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Corpo, Cultura

e Educação Física
Vol. 4
Marcel Alves Franco
Aguinaldo Cesar Surdi
Antonio Fernandes de Souza Junior
Judson Cavalcante Bezerra
Julio Cesar Barbosa de Lima Pinto
Organizadores
Corpo, Cultura
e Educação Física
Vol. 4

Marcel Alves Franco


Aguinaldo Cesar Surdi
Antonio Fernandes de Souza Junior
Judson Cavalcante Bezerra
Julio Cesar Barbosa de Lima Pinto
Organizadores

Natal/RN
2022
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seleção da obra foi realizada pela Comissão de Pós-graduação, com decisão homologada pelo
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PREFÁCIO
O corpo ainda é pouco?

O livro Corpo, Cultura e Educação Física, em seu quarto volume,


apresenta uma diversidade de temas que atravessam algumas
das pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação
em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, tais como a imagem corporal, os aspectos simbólicos das
culturas tradicionais, práticas de lazer e cuidado de si, pesqui-
sas sobre corpo e processos pedagógicos que ampliam o conhe-
cimento da área. Essa diversidade e abrangência expressam o
quanto à Educação Física mostra-se viva na busca por perten-
cimentos epistemológicos que possam alargar a compreensão
de corpo para além dos aspectos biológicos ao dialogar com a
cultura em sua dimensão mais ampla e humana.
Neste Prefácio gostaria de nuançar o corpo como expe-
riência que pode apontar dentro dessa abrangência e diversida-
de um núcleo compreensivo capaz de permitir um diálogo mais
profícuo na formação de nossos estudantes de pós-graduação,
pesquisadores e profissionais da área. Para tanto, parece-me
ainda necessário perguntar sobre qual o corpo da Educação
Física? Penso que essa questão ainda carece de investimentos
transversais ou como diz a música Pulso, dos Titãs: “o corpo
ainda é pouco”.
O que compreendemos por corpo quando falamos, pesqui-
samos, escrevemos, pensamos sobre o corpo, com o corpo, em
nome do corpo? Aqui talvez tenhamos que compreender não
o corpo em si, mas as experiências do corpo para quem sabe
poder configurá-las como um ato de conhecimento a um só
tempo epistemológico, ético, estético pois o “corpo ainda pulsa”.
Na pulsão da experiência do corpo vivo e do corpo vivido talvez
possamos encontrar caminhos e construir pontes entre nossos
estudos, pesquisas, projetos. O corpo ainda é pouco...
Gostaria por fim de parabenizar os organizadores da
obra e seus autores e autoras por se colocarem em movimen-
to, por valorizarem a publicação sob a forma de livro — obje-
to cada vez mais raro nas nossas mãos ou a frente de nossos
olhos. Certamente, os leitores e leitoras desse quarto volume
vão encontrar muitas experiências de corpo que valem a pena
serem conhecidas, aprofundadas e divulgadas.

Natal, julho de 2020.


Petrúcia Nóbrega
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Sumário

12 Apresentação
Marcel Alves Franco
Aguinaldo Cesar Surdi
Antonio Fernandes de Souza Junior
Judson Cavalcante Bezerra
Julio Cesar Barbosa de Lima Pinto

15 Tema 1 Corpo, natureza e cultura

16 UMA NARRATIVA FENOMENOLÓGICA


DA IMAGEM CORPORAL: CORPO
PULSIONAL E SUAS PERCEPÇÕES

Raianne Bezerra Mançonaro


Terezinha Petrúcia da Nóbrega
ANINHÁ VAGURETÊ: APONTAMENTOS
43 ENTRE CORPO E CULTURA NO
RITUAL INDÍGENA DO TORÉM

Arliene Stephanie Menezes Pereira


Rosie Marie Nascimento de Medeiros
PERFIL ECOCENTRISTA DE PRATICANTES
64 DE SLACKLINE: INTERFACES DA
PRÁTICA E DA NATUREZA

João Leandro de Melo Araújo


Elmir Henrique Silva Andrade
Cheng Hsin Nery Chao
Priscilla Pinto Costa da Silva

79 Tema 2 Corpo e saúde


REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA
80 INTEGRATIVA E COMPLEMENTAR: MOTIVOS
PARA A VIVÊNCIA DO YOGA

Milena de Oliveira Aguiar


Andréa Câmara Viana Venâncio Aguiar
Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

94 O PROJETO DE EXTENSÃO AIKIDO


NA UFRN E AS IMPLICAÇÕES
NA SAÚDE DOS PRATICANTES

Marcel Alves Franco


Maria Isabel Brandão de Souza Mendes
Iraquitan de Oliveira Caminha
121 Tema 3 Corpo e educação
O QUE A TRADIÇÃO ORAL DEPÕE
122 SOBRE O ENSINO DA CAPOEIRA: EM
JOGO AS VOZES DOS MESTRES

Rayanne Medeiros da Silva


Allyson Carvalho de Araújo

145 EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E LITERATURA:


UMA POSSIBILIDADE DE ENSINAR E
APRENDER BOXE NO ENSINO MÉDIO

Danrley Alves Jacinto


Marcio Romeu Ribas de Oliveira

AS INTERSUBJETIVIDADES NAS DINÂMICAS


161 DO CORPO, DA CULTURA, DO MOVIMENTO
E DO AMBIENTE: PROCESSOS (AUTO)
FORMATIVOS E COLABORATIVOS ENTRE
PROFESSORES(AS) DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Ewerton Leonardo da Silva Vieira


Karielly Mayara de Moura Leal
Rafaella Bôto Ferreira Costa
Bruno Ferreira Silva
Luciana Venâncio
Luiz Sanches Neto
A IMPORTÂNCIA DO PROGRAMA INSTITUCIONAL
184 DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA (PIBID)
PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA VISÃO DOS
PROFESSORES/SUPERVISORES DAS ESCOLAS

Lucineide Neves Costa


Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
Regina Helena Rigaud Lucas Santos
Aguinaldo César Surdi

A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO FÍSICA


207 ESCOLAR: DE QUAIS CORPOS FALAMOS?

Ana Aparecida Tavares da Silveira


Sára Maria Pinheiro Peixoto
Fabyana Soares de Oliveira
Angela Brêtas Gomes dos Santos
Maria Aparecida Dias

QUEBRANDO OS “TABUS” CULTURAIS SOBRE


226 O CORPO: A EMANCIPAÇÃO DA MULHER
BRASILEIRA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA
TEMÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Cyntia Emanuelle Souza Lima


Emmanuelle Cynthia da Silva Ferreira
Luiz Sanches Neto
Luciana Venâncio

PESQUISAS SOBRE O CORPO NEGRO NA


248 EDUCAÇÃO E NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Hudson Pablo de Oliveira Bezerra


José Pereira de Melo
CORPO E INTERDISCIPLINARIDADE:
280 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS

Vicente Molina Neto


Jéssica Serafim Frasson
Natacha da Silva Tavares
Elisandro Schultz Wittizorecki

309 Resumos

324 Sobre os autores e


os organizadores
APRESENTAÇÃO
Neste quarto volume da coleção Corpo, Cultura e Educação
Física, convidamos os leitores a mais um ciclo de produções
científicas fruto do trabalho dos integrantes do Programa de
Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Pensando no corpo do programa, apre-
sentamos aqui estudos que sintetizam dissertações de mestres
egressos e de discentes ativos do programa. Além disso, conta-
mos com a participação de personalidades de outros grupos de
pesquisa e outras instituições como um movimento colabora-
tivo deste corpo que busca continuamente sua formação, com
diálogo e em prol da universidade pública no Brasil.
Nos últimos anos, os leitores encontraram nesta coleção
um espaço amplo e aberto à disseminação dos saberes plurais
que caracterizam a Educação Física. Como sabemos, essa cole-
ção representa o esforço de todos e todas. Sua pluralidade de
ideias e de referenciais que apresentamos sob a forma dos temas
“Corpo, natureza e cultura”, “Corpo e saúde”, “Corpo e Educação”,
procura destacar a centralidade que o Corpo assume na rela-
ção com o mundo, respeitando a diversidade epistemológica na
abordagem dos fenômenos investigados em cada estudo. Mais
do que uma alternativa para divulgação de ensaios e pesqui-
sas em andamento ou concluídas, a Coleção Corpo, Cultura e
Educação Física tornou-se, desde a sua gestação, em 2015, pelos
mentores Marcel Alves Franco e Aguinaldo Surdi, até a publi-
cação do presente volume, um lugar de encontro acadêmico e
científico para discentes, docentes e pesquisadores exporem-se
ao debate, a troca e a interligação de saberes em torno do corpo
e suas infindáveis possibilidades.

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Destarte, são com os sentimentos de dever cumprido
e gratidão que anunciamos o último volume desta Coleção.
A missão de promover o debate, a troca, a interligação dos
saberes e a divulgação da produção do conhecimento parece
ter sido alcançada, consolidando ainda mais o Programa de
Pós-Graduação em Educação Física da UFRN, bem como fortale-
cendo os laços fraternos com as parcerias de outras instituições.
Ao longo dos quatro volumes, os leitores desta coleção observa-
rão o empenho de cada colaborador e cada colaborada na abor-
dagem dos seus fenômenos particulares de pesquisa, refletindo
a marca de vida pessoal e acadêmica de cada um e cada uma.
Nesse sentido, agradecemos a todos e todas, discentes, docentes
e pesquisadores(as) que contribuíram com a nossa formação
e com construção deste acervo, sem vocês este compilado de
textos não teria chegado à longevidade do seu quarto volume.
Convidamos os(as) leitores(as), para uma melhor
compreensão dos propósitos da nossa coleção, um passeio
pelos corredores, salas de aula, salas de reunião, laborató-
rios, auditórios, enfim, todas as instalações do nosso querido
Departamento de Educação Física para sentir de perto o mundo
outrora os autores desta obra habitam e convivem, tornando
ainda mais significativa a experiência da leitura.
Para este 4º volume, iremos transitar, em seu primei-
ro tema, Corpo, Natureza e Cultura, por uma narrativa fenome-
nológica de um corpo pulsional; pelo corpo indígena em seus
rituais do Torém; pelo corpo na prática do slackline e sua relação
com o perfil ecocentrista. Em seu segundo tema, Corpo e Saúde,
iremos conhecer motivo para a vivência da prática integrativa
e complementar do yoga e acompanharemos os relatos acerca
do impacto na saúde dos integrantes do Projeto de Extensão
Aikido na UFRN. No terceiro tema, Corpo e Educação, iremos

13
acompanhar a tradição oral e o ensino da capoeira; a relação
entre a Educação Física escolar e a literatura nas possibilidades
de ensinar o boxe para estudantes do ensino médio; as inter-
subjetividades entre corpo, cultura, movimento e ambiente no
quesito da (auto)formação de professores de Educação Física; a
importância do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
à Docência (PIBID) na visão de professores e supervisores de
Educação Física; o corpo ao se falar de inclusão na Educação
Física escolar; os “tabus” culturais do corpo na emancipação
da mulher brasileira como tema da Educação Física escolar; o
encontro com as pesquisas com o corpo negro na Educação e
Educação Física; e, por fim, as perspectivas metodológicas no
tocante ao corpo e a interdisciplinaridade.

Marcel Alves Franco


Aguinaldo Cesar Surdi
Antonio Fernandes de Souza Junior
Judson Cavalcante Bezerra
Julio Cesar Barbosa de Lima Pinto

14
Tema 1
Corpo, natureza e cultura
UMA NARRATIVA FENOMENOLÓGICA
DA IMAGEM CORPORAL: CORPO
PULSIONAL E SUAS PERCEPÇÕES

Raianne Bezerra Mançonaro


Terezinha Petrúcia da Nóbrega

O contexto da pesquisa

A aquisição mais importante da fenomenolo-


gia foi sem dúvida ter unido o extremo subje-
tivismo ao extremo objetivismo em sua noção
de mundo e da racionalidade. A racionalidade
é exatamente proporcional às experiências
nas quais ela se revela (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 18).

Este estudo é parte da pesquisa de mestrado realizada


no Programa de Pós-Graduação em Educação Física, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na busca de unir
o conhecimento de corpo na Educação Física com as contribui-
ções da psicologia e da psicanálise sobre imagem corporal. Por
meio do método da fenomenologia de Merleau-Ponty, busca-
mos compreender a percepção da imagem corporal em prati-
cantes de musculação, com experiência de mais de 05 anos,
com uma regularidade na prática e com frequência mínima
de 05 dias na semana, que visam modelar seu corpo através
da hipertrofia muscular.

16
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

Sobre a preocupação com a aparência física do ser huma-


no, fruto de uma construção cultural, compreendemos que “o
corpo se adapta de acordo com os padrões sociais estabelecidos
por convenção. Nesse sentido, criam-se modelos de referência
inacessíveis, pois o corpo “vendido” ultrapassa a realidade da
maior parte das pessoas” (AGUIAR, 2003, p. 3). Considera-se essa
busca um fator determinante para o surgimento de idealizações
de modelos de corpo inalcançáveis, posto que, idealizados, têm
como consequências frustrações e, por vezes, o aparecimen-
to de sintomas de adoecimento psíquico, como transtornos de
ansiedade e da própria imagem corporal, como mostram os
estudos em psicanálise (SCHILDER, 1994; ANZIEU, 1989, 1961;
DOLTO, 1984; 2008) e outros que iremos apresentar neste texto.
Essa preocupação com uma boa forma física e as práticas
a ela associadas, como restrições alimentares, atividade físi-
ca, aceitação da estrutura corporal e valorização de si próprio,
perpassa por todas as fases da vida, cada uma dentro da sua
realidade social e de suas construções simbólicas. Foi cons-
truído, ao longo da história, o entendimento de que o homem
poderia condicionar e remodelar seu corpo. Cria-se então uma
espécie dependência vinculada a um padrão estético, transfor-
mando o corpo como fonte de projeções de desejo, como uma
espécie de objeto de consumo (PASSOS et al., 2013). Um corpo
maleável, manipulável, com metamorfoses e repleto de signifi-
cados que são registrados no processo histórico. Nesse sentido
da historicidade do corpo, Souza (2014) afirma:

Na história da humanidade, desde o surgi-


mento das formas de conduta moderna
(séc. XVII), verifica-se que a primeira gran-
de mudança na ótica do corpo se dá com

17
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

a revolução industrial, quando o corpo do


camponês se transforma numa máquina para
funcionamento capitalista (SOUZA, 2014, p. 3).

De acordo ainda com Souza (2014), considera-se a lógica


industrial, em que o corpo passa a ser visto como força de
trabalho: quanto mais forte, mais produtivo. Com os avanços
industrialização e os meios de comunicação, a reprodução
corporal não fica mais apenas no âmbito da arte, em espe-
cial da pintura, agora ela pode atingir um número elevado de
indivíduos, os quais começam a funcionar como propulsores
da comunicação de massa.
O século XXI é marcado pelas mudanças tanto no plano da
realidade sociopolítica e econômica como nos modos de subje-
tivação do homem, o que também parece refletir no imaginário
sobre o corpo (MAROUN; VIEIRA, 2008). O corpo reflete externa-
mente o que se encontra internamente em sua sociedade, como
percebemos nos estudos de uma antropologia do corpo:

Quanto mais se impõe o ideal de autonomia


individual, mais aumenta a exigência de
conformidade aos modelos sociais do corpo.
Se é bem verdade que o corpo se emancipou
de muitas de suas antigas prisões sexuais,
procriadoras ou indumentárias, atualmente
encontra-se submetido a coerções estéticas
mais imperativas e geradoras de ansiedade
do que antigamente (GOLDENBERG, 2002, p. 9).

Essas demandas podem trazer prejuízos sociais, labo-


rais, funcionais, mentais. Para Pope et al. (2000), ver essas
imagens padronizadas socialmente, quando se está em pleno
crescimento, leva os adolescentes e homens jovens a desenvol-
ver a crença de que assim é como um homem ideal deveria

18
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

ver-se. Porém, esses desejos pela busca de um corpo perfeito


estão relacionados com demandas que vão para além do corpo
físico: “O corpo é uma construção simbólica, não uma realidade
em si” (LE BRETON, 2011, p. 18). Como consequência, produz-se
frustração e insegurança por não se ver suficientemente forte,
saudável e viril. A preocupação excessiva para obtenção do
corpo perfeito constitui, atualmente, uma espécie de “tendên-
cia” que abate nossa sociedade capitalista e considerada desen-
volvida, acometendo, sobretudo, adolescentes e adultos jovens.
Dessa maneira, multiplicam-se patologicamente as alterações
psíquicas relacionadas à imagem corporal, incluindo também
uma demanda de reconhecimento social e afetivo.
Ao consultar o site de pesquisa Google, podemos cons-
tatar que existem muitos (mais de 200.000) artigos e estu-
dos relacionados a Transtornos alimentares, ao Transtornos
Dismórfico Corporal, à Vigorexia, em várias áreas de linhas
de pesquisas, dentro da Educação Física, da Psicologia,
Psiquiatria, Dermatologia, e até mesmo utilizando a psica-
nálise como teoria para esclarecer as possíveis origens desse
tipo de transtorno. Contudo, são pesquisas que utilizam como
método revisões bibliográficas ou estudos estatísticos, nas
quais os relatos da experiência vivida dos sujeitos não apare-
cem, com suas vivências e percepções sobre o fenômeno, e,
principalmente, sobre seu corpo. Assim, compreendemos que
ouvir os sujeitos pode contribuir para uma percepção subjeti-
va dos estudos da imagem corporal e de possíveis transtornos
psíquicos e sociais relacionados às percepções, sentimentos e
comportamentos diretamente relacionados ao corpo, como é
o caso da atividade física, em particular, da musculação nessa
perspectiva de modelar o corpo.

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

No banco de dados de teses e dissertações da CAPES


(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)
relacionadas ao assunto “percepção corporal”, foram encon-
trados 2.498 periódicos, de 2003 a 2012 (vinculados aos temas
Psicologia do desporto; Autoestima, Percepção de si, Imagem
corporal e Atividade física). Porém, nenhum desses se refere a
alguma dissertação. Relacionado ao tema “imagem corporal”,
percebemos um crescimento considerável na publicação de
artigos: entre os anos de 2000 e 2001, foram publicados 16 arti-
gos e, nos anos de 2018 e 2019, 62 artigos relacionadas a esse
tema. Nota-se também que os estudos estão dentro das áreas
de Ciências da Saúde, Ciências Humanas e Multidisciplinar.
Segundo Carvalho e Ferreira (2014), parte do crescimento do
interesse pelo estudo da imagem corporal está atrelado à rela-
ção existente entre os distúrbios alimentares, como anorexia e
bulimia nervosa, e à preocupação excessiva com o peso e a forma
corporal, antes muito mais vinculada à população feminina.
A partir dessas indicações da literatura sobre o assunto,
delineamos nossa pesquisa fenomenológica, indagando sobre
a relação entre a imagem do corpo e a prática da atividade
física no que diz respeito à percepção corporal de sujeitos do
sexo masculino praticantes de musculação. Nesse contexto,
temos como objetivo da pesquisa identificar, nas narrativas
dos sujeitos praticantes de musculação, a percepção do corpo
e da imagem corporal, a fim de compreender aspectos subjeti-
vos e intersubjetivos do corpo e das práticas corporais que nos
conduzam a um horizonte de compreensão mais amplo sobre o
fenômeno estudado e os fios intencionais que podemos perceber
na construção de uma rede de significados sobre a corporeidade
e do corpo em movimento.

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Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

Para nos ajudar a compreender a percepção corporal


desses sujeitos, apoiamo-nos na interpretação de corpo para
a fenomenologia de Merleau-Ponty, como também nos concei-
tos de corpo para Le Breton, e de imagem corporal, narcisis-
mo, corpo pulsional para alguns psicanalistas, como Sigmund
Freud, Françoise Dolto e Paul Schilder. Através da redução feno-
menológica, na busca do que se manifesta a luz da consciência,
a partir dos relatos, perceberemos unidades de sentido que,
baseadas nesses conceitos teóricos, contribuirão para a inter-
pretação do fenômeno estudado.

A percepção do corpo fenomenológico


e do corpo pulsional na configuração
da imagem corporal
Em Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty (1999),
apresenta uma síntese sobre a ideia de corpo-próprio e sua
relação coma espacialidade corporal. Por meio dessa relação
fenomenológica entre o corpo e o espaço, “constatamos pela
primeira vez, a propósito do corpo próprio, aquilo que é verda-
deiro de todas as coisas percebidas: que a percepção do espaço
e a percepção da coisa, a espacialidade da coisa e seu ser de
coisa não constituem dois problemas distintos” (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 205). Essa reflexão nos conduz ao movimento
dos sujeitos no mundo, vivendo determinadas experiências que
irão configurar sua posição de sujeito no mundo. Esse movi-
mento só é possível porque somos corpo, porque nosso esquema
corporal configura os contornos entre meu corpo e o corpo do
mundo. Ao dirigirmos nosso olhar para os relatos dos sujeitos
entrevistados em nossa pesquisa, podemos compreender esse

21
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

movimento da corporeidade e sua dinâmica na vida dos sujei-


tos e em suas experiências vividas, como iremos tratar mais a
frente neste texto.
Para Caminha (2015), Merleau-Ponty considera que nossa
percepção, enquanto movimento de se pôr a perceber do corpo,
comporta sempre o mundo ele mesmo enquanto presença
perceptiva, e não o mundo como conteúdo de conhecimento
– o que precisa ser vivido, experienciado. Assim, o corpo não
é considerado um objeto, por ser ele no espaço, como é, por
exemplo, uma cadeira ou qualquer ser que seja corpóreo.
Na filosofia de Merleau-Ponty, percepção e corpo
próprio são dois conceitos que andam juntos, que se entrelaçam,
tendo em vista que a percepção é a chave mestra da fenome-
nologia de Merleau-Ponty. Porém, para existir essa percepção,
entende-se que essa chave “está relacionada à atitude corpó-
rea”, conforme Nóbrega (2008), compreendendo, assim, o corpo
humano (sensações):

A percepção está relacionada à atitude corpó-


rea. Essa nova compreensão de sensação
modifica a noção de percepção proposta pelo
pensamento objetivo, fundado no empirismo e
no intelectualismo, cuja descrição da percep-
ção ocorre através da causalidade linear estí-
mulo-resposta (NÓBREGA, 2008 p. 142).

Não podemos falar sobre a noção de corpo para a psica-


nálise sem falar da trajetória das pesquisas de Freud, nas
quais podemos perceber que a noção de corpo meramente
biológico, antes aceita, é ampliada, passando o corpo a reve-
lar uma característica pulsional, erotizada, repleta de dese-
jos que precisam ser satisfeitos. Ressalta-se que o conceito de

22
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

pulsão um dos pilares da teoria psicanalítica. Desse modo, “é


necessário não confundir os dois registros, o organismo é de
ordem estritamente biológica e o corpo de ordem sexual e
pulsional” (BIRMAN, 2001, p. 58). A pulsão é a representação
dos estímulos que se originam no corpo (biológico) e chegam
ao psíquico, como uma reivindicação de que esse corpo precise
vivenciá-los em conjunto.
Destaca-se que a pulsão se refere, quase em seu todo,
à sexualidade, e que essa pulsão sexual no humano difere da
noção de instinto – este é um padrão hereditário. É um movi-
mento inconsciente que precisa ser descarregado em algum
objeto (FREUD, 1996). A fonte da pulsão é o corpo, ela utiliza
as forças biológicas e energéticas do corpo, mas também é
constituída pelo recalque, por fantasmas e fantasias que se
encontram na região do nosso inconsciente. De fato, a pulsão
liga o corpo ao afeto inconsciente, em uma relação dinâmica
e profunda de nosso ser.
Para estudarmos a imagem corporal, noção psicanalíti-
ca ligada inicialmente ao desenvolvimento da sexualidade em
Freud (2016), precisamos compreender aspectos fundamentais
do desenvolvimento da criança e de seus processos corporais
e psíquicos que marcarão, com traços forte, a configuração de
nossa subjetividade e cuja sede encontra-se no próprio corpo
e irá se relacionar à obtenção de prazer, seja sob a forma de
um autoerotismo, seja na fase adulta, para alcançar uma meta
sexual em um objeto externo. Nunca é demais lembrar que,
para Freud, o sexual não se reduz ao genital, configurando-se
em um modelo metapsicológico para a compreensão de nossa
vida afetiva e de relação com o mundo e com os outros sujeitos.
Essa compreensão freudiana alimenta os estudos da imagem
corporal na psicanálise contemporânea, como percebemos nos

23
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

estudos de Schilder (1994), Dolto (1984; 2008) e Anzieu (1989,


1961), cujos desdobramentos esclarecem e ampliam nossa
compreensão dos relatos de pesquisa e as posições subjetivas e
intersubjetivas da imagem corporal dos sujeitos participantes
de nossa pesquisa.
A primeira infância é marcada pela elaboração da ideia
de si, em que a criança define as sensações e percepções. Através
de representações psicoafetivas, ela vai simbolicamente criando
uma noção de si e do mundo. Explorar o próprio corpo, experi-
mentar sensações, definir formas – tudo isso contribui para essa
formação da percepção da imagem corporal. Schilder (1994, p. 11)
conceitua imagem corporal1 como “a figuração de nossos corpos
formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se
apresenta para nós”. É a partir das experiências vividas pelo
indivíduo que a imagem corporal se processa, contribuindo para
a construção da definição do eu próprio, concreto e subjetivo,
sendo, assim, o modo como a pessoa se vê.
Para Schilder (1994), a fase genital é caracterizada como
a mais importante quando se trata de questões sexuais, pois
é nela que a criança mais uma vez volta a sua energia sexual
para seus órgãos genitais, direcionando-se às relações amoro-
sas. É nessa fase também que a estruturação do Ego é formada
dentro dos três níveis de consciência, sendo responsável por
manter o equilíbrio mental (princípio da realidade), dividindo-
-se entre atender aos desejos do Id e a preocupação excessiva
com o mundo externo do Superego.

1 Schilder utiliza também a noção de esquema corporal para se referir à


compreensão neurológica do corpo, com o exemplo do membro fantasma.
Nota-se que o esquema corporal e a imagem corporal estão diretamente
relacionados na construção psíquica dos sujeitos.

24
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

O esquema corporal é a imagem tridimen-


sional que todos têm de si mesmos. Podemos
chamá-la de imagem corporal. Esse termo
indica que não estamos tratando de uma mera
sensação ou imaginação. Existe uma percep-
ção do corpo. Indica também que, embora
nos tenha chegado através dos sentidos dos
sentidos, não se trata de uma mera percepção.
Existem figurações e representações mentais
envolvidas, mas não é uma mera representa-
ção (SCHILDER, 1994, p. 11).

Segundo Dolto (1984), no que diz respeito à imagem


inconsciente do corpo, ela caracteriza-se por um conjun-
to das primeiras impressões gravadas no psiquismo infantil
através das sensações corporais que um bebê, até mesmo um
feto, sente ao contato de sua mãe, ao contato carnal, afetivo
e simbólico com sua mãe. Para Nasio (2009), em “Meu corpo
e suas imagens”, Françoise Dolto identifica três componentes
inconscientes do corpo, ou seja, as sensações que se fixam numa
imagem inconsciente: a imagem básica, a imagem funcional e
a imagem erógena.
A imagem básica se resume às sensações que dão a
impressão para o bebê de que seu corpo é rígido, firme e está-
vel nos braços da mãe ou dentro do útero (sensações sentidas
através da gravidade ou no ambiente intrauterino pela pres-
são do líquido amniótico). Já a imagem funcional, ao contrá-
rio da imagem básica, está relacionada à sensação de tensão,
às expressões do alcance do desejo, aos estados excitados do
funcionamento psicossomático, nos quais se buscam os objetos
concretos para satisfazer seus desejos (leite materno), como
também objetos simbólicos e imaginários (voz e cheiro da mãe).
E, por último, a imagem erógena, que tem por objetivo focalizar

25
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

o prazer e o desprazer na relação erótica com o outro, que seria


a junção das três “imagens”, que gera o desejo de ser e de estar
sempre ao alcance do objeto desejante.
De acordo com Anzieu (1961), o esquema corporal possui
uma base neurológica relacionada às percepções do corpo no
espaço, enquanto a imagem corporal pertence ao registro do
imaginário. De fato, há um entrecruzamento entre esses aspec-
tos neurológicos e imaginários, como o autor irá demonstrar,
por exemplo, na pele e seus diferentes envelopes corporais
táteis, simbólicos, imaginários (ANZIEU, 1989).
Há também uma sociologia da imagem corporal, posto
que “a imagem corporal incorpora objetos ou se propa-
ga no espaço” (SCHILDER, 1994, p. 235). Assim, as emoções
fazem ressoar a imagem corporal, uma vez que, dirigidas
aos outros, são sempre sociais. Além disso, o interesse pelo
corpo do outro e pelo próprio corpo próprio do narcisismo
constitui elemento fundamental da imagem corporal. “Se
colocarmos nosso corpo num centro imaginário, podemos
medir o afastamento dos corpos dos outros, possibilitan-
do a determinação da relação entre as imagens corporais”
(SCHILDER, 1994, p. 260). Assim, há um intercâmbio entre as
imagens corporais possibilitadas pela libido e pelas emoções.
Essa relação também se dá pela aparência do corpo em um
dado grupo social. Dessa maneira, tatuagens, moda, estilos
de vida condicionam nossa imagem corporal.

26
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

Uma narrativa fenomenológica


da imagem corporal

Para compreender o fenômeno da imagem corporal, utili-


zamos, como metodologia, a fenomenologia, considerando-se
a redução fenomenológica para compreender as experiências
vivenciadas pelos sujeitos desta investigação.

Caracteriza-se a fenomenologia como uma


corrente filosófica que não faz distinção
entre o papel atuante do sujeito que conhece
- como ocorre no racionalismo - e a influência
do objeto conhecido - como ocorre no empi-
rismo. A consciência é sempre consciência de
alguma coisa e o objeto é sempre objeto para
uma consciência. Para a fenomenologia não
existe o objeto em si destacado de uma cons-
ciência que o conhece. O objeto é um fenôme-
no (CARMO, 2000, p. 21).

Quando se trata de investigação da história do outro,


conhecendo sua experiência sobre determinado fenôme-
no, o método fenomenológico mostra-se mais adequado.
Compreende-se o discurso sobre suas concepções do que é
e como é a realidade vivida, sentida, considerando aspectos
sociais, políticos, históricos, da experiência. Unindo pensamen-
tos e atitudes, a fenomenologia busca realidades na “essência”
(HUSSERL, 2006). Mas, é preciso considerar que as essências não
se constituem em um mundo ideal, elas são traçadas na existên-
cia, nas relações vivas da experiência, como nos ensina Merleau-
Ponty no Prefácio da Fenomenologia da Percepção: “Uma
história narrada pode significar o mundo com tanta profundi-
dade quanto um tratado de filosofia” (MERLEAU-PONTY, 1999,

27
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

p. 19). Assim, compreendemos que, a partir da subjetividade


dos relatos, associando-se com as expressões das experiências
do pensar e do agir dos sujeitos, procura-se chegar a uma obje-
tividade descritiva, na convicção de que tudo que é objetivo
agora foi antes pensado. Através dos relatos de sujeitos sobre
suas experiências com a prática da musculação, buscamos real-
çar as experiências subjetivas para esse fenômeno vinculado à
percepção da imagem corporal, utilizando elementos da feno-
menologia unidos aos conceitos psicanalíticos.
A escolha dos sujeitos da pesquisa ocorreu com base
nos critérios básicos de inclusão, a saber: homens, acima de 18
anos e que praticassem a musculação há pelo menos 05 anos
interruptos, com frequência semanal mínima de 05 dias de trei-
namento e que afirmassem ter a hipertrofia muscular como
objetivo principal de sua prática da atividade física. Dentro da
própria universidade, considerando o critério de intencionali-
dade e disponibilidade, tivemos acesso a esses sujeitos a partir
do efeito “bola de neve”. Podemos chegar a 05 sujeitos, sendo
estes informados das principais contribuições da pesquisa e dos
possíveis riscos envolvidos nela. Sobre os sujeitos-colaboradores
que aceitaram contribuir com a pesquisa, podemos classificá-los
como: 02 incluídos dentro da prática esportiva da musculação
com foco competitivo (fisiculturismo) e 03 adeptos à prática
para fins estéticos, recreacionais (PRESTES et al., 2010), estando
eles dentro da faixa etária entre 22 e 39 anos de idade.
Posteriormente, a aceitação desses sujeitos colaborado-
res em participar do estudo seguiu-se com o agendamento das
conversas com perguntas norteadoras, como: 1) Nome, Idade,
Profissão; 2) Comente sobre sua rotina; 3) Fale sobre sua rela-
ção com a atividade física (por que faz, quando começou, dura-
ção, esportes, aulas de educação física na escola, entre outras

28
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

atividades esportivas do cotidiano); 4) Como você percebe seu


corpo?; 5) Quando você se vê no espelho, o que você vê? e; 6)
Em que momentos essa prática se torna prazerosa e/ou despra-
zerosa? As conversas foram realizadas no período de novem-
bro a dezembro de 2019, nos locais sugeridos por eles. Além de
gravadas, as conversas foram transcritas para podermos fazer
os recortes e contemplar o que encontramos dentro do emba-
samento teórico citado anteriormente nas falas dos sujeitos.
Considera-se que a fenomenologia é uma prática, um
modo, uma atitude, a partir da perspectiva da redução feno-
menológica, que, segundo Husserl (1992, p. 13), “proporciona
o acesso ao modo de consideração transcendental, um retorno
à consciência”. Isto é, através desses relatos de experiência, é
possível compreender como os sujeitos experenciam e narram
o fenômeno da prática da atividade física em sua alteridade. A
redução fenomenológica se dá através da suspensão de qualquer
tipo de julgamento ou juízo de valor do pesquisador existen-
te previamente. Esse conceito da redução busca revelar que a
“essência só é acessível através da situação singular onde apare-
ce” (MERLEAU-PONTY, 1973, p. 76).
Considera-se, assim, que:

A fenomenologia procura enfocar o fenôme-


no, entendido como o que se manifesta em
seus modos de aparecer, olhando-o em sua
totalidade, de maneira direta, sem a inter-
venção de conceitos prévios que o definam e
sem basear-se em um quadro teórico prévio
que enquadre as explicações sobre o visto
(MARTINS, 2006, p. 16).

29
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

Faz-se necessário compreender que, tanto na pesqui-


sa fenomenológica como na escuta psicanalítica, não se busca
chegar a verdades absolutas ou a interpretações definitivas. A
escuta flutuante e a redução fenomenológica estão a serviço
dos sujeitos e de seus relatos para traçar os fios intencionais
na criação de horizontes perceptivos mais amplos, não haven-
do juízos de valor ou assertivas explicativas. Assim, ao inter-
pretamos os relatos, relacionando-os aos aspectos filosóficos e
metapsicológicos, não estabelecemos uma verdade definitiva,
mas apenas pistas, caminhos para compreender a subjetivida-
de e suas variações fenomenológicas e pulsionais. Sobre esse
aspecto metapiscológico, esclarecemos que se trata de um tipo
de descrição que considera o fator topológico das regiões do
aparelho psíquico, sua dinâmica do ponto de vista pulsional e
o fator econômico, ou seja, o quanto o sujeito investe em deter-
minada via de sua vida em busca do prazer (FREUD, 2010a).
Percebemos que esses relatos iniciais são ainda uma
forma de colocar o sujeito frente a si mesmo e fazê-los refletir.
Além disso, na condição de pesquisadores, fazem-nos refletir
sobre as possibilidades e limites do nosso próprio conhecimen-
to em termos de descrição fenomenológica e metapsicológica
na compreensão da subjetividade que nos foi apresentada na
pesquisa, por ocasião dos encontros com os sujeitos e que foi
de certo modo materializada em seus relatos. Para este texto,
escolhemos o relato de um dos sujeitos, aqui denominado ficti-
ciamente de Jhon, de 39 anos, professor de Educação Física e
praticante de musculação para fins estéticos, tendo também em
seu histórico esportivo a dança e o fisiculturismo. Ao se referir
ao corpo, o sujeito remete de pronto à questão da vaidade, como
podemos perceber em um trecho de seu relato: “eu vejo assim,
é só vaidade. Só a vaidade de querer mostrar um corpo para as

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Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

pessoas pra dizer que meu corpo é bonito, que meu corpo é belo,
o que vai chamar atenção das pessoas é o meu corpo” (Trecho
da conversa com Jhon, 2019).
Percebe-se que, quando Jhon usa o termo vaidade, quer
dizer que existe uma autoavaliação do que é belo para ele e
o quão representativo é socialmente ter esse corpo belo para
si e para os outros. Seria assim prazeroso ter esse corpo belo
que chama atenção das pessoas? Freud esclarece que o autoe-
rotismo acontece quando a fonte de prazer e satisfação está no
próprio corpo (pulsões parciais), sem investimentos externos.
Posteriormente, essas pulsões se tornam narcísicas, ou seja, a
fase intermediária entre o autoerotismo e o amor objetal, objeto
externo (representações psíquicas dos objetos). Essa escolha de
investimento e de interesse no próprio ego é o que identifica
características narcísicas.
Ao relacionarmos essa compreensão freudiana ao
relato, percebemos um indício de narcisismo relacionado ao
corpo, mas que precisa ser investigado em outras formas de
relação desse sujeito em seu mundo afetivo. Nesse sentido,
a atividade física de alta frequência apresenta-se como um
investimento do sujeito e pode ser um caminho de compreen-
são de sua subjetividade em seus aspectos pulsionais, como
a gratificação que a prática da musculação lhe traz e que
alimenta o circuito pulsional.
Quando perguntamos sobre o além da prática da ativi-
dade física, sobre o que estaria por trás dessa prática, Jhon nos
revelou que:
Quando eu estou na prática da musculação eu
penso em ter esse corpo, com aquilo que eu
quero ne? Pra minha satisfação, mas a gente
acaba também pensando em agradar as outras
pessoas, o exemplo da minha pessoa, digamos,

31
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

de querer chamar atenção de outros homens


no sentido de eu ser homossexual. Ou seja, se
você tem um corpo forte, vai ter mais aquela
presença masculina (Trecho da conversa com
Jhon, 2019).

Como cita Caetano Veloso em sua canção Sampa de 1978,


“ Narciso acha feio o que não é espelho”, vimos na conversa com
Jhon que existe esse desejo de se sentir atraente através da sua
forma física, buscando que o outro (no caso, um parceiro do
mesmo sexo) se sinta atraído por esse corpo. Na sua percepção,
ter esse corpo “forte” atrairia a atenção do desejo de outros
homens, um modo de excitação erótica. Além disso, há a asso-
ciação desse corpo à “presença masculina”, à masculinidade
no sentido de virilidade. Originário do latim, virilitas, a virili-
dade “destina tanto a idade do homem quanto simplesmente
os órgãos masculinos” (VIGARELLO, 2013, p. 72). A virilidade
constrói um modelo de homem pautado na força física, na domi-
nação e na coragem, associado também à disciplina. O autor
afirma que não bastam as qualidades físicas e virtudes morais, é
preciso garantir que ele não “falhe”. Essa imagem do homem em
idade viril — a imagem do homem perfeito, do homem erótico,
do homem jovem, do homem másculo — é encontrada também
quando Jhon fala:

eu tenho que me aceitar. E não tentar ficar


forte pra mostrar para as pessoas que eu
sou um cara sarado, saudável e tudo. Agora
quer queira, quer não, ajuda, porque hoje as
pessoas me veem, porque eu tenho 39 anos e
as pessoas quando me veem não da a minha
idade. Principalmente por conta do meu
corpo, olham assim e não dão a esse corpo
essa idade (Trecho da conversa com Jhon,
2019).

32
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

Outra demanda percebida na conversa com Jhon é a ques-


tão da aprovação social, caracterizada, nesse caso, como uma
espécie de feedback e vinculada à necessidade de ser e estar
dentro do que ele mesmo descreve: belo, forte, trabalhado e
saudável. E, por causa da necessidade de aprovação pelo olhar
do outro, torna-se comum o comportamento de publicar selfs
nas redes sociais, nutrindo a vontade de querer atender às
expectativas de seus amigos/seguidores e, consequentemente,
da sociedade. Esse tipo de aprovação surge como um suprimen-
to para sustentação de um falso eu, uma construção psíquica
que funciona como mecanismo de defesa para não ter de lidar
com a verdade de se sentir inferior, frágil, como uma espécie de
máscara. A necessidade de aprovação e reconhecimento serve
como validação desse falso eu.

um corpo bonito para o que a sociedade impõe


do que é belo, a gente vê muito nas mídias e
tudo, nas redes sociais, é o corpo forte. É um
corpo musculoso de academia, trabalhado,
um corpo saudável pra o que a sociedade vê
ne, nesse meio social (Trecho da conversa com
Jhon, 2019).

Unido a essa demanda de necessidade de sustentação do


falso eu2, nota-se que o sujeito transfere essa necessidade para
o outro, nesse caso, ao que a sociedade impõe como padrão de
beleza. Surge, então, uma espécie de identificação: “não sou eu

2 Na teoria de Donald Winnicott, o falso eu ou falso self tem como objetivo


proteger o verdadeiro self. Essa criação do falso self é elaborada psziqui-
camente para atender à necessidade do desejo do outro, o que gera confli-
to entre os dois selfs, sendo acompanhado pelo sentimento de vazio, de
angústia.

33
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

que preciso ser assim, é o que o outro exige que eu seja”. Numa
perspectiva de baixa autoestima, o sujeito sente a precisão de
se identificar com algo para ser aceito, gerando, assim, uma
distorção do que se é de fato, causando a perda da identidade em
detrimento da identificação — a identidade própria, autônoma.
Nesse caso, vemos o quão é importante ser identificado com o
modelo padrão imposto pela mídia.

Porque se eu treino e busco essa estética, eu


não sou esse corpo que me aceita, que eu estou
querendo buscar. Eu busco mais.

P: Você tem um objetivo na prática da atividade


física, na musculação?

J: Meu objetivo é ficar forte.


P: Hoje você não se considera forte?
J: Eu me vejo forte. Às vezes, assim, mas ao
mesmo tempo, é, quem me vê mais forte são
as pessoas. Na verdade, as vezes quando eu
me olho no espelho, eu ainda não me vejo tão
forte quanto as pessoas falam. Eu sempre acho
que eu preciso mais (Trecho da conversa com
Jhon, 2019).

Esse trecho de Jhon reforça a questão sobre o querer mais


(no sentido obsessivo – repetir o pensamento), o buscar mais
(no sentido compulsivo - a repetição do comportamento), ou
seja, essa insatisfação da imagem está diretamente vinculada ao
mito de Narciso, à paixão mortífera. Tornam-se, assim, impera-
tivos o padrão estético e a tentativa de uma reparação narcísica,
localizada na autoimagem, na aparência física. Considera-se que
essa relação com a imagem seria o modo de me fazer ver pelo

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Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

outro, ou seja, como eu me apresento diante do outro. Não só


me apresento, mas me identifico.

As pessoas veem meu corpo como “tá ótimo”,


as vezes dizem assim “seu corpo tá bonito,
bem simétrico assim em proporção de volu-
me, massa muscular”, as pessoas falam, mas
eu, meus olhos não enxergam isso. Pra mim
assim, está faltando mais volume de peitoral
ne? Pela questão estética. Acho que é porque
eu vejo muito os outros, nas mídias, acho boni-
to e acabo que fico querendo ser igual a eles
ne? (Trecho da conversa com Jhon, 2019).

Notoriamente, na conversa com Jhon, percebemos as


contradições no que diz respeito à aceitação do corpo e à busca
por um objetivo, mostrando a incerteza com relação à satisfa-
ção em ter esse corpo e à insegurança de se esse mesmo corpo
será aceito socialmente. Esse corpo se aceita? O que busca esse
corpo, afinal? Considerando atualmente essa necessidade de
identificação com algo, os sujeitos atuais buscam esses padrões
de identificações nas redes sociais, na mídia. É o que mostra
Le Breton, ao falar dessa relação do corpo e seus processos de
construções com a imagem corporal:

Moldado pelo contexto social e cultural em


que o ator se insere, o corpo é o vetor semân-
tico pelo qual a evidência da relação com o
mundo é construída: atividades perceptivas,
mas também expressões dos sentimentos,
cerimoniais dos ritos de interação, conjunto
de gestos e mímicas, construção da aparên-
cia, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo,
exercícios físicos, relação com a dor, com o

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

sofrimento, etc. Antes de qualquer coisa a


existência é corporal (LE BRETON, 2006, p. 7).

O relato de John nos oferece a ocasião de perceber nuan-


ces da imagem corporal relacionadas às demandas subjetivas
do sujeito em seus investimentos pulsionais que são ancora-
dos no corpo e em suas rotinas de construção da aparência
corporal, satisfação pessoal e outros investimentos afetivos.
Observamos que a imagem corporal porta esses investimentos
e que sua percepção apresenta-se como um horizonte para os
estudos da corporeidade e da constituição das subjetividades,
os modos de ser e de existir no mundo contemporâneo, com
novos investimentos, demandas, sintomas e possibilidades de
compreensão, seja na pesquisa, na cultura, nos processos civili-
zatórios, como diria Freud, em O Mal estar na civilização, na vida
pessoal e intersubjetiva.

É difícil escapar a impressão de que em geral as


pessoas usam medidas falsas, de que buscam
poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram
aqueles que os têm, subestimando os autênticos
valores da vida. E, no entanto corremos o risco,
num julgamento assim genérico, de esquecer
a variedade do mundo humano e de sua vida
psíquica (FREUD, 2010b, p.14).

Jhon e os outros sujeitos de nossa pesquisa nos ensinam


a reaprender a ver o mundo e talvez nossas interpretações
também possam contribuir para que possamos refletir, em
conjunto, sobre nossa corporeidade e as demandas que se apre-
sentam aos sujeitos na sociedade contemporânea relacionadas
à vida e a nossa existência.

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Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

Horizontes de sentidos...

Percebemos, no relato de Jhon, que a experiência do


corpo está associada diretamente ao olhar do outro, ou melhor,
à “aceitação” do olhar do outro, sendo esse corpo uma espécie
de rótulo do sujeito. A imagem corporal reúne todas as maneiras
pelas quais um indivíduo vivencia e define seu próprio corpo.
Ela recebe influências de fatores sensoriais em seu processo de
desenvolvimento, de modo que, mesmo dependendo de uma
estrutura orgânica, a imagem corporal deve ser entendida como
um fenômeno único e estruturado no contexto da vivência exis-
tencial e individual de cada pessoa, em um mundo de inter-re-
lações entre imagens corporais.
A literatura consultada mostra que a imagem corpo-
ral dos sujeitos contemporâneos busca, através de seu corpo,
uma necessidade de aprovação por meio do que se é passado
e dito pela sociedade como padrão de beleza, de imagem, de
aceitação. Assim, como percebemos nos trechos das conver-
sas com Jhon, há uma carência na realização da sua própria
essência existencial, procurando, desse modo, através do seu
corpo, realizar-se. Isso faz do corpo uma fonte de possibilida-
des inesgotáveis de sentidos e significações. O corpo aparece
como mecanismo de manipulação para suprir essas lacunas
psíquicas e demandas existenciais.
Considerando algumas unidades de significado reveladas,
como narcisismo, vitalidade, percepção da imagem corporal,
vaidade, aceitação social, estas encontram-se vinculadas ao que
propomos, em termos teóricos, para compreender a percepção
de Jhon sobre seu corpo, sua imagem corporal, suas buscas na
prática da musculação, sejam elas vinculadas a desejos exter-
nos, objetivos (“corpo forte”; “corpo belo”; “corpo saudável”) ou

37
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

internos, subjetivos (“corpo que se aceita”; “vaidade”, “chamar


atenção de outros homens”).
Nesse breve recorte do relato de Jhon, conseguimos
compreender aspectos da percepção dele com relação ao seu
corpo, encontrando, assim, uma alteridade, em que a leitura de
cada um é diferente sobre o mesmo fenômeno. Percebemos que
os corpos, mesmo com suas semelhanças, são, em sua essência,
diferentes, considerando suas percepções, seus ideais, seus obje-
tivos de ter esse corpo forte, desejante e desejável. Uma espécie
de espetacularização de si mesmo, fazendo da sua imagem um
cartão de visita. Porém, onde há fascínio, há servidão, tornando
os sujeitos “escravos” desta mesma imagem. Nesta, o direcio-
namento do seu investimento pulsional é a satisfação de ter
esse corpo esteticamente “belo”, sendo este objeto em que tudo
aquilo no que e por meio do qual tal satisfação pode ser efeti-
vada, alcançada. Seja essa satisfação em ser esse corpo objeto
de desejo para si e para o outro.
A percepção de imagem corporal, para Jhon, atravessa
aspectos relacionados ao que ele entende por bonito, simétri-
co, proporcional. Esses termos, na visão dele, são mantidos e
alimentados na prática da atividade física. Através dessa práti-
ca, atinjo meus objetivos de ter esse corpo aceito socialmen-
te, e, para me manter aceito, mantenho a prática. Como uma
espécie de ciclo: imagem – identificação – investimento, ou seja,
ao mesmo tempo em que busco essa imagem, identifico-me e
invisto. Percebemos, então, que o direcionamento desse corpo
contemporâneo passa a ser propriedade do sujeito e não mais
da sua essência e, assim, “ter” um corpo e não “ser” um corpo
tem se constituído como uma tendência de esvaziamento frente
a demandas internas da subjetividade. Merleau-Ponty (1999), em
sua Fenomenologia da Percepção, atenta para o fato de que ter um

38
Raianne Bezerra Mançonaro / Terezinha Petrúcia da Nóbrega

corpo é também ser um corpo, posto que nossa corporeidade


se configura nas relações do ser no mundo, o que amplia nossas
questões e nos desafia para a escuta subjetiva nas suas variações
fenomenológicas e pulsionais e as implicações para os estudos
do corpo e do movimento humano.

39
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Uma narrativa fenomenológica da imagem corporal: Corpo pulsional e suas percepções

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42
ANINHÁ VAGURETÊ: APONTAMENTOS
ENTRE CORPO E CULTURA
NO RITUAL INDÍGENA DO TORÉM

Arliene Stephanie Menezes Pereira


Rosie Marie Nascimento de Medeiros

Introdução

Ô senhor dono da casa, licença quero pedir.


Meia hora de relógio para nós se divertir. Para
nós se divertir. Mas ô vevê tem manimbóia.
Aninhá vaguretê. Aninhá vaguretê. Quando
eu aqui cheguei nesta casa de alegria. Se abriu
as portas da frente. Rescendeu a rosaria. Meu
coração bem me diz. Que aqui tem moça
formosa. Ai ô vevê tem manimbóia. Aninhá
vaguretê. Aninhá vaguretê (Cântico de aber-
tura do Torém).

