANVISA, 2005). Mas, é possível encontrarmos a indicação de vários outros
micronutrientes como Cálcio, Ferro, Magnésio.

Os ingredientes dos alimentos também são informações obrigatórias, com exceção


para alimentos de ingredientes únicos como feijão, arroz, açúcar, dentre outros. Os
ingredientes presentes em um alimento industrializado são parâmetros para avaliar o tipo
de processamento a que eles foram submetidos. Quanto ao tipo de processamento, os
alimentos podem ser classificados como in natura ou minimamente processados,
ingredientes culinários, processados e utraprocessados. O conhecimento sobre o tipo de
processamento do alimento é um critério relevante para escolha de um alimento, tendo
como referência uma alimentação saudável (BRASIL, 2014).

A leitura atenta das informações nutricionais combinadas com o conhecimento


sobre o tipo de processamento dos alimentos constitui critérios orientadores para a
escolha de alimentos saudáveis. Assim, a gincana visava proporcionar um ambiente de
estudo dos rótulos pelos licenciandos, incentivando atitudes investigativas.

A apresentação da proposta da gincana informava que os ganhadores seriam todos


os licenciandos que participassem dela e que receberiam menção honrosa aqueles que se
dispusessem a ajudar um colega, em qualquer dificuldade enfrentada para realizá-la. Essa
ajuda poderia ser oferecida ligando, enviando mensagens escritas ou de áudio, que os
ajudassem a entender as tarefas. Também informava que seriam abordados conteúdos
conceituais importantes no processo: matéria, mistura, substância, elementos químicos e
a classificação dos alimentos conforme o processamento (BRASIL, 2014).
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Realizamos um encontro síncrono para discutir sobre os tipos de processamento
dos alimentos. Procedíamos da seguinte forma, buscando classificar vários exemplos de
alimentos: a) eu escrevia o nome de um alimento; b) abria para manifestações individuais
nas quais cada um tinha que classificá-lo, conforme estudo prévio; c) encerrava as
manifestações e passávamos para a discussão, quando havia discordância. Na sequência,
prosseguia com outro alimento. Em algumas situações, precisei trocar mensagens com
licenciandos, individualmente, para tirar dúvidas.

A seguir, apresento o Jogo e a Investigação. No jogo, os licenciandos tiveram que,


providenciar, previamente, uma cartela e um tabela. Eles receberam orientações
específicas para a produção da cartela e um exemplo de tabela que deveria ser reproduzida
em uma folha de papel. As cartelas eram compostas por cinco rótulos de produtos, cuja
escolha ficou a critério de cada licenciando. O jogo incentivava a leitura e compreensão
de rótulos, a observação e o registro de informações sobre a presença de micronutrientes
e o quantitativo de rótulos nos quais um determinado micronutriente era informado. O
jogo aconteceu por meio do aplicativo de mensagem, em dia e horário combinados.

JOGO

Objetivo do Jogo: Conhecer sobre a composição dos alimentos, relacionando conceitos


de matéria, misturas, substâncias e elementos químicos.
Peças do jogo:
1.Uma caixa contendo 11 peças-chaves.
2.Um relógio ou cronometro para marcar o tempo.
3.Uma CARTELA individual com informações sobre 5 alimentos industrializados cujos
rótulos continham informação nutricional ou composição nutricional.
4.Uma TABELA DE REGISTRO.

FAÇA SUA PRÓPRIA CARTELA para participar do jogo!


A CARTELA do jogo deverá ser construída usando cinco (5) rótulos de alimentos industrializados
de sua preferência. Siga as instruções e construa sua cartela!
a) Selecione cinco (5) rótulos de alimentos industrializados, que contenham INFORMAÇÃO
NUTRICIONAL ou COMPOSIÇÃO NUTRICIONAL. Dê prioridade aos alimentos
industrializados que você dispõe em sua residência e, dentre eles, aqueles que você mais gosta de
consumir.
b) Você poderá destacar e colar em uma folha de papel o nome do produto, os ingredientes e as
informações nutricionais, caso a embalagem, contento o rótulo, não esteja mais em uso. Há
produtos alimentícios que não contém a lista de ingredientes, como o arroz (alimento 5 da
CARTELA, ver Figura 2). Neste caso, eles poderão ser selecionados. Se preferir ou caso o produto
esteja em uso, você poderá também copiar as informações solicitadas (o nome do produto, os
ingredientes e as informações nutricionais) em uma folha de papel. Tenha como orientação a
CARTELA, exemplificada na Figura 2.
TABELA DE REGISTRO:
A tabela a seguir (Figura 2) é importante para organizar as informações a partir do sorteio, bem
como a complementação da investigação sobre os rótulos presentes em sua CARTELA. Você
deverá estar com ela pronta no momento de iniciar o Jogo.

Regras do jogo:
1.Jogo é constituído de uma CARTELA individual, contendo informações sobre cinco
(5) alimentos industrializados. Além da cartela, contém também um TABELA DE
REGISTRO. Cada participante do jogo deverá usar a sua própria cartela e sua própria
tabela.
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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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3.Participarão do jogo todos os jogadores que possuírem a CARTELA e a TABELA DE
REGISTRO.
4.O jogo iniciará às 19h do dia 08/04/2021. Será realizado via aplicativo de mensagem.
A professora iniciará com a mensagem de BOA NOITE! Os licenciandos-investigadores
que estiverem online sinalizarão a presença no grupo, respondendo a seu modo.
5.No contexto de atividades síncronas, teremos de um lado a professora, portando uma
caixa, contendo 11 peças. Cada peça contém o nome de um (1) micronutriente, que é
essencial ao organismo humano. Do outro lado, os participantes (licenciandos-
investigadores) com suas CARTELAS individuais e a TABELA DE REGISTRO.
6.Sabendo sobre quem está no grupo, a professora iniciará o jogo com o sorteio da
primeira peça, após chacoalhá-las dentro da caixa. A professora informará, por mensagem
escrita, no grupo da turma, contando um tempo de aproximadamente 10 min entre o
sorteio de uma peça e outra.
7.Com a informação sobre o nome do elemento contido na peça, o licenciando-
investigador deverá inserir o referido nome em sua TABELA DE REGISTRO, no campo
indicado NOME DO ELEMENTO.
8.Após registrar o nome do elemento na Tabela, o licenciando-investigador deverá
procurá-lo em sua CARTELA, somente em INFORMAÇÃO NUTRICIONAL dos cinco
rótulos dos alimentos que ele selecionou.
9.Caso conste o nome do elemento na INFORMAÇÃO NUTRICIONAL, o licenciando-
investigador deverá preencher a Tabela com a informação referente ao NOME DO
PRODUTO ALIMENTÍCIO, na coluna correspondente à linha do nome do elemento. O
licenciando deverá procurar a informação da presença do elemento em todos os rótulos
contidos em sua CARTELA individual, inserindo o nome do produto na mesma linha
correspondente ao elemento sorteado e separado por vírgulas.
10.Caso não conste o nome do elemento na INFORMAÇÃO NUTRICIONAL, o
licenciando-investigador deverá preencher a Tabela com a informação NÃO FOI
LISTADO NA INFORMAÇÃO NUTRICIONAL.
11.O máximo de nome de produtos alimentícios que poderá constar em cada linha,
correspondente ao elemento sorteado, é cinco.
12.Após buscar a informação sobre o elemento da peça sorteada em todos os rótulos, e
garantindo-se de que não consta na Informação Nutricional do alimento, o licenciando-
investigador escreverá na coluna NÚMEROS DE PRODUTOS, a quantidade de produtos
no qual encontrou a presença do respectivo elemento (micronutriente informado no
rótulo).
13.Após, aproximadamente, 10 min. a professora sorteará mais uma peça. E todos
procederão de forma semelhante à primeira peça sorteada.
14.Serão sorteadas 8 peças, de um total de 11.
15.Ao término do sorteio, cada licenciando somará os valores da coluna NÚMEROS DE
PRODUTOS. Essa será uma informação valiosa para o próximo momento da GINCANA,
o da INVESTIGAÇÃO.
16.Com o auxílio da TABELA PERIÓDICA, fornecida pela professora, cada
licenciando-investigador preencherá a coluna Símbolo, na TABELA DE REGISTRO.
Como nome da peça sorteada, procure o símbolo químico correspondente na Tabela
Periódica.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Figura 2 – Componentes do jogo

Na investigação, os licenciandos trabalharam com as informações presentes nas


cartelas e com os registros presente na tabela. A partir das informações presentes nos
rótulos e das características dos alimentos eles os classificaram, recomendaram a ingestão
de um dos alimentos presentes em sua cartela, justificando.

INVESTIGAÇÃO

Objetivo da investigação: Compreender sobre os rótulos de alimentos, sua composição


nutricional, em particular os micronutrientes indicados em seus rótulos. Analisar os
rótulos e classificar conforme seu processamento. Estabelecer relações entre a presença
de micronutrientes e o processamento.

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Registro da investigação: Uso do formulário online (ver figura 3)

Figura 3 – Formulário online de registo da investigação

EDUCAÇÃO CIENTÍFICA INCLUSIVA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO


ENSINO REMOTO

O contexto do ERE oferece muitos desafios a licenciandos e professores.


Consideramos que a prática pedagógica relatada nos permite pensar em dimensões
importantes a serem consideradas no ensino inclusivo, pelo valor conferido às
singularidades dos licenciandos. Nesta prática pedagógica tomada como ilustração de
uma tentativa de desenvolver um ensino remoto emergencial inclusivo, destacamos como

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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principais desafios enfrentados, o acesso à internet, a abordagem do conteúdo, e a
comunicação.

O acesso à internet constituiu um dos principais desafios. A garantia da


continuidade das atividades acadêmicas pelos licenciandos dependeu da disponibilidade
de rede e da conectividade. A disponibilidade de rede de internet é uma problemas em
muitas cidades do interior do estado, conforme explicitamos na introdução. O acesso
maior a internet é por meio das linhas móveis, no entanto, há limitações dos próprios
pacotes de dados, inviabilizando, por exemplo, acesso à conteúdos como vídeos. A
condição financeira é um problema que afeta a todos os licenciandos.

Recuperamos aqui uma informação sobre a condição financeira dos estudantes de


licenciatura, presente no estudo apresentado por Gatti et al. (2019, p.169). As autoras
informaram que estão nas licenciaturas aqueles estudantes de menor poder aquisitivo e
que “[...] a tendência é de empobrecimento geral de todos os que se propõem a fazer os
cursos de licenciatura”. Elas afirmaram que os estudantes de licenciatura são, em geral,
os primeiros membros de suas famílias a terem acesso ao ensino superior. No entanto,
constatam o alto índice de evasão e repetência nesses cursos e advertem que isto
representa desperdício de recursos materiais e humanos.

Lidar com os desafios de acesso à internet exigiu da professora planejar e


organizar estudos dirigidos, criando novas possibilidades de interagir, durante o
desenvolvimento do tema, priorizando o uso do aplicativo de mensagem que estava
disponível para todos os licenciandos. O uso do aplicativo de mensagem demandou muito
tempo de trabalho e atenção contínua para lidar com as demandas decorrentes das
necessidades dos licenciandos. Também exigiu bastante dos licenciandos. Ao
responderem à avaliação do tema, indicaram que o maior problema foi o acesso à internet.
João, por exemplo, escreveu no formulário que seu maior desafio foi “A oscilação da
internet!! Moro em um Quilombo a 20 km da cidade, logo a internet não é das melhores”.
Ana, escreveu “A internet, pelo fato dos meus dados moveis esta péssimo para eu ver as
atividades diárias”. João informou à professora que ia ao centro da cidade para poder
visualizar as mensagens e dar continuidade aos estudos. Ana, contou com a colaboração
de sua vizinha para ter acesso às mensagens. Relatou que, por diversas vezes, estudava
no quintal de sua vizinha.

Acreditamos que, da parte da professora, as instruções contínuas, feitas por meio


dos Materiais de Estudo, da agenda diária, as interações nos encontros síncronos diários
e o feedback contínuo às mensagens individuais dos licenciandos, foram as condições que
garantiram que a grande maioria deles permanecessem até o final do curso. Da parte dos
licenciandos, a motivação para o estudo, que constatamos em outra oportunidade
(ALVES; PARENTE, 2020) se mostrou ainda mais forte, considerando o contexto de
pandemia e as dificuldades técnicas do ensino remoto. Alguns licenciandos adoeceram e
outros tiveram parentes próximos hospitalizados no período, mas apenas três desistiram
do curso.

A abordagem do conteúdo também constituiu um desafio para a professora e para


os licenciandos. Como mencionamos antes, para a professora demandou uma dedicação
exclusiva ao tema, visto que precisou replanejar as atividades e atender, continuadamente,
às demandas dos licenciandos. A proposição da Gincana à turma foi uma tentativa de
incentivá-los na continuidade do tema, pois para alguns, como Sérgio, foi um desafio

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“rever diversos conceitos químicos” e para Sindey “dificuldades minhas em
compreensão textual”. Pensada de forma contextualizada, investigativa, lúdica e
interativa, a atividade demandou a participação ativa dos licenciandos. Eles se
organizavam para realizar as tarefas que eram condição para participarem nos encontros
síncronos.

A turma valorizou a abordagem do conteúdo e participou da atividade com boa


frequência e entusiasmo. Sidney destacou: “Sinceramente, gostei muito do tema. O
mesmo me acrescentou informações valiosas. Passei a refletir mais sobre o consumo da
água, assim como também sobre o consumo dos alimentos. Além disso, o tema reforçou
a importância da ciência, na figura das Universidades, para a sociedade, para as
comunidades, para as pessoas, enfim. Portanto, houve produtividade”.

Se os estudantes aprenderam sobre química e sobre a utilização dos


conhecimentos químicos para a tomada de decisões, a professora aprendeu sobre como
ensinar o tema em contexto imprevisto e adverso. Planejar o ensino com critérios, fazendo
opções teóricas e metodológicas visando atender às necessidades dos estudantes,
constituem momentos de aprendizagem que se organizam na vivência e construção
cotidiana da atividade profissional. (MADEIRA-COELHO et al. 2017).

Uma outra dimensão da prática pedagógica que nos serviu de ilustração e que
constituiu um desafio foi o processo de comunicação. Lembramos que a comunicação
esteve relacionada à conectividade dos estudantes e à disponibilidade de dados móveis
para a maioria deles. Esse desafio foi reconhecido pela professora, desde o planejamento
do tema, ao valorizar o uso do aplicativo de mensagem como o espaço para os encontros
síncronos, a previsão dos quadros comunicativos, mas também pelas alterações que se
fizeram necessárias, em decorrência da disponibilidade de dados móveis pelos estudantes,
para terem acesso aos conteúdos disponibilizados. Além dos quadros, a comunicação se
ampliou em função das próprias demandas da turma quanto ao retorno das avaliações e a
criação da Gincana pela professora. Também, avaliamos que contribuíram para gerar
espaços de comunicação proveitosos entre professores e licenciandos o reconhecimento
dos problemas contingenciais, o clima afetivo e respeitoso e os incentivos oferecidos
individualmente.

O uso do aplicativo de mensagem de celular permitiu criar um espaço de


participação da turma no tema e processos de inclusão, não só pelo fato da maioria dos
licenciandos disporem de smartfones e habilidades no uso de aplicativos de troca de
mensagens, mas pelo espaço de comunicação criado. Todas as mensagens dos
licenciandos nos momentos síncronos e assíncronos foram respondidas pela professora.

Consideramos que é no ato de ensinar que práticas pedagógicas se constroem, pela


qualidade da dinâmica relacional entre os envolvidos, atenção e valor conferido às
manifestações dos estudantes pelos professores. Tais manifestações, uma vez
interpretadas pelo professor, geram possibilidade de novas ações e relações, nas quais a
intencionalidade das práticas é alcançada considerando o interesse e a curiosidade que o
professor mantém em relação aos estudantes. Processos comunicativos de qualidade
ocorrem não pela aplicação de uma atividade previamente planejada, que é
criteriosamente seguida, mas pelas produções que acontecem nesse encontro e pelos
objetivos que o professor persegue.

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NOTAS

1. Conforme dados do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação (CTIC) apresentados


no curso “Planejamento e organização de atividades de ensino usando plataformas de
webconferência disponíveis na UFPA”, oferecido aos docentes pela Diretoria de Capacitação e
Desenvolvimento (CAPACIT UFPA).
2. Nome fictícios atribuídos aos licenciandos.

REFERÊNCIAS

ALVES, J. M.; PARENTE, A. G. L. Linguagem e conhecimento, tema da formação inicial na


Licenciatura Integrada em Ciências, Matemática e Linguagem. REAMEC -Rede Amazônica de
Educação em Ciências e Matemática. v. 8, n. 1, p. 249-267. jan/abr, 2020. Disponível em:
http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/reamec/article/view/9861/pdf. Acesso em: 23
jul. 2020.

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Rotulagem nutricional obrigatória:


manual de orientação aos consumidores. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 25 p. 2005..

BRASIL Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.


Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à
Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

GATTI, B. A.; BARRETTO, E. S. S.; ANDRÉ, M. E. D. A.; ALMEIDA, A. P. C. A. Professores


do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, p. 351, 2019

GONZÁLEZ REY, F. L.; MITJÁNS MARTÍNEZ, A. A preparação para o exercício da


profissão docente: Contribuições da teoria da subjetividade. In ROSSATO, M.; PERES V. L.
A. (Org.) Formação de educadores e psicólogos: Contribuições e desafios subjetividade
na perspectiva cultural-histórica. (pp. 13-46). Curitiba: Appris. 2019.

MADEIRA-COELHO, C. M.; TACCA, M. C. V. R.; OLIVEIRA, L. S.; PINTO, K. P. A


constituição subjetiva da profissionalidade docente: vivências investigativas e formação. In:
Tacca, M. C. V. R. (Org.) A pesquisa como suporte da formação e da ação docente. (pp. 61-
86). Campinhas, SP: Alínea, 2017.

PARENTE, A. G. L.; ALVES, J. M. A pesquisa da prática pedagógica em aulas de ciências por


bolsistas do PIBID. Amazônia: Revista de Educação em Ciências e Matemáticas, Belém, v.
16, n. 36, p. 263-280, jul. 2020.

UNESCO. COVID-19 e educação superior: dos efeitos imediatos ao dia seguinte; análises de
impactos, respostas políticas e recomendações. Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO). Instituto Internacional para a Educação Superior na América
Latina e Caribe (UNESCO-IESALC) 2020, Disponível em:
<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374886 >Acesso em: 10 jun. 2021.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão.


Resolução N. 5.294, de 21 de agosto de 2020. Aprova, de forma excepcional e temporária, o
Ensino Remoto Emergencial em diferentes níveis de ensino para os cursos ofertados pela
Universidade Federal do Pará, em decorrência da situação de pandemia do novo Coronavírus -
COVID-19, e dá outras providências. Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão, 2020.

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7. ENSINO DE QUÍMICA E ATIVIDADE
EXPERIMENTAL PROBLEMATIZADA (AEP)
COM VISTAS À INCLUSÃO DIGITAL: ANÁLISE
POR IMAGENS DIGITAIS VIA ANÁLISE
MULTIVARIADA DE DADOS NO CONTEXTO DA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA

Bruno Magela de Melo Siqueira18


Pedro Mitsuo Takahashi19
André Luís Silva da Silva20
Paulo Roberto Filgueiras21
Paulo Rogerio Garcez de Moura22
INTRODUÇÃO

No campo das atividades experimentais em se tratando de ensino de ciências


naturais, variados objetivos e metodologias podem ser utilizados para impulsionar a
construção de importantes conhecimentos de forma contínua e consistente com finalidade
de promover a aprendizagem significativa (OLIVEIRA, 2010). A teoria da aprendizagem
significativa foi elaborada por David Ausubel e aprimorada por Joseph Novak e Marco
Antonio Moreira (SILVA & MOURA, 2018). Para Guimarães (2009), esse tipo de
aprendizagem ocorre quando um novo conceito, conhecimento ou uma ideia se aporta em
algo que já é estruturado na esfera cognitiva do sujeito e que ocorra assimilação para
promover um significado, ou seja, permeia-se pela construção do vínculo entre ambos
para o fomento de novos conhecimentos que façam sentido e constância no indivíduo.

Monteiro, Sales e Lima (2013) relataram que o uso de experimentos nas aulas de
Química, promove o aumento da interação professor-aluno, além de enriquecer os
formatos de aprendizagem e permitindo a troca de informações de maneira mais ampla.
Por esse lado, faz com que os assuntos abordados se tornem mais concretos, promovendo
uma melhor assimilação com a teoria.

18
Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2074-5686
19
Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1938-2224
20
Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8245-9389
21
Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2617-1601
22
Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2659-5383

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Para Silva e Silva (2019), numa atividade experimental deve usar um método que
oportunize aos alunos realizar a interpretação dos fenômenos; construir significado e
manusear objetos durante a realização dos experimentos; projetar uma aprendizagem
crítica pautada no diálogo e na relação interpessoal.

Para que isso ocorra de modo concreto, deve-se estruturar a formação inicial nas
universidades, principalmente nos cursos de licenciatura. Ambrosetti e colaboradores
(2013) argumentam que os atuais modelos de formação de professores nas universidades
estão desarticulados com uma prática profissional mais contemporânea, podendo
acarretar defasagens acadêmicas.

Desse modo, oferecer uma formação inicial que estabeleça a articulação da


problematização e do diálogo sobre conhecimentos científicos com uma visão humanista,
poderá romper com o caráter tecnicista da educação tradicional, contribuindo para o
rompimento com os paradigmas conteudistas (FERNANDES, MARQUES &
DELIZOICOV, 2016).

O aperfeiçoamento das estruturas das escolas e das universidades no eixo físico,


da gestão de qualidade e da atualização do conhecimento, estão associados com a
formação de professores. Disso surge a necessidade de mudanças sobre as concepções do
ensinar e do aprender, propondo um modo de ensinar mais dinâmico e de saber crítico
atrelado a utilização de tecnologias para aprimorar diversas áreas relacionadas ao ensino
(LAVINAS & VEIGA, 2013).

É notório que quando se trata de questões relacionadas ao ensino, o uso de


tecnologias sendo utilizadas de modo adequado e acessível, tem muito a contribuir. Frente
a isso, para saber a respeito do que está sendo divulgado em nossa sociedade, as
instituições de ensino devem estar em constante aperfeiçoamento e buscando alternativas
que ajudam a diminuir a desigualdade no âmbito digital, visto que é, são nesses locais por
onde a educação e o ensino transitam que moldam o caráter crítico de um cidadão.

Nesse contexto, de avanço tecnológico aplicado em todos os níveis de


conhecimento, vivemos em um momento onde o fluxo de informações é dinâmico e
constante. A oferta de novas tecnologias cresce de forma exponencial, mas sem a garantia
do acesso universal. Com isso cria-se “lacunas culturais” na sociedade por não
proporcionar a inclusão digital para todos (MEDEIROS, 2021).

Para que essa adversidade seja amenizada, tem-se o desafio de garantir o uso
democrático de tecnologias educacionais de modo a favorecer a aprendizagem
significativa, sendo aliadas para a geração de debates e de diálogos, de contato
sociocultural e de problematização do cotidiano como mediadoras para aulas
experimentais investigativas Com a inclusão de tecnologias na área da Química, têm-se
uma visão mais ampla dos fenômenos a serem estudados, podendo abranger tanto os
níveis macroscópicos quanto os níveis microscópicos das investigações científicas.
(NICHELE & SCHELEMMER, 2014).

O ensino experimental de Química aliado à problematização e ao modelo


investigativo, com vistas à superação da perspectiva tecnicista, pode envolver
metodologias ativas de ensino (LOPES, FILHO, MARSDEN & ALVES, 2011) e
abordagens CTSA - Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (SANTOS, 2015) ou

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STEAM - do inglês, Science, Technology, Engineering, Arts and Mathematic
(MACHADO & ZAGO, 2020).

Diante disso, ocorre a promoção do desenvolvimento de competências,


habilidades, criatividade e autonomia referente aos conhecimentos mediados (LOPES,
FILHO, MARSDEN & ALVES, 2011; SANTOS, NETO & FRAGOSO, 2019). Logo,
uma metodologia ativa de ensino apresenta no seu cerne a essência da resolução de
problemas, inserindo o aluno em situações reflexivas do cotidiano. Esse é o caso do
ensino de química por intermédio da experimentação, a Atividade Experimental
Problematizada (AEP).

ATIVIDADE EXPERIMENTAL PROBLEMATIZADA (AEP)

Conforme Suart e Marcondes (2009), a proposta de uma aula experimental


investigativa, deve levantar uma situação problema tendo foco no desenvolvimento
cognitivo do aluno. Sendo o estudante o protagonista do seu processo de aprendizagem,
consegue assimilar o conteúdo de forma significativa, pois vivencia situações favoráveis
à compreensão, além de estabelecer uma resposta para o problema exposto de modo
lógico, apresentando assim capacidade de levantar hipóteses e fazer análise dos dados
obtidos.

Nessa perspectiva, a Atividade Experimental Problematizada (AEP) tem por


objetivo a busca na resolução de situações problemas por meio do uso da experimentação,
na qual se desenvolve a partir da definição de uma problemática com natureza de origem
teórica (SILVA, MOURA & DEL PINO, 2017). Os ideais teóricos da AEP são referentes
à aprendizagem significativa (SILVA & MOURA, 2018).

O ensino experimental por meio da AEP tem como propósito estabelecer uma
relação entre o objetivo experimental e as diretrizes metodológicas a partir da definição
e análise de um problema a ser investigado, preferencialmente em um cenário
contextualizado. Esse problema define o objetivo experimental, pelo qual se originam
certas ações estratégicas que direcionam e orientam aos procedimentos experimentais,
denominadas de diretrizes metodológicas. De maneira geral, a AEP requer para sua
aplicação a determinação de um problema proposto, para se chegar a um objetivo
experimental, para ser resolvido com diretrizes metodológicas próprias, de modo a
estabelecer a sincronia e a articulação entre três aspectos específicos, como eixo teórico
da Atividade Experimental Problematizada, de acordo com a Figura 1. (SILVA,
MOURA & DEL PINO, 2017).

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Figura 1 – Articuladores teóricos para proposta da AEP


Fonte: (SILVA & MOURA, 2018)

O esquema apresenta os pilares relacionados aos eixos teóricos vinculados a


Atividade Experimental Problematizada (AEP). De acordo com Silva e Moura (2018),

O problema proposto (que poderá ser pluralizado) como origem da


AEP requer a elaboração de uma solução, ou sua derivação em novos
problemas, distinguindo-se de uma mera questão ou da singularidade
de uma pergunta, as quais satisfazem-se com a resposta que busca, seja
ela de modo correta ou incorreta. Por essa visão, nota-se que problemas
beneficiam processos, remetendo assim o uso de estratégias, métodos,
técnicas próprias de investigação sistêmica, ao passo que questões se
atêm ao resultado (único, no caso da questão, múltiplo, no caso do
problema). Genuinamente, um problema integra-se de uma situação
exigente de maior grau de amplitude, não se podendo atribuir acerto ou
erro tão somente a partir do que dele resulta, tendo em vista amplas
possibilidades metodológicas embutidas em condução. Apresenta
natureza teórica, preferencialmente contextualizada. Para sua solução,
incentiva a busca por uma nota de ações experimentais adaptativas a
diferentes realidades, que levarão a dados que, após coletados,
compreendidos e interpretados, poderão conduzir os sujeitos a uma
perspectiva de solução, qualitativa ou quantitativa. Sob a
fundamentação desse problema, segue-se pela elaboração de um
objetivo experimental.
O objetivo experimental, geral e abrangente quando às propostas de
atividades práticas, deverá tomar como fundamento o que se espera
obter a partir da experimentação sob uma amplitude básica e geral.
Sendo assim, levará a resultados, mas não necessariamente à solução
do problema proposto. Ao término dos procedimentos empíricos, o que
se pretende obter? Que produto/objeto poderá ser gerado? Trata-se do
eixo experimental final que norteará a principal ação a ser desenvolvida,
isto é, de uma técnica para a qual necessitar-se-á de ações capazes de
concretizá-lo. Deriva-se em diretrizes metodológicas.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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As diretrizes metodológicas, por sua vez, constituem-se de um roteiro
de ações práticas derivadas do objetivo experimental. Atuam como
proposituras orientadoras aos procedimentos a serem realizados. Não
devem ser admitidas como um fator limitador ao se tratar da
experimentação, pois admite-se aqui que a aprendizagem é limitada ao
se tratar da experimentação sob vieses observacionais ou
procedimentais fechados, do tipo “receita-de-bolo”. Contudo, tais
diretrizes surgem como uma etapa necessária, que oferece o
estabelecimento das primeiras ações e norteia os fazeres gerais. Com
isso, tampouco se reduzem a imposições ou receituários a serem
seguidos com rigor, podendo ser modificadas a qualquer tempo pelo
professor e/ou alunos. Além disso, visam à inteligibilidade do objetivo
proposto e incentivam uma discussão entre os integrantes do grupo de
trabalho anterior e concomitante às suas ações, fatores considerados
cruciais para a organização das ideias individuais e estabelecimento de
uma ação conjunta. Sob esta argumentação, sugere-se que em dadas
experimentações alguns problemas propostos distinguem-se de suas
diretrizes, em natureza e conteúdo, uma vez que o propósito das
diretrizes metodológicas é oferecer respostas ao objetivo experimental,
mas não propriamente ao(s) problema(s) proposto(s).

Como os fundamentos da AEP perpassam pela busca de soluções de um problema


estabelecido por meio de um experimento prático, trata-se de fato da escolha de um
objetivo experimental, de maneira autônoma, levando a derivação de uma diretriz
metodológica, que servirá como orientação aos procedimentos a serem realizados.
Destaca-se que a AEP não faz uso de percursos metodológicos ou de escopos
procedimentais pré-estabelecidos para elaborar respostas para uma questão ou situação-
problema (SILVA, MOURA & DEL PINO, 2017).

Do ponto de vista pedagógico, conforme Silva e Moura (2018), para alcançar a


articulação entre o objetivo experimental, as diretrizes metodológicas e o problema
proposto faz-se necessário implementar os cinco momentos para a aplicação da AEP,
quais sejam:

(a) Discussão prévia: Nesse momento se dá o debate inicial sobre os assuntos a


serem abordados para identificar os conhecimentos prévios da turma de alunos e assim
definir um problema de pesquisa e para estruturar o tema geral da investigação
experimental.

(b) Organização/desenvolvimento da atividade experimental: no segundo


momento ocorre a formação de grupos menores de alunos, para a discussão e definição
do problema de pesquisa e do tema geral a ser investigado, a fim de estabelecer os
objetivos experimentais e elaborar as diretrizes metodológicas, aplicando-os à prática
definida.

(c) Retornam ao grupo de trabalho: nesse momento é realizado o registro das


observações da atividade experimental, sendo fundamentado na reflexão e discussão
intragrupo de trabalho. Espera-se que os estudantes desenvolvam, a partir dos dados
obtidos, uma relação entre os conhecimentos teóricos e os experimentos desenvolvidos,
com o intuito de solucionar o problema proposto, tendo o professor o papel de mediador
do processo.

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(d) Socialização: no quarto momento se estabelece a discussão teórico-
experimental e o compartilhamento dos resultados obtidos ao problema proposto pelos
grupos de trabalho. O professor e os alunos avaliam o desenvolvimento das diferentes
diretrizes metodológicas procedimentais, que podem ser distintas devido às diferentes
técnicas utilizadas por cada grupo.

(e) Sistematização: após a realização dos momentos anteriores, encerra-se a AEP


com a organização dos resultados alcançados, estruturando-os de modo a solucionar o
problema proposto.

Quanto à aplicação da AEP, Moreira e colaboradores (2019) relatam que fizeram


uso dessa estratégia experimental para promover a alfabetização científica no contexto do
ensino de Química contemplando a temática de funções inorgânicas em uma turma de 1º
ano do ensino médio no município de Caçapava do Sul/RS. Esse relato de experiência
demonstra as potencialidades educacionais da AEP aplicadas no contexto do ensino
superior.

A partir das diretrizes e aportes teórico-metodológicos e epistemológicos da AEP,


torna-se possível inferir sua aplicação em diferentes níveis de ensino - básico, técnico
profissionalizante, superior e pós-graduação. Atrela-se ao uso de novas estratégias de
ensino a AEP a realidade da cultura digital, torna-se cada vez mais comum o uso de
tecnologias para as áreas do ensino de ciências.

Noutro registro, Moraes e colaboradores (2014) demonstram como é potente a


inserção dessa temática experimentais problematizadas no meio universitário. Os autores
fizeram a quantificação de sódio em amostras de água de coco e água do mar por meio
do teste de chamas e tratamento de dados via sistema RGB (do inglês, Red, Green and
Blue), na disciplina de Química Analítica.

Outro estudo foi desenvolvido por Böck e colaboradores (2015), que apresentaram
um experimento didático para o ensino de análise exploratória de dados por imagens para
explicar o método de PCA. Por isso, a introdução de assuntos e tecnologias importantes
como essa temática desde o início da graduação é de grande relevância, pois os estudantes
já começam a ter contato com pesquisas e o que está tendo mais de novo na área da
química, além de contribuir para o desenvolvimento técnico-científico.

Nessa dimensão, sobre o ensino de Química, pode-se inferir como favorável à


aprendizagem a realização de experimentos problematizados, que se aproximam do
cotidiano do aluno, e que tenham sincronia com as novas premissas tecnológicas. A
aplicação dos conhecimentos técnicos e básicos deve promover e aguçar a curiosidade
dos estudantes no âmbito científico de grande importância para maturação profissional e
pedagógica (GERIS & COLABORADORES, 2007).

A obtenção de informações por meio de dispositivos eletrônicos como


smartphones, tablets, computadores, câmeras digitais e entre outros, facilita o acesso e o
processo de armazenamento de dados e a elucidação de problemas inclusive no campo da
Química.

Em se tratando de análises químicas, esses dispositivos apresentam versatilidade


em relação à manuseio e ao custo para a miniaturização e a portabilidade de instrumentos
analíticos. Isso contribui para a realização de análises químicas colorimétricas in situ,

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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podendo ser uma alternativa aos métodos convencionais laboratoriais (BYRNE &
COLABORADORES, 2000; HELFER, 2017; BAUMANN, 2019; ZHANG, 2016).
Logo, as informações químicas são geradas por meio de imagens digitais por meio de
dispositivos móveis

ENSINO DE QUÍMICA, INCLUSÃO DIGITAL E ANÁLISE MULTIVARIADA


DE IMAGEM

Pela composição das imagens digitais, é possível fazer a mensuração das


propriedades físico-químicas de interesse, por meio da reflexão da luz. A luz refletida no
smartphone formam imagens digitais na tela do dispositivo, sendo formadas por pixels,
que são rearranjados em uma matriz. Cada pixel estrutura a coloração de uma imagem
digital, por meio do sistema R, G, B (do inglês, Red, Green and Blue). Em relação a esse
sistema, o vermelho, verde e azul são denominadas como cores primárias para a
tonalidade das imagens e junto a interseção dentre essas cores ocorre a composição das
demais cores. Cada tonalidade de cor correspondente a um ponto estruturado e se forma
pelos eixos do sistema RGB (GODINHO & COLABORADORES, 2008).

O desenvolvimento tecnológico de aplicativos de dispositivos móveis produziu


avanços na área de imagens digitais e no tratamento de dados quali-quantitativos das
pesquisas em química. Paralelamente, houve o incremento da análise multivariada de
imagens - MIA, (do inglês, Multivariate Image Analysis), que é apresentada como suporte
facilitador para a análise dos dados obtidos pelas intensidades de R, G, B (ROSA, 2020;
HUGELIER, VITALE & RUCKEBUSCH, 2020).

Rosa (2020) desenvolveu um aplicativo denominado REDGIM para smartphone


com sistema operacional Android, disponibilizado gratuitamente na plataforma Google
Play, que faz uso de imagens digitais e métodos quimiométricos para análises
quantitativas por meio do sistema RGB. O aplicativo REDGIM contempla os métodos
multivariados de análise mais difundidos na literatura: a Análise de Componentes
Principais (do inglês, Principal Component Analysis - PCA) e a Regressão por mínimos
quadrados parciais (do inglês, Partial Least Squares - PLS).

A partir da década de 1970 se estabeleceram os estudos da análise multivariada


de dados, que faz uso de bases estatísticas para o tratamento de dados espectroscópicos
envolvendo variáveis específicas. A PCA consiste no redimensionamento de uma matriz
X para promover um reconhecimento de padrões entre as amostras analisadas. Por outro
lado, a regressão PLS faz a correlação entre a matriz X e a matriz y para fazer a predição
de propriedades estudadas das amostras (SOUZA & POPPI, 2012; SOUZA &
COLABORADORES, 2013).

ENSINO DE QUÍMICA ATRAVÉS DA EXPERIMENTAÇÃO (AEP) E DA


ANÁLISE POR IMAGENS DIGITAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

No final do ano de 2019 foi detectada uma nova mutação de corona vírus, SARS-
CoV-2, causadora da Corona Virus Disease-19, conhecida como COVID19
(WERNECK, CARVALHO, 2020). Devido a pandemia, ocorreu o isolamento social e as
aulas migraram para as plataformas digitais. No semestre letivo de 2020/1, realizou-se a
aplicação de um projeto de ensino experimental, numa turma de oito alunos da
licenciatura em Química, na disciplina de Química Geral I, no contexto das atividades

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acadêmicas desenvolvidas durante o período especial de Ensino-Aprendizagem Remoto
Temporário e Emergencial (Earte) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

A Atividade Experimental Problematizada (AEP) aplicada no contexto do ensino


remoto se deu em associação ao aplicativo de smartphone REDGIM para fins
pedagógicos e na formação inicial de professores da química. Essa aplicação se deu no
formato de sequência didática (GUIMARÃES & GIORDAN, 2009, 2011) e tratou da
inclusão de tecnologias digitais em análises químicas para a obtenção de informações
químicas por imagens digitais e para a análise multivariada de dados no preparo de
soluções com materiais do cotidiano. No quadro 1 se apresenta a sequência didática e o
que foi planejado para os quatro encontros virtuais, na plataforma virtual Google Meet.

Quadro 1 – Assuntos abordados em cada encontro na perspectiva da atividade


experimental problematizada
Encontro Temáticas trabalhadas
- Implementação da problemática abordada 🡪 (aulas práticas no
laboratório comprometidas e o uso de smartphones como
instrumento de análise);

- Introdução às análises químicas (o que são, para que serve em


nosso cotidiano, análises qualitativas e quantitativas, como
podem serem feitas);
1º (2 horas)
(Discussão Prévia)
- Exemplos de cálculos de preparo de soluções (mol.L ) e (g.L ),
-1 -1

apresentação de título % (m.m ), densidade (g.cm ) e cálculos de


-1 -3

diluição;

- Breve resumo sobre alguns conceitos de espectroscopia como


comprimento de onda, energia, frequência e espectrofotometria
UV-visível.
- Primeiro contato com análise química por imagens digitais,
sistema RGB, leitura em dispositivos eletrônicos como
smartphones, introdução a ferramentas para coleta e análise
2º (2 horas)
multivariada de dados;
(Discussão Prévia)
- Apresentação do aplicativo REDGIM para análises químicas
colorimétricas e discussão dos próximos passos a seguidos.
(intervalo para as etapas de organização/desenvolvimento da atividade experimental e
retomada ao grupo de trabalho) – tempo de três semanas para a montagem e a
concretização dos experimentos realizados em casa.
3º (2 horas) Divulgação e apresentação dos resultados dos experimentos
(Socialização e sugeridos por cada grupo
Sistematização)
4º (2 horas) - Sistematização das ideias, feedback por parte dos alunos e
(Socialização e conversa a respeito da metodologia e assuntos abordados.
Sistematização)
Fonte: (Autoria própria, 2020)

Em cada encontro foram entregues materiais de suporte como artigos científicos


a respeito da utilização da técnica de espectrofotometria UV-visível e análise por imagens

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digitais. Cabe destacar que foram necessárias adaptações devido a não utilização dos
laboratórios de ensino de química, sendo necessário realizar a organização e o
desenvolvimento da atividade experimental nas casas dos alunos. O professor regente da
disciplina de Química Geral I e o aluno de estágio em docência, do Programa de Pós-
Graduação em Química (PPGQUI) da UFES, organizaram reuniões virtuais para discutir
sobre o andamento dos experimentos propostos pelos dois grupos de alunos licenciandos
em química. Os grupos de alunos tiveram três semanas para a elaboração e execução da
prática experimental. Na semana da socialização e sistematização das atividades
organizadas pelos grupos, além da apresentação em slides, também entregaram o relatório
descritivo do que foi realizado contendo objetivo, materiais e métodos, resultados,
discussão e conclusão. A sequência didática desenvolvida nos quatro encontros virtuais,
tratou dos principais pilares da AEP: Problema Proposto, Objetivo Experimental e
Diretrizes Metodológicas, aplicados ao longo dos seus cinco momentos mencionados
anteriormente (SILVA, MOURA & DEL PINO, 2017).

Como problemática levantada e como proposta a ser trabalhada, utilizou-se algo


que estava sendo intrinsecamente vivenciado pelos alunos, a pandemia e seus impactos
na dinâmica do ensino experimental de química. Desse modo, promoveu-se a discussão
sobre o contexto pandêmico e algumas perguntas problematizadoras foram inseridas
durante as aulas: Será possível utilizar tecnologias digitais em análises químicas fora do
ambiente do laboratório? Como utilizar materiais do cotidiano para a realização de
experimentos remotamente? É possível tornar o smartphone um equipamento de análise
química? Como imagens digitais auxiliam no processo de obtenção e do tratamento de
dados químicos?

Sendo assim, como objetivo experimental os alunos tiveram que desenvolver um


experimento utilizando o aplicativo REDGIM, que lhes foi apresentado para a resolução
do Problema Proposto. A partir das Diretrizes Metodológicas, os alunos desenvolveram
metodologias de trabalho, hipóteses e respostas, organizando-as para uma melhor
conclusão das ideias. É importante salientar que a resolução dos cálculos envolvidos nos
procedimentos teóricos, o que deveriam ser analisados, os aportes envolvidos e vidrarias
adaptadas utilizadas para a execução dos experimentos, foram proposições próprias dos
alunos, tendo o acompanhamento de apoio do estagiário do PPGQUI. No último encontro,
foi disponibilizado um questionário final aos alunos para tratar sobre a utilização do
REDGIM, a aplicação do método PLS e os conteúdos abordados, além de opinarem a
metodologia empregada na dinâmica dos encontros e da inclusão de tecnologias
educacionais para ensino remoto.

Como parte do processo de construção do saber científico, ressalta-se a


importância da aplicação do questionário prévio para o professor mediador ter uma
direção de como conduzir as discussões e como estruturar a problematização de cada
etapa de trabalho, de modo a promover a relação do cotidiano dos alunos com sua futura
profissão, à docência em química. O questionário prévio abordou questões como o
preparo de cálculo das soluções, das análises químicas, da análise multivariada por
imagens e da técnica de espectrofotometria na região do UV-visível.

Na apresentação das perguntas estruturadoras da prática experimental como: O


que são análises químicas? Como posso aplicá-las no contexto do cotidiano? Para que
servem? - foram realizadas para construir uma linha de raciocínio e para manter a
linearidade e a conectividade das ideias. Na visão investigativa de ensino, a

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contextualização parte do princípio de refletir e investigar a realidade onde estão
inseridos, para um melhor entendimento na tomada de decisões e para compreender o
cotidiano por diversos olhares e aspectos (AIRES & LAMBACH, 2010).

Na apresentação dos experimentos elencados pelos alunos, o primeiro grupo


tratou do seguinte objetivo experimental: Como demonstrar, por meio de experimentos
de análises de diluição, a autenticidade e a efetividade do aplicativo REDGIM,
comparando os resultados de concentração esperados com os dados obtidos pelo app?
Logo, o que propuseram foi a predição de concentração de soluções de KMnO 4

(permanganato de potássio) por meio aplicativo. Ou seja, propuseram a preparação de


uma curva analítica utilizando o “branco” e as sucessivas diluições do KMnO (como 4

curva padrão), para verificar as concentrações das amostras testes a serem confirmadas
de modo quantitativo através do app REDGIM. Quanto às diretrizes metodológicas,
utilizaram os seguintes materiais: comprimidos de KMnO 97%, 8 garrafas de plástico de
4

500 mL, copo medidor culinário, água e garrafa pet de 2 litros. O primeiro grupo delineou
o procedimento construído sem o auxílio de um roteiro pré-estabelecido, ou seja, as
concentrações das soluções foram estabelecidas pelo próprio grupo, bem como os
materiais utilizados e a realização da curva analítica (figura 2).

Figura 2 - Soluções de KMnO4 (curva analítica) preparadas


Fonte: (autoria dos alunos, 2020)

Foi preparado uma solução estoque utilizando 100 mg de KMnO (97%) na 4

concentração molar de 6,13x10 mol.L em um volume de 1 litro. As soluções para os


-4 -1

pontos da curva analítica foram feitas a partir da solução estoque com as devidas diluições
e apresentaram um volume final de 500 mL. Cada ponto referente a curva apresentou
respectivas concentrações: 1º ponto: 4,904x10 mol.L ; 2º ponto: 3,678x10 mol.L ; 3º
-4 -1 -4 -1

ponto: 2,452x10 mol.L ; 4º ponto: 1,226x10 mol.L e o 5º ponto: 6,13x10 mol.L . Para
-4 -1 -4 -1 -5 -1

as duas amostras a serem analisadas que os alunos prepararam para confirmar com o
aplicativo REDGIM, foram feitas nas seguintes concentrações: Amostra 1: 4,291x10 -4

mol.L e Amostra 2: 3,065x10 mol.L .


-1 -4 -1

No próprio aplicativo que o operador está manuseando, é capaz de fazer a tomada


das fotos e em seguida analisar os dados no mesmo dispositivo. Sendo assim, após o
preenchimento dos dados no REDGIM utilizando do método de análise multivariada de
dados, o aplicativo fez a previsão das amostras. Pela análise do aplicativo verificou-se

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que os valores esperados das amostras eram respectivamente de 4,291x10 mol.L e de -4 -1

3,065x10 mol.L e os preditos como valores de teste que o aplicativo estabeleceu foram
-4 -1

de 4,202x10 mol.L e de 2,993x10 mol.L , demonstrando que os valores ficaram


-4 -1 -4 -1

aparentemente próximos. Esses resultados foram preparados para serem discutidos no


momento de socialização, durante a apresentação para os outros alunos da turma.

Em relação ao segundo grupo, os alunos também preparam uma curva analítica


para previsão de amostras testes, relacionadas com soluções de suco artificial em pó (no
sabor goiaba). Como material para o preparo das soluções, eles utilizaram o copo medidor
de cozinha, copos de vidros para o recipiente, copo do liquidificador para as marcações
das medidas, água e os pacotes de suco em pó artificial.

Foi preparado uma solução estoque utilizando 25g de suco em pó em 1 litro. As


soluções para os pontos da curva analítica foram feitas a partir da solução estoque com as
devidas diluições e apresentaram um volume final de 300 mL. Cada ponto referente a
curva apresentou respectivas concentrações: 1º ponto: 4,17 g.L ; 2º ponto: 8,33 g.L ; 3º
-1 -1

ponto: 12,5 g.L ; 4º ponto: 16,7 g.L e o 5º ponto: 20,8 g.L . Para as duas
-1 -1 -1

amostraspreparadas pelos alunos a serem analisadas e confirmadas com o aplicativo,


foram feitas nas seguintes concentrações: Amostra 1: 6,67 g.L e Amostra 2: 10,42 g.L .
-1 -1

Pode-se verificar a curva analítica das soluções na figura 3.

Figura 3 – Soluções de suco em pó artificial (curva analítica) preparadas para análise


Fonte: (autoria dos alunos, 2020)

Pelos resultados obtidos e analisados com o app REDGIM, as amostras de


previsão não coincidiram com os valores esperados pelos integrantes do grupo, pois
esperavam encontrar às soluções nas concentrações de 6,67 g.L e 10,42 g.L -1 -

1
respectivamente e obtiveram resultados de 12,954 g.L e 13,1 g.L . No processo
-1 -1

investigativo, os alunos elencaram algumas possíveis justificativas para o “erro”, que


foram relatadas na etapa de socialização como: “interferência do fundo que pode alterar
a leitura do spots e influências na geração dos histogramas de RGB”; “spots (áreas de
interesse) mal localizados para análise da foto”; “diferença na espessura dos copos dos
padrões e das amostras testes” e erros de atualização do software do aplicativo (versão
V1.20.2) perante ao sistema operacional Android.
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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Mesmo os resultados aparentando tendência ao erro diante da previsão das
amostras, o que deve ser valorizado nesse processo é a capacidade que os alunos
demonstraram de promover e desenvolver estratégias e metodologias ao longo do estudo.
Antes das aulas investigativas da AEP e da aplicação do app REDGIM, os alunos
relataram que não haviam tido contato com esse tipo de recurso tecnológico ou até mesmo
no preparo de soluções. No momento da socialização, os alunos conseguiram refletir
criticamente sobre as possíveis causas dos erros encontrados e sobre as justificativas pelas
suas análises.

Quanto aos aspectos cognitivo e pedagógico do “erro”, Silva e Moura (2018)


argumentam que os resultados e as conclusões diferentes dos previstos podem ser um
acervo muito mais enriquecedor do que ter alcançado resultados que já se esperava.
Quando o próprio aluno identifica algo inesperado, revela que ele consegue compreender
a essência dos objetivos iniciais do procedimento experimental com as suas proposições,
desenvolvendo a habilidade de articular suas observações e ampliar seu conhecimento
prévio. Esse enredo traz significados ao aluno quando ele se utiliza de suas vivências e
experiências adquiridas ao seu favor. Portanto, algo que pode ser considerado como um
erro na visão geral, não deve ser simplesmente descartado ou deixado de lado, mas deve
ser encarado como subsídios para instigar o processo de reflexão, de geração de
questionamentos e oportunidades múltiplas de aprendizagem. Como consequência do que
foi discutido anteriormente, o erro de alguma atividade experimental deve ser levado em
conta na formação do conhecimento e na interpretação dos fenômenos científicos no quais
os alunos estão imersos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Isso posto, fica claro a importância da aplicação das atividades colaborativas que
alinham procedimentos investigativos e a resolução de problemas. Exercitar uma conduta
construtiva, valorizando o saber pessoal de cada aluno nas aulas experimentais, aguça a
participação discente no processo de construção do conhecimento. Nesse contexto, o
professor deve ser o mediador que preza pela participação ativa do aluno na perspectiva
da resolução de situações problemas.

Com isso aumenta-se seu espaço como protagonista na sala de aula a ponto de
aprimorar cada vez mais a predição de respostas, a elaboração e a testagem de hipóteses
e de promover debates junto com argumentações consolidadas com o objetivo de
estruturar e alcançar os significados dos conteúdos estudados de maneira exploratória.
Logo, elabora a conexão das informações adquiridas nos processos de formação e
relacionando-as as suas perspectivas como futuros professores (SUART &
MARCONDES, 2009). Nesse contexto, os alunos têm a chance de vivenciar uma
proposta de investigação problematizada, abrindo várias possibilidades e caminhos para
elencar hipóteses, colocá-las em práticas e discutir de maneira colaborativa, aprendendo
e argumentando sobre cada tópico envolvido nas diretrizes metodológicas e o que levou
aos resultados, desenvolvendo assim suas habilidades cognitivas e sua autonomia
(SUART & MARCONDES, 2008).

Com os olhares voltados para a inserção tecnológica, durante a etapa de


socialização muito foi tratado pelos alunos sobre a facilidade e o baixo custo da utilização
aplicativos de smartphones, como o REDGIM, para obtenção de dados químicos e o
tratamento dos dados. O uso de tecnologias a favor do ensino de Química pode contribuir

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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ao processo de organização do conhecimento. Dentre as tecnologias da informação e de
comunicação portáteis presentes na vivência escolar, destacam-se o uso dos aparelhos
celulares em sala de aula para fins pedagógicos (BENTO & CAVALCANTE, 2013).

Com os resultados da sequência didática da Atividade Experimental


Problematizada – a AEP, sendo aplicada distante do ambiente laboratorial, ainda assim
apresenta potencial para contribuir no processo de construção do conhecimento científico,
instigando os aspectos investigativos dos alunos e seu amadurecimento cognitivo. A
articulação das temáticas digitais inclusivas aliadas às práticas do cotidiano dos alunos e
a inserção de tecnologias na perspectiva da formação inicial de professores, é um fator de
grande valia para o seguimento das aulas mesmo no contexto remoto. O uso do aplicativo
REDGIM proporcionou o acesso ao conhecimento científico mais elaborado e serviu de
suporte na resolução de problemas químicos apresentados aos alunos a respeito da análise
multivariada de dados no contexto da formação inicial de professores de Química.

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8. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A
DIVERSIDADE ENQUANTO EIXO NORTEADOR
DAS DISCUSSÕES QUE ENVOLVEM A
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL

Juliano Souza de Almeida23


Manuella Villar Amado24
Sandra Regina do Amaral25
INTRODUÇÃO

Almejamos neste texto, realizar algumas reflexões acerca dos


mecanismos que podem fragilizar ou potencializar os processos de inclusão social e
diversidade no contexto da alimentação humana. Dados da Rede Brasileira de Pesquisa
em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (REDE PENSSAN, 2021) apontam
para um cenário preocupante que se agravou com a pandemia, se antes existiam 57
milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, em abril de 2021 o número já
havia dobrado, evidenciando que 50% da população brasileira não tem acesso regular e
permanente aos alimentos.

Entende-se assim, por soberania, em consonância com o Fórum Mundial sobre


Soberania Alimentar (2001) ocorrido em Cuba, a garantia do direito à alimentação para
todos, respeitando as culturas e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e
indígenas de produção, comercialização e gestão dos espaços rurais, sendo reconhecido
o papel fundamental que vem sendo desempenhado pelas mulheres. Tal conceito reúne
elementos importantes para elaboração de políticas públicas úteis a inclusão social, por
tutelar aos povos a possibilidade de definir estratégias quanto a implementação de uma
cadeia agroalimentar local e sustentável, que valorize a (bio)diversidade e a agricultura
familiar.

A ideia de soberania alimentar foi incorporada ao marco legal do Estado


brasileiro, tanto na Constituição Federal (BRASIL, 1988) em seu art. 6º, quanto na Lei
Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (BRASIL, 2006), que ratifica
o direito básico a alimentação no cenário nacional e traz no art. 3º o compromisso com o
acesso regular e permanente de todos ao alimento de qualidade e em quantidade
suficiente, intencionando-se práticas alimentares promotoras de saúde, que respeite a

23
Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo. juliano.engesan@gmail.com ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-9257-1999
24
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2405-0320
25
Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6296-9939

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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diversidade cultural e se constitua como sustentável quanto aos aspectos ambiental,
econômico e social.

Entretanto, há evidências de uma lógica excludente de livre mercado construída


no seio da globalização, fundada no neoliberalismo, que fere a garantia da soberania
alimentar, se apropria dos direitos sobre as sementes, tenta patentear os seres vivos
(SILIPRAND, 2001); favorece os processos de desenraizamento e desterritorialização
generalizados, implementando um desenvolvimento mercadológico global cujo processo
de padronização do consumo alimentar é uma máxima (GARCIA, 2003).

A massificação de opções alimentares vem distanciando o homem moderno do


alimento ao dificultar a percepção da origem e/ou ingredientes que o compõem,
desestruturando as refeições nas áreas urbanas (PROENÇA, 2010) com alimentos de alta
densidade energética e baixo teor nutricional, como biscoitos recheados, salgados,
sanduiches, pizzas e refrigerantes, que provocam problemas de saúde pública, marcados
por doenças crônicas não transmissíveis associadas a alimentação, como obesidade,
diabetes e hipertensão. Enquanto nas áreas rurais prevalece o consumo de feijão, arroz,
mandioca, batata-doce, farinha de mandioca, manga, tangerina e peixes (BRASIL, 2011).

Apesar da culinária brasileira, sob influência indígena, negra e ocidental ibérica


ser rica em cores e sabores, o que se observa, principalmente nos centros urbanos, é a
incorporação de um padrão alimentar caracterizado pela escassez de tempo, tanto para o
preparo, quanto para o consumo de alimentos, que acaba encontrando nas técnicas de
conservação implementadas pelas indústrias alimentícias, um benefício (GARCIA,
2003). Deste modo, potencializa-se o crescimento econômico de grandes corporações e a
massificação dos alimentos em lugar do fortalecimento da agricultura familiar,
responsável efetivamente pela maior parte dos alimentos que estão presente nas nossas
mesas e compõem uma dieta diversificada e saudável.

Tais práticas tendem a privilegiar os chamados circuitos longos da cadeia


agroalimentar, governados por grandes corporações que concentram o poder econômico
e político (CONTI, 2013), e passaram a partir dos anos 70 a impulsionar um processo de
transição tecnológica à biotecnologia em nível mundial, estabelecendo o monopólio da
produção, processamento e comercialização dos alimentos e insumos necessários,
estendendo-se, muitas vezes, a outros setores, como por exemplo, o farmacêutico,
mineração e mercado financeiro (GOLDFARB, 2012).

Por ser algo essencial à vida, o alimento não deveria entrar na roda do mercado
financeiro como simples ativo, o país deveria ter estoques públicos para assegurar a
manutenção dos preços numa faixa viável à sua população, no entanto, o que se vê a
partir dos anos 80, é a redução da intervenção do Estado, que acaba por fortalecer as
articulações pensadas pelos setores privados e mercados internacionais, deixando a
produção e acesso ao alimento à mercê dos interesses de grupos econômicos
(GOLDFARB, 2012).

Mas esta lógica neoliberal pode ser invertida e, indo na contramão temos a busca
pelo fortalecimento dos circuitos curtos, que possibilitam aos agricultores familiares
formas de controle sobre os recursos tanto na produção, como na transformação,
comercialização e consumo. Prima-se assim, em consonância com os princípios da
segurança alimentar e nutricional, por características fundamentais, como as tradições

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culturais, a acessibilidade, disponibilidade e diversidade dos alimentos, numa perspectiva
sustentável e inclusiva (CONTI, 2013), que valoriza as diferentes expressões da
identidade e cultura alimentar local e regional, reconhecendo sua riqueza seja no preparo,
combinações e escolhas.

É preciso entender que a precarização do direito de acesso ao alimento de


qualidade, livre de componentes que prejudiquem a saúde, como os agrotóxicos, ou ainda,
o estabelecimento de uma cultura alimentar que desconsidera as condições climáticas,
ecológicas, econômicas, sociais e culturais das populações em seus contextos
específicos, coloca em risco as atuais e as futuras gerações; por outro lado, as cadeias
alimentares curtas, são agroecológicas, valorizam o modo de vida da agricultura familiar
e restabelecem o equilíbrio entre a produção de alimentos de qualidade e o uso dos
recursos naturais (CONTI, 2013).

São princípios defendidos pela agroecologia, em sintonia com o conceito de


alimentação adequada e saudável preconizada pela Política de Segurança Alimentar e
Nutricional: “variedade, equilíbrio, moderação e prazer [sabor], às dimensões de gênero
e etnia, e às formas de produção ambientalmente sustentáveis, livre de contaminantes
físicos, químicos e biológicos e de organismos geneticamente modificados” (RIGON,
2010, p.71). Garantindo assim, de forma socialmente justa, o acesso permanente e regular
a um alimento adequado do ponto de vista biológico, social e cultural.

Ao se debruçar sobre a realidade concreta das famílias agricultoras/camponesas


de cinco regiões do país, o Grupo de Trabalho em Soberania e Segurança Alimentar da
Articulação Nacional de Agroecologia (RIGON, 2010, p.27), estabeleceu cinco
dimensões principais para o acesso ao alimento de qualidade e na quantidade adequada:
“Diversificação da produção de alimentos e Agrobiodiversidade; Estabelecimento de
novas relações de mercado; Resgate de culturas alimentares; Educação alimentar e para
o consumo; Políticas Públicas e mercados Institucionais”.

Considerando que a dificuldade de produção de alimentos para auto-consumo é


um dos geradores de situações de insegurança alimentar, uma das experiências que
chamou atenção, enquanto estratégia de implementação de técnicas e práticas
agroecológicas foi a de Juazeiro/BA, que apresentou os quintais e hortas comunitárias
como locais privilegiados para o estabelecimento de um sistema de produção que engloba
várias dimensões, perpassando pela produção de mudas e de alimentos (frutas,
leguminosas, verduras, hortaliças e plantas medicinais) e pequenas criações (galinhas e
cabras de leite), tanto para o sustento quanto para comercialização, de modo a valorizar e
produzir renda para um trabalho importante, normalmente realizado por mulheres
(RIGOR, 2010).

Apesar da agricultura brasileira não ter problemas de disponibilidade de terra, o


que permitiria uma expansão de áreas produtivas a baixo custo e com certa rapidez, o que
se observa na primeira década deste século, num recorte temporal de 3 anos, é a
incorporação do cultivo de soja que cresceu 39% nas regiões Sul e Sudeste e 66% no
Centro-Oeste; constata-se ainda que as grandes corporações não tem se preocupado em
estabelecer uma relação sustentável, exercendo forte pressão sobre os recursos naturais,
além de reduzir as oportunidades de emprego dos trabalhadores residentes no campo, com
a crescente mecanização (MIRANDA et al., 2007).

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Não se trata de negar a contribuição dessa cadeia para o sucesso comercial
brasileiro, mas de perceber que a soja não faz parte da nossa cultura alimentar,
destinando-se basicamente à exportação, e sobretudo, que trouxe consigo desequilíbrios
ambientais, econômicos e sociais. Trata-se de perceber que os aspectos econômicos não
podem prevalecer diante dos danos ambientais e humanos associados a esta e outras
monoculturas, que desmatam e incorporam áreas nativas afetando a biodiversidade,
reduzem a diversidade do alimento ao substituir outras produções, intensificam práticas
inadequadas de cultivo que provocam perda de solos férteis e o desaparecimento de
nascentes e cursos d’água, modificam geneticamente as sementes, criam dependência do
uso de produtos químicos (MIRANDA et al., 2007).

Mas muitos agricultores sequer entendem os riscos associados e acabam expondo


a si, aos residentes próximos e até aos moradores urbanos, aos efeitos nocivos de
agrotóxicos, seja pela contaminação ambiental e/ou resíduos nos alimentos. Miranda et
al. (2007) aponta com as principais causas de contaminação humana e ambiental: a ampla
utilização dos insumos sem conhecimento de seus riscos, desrespeito às normas básicas
de segurança, pressão comercial e livre comercialização de tais produtos.

Se as grandes monoculturas empobrecem a terra e exigem o uso cada vez maior


de defensivos agrícolas, por privilegiar o lucro, na contramão temos os pequenos
agricultores, que mantendo sua identidade rural, retiram da terra a alimentação de sua
família e com ela estabelece uma relação de respeito e a venda do excedente. Entende-se
então, que a relação sustentável ultrapassa a dimensão ambiental e perpassa pelas relações
humanas e econômicas que envolvem a produção e escolha dos alimentos, elegendo assim
a alimentação como uma das atividades humanas mais importantes, que compreende
questões biológicas, econômicas, sociais, políticas, culturais e científicas.

Tais reflexões, associada ao crescente sentimento de que o desenvolvimento


científico, tecnológico e econômico não estava conduzindo ao bem-estar social, e sim
privilegiando determinados grupos econômicos, fez emergir em meados do século XX,
nos países centrais, oriundo das raízes sociológicas, o movimento CTS (Ciência,
Tecnologia e Sociedade), que questionou a legitimidade de um modelo atrelado à
projetos de devastação ambiental (AULER; BAZZO, 2001), colocando em cheque a visão
ingênua de sucesso a qualquer custo e a crença de que a ciência era neutra (ANGOTTI;
AUTH, 2001). Reivindicou-se ainda a participação dos cidadãos nos processos
decisórios, que estavam sob responsabilidade de técnicos/especialistas a serviço do
governo ou das grandes corporações, cujos interesses nem sempre condizia com as reais
necessidades da população (SANTOS; MORTIMER, 2001).

Neste sentido, uma das principais bandeiras do movimento CTS, foi a necessidade
de preparação dos cidadãos para participar de forma crítica e responsável dos processos
decisórios (BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003); exigindo um ensino científico
diferente do propedêutico modelo tecnocrático, que defendia a neutralidade da ciência e
uma educação em ciências conteudista, descontextualizada, excludente, inatingível e
irrelevante para as situações do quotidiano, voltada ao treino e a seleção daqueles
considerados aptos a seguir estudos acadêmicos (NASCIMENTO; LINSINGEN, 2006;
AIKENHEAD, 2009).

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EDUCAÇÃO COM ENFOQUE CTSA

Contrapondo-se ao modelo educacional tecnocrático, no qual caberia ao professor


o papel de fornecedor de informações, na educação com enfoque CTS/CTSA (Ciência,
Tecnologia, Sociedade e Ambiente) torna-se facilitador/guia de uma ciência que lida com
problemas/temas pertencentes ao meio sociocultural dos estudantes, na qual o processo
científico passa a ser considerado como parte vital do que é estudado nas aulas de
ciências, algo menos engessado, que favorece o conhecimento necessário para tomada de
decisões de cunho científico e tecnológico (BOCHECO, 2011), fundamental à discussão
da temática alimentação numa perspectiva multidimensional.

Neste sentido, a educação deixaria de ser instrumento de controle, algo sagrado e


inviolável, para desmistificar o espírito da neutralidade e encarar a responsabilidade
social e política, favorecendo a descoberta, a pesquisa, a autonomia, a discussão
contextualizada sobre os avanços, causas e consequências da ciência e tecnologia
(PINHEIRO, SILVEIRA; BAZZO, 2007); passaria a prima por uma formação científica
e tecnológica para a cidadania, no intuito de materializar uma abordagem prática e útil
dos conhecimentos científicos, levando em conta os valores humanos, à natureza da
ciência e os aspectos sociais (AIKENHEAD, 2009).

Trata-se de possibilitar o uso dos conhecimentos científicos como base para


compreensão de sua realidade, correção de informações distorcidas ou equivocadas e
adoção de práticas comprometidas com uma sociedade mais justa, igualitária e
sustentável; de instituir um processo educativo que vise a Alfabetização Científica e
Tecnológica (ACT) e o desenvolvimento da autonomia, da comunicação e do domínio,
frente aos aspectos políticos, econômicos, históricos e sociais das temáticas em diálogo
(FOUREZ, 1997).

Isto significa inclusive, romper com um modelo que se mostra limitado na


organização do espaço físico da sala de aula e na maneira como os alunos ocupam tal
espaço, de perceber que a organização das cadeiras em fileira favorece mais o
individualismo que a cooperação, de repensar a condução das aulas e demais questão que
envolvem um currículo anacrônico e inadequado (NÓVOA, 2019); de reconhecer que as
disciplinas isoladas, o livro didático, os horários rígidos, seguem uma ordem lógica que
desconsidera os problemas da vida real e os interesses dos alunos (LIBÂNEO, 1998), e
se coloca a serviço das grandes corporações.

Nesta perspectiva, o saber disciplinar amplamente valorizado no paradigma da


racionalidade técnica é um elemento necessário, mas não suficiente à profissão docente,
uma vez que ensinar não pode ser reduzido a uma dimensão técnica (TARDIF, 2014); ao
contrário, a abordagem excessivamente técnica torna-se um empreendimento científico
dissociado dos aspectos éticos e de respeito ao ser humano (SHULMAN, 2014).

Evidencia-se então que não se faz mais suficiente aquele professor “monocultural,
bem formado, seguro, paciente, trabalhador, distribuidor de saberes, eficiente, exigente,
que cumpre ordens, currículos, programas, pedagogias” (GADOTTI, 2011, p. 26) sem
questionar as condições políticas e materiais nas quais atua, sem refletir a importância de
seu ofício para a sociedade.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Faz-se fundamental a reflexão profunda sobre o próprio ensino com vistas a uma
estreitamento entre os saberes curriculares fundamentais e as experiências sociais dos
educando, respeitando e estimulando sua capacidade crítica e criadora; pois não há
formação sem profissão, nem profissão desvinculada da formação, estando o professor
em processo de construção permanente (FREIRE, 1996).

O que requer, segundo Nóvoa (2019) a inauguração de um novo ambiente na


formação do professor, o qual contribua para a renovação das práticas pedagógicas e do
processo do trabalho docente, já que os ambientes tanto das universidades (no caso das
licenciaturas) quanto das escolas (no caso da formação continuada) não são propícios a
formação de professores no século XXI, pois esses ambientes têm desconsiderado uma
orientação importante: o lugar da formação é o lugar da profissão.

O ambiente de formação continuada deve propiciar ao docente condições de


integrar cultura geral, especialização disciplinar e os conhecimentos conexos com sua
disciplina, pois entende-se que assim o professor será capaz de, no trabalho com seus
alunos, explorar problemas e temáticas integradoras, que requerem uma alfabetização
científica e tecnológica, pela qual se incorpora aos saberes do cotidiano uma perspectiva
mais estruturada, mais elaborada, para superação do senso comum (LIBÂNEO, 1998).

Diante de tais considerações acerca da formação docente e tendo em vista a


necessidade de se trabalhar temáticas integradoras que possibilitem a
interdisciplinaridade e a aproximação do saber científico à realidade cotidiana vivenciada
pelos alunos, objetivou-se implementar uma formação continuada destinada a professores
da educação básica envolvendo a temática alimentação com enfoque CTSA, visando
instituir um espaço democrático para construção, socialização e reflexão de saberes e
práticas escolares necessários ao estímulo de uma alimentação saudável em seus
diferentes aspectos e inspirar projetos de ensino comprometimentos com o social,
científico, cultural e ambiental em prol da alfabetização científica.

O curso foi ofertado através do Centro de Educação a Distância do Instituto


Federal de Minas Gerais campus São João Evangelista (CEAD-SJE) em parceria com o
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (EDUCIMAT) do
Instituto Federal do Espirito Santo campus Vila Velha e buscou favorecer uma
experiência de formação que dialogasse sobre a alimentação numa dimensão
multidimensional, de modo a convergir para os pressupostos de uma educação com
enfoque CTSA, conforme apresentado no quadro 1, contribuindo para a inauguração dos
processos de reflexão-ação a partir de atividades assíncronas (24h) no ambiente virtual
de aprendizagem e síncronas (16h) via google meet em 4 sábados consecutivos do mês
de agosto de 2021.

Ainda antes do encontro síncrono, os professores participantes representaram por


meio de imagem, e postaram na plataforma moodle, as combinações de alimentos
presente na refeição do almoço. Tais produções constituíram uma etapa importante da
metodologia em uso, a de registrar (resgatando/registrando), que expressa não apenas a
materialidade do alimento consumido, mas também indica traços acerca da cultura
alimentar, do prazer no ato de comer, da praticidade, do valor afetivo, do padrão
alimentar, da origem dos alimentos e das formas de preparo. Assim, a partir das
composições imagéticas buscou-se desvelar e provocar, dando início a etapa
“problematizando”, sempre levando em conta o contexto dos participantes.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Quadro 1: Organização do curso de “Formação Continuada: a temática alimentação com enfoque


CTSA”.
Módulo/ Componentes
Objetivos principais CH
Semana. Curriculares

1. Costurando ideias Despertar reflexões sobre a temática alimentação para além da


perspectiva biológica, com valorização também de aspectos
10h
relacionados ao prazer, socialização e expressão cultural das
escolhas alimentares.

2. Tecendo saberes: Propiciar a ressignificação da práxis educativa, a partir da


Metodologia da Metodologia da Mediação Dialética (MMD) perpassando por
Mediação Dialética discussões relacionadas a importância do Programa Nacional de
10h
Alimentação Escolar (PNAE), da agricultura familiar enquanto
promotora da manutenção das culturas alimentares locais com
seus saberes e sabores.

3. Tecendo saberes: Promover reflexões sobre a temática alimentação com enfoque


Ciência, CTSA de forma a indagar acerca da lógica mercadológica que
Tecnologia, prevalece no sistema alimentar, da soberania alimentar, da
Sociedade e padronização do consumo, do controle científico e tecnológico das
10h
Ambiente grandes corporações em relação aos insumos agrícolas para
produção de alimentos, do impacto das escolhas alimentares no
ambiente, do desperdício de alimentos e aproveitamento integral
dos mesmos.

4. Concebendo o Conhecer as sínteses cognitivas deflagradas pelos processos


Sujeito Hipotético dialógicos e problematizadores, por meio da apresentação da 10h
(SH) história dos SH’s.

CARGA HORÁRIA TOTAL 40h


Fonte: Construção dos autores.

Ao serem indagados se a composição alimentar atendia aos princípios de uma


alimentação saudável, levando em conta os aspectos biológicos, sociais, culturais e
sustentáveis, as respostas perpassaram pelos aspectos biológicos, mas também por
questões relacionadas a cultura alimentar, pelo aspecto afetivo, pela influência midiática,
pelas particularidades da vida urbana, da origem dos alimentos, do seu preparo, dentre
outros. Esse momento permitiu um tensionamento entre as concepções prévias dos
participantes acerca da alimentação saudável e seus aspectos multidimensionais, sendo
possível verificar o quanto as concepções prévias manifestas pelos participantes se
aproximavam dos aspectos multifacetados da alimentação, dando início assim a etapa
“sistematizando”.

Nesta etapa contou-se também com a colaboração dos sujeitos de notório saber,
cujos conhecimentos científicos socializados contribuíram para o enriquecimento das
discussões. No primeiro sábado foram estabelecidos diálogos com a nutricionista Márcia
Cesário, docente do IFMG-SJE, que socializou conhecimentos acerca dos aspectos
nutricionais e alimentares, numa perspectiva multidimensional permeada por diferentes
aspectos, como sociais, econômicos, históricos, culturais e psicológicos. Estabeleceu-se
assim, no primeiro encontro síncrono, um diálogo que ratificou a importância de realizar

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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intervenções de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) levando em conta os múltiplos
determinantes do ato de se alimentar e o contexto dos sujeitos envolvidos.

Acerca da importância de situar as ações de EAN levando em conta o contexto no


qual os sujeitos estão inseridos, a nutricionista exemplificou uma realidade vivenciada
por alguns moradores do municípios de São João Evangelista, os quais tem recorrido a
compra de ossos cerrados com restos de carne, como fonte proteica. A nutricionista disse
que esse cenário carece de múltiplos olhares, como por exemplo a questão do acesso a
proteína animal (a carne está disponível, entretanto as pessoas não tem renda para adquiri-
la, recorrendo aos ossos). Lembrou que antigamente esses ossos eram doados, mas na
situação atual estão sendo comercializados, questionou as questões éticas e nutricionais
que envolvem tal prática e reforçou a necessidade de discussões que extrapolam a
perspectiva biológica.

No segundo, contou-se com a colaboração da administradora Kátia Vilela, docente


do IFMG-SJE, estudiosa do Programa Nacional de Alimentação Escola (PNAE). O
diálogo estabelecido por ela favoreceu a tomada de consciência das intricadas relações
estabelecidas acerca da alimentação e possibilitou compreender a importância da
implementação de políticas públicas que preservem as relações sociais responsáveis na
produção alimentar local e sua diversidade. Discutiu-se também quanto a importância do
PNAE para a aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar para a merenda
escolar, privilegiando os circuitos agroalimentares curtos e o acesso a um alimento de
qualidade.

A explanação realizada pela pesquisadora oportunizou compreender, que o


esvaziamento de políticas públicas no sistema alimentar pode favorecer a pequenos
grupos e seus interesses particulares, os quais nem sempre se relacionam com as
demandas da comunidade, bem como os anseios do pequeno produtor rural. Neste sentido
foi exemplificado casos de pessoas que se colocam enquanto atravessadores, que
compram os alimentos da agricultura familiar, participam da chamada pública para
aquisição de alimentos para o PNAE, e repassam um valor inferior aos agricultores
familiares. Trata-se de uma questão antiética e criminosa que deve ser combatida pelo
poder público e que ilustra o quão complexa e multifacetada é a questão alimentar.

Para o terceiro encontro, planejou-se a participação do agrônomo, mestrando em


estudos rurais e estudioso em agricultura familiar, Felipe Maciel, o diálogo estabelecido
por ele possibilitou situar o ato de se alimentar enquanto uma opção política que perpassa
pela valorização dos arranjos locais de produção, destacando-se a importância de se
manter contato com os pequenos produtores, de conhecer/frequentar as feiras,
estabelecendo movimentos de resistência às investidas da indústria alimentícia quanto a
padronização e massificação das opções alimentares.

O diálogo estabelecido por ele contribuiu para desmitificar a visão romantizada


que as pessoas possuem em relação ao homem do campo. Segundo o agrônomo, o
contexto de vida do homem do campo e da agricultura familiar é marcada por dilemas,
conflitos de interesses, diferenças sociais e resistência, apontando como um dos principais
desafios a lutar pelo direito à terra para a produção de alimentos e sua subsistência,
resistindo aos grandes latifúndios que tendem a se expandir. Desta forma, deixou claro
que a agricultura familiar possui papel importantíssimo na produção de alimentos para a

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sociedade, mas que esse papel deve ser referenciado dentro de um contexto repleto de
desafios e dificuldades.

O quarto e último encontro foi destinado a apresentação dos Sujeitos Hipotéticos


(SH’s) e suas histórias, os diálogos estabelecidos possibilitaram um enriquecimento das
reflexões, convergindo para a elaboração de sínteses cognitivas, assim “produzindo”
constitui-se a última etapa. De maneira geral as histórias dos sujeitos apresentaram uma
estreita relação com a história de vida dos próprios participantes, seja no âmbito pessoal,
profissional ou familiar.

Para ilustrar vale trazer a participação de uma professora, cujo SH, representou
sua aluna da EJA, uma adolescente transgênero, negra e residente numa região de
periferia. A história do SH quanto a questão alimentar era marcada pela fome e pelo
desejo de consumir alimentos de grandes redes de fast food, mas sem condições de
realizá-lo, dada sua realidade socioeconômica. O acesso a alimentação era concretizado
com as refeições da escola, a qual era denominada merenda de prato único, sem
possibilidade de repetição. Embora marcada pelo preconceito e empobrecimento, a
professora relatou que a aluna era alegre e radiante, tinha nascido para brilhar e não para
passar fome, fazendo alusão a música de Caetano Veloso, Gente.

Em outra história o SH estava ligado ao contexto de vida de sua autora que fez
referência a família da qual faz parte. Trata-se de então de vários SH’s, os quais compõem
uma família do campo, descendentes de quilombo, de hábitos simples, mas com uma
gama enorme de saberes vinculados à terra, ao plantio de alimentos, a produção de
artefatos vinculados a produção e transformação dos alimentos (pilão, peneira, balaio,
fornalha, etc.). As pessoas representadas pelos SH’s se vincularam fortemente ao caráter
afetivo da alimentação, materializando num conjunto de sabores alimentares que
retornam relações vivenciadas, sensações e lembranças entrelaçadas à sua identidade e
cultura alimentar.

Em outra, o SH foi representado por duas mulheres, mãe e filha, ambas indígenas
que moram numa casa improvisada, construída com lonas recolhidas do descarte das
grandes propriedades, telhas de amianto e chão de terra batida, em uma aldeia que sofre
forte influência de latifundiários produtores de grãos para exportação. A moradia foi o
que restou devido a perda de território ocasionada pelo aumento vertiginoso das áreas de
plantação de soja. Não obstante, essas mulheres e demais índios tiveram suas áreas de
florestas reduzidas, com consequente redução da área de coleta de frutos e também para
o plantio da mandioca, a qual é utilizada na fabricação de bejú. O rio no qual se banham
apresenta indícios de contaminação por agrotóxico, podendo ser a causa de constantes
dores de cabeça. Trata-se de um grupo que tenta preservar sua territorialidade, identidade,
cultura e sobrevivência, mas que tendem a ser invisibilizados em função dos interesses
do agronegócio.

Estes e outros discursos que compuseram as histórias dos SH’s demonstraram uma
consciência da alimentação num perspectiva multidimensional. Alguns iam oralizando a
importância do curso para a percepção de algumas questões e seu crescimento pessoal e
profissional. Ao final foi pedido aos participantes para avaliarem o curso, dos 25 inscritos,
16 responderam ao questionário, desses, 12 participantes cumpriram integralmente as
atividades e tiveram as respostas analisadas.

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Quando perguntado se gostariam de dar continuidade a formação com curso de
elaboração de Sequência Didática na perspectiva da educação problematizadora para a
Educação Básica, 100% dos participantes disseram que sim, e alguns, no espaço aberto,
nos agraciaram com comentários como: “Que oportunidades como essa sejam ainda mais
recorrentes”; “Gostei muito da formação, agradeço demais! Fez repensar muito minha
prática docente e saio entusiasmada a realizar ações”; “Somente agradecer por esses
encontros aos sábados. Foram de grande importância tanto pessoal como profissional”.
Evidenciando a vontade desses professores de aprender novas metodologias e inovar em
suas práticas.

Diante desses comentários e pelo fato de 100% dos participantes que concluíram
o curso terem assinalado “concordo totalmente” para as afirmativas “Ao meu ver o curso
favorece a compreensão do caráter multimensional da temática alimentação” e “A
participação nesta formação possibilitou-me conhecer/revisitar perspectivas teóricas,
pedagógicas e metodológicas importantes no desenvolvimento de futuras práticas
educativas”, considera-se que esta formação favoreceu a diversidade e a
multidimensionalidade da temática alimentação e contribuiu para um pensar inclusivo e
problematizador a respeito da prática educativa.

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9. FLORES DE BASÍLIO: REFLEXÕES SOBRE
EXTENSÃO, INCLUSÃO E O PAPEL DA
POSTURA REFLEXIVA NO ORGANIZAR DE
UM JARDIM SENSORIAL

Bruno Ricardo Peixoto de Rezende26


Vinicius Cavatti Cancelieri27
Fabiana da Silva Kauark28
INTRODUÇÃO

A educação brasileira enfrenta problemas perenes e, ao longo de


décadas, um conjunto antiquado de práticas de ensino atrelado a insuficientes ações
governamentais tem sido o cerne de tais problemas. Sem a ruptura com aquela maneira
atrasada de pensar o ensino, jamais será possível lidar com tais problemas (MORAES,
1997). Ao analisar esta crítica numa perspectiva histórica, percebe-se não ter sido esta a
primeira vez a se questionar a maneira como o ensino é tratado. Bem antes, Freire (1981)
chamava-nos a pensar a educação, a partir de uma perspectiva dialógica, reflexiva e
contextual, com vistas à transformação da sociedade.

As contribuições destes questionamentos têm feito germinar muitos trabalhos que


discutem o papel transformador da educação e um campo fértil para estudos que vão nesta
direção está na abordagem dos “fazeres” que articulam a participação da comunidade na
gestão da escola. O organizar destes fazeres precisa ser discutido, pois nele residem
conhecimentos que podem contribuir para a transformação da educação.

Uma das principais vias de participação da comunidade na escola se dá através


das atividades de extensão e a maneira como nos posicionamos diante desse tipo de
atividades na escola pública constitui um caminho promissor para se discutir a
democratização da educação. Pensando nisso, nos propusemos a refletir acerca da postura
dos sujeitos durante a implementação de um projeto de extensão que envolveu a
construção de uma experiência de jardim sensorial em uma escola pública federal. O
jardim experimental em questão, nomeado “Flores de Basílio”, foi uma das atividades da
Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada pelo Instituto Federal do Espírito
Santo (Ifes), no Campus Vila Velha, durante a edição do evento ocorrida no ano de 2019.

26
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5692-3002
27
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4846-3170
28
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8807-931X

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Na verdade, a ideia inicial consistia em desenvolver uma pesquisa realizada em
duas fases. Na primeira fase, o estudo analisaria o desenvolvimento de um mini jardim
sensorial, confeccionado para o evento, assim como a experiência do evento em si e, na
segunda fase, seria construído um projeto de extensão vinculado ao Laboratório de
Práticas de Ensino de Ciências (Lapec), um programa do Ifes voltado para o
desenvolvimento de práticas pedagógicas (COMARÚ; KAUARK, 2015). Todo o projeto
se pautava no desenvolvimento de uma postura reflexiva a partir da qual se pleiteava a
construção concomitante da pesquisa e do projeto de extensão de jardim sensorial para a
escola em questão, mas, devido ao fechamento das escolas pela segurança sanitária contra
a proliferação da pandemia de covid-19, o processo foi interrompido.

Diante da impossibilidade de seguir com o desenvolvimento do estudo


concomitante com a criação do projeto extensionista pretendido, somente foram
analisados os dados daquilo que circundava a primeira fase da pesquisa, etapa que já havia
sido concluída ainda em 2019.

Neste processo, foi identificado algo que no decorrer dos eventos não estava tão
evidente. Notamos que seria difícil, ainda que não houvesse o fechamento da escola por
causa da pandemia, seguir com o desenvolvimento do Flores de Basílio, pois havia uma
postura, característica da escola estudada e expoente dos dados da primeira fase, que
precisava ser entendida e superada antes da implementação de um jardim sensorial na
escola.

Tal postura, a mesma discutida em Rezende (2018, 2019), trata de uma inclinação
tecnicista dos sujeitos na escola, que nos fez refletir que não bastava estimular uma
discussão acerca dela, mas encorajar uma reflexão que a superasse. Deste pensamento
surgiu uma indagação: de que modo uma postura reflexiva se articula ao organizar de um
jardim sensorial em uma escola pública federal?

Para responder a indagação, é importante entender que “organizar” refere-se à


organização como um conjunto contínuo de processos (REZENDE, 2018, 2019). O
organizar é uma abordagem do campo da Administração que emerge de estudos que se
pautam na discussão da ontologia organizacional, como em Duarte e Alcadipani (2016)
e Souza, Costa e Pereira (2015). A ideia central dessa abordagem é a virada da
organização, como algo rígido e objetivo, para o organizar, que envolve a fluidez e a
subjetividade.

Nessa virada, busca-se romper com a naturalização de organização como algo


rígido, estático e relativo ao empresarial, retornando para uma concepção processual que
permite estudar arranjos sociais diversos como, por exemplo, as práticas pedagógicas de
inclusão desenvolvidas através de jardim sensorial, que levem em consideração o
paradigma emergente da educação que se volta para a transformação social e a superação
da fragmentação e reprodução do conhecimento (BEHRENS, 1999; DE LIMA E
BEHRENS, 2019). É na toada deste paradigma emergente da educação que consideramos
a extensão uma dimensão necessária ao processo de democratização da educação,
especialmente pelo fato de que tal dimensão também se insere no debate sobre a inclusão
social.

As ações de extensão têm sua própria vastidão de possibilidades. Uma maneira de


abordar extensão sob uma perspectiva inclusiva pode se dar a partir do estabelecimento

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de duas características basilares: (1) o diálogo com a comunidade, principalmente
buscando aproximar e promover a participação da comunidade na qual a escola está
inserida e; (2) o favorecimento de práticas pedagógicas inseridas numa perspectiva
inclusiva (REZENDE, 2019).

Dadas essas características de práticas pedagógicas, inseridas em uma perspectiva


emergente, entendemos que o desenvolvimento de uma postura reflexiva como elemento
fundamental para o desenvolvimento do projeto. Sobre tal postura, McNamee (2010)
apresenta contribuições pontuais que dizem respeito ao papel do pesquisador, que,
segundo critica a autora, precisa assumir as consequências de sua investigação e aceitar
tais consequências como aspecto inerente à pesquisa social.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO PARADIGMA EMERGENTE

É desafiador estabelecer uma linha de reflexão sobre o ensino no Brasil, tendo em


vista que os problemas do campo formaram, ao longo dos anos, um emaranhado
complexo com diversos pontos de conflito. Moraes (1997), por exemplo, critica que a
educação é tratada em políticas governamentais de maneira distante da realidade,
empobrecida por múltiplos interesses e pela falta de preparo técnico.

No que se refere ao preparo técnico, a autora aponta que a educação brasileira se


detém a modelos antiquados de práticas de ensino que não acompanham os avanços nos
diversos campos da ciência. Moraes (1997) narra que esteve por mais de dez anos
buscando caminhos para lidar com as dificuldades do campo e, segundo a mesma, não
parece haver saída que não rever as bases e promover uma mudança de paradigma no
ensino.

Apesar dos esforços da autora, alinhados à perspectiva iniciada anos antes em


contribuições de autores como Paulo Freire, sua reflexão sobre mudança paradigmática
já soma mais de dez anos e, ainda que possamos apontar a evolução da educação em
estudos diversos como Torres, Carneiro e Fernandes (2019), Backes, Chitolina e Sciascia
(2019) e Cembranel e Scopel (2019), o espectro tradicionalista parece não se dissipar.

Diante dessa realidade, buscamos refletir sobre caminhos para educação que, a
partir do cotidiano, pudessem representar as características de um paradigma emergente.
Segundo Behrens (1999), falamos em paradigma emergente no ensino quando da
incorporação de uma perspectiva que supera o pensamento tradicional cartesiano e
engloba várias teorias dentro de uma concepção mais progressista de educação.

A justificativa para apontarmos o cotidiano como via de reflexão surgiu da


contribuição de Abdian, Nascimento e Silva (2016), que demonstram que é no cotidiano
que se encontra uma das dificuldades em romper com a perspectiva tradicional em direção
de ideais mais progressistas. Segundo os autores, existe base teórica para a transformação
da escola, mas no cotidiano essa base é subvertida por práticas atreladas a um pensamento
burocrático e tradicional.

Apesar de o cotidiano ser apontado em diversos estudos como um dos motores


para transformação da educação em torno de um ideal menos tradicional, ainda se
encontra enorme carência ao buscarmos estudos que se empenham em desdobrá-lo

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escolar numa perspectiva de transformação do cotidiano escolar, fato que também
contribui para a dificuldade em desenvolver e estabelecer um paradigma emergente.

A partir da constatação do papel da postura dos sujeitos no cotidiano para a


transformação da escola, Abdian, Nascimento e Silva (2016) defendem que devemos
buscar novos rumos teóricos que modifiquem as práticas escolares. Embora os autores se
refiram a aspectos da gestão escolar, o mesmo raciocínio pode se aplicar ao ensino, à
extensão e à pesquisa, que pode se aproximar do campo e buscar transformações sociais
como proposto pelo paradigma social construcionista.

Segundo Franco (2017), o ensino é mistificado como algo restrito a um roteiro


didático inerente à sala de aula. A autora se empenha em esclarecer este mito, numa
investigação sobre pedagogia que permeia a reflexividade do fazer. Noutro estudo,
Franco (2015), a autora mostra que, muitas vezes, o diálogo em que se propõe a noção de
práticas pedagógicas é subvertido pela resistência formada entre os envolvidos.

Partindo destas colocações, uma maneira genérica de tratar práticas pedagógicas,


num sentido oposto às tentativas de contornar o diálogo e à reflexividade, é definindo-as
como atividades de ensino-aprendizagem que envolvem a transformação social, a
superação da fragmentação e da reprodução do conhecimento (BEHRENS, 1999; LIMA;
BEHRENS, 2019). Isto posto, foi possível delimitar tal definição às características do
projeto de extensão que se pretendeu desenvolver em concomitância com a pesquisa, ou
seja, uma ação extensionista fundamentada em práticas pedagógicas transdisciplinares,
pautadas na co-construção do conhecimento pelos sujeitos envolvidos no projeto.

A transdisciplinaridade, aqui tida como ação de ensino intersubjetiva inerente às


relações de ensino-aprendizagem para além da escola, não se concretiza se não houver o
diálogo reflexivo como premissa. Afinal, como pontua Franco (2015), um conjunto de
resistências pode se formar entre as partes, culminando em uma noção sobre práticas
pedagógicas que não se difere do tradicionalismo bancário, criticado por Freire (1987),
décadas atrás.

A extensão escolar, nesse sentido, se configura como uma maneira de pensar


ensino-aprendizagem de modo a contornar as resistências ao diálogo reflexivo e, além de
permitir extrapolar as paredes da escola, tem características que convergem para a
transdisciplinaridade das práticas pedagógicas.

A EXTENSÃO ESCOLAR COMO UM CAMINHO PARA DEMOCRATIZAÇÃO


DA ESCOLA

Gonçalvez (2015) explica que a extensão escolar foi o último paradigma da


educação brasileira a se estabelecer quando comparado ao ensino e à pesquisa. Segundo
a autora, uma consequência desse atraso é que, com a fusão de Ensino, Pesquisa e
Extensão a partir da Constituição de 1988, a extensão se torna um serviço dos paradigmas
já estabelecidos.

O resultado prático disso é a dissonância entre aquilo que se propõe como


extensão e o fazer extensão. Com tal dissonância, a definição de extensão diz respeito ao
diálogo entre escola e comunidade, enquanto, na prática, acaba por ser resumida a uma
disciplina do ensino, a uma pesquisa ou uma via de mão única em que a escola oferece

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serviços diversos como uma espécie de retorno à comunidade (FARIAS, SOARES E
FARIAS, 2010; GONÇALVEZ, 2015; DE OLIVEIRA E BOAVENTURA, 2018;
REZENDE, 2019).

Buscando contornar essa dissonância, Rezende (2019) mostra que as atividades


de extensão oferecem maneiras de pensar a escola a partir do contexto no qual ela se
insere. Essa característica da extensão é relevante por apresentar um aspecto necessário
ao diálogo entre a escola e a comunidade: a contextualidade.

Para falar em contextualidade em um projeto Jardim Sensorial, partimos de duas


premissas: (1) a já mencionada ideia de ensino transdisciplinar e (2) a inclusão social
como aspecto necessário ao diálogo que proporciona à democratização da escola.

ALGUMAS NUANCES DA INCLUSÃO SOCIAL

Segundo Ainscow (2009), enquanto alguns países tratam a inclusão como algo
relacionado a crianças com deficiência, existe uma perspectiva mais globalizada e
crescente que defende que para falar em inclusão é preciso considerar aspectos amplos
sobre diversidade.

Diante da questão da diversidade, Rodrigues (2006), que elabora uma lista de


aspectos mal interpretados sobre o tema, critica a desigualdade social e defende que falar
sobre inclusão sem falar sobre as profundas desigualdades sociais que assolam as
sociedades contemporâneas não contribui para o desenvolvimento de uma sociedade mais
diversa. Inclusive, vale refletir se, quando falamos em inclusão e direcionando-nos apenas
a um grupo, não estamos, na verdade, criando um tipo de segregação ao invés de inclusão
social.