Como iniciamos esta escrita com um dos cânticos do Torém, o


ritual sagrado do povo indígena Tremembé, que invoca os seres
que eles chamam de “encantados”, então também os invocamos
para estar presente neste texto, e junto a escrita dele, para nos
encantar e nos inspirar. Nesta pesquisa nos debruçamos para as
ressignificações deste ritual, ao transmutá-lo para uma descri-
ção fenomenológica, buscando assim, o sentido das experiên-
cias, tais como elas são. Merleau-Ponty (1945/1994) destaca que a
fenomenologia busca compreender o homem e o mundo a partir

43
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

de sua “facticidade”. Para isto nos pautamos numa percepção


como fonte subjetiva do conhecimento, significando a cultura
indígena Tremembé, através de seu ritual.
Destarte, consideramos que a abordagem fenomenológica
não tem o intuito de analisar ou explicar, mas sim descrever
a experiência tal e qual ela é, compreendendo os fenômenos
humanos usando as descrições de experiências dos próprios
indígenas que experienciaram os fenômenos em estudo. A
fenomenologia focaliza experiências vividas fundamenta-
da na essência da existência e do sujeito como construtor de
um sentido absoluto a partir de sua própria interpretação,
compreensão e observação. Faz-se necessário uma fenomeno-
logia nas profundezas, aliada a ampliação dos sentidos sobre as
experiências e sensações corpóreas, abrangendo o corpo como
sentido existencial entre o corpo vivo e vivido; cria possibili-
dades de compreensão entre corpo/corporeidade, nessa pers-
pectiva reúnem as dimensões descontínuas entre a cultura e
sua experiência vivida.
Assim, descrevemos o ritual por meio da memória oral
dos próprios Tremembé, que nos trazem, através de suas falas
colhidas entre setembro de 2018 e março de 2019, sentidos e
emoções para posteriormente podermos vincular suas expe-
riências étnicas e desvelar e ampliar o horizonte de significa-
ções sobre a corporeidade. Explanado a experiência que nos
afetou de modo significativo.
A Educação Física, nos permite fazer esta interface entre
corporeidade, cultura e fenomenologia, não apenas por estar
vinculada ao movimento humano, mas por estar vinculada à
cultura. Sendo a cultura (re)construída por meio do corpo, esta-
belecendo esse contato inerente com as experiências do mundo.

44
Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

O que concebemos como conceitos imbricados. Endossamos


ainda que Zumthor (1993, p. 22-23) nos diz que a cultura é

um conjunto complexo e heterogêneo de


condutas e de modalidades discursivas
comuns, determinando um sistema de
representações e uma faculdade de todos os
membros do corpo social de produzir certos
signos, de identificá-los e interpretá-los da
mesma maneira: como – por isso mesmo – um
fator entre outros de unificação das ativida-
des individuais.

Atravessamos a afirmação de Zumthor com o pensamen-


to de Medeiros (2016) que nos traz que o conceito de cultura
não se dá em bloco, nem se encontra fechado, porém vai se
ressignificando ao longo do tempo. Nessa percepção sobre a
cultura percebemos descortinamos horizontes significativos
de ser e estar no mundo.
Apontamos que esse olhar pode contribuir numa pers-
pectiva de ampliação acerca do horizonte de significações sobre
a cultura e a corporeidade, e ainda provocando o debate sobre
uma conexão entre a Educação Física e atuação intercultural.
Adentramos o universo do povo Tremembé com relatos histó-
ricos desse mundo indígena particular. A descrição do ritual
parte inicialmente com a descrição do Torém através de fontes
documentais, e posteriormente com a construção mnemônica
dos indígenas são desvelados os sentidos, emoções e vinculações
sobre suas experiências étnicas. Com isso, incitamos o questio-
namento: Como pode ser pensado o corpo no Torém?
Para isso, algumas considerações iniciais serão feitas
a respeito dos registros documentais para que possamos a
partir, dos relatos orais e memórias colhidas provocar a

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

interpretação de uma rede de significações sobre corpo e


cultura. A partir dessa perspectiva, atravessaremos agora uma
experiência descrita na tentativa de elaboração de um novo
fenômeno, não apenas para contar, mas para “ver no que dá”
(LÉVI-STRAUSS, 2004)1 .

Os Tremembé de Almafala

O povo indígena Tremembé atualmente vive no esta-


do do Ceará (região Nordeste do Brasil), as margens do ocea-
no Atlântico em 3 municípios: Acaraú, Itapipoca e Itarema.
Messeder (2012, p. 34) faz uma descrição da atual situação deste
povo, onde relata que

A população que estudamos habita a costa


noroeste do estado do Ceará. Os Tremembé
são reconhecidos oficialmente como popu-
lação indígena pelo Estado brasileiro e têm
um território identificado, mas não ainda
demarcado, tendo em vista contestações de
ocupantes. Todo conflito está aí, no reconhe-
cimento social e cultural da existência atual
dos Tremembé. Um quadro ambíguo e tenso
organiza a vida social e política local. Esta
população vive espalhada em várias localida-
des do município de Itarema, situado a cerca
de 260 km da capital do estado, Fortaleza.
Uma parte considerável das famílias identi-
ficadas como sendo Tremembé habitam nas
proximidades da sede do distrito de Almofala.
Em Almofala, se situa a igreja construída no
século XVIII como marco da missão religiosa

1 Lévi-Strauss na obra “O cru e o cozido”, versão original publicada em 1964,


utiliza-se da expressão “para ver no que dá” em várias passagens para se
dizer das expedições que ainda não podia prever.

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

que catequizou os Tremembé. A dispersão e


fragmentação atual resultam de um longo
processo histórico feito de oscilações e
ambiguidades.

Segundo Leite (2009, p. 402) esse grupo ameríndio foi


identificado inicialmente como de origem Tupi, porém “Tomaz
Pompeu Sobrinho, na sua obra ‘índios Tremembé’, publicada
em 1951, fez estudos sobre a língua, a cultura, considerando-
-os Gê ou Macro-gê”. Habitavam o sul do Maranhão, a costa
do Piauí, até as margens do Rio Acaraú no Ceará. Já a origem
do nome vem:

dos ‘tremedaú’, que é uma espécie de córrego


de lama movediça, coberto por água escassa.
Quando os índios eram perseguidos, entra-
vam nos ‘tremedaú’, e como sabiam afundar
na lama, conseguiam sair em outra localidade.
Os soldados ou capangas que os perseguiam,
porém, não possuindo a mesma destreza,
afundavam e morriam (GOMES; VIEIRA;
MUNIZ, 2007, p.45).

Na história são relatados como Tremembé, Teremebé,


Taramambé, Tramembé, Taramembé, Tramambé e até de
Tapuios (POMPEU SOBRINHO, 1951). Porém, apesar de vários
relatos históricos, a própria origem dos Tremembé continua
sendo um mistério.
Nesta escrita nos remetemos aos Tremembé do municí-
pio de Itarema, mais especificamente da grande Almofala, que
engloba a região das aldeias situadas a esquerda do Rio Aracati-
Mirim. Almofala historicamente também foi o aldeamento mais
conhecido. A respeito do nome Almofala, os Tremembé nos
trazem que segundo as memórias orais dos seus antepassados,

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

surgiu no início da colonização. Quando os europeus aqui chega-


ram, os indígenas se escondiam, e os colonizadores ouviam
apenas vozes, e afirmavam que ali não havia ninguém, mas
que “só alma fala”.
Ainda hoje, os Tremembé apresentam vários de seus
costumes, como a fabricação de cerâmicas; a confecção de
bijuterias e artesanatos de material rústico, feitas de objetos
encontrados na natureza; pintam seu corpo com a tinta extraí-
da do urucum e do jenipapo; tem atividades como a agricultura;
a tecelagem em palha; a pesca artesanal feita com redes de lã;
e mantém o consumo de alimentos tradicionais como o peixe,
caranguejo, lagosta, farinha, mocororó e etc...
Esse povo indígena mesmo diante de suas inúmeras
particularidades étnicas, são culturalmente reconhecidos
pelo seu ritual ancestral, o Torém. Acerca da história do ritual
Porto Alegre (2003) nos traz que o historiador Antônio Bezerra
ao fazer relatos sobre a história do estado Ceará, alude em
suas visitas à região da Ibiapaba, a presença de indígenas que
tinham por hábito se vestir e dançar o Torém. Seraine (1955)
apontou que o Torém era o único elemento cultural que atesta-
va a origem desse povo indígena, como uma relíquia folclórica
de um passado já esquecido. Porém, a descrição, com carga
culturalista, se adentrava mais a descrever os traços de acul-
turação do grupo, sendo seu último elemento representativo
onde Seraine, apontava a incontestável descaracterização
cultural (OLIVEIRA JÚNIOR, 1998, p. 43).
Valle (2005a) dá destaque ao Torém como um dos elemen-
tos em volta da organização étnica dos Tremembé na década de
80, em que a organização do ritual ia de encontro

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

A emergência de povos indígenas, envolven-


do interesses e objetivos comuns, sobretudo
o direito à terra, suscitava questões sociais,
culturais e políticas que tinham relevância. O
Ceará era um dos estados brasileiros que não
tinha oficialmente presença indígena. Nesse
contexto, os Tremembé de Itarema foram
um dos primeiros grupos étnicos, junto dos
Tapeba, a aparecer com mais destaque. Um
dos elementos que mais se destacava era a
organização dos Tremembé em torno de uma
dança, o Torém (VALLE, 2005a, p.188).

Para Valle (2005a) o ritual do Torém era usado como


investimento étnico para embasar os discursos em torno da
singularidade cultural dos Tremembé e para fortalecer a orga-
nização política deste povo em relação a luta pela demarcação
de suas terras. Valle (2005b, p. 246) assinala que “A organização
política do Torém passou a se acomodar a essa nova dinâmi-
ca política. Dessa forma, qualquer apresentação da dança que
envolvesse os Tremembé das diversas situações acarretava o
mesmo movimento ordenador de uma unidade étnico-política
mais ampla”.
Oliveira Júnior (1998) menciona que o Torém era uma ação
simbólica, para ser veiculado através de mensagens para quem
o assistia. Para isso, os Tremembé preocupavam-se com a carac-
terização dos participantes para as apresentações voltadas ao
público externo. O autor menciona que, na verdade, o objeti-
vo era conferir a representatividade em torno dos aspectos da
imagem do indígena.
Para a descrição nos remetemos que o Torém é um ritual,
ou uma dança mimética sobre frutos e animais nativos, como o
guaxinim, a tainha e o caju. Desse modo “O Torém descrito nos

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

textos dos folcloristas consiste numa pantomima, com acompa-


nhamento de um maracá, que retrata a atuação de animais (o
salto da tainha, as brigas dos guaxinins, o canto da jandaia, o
bote da cobra caninana) e algumas atividades cotidianas (tirar
a água da mandioca, tecer no tear)” (SERAINE, 1955; NOVO, 1976
apud RATTS, 1999, p. 8). Durante o ritual são cantados versos e
refrãos em vocábulos de origem indígena e em português. Os
corpos dos índios, para as apresentações se adornam com suas
roupas tradicionais elaboradas de penas e palhas, bijuterias e
pinturas corporais.
Para uma descrição geral de como é, ou como acontece
o ritual do Torém nas diversas ocasiões, trazemos que ele é
dirigido pelo atual cacique João Venâncio, que segura o mara-
cá (chamado também de maraca ou aguaim) e bate o pé com
uma pancada forte no chão, comandando os dançarinos, que
são homens e mulheres. Se inicia a roda com os braços dados
e pés descalços. Ao centro da roda uma ou duas pessoas juntas
com o cacique também seguram um maracá. O cacique come-
ça a entoar o canto de abertura, apenas com o coro das vozes,
“que pede permissão ao dono da casa onde o ritual tem lugar”
(MESSEDER, 2012, p. 35); cântico trazido como epígrafe do estu-
do, e clamando a frase “Aninhá Vaguretê”, sendo uma espécie de
louvação inicial de abertura, um pedido de licença para iniciar
o ritual. Após o cântico inicial, o cacique louva o pai Tupã e mãe
Tamaí (deuses da cultura indígena). Os movimentos são marca-
dos sonoramente por um maracá, que começa a ser agitado e
dá ritmo às músicas entoadas pelo coro das vozes. Ao centro do
círculo, também, podem se encontrar, os torenzeiros. Os passos
desses dançarinos ao centro remetem a “cantiga do guaxinim”,
e se constituía como um ponto máximo do momento do ritual,
em que ao centro executavam movimentos corporais que

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

buscavam imitar o animal, simulando movimentos de ataque


e defesa, saltando de um lado para o outro, e com as mãos em
forma de garras.
Ainda no centro da roda está a bacia ou uma garrafa do
mocororó (ou vinho caju, ou cuiambá ou ainda, água de manim),
a bebida alucinógena extraída do caju azedo que é servida no
final aos participantes. Ratts (1999, p. 8) destaca que “Segundo
as narrativas dos Tremembé (e de alguns pesquisadores), o
Torém era realizado na safra do caju (entre setembro e outubro,
daí o fato de tomarem mocororó, bebida obtida da fermentação
desta fruta) [...].”
Ao final do ritual todos se agacham, ficando de cócoras,
sendo convidados para vir “aos cuiambá”, e por fim beber o
mocororó. Primeiro o cacique, ou o “puxador” do Torém, depois
os outros são convidados. Acerca da palavra Cuiambá destaco
que Messeder (2012) nos diz que prefixo “cuia” era o recipiente
no qual se servia a bebida (a cuia de cabaça). E que “no centro
deste processo se coloca um ritual de consumo de uma bebida
fermentada tradicional, chamada mocororó ou garrote, feita a
partir do suco do caju” (MESSEDER, 2012, p. 34).
Em torno desse ritual temos, ainda, o atual investimento
entre os Tremembé em explicar a dimensão espiritual, e de
curas espirituais e corporal dos participantes e do seu reco-
nhecimento étnico e identitário através do Torém. O ritual se
apresenta como o momento sagrado de fortalecimento através
do encontro com a ancestralidade, visto como um elo de união
com as gerações passadas e uma ponte de integração com os
seus antepassados, que eles nomeiam de encantados

51
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

que são os nossos antepassados que morrem,


que se vão. Que pra gente eles não morrem,
eles se encantam. E que sempre eles tão onde
a gente tá. Em determinados momentos prin-
cipalmente no ritual sagrado, eles estão nos
fortalecendo, nos ajudam. É um consagra-
mento muito mais além do que a gente pensa
(Cacique João Venâncio).

Neste vasto campo de sentidos polissêmicos, o Torém,


foi, e ainda é, ao longo do processo de mobilização étnica dos
Tremembé seu principal sinal de luta e resistência. Agora
iremos percorrer a significação do ritual através das narra-
tivas remetidas pelas memórias orais, elencadas nas falas dos
próprios Tremembé que denotam sentidos na descrição e na
própria história do ritual. Vos convido e peço-lhes licença para
iniciar: Aninhá Vaguretê!

Chama pros cuiambá: imersão


cosmológica no ritual do Torém

Aqui damos voz aos corpos que ritualizam. E impulsionamos


um texto onde os Tremembé nos trazem as falas do que é, e/ou
representa seu próprio ritual. É nesse exercício do calar para
ouvi-los, que trazemos o contexto da fala do Pajé Luís Caboclo
ensejando essa necessidade: “Antes pra nós viver, nós tinha que
calar. Hoje a gente tem que falar pra poder sobreviver”.
Discorre-se nesta experiência sobre escolhas afetivas,
saberes elucidados e desvelados, neste processo, com a descri-
ção do fenômeno sob o olhar de quem o vivencia. Objetivou-se
buscar saberes que foram descortinados através das falas. A

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

partir das falas é notável o que já foi relatado sobre a história


e a cosmologia do Torém; estas que abrangem toda uma signi-
ficância do ritual, tanto pelo seu aspecto particular, relatado
pelo professor indígena José Getúlio dos Santos: “Primeiro que
o Torém é dançado pelo único povo, que é o Tremembé. Não existe em
outro lugar do mundo. É algo que onde se fala de Torém, você lembra
logo do povo Tremembé. Diferente do Toré que muitos outros povos
dançam”. A fala é completada pela afirmação do cacique João
Venâncio: “Pros Tremembé significa uma dança natural. De origina-
lidade do povo Tremembé. O Torém é uma dança única que só quem
tem é o povo Tremembé. Os outros povos dançam Toré”.
Trazemos, por exemplo, a questão em que os Tremembé
firmaram e afirmaram sua identidade étnica através do Torém,
pois é dito que ele “é a parte principal da nossa história” (Alene
Marques do Nascimento, professora indígena). E que “Sem o
Torém os Tremembé são quase morto” (Maria de Jesus Sobrinho,
indígena Tremembé). Ademais, reproduziram suas relações
sociais, de compadrio, liderança e até desavenças em torno dele.
Para os Tremembé essa experiência ritual irrompeu em
tempos históricos diferentes, onde apontam para o ritual vários
significados e como se sentem antes e depois do ritual. Pois o
“O Torém só traz pra você força, limpeza.... Eu não sei pra quem não é
índio, mas pra nós pra que somos índio quando a gente entra no Torém
que você tá pesado, a gente se sente outra pessoa” (Janiel Marques,
professor indígena). O ritual

Serve como fortalecimento, cura, limpeza.


Significa força história, luta, resistência.
Antes a gente se sente como se estivesse
fraco. E depois do momento do ritual a gente
se sente forte, fortalecido, renovado. Com
mais força pra seguir adiante. A minha

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

experiência é bastante gratificante, rica.


Porque a gente se fortalece (Maria Samires,
indígena Tremembé).

Esses relatos abrem portas para a compreensão da expe-


riência de um universo cultural particular, visto que engloba
processos valorativos e de reconhecimento identitário entre o
grupo, captado através de suas mimesis e atribuição de conhe-
cimentos que lhes são próprios. A partir do Torém um leque
de possibilidades significativas se abre a interpretações, onde
elencamos primeiramente o seu aspecto sagrado, que lhe é
conferido, assim como aponta Maria de Jesus Sobrinho: “É uma
dança, é o ritual sagrado. É uma alimentação dos índios Tremembé. Se
você não come, você não sobrevive. Do mesmo jeito é o Torém. É uma
vida”. Ainda acerca dessa sacralidade, o professor Getúlio nos
fala que “O Torém é o ritual sagrado do povo Tremembé. Pra mim é o
pilar principal que sustenta mesmo a identidade étnica, a identida-
de política, a identidade cultural”. Para todos os entrevistados a
questão do ritual ser sagrado é relatada de maneira fatídica.
Ele denota o que os Tremembé chamam de “a força maior da
espiritualidade dos encantados”, pois

O Torém pra gente é uma dança sagrada. Que


pra gente ela serve de reza, serve de cura. É
um ritual aprimorado pela gente que a gente
tem muito apego, muita apegação. Porque o
Torém pra gente ele é sagrado. [...] No nosso
ritual sagrado tem a passagem que a gente
chama pra purificar a presença ritual dos
nossos mestres, dos nossos guias, do nosso pai
Tupã. A gente tem uma passagem que a gente
chama pra o cuiambá. O que é isso? É chaman-
do pra gente beber aquele vinho que está ali
naquela roda. Que é pra purificar a presença

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

do nosso pai Tupã no momento que a gente


tá fazendo o ritual. Então é um símbolo que
é pra purificar, consagrar entre a gente. [...]
Descarrega tudo de ruim que tem ali naquele
momento (Cacique João Venâncio).

Para esse fato Messeder (2012, p. 34) já afirmava que “no


discurso de abertura o cacique, que comandava a cerimônia,
não deixa dúvida quanto ao caráter sagrado da reunião e fala
claramente de ritual e de cultura”. Para os Tremembé essa
relação cultural do Torém têm um limiar muito tênue com
sua espiritualidade. Será necessário para isso, abordarmos a
noção de “encante”, onde as pessoas “encantam-se”, ou seja,
passam a viver numa outra dimensão espiritual. Essa noção se
agrega ao passo em que eles descrevem inclusive situações de
incorporação dos encantados:

Quando a gente dança o Torém a gente se


concentra bastante. Ali é um momento de
concentração. Então é pra ser um momento
de energias positivas, naquela hora. Porque
ele atrai tanto energias positivas, quantos
negativas. Se você não tiver bem concentra-
do você acaba incorporando alguma coisa em
você (Janiel Marques).

Destarte, o Torém ou “brincadeira dos índios velhos”


(OLIVEIRA JÚNIOR, 1998), como também é denominado o
ritual, traz o afloramento na crença de seres que os Tremembé
chamam de encantados, e é descrito como sinal da força e da
luta Tremembé. É senão, a forma mais marcante da cultura
desse povo e gênese de sua organização étnica.

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

O Torém faz vibrar o corpo

Nesse momento existe a necessidade de retornar as


coisas mesmas, revisitando um mundo que esteve diante de
nós, frente ao que foi dado de significado no ritual sagrado.
Retomamos a partir daqui novas reflexões sobre a Educação
Física como área para interpretar essas significações culturais.
E permeando através disso, novos sentidos, transcendendo
sua materialidade no intuito de desvendar sua subjetividade
sensível (MERLEAU-PONTY, 1945, 1994).
Configurou-se anteriormente história, emoções e depoi-
mentos imbricados no Torém, para então, neste momento refle-
tirmos sobre o corpo e a Educação Física, através da cultura.
Com isso, surge o questionamento: “O que dá para pensar sobre
o corpo no Torém?” para “cultura do Torém inscrita no corpo”.
Segundo Novaes (1993, p. 71) “O corpo é o centro do
mundo”. E para pensar esse corpo como centralidade, trazemos
a percepção como fonte subjetiva de conhecimento, sendo possi-
bilitada através do corpo que ritualiza o Torém; sendo trans-
mutado, imaginado, observado e reflexionado. Essa experiência
cultural ocorre sensivelmente a partir da percepção e vivência
do mundo que preenche o ritual de significações corporalmente
assimiladas, concebendo-o com os sentidos emotivos.
O caráter corporal do conhecimento nos coloca muitos
desafios, pois o corpo está em tudo, mas não da mesma forma.
No curso desse mergulho significativo, elencamos a cultura
como uma manifestação/irrupção no seio de uma conexão
histórica que permeia a visão cosmológica de mundo para os
Tremembé. Sendo a cultura “o fator histórico de unificação
das atividades sociais e individuais” (ZUMTHOR, 2010, p. 66). A

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

cultura parte então das experiências individuais, sendo expan-


dida para o coletivo e vice-versa.
Há aqui portanto, a necessidade de (re)conhecer e conce-
ber o corpo como dotado de múltiplas significações e apreen-
sões culturais. Esse corpo vivo que simboliza e exterioriza-se ao
mundo, desencadeando relações que fortalecem o sentimento
de pertencimento étnico dos Tremembé. Através das falas colo-
co ainda que o corpo se exteriorizou através da voz. Como corpo
que foi ecoado pela história.
O ritual é significativamente envolvente, a partir desse
entendimento, aqui descortina-se e configura-se a sensibilida-
de marcada pelos sentimentos e emoções. Esse olhar sensível
nos desafia para além de uma mera análise objetiva, nos reme-
tendo a uma corporeidade poética que é expressa pelo Torém.
Entendemos aqui que o corpo tem essa dimensão anunciada
ao mundo. No Torém, o corpo instaura a intencionalidade não
somente no se movimentar, mas no ser corpo.
Afirmamos que o Torém está inscrito nos Tremembé,
assim esses corpos inscritos materializam sua cultura através
do ritual. Pensando, para isso, o corpo como o logos de interlo-
cução na Educação Física, para podermos pensar o ritual.
Designamos aqui a penetração da linguagem sensível,
onde os Tremembé descrevem as maneiras como vivem e sentem
o Torém para exprimir sua experiência de corpo no mundo.
Lançamos mão da abordagem fenomenológica e da percepção
para descrever e compreender esta experiência vivida pelos
sujeitos no ritual abordado. Partindo desse entendimento, a
significação cultural que o Torém exala para a Educação Física
compreende um entendimento muito além dos movimentos
mecânicos e/ou estilizados. Logo remete ao um processo que
liga corporalmente os Tremembé a sua própria história e (re)

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

criação de seu conhecimento cosmológico. Para isso, conside-


ramos o corpo numa observação existencial a partir da expe-
riência vivida.
A partir do entendimento dos Tremembé, a pesquisa
apresenta as percepções desse povo. Logo, entendidas como
interpretações pessoais de um sentido de universo, resultan-
te da experiência cultural que compartilham consigo mesmo,
esboçando-os para o mundo. O corpo fala no ritual do Torém,
em um processo singular onde é possível apreender suas múlti-
plas dimensões significativas.
A corporeidade entre os Tremembé é manifestada por
formas gestuais significativas. Resistência corpórea que trans-
creve marcas de uma cultura, onde os Tremembé se apropriam
de um contorno incidente de significação e particularmente
destacado para a definição de sua etnicidade. Para isso, aponta-
mos o corpo como vetor semântico da identidade e desta legiti-
mação étnica, e que nos orienta para as diversas possibilidades
multirreferenciais.
Essa reconstrução e reelaboração cultural do Torém, nos
traz a reflexão de corpo aberto e inacabado, em constante cons-
tituição conforme suas relações sociais e políticas. Um corpo
como sensível arquétipo de uma cultura, que rompe os este-
reótipos corporais, guiado pela necessidade de uma identidade
que seja reconhecida pelos outros. Essa relação dos Tremembé
em constante (re)elaboração cultural com o Torém, nos leva
a compreensão de cultura a partir da afirmação de Medeiros
(2016) que diz que

Essa cultura não compreendida como algo


homogêneo, mas que dentro dela existe a
heterogeneidade, já que está em constan-
te mudança, mesmo mantendo algo que se

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

perpetua e que permanece. Esta heteroge-


neidade deve ser considerada pela educa-
ção sendo essa atrelada ao corpo, ou seja, o
corpo se faz presente em todos os seus atos,
atribuindo sentidos às experiências, poten-
cializando suas formas de ser e conviver de
diferentes formas (MEDEIROS, 2016, p. 119).

A cultura foi desvelada aqui no tocar das falas dos Tremembé


elencando o Torém a vivência entre percepção e emoção. Com isso,
entendemos que é através do corpo que o homem existe e vivencia
as diversas experiências que o mundo lhe proporciona. É através
da interação corpórea com o mundo que o ser humano vai sendo
inserido em um espaço social e cultural.
Avulta-se, aqui, a necessidade de avançar em debates
sobre o corpo que possam ampliar os debates culturais. De
corpo que sente, cria, deseja, fala e vive.
Realçar a cultura e a corporeidade dos povos indígenas
na área de Educação Física é despontar outras formas de olhar
o corpo. Sinalizando interrogações para área sobre campos
ainda não adentrados. Entende-se aqui, que o corpo é cultura
e instaura uma expressividade e intencionalidade particular ou
comunitária no seu movimento. Assim, o conhecimento acerca
da cultura, nos traz sentidos sensíveis que ampliam as possi-
bilidades de saberes sobre o corpo através de uma narrativa
fenomenológica.

Considerações finais

Afloramos, neste texto, corpos e emoções... O corpo


no ritual está diante de nós como uma paisagem a ser admi-
rada. Percebe-se, através disso, a necessidade de avançar na

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

perspectiva da contextualização histórica, sistematização,


ampliação e produção sobre os indígenas na área, instigando
o debate sobre uma concepção ampliada e entrelaçada com
a corporeidade, a atuação intercultural e a Educação Física.
Observamos no Torém, uma oportunidade de despontar
nessa perspectiva para a Educação Física e a cultura indígena,
permeando o arrebatamento dos seus sentidos e peculiaridades
culturais.
O Torém é recortado neste trabalhado pelas diferentes
perspectivas e olhares das falas dos sujeitos. Porém, as falas
caminham numa única direção, a qual o Torém é o logos cultu-
ral de sua etnicidade.
Apesar do esforço em empreender a descrição do ritual
através da descrição histórica, das falas e do imbricamento da
corporeidade, essa seria, ainda, uma descrição muito simplifi-
cada de toda a corporeidade expressa no ritual.
Renovamos o olhar para aprofundá-lo no que diz respeito
à Educação Física, onde dialogamos com as memórias orais que
nos deram os entrecruzares com a cultura. E através da fenome-
nologia pudemos enlaçar a história documental através de uma
percepção sensível. Com essa sensibilidade, os saberes rituais do
Torém ancorados na sua semântica cultural, fertilizam o campo
da Educação Física. Assim, pautamos a experiência cultural do
ritual à uma experiência perceptiva sobre o corpo.
Chegamos ao final dessa escrita sendo habitadas pelo
sentimento de que o Torém se constitui como uma possibili-
dade de ser amparado pela Educação Física, o que afirma que
a área é extremamente profícua para abarcar a cultura. A
percepção desta experiência desvelada no Torém nos faz (re)
pensar que ele é memória e dá vida ao corpo, e o corpo é vida
no ritual, numa indivisão de sentidos que transpõem nossa

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Arliene Stephanie Menezes Pereira / Rosie Marie Nascimento de Medeiros

imaginação. O que mais podemos narrar, desvelar, sentir e


vivenciar sobre o Torém?
Para finalizar, vos deixamos a sensibilidade expressa em
uma frase da indígena Maria Samires que talvez possa expres-
sar tudo que o Torém representa: “O Torém é sagrado, significa
cultura, amor, paixão, sobrevivência, vida...”

61
Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Aninhá Vaguretê: Apontamentos entre corpo e cultura no ritual indígena do Torém

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63
PERFIL ECOCENTRISTA
DE PRATICANTES DE SLACKLINE:
INTERFACES DA PRÁTICA
E DA NATUREZA

João Leandro de Melo Araújo


Elmir Henrique Silva Andrade
Cheng Hsin Nery Chao
Priscilla Pinto Costa da Silva

Introdução

A partir das transformações sociais ocorridas principalmente


na década de 80, percebeu-se uma crescente adesão às práticas
corporais de aventura. Essas são caracterizadas por proporcio-
nar aos participantes diferentes sensações, ao mesmo tempo
em que seus praticantes estão sujeitos a riscos reais e calcula-
dos. Não o bastante, tais atividades também são marcadas por
fomentar o convívio com a natureza.
Autores como Harvey (1994), Follari (2000), Lipovetsky
(2005) e Baudrillard (2008) apontam que a sociedade em devir
atravessa as consequências da passagem do moderno para o
pós-moderno, a qual a formação moral dos jovens recai na
paixão pelas práticas que permitem novas sensações para o
corpo, o que promove a reaproximação do ser humano à natu-
reza. No entanto, essa aproximação parece ir de encontro ao
que defende Morin (1977), pois faz-se necessário compreender

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João Leandro de Melo Araújo / Elmir Henrique Silva Andrade /
Cheng Hsin Nery Chao / Priscilla Pinto Costa da Silva

o ser humano como sujeito da natureza, desde suas formas


simbólicas e esotéricas até a sua conscientização de corpo/
espaço constituinte deste cosmo. Neste mesmo sentido,
Merleau-Ponty (2000) descreve que a natureza não é, pois,
somente aquilo que enxergamos, mas também o que intera-
gimos — e então, sentimos.
Todavia, na contramão deste pensamento, Nóbrega (2016)
torna exposto que pesquisadores formularam teses, de tal forma
a polarizar os pensamentos do ser humano e da natureza, dicoto-
mizando-os a tal ponto que houvessem postulações separatistas
entres esses dois conceitos. Contudo, Morin (1977) defende que a
organização biológica e a organização antropossocial dos indi-
víduos se materializam enquanto características físicas da natu-
reza, sendo, portanto, ontológicas e holísticas a este fenômeno.
A partir disso, é possível compreender que o ser huma-
no tende a se adaptar de acordo com a localidade em que a
prática é realizada. Isto é, comportando-se de maneira fluida
em atividades aquáticas, apresentando características mais
ríspidas em esportes nas florestas, ou evidenciando a leveza
dos movimentos executados em suspensão aérea, metamor-
foseando-se, tal como discorre Serres (2004) sobre o homem
perante a montanha.
Para Maffesoli (1998), esses traços exemplificam quali-
tativamente os aspectos éticos e estéticos dos sentimentos,
das emoções e das experiências vividas. Na ótica de Merleau-
Ponty (2009), estes são aspectos de uma percepção ancorada
no corpo, marcada como uma tatuagem, fincada no incons-
ciente dos sujeitos.
Além disso, é válido afirmar que qualquer análise susten-
tada nos indivíduos e que não perpasse pela concepção de
natureza, pauta-se no incorpóreo, apresentando uma imagem

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Perfil ecocentrista de praticantes de Slackline: interfaces da prática e da natureza

fantasiada do ser humano, do seu espírito e de sua história


(MERLEAU-PONTY, 2000; NÓBREGA, 2016). Fomentando esse
ponto, defende-se que a ascensão dos desportos de aventura
deve-se ao fato da possibilidade de seus praticantes aventura-
rem-se nos riscos e nas emoções que estas manifestações corpo-
rais proporcionam (SILVA; FREITAS, 2010; XAVIER et al., 2011).
Tais peculiaridades reafirmam a teoria de que o comportamen-
to humano é referente ao meio em que está inserido, numa
relação natural cinestésica, a partir de experiências estéticas.
Paralelamente a ideia supracitada, pode-se pensar a
sensibilização ambiental como um processo educativo, ao passo
em que é possível aprender com a natureza, bem como influen-
ciá-la (MORIN, 1977). Posto isto, Spink, Aragaki e Alves (2005)
complementam que os desportos de aventura, incentivam o
trabalho em equipe, promovem a conscientização ambiental
e conduzem ao respeito à natureza, de modo que o ser huma-
no se comporte como ser constituinte dela. Em função disso,
assim como da criação de acordos mundiais em prol do desen-
volvimento sustentável, estas modalidades estão sendo cada
vez mais difundidas.
Sendo assim, avalia-se que as práticas corporais de aven-
tura conduzem a uma valorização de uma educação sensível,
partindo de experiências que estimulem os sentidos, por meio
da experimentação de diferentes sons, sejam eles animales-
cos ou naturistas, da percepção de aromas, das texturas táteis,
além das características visuais dos elementos da natureza. Não
obstante, tais atividades reavivam no sujeito o repensar de sua
relação intrapessoal, interpessoal e transpessoal, viabilizando o
surgimento de novas formas de pensar a natureza, como parte
de si (MORIN, 1977). Então, o cuidar de si é transfigurado ao
cuidar do meio ambiente, incorporando outros partícipes do

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João Leandro de Melo Araújo / Elmir Henrique Silva Andrade /
Cheng Hsin Nery Chao / Priscilla Pinto Costa da Silva

próprio cosmo nas reflexões deste processo educativo, expondo


a vicissitude de reconfiguração da natureza.
Destarte, a Educação Física e as Ciências do Desporto,
enquanto matrizes científicas para o estudo do corpo no seu
sentido lato, possibilita um pensar para além da ação, que
contribui com um aprendizado a extrapolar sua dimensão
motora. Portanto, entende-se como relevante a discussão sobre
o planejamento e a execução da prática desportiva na natureza.
Neste estudo, prioriza-se o caráter de conscientização ambien-
tal nas práticas corporais no slackline.
Diante desse cenário questiona-se: em que medida as
práticas corporais de aventura no contexto do lazer e educa-
ção auxiliam na formação e sensibilização ambiental? Por meio
de uma estratégia educativa voltada a interdisciplinaridade,
pode-se observar as potencialidades da educação e sensibili-
zação ambiental?
A partir disso, torna-se pertinente abordar a temática
ambiental, por meio de construções socioeducativas voltadas
para o lazer, pelo que este é considerado um fenômeno inter-
disciplinar, isto é, que pode ser compreendido como um fator
educacional por constituir relações de desenvolvimento inte-
lectual, moral, física e de valores pessoal e social (SILVA et al.,
2011). Nessa perspectiva, aqui se refletirá sobre o desenvolvi-
mento das práticas corporais de aventura como possibilidade
de educação, integração social e sensibilização ambiental. Desta
forma, faz-se necessário investigar como os procedimentos
voltados a conscientização ambiental para o ensino das práticas
corporais de aventura são planejados, executados, percebidos
pelos alunos e avaliados por estes. Sendo assim, o objetivo desse
estudo é avaliar a influência das aulas de iniciação ao slackline

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Perfil ecocentrista de praticantes de Slackline: interfaces da prática e da natureza

na sensibilização ambiental dos praticantes, bem como traçar


o perfil ecocentrista do grupo investigado.

Procedimentos metodológicos

O presente estudo se trata de uma pesquisa qualitativa,


do tipo pesquisa-ação, pelo fato de intervir em uma determina-
da realidade. De acordo com Thiollent (2011), a pesquisa-ação é
constituída por quatro fases: a exploratória, a principal (plane-
jamento), a de ação e a de avaliação. Esse método científico está
focado em uma situação ou problema coletivo, em que os parti-
cipantes estão envolvidos, e por meio de intervenções venham
trazer mudanças sociais e educacionais.
Participaram do estudo 8 adultos, com idades entre 18 e
32 anos, membros do Projeto de Extensão “Slackline: equilíbrio
entre a aventura e a emoção” promovido pelo Departamento de
Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
ou integrantes do Projeto de Extensão “TECER – Tecendo Elos
de Cooperação entre Esportes e a Rua” promovido pelo Instituto
do Cérebro, órgão da mesma instituição de ensino.
O critério de inclusão estabelecido foi de adultos dos
gêneros masculino e feminino, inscritos nos projetos supraci-
tados, com frequência regular e interessados em participar da
pesquisa. Já o critério de exclusão foi de pessoas com restrições
médicas para a prática de atividade física regular.
Utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada
aplicado para os participantes da pesquisa. Neste instrumen-
to, o entrevistador tem a liberdade de introduzir perguntas
ou fazer intervenções que visam expandir o campo de expla-
nação do entrevistado ou aprofundar o nível de informações

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João Leandro de Melo Araújo / Elmir Henrique Silva Andrade /
Cheng Hsin Nery Chao / Priscilla Pinto Costa da Silva

ou opiniões a serem compartilhadas (BANKS, 2009). O rotei-


ro da entrevista semiestruturada obedece a um critério que
envolve questões pertinentes ao tema estudado, permitindo ao
pesquisador incluir outras perguntas quando necessário para
o entendimento de um assunto, o que torna eficaz a obtenção
das informações desejadas.
No entanto, foram adotados os cuidados sugeridos por
Flick (2009) para a entrevista: uma sucinta introdução acerca
do procedimento e do tema a ser abordado, perguntas objetivas
e cuidados para não influenciar os entrevistados com pergun-
tas diretivas, bem como opiniões particulares ou tendencio-
sas. Complementando a entrevista, a Escala de Ecocentrismo e
Antropocentrismo de Thompson e Barton (1994), foi utilizada
por estar relacionada às atitudes e comportamentos frente as
questões ambientais.
Um roteiro observacional, sugerido por Spradley (1980),
foi empregado para nortear os acompanhamentos nas inter-
venções realizadas. O papel do observador seguiu determinados
critérios pré-definidos envolvendo a consistência do roteiro, a
ordenação para sua finalidade e o caráter sistemático.
Os dados foram coletados durante as intervenções reali-
zadas por meio do Projeto “Slackline: equilíbrio entre a aventura
e a emoção”, realizado no Departamento de Educação Física da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. As intervenções
foram realizadas duas vezes por semana, de abril de 2017 a maio
de 2018, e envolveu atividades e procedimentos ecopedagógi-
cos de caráter técnico, educacional e social, específicos para
prática do slackline. Ao longo do projeto, foram trabalhados os
fundamentos da modalidade, os cuidados com o ambiente da
prática, o gerenciamento de risco e a conservação da natureza,
por meio de dicas antes e depois das aulas.

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Perfil ecocentrista de praticantes de Slackline: interfaces da prática e da natureza

Para a análise dos dados coletados nas entrevistas, as


falas foram transcritas e, associadas as demais informações
advindas das intervenções. Após a transcrição, foi realiza-
da a leitura aprofundada dos achados, para compreender os
discursos e, combinados com os dados coletados por meio das
observações dos participantes, além das informações obtidas no
diário de campo. Os dados foram apreciados a partir da análi-
se de conteúdo, sugerida por Bardin (2002, p. 38), que se trata
de “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que
utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens”.
Para este procedimento, foi utilizado a técnica de análi-
se categorial, que caracteriza pelo desmembramento do texto
em unidade de palavras, e em seguida é reagrupada por meio
de analogias (BARDIN, 2002). Após essa fase, foram elaboradas
as categorias temáticas. Os dados obtidos pelos questionários
foram analisados a partir da estatística descritiva.

Resultados e discussão

Havendo finalizado a coleta de informações relativas à


Escala de Ecocentrismo e Antropocentrismo de Thompson e
Barton (1994), utilizou-se da estratificação temática sugeri-
da por estes autores para a análise quantitativa e qualitativa
dos dados, as quais estão vinculadas ao ecocentrismo, antro-
pocentrismo e à apatia ambiental. Após essas características
foram utilizadas enquanto unidades de significado atribuídas
a pesquisa, seguindo as normas para execução da análise de
conteúdo (BARDIN, 2002).

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João Leandro de Melo Araújo / Elmir Henrique Silva Andrade /
Cheng Hsin Nery Chao / Priscilla Pinto Costa da Silva

Chao et al. (2015) apresenta o enquadramento relativo


a cada pergunta do questionário, as quais foram utilizadas
como parâmetro para normalizar a avaliação. Tal categori-
zação evidenciou palavras-chave que expusessem o teor dos
enunciados. Quanto aos questionamentos alusivos à matriz
ecocentrista, foi visto que a maioria dos participantes “concor-
dou” ou “concordou muito” com as assertivas do instrumento
de pesquisa. Acerca das características antropocentristas, o
panorama evidenciado demonstrava neutralidade em relação
as afirmações, mas também anunciava discordâncias, princi-
palmente no tocante ao lazer praticado na natureza. Por últi-
mo, nas características de apatia ambiental contidas na escala,
todos os participantes discordaram das assertivas, dado que o
conteúdo destas amenizava a responsabilidade humana sobre
os problemas ocasionados ao meio ambiente pelo descaso da
sociedade. Apesar disso, foi relatado pelos participantes que os
enunciados do instrumento, por vezes, apresentavam ambigui-
dade, o que ocasionou dificuldade nos momentos de avaliação
dos participantes.
Tal panorama não apresentou divergência sobre os
achados do estudo de Chao et al. (2015), salvo nas qualidades
antropocentristas, onde foram investigados grupos de idosos e
condutores de práticas de aventura na natureza. Quanto a diver-
gência supracitada, a maior parte do referido grupo concordou
com assertivas de cunho antropocentrista. No entanto, vale
ressaltar que os envolvidos com a pesquisa eram adeptos longe-
vos das práticas desportivas na natureza e compreendiam seus
princípios e valores de conservação ambiental.
Isso nos leva a refletir sobre a relação com o tempo de
experiência prática, uma vez que este processo educativo se dá
de maneira vagarosa, pois o tempo de aprendizado não equivale

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Perfil ecocentrista de praticantes de Slackline: interfaces da prática e da natureza

ao tempo em que se busca aprender. Destarte, Bondía (2002)


disserta que uma das maiores preocupações do ser humano é
se manter informado sobre os fatos, mas se estes fatos não o
tocam, em nada se aprende, tornando sem propósito o processo
de aprendizado. Contribuindo com isso, alguns participantes
reportaram que o aprendizado pró-ambiental foi percebido
a partir da experiência ofertada no projeto, aproximando-se
das concepções de que o aprendizado pode ser estimulado de
maneira não-diretiva, isto é, não tendo o foco no ato de ensinar,
mas sim de vivenciar (GASMAN, 1971).
Cornell (1997) ainda destaca que o tempo de experiência
com a prática corrobora com a adaptação e com o aprendizado
em prol de uma relação positiva com a natureza. Essa relação do
ser humano com a natureza a partir de uma visão integrada do
sujeito, é compreendida por Morin (1977) como uma concepção
ecológica, a partir de uma relação de interdependência entre
o sujeito e a biosfera, o que pode ser constatado no discurso de
um dos participantes:

O slackline é um agrupamento de fatores que


vem a propiciar o desenvolvimento da natu-
reza, [...], o slack a gente pratica ao ar livre,
em um ambiente arborizado, sem agredir ao
meio ambiente, também, e é um esporte que
dá para você fazer em vários locais, porque a
montagem do equipamento é fácil e é muito
divertido (ENTREVISTADO 1).

Esse discurso, no entanto, leva-nos a pensar a não


compreensão que o ser humano tem acerca do que é natu-
reza, dado que, por essência, somos natureza (MORIN, 1977;
MERLEAU-PONTY, 2000). Dessa forma, a falta de percepção

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Cheng Hsin Nery Chao / Priscilla Pinto Costa da Silva

sobre o próprio corpo afasta o homem da sua forma natural,


culminando em uma não habitação de si mesmo.
Relativo às entrevistas, percebeu-se que os participantes
não possuíam vasta experiência com a modalidade, alguns haven-
do iniciado no slackline juntamente com o projeto de extensão.
Todavia, foi relatado pela maioria que a proximidade do espor-
te com o meio ambiente ocasiona sensações de relaxamento e
promovem um autoconhecimento para os indivíduos, dado que a
natureza por si só favorece a reflexão do ser humano sobre o seu
comportamento, num movimento de aproximação a esta (MORIN,
1977). Além disso, a prática do slackline exige do participante
controle e conhecimento corporal, o que permite desenvolver
sentimentos de superação e autoconhecimento (PEREIRA, 2013).

eu sou bióloga e pô... esse contato (com a natu-


reza), pra mim, é show! Já estava até procu-
rando outras árvores e outros lugares que
pudesse montar o slackline. É muito bom, eu
gosto muito dessa interação “meio ambiente
e ser humano”, “meio ambiente e esporte” e o
slackline, de uma certa maneira, promove isso.
A gente está aqui em um ambiente aberto, com
vento, árvores, outros pássaros e tal... e tem
essa possibilidade de estar praticando espor-
te, então, esta junção é super válida e dá super
certo (ENTREVISTADO 2).

O contato com a natureza, por meio das práticas corpo-


rais, desperta para a sensibilização ambiental. Contudo,
ressaltamos que para a relevância dessas experiências, faz-se
necessária uma educação voltada para as questões ambientais,
pois apenas uma vivência pode não tornar possível despertar
essa conscientização (BRUHNS, 2009).

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Perfil ecocentrista de praticantes de Slackline: interfaces da prática e da natureza

Entretanto, a partir dessas práticas, é possível desper-


tar emoções, que facilitem as relações interpessoais e as expe-
riências exitosas, por meio de aprendizagens significativas.
Outrossim, os sentimentos de autossuperação, insegurança e
adrenalina corroboram com o engajamento na prática, resul-
tando numa sensação de alívio após o tensionamento ocasio-
nado (LAVOURA; SCHWARTZ; MACHADO, 2008).

O slackline aproxima as pessoas das sensações


que a natureza pode proporcionar. Eu perce-
bo o esforço que o meu corpo faz (durante a
prática), mas eu consigo ir relaxada. [...]. As
sensações não são tão fáceis de descrever,
mas é possível sentir um relaxamento, um
distanciamento das dificuldades. O slackli-
ne é uma fuga, para poder relaxar da rotina
(ENTREVISTADO 3).

Nesse viés, Cornell (1997) evidencia que a interação do


ser humano com o meio ambiente traz aprendizados e signifi-
cados às experiências vividas; e esses permanecem marcados
na existência do indivíduo, como memórias que se carregam
pela vida toda (NÓBREGA, 2016).
Apesar disso, a relação do ser humano com a nature-
za ainda apresenta aspectos de degradação, o que reforça a
urgência de reflexão sobre as problemáticas enfrentadas nos
dias atuais. Acerca disso, vimos ao longo do trabalho que a
atividade aventura na natureza, ainda que ensinada sem uma
didática diretiva, ofertou aos praticantes conhecimentos e
autoavaliações sobre a ação humana no meio ambiente, geran-
do aprendizados a serem levados por muito tempo, conforme
fundamentado pelos autores supramencionados.

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Cheng Hsin Nery Chao / Priscilla Pinto Costa da Silva

Considerações finais

Ao longo deste trabalho, foi visto que a proximidade da


prática do slackline à natureza, por si só, ocasionou mudan-
ças nas atitudes dos adeptos, haja vista que o ambiente de
treinamento demandava cuidados específicos, como afastar
pedrinhas que poderiam machucar os pés na descida da fita,
procurar árvores com resistência suficiente para ancorar o
equipamento, além de interferir direta e indiretamente no
conforto climático dos encontros. Quanto aos aspectos relativos
aos perfis ecocentristas do grupo, notou-se que o planejamento
executado não influenciou no modo de viver dos praticantes,
já que, naturalmente, os adeptos demonstravam preocupações
com o meio ambiente e os problemas que acometem ao plane-
ta na atualidade, mas pode inconscientemente interferir nas
atitudes, já que até a montagem do equipamento exige atenção
para evitar a depreciação ambiental e resguardar a integridade
física do praticante.
No entanto, compreende-se que o grupo investigado era
reduzido, uma vez que o slackline é uma modalidade relativa-
mente nova para a realidade desportiva do município e ainda se
encontra em processo de desenvolvimento. Ademais, todos os
aspectos aqui apresentados são relativos a esta modalidade, uma
vez que se optou por trabalhar restritamente com este esporte,
dado que os recursos para execução desta pesquisa eram limita-
dos. Sendo assim, faz-se necessário que pesquisas desta mesma
tipologia sejam aplicadas em outros contextos sociais, de modo
a compreender suas relações com a natureza e averiguar como
a prática do slackline interage com este ambiente.

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Tema 1: Corpo, natureza e cultura
Perfil ecocentrista de praticantes de Slackline: interfaces da prática e da natureza

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78
Tema 2
Corpo e saúde
REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA
INTEGRATIVA E COMPLEMENTAR:
MOTIVOS PARA A VIVÊNCIA DO YOGA

Milena de Oliveira Aguiar


Andréa Câmara Viana Venâncio Aguiar
Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

Reflexões sobre o yoga

Este texto é fruto de um recorte da dissertação de mestrado, a


qual entrelaça saberes da saúde, yoga e política pública. Desse
modo, é necessário compreender o yoga como uma das Práticas
Integrativas em Saúde.
O Yoga é uma filosofia milenar de origem indiana que
integra a racionalidade médica do Ayurveda e apresenta um
caminho prático, que oferece saberes para que o praticante siga
com o aprendizado do cuidado, incorporando que através das
ações purificadoras (kriyas) cuidamos da eliminação de toxinas.
Por intermédio das posturas (asanas) e dos exercícios respirató-
rios (pranayamas) cuidamos da vitalidade do corpo, amenizando
as tensões musculares e o efeito das emoções destrutivas e pela
via da concentração (dharana) e meditação (dhyana) cuidamos
dos sentimentos, pensamentos, sonhos, desejos e paixões. O
Yoga foi sistematizado por Patanjali (séc. VI a.C) e descrito no
seu Yoga Sutras (TAIMNI, 1996; MEHTA, 1995; AGUIAR, 2003).

80
Milena de Oliveira Aguiar / Andréa Câmara Viana Venâncio
Aguiar / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

Essa prática está em difusão como uma prática de saúde


no Brasil, sendo inserida como uma prática corporal oferta-
da nos Núcleos de Atendimento à Saúde da Família (NASFs) e,
recentemente, realocada em uma na nova política. Em conso-
nância à Portaria n° 849, de 27 de março de 2017 do Ministério
da Saúde, o yoga contribui na saúde pública através da Política
Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)
do Brasil, partindo de uma compreensão de saúde ampliada
(BRASIL, 2017). Nessa perspectiva, a política e os saberes do
yoga apresentam uma compreensão de saúde mais integrada
ao usuário, reportando suas singularidades como decisivas na
terapia. Tal política é um incentivo da Organização Mundial da
Saúde (OMS, 2003) que, desde 2002, passa a incentivar a medi-
cina complementar e alternativa com o intuito de ampliar o
acesso à saúde. Desse modo, diversifica a oferta dos serviços de
saúde oferecidos à população.
Como verificado em trabalhos científicos nota-se
que o yoga está tendo cunho prioritariamente terapêutico.
Santaella et al. (2011) apresentam os exercícios respiratórios
do yoga como possibilidade de melhorar a função respiratória
e a modulação autonômica cardíaca em idosos saudáveis. Já
Velikonja et al. (2010) demonstram que o yoga pode ser um
tratamento complementar não farmacológico para pacientes
com esclerose múltipla.
Outra pesquisa apresenta o yoga, como uma terapia
complementar. Como efetivo na redução da ansiedade em
pacientes com dor cervical enquanto vinculado a fisioterapia
convencional (YOGITHA et al., 2010). Outro tema abordado é
a relevância da osteopatia e do hatha yoga (LIEM, 2011), que
trata dos benefícios de ambas as práticas para o tratamento de
doenças crônicas. Destaca a atitude fundamental do yoga e da

81
Tema 2: Corpo e saúde
Reflexões sobre uma prática integrativa e complementar: motivos para a vivência do Yoga

osteopatia, concluindo que as práticas apresentam proximida-


des por terem como foco a totalidade do ser.
É fato que uma das características do hatha yoga é deixar
o corpo ser e expressar sua essência (AGUIAR, 2003). A essência
é compreendida como o eu verdadeiro em conexão com a espiri-
tualidade, a divindade. O yoga é tudo isso, mas depende estrita-
mente das escolhas e condutas do praticante, buscando delinear
o anseio dos entrevistados no encontro marcante da vida deles
com o yoga, sendo este determinante e transformador.
Entendendo esse cenário, o objetivo deste estudo é
compreender os motivos que estimulam as pessoas a procu-
rarem realizar e permanecer no yoga, com intuito de elencar
contribuições para a Educação Física. Este relato busca oportu-
nizar aos praticantes possibilidades de expressar suas percep-
ções relacionadas ao próprio corpo.
No que se refere à metodologia, esta é uma pesquisa de
abordagem qualitativa pautada no método fenomenológico,
ressaltamos que os temas da Fenomenologia são: o mundo vivi-
do, a redução fenomenológica, a intencionalidade e a descrição.
Sobre o mundo vivido, sabe-se que é a facticidade da experiên-
cia humana (MERLEAU-PONTY, 2015). O mundo vivido é o meio
e suas interrelações através da experimentação do sensível com
mundo. É interpretar o real, fugindo da padronização e de adap-
tações a conceitos; sentir as percepções do que se é de fato. O
mundo vivido da pesquisa é o Núcleo de Yoga Prof.º Hermógenes
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ancorando-se
no hatha yoga e trata da percepção deste mundo a partir dos
seus próprios praticantes.
Na perspectiva de tornar a compreensão do mundo vivi-
do mais pura, é necessária a realização da redução fenome-
nológica: o foco não é nas concepções do pesquisador, mas a

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Milena de Oliveira Aguiar / Andréa Câmara Viana Venâncio
Aguiar / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

concentração em compreender o mundo vivido dos entrevis-


tados é que se implica a redução fenomenológica. Isso é fazer
o pesquisador se destituir de suas compreensões, buscar uma
imparcialidade, mesmo que não seja completa.
A intencionalidade é a intenção do pesquisador no mundo
vivido que constrói os elos a fim de compreender o corpo (com
base no yoga, nos praticantes, a partir disso que se consolida
a expressão dos sentidos e significados. Por fim, a descrição
fenomenológica que é o ato de relatar o fato tal como acontece.
Com relação a esta pesquisa, contribuíram para seu anda-
mento, 15 entrevistados praticantes de hatha yoga, de ambos
os sexos de acordo com a voluntariedade para participação
da pesquisa. São 15 relatos compartilhados a partir de uma
entrevista semiestruturada. Destaca-se que os 15 voluntários
possuíam no mínimo 1 ano de prática do yoga. Como observado
nas turmas e reflexo na pesquisa, os entrevistados são priorita-
riamente mulheres e apenas 2 homens. Deles 11 possuem ensino
superior, alguns inclusive com pós-graduação. Também são 11
que estão acima dos 50 anos de idade. Inclusive nas entrevistas
alguns apontam sobre a aula de yoga ser um espaço para socia-
lização. A aplicação dessa pesquisa aconteceu após a aprovação
do Comitê de Ética da UFRN. Orientando-se a explicação da
pesquisa aos voluntários e os termos de responsabilidade. O
destaque é sobre os relatos dos entrevistados relacionados aos
motivos para iniciar e permanecer na prática do hatha yoga.

83
Tema 2: Corpo e saúde
Reflexões sobre uma prática integrativa e complementar: motivos para a vivência do Yoga

Compreendendo os motivos
de se vivenciar o yoga

As práticas integrativas e complementares estão receben-


do maior visibilidade, seja por uma aparência almejada, pela
saúde ou outras motivações. A pesquisa de Dacal e Silva (2018)
aponta motivos para os profissionais fazerem o encaminhamen-
to ao ambulatório de PICs, entre as queixas: insônia, depressão,
ganho de peso, estresse e cansaço, entre outros.
As práticas corporais que compõem as PICs, especial-
mente, o yoga contribui para a saúde (SANTAELLA, 2014). Desse
modo, compreender as motivações para a prática do yoga é
relevante, visto que há a necessidade de conhecer os pratican-
tes que elegem uma prática integrativa e complementar para
compor seus cuidados.
Entre nossos entrevistados, de predominância feminina,
percebe-se que a motivação inicial perpassa, prioritariamente,
a busca por uma prática terapêutica e por uma vida de quali-
dade. A partir disso Bernardi et al. (2015) destacam que o yoga
proporciona benefícios revigorantes propiciando ao praticante
um estado permanente de energia, serenidade, autoconfian-
ça, equilíbrio físico e emocional, clareza mental e resistência à
fadiga, contrapondo a ansiedades, fobias, conflitos e compor-
tamentos neuróticos. Essas características são apresentadas
para justificar a continuidade no yoga, quando entrevistado 1
afirma “é tanto os benefícios psicológicos, motores e físicos”.
As capacidades físicas compõem as aulas de yoga, seus
efeitos são expostos pelos praticantes. A entrevistada 8 que
estava finalizando a quimioterapia, apresentou como parte
dos motivos para iniciar o yoga a necessidade de melhorar o
equilíbrio: “Principalmente por não ter equilíbrio, até para me

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Milena de Oliveira Aguiar / Andréa Câmara Viana Venâncio
Aguiar / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

levantar eu precisava me segurar (ter apoio) para me sentir


firme [...] realmente me ajudou bastante”.
A pesquisa de Oliveira et al. (2016) corrobora com a
percepção de nossa entrevistada, concluindo que a prática do
yoga melhora o equilíbrio postural. Além desses efeitos, pode-se
relatar sobre o equilíbrio emocional sobre benefícios psicológi-
cos. Podemos apontar relatos, os quais se pautam sobre a neces-
sidade dos praticantes de yoga entrevistados de encontrarem
o próprio equilíbrio emocional para viver melhor. Entre essas
narrativas, nota-se que a ansiedade, o estresse e a depressão são
as mais apresentadas. Como relata a entrevistada 2: “A minha
ansiedade! Para trabalhar essa questão da ansiedade”.
A ansiedade é uma realidade crescente de nossa sociedade,
em virtude do ritmo desenfreado da vida e das cobranças coti-
dianas. A ansiedade também se reflete em outros relatos: “Foi
mais a questão de crise de ansiedade de... não conseguir fazer
as coisas do jeito que eu gostaria de fazer, na velocidade que eu
gostaria de fazer”.
Este relato reafirma a auto cobrança para suprir as
demandas. Além de corroborar num autocuidado e beneficiar
o psicológico. Então, o yoga pode-se configurar para essas entre-
vistadas como uma possibilidade de benefícios para a saúde.
Conforme Danucalov et al. (2013), programa de yoga e meditação
são eficazes na redução do estresse percebido, da ansiedade e
da depressão.
Sabe-se que a ansiedade não é unicamente incumbida de
motivar pessoas a procurarem o yoga, também existem outras
demandas psicossociais que proporcionam a adesão de novos
praticantes. A entrevistada 4 comenta que a sua eleição ao yoga
foi pelo alto nível de estresse: “Era um estresse horrível, eu

85
Tema 2: Corpo e saúde
Reflexões sobre uma prática integrativa e complementar: motivos para a vivência do Yoga

acordava à noite com taquicardia uma coisa assim terrível, e


com prática eu melhorei muito”.
Podemos perceber que quando o corpo começa a incomo-
dar a rotina, é o começo da valorização de uma vida de quali-
dade. Silva (2009) reflete sobre a questão de lidar com situações
de estresse, destacando que quando modificamos nossa forma
de lidar com uma situação, conseguimos reduzir nosso nível de
estresse. No entanto, na maioria das vezes, ficamos a lutar para
mudar o mundo externo e não a nós. Diante de tal dificulda-
de identificamos que através dos oito passos, o yoga convida o
praticante à introspecção, à autoanalise e à mudança partindo
do intrínseco para expandir-se ao meio.
A depressão foi o motivo apresentado pela entrevistada 3
“Após a aposentadoria entrei em um processo depressivo. Lendo
tive a informação de que o yoga era uma coisa boa para depres-
são”. A depressão da terceira entrevistada frutifica na prática
do yoga, a qual descobriu os efeitos do yoga em meio a leituras.
O estudo de Jorge et al. (2016) apresenta que o yoga auxilia na
redução dos níveis de estresse e nos sintomas da depressão.
A apreciação de efeitos positivos através da leitura do livro
Neurociências e espiritualidade sem religião impulsionou o
entrevistado 1, o qual sentiu a necessidade de vivenciar o yoga.
A busca pelo bem-estar perpassa pelo entrevistado 9. Ele
destaca que:

tinha um problema na cervical muito sério C5


e C6, então eu tomei muito anti-inflamatório
e não tive êxito. Então, no momento que eu
comecei a fazer a yoga, praticar, eu tive uma
melhora! (E9).

86
Milena de Oliveira Aguiar / Andréa Câmara Viana Venâncio
Aguiar / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

A partir desse relato acima identificamos o valor tera-


pêutico do yoga, superando a medicina alopática visto que por
meio da prática corporal conseguiu substituir medicamentos
e ter efeito mais efetivo. Sobre a redução de dores, Feuerstein e
Payne (2011) afirmam que a prática fortalece a coluna por meio
de movimentos lentos, os quais treinam diversos músculos que
auxiliam o suporte corporal. Ressalva-se que os asanas do yoga
precisam serem executadas sobre modelo com o intuito de
potencializar os benefícios.
Soma-se a essas motivações, as questões de autoco-
nhecimento e reestruturação, como pode ser identificado
nos relatos de 7 entrevistados. A entrevistada 11 relata que
a motivação de permanecer a praticar o yoga é devido ser
“um momento de se concentrar em você, de conscientização
corporal”; a entrevistada 15 aponta “a questão do centramen-
to, de ficar mais comigo” e a entrevistada 10 perpassa muitos
motivos para permanência no yoga “no autoconhecimento”.
Esse último tema é apontado pela necessidade do autoconhe-
cimento para superar momentos difíceis, seja por conta do
câncer, da família, do luto, a gestação e até mesmo pela ruptu-
ra de relacionamento. Nesse processo, o desequilíbrio do corpo
reproduz sinais limitantes, que devem ser solucionados para
proporcionar o sentimento de identificação.
Mediante a leitura do livro Autoperfeição com Hatha yoga
do Prof. Hermógenes, a entrevistada 10 passou a compreen-
der que o yoga trabalha com o termo verdade, estimulando o
praticante a encontrar a sua. Na busca pela verdade, ergue-se
o equilíbrio de quem o ser humano é, promovendo o sentir-se
bem e estimulando a introspecção.
Em consonância com Colbella et al. (2004), as práticas
corporais integrativas estimulam o autoconhecimento em

87
Tema 2: Corpo e saúde
Reflexões sobre uma prática integrativa e complementar: motivos para a vivência do Yoga

virtude dos movimentos lentos e prazerosos, viabilizando


vivências que afetam a sensibilidade, a criatividade, a expres-
sividade, a espontaneidade e o bom funcionamento do corpo.
O autoconhecimento ocorre pela autorreflexão. Nesse cenário,
o yoga proporciona essa vivência mais centrada no eu, estimu-
lando a atenção plena e a integralidade humana.
Em relação à noção de yoga como fomentador do desen-
volvimento pessoal, esse discurso demonstra a compreensão
de uma saúde pautada na totalidade do ser. Segundo Costa
(2003) e Hermógenes (2014), o caminho cultiva o corpo e os
sentidos, aperfeiçoa a mente e civiliza a inteligência. Algumas
consequências da sua prática são: vida de qualidade, paz inte-
rior e felicidade pessoal. Verifica-se que o yoga é produtor da
valorização do eu.
Entender que o yoga implica em aliar respiração, asanas,
filosofia e o ser ao mesmo tempo é radical, visto que, cotidia-
namente, o mundo que nos cerca requer a divisibilidade do ser.
Por isso debates justificam o yoga numa caminhada filosófi-
ca (ALMEIDA; MONTAGNER; GUTIERREZ, 2009). Diante desse
contexto, percebemos que assumir o compromisso de uma
conduta distante da promovida pela sociedade é uma adversi-
dade recorrente do praticante do yoga.
É indubitável que as motivações perpassam questões de
cuidado, direto ou indiretamente, com relatos diferentes sobre
a busca por uma qualidade de vida. Compreende-se, com base
nos discursos, que a qualidade de vida abrange o autoconheci-
mento, as conexões com a inserção no mundo e os benefícios
biopsicossociais. Segundo Silva (2009), a relação entre yoga e
bem-estar está, principalmente, interligada na maneira como se
pratica o yoga, pois há a necessidade de incorporar seus saberes
nas práticas cotidianas.

88
Milena de Oliveira Aguiar / Andréa Câmara Viana Venâncio
Aguiar / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

O yoga não é uma prática corporal simples de realizar,


apesar disso, amplia o conhecimento sobre o corpo frente às
outras práticas da Educação Física, em virtude de abordar
conhecimentos que buscam a mudança intrínseca. O yoga
enquanto prática educativa, Barbosa (2005) comunica aos
professores de Educação Física que o objetivo deve ser propor-
cionar ao aluno a compreensão social do corpo, incentivando
o cuidado e a satisfação consigo.
Destaca-se que a relevância da Educação Física não deve
ser a produção de um corpo nos padrões, mas de autoconheci-
mento de si, as implicações sociais e as reverberações proporcio-
nadas pelo corpo. Essa deve ser a real preocupação da Educação
Física, pois se não nos conhecermos, somos incapazes de viven-
ciarmos o mundo vivido com a propriedade que nos pertence.
É bem verdade que a Educação Física deve se debruçar sobre
as Práticas Integrativas Complementares (PICs), repercutindo
a necessidade da ruptura do modelo biomédico e cartesiano
presenciado em nossa concepção social de saúde.

Apontamentos necessários

Esta pesquisa esclarece que as principais motivações dos


praticantes de yoga, além de estarem relacionadas, ao viés tera-
pêutico, também se referem à busca pela consciência corporal.
Essas motivações encaminham para a melhoria de uma vida de
qualidade e a saúde, com exceção de uma das entrevistadas que
o retorno ao yoga é motivado por acompanhar a filha que estu-
da para fazer concursos, “concurseira”, como costuma relatar.
Conforme identificado neste estudo, o yoga auxilia na
busca pela saúde, ao mesmo tempo em que se dispersa dos

89
Tema 2: Corpo e saúde
Reflexões sobre uma prática integrativa e complementar: motivos para a vivência do Yoga

padrões estabelecidos. Ressaltando que os motivos para uma


prática corporal não estão atrelados, somente, a uma ques-
tão estética, mas no bem sentir-se. Auxilia os professores de
Educação Física a identificarem as diversas motivações, revendo
as motivações que são muito enfatizadas na imagem corporal.
Diante de tais resultados, ressaltamos a necessidade de
possuir concepções ampliadas de saúde, e a importância desses
conhecimentos emergirem dos profissionais de saúde. O requisi-
to para um atendimento integral deve ser valorizado na forma-
ção do professor de Educação Física, seja no Bacharelado ou na
Licenciatura. Deve-se buscar construir com esses profissionais a
amplitude do campo de atuação, valorizando práticas de ênfase
no processo de autoconhecimento, relevante para as diversas
práticas corporais.
Por fim, incitar a difusão das PICs e do yoga nos currículos
de Educação Física torna-se imprescindível. Práticas como essa
amplificam o que hoje se entende por atuação profissional da
Educação Física, requerendo deles um olhar de cuidado integral.

90
Milena de Oliveira Aguiar / Andréa Câmara Viana Venâncio
Aguiar / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

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93
O PROJETO DE EXTENSÃO AIKIDO
NA UFRN E AS IMPLICAÇÕES
NA SAÚDE DOS PRATICANTES1
Marcel Alves Franco
Maria Isabel Brandão de Souza Mendes
Iraquitan de Oliveira Caminha

Introdução

O Aikido é um caminho marcial originado aproximadamente


em 1942, no Japão, criado por Morihei Ueshiba. Um dos possí-
veis significados de Aikido é que ele se caracteriza como um
“caminho da união do espírito com o universo”, bem como o
“caminho da harmonia do corpo e da mente com a natureza”
(SOARES, 2007, p. 28).
Em nossa pesquisa do mestrado, identificamos que esse
caminho foi criado por Morihei Ueshiba, que vivenciou diversas
artes marciais e recebeu forte influência do líder da Omoto-kyo 2,
Onisaburo Deguchi, e do mestre de Daito-Ryu Aiki Jujutsu3 , Sokaku
Takeda. Para a constituição do Aikido, Morihei Ueshiba articula os

1 O projeto recebeu diversos nomes ao longo dos anos. Iremos utilizar Aikido
na UFRN, por ser o título que os integrantes assumiram.
2 Instituição religiosa japonesa cuja base é o xintoísmo.
3 Uma escola de arte marcial japonesa, cuja difusão ocorre no início do século
XX.

94
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

saberes e práticas acerca do ki, kotodama4 e misogi5, num caminho


de espiritualidade6 , o budo (FRANCO, 2017).
Compreendemos também que o Aikido não se encerra
nesses elementos. Sobre esse caminho marcial, vimos em nossas
pesquisas serem expressas ideias de amor e de paz, de um esfor-
ço diário voltado ao desenvolvimento do caráter, da verdade
do sujeito (FRANCO, 2017; FRANCO, 2018; FRANCO; MENDES,
2019). A prática da arte marcial, na perspectiva do Aikido, é
uma forma de cada um conhecer a si mesmo, atento às vonta-
des e desejos do espírito7 , aos sentimentos, buscando assim a
serenidade na vida e a inerência com a Natureza ou o Cosmos8.
No quesito das implicações na vida diária, os benefícios
do Aikido são identificados em Ueshiba (2002, 2006, 2010), por
meio dos impactos na saúde de uma forma integrada com o
fortalecimento do corpo, da mente e do espírito. No Aikido,
em específico, as práticas de saúde fazem-se presentes, prin-
cipalmente na obra de Morihei Ueshiba (2010), quando expõe
que tal arte possui técnicas que devem enfocar as proprie-
dades de cura. Nesse contexto, apropriando-se dos preceitos
elaborados pelo fundador, Franco (2017, 2018) assegura que

4 Kotodama: ciência esotérica dos sons espirituais (UESHIBA, 2010)


5 Misogi: saber e prática de base xintoísta de purificação.
6 A espiritualidade neste estudo não é sinônimo de religião. Estaremos nos
baseando na leitura de Michel Foucault, acerca do Cuidado de Si, a partir
do qual que ele aponta que a espiritualidade tem relação com os exercícios
de acesso à verdade. O filósofo destaca “a necessidade de que o sujeito se
modifique, se transforme, se desloque, torne-se, em certa medida e até certo
ponto, outro que não ele mesmo, para ter direito a [o] acesso à verdade. A
verdade só é dada ao sujeito a um preço que põe em jogo o ser mesmo do
sujeito” (FOUCAULT, 2010, p. 17).
7 A expressão espírito neste estudo é compreendida numa perspectiva de
atitude, de força de vontade da pessoa.
8 Este conceito é abordado em Bull (2007).

95
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

a cura serve para as pessoas e para o mundo, fortalecendo


o corpo e o espírito, diminuindo o egoísmo, as guerras e a
discórdia, aproximando-nos das leis da natureza e do divino.
Sendo uma forma de nos conectarmos consigo mesmo e com
o outro, promovendo harmonia.
Nesse sentido, a concepção de saúde que conduz nossas
ações é aquela assumida por Gadamer (1993, p. 109), ou seja, “a
saúde não é apenas um sentir-se, mas estar-aí, estar-no-mun-
do, é um estar-com-os-outros, um sentir-se satisfeito com os
afazeres da vida e manter-se activo neles”. Essa perspectiva de
saúde exige um trabalho hermenêutico, que permite conceber a
saúde para além de uma visão diagnóstica, que se estabelece por
meio de parâmetros meramente objetivos ou positivos. Como
uma intervenção no campo da Educação Física, nós a compreen-
demos a partir de Mendes (2007), que a considera como arte
de cuidar do corpo, da saúde e da vida, ao compreender que a
saúde é uma condição existencial que supera a ruptura entre o
biológico e o cultural.
É sob essas compreensões de saúde e de Educação Física
que determinamos que as atividades do projeto de exten-
são Aikido na UFRN devem ter como princípios norteadores
o cuidado de si e do outro. O início das atividades datam de
2015, conjuntamente com o processo de construção da pesquisa
de mestrado desenvolvida pelo prof. Marcel Alves Franco no
Programa de Pós-Graduação em Educação Física da UFRN, sob
a orientação e coordenação da prof.ª Isabel Mendes, defendi-
da em 2017, seguindo as recomendações das práticas realiza-
das pelo Shihan Wagner Bull 7º Dan9 , consignado pela Aikikai

9 Dan é uma terminologia utilizada para designar os graus de evolução. É


atribuído aos faixas pretas em artes marciais pelo reconhecimento de seu
esforço, trabalho desenvolvido para o crescimento e difusão da arte.

96
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

Foundation10 , a entidade oficial do Aikido mundial, reconhe-


cida pelo Ministério da Educação do Japão.
Ao sabermos da necessidade de inter-relação entre
extensão, pesquisa e ensino, existe a necessidade de inves-
tigarmos o que é saúde para os praticantes deste projeto de
extensão e os impactos nas suas vidas. A saber, 34 pratican-
tes se voluntariaram a preencher o nosso questionário elabo-
rado pelo Google Formulários e, como forma de preservar a
identidade dos integrantes, cada formulário foi identificado
como “P”, acompanhado de um número correspondente. Por
exemplo, P1, sendo o praticante um, P2, sendo o praticante
dois, e assim sucessivamente.
Nas seções seguintes, os leitores irão se deparar com uma
breve contextualização sobre esse caminho marcial que é o Aikido
e, posteriormente, com a descrição de como nosso projeto funcio-
na, o que é saúde e o seu impacto na vida dos integrantes.

Breves considerações
sobre o caminho do aikido

O Aikido é um dos caminhos marciais, um budo11 . Um


conceito japonês, derivado do Tao (caminho e filosofia de
origem chinesa), utilizado para definir o caminho de aperfei-
çoamento pessoal. O caminho do Aikido estabelece que não
devem existir competições em sua prática, uma vez que, como
um budo, seu objetivo é “a busca da perfeição do ser humano,

10 Central mundial do Aikido, Aikikai Hombu Dojo, Tóquio, Japão: http://www.


aikikai.or.jp/eng/
11 Budo: caminho de aperfeiçoamento pessoal e espiritual pelas vias das
artes marciais.

97
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

física e mentalmente, através de treinamento cumulativo com


espíritos gentis nas artes marciais” (UESHIBA, 2005, p. 22).
O caminho de harmonia das energias é uma expressão
comumente utilizada para significar o Aikido por seus pratican-
tes. Algumas pessoas iniciam sua prática como uma maneira
de promover saúde, ou uma atitude saudável; outras buscam a
disciplina ou mesmo uma aproximação pela filosofia oriental.
Sobre o Aikido, percebemos que este faz uso da arte marcial,
bem como de outras técnicas e práticas corporais, como medi-
tações, técnicas de respiração, de alongamento, entre outras,
como ferramentas para possibilitar a seus praticantes o desen-
volvimento da sensibilidade para consigo mesmo, com o outro
e a natureza.
No entanto, com um significado mais profundo, a análi-
se do termo budo realizada por Morihei Ueshiba (2010, p. 26)
facilita o reconhecimento das influências das bases religiosas
do xintoísmo, ao entendermos que a partícula bu representa
“um caminho estabelecido pelos deuses que é verdadeiro, bom
e belo” e a partícula do, representando a ideia de caminho espi-
ritual (UESHIBA, 2010). A finalidade do Aikido, partindo da pers-
pectiva do seu fundador, é unir a energia pessoal com a energia
cósmica, ou criadora, do Universo (UESHIBA, 2005).
Esse entendimento de budo encontra-se relacionado com
as virtudes, tais como a bravura, a sabedoria, o amor e a empa-
tia (UESHIBA, 2006). Para serem desenvolvidas tais virtudes,
Morihei Ueshiba (2010) considera ser necessário o treinamento
austero, no qual cada um é responsável por sua evolução e seu
movimento de aperfeiçoar a si mesmo. Nas palavras do funda-
dor, “cada indivíduo tem seu papel a representar, seu próprio
espírito a aperfeiçoar” (UESHIBA, 2010, p. 54).

98
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

Assim, a união entre o corpo e a mente, no Aikido, pode ser


traduzida como uma forma de expressão da verdade do sujeito,
através da qual seu sentimento e suas ações sejam expressos
de forma sincera, e não um diferente do outro; que o exterior
seja o reflexo do interior. Para isso, o fundador nos estimula a
investigar como o mundo funciona e nos orienta a escutar as
pessoas sábias e nos sentirmos parte da natureza, abrindo-nos
para a verdade (UESHIBA, 2010). Não sendo tudo isso simples
alusões, ele nos alerta:

façam isso de maneira contínua e terão um


progresso constante. Observem como um
rio encontra seu caminho através do vale; a
água suavemente flui em volta das pedras,
transformando-se o tempo todo. A sabedoria
do mundo é encontrada em livros, e estu-
dando-os, podemos criar novas tecnologias.
Observem a natureza e aprendam a verdadei-
ra natureza do céu e da terra (UESHIBA, 2010,
p. 128).

Com base nesse alerta, podemos também nos atentar à


construção do caminho. Estudarmos os livros, praticarmos a
escuta, sentir-se parte da Natureza. Almejar a esses conheci-
mentos é o início do caminho. Podemos compreender Morihei
Ueshiba (2010 apud UESHIBA, 2011, p. 318), que escreveu os
“Cinco Pontos sobre o Aikido”:

O aikido é um Grande Caminho que dura para


sempre. É uma filosofia que absorve e integra
todas as coisas.

99
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

O aikido é uma verdade concebida pelo Céu e


pela Terra. Também é importante fazer uso do
Neno-Kuni [Mundo Inferior].

O caminho e a filosofia do aikido procuram


criar harmonia entre o céu, a Terra e os seres
humanos.

O aikido se torna completo quando cada pessoa


segue o caminho de acordo com sua própria
natureza, pratica treinamento ascético e
procura tornar-se una com o grande universo.

O aikido é um caminho de grande compaixão,


resultando na glória e na prosperidade do
universo.

Compreendemos, com isso, que a prática do Aikido esti-


mula a pessoa a retornar a si mesma, a conhecer a si mesma
e buscar o sentimento de inerência, de sentir-se parte da
Natureza. Para tanto, considera que a prática prepara o prati-
cante para as situações da vida (UESHIBA, 2002, 2010). Retornar
a si, como um movimento de “abrir os olhos do coração” e
compreender o “poder do amor”, pois “o amor nunca mata,
o amor nutre. O amor traz todas as coisas para um estado de
fruição. O amor é o anjo guardião de todos os seres; se não
existe amor, nada pode ser realizado. O Aikido é a incorporação
do amor” (UESHIBA, 2010, p. 36).
Para se chegar a este ponto na prática do Aikido, de
compreender e realizar as técnicas de características marciais

100
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

com um entendimento de amor, ou Takemussu Aiki 12 (UESHIBA,


2010), levam-se muitos anos de treinamento e de conhecimento
de si mesmo. Nesse sentido, nos apoiamos nesta compreensão
de Aikido e continuamos a buscar seus sentidos e significados
ao realizamos nossas práticas.
Percebemos que purificar o coração significa conhecer
nossos sentimentos e direcioná-los para coisas boas e producen-
tes. Ou seja, reduzindo nosso egoísmo e atitudes que não contri-
buem para a construção de relações de diálogo e de harmonia.
Para isso, nosso projeto enfoca que seus integrantes busquem
estudar esta relação entre conhecimento de si, cuidado de si e
do outro e a natureza.

Contextualização do projeto
de extensão “Aikido na UFRN”

O projeto, que se iniciou em 2015, segue até os dias atuais.


Nesse período de tempo, já contou com mais de 50 inscri-
ções, sejam elas de pessoas da comunidade interna (alunos,
servidores ou docentes) ou da comunidade externa à UFRN.
Atualmente, as aulas ocorrem de segunda a sábado no Complexo
de Esporte e Eventos da UFRN (COESPE).
Cada encontro tem duração entre 1h30min a 2h e os
participantes são orientados a comparecerem na quantidade
de dias e horários que lhe for possível, respeitando a dinâmica
da vida de cada um, e também a etiqueta estabelecida para com
a prática do Aikido:

12 Em Morihei Ueshiba (2010), identificamos que o significado de takemussu


aiki se remete a um grande poder espiritual, o qual é ativado e aperfeiçoado
pelo misogi, com as práticas de purificação. É possível encontrarmos também
traduções como “grande poder do Amor”.

101
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

Integridade, fidelidade, respeitalidade e um


coração compassivo, bom e sincero. A verdade,
a bondade e a beleza são nosso cerne; deve-
mos preservar essas virtudes. Mas devemos
fazer mais do que apenas preservá-las - elas
devem ser conduzidas para ajudar-nos a
aguçar nossos sentidos e tornarmo-nos mais
sábios. Acima de tudo deve haver sinceridade
(UESHIBA, 2010, p. 93-94).

A sala de lutas do COESPE se tornou o nosso dojo13, ou seja,


onde buscamos realizar nossas práticas de estudo, vivência e
aperfeiçoamentos. Em cada encontro, conhecemos um pouco
mais uns aos outros e suas histórias de vida. Como um grupo
de estudos que busca conhecer e praticar o Aikido, acabamos
por formar também um grupo de cuidado e apoio para pessoas
que se encontram com ansiedade, depressão, obesidade, pessoas
com deficiência, entre outras condições existenciais. Esta é a
cena com que diariamente as pessoas que chegam a nosso Dojo
se deparam (Foto 1):
Foto 1 - O dojo

Fonte: acervo do Projeto Aikido na UFRN.

13 Dojo: local de treinamento em artes marciais.

102
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

No dojo se busca a realização do treinamento austero,


ou seja, as inúmeras repetições do movimento tendem à sua
naturalização. De acordo com Sasaki (2008, p. 47), esta natu-
ralização tem o intuito de “dominar as formas”, e, comple-
ta o autor: “técnicas únicas e criativas podem ser realizadas
quando o sujeito aprende uma série de formas de maneira
repetitiva e devota”.
Podemos visualizar um pouco do grupo em dinâmica de
treinamento (Foto 2). O instrutor realiza a demonstração do
que deve ser estudado e, logo em seguida, os demais praticantes
iniciam sua prática.

Foto 2 - Aula com nosso instrutor técnico Sensei Manoel Bisneto,


Aracaju Aikikai/SE.

Fonte: acervo do Projeto Aikido na UFRN.

Por vezes, em duplas, outras vezes em grupos, o Aikido


procura promover diversas vivências e estimula o respeito ao
próprio corpo, fazendo também estudos de prevenção de quedas
ou técnicas de quedas propriamente ditas, que são os ukemis,

103
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

cuidando-se um do outro. A prática do Aikido nesse projeto


é associada à perspectiva do cuidado de si e do outro. Nosso
aporte teórico é Michel Foucault, filósofo francês que na série
dos estudos acerca da hermenêutica do sujeito e da história da
sexualidade promove discussões de como o tema do cuidado
era abordado em diferentes contextos sócio-históricos, como
foi configurado, transformado e como sofreu certas rupturas.
No cuidado de si, existiram diversas práticas e saberes
que fazem referência ao cuidado do corpo e da alma simulta-
neamente A estes exercícios de ascese, ou áskesis, denomina-
ram-se exercícios espirituais (FOUCAULT, 2010). Pierre Hadot
(2014, p. 20), um estudioso das práticas da Antiguidade, de quem
Foucault se apropria em suas discussões, explicita que a expres-
são “espiritual” faz uso:

não somente do pensamento, mas de todo o


psiquismo do indivíduo e, sobretudo, revela
as verdadeiras dimensões desses exercícios:
graças a eles, o indivíduo se eleva à vida do
Espírito objetivo, isto é, recoloca-se na pers-
pectiva do Todo (eternizar-se ultrapassan-
do-se); além disso, é utilizada em razão de
os outros adjetivos ou qualificativos possí-
veis: psíquico, moral, ético, intelectual, de
pensamento, da alma não recobrarem todos
os aspectos da realidade que queremos
descrever.

Em cada um dos períodos, podemos perceber recomen-


dações diferentes de exercícios, bem como de seus objetivos.
De modo a tecer relações de aproximação com o cuidado de
si, as ações que realizamos em nosso projeto de extensão são
expressas na compreensão de que o Aikido pode ser considerado
uma prática de si moderna (FRANCO, 2017).

104
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

Como vimos anteriormente, o Aikido faz uso de outras


técnicas e práticas corporais, tais como alongamento, automas-
sagem, técnicas de concentração, técnicas de respiração, entre
outras. É importante destacar que todas as técnicas corporais,
de acordo com Mauss (2003), são específicas e possuem sua
forma. Cada dança tem suas peculiaridades, a maneira de trans-
mitir os saberes tradicionais se dando inicialmente pela imita-
ção, pela repetição, e pela correção dos gestos corporais. As
técnicas corporais, portanto, são passíveis de um aprendizado.
Sobre as práticas de alongamento, podemos notá-la nos
treinamentos, predominantemente no início dos encontros.
Podemos acompanhar pela Foto 3:

Foto 3 - Alongamento em duplas para alívio de tensões e cuidado do outro.

Fonte: acervo do Projeto Aikido na UFRN.

Em nosso entendimento, é importante o papel do


alongamento quanto à preparação do corpo, mas também
para o conhecimento de si. Geoffroy (2001) indica que o uso

105
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

do alongamento para a preparação do corpo como forma de


prevenção também auxilia no desenvolvimento da consciência
corporal por meio da musculatura e do tônus postural. Sendo
uma prática comum nos dojos, os alongamentos podem auxi-
liar no entendimento dos gestos técnicos e no desempenho no
exercício a ser solicitado, além de melhorar a recuperação e a
prevenção de acometimentos por lesões nos tecidos tendino-
sos e musculares, bem como auxiliar na mobilidade articular
(GEOFFROY, 2001).
Outra prática comum no início e no encerramento dos
encontros é a meditação. Praticada por Morihei Ueshiba como
Chikon Kishin14, no âmbito do Aikido, e possivelmente em outras
artes marciais de origem japonesa, identificamos como Mokuso,
uma forma de contemplação e meditação (COSTA, 2019). Essa
prática pode ser observada na Foto 4.
De acordo com Melo, Antunes e Schneider (2005), a medi-
tação é muito antiga e envolve um exercício de concentração.

Foto 4 - Mokuso - meditação e contemplação

Fonte: acervo do Projeto Aikido na UFRN.

14 Prática de meditação sentada aprendida por Morihei Ueshiba em seus


estudos do xintoísmo.

106
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

Por sua vez, no Aikido, estamos associando-a à ideia de “esva-


ziar-se”, pois muitas vezes estamos mentalmente fatigados,
ocupados demais com o trabalho, com a velocidade excessiva
da vida diária, atolados de estresse, entre outras questões. Além
desses motivos, é importante reconhecermos a importância de
que estaremos lidando com o corpo do outro e precisamos estar
atentos, pois é o que há de mais precioso: um cede para o outro
para podermos evoluir.
A prática do mokuso é importante para também nos reco-
nectarmos com a natureza, sentindo-nos parte dela. Como o
fundador mesmo orienta, devemos observar os rios, ler os livros,
compreender o funcionamento da Natureza (UESHIBA, 2002, 2010).
Para o contato com a natureza, realizamos eventualmente encon-
tros na praia ou mesmo no campo gramado da UFRN. Podemos
visualizar um desses momentos de treino na natureza na Foto 5.

Foto 5 - Prática de Aikido na Praia de Ponta Negra - Natal/RN.

Fonte: acervo do Projeto Aikido na UFRN.

107
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

Uma outra forma de cuidado de si e do outro é a prática


do Reiki. Atualmente, ela é reconhecida como uma das práticas
integrativas e complementares em Saúde desde 2017 (BRASIL,
2018). Segundo a política brasileira, o Reiki é uma “prática
terapêutica que utiliza a imposição das mãos para canalização
da energia vital, visando a promover o equilíbrio energético,
necessário ao bem-estar físico e mental” (BRASIL, 2018, p. 107).
O Reiki é “uma prática secular, que atua no reequilíbrio
global do indivíduo, principalmente por meio da estimulação
do sistema endócrino-imunológico, promovendo o autorres-
tabelecimento, conforme o estado pessoal” (MEDEIROS et al.,
2019, p. 4-5). Podemos observar na Foto 6 um pouco dessa
prática, que se caracteriza pela imposição das mãos das
pessoas que serão “os canais” ou condutoras do ki, da energia
cósmica, para a pessoa que será cuidada, a fim de promover
uma harmonização na energia individual.

Foto 6 - Reiki para cuidado de si e do outro

Fonte: acervo do Projeto Aikido na UFRN

108
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

Enfim, no Aikido, diversas práticas são inseridas conjunta-


mente àquelas da esfera marcial. No treinamento diário, busca-
mos incorporar princípios que estão como condutores para
outros saberes, mas, principalmente, para o conhecimento de
si e o desenvolvimento do caráter. A cada semestre, há o esfor-
ço do grupo e de seus colaboradores em trazer um instrutor
para realizar uma atualização técnica e poder avaliar o desen-
volvimento do projeto, bem como conduzir nossos estudos e a
compreensão quanto à prática do Aikido.
Na Foto 7, podemos observar o estudo de um dos princí-
pios do Aikido denominado Kokyu nague15, ou seja, o Nague16 entra

Foto 7 - Kokyu Nague realizado pelo professor Fernando


Coutinho (Kokyu Dojo/AL).

Fonte: acervo do Projeto Aikido na UFRN.

15 Kokyu Nague: Princípio do Aikido que envolve a união das energias, finali-
zando com uma projeção do corpo do outro.
16 Nague: aquele que irá realizar uma técnica do Aikido.

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Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

em contato com a energia do Uke17 e a conduz de volta para a


pessoa, promovendo uma projeção. A importância do treina-
mento para as quedas (ukemi) é essencial. Não somente para o
cuidado e para evitar lesões, são técnicas corporais que também
promovem conhecimento do corpo e certa disciplina quanto à
perspectiva de “cair e levantar” para as dificuldades da vida.
Por essa razão, o Aikido é conhecido também como arte da
não resistência (UESHIBA, 2002, 2005, 2010). Ambos os pratican-
tes compreendem os riscos de uma arte marcial. No entanto,
não é objetivo do Aikido que alguém saia lesionado. Todos devem
sair íntegros de cada encontro.
Relaxar o corpo é imprescindível. Irá aguçar a percep-
ção e a sensibilidade para com o fluxo da energia, a direção do
movimento e a intenção da pessoa com quem se pratica. Assim,
é possível que ambos preparem seus corpos para a dinâmica que
irá ser realizada ou técnica a ser executada, auxiliando assim
no conhecimento do próprio corpo, da nossa mentalidade e
atitudes, dos nossos sentimentos e outros elementos que variam
de acordo com o tempo e a evolução nos treinos.

Contribuições do projeto na vida dos praticantes

Tendo como base esse conhecimento do Aikido, buscamos


no ano de 2019 conhecer de nossos integrantes como eles perce-
bem a saúde e de que forma a prática vem impactando em suas
vidas. A saber, no questionário, solicitamos informações refe-
rentes a idade, tempo de prática, e realizamos perguntas sobre
o que é saúde e sobre como a prática do Aikido tem impactado

17 Uke: aquele que promove a situação de agressão ou conflito inicial contra


Nague e aquele cujo corpo e energia serão transformados na técnica do Aikido.

110
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

na saúde dos praticantes. Se positivamente, negativamente, e


de que maneira. Além disso, interrogamos se o Aikido pode ser
visto como uma prática de saúde. E se sim, por quê.
Ao total, 34 se voluntariaram para responder o questio-
nário. Sendo que, da comunidade externa à UFRN, responderam
ao questionário 14 integrantes e, da comunidade interna, um
é docente, dois são servidores e dezessete são alunos. A idade
dos integrantes varia de 14 a 51 anos. Com relação ao tempo de
prática, varia de um mês até cinco anos.

O que é saúde para os integrantes do projeto

No que se refere à questão sobre o que é saúde para os


participantes, deparamo-nos com uma variedade de respostas
que, em nosso entendimento, compreende as esferas social,
psicológica, espiritual e biológica. Como é uma questão comple-
xa separar estes elementos em meio às suas respostas e, por
muitas vezes, as informações também se repetem, seleciona-
mos algumas narrativas que podem representar a maioria
entre elas. Muitos dos relatos apontam para a saúde através de
elementos como a ausência de doenças e/ou de dores, uma boa
alimentação, vitalidade, autonomia. Essas respostas podem ser
contempladas com a frase a seguir, por exemplo, “Saúde é ter
em harmonia as funções orgânicas e mentais” (P1).
Outras respostas já demonstraram ter uma complexidade
maior para a compreensão do que é saúde, entrelaçando o indi-
vidual, o social, o biológico, o cultural e também o espiritual.
Podemos visualizar isso nos seguintes relatos: “estado pleno
de funcionamento de corpo/mente/espírito e fruição do eu e
do mundo” (P14); “qualidade de vida, boas condições de ordem
psíquicas, acesso a serviços, acesso à cultura, acesso ao lazer,

111
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

estudo, etc.” (P19), “estar bem de corpo e alma” (P33); “a condi-


ção variante em que o corpo, mente e espírito se encontra, mas
que é influenciada pelos diversos ambientes em que somos inse-
ridos e pelos diversos modos que levamos nossas vidas” (P34).

Estar bem comigo mesma, nos meus relacio-


namentos e com o ambiente ao meu redor
que convivo. Para isso, procuro perceber
como estou fisicamente, emocionalmente,
espiritualmente e, tendo essa consciência,
construo no dia a dia mudanças de hábitos,
condutas que me aliviem e me auxiliem nesse
bem estar que almejo ou determino pra mim.
Resumindo, é me sentir bem, de forma equi-
librada, integrada, usando ferramentas que
disponho: sentir leve, limpa, em fluxo com a
vida (P27).

Com essas falas, podemos, a partir de Gadamer (1993, p.


109), conceber a saúde como a busca de um estado equilíbrio
em constante movimento, compreendida como “o ritmo da
vida, um processo contínuo em que o equilíbrio se estabiliza
sempre de novo. Todos a conhecemos. Aí estão a respiração, o
metabolismo, o sono - três fenómenos rítmicos cujo decurso
suscita vitalidade, descanso e energia”. Essa busca de equilí-
brio tem uma natureza homeostática, que não se reduz a uma
leitura meramente biológica. Ela se integra a uma perspectiva
de abertura para elaboração de sentido da vida, possuindo,
assim, uma natureza interpretativa. Nesse sentido, apro-
ximando Gadamer e Foucault, podemos compreender com
todo vigor a ideia do cuidar de si e do outro em torno de uma
hermenêutica do sujeito.

112
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

O impacto do projeto na vida dos praticantes

Com relação ao modo da prática do Aikido impactar na


saúde, todos os integrantes afirmam que o projeto impacta
positivamente em sua vida e destacam elementos decorrentes
de uma prática social que forma novas amizades; é também
uma forma de atividade física, auxilia na construção da disci-
plina, reduz de dores musculares e articulares, reduz o estres-
se por meio do relaxamento corporal e mental; proporciona
conhecimento de outra cultura e estimula a leitura, melhora a
autoestima, auxilia na superação de medos, aguça a percepção
espaço-temporal, estimula o desenvolvimento da serenidade e
da paz interior.
Podemos observar alguns de seus relatos a seguir: “Tem
me deixado mais disposta, sem falar na autoestima que melho-
ra também” (P8); “No Aikido, adquirimos sabedoria para lidar
com o estresse, mal humor e preguiça que afetam de maneira
direta minha vida, e com o corpo desenvolvemos a consciên-
cia que permite descobrir os nossos limites e superá-los como
atleta marcial” (P16); “Positivamente, porque no aikido trabalha
bastante a questão do alongamento e dos movimentos do corpo
e, com isso, eu particularmente estou melhorando de dores nas
articulações e coluna devido os alongamentos em que aprendi
a fazer” (P28); “o Aikido me ajudou a me conhecer melhor, tanto
fisicamente quanto mentalmente, me ajudando a reconhecer
hábitos que prejudicavam a minha saúde, além de me preparar
para lidar de forma mais positiva com os imprevistos da vida
que poderiam vir a me prejudicar” (P13).
Todos os relatos expõem os impactos de formas diversas.
Dentre eles, destacamos o P11, que simboliza todo nosso esforço:

113
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

O aikido me ajuda a melhorar:


1. Minha sociabilidade. Me sinto mais
extrovertida.

2. Minha postura. Além do exercício ajudar,


os professores enfatizam a importância da
postura e me ajudam a descobrir músculos
que eu nem sabia que tinha e a ativação destes
melhora minha postura.
3. Meu caráter. Sinto que tenho mais noção
sobre questões éticas. Isso me orienta a tomar
atitudes mais saudáveis.

4. Meu humor. Tanto por estar com outras


pessoas como pela realização dos exercícios.

5. Minha autoconfiança. O desenvolvimento


da marcialidade me faz sentir mais capaz de
realizar coisas como apresentar trabalhos
em público e a lidar com outras pessoas de
maneira a me impor mais. O aikido me ensinou
técnicas de respiração e posturas que ajudam
a manter a calma e diminuir o estresse. Além
disso, saber que sou mais capaz de reagir a
algum ataque na rua - não assalto, pois não
vale a pena reagir a isso e ainda não tenho
capacidade - me faz sentir menos medo.

6. Minha atenção. Percepção do ambiente que


me rodeia e do meu próprio corpo.

7. Meu condicionamento físico. Além dos


exercícios praticados no dojo, os professores
nos ensinam alongamentos, aquecimentos e
exercícios que podem ser realizados em casa.

8. Entre outras coisas.

114
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

No Aikido, deparamo-nos com situações e também cons-


truímos sentidos e significados para além da técnica. Morihei
Ueshiba (2006) pontua que nos proporcionará uma base para
empreendermos com sucesso, nos permitindo avançar, criar
oportunidades e formar nosso caráter.

Treinando o budô, se construirá um cami-


nho espiritual verdadeiro, que conduzirá a
ações iluminadas. Além disso, quem treina
sinceramente outras formas de budô mostra
ensinamentos que refletem o grande plano do
céu e da terra, levando à iluminação. Assim,
as virtudes de bravura, sabedoria, amor e
empatia estão unidas no corpo na mente,
criando uma bela e valente espada que nos
levará sempre a grandes realizações. A lei do
Grande Caminho está estabelecida, a terra
está protegida e cada pessoa se torna parte
desse processo (UESHIBA, 2006, p. 36).

Vemos que somente através do esforço e do treinamen-


to diário com o espírito do budo que será possível desenvolver
aquilo a que o Aikido se propõe: abrandar o coração, praticar a
sinceridade e realizar o misogi (UESHIBA 2002, 2006, 2010). Para
isso, devemos compreender que é nosso dever individual buscar
o nosso aperfeiçoamento nesse caminho.

O Aikido como prática de saúde

Para finalizar, questionamos então se o Aikido pode ser


visto como uma prática de saúde. Nesse sentido, as respostas
demonstraram que todos os integrantes apontam que o Aikido
é sim uma forma de prática de saúde. Como vimos nas palavras
de Morihei Ueshiba (2010), temos de enfocar nos aspectos de

115
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

cura das técnicas presentes nesse caminho marcial. Quanto


aos relatos, identificamos que consideram ser uma prática de
saúde em razão de possuir uma característica de autopreserva-
ção de cuidado do outro, além de contemplar os aspectos físicos,
emocionais, psicológicos e espirituais.

É uma prática ou ferramenta que nos leva


a melhorar o nosso estado de saúde, de
bem-estar, de autoconhecimento e, dessa
forma, permite a pessoa se olhar, amar-se,
autocuidar-se. Essa percepção de si e do
outro, visto que construímos essa prática na
interação com outros participantes, integra
consciência corporal, poder mental, lado
emocional e espiritual, trabalhando a nossa
saúde de forma mais ampla (P27).