Tal perspectiva, que se ancora na necessidade de ampliar o que se pensa sobre


inclusão social, é endossada pela Unesco (2001) e por pesquisadores como Mittler (2005),
que, além de apresentar um panorama interessante sobre a inclusão num contexto global
desde a década de 40, também mostra que as dificuldades que envolvem este tema estão
longe de serem superadas.

Dentre as questões apresentadas pelo autor, destacamos o uso da inclusão como


desculpa para justificar a cobrança de maior aporte financeiro, pelo estado, em alguns
países europeus. Mittler (2005) denuncia que, diante das políticas inclusivas que
atribuíam ao estado a responsabilidade por financiar investimentos, cresceu o número de
estudantes com necessidades específicas em várias escolas, mas ao analisar tal
crescimento, tratava-se na verdade de um abuso das normas para obtenção de recursos. O
autor aponta esse caso como um dos determinantes da complexidade em se discutir
educação inclusiva.

No Brasil, a complexidade do tema acompanha a dificuldade em encontrar uma


denominação abrangente para o assunto. Ao pesquisar por “inclusão na educação” na base
de dados da Plataforma Capes, nos deparamos com “inclusão social”, “inclusão digital”,
“inclusão de estudantes com necessidades específicas”, “educação especial”,
“diversidade”, além de uma série de estudos específicos voltados para uma faixa etária,
para a formação docente ou para aspectos de ordem política e infraestrutural. Diante de
tal variedade, recordamos a crítica de Rodrigues (2006), segundo o qual, parece que

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quanto mais cresce a exclusão social, mais se fala em inclusão. O autor salienta que, no
âmbito da educação, é preciso considerar o desenvolvimento de práticas que valorizam a
participação por meio de processos que estimulem a co-construção do conhecimento.

FLORES DE BASÍLIO NA SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E


TECNOLOGIA

O mini-jardim sensorial que foi construído para a Semana Nacional de Ciência e


Tecnologia contou com dois espaços distintos: um stand localizado no pátio de um dos
blocos acadêmicos da escola, onde também ocorreram as demais atividades da Semana
de Ciências e Tecnologia e as bancadas onde foram plantados os jardins suspensos, que
se encontravam posicionadas no espaço onde, posteriormente, seria desenvolvido o
projeto de extensão.

Para as atividades na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, no entanto,


algumas das plantas cultivadas no jardim suspenso, consideradas mais comuns do dia a
dia, como hortaliças e ervas medicinais, foram reunidas em caixotes e organizadas no
stand de forma a permitir a interação entre os organizadores e o público. As plantas
possuíam placas de identificação com nome popular e científico.

O stand funcionou por três dias e, além das plantas selecionadas para as
experiências sensoriais, contou com um aparato para extração de óleos essenciais, que foi
montado com a finalidade de apresentar aos visitantes do stand formas de como estes são
obtidos em laboratório.

No primeiro dia, foram recebidas muitas visitas de professores, servidores e


estudantes da própria instituição, além de alunos da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental da educação básica advindos de diversas escolas do município de Vila
Velha. As interações se concentraram na apresentação das plantas.

No segundo dia do evento, a mediação foi diferente, introduzindo etapas de


experiência sensorial direcionadas aos visitantes, que, neste dia, eram majoritariamente
estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental da Educação Básica. Ao fim, no terceiro e
último dia, a experiência do jardim sensorial foi realocada para outro espaço, denominado
“Sala de Aula Inclusiva”, voltado à recepção de visitantes cegos.

As dinâmicas desenvolvidas ao longo do evento foram adaptadas de acordo com


as necessidades do público. Os cegos, por exemplo, eram acomodados e apresentados ao
jardim sensorial, onde eram conduzidos por experiências sensoriais que envolviam os
sentidos do olfato, paladar, tato e audição, com o uso dos diferentes tipos de hortaliças
ervas medicinais disponíveis, enquanto eram instruídos sobre as plantas, suas
propriedades e seus usos.

Os visitantes videntes e ouvintes passavam por experiência semelhante, porém


com o uso de uma venda para os olhos visando, por um lado, a experiência sensorial e,
por outro, para que pudessem se colocar na posição dos cegos. Enfim, para os visitantes
surdos, contamos com o auxílio de um intérprete de libras e, claro, os participantes não
eram vendados, mas passavam pelas mesmas dinâmicas sensoriais. Os participantes
também eram instigados a descrever suas percepções enquanto participavam das
atividades.

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A experiência com o mini-jardim sensorial nos rendeu experiência muito positiva


que fez crescer ainda mais a ideia de construir um projeto de extensão que dialogasse com
a inclusão. Reproduzimos, a seguir, o relato de uma estudante do curso de Pedagogia, que
esteve na linha de frente das dinâmicas:

“(...) percebemos a importância do contato com o Jardim Sensorial tanto para


alunos videntes, quanto aos alunos deficientes visuais e sua contribuição para o ensino de
ciências, pois é um recurso pedagógico em potencial que desperta no estudante o interesse
e a curiosidade, contornando um ensino meramente tradicional. (...) Para alunos com
deficiência auditiva coube repensar as práticas para que pudéssemos mediatizar a
experiência de forma correta e que melhor atendesse ao aluno/participante, pois a
mediação é o ato fundamental da dinâmica do Jardim Sensorial.” (Estudante de
Pedagogia, 2019)

Destacamos nesta fala da aluna que todo o processo foi também caracterizado pela
adaptabilidade. Para Rodrigues (2006), a adaptação é um processo contínuo, pautado
numa mudança na postura para com os sujeitos com deficiência e não algo que se encerra
em modificações infraestruturais.

O PAPEL DA POSTURA REFLEXIVA NO PROJETO

A postura reflexiva não é algo estático e pré-estabelecido. Ela depende dos


elementos contextuais que envolvem o pesquisador e da maneira como o pesquisador lida
com tais elementos. Conforme sintetiza McNamee (2010), o pesquisador deve assumir as
consequências de sua investigação e aceitar tais consequências como aspecto inerente à
pesquisa social.

No projeto em questão, a postura reflexiva se desenvolveu a partir de um


sentimento de insatisfação surgido diante de uma ideia presente no senso comum da
comunidade escolar, que era a crença de que o solo do terreno do Campus Vila Velha era
um solo poluído, havendo, por isso, um impeditivo para o plantio das ervas e hortaliças
do projeto de jardim sensorial.

A questão da poluição do solo surgiu quando começamos a amadurecer a ideia do


jardim sensorial e, vinda de vários sujeitos da escola estudada, logo se tornou um
empecilho, já que, de repente, precisaríamos adequar o projeto, devido à suposta
contaminação do solo da escola pelo necrochorume naturalmente produzido pela
decomposição dos cadáveres do cemitério vizinho. A imagem 1, mostra as áreas do
Campus Vila Velha, do cemitério vizinho e do local onde seriam plantados os canteiros
do projeto extensionista de jardim sensorial.

A adequação do projeto envolvia pensar uma maneira de suspender o Jardim


Sensorial e/ou forrar o terreno com lonas grossas, o que consumiu tempo e recursos e
desanimou boa parte dos sujeitos envolvidos com a empreitada. Tendo percebido as
dificuldades que essa história do solo estava impondo ao projeto começamos a nos sentir
intrigados com a situação e, por esta razão, decidimos investigar mais a fundo as origens
de tal informação.

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A partir dessa decisão, outros sujeitos da comunidade escolar – alguns destes
presentes na escola desde a sua construção –, que não acreditavam na narrativa da
contaminação do solo, somaram forças para investigar o tema. Juntos, partimos em busca
de respostas racionais e o resultado é que a contaminação não existe e que a ideia não
possui fundamento em fatos concretos.

Imagem 1 - Imagem de satélite do Campus Vila Velha e vizinhanças.

Legenda: Na imagem é possível visualizar: 1) a área do Ifes - Campus Vila Velha, delimitada em vermelho;
2) a área do Cemitério Municipal de Santa Inês, delimitada em amarelo; e 3) a área destinada ao plantio
dos canteiros do jardim sensorial, delimitada em azul. Fonte: imagem de satélite extraída do aplicativo de
acesso gratuito Google Maps e editada pelos autores (2021).

Primeiramente, buscamos produções científicas que tratassem de poluição por


mecrochorume e, entre os trabalhos encontrados, identificamos um que estudou
exatamente o solo do cemitério vizinho à escola. O estudo em questão, desenvolvido em
Neira et al. (2008), elucidou que o necrochorume, quando produzido, não vai à camada
superficial do solo, bem ao contrário, dirige-se, na verdade, para regiões mais profundas,
poluindo os lençóis freáticos. Essa mesma informação, foi confirmada por dois
engenheiros agrônomos que haviam se juntado à equipe de investigação do solo.

Importante notar que as raízes das plantas utilizadas no jardim sensorial não
chegam a alcançar 50 centímetros de profundidade na terra. Assim, mesmo que o
cemitério da prefeitura estivesse irregular, os canteiros não poderiam ser contaminados
pelo necrochorume.

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Além disso, há outro aspecto relevante diz respeito à própria construção da escola.
Essa construção não foi feita sobre o mesmo solo onde o estudo Neira et al. (2008) foi
realizado. O estudo foi realizado no cemitério, que é vizinho da escola. Esta, no entanto,
recebeu centenas de caminhões de aterro para terraplanagem durante sua fundação, o que
elevou seu terreno em cerca de um metro. Dessa forma, mesmo que o solo fosse de alguma
maneira poluído, ele foi aterrado e terraplanado com uma camada relativamente alta de
terra.

Apesar dos diversos diálogos com servidores antigos, especialistas e parceiros, eu


ainda não estávamos satisfeitos. A esta altura, desconfiávamos que o problema com o
solo era, na verdade, uma materialização da postura tecnicista que permeava o campus,
analisada em Rezende (2019).

Para excluir qualquer resquício de dúvida, firmamos parceria com o Instituto


Capixaba de Pesquisa Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER), que também
descartou a possibilidade de contaminação do terreno. Além disso, o referido instituto
forneceu caminhões de húmus produzido em sua usina de compostagem para montagem
dos canteiros, ou seja, se o projeto acontecesse teríamos mais uma camada de terra sobre
o suposto "solo poluído".

Nesse percurso, conversando com diversos sujeitos na escola, descobrimos que


houve, anteriormente, tentativas de desenvolver atividades utilizando a terra e essas
tentativas foram desmobilizadas por fatores que incluíam a suposta poluição do solo. É
importante destacar que a elucidação sobre a suposta contaminação consumiu tempo e
esforço que poderiam terem sido dedicados ao desenvolvimento do projeto em si.

Essa breve narrativa nos serve para ressaltar a importância, defendida por
McNamee (2010), de adotarmos uma postura reflexiva quando necessitamos abrir
espaços para questionar empecilhos infra estruturais, burocráticos, técnicos, ou mesmo
culturais, que se apresentam quando buscamos desenvolver projetos alinhados a uma
perspectiva menos ortodoxa nas escolas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É interessante notar que no debate sobre a educação brasileira existe um enorme
amálgama de perspectivas teóricas e práticas. Ferreira (2003) acredita que a
multiplicidade de diálogos torna o campo rico e criativo, mas, por outro lado, a ausência
de uma coordenação entre as diversas perspectivas contribui para dificultar o
entendimento do campo e seu amadurecimento.

O trabalho de pensadores consagrados como Paulo Freire, Florestan Fernandes,


Demerval Saviani e tantos outros tem décadas, mas, ainda assim, no fazer, estamos
lidando com as mesmas dificuldades burocrático-tradicionalistas de cinquenta ou, talvez,
mais anos atrás. Tal condição leva a questionar: se já temos os argumentos teóricos
necessários para transformação da educação, por que essa transformação não acontece?
Ou, se acontece, por que de modo tão lento?

A resposta para tal questionamento se materializará na constante busca pelo


alinhamento daquilo que é praticado no cotidiano com aquilo que já é bem sabido e
longamente discutido no que diz respeito a uma educação voltada para a transformação
social e a superação da fragmentação e reprodução do conhecimento.

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Tornamos, então, ao papel que o ‘fazer’ desempenha para a transformação da


educação. É na prática do cotidiano que encontramos as principais dificuldades
enfrentadas para o estabelecimento de paradigmas emergentes no ensino, prática esta que
se articula à postura dos sujeitos envolvidos na complexa malha social que envolve as
escolas brasileiras.

O Projeto Flores de Basílio teve como objetivo promover ações inclusivas de


educação científica e envolveu a criação e organização de um espaço sensorial destinado
ao ensino de ciências. O aspecto central do projeto era a construção concomitante da
pesquisa e do projeto de extensão de jardim sensorial para a escola em questão, mas,
devido ao fechamento das escolas pela Pandemia de covid-19, o processo foi
interrompido.

Ao realizar uma reflexão acerca do que havia sido desenvolvido até o fechamento
da escola, notamos que mesmo se não houvesse a pandemia seria muito difícil seguir com
o desenvolvimento do Flores de Basílio. Esta constatação nos conduziu a concluir que a
transformação da postura de trabalho não poderia se encerrar em uma atividade
meramente diagnóstica, mas demandou uma transformação na forma como os próprios
pesquisadores encararam e desenvolveram a pesquisa. Para tal, foi necessário refletir
sobre a maneira como, não raro, pesquisas de caráter mais tradicional chegam no campo
já com respostas, como pontua McNamee (2010). Tal postura muitas vezes contribui para
o desenvolvimento de um percurso que obrigatoriamente resulta naquilo pré-posto. A
autora não está criticando o uso de metodologias diversas, de técnicas e instrumentos,
mas a maneira como nós os utilizamos e nossa responsabilidade, enquanto pesquisadores,
em assumir o caráter contextual das nossas pesquisas. Para tanto, não basta anunciar que
a pesquisa está delimitada a um contexto qualquer, mas aceitar este contexto e sua
capacidade geradora de conhecimento.

Por fim, vale uma reflexão acerca da indissociabilidade entre inclusão e


diversidade. O caminho para uma sociedade inclusiva talvez seja mais longo do que
aquele da educação transformadora, mas, uma coisa é certa, para alcançar o segundo é
preciso passar pelo primeiro. Para tanto, é preciso superar os mal-entendidos feitos a
respeito da inclusão social, superação esta que envolve uma questão postural, uma vez
que o senso comum tende a pensar a inclusão apenas como uma série de adequações infra
estruturais com vias de permitir a participação de grupos diversos.

No Flores de Basílio, uma maneira que encontramos de contornar as dificuldades


relacionadas à inclusão se baseou na postura reflexiva, para a qual foi assumida uma
perspectiva processual sobre inclusão. O minijardim sensorial foi construído pensando a
acessibilidade de sujeitos diversos, mas o trabalho não foi encerrado nisso.

O debate em torno do processo de inclusão tem se encerrado, muitas vezes, sem


uma reflexão voltada para a postura de adaptabilidade necessária à inclusão social. Desta
maneira, mesmo quando há instrumentos normativos suficientes para a devida
regulamentação dos processos de acessibilidade e mesmo quando existe uma diversidade
teórica e prática no que diz respeito a esse tema, sem um trabalho de mudança de
perspectiva sobre a postura do agente na busca pela diversidade os resultados terminarão
sempre pela metade.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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10. ATUAÇÃO DOCENTE NO ENSINO DE
CIÊNCIAS SOB O ENFOQUE CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS) NO
ESPAÇO DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO

Ana Rita Gonçalves Ribeiro de Mello29


Jorge Cardoso Messeder30
INTRODUÇÃO

A Educação Especial no Brasil, desde a implantação da Política


Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, em 2008, busca
superar as visões médica e de integração, com o papel da escola de mediar a prática
pedagógica para o acesso, permanência e escolarização dos alunos com necessidades
educacionais especiais, sob o paradigma da inclusão.

De fato, a dinâmica da inclusão escolar tem sido de acolher indistintamente todas


as crianças, para que juntas, possam aprender e participar do processo ensino
aprendizagem sem nenhum tipo de discriminação.

Portanto, para a efetivação da proposta de inclusão são necessárias estratégias


curriculares, no sentido de que sejam realizadas as adequações necessárias, em termos de
objetivos, conteúdos, metodologias, atividades, materiais, recursos, avaliação, etc.
Também, é necessário o que o professor tenha capacidade para lidar com as diferenças,
com as singularidades e a diversidade de todas as crianças, e não se prenda a um modelo
de pensamento comum a todas elas. A inclusão requer projeto político pedagógico,
organização curricular, metodologias de ensino, práticas pedagógicas, sistema de
avaliação, programa de atividades (GLAT, 2018).

Dessa forma, a Educação Especial enquanto uma modalidade de ensino que


perpassa todos os níveis e etapas escolares exige das instituições que os profissionais
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem sejam preparados para a oferta de uma
educação de qualidade para todos os alunos, independente das particularidades deles
(CASTRO; ALVES, 2018).

29
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0000-
0001-5315-1695
30
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/ 0000-
0002-7396-1596

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Isso porque as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos dos demais níveis
de ensino, em termos de requisitos curriculares para seu desenvolvimento no processo
ensino e aprendizagem. A necessidade está em lhes oferecer condições educacionais com
o olhar para a diversidade, para a especificidades (PLETSCH, 2014).

Nesse cenário, o processo de capacitação do professor é fundamental para o fazer


pedagógico, pois possibilita que o docente aperfeiçoe a lida com as diferenças, com as
singularidades e com a diversidade das crianças com condições específicas, bem como o
arcabouço do ensino aprendizagem desses sujeitos.

Assim, a pesquisa de referência, contemplou o enfoque CTS o ensino de Ciências,


no ambiente da sala de recursos multifuncionais (SRM), no espaço do Atendimento
Educacional Especializado (AEE), em complemento ao letramento de matemática e
português, por acreditar que é um campo do ensino que oferece maneiras de se
compreender o desenvolvimento científico e tecnológico no contexto social, por meio da
ação de professores que podem criar, adaptar e desenvolver intervenções didáticas numa
perspectiva da educação Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).

Assim sendo, ensinar ciências aos alunos especiais é oferecer-lhes a possibilidade


de conhecer e se posicionar diante dos diferentes seguimentos da sociedade: social,
tecnológico, econômico, cultural e, ainda mais, usufruir de todos os bens disponíveis,
vivenciar situações que o conduzam a tomar atitudes diante de determinadas situações,
compreender o mundo, desenvolver valores e ter uma qualidade de vida melhor, posto
que, enquanto área do conhecimento, o ensino de Ciências deve ser acessível a todo
cidadão.

Diante dessa condição, cabe apontar que CTS é uma forma de educação que pode
oferecer caminhos para essa formação social dos indivíduos, no sentido de possibilitar
que o aluno tenha conhecimento sobre questões da Ciência e da Tecnologia do mundo
contemporâneo de maneira interdisciplinar, como: sustentabilidade, consumismo, hábitos
alimentares, recursos naturais, destino do lixo, processo de reciclagem, o homem e o
consumismo, dentre outros.

Nesse caso, o desafio do professor do Atendimento Educacional Especializado


(AEE) foi identificar as condições de aprendizagem dos alunos, para organizar as tarefas,
recursos e estratégias a serem desenvolvidos nos espaços dos atendimentos ao longo da
pesquisa, visando a autonomia e a acessibilidade no ensino de Ciências na perspectiva do
ensino CTS.

A PESSOA COM DEFICIÊNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA

A história mostra que a deficiência passou por diversas concepções e conceitos,


pois sua condição de “diferentes”, fora da normalidade evidenciavam uma confusão
conceitual, indo desde a condição de normalidade biológica até a concepção sociocultural
(GOFFREDO, 2007).

Por conseguinte, a Educação Especial encontra-se articulada aos ideários,


concepções e necessidades históricas específicas da sociedade em determinado período
(MIRANDA, 2008), em que as pessoas com deficiência eram apresentadas ora como
ameaça, desequilíbrio ao normal estabelecido, ora despertavam sentimentos de medo,

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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rejeição, raiva, pena, misticismo, e diga-se que, não por suas próprias características, mas
pelas respostas dos outros diante delas (GOFFREDO, 2007).

Conforme Miranda (2008), na Antiguidade, os sujeitos que apresentassem


qualquer mutilação eram eliminados da sociedade, não havia espaço e tolerância para
qualquer deformidade. Na Idade Média, houve o predomínio da concepção mística e
religiosa, atribuindo-se castigo divino ou atribuição diabólica, encarnação do mal.

Somente na Idade Moderna é que se começa a pensar na possibilidade de


escolarização dessas pessoas, mas ainda dentro de uma concepção patológica, soba a ideia
de pessoa inapta ao desenvolvimento cognitivo, ficando sob os cuidados de instituições,
orfanatos, abrigos (MIRANDA, 2008).

No Brasil, na então capital do país, Rio de Janeiro, as primeiras ações educacionais


voltadas às pessoas com deficiência, aconteceram em 1854 com o Imperial Instituto dos
Meninos Cegos (atual Instituto Benjamin Constant - IBC) e, em 1857, com o Imperial
Instituto dos Surdos-Mudos, (atual Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES),
ainda que sem nenhuma legislação ou diretriz específicas (PLETSCH, 2014). Ao longo
dessa trajetória modelos de deficiência diferentes foram adotados.

Até início da década de 1970, predominou o modelo tradicional ou médico, com


o atendimento às pessoas com deficiência baseado no tratamento e correção da
deficiência, sob o viés terapêutico (PLETSCH, 2014).

No início da década de 80 começou o movimento de pró-integração e


normalização, com a preparação daqueles alunos com necessidades especiais que
demonstrassem condições de acompanhar a turma no ensino regular, em que a escola não
tinha qualquer responsabilidade e preocupação com as necessidades específicas desses
alunos (PLETSCH, 2014).

A educação inclusiva e seus desdobramentos políticos no Brasil surgem na década


de 1990, com a tomada de decisão do direito à escolarização no ensino regular das pessoas
com necessidades especiais, caracterizado por um processo amplo de ensino e
aprendizagem, com vistas ao desenvolvimento social e acadêmico desses sujeitos
(PLETSCH, 2014).

Posto isso, o fato é as práticas escolares implementadas para as pessoas com


deficiência, ao longo da história, apresentam muitas marcas de exclusão, extermínio,
preconceito e discriminação. Ainda hoje, feita uma análise desse processo, a educação
inclusiva sofre com ações importadas do passado que muitas vezes impedem e ou
dificultam o desenvolvimento de um trabalho de ensino e aprendizagem voltado às
condições específicas dessas pessoas.

A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM ENSINO DE CIÊNCIAS SOB O ENFOQUE


CTS VOLTADA AOS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS

O paradigma vigente de inclusão é influenciado por diversos fatores, como


o contexto social, as questões econômicas, culturais e políticas em que a escola está
inserida, bem como, as representações sociais e as concepções sobre a deficiência e,
também, os recursos materiais disponíveis. É importante fazer menção a essas questões

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porque as intervenções a serem feitas pelo professor frente ao desenvolvimento do aluno
tem a ação direta desses fatores (PLETSCH, 2009).

Ainda Pletsch (2014), a prática pedagógica inclusiva é também permeada por


estratégias docentes e pela cultura escolar, com a valorização da cultura, dos valores e
crenças que orientam a prática dos diversos setores da escola, desde a equipe técnica até
a equipe de apoio.

Em sua formação, o professor deve aprender a mobilizar seus conhecimentos,


articulando-os às suas competências, mediante um processo permanente de reflexão
teórico-prática, visando processo permanente de desenvolvimento profissional
(PLETSCH, 2009).

De acordo com a orientação do Ministério da Educação, as competências


necessárias ao domínio do professor

Destacam-se aquelas referentes à compreensão do papel social da


escola, ao domínio dos conteúdos, à interdisciplinaridade, ao
conhecimento dos processos de investigação, ao gerenciamento do
próprio desenvolvimento profissional e ao comprometimento com os
valores estéticos, políticos e éticos inspiradores da sociedade
democrática (PLETSCH, 2009, p.146).

Como não há uma forma homogênea para se aprender e ensinar, o processo de


ensino e aprendizagem da pessoa com deficiência requer a necessidade de caminhar por
diferentes vias a fim de explorar diferentes saberes, alternativas, diversificadas estratégias
e recursos.

Portanto, visando a efetivação de práticas pedagógicas com sujeitos da educação


especial em ensino de Ciências basta “conhecer os princípios que regem o
desenvolvimento humano “normal” e as especificidades do desenvolvimento vinculado
ao comprometimento do funcionamento mental” (PLETSCH, 2014, p. 121).

A partir da colocação de Pletsch (2014), é possível inferir a sintonia com o enfoque


CTS quando esse ensino orienta a oferecer conhecimento voltado às condições
intelectuais, emocionais e contextuais do aluno, bem como atentar para a realidade dele,
tendo o professor como mediador do processo (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007).

Para que o aluno seja participativo no contexto social não basta ensiná-lo somente
a leitura das palavras, é importante que tenha competência para compreender as
informações. Dessa forma, o letramento científico pode oferecer possibilidades para que
os alunos adquiram conhecimentos para o exercício da cidadania, pois a sociedade exige
do cidadão muito mais do que saber ler, escrever e contar (PINHEIRO; SILVEIRA;
BAZZO, 2007).

Com isso, as interações estabelecidas entre professor e aluno e/ou aluno e aluno
durante as práticas pedagógicas inclusivas em ensino de Ciências deve passar pela
construção de materiais acessíveis, modelos táteis, comunicação alternativa, múltiplas
linguagens. Afinal, o respeito às diferenças significa entender as necessidades humanas,
de modo que todas as pessoas inseridas no processo são beneficiadas.

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Para Firme (2020), é por meio da compreensão da natureza da tecnologia que os


estudantes compreendem o funcionamento do sistema tecnológico e tomam decisões com
base nesse conhecimento e valores, e assim, desenvolvem o exercício de tomada de
decisão em relação às aplicações e implicações da ciência e tecnologia.

A ATUAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO DE CIÊNCIAS NA PERSPECTIVA


DO LETRAMENTO CIENTÍFICO

A formação de professores tem sido um tema bem explorado no meio acadêmico,


como o trabalho de Silva e Bastos (2012), que trata da formação de professores de
ciências, em que concluem que desenvolvimento profissional do professor acontece por
meio de cursos de formação continuada institucional, pois tal processo oferece
possibilidades desse profissional efetivar o processo ensino e aprendizagem de forma a
mediar conhecimentos consistentes.

Vale observar que a formação continuada, mais do que interesse e iniciativa


individual é uma condição prevista na legislação. A LDB (1996), nos artigos 80 e 87, traz
a responsabilidade do poder público de incentivar, por meio dos municípios, programas
de educação a distância em todos os níveis e modalidades e programas de educação
continuada para capacitar todos os professores em exercício.

É no curso de formação que o docente adquire o preparo para o discernimento


entre o contexto da área de conhecimento e contexto pedagógico, pois não basta saber
bem os conteúdos trazidos pela área, importa a transposição do conteúdo por meio de
linguagens múltiplas: oral, escrita, sensorial, etc., bem como das estratégias e recursos
disponíveis e adaptados.

Também é em cursos de formação continuada que é possível o docente se


aproximar e conhecer possibilidades para estimular interlocuções entre aluno e
conhecimento científico a fim de favorecer as demandas educacionais da atualidade. O
desenvolvimento profissional docente não se torna pronto e finalizado com a formação
inicial, quando Silva e Bastos (2012) apontam a formação continuada como possibilidade
de qualificação profissional, à medida que

a falta de formação adequada dos professores para enfrentarem as


demandas contemporâneas advindas da grande produção de
conhecimentos científicos e a impossibilidade de efetivar uma
formação inicial que abarque toda a gama de exigências profissionais
que precisam ser atendidas para o exercício qualificado da profissão
docente (p. 155).

Buscando superar a fragmentação entre a formação inicial e continuada, Silva e


Bastos (2012) conceituam o termo desenvolvimento profissional como “uma atitude
permanente de indagação, de formulação de questões e procura de soluções” (p. 162), no
propósito da ideia de mudança, evolução e continuidade.

Pletsch (2009) também chama atenção para os cursos de formação de professores,


de forma que os órgãos responsáveis tenham a preocupação de formar o professor com o
oferecimento de disciplinas e conteúdos para atender os alunos com necessidades

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especais, de forma que desempenhem, satisfatoriamente, sua atribuição de ensinar dentro
de um contexto diverso, afinal, o maior desafio, nesse sentido, centra-se na necessidade
de adotar medidas para que a condição da educação inclusiva desloque sua posição para
uma prática pedagógica voltada à diversidade.

Com isso, o curso de formação é uma forma de preparar docentes para aprender
sobre o conteúdo a ser ensinado, aproximar e divulgar esse conhecimento aos alunos no
espaço de aprendizagem e, por conseguinte, repensar e dinamizar a prática docente, na
tentativa de dar significado desse conhecimento à vida desses sujeitos.

Nesse sentido, o processo de formação tem a finalidade de contestar o senso


comum, à medida que expõe o conhecimento científico e tecnológico contextualizado e
pareado com as questões da sociedade contemporânea. E, portanto, significa dizer que tal
prática rompe com o ensino acrítico e permite abrir um caminho para o letramento
científico e para a formação de um cidadão crítico.

Ao falar em capacitar professores, implica vislumbrar e romper horizontes sob a


perspectiva de analisar, avaliar conquistar uma prática pedagógica articulada às questões
teóricas e práticas, na perspectiva de avançar, aperfeiçoar e descobrir o conhecimento
científico.

Por certo, o educador tem um importante papel, pois é ele o mediador do


conhecimento ao aluno, por meio de um agir dialógico, crítico e reflexivo.

Sobre ações contextualizadas, Santos e Mortimer (2009) mencionam a proposta


de Paulo Freire, no que se refere a conteúdos problematizadores culturalmente, de forma
que colocam que é possível explorar os aspectos ambientais, políticos, econômicos, éticos
e culturais, visando o desenvolvimento de atitudes e valores em uma perspectiva
humanística, sem deixar de exercer um constante processo de reflexão sobre o papel
social da ciência.

Com isso, a abordagem CTS no Brasil, voltado à cidadania, à democracia e à


educação, tem buscado preparar o indivíduo para participar de uma sociedade
democrática, com foco no contexto do letramento científico, a fim de desenvolver valores
e a capacidade de tomada de decisão dele na sociedade.

Cabe apontar que o ensino CTS, conforme Mundim e Santos (2012), procura
identificar o conhecimento inicial do aluno (senso comum) e a partir de então, esses
alunos são estimulados a identificar e resolver um questionamento levantado, valendo-se
do conhecimento que já dispõem, até que se chegue ao saber científico e, nesse caso, o
mais importante, para se chegar aos conceitos em ensino de Ciências, é tomar o tema
como ponto de partida.

O PAPEL DO PROFESSOR NAS INTERVENÇÕES DIDÁTICAS EM ENSINO DE


CIÊNCIAS VOLTADO AO ENFOQUE CTS

A instituição de desenvolvimento da pesquisa foi uma escola pública do município


de Mesquita, estado do Rio de Janeiro, a Escola Municipal Irena Sendler, que atende
alunos do Ensino Fundamental I e II.

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O estudo desenvolvido foi do tipo qualitativo, pesquisa-intervenção, em que se
procurou estabelecer a possibilidade de se trabalhar o ensino de Ciências sob o enfoque
CTS, no AEE, no ambiente da SRM, por meio de práticas pedagógicas que promovessem
distintas formas de materialização do conhecimento: leitura de livros de literatura infanto-
juvenil, pintura, diálogos, jogos educativos, atividades com material reciclado e demais
atividades, de modo que os fenômenos observados ao longo do processo puderam
permear o universo do aluno.

Com isso, as atividades foram planejadas em consonância com os interesses dos


sujeitos, no sentido de eles apresentarem empatia e prazer em realizar e ou desenvolver
as propostas e, principalmente, levaram em consideração a contextualização com a
realidade.

Conforme Santos (2012), o CTS no ensino de Ciência engloba objetivos comuns


do que se denomina de letramento científico, pois visa a apropriação do conhecimento de
forma crítico-reflexiva, com a possibilidade de o sujeito se posicionar, ter atitude e tomar
decisão diante da questão social apresentada inicialmente.

Para Cassiani e Linsingen (2009),

Educar, numa perspectiva CTS é, fundamentalmente, possibilitar uma


formação para maior inserção social das pessoas no sentido de se
tornarem aptas a participar dos processos de tomadas de decisões
conscientes e negociadas em assuntos que envolvam ciência e
tecnologia (p.135).

Para este texto são trazidas o recorte de duas etapas metodológicas: um primeiro
momento no qual foram usadas estratégias didáticas com propostas de ensino e
aprendizagem de Ciências a alunos do AEE, com base na modalidade de CTS; e um
segundo momento, em que foi analisado como as propostas didáticas possibilitaram a
tomada de decisão dos alunos frente às situações sociais, a partir de intervenções
pedagógicas.

O aluno aqui mencionado é apresentado pelo nome fictício de Alisson, 15 anos,


aluno do 6º ano. Apresenta características de transtorno funcional específico, com níveis
bem defasados idade série no processo de aprendizagem, de forma que demonstra lentidão
no processo de raciocínio lógico, na abstração do pensamento e na atenção, condições
estas que comprometem sobremaneira a aprendizagem dele em relação aos conteúdos
curriculares.

Com o estudante Alisson, a perspectiva da racionalidade científica, um dos perfis


dos parâmetros da educação CTS, propostos por Strieder e Kawamura (2017), foi bem
explorada. Procurou-se trabalhar questões envolvidas no cotidiano e no entorno dele, a
fim de que pudesse perceber e manifestar possibilidades de mudança em benefício do
desenvolvimento enquanto ser humano, condição oferecida pela educação científica.

Strieder e Kawamura (2017) discutem parâmetros e propósitos da educação CTS,


presentes no contexto brasileiro do ensino de Ciências, em que estes “resultam do
cruzamento das informações oriundas do estudo de referenciais teóricos e de análises da
produção brasileira da área de Ensino de Ciências sobre CTS”, no sentido de destacar as

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potencialidades e limitações das abordagens exploradas no processo de ensino e
aprendizagem (p. 32).

A coleta de dados se constituiu nos relatos dos alunos ao longo da pesquisa, com
base nas intervenções pedagógicas, nas anotações, registros diários em caderno de bordo,
fotos e vídeos juntados pela pesquisadora sobre as observações, assim como, a descrição
do comportamento do sujeito diante da interação pesquisadora e pesquisado.

Cabe destacar que o processo de análise dos dados foi interpretativo, pois
enquanto uma análise qualitativa, a narrativa foi o método mais adequado ao propósito
do estudo, ao possibilitar a correlação dos pressupostos do ensino CTS com as atitudes e
comportamento dos alunos diante das estratégias didáticas que foram propostas e
realizadas.

Uma das riquezas do trabalho com o ensino CTS está na interdisciplinaridade,


porque para explorar melhor os temas sociais são abordados aspectos históricos, éticos,
políticos e socioeconômicos do mundo contemporâneo, por isso os estudos buscam
integrar os saberes das diversas áreas, do conhecimento de forma contextualizada e
unificada para uma correspondência entre educação científica, tecnológica e social.

O princípio de interdisciplinaridade no ensino de Ciência com enfoque


CTS resulta em um importante componente para evitar o reducionismo
técnico das disciplinas, pois os problemas de ordem científica e
tecnológica estão relacionados a várias dimensões sociais (PÉREZ,
2012, p.15).

Uma das propostas de intervenção desenvolvida com o aluno aqui destacado


buscou explorar as transformações físicas, geográficas ocorridas no ambiente, em
consequências das atividades do homem no seu habitat. Dessa forma, a problematização
foi: “Por que o homem modifica a natureza?”.

Tomando como base os objetivos propostos, os mesmos constaram na


compreensão do processo de mudança do espaço natural, em que as ações consistiram em
comparar fotos antigas e recentes do entorno da escola, cuja estratégia metodológica
adaptada manifestou-se na observação das fotos antigas e, posteriormente, das fotos
atuais, as quais foram adquiridas por meios próprios ao sair em passeio capturando as
imagens desse mesmo entorno. Sobre a atividade, a tarefa foi sair caminhando pelo
entorno da escola observando os estabelecimentos, os diversos locais, as casas,
estabelecer conversas com as pessoas, tirar fotos da proximidade da escola e de alguns
desses locais ( Paço Municipal, Fórum, Câmara Municipal, Tênis Clube de Mesquita,
escritório de advocacia, entre outros) e, após essa ação, realizar comparações com fotos
antigas desse mesmo entorno. É importante mencionar que as fotos antigas foram
conseguidas junto ao setor de comunicação social da Prefeitura Municipal de Mesquita e
com estabelecimentos, igreja e pessoas físicas.

Dessa forma, cabe apontar o quanto a problematização foi um recurso facilitador


para a contextualização do assunto, pois por meio de questionamentos diretos houve todo
um processo de reflexão, inferências, hipóteses, como: “Qual o resultado das ações
humanas no meio ambiente? Por que você acha que se modificou tanto? Quem são os

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responsáveis pelas mudanças? Quais as coisas boas-vindas com as mudanças? Quais as
coisas ruins?”.

Diante dessa condição, o aluno recebeu uma situação-problema do seu cotidiano


para ser resolvida, o que fez com que ele recorresse, inicialmente, ao conhecimento que
já trazia consigo e, à medida que recebeu informações as articulou à sua vivência, em
seguida pôde realizar observações, comparações, criar hipótese, de forma que conheceu
sobre o assunto, apresentando possibilidade de modificar os conceitos dele.

No desenvolvimento de uma atividade intitulada “Meu olhar natural” (Figura 1),


o aluno ficou surpreso quando fez a comparação das fotos antigas com as recentes,
principalmente pelo fato de ter visitado e fotografado o local, de modo que ele observa e
aponta as principais mudanças, entre as quais a urbanização e a falta de áreas verdes, que
podiam ser visualizadas na imagem antiga, inclusive com a presença de animais. Para
melhor compreensão, a imagem de referência está localizada há mais ou menos 100
metros da escola e a foto antiga (não foi possível identificar o ano), foi uma fazenda e
hoje, com uma construção moderna, abriga um escritório de advocacia

Quando o aluno foi indagado sobre o motivo das mudanças e urbanização do local,
reconheceu que se deu em função da chegada do homem na cidade e que, portanto, havia
necessidade da construção de moradias e outros estabelecimentos.

Nesse sentido, alguns valores foram colocados em discussão, em termos de


valores positivos, como o comportamento do homem na sociedade: educação, carinho,
bondade, amizade, respeito, amor, pois embora ser necessário a ciência e a tecnologia
para o desenvolvimento humano, alguns valores e atitudes também são importantes para
a vida em sociedade.

Figura 1 Atividade desenvolvida com aluno Alisson explorando paisagens locais

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão acontecerá de fato quando a diversidade for aceita e valorizada


enquanto condição humana e a convivência dessas pessoas nos diversos espaços sociais
for de acesso comum e não marcado por situações restritas, dificultosas e ou impeditivas.

Posto isso, é importante 1º) garantir que todos os alunos, independente de suas
características e condições, estejam sempre evoluindo em sua aprendizagem a partir
daquilo que sabem; 2º) estimular habilidades e competências dos alunos visando a
autonomia deles; 3º) estimular a socialização.

Assim sendo, tomando como referência as demandas colocadas pelas atuais


políticas de inclusão escolar, a promoção e a participação ativa dos professores na
construção de propostas pedagógicas e ações articuladas para efetivar a escolarização das
pessoas com necessidades específicas é fundamental.

Como decorrência das ações docentes com vistas ao ensino CTS no ensino de
Ciências se vê o esforço do professor de trabalhar os temas sociocientíficos a partir da
afinidade com a realidade do aluno, ter conhecimento do entorno dele, dos problemas e
características locais, sob uma perspectiva de levá-lo a romper com o senso comum.

Portanto, a promoção do ensino de Ciências na vertente CTS voltado aos alunos


com necessidades educacionais específicas é um fator desafiador ao professor, o que
implica o mesmo se aproximar da fundamentação do ensino CTS, a fim de se cumprir a
trilogia Ciência, Tecnologia e Sociedade, assim como, das especificidades dos alunos,
visto que a proposta de intervenção tem que ser planejada e embasada em função de um
contexto sociocientífico.

Nesse caso, no ambiente da sala de recursos, o professor do AEE viabilizou o


conhecimento em ensino de Ciências por meio de abordagem temática, em continuidade
e articulação aos diversos conteúdos que estão presentes e são apresentados aos alunos na
trajetória acadêmica, de forma capacitá-los a conhecer e lidar com a tomada de decisão
frente aos aspectos científicos e tecnológicos.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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11. O USO DE ESTRATÉGIAS VISUAIS E
AUDITIVAS VISANDO A INCLUSÃO DE
ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA (TEA) NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Amanda Séllos Rodrigues31


Marcelo Diniz Monteiro de Barros32
INTRODUÇÃO

O número de indivíduos com TEA no ensino regular tem aumentado


nos últimos anos, tornando necessário que professores apresentem um conhecimento
adequado sobre o transtorno para que se promova um ensino inclusivo. Embora exista
uma consciência crescente dos professores de educação básica quanto as possíveis
estratégias a serem implementadas, ainda há uma necessidade de atualização constante.
As estratégias visuais têm sido classificadas como os principais recursos no ensino para
a inclusão de alunos com TEA, porém, nos últimos anos, as pesquisas voltadas para o uso
de estratégias auditivas, como o uso de músicas, tem demonstrado grande potencial no
desenvolvimento da aprendizagem destes indivíduos. Assim, este trabalho apresenta uma
revisão de literatura sobre as potencialidades do uso de estratégias visuais e auditivas no
ensino de Ciências visando a inclusão de alunos com TEA, além de sugerir práticas que
possam ser implementadas pelos professores para potencializar a aprendizagem de todos
os alunos.

O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E A FORMAÇÃO DE


PROFESSORES

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) se caracteriza por déficits persistentes


na interação e comunicação social, e por apresentar padrões de comportamento, interesses
e atividade restritos, repetitivos e inflexíveis. O nome espectro está relacionado à gama
de possíveis características existentes nos indivíduos (OMS, 2021).

O TEA é um transtorno que se inicia no período de desenvolvimento,


normalmente na primeira infância. Porém, existem casos em que as características apenas
se manifestam após esta faixa etária (OMS, 2021). Segundo o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Doenças Mentais (DSM-V), o TEA é dividido em três graus de gravidade:

31
Fundação Oswaldo Cruz. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8832-7061
32
Fundação Oswaldo Cruz, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Universidade do Estado de
Minas Gerais. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4420-5406

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Nível 1: exigindo apoio pouco substancial
Quanto à comunicação social: Déficit graves nas habilidades de
comunicação social verbal e não verbal causam prejuízos graves
de funcionamento, grande limitação em dar início a interações
sociais e resposta mínima a aberturas sociais que partem de
outros. Por exemplo, uma pessoa com fala inteligível de poucas
palavras que raramente inicia as interações e, quando o faz, tem
abordagens incomuns apenas para satisfazer as necessidades e
reage somente a abordagens sociais muito diretas.
Quanto a comportamentos restritos e repetitivos: Inflexibilidade
de comportamento, extrema dificuldade em lidar com a mudança
ou outros comportamentos restritos/repetitivos interferem
acentuadamente no funcionamento em todas as esferas. Grande
sofrimento/dificuldade para mudar o foco.
Nível 2: exigindo apoio substancial
Quanto à comunicação social: Déficit graves nas habilidades de
comunicação social verbal e não verbal; prejuízos sociais
aparentes mesmo na presença de apoio; limitação em dar início a
interações sociais e resposta reduzida ou anormal a aberturas
sociais que partem de outros.
Quanto a comportamentos restritos e repetitivos: Inflexibilidade
do comportamento, dificuldade de lidar com a mudança ou outros
comportamentos restritos/repetitivos aparecem com frequência
suficiente para serem óbvios ao observador casual e interferem
no funcionamento em uma variedade de contextos. Sofrimento
e/ou dificuldade de mudar o foco ou as ações.
Nível 3: exige apoio muito substancial
Quanto à comunicação social: Na ausência de apoio, déficit na
comunicação social causam prejuízos notáveis. Dificuldade para
iniciar interações sociais e exemplos claros de respostas atípicas
ou sem sucesso a aberturas sociais dos outros. Pode parecer
apresentar interesse reduzido por interações sociais. Por
exemplo, uma pessoa que consegue falar frases completas e
envolver-se na comunicação, embora apresente falhas na
conversação.
Quanto à interação social: Inflexibilidade de comportamento
causa interferência significativa no funcionamento em um ou
mais contextos. Dificuldade em trocar de atividade, problemas de
organização e planejamento. (APA, 2014, p. 52).

Apesar de existir a divisão entre os níveis de gravidade, vale ressaltar a grande


variação de características existentes no transtorno, o que reforça a percepção quanto a
individualidade de cada pessoa com TEA. Por conta dessa variedade, muitos professores
tem demonstrado dificuldades para ensinar alunos com o transtorno em um ambiente
inclusivo.

A educação inclusiva se tornou popular com a Declaração de Salamanca


(UNESCO, 1994). Em 2012, foi promulgada a Lei n° 12.764 (BRASIL, 2012),
que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista, fornecendo, oficialmente, aos indivíduos com TEA o direito a
frequentar a escola regular e a receber um ensino inclusivo.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Com isso, houve um aumento no número de indivíduos com TEA no ensino
regular. Segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de alunos com TEA matriculados nas
escolas regulares aumentou 37,27% entre os anos de 2017 e 2018, tendo sido registrado
77.102 matrículas em 2017 (INEP, 2017) e 105.842 matrículas em 2018 (INEP, 2018) no
Brasil.

Apesar deste aumento no número de alunos com TEA no ensino regular, os


professores da educação básica ainda relatam dificuldades em ensinar estes alunos de
forma inclusiva. Segundo um estudo de Rodrigues e Cruz (2019), realizado com 50
professores, apesar dos entrevistados reconhecerem a importância em receberem
informações sobre como ensinar para alunos com TEA, 56% alegaram nunca terem
recebido estas informações. Além disso, as principais dificuldades relatadas pelos
participantes quanto ao ensino inclusivo para alunos com TEA estão relacionadas à
capacitação do professor e o grande número de alunos em sala (RODRIGUES; CRUZ,
2019).

Outro importante ponto que precisa ser trabalhado com os professores gira em
torno do mito sobre a incapacidade de aprendizado dos alunos com TEA (FONTENELE;
LOURINHO, 2020). Segundo a OMS (2018), indivíduos com TEA exibem uma gama
completa de funções intelectuais e habilidades de linguagem. Da mesma forma, Vygotsky
(1997) já afirmava que todo indivíduo tem a capacidade de aprender e se desenvolver,
independentemente de apresentar uma deficiência ou transtorno.

Partindo das dificuldades apresentadas acima quanto a inclusão dos alunos com
TEA, observa-se uma das vertentes ligada à formação do professor. Para que ocorra uma
adequada inclusão do aluno com TEA, é necessário que o professor esteja preparado para
lidar com estes alunos. Este preparo requer a realização de buscas quanto a novos
conhecimentos, visando ampliar a compreensão de novas práticas educativas que
promovam a inclusão de alunos com o transtorno (SILVA; LOPES, 2019).

AS ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS VISUAIS E AUDITIVAS VISANDO A


INCLUSÃO DE ALUNOS COM TEA

Existem diversas estratégias que podem ser utilizados pelos professores para
tornar a aula mais dinâmica e atrativa, contribuindo para a aprendizagem e motivação dos
alunos. Dentre essas estratégias é possível ressaltar a utilização de materiais que auxiliem
no desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem, facilitando a relação entre
o professor, o aluno e o conhecimento.

Um dos componentes para o desenvolvimento das habilidades de pessoas ouvintes


diz respeito à aprendizagem de relações entre os estímulos auditivos e os estímulos
visuais, ou seja, as relações auditivo-visuais. Como exemplo, uma criança ao receber um
pedido como “me dê a bola” e pegar o objeto correto, ou então quando direciona o olhar
para um cachorro quando alguém diz “olha o auau”, é uma criança que já aprendeu as
relações auditivo-visuais (BRAGA, 2019).

Uma das dificuldades que pode existir em indivíduos com TEA está relacionada
ao aprendizado das discriminações condicionais auditivo-visuais, o que dificulta o

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desenvolvimento da habilidade como ouvinte e a resposta correta ao que outra pessoa lhe
diz (BRAGA, 2019).

Um outro ponto que deve ser levado em consideração no processo de


aprendizagem de alunos com TEA diz respeito à resposta de estímulos do ambiente.
Indivíduos com TEA podem apresentar limitações na resposta aos estímulos (GOMES,
2007). Quando acontece uma apresentação simultânea de estímulos visuais e auditivos,
os indivíduos com transtorno tendem a ressaltar apenas um dos estímulos, ignorando o
outro.

Diferentes nomeações já foram apresentadas à essa característica, como o controle


restrito de estímulos (DUBE; MACILVANE, 1999) e a teoria da coerência central
(HAPPÉ; FRITH, 2006). Assim, este fenômeno é visto como uma dificuldade no âmbito
educacional, visto que, apesar de já ser muito difundido, ainda são poucas as estratégias
para remediar a situação.

Dessa forma, questiona-se se a realização de atividades em que haja o predomínio


de apenas um estímulo seja uma possibilidade para o processo de ensino e aprendizagem
de alunos com TEA.

Esta seção consiste em uma revisão de literatura sobre estratégias visuais e


auditivas para a inclusão de alunos com TEA. A busca foi realizada na plataforma
Educational Resources Information Center (ERIC) (https://eric.ed.gov/), por se tratar do
mais completo site para o acesso a documentos relacionados ao ensino (BARROS,2014).
Os termos utilizados na busca foram "visual strategies", "music strategies", "visual
activities", "music activities", “music”, “images”, “photographs”, "inclusion", "asd". Para
a realização das buscas, os termos "inclusion" e "asd” foram sempre colocados
juntamente a um outro termo, como demonstrado no quadro 1.

"visual strategies" "inclusion" "asd"


"music strategies""inclusion" "asd"
"visual activities" "inclusion" "asd"
"music activities" "inclusion" "asd"
“music” "inclusion" "asd"
“images” "inclusion" "asd"
“photographs” "inclusion" "asd"
Quadro 1 – Disposição dos termos utilizados na busca. Fonte: Elaborado pelos autores

Devido ao conhecimento da escassez de estudos diretamente relacionadas ao


tema, não se estabeleceu um intervalo para as datas de publicação. Inicialmente, os
trabalhos encontrados foram selecionados pela leitura do título e resumo, e, se necessário,
pela leitura integral do trabalho.

Foram encontradas 10 pesquisas a partir dos termos pesquisados, sendo 4


pesquisas relacionadas às estratégias musicais e 6 pesquisas relacionadas às estratégias
visuais (Quadro 2)

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Tipo de Informações da pesquisa
estímulo
Erpelding, Jennifer M. Visual teaching strategies for autistic students in inclusive general
education classrooms. (2012).
Knight, V., Sartini, E.; Spriggs, A.D. Evaluating Visual Activity Schedules as Evidence-
Based Practice for Individuals with Autism Spectrum Disorders. (2015).
Zimmerman, Kathleen N.; Ledford, Jennifer R.; Barton, Erin E. Using Visual Activity
Schedules for Young Children With Challenging Behavior. (2017)
Visual
Mahoney, Michael W. M. Peer-Mediated Instruction and Activity Schedules: Tools for
Providing Academic Support for Students with ASD. (2019)
Williams, Betty Fry; Williams, Randy Lee. Effective Programs for Treating Autism
Spectrum Disorder: Applied Behavior Analysis Models. (2011)
Lequia, Jenna; Machalicek, Wendy; Rispoli, Mandy J. Effects of Activity Schedules on
Challenging Behavior Exhibited in Children with Autism Spectrum Disorders: A
Systematic Review. (2012)
Vaiouli, Potheini; Ogle, Lindsey. Music Strategies to Promote Engagement and
Academic Growth of Young Children with ASD in the Inclusive Classroom (2014)
Epler, Pam L., Ed. Instructional Strategies in General Education and Putting the
Individuals with Disabilities Act (IDEA) into Practice. Advances in Early Childhood and
K-12 Education (AECKE) Book Series (2018).
Allen, Rory; Hill, Elizabeth; Heaton, Pam. "Hath Charms to Soothe...": An Exploratory
Auditivo Study of How High-Functioning Adults with ASD Experience Music. (2009)
(música)
Chang, Annalisa Chie. String Teachers' Perceptions of Inclusion of Students with Autism
in Classroom Settings. (2017)
Quadro 2 – Pesquisas encontradas na busca, divididas por tipo de estímulos. Fonte: Elaborado pelos autores.

Dos resultados obtidos, dois trabalhos não serão apresentados por se tratar de
livros disponibilizados apenas nos Estados Unidos, o que inviabiliza sua compra e leitura.
O livro “Effective Programs for Treating Autism Spectrum Disorder” é dividido em três
partes. A primeira parte é voltada para o transtorno, abrangendo as principais
características do TEA, bem como as teorias relacionadas às possíveis causas e as formas
de tratamento mais populares. A segunda parte apresenta uma visão informativa da
análise do comportamento aplicada, majoritariamente quanto aos princípios de
aprendizagem e procedimentos básicos baseados nesses princípios. Na terceira parte são
descritos oito modelos de programas abrangentes e baseados em evidências para o
tratamento de pessoas com TEA. Dentre as estratégias explicadas, vale ressaltar o uso de
cronogramas de atividades visuais e o Sistema de Comunicação de Troca de Imagens
(WILLIANS; WILLIANS, 2011).

Já o livro “Instructional Strategies in General Education and Putting the


Individuals with Disabilities Act (IDEA) into Practice” foi desenvolvido visando
apresentar as estratégias de ensino mais recentes para educadores com alunos com
necessidades educacionais especiais. Segundo um breve relato disponibilizado pela
organização responsável pela publicação, o capítulo 8, intitulado “Music Therapy: A
Pedagogical Alternative for ASD and ID Students in Regular Classrooms”, afirma os
bons resultados existentes para o uso da musicoterapia em alunos com TEA. Além disso,

O capítulo analisa as estratégias de ensino baseadas em pesquisas com o uso da


música como uma alternativa pedagógica ao trabalhar com alunos com TEA na sala de
aula, trazendo um estudo de caso envolvendo um aluno com TEA (TORRES; RAMOS,
2018).

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Quanto às estratégias visuais, Knight, Sartini e Spriggs (2015) realizaram uma
revisão de literatura com artigos publicados entre 1993 e 2013, com o objetivo de
analisarem a qualidade dos cronogramas de atividades visuais a partir de critérios
baseados em evidências atuais. A partir dos resultados obtidos, os autores sugerem que
os cronogramas de atividades visuais podem ser considerados práticas baseadas em
evidências para indivíduos com TEA, caso sejam utilizadas juntamente a procedimentos
instrucionais sistemáticos. Além disso, afirmam que o uso destes cronogramas pode
aumentar as habilidades de indivíduos com TEA desde a educação infantil até a fase
adulta em diferentes áreas da vida, como a comunidade e a educação. Assim, este artigo
traz a reflexão da possibilidade de uso de estímulos visuais em outras atividades no meio
educacional, já que foram observados benefícios do estímulo visual na realização de
cronogramas de atividades.

Assim como no artigo mencionado anteriormente, Lequia, Machalicek e Rispoli


(2012) e Zimmerman, Ledford e Barton (2017) também realizaram uma revisão voltada
para o uso de cronogramas de atividades visuais para indivíduos com TEA, porém, neste
caso os autores buscaram indícios de como o uso destes cronogramas pode auxiliar na
diminuição de comportamentos desafiadores, como o acesso à raiva, a agressão e a
automutilação, de crianças com o transtorno.

Lequia, Machalicek e Rispoli (2012) incluíram nos cronogramas de atividades


fotos, desenhos de linhas e vídeos com a intenção de promover a autorregulação,
independência, transições ou habilidades lúdicas. O uso de cronogramas de atividades
visuais se mostrou eficaz na redução de comportamentos desafiadores, independente da
razão pela qual se decidiu desenvolver o cronograma. Assim, partindo do princípio de
que os indivíduos com TEA possam expressar os comportamentos desafiadores em sala
de aula, talvez o uso de estímulos visuais seja interessante para tentar diminuir estes
comportamentos em sala.

Já Zimmerman, Ledford e Barton (2017), além de trazerem os benefícios do uso


de cronogramas de atividades visuais para indivíduos com TEA e comportamentos
desafiadores, também relatam que o uso destes cronogramas pode apresentar vantagens
em crianças que não tem TEA, mas que manifestam comportamentos desafiadores.

Mahoney (2019), por sua vez, apresenta ferramentas para fornecer suporte
acadêmico para alunos com TEA, como a instrução mediada por pares e os cronogramas
de atividades visuais. No quadro abaixo é possível observar um exemplo de atividade
realizada a partir do cronograma de atividades visuais, em que o autor descreve quatro
etapas em um cronograma para que o aluno desenvolva o raciocínio obtido na pesquisa
com uma linha do tempo desenhada na cartolina, contribuindo para uma análise visual
dos principais momentos sobre a história dos estados unidos. Posteriormente, o aluno é
direcionado a responder as questões apresentadas pelo professor, podendo utilizar a linha
do tempo como apoio visual (Quadro 3).

Erpelding (2012) apresenta uma situação real para o uso dos cronogramas de
atividades visuais, baseado TEACCH Fidelity Checklist, lista que promoveu o auxílio na
construção do cronograma. Os resultados demonstraram uma falta de relação entre o
conhecimento do professor da escola regular e as necessidades do aluno com TEA,
ressaltando a importância de uma formação inicial e continuada adequada. Além disso, a
implementação de estratégias visuais é necessária para o sucesso acadêmico do aluno com

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TEA, sendo importante que os professores conheçam esta possibilidade de ensino
(ERPELDING, 2012).

História dos Estados Unidos Data


Tópico: Causas da Primeira Guerra Mundial --/--/-
---
1. Obtenha o livro didático da turma e verifique o iPad da turma. Encontre a cartolina. 🡪
2. Vá para o capítulo 23 do texto (pág. 206). Faça uma pesquisa na Internet usando as palavras- 🡪
chave: Primeira Guerra Mundial, Arquiduque Franz Ferdinand, Tríplice Entente e Tríplice
Aliança
3. Usando a cartolina, crie uma linha do tempo dos eventos (10 fatos) que levaram à Primeira
Guerra Mundial.
4. Responda às questões do professor localizadas no quadro à frente da sala.
Total de tarefas concluídas
_____________________
Quadro 3 - Exemplo de suporte visual no cronograma de atividades. Fonte: Mahoney (2019), tradução livre
dos autores.

A partir do exemplo forncecido por Mahoney (2019) é possível refletir sobre como
trabalhar assuntos dentro da disciplina de ciências a partir do cronograma de atividades
visuais.

Quanto às estratégias auditivas, Allen, Hill e Heaton (2009) apresentam pesquisas


que comprovam a eficácia da musicoterapia na melhoria da condição de crianças e
adolescentes com TEA. Através de um questionário semiestruturado aplicado a 12 adultos
com TEA, os autores demonstraram como a música beneficia os participantes da
pesquisa, auxiliando nos fatores emocionais e sociais. Apesar de não ser um trabalho
voltado exclusivamente para a inclusão de alunos com TEA no âmbito escolar, através
do resultado obtido no estudo de que a maioria dos participantes passaram a ter um maior
contato com a música na infância e na adolescência, é possível refletir sobre o uso de
práticas auditivas desde o momento em que os indivíduos com TEA demonstram o
interesse pela música.

Vaioli e Ogle (2014), através de um relato de caso, exemplificam os benefícios


que os estímulos auditivos podem promover em sala de aula para alunos da educação
infantil. A partir de uma sala composta por 18 alunos entre 3 e 4 anos, sendo um aluno
com TEA, a professora passou a observar que o aluno com TEA responde positivamente
às músicas que são conhecidas e, a partir desse momento, passa a incorporar canções,
jogos musicais e rimas durante as aulas, promovendo um ensino diversificado e
contribuindo, não apenas para o processo de aprendizagem do aluno com TEA, mas dos
demais alunos em sala.

As autoras afirmam, com o relato, que o uso de músicas, de estações de música e


a criação de novas músicas pelos alunos podem ser um potencial recurso se usado de
forma intencional, promovendo o engajamento e a melhora das habilidades acadêmicas e
emocionais em todas as crianças. Além disso, é preciso conhecer as crianças, e caso
possuam uma superestimulação auditiva, sugere-se a tentativa de controle da altura do
som, bem como a escolha de diferentes ritmos músicas, antes de decidir pelo não uso da
estratégia (VAIOLI; OGLE, 2014).

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Segundo Chang (2017), apesar das pesquisas demonstrarem que a música é uma
intervenção eficaz na terapia para alunos com TEA, poucos estudos foram feitos a
respeito da inclusão em sala de aula.

A partir da revisão de literatura realizada no banco de dados Eric, observou-se o


baixo número de trabalhos voltados para o uso de estratégias visuais e auditivas no ensino
para a inclusão de alunos com TEA. Os trabalhos analisados limitam as abordagens à
crianças da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, bem como não
descrevem estratégias especificamente para a disciplina de ciências, ressaltando a
importância em se desenvolver práticas específicas para o ensino de ciências, visando a
inclusão de alunos com TEA nos anos finais do ensino fundamental.

ESTRATÉGIAS VISUAIS E AUDITIVAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Nesta seção são apresentadas quatro atividades com potencial inclusivo para
alunos com TEA no ensino de ciências. O desenvolvimento das atividades se deu a partir
da abordagem baseada em evidências. “A Educação baseada em evidências se refere à
consideração e uso do conhecimento oriundo de áreas de pesquisa científica para
fundamentar e informar boas práticas em Educação” (ORSATI et al., 2015, p.16). As
evidências foram baseadas nas pesquisas encontradas a partir da revisão de literatura
realizada na seção anterior.

As atividades sugeridas têm o intuito de auxiliar os professores de ciências na


elaboração de atividade inclusivas para alunos com TEA, por apresentarem um potencial
inclusivo, segundo as evidências científicas encontradas. A abordagem “baseada em
evidências” é composta pela busca, aplicação e avaliação das evidências encontradas nas
pesquisas. Portanto, faz-se necessário um acompanhamento da aplicação destas práticas,
bem como uma avaliação crítica do desenvolvimento da atividade.

Dentre as possíveis atividades a serem realizadas com alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental na disciplina de ciências, neste capítulo serão apresentadas: uma
atividade voltada para o estímulo visual a partir do uso de cronogramas com atividades
visuais e uma atividade voltada para o estímulo auditivo a partir das músicas do álbum
“Brasileirinhos – música para os bichos do Brasil”, de Paulo Bita.

ATIVIDADE VISUAL – CRONOGRAMA COM ATIVIDADE VISUAL PARA O


ENSINO DAS CAMADAS ATMOSFÉRICAS

O ensino de conteúdos invisíveis ao olho nu dentro da disciplina de Ciências


apresenta-se como uma dificuldade para alunos e professores, visto que o estímulo visual
é tido como um dos principais fatores que auxiliam no processo de aprendizagem,
dificultando o entendimento do que não se pode ver.

Dentre as temáticas de conteúdos invisíveis tem-se o ensino das camadas


atmosféricas. Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), a unidade
temática “Terra e Universo” do 6° ano do Ensino Fundamental apresenta como uma das
habilidades “identificar as diferentes camadas que estruturam o planeta Terra (da
estrutura interna à atmosfera) e suas principais características” (BRASIL, 2017, p.345).

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Assim, esta atividade propõe o uso de um cronograma de atividades visuais,
visando contribuir para a inclusão de alunos com TEA e auxiliando não apenas estes
alunos, mas todos em sala.

Para a realização da atividade, sugere-se o uso do seguinte cronograma:

Disciplina: Ciências Data


Tópico: Camadas atmosféricas --/--/-
---
1. Abra o livro didático no capítulo indicado pelo(a) professor(a). Pegue um papel A4 em 🡪
branco.

2. Faça uma leitura do capítulo. Busque na internet quais objetos podem ser encontrados 🡪
em cada camada atmosférica.
3. Usando o papel em branco, desenhe as camadas atmosféricas indicadas no livro e os
objetos que podem ser encontrados em cada camada. Faça a escala de altura para as camadas e
insira todas as informações lidas no livro didático.
4. Responda às questões do professor(a) localizadas no quadro à frente da sala.
Total de tarefas concluídas
_____________________
Fonte: Realizado pelos autores

A partir do cronograma, os alunos deverão cumprir as tarefas indicadas,


desenhando as camadas atmosféricas em um papel e suas características, para que,
posteriormente, o desenho seja utilizado como auxílio para responder às perguntas
propostas pelo professor. Vale ressaltar que o cronograma apresentado acima serve como
um modelo, sugerindo-se as alterações necessárias para cada perfil de aluno.

ATIVIDADE AUDITIVA – USO DAS MÚSICAS DO ÁLBUM


“BRASILEIRINHOS – MÚSICA PARA OS BICHOS DO BRASIL”, DE PAULO
BITA, NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O álbum “Brasileirinhos – música para os bichos do Brasil” (disponível em:


https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mZGoPBgQWYttaCIY-
GiefQj3g7H-NKje0 ) foi criado em 2009 por Paulo Bita e apresenta 15 músicas
destinadas a 16 diferentes animais brasileiros ameaçados de extinção. O álbum é inspirado
na série de livros de mesmo nome, que apresenta poemas dos autores infantis Lalau e
Laura Beatriz. Cada música apresenta um ritmo diferente e os 16 animais apresentados
nas canções são: Lobo Guará, Peixe-boi, Mico-de-cheiro, Onça-pintada, Tamanduá
Bandeira, Urubu Rei, Macuco, Gato Palheiro, Peixe Serra, Tubarão Martelo, Jacaré do
Papo Amarelo, Mico Leão Dourado, Preguiça de Coleira, Cachorro do mato de orelha
curta, Anta, e Arara Azul.

Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), a unidade temática


“Vida e Evolução” do 7° ano do Ensino Fundamental apresenta como uma das
habilidades “avaliar como os impactos provocados por catástrofes naturais ou mudanças
nos componentes físicos, biológicos ou sociais de um ecossistema afetam suas
populações, podendo ameaçar ou provocar a extinção de espécies [...]” (BRASIL, 2017,
p.347).

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Assim, a presente atividade propõe o uso das músicas do álbum “Brasileirinhos –
música para os bichos do Brasil” como forma de apresentar aos alunos do 7° ano alguns
exemplos de animais brasileiros ameaçados de extinção e suas características, bem como
promover uma reflexão sobre quais impactos ambientais provocaram a diminuição no
número de indivíduos dessas espécies.

Como exemplo, apresenta-se a seguir o poema musicalizado “Anta”:

Anta
Anta
É bem giganta
Tem tromba
Igual elefanta
Antes,
Eram tantas
As antas!
Hoje,
existem
quantas!?
(Poema de Lalau e Laura Beatriz, musicalizado por Paulo Bita)

A presente música pode ser utilizada como momento de introdução do conteúdo.


Após a passagem da música aos alunos, é possível questioná-los se eles conhecem o
animal e se já viram algum indivíduo desta espécie. Além disso, pode-se questioná-los
sobre outras características da Anta, além da tromba falada no poema, estimulando-os a
pesquisar sobre este animal. A partir do questionamento do poema sobre quantas Antas
existem hoje, já que antigamente se tinham muitas, é possível estimular uma reflexão do
porquê estes animais estão ameaçados de extinção, iniciando, assim, o conteúdo sugerido
pela BNCC (BRASIL, 2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que ainda há muito o que ser discutido sobre as estratégias didáticas
visando a inclusão de alunos com TEA. Nos últimos anos, as pesquisas sobre este tema
tem aumentado, porém ainda existem lacunas a se preencher.

A busca por atividades inclusivas é extremamente necessária para auxiliar o


professor em sala de aula. Porém, é importante ressaltar que a realização de atividades
inclusivas no ambiente escolar só terá um efeito positivo se partir de uma proposta
curricular que reconheça a individualidade de cada aluno com TEA, o que demanda a
realização de atividades específicas que se encaixem à necessidade de cada aluno.

As pesquisas que envolvem estratégias didáticas inclusivas para alunos com o


transtorno, bem como a formação de professores, ainda são muito voltadas para alunos

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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da educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. É preciso reconhecer a
continuidade destes alunos nos níveis escolares e buscar desenvolver estratégias para os
maiores níveis, como os anos finais do ensino fundamental, ensino médio,
profissionalizante e superior.

A limitação encontrada neste trabalho sobre propostas visuais e auditivas para o


ensino de ciências nos anos finais do ensino fundamental é um estímulo para se buscar
desenvolver atividades dentro do currículo proposto pelo atual documento norteador da
educação, a Base Nacional Comum Curricular, para os diferentes anos escolares.

Espera-se que este trabalho informe os professores da educação básica sobre as


possíveis estratégias a serem trabalhadas no ensino de ciências, bem como utilizem os
exemplos de estratégias expostos como modelos a serem desenvolvidos com seus
próprios alunos.

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12. A CONSTRUÇÃO DE UM PRODUTO
EDUCACIONAL INVESTIGATIVO INCLUSIVO
PARA O ENSINO DE FÍSICA: MONTAGEM DE
CIRCUITOS ELÉTRICOS

Aline Guilherme Pimentel33


Sandro Soares Fernandes34
Deise Miranda Vianna35
INTRODUÇÃO

Já se imaginou numa turma de quarenta alunos que, entre eles, há a


presença de alunos de diferentes tipos de deficiências? Já parou para pensar em como
seria planejar uma aula para essa turma sem que nenhum aluno seja segregado ou que ele
seja privado de algum conteúdo programático? Cada vez mais, a inclusão de alunos com
algum tipo de deficiência vem sendo incluídos em turmas das escolas da Educação
Básica.

Desde 2014, nesta parceria com o Colégio Pedro II, o subprojeto PIBID/FÍSICA
– UFRJ tem desenvolvido propostas didáticas para o ensino de Física, com diferentes
enfoques, que valorizam o papel do professor na sala de aula, proporcionam uma
aprendizagem mais agradável para o aluno do ensino médio e enriquecem a formação dos
licenciandos participantes.

Buscamos valorizar nos roteiros apresentados uma metodologia de trabalho que


leva os alunos a realizarem atividades investigativas, participando do processo de ensino
através de discussões e enriquecendo sua compreensão dos processos de aprendizagem
da ciência. Durante a aplicação das atividades, professores e licenciandos atuaram como
orientadores, e os alunos puderam compreender a importância de criar vínculos entre a
Física que eles estudam na escola e diferentes situações que fazem parte do cotidiano
deles. Em todas as atividades desenvolvidas pelo subprojeto PIBID/UFRJ – Física e que
são aplicadas em salas de aulas, são elaborados roteiros que servem de orientação para os
alunos e, também, para professores que futuramente queiram aplicar em outras turmas ou
escolas onde trabalham. Nestes materiais procuramos inserir objetivos da atividade
desenvolvida, textos de apoio que buscam relações entre a nossa atividade e o enfoque
abordado e parte experimental buscando perguntas que visam valorizar o raciocínio e a
argumentação dos alunos.

33
IOC/FIOCRUZ, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3943-0414
34
Colégio Pedro II | IOC/FIOCRUZ, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6703-7527
35
IF-UFRJ| IOC/FIOCRUZ. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5846-0841

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Ao longo do acompanhamento de algumas dessas turmas, em uma aula de
circuitos elétricos, foi percebido que os não participantes eram os alunos com deficiência
visual devido ao uso de esquemas feitos na lousa. Desse modo, tivemos a ideia de
construir um material didático direcionado a esse tema que pudesse ser utilizado em
qualquer aula de circuitos elétricos, tanto para deficientes visuais como para videntes. A
proposta da equipe foi de criar e utilizar trabalhos baseados em atividades investigativas
(SASSERON,2017), onde os alunos são protagonistas do próprio aprendizado e nosso
maior desafio era permanecer com essa característica para qualquer que fosse o aluno,
fugindo de um ensino de Física tradicional da sala de aula, buscar um ensino mais
contextualizado de caráter inclusivo e, principalmente para o ensino de Física para
deficientes visuais.

O ensino já é uma atividade complexa e problemática, ainda mais ao tratarmos


com um público com uma deficiência física que é tão “essencial” a qualquer indivíduo.
Pensar em elaborar atividades para pessoas com deficiência visual nos faz refletir muito
sobre o uso de cada instrumento, experiência ou palavra a ser dita, coisas que a graduação
não nos prepara para enfrentar, por isso, devemos ser flexíveis para modificar nossa forma
de atuação em resposta às mudanças percebidas. Nesse capítulo, apresentamos as
modificações que essa atividade sofreu antes de chegar à versão “final”.

PIBID E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A formação de professores tem ignorado, regularmente, o desenvolvimento


pessoal do professor, confundindo o “formar e “formar-se”, sem compreender que a
lógica do processo educativo nem sempre coincide com as dinâmicas próprias da
formação (NÓVOA, 1992). Uma boa formação docente não é garantida com acúmulos
de cursos, conhecimentos ou técnicas, mas sim através de um trabalho que envolve
reflexão crítica e permanente, sobre as práticas, de modo a criar um processo interativo e
dinâmico. O conhecimento científico é socialmente construído, apresentando que a
aprendizagem é um processo de enculturação e não de descoberta, defendendo assim que
o estudo empírico do mundo natural não resultará em conhecimento científico, já que esse
é discursivo. Neste processo de construção, o papel do professor, mais do que organizar
o processo pelo qual os indivíduos geram significados sobre o mundo, é o de atuar como
mediador entre o conhecimento e os alunos, ajudando-os a dar sentido aos conhecimentos
gerados (DRIVER, 1999).

O PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – tem o


objetivo de antecipar o vínculo entre os futuros mestres e as salas de aula da rede pública,
fazendo uma articulação entre a educação superior (por meio das licenciaturas), a escola
e os sistemas estaduais e municipais. O Colégio Pedro II, Campus São Cristóvão III, onde
atuamos, é uma tradicional instituição de ensino público federal, está localizado na cidade
do Rio de Janeiro em São Cristóvão, com cerca de 1200 alunos, em turmas de 30 alunos,
em média. A participação dos licenciandos no campus é supervisionada por dois
professores participantes do subprojeto, além de três coordenadores na UFRJ e esta
equipe tem participação em 11 turmas do ensino médio.

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Figura 1: Equipe do subprojeto PIBID/UFRJ-Física do ano de 2018. (Fonte: acervo pessoal)

A atuação do subprojeto PIBID/UFRJ-Física (Figura 1) é feita no turno regular


das escolas. Os bolsistas participam da preparação das aulas regulares, em conjunto com
os professores supervisores e coordenadores do projeto, que também participam da sua
execução. Desta forma, os licenciandos interagem com os estudantes de várias formas,
seja tirando dúvidas, resolvendo exercícios, desenvolvendo roteiros de atividades práticas
e teóricas ou colaborando nas discussões em sala.

Estas diferentes maneiras de atuação tornam o papel dos licenciandos dentro da


sala de aula um elemento de grande relevância na formação do aluno da educação básica
e do licenciando. A maioria dos professores tem como única função dar aulas, já neste
projeto, os supervisores (professore/as das escolas onde o projeto é aplicado) se tornam
pesquisadores e co-orientadores dos licenciandos. Como diz Moreira (1999), nem todo
professor de ciências, por exemplo, é um pesquisador em educação em ciências, mas neste
caso todos se tornam pesquisadores

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino (FREIRE, 1997). Pesquisar é
produzir conhecimento dentro de um marco teórico, epistemológico e metodológico e
nem todos os professores possuem condições de trabalho para praticarem essas tarefas. O
professor necessita de mais tempo para participar de grupos de pesquisa, já que a maioria
dos que existem estão nas universidades, sendo de difícil acesso para eles. É necessário
fazer um esforço para que haja trocas de experiências de formação, realizadas nas escolas
e pelas instituições de ensino superior, criando uma cultura colaborativa de formação de
professores, é exatamente nesse ponto que o projeto PIBID se torna tão importante, ao
introduzir e incentivar os alunos licenciandos à pesquisa, possibilitando que o futuro
profissional tome consciência de suas ações em sala de aula e fazendo com que evoluam.
Nessa perspectiva é, portanto, também um processo de aprendizagem não só para os
licenciandos, mas também para os alunos do colégio, os professores-supervisores,
coordenadores e para a escola.

DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE

A Ação docente não pode se limitar ao ensino dos conhecimentos teóricos e


disciplinares, mas deve principalmente comprometer-se com a contextualização deste em
um determinado cenário político, isto é, o professor tem um papel social. Logo, a
formação deste profissional deve orientar o seu agir crítico, sua capacidade de interrogar-
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se sobre o seu papel na sociedade, seu compromisso com as ações educativas direcionadas
com a emancipação social por meio do ensino. Segundo Tardif (2010), os saberes
docentes envolvem questões de ordem pessoal; tem abrangência social; surgem e se
desenvolvem dentro de uma temporalidade; apresentam-se com características culturais
e heterogenias; e são amplamente personalizados e situados na pessoa do professor. O
processo de formação deve permitir que o professor reconheça a natureza política do seu
trabalho e que se torne um intelectual transformador ao possibilitar a formação de alunos
para o exercício pleno da cidadania, capazes de interpretarem e transformarem sua
realidade (GIROUX, 1997).

O preparo de qualquer atividade que saia do modelo tradicional de ensino requer


uma certa dose de criatividade, um conhecimento prévio do aluno e seu contexto escolar.
Quando começamos a preparar roteiros que incluam alunos deficientes visuais
acrescentamos um desafio maior, devido a muitas vezes não repararmos o quanto a visão
é tão “fundamental” para uma pessoa vidente, que não percebe o quanto recorre a esse
sentido. O material desenvolvido sofreu algumas alterações e adaptações, devido a
participação de um grupo de alunos com deficiência visual do Colégio Pedro II – Campus
São Cristóvão III. Ao longo do processo, precisamos realizar modificações no nosso
produto educacional até a versão “final” – aqui chamado de “kit”.

O Kit (figura 2) trabalha com o aspecto dinâmico da Eletricidade, chamada de


eletrodinâmica e contém materiais de baixo custo e fácil acesso, de modo a se
transformarem em trechos de um circuito elétrico tateável para que favoreça o processo
de entendimento e argumentação nas nossas aulas. Nosso intuito é aproximar os alunos
em um assunto em que é necessária uma maior abstração do raciocínio, por se tratar –
principalmente – de uma matéria de nível molecular, em alguns conceitos e bastante
explicada por desenhos na lousa e livros.

Figura 2: versão final do kit composto por canaletas de PVC de diferentes tamanhos, miçangas plásticas (Fonte:
acervo pessoal)

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CONSTRUÇÃO DO KIT

Segundo o Censo Escolar de 2018 (BRASIL, 2019), o número de matrículas da


educação especial – alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou
altas habilidades/superdotação em classes comuns (incluídos) ou em classes especiais
exclusivas – chegou a 1,2 milhão em 2018, um aumento de 33,2% em relação a 2014.
Esse aumento foi influenciado pelas matrículas de ensino médio que dobraram durante o
período.

Os dados mostram que os alunos com deficiência são realidade nos bancos
escolares brasileiros. Por isso, é fundamental o enfoque da formação docente para o
trabalho pedagógico adequado.

Até chegar ao modelo apresentado na figura 2, passamos por algumas etapas de


desenvolvimento dessa atividade. Inicialmente, fomos inspirados, a partir de uma aula de
exercícios, em que os alunos deficientes visuais de uma turma de terceira série do ensino
médio estavam sendo privados do conteúdo, devido à resolução ser feita no quadro branco
da sala de aula. Aquela cena foi muito marcante para nós porque, além do desafio de
manter 30 alunos interagindo com o professor, precisávamos planejar as aulas de modo
que nenhum deles seja excluído da explicação.

A visão é o mais dominante dos cinco sentidos e desempenha um papel crucial em


todas as facetas de nossas vidas. É parte integrante do relacionamento interpessoal e
interações sociais na comunicação face a face, onde as informações são transmitidas
através de sinais não verbais, como gestos e sinais faciais expressões (OMS,2019, p. 3).

Por isso, é necessário apresentar materiais multissensoriais e de metodologia


inclusiva para atender à demanda de docentes da educação básica que se interrogam com
o que fazer ao receberem em suas salas de aula alunos cegos ou com baixa visão.
(CAMARGO, 2016. p.26-27). É preciso planejar e conduzir atividades que deem conta
de atender o que é comum e o que específico entre alunos cegos, de baixa visão e videntes.

O ensino para alunos com deficiência visual realça a relação entre o campo de
conhecimento e a diversidade humana, trazendo à tona discussões sobre perfis e ritmos
de aprendizagem, importância das múltiplas percepções para a construção de
conhecimentos científicos e ainda “põe em pauta a relação entre tipo de deficiência e
características de uma determinada disciplina escolar” (CAMARGO, 2016. p. 27). Logo,
a ideia inicial era conseguir demonstrar a esses alunos (deficientes visuais) os exemplos
que usávamos em sala de aula, nos exercícios da lista. Depois fomos aprimorando à
medida que esses alunos demonstravam interesse e nos trouxeram curiosidades e dúvidas
que tinham acumulado durante as aulas (Figura 3).

Uma investigação feita por Camargo (2006) mostrou como futuros professores de
Física se comportam ao receberem em suas salas de aula alunos com deficiência visual,
em que muitas das vezes se veem envolvidos em ambientes que segregar o ensino em sala
de aula, o que ele chama de:

“modelo quarenta mais um, onde o quarenta diz respeito à média de alunos
videntes em uma sala de aula, o um ao estudante com deficiência visual e a
soma à ideia de que esse último estudante, de fato, não pertence à aula principal

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e que o docente terá um trabalho adicional. O modelo focalizado transforma-
se em um problema ao professor (...), pensa que terá que construir dois
materiais, dois experimentos, preparar duas aulas, uma para o estudante com
cegueira ou baixa visão, e outra para alunos videntes” (CAMARGO, 2016,
p.29)

Figura 3: Alunos interagindo com a atividade (Fonte: acervo pessoal)

A formação docente não prepara os professores para trabalhar com semelhanças


e diferenças, vivemos numa sociedade que entende a diferença como algo polar, existindo
em oposição de 180º e para superar esse problema, Camargo (2016) apresenta o conceito
de “didática multissensorial/multissensorialidade”, de modo a elaborar e conduzir
atividades de ensino adequadas para estudantes com e sem deficiência visual, atendendo
às diferentes necessidades dos alunos estando, assim, de acordo com os princípios da
inclusão.
Com base nas pesquisas que vem sendo realizadas, fomos sentindo a necessidade
de modificações. Ao todo fizemos três protótipos.

Na primeira elaboração, foi feita com papelão e cola quente (figura 4). O papelão
foi cortado em tamanhos diferentes para se aproximar dos esquemas utilizados para
representar circuitos elétricos com os fios, fontes e resistências elétricas. E o caminho a
ser seguido pela corrente elétrica foi desenhado com cola quente, para que fosse criado
um relevo tateável aos alunos.

Figura 4: circuito elétrico no papelão e detalhes do material (Fonte: acervo pessoal)

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Durante a tentativa de aplicação da primeira montagem, percebemos o difícil
manuseio do material pelos alunos e a dificuldade na junção das peças sem que corresse
algum risco de machucar os alunos (Figura 5). Além disso, essa versão se torna não tão
atrativo para pessoas com baixa visão, pela cor escura do papelão impedir um bom
contraste para eles. O kit completo de papelão acabou ocupando muito espaço e pelo
acúmulo de pontos negativos, resolvemos modificar o material.

Figura 5: alunos manuseando o material (Fonte: acervo pessoal)

Os alunos nos sugeriram o uso de velcro para as modificações, assim, elaboramos


a segunda versão com onde os “fios” passaram a ser feitos na cartolina e eram fixados a
uma outra pelo uso de velcro (Figura 6).

Figura 6: segunda versão do material de cartolina, cola quente e velcro (Fonte: acervo pessoal)

Essa versão se tornou muito mais atrativa por haver contraste de cores e ter uma
montagem facilitada, porém com o alto manuseio (figura 7), ela demonstrou ser frágil
soltando pedaços de cola quente da cartolina. O que nos fez elaborar a terceira e, por
enquanto, última versão para a atividade.

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Figura 7: alunos interagindo com a atividade (Fonte: acervo pessoal)

DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE

A partir das dúvidas trazidas pelos alunos nas duas primeiras versões da atividade,
percebemos a importância de não começarmos diretamente da montagem de circuitos
elétricos, mas voltarmos alguns passos trabalhando com cada elemento de sua
composição. Para isso, a aplicação necessitou ser dividida em cinco atividades
distribuídas em dois diferentes encontros, cada um com dois tempos de aula de 45 minutos
(PIMENTEL, 2020). No primeiro encontro, três atividades, com o intuito de discutirmos
os conceitos de: corrente elétrica (1ª atividade), resistência elétrica (2ª atividade) e fontes
(3ª atividade) para que no segundo encontro pudéssemos trabalhar com as características
das associações de resistores (4ª atividade) e montagem de circuitos elétricos (5ª
atividade).

Após passar por todas as modificações, optamos por trabalhar com o kit
construído com canaletas de PVC, cola quente, miçangas e fita dupla face relacionados
(tabela 1). Para a criação do kit (Figura 8), utilizamos duas canaletas de PVC cortadas em
vários pedaços de aproximadamente 30cm que foram distribuídos por cada parte
atividade, de modo a facilitar a aplicação e miçangas de 1,3cm, 0,8cm e 0,5cm de cores
diferentes, além de mata-juntas – também de PVC – para ser feita a ligação entre as
canaletas.

Tabela 1: relação materiais utilizados com a representação (fonte: autores)

Materiais utilizados Para representar


Canaleta Fios
Miçangas Carga elétrica / Corrente
Canaletas com miçangas coladas Resistores
Canaleta inclinada Fonte

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Figura 8: kit final sendo utilizado (Fonte: acervo pessoal)

O material desenvolvido tem o objetivo de auxiliar no ensino da Eletrodinâmica,


basearemos essa sessão em três livros: (FILHO; XAVIER, 2016), (GUIMARÃES, 2010)
e (HEWITT, 2011), sendo o primeiro utilizado pelo colégio em que a atividade foi
aplicada

É importante salientar que para essa atividade consideramos apenas circuitos


elétricos de corrente contínua e que não utilizamos um roteiro impresso para que os alunos
respondessem às perguntas.

A última versão também foi aplicada, mas, devido ao calendário escolar, não
pudemos fazer a aplicação da atividade conforme o planejado. Além disso, essa aplicação
foi feita com um grupo diferente daquele que auxiliou à elaboração e desenvolvimento da
atividade, sendo aplicada em 1h para um aluno de baixa visão e uma aluna vidente e
ambos os alunos ainda não haviam tido contato com o conteúdo a ser abordado pela
experiência.

Os alunos foram levados para uma sala do laboratório de Física do colégio Pedro
II – São Cristóvão III (Figura 9) e antes da atividade começar foi colocado um gravador
de voz de modo a ser analisada posteriormente, apresentada e detalhada em Pimentel
(2020).

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
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Figura 9: foto da atividade sendo aplicada com os alunos (Fonte: acervo pessoal)

Ao trabalharmos com alunos portadores de deficiência visual (DV), percebemos


que o manuseio do experimento antes da atividade faz com que eles se preocupem em
responder às questões relacionadas ao fenômeno ao invés de perguntar sobre o material.
Primeiro, apresentamos aos alunos os materiais que utilizaríamos durante toda a
atividade, de modo que eles manuseassem e se familiarizassem com o kit. Conforme
avançamos nas etapas das atividades, disponibilizamos apenas os itens que seriam
utilizados para que não houvesse um excesso de informação na mesa.

PRIMEIRA ATIVIDADE: CORRENTE ELÉTRICA

Para essa parte da atividade pegamos a canaleta, duas caixinhas, e várias miçangas
de 0,8cm, conforme a figura 10. Primeiro, deixamos uma caixinha cheia de miçangas e
pedimos para que os alunos passassem todas as miçangas para a outra caixinha, nossa
única exigência era que as miçangas precisavam passar pela canaleta. Cada aluno teve o
tempo de execução cronometrado. Posteriormente a todos os alunos terem feito o
transporte das miçangas, questionamos sobre a diferença nos tempos de cada pessoa e se
esse tempo mudaria caso colocássemos mais miçangas para serem transportada, de modo
que houvesse a percepção de que a intensidade média de corrente elétrica depende do
tempo que certa quantidade de carga (as miçangas) demora para atravessar certa sessão
transversal (no nosso caso, a canaleta).

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Figura 10: parte do kit utilizado para o "transporte das miçangas" (Fonte: acervo pessoal)

O problema aqui era a possível interpretação da não instantaneidade da corrente


elétrica, por isso, foi perguntado aos alunos “Se demora um tempo para que as miçangas
passem pela canaleta, como é que assim que conectamos o carregador de celular na
tomada ele logo acusa que o aparelho está sendo carregado, independentemente do
tamanho que o cabo do seu celular tenha?” – é importante salientar que utilizamos
exemplos que sejam não visuais e que sejam comuns no dia a dia dos alunos –. Depois da
discussão pegamos os mesmos materiais utilizados com a diferença de que a canaleta já
estava cheia de miçangas, vide figura 11, e pedimos para que eles tentassem repetir a
experiência pedida anteriormente, fazendo com que ao colocar uma miçanga na canaleta
ela “empurrasse” a miçanga da outra extremidade.

Figura 11: canaleta cheia de miçangas (Fonte: acervo pessoal)

SEGUNDA ATIVIDADE: RESISTÊNCIA ELÉTRICA (SEGUNDA LEI DE


OHM)
Nessa parte da atividade trabalhamos com as possíveis variáveis que um resistor
apresenta, são elas: área, comprimento e tipo de material. Para todas as etapas pedimos
aos alunos que fizessem o transporte de miçangas assim como foi feito na primeira parte
da atividade e utilizamos 5 pedaços de canaletas diferentes.

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Primeiro, pegamos duas canaletas de mesmo comprimento, porém uma mais
“fina” que a outra (figura 12) pedimos para que as miçangas fossem novamente passadas
de uma caixinha à outra e perguntamos aos alunos “Por onde foi mais ‘fácil’ a corrente
passar?” de modo que os alunos escolham a mais larga, já que a área influência de forma
inversamente proporcional.

Figura 12: canaletas de áreas diferentes (Fonte: Acervo pessoal)

A segunda coisa que influencia na resistência é o comprimento do resistor.


Pegamos duas canaletas, agora de mesma área da sessão transversal a só que com
comprimentos diferentes (figura 13) e pedimos aos alunos para que repetissem o
procedimento.

Figura 13: canaletas de mesma largura e comprimentos diferentes (Fonte: acervo pessoal)

Para a última variante da resistência colamos miçangas distribuídas com


espaçamentos diferentes nas paredes de duas canaletas (figura 14), tipo uma corrida de
obstáculo de modo a representar materiais diferentes que consequentemente fariam com

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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que os elétrons se comportem de forma diferente na passagem de corrente. Evidenciou-
se o fato de as miçangas utilizadas serem iguais, já que todos os elementos possuem
elétrons iguais, mas com número e distribuições diferentes.

Figura 14: canaletas de mesmo tamanho e largura, mas com mais ou menos obstáculos (Fonte: acervo pessoal)

TERCEIRA ATIVIDADE: FONTE ELÉTRICA

Para que a corrente se movimente de forma ordenada é necessário a presença de


uma fonte elétrica. Em nosso modelo, para que as miçangas passem pela canaleta, era
necessário que alguma pessoa fizesse essa movimentação. Apesar disso, essa não foi a
nossa primeira colocação nessa etapa. Começamos com uma canaleta formando um plano
inclinado (Figura 15) e perguntamos ao aluno se seria “natural que a miçanga suba pela
rampa” para passar de uma caixinha para outra. Relembramos a primeira atividade desse
primeiro dia ao lembrarmos que cada aluno obteve um tempo diferente para o transporte
das miçangas, e isso se dá porque cada aluno ser uma “fonte elétrica diferente”.

Figura 15: canaleta como plano inclinado para transporte de miçangas (Fonte: acervo pessoal)

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TIPOS DE ASSOCIAÇÕES DE RESISTORES

Primeiro, foi necessário que os alunos entendessem os possíveis tipos de circuitos


elétricos e as características de cada um dele. Para esse kit priorizamos o aspecto
qualitativo de modo à compreensão das consequências para as grandezas que foram
conhecidas no primeiro dia de aplicação.

Figura 16: associação de resistores em série (Fonte: acervo pessoal)

Nessa parte da atividade colocamos duas associações com todas as resistências


iguais à frente deles: uma em série (Figura 16) e outra em paralelo (Figura 17) sem dizer,
por ora, qual é o nome e pedimos para que eles façam o percurso da corrente por cada um
deles, após a discussão do comportamento da corrente em cada uma das associações,
mudamos uma resistência em cada associação para que eles possam comparar como a
corrente se comporta para diferentes tipos de resistências numa mesma sequência e qual
a consequência disso na tensão.

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Figura 17: associação de resistores em paralelo (Fonte: Acervo pessoal)

Por último, fizemos uma montagem mista de resistores e pedimos para os alunos
explicarem qual seria o comportamento da corrente e da tensão em cada resistor e em
todo circuito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro contato da primeira autora com atividades investigativas se deu através


do PIBID/UFRJ – Física onde foi percebido o quanto o ensino de Física pode ser mais
atrativo para os alunos. Além disso, o projeto possibilitou a criação de materiais em que
todos os alunos presentes em sala de aula pudessem participar, independentemente de ter
ou não algum tipo de deficiência, fato que a graduação não prepara para encarar, tornando,
assim, professores mais preparados para os desafios da prática de sala de aula ao estarem
em contato com o projeto.

Desenvolvendo propostas como essas, buscamos privilegiar um modelo em que o


aluno faz parte do processo de ensino. Nesse tipo de atividade investigativa, os
professores e licenciandos também passam de avaliadores para avaliados, pois são
continuamente forçados a pensar, montar diferentes estratégias de aulas e devem estar
sempre prontos para situações problemas, pelas quais ainda não havia passado. É
desafiador, contudo, o retorno poderá ser mais confortante e efetivo para a aprendizagem
do aluno. A satisfação maior das nossas atividades é perceber que nossos alunos atingiram
os objetivos propostos, ou planejados, nos roteiros de atividades. Vale salientar também
a importância de se lançar um problema aberto ao nosso aluno, onde ele não objetiva
apenas um resultado numérico final, mas sim uma sequência de raciocínios que o valoriza
nesse processo de formação do conhecimento.

Para a criação do material fizemos questão de aplicar com alunos deficientes


visuais para que eles pudessem nos guiar e, assim, fazermos mudanças no kit de modo a
um melhor aproveitamento. Tentamos criar uma atividade que trabalhasse
macroscopicamente um assunto que se tratar de elementos de ordem microscópica e por

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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isso se torna abstrato já que não pode “ser visto” pelos alunos assim como outros
conteúdos da Física.