Podemos observar em suas narrativas que “suas técni-


cas e alongamentos trazem inúmeros benefícios ao corpo, como
elasticidade, melhora na resistência e física“ (P5); “exercícios
físicos como o aikido trazem diversos benefícios a nossa saúde,
além da prática ensinar meios de concentração, respiração e
outras técnicas que auxiliam na saúde mental de quem pratica”
(P10); “Sim, porque contribui significativamente para você se
conhecer melhor, respeitar suas necessidades e, consequente-
mente, exercitar o cuidar do seu bem-estar” (P15); “o Aikido
pode ser considerado uma prática de saúde, pelo seu exercício
possibilitar, além dos benefícios físicos, novas maneiras de lidar
com a vida e com conflitos, ajudando a diminuir níveis de ansie-
dade e estresse” (P21).
Reconhecemos aqui a importância de percebemos as
práticas de saúde como forma de cuidado de si e do outro. A
perspectiva de um cuidado como prática social que, como em

116
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

Foucault (2010) e suas reflexões de base epicurista, valoriza a


amizade e a reciprocidade nessa relação. A prática do cuidado
de si não é uma prática solitária, apesar de que se compreende a
responsabilidade individual de realizá-la. O ser comunitário de
Epicteto nos permite refletir sobre os dias atuais e as práticas
modernas de cuidado.

Considerações Finais

A nossa prática segue orientada pelos princípios do


autoconhecimento e do cuidado de si e do outro, sem diminuir
seus aspectos marciais. De uma forma geral, pensamos estar
realizando um esforço conjunto de tornar nosso projeto um
espaço para quem busca conhecer o Aikido e seu contexto filo-
sófico, ou mesmo místico. Este projeto é um exemplo de como
a saúde pode ser dinâmica e complexa. No relato dos partici-
pantes, identificamos que, ao se discutir sobre saúde, estaremos
também refletindo sobre a condição orgânica do corpo, como
o tônus, o desenvolvimento muscular, a flexibilidade, sobre a
harmonia entre a mente, o corpo e o espírito, as relações sociais,
a melhora da autoestima, dos humores, diminuição da ansieda-
de e do estresse, alívio de dores, possibilita exercitar a tolerân-
cia, a disciplina e a serenidade em lidar com situações adversas
e de conflitos que aparecem na vida.
Em nosso entendimento, o impacto na saúde é reflexo do
cuidado de si e do outro, da sensação de harmonia, de união e
de uma vida serena. No caso do Aikido, estão presentes exer-
cícios de concentração, de meditação, alongamentos, entre
outras práticas e técnicas corporais que auxiliam na promoção
de conhecimentos sobre o próprio corpo e também da relação

117
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

com os outros e com a natureza. Nele, não há separação entre


mente, corpo e espírito, entre corpo e natureza. No entanto,
necessitamos investigar mais sobre o budo em trabalhos futu-
ros para melhor compreendermos esse elemento tão marcan-
te na educação japonesa, de modo discuti-lo sob a ótica da
Educação Física.

118
Marcel Alves Franco / Maria Isabel Brandão de Souza Mendes / Iraquitan de Oliveira Caminha

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119
Tema 2: Corpo e saúde
O Projeto de extensão Aikido na UFRN e as implicações na saúde dos praticantes

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120
Tema 3
Corpo e educação
O QUE A TRADIÇÃO ORAL DEPÕE
SOBRE O ENSINO DA CAPOEIRA:
EM JOGO AS VOZES DOS MESTRES

Rayanne Medeiros da Silva


Allyson Carvalho de Araújo

Por certo, a Capoeira como uma manifesta-


ção cultural do povo, ao ser submetida ao
processo de institucionalização escolar, o
qual, como se sabe, apoderou-se do saber, do
conhecimento, dos valores e atitudes que,
ainda, não tinham sido “matriculados” na
Escola, sofre significativas transformações!
Certamente, modificações profundas aconte-
cem quando, insistentemente, tenta-se culti-
var uma palmeira do mangue nas areias de
Copacabana! (BARBIERI, 2003, p. 05)

Introdução

Esta pesquisa trata-se de uma imersão no mundo da capoei-


ra, especificamente sobre suas questões relacionadas ao
ensino, com isso invocamos a problemática apresentada
por Barbieri (2013). De maneira incisiva, o autor da epígra-
fe fala do processo de escolarização da capoeira como uma
submissão a este universo escolar, pois afirma que a capoeira
está longe de fazer parte dos processos formais de ensino,
indicando transformações significativas. Mas, será que a

122
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

capoeira se desconfigura ao chegar na escola? E porque não


é potencializada ao ganhar um novo espaço para propagação
dos seus saberes? São essas questões que nos impulsionam a
pensar sobre esses processos educativos.
Adentrar nas questões do ensino da capoeira é, neces-
sariamente, reconhecer que nesta roda de conhecimento
jogam saberes múltiplos. É dar voz a diferentes espaços que se
propõem a deleitar-se sobre o assunto. São tambores com sons
e ritmos diferentes, uma teia de saberes que apresenta textura
distinta, mas que se entrelaçam de maneira que contribuem
com a perpetuação da capoeira enquanto manifestação da
cultura de movimento.
Podemos destacar os saberes acadêmicos e os saberes da
tradição como dois grandes eixos, mas que também se rami-
ficam em suas essências. Nesse universo de conhecimentos e
espaços elegemos os mestres de capoeira como representan-
tes fidedignos do campo da tradição, a fim de compreender
o que eles depõem sobre o processo de ensino da capoeira.
Inclinar-se a ouvir o que os saberes da tradição falam e fazem
para ensinar capoeira é reconhecê-la como prática cultural
de origem afrobrasileira.
Podemos afirmar, por tanto, que a capoeira se confi-
gura por um saber tradicional, considerando que a tradição
é a manutenção de um saber popular, passada de tempos em
tempos, por gerações distintas e que agrega as relações do povo
que a mantém no tempo e no espaço. A tradição não se carac-
teriza pela estática do saber, e sim pelo dinamismo próprio da
comunidade. (ZUMTHOR, 1993). Do mesmo modo que a voz e a
memória se apresentam como elementos essenciais na manu-
tenção e socialização dos saberes inerentes a capoeira.

123
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

Sabemos que as práticas corporais desenvolvidas no


cerne da tradição mudam ao chegar na sala de aula, são ressig-
nificações desses saberes. No entanto, isso não altera a rele-
vância do processo da compreensão dessa manifestação. Dessa
forma, conversamos com os mestres dessa manifestação, em
formato de entrevistas semiestruturadas, individualizada, utili-
zando recursos do audiovisual, com o propósito de compreen-
der tais inquietações.
Nesse sentido, apresentamos como objetivo geral desse
escrito discutir a perspectiva do ensino da capoeira através das
falas dos mestres de capoeira. Como orientações metodológicas
optamos pela pesquisa qualitativa, de cunho descritivo e utiliza-
mos de entrevistas semiestruturadas no contato com os mestres
de capoeira que participaram da nossa pesquisa. Com o propósito
de compreender o material coletado, usufruímos da análise de
conteúdo proposto por Lawrence Bardin (BARDIN, 2011).
Buscando mapear os saberes da tradição, o levantamento
das informações foi realizado no evento de capoeira “GINGA
SEM LIMITE” que estava em sua oitava edição e aconteceu
entre os dias 27 a 30 de julho de 2016, na cidade de Barra de
Maxaranguape, município do Rio Grande do Norte. Este evento
foi escolhido por concentrar diversos capoeiristas e mestres
conceituados no universo capoeirístico. Com isso, parte da
população da pesquisa são os mestres de capoeira presentes
neste evento e a amostra — escolhida por conveniência —
foram seis mestres que apresentavam maior representativi-
dade no evento. Utilizamos os recursos do audiovisual para
gravar as entrevistas e estas foram transcritas para a análise.
Salientamos que os sujeitos participantes da nossa pesquisa
são todos do sexo masculino, reconhecendo que o contexto da

124
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

capoeira ainda são poucas mulheres com essa titulação, quando


comparada aos homens.
Nestas intenções, este capítulo está comprometido em
pensar a capoeira por intermédio da tradição. Buscamos aqui
analisar os discursos dos mestres, inclinando nossa atenção
para identificar o que estes sujeitos têm a depor sobre o ensi-
no da capoeira, suas experiências e considerações a respeito
desta manifestação.
Na busca de atender nosso objetivo, utilizamos os temas
da unidade de sentido para dar contexto ao que nos propomos,
que é entender como acontece o processo de ensino- aprendi-
zagem no campo da tradição da capoeira.

Aproximação dos mestres com a capoeira

Para melhor compreender o que os mestres pensam sobre


a relação do ensinar e do aprender capoeira, reconhecemos que
precisaríamos conhecer a história de cada um deles com essa
prática corporal, para assim estabelecer relações e aproxima-
ções com suas práticas e modos de ensinar. Pois considerando o
saber da tradição, na perspectiva da transmissão oral, a manei-
ra pela qual foi ensinada diz muito sobre como o sujeito irá
dar continuidade nessa socialização do saber. Essa é por tanto,
uma característica muito forte da cultura oral e dos saberes
cultivados na tradição (ZUMTHOR, 2010).
Nesse sentido, surgi o tema da aproximação dos sujeitos
entrevistados com a capoeira, onde pela recorrência das falas
dos mestres, identificamos e debatemos sobre este assunto. A
figura 1 aponta três palavras que representam a unidade de
sentido expressas nas narrativas dos nossos seis entrevistados.

125
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

Guiados por essas recorrências, seguem nossas discussões sobre


a aproximação dos sujeitos da pesquisa com a capoeira enquan-
to prática corporal.

Figura 1 - caracterização da aproximação dos sujeitos com a capoeira

Fonte: elaborado pelos autores

Meu nome é Raimundo Cesar Alves de Almeida


e eu comecei na capoeira em 22 de setembro
de 1964 com o Mestre Bimba. Mais tarde quan-
do Mestre Bimba disse que ia embora pra
Goiânia eu fundei em 72 a Ginga Associação
de Capoeira onde desenvolvo o trabalho
de capoeira aprendido com ele. (MESTRE
ITAPOAN, 2016)

Iniciaremos conhecendo a história de Mestre Itapoan, como


conhecido na capoeira, sobretudo na linha da capoeira regional1,
estilo desenvolvido pelo seu mestre. Em seu relato, percebemos o
elemento da perpetuação da tradição, ao afirmar que deu conti-
nuidade aos trabalhos com a capoeira, a partir do que aprendeu
com o seu mestre. E, se a capoeira é tradicionalmente passada
do mestre para o aprendiz, com quem o Mestre Bimba aprendeu
essa manifestação? De acordo com Sodré (2002) “o baiano Bimba
foi iniciado pelo africano Bentinho no jogo nacional da capoeira.”

1 A capoeira regional é um estilo da capoeira criada e desenvolvida pelo


baiano Manoel dos Reis Machado, mais conhecido como Mestre Bimba. Possui
características de um jogo rápido, com o corpo mais longe do chão e a bateria
é formada com apenas um berimbau e dois pandeiros. Teve como referência
a capoeira angola e o batuque.

126
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

(SODRÉ, 2002, p. 38). Porém, não é nosso intento fazer a arqueologia


do saber da tradição oral neste estudo.
O nosso segundo entrevistado é o Edimilson Luiz da Silva
ou Mestre Canelão. Sua aproximação com a capoeira aconteceu
através das narrativas contadas pelo seu avô. Este, descendente
de africanos, possuía em sua memória diversas histórias dos
negros escravizados. Movido pela curiosidade despertada por
seu avô, o Mestre Canelão buscou em pesquisas incipientes mais
informações sobre a capoeira. Morando na cidade do Natal/RN
geograficamente longe da cidade de Salvador/Bahia, conside-
rada o berço do desenvolvimento da capoeira no Brasil, tinha
dificuldades em acessar muitas informações sobre a capoeira.
Mestre Elias, teve sua primeira experiência com capoeira
em 1968, na cidade do Recife, porém desenvolveu a prática da
capoeira no estado do Rio de Janeiro. Já o Manuel Matias Lopes,
conhecido como Mestre Matias, iniciou capoeira aos 13 anos
de idade no estado de Minas Gerais. Partindo para o Distrito
Federal, temos o Mestre Paulão como representante.

Imagem 1 - Momento da entrevista

Fonte: arquivo do Laboratório de Estudos em Educação Física,


Esporte e Mídia –LEFEM

127
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

Mestre Paulão veio à capoeira em 1964, garo-


to pobre, que não tinha a mínima condição
de frequentar uma academia. Não era nem
capoeira naquela época, era pernada cario-
ca. Então a gente praticava pernada carioca
num grupo de rapazes, que antes da gente
jogar bola, que era pelada que a gente falava,
a gente fazia um “baba”, fazia um conjunto
de pernada, e daí eu comecei a pegar gosto
pela pernada carioca. (MESTRE PAULÃO, 2016)

Já o encontro do Mestre Pombo de Ouro com a capoei-


ra, se deu depois de visualizar uma roda de capoeira angola2
nas ruas da cidade de Salvador/Bahia, local onde ele residia.
“Quando eu vi uma roda no terreiro de Jesus, quando eu olhei,
eu falei: “é isso aí que eu quero”. (MESTRE POMBO DE OURO).
Decidido que queria fazer capoeira, foi indicado por um colega
de trabalho que lhe apresentou a academia do Mestre Bimba,
o primeiro espaço destinado ao treinamento sistematizado da
capoeira em Salvador, onde iniciou seus treinamentos.
Considerando os relatos acima, percebemos que este é o
cenário de aproximações dos nossos entrevistados com a capoei-
ra, em seus respectivos estados e com experiências distintas.
No entanto, algumas considerações são importantes a serem
feitas, como observar que o cenário de encontro dos sujeitos
com a capoeira foi caracterizado pelos espaços informais de
ensino, nenhum dos mestres aprendeu capoeira na escola, com
livros ou na universidade. Foram nas ruas, com indicações de

2 A capoeira angola, como ficou conhecida após a criação do estilo regional,


ganhou este nome por ser praticada por muitos africanos advindos da região
de Angola do continente africano. Possui um jogo mais rasteiro, com ritmo
mais lento e o corpo próximo ao chão. Considerada a “capoeira mãe”, um
nome forte que se destacou no universo da capoeira angola foi o do baiano
Vicente Ferreira Pastinha, conhecido popularmente como Mestre Pastinha.

128
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

familiares ou amigos que este encontro aconteceu, os espaços


informais eram os espaços dos contatos dos mestres com essa
prática corporal. Não obstante, todos progrediram na prática
e hoje possuem a titulação de Mestre, concedida aqueles que
representam os saberes da capoeira.

O que é capoeira? Eles repondem...

Na perspectiva acadêmica, o campo do conhecimen-


to da Educação Física sente dificuldade em definir a capoei-
ra apenas como jogo, dança, luta ou esporte. Nesse sentido,
buscando fazer esse questionamento aos mestres; a final o que
é capoeira? No intuito de ouvir o que a tradição tem a falar
sobre isso, nos surpreendemos com a profundidade das respos-
tas. Sistematizada a partir da recorrência presente nas narra-
tivas dos mestres, a figura 2 representa de forma sintetizada as
respostas ao nosso questionamento.

Figura 2 – o que é capoeira?

Fonte: elaborado pelos autores

Quando questionados sobre o que é capoeira para cada


entrevistado, as respostas passam por uma enorme dimensão
simbólica e intrinsecamente relacionados a suas experiências.

129
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

É muito difícil! As pessoas acham que falar


de capoeira é muito fácil. Mas cada pessoa
que você pegar vai dar uma definição dife-
rente sobre capoeira. Eu lembro que uma vez
perguntaram ao mestre Pastinha o que era
capoeira e ele disse: Capoeira é tudo que a
boca come! E parou e a repórter ficou fora do
ar, porque não dava pra ela alcançar o que era
isso, entendeu? Então muitas pessoas tratam
a capoeira como uma filosofia de vida, não
é? Como um tema para arte, como terapia,
como ginástica, como luta de defesa pessoal.
A capoeira é muito rica, você trata ela do jeito
que você quiser, então é muito difícil você
dizer em uma frase o que é capoeira. Capoeira
é tudo! (MESTRE ITAPOAN)

Notamos a singularidade e a relação única de cada


sujeito com essa manifestação da cultura de movimento. Na
narrativa acima, o Mestre inicia reforçando que a capoeira
enquanto prática corporal, estabelece relações distintas com
os diferentes sujeitos que a vivem. O Mestre Itapoan aponta
ainda as múltiplas formas de se pensar e desenvolver a capoei-
ra, estabelecendo correlações com o campo da Educação Física,
podemos perceber sua relação com o jogo, luta, ou até com as
atividades rítmicas.
Ainda nessa definição inicial sobre a capoeira e o que
ela representa, outro mestre expressa a dimensão simbólica
da liberdade, sentimento inerente a esta prática por todo seu
contexto histórico de luta contra a repressão. “Então capoeira
pra mim é sinônimo de liberdade” (MESTRE CANELÃO). Outros
dois entrevistados a consideram como modo de regimento de
suas vidas. “Capoeira pra mim é vida, é tudo... Hoje eu tenho
a capoeira como filosofia de vida” (MESTRE ELIAS). Nessa
perspectiva, o Mestre Paulão ao recordar sua história com a

130
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

capoeira, corrobora e afirma que “a capoeira pra mim é a vida


toda” (MESTRE PAULÃO).
Dantas Junior (2016, p. 39) ao falar da capoeira como luta,
jogo, dança, ritmo, nos questiona sobre “o que privilegiamos
ao assistir a uma roda de capoeira?” Comungando dessa ideia
de privilégio ou escolha, voltaremos ao conceito central de
Charlot (2000) da necessidade da relação com o saber ali posto,
onde se faz necessário estabelecer relações entre sujeito-saber,
e só dessa forma somos capazes de imprimir nossas marcas e
concepções sobre este saber.
As representações corporais expressas no jogo da
capoeira transcendem a ideia do movimento pelo movimen-
to, confirmando também o conceito de cultura de movimen-
to que considera o jogador enquanto sujeito histórico, social
e cultural. O fato de a capoeira desenvolver a possibilidade de
interpretação pessoal de sua essência e fugir da simples prática
do movimento descontextualizado, é possível identificar forte
relação com o processo de ensino-aprendizagem, onde é de
suma importância as impressões do sujeito para dar sentido e
significado a tal processo.
Retomando as nossas entrevistas, é notório na fala dos
mestres a imbricação de suas relações afetivas na tentativa
de definição do que é capoeira, considerando que essa práti-
ca corporal foi moldando seus estilos de vida. Nenhum deles
tentam enquadrá-la em padrões já estabelecidos, como as mani-
festações de luta, jogo, dança; para eles a compreensão sobre o
que é capoeira transcende a esses padrões. Ao ser questionado
se era possível encaixar a capoeira em alguma dessas defini-
ções, Mestre Elias diz: “Não, não, não… Não tem quem consiga
fazer isso aí. Quem conseguir, vai perder o melhor da capoeira,
né? A capoeira é cultura, né? É 100% cultura, né?” A área da

131
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

Educação Física, campo do conhecimento que pensa de forma


sistematizada as práticas corporais, também não conseguiu
defini-la por excelência.
Se nos determos o que expressam o saber da tradição —
aqui manifestado pelas falas dos mestres de capoeira — perce-
bemos que todos caminham para uma perspectiva de ampliação
desse debate, levando-nos a pensar a capoeira enquanto práti-
ca corporal, mas que também envolvem outros fatores. Sejam
sobre as relações pessoais como a relação mestre- discípulo,
quer seja na prática como manifestação de liberdade ou estilo
de vida. Nesse sentido, o conceito de capoeira apresentado pelos
mestres apresenta um sentido ampliado, nenhum manifesta
conceito fechado — o que é próprio do mundo acadêmico —, mas
ampliam o debate a partir de suas experiências e vivências, o
que dialoga mais com a tradição.

Sobre os processos do aprender


e ensinar capoeira a luz da tradição

Refletir sobre os processos do ensinar e do aprender


capoeira a partir da tradição, é sobretudo respeitar uma tradi-
ção na qual a capoeira foi constituída. Nesta inclinação para
ouvir o que os saberes da tradição têm a dizer sobre como se
ensina e aprende capoeira nesta perspectiva, é que indagamos
aos mestres como são suas experiências quando estão exer-
cendo sua função de professor nos seus espaços de ensino, e
rememorando se há relações de quando aprenderam.

132
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

Figura 3 - das relações com o saber da tradição

Fonte: elaborado pelos autores.

A fracionalização dos saberes, entre o que é científico e


que advém da tradição, tem gerado uma hierarquização entre
os conhecimentos. Concordamos com Almeida (2010) ao refe-
renciar Lévi-Strauss (1976) quando sugere que:

Apesar de se valeres dos mesmos atribu-


tos cognitivos que constituem a unidade do
pensamento humano, essas duas formas de
conhecimento – cultura cientifica e saberes da
tradição – se pautam por distintas estratégias
de pensamento: uma mais próxima da lógica
do sensível, outra mais distante dela (LÉVI-
STRAUSS, 1976 apud ALMEIDA, 2010, p. 48).

Nesse sentido, a autora segue refletindo sobre as sobrepo-


sições dessas diferentes formas de enxergar o mundo e é contrá-
ria a negação de qualquer saber, em detrimento a outro. Nessa
perspectiva, buscamos compreender como os mestres entrevis-
tados se relacionavam com a forma em que eles aprenderam a
capoeira com seus respectivos mestres e se eles seguem a mesma
estrutura para dar continuidade no processo de transmissão
dessa tradição. Foi notório em diversas falas as questões didáti-
cas no ato de ensinar, além de produzirem suas impressões em
suas aulas. “Não é você dar aula a dez. É você dar aula a cada um,
porque cada um é cada um” (MESTRE POMBO DE OURO). Apesar
da não formação acadêmica, a lógica do ensino pela cultura oral

133
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

preocupa-se também com as necessidades da adaptação a cada


sujeito que se propõe a apender, pois compreendem da neces-
sidade individual — sem esquecer do coletivo— que os sujeitos
em processo de aprendizagem carecem.
Entendendo que os mestres de capoeira formam alunos,
logo lhe ofertam aulas dessa prática, questionamos como eles
elaboram suas aulas e se ensinam capoeira da mesma forma
que aprenderam com seus professores. Fica explicito na fala
dos entrevistados a respeitabilidade para com o que aprende-
ram com seus mestres e que possuem esses ensinamentos como
base, porém não os limitam em acrescentar suas impressões
individuais.

É complicado assim, porque Mestre Bimba


começou a ensinar capoeira, quando ele dava
aula de capoeira, ele sempre pegava o aluno
de um em um. Hoje você pega uma sala de 30
alunos, 40 alunos, 50 alunos, não vai. E tem
mais, você tem que se adaptar e daqueles 30
alunos vão ter 10 que o biótipo não é igual, os
biótipos não são iguais. Aí você tem que fazer
uma preparação de uma ginga, como é que
você vai ensinar essa ginga pra todo mundo?
Sabe... isso é coisa de cada mestre, de cada
pessoa, eu tenho o meu jeito de tentar passar
isso pra todo mundo. E de repente, na mesma
turma trabalhar uma criança e um adulto
e conseguir que os dois joguem capoeira,
fazer com que os dois tenham esse sincronis-
mo. Então isso é a magia que a capoeira ofere-
ce pra você e da essa condição. Entendeu? Eu
pelo menos sei fazer isso aí, mas é uma coisa
sabe, de cada mestre, de saber como é que vai
transmitir (MESTRE CANELÃO, grifo nosso).

134
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

Corroborando com a fala acima, o Mestre Itapoan nos


traz uma reflexão importante sobre as mudanças que são neces-
sárias pelo condicionante tempo.

Agora a base do ensinamento do meu grupo


é base que me Mestre Bimba me passou, com
pequenas variações que eu tive que fazer, por
exemplo: A academia do mestre Bimba era do
tamanho da roda aqui, né, então ele pegava
na mão de todo mundo pra ensinar a gingar
individualmente e essa parceria mestre-alu-
no. Hoje eu chego numa aula, tem 200 pessoas,
não posso fazer isso se não acaba a aula e eu
não dou aula. Então tem que fazer uma coisa
mais aeróbica, todo mundo lá e eu na frente
e todo mundo repete meu movimento. Isso é
uma variação dos tempos modernos, mas a
base, a movimentação dos golpes e a filosofia
é a mesma (MESTRE ITAPOAN).

A particularidade no ato de ensinar varia em relação a


cada mestre, no entanto, podemos verificar no relato do Mestre
Canelão elementos pedagógicos, tais como a preocupação com
o sujeito aprendente e sua singularidade. Ainda consideran-
do as adaptações nas aulas, o Mestre Matias ao relembrar a
forma muito técnica e rígida na qual aprendeu capoeira com
seu mestre, afirma que ensina de forma distinta daquela na qual
aprendeu. “Mas eu aprendi a Capoeira diferente do que hoje
eu ensino” (MESTRE MATIAS). Ou seja, outras metodologias de
ensino foram recriadas como também nos relata o Mestre Elias.

Eu modifiquei bastante, né? Eu tive o aprendi-


zado… é como você um dia, você vai se formar
e você já vai começar a ver de uma forma dife-
rente. Você já vai trilhar outros caminhos,
respeitando suas origens, entendeu? Mas, é

135
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

isso aí, você vai sempre mudar um pouco as


coisas (MESTRE ELIAS).

Ainda pensando nessa relação ensino-aprendizagem e


como os mestres de capoeira compreendem essa ação, o Mestre
Itapoan relata sobre processos que são inerentes a prática da
cultura oral.
Então, a transmissão oral quando você fala
você perde muita coisa, na transmissão oral,
né. Porque quem conta um conto aumenta
sempre um conto, né?! Diz o ditado. Então
alguns mestres contam a capoeira que viram
no passado de um jeito, outros contam de
outro e as vezes as pessoas dizem “ah, isso é
mentira!”. Não é mentira, são verdades dife-
rentes. Eu olho um jogo e você olha um jogo
nós não vamos ver o mesmo jogo, sua ótica
é diferente da minha. E aí os mestres viam
aquelas coisas que aconteciam naquela hora
ali da maneira dele e transmite aos alunos
da maneira dele. Então são verdades, não são
mentiras. Por mais absurdas as vezes que seja,
a gente tem que encarar como que essa é a
verdade daquele cara, e ele passou pros seus
alunos aquela verdade e os alunos acreditam
nela. Então, a gente não pode criticar isso
(MESTRE ITAPOAN).

Pedagogicamente, no contexto da capoeira regional,


Mestre Bimba sistematizou um método de ensino na capoeira
que ficou conhecida como “Sequência de Mestre Bimba”. Nessa
sequência de ensino, o mestre buscou agrupar golpes e esquivas
da capoeira com a prerrogativa de que a partir delas, o aluno
aprenderia as movimentações básicas da capoeira e poderia
assim, recriar novas sequências, potencializando o seu jogo
(SODRÉ, 2002). Segundo Mestre Paulão:

136
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

Quando o Mestre Bimba criou a sequência de


ensino, ele contou de zero a nove. Ele teve uma
contagem, ele teve uma base pra você seguir
a capoeira. Aí o cara faz: Mas como assim?
Aí eu falo: Quem não sabe contar, não sabe
matemática. Não sabe as operações. Se você
não conhece de zero a nove, como é que você
vai brincar com os números, rapaz? Se você
não conhece a sequência de ensino de Mestre
Bimba, como é que você vai ser capoeira?
(MESTRE PAULÃO).

Ao falar da sequência criada pelo Mestre Bimba, o nosso


entrevistado se refere a sequência de movimentos como uma
metodologia de ensino muito eficiente para a formação de um
capoeirista. Personagem importante no universo capoeirísti-
co, Mestre Bimba é homenageado por Luiz Fernando Goulart,
que dirige um filme documentário intitulado “Mestre Bimba, a
Capoeira Iluminada” desenvolvido pela Lumen Produções que
trazem relatos dos alunos do Mestre Bimba e que falam da sua
trajetória e experiências pessoais com esse sujeito, enfatizando
sua importância para o desenvolvimento da capoeira.
No livro Mestre Bimba, corpo de mandiga escrito por
Muniz Sodré, o autor fala da experiência ou técnicas de ensino
utilizado pelo Mestre Bimba.

Tradicionalmente, o mestre não ensinava a


seu discípulo, pelo menos no sentido que a
pedagogia ocidental nos habituou a entender
o verbo ensinar. Ou seja, o mestre não verba-
lizava, nem conceituava o seu conhecimento
para transmiti-lo metodicamente ao aluno.
Ele criava as condições de aprendizagem
(formando a roda da capoeira) e assistia a ela.
Era um processo sem qualquer intelectuali-
zação, como no zen, em que se buscava um

137
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

reflexo corporal, comandado não pelo cére-


bro, mas por alguma coisa resultante da sua
integração com o corpo (SODRÉ; 2002, p. 38,
grifo nosso).

Novamente ao emergir na perspectiva de como os mestres


de capoeira atuam para ensinar essa prática corporal, percebe-
mos elementos didáticos, como promover “condições de apren-
dizagem” (SODRÉ, 2002, p. 38) para levar o aluno a compreender
os elementos da capoeira que se concretizam na roda, ou seja,
no jogo da capoeira.

Sobre a capoeira na escola:


o que os mestres pensam sobre isso

Analisando nossas entrevistas, elencamos como núcleo de


sentido, a partir da fala dos mestres, a temática da capoeira na
escola. Buscamos neste momento compreender o que pensam
nossos entrevistados sobre este assunto e como eles se posicio-
nam. Para tal, as palavras que expressam os núcleos de sentido
analisadas na entrevista estão representadas pela figura 4.

Figura 4 – a capoeira na escola

Fonte: elaborado pelos autores

O conhecimento escolar/saber escolar é um


recorte do conhecimento sistematizado,
produzido historicamente pelas pessoas nas
relações sociais e com a natureza, que passa

138
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

a ser dosado e sequenciado para efeitos de


ensino- aprendizagem na escola ao logo de
um tempo determinado. (PALMA; OLIVEIRA;
PALMA; 2010, p.49)
Partindo desse preceito e considerando o saber da capoei-
ra como algo historicamente construído e que constantemente
sofre ressignificações, desejamos refletir como se dá a apro-
ximação da capoeira com a escola, pois são espaços e lógicas
distintas. Pensando no âmbito escolar, destacamos as experiên-
cias dos entrevistados com o ensino da capoeira neste contex-
to e o que eles compreendem desse espaço. Essa aproximação
pauta-se na concepção de uma educação mais ampla, onde “a
educação enquanto processo de formação e desenvolvimento
do ser humano, está diretamente relacionada às concepções e
aos valores morais e sociais que regem a sociedade” (PALMA;
OLIVEIRA; PALMA, 2010, p. 31).
Compreendendo a cultura como espaço onde permeiam
esses valores, notamos nas falas dos Mestres Canelão e Matias
o relato da dificuldade em trabalhar a capoeira na escola pela
não colaboração do corpo gestor, o que dificulta o processo de
ensino. “Uma barreira maior é que os próprios educadores, os
próprios diretores de escola não conhecem nada da nossa cultu-
ra, nada sobre capoeira” (MESTRE CANELÃO).
É conflituoso perceber a impressão dos Mestres ao se
referirem aqueles que compõem a escola, afirmando que estes
não conhecem nada sobre nossa cultura e sobre a capoeira.
Nos questionamos se realmente seria falta de conhecimento
sobre esses saberes ou se seria pouca apropriação por parte dos
professores e/ou gestores. Nossa hipótese é que essa percepção
seja algo construído a partir das barreiras que estes mestres
tenham vivenciado ao tentar se aproximar do contexto escolar.

139
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

Nesse sentido, a inserção da capoeira na escola não garan-


te a apropriação dessa cultura naquele espaço se não houver
colaboração de todos envolvidos. As relações estabelecidas
entre os sujeitos que constituem a comunidade escolar — tais
como o corpo docente, equipe gestora, alunos e sociedade —
bem como os conhecimentos desenvolvidos nela, são precei-
tos que devem estar pautados no Projeto Político-Pedagógico
(PPP) dessas instituições. Pensar em uma escola dialógica e que
mantém suas ações interligadas, é pensar em um ensino que
produz mais sentido e significado aos indivíduos que partici-
pam desse conjunto.
Voltando a pensar a capoeira no contexto escolar, buscan-
do compreender o que é essencial a ser ensinado na escola,
destacamos o discurso onde a ludicidade aparece como elemen-
to chave. “A capoeira na escola você não pode levar ela como
um desporte, ‘tem que ser assim’, engessar a capoeira, você tem
que trabalhar a parte lúdica da capoeira” (MESTRE PAULÃO).
Destacamos essa fala, expressa também por outros mestres, da
necessidade de levar a capoeira para a escola de forma contex-
tualizada e divertida, na intenção de se fazer essa manifestação
conhecida e experimentada.
Uma questão relevante para discussão foi levantada pelo
Mestre Itapoan, que interroga em saber se a capoeira é da escola
ou na escola.
Mas quando você fala de capoeira na escola
precisa saber se é capoeira da escola ou capoei-
ra na escola, num é? [Sic]3 Porque capoeira na
escola eu levo a capoeira lá e mostro ela pras
pessoas e digo o que é... a capoeira da escola

3 O [SIC] é uma ferramenta utilizada para indicar ao leitor que o texto foi
escrito tal como foi pronunciado, mesmo que não obedeça às normas culta da
linguagem formal. No entanto, não adotaremos esta ferramenta como atitu-
de da pesquisa, expressando nosso respeito a fala dos nossos entrevistados.

140
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

ela não tem mestre, ele tem uma pessoa que


transmite isso pra aqueles alunos da escola e
se a direção da escola não estiver satisfeita,
você muda, vem outro que vai passar outro
tipo de conhecimento pra aquelas pessoas.
Então, não há um seguimento, não há uma
fidelidade única pra os capoeiristas seguirem,
certo? Agora é um grande meio de educação,
se ela bem utilizada é uma ferramenta fantás-
tica pra você educar (MESTRE ITAPOAN).

Nesse levantamento, o entrevistado faz uma diferencia-


ção entre uma capoeira que é levada a escola e outra que lá é
desenvolvida. Neste momento, ao afirmar que a capoeira da
escola não possui mestre, ele quer dizer que não há uma linha
de tradição a ser seguida, tão pouco o mestre como referência. O
que não quer dizer que o professor que desenvolve um trabalho
de capoeira na escola — podendo até ser um mestre de capoei-
ra — não tenha a qualidade de ensinar como se pressupõe que
aconteça nos centros de capoeira; no entanto, o entrevistado
afirma isso pontuando que das mais distintas formas de ser
abordada na escola, é uma potência para pensar a capoeira no
processo formativo dos alunos. Contudo, a noção de capoeira
da escola ou na escola reflete uma cisão entre essas formas de
vivenciar a capoeira no contexto escolar.
No universo capoeirístico a tradição torna-se algo muito
singular, os centros de capoeira como ensino não-formal são
condicionados as experiências de cada mestre(a)/professor(a)
que ensina naquele espaço. Os saberes da tradição como elemen-
to dinâmico na cultura permitem as modificações por quem
a perpetua no tempo e no espaço, adicionando suas referên-
cias e experiências pessoais. Cada mestre(a) de capoeira segue
uma perspectiva, seja ela da capoeira angola ou da capoeira

141
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

regional, o que já indica muito sobre como esse processo de


ensino será realizado. Além disso, como já foi mencionado, a
experiência desse sujeito nesta prática dirá muito sobre sua
forma de ensinar.

Considerações Finais

Assim como na roda de capoeira, onde a dinâmica do jogo


muda diante do ritmo dos jogadores ali presentes, dos mestres
e seus fundamentos; a forma ou as formas de ensinar capoeira
também passaram por transformações e conquistas de novos
espaços de atuação.
Percebe-se, a partir da análise das falas dos mestres de
capoeira que entrevistamos, que existem preocupações didá-
ticas quanto ao ensino quando estão exercendo a função de
mestres de capoeira. São falas recorrentes sobre os cuidados
individuais e coletivos em suas aulas de capoeira.
Na perspectiva dos mestres o aprendizado da capoeira faz
parte de uma visão de mundo e de uma ambiência na tradição.
No que se refere ao que se deve ser ensinado, as falas retomam
saberes do âmbito do ensino não formal que se sistematizam na
tradição das dinâmicas dos diversos grupos, criando situações
de aprendizagem.
Verificamos também que existiram adaptações das
formas pelas quais aprenderam capoeira para como eles a
ensinam. No entanto, manifestam em seus discursos, muito
respeito aos seus mestres e formadores; apesar de considerar
a necessidade de mudanças para seus novos contextos de atua-
ção e as mudanças pelas quais a própria manifestação sofreu
no decorrer dos anos.

142
Rayanne Medeiros da Silva / Allyson Carvalho de Araújo

Ao pensar o ensino da capoeira na escola, os mestres nos


apontam para tensões existentes na forma instituição escola
entender a capoeira como manifestação da cultura de tradição.
Nesse sentido há de existir um diálogo e valorização desse saber
para que o ensino da capoeira seja profícuo para os fins insti-
tucionais e de propagação da cultura dos grupos de capoeira.
Esses fatores ratificam nosso entendimento de tradi-
ção, sendo esta não algo rígido e permanente, mas dinâmica.
A vivacidade da capoeira em sua dinâmica cultural a permitiu
permanecer no espaço-tempo diante de diversos contextos de
opressões. Isto também proporcionou a capoeira a demarca-
ção de um saber tradicional, que necessitou de uma noção de
tempo alargado, da transmissão oral, dos sujeitos, do corpo.
Estes elementos ratificam a importância de visitar o solo da
tradição para compreender, com um olhar mais ampliado, os
conhecimentos próprios da capoeira enquanto manifestação
da cultura de movimento.

143
Tema 3: Corpo e educação
O que a tradição oral depõe sobre o ensino da capoeira: em jogo as vozes dos mestres

REFERÊNCIAS

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res da tradição. São Paulo: Livraria da Física, 2010.

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capoeira entrou na dança! 2003. 392 f. Tese (Doutorado em Ciências
Humanas) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2003.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria.


Tradução Bruno Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

DANTAS JUNIOR, H. S. Capoeira, tradição e espetáculo: provocações


à reflexão. In: TAVARES, L. C. V. (org.). Capoeira: recortes e percep-
ções. Curitiba: CRV, 2016, v. 1, p. 39-50.

PALMA, A. P. T. V.; OLIVEIRA, A. A. B.; PALMA, J. A. V. (org.).


Educação Física e a Organização Curricular: Educação infantil,
ensino fundamento, ensino médio. 2. ed. Londrina: Eduel, 2010.

SODRÉ, M. Mestre Bimba: Corpo de Mandinga. Rio de Janeiro:


Manati, 2002. p. 110.

ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Tradução de Jerusa


Pires Ferreira et al. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

ZUMTHOR, Paul. Memória e comunidade. In: ZUMTHOR, Paul.


A letra e a voz: a “literatura” medieval. Tradução Jerusa Pires
Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

144
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
E LITERATURA: UMA POSSIBILIDADE
DE ENSINAR E APRENDER
BOXE NO ENSINO MÉDIO

Danrley Alves Jacinto


Marcio Romeu Ribas de Oliveira

Introdução

A Educação Física na escola, em seu aspecto histórico, permane-


ceu sempre muito atrelada ao campo da biologia e da saúde, como
por exemplo nos anos em que a finalidade desta era a prepara-
ção do corpo do indivíduo para uma possível servidão à pátria.
Entretanto, desde os anos 1980, ela vem sendo discutida, também,
pelo campo das ciências humanas (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
Essas mudanças nas práticas de ensino e aprendizagem
da Educação Física na escola são compreendidas como um
movimento renovador nesse campo. Se no passado as práti-
cas pedagógicas da Educação Física estavam associadas ao
desenvolvimento da aptidão física e da perfeição nas técnicas
esportivas, com esses novos modos de pensar o componente
curricular, outros aspectos são instituídos no seu fazer peda-
gógico. Foi pensando nessa nova configuração que a ideia de
investimento na temática se deu, refletindo sobre outras formas
de se pensar a disciplina nas salas de aula, visando a abertura
de novos horizontes e maneiras de se trabalhar a cultura de

145
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

movimento (KUNZ, 1994) no cotidiano das aulas de Educação


Física na escola.
O profissional de educação física não atua
sobre o corpo ou com o movimento em si, não
trabalha com o esporte em si, não lida com
a ginástica em si, não trabalha com o espor-
te em si, não lida com a ginástica em si. Ele
trata do ser humano nas suas manifestações
culturais relacionadas ao corpo e ao movi-
mento humanos, historicamente definidas
como jogo, esporte, dança, luta e ginástica.
(DAOLIO, 2004, p. 2-3).

Se estabelecermos esse pensamento como um dos orien-


tadores de nossas práticas pedagógicas, podemos compreen-
der acerca das mais diversas possibilidades das relações que as
manifestações das práticas culturais estabelecem com os seus
variados suportes, nesse sentido a literatura poderia ser dos
suportes para o ensino e a aprendizagem da Educação Física,
emergindo como um caminho que daria um novo frescor aos
elementos didáticos e paradidáticos, isso implica nas mudanças
recentes nas formas do pensar pedagógico e da disciplina, bem
como na aplicação prática desse pensamento de forma inter-
disciplinar e/ou transdisciplinar.
Diante do exposto, essas narrativas das práticas corpo-
rais na literatura não acadêmica nos levaram aos seguintes
questionamentos: É possível utilizar a literatura não acadêmica
como um dispositivo didático-pedagógico nas aulas de Educação
Física? Como os/as alunos/as percebem a presença e a pertinên-
cia dessas práticas em suas aprendizagens?
Dessa forma, apresentaremos essas narrações das práti-
cas corporais presentes na literatura, bem como possíveis
formas de abordá-las em sala de aula, utilizando a unidade

146
Danrley Alves Jacinto / Marcio Romeu Ribas de Oliveira

temática “lutas” proposta pela Base Nacional Comum Curricular


– BNCC (BRASIL, 2017).
Objetivamos com o texto, compreender como os artefa-
tos culturais - em específico a literatura - se relaciona com as
questões didáticas e pedagógicas do ensinar e aprender educa-
ção física na escola, bem como analisar como essas narrativas
literárias propõem sentidos às práticas corporais, em específico
as lutas, desenvolvidas na escola e interpretar quais as possibi-
lidades pedagógicas para as lutas no campo da educação física
na escola são possíveis com a incorporação desses saberes à sua
prática docente. Ressaltamos também que o escrito a seguir
foi fruto do nosso trabalho de conclusão de curso, no curso de
Licenciatura em Educação Física, no segundo semestre do ano
de 2019 na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
(JACINTO, 2019).

Aspectos metodológicos

Num primeiro momento nos dedicamos na análise da


obra “Nocaute — Cinco Histórias de Boxe”, do autor estadu-
nidense Jack London, nesse primeiro momento recolhemos
elementos da narrativa que se relacionassem com os funda-
mentos técnico-táticos das lutas, em específico o boxe, a obra
foi selecionada pelo critério de proximidade cotidiana com a
temática. No segundo momento foram sistematizadas e aplica-
das aulas de Educação Física para a turma da 2ª série do ensino
médio do curso de Edificações do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – Campus Natal-
Central – IFRN-CNat. A turma contava com a presença de 25 a
30 alunos por aula, com idades variando de 15 a 17 anos.

147
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

Foram sistematizados 3 blocos de aulas para experimen-


tação da metodologia proposta. As aulas tiveram duração de
90 minutos e ocorreram de outubro a novembro de 2019, as
intervenções serão apresentadas e discutidas no decorrer do
texto. Para as intervenções, foi utilizada como principal inspi-
ração o trabalho desenvolvido por Costa Filho (2012), que teve
experiências com a literatura na escola com turmas do ensino
fundamental, desenvolvendo aulas divididas em um momento
reflexivo sobre a obra que ele utilizou, um momento de expe-
rimentação do tipo de prática corporal em questão e para fina-
lizar, criação de esquetes para encenação do que foi estudado
ou criação de novos jogos que envolvessem os fundamentos da
modalidade, vivenciados em aula.
Para o levantamento dos dados presentes dentro da obra
literária escolhida, realizamos uma análise descritiva para
reconhecer os elementos referentes as lutas, em especial o boxe
que está presente no livro. Como nesta passagem, quando Jack
London escreve que “Os dois homens abraçados num abraço
tenso; ninguém atacava ninguém”, fora de contexto pode não
significar nada, mas quando posto em uma situação em que
o fenômeno observado é uma prática esportiva de combate, é
possível aferir que a cena se trata de uma técnica conhecida
como clinch. Dessa forma, os levantamentos iniciais prossegui-
ram, identificando termos e sequências no texto em que fosse
possível aferir propostas semânticas análogas a alguma cultura
de movimento (KUNZ, 1994), de modo a possibilitar que fossem
explorados no fazer pedagógico. Concluída a primeira parte
de análise descritiva, o processo seguiu para uma pesquisa de
campo, caracterizada por Marconi e Lakatos (2003, p. 186) como:

148
Danrley Alves Jacinto / Marcio Romeu Ribas de Oliveira

aquela utilizada com o objetivo de conseguir


informações e/ou conhecimentos acerca de
um problema, para o qual se procura uma
resposta, ou de uma hipótese, que se queira
comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenô-
menos ou as relações entre eles.

O trabalho junto com a turma foi iniciado apresentando


a obra “Nocaute - Cinco contos de boxe”, bem como um de seus
contos para leitura e apreciação dos estudantes. Após isso, foi
discutido o contexto social em que a prática corporal se insere,
as suas características conforme descritas no texto e o deta-
lhamento dos aspectos técnicos pertencentes à modalidade
esportiva em questão.
Dando continuidade, foi destacado esse aspecto técnico
presente na leitura para vivência dos estudantes, com o objetivo
de experimentar a prática esportiva e os aspectos da cultura de
movimento. Em seguida, a preparação e execução da releitura
de uma cena do conto pelos alunos, como forma de trazer um
olhar diferente para o que foi lido.

O “jogo” na obra e na realidade

John Griffith Chaney, conhecido pelo pseudônimo de Jack


London, autor da obra analisada, foi um romancista que viveu
entre os anos de 1876 e 1916, escrevendo cerca de 50 livros de
ficção e não ficção. A obra “Nocaute - Cinco histórias de boxe”
é uma coletânea de cinco contos escritos por Jack London entre
1905 e 1911, sendo todas elas, até onde se tem conhecimento,
de conteúdo fictício, retratando diferentes realidades de vida
de lutadores profissionais e amadores de boxe. São eles “O jogo

149
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

(1905)”, “O mexicano (1911)”, “O bife (1909)”, “O benefício da


dúvida (1910)” e “A fera do abismo (1911)”. O primeiro conto
serviu de base para nossa análise, de onde foram recolhidos os
trechos para as discussões que foram desenvolvidas.
A partir da leitura, apreciação e análise da obra selecio-
nada, identificamos em todo seu corpo a presença da modali-
dade esportiva do Boxe, como o próprio título já deixa claro. No
entanto, há trechos em que, mais do que uma simples alusão
à modalidade, foi possível notar características específicas e
detalhadamente descritas dessa cultura de movimento, tanto
em seus elementos técnico-táticos, quanto histórico-culturais,
sobre os quais trataremos a seguir.
Iniciando os apontamentos acerca dos aspectos técnico-
-táticos, as técnicas bases são recorrentemente citadas durante
o texto, como por exemplo: socos jab e direto, que são socos
retos direcionados à face ou à cabeça do oponente. Esses socos
aparecem em todos os tipos de esportes de combate em que o
foco é a marcação de pontos e/ou a invalidação do oponente
através desses movimentos. Também são citados o soco cruzado,
cujo impacto é desferido na lateral da cabeça, nas têmporas ou
na região do queixo, quase sempre com o intuito de invalidar
seu oponente, da seguinte forma: “Ponta o acompanhava tão
de perto que soltou um cruzado terrível na direção do maxilar
desprotegido de Joe” (LONDON, 2013, p.40). Assim como os socos
uppercut ou gancho, que tem sua trajetória de baixo para cima
buscando acertar o queixo do oponente. Como exemplo tem-se
no texto a seguinte passagem:

150
Danrley Alves Jacinto / Marcio Romeu Ribas de Oliveira

Os olhos rápidos de Joe perceberam a aber-


tura e ele mandou um soco violento na boca
de Ponta, seguido de imediato por outro soco,
meio cruzado e meio gancho, na direção do
queixo do oponente. (LONDON, 2013, p.43,
grifo nosso).

Em outro trecho, mais um fundamento básico das moda-


lidades esportivas de combate (FRANCHINI; VECCHIO, 2011),
conhecido como posição de guarda ou simplesmente guarda, é
apresentado. É um conjunto de técnicas utilizadas para que o
atleta tenha liberdade e base tanto para atacar seu adversário
da maneira mais letal possível sem abrir mão de sua segurança,
quanto para bloquear mais rapidamente em caso de avanço e
se movimentar sem colocar em risco o seu equilíbrio, sendo
descrito pelo narrador da seguinte forma:

O pé esquerdo um pouco adiantado, os joelhos


ligeiramente fletidos, ele estava abaixado,
com a cabeça bem encaixada entre os ombros
que lhe serviam de escudo. Suas mãos esta-
vam postadas diante de si, prontas tanto para
atacar quanto para se defender. (LONDON,
2013, p. 39).

A partir desses fragmentos iniciais desenvolvemos uma


experiência prática, em que foram vivenciados os fundamen-
tos básicos do boxe, posição de guarda e alguns ataques. A
experimentação teve início com a posição de guarda e varia-
ções, como movimentação de avanço, recuo e lateral. Em
seguida, os alunos conheceram os golpes jab, direto, cruza-
do e uppercut, seguindo a movimentação do professor, bem
como suas orientações de como tornar a técnica mais efetiva.