Mesmo que, inicialmente, nosso público-alvo eram os alunos com deficiência


visual, a atividade se mostrou capaz de ser acessível, se tornando uma atividade de caráter
inclusivo, de modo que todo e qualquer aluno têm acesso ao conhecimento através dela
quando o conteúdo de circuitos elétricos for o tema.

Falar de Ensino inclusivo está muito ligado às discussões de aplicação de


atividades investigativas, pois é se pautar na necessidade do aluno e abandonar o ensino
transmissivo para adotar uma pedagogia ativa, dialógica, interativa, integradora, que haja
troca de saberes entre os alunos e professores e que se contraponha à visão hierárquica do
saber.

A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas maneiras, e quase sempre o que
está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões do saber escolar. A escola se
democratizou, abrindo-se para novos grupos sociais, mas não fez o mesmo em relação
aos conhecimentos trazidos por esses grupos às salas de aula. E as Universidades,
formadoras de professores, quase nunca discutem a diversidade de alunos com
deficiências. Os sistemas escolares relutam em mudar de direção porque estão
organizados em um pensamento que permite dividir os alunos em normais e com
deficiência, em modalidades de ensino regular e especial e os professores especialistas
nesse e naquele assunto.” (MANTOAN, 2015, p.22-23)

Um dos fatores produtores da exclusão de alunos cegos ou com baixa visão da


participação de aula é a comunicação construída entre docentes e discentes videntes. A
sala da aula pode ser caracterizada como um ambiente no qual seus participantes tentam,
por meio da linguagem, comunicar-se – o termo tentativa é utilizado por Camargo (2016)
pois em muitas situações a comunicação pretendida não ocorre, sendo possível interpretar
a sala de aula como um lugar de comunicação pretendida acerca de significados.

Sendo assim, se o que pretendemos é que a escola seja inclusiva, é urgente que
seus planos se redefinam para uma educação voltada à cidadania global, plena, livre de
preconceitos, que reconhece e valoriza as diferenças.

Precisamos parar de fazer apenas a inserção de alunos com deficiência nas escolas
comuns, permitindo que o aluno tenha a oportunidade de transitar no sistema escolar entre
a classe regular e o ensino especial fazendo com que a escola não mude como um todo,
mas os alunos têm de mudar para se adaptarem às suas exigências, sendo assim, uma
justaposição do ensino especial ao regular e partirmos para a inclusão, questionando não
somente a “inserção” como as políticas e organização da educação especial e da educação
comum. A inclusão é produto de uma educação plural, onde as ações educativas convivem
com a diferença e a aprendizagem como experiência relacional, participativa, que produz
sentido para os alunos, pois contempla sua subjetividade, embora construída no coletivo
das salas de aula.

REFERÊNCIAS

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
_______________________________________________________________________
BARRETO FILHO, Benigno. Física aula por aula : Eletromagnetismo, física
moderna, 3º ano / Benigno Barreto Filho, Claudio Xavier da Silva. – 3. Ed. – São Paulo:
FTD, 2016.

CAMARGO, Eder Pires de. Inclusão e necessidade educacional especial:


compreendendo identidade e diferença por meio do ensino de física e da deficiência
visual. São Paulo. Editora Livraria da Física, 2016.

DRIVER, R, et al . Construindo o conhecimento científico na sala de aula. In: Química


Nova na Escola. N9, Maio, 31-40, 1999

FREIRE, PAULO Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33


ed.São Paulo: Paz e terra, 1997.

GIROUX, H. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da


aprendizagem. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artmed, 1997. 270p

GUIMARÃES, Luiz Alberto Mendes. Física: Eletricidade e Ondas/ Luiz Alberto


Guimarães, Marcelo Cordeiro Fonte Boa; [Ilustrações Marcelo Pamplona]. Niterói, RJ.
Galera Hipermídia, 2010.

HEWITT, P. G. Física conceitual / Paul G. Hewitt ; tradução : Trieste Freire Ricci;


revisão técnica: Maria Helena Gravina. – 11. Ed. – Porto Alegre : Bookman, 2011.

MANTOAN, M. T. E. Inclusão Escolar – O que é? Por quê? Como fazer?. 2ª


reimpressão. São Paulo: Summus Editorial, 2015.

MOREIRA, M.A. A pesquisa em educação em ciências e a formação permanente do


professor de ciências. In: Educación Científica. Alcalá: Universidad de Alcalá, 1999. p.
71-80

NÓVOA, A. (Org) Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992. 214 p. Colecção
Ciências da Educação, 4. (2a. ed. 1995). Localização: CRE, USP, UNESP, UNICAMP

NÓVOA, A. coord. - "Os professores e a sua formação". Lisboa : Dom Quixote, 1992.
ISBN 972-20-1008-5. pp. 13-33

Organização Mundial da Saúde (OMS). World report on vision. Geneva: World


Health Organization; 2019. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Disponível em: <
https://bit.ly/2AospvY >. Acesso em 12 de novembro de 2021.

PIMENTEL, A. G. Circuitos elétricos: uma proposta investigativa inclusiva.


Orientadora: Deise Miranda Vianna. Coorientador: Sandro Soares Fernandes. Trabalho
de conclusão de curso (graduação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto
de Física, Licenciatura em Física, 2020.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 10 ed. Petrópolis-RJ: Vozes,


2010.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
_______________________________________________________________________
SASSERON, L. H.; MACHADO, V. F. Alfabetização Científica na prática: inovando
a forma de ensinar Física.1. Ed. São Paulo. Editora Livraria da Física, 2017

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13. ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS NO ENSINO DE
CIÊNCIAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE
ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA

Ana Paula Boff36


Gisele Soares Lemos Shaw37
Rosangela Vieira de Souza38

REFLEXÕES INICIAIS

Nas três últimas décadas, a partir da luta e da militância dos


movimentos sociais, as pessoas com deficiência tiveram os seus direitos civis e políticos
reconhecidos no Brasil. Considerando o contexto educacional, foi o movimento de pais,
pessoas com deficiência e profissionais da educação que impulsionou a discussão e a
defesa da inclusão escolar desse segmento populacional na rede regular de ensino. Assim,
de acordo com as políticas educacionais atuais, os estudantes com deficiência têm o
direito de acesso, participação e aprendizagem em sistema educacional inclusivo em
todos os níveis (BRASIL, 2008; 2015).

A educação inclusiva apresenta uma abordagem ampla, que não diz respeito
apenas à inserção dos estudantes com deficiência na escola comum, pressupondo o acesso
e a aprendizagem de todos, a partir de práticas pedagógicas que contemplem as
necessidades individuais e coletivas de determinada turma. A inclusão pode ser
compreendida como “[...] uma reação aos valores da sociedade dominante e ao
pluralismo, entendido como uma aceitação do outro e incorporação da diferença [...].”
(MANTOAN, 2015, p. 24). Cabe esclarecer que, neste capítulo, nos dedicamos a refletir
sobre estratégias didáticas que atendam às singularidades educativas de estudantes com
deficiência, Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e altas habilidades/superdotação
— que compõem o público-alvo da educação especial (BRASIL, 2008).

A partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva instituída em 2008 (PNEEPEI), a educação especial foi reconhecida como uma
modalidade de ensino responsável por ofertar o atendimento educacional especializado
(AEE) de forma complementar ou suplementar ao público supracitado, visando equiparar
as condições de permanência e aprendizagem na sala de aula (BRASIL, 2008). Para
Mantoan (2015), a educação especial na perspectiva inclusiva possibilita a concretização
de uma escola para todos, em que não há discriminação de qualquer natureza.

36
IFSC, ORCID https://orcid.org/0000-0002-6568-0006
37
UNIVASF, ORCID https://orcid.org/0000-0001-5926-2679
38
UNIVASF, ORCID https://orcid.org/0000-0002-7267-0164

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Em face disso, as discussões na área educacional precisam estar direcionadas ao
direito de aprendizagem dos estudantes atendidos pela educação especial, visando “[...]
olhá-los como sujeitos que têm potencialidades e podem se beneficiar do processo de
escolarização.” (MELO; MAFEZONI, 2019, p. 111). Nesse ínterim, a partir da ampliação
das políticas públicas educacionais pautadas nos direitos humanos, a exemplo PNEEPEI
(BRASIL, 2008) e da Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), observamos avanços
no sentido de assegurar o direito à educação e ao acesso à escola comum desse público
que historicamente foi invisibilizado. Apesar dessa garantia jurídica, precisamos adensar
o debate acerca do direito à aprendizagem (MELO; MAFEZONI, 2019).

Neste estudo, entendemos a deficiência a partir da perspectiva do modelo social,


na qual a pessoa com deficiência é “[...] aquela que tem impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas.” (BRASIL, 2015, n. p.). O modelo social defende que
as experiências de opressão vivenciadas pelas pessoas com deficiência não estão na lesão
corporal — assim como pressupõe o modelo médico —, mas são produzidas socialmente
(DINIZ, 2007).

De acordo com a LBI, as barreiras obstaculizam a participação das pessoas com


deficiência nos mais variados âmbitos sociais. Assim, para que a inclusão escolar de
pessoas com deficiência visual, síndrome de Down e TEA ocorra, faz-se necessária a
construção de ambientes, práticas e recursos didáticos acessíveis que permitam o acesso,
a permanência e a aprendizagem de estudantes com deficiência na escola e, mais
especificamente, na educação em ciências.

No que tange ao ensino de ciências em uma perspectiva inclusiva, Comaru (2017)


salienta que a temática aparece ainda de modo incipiente nos eventos e publicações da
área. Desse modo, a fim de contribuir com reflexões teórico-práticas para a formação e
atuação do professor dessa disciplina em uma perspectiva de valorização das diferenças
humanas, este capítulo tem como objetivo apresentar estratégias didáticas para o ensino
de ciências visando à inclusão escolar de estudantes com deficiência visual, síndrome de
Down e TEA.

A partir de uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa e exploratória


discorremos sobre as singularidades, as estratégias de comunicação e a relação
professor/estudante, os procedimentos de ensino e a avaliação do processo educativo
relacionados ao público supracitado. Esse recorte foi escolhido por abarcar as temáticas
pesquisadas pelas autoras, assim como por corresponder a um segmento populacional
com matrículas crescentes na Educação Básica.

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO ENSINO DE CIÊNCIAS

A educação inclusiva constitui-se como uma proposta à educação humana e


emancipadora, que reconhece as diferenças individuais, entendendo que os estudantes são
pessoas únicas e singulares (MANTOAN, 2015).
Considerando os estudantes com deficiência visual, síndrome de Down e TEA no
contexto da Educação Básica, tendo como fundamento a Teoria Histórico-Cultural,
compreendemos que a aprendizagem e o desenvolvimento se relacionam dialeticamente,
por meio de uma complexa articulação entre os aspectos biológicos e culturais. Nesse

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contexto, as pessoas com deficiência podem se beneficiar do processo de aprendizagem
assim como as demais (VYGOTSKI, 1997), ou seja, “a diferença no encaminhamento
das ações e da prática é o trabalho com oferecimento de técnicas, instrumentos e métodos
didático-pedagógicos.” (MELO; MAFEZONI, 2019, p. 104). Dessa forma, crianças com
deficiência devem ser estimuladas desde cedo, e o ambiente educacional precisa utilizar
recursos educacionais adequados para que ela possa se apropriar dos conhecimentos
sistematizados (VYGOTSKI, 1997).

Em confluência com o exposto, Comaru (2017) focaliza que todos os estudantes,


independentemente de quaisquer características sócio-econômicas, culturais e/ou
relacionadas à deficiência, têm o direito de ser acolhidos nas escolas regulares a partir de
práticas pedagógicas que promovam a efetiva inclusão nas aulas de ciências. Conforme a
autora, para que os objetivos educacionais dessa disciplina sejam alcançados, é necessário
que o professor conheça os recursos e as opções metodológicas que se coadunam com o
perfil dos estudantes e com os conteúdos a serem ministrados.

A ciência objetiva a construção de conhecimentos para que o ser humano possa


compreender o mundo e os fenômenos, portanto, é fundamental que os conhecimentos
científicos sejam acessíveis a todos os estudantes (MÓL; DUTRA, 2019). Chassot (2003)
descreve a ciência como uma linguagem — que se apresenta a partir da linguagem
científica —, enfatizando a “[...] necessidade de fazermos com que a ciência possa ser
não apenas medianamente entendida por todos, mas, e principalmente, facilitadora do
estar fazendo parte do mundo.” (p. 93). O autor salienta que a inclusão social é uma das
dimensões que perpassa a alfabetização científica, visto que esta última possibilita aos
estudantes, dentre outros aspectos, a compreensão acerca das utilidades da ciência e suas
aplicações na vida cotidiana, assim como as implicações negativas de seu
desenvolvimento.

Similarmente, Becalli, Kauark e Santos (2017) discorrem sobre a importância da


alfabetização científica, apontando que essa alfabetização favorece posicionamentos e
tomadas de decisões, em situações que envolvem o estudante, a ciência, a tecnologia e o
contexto socioambiental em que estamos inseridos. Em função disso, torna-se necessário
que todos os estudantes possam compreender as relações entre ciência, tecnologia e
sociedade, de modo a participar e intervir na sociedade (BECALLI; KAUARK;
SANTOS, 2017).

No que se refere ao ensino de ciências na Educação Básica, sobretudo no Ensino


Fundamental, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um dos
objetivos é o desenvolvimento da “[...] capacidade de compreender e interpretar o mundo
(natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes
teóricos e processuais das ciências.” (BRASIL, 2018, p. 321). Desse modo, sem esgotar
a discussão, apresentamos nas seções a seguir, as estratégias didáticas que podem
contribuir com a atuação docente no ensino de ciências visando uma educação para todos.

ESPECIFICIDADES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SUA


CORRELAÇÃO COM PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM
O ensino de ciências, historicamente, se constituiu como uma área
majoritariamente visual, limitando e/ou impedindo o acesso de estudantes com
deficiência visual ao conhecimento científico (SOLER, 1999).

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A deficiência visual (DV) abrange a cegueira e a baixa visão, que podem se
manifestar de forma congênita ou adquirida. A DV não é única e homogênea, ou seja,
cada pessoa a vivencia de modo singular, exigindo intervenções e estratégias didáticas
diferenciadas de acordo com as demandas apresentadas por cada estudante. Por isso, antes
da elaboração de materiais e recursos didáticos, os profissionais da educação precisam
conhecer as necessidades que ele apresenta (ALVES et al., 2019).

Cabe destacar que, algumas pessoas cegas possuem percepção de luz e sombras,
enquanto outras não, assim como não são todos os cegos que conhecem e utilizam o
sistema Braille. Do mesmo modo, pessoas com baixa visão podem necessitar de um
tamanho de fonte (letra) ampliado, ou ainda que os materiais impressos e slides
apresentem contraste de cor e brilho, uso de lupa, dentre outros, a ser orientado por um
médico oftalmologista, ao passo que, para outras pessoas com o mesmo diagnóstico, esses
recursos podem não ser indicados. Ademais, há que se considerar que “[...] o
desenvolvimento e a aprendizagem de uma criança que nasce com cegueira congênita, ou
que perde a visão pouco tempo depois do nascimento, serão diferentes das crianças em
que a perda da visão ocorreu em etapas posteriores de sua vida.” (ALVES et al., 2019, p.
139).

Conforme Santos et al. (2021), a DV impacta a vida e as possibilidades de


aprendizagem, sobretudo na infância, o que pressupõe a criação de estratégias que
promovam a inclusão dos estudantes com essa condição em todos os âmbitos sociais.

À vista disso, salientamos que o processo de ensino e aprendizagem de todos os


estudantes é permeado por fatores sociais, culturais, biológicos, afetivos, dentre outros.
Como professores, nosso objetivo deve ser o de oportunizar às pessoas com e sem DV,
os meios para aprender e se desenvolver em cada etapa ou modalidade de ensino. Para
tanto, um aspecto central é entender que a DV é um fenômeno social (CAMARGO, 2020).
Nesse ínterim, ponderamos que, o docente que trabalha a partir dessa perspectiva estará
aberto para aprender e ensinar com as singularidades dos estudantes com cegueira e baixa
visão.

REFLEXÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS PARA A INCLUSÃO DE


ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL

Tendo como base os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, que confere


destaque ao papel da cultura no processo educativo de estudantes com DV, entendemos
que a atuação do professor é fundamental para a aprendizagem e desenvolvimento desses
indivíduos. Sob o entendimento de que “a palavra vence a cegueira” (VYGOTSKI, 1997,
p. 107), torna-se necessário que sejam planejadas estratégias didáticas que propiciem a
interação social e a participação de todos os estudantes nas atividades propostas, visando
à aprendizagem dos conhecimentos científicos.

De acordo com Cerqueira e Ferreira (2017), os recursos didáticos são de


fundamental importância na educação dos cegos, pois destinam-se a “[...] auxiliar o
educando a realizar sua aprendizagem mais eficientemente, constituindo-se num meio
para facilitar, incentivar ou possibilitar o processo ensino-aprendizagem.” (p. 1). Nesse
sentido, considerando as singularidades da pessoa com DV, a pedagogia multissensorial,
também chamada de didática multissensorial (SOLER, 1999) é uma possibilidade para
que estudantes com e sem deficiência acessem os conteúdos curriculares.

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Na didática multissensorial são utilizadas estratégias táteis, auditivas, olfativas,


visuais, a fim de ampliar as oportunidades de aprendizagem de toda a turma e equiparar
as condições de acesso ao conteúdo para o estudante com DV. Além disso, essa didática
permite explorar diferentes estratégias de ensino de ciências e utilizar diferentes canais
sensoriais — tato, olfato, visão, audição e paladar — como ferramenta para a construção
do conhecimento científico (GURIDI; DARIM; CRITTELLI, 2020).

Para Soler (1999), os diferentes canais sensoriais atuam “[...] como canais de
entrada de informações cientificamente muito valiosas na observação” (p. 18), tendo
como destino comum o cérebro onde as informações se inter-relacionam e promovem a
aprendizagem. Alves et al. (2019) ponderam que, ao serem planejadas atividades que
estimulam o maior número possível de sentidos humanos, os conceitos científicos podem
ser percebidos e apreendidos de maneira ampliada pelos estudantes.

Dessa forma, citamos algumas estratégias que podem ser planejadas pelo
professor de ciências visando à aprendizagem de estudantes com DV, tais como: a) fazer
a leitura de todo o assunto registrado na lousa, slides, descrevendo imagens, tabelas e
gráficos; b) utilizar recursos de tecnologia assistiva (TA), por meio de auxílios para
ampliação da função visual e que traduzem conteúdos visuais em áudio ou informação
tátil, como lupas manuais e eletrônicas, softwares ledores e/ou ampliadores de tela,
gráficos em relevo, materiais coloridos, com contraste, textura e Braille; c) propor
atividades experimentais elaboradas a partir da didática multissensorial; d) disponibilizar
audiodescrição em vídeos e filmes a serem exibidos para a classe; e) perguntar ao
estudante se determinados recursos estão sendo, de fato, acessíveis.

Conforme apontado acima, cabe destacar que a TA se refere a todo o arsenal de


recursos e serviços destinados à ampliação das funcionalidades das pessoas com
deficiência, possibilitando-lhes mais independência e autonomia na vida diária
(BERSCH, 2017). Assim, o contexto e as singularidades de cada pessoa com DV dão
sentido ao uso da TA. No cenário escolar, ela pode ser aplicada na produção de materiais
didáticos para a mediação do conhecimento científico, eliminando as barreiras ao se
ensinar ciências (MÓL; DUTRA, 2019).

Complementarmente, conforme Guridi, Darim e Crittelli (2020), o ensino de


ciências pode ser aprendido por estudantes com e sem deficiência, incorporando aspectos
da didática multissensorial e do desenho universal da aprendizagem (DUA). Para tanto,
diversas estratégias didáticas podem ser utilizadas, como: recursos audiovisuais, ferramentas
computacionais, atividades experimentais, atividades de estudo por projetos e discussões,
dentre outras.

Em relação aos espaços físicos da escola e da sala de aula, torna-se necessário que
sejam acessíveis — contendo piso tátil, identificação dos ambientes, sinalização de
bancos, lixeiras, bebedouros, dentre outros —, priorizando a segurança e a autonomia da
pessoa. Nesse contexto, as crianças com DV podem apresentar dificuldades relacionadas
à coordenação motora, locomoção e orientação no espaço, dificuldade de equilíbrio, “[...]
entretanto, se forem constantemente incentivadas podem aprender a se deslocar com
independência e autonomia.” (SANTOS et al., 2021, p. 3617).

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Assim, um trabalho colaborativo entre o professor de ciências e o de educação
especial é essencial para garantir o direito de aprender de todos os estudantes (MELO;
MAFEZONI, 2019). Ratificamos que a defesa de uma educação inclusiva pressupõe um
trabalho colaborativo entre os profissionais da educação, estudantes e seus
pais/responsáveis.

A partir do exposto, entendemos que as estratégias didáticas utilizadas pelo


professor são ferramentas/meios para aproximar os estudantes dos conhecimentos
científicos, por isso precisam ser acessíveis, intencionalmente planejadas e abarcar de
forma coerente outro elemento fundamental durante o processo de ensino e
aprendizagem: a avaliação.

A avaliação do estudante com DV precisa ser processual e utilizar instrumentos


diversificados — estratégias escritas, orais, em pequenos grupos, portfólio, dentre outras
—, a fim de conhecer o desenvolvimento/conhecimentos apreendidos pelo estudante e
propiciar também a autoavaliação por parte do professor acerca da sua prática
pedagógica.

Ressaltamos que, a avaliação realizada por meio de instrumentos escritos —


amplamente empregada no contexto escolar e universitário — é uma possibilidade (entre
tantas outras!) que pode ser utilizada para avaliar o estudante com DV. Para tanto, a
definição dos instrumentos avaliativos precisa estar em confluência com os objetivos da
aprendizagem, as estratégias didáticas adotadas (procedimentos de ensino, recursos
dentre outros) e atender às necessidades da classe. Ou seja, citando como exemplo a
aplicação de uma prova escrita em uma turma que possui um estudante cego, o professor
precisará conhecer as habilidades sensoriais do discente — táteis, auditivas e visuais
(SANTOS et al., 2021). Saber de antemão se ele domina ou não o código Braille, ou se
tem preferência por responder à atividade no computador utilizando ledores de tela. No
caso de a prova ser em Braille, o professor precisará solicitá-la com tempo hábil à sala de
recursos multifuncionais — ou outro setor a depender de realidade de cada escola —, e
se atentar ao fato de que o estudante poderá necessitar de tempo adicional para realizá-la,
uma vez que a leitura tátil tende a ser mais laboriosa.

Por fim, compreendemos que o conhecimento sobre as especificidades da DV e


da pessoa que a possui, pode corroborar para a mudança da práxis educativa e promover
ações pedagógicas direcionadas para uma formação educacional humana e inclusiva para
todos os estudantes.

ESPECIFICIDADES DAS PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN E SUA


CORRELAÇÃO COM PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

A Síndrome de Down (SD) ou Trissomia do Cromossomo 21 é uma condição


genética bastante conhecida nos dias atuais. Silva e Dessen (2002) relatam que a SD foi
reconhecida como uma manifestação clínica em 1866 por Langdon Down e que em 1932,
Waardenburg, um oftalmologista holandês sugeriu que essa condição genética estava
relacionada a uma disfunção cromossômica. Dois anos depois, Adrian Bleyer, nos
Estados Unidos, supôs que a referida alteração cromossômica se tratava de uma trissomia,
fato que veio a ser comprovado em 1959 com os estudos dos pesquisadores Jerome
Lejeune e Patrícia Jacobs e seus respectivos colaboradores.

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A alteração cromossômica nos indivíduos com SD pode ocorrer de três formas:
trissomia simples — a pessoa possui um cromossomo extra em todos as células —,
translocação — o cromossomo extra se funde a um outro autossomo —, e mosaico —
algumas células possuem um cromossomo extra e outras não (SILVA; DESSEN, 2002).
Cerca de 95% das pessoas com SD tem a trissomia simples. As características que
comumente são atribuídas às pessoas com Down, podem diferenciar-se também em
função do tipo de trissomia.

No geral, essas pessoas possuem suas individualidades, mas apresentam algumas


características em função da síndrome. As mais comuns são hipotonia (certa frouxidão
muscular que interfere no desenvolvimento motor), características fenotípicas (que
variam de sujeito para sujeito sendo comum face arredondada, orelhas pequenas, olhos
amendoados, dentre outras) e deficiência intelectual (DI).

Sendo a DI uma característica comum em pessoas com SD, as pesquisas relativas


à inclusão escolar de estudantes com essa deficiência, constituem contribuições
relevantes no sentido de compreender e ressignificar processos de ensino e aprendizagem
das pessoas com SD.

Schwartzman e Lederman (2017) definem deficiência intelectual como um


transtorno de desenvolvimento que inclui déficits funcionais, tanto intelectuais quanto
adaptativos, afetando questões como raciocínio, planejamento, solução de problemas,
importantes para o desenvolvimento pessoal e sociocultural. Segundo Silva e Kleinhans
(2006), o sistema nervoso da criança com SD apresenta especificidades estruturais e
funcionais que precisam ser consideradas para o sucesso dos processos de ensino e
aprendizagem, não no sentido de vê-los como incapazes, mas no intuito de estimular e
valorizar as potencialidades desse sujeito.

Durante longo período da história, os estudantes com SD ficaram à margem do


processo educativo e estereótipos foram sendo construídos em relação às suas
potencialidades para a aprendizagem. A educação especial tem dado uma contribuição
significativa no sentido de trabalhar o autocuidado e habilidades sociais (BEZERRA;
ARAÚJO, 2011), mas não tem dado conta de superar as dificuldades de aprendizagem
dos estudantes com SD e ou com DI, e fazer com que galguem passos mais elevados de
formação acadêmica. À escola regular cabe assumir seu papel previsto na legislação
brasileira e promover uma educação verdadeiramente inclusiva.

Nessa perspectiva, Pletsch e Glat (2012) enfatizam a necessidade de os


professores da sala de aula comum assumirem a responsabilidade didática pelos
estudantes com deficiência matriculados em suas turmas. As autoras denunciam a
precariedade do processo educativo oferecido ao público com DI, que, acabam não
recebendo investimentos pedagógicos necessários para o adequado desenvolvimento.

Assim, atentar para as especificidades da pessoa com SD torna-se fundamental


para conduzir processos de ensino que considerem seus talentos e interesses (SILVA;
KLEINHANS, 2006) pois, “a capacidade espetacular do organismo humano em se
adaptar ao meio e a plasticidade cerebral estão relacionadas à qualidade, duração e forma
de estimulação que recebe o indivíduo com a síndrome.” (SILVA; KLEINHANS, 2006,
p. 134).

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Ao pensarmos formas de ensino para as pessoas com SD é salutar ter em mente
que apesar da síndrome ser demarcada por um conjunto de características, cada sujeito é
único e traz consigo além das questões genéticas de seus pais e antepassados, a marca do
contexto sociocultural no qual está inserida.

Para Sousa e Nascimento (2018), cada estudante tem seu próprio ritmo e tempo
de aprendizagem. Ao trabalhar com estudantes com SD é fundamental reconhecer e
respeitar suas características pessoais e sua capacidade para aprender. Somente assim,
serão realizadas adaptações razoáveis que podem incluir currículo, agrupamentos da sala
e organização temporal que propicie o desenvolvimento de aprendizagens.

REFLEXÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS PARA A INCLUSÃO DE


ESTUDANTES COM SÍNDROME DE DOWN

Discutir a questão da inclusão escolar é fundamental para o enfrentamento da


exclusão de diversos estudantes na atualidade. Infelizmente, ainda são muitos os que são
segregados do sistema escolar, seja em função da forma como a escola está organizada,
com sua estrutura rígida e fragmentada, seja em função da falta de estratégias que se
adequem às condições e especificidades de todos os sujeitos.

Santos (2012) pondera que a inclusão não requer práticas pedagógicas complexas
quando comparadas às práticas comuns. Mas, exige uma atuação mais próxima com
atenção aos objetivos de ensino e às habilidades envolvidas, elaborando atividades que
possibilitem o engajamento dos estudantes com e sem deficiência, a exemplo de estudos
de caso, materiais concretos para apoiar as atividades, dentre outros.

A aprendizagem dos conhecimentos científicos constitui não apenas um direito


dos estudantes, mas uma necessidade para que estes participem plenamente da sociedade
na qual estão inseridos. Nesse sentido, a escola precisa estar atenta para as singularidades
dos estudantes, entendendo que cada sujeito é único e que somos todos diferentes, sendo
que essa diversidade constitui um aspecto positivo na constituição sociocultural.

Contudo, embora cada sujeito seja único e singular, entender que as pessoas com
SD têm características em função da síndrome é fundamental para elaborar estratégias de
ensino coerentes com as potencialidades desses sujeitos. Um primeiro passo nessa direção
é estabelecer estratégias de comunicação que envolvam escola, família e equipe
terapêutica (caso exista), uma vez que, muitas crianças com SD apresentam atraso no
processo de fala e dificuldade de se comunicar e se fazer entender num contexto marcado
pela verbalização como única forma válida.

Nesse sentido, as estratégias de comunicação alternativa têm muito a contribuir


para melhorar a comunicação e, por consequência, a relação professor-aluno e aluno-
aluno nas salas de aula. Uma sugestão é a construção de pranchas de comunicação
alternativa — uma opção interessante é o uso de imagens em cartões de papel — para
associar a comunicação verbal. Pimentel (2021) afirma que o uso de comunicação
alternativa (oral, gestual, gráfica, etc), além de contribuir para a construção de
significados nos processos de troca e interações, podem também favorecer a ampliação
do vocabulário das crianças com SD.

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Outro aspecto relevante é ter em conta que, em função da síndrome, essas crianças
apresentam um processamento cognitivo mais lento (SILVA; KLEINHANS, 2006), razão
pela qual, se faz necessário o engajamento destes estudantes em atividade de interação e
cooperação com outros estudantes a fim de potencializar seus saberes e estimular a
construção de novas habilidades.

Santos (2012) pondera que é fundamental que o ensino não privilegie a mera
aquisição formal de informações, na qual se adota como estratégia principal a transmissão
ou explicação de conteúdo. Figueiredo, Boneti e Poulin (2017), refletindo sobre a
relevância da diversificação de estratégias de aprendizagem na educação inclusiva
pontuaram que, mais importante que a diversidade de estratégias em si é o espírito sob o
qual elas são formuladas. Os autores sinalizam para a importância de estratégias
pedagógicas que tenham como lastro de sustentação a possibilidade de cooperação e
contribuição entre os estudantes, favorecendo a compreensão de que é possível colaborar
para a aprendizagem dos colegas e aprender nesse processo.

Nesse sentido, Poulin e Figueiredo (2016) apontam a pedagogia da contribuição


como abordagem metodológica pertinente no contexto da educação inclusiva e defendem
que a cooperação entre os pares, pode favorecer tanto para a aprendizagem quanto para a
valorização social dos sujeitos com deficiência.

Numa perspectiva de inclusão dos estudantes com SD no ensino de ciências é


fundamental considerar tanto as características desse público, entendendo inclusive que
este é também um grupo heterogêneo, assim como, a natureza do ensino de ciências.
Como já mencionado anteriormente, a disciplina de ciências apresenta inúmeras
possibilidades de trabalho com imagens, aplicativos, animações, atividades práticas,
construção de modelos, experimentos, etc. Essas atividades podem potencializar a
aprendizagem dos estudantes com SD, uma vez que, por serem atrativas e dinâmicas
possibilitam um maior engajamento, contribuindo para ampliar o tempo de atenção dos
estudantes e a promover a articulação entre as questões vivenciais dos mesmos.

Nesse sentido, Tavares et al (2021) realizaram uma pesquisa a partir de


intervenção pedagógica que objetivou aplicar aulas remotas, no ensino de Química, para
duas turmas compostas por discentes neurotípicos e com SD. As turmas referidas no
estudo eram de primeiro e segundo ano do Ensino Médio, sendo que em cada uma delas,
havia um estudante com SD. Na sequência de atividades realizadas nas aulas foram
utilizados recursos de tecnologias de informação e comunicação a exemplo dos
aplicativos kahoot, beaker, dentre outros.

Os autores afirmaram que a utilização de ferramentas tecnológicas facilitou o


aprendizado de todos os estudantes e tornou a disciplina mais atrativa, inclusiva e
contextualizada com a vivência entre eles. Tavares et al (2021) relataram que a
participação de pessoas neurotípicas e com SD foi positiva tanto no sentido da
participação e interação, quanto em relação à aprendizagem.

Pimentel (2021) realizou pesquisa sobre as possibilidades na formação de


conceitos por crianças com SD na escola comum a partir da mediação pedagógica. A
pesquisadora acompanhou e filmou algumas aulas de ciências em uma turma de segundo
ano do Ensino Fundamental que tinha uma criança de nove anos com SD. A pesquisa
revelou a importância da mediação pedagógica para o sucesso da inclusão e destacou “a

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relevância do trabalho em pequenos grupos, da ação conjunta com os pares, possibilitando
para as crianças a aprendizagem colaborativa.” (p.14). Segundo a autora, a realização de
atividades colaborativas em classes com estudantes com SD, além de favorecer a
aprendizagem, fortalece o processo de inclusão.

Santos (2016) apresentou um relato de experiência no qual desenvolveu uma


sequência de ensino investigativa para trabalhar o conceito de habitat natural dos seres
vivos com uma criança com SD. A atividade investigativa se deu por meio da construção
de uma maquete de um fragmento de meio ambiente retratando as divisões naturais dos
animais e vegetais de acordo com seu habitat natural.

Segundo a autora, o estudante com SD demonstrou interesse e concentração ao


longo do desenvolvimento da atividade além de ter estabelecido associações com
conhecimentos prévios e experiências familiares. Ao pontuar a contribuição do uso de
maquetes para ensinar ciências a estudantes com SD, a autora chama a atenção para a
importância do uso de atividades práticas no sentido de possibilitar a superação das
dificuldades enfrentadas pelos estudantes, ressaltando que esse modelo de ensino precisa
ser contínuo, para que resultados efetivos possam ser alcançados.

Observando os trabalhos citados (POULIN; FIGUEIREDO, 2016; SANTOS,


2016; PIMENTEL, 2021; TAVARES et al, 2021) que elencam a pedagogia da
contribuição, o uso de aplicativos e tecnologias digitais, uso de maquetes, de abordagem
investigativa e enfatizam ainda a importância da mediação de qualidade como fator
crucial para que ocorra a aprendizagem dos estudantes com SD, não é demais chamar a
atenção para que os processos avaliativos sejam construídos a partir de um alinhamento
entre os objetivos de ensino e a metodologia adotada em aula, valorizando, sobretudo, as
potencialidades e as habilidades construídas ao longo do processo.

ESPECIFICIDADES DE PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO


AUTISTA E SEUS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Apesar da heterogeneidade do espectro autista, que dificulta a caracterização geral


de indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo, alguns sintomas da condição são
pré-requisitos para o diagnóstico: problemas no campo da linguagem e comunicação e
dificuldades no campo de interesses e comportamentos (APA, 2014). A diversidade de
manifestações desse transtorno do neurodesenvolvimento, junto à variedade de
consequências a elas relacionadas, indicam parte da complexidade de estudar sobre o
TEA, tanto no campo da saúde, quanto na educação.

A indicação de algumas dificuldades desencadeadas pelo TEA pode favorecer o


processo de inclusão escolar de pessoas autistas dado que, ao invés de rotular o indivíduo,
esse conhecimento pode auxiliar na compreensão do modo peculiar de ser e de viver
dessas pessoas e, assim, explorar as potencialidades do indivíduo. Segundo Matias e
Probst (2018), “a criança com Transtorno do Espectro Autista possui uma percepção
diferenciada do mundo. Seu modo de ver e interagir com as pessoas e com o contexto é
diferenciada.” (p. 168). A compreensão dessas características específicas do TEA — e
que são diversas no âmbito do espectro do autismo — é necessária para instrumentalizar
professores a elaborar estratégias didáticas.

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Por meio de revisão bibliográfica, Matias e Probst (2018) refletiram sobre o TEA
e as especificidades de seus processos educacionais. As autoras explicam que estudos
mostram que apesar de pessoas autistas terem dificuldades na comunicação interpessoal,
é necessário investir em atividades que promovam a interação social na escola. Pesquisas
também mostram que pessoas autistas têm muitas potencialidades intelectuais que devem
ser exploradas por intervenções pedagógicas que respeitem suas especificidades.

Mousinho e Gikovate (2016) entendem as características trazidas pelo TEA como


formas de manifestação de talentos em pessoas autistas. Para os autores, esses talentos se
originam da interpretação das vantagens geradas pelo autismo, como: facilidade no
reconhecimento de padrões; hiperespecialização em assunto de interesse (devido ao
hiperfoco); maior originalidade nas criações (em decorrência da Teoria da Mente); e
atenção a detalhes (devido à Teoria da Coerência Central).

A Teoria da Mente explica que pessoas com TEA têm dificuldades em entender
sentimentos, intenções e pensamentos de outros indivíduos. Isso significa que um dos
desafios na comunicação dessas pessoas se refere à sua não percepção de jogos e signos
sociais. Então, muitas vezes, a pessoa com TEA parece agir de forma inadequada ou dizer
coisas inapropriadas com base nos significados construídos e compartilhados
socialmente. Esses significados são internalizados com base nas percepções do cérebro
neurotípico em sua interação com o mundo e, desse modo, o cérebro autista possui
dificuldades em compreendê-los. Por isso, Willians e Wright (2008) nomeiam essa
condição de Cegueira Mental.

Assim como a Teoria da Mente, a Teoria da Coerência Central explica a maneira


diferenciada como o cérebro autista interpreta o mundo. Enquanto neurotípicos percebem
o ambiente a partir do contexto dele, ampliando depois para a observação de elementos e
fatos particulares, o cérebro autista faz o oposto. Desse modo, a pessoa com TEA pode
se deter em particularidades, e não perceber o que acontece de modo geral à sua volta,
desviando sua atenção, por exemplo, de explicações do professor.
Assim, entendendo as especificidades dessa pessoa, ainda que haja grande
heterogeneidade no espectro, é possível pensar em possibilidades de elaborar estratégias
didático-pedagógicas que possam viabilizar a inclusão de pessoas com TEA no ensino.
Isso se aplica especialmente ao ensino de ciências, que têm potencialidades
metodológicas variadas para a exploração de fenômenos nas aulas.

A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E SUA RELAÇÃO COM A


COMUNICAÇÃO COM A PESSOA AUTISTA

Não existe um manual para o ensino de ciências a pessoas autistas. O ensino,


voltado somente a esse público, de modo dissociado, seria uma educação especial e não
propriamente inclusiva. Entretanto, é possível refletir, a partir do conhecimento de
estudos científicos, das especificidades do indivíduo autista inserido na escola regular e
das reflexões do professor regente, estabelecendo propostas que possam favorecer a
inclusão da pessoa com TEA na classe, colaborando com a turma como um todo.

Quando se trata de Transtorno do Espectro Autista é preciso entender,


inicialmente, que “toda pessoa autista” possui problemas no campo da linguagem e da
comunicação (APA, 2014). Desse modo, esse indivíduo possui dificuldade em um ou nos
dois aspectos — linguagem e comunicação.

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Mesmo que, atualmente, as pessoas com TEA estejam enquadradas num


“espectro”, é preciso reconhecer a existência de particularidades comuns a grupos de
autistas com padrões de características, que acabam por identificá-los. Nesse sentido, no
Sistema de Classificação Internacional de Doenças, o CID-10, o autismo compõe o grupo
de Transtornos Globais do Desenvolvimento, que abrange o autismo infantil, o autismo
atípico, a Síndrome de Rett e Outro transtorno desintegrativo da infância e, conforme essa
padronização, o diagnóstico depende dos atributos apresentados pelo indivíduo (OMS,
1994). Essa avaliação depende de detecção criteriosa de sintomas muito particulares,
gerando dificuldades nessa categorização, principalmente porque o diagnóstico do
autismo é clínico, e depende da utilização de protocolos de análise comportamental.

Nessa perspectiva, pessoas autistas enquadradas no CID-10 como indivíduos com


Síndrome de Asperger costumam não ter problemas na linguagem, podendo, inclusive,
ser denominadas como pequenos gênios na infância, por usarem linguagem rebuscada.
Porém, essas pessoas possuem grandes problemas, relacionados à cegueira mental, o que
as leva a ter graves dificuldades de comunicação e interação social (SILVA; GAIATO;
REVELES, 2009).

Desse modo, a comunicação professor-aluno em sala de aula, depende,


inicialmente, de um relacionamento horizontal, em que ambos estabeleçam relação
baseada em respeito mútuo e diálogo. Depois, a partir do estabelecimento de confiança,
o estudante autista pode se sentir confortável para compartilhar com o professor suas
percepções, sentimentos, necessidades, ainda que de modo não verbal e, assim, esse
docente poderá refletir sobre estratégias favorecedoras ao processo de ensino e
aprendizagem do discente.

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA


INCLUSÃO DA PESSOA COM TEA

Como em qualquer processo educativo intencional, inclusive no ensino de


ciências, é importante planejar estratégias que sejam voltadas ao sujeito em questão, que
considerem suas dificuldades, habilidades, conhecimentos, interesses e potencialidades.
Logo, é preciso conhecer o estudante, não somente no que tange a dificuldades geradas
pela sua deficiência, mas aos demais aspectos apontados. Destaca-se que, alguns casos
envolvem complexidade maior dado que pessoas com autismo costumam apresentar
comorbidades associadas, como dois casos abaixo mencionados.

Coutinho-Souto e Fleith (2021) investigaram a inclusão educacional de um


estudante de onze anos de idade, com dupla excepcionalidade, buscando entender os
fatores que influenciaram o processo. As autoras entrevistaram gestores, professores, mãe
e o próprio estudante, diagnosticado com transtorno de Asperger e superdotação e
identificaram diversos fatores que facilitam a inclusão do menino: políticas públicas
locais; apoio emocional materno; apoio da gestão escolar; AEE na escola; identificação
precoce da superdotação; valorização das habilidades do estudante; e autoconceito
positivo. Contudo, não deixaram de haver dificuldades nesse processo inclusivo.

As dificuldades do processo de inclusão do estudante se relacionaram, segundo


Coutinho-Souto e Fleith (2021), a problemas de interação social, dificuldades

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emocionais, dissonância entre seu desenvolvimento cognitivo e psicomotor, compreensão
literal de contextos e problemas com mudanças de rotina.

Elas destacaram, ainda, a importância do atendimento na sala de recursos para o


desenvolvimento do menino, que contribuiu para: “(a) valorizar suas potencialidades, seu
talento e suas áreas de interesse; (b) aumentar a sua autoestima e seu autoconhecimento;
e (c) desenvolver sua socialização (COUTINHO-SOUTO; FLEITH, 2021, p. 367).

No estudo de Mousinho e Gikovate (2016) foram empregadas diversas estratégias


de ensino de música a estudante autista e cego matriculado no Bacharelado de Canto na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A inclusão do estudante ocorreu
justamente pelo desenvolvimento de planejamentos e ações de ensino que exploraram as
suas potencialidades e driblaram dificuldades. Algumas dessas estratégias foram:
imitação por via auditiva, de modo a explorar o ouvido absoluto dele; construção de
partitura mental, com foco nos padrões apresentados pela professora e pelas músicas; o
ensinamento do uso de sinais de acentuação e sonoridade para explicar as emoções
trazidas pela música; explicação de metáforas pela utilização de elementos concretos e da
propriocepção.

Shaw (2021) pesquisou as potencialidades da disciplina Núcleo Temático


Inclusivo no Ensino de Ciências para formação de licenciandos em Ciências da Natureza
da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Foram apresentados
processos de ensino e aprendizagem em ciências de crianças e jovens autistas que
participaram de oficinas pedagógicas desenvolvidas pelos licenciandos. Esses processos
envolvem enfrentamentos de situações pedagógicas, que exigiram orientações da
professora e conhecimentos sobre autismo dos licenciandos.

Numa oficina que explorou o conteúdo Órgãos dos Sentidos, duas licenciandas
ministrantes se depararam com a recusa de um dos jovens em experimentar sucos, mas
entenderam a situação, cuja possibilidade já havia sido prevista pela professora formadora
que explicou que pessoas com TEA costumam ter dificuldades de processamento
sensorial e apresentar hiper-reatividade ou hiporreatividade em alguns dos órgãos dos
sentidos. Apesar do acontecido, o jovem se divertiu ao explorar um tapete sensorial
apresentado.

Na mesma oficina, um dos jovens se recusou a deixar a atividade com uso do


computador para realizar outra tarefa. Nesse momento, a intermediação da formadora foi
necessária, sendo preciso negociar com ele para que deixasse seu hiperfoco.

De modo geral, pode-se pensar que um ensino favorecedor à inclusão de


estudantes autistas seja baseado no uso de: imagens e objetos concretos; de linguagem
clara, objetiva e coerente; da exploração de atividades em grupos, orientadas pelo
professor; e da adoção de ambiente e recursos com menos estímulos sensoriais (cores,
sons, gostos, cheiros e texturas). No entanto, as estratégias didáticas para a inclusão de
estudantes com TEA dependem de conhecimentos sobre o transtorno e sobre o indivíduo,
além de um processo de planejamento e avaliação da própria prática, visando o
aprendizado do estudante e não propriamente o ensino do professor.

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DE PESSOAS COM TEA

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A avaliação da aprendizagem do estudante autista ou com outra deficiência precisa
ser adequada às suas habilidades, não somente com base em dificuldades. Há de ser
observado todo o contexto, que é complexo por envolver elementos e fatores
diferenciados: a presença da condição e os interesses e habilidades do estudante.

Por exemplo, o estudante cego e autista descrito por Mousinho e Gikovate (2016)
foi avaliado a partir das habilidades que possuía, mas imbricando com suas dificuldades
(nunca limitações!). Assim, foram realizadas provas orais; uso de transcritor para
atividades; e uso de fantoches para encenações.

Na oficina de Higiene Bucal e Alimentação Saudável apontada por Shaw (2021),


as aprendizagens de duas crianças autistas foram aferidas pela realização das atividades
solicitadas e pela satisfação e interesse em realizá-las expostas por eles, ainda que um dos
pequenos tenha manifestado apenas por gestos.

Além disso, é importante destacar que a avaliação da aprendizagem deve ser


voltada à identificação de aspectos a serem melhor construídos e para o planejamento que
promovam essas aprendizagens. Desse modo, além de projetar instrumentos avaliativos
adaptados é necessário pensar em estratégias de intervenção que possam dar continuidade
ao processo de construção de conhecimento por cada estudante. Nessa perspectiva, o
objetivo é que o estudante aprenda e, desse modo, o ato de ensinar passa a ser entendido
como um conjunto de ações voltadas ao sucesso do estudante, foco central do processo.

REFLEXÕES FINAIS

A elaboração de estratégias didáticas para o ensino de ciências para pessoas com


deficiência depende de diversos tipos de conhecimento, tais como os relacionados à
disciplina, aos saberes pedagógicos, às especificidades da deficiência e sobre o próprio
estudante. Assim, ponderamos que não existe um manual para a produção de estratégias
didáticas para pessoas com deficiência, mas é possível, com base em conhecimentos da
docência, da deficiência e sobre o próprio estudante, refletir acerca de ações que possam
favorecer o processo de ensino e aprendizagem desse sujeito. Assim, consideramos as
possibilidades de estratégias didáticas para o ensino de pessoas com deficiência visual,
Síndrome de Down e TEA.

Quanto às pessoas com deficiência visual é possível afirmar que, estratégias


elaboradas a partir da didática multissensorial podem propiciar o acesso e a aprendizagem
aos conhecimentos científicos. A diversificação dos procedimentos de ensino e dos
instrumentos de avaliação, baseadas em diferentes experiências sensoriais para além da
visão, contribuem com o processo educacional de todos os estudantes. Para tanto, é
necessário que a pessoa com DV seja considerada na sua integralidade. Assim, a ausência
da visão representa apenas mais uma das características, dentre tantas outras, que a
constituem como pessoa.

Em relação às pessoas com Síndrome de Down, avalia-se que estratégias de


ensino que façam uso de jogos e aplicativos digitais, bem como, de materiais concretos,
e que sejam ancorados por uma abordagem pedagógica pautada pela cooperação entre os
pares, e ainda, conduzidas sob um processo de mediação cuidadoso, utilizando linguagem
clara e direta, e/ou comunicação alternativa capaz de orientar e estimular a participação

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
_______________________________________________________________________
dos estudantes com a síndrome, têm potencial para fomentar a aprendizagem desses
estudantes.

Assim como as deficiências mencionadas, a inclusão de pessoas com Transtorno


do Espectro do Autismo no ensino de ciências depende de conhecimentos acerca dessa
condição e, também, do modo de ser e viver da pessoa em questão. Isso implica
estabelecer um relacionamento horizontal entre professor-aluno, de modo a sondar
interesses, potencialidades e dificuldades do indivíduo, desenvolvendo aulas que
possibilitem o aprendizado dele e verificando seus avanços.

Em suma, o professor que elabora estratégias didáticas que respeitam os diferentes


ritmos e necessidades de aprendizagem da turma e de cada estudante de modo singular,
estará contribuindo com o processo de ensino e aprendizagem de todos. Portanto,
defendemos um trabalho colaborativo entre os profissionais da educação, os estudantes
com deficiência e seus familiares, de modo que a educação possa, de fato, contribuir para
a construção de uma sociedade inclusiva, que respeita e valoriza as diferenças.

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14. GASTRONOMIA, ACESSIBILIDADE E
INCLUSÃO: ENSINANDO A ROMPER
BARREIRAS

Verônica de Andrade Mattoso39


Helena Carla Castro40
Osilene Sá Cruz41
Não é no silêncio que os homens se fazem,
mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Paulo Freire

AMUSE-BOUCHE

Quanto aprendizado pode o dente de um garfo descartável


atravessado na garganta promover em uma década?

Era dia 04 de dezembro do ano de 2010, prazo final para uma etapa da pesquisa-
ação realizada no Mestrado em Ciência da Informação (MATTOSO, 2012), quando um
fato aconteceu durante o almoço dos convidados com deficiência visual que compunham
a população de pesquisa e visitavam a exposição estruturada para aquele fim. Somente
um ano depois, quando entrevistados, dois participantes relataram que a frágil
composição dos equipamentos descartáveis fizeram com que muitos dispensassem a
comida naquele momento e, mesmo questionados sobre o que estava acontecendo,
preferiram silenciar. Um deles destacou que ao levar à boca o garfo e perceber que neste
faltava um dente, por não enxergar e, consequentemente, sem a possibilidade de saber
onde o dente do garfo estava, parou de comer e ficou com fome (MATTOSO, 2016a,
p.15).

O episódio poderia até ter sido considerado “lixo acadêmico” já que aquela
investigação em Ciência da Informação (MATTOSO, 2012) tinha por objetivo conhecer
o potencial informativo da audiodescrição aplicada a obras de artes visuais
bidimensionais. Entretanto, calou fundo na pesquisadora, comunicóloga e produtora de
eventos que reunia mais de 25 anos de experiência e sabia: todo evento, independente da
tipologia, deve estruturar-se a partir dos princípios da Hospitalidade, os quais evidenciam
laços de reciprocidade entre convivas e anfitriões pelo bem-estar coletivo, desde o
acolhimento ao encerramento.

39
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7866-2915
40
Universidade Federal Fluminense (UFF). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5283-1541
41
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Universidade Federal Fluminense (UFF). ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-6566-8966

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No ano de 2014, Mattoso ingressa na Universidade Federal do Rio de Janeiro para
integrar o quadro de docentes do Curso de Bacharelado em Gastronomia no eixo “Eventos
e Hospitalidade”. No mesmo ano, coordena a realização do V Fórum Gastronomia, Saúde
e Sociedade quando, pela primeira vez, a temática da Acessibilidade Comunicacional
aplicada à Gastronomia foi debatida na UFRJ, evidenciando a relevância da
audiodescrição e da Língua Brasileira de Sinais para promover, respectivamente, a
pessoas com deficiências sensoriais da visão e da audição, o acesso a produtos, serviços
e eventos gastronômicos. Ao final do Fórum, o depoimento do aluno Danilo Vieira, a
seguir, associado ao questionamento de outras duas colegas de Curso, Gisele Moreno de
Barros e Fabíola da Silva Santos, apontaram interesse dos alunos nos estudos sobre
Acessibilidade em Gastronomia e deram origem ao processo que deflagraria a efetivação
do movimento por uma Gastronomia para Todos:

Depois de tudo o que aprendi neste V Fórum sobre acessibilidade e


comunicação, penso que existem dois tipos de cidadãos: os deficientes
e os ignorantes. Os deficientes são pessoas que, assim como eu, por um
déficit informacional, ainda não sabem como conviver plenamente com
todas as pessoas, inclusive com as pessoas com deficiência. E os
ignorantes são aqueles que além de ignorar (no sentido de desconhecer)
as especificidades do universo das pessoas com deficiência não buscam
conhecer, fazem questão de assim permanecer e em nada contribuem
para acabar de vez com a exclusão. (MATTOSO, 2016a, p. 16)

Como mediador entre Educação e Ciência, como deve proceder um professor


diante do interesse de estudantes para um novo aprendizado? Refletir e mover-se em
pesquisa, revisitando ensinamentos, afinal, de acordo com Paulo Freire (1996 apud
MATTOSO, 2012, 2016a) “não há docência sem discência” tampouco “ensino sem
pesquisa e pesquisa sem ensino”.

MISE EN PLACE

A Gastronomia estuda tudo o que relaciona o homem à comida, compreendendo-


se comida como o alimento modificado pela Cultura. Como ciência, remonta ao início do
século XIX, quando, em 1825, Jean-Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826), juiz da
Suprema Corte de Napoleão apaixonado pelos prazeres da mesa, publica, na França, “A
Fisiologia do Gosto”. Após refletir sobre a origem das ciências, as quais foram por ele
denominadas “filhas do tempo”, Savarin aponta que não seria necessário “[...] grande
esforço de inteligência para se convencer de que todas as ciências foram chamadas para
realçar e enquadrar adequadamente os prazeres do gosto [...]”. E, em seguida, definiu “a
nova ciência”:

A gastronomia acabou surgindo e suas irmãs se reuniram para lhe dar


as boas-vindas. Pois, como se poderia rejeitar aquela que nos sustenta
do nascimento ao túmulo, que faz crescer as delícias do amor e a
confiança da amizade, que desarma o ódio, facilita os negócios e nos
oferece, na curta trajetória da vida, o único prazer que não se
acompanha de fadiga e ainda nos descansa de todos os outros? [...] A
gastronomia é o conhecimento fundamentado de tudo o que se refere ao
homem, na medida em que ele se alimenta. Seu objetivo é zelar pela
conservação dos homens, por meio da melhor alimentação possível. Ela
atinge esse objetivo dirigindo, mediante princípios seguros, todos os
que pesquisam, fornecem ou preparam as coisas que podem se

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converter em alimentos. [...] A gastronomia governa a vida inteira do
homem; pois os choros do recém-nascido reclamam o seio de sua ama-
de-leite, e o moribundo recebe ainda com prazer a poção suprema que,
infelizmente, não pode mais digerir. Sua influência se exerce em todas
as classes da sociedade; pois se é ela que dirige os banquetes dos reis
reunidos, também é ela que calcula o número de minutos de ebulição
necessários para que um ovo fresco seja cozido ao ponto. O assunto
material da gastronomia é tudo o que pode ser comido. Seu objetivo
direto, a conservação dos indivíduos; e seus meios de execução, a
cultura que produz, o comercio que troca, a indústria que prepara e a
experiência que inventa os meios de dispor tudo para o melhor uso. [...]
É a gastronomia que inspeciona os homens e as coisas, para transportar
de um país ao outro tudo o que merece ser conhecido, fazendo que um
festim cuidadosamente organizado seja como um resumo do mundo,
em que cada parte comparece por intermédio de seu representante.
(SAVARIN, 1995, p. 57-59 apud MATTOSO, 2016a, p. 20-21)

Conforme os estudos de Mattoso (2016a), quase duzentos anos depois do feito de


Savarin, a Gastronomia, como um campo do saber, vem consolidando-se em todo o
mundo, alvo de interesse de historiadores, sociólogos, educadores, dentre outros. No
Brasil, os estudos pioneiros se iniciaram em escolas particulares a partir da segunda
metade do Século XX. Dentre as Instituições Federais de Ensino Superior, a Universidade
Federal Rural de Pernambuco, em 2005, foi protagonista em relação à Graduação; na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Curso de Bacharelado em Gastronomia se
iniciou em 2011.

Compreender a distinção entre Gastronomia e Nutrição é proposta relevante de


Câmara Cascudo (1983, p.36 apud MATTOSO, 2016a, p. 70), a partir da observação dos
profissionais das duas áreas: “Os gastrônomos ensinam a ciência do ‘saber comer’, que
não é a mesma coisa para nutricionistas”. Cândido Hipólito-Reis, médico e professor
catedrático da Universidade do Porto corrobora ao ampliar aspectos que diferenciam a
Gastronomia da Nutrição e da Alimentação e demonstra sua complementaridade, ao
apontar, nesta ciência, um interessante diferencial envolvendo sentidos e sensos:

A gastronomia refere-se à relação sensitiva com os alimentos. É


claramente muito importante no ser humano, situando-se numa “área”
intermediária (grifos do autor) do mesmo processo que integra a
alimentação e a nutrição e se revela na consciência autônoma (por ser
reflexa) dos efeitos destas. O termo consigna uma representação da
relação, certamente primordial, que é a alimentar, em que a sensividade
(dos sensos) se insere e prolonga na sensitividade (dos sentidos),
incorporada também na memória somática, que vão ser não só
modeladoras no processo, mas também motivadoras no projecto da
ontogênese. (HIPÓLITO-REIS, 2008, p. 79 apud MATTOSO, 2016a,
p. 70).

Na abordagem da Hospitalidade em Gastronomia, acolher para a comensalidade


– e consequentemente para a conviviabilidade e para a sociabilidade inerentes ao
momento de comer juntos – é um dos mais complexos desafios de um anfitrião, segundo
Castelli (2005 apud MATTOSO, 2016a). Mais complexo ainda se o anfitrião, além de
desconhecer, permanecer ignorante à diversidade dos convidados e revelar em suas

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atitudes – ou na ausência destas – o lado oposto da hospitalidade: a hostilidade
(MONTANDON, 2011, p.11).

Observando o atual momento da Gastronomia no Brasil, o sociólogo Carlos Doria


problematiza o novo lugar desta na sociedade: “tornou-se um tema cultural tão importante
quanto a moda, a sexualidade e a violência” e é “reivindicada como aparentada às artes”
(DORIA, 2015, p. 20 apud MATTOSO, 2016a, p. 23).

Aprofundando a reflexão na abordagem estética, é mister considerar a expressão


“Primeiro a gente come com os olhos” (DOMICIANO, 2015). Todavia, se tomados por
referência os comensais com deficiências sensoriais, a assertiva metafórica vai ceder
lugar a outros questionamentos sobre os sentidos da visão e da audição em relação à
comida: quem tem alguma tipologia de limitação visual, primeiro come a partir do que
escuta, do que toca, do que cheira; em contraponto, para uma pessoa que não escuta, a
ênfase nos elementos visuais será de grande relevância para os momentos de prazer à
mesa. Está posto, portanto, um Mise en Place preliminar para observar conexões entre
Acessibilidade e Gastronomia.

CARDÁPIO (DESENVOLVIMENTO)

ENTRADA (PRESSUPOSTOS DOCUMENTAIS)

A Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015 apud MATTOSO, 2016a, 2016b)


estabelece a definição de acessibilidade:

possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e


autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações,
transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias,
bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público
ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa
com deficiência ou com mobilidade reduzida

Para que pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida possam acessar e
utilizar os itens na LBI especificados, é necessário eliminar barreiras, as quais são
definidas como:

qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a


participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus
direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à
comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com
segurança, entre outros

A LBI dispõe ainda sobre as definições de:

pessoa com deficiência: aquela que têm impedimentos de longo prazo de


natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdades de condições com as demais pessoas.

pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo,
dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução
efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da

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percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e
obeso.

No Brasil, de acordo com o último Censo, realizado em 2010 (IBGE, 2011 apud
MATTOSO, 2016a), cerca de 45,6 milhões de brasileiros se autodeclararam pessoas com
deficiência. De todos os tipos de deficiências declaradas, a visual é a de maior incidência
(3,5%), seguida das motoras (2,3%), intelectuais (1,4%) e auditivas (1,1%).

Para o pesquisador brasileiro Romeu Kazumi Sassaki (2009 apud MATTOSO,


2016a, p. 57), a noção de acessibilidade está diretamente relacionada à de inclusão:

Inclusão, como um paradigma de sociedade, é o processo pelo qual os sistemas


sociais comuns são tornados adequados para toda a diversidade humana -
composta por etnia, raça, língua, nacionalidade, gênero, orientação sexual,
deficiência e outros atributos com a participação das próprias pessoas na
formulação e execução dessas adequações.

Acessibilidade é uma qualidade, uma facilidade que desejamos ver e ter em


todos os contextos e aspectos da atividade humana. Se a acessibilidade for (ou
tiver sido) projetada sob os princípios do desenho universal, ela beneficia todas
as pessoas, tenham ou não qualquer tipo de deficiência.

Sobre Acessibilidade Cultural, de acordo com os estudos de Mattoso (2016a, p.


65), a expressão, “inscrita na história da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde
2013 para nominar uma nova área do conhecimento, é bastante instigante” por sua
composição a partir de “dois termos de grande impacto” que geram consiliência “pela
complementaridade e diversidade de ideias a partir da união dos dois” e revela:

uma potência vital, porque vem minimizar uma imensa lacuna, ao oportunizar
a todos – autores, artistas, produtores e público –, a partir do enfoque da
deficiência, o acesso ao único mecanismo capaz de validar o homem ao seu
tempo e à sociedade em que vive: a cultura. Cabe, portanto, aos novos
pesquisadores da área, grande responsabilidade, pois, decerto, todo produto
cultural ganha nova vida quando tornado acessível e acessável (MATTOSO,
2016a, p. 65).

Importante destacar que o Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural:

nasce da parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do


Laboratório de Arte, Cultura, Acessibilidade e Saúde, do Curso de Terapia
Ocupacional, e o Ministério da Cultura, através da Secretaria de Cidadania e
Diversidade Cultural. Esta parceira tem como proposta implementar a
formação em acessibilidade cultural para gestores e trabalhadores da área da
cultura, com o objetivo de sensibilizar, estimular, capacitar e criar processos
inclusivos de fruições estética, artística e cultural nas ações, gestões e políticas
culturais para o público de pessoas com deficiência como produtores ou
platéia. O curso apresenta na sua proposta de formação desde a gestão de
políticas culturais, passando pelo campo das deficiências e suas
especificidades no contexto da legislação, da formação nas diferentes
linguagens e nas tecnologias de acessibilidade cultural, bem como a
experiência e aplicabilidade dos conteúdos apreendidos. Desta forma, o curso
tem como proposta desenvolver parceria com espaços culturais para
proporcionar aos alunos o desenvolvimento de novas soluções para a garantia
da acessibilidade, além de praticar as tecnologias de acessibilidades já
conhecidas (DORNELES apud MATTOSO, 2016a, p. 65)

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Refletir sobre Sensibilização para a Acessibilidade e Inclusão Escolar tem registro
no documento intitulado “Sensibilização e Convivência”, organizado por Maria Salete
Fábio Aranha em 2005, o qual integrou o volume 3 de uma coleção desenvolvida pelo
Ministério da Educação (MEC). Aranha sugeria que professores realizassem atividades
que pudessem ser desenvolvidas com os alunos, de modo que estes – pela autora
compreendidos como “parte integrante do processo de construção de um sistema
educacional inclusivo” – pudessem “manifestar e tratar, dignamente, seus sentimentos”
com relação ao tema (ARANHA, 2005, p.5). A autora enfatiza o papel do professor no
movimento de transformação com vistas à inclusão, afirmando que este movimento “não
pode ser imposto, mas também não pode depender exclusivamente de decisões pessoais
e das reações emocionais de um ou outro profissional” e “inicia-se na atuação dos
dirigentes educacionais e alicerça-se nas ações dos professores que, como líderes, são
agentes de essencial importância na transformação do sistema educacional” (ARANHA,
2005, p. 8).

PRATO PRINCIPAL: ACESSIBILIDADE EM GASTRONOMIA

Em abril de 2016, Mattoso realiza investigação híbrida qualitativa de caráter


exploratório – composta por Pesquisa Bibliográfica + Pesquisa-Ação + Pesquisa de
Campo – e desenvolvida a partir da abordagem e da percepção de pessoas com deficiência
visual para o Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Acessibilidade
Cultural da Faculdade de Medicina coordenado pelo Curso de Terapia Ocupacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir dos resultados, concluiu: do
mesmo modo como quando Brillat-Savarin “convocou” todos os sentidos para que
“unidos” dessem vida ao gosto, ampliando a potência de “sentir” o sabor da comida para
todo o corpo; i.e, com todos os sentidos unidos para promover o melhor acesso aos
prazeres à mesa, observou-se que também a Acessibilidade Cultural reúne recursos e
mecanismos de toda ordem e convoca as demais modalidades de acessibilidade que
possibilitem a eliminação de barreiras atitudinais, comunicacionais, programáticas,
metodológicas, instrumentais, físicas e naturais, objetivando viabilizar o acesso equânime
à Cultura, caracterizando a dimensão de sua abrangência agregadora, ou seja, o seu caráter
consiliente (MATTOSO, 2016a).

A proposta de pesquisa para o TCC de Mattoso propunha destacar uma


Gastronomia potente e capaz de oportunizar comensalidade para todos:

Muito mais do que o ato de comer junto, que promova sociabilidade e


conviviabilidade equânimes, para que todas as pessoas, com ou sem
deficiência, tenham acesso e possam fruir os, dos e nos momentos à mesa,
repletos de ricas trocas, plenos de elementos simbólicos representativos de
hábitos e costumes traduzidos em rituais gastronômicos que validam a
identidade dos mais diversos povos em torno do mundo; momento que
desdobra-se em elemento comunicador, que revela a “comida como cultura” e
ratifica o pensamento de Savarin: “o homem é aquilo que come!” (MATTOSO,
2016a, p. 21)

Por meio da Pesquisa-Ação, foi ratificado o interesse dos estudantes do Curso de


Bacharelado em Gastronomia da UFRJ pelos estudos da acessibilidade. A Pesquisa de
Campo com pessoas com deficiência visual evidenciou vulnerabilidade e deletério
inacesso no que se refere à comensalidade fora de casa: nos bares, restaurantes e eventos,
além da tristeza pela sensação de invisibilidade, dentre outros tópicos, some-se a

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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impotência diante do desprezo, do escárnio e das tentativas de fraude ao encerrar uma
conta, por exemplo, situações às quais aquelas pessoas disseram estar permanentemente
e involuntariamente expostas, em função da deficiência.

O resultado da pesquisa híbrida culminou com a proposição da disciplina eletiva


“Acessibilidade em Gastronomia” (MATTOSO, 2016b), de caráter extensionista,
aprovada por unanimidade tanto pelo Colegiado da Gastronomia quanto pela
Congregação do Instituto de Nutrição Josué de Castro. A partir da validação da aprovação
pelos colegiados superiores, foi implantada no Curso de Bacharelado em Gastronomia da
UFRJ no segundo semestre de 2016, desde a primeira turma estruturada a partir da
premissa “Nada sobre nós, sem nós” (CARLTON, 1998; SASSAKI, 2007; apud
MATTOSO, 2016a, 2016b), com a participação e em parceria com pessoas com
deficiências física/motora, sensoriais (visão e audição) e pessoas com transtornos.

Elaborado com ênfase na formação dos futuros gastrônomos e gastrônomas da


UFRJ, o conteúdo programático da disciplina foi estruturado com o objetivo de dar a
conhecer construtos teóricos, legais e práticas de acessibilidade, a fim de que pudessem
aqueles estudantes apropriarem-se de conhecimento com vistas à democratização de uma
Gastronomia para Todos, inclusive para pessoas com deficiências e transtornos, lhes
favorecendo o acolhimento, o acesso aos prazeres da mesa e à cultura gastronômica e,
consequentemente, a inclusão sociocultural.

Ações de sensibilização inter, multi e transdisciplinares de ensino, extensão e


pesquisas foram empreendidas. Aulas teóricas expositivas, palestras e rodas de conversas
foram associadas a atividades práticas que culminaram em “eventos”, compreendidos a
partir das noções propostas pelos professores Kevin McGarry (1999 apud MATTOSO,
2016a) e Luiz Carlos Zanella (2004). Para o primeiro:

Em geral, usamos o termo para algo que acontece em um breve espaço de


tempo. Nossas vidas são relativamente curtas se comparadas com o mundo ao
nosso redor, por isso tendemos a notar coisas que mudam rapidamente [...]. Na
maioria dos casos são pacotes de informações ou estímulos que a realidade
impõe à nossa percepção (MCGARRY, 1999, p. 7).

Para Zanela, evento é:

Uma concentração ou reunião formal e solene de pessoas e/ou entidades


realizadas em data e local especial, com objetivo de celebrar acontecimentos
importantes e significativos e estabelecer contatos de natureza comercial,
cultural, esportiva, social, familiar, religiosa, científica etc (ZANELLA, 2004,
p.13)

Zanella (2004, p. 14) conclui que “organizar um evento com eficiência significa
demonstrar arte e competência” para atender aos anseios e superar expectativas dos
participantes.

Como estratégia de ensino e aprendizagem, para dar vida à disciplina


Acessibilidade em Gastronomia foram desenvolvidos eventos-aula e aulas-evento,
compreendidas como “experiências ordenadas”, isto é, aquelas “que suscitam o menor
número de dúvidas em nossas mentes”, ao contrário das desordenadas que
“simplesmente, as transferimos para uma categoria que rotulamos insignificante [...]”
(MCGARRY, 1999, p.8 apud MATTOSO, 2016a, p. 108).

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Todas as atividades foram fundamentadas (MATTOSO, 2016a; MATTOSO,
2016b) principalmente na “Educação da Sensibilidade/Educação pela Arte” de Herbert
Read sob a perspectiva da inclusão social proposta por Lena Vania Ribeiro Pinheiro
(2005); associada às “Metáforas da Vida Cotidiana” de Lakoff e Johnson (2002); às
“Notas sobre a Experiência e o Saber de Experiência” de Jorge Larrosa Bóndia (2002);
aos “Exercícios de Ver e não Ver” de Virgínia Kastrup e Marcia Moraes (2010), à “Escuta
Sensível” de René Barbier (2002), à “Partilha do Sensível” de Jacques Rancière (2005) e
às Espirais do Conhecimento de Jaime Robredo (2011).

Assim, até novembro de 2020, a disciplina eletiva Acessibilidade em Gastronomia


havia contribuído, direta e indiretamente, para a formação de mais de 120 estudantes dos
cursos de graduação em Gastronomia, Psicologia, Educação Física, Engenharia de
Materiais, Nutrição, Serviço Social e Terapia Ocupacional; além de pós-graduandos em
Acessibilidade Cultural, Enfermagem, Medicina, Odontologia, Geografia,
Administração, Geologia, Economia, Engenharia Civil; os quais vivenciaram
experiências de aprendizagem com pessoas com deficiências e com transtornos: juntos,
historicamente, protagonizam o fato de serem pioneiros a reunir e compartilhar
conhecimento em Acessibilidade em Gastronomia no Brasil, considerando-se que a UFRJ
foi a primeira e ainda é a única IFES no país a realizar em nível de Graduação ações de
ensino, extensão e pesquisas nesta área.

Alunos e professores contribuiram para a realização dos seguintes “eventos”


denominados “Toque de Acessibilidade”, todos sob coordenação geral de Mattoso, por
meio dos quais centenas de pessoas foram sensibilizadas para a Acessibilidade em
Gastronomia:

1. Jantar às Escuras, temático, cardápio “Cabo Verde”, em homenagem à Abolição


da Escravatura (13 de maio de 2015)
2. I Encontro Celebrando a África Comendo Cultura, temático, cardápio “Cabo
Verde”, pelas comemorações do Dia da África (25 de maio de 2017
3. Happy Hour Sensorial, temático, cardápio “Brasil de Norte a Sul”, em
homenagem à Proclamação da República (15 de novembro 2017)
4. Almoço Sensorial Gastronomia (D)Eficiente? (13 de julho de 2018)
5. Oficina “Conexões Memoriais da Nossa Gastronomia: compartilhando o sabor
de nossas famílias (05 de novembro de 2018)
6. Happy Hour Sensorial, temático, cardápio “Conexões Memoriais da Nossa
Gastronomia”, homenagem ao Museu Nacional (09 de novembro de 2018)
7. Happy Hour Sensorial “Harmonização”, temático, cardápio harmonizado, em
homenagem ao Dia dos Namorados (12 de junho de 2019)
8. Bolin Romeu e Julieta Acessível e Acessável, Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia da UFRJ para sensibilizar crianças e adolescentes (22, 23 e 24 de
outubro de 2019)
9. Almoço Sensorial na Feira Anual do CLAC (Cursos de Línguas Abertos à
Comunidade) da Faculdade de Letras da UFRJ (23 de novembro de 2019)
10. Curso de Extensão Acessibilidade em Eventos Gastronômicos - UFRJ (16 a 30
de novembro de 2019)
11. Gastronomia Acessível e Acessável: comensalidade e cultura para todos” –
Universidade Federal Fluminense (UFF) (15 de agosto de 2019)
12. Trilogia Sensorial –Bonito – Mato Grosso do Sul (25 a 28 de julho de 2019)
(MATTOSO et al, 2019; MATTOSO et al, 2021)

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13. Webnários Nada de Gastronomia Sem Nós (outubro de 2020)
14. Oficina Acessibilidade em Gastronomia na II Semana Acadêmica da
Gastronomia (setembro 2019)
15. “Cozinhando às Cegas” (períodos letivos de 2016.2 a 2020)

SEGUNDO PRATO: NO RESULTADO, PROFESSORES EM APRENDIZADO

Este relato de experiência na abordagem da Acessibilidade em Gastronomia


instigou o interesse por escutar professores envolvidos nas atividades de sensibilização
realizadas pelo Corpo Social do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ entre
2015 e 2020, a fim de conhecer o impacto destas em sua formação profissional e pessoal.
Validando a Espiral do Conhecimento (ROBREDO, 2011 apud MATTOSO, 2012,
2016a), as narrativas destacaram multiplicidade de aprendizados e aplicabilidades.

Os relatos de três professores do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ


convergiram principalmente para:
1. a relevância da afetividade evidenciada pelos envolvidos nas atividades de
sensibilização
2. esclarecimento sobre os conceitos de acessibilidade e de inclusão oportunizado
por contribuições de um mesmo estudante do Curso em dois eventos de extensão
– Jantar às Escuras e o I Encontro Celebrando a África Comendo Cultura (I
ECACC) –, ao problematizar suas próprias vivências na UFRJ como africano,
negro e pessoa com limitações visuais ocasionadas por glaucoma congênito.
Validando a relevância da documentação e da acessibilidade digital para a
divulgação científica, os registros de ambos eventos podem ser acessados no site
do Curso
3. conhecimento específico sobre acessibilidade aplicada ao planejamento,
organização, realização e avaliação de eventos, já aplicado em outras atividades
desenvolvidas no Curso, como a Semana Acadêmica da Gastronomia, por
exemplo
4. o potencial de ensino multidisciplinar evidenciado por conta da produção e
inserção de pratos típicos de outros países no cardápio dos Restaurantes
Universitários da UFRJ que, em um único dia – quando da realização do I ECACC
–, transmutou a percepção de mais de 10.000 comensais sobre as conexões
Brasil/África comunicadas por meio da comida de Cabo Verde
5. observação crítica quanto aos aspectos estéticos de apresentação de pratos
evidenciada pela privação do sentido da visão nas atividades às cegas
6. concretização, na prática, do que fora proposto no Projeto Pedagógico quando da
criação do Curso para a promoção de uma Gastronomia para Todos.

Um gastrônomo egresso do Curso da UFRJ, atualmente professor em uma Escola de


Gastronomia, relatou sua satisfação em, agora, se tornar mais um pioneiro na mediação
de conhecimentos sobre Acessibilidade em Gastronomia para seus alunos, a exemplo do
que vivenciou na Universidade. Enfatizou a importância da participação nas atividades
de sensibilização em conjunto com pessoas com deficiências para perceber e apreender,
na prática, aspectos reais de situações que, futuramente, como gastrônomo, poderia
vivenciar e o quanto este saber contextualizado lhe confere, hoje, mais segurança para
atuar na perspectiva de uma Gastronomia para Todos.

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Uma professora do Curso de Terapia Ocupacional da UFRJ, membro da Comissão
Organizadora do Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural para o qual, como
encerramento das edições de 2015, 2017 e 2018, foram realizados o Jantar às Escuras e
dois Happy Hours Sensoriais, destaca:
1. a relevante parceria institucional com o Corpo Social do Curso de Bacharelado em
Gastronomia da UFRJ (alunos e professores) para a problematização da pauta da
Acessibilidade Cultural na Universidade
2. a característica empreendedora de professores e alunos evidenciada na capacidade de
desafiarem-se a cada atividade de sensibilização concretizada
3. a capacidade agregadora da coordenação das Comissões Organizadoras para o
incentivo a parcerias institucionais inter, multi e transdisciplinares para e pela
realização das atividades de sensibilização
4. estruturação de uma “Pedagogia da Acessibilidade em Gastronomia” constituída para
o ensino-aprendizagem não somente dos estudantes como de todos os participantes
das atividades de sensibilização na abordagem da “Comida como Cultura”

O professor convidado para ministrar na UFRJ as aulas “Cozinhando às Cegas” desde


a primeira turma da disciplina Acessibilidade em Gastronomia, pessoa com deficiência
visual (com perda total em um dos olhos e comprometimento da acuidade no outro olho),
enfatizou a relevância do aprendizado compartilhado entre os universitários da UFRJ e
os alunos com deficiência visual de diversas turmas do Curso de Culinária para Pessoas
com Deficiência Visual no Centro de Integração e Apoio à Pessoa com Deficiência da
Prefeitura do Rio de Janeiro (CIAD-RJ), por ele ministrado, voluntariamente, desde o
incidente que acarretou a perda progressiva da visão. Ele enfatizou a reciprocidade
naturalmente constituída entre os dois grupos de estudantes, em função da vulnerabilidade
a que cada grupo estava exposto: os alunos com deficiência a cuidar dos estudantes da
UFRJ que faziam as aulas vendados; e os alunos da UFRJ interessados em conhecer as
dificuldades de produção dos colegas cegos e com baixa visão ao longo da vida. Ele
aponta como diferenciais da troca:

1. acolhimento, respeito e valorização por parte dos universitários em relação aos


saberes populares propostos pelos alunos com deficiência visual do CIAD-RJ,
oportunizando aprender e ensinar coletivamente, além de problematizar a diversidade
de costumes e tradições comunicados nos pratos típicos de cada família brasileira
2. incentivo mútuo de ambos os grupos de estudantes ao empreendedorismo no
segmento da Gastronomia (hoje, alguns deles empreendem na área)
3. estímulo à democratização dos estudos da ciência da Gastronomia para todas as
pessoas, inclusive as pessoas com deficiências, desde que, rompidas barreiras de toda
ordem, lhes sejam concedidos os recursos de Tecnologia Assistiva necessários. Cabe
exemplificar que, empoderado a partir da participação em uma das atividades, um dos
alunos cegos do CIAD-RJ hoje cursa Gastronomia em uma faculdade particular no
Rio de Janeiro; e que este aluno enfatiza o desgaste e a insatisfação por ter tentado
por diversas vezes o acesso por meio do ENEM a uma Universidade Pública e ter
encontrado grande dificuldade em relação ao apoio de um ledor/transcritor para fazer
as provas.

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Para realizar Eventos de Sensibilização na perspectiva da Acessibilidade em
Gastronomia, tendo a comida como elemento mediador/comunicador, foram apreendidas
por membros do Corpo Social (discentes, docentes e técnicos) do Curso de Bacharelado
em Gastronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) as seguintes Etapas
de Planejamento e Organização, desde a ideia original:

1. Escutar sensivelmente a pessoa criativa que propõe realizar um Evento de


Sensibilização. Buscar compreender a motivação; para quem e quantos serão os
convidados
2. Junto com a pessoa que teve a ideia, avaliar as possibilidades de realização em
relação a tempo e espaço (dia, hora e local), em função do número e do perfil dos
convidados
3. Refletir sobre de que modo poderá ser articulada a captação dos recursos
necessários para a realização (humanos, financeiros, materiais, logísticos,
tecnológicos); identificando se serão recursos institucionais ou se poderão advir
de Apoio Cultural ou Patrocínios. Imprescindível verificar possibilidade de
parceria e de apoio com o Restaurante Universitário, os Laboratórios de
Atividades Práticas e o Setor de Transportes de Materiais e de Pessoas
4. Definida a proposta de realizar o evento, constituir a Comissão Organizadora com
a participação de quem teve a ideia de realizar o evento e de pessoas com
deficiências, com mobilidade reduzida e/ou com transtornos, validando a
premissa “Nada sobre nós, sem nós” (SASSAKI, 2007 apud MATTOSO, 2016a)
5. Fazer um brainstorming propondo tema, cardápio e decoração; e destacar pontos
fortes e fracos para a realização do evento
6. Pesquisar sobre o tema proposto e sobre estratégias para produção dos itens do
cardápio, considerando Alimentos e Bebidas
7. Elaborar o briefing e encaminhar à Chefia de Departamento, solicitando inserção
na pauta da reunião de Colegiado do Curso
8. Submeter a ideia ao Colegiado do Curso e à Congregação da Unidade, para, além
de ampliar a possibilidade de participação para todo o Corpo Social, verificar
aspectos relacionados à responsabilidade da Unidade e da Universidade quanto à
segurança dos alunos em atividades fora do horário de aulas, em especial os
menores de idade.
9. Após aprovação do Colegiado e da Congregação, submeter a proposta do evento
à Comissão de Relações Público-Privado (COPPRI) de sua Unidade (caso haja)
10. Após aprovação da COPPRI (caso haja), criar Grupos de Trabalho para cada
atividade a ser desenvolvida e eleger um representante para cada GT
11. São sugeridos os seguintes GTs para trabalhar em rede: 1) Coordenação Geral e
Captação de Recursos; 2) Gestão de Pessoas; 3) Gestão e Organização da
Informação; 4) Gestão de Acessibilidade; 5) Gestão de Comunicação; 6) Gestão
de Culinária; 7) Gestão de Decoração, Equipamentos e Materiais; 8) Gestão de
Transporte e Logística; 9) Gestão de Acolhimento; 10) Gestão de Salão; 11)
Gestão de Documentação; 12) Gestão de Segurança; 13) Gestão de Serviços
Gerais e Suporte Técnico; 14) Gestão de Avaliação e Relatório Final; 15) Gestão
de Comunicação e Divulgação Científicas.
12. Elaborar atividades prévias de sensibilização/formação/capacitação em
acessibilidade e inclusão para todos os envolvidos na equipe de realização do
evento.

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Na abordagem das barreiras (SASSAKI, 2014 apud MATTOSO, 2016a) que
possam impedir o pleno acesso e a participação de todas as pessoas a um evento
gastronômico, alguns elementos merecem destaque:

1. Barreiras Atitudinais: garantir que toda a equipe esteja capacitada para bem
acolher todas as pessoas e que tenha acesso, em tempo hábil, à lista de
convidados a qual deve destacar características de deficiências, mobilidade
reduzida e/ou transtornos, caso haja;
2. Barreiras Comunicacionais: garantir que todos os elementos e canais de
comunicação estejam estruturados de modo acessível e acessável
(MATTOSO, 2012; 2016a) com audiodescrição, Braille, QRCode, Legendas
para Surdos e Ensurdecidos (LSE), Língua Brasileira de Sinais (Libras),
dentre outros recursos de Tecnologia Assistiva, os quais serão aplicados a:
Save the Date; Convite; Formulário de Inscrição; Termo de Autorização para
Uso de Imagem e Voz; Termo de Responsabilidade sobre Alergias e
Intolerâncias Alimentares; Cardápio; Carta de drinks e bebidas; Sites e mídias
sociais; Formulários de Avaliação, dentre outros;
3. Barreiras Instrumentais: garantir que os instrumentos/equipamentos não
impeçam a nenhum conviva a fruição aos e nos momentos de
comensalidade
4. Barreiras Metodológicas: garantir métodos que favoreçam o melhor
atendimento a cada um dos comensais;
5. Barreiras Programáticas: garantir cumprimento da legislação e de normas na
perspectiva da acessibilidade e inclusão (Lei Brasileira da Inclusão, Normas
ABNT e normas específicas sobre eventos);
6. Barreiras Físicas/Arquitetônicas: garantir livres acesso e fluxo no espaço onde
o evento será realizado. No prédio em que o evento será realizado, atenção
para vagas de estacionamento, rampas, elevadores e banheiros seguindo as
Normas da ABNT. No salão: eliminar desníveis; espaçamento entre mesas
(2,5 metros de distância entre cada uma, no mínimo, gerando um corredor de
fluxo com no mínimo 1 metro de vão); mesas redondas para acomodar 8 (oito)
convidados em cada, com tampo de 1,60 m a 1,80; e com 0,75 cm a 0,80 cm
de altura para acomodar adequadamente pessoas em cadeiras de rodas;
7. Barreiras Naturais: garantir segurança por meio de identificação prévia e
sinalização de espaços gramados, com terra fofa, bem como lagos e rios; além
de garantir cobertura dos espaços a céu aberto, evitando acidentes e riscos de
contaminação cruzada.

SOBREMESA: O DOCE SABOR DA PESQUISA

É doce o sabor da felicidade pela consciência de que não há ensino sem pesquisa
tampouco pesquisa sem ensino (FREIRE, 1987, 1993, 1996 apud MATTOSO, 2012,
2016).

Empatia é um dos verbetes da moda, todavia sabe-se: estar no lugar do outro


definitivamente é um lugar que não existe. O que dizer do lugar daquele que pesquisa
sobre o comer e tudo o que se refere a este território sagrado onde são compartilhadas
ancestralidades, onde as identidades dos sujeitos se revelam mediados pela comida?

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Imediatamente, dirige-se a reflexão para o berço da Gastronomia como ciência e ao sonho
de Brillat-Savarin por uma “Academia dos Gastrônomos”:

Eis aí, em linhas gerais, o domínio da gastronomia, domínio fértil em


resultados de toda espécie, e que só poderá crescer com as descobertas e os
trabalhos dos cientistas que irão cultivá-los [...]. (SAVARIN, 1995 apud
MATTOSO, 2016a)

Neste escopo, serão listados estudos que, sob orientação de Mattoso, permearam
a temática da “Acessibilidade em Gastronomia” originando Trabalhos de Conclusão do
Curso de Bacharelado em Gastronomia desenvolvidos por alunos da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na temática da “Comunicação em Gastronomia”,
João Carlos Casangel da Silva (SILVA, 2018) pesquisou sobre “O Jornalismo
Gastronômico e a influência na construção do gosto além do paladar: um novo olhar
pelas lentes da Acessibilidade e da Sustentabilidade”. Na abordagem de uma Educação
em Gastronomia, Annah Bárbara Pinheiro dos Santos (SANTOS, 2021) questionou o
lugar da Gastronomia no Ensino Médio e a democratização do acesso a esta ciência no
Ensino Superior. Jéssica Cardoso Ferreira (FERREIRA, 2021) desenvolveu pesquisa
sobre um novo tipo de serviço gastronômico e nos resultados identificou potencial para
otimizar a fruição dos momentos de comensalidade para pessoas com deficiências e com
mobilidade reduzida. Juliana Féres Castelo (CASTELO, 2021) investigou “O bolo de
aniversário na vida de pessoas com deficiência visual: acessibilidade e comensalidade”
apropriando-se de metodologia inovadora, por meio da qual todas as etapas da pesquisa
foram elaboradas com pessoas com deficiência visual.

As vivências do fazer docente no Curso de Bacharelado em Gastronomia da


UFRJ – como professora responsável pelas disciplinas Comunicação em Gastronomia,
Etiqueta e Comensalidade, Gestão de Eventos Gastronômicos e Acessibilidade em
Gastronomia – instigaram muitas questões que relacionam ensino e estudantes com
deficiências, inquietações evidenciadas por conta das ações para o Ensino Remoto
durante a pandemia da COVID-19. Assim, em 2020, Mattoso elabora proposta de
Pesquisa-Ação reunindo acessibilidade comunicacional ao ensino da Gastronomia para
estudantes com deficiências sensoriais da visão e da audição, a qual foi acolhida no
processo seletivo para o Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências,
Tecnologias e Inclusão (PGCTIN) do Instituto de Biologia da Universidade Federal
Fluminense (UFF).

A pesquisa, em desenvolvimento sob orientação de Castro e Cruz, tem por


objetivo sistematizar e avaliar um instrumento de organização do conhecimento
composto por termos-sinais para o ensino da Gastronomia em Língua Brasileira de
Sinais (Libras) e com audiodescrição para estudantes com deficiências sensoriais da
audição e da visão.

LIVRO DE OURO

Todo visitante tem a oportunidade de inscrever no Livro de Ouro suas reflexões e


impressões de gratidão. É um “monumento erigido para glória daqueles que acolheram
[...]” (MONTANDON, 2011, p. 1311). Aqui, registra-se a gratidão aos organizadores
desta obra.

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A possibilidade de elaborar este relato de experiência sobre ações de ensino,
extensão e pesquisas relacionadas à Acessibilidade em Gastronomia eliciou diversas
reflexões, dentre as quais a necessidade de aprofundar estudos para a compreensão dos
termos “acesso” e “inclusão” relacionados ao direito à Educação Superior no Brasil: neste
escopo, ambos demandam ampliação de suas perspectivas.

Problematizar é responsabilidade do professor. Os dois instrumentos legais


brasileiros que abarcam os termos “acesso” e “inclusão” instigam a problematização: a
Lei da Acessibilidade (BRASIL, 2000) e a Lei Brasileira da Inclusão (BRASIL, 2015)
relacionam os termos à garantia de direitos a pessoas com deficiências e com mobilidade
reduzida. Entretanto, na abordagem de uma hospitalidade universitária, “acesso” e
“inclusão” remetem a outros grupos em situação de “exclusão”, o que acarreta a inserção
deste terceiro termo para o aprofundamento dos estudos na área.

Para iniciar, encontramos aporte em Magali Bessone, professora de Filosofia


Política da Universidade de Paris, por meio de documento publicizado em “O livro da
hospitalidade – acolhida do estrangeiro na história e nas culturas”, cuja primeira edição
foi publicada na França em 2004 e traduzida no Brasil em 2011:

A exclusão é ‘a ação de expulsar alguém do lugar onde anteriormente


ele ocupava um espaço ou de privá-lo de alguns direitos’, mas também
‘é o fato de manter alguém afastado, impedir-lhe o acesso”. “O verbo
exclure (século XVI)[...], da forma evoluída de exclore (séc. XIII) é
emprestada do latim excludere que significa ao mesmo tempo ‘não
deixar entrar’ e ‘afastar’; de ex (ideia de exclusão) e claudere (‘fechar’).
Também pode-se pensar em ‘expulsar’... “Excluído é aquele que fica de
fora”. (BESSONE, 2011, p. 1089).

Com ainda mais fome de aprender e inspiradas a prosseguir, as autoras renovam,


na abordagem de uma hospitalidade universitária, o compromisso com a acessibilidade e
com a usabilidade, vislumbrando que o real sentido de pertencimento possa ser
vivenciado por todos os que compartilham cotidianamente a oportunidade da Educação.
Em especial, na abordagem da Acessibilidade em Gastronomia, comprometem-se ainda
a todo o tempo estarem atentas para “um dente de um garfo descartável atravessado na
garganta”!

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Salete Fábio. Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e


permanência de todos os alunos na escola: necessidades educacionais especiais dos
alunos / Maria Salete Fábio Aranha. - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Especial, 2005.

BESSONE, Magali. Exclusão: excluído e marginalizado. In: MONTANDON, Alain. O


livro da Hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. São Paulo:
Editora Senac, 2011. p. 1089-1102.

BRASIL, 2000. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e


critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.

202
Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
_______________________________________________________________________
BRASIL, 2015. Lei no 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a
assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e
cidadania.

CASTELO, Juliana Féres. O BOLO DE ANIVERSÁRIO NA VIDA DE PESSOAS


COM DEFICIÊNCIA VISUAL: comensalidade e acessibilidade. Orientadora:
Verônica de Andrade Mattoso. 2021. 89 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado
em Gastronomia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

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DAMATTA, Roberto. O que é o Brasil?/ Roberto DaMatta. – Rio de Janeiro – Rocco.


2004. - (coleção Cidadania)

DOMICIANO, Gabriela Silva. Comer com os olhos: diálogos possíveis entre visão e
paladar. Dissertação (Mestrado) - Curso de Faculdade de Artes Visuais, Programa de
Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2015.

FERREIRA, Jéssica Cardoso. Do chá ao teanner: estudo de caso sobre serviço


gastronômico da empresa Rappanui Gastronomia. 2021. Orientadora: Verônica de
Andrade Mattoso. 114f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Gastronomia)
ー Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande senzala: formação da família brasileira sob o


regime da economia patriarcal. 51.ed. rev. São Paulo: Global, 2006.

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e comensalidade a partir da abordagem e da percepção de pessoas com deficiência
visual. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Acessibilidade Cultural) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 2016a.

MATTOSO, Verônica de Andrade. Ora, direis, ouvir imagens? Um olhar sobre o


potencial informativo da áudio-descrição aplicada a obras de arte bidimensionais
como representação sonora da informação em arte para pessoas com deficiência
visual. Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação) – Universidade Federal Rio
de Janeiro (UFRJ). 2012.

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Montanari (org): Tradução Valéria Pereira da Silva – São Paulo : Estação Liberdade :
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SILVA, João Carlos Pinto Casangel. O Jornalismo Gastronômico e a influência na
construção do gosto além do paladar: um novo olhar pelas lentes da Acessibilidade
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Mattoso. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Gastronomia). Universidade
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ZANELLA, Luiz Carlos. Manual de organização de eventos: planejamento e


operacionalização / Luiz Carlos Zanella – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2004.