151
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

Concluída essa parte de vivência individual, foi realizada uma


dinâmica de investida com golpe e movimentação de recuo
com os alunos divididos em duplas, alternando esses funda-
mentos. Finalizado esse conjunto de técnicas, a complexidade
dos movimentos foi elevada, adicionando um bloqueio com
contra-ataque, atividade essa em que um estudante da dupla
atacava e o outro realizava um bloqueio e contra-atacava utili-
zando a mão contrária, de maneira a ir tornando mais signi-
ficativo o aprendizado, vivenciando de maneira mais objetiva
o que seria próximo de um combate real.
Por fim, foi realizado um jogo, que consistia em duplas
realizando uma experiência de “combate”. No entanto, a marca-
ção de pontos se dava a partir do toque nos ombros do colega de
sala, de modo a trabalhar os fundamentos de movimentação,
posição de guarda, golpes, investida e recuo. Para propiciar uma
melhor ambiência, todos os alunos ficaram em roda, de braços
dados, com os dois alunos em “combate” no centro, de modo que
os combatentes se sentissem, mesmo que um pouco, dentro de
um ringue com a experiência da torcida. Além disso, o professor
permaneceu dentro do círculo na posição de árbitro da luta.
Esses alunos em volta torciam, provocavam, apostavam, tudo
isso tentando representar o ambiente real de combate que eles
puderam reconhecer no texto, de forma a tornar essa vivên-
cia mais próxima da realidade representada pelo escritor. Ao
final desse encontro, foi sugerida a formação de trios para ence-
nação da luta retratada no conto em questão, podendo, fazer
uma releitura através das outras modalidades as quais a turma
vivenciou no bimestre anterior ao atual.
Em seu contexto histórico-cultural, a obra se passa nas
primeiras décadas do século XX, entre os anos de 1905 e 1911,
nos Estados Unidos da América, e retrata uma realidade em que

152
Danrley Alves Jacinto / Marcio Romeu Ribas de Oliveira

as mulheres eram impedidas de frequentarem os ambientes das


lutas. Em razão disso, uma personagem precisa se disfarçar para
ter a oportunidade de assistir a luta de seu noivo.

Joe cobriu a cabeça de Genevieve com um boné


e levantou a gola do sobretudo, que, genero-
sa ao ponto do exagero, encontrou-se com o
boné e escondeu completamente seus cabelos.
Quando ele abotoou a gola na parte da frente
do sobretudo, suas pontas ainda ocultaram
as faces da moça; o queixo e a boca ficaram
enterrados nas profundezas do sobretudo,
e um exame mais detido revelava apenas os
olhos sombreados e um nariz um pouco mais
exposto à claridade. (LONDON, 2013, p. 30).

Em outra passagem, a segregação das mulheres no


ambiente pugilistíco é ainda mais explícita na fala de um perso-
nagem quando o mesmo, ao notar a presença de uma mulher em
meio a torcida, esbraveja: “Quem é você? [...] Uma garota, ora
vejam só!” (LONDON, 2013, p. 55). Também é possível identificar
essa questão quando há a exposição, no jornal, dessa mesma
personagem por se envolver amorosamente com um lutador
de boxe e estar em uma arena vestida de homem. A fala de sua
mãe, furiosa, ilustra a situação: “Você vai e namora um lutador!
E agora o seu nome vai sair no jornal! Numa luta… e de roupas
de homem! Menina descarada!” (LONDON, 2013, p. 55).
E esse pode ser considerado com as questões de gênero
presentes nos esportes de combate da época e que persistem
até hoje, bem como em outros esportes. Uma clara constatação
disso, não muito distante da realidade em que vivemos, durante
o período dos anos trinta, frequentemente nas revistas relacio-
nadas à Educação Física, o corpo da mulher tinha como função

153
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

social a maternidade, a geração de indivíduos fortes e honro-


sos para defesa da pátria, e para isso este corpo deveria ter
um preparo diferente que servisse a tal propósito, excluindo a
mulher de práticas corporais que desviassem deste objetivo, as
lutas por exemplo (GOELLNER, 1999; CASTELLANI FILHO, 1989).
No encontro seguinte com os alunos, destinado à teatrali-
zação da obra, a turma se reuniu em forma de plateia de manei-
ra a apreciar as interpretações levadas por seus colegas. Houve
apresentações mais formais, demonstrando cada fundamento
aprendido na segunda aula, bem como mudanças de luta duran-
te a performance, variando do boxe para o taekwondo, para o
karate, em seguida para o jiu-jitsu, perpassando e demonstrando
o aprendizado obtido por eles com outras modalidades. Houve
também apresentações que trouxeram um teor mais cômico,
misturando a realidade encontrada no livro com momen-
tos sarcásticos, como ao cair após um soco como se estivesse
desmaiando depois de comer uma maçã envenenada. E ainda
apresentações mais próximas de um esporte espetacularizado,
como temos o Mixed Martial Arts - MMA presente no Ultimate
Fighting Championship - UFC atualmente, com torcida gritando,
entrada em ringue de maneira mais performática etc.
Encerradas as apresentações, os alunos se sentaram todos
juntos para discutir uma devolutiva referente a esses encontros
que vivenciaram juntamente com o professor. Foram propos-
tos questionamentos sobre a impressão da turma a respeito do
método pelo qual foi possível experimentar o conteúdo e qual
opinião de cada um sobre a pertinência de vivenciar uma unida-
de temática da Educação Física através daquele olhar. Algumas
respostas foram sucintas, restritas a adjetivos como: “divertido”,
“diferente” e “dinâmico”, no entanto, ouvi de dois alunos uma
resposta que demonstrou que, alcançamos os nossos objetivos,

154
Danrley Alves Jacinto / Marcio Romeu Ribas de Oliveira

sendo elas: “o método usado foi impressionante já que o livro


e a literatura não fazem parte dos componentes comuns da
Educação Física e foi interessante ver que a gente pode aprender
assim” e “foi possível perceber que não é preciso estar imerso
na prática para aprender sobre um esporte”. Essas observações
colocam certa iluminação entre a prática docente fomentada
na formação inicial, de forma que, no decorrer do trabalho,
compreendemos e desenvolvemos uma proposta de intervenção
pedagógica que provocasse o uso da literatura narrativa como
uma ferramenta didático-pedagógica no ensino da Educação
Física, incorporamos esse projeto no fazer docente de modo
a poder refletir sobre a possibilidade do seu uso e através do
retorno dado pelos alunos, pudemos aferir que houve sentido
nessa relação literatura-educação física que propusemos ao
desenvolver esse trabalho.
De mais a mais, toda a experiência para desenvolvimento
das nossas práticas pedagógicas foi embasada e inspirada no
que Barreiro (2005) escreve, quando propõe que as aulas de lutas
ou esportes de combate devem ser vivenciadas em sala para o
bem maior do aluno, procurando deixar de lado as inseguranças
por não serem praticantes ou experientes na modalidade. Assim
como também discute Gomes et al. (2013) sobre os conteúdos da
escola fazerem parte do crescimento e desenvolvimento dos
alunos enquanto indivíduos, e ao propor discussões sobre as
questões de gênero no esporte, principalmente, tema atempo-
ral a ser estudado dentro da Educação Física, que acredito que
contribui para a formação cidadã desses alunos.

155
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

Considerações não tão finais

A partir dos objetivos pensados, enxerga-se uma expe-


riência interessante considerando o tipo de metodologia dife-
rente levada para sala de aula. No entanto, as possibilidades se
mantêm em aberto, para que outros professores e pesquisadores
possam dar continuidade aos estudos utilizando esse dispositi-
vo, estendendo-os ainda a outras práticas esportivas, bem como
a outros níveis de ensino e chegando também a pensar esse
processo em um projeto para formação de professores, podendo
questionar os resultados aqui encontrados, pois o conhecimen-
to é fluído como um rio, e no decorrer do seu caminho pode
tomar outras formas e outras concepções.
Através do trabalho desenvolvido foi possível vivenciar
uma forma diferente do trabalho docente na Educação Física.
Tivemos a oportunidade de usar um artefato cultural não
comum à disciplina e colher bons frutos acadêmicos e profis-
sionais a partir da experiência tida, podendo constatar que,
intensamente, não estamos vivenciando uma prática corporal
apenas se estivermos experimentando-a pelo corpo estritamen-
te em movimento, mas se estamos lendo, pensando e discutindo
sobre essa prática e os conteúdos e reflexões que a transpas-
sam, também a vivenciaremos e aprendemos sobre, assim como
aprendemos com as leituras realizadas.
Além disso, podemos constatar também a possibilida-
de de reconhecer a importância de outros veículos midiáticos
diferentes do livro didático e que frequentemente não estão
ligados a educação formal, nos quais é possível estarmos reco-
nhecendo aspectos das práticas corporais e esportivas a partir
de perspectivas históricas e culturais não explicitadas por
estes meios comuns aos quais estamos mais acostumados no

156
Danrley Alves Jacinto / Marcio Romeu Ribas de Oliveira

cotidiano pedagógico. Estar bem engajado com seu contexto


de acontecimento, sua história e relevância para os locais onde
estão inseridas essas práticas, atribui sentido ao fazer docente.
É necessário levar em conta seus contextos histórico e cultural,
como forma de ensinar a partir de uma visão ampla do conteú-
do, não levando os alunos para uma especificidade desnecessá-
ria àquela formação, desconsiderando também o que há de mais
importante no legado das experiências: sua história.
Para retomar os objetivos pensados, temos como geral o
“compreender como os artefatos culturais — em específico a
literatura — se relaciona com as questões didáticas e pedagó-
gicas do ensinar e aprender educação física na escola”. Sobre
ele, foi percebido que no contexto de sala de aula, usar o livro
como dispositivo causou estranheza inicialmente nos alunos,
mas também despertou curiosidade ao fazê-los questionar
como o seu uso se relacionaria com as aulas de Educação Física.
Retomando os objetivos específicos, no primeiro deles, acredito
que o sentido se deu a partir do momento em que os alunos
realizaram a leitura e perceberam a presença de assuntos perti-
nentes ao debate da Educação Física e do esporte na escola,
seja em uma visão mais técnica, com a presença de golpes da
modalidade, ou em um contexto mais crítico, como a discussão
de gênero e a inserção da mulher no esporte. Por último, como
uma possibilidade pedagógica para a vivência docente, tem-se o
que nós desenvolvemos no decorrer das três aulas, com leitura
e discussão, uma prática sobre a modalidade e uma encenação
com possível releitura do livro em questão, fazendo com que o
eixo central, que era a modalidade esportiva contida na obra,
fosse presente em todas as experiências.
Ademais, este trabalho é só mais uma contribuição
para fomentar tal tipo de estudo, trazendo uma metodologia

157
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

diferente da proposta por outros autores sobre o texto esco-


lhido, experimentação prática da modalidade e uma interven-
ção que relacione o objeto e a prática corporal, experiência na
qual nos espelhamos. Por isso, nomeei este último escrito como
“Considerações não tão finais”, haja vista que outros virão,
outros terão novos olhares sobre o estudo e assim deixarão
também a sua contribuição para academia e para a docência na
Educação Física, fazendo com que meus últimos apontamentos
não sejam finais, e sim meio deste caminho, podendo tornar
ainda mais florida e frutuosa a estrada que é ser professor de
Educação Física.

158
Danrley Alves Jacinto / Marcio Romeu Ribas de Oliveira

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159
Tema 3: Corpo e educação
Educação Física escolar e literatura: uma possibilidade
de ensinar e aprender boxe no Ensino Médio

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160
AS INTERSUBJETIVIDADES
NAS DINÂMICAS DO CORPO,
DA CULTURA, DO MOVIMENTO
E DO AMBIENTE: PROCESSOS (AUTO)
FORMATIVOS E COLABORATIVOS
ENTRE PROFESSORES(AS)
DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Ewerton Leonardo da Silva Vieira


Karielly Mayara de Moura Leal
Rafaella Bôto Ferreira Costa
Bruno Ferreira Silva
Luciana Venâncio
Luiz Sanches Neto

Introdução

O processo de formação de professores(as) remete, como expec-


tativa, à dinâmica do currículo da educação básica. De certa
forma, esperamos que os(as) professores(as) formados nos
cursos de licenciatura trabalhem com os diferentes compo-
nentes curriculares nas escolas. Contudo, não há qualquer
relação direta nesse pressuposto, que tem sido utilizado como
artifício discursivo ideológico para promover a associação da
formação — nas escolas e nas universidades — com os interesses

161
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

mercadológicos das empresas educacionais. Há necessidade,


portanto, de resistirmos criticamente a esse tipo de engodo.
De acordo com Betti et al. (2014), no caso da educação físi-
ca, o currículo escolar precisa ser compreendido em uma pers-
pectiva (auto)crítica e emancipatória de formação, que afetaria
continuamente os(as) professores(as) e os(as) alunos(as) como
sujeitos dos processos de ensino e de aprendizagem. Segundo
Venâncio (2019), esses processos (auto)formativos são perma-
nentes porque tensionam e alargam o tempo pedagogicamen-
te necessário para mudar as condutas a partir das aulas de
educação física. Neste capítulo, pretendemos contribuir para
a compreensão da complexidade subjacente à (auto)formação
no âmbito da educação física escolar.
Nosso objetivo é explicitar os modos intersubjetivos que
os(as) professores(as) de educação física utilizam para proble-
matizar o seu próprio processo (auto)formativo. Para isso, anali-
samos colaborativamente a convergência entre as temáticas de
quatro pesquisas de mestrado no Programa de Pós-Graduação
em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (PPGEF-UFRN). O nosso estudo é colaborativo e está anco-
rado nas narrativas elaboradas pelos(as) professores(as)-pes-
quisadores(as), que são os(as) autores(as) das pesquisas. Assim,
assumimos o conceito de professor(a)-pesquisador(a) — baseado
em Betti (2017) — e a noção de colaboração — apoiada em Borges
e Sanches Neto (2014). Os pressupostos qualitativos da pesquisa
narrativa, com orientação (auto)biográfica auxiliaram nas esco-
lhas metodológicas. Fundamentamos o estudo na perspectiva
do recuo epistemológico – apontada por Sanches Neto (2017) —
ao identificar que a especificidade da educação física escolar
emerge por meio de dinâmicas convergentes.

162
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

Segundo Sanches Neto et al. (2013), como apontamos na


Figura 1, há convergência entre a dinâmica da cultura e os
elementos culturais, do corpo e os aspectos (inter)pessoais, do
movimento e do ambiente e as demandas ambientais. Cada tema
possibilita inúmeras interpretações e, por sua vez, a associação
entre os temas aponta múltiplas possibilidades de intervenções
com base nas temáticas convergentes.

Figura 1 – Temáticas convergentes

Fonte: Sanches Neto et al. (2013)

Problematizamos as pesquisas sobre a educação física


escolar com ênfase nos seguintes temas: (i) a formação docen-
te permanente e a relação com os saberes sobre o corpo; (ii) as
intersubjetividades entre o corpo, a cultura e a sistematização
do currículo; (iii) o ensino do esporte a partir da dinâmica do
corpo; e, (iv) a relação das lutas com as demandas ambientais.

163
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

Detalhamos cada tema a seguir, começando pelas intersubjetivi-


dades na relação com os saberes que emergiram a partir de uma
atividade pedagógica — durante a elaboração de uma proposta
de sistematização de conteúdos — sobre a dinâmica do corpo.

A formação docente permanente


de um professor-pesquisador e a relação
com os saberes sobre o corpo
A narrativa do professor-pesquisador apresenta marcos
(auto)formativos para o seu reconhecimento profissional e
pessoal, a partir de representações qualitativas ao ser profes-
sor(a) de educação física no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), no que
diz respeito à relação com os saberes (CHARLOT, 2000). Os
momentos abordados focalizaram a aprendizagem de saberes
e de conhecimentos que surgem durante a relação do professor
com o processo de elaboração de uma proposta de sistematiza-
ção do conteúdo sobre as temáticas do corpo.
Na perspectiva da proposta de trabalho da disciplina
(PTD) de educação física da instituição, os conteúdos de ensi-
no estão organizados em dois blocos. Em um bloco estão os
conteúdos a serem ensinados às turmas do 1º ano – cultura
do movimento, jogos e a ginástica – e no outro bloco estão os
conteúdos que são ensinados às turmas do 2º ano – danças,
esportes e as lutas. Como vimos, a proposta não traz o corpo
como conteúdo específico; porém, suas discussões são tratadas
dentro do conteúdo da cultura do movimento. Essa perspectiva
é reforçada na narrativa do professor-pesquisador:

164
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

Essa ideia é bastante interessante, visto que,


os outros conteúdos são representados pelos
elementos da cultura corporal (dança, jogos,
lutas, esportes e ginástica). Outro ponto
importante, é o fato do conteúdo ser ministra-
do às turmas do 1º ano, onde os(as) alunos(as)
estão entrando na instituição e tendo o seu
primeiro contato com os conteúdos da educa-
ção física. Isso possibilita ao(à) professor(a)
ensinar temas sobre o corpo que servem como
base para os demais conteúdos e que atraem
a atenção e o interesse dos(as) educandos(as)
para aulas diferentes do que já tinham viven-
ciado (Ewerton).

A educação física pode ser ensinada em prol de fomen-


tar a autonomia dos(as) alunos(as) para que sejam participa-
tivos(as), criativos(as), (auto)críticos(as) e livres (SANCHES
NETO; VENÂNCIO, 2018). Dentro do contexto do ensino médio,
as temáticas do corpo nas aulas de educação física são vistas
por muitos(as) professores(as) como um dos conteúdos mais
difíceis a serem problematizados, porque apresentam elemen-
tos específicos que, às vezes, diferem dos programas do ensino
fundamental, em que são valorizadas as práticas dos esportes,
dos jogos e das brincadeiras. É possível que esse pensamento
tenha sido construído devido a fatores, como: as experiências
negativas que os(as) professores(as) tiveram quando alunos(as)
nas aulas de educação física no tempo de escolarização; o foco
em outras áreas durante a formação acadêmica; e as dificulda-
des em lidar com ferramentas didáticas e metodológicas.

Organizar uma boa proposta de ensino sobre


o corpo realmente foi um grande desafio.
Até porque, não tive boas experiências como
aluno nas aulas de educação física na época da

165
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

escola e porque nunca tinha trabalhado como


professor de educação física escolar. Porém, os
aprendizados e saberes construídos durante
a minha formação acadêmica (aulas, pales-
tras, estágios, congressos, pós-graduação
em fisiologia clínica do exercício e as discus-
sões durante o mestrado) criaram uma boa
expectativa para trabalhar com esse conteúdo
(Ewerton).

A elaboração coletiva e colaborativa é uma excelente estra-


tégia no trabalho docente que favorece o processo de criação de
propostas de ensino e de aprendizagem, pois envolve as indi-
vidualidades e as intersubjetividades, além da possibilidade de
elaboração do conhecimento sobre a própria prática de forma
colaborativa entre os(as) professores(as), conforme defendem
Borges e Sanches Neto (2014). De acordo com o professor-pes-
quisador Ewerton, o trabalho compartilhado contribui para a
produção de novos conhecimentos e novas estratégias de ensino.

Sempre me questionei por que os(as) profes-


sores(as) que trabalham na mesma instituição
não dialogam entre si. Organizar os conteú-
dos de ensino com outros(as) professores(as)
foi uma grande conquista naquele momento.
Produzimos juntos saberes importantes para
melhoramos as nossas práticas e, apesar de
ser o menos experiente, pude contribuir na
elaboração de uma proposta de ensino sobre
o corpo. Também aprendi bastante, identifi-
quei minhas limitações e refleti sobre o que
poderia melhorar (Ewerton).

A elaboração da proposta de ensino sobre o corpo ocorreu


durante uma semana pedagógica, em que cada professor(a) de

166
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

educação física, na instituição em que Ewerton trabalha, apre-


sentava suas ideias e suas experiências com o tema, apontando
os pontos positivos e negativos. Na ocasião, o professor-pesqui-
sador apresentou a proposta dos quatro blocos de conteúdos
temáticos de Sanches Neto et al. (2013), que constam na Figura
1, e explicou o ensino de forma inter-relacionada a partir da
convergência entre as dinâmicas. Dessa forma, podemos pensar
em uma organização didática e pedagógica que nos permite
fazer escolhas diversificadas dos conhecimentos que possam
atender as demandas de diversos contextos, ampliando o olhar
sobre o que ensinar e aprender nas aulas.

Desde quando conheci a proposta de sistema-


tização dos blocos temáticos dos conteúdos de
Sanches Neto et al. (2013) passei a compreen-
der que os conhecimentos sobre um deter-
minado tema estão todos relacionados. Ela
também se tornou um guia para a organiza-
ção didática-metodológica das minhas aulas.
Porém, apesar da sua imensa contribuição,
observei uma pequena resistência por parte
de alguns(as) professores(as). Acredito que
seja normal, visto que é preciso de tempo para
se adaptarem (Ewerton).

Depois de muito debate com os pares, os temas sobre o


corpo foram sistematizados pelo professor-pesquisador na pers-
pectiva dos blocos temáticos dos conteúdos (SANCHES NETO,
2017): elemento cultural das vivências com corpo e inclusão;
corpo e movimentos; aspectos (inter)pessoais com corpo e saúde;
demandas do ambiente com corpo e estética. O coletivo de profes-
sores(as) discutiu os assuntos e as metodologias de ensino.

167
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

Aquele momento foi muito importante na


minha formação permanente de professor
de educação física. Percebi que todos tinham
uma certa dificuldade em trabalhar com o
tema. Porém, o trabalho coletivo fez com
que refletissem sobre suas práticas contri-
buindo para o aumento do repertório de
ideias e estratégias. Utilizar a sistematização
dos blocos temáticos nos deixou bem mais
confiantes e seguros (Ewerton).

A proposta trouxe temas problematizadores sobre o


corpo de forma contextualizada, visando à formação dos(as)
alunos(as) como cidadã(o)s críticos(as)-reflexivos(as), de modo
que se tornem capazes de transformar a realidade social de sua
vida. Alguns estudos apresentam possibilidades metodológicas
de ensino sobre o corpo nas aulas de educação física no ensi-
no médio. Melo e Moreira (2018) propõem que os(as) alunos(as)
refletiam sobre corpo e aparência a partir dos padrões corpo-
rais estabelecidos pela sociedade. Para isso, abordaram diversas
temáticas sobre padrões corporais, que possibilitaram a inter-
pretação, a reflexão e a análise do mundo que os cercam. Na
proposta de Melo e Moreira (2018) podemos enxergar alguns
elementos presentes nos blocos temáticos de Sanches Neto et
al. (2013).
Os conteúdos e as estratégias de ensino desenvolvidas
na PTD emergiram a partir das reflexões dos(as) professo-
res(as) ao responderem os seguintes questionamentos: quem
são nossos(as) alunos(as)? O que ensinar sobre o corpo? Qual o
significado desse conteúdo para os(as) alunos(as)? Quais estra-
tégias de ensino iremos utilizar?

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Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

Essas questões nos ajudaram a refletir sobre


o significado dos conteúdos para os(as)
alunos(as) e facilitou a elaboração das ideias
e estratégias de ensino. Também descobri-
mos que o conteúdo sobre o corpo é rico de
assuntos com relevância social para os(as)
alunos(os). O trabalho de elaboração coleti-
va deixou os(as) professores(as) mais tran-
quilos(as) e mais entusiasmados(as) para
ministrarem suas aulas. O que era difícil e
perturbador, passou a ser fácil e prazeroso
(Ewerton).

A proposta das quatro temáticas: corpo e inclusão, corpo e


movimento, corpo e saúde, e corpo e estética foi organizada para
acontecer em seis encontros. Cada encontro com duração de 90
minutos, que equivalem a duas aulas de 45 minutos seguidas.

Tema 1 – corpo e inclusão

Foi realizado em dois encontros. No primeiro, a aula foi organi-


zada em três momentos. No primeiro momento, ocorreu uma
conversa com os(as) alunos(a) sobre o significado de inclusão,
com o objetivo de diagnosticar o que já conheciam sobre o tema.
No segundo, uma discussão mais aprofundada entre eles(as)
sobre a deficiência visual, que foi escolhida devido ao aumento
do número de estudantes com essa deficiência na instituição.
Para atingir esse objetivo, os(as) professores(as) utilizaram a
estratégia da “aprendizagem por estações”. A turma foi agru-
pada em três estações que continham informações a respeito
da deficiência, sendo: estação 1 – conceitos, tipos, classificação,
causas e cuidados; estação 2 – esportes praticados por pessoas
com deficiência visual; estação 3 – o papel da escola com os(as)

169
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

alunos(as) com deficiência. Após 10 minutos de leitura e debate


entre participantes do mesmo grupo, eles(as) tiveram que expli-
car em cinco minutos o que aprenderam em suas estações aos
demais grupos. O(a) professor(a) teve a função de intermediar as
discussões, evitar as conversas inoportunas e resolver as even-
tuais dúvidas. No terceiro momento da aula, os(as) alunos(as)
realizaram um passeio dentro da instituição para conhecerem
os espaços esportivos e de lazer. Nessa atividade, alguns(as)
alunos(as) utilizaram uma venda sobre seus olhos para experi-
mentarem a sensação de não ter a visão e outros(as) foram os(as)
seus(as) guias. No segundo encontro, o(a) professor(a) realizou
a prática dos esportes apresentados na aula anterior (goalball,
futebol de 5 e judô).

Tema 2 – corpo e movimento

Nessa aula ocorreram discussões acerca do que os(as) alunos(as)


entendem sobre o corpo. Também foi apresentado o processo
histórico das práticas corporais realizadas nas aulas de educa-
ção física. O coletivo de professores(as) considerou importan-
te escolherem um texto –— “Os segredos do corpo”, de Mauro
José Gusti — para guiar as discussões com as turmas. O texto
analisa aspectos sobre a saúde do corpo (anatomia, fisiologia
e nutrição), a questão social do corpo, a relação do corpo com
a arte e a sua totalidade. A turma foi organizada em grupos,
de até cinco alunos(as), sendo cada estudante responsável por
explicar um excerto do texto.

170
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

Tema 3 – corpo e saúde

A aula foi realizada em um espaço que possibilitou a práti-


ca de exercícios físicos. O tema tem como objetivo a aprendiza-
gem dos(as) alunos(as) sobre o efeito fisiológico dos exercícios
físicos na saúde do corpo e conscientizá-los(as) a praticarem
atividades físicas. As discussões sobre as questões — Qual
a diferença entre atividade física e exercício físico? Por que
suamos durante o exercício? O que é frequência cardíaca e para
que serve? – aconteceram durante a realização dos exercícios –
corridas com diversas intensidades, movimentos dinâmicos e
estáticos, e movimentos combinados e especializados. Ao final
da aula, os(as) professores(as) abordaram as recomendações de
exercícios para a saúde.

Tema 4 – corpo e estética

Essa temática foi programada para ser ministrada em


dois encontros. No primeiro encontro, os(as) alunos assistiram
ao filme “O amor é cego”. O filme traz uma reflexão sobre como
a maioria das pessoas enxerga a beleza das outras. Os(as) profes-
sores(as) trataram de alguns temas – o uso de anabolizantes,
suplementos, anorexia, bulimia, magreza, obesidade, beleza
corporal, fitness, padrão de beleza, dietas absurdas, beleza na
mídia e nas redes sociais, propagandas de beleza – referentes
ao assunto e sugeriram que a turma se organizasse em grupos,
de no máximo quatro componentes, para realizar uma pesquisa
e apresentá-la em forma de portfólio. A avaliação da apren-
dizagem ocorreu de forma contínua durante todo o proces-
so – compreendendo a frequência às aulas, a participação e a

171
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

elaboração dos materiais propostos – e o professor-pesquisador


refletiu a respeito das relações com os saberes.

As relações com os saberes durante toda


a etapa de planejamento trazem um novo
sentido sobre o ensino da temática do corpo.
Todas as ações produziram novas compreen-
sões, que me fizeram criar novas expectativas
dentro do meu trabalho docente. Acredito que
surgirão novas demandas a serem refletidas e
melhoradas em um outro momento (Ewerton).

Nesse sentido, o nosso entendimento é que a elaboração


de novos saberes emerge a partir das relações intersubjetivas
do professor-pesquisador com os saberes oriundos da própria
prática. Segundo Pimenta (2005), os saberes docentes são cons-
truídos pelo significado que cada professor(a) confere à prática
docente no seu cotidiano, com base em seus valores, seu modo
de pensar o mundo, sua história de vida, suas interpretações,
seus conhecimentos, seus medos, suas expectativas e o sentido
que tem em sua vida o ser professor(a). Além disso, as relações
com outros sujeitos no contexto escolar também influenciam
na elaboração de novos saberes.

As intersubjetividades entre o corpo,


a cultura e a sistematização do currículo
na perspectiva de uma professora-pesquisadora
À medida que aumenta a preocupação com a elaboração
de saberes acerca de alguma temática, o processo de quali-
ficação desses saberes precisa ser mais rigoroso para que as
ações não sejam idealizadas. Na elaboração de um currículo

172
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

sistematizado, a ser viabilizado em uma realidade escolar, é


necessário considerarmos — de modo simultâneo e prioritaria-
mente — a cultura daquela comunidade, bem como os corpos
que usufruirão desse material pedagógico. De acordo com a
narrativa da professora-pesquisadora, Karielly, a escola necessi-
ta de uma abordagem transcendental para que os(as) alunos(as)
e os(as) professores(as) sejam autores(as) do currículo escolar
e protagonistas dos processos de ensino e de aprendizagem.
Para isso, precisamos refutar as interferências de quem pouco
sabe ou desrespeita as particularidades culturais de uma nação
amplamente diversificada como o Brasil, como é o caso do atual
ministro da educação.

Historicamente a escola foi vista como “lugar


de cultura”; primeiro numa acepção idea-
lizada de aquisição de conhecimentos e das
normas “universais”, mais tarde numa pers-
pectiva crítica de inculcação ideológica e de
reprodução social. Num e noutro caso, igno-
rou-se o trabalho interno de produção de uma
cultura escolar em relação com o conjunto
das culturas em conflito numa dada socie-
dade, mas com especificidades próprias que
não podem ser olhadas apenas pelo prisma
das sobre determinações do mundo exterior
(NÓVOA, 1994, p. 15).

A escola espelha, em si, o próprio contexto social em que


está inserida. Essa realidade é notória nos elementos cultu-
rais — como nas danças — que são demandados no ambiente
dentro dos muros da escola, com repercussões no linguajar,
preferências musicais etc. Como premissa desse argumento, a
professora-pesquisadora observa que, ao analisar os currículos
disciplinares, há documentos incongruentes e negligentes aos

173
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

anseios e às realidades dos(as) educandos(as). Cada currículo


carece também de adequação às expectativas da faixa etária,
bem como ao que se espera que os(as) alunos(as) aprendam.
Então, para a elaboração de um documento curricular para
o ensino médio, por exemplo, é necessário “compreender o
adolescente no contexto cultural e social em que está inseri-
do, para que dessa forma as ações dos professores possam ser
adequadas às suas características e principalmente às suas
expectativas e necessidades” (MELO; MOREIRA, 2018, p. 174).
Interpretamos as relações existentes entre o corpo, a
cultura e o currículo de forma intersubjetiva, visto que cada
tema traz consigo conceitos e caracterizações próprias que, ao
se interligarem, produzem significados indissociáveis à especi-
ficidade da educação física escolar. Assim, no entendimento da
professora-pesquisadora, cada professor(a) deve ter garantidas
as condições necessárias para gerenciar a intencionalidade da
sua práxis docente. O entendimento da indissociabilidade entre
as dinâmicas da cultura, do corpo, do movimento e do ambiente
traz para si a preocupação com a elaboração de um currículo
que respeite não somente o contexto social dos(as) estudan-
tes; mas que, também, seja capaz de libertar os corpos imersos
em cada realidade escolar, tornando-os críticos, autônomos e
emancipados frente às suas comunidades.

A perspectiva de um professor
pesquisador sobre o ensino do esporte
a partir da dinâmica do corpo
No relatório da comissão internacional da UNESCO
sobre educação para o século XXI — “Educação: um tesouro a

174
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

descobrir” (DELORS, 2010) — destacam-se os quatro pilares para


a educação ao longo da vida: aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Desses quatro, o
professor-pesquisador, Bruno, destaca dois pilares relacionados
às habilidades socioemocionais:

Aprender a conviver: desenvolvendo a


compreensão do outro e a percepção das
interdependências – realizar projetos comuns
e preparar-se para gerenciar conflitos – no
respeito pelos valores do pluralismo, da
compreensão mútua e da paz. Aprender a ser:
para desenvolver, o melhor possível, a perso-
nalidade e estar em condições de agir com
uma capacidade cada vez maior de autonomia,
discernimento e responsabilidade pessoal.
Com essa finalidade, a educação deve levar
em consideração todas as potencialidades de
cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido
estético, capacidades físicas, aptidão para
comunicar-se (DELORS, 2010, p. 31).

As habilidades socioemocionais (GOLEMAN, 2011) podem


ser ensinadas aos(às) alunos(as), mas para isso é preciso que
sejam oportunizadas na escolarização. Assim, no entendimento
do professor-pesquisador, é cada vez mais necessário à escola
promover a criticidade em todo tipo de aprendizagem para que
cada aluno(a) tenha o seu potencial de realização ampliado. Nesse
sentido, partindo da perspectiva de sistematização dos conteú-
dos temáticos (SANCHES NETO, 2017), o professor-pesquisador
Bruno busca abordar detalhadamente o ensino das habilidades
socioemocionais na dinâmica do corpo, mais especificamente
nos aspectos (inter)pessoais associados às noções de psicologia.

175
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

A flexibilidade no planejamento do período letivo, como


destacam Sanches Neto e Betti (2008), favorece adaptações nos
processos de ensino e de aprendizagem. Isso implica que na
sistematização dos blocos de conteúdos temáticos é admitida
a prevalência de algum tema nas aulas, considerando todas as
dinâmicas — dos elementos culturais, dos movimentos, dos
aspectos (inter)pessoais e das demandas ambientais. Dessa
forma, ao trabalhar a dinâmica do corpo na perspectiva da
psicologia, não quer dizer que outras vertentes não possam
ser elencadas na elaboração do planejamento das aulas.
O estudo realizado pelo professor-pesquisador eviden-
cia como o elemento cultural esporte pode ser associado ao
ensino das habilidades socioemocionais. Por exemplo, há possi-
bilidades de discutir a competição e a cooperação nos jogos
esportivos, ou a derrota e a frustração na perda de uma parti-
da esportiva, dentre outras situações que os(as) alunos(as)
vivenciam. Esses momentos emocionais podem ser discutidos
na perspectiva da dinâmica do corpo, em que cada aluno(a) é
um sujeito (auto)crítico enquanto corpo que pensa, age e sente,
inclusive as suas emoções. Como exemplifica Caminha (2018,
p. 6), “corpos não produzem apenas reações já previsíveis, eles
também produzem o inesperado, o estranho e o absurdo, crian-
do fenômenos que carecem de tradução e interpretação”. No
nosso entendimento, é nessa realidade que podemos pensar no
ensino das habilidades socioemocionais vinculadas ao esporte.

176
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

As lutas como parte da cultura corporal


de movimento à luz das demandas ambientais
na perspectiva de uma professora-pesquisadora
As lutas são práticas corporais historicamente cons-
truídas pela humanidade, sendo assim estão permeadas por
elementos constituintes de diferentes culturas, como símbolos,
valores, normas, ritos, cerimônias, entre outros. Há uma plura-
lidade de linguagens associadas às lutas de diversos povos, como
formas de expressão nos mais variados períodos do processo
histórico. Para a professora-pesquisadora Rafaella, esse proces-
so nos constitui como sujeitos humanos e nos forma no âmbito
físico, psíquico, social etc. As lutas são, portanto, uma forma de
expressão e de diálogo dos nossos corpos com as demandas do
ambiente em que estamos inseridos(as).
De acordo com Costa et al. (2018, p. 122), “o corpo assim
como a cultura tem caráter polissêmico, isto é, pode assu-
mir vários significados”. Por sua vez, o modo como o corpo
é compreendido pelos(as) professores(as) de educação física
interfere diretamente na perspectiva didática e pedagógica de
cada docente na escolarização. As lutas podem ser tematizadas
como parte da cultura corporal de movimento vinculada ao
Se-Movimentar — conceito que enfatiza a intencionalidade do
sujeito como autor(a) dos próprios movimentos — para valorizar
todo o seu conjunto de conhecimentos (SO; BETTI, 2009).
Entendemos, em concordância com a professora-pes-
quisadora, que o tratamento pedagógico das lutas perpas-
sa o fomento à autonomia, à criticidade, à emancipação e à
construção de conhecimentos significativos (NASCIMENTO;
ALMEIDA, 2007). O ensino e a aprendizagem das lutas na educa-
ção física escolar permitem aos(às) alunos(as) reconhecerem

177
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

as suas limitações, bem como experimentarem e expressarem


suas idiossincrasias, explicitando para si mesmo(a) e para o(a)
outro(a) como é, como se imagina ser, como gostaria de ser e,
portanto, conhecer-se e permitir-se conhecer pelo(a) outro(a)
(BRASIL, 1997; OLIVIER, 2000).
Embora as lutas sejam propostas como conteúdo em
diversos currículos da educação física, o seu ensino efetivo
ainda é parcialmente negligenciado nas aulas da educação
básica, seja pela associação com a violência, falta de materiais
ou insegurança dos(as) professores(as) em tematizá-las. O seu
tratamento pedagógico levanta questionamentos e preocupa-
ções diversas por parte dos(as) professores(as) e dos(as) estu-
dantes (NASCIMENTO, 2007; SO; BETTI, 2009, 2018; MELO et al.,
2011).
Para desmistificar a problemática do ensino das lutas
na educação física escolar, a professora-pesquisadora amplia
a possibilidade de debate, associando as lutas às demandas
ambientais propostas por Sanches Neto et al. (2013): históricas
e geográficas, estéticas e filosóficas, sociológicas e políticas,
administrativas e econômicas, virtuais, físicas e naturais. Além
disso, aponta estratégias pedagógicas que subsidiam o ensi-
no diversificado de temáticas correlatas às lutas no contexto
complexo e multifacetado das escolas.
Nesse sentido, a sistematização das lutas estabelece
necessariamente um diálogo com as demandas ambientais
para a elaboração de vivências exequíveis e significativas. A
expectativa da professora-pesquisadora Rafaella é que, ao rela-
cionar o ensino das lutas com as demandas ambientais, os(as)
professores(as) e os(as) alunos(as) visualizem aspectos que vão
além de uma dimensão procedimental, integrando conceitos
e atitudes às suas condutas. Para isso, cabe oportunizar uma

178
Ewerton Leonardo da Silva Vieira / Karielly Mayara de Moura Leal / Rafaella Bôto
Ferreira Costa / Bruno Ferreira Silva / Luciana Venâncio / Luiz Sanches Neto

reflexão (auto)crítica acerca das lutas para o desenvolvimen-


to das potencialidades e das competências dos(as) alunos(as).
Assim, é preciso lançar um olhar sobre as possibilidades que
existem, refletindo sobre as formas de abordar esses conteúdos,
o que exige do(a) professor(a) de educação física (auto)formação
constante para adaptar ou transformar as propostas de ensino.

Considerações

Consideramos que as temáticas do corpo, dos elementos


culturais, dos movimentos e das demandas ambientais fazem
parte do conjunto de saberes pedagógicos do(a) professor(a)
de educação física. Problematizamos o tratamento pedagógico
desses conhecimentos no escopo de uma proposta de sistemati-
zação da educação física escolar, a partir da convergência entre
as dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambien-
te. Concluímos que o ensino de forma inter-relacionada permi-
te-nos fazer escolhas diversificadas, ampliando o nosso olhar
sobre o que ensinar e aprender nas aulas de educação física.

179
Tema 3: Corpo e educação
As intersubjetividades nas dinâmicas do corpo, da cultura, do movimento e do ambiente:
processos (auto)formativos e colaborativos entre professores(as) de Educação Física

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183
A IMPORTÂNCIA DO PROGRAMA
INSTITUCIONAL DE BOLSAS
DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
(PIBID) PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA
NA VISÃO DOS PROFESSORES/
SUPERVISORES DAS ESCOLAS

Lucineide Neves Costa


Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
Regina Helena Rigaud Lucas Santos
Aguinaldo César Surdi

Introdução

As dificuldades pelas quais passa a Educação no Brasil têm causa


longa, num passado histórico marcado por grandes desafios, até
que se defina e execute seu papel social. A despeito de não se
configurar como intenção nossa, ao longo da presente narrati-
va, historicizá-las, ousamos destacar duas lacunas — de causa
e efeito, respectivamente — que comprometem, no contexto
atual, a qualidade educacional brasileira, a saber: ausência do
poder público no cumprimento de sua responsabilidade, bem
como, a falta de infraestrutura das escolas.
A realidade escolar da capital norte-rio-grandense não se
difere do cenário encontrado no restante do país, de modo que
as lacunas supraditas afetam diretamente o processo educativo,

184
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

culminando na qualidade de ensino ofertado ao público discen-


te. No que concerne, especificamente, ao ensino de Educação
Física (EF), a ausência de infraestrutura e recursos materiais,
não raras vezes, acaba por limitar a elaboração e execução das
aulas, frustrando professores e prejudicando os alunos.
A longo prazo, essas experiências negativas podem levar
à acomodação dos docentes, provocando outra situação que,
além de comprometer o sucesso das aulas, avolumam o descré-
dito — muitas vezes — dispensado a esse componente curricu-
lar. A situação a qual nos referimos diz respeito à adoção, por
parte dos profissionais da área, de uma postura tradicional na
metodologia de ensino, que se traduz em aulas monótonas e
repetitivas. Vale ressaltar, ainda, que tal posicionamento pode
ser associado, também, a sua formação inicial e continuada,
distante das novas linguagens pedagógicas, mais dinâmicas e
atrativas ao alunado.
Foi no intuito de dar suporte ao Ensino Básico, suprin-
do os déficits da formação profissional dos docentes, que
o Governo, por meio do Ministério da Educação, adotou o
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), cujo papel consiste na articulação entre o Ensino
Superior e a Educação Básica. Voltado aos cursos presenciais
de Licenciatura, o Programa em questão oferta bolsas para que
os graduandos possam atuar na rede pública de ensino, permi-
tindo ao formando a antecipação na vivência do âmbito escolar,
conforme veremos:
Assim, o PIBID, criado pelo Decreto n. 7.219
(BRASIL, 2010) e fomentado pela CAPES,
propõe a articulação entre as Instituições de
Ensino Superior (IES) e as escolas públicas de
Educação Básica como forma de contribuir
para a formação inicial de professores. Ao

185
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

oferecer bolsas de iniciação à docência, ante-


cipa o vínculo de futuros professores com o
futuro lócus de trabalho, pressupondo que a
aproximação desses com as atividades de ensi-
no nas escolas públicas, mediante a execução
de um projeto institucional proposto por uma
determinada IES, pode levá-los ao comprome-
timento e à identificação com o exercício do
magistério (FELÍCIO, 2014, p. 418).

É de extrema importância a aproximação desses


dois universos – escola e universidade, que comumente
encontram-se distantes, para uma possível melhoria no campo
educacional, tendo em vista que a antecipação do graduando
ao universo escolar configura-se como positiva em face das
ricas experiências que pode proporcionar e considerar quando
ingressar como professor no mercado.
Nesse sentido, por meio de abordagens e ferramentas
metodológicas inovadoras, os pibidianos — como usualmente
se denomina os licenciandos participantes do PIBID — quando
de suas intervenções na escola, atualizam os conteúdos1 da EF,
conferindo às aulas um aspecto dinâmico e atrativo, pautadas
em discussões que consideram fatores objetivos e subjetivos,
levando em conta aspectos afetivos, bem como, socioculturais
da comunidade escolar em que se inserem.
Assim, constitui-se, como objetivo geral de nossa pesqui-
sa, analisar as contribuições do PIBID para o ensino de Educação
Física na Educação Básica em escolas públicas (municipais e

1 Darido (2005) compreende conteúdos como o englobamento de concei-


tos, ideias e fatos, bem como, métodos de compreensão e aplicação.
Ver: DARIDO, S.C. Os conteúdos na Educação Física escolar. Disponível
em: ht t ps://w w w.researchgate.net /prof ile/Su raya _Dar ido/publica-
tion/266186057_OS_CONTEUDOS_NA_EDUCACAO_FISICA_ESCOLAR/
links/55b2271108ae9289a0851071.pdf. Acesso em 25 de maio de 2019.

186
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

estaduais) de Natal/RN, a partir do olhar de atuais e ex-profes-


sores contemplados com o Programa.
No sentido de desvelar sua importância no atual contexto
educacional, tomamos, por objetivos específicos, perceber sua
relevância quanto à legitimação da EF nas escolas, bem como
verificar as contribuições advindas da aproximação efeti-
va entre escola e universidade e identificar os benefícios do
Programa para a formação continuada dos professores da rede
pública de ensino.

Percurso metodológico

O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa


descritiva de abordagem qualitativa, haja vista que as informa-
ções colhidas foram descritas e, a partir de então, interpretadas
no sentido das possíveis contribuições, valorizando o processo
sem interferência e de maneira significativa. Neste sentido a
pesquisa qualitativa,

considera que há uma relação dinâmica entre


o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subje-
tividade do sujeito que não pode ser traduzido
em números. A interpretação dos fenômenos
e a atribuição de significados são básicas no
processo de pesquisa qualitativa (PRODANOV;
FREITAS, 2013, p.70).

Como instrumento à coleta de informações, valemo-nos


da entrevista, por se mostrar bastante adequada como manei-
ra de obter os dados pretendidos. “A entrevista é, portanto,

187
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma


forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca
coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informa-
ção” (GIL, 2008. p. 109).
Colaboraram para a execução desta pesquisa, seis (6)
participantes do Programa. Destarte, compuseram o rol de
entrevistados professores/supervisores de escolas públicas
que participam/participaram do Subprojeto Educação Física
da Universidade Federal do Rio Grande Do Norte (UFRN).
Destacamos, assim, que dentre aqueles, três (03) configuram-
-se como atuais participantes do edital vigente (2018 a 2019), ao
passo que os outros três (03), constituem-se como professores
supervisores do Programa em anos anteriores, tendo atuado
na rede pública do município de Natal.
Dos recursos utilizados na entrevista realizada por
meio da oralidade, utilizou-se, para a obtenção de registros,
a captação de áudio por meio de um aparelho celular que,
posteriormente, foram arquivados com a devida autorização
dos participantes entrevistados. Por questões de privacidade,
os professores entrevistados serão identificados, durante as
discussões, por números, dispostos de acordo com a ordem em
que ocorreram as entrevistas. As análises dos registros obtidos
foram subdivididas em categorias que apareceram no decorrer
das entrevistas, e foram discutidas individualmente, embora
estejam estreitamente ligados.

Contribuições do PIBID/EF para a escola

As contribuições advindas do PIBID foram percebidas em


vários segmentos da escola. Contudo, nesse primeiro momento,

188
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

observaremos as impressões dos entrevistados em relação aos


pibidianos. Assim, na fala do professor de nº1, o tom foi de elogio
à disposição dos graduandos ao chegarem à escola. Seu dina-
mismo e vontade de efetivamente contribuir, abrilhantaram o
espaço escolar, conferindo leveza ao ambiente, e foram eviden-
ciados, conforme veremos:

O PIBID ele não se limita apenas à situação


da sala de aula, ele se limita à vida da escola,
então a presença do PIBID é bem importante,
enriquece o cotidiano da escola, deixa a escola
mais alegre, mais viva, eles chegam com uma
força de trabalho de mão-de-obra que enri-
quece toda e qualquer atividade que a escola
for fazer, seja gincana, seja dia das mães, seja
dia da criança, todas essas atividades amplas
(Professor n °1).

O Professor n° 2 é categórico ao afirmar e reconhecer a


contribuição notória dos bolsistas em relação a sua presença
no campo escolar, haja vista o fato desses — não raras vezes —
acabarem por suprir a ausência de pessoal de modo prestativo
e empolgado. Conforme exposto em sua fala subsequente: “o
pessoal do PIBID participou de forma ativa, colaborativa, cria-
tiva também, tornando as atividades e eventos cotidianos da
escola mais organizados e significativos”.
Já o Professor n° 3 aborda outra vertente, versando sobre
questões objetivas, ou seja, apontando a contribuição com relação
aos recursos materiais fornecidos pelo Programa. Segundo ele:
“Eu acho que importante foi a contribuição dos materiais, que a
escola é meio que sucateada, então a proposta inova na aquisição
de novos materiais que fica para a escola, entendeu?! ”.

189
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

É perceptível em sua fala o fato de que um dos grandes


problemas que a EF encontra, em realizar com excelência
seu objetivo, é a falta de recursos materiais para a execução
das aulas. Aqui, cabe ressaltar que o edital em vigência do
subprojeto do PIBID de Educação Física da UFRN disponibiliza
uma verba para aquisição de materiais direcionados às escolas
conveniadas no projeto. Desse modo, percebemos a extrema
relevância desse recurso, haja vista ocasionar melhorias na
qualidade das aulas.
Outro aspecto de contribuição para escola foi o da apro-
ximação com a universidade, conforme citado:

O PIBID foi um divisor de águas para a


Educação Física da nossa escola, foi um salto
qualitativo muito significativo. Foi através
dele que pudemos iniciar o processo de intera-
ção escola-universidade, um trabalho conjun-
to que nos possibilitou estar em contato com o
que há de mais recente nas produções acadê-
mica (Professor n° 6).

A fala do Professor nº6 aponta a importância da interação


das instituições formadoras, no sentido de atualizar os profes-
sores em relação às novas discussões introduzidas na academia,
bem como, as produções delas derivadas. Nesse sentido, seus
apontamentos corroboram o pensamento de Felício (2014) que,
em suas reflexões, enfatiza o PIBID como espaço promotor do
diálogo efetivo entre teoria e prática, num movimento simul-
tâneo de ação-reflexão.
Rodrigues (2017) também aponta nos resultados de sua
pesquisa o quanto os professores consideram importante a
parceria com as Instituições de Ensino Superior. A autora afir-
ma que essa aproximação desmistifica “a ideia de hierarquia

190
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

estabelecida em alguns modelos clássicos de formação continua-


da que enfatizam a universidade como um espaço de produção
de conhecimentos, enquanto os professores do ensino básico os
reproduzem na escola” (p. 124). Assim, constatamos, uma vez
mais, o aspecto positivo da troca de experiências observadas,
as quais se refletem nos resultados, uma vez que possibilitam
sensíveis avanços da qualidade educacional das escolas nas
quais o Programa se desenvolve.

Efeitos no processo de ensino e aprendizagem

Conforme refletido ao longo do presente estudo, o PIBID


proporciona interações cotidianas entre professores e bolsistas,
agregando uma gama de experiências mútuas que tendem a
enriquecer em vários aspectos o processo de ensino e aprendi-
zagem. Tal afirmação se confirma na fala seguinte:

Essa relação com os alunos faz com que nós,


professores, a gente busque fazer uma refle-
xão da atuação deles junto com a nossa e,
dessa forma, tanto contribui para formação
deles como para nosso próprio aprendizado
diariamente. Já que ensinar é aprender todo
dia. Então, essa relação faz com que a gente
repense algumas coisas e possa também
transformar, modificar mesmo (Professor
n°1).