204
Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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15. GÊNERO E SEXUALIDADE EM LIVROS
DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS: ENTRE
PERSPECTIVAS BIOLOGIZANTES E
CULTURAIS

Vandcleide Monteiro da Silva42


Maria Cristina Ferreira dos Santos43
Jonê Carla Baião44
INTRODUÇÃO

Neste texto são tratadas abordagens de gênero em livros didáticos de


Ciências destinados ao Ensino Fundamental, materiais curriculares que influenciam a
formação e práticas de docentes no ensino de Ciências em todo o país, com distribuição
por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do Ministério da Educação
(MEC).

Na fundamentação teórica, trata-se da produção de homes e mulheres com papéis


sociais diferenciados desde a escola, de perspectivas de gênero e sexualidade em livros
didáticos de Ciências e da formação de professores e do ensino de ciências. Foram
utilizados aportes teóricos sobre gênero: Butler (2010), Louro (2014, 2000); sobre livros
didáticos: Bittencourt (2011), Fracalanza (1993), Fracalanza e Megid Neto (2003); sobre
a formação de professores de ciências: Bonfim (2011); Cássia Cristina Furlan e Dalci
Aparecida Bueno Furlan (2011), entre outros.

PRODUÇÃO DE BINARISMOS NA ESCOLA

Algumas práticas exercidas pelos educadores nas escolas muitas vezes se


fundamentam em noções essencialistas e heteronormativas. Nesse lugar mecanismos de
controle são utilizados, direcionados desde a atenção, a fala, até os movimentos corporais
dos alunos. Como afirma Louro (2000, p. 10): “Tal pedagogia é muitas vezes sutil,
discreta, contínua, mas, quase sempre, eficiente e duradoura”.

Sobre suas vivências escolares, Louro (2000) afirma que os propósitos eram a
produção de um homem e de uma mulher "civilizados", capazes de viver em coerência e
adequação na sociedade (LOURO, 2000). Reservado às mulheres, a autora relembra que

42
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) / Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9207-2946
43
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4522-1109
44
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2885-5628

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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“[...] ali nos ensinavam a sermos dóceis, discretas, gentis, a obedecer, a pedir licença, a
pedir desculpas”. Na "produção do menino", a situação era diversa, pois o projeto “[...]
tinha como alvo uma determinada forma de masculinidade. Era uma masculinidade dura,
forjada no esporte, na competição e numa violência consentida” (CORRIGAN, 1991apud
LOURO, 2000, p. 200).

Para Foucault (1987), o panóptico é constituído por um conjunto de dispositivos


que constituem técnicas de controle dos corpos, dos espaços que estes ocupam e de
manutenção da ordem social. Nas instituições educacionais o panóptico pode ser
reproduzido pelos membros da comunidade escolar, quando desempenham poder
controlador no disciplinamento e na interação.

O disciplinamento imposto é, geralmente, justificado por meio de argumentos


como: atenção, ordem, respeito e bem comum. Para Nogueira (2015, p. 128), esse
disciplinamento compreende “[...] táticas e estratégias usadas em várias ocasiões para
educar, criar, ajeitar ou “endireitar” o indivíduo, fazê-lo ficar reto ou desentortar,
higienizar e normatizar, adestrar e classificar, hierarquizar e ordenar, torná-lo funcional e
sob controle”, produzindo efeitos que influenciam na produção de subjetividades e
identidades nos discentes. Dessa forma, “A disciplina fabrica assim corpos submissos e
exercitados, corpos ‘dóceis’” (FOUCAULT, 1987, p. 119).

Reproduzindo padrões pré-estabelecidos, na escola “[...] os binarismos categoriais


– compósitos centrais aos modos de construção de sentido – homem x mulher, branco x
negro, heterossexual x homoerótico, entre outros, são produzidos e instituídos como
classificações generalizantes, sem possibilidade de nuances, matizes ou variabilidade”
(CARVALHO, 2013, p. 36). Nessa perspectiva, o que é considerado diferente está para
além da norma: existem os que se adequam e todos os outros fora dos padrões sociais.

A escola, como parte da sociedade, também “[...] participa da constituição dos


sujeitos, fabricando as identidades de gênero e as identidades sexuais, legitimando
determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginalizando outras”
(LOURO, 2000, p. 21). A educação escolar pode exercer criticidade e ter caráter social,
mas muitas vezes prevalecem finalidades voltadas para o mercado de trabalho,
priorizando competências e habilidades técnicas e formando os estudantes para atender a
demandas empresariais.

Na escola ocorrem discursos e ações de exclusão dos sujeitos que não se incluem
na sexualidade hegemônica - a heterossexual. Esses estão sujeitos a preconceitos e
discriminações por sua identidade de gênero e sexual: “[...] as situações de exclusão
social, decorrentes do sexismo e da homofobia são constantes, porque as representações
hegemônicas que hierarquizam as diferenças estão permanentemente sendo fixadas
mesmo com permanentes resistências” (FURLANI, 2003, p. 69). Bento (2011) tece
reflexões sobre o equívoco de falar de diferença ou diversidade n escola como se fossem
dois lados: um em que existem grupos que atuam de acordo com valores hegemônicos e
em outro, grupos fora desses padrões: “[...] a diferença é anterior, é constitutiva dessa
suposta igualdade. Portanto, não se trata de “saber conviver”, mas considerar que a
humanidade se organiza e se estrutura na e pela diferença” (BENTO, 2011, p. 556).

Considera-se que seja importante que as escolas tenham um bom ambiente de


convívio, sem que a discriminação e o preconceito afetem a aprendizagem e a integração

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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social dos alunos. Muitos adolescentes e jovens enfrentam desafios em casa e na
sociedade e também se sentem inseguros na escola. Pensar a educação como uma prática
política implica também em ofertar uma formação docente que pense e reflita sobre essas
questões.

PERSPECTIVAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE EM LIVROS DIDÁTICOS

Para Martins (2006), o livro didático é um artefato cultural, com condições sociais
de produção, circulação e recepção definidas com referência a práticas sociais
estabelecidas na sociedade. A história dos livros está vinculada á história do ensino
escolar, do mercado editorial das tecnologias de produção gráfica e dos padrões gerais de
comunicação na sociedade (MARTINS, 2006, p. 7).

Para que o material didático atue de forma efetiva no processo pedagógico, é


relevante compreendê-lo em aspectos de sua história, circulação, produção e uso, de
maneira que os educadores consigam escolhê-los e adotá-los com criticidade. A partir de
1997 foi atribuída ao Ministério da Educação a responsabilidade pela aquisição dos livros
didáticos de forma continuada para os alunos da 1ª a 8ª série, incluído os livros de
alfabetização e das disciplinas ciências, estudos sociais, história e geografia, matemática
e língua portuguesa para todos que cursavam da então 1ª a 8ª série do ensino fundamental
público. O artigo 208, inciso VII, da Constituição Federal do Brasil (BRASIL,1988)
garante o livro didático como um Direito Constitucional do educando brasileiro.

O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) “[...] compreende


um conjunto de ações voltadas para a distribuição de obras didáticas, pedagógicas e
literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, destinados aos alunos e
professores das escolas públicas de educação básica do País” (BRASIL, 2021). Este
Programa tem como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores
por meio da distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da educação básica”
(BRASIL, 2021). Esta plataforma agrega várias entidades, envolvendo o governo federal,
governos estaduais e municipais, universidades, institutos de pesquisa, editoras, alunos e
professores, é responsável pela distribuição gratuita de obras didáticas aos estudantes do
ensino fundamental da rede pública (BRASIL, 2021). No recorte das obras analisadas, o
documento curricular vigente eram os PCN de Ciências Naturais, em que a orientação
para tratar gênero e sexualidade considera as dimensões biológica, psíquica e
sociocultural, além de suas implicações políticas (BRASIL, 1998).

Macedo (2004) aponta uma relação importante entre currículo e livros didáticos,
que tem justificado a valorização deste artefato cultural por políticas educacionais
implementadas no Brasil. Na realidade social e econômica brasileira, os livros podem ser
o único material curricular para grande parte dos estudantes e do professorado. Se
utilizado de forma restrita, pode significar que o estudante não tenha acesso a outros
materiais com conhecimentos escolares, com discussões sobre as representações
encontradas nos livros didáticos, jornais, revistas ou filmes usados pelas/os estudantes
(LOURO, 2014). As limitações nos livros didáticos podem ter um contraponto na
formação continuada de professores de ciências e na produção de materiais educacionais
que problematizem estas questões:

Isto poderá ser feito mediante publicações direcionadas aos professores


e através de cursos de formação de professores em exercício, visando

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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aprofundar a discussão sobre as defiCiências e limites das coleções
didáticas atuais, bem como estimular a produção coletiva, tanto de
novos recursos, quanto dos modos alternativos de uso dos recursos
disponíveis (FRACALANZA; MEGID NETO, 2003, p. 155).

Os livros didáticos organizam conteúdos disciplinares a serem ensinados na escola


e auxiliam os docentes no planejamento das aulas. Para Bittencourt (2008, p. 299) é “[...]
um objeto cultural de difícil definição, mas, pela familiaridade de uso, é possível
identificá-lo, diferenciando-o de outros livros”. Os livros didáticos envolvem vários
sujeitos em sua produção, circulação e consumo, visando atender às finalidades das
disciplinas escolares. Segundo Fracalanza (1993), foram apontados por pesquisadores
erros, preconceitos e discriminações nos livros, que podem comprometer as
aprendizagens. Para que o livro didático possa auxiliar na construção de conhecimento
escolar, é preciso entendê-lo em suas dimensões (BITTENCOURT, 2011).

A partir da compreensão de que questões relacionadas a gênero e sexualidade


podem ser abordadas de formas diferenciadas, foram adotadas três categorias: perspectiva
biológica, perspectiva cultural e perspectiva híbrida, às quais foram atribuídos os
seguintes significados:

1. Perspectiva biológica – a partir do final do século XIX esta perspectiva se


fortaleceu com os avanços das ciências biológicas nos ramos de bioquímica, fisiologia e
genética, entre outros, e considera que as diferenças entre homens e mulheres estão
relacionadas principalmente ao biológico, “[...] desvinculadas das estruturas sociais e dos
sistemas simbólicos, sendo tratados como propriedade individual dos sujeitos”
(MACEDO, 2007, p. 50).

A ênfase na perspectiva instintiva do sexo, tratado como mais uma


necessidade do corpo biológico, expressa uma visão pós-darwiniana do
final do século XIX, na qual os fenômenos humanos podiam ser
explicados tendo por base forças biológicas características das espécies.
Em versões mais modernas, os currículos de Ciências se utilizam de
conceitos como hormônios e genes, mas continuam marcando a
Biologia como a base dos comportamentos humanos. Mantém-se a
linguagem dos instintos (MACEDO, 2007, p. 52).

Na perspectiva biológica as diferenças localizam-se nos sistemas reprodutores e


nos órgãos sexuais, sem menção a outras diferenças, inclusive biológicas ligadas às
variações genéticas ou hormonais. Na maioria dos casos, as diferenças são marcadas
exclusivamente por uma abordagem cromossômica (MACEDO, 2007, p. 50).

2. Perspectiva cultural – Considera as visões de mundo, valores morais,


comportamentos sociais e posturas corporais em determinada cultura (LARAIA, 2006).
Essa perspectiva está articulada às construções sociais de padrões de comportamento,
organizações políticas, crenças e práticas religiosas, formas como as pessoas se
relacionam em diferentes contextos.

Em relação ao gênero e à sexualidade, algumas normas não só produzem


binarismos como homo e hetero, masculino e feminino, como também contribuem para a
compreensão de identidades e relações com prescrições. A problematização é importante,

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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pois atinge, inclusive, um casal heterossexual que não pretende casar ou ter filhos, por
exemplo, ficando fora do que é considerado norma.

Nesse texto é compreendida como perspectiva cultural o enunciado textual a


crenças, moral, costumes ou hábitos caracterizados pela posição da mulher e do homem
em uma sociedade, considerando-se as dimensões psicológicas, emocionais, sentimentais
e afetivas, constituintes da subjetividade. Essa compreensão se apoia na ideia de que “[...]
o social, o linguístico e o cultural atuando, direta ou indiretamente, em quem somos e
como pensamos e agimos, ou seja, os posicionamentos com os quais nos apropriamos e
nos subjetivamos constituem nossas identidades” (GODOY; SANTOS, 2014, p. 32).

3. Perspectiva híbrida – Na perspectiva híbrida, os aspectos biológicos estão


associados a atravessamentos sociais, culturais e/ou emocionais. As construções de
gênero e sexuais são diversas e amplas. Nessa perspectiva a concepção não se refere
somente à dimensão biológica, pois passa por outras dimensões; trata-se da integralidade
dos marcadores que nos atravessam, tanto biológicos como sociais, culturais e
emocionais.

FORMAÇÃO DOCENTE E EDUCAÇÃO SEXUAL

Como os discursos ligados aos gêneros que circulam no ambiente escolar


influenciam na construção identitária dos alunos e em cursos de formação de professores?
Buscou-se esteio em aportes teóricos de Bonfim (2011), Cássia Cristina Furlan e Dalci
Aparecida Bueno Furlan (2011) e Soares e Monteiro (2019) para tecer considerações
sobre esse tema.

Nos espaços escolares coexistem diversas realidades, culturas e identidades.


Adolescentes com variados tipos de formação, grupos e influências. Algumas situações
vivenciadas no contexto escolar se remetem à “[...] carência de respaldos teóricos e
práticos na formação dos educadores para trabalharem com a sexualidade com os alunos
especialmente no ensino fundamental a qual comporta os alunos na fase transitória que
dá início a adolescência” (BONFIM, 2011, p. 414).

Muitas vezes os cursos de formação inicial de professoras/es têm uma organização


curricular com maior carga horária em disciplinas teóricas do que nas práticas, como nos
estágios supervisionados. Também na formação docente muitas vezes não são tratados
temas importantes na educação (FURLAN, C. C.; FURLAN, D. A. B, 2011). Nesse
sentido, a formação docente continuada pode ser uma alternativa para o ensino ou
aprofundamento desta temática, quando não realizado na formação inicial. Devem ser
oportunizados meios para o professor perceber suas fragilidades e superar
vulnerabilidades, possibilitando a construção de saberes que fundamentem um trabalho
pedagógico sobre estas questões.

Pesquisa realizada com professores de ciências no estado do Rio de Janeiro


apontou que a inclusão da temática de gênero e sexualidade na escola depende
principalmente de ações individuais das/dos docentes preocupados com direitos humanos
e desigualdades sociais e que a formação continuada realizada contribuiu “[...] para a
compreensão de que várias das questões tomadas como naturais, como os estereótipos
ligados ao gênero e à orientação sexual, e os padrões dos arranjos familiares, são
construídos socialmente” (SOARES; MONTEIRO, 2019, p. 294)

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Sobre a educação relativa a questões de gênero e sexualidade em cursos de


formação inicial, Bonfim (2011, p. 413) afirma que “[...] a produção relacionada à
temática da Educação Sexual e Formação de Professores, no Brasil, não é recente, porém,
não aborda diretamente as causas pela qual práxis docente continua sendo
predominantemente a-históricas, a-críticas e a-sociais”. Bonfim (2011) afirma que:

Acreditamos que a forma do ensino-aprendizagem no que se refere às


Ciências Biológicas implícita nos livros didáticos e na forma do
professor ministrar suas aulas têm raízes históricas que o condicionaram
a trabalhar dessa forma, ou seja, uma deficiência em sua formação
enquanto educador, as reações aos pós-modernismos [...] Mudar essa
concepção requer em nossa visão, uma reflexão filosófica, política e
histórica sobre a Formação de Professores de Ciências Biológicas e das
transformações estruturais o mundo do trabalho em face às mudanças
do capitalismo globalizado (BONFIM, 2011, p. 410).

Em diferentes cursos de formação de professores a ênfase está em formar um


biólogo, um físico ou um químico, e não um professor de Biologia, Física ou de Química.
No caso das Ciências:
[...] as disciplinas específicas são fundamentais para a formação de
conhecimentos biológicos necessários a atuação profissional do
biólogo/bacharel, mas não dão conta de atender, também, a formação
docente, pois a atual matriz curricular dos cursos de graduação em
Ciências Biológicas mostra claramente que as disciplinas oferecidas
privilegiam a formação do Bacharel, deixando lacunas pedagógicas na
formação do Licenciado em Ciências Biológicas. Para tanto há que
mudar primeiro a ênfase dos cursos, e a concepção dos professores que
atuam nesta área (BONFIM, 2011, p. 419).

No entanto, é um desafio para a/o docente tratar de gênero e sexualidade em sala


de aula na contemporaneidade, pois os entendimentos dos corpos e das formas de
existência são atravessados por valores filosóficos, religiosos e éticos que moldam as
diversas formas em que os corpos, as sexualidades, os gêneros e suas identidades são
constituídas. Para que discussões sobre questões de gênero e sexualidade se tornem uma
realidade educacional, é necessário que na formação inicial e continuada esse tema seja
abordado.

O objetivo deste estudo foi compreender como perspectivas de gênero e


sexualidade são tratadas nos Manuais do Professor de seis coleções didáticas de Ciências,
e refletir sobre estas perspectivas em articulação à formação de professores.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Esse estudo teve natureza qualitativa, No delineamento da pesquisa optou-se pela


análise documental em que os livros didáticos constituem-se como principal fonte. No
que diz respeito à análise documental, Lüdke e André (1986) afirmam que:

Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem


ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do
pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação.
Não é apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem

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Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo
contexto (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39).

Qualquer enunciado está carregado de valores, significados e intenções, embora


esses elementos possam não estar imediatamente visíveis ao olhar do pesquisador.

CORPUS DOCUMENTAL

Neste estudo optou-se pela análise de conteúdo em fragmentos textuais sobre


gênero e sexualidade em Manuais ou Livros do Professor de Ciências para o ensino
fundamental. A escolha de livros didáticos de Ciências ocorreu por considerar esta
disciplina como com maior influência no pensar do corpo e da sexualidade. O material
selecionado para a análise é parte das coleções de livros de Ciências aprovadas pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o Ensino Fundamental para o triênio
de 2014-216. Foram inicialmente selecionadas as dez coleções com maior distribuição no
território nacional pelo PNLD, e destas posteriormente seis livros didáticos, uma vez que
em cada coleção, o tema gênero e sexualidade é abordado em apenas um dos anos
escolares. Os critérios foram o destaque dado à temática conjugado com a distribuição
das obras no período de 2014-2016 e a continuidade da aprovação do livro no PNLD
2017-2019. Os livros foram identificados com a abreviação LD seguida dos números 1 a
6 (Quadro 1).

Quadro 1 – Livros do PNLD 2014-2016 selecionados

Livros Obras em ordem de distribuição


LD1 GEWANDSZNAJDER, Fernando. Projeto Teláris: Ciências / Fernando
Gewandsznajder – 1.ed. – São Paulo: Ática, 2012.
Projeto Araribá: Ciências: organizadora Editora Moderna; obra coletiva
LD2 concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editora
responsável: Vanessa Shimanukuro- 3.ed. p São Paulo: Moderna, 2010.
LD3 CANTO, Eduardo Leite do. Ciências Naturais: aprendendo com o cotidiano.
4. ed. – São Paulo: Moderna, 2012.
GOUDAK, Demétrio Ossowski; MARTINS, Eduardo Laviere. Ciências
LD4 novo pensar – Edição renovada: corpo humano, 8º ano/1. ed. – São Paulo:
FTD, 2012.
LD5 BARROS, Carlos; PAULINO, Wilson. Ciências: o corpo humano: 8º
ano. 5. Ed. São Paulo: Ática, 2012.
LD6 USBERCO, João... [et al.]. Companhia das Ciências, 8º ano. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2015
Fonte: Adaptado de SILVA, 2017, p. 51.

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Nesse estudo foi utilizada a técnica de análise de conteúdo. A análise do material


se processou de forma cíclica e circular. Como afirma Moraes (1999, p. 26), “Os dados
não falam por si. É necessário extrair deles o significado. Isto em geral não é atingido
num único esforço”.

A análise de conteúdo, em sua vertente qualitativa, parte de uma série de


pressupostos, os quais, no exame de um texto, servem de suporte para captar seu sentido

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simbólico. “Este sentido nem sempre é manifesto e o seu significado não é único. Poderá
ser enfocado em função de diferentes perspectivas” (MORAES, 1999, p. 2). Essa análise,
“[...] conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a
reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível
que vai além de uma leitura comum” (MORAES, 1999, p. 9).

Foram analisados os seguintes elementos: 1) formação dos autores das coleções:


curso de graduação e pós-graduação, em particular na área de ensino de Ciências e/ou
Educação, e experiência docente na educação básica, considerando-se que a formação
como docente e a prática em sala de aula podem contribuir para a produção de livros
didáticos; 2) perspectivas de gênero: foram analisados temas relacionados a gênero e
sexualidade, relacionando-os a perspectivas biologizantes, culturais ou híbridas.

AUTORIA E GÊNERO NOS MANUAIS DO PROFESSOR DE CIÊNCIAS

Adiante se apresenta a análise dos dados sobre a formação dos autores e de


conteúdos sobre gênero nos livros didáticos de Ciências das seis coleções selecionadas.
Chama a atenção discutir gênero em livros didáticos de ciências e o livro a que se
destinam as informações pedagógicas vem com o título “Manual ou Livro do Professor”.
Sabe-se que o magistério tem uma diversidade de gêneros (e não apenas homens) em
atuação na educação básica. Poderia ser livro para ação docente, por exemplo. Essa
discussão tem aumentado no cotidiano escolar, sobre a linguagem sexista que faz
referência ao padrão masculino como regra (GARCIA, 2018).

SOBRE OS AUTORES DAS COLEÇÕES E SUA FORMAÇÃO

Os autores da maioria das obras realizaram pós-graduação (especialização,


mestrado ou doutorado) na área do Ensino de Ciências ou Educação (LD 1, LD 2, LD 3
e LD 6). Nas áreas de conhecimento específicas, alguns dos cursos de pós-graduação
cursados pelos autores foram em: Zoologia, Bioquímica, Genética, Microbiologia e
Oceanografia. Os autores dos LD4 e LD5 não se formaram em curso de pós-graduação,
conforme consultas realizadas nas coleções analisadas e currículos. Dois desses autores
têm formação em História Natural e experiência na produção de livros didáticos de
Ciências.

No que diz respeito ao gênero dos autores, o número de autores homens é superior
ao de mulheres. Dois Manuais do Professor são de autoria de um único autor do sexo
masculino (LD1 e LD3) e nenhuma mulher assume a autoria individual em qualquer um
dos seis livros. Mesmo nas obras com coautorias, apenas no LD2 mulheres assumem a
condição de autoras. O LD6 conta com um total de seis homens, ou seja, cem por cento
de autoria masculina, sem que nenhuma mulher tenha tido participação.

Aponta-se o predomínio do gênero masculino na autoria dos livros didáticos de


Ciências analisados. Os papéis assumidos na sociedade estão relacionados à identidade
de gênero, influenciado pela repetição de determinadas atuações ou “performances”,
inclusive no âmbito profissional (BUTLER, 2010). Apontar que a inserção das mulheres
como autoras desses materiais é inferiorizada em relação à dos homens revela a
importância de indicar propostas para tornar as relações menos desiguais.

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GÊNERO E SEXUALIDADE NOS LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS

Ao nascer, meninos e meninas apresentam características externas que


diferenciam os sexos: os meninos têm pênis e as meninas, vagina
(USBERCO, 2015, p. 176).

No LD6 esse enunciado inicia o tema “Adolescência, puberdade e sexualidade”


do capítulo denominado “A adolescência e desenvolvimento genital” (USBERCO, 2015,
p. 176). Nesse trecho identifica-se uma perspectiva biologizante, que relaciona o modo
de ser à constituição biológica, com a reprodução de uma norma social na qual a
identidade de gênero é estabelecida com a determinação do sexo da criança quando nasce.
O enunciado revela que se esperam papéis de gênero em conformidade com o sexo, ou
seja, o sujeito que nasce como macho deve ser menino e, de preferência, de
comportamento heterossexual, uma vez que, ancorado no discurso biológico, sua função
ou papel na sociedade é o de manter as futuras gerações (LOURO, 2010). Esse tipo de
afirmação acaba por legitimar o que é considerado um comportamento desviante, como
as identidades transexuais, por exemplo.

Entre os temas relacionados ao corpo masculino que foram mencionados


repetidamente, estão os que concernem aos mecanismos de ereção e ejaculação:

A testosterona faz os órgãos genitais (testículos e pênis) crescerem. [...]


Um dos primeiros sinais da puberdade costuma ser justamente o aumento dos
testículos e o alongamento e a descida do saco escrotal
(GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 256).

Durante o ato sexual ou com o aumento de estímulos no pênis, o esperma é


expelido do corpo. Esse processo recebe o nome de ejaculação (PROJETO
ARARIBÁ, 2010, p. 47).

[...] nos meninos, esses hormônios provocam um desenvolvimento dos


testículos e do pênis, que crescem um pouco. Todo o sistema genital masculino
também se desenvolve (CANTO, 2012, 193).

Durante os momentos que antecedem o ato sexual, o pênis enche-se de sangue


e se torna ereto, o que permite sua introdução na vagina da mulher para aí
depositar o esperma (GOUDAK, 2012, p. 205).

O pênis é um órgão de forma cilíndrica e constituído principalmente por tecido


erétil, ou seja, que tem a capacidade de se erguer. Com a excitação sexual, esse
tecido é banhado e preenchido por maior quantidade de sangue, o que torna o
pênis ereto e rígido (BARROS; PAULINO, 2012, p.55).

A eliminação do sêmen é chamada de ejaculação e pode ocorrer durante o ato


sexual, na masturbação e também durante o sono (fenômeno chamado polução
noturna) (USBERCO, 2015, p. 180).

Também os homens são os sujeitos que participam ativamente do sexo, ou seja, o


homem é compreendido como o sujeito ativo (LOURO, 2000). Na abordagem no LD4:
“Durante os momentos que antecedem o ato sexual, o pênis enche-se de sangue e se torna
ereto, o que permite sua introdução na vagina da mulher para aí depositar o esperma”. O
papel da mulher é de participante passiva e inerte, em contraposição à ideia de ação
masculina, como aponta Alves (2015, p. 83). “[...] os livros didáticos frequentemente

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apresentam os conteúdos ligados à reprodução de forma a reforçar os estereótipos de
passividade feminina, em contraposição à atividade masculina”. Essa abordagem do
conhecimento contribui para reforçar o estereótipo de gênero.

Sobre a genitália feminina, em apenas dois livros há citações sobre o mecanismo


de excitação, prazer ou orgasmo feminino. No LD5 há uma visão desatualizada, quando
afirma que “O clitóris é um órgão externo e pequeno, que possui tecido erétil. É um órgão
que proporciona prazer sexual à mulher” (BARROS; PAULINO, 2012, p. 58). Contudo,
sabe-se que o clitóris é formado por componentes externo e internos (corpo, ramos e
glande), além de ser um órgão que mede cerca de oito centímetros, sendo sua estrutura
composta por uma parte externa e outra interna (FILHO et al., 2010). Nos livros
analisados há destaque do que se refere ao corpo masculino, enquanto o prazer feminino
está invisibilizado.

Já no quadro do livro LD1 intitulado “Mulher: a relação sexual e alguns cuidados”


(GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 223), propicia-se uma abordagem que contribui para
melhor representação do corpo da mulher, com concepções sobre prazer e cuidados com
a saúde. O autor realizou abordagens semelhantes para os corpos da mulher e do homem:

Durante a troca de carícias, a secreção vaginal aumenta e facilita a penetração


do pênis [...] Há também um acúmulo de sangue que faz inchar os órgãos
genitais externos e endurece os mamilos [...] A mesma mulher pode ter
orgasmos diferentes, mais intensos ou mais fracos [...] Em geral, a mulher
precisa de mais estímulos sexuais que o homem para atingir o nível de
excitação que leva ao orgasmo (GEWANDSZNAJDER, 2012, p.223).

No LD1 também há conhecimentos sobre a saúde feminina, destacando a


importância de visitas regulares ao ginecologista para o diagnóstico de sintomas ligados
ao câncer de mama e doenças sexualmente transmissíveis.
Quanto ao gênero masculino, o autor faz diferentes abordagens no quadro
“Homem: cuidados e problemas” (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 220). O texto aponta
para o risco de esterilidade, causada pela criptorquidia, doença relacionada à posição dos
testículos presos à cavidade abdominal dos meninos no nascimento. O autor aponta a
preocupação masculina na perda da capacidade de manter a ereção (disfunção erétil ou
impotência) e explica o câncer de próstata e necessários cuidados médicos, além de
indicar sintomas que podem auxiliar a detectar infecções sexualmente transmissíveis:

O câncer mais frequente em homens depois dos 50 anos é o câncer de


próstata. Nesse caso, o diagnóstico precoce aumenta muito as chances
de cura da doença. Por isso homens com mais de 40 anos devem ir ao
urologista anualmente (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 221).

E devem procurar também o médico se sentirem dor ou ardência ao


urinar, coceira, caroços, bolhas ou verrugas em torno dos órgãos
genitais (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 221).

Somente no LD1 foram localizadas abordagens aproximando os aparelhos


genitais masculino e feminino, com cuidados relativos à saúde dos homens. O fato de esse
corpo ser visto como mais forte e vigoroso dificulta a existência de um lugar para
dificuldades, fraquezas e/ou doenças e autocuidado, uma vez que essas características
poderiam sinalizar “[...] fraqueza, medo, ansiedade e insegurança, representada pela

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procura aos serviços de saúde”, tornando-se uma ameaça à masculinidade (GOMES,
2007, p. 569).
Sobre o sistema genital feminino, a explicação sobre o “hímen” foi localizada em
três Manuais do Professor (LD1, LD2 e LD6) na perspectiva biológica e sem a
problematização dos significados de “virgindade”:
Nas mulheres virgens, a entrada da vagina é coberta por uma pele fina
chamada hímen, com um ou mais orifícios que permitem a passagem
do sangue da menstruação (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 220).

Vagina. É o canal que liga o útero ao meio externo e tem,


aproximadamente, sete centímetros de comprimento. A abertura da
vagina pode ser parcialmente fechada por uma membrana chamada
hímen (PROJETO ARARIBÁ, 2010, p. 49).

O hímen é uma fina membrana localizada na entrada da vagina. Essa


membrana apresenta um ou mais orifícios por onde é expelido o fluxo
menstrual (...). Essa membrana não apresenta nenhuma função
fisiológica relacionada à reprodução e geralmente rompe-se na primeira
relação sexual. Sua ruptura nem sempre é acompanhada de
sangramento (USBERCO, 2015, p. 184).

Os gêneros no LD6 não são contemplados em abordagens similares, sendo


privilegiado o gênero masculino, com a omissão de questões ligadas ao corpo da mulher.
Os quadros que tratam de temas relativos ao homem são em número superior do que os
direcionados às mulheres: “Em pratos limpos – ginecomastia” (USBERCO, 2015, 181);
“Circuncisão” (USBERCO, 2015, 182); “O mecanismo de ereção” (USBERCO, 2015,
183); “Câncer de próstata” (USBERCO, 2015, 188). Apenas um foi identificado
direcionado à mulher: “Hímen” (USBERCO, 2015, 184). Nota-se o silenciamento sobre
temas relacionados ao corpo e à saúde feminina.

No LD6 o trecho sobre a ginecomastia: “Muitos garotos se sentem tão


incomodados com a aparência de suas mamas que podem deixar de praticar atividades
esportivas – como natação-ou atividades de lazer, como ir à praia” (USBERCO, 2015,
p.181) reproduz uma cultura em que determinadas características corporais são apenas de
um corpo feminino ou masculino. A ginecomastia refere-se ao aumento do tecido
mamário e ocorre em grande parte dos adolescentes masculinos (RIBEIRO, 2010).

As representações sobre os corpos podem operar sob uma lógica que reproduz
identidades e comportamentos dicotômicos em relação aos gêneros. O feminino
incorporado a um sujeito masculino pode ser motivo de incômodo, vergonha e
inferioridade, com o medo de que tais características sejam atribuídas à
homossexualidade.

Quando não há a tentativa de se desestigmatizar o motivo pelo qual nos homens


qualquer traço de “feminilidade” o desqualifica ou inferioriza, pelo contrário, apenas
deixa explícito em como seus corpos são vigiados e controlados, o texto não auxilia na
compreensão de como ocorre a construção de suas identidades genereficadas. Imaginar o
corpo masculino é pensar em um corpo musculoso, forte, viril, encontrado em academias,
propagandas publicitárias, retirado das histórias em quadrinhos, produzindo e
reproduzindo algumas formas estabelecidas de existir, movendo-se como intervenção do
real. Esse ideário vem sendo um referencial histórico de corporeidade masculina, onde os

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corpos que se desviam desse padrão, são geralmente expostos ao ridículo, desprezados
ou ainda excluídos da mídia (FAQUINETE; BARRETO, 2013, p. 11). Apenas em um
quadro informativo em um único livro, os papéis sociais masculinos e femininos são
questionados: “Qual é o papel de cada um? Quais são os comportamentos considerados
“corretos” e “adequados” para homens e para mulheres?” (USBERCO, 2015, p. 179).

O texto afirma que “[...] a mulher ainda enfrenta preconceito e diversos tipos de
violência social” (USBERCO, 2015, p. 179). Aborda a falta de equivalência de salários,
diante da inclusão crescente no mercado de trabalho e cita a Lei Maria da Penha como
uma importante ferramenta de preservação à sua saúde física e mental. Todavia, ainda
que seja o único material que reconheça e cite as várias problemáticas e diferenças que
existem e se mantém devido exclusivamente à condição em ser mulher e as violências a
ela atribuídas, o conteúdo faz uma abordagem superficial. Ressaltar de maneira efetiva os
diversos aspectos e contextos de como o gênero pode ser vivenciado é essencial para
diminuir preconceitos, promover respeito, sensibilização e auxiliar na construção de
identidades.

Além disso, merece destaque o fato de que os papéis masculinos também não são
discutidos e do quanto tal omissão sobre o que aportam certas pluralidades identitárias
pode servir a uma tentativa de aprovação/manutenção de determinados comportamentos
ditos masculinos, naturalizando-os. Como consequência, “[...] agencia-se não só á
cristalização da dicotomia masculino-feminino, mas também a impossibilidade de
perceber as diferenças entre os modos de estar homem em suas vivências” (FAQUINETE;
BARRETO, 2013, p.14). O machismo e o sexismo afetam tanto os homens como as
mulheres. Como afirma Macedo (2007, p. 49), “[...] os processos culturais são sempre
dinâmicos e submetidos à história. E os corpos não podem ser retirados de seus contextos
culturais, fazendo com que a sua dimensão biológica seja reduzida ao mecânico ou
inanimado”.

Atenta-se para a ausência das identidades de gênero dos seis livros didáticos, com
a compreensão de que não existe nada além do homem e da mulher. No entanto, existem
mais do que dois gêneros. “Alguns concordam e alegam que existem pessoas transexuais
e travestis, que explicitamente, em alguns casos, preferem ficar no trânsito entre os
gêneros” (COLLING, 2013, p. 411). Outro silenciamento é a ausência de experiências e
vivências para além da heterossexualidade. Palavras como “homossexualidade” e/ou
“bissexualidade” não foram utilizadas nesses materiais, com exceção do LD1 (em
“noções de sexualidade - p.65). Entende-se que, entre que os temas referentes às
construções de gênero e às orientações sexuais, foram omitidos aspectos relevantes nas
abordagens em uma perspectiva cultural e/ou híbrida.

De acordo com Louro (2014, p. 68), currículos, normas, procedimentos de ensino,


teorias, linguagem, materiais didáticos, processo de avaliação são seguramente, loci das
diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe - são constituídos por essas distinções e,
ao mesmo tempo, seus produtores. Com ancoragem na necessidade de abordagens
diversificadas e de uma produção interdisciplinar, considera-se importante a inclusão do
debate sobre gênero e sexualidade no ensino e formação de professores de ciências.

É importante que essa temática seja abordada na formação do professor em cursos


de licenciatura em Ciências e Ciências Biológicas, assim como em outras áreas na
formação inicial, possibilitando elementos para o ensino de questões de gêneros e

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sexualidades em suas diferentes dimensões e significações (BONFIM, 2011, MOREIRA;
SILVA, 2019). Também se torna relevante a discussão e reflexão sobre esta temática na
escola e nos cursos de formação docente, como modo de enfrentamento da discriminação
por gênero e orientação sexual e visando à garantia dos direitos humanos, sexuais e
reprodutivos das pessoas. Espera-se que os resultados desta pesquisa possam contribuir
e incentivar a realização de outros estudos na área do Ensino de Ciências e Educação.

CONCLUSÃO

A análise dos seis Manuais do Professor apontou concepções tradicionais


atribuídas aos gêneros. O binarismo rígido e a heteronormatividade são expressos na
forma apenas de duas categorias distintas e opostas. A dicotomia homem x mulher com
seus papéis pré-determinados, prevalece nas obras, sugerindo comportamentos e
atitudes. Esse essencialismo homem x mulher muitas vezes dita padrões de vivências e
conhecimento sobre os corpos.

No tocante à anatomia dos corpos, há uma dicotomia biológica bem definida e


com diferentes abordagens para o pênis e a vagina. O clitóris é negligenciado em tamanho
e estrutura e tem a função de estar ligado ao prazer feminino omitida em alguns livros.
Esses silenciamentos e representações que reafirmam binarismos e heteronormatividade
excluem formas de ser e viver o corpo e a sexualidade que não estejam em conformação
com o binário. Coloca-se no campo da anormalidade a transexualidade, quando o gênero
é significado pelo que é inerente, natural e biológico.

Na atualidade há precariedade de investimentos públicos na educação em geral, e


na formação continuada dos professores em particular, acarretando menos condições para
os educadores enfrentarem preconceitos e discriminações. Também é importante
estabelecer políticas públicas sólidas que garantam a liberdade de expressão, e refletir
sobre como estudos de gênero e sexualidade podem resultar não em uma prática
regulatória, mas em uma oportunidade de repensar relações entre sujeitos socioculturais,
em outros modos que tocam a experiência humana.

Compreendemos que seja uma utopia pensar que a instituição escolar possa
mediar todos os problemas relacionados às questões de gêneros e sexualidades da
sociedade, ainda mais se considerarmos as más condições de trabalho em que muitos
professores e outros agentes educacionais exercem suas atividades. Porém, também não
podemos deixar de ressaltar que as escolas são espaços importantes na construção de
relações sociais e da identidade. Ao abordar materiais didáticos e processos que produzem
e cristalizam diferenças, podemos estar atentos às questões de gêneros e sexualidades e
desnaturalizar os estigmas neles expressos.

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16. ENSINO E APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS
PARA ESTUDANTES SURDOS DO
FUNDAMENTAL II: DA TEORIA À UMA
FORMAÇÃO E PRÁTICA EDUCATIVA
INCLUSIVA

Daniella de Souza Bezerra45


Janaína A. Silva Bassani46
INTRODUÇÃO

Tendo como pressuposto a concepção politécnica de educação


(SAVIANI, 1989), parte-se aqui da compreensão de que o processo inicial e continuado
de formação de professores deve se alicerçar e se comprometer, radicalmente, com
práticas educacionais mais abrangentes envolvidas com a tarefa de mudar as condições
objetivas de reprodução metabólica social, assim como com a automudança consciente
dos indivíduos (MÉSZÁROS, 2008, p 65).

Nessa senda, uma educação politécnica pressupõe que no processo formativo


ocorra a plena expansão do indivíduo humano (omnilateralidade), bem como se insere
dentro de um projeto de desenvolvimento social de ampliação dos processos de
socialização, não se restringindo ao sentido unilateral, interessado e imediato do mercado
de trabalho. Ela guarda relação com as potencialidades libertadoras do desenvolvimento
das forças produtivas assim como com a negação destas (MACHADO,1997).

Apoiados na defesa da formação profissional a partir do conceito de educação


politécnica, o qual está diretamente ligado à ideia da busca da omnilateralidade a partir
da ruptura com a divisão do trabalho enquanto fundamento da sociabilidade humana, este
trabalho, ao conceber a formação inicial e continuada dos professores, como uma “esfera
privilegiada de concretização de uma educação para a emancipação e autonomia do ser
humano” (SILVA, 2011, p.13), está organizado em duas partes: na primeira, é feita uma
revisão teórica sobre a educação em ciências para surdos, explicitando suas bases
metodológicas. Na segunda, discutem-se dados empíricos advindos da implementação de
uma sequência didática que foi elaborada utilizando materiais e recursos visando o ensino
de ciências sobre adolescência numa perspectiva inclusiva, cujo desenvolvimento se deu
em um turma de 6º ano do ensino fundamental II com estudantes surdos e ouvintes.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES, EDUCAÇÃO INCLUSIVA E


ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: UMA INTERSEÇÃO NECESSÁRIA

45
IFG, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6399-9120
46
SEDUC/GO, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9109-0926

221
Michele W. Comarú; Fabiana da S. Kauark; Nahun Thiaghor L. P. Gonçalves (Organizadores)
ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Inicialmente procuramos relacionar o ensino de ciências e sua relação com a
formação, em serviço, de professores e a educação de surdos, apresentando alguns
aspectos necessários à educação inclusiva referenciando alguns autores que exploraram
em seus estudos estratégias adaptadas que contemplassem surdos e ouvintes.

Sobre o ensino de ciências, Moreira (2008) afirma que ele deve:

deve convergir para objetivos tais como: desenvolvimento da consciência


crítica dos educandos, capacidade de tomar decisões e aprendizagem de altas
habilidades no campo da cognição. Relaciona-o à vida cotidiana e às
experiências novas advindas de todo o progresso no campo científico e
tecnológico ( MOREIRA, 2008 p. 14).

É incontestável que os avanços científicos, tecnológicos e sociais provocaram


mudanças em relação ao ensino em geral. Constata-se que os estudos sobre o ensino de
ciências nos últimos anos, têm se direcionado para uma educação mais comprometida e
contextualizada, por meio de uma prática pedagógica comprometida com a emancipação
humana.

Outro fator preponderante no ensino e aprendizagem de Ciências, diz respeito à


formação de professores. A esse respeito, Carvalho (2011), considera que o primeiro
passo para ser um bom professor de Ciências é romper com as visões simplistas sobre o
ensino de Ciências. Esse tipo de visão que muitos professores possuem, pode ser devido
à pouca familiaridade e pouco contado com as contribuições das pesquisas acadêmicas e
inovações didáticas. Para o autor, muitos professores acreditam que, para ser um bom
profissional, limita-se ao domínio do conteúdo e alguns procedimentos psicopedagógicos.

Os desafios estão presentes em nossa prática cotidiana, por esse motivo,


defendemos a necessária reflexão sobre nossa prática e a busca pelos conhecimentos. Para
isso, é essencial que o professor domine o conhecimento para sua atuação no ensino
inclusivo de Ciências, que utilize recursos que tenham significado e que garanta aos
estudantes ouvintes e surdos o conhecimento historicamente acumulado pela
humanidade, contribuindo, portanto, com o desenvolvimento de sua plena expansão e sua
omnilateralidade.

Inobstante, de acordo com Quadros e Schmiedt (2006), pesquisadores da área de


educação de surdos ressaltam que as condições de ensino oferecidas aos surdos são
desiguais comparadas aos estudantes ouvintes. Geralmente os conhecimentos
desenvolvidos nas instituições de ensino são exclusivamente em língua portuguesa e,
considerando que o surdo não domina essa língua, são prejudicados com relação à
apropriação do conhecimento. “O aluno surdo não pode aprender um conteúdo
transmitido em uma língua que ele não domina fato que restringe a sua aprendizagem a
uma quantidade muito reduzida de conhecimentos com qualidade questionável”
(QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p.50).

Quadros (1997) afirma que na escola os educandos surdos não recebem a instrução
formal em Libras. Isto gera um ambiente impróprio à forma particular de processamento
cognitivo e linguístico desses alunos. Constata-se que o surdo chega, mormente, à escola
sem aquisição de uma língua, considerando que a maioria delas são filhos de pais
ouvintes, portanto, elas precisam de um ambiente no qual essa língua ocorra de forma
espontânea e natural. E isto, conforme Freeman (1999), só é possível se o surdo estiver
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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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em contato com outras crianças surdas, com adultos surdos ou professores ouvintes que
falem fluentemente a língua de sinais.

O surdo teve suas necessidades negligenciadas, e foram colocados à margem das


questões sociais, culturais e educacionais. No entanto, atualmente é reconhecido que a
principal barreira que o surdo enfrenta é em relação à linguagem, e esta, pode ser superada
com o uso da Língua Brasileira de Sinais e a utilização de metodologias que utilizem
outros canais que não sejam a audição.

De acordo com Ramos (2011), há vários estudos relacionados ao ensino de


ciências que atestam a importância de se partir dos conhecimentos que os alunos trazem
de suas experiências pessoais, que são responsáveis pela formação de conceitos prévios,
para a construção de conceitos científicos.

Tardif (2014) considera que as relações dos professores com os saberes nunca são
exclusivamente cognitivas ou intelectuais, elas são mediadas pelo trabalho que lhes
proporciona fundamentos para superar os desafios solucionando os problemas
encontrados em sua prática pedagógica. Dessa forma o saber docente é composto por
vários outros saberes originários de diferentes fontes. Entre eles estão: o saber curricular,
advindos de programas e manuais escolares; saber disciplinar, composto pelos conteúdos
e matérias ensinadas no ambiente escolar; o saber da formação profissional, aprendido na
formação inicial e por fim, o saber cultural adquirido em sua história de vida e que é
compartilhado com os alunos. Isto posto, o saber docente é composto de inúmeros saberes
vivenciados pelos professores ao longo de sua vida.

Para Glat e Pletsch (2004), o papel da universidade na elaboração de


conhecimentos para a educação inclusiva é formar professores que não sejam apenas
instrumentos de transmissão de conteúdos, mas, acima de tudo, profissionais capazes de
criar e desenvolver novas proposições frente à diversidade humana. Estes profissionais
devem estar preparados para construir estratégias de ensino, adaptar atividades e
conteúdos não apenas para os alunos com algum tipo de deficiência, mas para todos.

Entretanto, Glat e Pletsch (2004) ressaltam que ainda há poucas pesquisas e


práticas educacionais validadas cientificamente demonstrando o que deve ser feito para
uma inclusão efetiva, atendendo os alunos com necessidades especiais no cotidiano de
uma escola de ensino regular.

De acordo com Glat e Pletsch (2004) o currículo para uma escola inclusiva, não
pode ser resumida somente em algumas adaptações feitas para acondicionar os estudantes
com necessidades especiais. A educação inclusiva demanda uma nova concepção
curricular, atendendo a diversidade de seus discentes garantindo um bom nível de
educação para todos.

Cachapuz (2005) afirma que o professor deve incentivar os alunos a identificar


suas limitações, a refletir sobre suas possíveis causas, tornando-os confiantes o suficiente
para que, num clima de livre-arbítrio, possam transpor os obstáculos, sem perder o rigor
intelectual.
Nessa perspectiva, faz-se necessária a alfabetização científica defendida pelo
autor, mas como torná-la acessível ao estudante surdo? Apesar da necessidade de uma
adaptação curricular e metodológica no âmbito do processo de ensino e aprendizagem

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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daqueles que apresentam necessidades especiais ser amplamente discutida, percebe-se
que ainda existem poucos trabalhos voltados para a prática docente que possam ajudar no
ensino do surdo.