Há fatores importantes que contribuem positivamente


na forma diferenciada de atuação do PIBID, dentre os quais,
pontuamos a empatia desenvolvida pela equipe no campo esco-
lar, bem como o direcionamento dado a essa prática. No que

191
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

concerne, especificamente, ao processo de ensino e aprendiza-


gem, o Professor n° 3 reflete sobre a necessidade de “contextua-
lizar a aprendizagem na sala de aula com a prática de Educação
Física”.
Dividindo o mesmo pensamento, o Professor n° 5 assevera:
“A gente trouxe temáticas novas, estratégias diferentes, então
assim quando você para pra pensar sobre, reflete, quando chega
com estratégias diferentes e acho que todo mundo ganha assim”.
O Professor n°4, por sua vez, evidencia a dedicação da
equipe do Programa na busca de novos direcionamentos no
sentido de atribuir, à perspectiva dos alunos, sentido quando
da aprendizagem da Educação Física. Observemos sua fala:

A gente, através do PIBID, busca trazer novas


abordagens de conteúdos para os alunos e,
principalmente, busca relacionar os conteú-
dos da Educação Física com a realidade deles,
pelo menos nas experiências que eu tive
no PIBID/UFRN eu sei que é assim. E acaba
trazendo significado, sentidos para essa
aprendizagem do aluno, e ele passa a entender
que não tá ali na escola só para copiar, passar
numa prova e tudo mais, e que ele pode levar
esse aprendizado para vida dele, que é o mais
importante (Professor nº4).

Desse modo, as novas metodologias, empregadas de


maneira significativa, como aquelas promovidas pela inter-
venção do PIBID, são extremamente importantes, haja vista
proporcionarem a superação dicotômica entre teoria e prática,
conforme assinala Pereira (2013):

192
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

Um projeto curricular orientado pelos prin-


cípios de flexibilidade curricular, adesão
às metodologias de ensino que tenham
como foco a aprendizagem significativa, a
compreensão e a vivência do paradigma da
interdisciplinaridade, a construção de postu-
ra crítico-reflexiva quanto às discussões do
mundo contemporâneo e a superação da dico-
tomia entre a teoria e a prática.

Destarte, projetos dessa natureza provocam no aluno


uma apropriação do conhecimento, uma vez que, ao conferir
sentido ao conteúdo aplicado, despertam no estudante a cons-
ciência de que são sujeitos ativos no processo de aprendizagem.

Cooperação na formação continuada

Apesar do PIBID se configurar como uma ação voltada à


formação inicial, de maneira unânime, os professores entrevis-
tados explicitaram as contribuições que o Programa em questão
ocasiona em suas profissões. Tal assertiva pode ser verificada
na fala do Professor n° 5, que pontua: “Como supervisora eu
considerei: é transformador”. E foi enfática, quando, ao retomar
sua fala, considera: “Eu acho que o PIBID, ele dá um gás pra
gente, pra formação continuada do professor, de quem já tá na
atuação há muito tempo na escola”.
Ainda nesse sentido, trazemos a colocação do Professor nº
6: “A organização do PIBID, com as reuniões semanais, tanto na
escola quanto na Universidade, as contribuições dos professores
coordenadores e as discussões realizadas, com certeza nos leva
a uma melhoria no nosso processo de ensino”.

193
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

Nesse sentido, o PIBID supre a ausência do poder público


no compromisso com a educação básica, quando este não se
propõe a fornecer aos docentes uma formação continuada que,
conforme percebemos ao longo da presente discussão, consoli-
da-se como extremamente necessária, uma vez que possibilita a
atualização das práticas pedagógicas. Nesse sentido, o Professor
nº 5 elucida: “vejo outro extremo que é onde estou, que é a rede
estadual. Na rede estadual a gente não tem oportunidade de
troca, então, assim na escola, até dois anos atrás, a gente não
tinha coordenação pedagógica, então, era cada um por si”.
As falas dos professores acima estão de acordo com as
perspectivas de Pereira (2013), que afirma:

O projeto PIBID também ressalta em seu


contexto a importância para formação conti-
nuada dos professores das escolas envolvidas.
O professor supervisor ligado ao PIBID tem a
oportunidade de compartilhar experiências
com o aluno bolsista, aprendendo metodolo-
gias inovadoras que na maioria das vezes não
tem tempo de pesquisar e em troca comparti-
lha com o bolsista, suas experiências em sala
de aula.

Ainda sobre a importância da formação continuada, o


Professor nº 3 expõe: “Isso aí eu senti muito viu?! A nova maneira
de encarar ou de visualizar o que eu vi lá atrás e trazendo para
a atualidade de hoje, 2019”. De fato, nessa situação o Programa
acaba se tornando o único responsável por essa missão. Ao ser
questionado, especificamente, sobre as contribuições do PIBID,
o mesmo Professor afirma:

194
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

A contribuição do PIBID é justamente mostrar


coisas novas que eu não conhecia, na época
que eu passei na universidade; é novos jogos,
novas propostas, entendeu?! E novos incen-
tivos aos alunos e, eu, aprendo com eles
também, ao mesmo tempo, uma retrospectiva
e uma atualização (Professor nº3).

Além de proporcionar a oportunidade de atualização de


metodologias e conteúdos, fica clara a importância do PIBID em
outro fator colaborador — o incentivo financeiro. Nesse senti-
do, concede aos professores participantes a oportunidade de se
dedicarem à função de supervisionar a atuação dos graduandos
— colaborando com sua formação inicial e, simultaneamente,
sendo beneficiados em sua própria formação, como bem pontua
o Professor n° 4:

Professor tem que estar sempre se renovando,


buscando aprender cada vez mais e mais. E o
PIBID dá essa possibilidade a ele porque, além
de ter esse espaço, além de ter a contribuição
financeira que o professor precisa bastante, e
as vezes ele não tem tempo justamente porque
está buscando outras formas de sobreviver.

Há benefícios que vêm agregados às responsabilida-


des. Existe uma preocupação pela atribuição da função como
supervisores, como revela o Professor n° 1: “A gente se preo-
cupa com alguns outros detalhes, meio que para mostrar para
os próprios bolsistas, coisas que a gente não se apega tanto
no dia a dia, detalhes específicos, tipo de uma metodologia,
alguma coisa do tipo”.

195
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

Observamos com clareza em sua fala a necessidade de um


direcionamento mais atencioso e dedicado ao que está sendo
trabalhado na escola por parte daqueles professores que exer-
cem a função de supervisionar a intervenção dos pibidianos. A
consciência de estar orientando e contribuindo para a forma-
ção de novos professores faz com que aqueles docentes refli-
tam acerca de sua própria prática e exijam de si mesmos uma
melhor atuação, o que, consequentemente, agrega benefícios à
sua formação, haja vista inspirar a busca por alternativas que
supram as carências ali existentes. De acordo com Rodrigues
(2017) faz parte da formação continuada o espaço onde o profes-
sor possa refletir sobre a sua prática, oportunizando condições
para a construção de sua autonomia, por meio da reflexão de
suas concepções e atitudes, de forma que os problemas cotidia-
nos da escola são variáveis e exigem tomadas de decisões dos
professores que vão além da aplicação do conhecimento teórico.
O depoimento do Professor n° 2 reitera essa perspectiva:

o professor que está recebendo os alunos, eu


acho muito importante porque você se rever,
você cresce, você melhora a sua prática,
porque você tem uma responsabilidade maior
agora e não somente de você tá trazendo um
conteúdo para as crianças, mas também um
conteúdo para os professores, os alunos do
PIBID.

Corroborando a afirmativa de que o PIBID se comporta


como apoio e incentivo para que os professores não parem de
buscar e atualizar seus conhecimentos, os depoimentos dos
Professores nº4 e nº5, respectivamente, asseveram:

196
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

Eu acho que é tão importante quanto à forma-


ção inicial porque, às vezes, quando você vai
para escola, você perde muito esse contato de/
ou... Essa vontade mesmo, esse estímulo, de
querer buscar novos aprendizados e a gente
não pode parar por aí (Professor n° 4).

Então assim, a gente tem uma formação conti-


nuada, a gente tem uma oportunidade de
refletir semanalmente sobre algumas temá-
ticas, né?! A gente tem discussão de livros,
a gente é estimulado de novo, pra um olhar
científico, né?! Ao registro, a publicação de
artigo, que quando a gente acaba saindo da
faculdade, a gente se distancia um pouco
dessa realidade de pesquisa, né?! “E acho que
acaba motivando, eu participei de congressos
também, me trouxe de volta para a faculdade,
eu já tô concluindo mestrado” (Professor n° 5).

Essa percepção dos professores em relação à conscienti-


zação promovida pelo PIBID sobre a prática docente, bem como
a necessidade de busca pela formação continuada, dialoga com
o pensamento de Freire (1997, p. 32), “faz parte da natureza da
prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O que se preci-
sa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba
e se assuma como professor e como pesquisador”.
Percebemos, assim, que o contato com as novas metodo-
logias, intermediado pela presença dos pibidianos, estreitam
as relações entre o mundo acadêmico e escolar, reacendendo
nos professores a chama do interesse pelo mundo científico,
no sentido de se atualizarem. Tal postura, consequentemente,
reflete-se na melhoria do ensino.

197
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

Aperfeiçoamento da Formação Inicial

Em relação ao direcionando para formação inicial, as


contribuições do Programa ficam claramente explícitas em
diversos aspectos. Nessa perspectiva, o Professor n° 4 aponta:
“Acredito que o PIBID é um divisor de águas, assim, pra quem
tem a oportunidade de participar do programa durante a
graduação, porque você acaba colocando em prática realmente
aquilo que você tá estudando né?!”.
A despeito da presença obrigatória das disciplinas de
Estágio Supervisionado na grade curricular da Graduação, as
quais ofertam aos licenciandos a possibilidade de pôr em práti-
ca os conhecimentos adquiridos nos demais componentes de
sua formação, é sabido que, em virtude de vários fatores, nem
sempre é possível uma experiência prática de qualidade. Nesse
sentido, os Professores nº 4 e nº 5, respectivamente, afirmam:

Isso num fica reservado só pro Estágio, que


Estágio, às vezes, é algo muito reduzido, muito
rápido, e a gente, que às vezes alguns profes-
sores não têm tanta abertura também pro
estagiário e acaba reduzindo essa experiência,
assim, pra quem tá indo né?! (Professor n° 4).

Então assim, você ter a oportunidade de


ministrar com a pessoa dando suporte,
dizendo: “Ah faça assim, não faça assim”,
dando dicas, eu acho que o Estágio durante a
graduação todo ele é valido, é, né?! E quando
a pessoa tem a possibilidade de atuar, trocar,
refletir sobre a prática, mais ainda porque
você vai aprendendo e botando em prática.
(Professor n°5).

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Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

Dessa forma, o PIBID promove de modo mais efetivo a


integração, permitindo que o aluno experiencie intensamente
a realidade da prática docente, participando ativamente das
demandas exigidas. Segundo Rausch e Frantz (2013), a impor-
tância dessa inserção dos discentes no cotidiano escolar se dá
pela oportunidade que o aluno tem de estar em contato com o
planejamento de aulas, adoção de metodologias e as experiên-
cias advindas dos resultados alcançados, ou não.
Na universidade, os currículos de Educação Física são
compostos por várias disciplinas que abordam o conteúdo
de práticas direcionadas à escola. No entanto, essas práticas
se dão, em sua maioria, no âmbito e na estrutura da própria
Universidade, em forma de simulações. Contudo, como ante-
riormente pontuado ao longo dessa narrativa, é sabido que a
diferença entre as realidades escolar e universitária, em termos
de estrutura e recursos, é imensa, o que acarreta uma experiên-
cia muito reduzida e distanciada do que, efetivamente, ocorre
nas aulas do ensino básico.
O fato de as disciplinas de Estágio serem oferecidas a
partir da segunda metade, senão ao final do curso, atrasa a
inserção do graduando na vida escolar. Aqui, mais uma vez,
a importância do PIBID é ressaltada. Dessa vez, na fala do
Professor nº 2, que pontua: “eu acho que é primeiro a possi-
bilidade de você, no processo de formação, você já ter contato
com a realidade que você só encontraria após formado, né?!”.
Esse contato, que só existiria posteriormente, depois da
formação, é carregado de excelentes experiências, que possi-
bilitarão aos graduandos ricas reflexões sobre suas escolhas. A
esse respeito, o Professor n° 2 é categórico:

199
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

um grande momento de oportunidade para


que eles descobrissem se é isso que realmen-
te querem como profissão, porque o conteúdo
dentro da escola é muito gratificante, muito
motivante, é muito interessante, mas também
é muito desafiador. É difícil também porque
você encontra desafios bem conflitantes,
que eu acho que mesmo estando no processo
inicial de formação, você vai encontrar moti-
vos para se firmar mais ainda ou motivos para
você rever se realmente quer continuar nesse
caminho.

Essa contribuição gerada pelo Programa é refletida por


Cardoso (2019), que evidencia o reconhecimento do contexto
escolar por parte dos graduandos, como um espaço onde eles
podem unir as vivências teóricas e práticas, contribuindo para
melhoria da sua formação acadêmica. Observemos o que diz o
Professor nº1 a esse respeito:

Quando você apenas é estudante de Educação


Física e depois você é simplesmente jogado
no campo de trabalho seu olhar é um, a sua
maneira de pensar é uma, já quando essa sua
formação ela já acontece com você estando
dentro da escola, principalmente a escola
pública, que é uma diversidade de olhares,
enfim uma diversidade de tudo, de condi-
ções de trabalho, de estrutura... O bolsista
ajuda a forjar sua própria formação, atuando
de forma mais autônoma, mais dinâmica na
sua própria formação, é o que eu vejo de mais
importante do PIBID, você já sair da universi-
dade com um olhar diferenciado em relação
à escola, em relação ao ensinar.

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Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

Contribuições nas aulas de Educação Física

Há um consenso entre os professores entrevistados ao


expor as contribuições que o PIBID, por intermédio da atuação
dos bolsistas, proporciona às aulas de Educação Física. Contudo,
o Professor n° 1 discorre sobre a ansiedade dos alunos em
colocarem em prática o conteúdo estudado na Universidade:
“sempre trazendo uma ideia nova, uma coisa que tão vendo
lá agora, no momento no curso, querem experimentar aqui, a
gente vai adequando, vai adaptando aos conteúdos que a gente
está aqui trabalhando”.
O Professor nº 2, por sua vez, não identifica nada de nega-
tivo na presença dos pibidianos durante as aulas:

As contribuições são bastante significativa,


relevantes, importantes... E aula fica mais
rica, a aula fica melhor acompanhada porque
não é só o olhar do professor titular, é o olhar
também dos demais alunos do PIBID e, assim
resumindo, eu só vejo como aspecto positi-
vo. Não identifico nada que possa soar como
negativo na participação deles na escola.

Percebemos, no relato acima, outro aspecto de fundamen-


tal importância e que corresponde às proposições do Programa
em questão, a saber, o acompanhamento mútuo entre bolsis-
tas e professores supervisores, verificado a participação efeti-
va daqueles no auxílio destes e vice-versa, constituindo uma
valiosa troca, que acaba por favorecer ambos. Nesse sentido,
Pereira (2013, n.p) enfatiza: “Trata-se de um trabalho coletivo
e desafiador, onde todos precisam trabalhar integrados e todos
têm muito o que aprender e contribuir. Destaca-se o trabalho
em equipe onde todos são sujeitos ativos e participantes”.

201
Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

Assim, nos casos estudados, comprovamos quão bené-


fica se configura a presença dos bolsistas nas aulas. Para eles
mesmos, em vista das prévias experiências a que são expostos,
bem como, para os professores titulares, que recebem motiva-
ção e suporte no planejamento e execução de suas aulas, confor-
me explícito nos depoimentos a seguir:

As aulas de Educação Física ficam mais ricas


porque, assim, ficam dois alunos (bolsis-
tas) por turma e todos querem estar atuan-
do o tempo inteiro, então acaba que a aula
fica mais rica, no sentido de que, ao mesmo
tempo, pode estar acontecendo vários núcleos
de atividades relativas ao mesmo conteúdo
(Professor n° 1).
Nas aulas, bom, eu acredito que a gente tá
sempre aprendendo uns com os outros e pelo
menos para mim cada aula com os pibidianos
era um aprendizado diferente. Porque cada
um tem sua maneira de dar aula e cada um
tem sua maneira de pensar a Educação Física
e de pensar o processo de ensino e aprendiza-
gem (Professor n° 4).

Sendo assim, um número de pessoas a mais atuando em


conjunto, por si só, já traz benefícios às aulas e, de fato, essa
conjuntura de pensamentos contribui para que estas sejam
melhor elaboradas, atrativas e expressivas, o que se configura
positivamente na qualidade do ensino ofertado e, consequen-
temente, para a educação.

202
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

Considerações Finais

Diante do exposto, verificamos que o PIBID tem, de fato,


cooperado positivamente em vários aspectos no âmbito da
Educação Física, contribuindo significativamente com todos os
atores do processo: as escolas, os alunos, os bolsistas, os profes-
sores, as universidades e, consequentemente, para todo proces-
so educacional que o envolve. Os relatos expostos nos permitem
perceber que as contribuições do Programa se estendem aos
aspectos subjetivos e objetivos, que vão, desde o revigoramento
da comunidade escolar, contagiada pela empolgação dos bolsis-
tas em auxiliar os professores/supervisores, até a adoção de
abordagens e metodologias inovadoras, que conferem signifi-
cado às aulas, atraindo a atenção dos alunos, bem como legiti-
mando o papel da Educação Física no âmbito escolar.
No que concerne à formação dos futuros professores, o
Programa em questão cumpre o papel de promover a inserção
destes no universo das escolas, permitindo, não somente ricas
experiências que vinculam questões teóricas às práticas, mas
também, a possibilidade de refletirem se realmente querem
seguir a profissão escolhida sem que, para isso, tenham cursa-
do mais da metade do curso. Em contrapartida, os professores
supervisores se beneficiam, tanto pelo auxílio do bolsista, quan-
to pela reaproximação com o universo acadêmico, que acaba por
despertar neles uma nova motivação para o exercício do magis-
tério. Assim sendo, esta pesquisa analisou as contribuições que
o PIBID agrega em todo o campo de atuação, demonstrando sua
magnitude e também o cumprimento dos objetivos aos quais se
propõe, que contemplam, desde o incentivo à formação docen-
te, a valorização do magistério, bem como, a preocupação em
elevar a qualidade de ensino ofertada.

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Tema 3: Corpo e educação
A importância do programa institucional de bolsas de iniciação à docência (PIBID)
para a Educação Física na visão dos professores/supervisores das escolas

Por fim, as discussões forjadas ao longo desta pesquisa se


configuram como uma bandeira levantada em favor da perma-
nência do PIBID na educação nacional, justificada nos resulta-
dos significativamente positivos advindos de suas intervenções
nas escolas públicas brasileiras.

204
Lucineide Neves Costa / Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
/ Regina Helena Rigaud Lucas Santos / Aguinaldo César Surdi

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Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
2017.

206
A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO
FÍSICA ESCOLAR:
DE QUAIS CORPOS FALAMOS?

Ana Aparecida Tavares da Silveira


Sára Maria Pinheiro Peixoto
Fabyana Soares de Oliveira
Angela Brêtas Gomes dos Santos
Maria Aparecida Dias

Conversando um pouco
sobre o Corpo e a Inclusão

A educação inclusiva surgiu, em todo mundo, por meio de ações


políticas, culturais, sociais e pedagógicas, que defendiam o
direito de todos ao ensino e a aprendizagem. Como primeiro
grande marco da Educação Inclusiva destaca-se a Conferência
Mundial de Educação para Todos (1990) que assinala entre
outros elementos, a existência de 100 milhões de crianças sem
acesso ao ensino primário e que mais da metade desse número
eram de meninas, assim como 960 milhões de adultos, sendo
dois terços de mulheres analfabetas. Tentando eliminar as dife-
renças entre gêneros, a redução do analfabetismo e garantir
a universalização da educação básica os Estados-membros do
evento se uniram em torno dessas metas prioritárias para o
novo milênio (MARTINS, 2015).

207
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

Percebe-se assim, que o movimento em prol de uma


educação inclusiva não enfocava diretamente às pessoas com
deficiência, isso ocorreu oficialmente com a Conferência de
Salamanca (1994) que trouxe em seus princípios, políticas e
práticas direcionadas ao atendimento das necessidades educa-
cionais especiais, tentando assim eliminar disparidades exis-
tentes na educação das pessoas que apresentam deficiências
das que não apresentam (MARTINS, 2015). A partir de então,
começaram a ser questionadas com mais fervor as garantias de
direitos iguais para as pessoas com deficiência, tanto ao acesso,
quanto a permanência na escola.
Conforme Martins (2015), as duas conferências foram
e ainda são marcos importantíssimos nas ações educativas
voltadas para participação de todos no ensino regular, pois
apontam para necessidade de incluir todos no processo de
educação formal, de modo que ninguém fique de fora da
escola, desde o início de sua escolarização, pois consideram
a educação como direito fundamental do ser humano, inde-
pendente da classe social, da idade, do gênero, da raça, das
dificuldades e diferenças.
Partindo de outra perspectiva, Silva (2011) evidencia que
a inclusão é consequência do aprofundamento das discussões
das teorias críticas da educação, resultando nas concepções
pós-críticas que apontam para uma nova Era, onde o currículo
deve abranger as diferenças e o multiculturalismo como ques-
tões emergentes da sociedade que quer se libertar e tornar-se
mais humana e justa. Para o autor, depois das teorias pós-crí-
ticas (Multiculturalismo, Identidade Étnico-Racial, Relações de
Gênero e Pedagogia Feminista, Teoria Queer, Pós-Modernismo,
Pós-Estruturalismo, Pós-Colonialismo e Estudos Culturais) é
impossível pensar nos processos de dominação social apenas

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Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

associando-os as lutas de classes como processo de reprodu-


ção cultural das desigualdades e das relações hierárquicas na
sociedade capitalista.
As teorias pós-criticas ampliam as possibilidades de
compreender as relações de poder presentes em várias esfe-
ras da sociedade, tornando as relações sociais de dominação
mais complexa, isso porque percebem que o poder está em
toda parte e é multiforme. Com isso, não se nega as teorias
críticas, tendo em vista que os processos de dominação de clas-
se baseados na exploração econômica são visivelmente mais
perigosos e ameaçadores que outras formas de dominação, mas
é preciso entender que “a concepção de identidade cultural e
social desenvolvida pelas teorias pós-críticas nos tem permi-
tido estender nossa concepção de política para muito além de
seu sentido tradicional — focalizado nas atividades ao redor
do Estado” (SILVA, 2011, p. 146), pois ampliam para questões
relacionadas ao saber, a identidade e o poder.
A partir desse entendimento, surgem as preocupações em
romper com estereótipos e modelos pré-definidos, valorizando
a identidade cultural e biológica do indivíduo, assim como suas
narrativas éticas, raciais, culturais e sexuais, de modo que novas
visões contemporâneas estruturais de currículo possam ser
mais flexíveis e livres, oportunizando mais respeito às diferen-
ças (SILVA, 2011). Nesse contexto, emergem também questões
relevantes para repensar a Educação Física Escolar por refor-
çarem a necessidade de se romper com a vertente mais tecni-
cista, esportivista e biológica, como já vinha ocorrendo com
algumas abordagens pedagógicas como a Desenvolvimentista,
Construtivista-Interacionista, Psicomotora, Crítico-Superadora,
Crítico-Emancipatória, entre outras, que ampliaram discus-
sões importantes na Educação Física, como a construção do

209
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

conhecimento, o reconhecimento do papel da cultura, a refle-


xão crítica e a transformação social (DARIDO, 2003).
As abordagens críticas da Educação Física, assim como
nas teorias críticas da educação, também discutiam as questões
de poder associadas às lutas de classe, propondo ao professor
pensar não somente em como ensinar, mas também no proces-
so de contribuição para que o aluno pudesse adquirir conhe-
cimento, contextualizando fatos e resgatando a história para
ler os dados da realidade, interpretá-los e emitir um juízo de
valor que gerasse transformação social e emancipação (DARIDO,
2003). Acredita-se que as concepções pós-criticas avançam
quando trazem elementos que possibilitam pensar na trans-
formação social ao trazer reflexões sobre as relações de gênero,
a equidade, a não exclusão, a diversidade, o multiculturalismo
e a valorização da multiplicidade de corpos que precisam ser
percebidos, respeitados e considerados como sujeitos de direito
dentro da escola.
Vale ainda destacar, reflexões sobre os corpos que devem
ser contemplados nas aulas de Educação Física, bem como trazer
nossa concepção de corpo, tendo em vista que “o corpo é condi-
ção de nossa existência não apenas biológica, mas também
social e histórica” (NÓBREGA, 2010, p. 36), assim, ao discutir
sobre inclusão e corpo nas aulas de Educação Física enten-
demos que se faz necessário compreender que não tratamos
exclusivamente das pessoas com deficiência, mas das mulhe-
res, dos tímidos, dos gordinhos, daqueles com altas habilidades,
daqueles menos habilidosos, entre outros, que também sofrem
com situações de exclusão na escola em função das constru-
ções sociais que foram estabelecidas durante muitos anos ao
longo da história, mas que vem se modificando de acordo com
novos sentidos a eles atribuídos. Dessa forma concordamos com
Goellner (2007, p. 29),

210
Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

Um corpo não é apenas um corpo. É também


o seu entorno. Mais do que um conjunto de
músculos, osso, vísceras, reflexos e sensa-
ções, o corpo é também a roupa e os acessó-
rios que o adornam, as intervenções que nele
se operam, a imagem que dele se produz, as
máquinas que nele se acoplam, vestígios que
nele se exibem, a educação de seus gestos...
Enfim, é um sem limite de possibilidades
sempre reinventadas, sempre à descoberta
e a serem descobertas. Não são, portanto, as
semelhanças biológicas que o definem, mas
fundamentalmente os significados culturais
e sociais que a ele se atribuem.

Nesse sentido, quando nos propomos a pensar na percep-


ção de corpo a partir das concepções de Educação Física
Inclusiva dos professores, estamos tentando trazer a multiplici-
dade de corpos envolvidos nesse contexto e romper com visões
puramente biológicas do corpo, que muitas vezes se expressa no
desejo desses profissionais em conhecer o aluno principalmente
a partir de suas limitações, quando se trata especialmente da
pessoa com deficiência.
Assim, a carência de conhecimento sobre a deficiência
que o aluno possa apresentar, para muitos professores, torna-se
justificativa para não envolver todos os alunos em suas aulas.
Todavia, acreditamos que para conhecer o aluno é preciso ultra-
passar a visão de corpo como um conjunto de partes com órgãos
e funções, “o corpo não é coisa, nem ideia, o corpo é movimento,
gesto, linguagem, sensibilidade, desejo, historicidade e expres-
são criadora” (NÓBREGA, 2010, p. 47), sendo fundamental para o
professor compreendê-lo a partir desses outros olhares.
Trataremos aqui sobre um corpo que é o resultado das
interações entre o biológico e o cultural, o vivido e o sentido,

211
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

constituindo toda a existência e vivência de afetos, valores,


histórias. São todas as nossas experiências de sentido e signi-
ficado que nos constitui como sujeito no mundo (MERLEAU-
PONTY, 1999). Sendo assim, apresentamos um recorte de
uma pesquisa de Mestrado em andamento, pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (PPGED/UFRN) intitulada “Educação Física
Escolar Inclusiva na formação continuada: construindo novos
caminhos no ensino fundamental”, desenvolvida com vinte e
cinco professores de Educação Física da rede municipal de ensi-
no do Natal/RN.
O objetivo da pesquisa é desenvolver estratégias
metodológicas que apontem perspectivas inclusivas, arti-
culadas às unidades temáticas propostas pela Base Nacional
Curricular Comum (BNCC) expostas em todos os encontros
de formação de 2019, sob o contexto da formação continua-
da dos professores de Educação Física da rede de ensino do
municipal do Natal. Todavia, vale ainda ressaltar que o recor-
te aqui apresentado, tem a finalidade de discutir sobre corpo
partindo da compreensão da Educação Física inclusiva dos
professores acima descritos.
Utilizamos como procedimento metodológico a pesquisa
descritiva com abordagem qualitativa. A construção dos dados
foi realizada na última formação continuada dos professores de
Educação Física do ano de 2018, por meio de um questionário
respondido por vinte e cinco professores. Os nomes dos profes-
sores são fictícios e foram escolhidos pelos próprios participan-
tes, com algumas exceções em que o pesquisado não informou o
nome, recebendo então um nome fictício fornecido pela pesqui-
sadora. O estudo ocorreu a partir de uma questão norteadora:
O que é para você uma Educação Física inclusiva?

212
Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

Os dados foram organizados com base na técnica de


análise de conteúdo (BARDIN, 2016), por oferecer melhor
compreensão dos dados subjetivos e coletivos dos professores,
como também por se aplicar a discursos extremamente diver-
sificados, favorecendo a interpretação em relação ao tratamen-
to dos dados e tentando compreender o que está por trás das
palavras escritas. Para ajudar na tabulação dos dados, elege-
mos três categorias agrupando determinados elementos que
reúnem características comuns. As categorias elencadas foram:
Conceito de Educação Inclusiva, Conceito de Educação Física
Inclusiva e O corpo na Educação Física Inclusiva.

Conceito de Educação Inclusiva

Ao analisar a questão “o que é para você uma Educação


Física Inclusiva?” observamos que 84% dos professores apre-
sentaram em suas escritas uma Educação Física Inclusiva dire-
tamente ligada ao direito de participação de todos nas aulas,
como é possível constatar nas respostas que seguem:

CHOPINHO: Uma educação onde todos possam


participar sendo sujeitos e coautores da
mesma.

GUE: Uma Educação Física onde todos tenham


as mesmas oportunidades e condições de
participar.

LIS: Onde todas as crianças tenham a possi-


bilidade de participação de forma efetiva.
(FONTE DA PESQUISADORA, 2018).

213
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

Percebemos, deste modo, que a maioria dos professores


compreende a Educação Física Inclusiva não apenas direciona-
da a participação das pessoas com deficiência nas aulas, mas
voltada para participação de todos os alunos, o que mostra que
seu entendimento está em consonância com as concepções
de Educação Inclusiva, amplamente discutidas na Educação.
Conforme Martins (1999, p. 136) a Educação Inclusiva “pres-
supõe uma ampla abertura na escola para atender a todos os
educandos, em sala regular, respeitando suas diferenças e aten-
dendo às suas necessidades individuais”. Para Glat e Blanco
(2009, p. 16) “o princípio básico deste modelo é que todos os
alunos, independentemente de suas condições socioeconômicas,
raciais, culturais ou de desenvolvimento, sejam acolhidos nas
escolas regulares”.
Segundo Mantoan (2004) as escolas inclusivas propõem
uma mudança radical de paradigma educacional, deixando de
lado a integração das pessoas com deficiência por um modo de
organização do sistema educacional que considera as necessida-
des de aprendizagem de todo e qualquer aluno e que é estrutu-
rado em função dessas necessidades. Assim concordamos que:

A Educação Inclusiva significa um novo


modelo de escola em que é possível o acesso e
a permanência de todos os alunos, e onde os
mecanismos de seleção e discriminação, até
então utilizados, são substituídos por proce-
dimentos de identificação e remoção das
barreiras para aprendizagem. Para tornar-se
inclusiva a escola precisa formar seus profes-
sores e equipe de gestão, e rever as formas de
interação vigentes entre todos os segmentos
que a compõem e que nela interferem. Precisa
realimentar, sua estrutura, seu projeto-po-
lítico pedagógico, seus recursos didáticos,

214
Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

metodologias e estratégias de ensino, bem


como suas práticas avaliativas. Para acolher
todos os alunos, a escola precisa, sobretudo,
transformar suas intenções e escolhas curri-
culares, oferecendo um ensino diferenciado
que favoreça o desenvolvimento e a inclusão
social (GLAT; BLANCO, 2009, p.16).

Deste modo, entender a Educação Inclusiva como um


processo ativo de apropriação do fazer pedagógico, não somente
para a pessoa com deficiência, mas para todos, revela, segun-
do Soler (2005), elementos essenciais para construção de uma
sociedade democrática para todos, de forma que ao serem culti-
vados na escola sejam gerados novos princípios como a cele-
bração das diferenças, o direito a pertencer, a valorização da
diversidade humana, qualidade de vida, direito a felicidade e
soma das minorias. Para o autor, educar para diversidade deve
ser o objetivo maior da educação.

Conceito de Educação Física Inclusiva

Analisando a mesma questão “o que é para você uma


Educação Física Inclusiva?” observamos que 4% não a respon-
deram e 12% a descreveram de forma confusa. Observam-se nas
seguintes respostas:

PATRÍCIA: Na Educação Física, penso que


estejamos colocando em prática e fazendo as
adequações necessárias para que o meu aluno
dentro do contexto onde vive possa integrar-
-se à aula.
APATIA: Uma Educação Física pensada na
criatividade.

215
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

VIA: É mostrar o quanto de possibilidades


existem para aquele aluno, em contrapartida
das limitações, e fazer trocas de experiências
com os demais sem distinções.

KIRA: É o respeito às potencialidades dos


alunos com limitações, ou restrições nas
práticas de Educação Física escolar. (FONTE
DA PESQUISADORA, 2018).

Podemos ver nos enunciados dos professores que não


fica clara a compreensão sobre Educação Física Inclusiva, bem
como surge à dúvida se os professores entendem a Educação
Física Inclusiva apenas pelo viés da pessoa com deficiência, que
seria uma Educação Física Adaptada ou se estão contemplando
também outros corpos sem deficiência. Segundo Leopoldino
(2018, p. 23) a Educação Física Adaptada se difere da Educação
Física Inclusiva por propor atividades que são desenvolvidas
exclusivamente por pessoas com deficiência. Diferentemente
disto, a Educação Física Inclusiva “propõe a participação de
todos os alunos nas mesmas atividades”, o que faz o professor
pensar na organização de atividades de acordo com as carac-
terísticas de cada turma, tentando garantir o acesso a Cultura
de Movimento. Desse modo, apesar de oportunizar aprendiza-
gem para as pessoas com deficiência, não podemos configurar a
Educação Física Adaptada como Educação Física Inclusiva, tendo
em vista que não é trabalhada com todos os alunos.
Ainda na análise da mesma questão de estudo, percebe-
mos um desafio a ser enfrentado junto aos professores, o de
ampliar o conceito de Educação Física Inclusiva, uma vez que

216
Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

92%1 dos participantes da pesquisa não apresentam clareza do


papel da Educação Física no processo de inclusão, atribuindo o
mesmo sentido fornecido à educação inclusiva, desconsideran-
do assim as especificidades da área e revelando certa fragilida-
de conceitual, como se observa nos exemplos:

APOLO: Abrangente, participativa e que se


adéqua as necessidades dos alunos.

CAMILA OLIC: Todos participando e interagin-


do independente das próprias capacidades.

ELIS: A Educação Física inclusiva é a prática


das atividades de maneira que o aluno parti-
cipe efetivamente da aula.

AVA L O N: P a r t i c i p a ç ã o. (FO N T E DA
PESQUISADORA, 2018).

Segundo Morais Sobrinho (2017, p. 26) a “Educação Física


Inclusiva apresenta especificidades quanto aos seus conteúdos
e tais diferenças implicam saberes que, diante das demandas
inclusivas, são desafiados a se refazerem”. Assim, compreen-
demos que em decorrência do alto percentual apresentado
acima, precisamos urgentemente refletir sobre a Educação
Física Inclusiva, entendendo que a participação de todos é
essencial, mas planejar as aulas partindo exclusivamente desse
elemento não dará conta de atender as especificidades da área.
A Educação Física Inclusiva é um conceito muito mais amplo e

1 Incluímos nos 92%: as questões não respondidas (4%), a maioria dos profes-
sores que compreendem a Educação Física Inclusiva como direito de todos,
mas não apresentam as especificidades da área (76%) e os que não apresen-
tam clareza em suas respostas (12%).

217
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

só foi mencionado por apenas 8% dos professores pesquisados,


como exposto nos exemplos:

ELY: Que todos os corpos (com deficiência


ou não, negros, pardos, femininos, masculi-
nos, gordos, negros, eficientes, ineficientes,
etc.) tenham acesso aos saberes da Cultura
de Movimento e exerçam sua cidadania na
escola.

DANTE: Incluir todos e nos mais diversos tipos


de conteúdos (danças, lutas, ginásticas, etc.),
buscando modos de inserir alunos que prefe-
rem não se envolver ou participar das aulas.
(FONTE DA PESQUISADORA, 2018).

Para esses professores a Educação Física Inclusiva tem o


papel de garantir o acesso a Cultura de Movimento a todos os
alunos, independentemente de suas diferenças. Observamos
aqui, que a cultura e o corpo em movimento são elementos
fundamentais para as experiências de aprendizagem nas aulas
de Educação Física inclusiva na escola.
Nesse sentido, compreendemos que o papel da Educação
Física frente à inclusão é muito mais que garantir a participa-
ção dos alunos nas aulas, passa conforme Ferreira e Barreto
(2013), necessariamente, pelas mais diferentes possibilidades
de práticas/vivências corporais que favorecem a aprendiza-
gem e o conhecimento de si e do outro, intensificando valores
culturais, sociais e de qualidade de vida, por uma abordagem
que valoriza a diversidade de corpos presentes na escola, bem
como por procedimentos pedagógicos que repudiam o modelo
competitivo tradicional, por selecionar os mais aptos.

218
Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

Logo, diferentes vivências corporais têm


sido requisitadas a fim de se constituir uma
Educação Física inclusiva. O que tem impor-
tância, nesse momento, são as mais diver-
sas possibilidades corporais, levando-se em
consideração um novo tipo de homem, mais
especificamente, outra forma de subjetivida-
de (FERREIRA; BARRETO, 2013, p. 49).

Desse modo, as autoras enfatizam a necessidade de refle-


tir sobre a compreensão do que é corpo e o seu significado,
entendo que para uma Educação Física inclusiva é fundamental
oportunizar práticas corporais que enriqueçam as experiências
dos alunos, independentemente de suas capacidades motoras.
Conforme Morais Sobrinho (2017, p. 26):

Atualmente, as demandas por uma Educação


Física Inclusiva configuram-se como uma
importante tendência na configuração de
arranjos pedagógicos mais abertos e críticos.
Tais arranjos não implicam novas propostas
pedagógicas, mas sim processos ativos de
apropriação do fazer pedagógico não somen-
te para a pessoa com deficiência como ainda
para todos que sofrem processos de exclusão
velados ou explícitos nas aulas de Educação
Física ou em outros componentes.

Necessita-se assim de um olhar sensível para cada aluno,


para que seja possível perceber essa exclusão velada ou explíci-
ta, todavia, notá-la, muitas vezes, torna-se um grande desafio
para o professor, em virtude de assumir muitas turmas e conse-
quentemente muitos alunos, que, em alguns casos, só têm uma
aula semanal de Educação Física na rede municipal do Natal.

219
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

Nos casos em que é possível notar a exclusão, dependendo das


características que esta apresente, pode ser exigido do profes-
sor um pouco mais de tempo e atenção, configurando-se como
outro desafio a ser superado, pois a maioria destes profissionais
tem pouco tempo para planejar, considerando a quantidade de
turmas que leciona.

O corpo na Educação Física Inclusiva

Dentre os 84% dos professores que entendem a Educação


Física Inclusiva relacionada ao direito de participação de todos
os alunos nas aulas, notamos que 60% destes atribuem também
a Educação Física Inclusiva a necessidade de considerar as dife-
renças individuais no processo de ensino aprendizagem. As
falas a seguir esclarecem melhor esta constatação:

LEON: Fazer com que todos os alunos partici-


pem das aulas, independente de habilidades,
aspectos físicos, intelectuais, sociais, gênero,
onde todos participem sem exceção.

DORA: O respeito à diversidade e a sensibili-


dade e uma consciência humanizadora rela-
cionada às diferenças.

MANINHA: Educação física inclusiva é


garantir que todos os alunos tenham direi-
tos iguais, respeitando suas especificida-
des, pois cada criança é única. (FONTE DA
PESQUISADORA, 2018).

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Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

Frente a esses excertos, entendemos que os professores


percebem a exclusão de outros sujeitos nas aulas de Educação
Física, além das pessoas com deficiência. Ao citar os diversos
sujeitos que devem ser envolvidos nas atividades propostas nas
aulas, os professores apontam um rompimento com a exclusão
dos corpos menos hábeis e ao mesmo tempo traz à tona uma
concepção de corpo que ultrapassa o aspecto instrumental,
uma vez que passa a ser visto para além dos resultados de seu
desempenho, de seu adestramento, abrindo espaço para pensar
em um sujeito que constrói conhecimento a partir do vivido.
Assim, as experiências corporais ganham mais importância:

DENILSHOW: A Educação Física inclusiva


é aquela que possibilita a todos os alunos a
possibilidade de experimentar novas práti-
cas corporais, de acordo com suas limitações
e características individuais.
ELY: Que todos os corpos (com deficiência ou
não, negros, pardos, femininos, masculinos,
gordos, negros, eficientes, ineficientes, etc.)
tenham acesso aos saberes da Cultura de
Movimento e exerçam sua cidadania na esco-
la. (FONTE DA PESQUISADORA, 2018).

Percebemos a partir desses resultados que o corpo é citado


de forma direta nas duas primeiras respostas e indiretamente na
segunda, fazendo-nos perceber que há a presença da valorização
do corpo em sua unicidade e diversidade. Para Nóbrega (2010),
a experiência vivida e suas significações são as únicas formas
de conhecer a si mesmo, assim, torna-se iminente que o corpo
seja ressignificado no contexto das práticas pedagógicas, pois o
corpo é o traço mais significativo da presença humana. O corpo é

221
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

nosso eixo estruturante à condição humana, sendo inimaginável


conceber o ser dissociado de sua existência corpórea.
É importante destacar que esta forma de perceber o
corpo não deve se restringir as pessoas sem deficiência. A
esse respeito Porto e Gaio (2006), dizem que somos corpos
que precisam ser vistos, precisam ser sentidos, corpos que
precisam ser tocados, independente de termos uma deficiência
ou não, e a criança não pode ficar de fora de suas atividades
devido a sua condição física, daí a necessidade de um trabalho
minucioso, inclusivo, garantindo a equidade de oportunidades
de participação. Nesse sentido, compreendemos como Soler
(2005) que a Educação Física Inclusiva é uma tarefa árdua, pois
rompe com uma história repleta de adestramento, exclusão,
alienação e marginalização dos corpos menos hábeis, gordi-
nhos, tímidos, meninas e crianças com deficiência nas aulas de
Educação Física escolar, resquício das tendências e abordagens
pedagógicas tradicionais comprometidas com fatores políticos
e econômicos do país.

Tecendo primeiras considerações

Embora as primeiras análises, aqui apresentadas, apon-


tem números favoráveis em relação à Educação Física Escolar
inclusiva para além das questões referentes aos corpos com
deficiências, consideramos necessário continuar enfocando esta
temática, pois a exclusão se apresenta de muitas maneiras, não
é exclusividade da pessoa com deficiência. Não queremos com
isso desmerecer a atenção diferenciada que se garantiu a esta
minoria social, tendo em vista que o atendimento diferencia-
do se faz indispensável diante das suas especificidades, mas

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Ana Aparecida Tavares da Silveira / Sára Maria Pinheiro Peixoto / Fabyana Soares
de Oliveira / Angela Brêtas Gomes dos Santos / Maria Aparecida Dias

precisamos compreender também que outros corpos também


estão à margem dos processos de ensino-aprendizagem e sendo
assim também precisam ser vistos e contemplados.
Entendemos deste modo, que um número considerável
de professores ainda não compreende o que é a Educação Física
Inclusiva, considerando suas especificidades, como também
outros não a compreendem como direito de todos. Assim, é
fundamental refletir sobre estas questões para que o profes-
sor possa compreender o papel da Educação Física frente às
múltiplas exclusões presentes nas aulas, que em muitos casos
são despercebidas em detrimento de tantas outras dificuldades
vividas nesse espaço.
Por fim, acreditamos que o preparo do professor e a
formação contínua devem dar conta do papel social do educa-
dor frente à realidade (SILVA, 2011), questionando e buscan-
do compreender conceitos importantes para o nosso fazer
pedagógico. Todavia, sabemos que a inclusão não se resume
a compreensão de conceitos, tendo em vista que muitos fato-
res a compõe, mas entender com clareza que uma Educação
Física Inclusiva não se resume ao acesso e garantia de ensino
apenas aos corpos com deficiência pode abrir de fato novos
olhares para uma educação com mais respeito às diferenças,
com mais igualdade e equidade social, onde, por exemplo, os
corpos menos habilidosos não continuem se sentindo menos
capazes por falta de oportunidade de participação nas aulas.
Também é preciso considerar que uma pessoa com defi-
ciência se constitui em um corpo, pois antes de sua deficiência,
ela é um sujeito, e que se faz presente no mundo como corpo,
enquanto condição de existência (PORTO; GAIO, 2006). A inclu-
são é para todos e sendo assim deve ser repensada de tempos
em tempos até que cada corpo sujeito possa ser contemplado.

223
Tema 3: Corpo e educação
A inclusão na Educação Física escolar: de quais corpos falamos?

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escola plural. Rio de Janeiro: Sprint, 2005.

225
QUEBRANDO OS “TABUS” CULTURAIS
SOBRE O CORPO: A EMANCIPAÇÃO
DA MULHER BRASILEIRA A PARTIR
DE UMA PERSPECTIVA TEMÁTICA
DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Cyntia Emanuelle Souza Lima


Emmanuelle Cynthia da Silva Ferreira
Luiz Sanches Neto
Luciana Venâncio

Introdução

Há questões desafiadoras sobre a prática pedagógica da educa-


ção física escolar, como questões didáticas e relacionais, que
afetam professores(as) e alunos(as) da educação básica brasi-
leira. Algumas proposições teóricas e metodológicas apontam
para a criticidade dos processos de ensino e de aprendizagem.
Contudo, durante a formação inicial de professores(as), há
temáticas que são pouco abordadas como demandas relevan-
tes para a intervenção docente. De acordo com Jacó e Altmann
(2017, p. 3), “as aulas de educação física, que têm no corpo e no
movimento sua atenção, por muito tempo foram entendidas
como um instrumento fundamental nas escolas para a educa-
ção/disciplinamento do corpo e seus sentidos”.

226
Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

Esse tipo de educação do corpo, conforme Jacó e Altmann


(2017), era baseada na dicotomia entre masculino e feminino.
Nesse sentido, a organização dos espaços e as aulas eram pensa-
das separadamente para as alunas e para os alunos. Entretanto,
há novas propostas para pensarmos sobre o corpo, a corporei-
dade e o movimento como dinâmicas que permeiam a educação
física escolar. Não é cabível, por exemplo, que os(as) professo-
res(as) limitem suas ações a orientações legais compreendidas
de modo pouco aprofundado para promover a participação e
envolvimento nas situações de aprendizagem, independente
da orientação sexual e gênero e considerando as condições de
saúde de cada um(a) (BRASIL, 1996). Porém, ainda há diferenças
nos modos de organização das aulas (CORSINO; AUAD, 2012),
bem como no engajamento dos(as) alunos(as) (JACÓ; ALTMANN,
2017). A sutileza de algumas dessas diferenças durante as aulas
de educação física indica dispositivos de manutenção de lugares
pré-definidos historicamente para cada gênero, que entende-
mos como “tabus”.
Assim, para compreender as problemáticas relacionadas à
equidade e à diversidade é necessário, primeiramente, reconhe-
cer que a educação física escolar é potencializadora de proces-
sos de contextualização cultural que têm interferido, direta e
indiretamente, sobre os corpos e as relações (inter)pessoais.
Machado e Pires (2016) ressaltam que, desde a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional/LDBEN de 1996 (BRASIL, 1996),
a educação física é considerada como componente curricular
obrigatório, sendo responsável pela elaboração do projeto político
pedagógico, conforme salientaram Venâncio e Darido (2012). Por
isso, a educação física pode propor ao coletivo escolar que o foco
das discussões sobre o corpo e a sexualidade sejam incluídas e
contextualizadas efetivamente no processo de escolarização.

227
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

Todavia, nós convivemos em uma sociedade ainda retró-


grada e conservadora que tem seus alicerces firmados em rela-
ções hierarquizadas de poder que desvalorizam a mulher, em
diversos setores, sobretudo em contextos de profunda exclusão
social, como o escolar (FRANCO, 2018). Além disso, o atual gover-
no brasileiro de extrema direita dificulta a luta enfrentada por
mulheres, que são contra a pobreza e a fome; reforça e promove
a violência; agrava as condições de acesso à moradia, saúde e
educação; acentua injustiças históricas e estruturais e gera mais
desigualdade e exclusão social (LAVINAS; GENTIL, 2020). Esse
contexto afeta a vida de cada ser humano, de cada sujeito, de
cada corpo e suas intersubjetividades.
Sabemos que o entendimento do corpo é resultante de
uma construção cultural, na qual a conceituação de “natural”
coexiste em função da intervenção da cultura (GOELLNER, 2010).
Então, é necessário problematizar, desconstruir e ressignificar
conceitos que reforçam a naturalização de atitudes preconcei-
tuosas e de condutas discriminatórias. Ao mergulharmos no
contexto escolar, o debate contemporâneo sobre as relações de
gênero denota um sentido político polarizado — típico da polí-
tica partidária — que mascara a importância dessas discussões
e reflexões no combate dos “tabus” que reproduzem diversas
formas de opressão.
Além disso, a mulher brasileira está inserida dentro dessa
problemática de modo mais amplo, devido à convergência com
outros fatores, como o fator racial, que se mantém histórica
e socialmente segregacionista, na maioria das vezes, na esco-
la, na família, na moradia, no trabalho e na condição de vida
em sociedade como um todo. De acordo com Lovell (2000, p.
88), “raça, gênero e classe moldam a vida de todos(as) os(as)
brasileiros(as) de maneira inseparável”. Essa vicissitude está

228
Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

imbricada no país de tal maneira que afeta os processos educati-


vos, culminando na discriminação das mulheres, principalmen-
te na desvalorização das relações com os saberes de mulheres
negras (VENÂNCIO, 2019). Por isso, assumimos a intersecciona-
lidade como perspectiva para a nossa análise, sob uma lógica
complexa de intersecções entre relações sociais em uma dinâ-
mica conjunta de raça, gênero e classe (CORSINO, 2019).
No contexto da escolarização, conforme Marrero (2008),
essas relações com os saberes coadunam-se à necessidade de
que a escola seja transformadora para que as mulheres não
sejam subordinadas à desigualdade de gênero. Para a tomada
de consciência e criticidade nos processos educacionais — com
o sentido de promoção da justiça social (SCHENKER et al., 2019)
— é imprescindível que a escola não reproduza a inferiorização
da mulher e que não perpetue a hierarquização baseada nas
desigualdades históricas e sociais. A escolarização pode revelar
possibilidades de novas construções de relações com os sabe-
res (CHARLOT, 2000), sem discriminação e buscando quebrar
obstáculos para a consolidação de uma sociedade democrática,
como uma escola que promova a (auto)crítica e emancipação
humana (VENÂNCIO, 2017).
Durante a graduação, no curso de licenciatura em educa-
ção física, duas autoras deste estudo tiveram oportunidade
de mobilizar saberes a partir de disciplinas e de programas
que potencializaram aspectos democráticos e justiça social.
Algumas dessas ações proporcionaram experiências baseadas
no (re)conhecimento das realidades das escolas e na reflexão
sobre as próprias práticas pedagógicas. Além disso, as expe-
riências fomentaram a elaboração dos projetos de pesquisa de
ambas autoras para investigações situadas na educação física
escolar, no âmbito do mestrado acadêmico no Programa de

229
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do


Rio Grande do Norte. Este estudo abrange uma problemática
comum às pesquisas das duas investigadoras, com a mediação
da orientadora e a participação crítica de um professor-pesqui-
sador, que colaboram como coautores(as) deste capítulo. O nosso
objetivo é interpretar como elementos da relação com o saber
— de alunos(as) do ensino médio — possibilitam intervenções
situadas a respeito das questões de gênero — por licencian-
dos(as) em educação física.