Ramos (2011) enfatiza que o professor precisa considerar que o aluno surdo é um
indivíduo que interage e compreende o mundo por meio de experiências visuais, portanto,
são necessárias adaptações curriculares e avaliativas, que contemplem a disponibilização
de equipamentos e do acesso às tecnologias da informação e comunicação, como recursos
de apoio à educação.

Em síntese, compreendemos, que o trabalho com surdos nos permite perceber a


importância não só da Libras nas aulas, mas também da necessidade de uma mudança
atitudinal por parte do professor, do intérprete e da escola, no sentido de oferecer uma
maior diversidade de recursos didáticos, sobretudo visuais e materiais concretos, que
visem a estimular os outros sentidos, suprimindo ou minimizando, assim, as dificuldades
de aprendizagem. Reconhecendo a importância e a necessidade do ensino de Ciências,
direcionamo-nos para as metodologias que atendam às necessidades educacionais dos
surdos.

PRÁTICAS INCLUSIVAS PARA A EDUCAÇÃO DE ESTUDANTES SURDOS

Apesar da reconhecida importância do ensino de Ciências desde a primeira etapa


da Educação, ainda encontramos algumas barreiras para sua efetivação. Uma destas
barreiras trata-se da formação tanto inicial quanto continuada dos professores de primeira
fase que, geralmente priorizam apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e a
Matemática deixando de lado a Ciência.

A inclusão torna ainda maior o desafio se o professor não tiver uma formação
adequada. Para que haja inclusão do surdo no ensino regular é preciso que o professor
entenda suas características e esteja disposto a utilizar estratégias diversificadas
reconhecendo que sua aprendizagem se difere do ouvinte, sendo, portanto, necessário o
uso de estratégias diversificadas, que estimule os outros sentidos, além da realização de
algumas flexibilizações no currículo.

Oliveira (2012) relata sobre as dificuldades enfrentadas como surda durante sua
vida escolar, diante disso, propõe um estudo sobre a relação entre o intérprete da Libras
e o professor de ciências. De acordo com a autora, para que as metodologias de ensino
de ciências obtenham êxito, além da diversificação de estratégias, é preciso haver uma
parceria entre estes dois profissionais que precisam trabalhar em conjunto desde o
planejamento até a execução da atividade, analisando e apresentando adaptações
curriculares e metodológicas necessárias com o objetivo de atender surdos e ouvintes.

Em sua proposta, Oliveira (2012) defende o bilinguismo, enfatizando sua


importância para a aprendizagem dos conceitos científicos pelos surdos numa escola
inclusiva. Em primeiro lugar é preciso que o surdo seja alfabetizado em Libras, com
comunicação fluente entre seus pares, e posteriormente, aprenda o português como
segunda língua. Mesmo que o ensino de Ciências seja intermediado pelo intérprete da
Libras, é necessário que este profissional compreenda os termos utilizados pelo professor
de ciências e tenha o mínimo de conhecimento sobre o conteúdo que está interpretando.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Por outro lado, é essencial que o professor de ciências tenha, minimamente, conhecimento
de nível básico da Libras para que possa estabelecer contato com o aluno surdo.

A busca por estratégias pedagógicas para o ensino de ciências visando à


construção de conhecimentos é proveitosa a todos os indivíduos para que possam
desenvolver-se com autonomia de forma que sejam capazes de tomar decisões,
independente, de ser surdo ou ouvinte. Nesse sentido apresentamos algumas
metodologias que atendam a essas proposições.

DA PEDAGOGIA VISUAL AOS RECURSOS PARA PRÁTICAS EDUCATIVAS


INCLUSIVAS DE SURDOS

A escassez de recursos visuais para o ensino de ciências na educação dos surdos


compromete a promoção de uma educação científica, por isso objetivamos destacar a
importância dos aspectos da visualidade para a educação deles, a fim de desenvolver uma
abordagem sobre experiências visuais contribuindo para um ensino de ciências e
formação docente que atenda às suas especificidades.

De acordo com Campello (2008), para que se possa discorrer sobre o processo de
ensinar e aprender fundamentado em uma pedagogia para surdo, ou de uma pedagogia
visual, relacionada à escolarização destes, é preciso, antes, debater sobre a importância
do signo visual, descrevendo as necessidades específicas relacionadas à constituição
destes sujeitos, além de definir o que se compreende como pedagogia visual.

O signo visual, usado pela comunidade surda, envolve uma percepção visual e a
construção de ideias e imagens visualizadas que controlam ou se constitui como
princípios da língua de sinais que possibilitam a comunicação dos surdos. Nesse sentido,
o signo visual está relacionado à realidade dos surdos que se constitui mediante a
apropriação deste, por meio do “ver”, uma vez que, seu processamento visual é diferente
do processamento da “fala”. (CAMPELLO, 2008).

Explica Campello (2007), que o uso de recursos baseados na experiência visual


reforça o argumento da importância da:

exploração de várias nuances, ricas e inexploradas, da imagem, signo subsídios


para melhorar e ampliar o leque dos “olhares” aos sujeitos surdos e sua
capacidade de captar e compreender o “saber” e a “abstração” do pensamento
imagético dos surdos. (CAMPELLO, 2007, p. 130).

Campello (2008) situa a pedagogia visual como um novo paradigma frente à


educação de surdos. É descrita como sendo a pedagogia baseada na visualidade Ela
ressalta que a abordagem sobre a cultura visual, a identidade, a pedagogia e a educação
dos surdos ainda é escassa devido ao percurso histórico e a predominância da filosofia
oralista submetida diante de um ideal estético-cultural fonocêntrico.

A autora defende que, para superar o obstáculo mediante as manifestações escritas


pelos surdos e ouvintes, isto é, pelas manifestações visuais dos surdos por meio das
filmagens e de suas narrativas surdas, é necessário estimular o debate ampliando o âmbito
conceitual, enfatizando a importância de uma “cultura visual”, almejando difundir as
práticas educativas por meio da existência ampla de práticas e de “experiências visuais”

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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e da emergência de uma educação “visual”. Para ela, a língua de sinais também é uma
destas experiências visuais.

Além da língua de sinais, Campello (2008) cita outras metodologias


fundamentadas no campo visual como: os jogos educativos, contação de histórias,
exposição, CD e DVD, artes plásticas, filmes legendados de gêneros diversos. Estas
metodologias auxiliam o surdo na construção de um arquivo de imagens que
posteriormente serão utilizadas durante a comunicação por meio da língua de sinais.

Campello (2007) propõe aos professores que se coloquem no lugar dos surdos,
convidando-os a sentirem as mensagens que as imagens passam para isso, ela sugere que
seja desvinculada toda informação verbal ou oral, como por exemplo, assistir a um filme
sem áudio e sem legenda observando as cenas e expressões e depois tentarem explicar o
que compreenderam utilizando preferencialmente a Libras. De acordo com a autora, é
preciso que os ouvintes se insiram na cultura surda, em sua linguagem, seu modo de
pensar, seria como ser surdo, para assim, transformá-las em “palavras visuais”, isto é,
utilizando linguagem viso-espacial Constata-se, portanto, que a pedagogia visual é
necessária para o surdo, pois, os recursos visuais devem orientar o processo de ensino
aprendizagem destes por terem um campo visual periférico mais desenvolvido que os
ouvintes.

Vale ressaltar que as imagens por si só não definem universalmente a pedagogia


visual aplicada aos surdos, não trata simplesmente de se render ao “bombardeio” de
imagens ao qual somos expostos constantemente. Uma pedagogia visual deve levar em
conta a realidade do ensino dos surdos, especialmente quanto à aquisição da linguagem e
dos recursos didáticos apropriados ao ensino deles no âmbito escolar, buscando a
subjetividade dos pensamentos imagéticos, produzindo conhecimentos científicos
construindo uma concepção de mundo mediada pelas experiências visuais.

Reconhecendo a importância do uso da pedagogia visual no trabalho com alunos


surdos, para efetivação do processo de internalização de conceitos científicos, elencamos
dois recursos para utilizados em nossa prática educativa.

VÍDEOS: UM RECURSO ÚTIL PARA EDUCAÇÃO DE ESTUDANTES SURDOS

O vídeo é um dos recursos apontados por Campello (2008) que faz parte da
pedagogia visual e que pode ser útil no ensino com os surdos, uma vez que, utiliza a
visão.

Ramos (2011) relata em seu trabalho que a utilização de vídeos com os surdos
permitiu que eles tivessem mais interesse possibilitando que os conteúdos ficassem mais
claros, promovendo a contextualização de maneira mais genérica dos conceitos
explorados, além de refletir maior interesse nos alunos. Outro recurso utilizado por
Ramos (2011) em seu trabalho foi a escrita de palavras-chave na lousa que orientaram a
datilologia (utilização do alfabeto manual em Libras) resultando numa maior coesão entre
os recursos utilizados e a explicação em Libras. Além das palavras-chave, também foram
utilizadas ilustrações para que os alunos se orientassem e pudessem representar alguns
conceitos sobre o objeto de estudo.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Quanto ao uso do vídeo em ambiente escolar, Morán (1995) trabalha com
diferentes formas de exploração da linguagem que o recurso metodológico permite, e
considera o vídeo como um recurso sensorial, visual, que apresenta linguagem falada,
musical e escrita. Para ele, estas linguagens que interagem e se interligam e se bem
utilizado, o vídeo consegue atingir diferentes sentidos e de maneiras diferentes,
informando, entretendo, projetando em outras realidades, alcançando até nosso
imaginário, em diferentes tempos e espaços.

Optamos por usar as duas formas consideradas por Morán (1995) mais
importantes no ambiente escolar: primeiro como sensibilização e segundo, como
produção, com a edição de um pequeno vídeo que foi gravado e editado pelos alunos.

HISTÓRIA EM QUADRINHOS: OUTRA ALTERNATIVA ALIADA À EDUCAÇÃO


DE SURDOS

A escolha do gênero textual História em Quadrinhos (HQ) deu-se pelo fato de que
segundo Santos (2003) a linguagem característica dos quadrinhos e os elementos de sua
semântica, se bem utilizadas podem ser um bom aliados ao ensino, uma vez que une o
texto ao desenho conseguindo tornar mais explícito, em especial, para o surdo, conceitos
que continuariam abstratos se apresentados somente por meio de textos escritos.

Ainda de acordo com Santos (2003), vários temas da atualidade ou de natureza


histórica, ética ou científica podem ser discutidos a partir da leitura de HQ. Ao utilizar os
quadrinhos como ponto de partida de um debate, os educandos têm em mãos um material
que os possibilita refletir a respeito de ideias e de valores, podendo formar sua opinião
sobre o assunto.

Enfim, o uso de HQ possibilita um manancial rico para os educadores,


despertando o interesse dos estudantes, além de criar o hábito de leitura sistemática.
Estimulando também a conscientização, a criticidade, e o despertar por aptidão artística
e a criatividade dos educandos.

A partir dos recursos apresentados, certificamos que é possível inserir a educação


científica de modo a atender surdos e ouvintes de forma dinâmica e prazerosa. No entanto,
vale ressaltar que além de metodologias apropriadas é preciso considerar que a avaliação
também deve atender às particularidades do ensino dos surdos.

PRÁTICA EDUCATIVA INCLUSIVA E CIENTÍFICA NO ENSINO


FUNDAMENTAL II: ADOLESCÊNCIA E SEXUALIDADE EM FOCO

Nesta seção, trataremos sobre uma sequência didática constituída por atividades
adaptadas ao aluno surdo no Ensino Fundamental II sobre o tema Adolescência. A prática
educativa foi desenvolvida em uma turma do 6 º ano do Ensino Fundamental II. Foram
produzidas algumas atividades como aulas dialogadas, apreciação e produção de vídeos,
confecção de material concreto, jogos e produção de História em Quadrinhos. À guisa de
delimitação, neste trabalho, focaremos no uso de vídeos e histórias em Quadrinhos

De acordo com Zabala (1998), sequência didática trata-se de um conjunto de


atividades elaboradas, estruturadas e associadas para a realização de determinados

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objetivos educacionais que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelo professor
como pelos alunos. Ele defende que a identificação das etapas, atividades e relações
estabelecidas em uma sequência didática dever servir para o entendimento de sua
relevância educacional, assim como, das mudanças e inserção de atividades que possam
contribuir com ela.

Para Zabala (1998), o objetivo das sequências didáticas não é avaliar a validade
de determinados métodos, comparando a outros, mas sim, de oferecer subsídios que
permitam ao professor diferentes formas de intervenção.

A sequência didática, além de ser um conjunto de atividades, se apresenta como


um momento democrático para a ação pedagógica, possibilitando que os alunos
participem ativamente de todo o processo, interagindo com os colegas,
trocando experiências, em que as surdas podem auxiliar os ouvintes ensinando os sinais
em Libras e por sua vez os demais alunos ensinarem a elas o conteúdo em Língua
Portuguesa.

A sequência didática proposta foi dividida em sete atividades, das quais focaremos
aqui naquelas que utilizaram vídeos e HQs

A primeira atividade baseou-se em uma aula expositiva utilizando pequenos


vídeos que tratavam da adolescência e das mudanças do corpo humano. Destacamos o
sistema reprodutor, para que os alunos conseguissem perceber as diferenças entre o corpo
masculino e o feminino.

De início, a opção de se usar o vídeo foi o de sensibilização e exploração de


imagens, oportunizando que os alunos utilizassem os diferentes sentidos, uma vez que, o
vídeo corresponde a um recurso audiovisual que possibilita a síntese entre imagem e som,
gerando diferentes sensações.

Apresentamos o primeiro vídeo que foi produzido em libras com legenda em


Língua Portuguesa, intitulado: Educação Sexual para Adolescentes Surdos, e está
disponível no youtube.

De acordo com Pessanha (2013), o uso de vídeos bilíngues almeja oferecer


condições de aprendizagem tanto para os estudantes surdos quanto para os ouvintes. O
autor destaca que o uso de legendas em vídeos favorece ao surdo a aquisição da Língua
escrita, além de ajudar a compreensão do conteúdo pelo ouvinte.

Durante a exibição do vídeo, ocorreu um fato interessante, os alunos ouvintes


ficaram atentos para conseguirem entender o que o vídeo mostrava e para lerem as
legendas, enquanto a aluna Júlia ficou mais eufórica e sempre apontava algo, dizia que já
tinha aprendido o que estava no vídeo.

Em seguida, assistimos ao outro vídeo que tem como título: Adolescência e


Sexualidade. Como ele não foi produzido em Libras e não continha legenda em língua de
sinais, contamos com o auxílio da intérprete que realizou a interpretação simultaneamente
à sua execução.

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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Logo depois de assistir aos vídeos fizemos uma roda de conversa. Os alunos
relataram que gostaram dos vídeos e acharam interessante, mas tiveram que ficar bem
atentos, especialmente no primeiro vídeo que era bilíngue, porque senão não iriam
conseguir entender. Disseram também que o que viram nos vídeos foi o que vimos nas
primeiras aulas da semana, como: “Diferenças no corpo masculino e feminino, mudanças
no corpo com chegada da adolescência, primeira menstruação, gravidez, órgãos
reprodutores e suas funções.”. Mesmo com a dificuldade inicial, acreditamos que o
recurso foi útil já que chamou atenção deles, e conseguiram expor alguns conceitos.

De acordo com Pessanha (2013), um recurso educacional inclusivo é capaz


de potencializar a possibilidade do aprendizado de todos os estudantes, nesse sentido, o
vídeo se apresenta como uma boa opção já que considera aspectos sonoros, que pode ser
descrito por meio da interpretação em Libras e explora os aspectos visuais.

Júlia disse que gostou muito do vídeo porque nele todos conversavam em Libras,
ela disse que as meninas ficam mais bonitas, cintura fina, seios e quadris grandes e que o
menino não muda muito não. Também conseguiu explicar que a menstruação faz parte
do ciclo reprodutivo da mulher, período este, em que ocorre a perda de sangue quando o
óvulo não foi fecundado, e que, portanto, a mulher não ficou grávida. Alertou que as
meninas precisam tomar cuidado porque a gravidez na adolescência é muito difícil.

Vitória disse que gostou dos vídeos e para ela a legenda foi muito boa, disse que
aprendeu muito.

Para Moura (2008), o vídeo por sua característica audiovisual se apresenta como
uma boa alternativa no processo de ensino e de aprendizagem tanto do surdo, quanto do
ouvinte, este primeiro pelo sentido da visão. De acordo com a autora, os conteúdos
audiovisuais tendem a ser mais facilmente assimilados do que se tivessem sido utilizados
os sentidos separadamente.

Acreditamos que a proposta com vídeos se mostrou uma boa prática inclusiva,
oferecendo as alunas surdas condições de aprendizagem. Este recurso, da forma como
utilizado favoreceu a compreensão dos alunos, o que pôde ser verificado pelas discussões
na roda de conversa tanto pelas alunas surdas quanto pelos ouvintes.

A segunda atividade, aplicada no dia 16 de novembro de 2015, teve como objetivo


estimular os alunos a produzirem uma história em quadrinhos a partir do que foi
trabalhado sobre adolescência. Nesse dia, havia 32 alunos na sala, entre eles, Júlia e
Vitória.

Elegemos as histórias em quadrinhos por ser um gênero textual que dá ênfase ao


visual, sendo de interesse dos alunos, e por consideramos que seu uso é importante ao
surdo, já que, os alunos podem se expressar por meio de desenhos, permitindo que seja
trabalhado conteúdo científico.

Foi entregue para cada aluno uma folha chamex em branco para que eles
produzissem a história em quadrinho sobre o que estudamos durante a sequência didática.
Em seguida, foi explicado que um deveria montar sua história em quadrinhos enfatizando
que ela precisa ter um sentido lógico: começo, meio e fim. Ressaltamos também que este
gênero tem como objetivo entreter e passar um ensinamento. Para auxiliá-los nesta

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produção, foram apresentados alguns recursos gráficos como: as onomatopeias, formato
de balões e letras, interjeições recursos estes que ajudam a dar sentido nas histórias em
quadrinhos.

Após apresentar o gênero textual história em quadrinhos, informamos sobre os


elementos que o compõem, como: requadro, calha, recordatório, onomatopeia, desenho e
falas dos personagens, salientamos a importância da linguagem verbal e não-verbal,
característica desse gênero, fizemos a proposta da atividade com o apoio da intérprete.
Deixamos expostos alguns gibis, caso algum aluno quisesse utilizar como modelo, e um
cartaz com os balões de fala. Deixamos que fizessem realizassem a produção enquanto
caminhávamos pela sala observando e auxiliando quando necessário.

Para a descrição e a análise das histórias em quadrinhos, mantivemos os textos


com a escrita em língua portuguesa conforme as surdas produziram. Lembrando que Júlia
possui surdez profunda e tem pouco domínio da língua portuguesa escrita. No entanto,
segundo Quadros e Schimiedt (2006) num primeiro momento, não é necessária uma
preocupação com a estrutura gramatical na língua portuguesa.

Durante a realização da atividade, percebemos a tentativa de Júlia em produzir a


história em quadrinhos, fazendo uso de sua memória visual, reproduzindo em Libras o
que ia se lembrando. Sobre isso, Quadros e Schimiedt (2006) pontuam que, por mais
simples que pareça, já que o principal objetivo é estimular o surdo a ter vontade de
escrever o que pensa, este recurso possibilita que ele reconheça que seus pensamentos são
importantes e que todos podem ser registrados, se não for possível por meio da escrita
pode se expressar por meio de desenho.

No momento da análise da produção das surdas, consideramos as particularidades


da escrita do sujeito valorizando o conteúdo desenvolvido pelos alunos, buscando a
coerência em seu texto, mesmo que não tenha atendido aos padrões exigidos para a série
que se encontra.

A atividade atendeu aos objetivos, já que as alunas surdas produziram a história


em quadrinhos, utilizando a modalidade escrita que atendesse as especificidades do surdo,
representando algum dos conteúdos trabalhados na sequência didática. De modo geral, as
análises demonstraram que as alunas surdas conseguiram compreender os principais
conceitos.

A última atividade foi realizada no contraturno porque precisávamos de alguns


recursos como computadores e celulares e o laboratório de informática estava em reforma,
por isso, optamos por realizar a atividade na Sala de Atendimento Educacional
Especializado, espaço em que os estudantes poderiam realizar as atividades. Foi
necessário realizar no contraturno porque a professora não teria mais aulas para ceder na
semana. Convidamos a todos os alunos para ir, mas, devido a outros compromissos
apenas seis alunos participaram desta atividade, dentre eles as duas alunas surdas.
Reunimo-nos com o grupo para a produção do vídeo e orientamos que eles deveriam
decidir como iriam produzir um pequeno vídeo, de no máximo quatro minutos, com o
objetivo de apresentar os cuidados com o corpo na adolescência.

A primeira atribuição do grupo foi definir com o auxílio e mediação pedagógica


da pesquisadora e da professora de Atendimento Educacional Especializado como utilizar

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as fotos e os vídeos e o que fazer para planejar e criar o vídeo. O grupo teve acesso a
algumas fotos e vídeos disponibilizados num portfólio/banco de dados selecionados
antecipadamente pela pesquisadora.

Com a mediação da pesquisadora e da professora de Atendimento Educacional


Especializado, os alunos produziram alguns vídeos, escolheram não utilizar as fotos, mas
sim criar outro vídeo e apenas editar o que acharam que não ficou bom.

A produção dos vídeos foi realizada basicamente com a filmadora da


pesquisadora, considerando que o local escolhido se tratava de um ambiente com boa
iluminação para que os sinais fossem compreendidos com clareza na execução.

O grupo produziu dois vídeos. O primeiro com as diferenças que existem entre o
corpo feminino e masculino e as mudanças com a chegada da adolescência. O segundo
vídeo falando dos cuidados que o adolescente tem que ter com seu corpo.

A participação das alunas Júlia e Vitória na produção dos vídeos foi satisfatória.
No primeiro vídeo produzido, simularam um diálogo entre quatro amigas, sendo elas e
mais duas colegas ouvintes, contando o que aprenderam na escola, primeiro falando das
fases da vida desde o nascimento até a velhice, em seguida uma delas pergunta para Júlia
qual a diferença entre o corpo feminino e masculino e ela diz que: “meninas ter seios,
quadril grande, menstruação, útero cresce, fica grávida – meninos pênis ereto, voz forte,
fica alto, espinhas”. Percebemos que houve avanço, posto que, elas conseguiram
descrever características que não são perceptíveis, como: mudança de voz, primeira
menstruação, aumento do tamanho do útero, primeira ejaculação que foram
conhecimentos adquiridos durante as atividades.

No segundo vídeo, as seis alunas combinaram que cada uma iria fazer o sinal dos
cuidados que se deve ter com o corpo, especialmente na adolescência. A participação de
Júlia foi interessante, como as colegas, às vezes, não conseguia fazer os sinais em Libras
ela ia ensinando.

Quando terminou a gravação, Júlia disse: “Eu tomar banho todo dia porque já
moça, não ter menstruação, mas seios já grande, usar soutien, correr muito suor
espinhas. Não pode grávida agora porque difícil estudar”.

Podemos observar na transcrição da fala de Júlia, que ela consegue relatar que
aprendeu, faz uma conexão com sua vida diária, mas, de forma breve. É importante
lembrar que a Libras não usa artigos, preposições, advérbios nem faz conjugação verbal.

Sobre isto, Santana (2007) lembra que o vocabulário da língua de sinais é menor
que das línguas orais, em uma proporção de uma palavra para cada cem, por consequência
de ser uma língua que está em construção, visto que é recente seu repertório.

Logo após a gravação, o grupo fez a edição do vídeo, Júlia e Vitória ajudaram na
realização da legenda do vídeo que depois seria apresentado aos demais colegas.

Dando continuidade a essa atividade, depois de findada a produção do vídeo, na


sala de aula, foi feita a exibição dos vídeos produzidos numa “Sessão Pipoca”, na qual

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todos os alunos do 6º ano puderam assistir e os organizadores deles tiveram a
oportunidade de receber as críticas do público.

Acreditamos que esse momento foi importante, pois aproveitamos a oportunidade


para motivar os alunos a realizarem uma autoavaliação, para que eles pudessem ponderar
sobre sua participação individual e coletiva na elaboração e edição do vídeo, percebendo
se conseguiram atingir os objetivos propostos no roteiro de trabalho, mediante a
possibilidade de confirmação ou refutação das perspectivas de aceitação do público.

A avaliação ocorreu de forma contínua, presente em todas as fases do ensino,


concordando com Carvalho (1998), de que ela deve servir para orientar o trabalho do
professor ajudando-o a perceber o que é preciso para que o aluno avance e identificando
o que não conseguiu atingir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da defesa de uma educação politécnica universal, este estudo teórico e


empírico permitiu evidenciar: 1) a premência da garantia de conhecimentos sobre a
educação inclusiva no âmbito da formação, sobretudo, inicial, de professores de ciências,
de modo a potencializar práticas educativas que permitam a plena expansão dos
estudantes surdos e ouvintes; 2) a importância do uso de estratégias multimodais para o
processo de significação dos conceitos científicos estudados tanto pelos estudantes surdos
quanto ouvintes; 3) o potencial pedagógico dos recursos visuais para educação de surdos
e de ouvintes, bem como a necessidade de promoção de ações no espaço escolar que
assegurem momentos de reflexão e sistematização de ações conjuntas entre docentes,
gestores e intérpretes.

REFERÊNCIAS

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QUADROS, R. M. de.; PELIN, G. (orgs). Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul.
2007, p. 100-131.

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- Curso de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

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Cengage Learning, 2009.

GLAT, R.; PLETSCH, M. D. O papel da universidade frente às políticas públicas


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https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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17. ENSINAR CIÊNCIAS NA PERSPECTIVA
INCLUSIVA: REFLEXÕES DO PERFIL AO
TRABALHO DO EDUCADOR PESQUISADOR

Nahun Thiaghor Lippaus Pires Gonçalves47


Fabiana da Silva Kauark48
INTRODUÇÃO

Em diferentes áreas do conhecimento o procedimento de


sistematização e análise da produção científica possibilita evidenciar as bases teóricas
articuladas a temas específicos e os processos metodológicos mais utilizados nas
pesquisas, logo podem prover um mapeamento capaz de fomentar e ampliar discussões,
estudos e até redirecionamento do conhecimento, quiçá inovações.

Associar esse processo ao perfil e trabalho docente requer um levantamento sobre


questões ligadas a perspectiva do conceito de inclusão na educação, nesse caso, voltada
para formação de professores no ensino de ciências. A primeira parte deste capítulo
estabelece a ideia de inclusão que tem se difundido via divulgação científica, legislações
e nas escolas do Brasil, posteriormente são abordadas perspectivas para sustentar e ou
orientar a formação de professores inclusivos na área de ciências.

Pensar em inclusão numa sociedade que deveras foi extremamente excludente por
um longo período histórico é, inicialmente, afrontar padrões, estigmas e preconceitos/
pré-conceitos (naturalização de concepções), todos nós em algum ponto expressamos tais
posicionamentos, o problema é que ao negligenciar os excluídos continuamos afirmando
essas relações sem confrontá-las, narrando processos de tolerância ou omissão, negando
o convívio e dificultando ainda mais a apropriação do respeito.

Uma sociedade para todos, uma escola para todos e um ensino de ciências para
todos é reconhecer e confrontar as expressões excludentes que continuam presentes
nesses espaços, agir sobre elas e tentar transformá-las frente a um princípio inclusivo,
então é uma luta cotidiana, que para o educador requer um posicionamento político,
filosófico e crítico a favor da escola inclusiva.

Essa perspectiva de inclusão na escola e do combate à discriminação pode ser


considerada coeva, sendo iniciada no Brasil pela Declaração Mundial sobre Educação
para Todos: Jomtiem (BRASIL, 1990) e a Declaração de Salamanca (ONU, 1994) dentro
da perspectiva de direitos humanos para pessoas com deficiência e associada na
modalidade de Educação Especial pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

47
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5684-0880
48
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8807-931X

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ENSINANDO A ENSINAR CIÊNCIAS VOLUME II: Discutindo práticas inclusivas
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(BRASIL, 1996) que recentemente é ampliada pela Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) aplicada nas escolas.

Tais indagações e o breve percurso histórico são fruto representativo dos avanços
sociais no diálogo sobre inclusão, perspectivas que são travadas por intermédio dos
movimentos sociais de luta intensificados nas últimas décadas pelo reconhecimento e
valorização da diversidade e das diferenças, que pode ser considerada um confronto
histórico contra os padrões normativos dicotômico, visto que:

A instituição da norma absolutiza atitudes e pensamentos e o controle


passa a ser uma questão de estar “dentro” ou “fora” dos padrões
estabelecidos como normas. Assim, no cenário do mundo moderno, “a
exclusão social se manifesta como formação ideológica dominante,
onde o sujeito com deficiência é o principal personagem, já que os seres
humanos são calcados na dicotomia de certo e errado, bom ou ruim,
normal ou anormal” (MARQUES; MARQUES, 2003, p. 227).

A inclusão e a deficiência na dicotomia social estiveram sempre muito ligadas,


mas a questão levantada nesse capítulo chama a atenção para o enfrentamento de
exclusões sociais mais amplas, nesse sentido é preciso considerar que a modalidade da
educação especial dentro das suas especificidades não tem condições e nem pode ser
responsabilizada por todo movimento inclusivo realizado na escola ou presente na
sociedade. Mesmo que na escola, por vezes, a inclusão esteja centrada nas pessoas com
deficiência e nos estudantes vinculados a educação especial há de se considerar que as
discussões são maiores e diversas. Adotemos então o pensamento elaborado por Fonseca
(2014) em que a:

[...] inclusão tem muito mais a ver com participação como um direito
humano inalienável e subjetivo a todos os serviços oferecidos pela
sociedade do que com o condicionamento desta participação a alguma
característica pessoal, grupal, étnica, cultural, religiosa, política, de
gênero, de sexualidade etc., dos cidadãos do mundo (FONSECA, 2014,
p.57).

Nessa assertiva a perspectiva inclusiva estaria para além dos horizontes


estigmatizados na definição de público-alvo da educação especial, a saber, pessoas com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação
(BRASIL, 2008) e a escola inclusiva poderia ser concebida como instituições:

[...] aquelas que reconhecem e respondem às necessidades diversas de


seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e
assegurando uma educação de qualidade a todos através de um
currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino,
uso de recursos e parceria com as comunidades (GONÇALVES,
KAWARK, THIENGO, 2017, p.194-195).

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Então, pensar nesse modelo de escola inclusiva proposto e na formação de
professores na perspectiva inclusiva é considerar no processo de ensino e aprendizagem
as questões que envolvem pessoas com deficiência, estudantes com dificuldades de
aprendizagem, questões étnicas, raciais, culturais e de gênero, é lutar contra qualquer
ideologia que gere diferentes processos de exclusão, preconceitos e ajustamentos,
valorizando a diversidade e primando pelo respeito a vida.

É fato que o professor precise ser sensibilizado para tais causas, mais, que a forma
de ensinar ciências e conceber seus conceitos precisam atentar a tais diferenças, o que
infere a perspectiva de inclusão um pensamento embasado nos princípios de direitos
humanos, totalidade, representatividade e democracia participativa, a qual expressa suas
faces subjetivas, principalmente por intermédio da diversidade e criatividade no convívio
social.

Na escola a luta é acentuada em relações cotidianas que quando são naturalizadas,


esquecidas ou aceitas como condições normais geram problemas estigmatizantes, por
exemplo, na área de ciências existem inúmeras barreiras para se efetivar aulas
experimentais e em espaço não formal, o que impacta no processo de ensino e
aprendizagem, na qualidade da educação e nas diferenças de oportunidades, questões que
tangem condições díspares entre público e privado, o que pode condicionar o professor
que atua em ambas praticar movimentos diferenciados de docência na esfera municipal,
estadual e federal.

Logo, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN


(BRASIL,1996) estabelece uma educação para todos, os profissionais da educação,
centramos nos professores da área de ciências que assumem a perspectiva inclusiva
precisam compreender que sua ação como educador precisa colaborar para o confronto
dessas barreiras e assumir uma formação emancipatória reverberada pelo respeito a
diversidade, impactando diretamente no seu trabalho docente, na luta por melhores
condições, quiçá na luta contra as expressões da desigualdade.

PERSPECTIVA INCLUSIVA: PERFIL E TRABALHO DOCENTE

Há de se entender que na perspectiva inclusiva a ação do professor de ciências


assume um grau de complexidade maior no trabalho docente, talvez uma condição mais
próxima do que definimos como Educador Pesquisador em Ciências, aquele que exercita
na docência uma perspectiva de articulação entre teoria e prática de forma investigativa e
problematizadora, incentiva ações que presem pela colaboração mútua entre tais
processos na sala de aula, possui fundamentação teórica ampla, atualizando os conceitos
em contextos palpáveis com o estudante na sua didática de sala de aula, valorizando os
saberes diversos, a conjuntura que os rodeiam, sobretudo, respeitando a diversidade como
condição base.

Educador, porque seu interesse maior se orienta numa educação de qualidade para
todos, considerando o educando como sujeito participativo na realização do processo de
ensino e aprendizagem, dotado de conhecimento no agora, seja a criança da Educação
Infantil ao Adulto do Ensino Superior, e que amplia seus saberes em contato com o
conhecimento elaborado mediado, exercitado ou vinculado as ações pedagógicas na
instituição escolar com perspectivas de influência e ou aplicação na sociedade.

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Pesquisador, pois acredita que sua formação está sempre na linha da incompletude
(FREIRE, 2020) e que o processo de experimentação e investigação científica
potencializa a relação teoria e prática na sua aprendizagem e na dos educandos, devendo
sempre que possível ser pautada para colaborar na aproximação dos contextos e
problematizações do conteúdo curricular, de outra maneira compreendendo e assumindo
que pesquisa auxiliaria na participação ativa e na formação emancipatória.

Essa condição estabelece um perfil profissional que entende a magnitude e


complexidade de sua função docente para contribuição da formação humana. No que se
refere a linguagem científica teríamos um trabalho docente que vislumbra no coletivo a
apropriação do conceito, compreensão, reflexão e confronto de forma participativa, ética,
social e inclusiva nas tomadas de decisões que englobam a área das ciências, na crítica e
problematização dos estigmas por intermédio do conhecimento elaborado.

A ideia tange um profissional que vai frisar a motivação, valorização e


colaboração dos estudantes na efetivação da aula, construindo junto e considerando suas
origens, dificuldades e anseios através do elo entre a conjuntura histórica, antiga e atual,
dos conhecimentos científicos e tentar potencializar a transformações sociais em prol de
todos.

No discurso essas concepções teóricas seriam trabalhadas em consequência de um


propósito a ser alcançado, ou seja, o profissional na perspectiva inclusiva estaria sempre
em formação e atualização, contudo é certo de que as necessidades e ajustes associados
as questões escolares, burocráticas e de financiamento da educação se materializem de
forma um tanto quanto severas para dificultar a implantação da perspectiva inclusiva,
principalmente quando é possível observar um movimento contrário de desmonte da
educação pública (GONÇALVES, 2021).

EXERCITANDO A PERSPECTIVA INCLUSIVA

A ideia que se cultiva nessa escrita é substanciada entre anos de prática docente
na educação em Ciências, Química, Biologia, Educação Especial, Pedagogia e
participação em diferentes grupos de pesquisas científicas efetivadas no ensino de
ciências e na educação especial, um diálogo entre educadores pesquisadores e professores
formadores, não só para firmar que a perspectiva inclusiva precisa ser exercitada com
mais ênfase no chão da escola, mas que pode ser assumida inicialmente com base nas
nossas licenciaturas atuais, como já acontece e ou pode ser realizada através da associação
entre o conhecimento elaborado em ciências e as mudanças atitudinais na docência e no
convívio social.

Inicialmente é necessário entender que a perspectiva inclusiva vai requerer do


professor da área de ciências naturais e demais profissionais da educação, entre outras, a
necessidade de se prover adaptações curriculares junto as condutas tradicionais de ensino
de forma a compor uma proposta formativa democrática, reflexiva, crítica e
emancipatória, valorizando e respeitando as diferenças cognitivas, físicas, culturais,
étnicas e de gênero, ou seja precisaremos sempre ampliar a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) na docência/ sala de aula.

Compreende-se que adaptação curricular é um recurso pedagógico criado pelo


homem em atendimento à inclusão social na escola, que visa facilitar a apropriação do
conhecimento elaborado disposto no currículo escolar, que pode ser assumida de forma

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crítica através de intervenções direcionadas as necessidades da sociedade e seus sujeitos,
sendo articulada ao conteúdo das disciplinas com diferentes mediações e técnicas
pedagógicas.

A questão é que estamos constantemente traçando adaptações curriculares,


mesmo que de forma normativa elas se apliquem no processo de ensino e aprendizagem
do público-alvo da Educação Especial, o que requerer especialização direcionada, na
escola inclusiva sua amplitude é maior e o currículo sofre inúmeras adaptações, em
ciências por exemplo, quantas vezes um problema expresso na sociedade, comunidade,
Estado ou Brasil poderia ser abordado de forma associada ao conhecimento elaborado na
escola e deixamos a oportunidade passar.

Oportunidades não faltam, sejam córregos poluídos, esgoto a céu aberto,


enchentes, descarte de lixo, acidentes com caminhões de carga, chuvas de granizo e outras
condições climáticas, hortas e plantas medicinais, campanhas e problematizações
relacionadas a saúde, limpeza da louça, do chão e de ambientes públicos comuns como
terminais rodoviários, a tinta utilizada na reforma da escola, os tipos de materiais
diferentes do cotidiano aplicado nas tecnologias como celulares e computadores, além de
outras inúmeras questões que podem ser mediadas dentro de diferentes possibilidades
pedagógicas e acabam exigindo adaptações curriculares.

Assim, adaptar o currículo é uma tarefa que vai além da educação especial dentro
da perspectiva inclusiva, podendo ser aplicada em inúmeros casos em que se observe
dificuldades, distúrbios de aprendizagem ou contextos escolares adversos, dentro do
nosso interesse específico da área de ciências da natureza, de modo a facilitar o processo
de ensino e aprendizagem dedicado às disciplinas de Ciências, Biologia, Física e
Química, orientadas pela BNCC, mas não restrita a ela, principalmente quando
consideram confrontar as relações de exclusão.

Em questão de conteúdo a adaptação curricular contemplaria: contextualizações


regionais, locais, nacionais ou mundiais, já em questão de método: atividades
experimentais diferenciadas, mesmo em escolas em que não há laboratórios e que a
própria sala de aula precise ser adaptada para aulas experimentais com apoio dos
estudantes (GONÇALVES, 2016), investigação científica na comunidade e aulas de
campo; jogos lúdicos e brincadeiras; tudo de forma incentivar e motivar o interesse e a
aprendizagem para que os estudantes compreendam a ciência em seu movimento de
transformação da sociedade.

Quando aplicada a formação de professores de ciências dificilmente veremos uma


disciplina ou direcionamento específico nos cursos de licenciatura voltada para adaptação
curricular, assim como nas demais licenciaturas, com exceção das novas licenciaturas em
Educação Especial, e talvez da Pedagogia (Brasil, 2006), mas isso não quer dizer que não
adaptamos ou podemos adaptar o currículo, pelo contrário, educadores pesquisadores
fazem da suam docência uma formação constante e colaborativa.

Na perspectiva inclusiva os contextos podem e devem ser apropriados e com a


colaboração dos estudantes e de professores, num motivar para transformar. A formação
de professores inclusivos em ciências exige mais do que os fundamentos teóricos, nunca
sem eles, pois compreende incompletude e atualidade constante, como também o
pensamento de que seu processo de ensino e aprendizagem zela pelo desenvolvimento da
sociedade.
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Afinal, os recursos didáticos e metodológicos fornecidos nas licenciaturas atuais,
em geral, já seriam suficientes para colaborar com a perspectiva inclusiva, o que falta
talvez seja uma avaliação pedagógica das dificuldades de aprendizagem no chão da sala
de aula, a vontade de assumir e confrontar as barreiras e é aqui que a particularidade da
inclusão solicita do profissional um olhar mais atento, que reconheça os sujeitos que ali
estão e os conhecimentos que os motivam, porém sem a valorização dos profissionais o
com a tentativa de desmonte da escola pública a tarefa se torna cada dia mais difícil.

Assim, a responsabilidade ética, moral e social que a perspectiva inclusiva imbui


no profissional vai requerer dele um olhar criativo, propositivo e empático com a
diversidade de sujeitos que se encontram na sala de aula, pois solicita do educador que
suas bases de conhecimento, especificamente aqui da área de ciências, sejam aplicadas
com diferentes possibilidades e olhares para facilitar a aprendizagem, ou seja, se as bases
de conhecimento específico da área não estão bem fundamentadas a dificuldade de ser
inclusivo aumenta, mas não se inviabiliza.

Nesse ponto talvez possamos traçar alguns parâmetros para o educador


pesquisador de perspectiva inclusiva: Seu foco é a sociedade e o estudante no sentido de
prover sua aprendizagem de forma motivacional e transformadora; entende a dificuldade
de aprendizagem não como simples barreira, mas como um limite que pode ser
ultrapassado pela mediação pedagógica; exibe uma variação aplicada de recursos
didáticos e metodológicos no acesso ao currículo nas suas aulas; entende que há um
currículo como base, mas é necessário promover constantes adaptações curriculares para
facilitar e motivar o educar na escola; valoriza as diferenças dos sujeitos e seus
conhecimentos na relação ensino-aprendizagem.

Enfim, é preciso assumir que a conduta estigmatizante, os padrões morais


normativos e concepções discriminatórias excludentes estão sendo trabalhados na
sociedade a séculos, e que para confrontá-los é necessário alteração comportamental no
convívio social e análise das percepções históricas implementadas na sociedade, logo o
caminho para travar tais confrontos perpassa o conhecimento instituído nas escolas, os
comportamentos didáticos e sociais assumidos no ambiente escolar, análise e confronto
das exclusões e estigmas que temos naturalizado.

CONSIDERAÇÕES

De forma geral, as pesquisas que envolvem a perspectiva inclusiva acabam sendo


centralizadas na área da educação especial e envolvem prioritariamente estudantes com
necessidades educacionais especiais, o que tange métodos pedagógicos especializados, já
a perspectiva inclusiva no ensino de ciências é mais ampla, lógico sem deixar de compor
com essa assertiva. Então nas considerações finais almejamos provocações que
incentivariam a formação dos professores de ciências, estamos falando de estratégias já
realizadas por educadores pesquisadores na perspectiva inclusiva no ensino de ciências,
as quais devem considerar:

• Os estudantes vinculados a educação especial – São e devem ser cada vez mais
presentes em nossas salas, pois precisamos aprender e conviver com eles, não os excluir,
assumir o estudante e sua dificuldade na transformação da nossa didática: Quantos de nós
sabemos os conceitos básicos em LIBRAS? Quantos de nós realizamos trabalhos

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colaborativos com os professores especialistas no desenvolvimento das avaliações e
adaptações das atividades?

• Metodologia de ensino e aprendizagem – Aquela que sai da rotina tradicionalista e


mecânica, focada na memorização com quadro, pincel copiar e oralizar; para atentar a
possibilidades contextuais da problematização, diálogo participativo, investigação
científica, experimentação prática de modo a valorizar e motivar todos os sujeitos
envolvidos na conscientização e apropriação dos conceitos científicos: Quantos de nós
temos diversificado os processos de ensino e aprendizagem e fugido do apostilamento
perene?

• Materiais direcionados – É necessário parar e dedicar o nosso planejamento para


desenvolver adaptações curriculares contextuais e atuais com materiais concretos, jogos,
aulas de campo acessível, aulas experimentais com objetivo e motivação: Quantos de nós
pegamos materiais eletrônicos defeituosos (motores, celulares antigos etc.) abrimos e
trabalhamos sua composição? Quantos de nós fazemos da aula de tabela periódica um
jogo ou traçamos investigações por método científico na comunidade?

• Questões de gênero e étnico-raciais – A área de ciências não se atentou tanto a tais


relações no processo histórico de constituição, pelo contrário, acabou fortalecendo seu
núcleo machista até nos livros, ou seja, precisa conceber e reparar essa falta de
representatividade no processo de ensino e aprendizagem e reconhecer as contribuições
das mulheres que dificilmente serão vistas em livros didáticos, ou em divulgações
midiáticas atuais. Ainda, nos falta reconhecer e fortalecer as matrizes afro do nosso país
que contribuem para área, bem como ampliar o alcance e representatividade participativa
dos sujeitos na área específica. Quantos de nós reconhecemos as contribuições das
mulheres cientistas nas nossas salas de aula? Quantos de nós problematizamos a falta de
negritude na área das ciências?

• Questões culturais – O abandono da área visto a imagem cultural estabelecida de país


em desenvolvimento, frente as dificuldades do aprender a ser um cientista e a imagem
histórica estigmatizada do pesquisador maluco ou muito inteligente de jaleco; as
dificuldades implantadas no ensino que são particularizadas no odiar Química, Física ou
Biologia, elitizando seu aprendizado e contribuído para baixos índices na escola pública
de base; são questões culturais que precisam ser confrontadas. Quantos de nós estamos
preocupados em tornar o ensino e a apropriação dos conhecimentos em ciências
desejáveis?

Somos muitos, e outros já começaram e estão fazendo dessas questões, prática


docente nas escolas, cada vez mais frequentes, além de trabalhar na divulgação em
eventos, revistas científicas e redes sociais para colaborar com a formação dos
professores, assumir a perspectiva inclusiva não é apenas tentar cumprir o proposto na
legislação, lutar por investimentos na escola pública que garantam os espaços e estruturas
adequadas, ampliar o núcleo de disciplinas ofertadas ou fazer ajustes nos projetos
pedagógicos escolares.

Na perspectiva inclusiva é preciso assumir mudanças na formação, na didática, no


comportamento motivacional, no confronto das barreiras e estigmas históricos presentes
na área e no ensino de ciências, o que requer partilha de conhecimentos e experiências
vivenciadas na escola, e exige uma formação firme de fundamentos e conceitos, mas
rodeada de incompletudes e atravessamentos, o educador pesquisador na perspectiva
inclusiva nunca será obra pronta, é sempre inacabada, pois se atualiza com frequência
para ensinar ciências.

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Para cada uma dessas perguntas existe alguns – SIM – as possibilidades são
maiores em meio ao desenvolvimento da tecnologia e o fortalecimento da participação
social, principalmente dos excluídos, pelo movimento de luta apoiado na inclusão e pela
divulgação científica. A afirmação, o sim, carece de formação direcionada aos professores
pela leitura e atualização em pesquisas científicas que trabalhem com métodos
pedagógicos diferenciados, práticas didáticas diversificadas, tecnologia associada ao
educar.

Finalmente, são inúmeras as divulgações da área que contribuem para tais


proposições e mudanças comportamentais na docência, desde que saibamos reconhecer
que o caminho não é homogeneizar, na perspectiva inclusiva ensinar ciências é
pluralidade e representatividade, é entender que o professor precisa compor hábitos de
pesquisador e crítico da sua prática docente e dos estigmas traçados historicamente com
propriedade, é lutar pela diferença, respeito e concepção de que a apropriação do
conhecimento científico deve ser associado as transformações sociais para e pelo coletivo,
talvez seja se perceber como Educador Pesquisador da Educação Infantil ao Ensino
Superior.

REFERÊNCIAS

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de ciências da natureza. Orientadora: Dulcéria Tartuci. Goiânia: 2018. 263f.
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