Percurso metodológico

O estudo está ancorado em algumas características da


pesquisa qualitativa, situado como um processo investigativo
que não teve quaisquer pretensões de generalização, conforme
orientam Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999) e Sandín-
Esteban (2010). Como itinerário, destacamos que o ponto de
partida teórico e metodológico está uma disciplina – Educação
Física no Ensino Fundamental e Médio — ofertada no segundo
semestre de 2018 e cursada pelas duas autoras principais duran-
te a formação inicial em licenciatura no Instituto de Educação
Física e Esportes da Universidade Federal do Ceará. Por um lado,
o catalisador teórico foi a discussão, análise crítica e tematiza-
ção de de alguns documentos oficiais orientadores dos níveis
de ensino que compõem a educação básica brasileira, nas aulas,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL,
1997), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017),
as Matrizes Curriculares Regionais (CEARÁ, 2009) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006, 2013). Por outro lado, o
catalisador metodológico foram as vivências e os modos de

230
Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

acesso aos saberes dos(as) alunos(as) a respeito de determina-


dos conteúdos nas aulas de educação física no ensino médio.
Como colaborador crítico (LUTTRELL, 2005), o professor-
-pesquisador responsável pela disciplina — que tem acompanha-
do a trajetória acadêmica das mestrandas desde a graduação
— é um coautor neste estudo. O trabalho foi organizado em duas
fases. Realizamos, inicialmente, uma análise documental em
quatro fontes, considerando como as temáticas relacionadas ao
gênero e à sexualidade eram citadas. Destacamos, no Quadro 1,
a quantidade de vezes que os termos “gênero” e “sexualidade”
incidiram nos documentos, especificamente no que diz respei-
to à educação física, e uma frase de síntese alusiva à “quebra
de paradigmas”. Ressaltamos que a contagem de palavras foi
baseada em aproximações a partir de uma busca pelos termos
de forma isolada ou literal, incluindo termos correlatos (como
“homem” e/ou “mulher”).

231
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

Quadro 1 – Análise documental

Fonte: elaborado pelos(as) autores(as)

Após a análise documental, realizamos uma segun-


da fase, baseada em um questionário e nas intervenções que
foram agrupadas em duas etapas: (i) análise das respostas ao
questionário sobre os saberes dos(as) alunos(as), relacionados
às questões de gênero e de sexualidade; o formulário com as
questões foi utilizado – por escrito e oralmente – em uma turma
do 9o ano do ensino fundamental, com 30 alunos(as), e em uma
turma do 2º ano do ensino médio, com 26 alunos(as); (ii) análise
da intervenção realizada no contexto de uma aula, na turma
do ensino médio, para tematizar as questões de gênero e de
desigualdade social. Optamos pela ênfase na turma do ensino
médio devido à ausência de termos específicos sobre a temática

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Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

no documento curricular. Houve anuência dos(as) participantes


e de seus(as) representantes legais mediante o consentimento
da escola para a realização do estudo, que faz parte de um proje-
to de pesquisa mais amplo, devidamente aprovado pelo núcleo
de pesquisa institucional a que foi submetido. Confrontamos
os dados gerados em ambas as fases para apresentar e discutir
os resultados.

Resultados – Por que tenho que dizer se sou um


aluno ou uma aluna? Que importância tem isso?

Para apresentarmos os resultados com coerência, preci-


samos explicitar que vários(as) estudantes do ensino fundamen-
tal e médio não quiseram identificar no formulário se eram do
sexo feminino, masculino ou de outro. Por ter sido um trabalho
de análise documental, exploratória e descritiva entendemos
que esse fato não comprometeu os achados e nos fez apresentar
excertos que fossem ao encontro dos objetivos propostos.
Para compreender o gênero como constituinte das iden-
tidades dos sujeitos, Louro (1997) aponta que precisamos enten-
der que cada sujeito está constantemente (re)construindo-se
e transformando-se em suas relações sociais. A partir disso, é
importante demonstrar aos(às) estudantes que eles(as) possuem
lugares de fala e de escuta, a fim de que se sintam à vontade
para compreender aspectos das suas identidades e das suas
sexualidades, considerando ambas como constructos. Na pers-
pectiva crítica de Ribeiro (2017) sobre o lugar de fala, a lingua-
gem serve como um aparelho de conservação de poder para
uma colonização baseada no pensamento dominante.

233
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

O questionário utilizado com as turmas foi constituí-


do por charges e situações-problemas que incentivaram os(as)
alunos(as) a pensar de forma crítica sobre as problemáticas cita-
das. O Quadro 2 mostra três questões extraídas do formulário,
em que podemos perceber como as temáticas estão presentes
no cotidiano dos(as) alunos(as), bem como a sua relevância.

Quadro 2 – Temáticas

Fonte: elaborado pelos(as) autores(as)

A partir dessas respostas, percebemos que existem


estereótipos atrelados aos papéis dos indivíduos e das suas
representatividades. Por exemplo, na questão 2, ao tratarmos
da associação de palavras ao papel do homem e da mulher na
sociedade, houve ênfase nas características físicas, acessórios e
estereótipos acerca da mulher. Porém, quando foram solicitadas
palavras quanto ao papel dos homens, o foco foi nas caracte-
rísticas que ressaltam a virilidade masculina e nos aspectos
profissionais. Esses indícios reafirmam as observações de Cruz
e Palmeira (2009) de que, historicamente, é destinado à mulher
majoritariamente o papel secundário.

234
Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

Outro ponto que chamou nossa atenção foi o momento em


que deixamos aberto para comentários escritos ou falados sobre
o assunto. Ouvimos sensivelmente comentários como: “Acho
ridículo até hoje as pessoas dizerem que existe brincadeira só
para menina e outras para menino”; ou um sentimento de revol-
ta expressado por uma aluna quando fala: “Sinto nojo e revolta
quando essas desigualdades acontecem, pessoas que ocupam
os mesmos cargos com salários diferentes por ser homem ou
mulher. A sociedade é machista”.
De acordo com a noção de relação com o saber (CHARLOT,
2000), esses comentários — que ressoam abertamente no
diálogo com a turma — podem representar componentes que
desfavorecem a mobilização dos sujeitos ao aprendizado e à
participação nas aulas de educação física. Porém, paradoxal-
mente, também podem estampar o lugar de fala de estudan-
tes invisibilizados(as). Assim, conforme Cameron e Humbert
(2020), são atitudes como essas que constituem as “meninas
fortes” e capazes de transformar o ambiente de aula para redu-
zir comportamentos de alunos que reproduzem as desigual-
dades como práticas. Os(as) professores(as) podem fomentar a
aprendizagem, contribuindo à compreensão das diferenças e à
conceituação criteriosa da igualdade de gênero (ADICHIE, 2017).
Destacamos algumas respostas dos(as) alunos(as) do ensi-
no fundamental, que abordam a pertinência desta temática em
suas vidas. Um(a) aluno(a) citou que gostaria de assumir a sua
homossexualidade e que trabalhar tais questões na escola o(a)
ajudaria. Surpreendemo-nos com esse dado, assim como nos
defrontamos com diversos comentários dos(as) alunos(as) criti-
cando a eleição do candidato de extrema direita à presidência
do Brasil, argumentando sobre suas atitudes racistas, machis-
tas e homofóbicas. Já as respostas dos(as) alunos(as) do ensino

235
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

médio tiveram foco nas relações de gênero na sociedade, com


alguns comentários e dúvidas a respeito do uso do nome social.
Houve menção ao decreto federal, aprovado em 2016, que garan-
te o reconhecimento da identidade de gênero (BRASIL, 2016).
Além disso, houve uma breve discussão a respeito do casamento
entre pessoas do mesmo sexo e/ou gênero.
Analisamos as respostas dos(as) alunos(as) com a inten-
ção de elaborar duas intervenções, elencando como objetivo
principal os questionamentos levantados pelos(as) próprios(as)
alunos(as). Por meio dessas intervenções, sobretudo da inter-
venção realizada com a turma do ensino médio, conseguimos
identificar que é absolutamente imprescindível elencar tais
temáticas no contexto escolar. É na escola que identificamos
e vivemos as pluralidades do ser humano e afirmamos nossa
intersubjetividade nas relações sociais, situando-nos critica-
mente (RIBEIRO, 2017). Baseando-se nos estudos de Betti et al.
(2014) e de Corsino e Auad (2012), reconhecemos que o desa-
fio da intervenção não é somente na proposição de aulas que
problematizam, mas que também há necessidade de formar
alunos(as) como sujeitos(as) autônomos(as) e emancipados(as),
que exerçam plenamente a (auto)crítica. Nesse sentido, enten-
demos que é possível abordar a temática mesmo nas aulas que
não sejam exclusivamente planejadas para esse assunto, porque
está presente em diversos momentos cotidiano.

Discussão – O corpo em relações


de saberes complexas

O corpo tem variações de significado à medida em que são


influenciadas pelo tempo e pela cultura, ele em si, é histórico

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Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

e valorativo. A ascensão da modernidade traz à tona a ótica do


corpo como centro de discussões sobre suas funções produtivas,
sanitárias, morais e de controle da sociedade (BRACHT, 1999;
COSTA et al., 2018). Por outro lado, o termo corporeidade surge
como produto de reflexões filosóficas pela busca de emanci-
pação humana concordando com a dialética da complexidade
do corpo.
Ainda sob a ótica de uma análise reflexiva a respeito do
corpo, é importante destacar as inúmeras exigências sociais
que os cercam. A partir de tais exigências podemos perceber
a complexidade das relações que criamos com nosso próprio
corpo e com o corpo do outro, tal complexidade pode influen-
ciar na aceitação das mudanças que ocorrem bem como pode
gerar uma busca por alcançar determinados padrões muitas
vezes propagados pela mídia (FRANCO et al., 2018).
A educação física escolar, historicamente, tem contribuí-
do tanto nas dimensões corpóreas e suas funções diante da
sociedade, quanto no âmbito de discussões polissêmicas dos
corpos. Com a redemocratização brasileira, proposições teóri-
co-metodológicas progressistas e críticas promoveram altera-
ções nos processos de ensino e de aprendizagem. Na atualidade,
levando em conta as críticas aos documentos curriculares que
orientam o trabalho com a educação física escolar, percebemos
lacunas ao relacioná-los aos saberes dos(as) alunos(as) e à rele-
vância em cada realidade escolar. Entendemos que uma aula
coerente precisa ser integrada à vida e que isso é inviável de ser
concretizado sem conhecer a realidade dos(as) alunos(as), valo-
rizar suas necessidades, bem como considerar os seus saberes
e as suas relações com esses saberes.
A educação física escolar detém o movimento como
elemento primordial para o aprendizado, mas também

237
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

interdependente dos elementos culturais, os aspectos pessoais


e interpessoais e demandas do ambiente, como declara Sanches
Neto (2008, 2013). Indo ao encontro a essa convergência neces-
sária para a complexidade das aulas, consideramos que o(a)
professor(a) apreende de debates imprescindíveis sobre o corpo
no espaço-temporal da escola ao campo de práticas pedagógicas
(COSTA et al., 2018).
Segundo Betti et al. (2014), existe uma relação dialógica
entre mundo e movimento. Nessa relação não é possível que
existam sob alguma configuração isolada, pois um está imerso
no outro. Assim, admitindo a dialógica como premissa, perce-
bemos que as relações que anteriormente eram consideradas
externas à escola, na verdade nunca o foram. Essas relações
com os saberes fazem parte da construção de cada ser humano.
Merleau-Ponty (1999), ao refletir sobre o emergente afas-
tamento de si com o próprio corpo, compreende que não há
uma dissociação, pois existe uma dinâmica de redescobrimen-
tos em si de significação do mundo, como “ser no mundo”; em
circunstâncias educacionais, rememoramos os sentidos que a
disciplina de educação física relaciona-se com os(as) alunos(as)
como corpos plenos de potência em uma demanda progressiva
por emancipação.
De acordo com Charlot (2000), So e Betti (2018) e Venâncio
(2019), aprender é uma condição obrigatória ao ser humano
porque, para viver no mundo, é necessário aprender a firmar
relações dinâmicas com ele e com os(as) outros(as). Essa dinâ-
mica é intersubjetiva e, portanto, para entendermos a relação
da educação física escolar com as questões de gênero precisa-
mos nos livrar de alguns (pré)conceitos estabelecidos social-
mente. É necessário refutar desde a justificação anatômica ou
biológica para a separação de alunos e alunas nas vivências

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Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

de modalidades esportivas à análise do comportamento dos


corpos, classificando de modo enviesado o feminino como
uma característica exclusivamente das meninas e o masculino
uma característica dos meninos, que é uma representação que
persiste culturalmente nas aulas.
Cabe compreender que os aspectos da masculinidade e
da feminilidade são conceitos socialmente construídos para
que, como professores(as), não lancemos sobre nossos(as)
alunos(as) expectativas errôneas. Por isso, ao mencionar o
aspecto relacional do gênero é importante ressaltar que não se
pode entender a feminilidade sem dar conta da masculinidade
e vice-versa. Segundo Santos (2010), os estereótipos vinculados
à construção dos significados de feminilidade e masculinidade
estão diretamente relacionados, ou seja, as mudanças em um
geram alterações em outro. O que nos leva a considerar que
os gêneros se (re)fazem continuamente ao longo da existên-
cia e essas mudanças, na visão de Altmann (2006), evidencia
que polaridades de gênero e de sexualidade são socialmente
construídas, sendo, portanto, passíveis de problematização,
desconstrução e ressignificação.
Segundo Auad e Corsino (2018), há ainda um discurso
ancorado no fundamentalismo religioso que criminaliza a ideia
de elaborar as questões de gênero e de sexualidade no ambien-
te escolar. Esse discurso é frequente, embora seja visível que
nas realidades das escolas tais questões estão eminentemente
presentes, não somente nas aulas de educação física, como no
cotidiano das relações humanas. Altmann (2017, p. 20) diz que:
“Mas, se a segmentação de meninos e meninas vem sendo supe-
rada, as desigualdades de gênero nas aulas ainda se mostram
um desafio”. Por isso, se faz importante considerar a experiência

239
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

dos(as) alunos(as) como ponto de partida para se pensar percur-


sos e processos de aprendizagem na educação física.
É crucial perceber que a experiência e os saberes dos(as)
alunos(as) é o que deve mover as aulas. Dar voz — e ouvidos
— aos(às) estudantes trata-se não somente de “corrigir” suas
ações; às vezes, queremos dar voz aos(às) estudantes como
forma de “compensar” a nossa própria realidade (MCLAREN,
1997). Perceber o contexto das aulas de educação física envolve
primeiro nos desprendermos das análises binárias que
constituem uma feminilidade e uma masculinidade enviesadas,
para que assim superemos os preconceitos — limitados e
limitantes –— que impomos — às vezes involuntariamente —
sobre os corpos dos(as) alunos(as).
Outro ponto que precisamos assumir é de que não é
coerente tratar essas temáticas de forma isolada, como se esti-
vessem presentes apenas na escola, pois são construídas de
modo não linear em cada cultura. Cabe à escola e à educação
física enquanto componente curricular, respectivamente, assu-
mirem a sua função política e social e a sua intencionalidade
pedagógica, e de fato, dar voz e escuta aos(às) alunos(as).
A criticidade na educação física escolar tem pressupos-
tos teórico-metodológicos que refutam os dualismos simplistas
estabelecidos historicamente. Nesse sentido, o fortalecimento
da especificidade da área pode proporcionar ações didático-pe-
dagógicas nas aulas para que cada professor(a), em consonância
com seus(as) alunos(as), contribuam na elaboração de saberes
de forma colaborativa. Por sua vez, seriam maneiras de cons-
truir e promover a justiça social, de forma que professores(as)
e alunos(as) possam discutir e problematizar aspectos condi-
cionantes da socialização, estratificação social e desigualdades
de poder nas suas vidas e nas de outros sujeitos.

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Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

Conforme Jacó e Altmann (2017), os(as) alunos(as) têm


modos diferentes de participação e de engajamento nas aulas
de educação física, sendo recorrente que as meninas tenham
participações mais limitadas e menos envolvimento devido,
entre outros fatores, aos significados atribuídos aos conteúdos
e às práticas corporais. Os currículos escolares selecionam
saberes, por meio de relações de poder, que reforçam visões
sectárias na construção das identidades de sujeitos específicos
(JACÓ; ALTMANN, 2017). Então, os saberes curriculares que
circulam oficialmente dentro da escola não são neutros, nem
desinteressados, e foram selecionados entre diversos outros
saberes culturalmente produzidos. Por isso, assim como Hooks
(2013), nós defendemos o sentido da transgressão na relação
com esses saberes porque a escola é um lugar de confronto
entre lugares de fala.

Considerações

Consideramos que há relações hierárquicas observáveis


e que os(as) alunos(as) consideram as temáticas de gênero e de
sexualidade relevantes nas aulas de educação física. Também
identificamos que os(as) professores(as) podem ensinar conteú-
dos temáticos problematizadores para a aprendizagem com
respeito aos corpos masculinos e femininos, contribuindo
para a compreensão das diferenças e para a (re)construção dos
conceitos com ampliação crítica e emancipatória da igualdade
de gênero. A escola é um dos lugares de confronto de interesses
entre o status quo e os sujeitos, que criam suas próprias relações
e significações. No contexto brasileiro, a escola pública é um

241
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

espaço de resistência e a escolarização engendra uma tempo-


ralidade transgressora.
Analisando o trajeto percorrido na pesquisa, reforça-
mos a perspectiva de Cameron e Humbert (2019) à medida que
as temáticas de gênero e de sexualidade tornam-se visíveis
aos(às) alunos(as), explicitando algumas desigualdades em
contextos sociais e escolares, incentivando-os(as) a questionar
a legitimidade e a fonte de determinados ideais (patriarcais e
hierárquicos), criando um ambiente mais propício à reflexão e
à ressignificação das relações sociais. Sugerimos a realização
de investigações que ampliem os olhares e as possibilidades de
promover a justiça social. Como caminho, apontamos a cola-
boração entre professores(as)-pesquisadores(as), de modo a
explicitar a relevância de novas nuances nas relações com os
saberes dos(as) estudantes.

242
Cyntia Emanuelle Souza Lima / Emmanuelle Cynthia da Silva
Ferreira / Luiz Sanches Neto / Luciana Venâncio

REFERÊNCIAS

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243
Tema 3: Corpo e educação
Quebrando os “tabus” culturais sobre o corpo: a emancipação da mulher
brasileira a partir de uma perspectiva temática da Educação Física escolar

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247
PESQUISAS SOBRE O CORPO
NEGRO NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Hudson Pablo de Oliveira Bezerra


José Pereira de Melo

Introdução

Nas nossas reflexões defendemos a ideia de que a invisibili-


dade do corpo negro foi e é uma tentativa história de negá-lo.
Observa-se que nas diferentes estratégias de dominação, com
resultados diversos aos negros e negras, foram historicamente
empreendidas violências e exclusões por parte dos corpos bran-
cos das elites dominantes. Era preciso se libertar de tudo que
envolvesse o corpo negro nos seus diversos saberes e práticas,
como as tradições festivas, religiosas, relações sociais, entre
outras. Apenas os saberes e técnicas do universo do trabalho
seriam úteis, visto que, foram imensamente explorados espe-
cialmente nos processos de colonização europeia.
Na realidade brasileira essa lógica foi seguida e os saberes
e práticas do universo do trabalho negro foram imensamen-
te explorados. Para tanto, no processo de escravização desses
corpos a violência e a crueldade foram impostas desde as estra-
tégias para arrancá-los de suas terras e trazê-los para o que se
dizia novo mundo, bem como nas atividades aqui desenvolvidas.
Assim, historicamente foram excluídos de cenários importantes
para a formação cidadã como os espaços de ensino, por exem-
plo, ficando à margem das várias estruturas sociais. Todavia,

248
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

é preciso evidenciar que mesmo diante de todas as forças


opressoras, os negros não aceitaram pacificamente os abusos
sofridos e em todo processo buscaram inúmeras estratégias
de rebelar-se e resistirem, mesmo que para isso entregassem
a própria vida.
O corpo negro é antes de tudo um corpo da resistência, e
seus saberes e práticas vão muito além do universo do trabalho.
É preciso apenas que lhe sejam ouvidas suas vozes e garantidas
liberdades para que se apresentem verdadeiramente e cons-
truam novos sentidos para as relações sociais dos espaços em
que habitamos. Para isso, é preciso continuarmos os enfren-
tamentos cotidianos das relações racistas e discriminatórias.
Na busca de compreender tal realidade, transitamos
do universo das relações à produção do conhecimento sobre
o corpo negro. No universo das pesquisas da Educação Física,
por exemplo, o corpo negro ficou também, de certa forma, invi-
sível por longo tempo. Contudo, quando aparecia estava ligado
a estereótipos e comportamentos negativos. Reconhecemos
que algumas mudanças já foram efetivadas, mas, no entanto,
precisamos de novos investimentos que assegurem novas liber-
dades e que reconheçam os saberes e práticas do corpo negro
na importância devida que merecem.
Na busca de identificar a produção do conhecimento
sobre o corpo negro na Educação Física, procedemos a realiza-
ção de um estudo investigativo, do tipo Estado da Arte, de modo
a mapear as produções acadêmicas (Teses, Dissertações, Artigos
e Resumos) sobre o corpo negro em sua relação com as práticas
corporais de movimento. Esse estudo foi realizado durante o
doutoramento em Educação, como forma de situar o universo
da pesquisa realizada na tese sobre os saberes, linguagens e

249
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

práticas dos corpos negros quilombolas dentro do universo das


pesquisas da Educação e da Educação Física.
A pesquisa foi realizada em três espaços, são eles: perió-
dicos, anais de eventos e no banco de teses e dissertações da
Capes. Detivemo-nos a pesquisar e analisar apenas os docu-
mentos digitais disponíveis na internet. Além disso, utiliza-
mos ainda como base para nossa pesquisa alguns termos que
pudessem delimitar nossos interesses, foram eles: Corpo Negro,
Educação Física e Movimento. Toda coleta do material aconte-
ceu durante os meses de maio e junho de 2019.

Nos periódicos...

Sobre os periódicos, a pesquisa foi realizada no âmbito


de qualis A1, A2, B1 e B2. Nesse processo, inicialmente realiza-
mos uma busca para conhecimento dos periódicos através da
Plataforma Sucupira da Capes, em seguida, com a lista desses
periódicos realizamos buscas para acessá-los e dentro desses
realizar a pesquisa com os termos acima apresentados. Caso
encontrado algum resultado com referência aos termos, abría-
mos o artigo para uma investigação mais detalhada do assun-
to abordado. Na realização dessa fase, pelo grande volume de
periódicos investigados optamos pela construção de tabelas em
que destacamos para cada área e qualis as informações refe-
rentes ao autor, título do artigo, ano de publicação, periódico
e qualis, daqueles com referências aos aspectos pesquisados.
No que diz respeito aos aspectos da Educação Física,
evidenciamos a realização de poucas pesquisas relacionadas
às discussões dos negros. Dentre as pesquisas encontradas,
destacamos que a maior parte delas se dedica às discussões

250
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

relacionadas entre os negros e o contexto do futebol brasilei-


ro e da capoeira. Encontramos também outras pesquisas que
permitiram pensar experiências pedagógica para os saberes
negros a partir de danças, a discussão sobre a inclusão do negro
nas aulas de Educação Física e a aplicação das Leis 10.639/03 e
11.645/08 no contexto da Educação Física.
Destacamos que não encontramos nenhum artigo que
fizesse referência direta às nossas intenções de pesquisa no
doutorado, fato que reafirma a originalidade da pesquisa e a
necessidade de investimento em tais discussões. Todavia, desta-
camos três artigos que oportunizaram pequenas aproximações
com o tema de nossa pesquisa. O primeiro deles, foi publicado
na revista Movimento no ano de 2014, por Kalyla Maroun, com o
título “A construção de uma identidade quilombola a partir da prática
corporal/cultural do jongo”. Esse artigo, desenvolvido a partir de
uma pesquisa etnográfica, oportuniza pensar sobre as contri-
buições do jongo enquanto manifestação do corpo em movi-
mento como possibilidade para construção de uma identidade
do corpo negro quilombola. No entanto, a pesquisa direciona-se
ao jongo enquanto manifestação e não tem intenções de rela-
cionar isso ao ambiente da Educação Física escolar.
O segundo artigo, de autoria de Thaís Godoi de Souza e
Larissa Michelle Lara, publicado na Revista da Educação Física
da UEM no ano de 2011, com o título “O estado da arte de comu-
nidades quilombolas no Paraná: produção de conhecimentos e práti-
cas corporais recorrentes” apresenta o objetivo de mapear as
produções de conhecimento sobre as comunidades quilombo-
las no Paraná, especialmente, aquelas que abordam as práti-
cas corporais. Embora, como dito anteriormente, não tenha
relações direta com nossa pesquisa, destacamos este artigo
pelo fato de em seus resultados ter referenciado a ausência

251
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

de discussões sobre práticas corporais relacionadas às comu-


nidades quilombolas, fato que buscaremos colocar em debate
com a realização de nossa tese.
O terceiro artigo que destacamos, de autoria de Ivanilde
Guedes de Mattos, publicado na Revista Espaço Plural no ano
de 2006, com o título “Educação Física e o corpo negro”, investiga
representações e identificações do corpo negro na Educação
Física escolar. Assim, a autora contribui com a discussão
sobre os saberes do corpo negro, no entanto, volta-se apenas
às discussões conceituais sobre as influências da mídia e do
processo histórico na construção de estereótipos, porém, não
avança na aproximação com o contexto da Educação Física.
Portanto, diante da análise dos periódicos e seus arti-
gos, ficou evidente que muito ainda precisa ser pesquisado
e apresentado sobre a temática envolvendo os negros, espe-
cialmente no que concerne à afirmação da importância dos
seus saberes, linguagens e práticas, reconhecendo-os como
importantes nos cenários de formação escolar, especialmente,
a partir do nosso espaço de atuação, para as ações pedagógicas
da Educação Física na escola.

Nos Anais de eventos científicos

Com relação aos eventos, fizemos a escolha de realizar


nossas investigações em dois que consideramos de grande rele-
vância para a área. O primeiro deles, Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte – CONBRACE, de grande tradição e credi-
bilidade na discussão de diferentes temas relevantes à área, e
o segundo, o Seminário de Educação Física Escolar, realizado
pela Escola de Educação Física e Esportes da USP, o qual possui

252
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

uma tradição de mais de 25 anos e possibilita o debate de temas


pertinentes ao fazer pedagógico dos professores da Educação
Física, fato esse que, por atuarmos como professores e nossa
pesquisa dedicar-se à Educação Física escolar, reforçou a escolha
desse evento.
Ambos os eventos tem realização bienal, sendo assim,
os anais analisados se referem aos anos de 2013, 2015 e 2017.
Inicialmente destacamos os resultados encontrados nos anais
do Seminário de Educação Física Escolar. Esse apresentava em sua
composição ensaios e resumos. Dentre os ensaios, não encontra-
mos nenhuma referência aos temas por nós pesquisados. Dentre
os resumos, evidenciamos a presença de várias pesquisas que
abordam de modo direto ou indiretamente saberes e linguagens
relacionadas à cultura dos negros como possibilidade de inter-
venção dentro do ambiente da Educação Física escolar.
Dentre essas pesquisas, se destacam em números pela
quantidade encontrada, várias pesquisas sobre a capoeira. A
capoeira apareceu nesses resumos como relato de experiên-
cia, abordagem enquanto conteúdo da Educação Física escolar,
memória, possibilidade de identificação dos saberes afro-bra-
sileiro e africanos, entre outros. Fica evidente, assim, que a
capoeira enquanto manifestação legítima do corpo negro já
encontra possibilidades reais de realização dentro do ambien-
te escolar, no contexto das aulas de Educação Física, seja para
vivência dos seus movimentos ou mesmo para discussão dos
aspectos culturais e históricos.
Outra característica evidenciada durante a realização
da pesquisa foi que os estudos que apresentam relação com as
discussões sobre os saberes dos negros estão em direta sintonia
com a promulgação das leis 10.639/03 e 11.645/08. Desse modo,
embora a garantia legal não assegure a garantia real de que os

253
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

saberes afro-brasileiros e africanos sejam desenvolvidos dentro


dos espaços formais de ensino, fica evidente que a promulga-
ção dessas leis já possibilitou novos horizontes pedagógicos no
trato com os saberes da Educação Física. Registramos que esses
ainda soam bastante tímidos diante o universo geral da pesqui-
sa, porém esses primeiros passos demonstram a importância e
a confiança de que podem e devem serem efetivados dentro do
universo do ensino, especialmente na área da Educação Física.
Além da capoeira, outro conteúdo que recebe protago-
nismo nos estudos da Educação Física quando relacionados aos
saberes dos negros é o Futebol. Visto como um espaço onde os
negros se afirmaram e se afirmam no cenário brasileiro, encon-
tramos pesquisas que referenciam memórias e os modos como
a identidade desses negros é construída. Outro destaque se deu
para a afirmação de um estudo de que o funk atua na construção
do corpo negro dos indivíduos que o vivenciam. Encontramos
ainda estudos que refletiam sobre a possibilidade da Educação
Física desenvolver intervenções pedagógicas que culminassem
com a formação de atitudes e práticas antirracista.
Em nossas análises encontramos outras pesquisas que
dialogam com nossas intenções, mas com a ressalva de carac-
terísticas próprias e mais pontuais a dadas realidades. Uma
delas, realizada por Corsino e Monteiro, publicada nos anais do
Seminário de Educação Física de 2013, com o título “A Educação
Física escolar no contexto da Lei 10.639/03: o que dizem os/as profes-
sores/as?”, aborda diretamente a questão da implementação da
Lei que institui a obrigatoriedade dos saberes afro-brasileiros
e africanos no ensino escolar a partir do olhar dos docentes de
Guarulhos – SP, apontando em seus resultados otimismo e o
reconhecimento da importância desses saberes. Outra pesquisa
que destacamos foi “O estado da arte sobre a temática Afro-brasileira

254
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

nos periódicos da Educação Física” de autoria de Soares, Milani e


Darido, também publicado nos anais de 2013, embora chamativo
em seu título não esclareceu quais espaços foram investigados,
porém afirma a baixa produção cientifica nessa temática.
Nos anais do Seminário de Educação Física de 2015, desta-
camos três pesquisas que se desenvolveram em relação aos
saberes afro-brasileiro e africanos. A primeira delas, “Movimento
e arte na cultura africana e afro-brasileira” de Alexandre José
Arcanjo, que relata uma experiência pedagógica no Ensino
Fundamental com danças de raízes africanas, como possibili-
dade de diálogo com a Lei 10.639/03. Em seu estudo reconhece
a importância da abordagem desse tema e saberes, concluindo
que a experiência foi um sucesso. Embora pontual a uma dada
realidade, o estudo abre perspectivas para o desenvolvimento
de outras experiências. Em outra pesquisa, “O jogo como mediador
das relações pessoais: no contexto étnico-racial”, de autoria de Dirce
Maria Moreira Batista de Souza, o jogo aparece como possibi-
lidade de diálogo da Educação Física com os saberes afro-bra-
sileiros e africanos, sendo, na experiência compartilhada, a
possibilidade de conhecimento, resolução de conflitos e cons-
trução de atitudes de respeito. A terceira pesquisa, “Educação
para diversidade: perspectivas das leis 10.639/03 e 11.645/08 na Cultura
Corporal de Movimento – novos olhares sobre a dança, cultura, mani-
festações populares e comunidade”, de autoria de Maria Virginia
André Cresta, apresenta a intenção de realizar uma discussão
conceitual sobre cultura, diversidade, identidade cultural,
gênero, inclusão, alteridade e as leis referidas em seu título.
No entanto, não apresenta muitos detalhes de como isso foi
feito e os resultados encontrados/alcançados.
Nos anais de 2017, do Seminário de Educação Física, desta-
camos novamente três pesquisas que nos permitiram perceber

255
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

mais de perto o modo como os saberes dos negros vem sendo


abordado nos estudos da Educação Física. Na primeira, “Um
pouco da África no Brasil”, as autoras, Juliana do Nascimento e
Gisele da Silva Soares, apresentam um relato de experiências
a partir da ressignificação da brincadeira cantada “Escravos
de Jó” como possibilidade de acesso aos saberes afro-brasilei-
ros e africanos defendidos pela Lei 10.639/03. A outra pesquisa
destacada foi “Currículo Afrocentrado e Parâmetros Curriculares
Nacionais: a representatividade negra dentro das aulas de Educação
Física”, de autoria de Juliana Tarjano dos Santos, objetiva
apresentar uma discussão conceitual a partir de uma análise
documental sobre a necessidade do protagonismo e representa-
tividade negra no Ensino Fundamental I, no entanto, o resumo
desse trabalho limitou-se a apresentar as intenções de pesquisa
não telhando os modos como seria realizada e muito menos
os resultados encontrados. A terceira pesquisa em destaque,
“Relações étnico-raciais na Educação Física escolar: possibilidades de
inserções no Ensino Médio a partir do currículo de São Paulo”, de
autoria de Dandara de Carvalho Soares e Fernando Moreto
Impolcetto, compartilha uma experiência com o conteúdo Lazer
e trabalho a partir da utilização das Tecnologias de informação
e comunicação - TICs para discutir as relações étnico raciais.
Os autores deixam uma crítica às limitações dessas discussões
e ao fato de muitas vezes centrarem-se apenas no universo das
danças e das lutas.
Os resultados encontrados nos anais do Seminário de
Educação Física permitiram evidenciar que a temática dos
saberes do corpo negro, também abordado como saberes afro-
-brasileiros e africanos, tem aos poucos recebido destaque na
produção da Educação Física voltada às situações escolares,
sendo a maioria dessas produções, relatos de experiências em

256
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

que os professores desenvolveram propostas, sejam como os


jogos, as danças, as lutas ou outros, e aplicaram em suas reali-
dades contribuindo para construção da identidade negra e o
respeito à diversidade. Além disso, ficou evidente que a norma-
tiva legal contribuiu para esse avanço, visto que, quase todos os
trabalhos que abordaram a temática fizeram referência a ela.
Todavia, destacamos a ausência dos estudos com as comunida-
des quilombolas e a possiblidade de uma educação que atenda
aos sujeitos dessas comunidades de modo efetivo e significativo
aos seus saberes, linguagens e práticas.
Ainda sobre a pesquisa nos anais de eventos da Educação
Física, destacamos os resultados em nossas investigações e
análises das pesquisas apresentadas nas três últimas edições
do CONBRACE. Assim como nos outros espaços de investiga-
ção, a capoeira apareceu com relativo destaque dentre as cita-
ções, sendo elas realizadas a partir de diferentes perspectivas,
sejam elas: como possibilidade de intervenção pedagógica, como
conteúdo, atendimento a pessoas com deficiência, memórias,
política pública, a presença nos espaços universitários, vivência
como espaço de lazer, entre outros. Essas aparições reafirmam
uma articulação maior da capoeira enquanto manifestação do
corpo em movimento nos espaços da Educação Física escolar
como possibilidade de abordagem dos saberes e da cultura afro-
-brasileira e africana. Por sua origem “brasileira” a partir da
articulação dos sujeitos e dos saberes advindos da África no
processo perverso de escravização, a capoeira tem um amplo
conhecimento nos espaços sociais e um número significativo de
participantes em diferentes realidades do território nacional e
até mesmo internacional.
Todavia, além da capoeira, encontramos outras possibi-
lidades de relação dos saberes afro-brasileiros e africanos dos

257
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

negros com a Educação Física a partir de algumas pesquisas


que destacaremos a seguir. Nos anais do CONBRACE de 2013,
destacamos três pesquisas, são elas: a primeira, “Um olhar sobre
a corporeidade de crianças e adolescentes remanescentes de quilombo
de Itaboca-Inhangapi/PA”, de autoria de Ester de Pina Cordeiro
et al., relata a experiência com crianças e adolescentes da
comunidade quilombolas para compreender como elas adqui-
rem a corporeidade. O estudo, no entanto, não apresenta uma
definição clara do que se entende por corporeidade e em suas
análises se limitam a observar a forma física, as habilidades e
o desenvolvimento motor. Na segunda pesquisa destacada, “O
corpo no jongo: espaço para emergência de uma identidade quilom-
bola”, a autora, Kayla Maroun, relata a manifestação do jongo
desenvolvida nas comunidades quilombolas de Santa Rita do
Bracuí e Campinho da Independência, no Rio de Janeiro, como
meio para formação da identidade quilombola nas comunida-
des. Entendemos, assim como a autora, que as manifestações
do corpo em movimento dessas comunidades guardam os
saberes da ancestralidade e possibilitam o reconhecimento e o
pertencimento ao grupo, mantendo vivos os modos de ser e agir
desse universo cultural. A terceira pesquisa, “Ensinando práticas
corporais de origem afro-brasileiras e africanas na Educação Física
escolar”, de Fábio Machado Pinto, Aristide Joaquim Macamo e
Naide Azevedo, compartilhou uma experiência de ensino com
conteúdo da cultura afro-brasileira e africana, utilizando
danças de Moçambique e Angola para compreender a Geografia
e a sexualidade, a experiência do navio negreiro e as condi-
ções desumanas e a resistência escrava no Brasil a partir das
danças e das lutas. A proposta da pesquisa foi de reafirmar a
possibilidade de utilização desses saberes na Educação Física

258
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

e contribuir com atitudes de aceitação e respeito diante das


questões étnico-raciais.
Assim, as pesquisas aqui apresentadas, mesmo que em
alguns momentos possam apresentar limitações, são de funda-
mental importância para avançarmos na implementação efetiva
dos saberes afro-brasileiros e africanos dentro da realidade do
ensino escolar brasileiro, primeiro, reconhecendo a importân-
cia e, segundo, implementando ações.
Nos anais do CONBRACE de 2015, também destacamos
três pesquisas que nos auxiliaram a pensar as perspecti-
vas dos estudos sobre o negro e seus saberes no contexto da
Educação Física escolar. Na primeira pesquisa, “Ausências e silên-
cios: representações do corpo negro na Revista Educação Fhysica”,
André Luiz Santos e Silva e Jeferson Luiz Staudt, apresentam
as representações do corpo negro nas publicações da Revista
Educação Physica nos anos de 1939 e 1944. Embora a pesquisa
não dialogue sobre os saberes do corpo negro e nem mesmo
com a Educação Física escolar, oportuniza reflexões sobre os
modos como a construção da identidade negra foi construída,
reconstruída e até mesmo desconstruída ao longo da história.
Em outra pesquisa, “Memoria e reconstrução identitária da dança
do tambor em uma comunidade quilombola do estado de Goiás”, as
autoras Jessica Nascimento de Souza, Renata Carvalho dos
Santos e Conceição Viana de Fátima, descrevem como a dança
do tambor é realizada na comunidade quilombola urbana João
Borges Vieira, Uruaçu – GO, e o impacto dessa dança na cons-
trução da identidade dos sujeitos enquanto quilombolas. Já na
terceira pesquisa, “A religiosidade e sua influência perante a reali-
zação de atividades de esporte e lazer em uma comunidade quilom-
bola”, os autores Roseane Lorentz Castilhos, Tatiana Rozeira e
Tiago Willian Puhales Silva refletem sobre a influência que a

259
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

religião pentecostal tem na escolha que os membros de uma


comunidade quilombola fazem dos esportes e momentos de
lazer. Ambos trabalhos, embora oportunizem discussões sobre
algum aspecto relacionado à vida dos negros difere de nossas
intenções por não priorizar ações com os saberes dos corpos
negros no ambiente da Educação Física escolar.
Nos anais de 2017, obtivemos um maior número de
pesquisas que oportunizam o diálogo da Educação Física com os
saberes dos corpos negros. Esperamos que esse aumento quan-
titativo advenha do entendimento da necessidade e da urgência
no debate sobre os espaços do negro nos cenários educativos,
especialmente no que concerne à nossa área de atuação profis-
sional, a Educação Física escolar.
Conforme explicitado acima, destacaremos as pesqui-
sas que mantiveram aproximações com os elementos por nós
pesquisados. Inicialmente destacamos a pesquisa realizada
por Anália de Jesus Moreira e Elton Anderson Fraga Neres,
com o título “Corpo e cultura: autoafirmação na Associação Bloco
Carnavalesco Ilê Aiyê Salvador/Bahia/Brasil”. Nessa pesquisa, os
autores abordam a autoafirmação étnico-racial a partir do
corpo e da cultura do Bloco Ilê Aiyê, destacando que a cultura
afro se torna viva na expressividade do corpo em movimen-
to. Em outra pesquisa, “Estranhamento e corporeidade de crian-
ças negras e não negras”, das autoras Valda da Costa Nunes e
Neide da Silva Campos, é discutido a percepção corporal das
crianças negras e não-negras, como elas se percebem e perce-
bem os seus colegas, a partir do teatro de bonecos e posterior-
mente com base em uma escolha individual de um boneco ou
boneca de diferentes características. Em outra pesquisa, “As
danças afro-brasileiras em propostas curriculares da rede estadual
de Pernambuco”, as autoras Isabela Talita Gonçalves de Lima,

260
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

Samara Rúbia Silva e Livia Tenório Brasileiro analisam a partir


de uma pesquisa documental as propostas curriculares de
Educação Física do estado de Pernambuco e o modo como são
ou se são abordados os saberes das danças afro-brasileiras.
Ainda apresentando as pesquisas encontradas nos anais
do CONBRACE de 2017, destacamos a pesquisa “Possibilidades
do currículo do estado de São Paulo para o Ensino Médio: inserção
das relações étnico-raciais nas aulas de Educação Física escolar”,
de autoria de Dandara de Carvalho Soares e Mateus Camargo
Pereira, em que relatam a implementação de uma unidade didá-
tica problematizando o preconceito e o racismo. Oportunizam
um diálogo com a Lei 10.639/03, destacando os ganhos com a
intervenção e reconhecendo a sua importância. O recorte dessa
pesquisa já foi citado nas análises dos anais do Seminário de
Educação Física. Outra pesquisa que destacamos, “As práticas
corporais nas festas da comunidade quilombola Kalunga de Teresina de
Goiás”, de Rosirene Campelo dos Santos e Dulce Maria Filgueira
de Almeida, descrevem as expressões do corpo em movimen-
to nas festividades da comunidade como uma possibilidade de
resistência, manutenção da ancestralidade e construção da
identidade dos membros dessa comunidade. E por último, desta-
camos a pesquisa sobre as “Tessituras culturais do brincar de crian-
ças quilombolas/PA”, de autoria de Shirley Silva do Nascimento e
Nazaré Cristina Carvalho. Nessa pesquisa, as autoras descrevem
as brincadeiras e os modos de brincar de 10 crianças de Campo
Verde – PA, porém como recorte de uma pesquisa mais ampla
deixa algumas lacunas no objetivo proposto, especialmente, na
análise como tessitura cultural do brincar.
A partir das pesquisas apresentadas fica evidente que
pensar e refletir, bem como, efetivar propostas na educa-
ção escolar, sobre os saberes do corpo negro em sua essência

261
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

afro-brasileira e africana é um cenário de múltiplos caminhos.


Não existe uma unidade e nem pretendemos que exista, ao
contrário, abre possibilidades para o diverso na compreensão de
que os sujeitos são diferentes e nessas diferenças precisam ser
respeitados. Ainda, compreendemos que cada pesquisa, ao seu
modo e em suas particularidades, colabora para efetivação dos
saberes afro-brasileiros e africanos dentro do ambiente escolar.

No banco de teses de doutorado


e dissertações de mestrado

E para finalizar a realização do nosso estado da arte, dedi-


camos nossas atenções às pesquisas realizadas em Programas de
Pós-graduação stricto sensu em níveis de Mestrado e Doutorado a
partir do catálogo da Capes. Nesse espaço, ampliamos a pesquisa
nos programas da área da Educação, visto que, muitos pesquisa-
dores da Educação Física realizam suas formações nesses, como
nosso caso, que integramos o Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFRN.
Destacaremos algumas dissertações e teses que nos
permitem uma aproximação com o universo dos saberes dos
negros no contexto da Educação Física. Inicialmente, apresen-
tamos algumas dissertações de Programas de Pós-Graduação da
área da Educação, são elas: “Estudantes negros e práticas escolares
de matriz africana” de autoria de Marcelo Siqueira de Jesus (2009),
que se deteve a compreender a opinião de estudantes sobre a
representação de manifestações brasileiras de matriz africana,
tais como: capoeira, maculelê, jongo, samba, pagode, hip hop,
funk, candomblé e umbanda. Outra pesquisa em destaque, de
autoria de Renata Aquino da Silva (2010), “Processos identitários e

262
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

práticas culturais de afro-brasileiros: um estudo sobre os movimentos


negros e os negros em movimento”, analisou as práticas culturais
de afro-brasileiros junto aos conceitos de diáspora, identidade
e atualização identitária. Já na pesquisa de Marcus Vinicius
Araújo Ávila (2015), com o título “Corporalidades e memória
lúdica: um estudo sobre educação e expressões culturais numa
comunidade negra rural da Bahia”, o autor teve o objetivo de
compreender a inter-relação entre a corporeidade e a ludici-
dade, sobretudo no que se refere à memória lúdica diluída no
corpo dos sujeitos participantes da pesquisa.
As pesquisas apresentadas, embora não apresentem
diálogo direto com a Educação Física, possibilitam compreender
saberes relacionados ao corpo em movimento como conheci-
mentos importantes ao saber social e educacional dos diferentes
públicos atendidos na escola. Assim, apresenta saberes do corpo
negro em diferentes perspectivas, bem como, as percepções e
construções desses saberes diante as manifestações do corpo.
Não diferente de outros espaços pesquisados já apresen-
tados, nas dissertações também apareceram com grande desta-
que estudos que vinculam os saberes do corpo negro à capoeira
e ao futebol. Esse fato certamente se deve ao grande destaque
que o futebol possui no cenário nacional e a capoeira por ser na
realidade brasileira onde ela se organizou inicialmente. Assim,
destacamos os estudos que abordam a capoeira na relação com
os saberes do corpo negro. Em sua dissertação, “Africanidades
no ritual das ladainhas de capoeira angola: pretagogia e produção
didática no quilombo”, Rafael Ferreira da Silva (2015) vem afir-
mar que as ladainhas cantadas durante as rodas de capoeiras
pode contribuir para o ensino dos saberes negros e a construção
de sua identidade. Já a dissertação de Valmir Ari Brito (2005),
“A (in)visibilidade da contribuição negra nos grupos de capoeira em

263
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

Florianópolis”, destaca que a capoeira possui vários elementos


da cultura afro-brasileira embutidos em seus fundamentos, tais
como, musicalidade, ancestralidade, religiosidade e filosofia.
Outra tese que apresenta a capoeira como centro de suas
discussões foi realizada por Luiz Carlos Vieira Tavares (2014),
com o título “De bimba à Bamba: a contribuição social, educacional
e cultural da Academia de Capoeira”, vem afirmar as contribui-
ções sociais, educacionais e culturais advindas da formação de
jovens em uma academia de capoeira do centro de cultura física
regional. Já a dissertação de Nubia Nogueira Cassiano (2014),
“O ser capoeirista e as possibilidades educativas: uma análise à luz
da corporeidade”, apresenta uma discussão sobre as aprendiza-
gens educativas do capoeirista a partir do seu corpo em movi-
mento. Outra dissertação, “Capoeirando a Educação”, de autoria
de Amanda Schütte de Mello (2014), apresenta uma narrativa
das experiências de uma capoeirista e as aprendizagens por
meio dessas como possibilidades didáticas para o contexto da
educação. Em outra dissertação, com o título “Na roda da inclu-
são: práticas educacionais do grupo união capoeira”, Albert Alan de
Souza Cordeiro (2013), descreve uma experiência de inclusão de
pessoas cegas ou com baixa visão com a capoeira.
Outras dissertações apresentadas sobre a capoeira são:
“Processos educativos da capoeira angola e construção do pertenci-
mento étnico-racial”, de Simone Gibran Nogueira (2007); “A prática
da capoeira como componente da cultura afro-brasileira no currículo
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, na escola pública em Ilha
Solteira/SP”, de André Prevital de Souza (2018); “Capoeira Angola,
cultura negra, educação e infâncias”, Susana Targino dos Santos
Moreira (2018); “Prática da capoeira como espaço de formação”, de
Já Marcos Antônio da Silva (2006); “Menino qual é o teu mestre?

264
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

Capoeira pernambucana e as representações sociais dos seus mestres”,


de Bruno Emmanuel Santana da Silva (2006).
As pesquisas com os saberes da capoeira certamente
apresentam contribuições para um novo pensar e agir com os
saberes afro-brasileiros e africanos, fazendo-se cada vez mais
presente no espaço da Educação Física escolar, mesmo que essa
presença possa ser ainda mais intensa. Todavia, é preciso que
reconheçamos os saberes do corpo negro para além dela.
Com relação à articulação dos saberes negros ao fute-
bol, ficou evidente que as pesquisas encontradas destacam em
sua maioria as relações do racismo no futebol, o futebol como
possibilidade na construção das identidades negras, o futebol
como espaço de inclusão, a história do negro no futebol, entre
outras. Destacamos a seguir alguns estudos que consideramos
importantes: “Jovens negros, futebol, educação e relações sociais: o
Programa Esportivo Digoreste”, dissertação de Walfredo Ferreira
de Brito (2006); “Futebol, raça e nacionalidade no Brasil: releitura da
história oficial”, tese de Antonio Jorge Gonçalves Soares (1998);
“Uma leitura do ‘racismo à brasileira’ a partir do futebol”, disserta-
ção de Bruno Otávio de Lacerda Abrahão (2006); “Projeto espor-
te social: uma possibilidade de inclusão dos alunos negros, atletas e
oriundos de classes populares na escola privada, através do futebol”,
dissertação de Otávio Nogueira Balzano; “O ‘preconceito de marca’
e a ambiguidade do ‘racismo à brasileira’ no futebol”, tese de Bruno
Otávio de Lacerda Abrahão; “Nem tudo que reluz é ouro: histórias de
jogadores de futebol”, tese de Everton de Albuquerque Cavalcanti
(2017); e por último, “Futebol, linguagem e mídia: entrada, ascensão
e consolidação dos negros e mestiços no futebol brasileiro”, tese de
Carlos Alberto Figueiredo da Silva (2002).
Em outra dissertação, “Lazer no preto e branco: histórias de
integração do negro pelo lazer e animação sociocultural voluntária no

265
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

Clube Palmares em Volta Redonda – RJ”, encontramos discussões


sobre o negro relacionado as práticas de lazer. Nela, o autor
Carlos Gomes de Oliveira (2012), investigou as memórias do
Clube Palmares, afim de entender a sua importância na integra-
ção racial e na promoção na integração racial e na promoção de
práticas culturais ligadas ao corpo, com um olhar no contexto
político, social, econômico. Algumas pesquisas realizadas na
área da Educação e da Educação Física investigaram situações
do corpo em movimento com danças afro-brasileiras. Nessas
pesquisas ficou evidente o caráter descritivo de algumas, a
compressão das contribuições para a formação das identidades
negras, identidade quilombola, a importância da expressividade
do corpo como memória e linguagem, a ancestralidade, os sabe-
res, as práticas e as comunicações. Embora possam contribuir
para o fazer pedagógico no contexto da Educação Física, tais
pesquisas não colocam esse objetivo como sendo o principal.
Com base nas afirmativas acima realizadas, destacamos a
seguir pesquisas que possibilitaram o diálogo de elementos da
cultura negra com o universo das danças como o samba, jongo,
congo, entre outros. São eles: “O jongo na comunidade quilombola
de Santa Rita do Bracuí: instrumento de diálogo entre os saberes”
dissertação de Delcio José Bernardo (2014); “Corpos no samba de
cacete: tamboros, educação e gingas na dança ancestral afrocame-
taense”, dissertação de Carmem Lucia Barbosa (2015); “Dança do
congo, expressão, identidade e territorialidade”, Herman Hudson
de Oliveira (2011); “Manifestações culturais: a congada como espaço
educativo dos jovens de Pinhões – MG”, dissertação de Wanessa
Ferreira de Sousa; “Ara Ki Njo corpo que está dançando: repercussões
educativas de grupos infantis de dança afro-brasileira”, disserta-
ção de Gilberto Ferreira da Silva (1997); “Memórias das danças
do Marabaixo e do Batuque: cultura quilombola e corporeidade na

266
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

comunidade do Curiaú em Macapá – AP”, dissertação de Francisco


Marlon da Silva Gomes (2012); “Memória de juventudes: experiên-
cias educativas no/do hip-hop”, Dissertação de Romulo Pereira
Silva (2018); “Hip hop e educação popular em São Luiz do
Maranhão: uma análise da organização Quilombo Urbano”,
dissertação de Rosenverck Estrela Santos (2007); “Os congos de
milagres e africanidades na educação do cariri cearense”, tese de
Cicera Nunes (2010); “Olhares sobre jongos e caxambus: processos
educativos nas práticas religiosas afro-brasileiras”, tese de Patrícia
Gomes Rufino Andrade (2013); “A corporeidade de crianças conga-
deiras: pequenos corpos negros transitando entre a escola e o conga-
do”, dissertação de Fernanda Abbatepietro Novaes (2018); e por
último, a pesquisa de mestrado de Mariana Moraes Camacho
(2010), “Ser jovem quilombola e jongueiro: vivências na comunidade
Santa Rita do Bracuí – Angra dos Reis”.
Para finalizar as análises do estado da arte, destacamos
as dissertações e teses encontradas que oportunizam um diálo-
go direto da Educação Física com os saberes dos negros. Essas
possibilitam compreender e conhecer situações específicas da
área, propor ações e intervenções com os saberes dos corpos
negros, dialogar com a perspectiva legal da Lei 10.639/03, entre
outros. Destacamos inicialmente a dissertação de Marzo Vargas
dos Santos (2007), “O estudante negro na cultura estudantil e na
Educação Física escolar”, que objetivou compreender como os
estudantes negros se constituem na interação social e como
esses se manifestam no contexto das aulas de Educação Física.
Na dissertação de Ivanilde Guedes de Mattos (2007), entra em
debate “A negação do corpo negro: representações sobre o corpo no
ensino da Educação Física”, foi realizada uma investigação para
identificar o papel do ensino da Educação Física na constru-
ção de uma identificação corporal dos estudantes adolescentes

267
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

negros. Outra pesquisa de mestrado, “Mojuara: a Educação Física e


as relações étnico-raciais na rede municipal de ensino de Porto Alegre/
RS”, de autoria de Gabriela Nobre Bins (2014), procurou identi-
ficar as possibilidades e os limites para o desenvolvimento do
trabalho com as questões étnico-raciais na Educação Física de
Porto Alegre.
Na mesma linha dos estudos apresentados acima,
ainda tivemos outras dissertações e teses que aproximaram
a Educação Física do campo de saber dos negros. A pesqui-
sa de mestrado de Ana Paula de Mesquita Sampaio (2005),
“Rituais de purificação: corporeidade e religiões Afro-brasileira”,
objetivou compreender as noções de corpo dos membros de
religiões afro-brasileira. A autora Isabela Talita Gonçalves
de Lima (2018), realizou a pesquisa “A inserção dos conteúdos
Afro-brasileiros nas aulas de Educação Física escolar: limites e
possibilidades na rede estadual de Pernambuco”, analisando se os
professores de Pernambuco contemplam os saberes dispostos
na Lei 10.639/03 em suas práticas escolares cotidianas. Em
outra dissertação, “Jogo consciente: a percepção de professores
de Educação Física acerca do corpo da criança negra e o processo
de construção identitária”, de autoria de Thiago Batista Costa
(2017), investigou a percepção, por parte dos professores que
ministram a disciplina Educação Física, em turmas do Ensino
Fundamental I, em escolas da rede estadual no município de
São Paulo – SP, a respeito do corpo da criança negra e o proces-
so de construção de sua identidade. Já o autor Ruy José Braga
Duarte (2010), aborda o tema “O basquete de rua como manifesta-
ção da cultura corporal na cidade de Salvador”, objetivou identifi-
car e analisar a realidade e as contradições do basquete de rua
como manifestação da cultura de movimento da população
afrodescendente jovem da cidade de Salvador. Nos estudos do

268
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

mestrado de Vilma Aparecida de Pinho (2004), a autora abor-


dou as “Relações raciais no cotidiano escolar: percepções de professo-
res de Educação Física sobre alunos negros”, verificou a percepção
de professores de Educação Física sobre alunos negros, cons-
tatando no estudo da autora situações de preconceitos.
Destacamos ainda que encontramos no catálogo da Capes
referência a duas dissertações, porém não conseguimos loca-
lizá-las nos espaços digitais da internet. A primeira de Rafael
Gomes Costa Marques (1987), “Diferenças no rendimento do aprendi-
zado de natação entre grupos étnicos negros e brancos”, e a outra, de
autoria de Silvio Ricardo da Silva (1994), “Estudo da discriminação
racial nas aulas de Educação Física nas turmas de quarta série do I
Grau da Escola Estadual EFFIE Holfs – Viçosa, MG”.
Destacamos também a dissertação de Joice Vigil Lopes
Pires (2013), “A Educação Física e as mudanças no mundo do trabalho:
um olhar através da aplicação do ensino da história e cultura afro-bra-
sileira e africana nas escolas municipais de Bagé”. Essa dissertação
analisou os determinantes sociais que direcionam a legalidade
do ensino da cultura afro-brasileira, a partir das relações entre
a singularidade da aplicação da Lei nº 10.639/03, inserida no
particular do trabalho pedagógico do professor de Educação
Física, que vem se alocar com as relações gerais do mundo do
trabalho. Já a dissertação de Catia Malachias Silva Creller (2017),
com o título, “A Educação Física escolar e a Lei 10.639/03: o chão da
escola x os aspectos legais”, examinou as representações de profes-
sores e alunos sobre as relações étnico-raciais e a aplicação da
Lei 10.639/03 nas aulas de Educação Física escolar. Por último,
destacamos a dissertação de Marcos Paulo de Oliveira Santos
(2011), “As representações sociais das práticas corporais na comuni-
dade Kalunga”, analisou as representações sociais das práticas

269
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

corporais em comunidades quilombolas ou remanescente de


quilombos do estado de Goiás.
É imprescindível reconhecer a importância das
contribuições das pesquisas aqui apresentadas, cada uma, ao
seu modo e em suas particularidades, no debate de ideias e
implementação de ações que oportunizem conhecer, vivenciar
e compreender as manifestações do corpo negro.

Considerações finais

Reconhecemos a importância das pesquisas já desen-


volvidas, certamente elas são alicerces para que novos olhares
e ações sejam despertadas de modo a conhecer e valorizar o
universo dos corpos negros. No entanto, reconhecemos também
a necessidade de que tenhamos novos olhares e novos avanços
para assegurar que as manifestações do corpo negro sejam
conhecidas e reconhecidas em suas potencialidades de expres-
são e comunicação.
Para além do universo do trabalho, bem como, para além
da capoeira e do futebol, embora todas sejam de imprescindível
importância, necessitamos abrir horizontes para que outras
práticas do corpo e movimento se façam também presentes
nos espaços sociais, dos quais destacamos os espaços escola-
res. Assim, precisamos primeiro dar liberdade, desnudar-se dos
preconceitos historicamente construídos e conhecer as dife-
rentes formas de manifestação do corpo negro afro-brasileiro.
A Educação Física como mediadora das linguagens
corporais nos espaços escolares, deve utilizar das diferentes
manifestações e saberes do corpo negro para assegurar que
alunos negros e não negros acessem o amplo universo dessas

270
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

possibilidades corporais. Ao fazer isso, contribuirá com os impe-


rativos legais da Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da
história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas,
públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino
médio. Conforme estabelece a lei, é preciso resgatar a contri-
buição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinentes à História do Brasil.
As pessoas negras não foram escravas, elas foram escra-
vizadas. Sua história de vida, seus saberes e práticas vão muito
além do universo da escravidão enquanto força de trabalho.
A riqueza de manifestação de sua identidade pode ser encon-
trada na música, na dança, na alimentação, nas crenças,
nas festas, nos mitos, nos rituais celebrativos, nas relações
de cuidado, nas relações sociais, nos laços de parentesco, na
ancestralidade, na oralidade, nas relações com a natureza,
entre muitas outras possibilidades.

271
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

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Pós-Graduação em Educação Física/Universidade de Brasília - UNB,
Brasília, 2011.

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277
Tema 3: Corpo e educação
Pesquisas sobre o corpo negro na Educação Física

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silêncios: representações do corpo negro na Revista Educação
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2015. 132 f. Dissertação (Mestrado em educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação/Universidade Federal do Ceará - UFCE,
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Suraya Cristina. O estado da arte sobre a temática afro-brasileira
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Relações étnico-raciais na Educação Física escolar: possibilidades
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In: SemiNÁRIO DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR, 14., Anais [...]. USP,
São Paulo, 2017.

278
Hudson Pablo de Oliveira Bezerra /José Pereira de Melo

SOARES, Dandara de Carvalho; PEREIRA, Mateus Camargo.


Possibilidades do currículo do estado de São Paulo para o Ensino
Médio: Inserção das relações étnico-raciais nas aulas de Educação
Física escolar. In: CONICE, 20., 7., Anais [...]. Goiânia, GO, 17 a 21 de
setembro de 2017.

SOUZA, Dirce Maria Moreira Batista de. O jogo como mediador das
relações pessoais: no contexto étnico-racial, In: SEMINÁRIO DE
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR, 13., Anais [...]. USP, São Paulo, 2015.

SOUZA, Jessica Nascimento de; SANTOS, Renata Carvalho dos;


FÁTIMA, Conceição Viana de. Memória e reconstrução identitária
da dança do tambor em uma comunidade quilombola do estado de
Goiás. In: CONICE, 19., 6., Anais [...]. Vitória, ES, 08 a 13 de setembro
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SOUZA, Thaís Godoi de; LARA, Larissa Michelle. O estado da arte de


comunidades quilombolas no Paraná: produção de conhecimento e
práticas corporais recorrentes. Revista da Educação Física/UEM,
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TAVARES, Luiz Carlos Vieira. De Bimba à Bamba: a contribuição


social, educacional e cultural da Academia de Capoeira. 2014. Tese
(Doutorado em Educação Física) – Programa de Pós-Graduação em
Educação Física/Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília,
2014.

279
CORPO E INTERDISCIPLINARIDADE:
PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS

Vicente Molina Neto


Jéssica Serafim Frasson
Natacha da Silva Tavares
Elisandro Schultz Wittizorecki

O presente texto nos estimula a pensar e a aprender, contra-


pondo referências bibliográficas e nossa singular experiência
sobre um tema que não é foco de nosso pensamento e de nossa
curiosidade epistemológica rotineira: o corpo. A não ser quando
encaramos e constatamos no espelho as mutações que o tempo
promove nesses corpos que nos falam. Aqui pretendemos discu-
tir o corpo como objeto epistemológico da educação física e,
nesta condição, como ele pode estimular a interdisciplinaridade
necessária na área de conhecimento, uma vez que os estudos
do/sobre o corpo padecem de certo paradoxo comum ao fazer
científico: muito anúncio/desejo de interdisciplinaridade, mas
escassa efetividade.
Nosso atual foco de interesse acadêmico, quando faz
quarenta e cinco anos que um de nós entrou pela primeira vez
em sala de aula como professor de educação física, é a formação
de professores e professoras de educação física e a prática peda-
gógica que esse coletivo docente constrói junto com os estudan-
tes nas salas de aula, nos campos, nas praças e nos diferentes
lugares onde essa disciplina ganha visibilidade. Entre o final dos
anos 1970 e início dos anos 1980 do século XX, preocupar-se com

280
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

o corpo na Educação Física brasileira, pensá-lo como pensamos


hoje, fora de um exclusivo âmbito das ciências naturais e bioló-
gicas, fora da concepção mecanicista, era quase um acidente na
Educação Física brasileira, embora já existissem estudos sobre o
corpo no campo das ciências humanas, após a segunda guerra
mundial principalmente no continente europeu, como os de
Marcel Mauss (1872-1950), conforme Rodrigues (2000).
Pode-se dizer que estudar o corpo era um ponto fora da
curva e, com frequência, considerado uma prática subversiva
e um exercício de licenciosidade aos donos do poder político
vigente no Brasil ditatorial. O mesmo poder político que nos dias
de hoje faz com que uma minoria autoritária e golpista acalente
sonhos oníricos e deseje a volta de um passado que a socieda-
de brasileira repudia e tenta superar através de Comissões da
Verdade e outras estratégias.
Contudo, nesse período em que se constituiu e que
convencionamos denominar o movimento renovador da educa-
ção física brasileira, quatro estudos ensaísticos emergem e
precisam ser lembrados como influentes no estudo dessa temá-
tica no Brasil, que face a carência de rigor metodológico nos
modos de produzir conhecimento na atualidade, notadamente
no âmbito da Pós-graduação em Educação Física no Brasil, são
esquecidos. São elas: (I) Conversando sobre o Corpo de Heloisa
Turini Bruhns e colaboradores (1986); (II) Educação Física: uma
abordagem filosófica da corporeidade de Silvino Santin (1987);
(III) Educação Física cuida do corpo... e “mente” (1983) e (IV)
O brasileiro e seu corpo, de João Paulo Subirá Medina de 1991.
Desde então, a recomendação de Santin (1987) vai ser
seguida por inúmeros professores e jovens pesquisadores que
passaram a estudar o corpo na perspectiva fenomenológica,

281
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

para além da racionalidade instrumental, então vigente na


Educação Física brasileira com muita força naquele momento.

O princípio do uso do corpo deve ser substi-


tuído pela ideia de ser corpo, isto é, de viver
o corpo, de sentir-se corpo. Não são um eu
ou uma consciência os proprietários de um
corpo, do qual se servem e fazem o uso que
bem entendem como qualquer utensílio. A
corporeidade, seguindo o pensamento de
Maurice Merleau-Ponty, deve estar incluída
na compreensão da consciência e do eu. O eu
ou a consciência são corporeidade, afirmando.
Não são realidades transcendentais existindo
residindo num corpo. Pode-se, assim, explici-
tar e reformular o princípio antropológico da
corporeidade, afirmando que o eu se sente e
se vive como corpo, em lugar de afirmar que o
eu tem um corpo.[...] Ou, ainda, pode-se dizer
que o eu vive o corpo e vive corporalmente,
em lugar de dizer que o eu usa o corpo ou o eu
ocupa o corpo (SANTIN, 1987, p. 50).

O autor propunha superar na educação física a dicoto-


mia cartesiana “res cogitans e res extensa”, o sujeito pensante
e o sujeito corpo, algo que Edgar Morin sistematizou a partir
dos conceitos de unidualidade e recursividade. Diferente da
perspectiva fenomenológica, Medina (1983, 1991) vai cunhar
desde a perspectiva materialista histórico-dialética a expressão
“corpo marginal” (p. 84) que nos anos seguintes também vai
estimular estudos sócio-antropológicos sobre o corpo. O livro
de 1983 foi um dos pioneiros a dar vazão a sustentação concei-
tual e metodológica do pensamento crítico sobre a educação
física brasileira. É interessante observar que ao final de seus
livros o autor anexava um léxico de conceitos engendrados na

282
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

perspectiva materialista-dialética, a fim de que o leitor pudesse


entender sobre o que ele estava falando.

Sob o ângulo das classes sociais antagôni-


cas, que caracteriza a sociedade brasileira,
o que se tem observado nas últimas décadas
é um escandaloso crescimento do fenômeno
da marginalidade, de onde se origina aquilo
que chamei de CORPO MARGINAL: corpo de
milhões e milhões de brasileiros, excluído
ou afastado dos bens e benefícios materiais e
culturais gerados pelo nosso modo de produ-
ção capitalista e que não consegue o míni-
mo necessário a uma sobrevivência humana
honrada. [...] não poderemos entender as
necessidades e aspirações desse corpo-mar-
ginal sem considerar a totalidade e as espe-
cificidades dos fenômenos que norteiam a
sociedade de forma global. Relação opressor-
-oprimido embora tendo origem na situação
de dominação é uma relação que perpassa
as classes sociais. Ela existe também entre
os membros de uma mesma classe (MEDINA,
1991, p. 84-85).

É possível acrescentar a essa ideia, as noções de gênero,


raça e domínio de técnicas corporais. Como é possível
acompanhar nos ditos anteriores, estudar o corpo é uma
dificuldade manifesta, por isso Bruhns (1986) antecipou:

Mas liberar os corpos obedientes, produti-


vos, úteis, alienados, adequados a um mode-
lo imposto, requer um trabalho não apenas
a nível superficial mas que atinja também
outros níveis de consciência mais profunda
[...] Somente as atividades que se dediquem a
pensar e viver o corpo e que se proponham a
modificar as regras que inibem a consciência

283
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

corporal, dificultarão a manipulação desse


corpo no qual o homem vive (BRUHNS, 1986).

Aqui já se começa a sentir a influência de Foucault (1977,


1979) no discurso sobre o corpo, abordando o investimento do
poder no disciplinamento e produtividade dos corpos. Autor
que exercerá influência significativa na formação dos pesqui-
sadores da área de conhecimento que se dedicaram a estudar
o corpo. Nós fomos falar e escrever sobre o corpo no final dos
anos 1990 (Molina Neto; Molina, 1999), em uma discussão que
tratava sobre a educação e reeducação corporal tendo como
antípodas do debate, a psicomotricidade de caráter funcionalis-
ta e a psicomotricidade relacional, respectivamente ancoradas
na base biológica reinante na Educação Física e na perspectiva
socioantropológica em processo de consolidação na Educação
Física que buscava afirmação naqueles anos.
Nossas referências se pautavam sobretudo na pedagogia
crítica, especialmente em Freire (1979, 1990). Nesta produção
(MOLINA NETO; MOLINA, 1999) tratamos da adaptação e do
reaproveitamento corporal e da expressão do corpo liberto de
coerções e das distorções da comunicação; retomamos o deba-
te corpo máquina e corpo totalidade. Nesse sentido, pedago-
gicamente, sugeríamos que a educação corporal integrada
ao processo de socialização trataria de oferecer ao aprendiz
elementos para que pudesse expressar-se livre de coerções,
compreender a si mesmo na relação com a cultura (corporal) e
seus limites, como também assumir identidades e interferir nas
condições de produção dos elementos pelos quais é socializado.
Escrevíamos então que:

284
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

se a domesticação dos corpos, a ingenuidade,


o autoritarismo e a alienação necessitaram
de uma concepção pedagógica e um conhe-
cimento multidisciplinar para legitimar-se,
é correto supor a urgência de organização de
um conhecimento e uma concepção pedagó-
gica que ofereça suporte teórico para a eman-
cipação (MOLINA NETO; MOLINA, 1999, p. 99).

À época sugeríamos inovações metodológicas para, de


fato, entender os conceitos que começavam a circular no campo,
como por exemplo, a etnografia e estudos autorreferentes,
como histórias de vida e as narrativas docentes. De lá para cá,
quanta coisa mudou? A geopolítica mundial mudou, o estoque
tecnológico da civilização mudou, cresceu, a sociedade brasileira
alternou períodos democráticos e surtos golpistas e por conta
disso as ações comunicativas tiveram maior repercussão (antes
uma proposição enunciada ficava restrita a um pequeno grupo
de referência e tardava tempo para enraizar-se no contexto
cultural da população, hoje qualquer tolice que se diga produz
repercussão planetária imediata). Até o modo de organizar
revoluções alterou, uma vez que movimentos sociais e políticos
ganharam as ruas em pouco tempo graças às tecnologias da
informação e comunicação.
Por conseguinte, a educação corporal passou a ser
pensada no campo acadêmico como pedagogias do corpo e o
corpo não ficou imune ao contexto de mudanças. Na educa-
ção física brasileira a noção de corporeidade também passou
a conviver e ser entendida também como corporalidade (a
capacidade de ser corpo) ou em palavras de Oliveira, Oliveira e
Vaz (2008, p. 306): “corporalidade, entendida como a expressão
criativa e consciente do conjunto de manifestações corporais

285
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

historicamente produzidas, as quais pretendem possibilitar


a comunicação e a interação de diferentes indivíduos com
eles mesmos, com os outros, com seu meio social e natu-
ral”. É importante observar que tais autores inscrevem sua
compreensão de corporalidade na perspectiva da formação
humana através da educação física escolar.
Além do mais, nossa noção sobre o corpo centrada no
sujeito se ampliou para o grupo social, se projetou e aumentou
seu poder revelador, passando a ser constitutivo de diferentes
visões de mundo, sociedade e homem que circulam nos emba-
tes ideológicos contemporâneos, pois como sustenta o profes-
sor Le Breton (2011): “A condição humana passa pelo corpo”. A
condição humana para Hannah Arendt (1993) é constituída na
proposição de vida ativa que reúne o modo de viver, sobreviver
e garantir a reprodução da espécie homo sapiens (processo bioló-
gico), como transformamos as condições naturais em cultura
(trabalho/processo cultural) e a ação e o modo de estar com os
semelhantes (socialização). Isto é: labor, trabalho e ação.
Portanto, temos elevado grau de convencimento, em analo-
gia ao que entoava Raul Seixas, que o corpo é uma “metamorfose
ambulante”; em termos acadêmicos uma construção cultural,
social, política e pessoal inacabada por definição. Em seu inaca-
bamento, é também parte de processos de produção de identi-
dades. Necessidades humanas e inovações tecnológicas também
agiram nesse processo mutatis mutantis. Passamos também a ver
o homem corpo como o corpo ciborg atravessado e interpelado
pelas tecnologias e isso, vale dizer, tem implicações político-epis-
temológicas, ontológicas, teleológicas e metodológicas.
Le Breton (2011) sustenta que a separação racionalista do
corpo do homem acontece a partir do renascimento nos albores
da modernidade com o predomínio da razão e da racionalidade

286
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

científica sobre os diferentes modos de subjetivação. A inter-


subjetividade existente em momentos anteriores dá lugar ao
individualismo projetado no modelo mecanicista de corpo. O
autor argumenta que:

Os saberes científicos sobre o corpo despo-


jaram este de toda valência axiológica. Eles
o aplainaram segundo o modelo do mecani-
cismo. Há aí uma falha antropológica da qual
se aproveitam outros saberes sobre o corpo,
aos quais atores recorrem na busca mais ou
menos consciente de um suplemento de alma
que não é aqui de fato senão um suplemento
de símbolo. [...]. O ator raramente tem uma
imagem coerente de seu corpo; ele o transfor-
ma em um tecido de retalhos de referências
diversas. [...] Sua liberdade de indivíduo e sua
criatividade alimentam-se dessas incertezas,
da permanente procura de um corpo perdi-
do, que é de fato, aquela de uma comunidade
perdida (LE BRETON, 2011, p. 134-139).

Em diálogo com a visão da cultura europeia, na nossa


cultura a busca do corpo perdido aparece em “Abaporu” (1928),
uma das mais importantes obras de arte da cultura brasileira. A
tela que foi pintada por Tarsila do Amaral é uma clássica visão
do modernismo brasileiro e seu nome na origem da língua Tupi-
guarani, quer dizer o “homem que come gente”. Está associada
ao Movimento Antropofágico de criação de Oswald de Andrade
que consistia na deglutição da cultura estrangeira, incorpo-
rando-a através da regurgitação na realidade brasileira para
dar consistência a uma outra cultura moderna, transformada
e representativa do povo brasileiro.
Talvez aqui possamos inferir porque nosso modo de ser
corpo é localizado e pode se diferenciar dos modos de ser em

287
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

outros lugares. Nossos modos de ser corpo são localizados, contin-


genciados pela cultura, pelo campo simbólico e pelas estruturas
nele existentes. Considerando-se que nenhuma formação social
e cultural é homogênea, que diferentes manifestações cultu-
rais encontram-se constantemente em processos de interação
e que os processos de consolidação cultural não são lineares e
completamente abrangentes, em um país de modernidade tardia
como o Brasil (que alterna núcleos de elevado avanço econômico
e tecnológico, com lugares de extrema exclusão social), é possível
dizer que o saber científico ainda não cumpriu totalmente sua
pretensão de racionalidade e nos é dado pensar que a relação
instrumental do saber científico e o nosso corpo justapõe outras
visões de corpo ao lado do corpo máquina mecânico consolidado
e de algum modo celebrado na modernidade europeia e espraiado
para diversos recantos do mundo.
Recentemente acompanhamos a reflexão corpo máquina
versus corpo totalidade reemergir pelas mãos do historiador
israelense Yuval Noah Harari em sua obra “Homo Deus” (um
best seller que está de moda). Harari usa o conceito de algoritmo
para argumentar sobre nossa aventura humana nesse mundo
e antecipar seu futuro, explicar os fenômenos da consciência
e sua relação com a inteligência, e, sobretudo, do que nos faz
humanos: “sensações, emoções e desejos”. Segundo ele, em
analogia à inteligência: “Algoritmo é o conceito singular mais
importante em nosso mundo” (2016, p. 91). Para o autor em um
futuro não muito longínquo, no campo da produção industrial
e agrícola a corporalidade será substituída pela tecnologia. Nas
ocupações e controles territoriais, por exemplo, os drones serão
mais eficazes que milhares de corpos realizando tarefas típicas
da espécie. Do mesmo modo a tecnologia substituirá milhares

288
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

de agricultores, por máquinas extremamente complexas capa-


zes de interferir na produção agrícola, operadas por poucos.
Ao nosso ver, sua tentativa de explicar sensações,
emoções, desejos e de explicar a humanidade através da racio-
nalidade científica, retira o que há de humano, inesperado,
imediato, sensível e consciente/inconsciente em nós. Trata-se da
exacerbação da racionalidade científica e tecnológica. Portanto,
um retorno ao tecnicismo pedagógico positivista embasado na
racionalidade instrumental. Contudo se discordamos do autor
nesse aspecto, concordamos com o esclarecimento ético que faz:

Até onde sabemos, computadores não são em


2016, mais conscientes do que seus protóti-
pos na década de 1950. No entanto, estamos
à beira de uma grave revolução. Humanos
correm o perigo de perder seu valor porque a
inteligência está se desacoplando da consciên-
cia. Até hoje, uma grande inteligência sempre
andou de mãos dadas com uma consciência
desenvolvida. [...]. Entretanto, estão em desen-
volvimento novos tipos de inteligência não
consciente capazes de realizar essas tarefas
[humanas] muito melhor que os humanos.
Tais tarefas baseiam-se em padrões de reco-
nhecimento, e algoritmos não conscientes que
podem superar a consciência humana no que
diz respeito a esses padrões (HARARI, 2016,
p. 313-314).

Enfim, o que está em jogo diante da racionalidade cien-


tífica e tecnológica é nossa subjetividade, o que construímos
como corpo nas nossas relações com o mundo. Relança-se a
sujeição dicotômica do corpo à razão instrumental, o velho
debate cartesiano. Só que agora a subjetividade enfrenta um
adversário mais sofisticado, mais qualificado pelos avanços

289
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

tecnológicos. Como antes sublinhamos, estudar o corpo implica


em recorrer a uma gama de conhecimentos, exige-nos transi-
tar em diferentes campos de saber, abordagens de diferentes
perspectivas teóricas, de especialização disciplinar e ao mesmo
tempo interação de múltiplas disciplinas e sobretudo transpo-
sição de fronteiras epistemológicas.
Nossa experiência primeira é sensorial, portanto, objeto
de estudos de diferentes campos de saber. A Educação Física
como área de conhecimento e como uma prática pedagógica,
entendida como prática social e socializadora que se concre-
tiza no universo escolar e fora dele, recebe aportes multidis-
ciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares. Hoje temos
claro, através de investigação sistemática do trabalho docente
do professorado de Educação Física, que os conteúdos da educa-
ção física são por excelência a cultura corporal do movimento,
o sujeito que se movimenta, o corpo que se movimenta. Razão
pela qual não só o corpo enquanto ente cultural, mas a própria
cultura em que esse corpo se produz e é produzido, fazem deles
os primeiros e melhores focos de interesse, trabalho e investi-
gação interdisciplinar. No âmbito curricular, em razão de seus
conteúdos, talvez o próprio nome da disciplina teria que ser
alterado para Ensino da Cultura Corporal do Movimento em
razão do que ensinamos em nossas aulas e dado o caráter inter-
disciplinar do corpo e do que suas pedagogias nos sugerem.
Nessa área de conhecimento que se convencionou chamar
de Educação Física no Brasil, a produção científica, a investiga-
ção sistemática, acontece principalmente a partir do Sistema
Nacional de Pós-graduação, um sistema considerado por seus
afetos um caso de sucesso, embora haja dificuldades de se
enxergar algumas de suas distorções como sugere Netto (2018).
Distorções identificadas nas relações de prevalência consensual

290
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

de saberes, disciplinas, métodos e fenômenos investigáveis,


como os estudos do corpo e de suas pedagogias, onde predo-
mina o enfoque mecanicista existente desde o amanhecer da
modernidade. Como exemplo das distorções que afirmamos
antes, apresentamos o quadro abaixo onde é possível ver a
prevalência de um modo de produzir conhecimento sobre outro.
A partir do levantamento da produção científica no
Sistema Nacional de Pós-Graduação realizado em outubro de
2017 na área de conhecimento Educação Física, encontramos
2.969 produtos, entre teses e dissertações. Na sequência desse
trabalho analítico, buscamos identificar as subáreas de conhe-
cimento que expressam os enfoques teóricos-metodológicas
onde essas teses e dissertações foram escritas e orientadas. Para
isso, classificamos as produções partindo da taxonomia propos-
ta por Manoel e Carvalho (2011): Pedagógica, Sociocultural e
Biodinâmica. No quadro apresentado em seguida, identifica-
mos as produções nas subáreas da Educação Física e a seguir,
apontamos algumas reflexões sobre esses dados.

Quadro 1 - Produção das teses e dissertações nas subáreas da Educação


Física de 2013 a 2017

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Catálogo de Teses e


Dissertações da CAPES. Acesso em: 16 out. 2017.

291
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

Tanto no número de teses quanto de dissertações, é


possível notar a disparidade entre as subáreas. A subárea
biodinâmica conta com 77,60% (2.305) do total das produções,
seguida da sociocultural com 11,25% (335) e da pedagógica
11,15% (329). Ao analisarmos por produtos, também é possível
identificar que 77,20% (1.829) das dissertações e 79,60% (476)
das teses são produzidas e orientadas no campo da subárea
biodinâmica. As subáreas sociocultural e pedagógica se asse-
melham e mantêm proporcionalidades parecidas, uma vez que
possuem metodologias de pesquisa semelhantes e os objetos
de investigação se diferenciam. Ou seja, se pautam em diferen-
tes pressupostos ontológicos e tempos de pesquisa, distintos
da subárea biodinâmica.
Dando concretude e continuidade ao texto proposto,
focamos nossa atenção nos discursos recentes circulantes na
pós-graduação em Educação Física sobre o desenvolvimento
da ciência e da tecnologia na área de conhecimento Educação
Física em nível de Pós-Graduação Stricto Sensu, nas recomenda-
ções de nossos representantes de área, das nossas autoridades
de representação política e científica (presidentes e diretores de
agências de fomento e avaliação da pós-graduação) e de nossos
mais destacados colegas no universo acadêmico, notadamente
aqueles compromissados com o Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte. Como muitos sabem, dedicamo-nos à pesquisa quali-
tativa e seus diferentes procedimentos de construir conheci-
mento. É preciso destacar, rapidamente, que não desprezamos
os números e seu potencial descritivo.
Não dá para falar sobre a organização e o desenvolvimen-
to da pesquisa em torno de uma especificidade disciplinar ou de
uma área de concentração sem fazer referência a um conceito
que ocupa a mente acadêmica nas últimas décadas e que povoa

292
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

o léxico dos iniciantes e iniciados na prática científica, nota-


damente sobre o tema que discutimos inicialmente que aqui
fizemos referência aos estudos do corpo. A referida palavra se
trata por: interdisciplinaridade.
Tal noção supõe mirar a totalidade, identificar e olhar o
homem em sua realidade histórico-social, compreender obje-
tos de conhecimentos provocadores partindo de conceitos
de diferentes áreas com implicações e aplicações em outras.
Ou seja, assumir a interdisciplinaridade nos sugere a ideia de
cooperação, de solidariedade acadêmica, de que uma comuni-
dade epistêmica plena de diversidade compartilharia conheci-
mento, expertise; de que uma comunidade científica composta
por diferentes sujeitos epistemológicos iria de modo articu-
lado compartilhar esforços, recursos e meios para explicar,
compreender problemas da realidade e definir objetos episte-
mológicos da área em questão. Uma noção tão usada que já nem
se pensa e se discute o seu significado quando se pronuncia.
Interdisciplinaridade, se dá por acordado que está plenamente
presente em nosso modo de produzir conhecimento. A própria
organização dos Programas de Pós-Graduação sugere no ponto
de vista prático essa ideia quando estimula os professores e
professoras orientadoras a organizar suas produções científi-
cas em áreas de concentração, linhas de pesquisa, projetos de
pesquisa, teses, dissertações e iniciação científica.
Um outro bom exemplo que concorre para a interdiscipli-
naridade científica são os Grupos de Trabalho Temáticos (GTT)
do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), organizados
a partir de 1997, no X Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte
(CONBRACE) realizado em Goiânia. Uma forma de organização
que estimulou de modo irreversível a diversidade político-epis-
temológico da comunidade acadêmica ao organizar a produção

293
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

científica submetida à avaliação por pares por interesse episte-


mológico, embora já houvesse algum ensaio de diversificação e
pluralidade de conhecimento em congressos anteriores.
A inspiração dessa forma de organizar a produção cien-
tífica foi estimular o trabalho inter-multi-transdisciplinar e
congregar a diversidade. Contudo destacamos que essa intenção
não alcançou a plenitude. De modo paradoxal, a estratificação
do conjunto de pesquisadores em comunidades epistemológicas
com interesses de pesquisa comum se estabeleceu (talvez por
influência do Sistema de Pós-Graduação ou em razão da compe-
titividade acadêmica e busca de visibilidade) e especializando-
-se, contemplou critérios, rigor e modos de produção científica
diferenciados. Além disso, disputas internas evidenciaram uns
objetos de investigação em vez de outros, fato importante na
estratificação de novos GTT’s.
A implantação do sistema de GTT’s no CBCE seguiu uma
orientação multidisciplinar. O objetivo era evitar o diálogo e
a endogenia acadêmica dos grupos especializados em temá-
ticas específicas, no entanto a racionalidade científica cons-
pirou contra essa ideia. Com poucas dúvidas, intuímos que a
competitividade estimulada entre os pesquisadores, a disputa
por recursos para viabilizar meios para seus projetos de pesqui-
sa e a vaidosa busca de visibilidade nacional e internacional,
ao nosso ver, são um óbice importante à interdisciplinaridade.
Entretanto, não nos esqueçamos que um dos grandes óbices para
interdisciplinaridade em diferentes áreas de conhecimento no
Brasil é, o até então, modelo de avaliação da Pós-Graduação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
Os pesquisadores vinculados ao CBCE, especificamen-
te ao GTT Corpo e Cultura, produziram nos últimos anos

294
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

conhecimento interessante sobre o corpo. No quadro 2, abaixo,


é possível ver uma série histórica com a produção de estudos
majoritariamente sobre o corpo desse grupo.

Quadro 2 - número de estudos sobre o corpo e percentual sobre o total de


trabalhos apresentados nos congressos brasileiros de ciências do esporte e
congressos internacionais de ciências do esporte (CONBRACE - 2003-2017).

Fonte: elaborado pelos autores.

Observando o quadro é possível ver que de 2003 a 2017,


portanto em 14 anos, os estudos sobre o corpo representam
em torno de 12% do total da produção científica que circula
nos Congressos Brasileiros de Ciências do Esporte e Congresso
Internacional de Ciências do Esporte. Na série de percentis
é possível ver uma tendência de queda, com uma pequena
recuperação na última edição do referido evento. É possível
ver também certa aproximação e congruência entre a média
percentual das teses e dissertações produzidos na subárea
sociocultural com o número médio percentual apresentado no
GTT Corpo e Cultura. Essa similaridade nos dá uma ideia bem
próxima sobre o quanto está se produzindo sobre o corpo.
A livre exercitação da memória e da narrativa sugeriu de
imediato à noção de interdisciplinaridade as noções de falácia,
sofisma e tragédia. Mário Quintana, poeta brasileiro, aquele que
recusou o convite para entrar na Academia Brasileira de Letras
depois que José Sarney passou a integrar a referida academia,

295
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

diz em um de seus poemas: “A mentira é uma verdade que se


esqueceu de acontecer”. Isto é, o verdadeiro é o que se reco-
nhece plausível. Essa perspectiva está no horizonte quando
efetivamos nossa reflexão sobre a interdisciplinaridade cien-
tífica desejada e a pós-graduação na Educação Física, lembrando
como sublinhou Bracht (2003) que a Educação Física em seu
casamento (in)feliz com a ciência produziu conhecimento a
partir das ciências-mãe, esquecendo-se do que de fato ela é:
uma prática pedagógica que busca conhecimento em diferentes
ciências para acontecer e se concretizar entre sujeitos em rela-
ção pedagógica. O que poderia ser ao nosso ver, o fundamento
de uma tragédia grega, ou seja, um drama com final desgraçado;
em alguns casos, funesto.
Perseguimos a interdisciplinaridade, mas acabamos
por especializar e subdisciplinar o campo. Isso não quer dizer
que não tenha havido colaboração entre colegas, mas temos
lá nossas reticências sobre os estudos interdisciplinares. Com
condescendência, podemos dizer que por iniciativas individuais
alguma interdisciplinaridade houve, mas de modo sistêmico,
como o desejado, não! Embora discursos oficiais afirmem o
contrário.
De todos os modos, como cantou Cazuza1 “mentiras since-
ras me interessam”. Se não foi uma tragédia, pode ter sido um
sofisma, isto é, um conjunto de argumentos, uma lógica argu-
mentativa que sem intenção dolosa, involuntariamente, produz
ilusão, incorreta e com pouca consistência, por vezes enganosas.
Uma retórica, que confunde, que produz múltiplas verdades,
com alguma frequência falsidade. Fiquemos com sofisma.

1 Na canção “Maior abandonado”, composta em 1984.

296
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

Silveira (2016, p. 395) sustenta a tese “de que se faz


ciência na Educação Física brasileira a partir de diferentes
ontologias”. Isso quer dizer, (co)existem diferentes realidades
de Educação Física e Ciência, com modos de fazer (estatuto e
metodologia) científicos diferenciados e com narrativas que,
em seu cotidiano de pesquisa, tornam-se intocáveis e interpe-
netráveis entre si.
Antes de discorrer um pouco mais sobre essa tese caberia
pensar que o desenvolvimento da área de conhecimento educa-
ção física também gestou duas ontologias (ALMEIDA; VAZ, 2010):
uma que valorizava a ciência, com pretensões de transformar
a própria educação física em ciência (os autores citam a ciên-
cia do movimento humano como exemplo dessa perspectiva e
os pesquisadores que a sustentaram); e outra que valorizava a
prática e a intenção pedagógica da educação física. Segundo
os autores “A despeito das diferenças existentes [entre aqueles
que sustentavam essa perspectiva] todos pareciam convergir
para dois pontos: em primeiro lugar tomaram a Educação Física
como ponto de partida e chegada2 de suas reflexões, comprome-
tendo-se com elas. Em segundo lugar, é a cultura a referência
norteadora da educação física como prática pedagógica. [...] A
educação física, portanto, não só aplicaria conhecimento, mas
também o produziria” (ALMEIDA; VAZ, 2010, p. 13).
Nesse sentido, segundo Daolio (2004), cultura nesse início
de século é a principal categoria conceitual da Educação Física
brasileira. Dela emanaram definições do objeto de conhecimen-
to da Educação Física como cultura corporal, cultura corporal
do movimento, cultura corporal do movimento humano, cultu-
ra de movimento humano, cultura física e cultura do corpo,

2 Grifo dos autores.

297
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

entre outros. O entendimento do objeto de conhecimento da


Educação Física, a partir da categoria conceitual de cultura,
trata de chamar a atenção para o fato de que o movimento
humano não pode ser compreendido desconectado de um sujei-
to que se movimenta. Ou seja, é um sujeito — produto e produtor
de cultura — quem se movimenta e esse conjunto de saberes,
práticas e conhecimentos, relacionado a esse sujeito, passa a
ser considerado a partir de uma cultura, de uma história e de
um contexto de relações inscritas no laço social. Outra antino-
mia frequente quando se pensa o campo científico e a área de
intervenção da Educação Física é a que centra o debate entre os
discursos procedentes do campo da intervenção e os estudos
das chamadas comunidades acadêmicas ou vanguardas peda-
gógicas. Também são discursos relativamente autônomos.
De todos os modos, o Sistema Nacional de Pós-Graduação
(SNPG) e as agências de fomento a fim de incrementar e dar
visibilidade a produção científica nacional e também para
consolidar o SNPG, estimularam e deram especial atenção à
organização da pesquisa brasileira em grupos de pesquisa,
desenvolvendo o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil
que, se por um lado ofereceu possibilidades de: (I) concentrar
em linhas de pesquisa pesquisadores jovens e experimentados
na pesquisa científica, estimulando-os a pesquisar em torno
de uma linha de pesquisa comum e de um escopo definido; (II)
aumentar o números de produções individuais e coletiva dos
pesquisadores e catapultar seus currículos Lattes; por outro
lado, estimulou o isolamento dos grupos de pesquisa em torno
de si mesmos, criando condições para uma ultra especializa-
ção e, em alguns casos, favorecendo a endogamia acadêmica.
Concorreu, sobretudo, contra a interdisciplinaridade produ-
zindo entre eles um não diálogo entre comunidades, incapazes

298
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

de ouvir e falar uns com os outros. Fato que aduz fatores de


estresse na comunidade.
Nesse sentido a tese de Silveira (2016) volta a contribuir:
depois de um longo trabalho de campo, desenvolvendo uma
etnografia com dois grupos de pesquisa, um com fortes vínculos
e sustentação teórica nas ciências naturais e biológicas e outro
de forte inspiração nas ciências humanas e sociais a pesquisa-
dora identificou que “se aprende a fazer ciência e ser cientis-
ta no grupo de pesquisa” (SILVEIRA, 2016, p. 403), ouvindo e
aprendendo com os colegas, apropriando-se de metodologias de
pesquisa, repetindo e mediando o que já foi dito, compartilhan-
do referências bibliográficas e assumindo visões ideológicas e
postulados científicos circulantes no grupo de pesquisa. Ela
comprovou que “a identidade da área preconizada pela CAPES”
vem se constituindo por hierarquias epistemológicas e metodo-
lógicas historicamente construídas. Contudo, a suposta unida-
de parece estar só nos discursos oficiais sobre a área.
Essa pesquisadora identificou que o lugar onde “as múlti-
plas ciências da Educação Física se coordenavam e passavam a
ser uma única ciência [o que sugere uma possível interdiscipli-
naridade] foi nos processos de fomento e avaliação de pesquisas,
pesquisadores e de programas de pós-graduação protagoniza-
dos principalmente pela CAPES e pelo CNPq” (SILVEIRA, 2016,
p. 403). Para ela, esse mecanismo discursivo, além de instau-
rar a cultura de auditoria na área, ignorava potencialmente
as diferenças significativas entre essas ciências em produção.
A revisão de inúmeros estudos permitiu a Silveira (2016) afir-
mar que as políticas públicas de avaliação, fomento e promoção
da pesquisa científica em nosso país apontam para existência
de hierarquias, tratamento discricionário, favorecimentos,
vantagens e desvantagens às subáreas existentes na área de

299
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

conhecimento Educação Física. Fazendo coro a Silveira (2016),


compreendemos como ela, que “as múltiplas ontologias cientí-
ficas e as múltiplas práticas de intervenção em Educação Física
foram e estão sendo coproduzidas”. Adicionamos: sem recur-
sividade entre si. A ciência de modo relativamente autônomo
e independente nos grupos de pesquisa e a prática pedagógica
distanciada da produção científica nos múltiplos espaços onde
a Educação Física ganha visibilidade caminham em paralelo.
No campo científico, Silveira (2016) é taxativa: “se faz ciência
na educação física a partir de diferentes ontologias” comple-
tamente autônomas.
Em outros lugares já tratamos de mecanismos hereditá-
rios de constituição da área e como eles se transferiram para a
Pós-graduação. A própria organização das entidades de repre-
sentação científica e os periódicos eleitos para dar publicidade
ao conhecimento produzido na área são tentativas constantes
de distinção. Essa ideia talvez de substrato pode ajudar para
que possamos entender as ontologias existentes na Educação
Física ou o desenvolvimento das chamadas ciências do movi-
mento humano.
Recentemente tem circulado no debate científico nacio-
nal algo presente em âmbito internacional, dois novos concei-
tos de caráter: os chamados Centros de Síntese e Clusters
(Agrupamento de Grupos de Pesquisa) em Ciência e Tecnologia.
À primeira vista, seria possível dizer que é uma tentativa de
superar a frágil interdisciplinaridade desejada de outrora. De
algum modo, parece ressoar o reconhecimento do fracasso da
sistêmica intersubjetividade científico-disciplinar, do difícil
diálogo entre grupos de pesquisa ontologicamente diferentes
e operantes de pressupostos teórico-metodológicos e modos de
fazer ciência diferenciados. Também, o reconhecimento que a

300
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

produção científica brasileira tem gerado poucos efeitos sobre


as políticas públicas econômicas, sociais, políticas e culturais
brasileiras, ainda que a presença e frequência de pesquisado-
res brasileiros tenha aumentado nos periódicos internacionais.
Quando Netto (2018) pergunta “por que revisar a avaliação na
pós-graduação?”, sugere definir critérios claros [e adequados]
para estimular e avaliar a interdisciplinaridade e as inovações.
Segundo porta-vozes das agências de fomento, os Centros
de Síntese serão constituídos por grupos de pesquisadores
com diferentes formações, altamente capacitados em diferen-
tes regiões do país com capacidade de análise de uma gran-
de quantidade de dados complexos procedentes de diferentes
fontes e que se destinam a transformar dados em conheci-
mento. Conhecimentos importantes para instrumentalizar
o estabelecimento de políticas públicas e metas estratégicas
para o desenvolvimento do país, sua movimentação internacio-
nal e tomadas de decisão políticas, econômicas e sociais. Com
recursos nacionais e apoio da comunidade científica interna-
cional, as primeiras ações estão se consolidando no campo da
Biodiversidade e Ecossistemas.
Em contextos mundial e nacional eivados de proble-
mas de alta complexidade é possível pensar que investigações
parciais centradas em grupos estritamente especializados não
dão conta de tratá-los adequadamente e é necessário um olhar
sobre suas totalidades. O Brasil vem aumentando significati-
vamente sua produção científica e publicações acadêmicas. É
importante que os dados delas procedentes sejam submeti-
dos a metanálises complexas. Contudo, é importante que esse
trabalho seja acompanhado de modo transparente e seus efeitos
sejam disponibilizados para a comunidade científica nacional
legítima e eticamente preparada para seu uso. O contrário pode

301
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

resultar na propriedade intelectual de poderosos conglomera-


dos econômicos. Além de ampliar a estratificação assimétrica
existente entre comunidades científicas e pesquisadores.

Para finalizar: o corpo e a


produção de conhecimento

Se não ficou claro em linhas anteriores é preciso dizer


com todas as tintas que a produção de conhecimento através
da investigação científica e a sistematização de conhecimen-
to advindos da prática cotidiana na área de conhecimento
Educação Física está vinculada (quase que exclusivamente)
ao Sistema Nacional de Pós-Graduação (majoritariamente
na grande área da Saúde - Educação Física; na grande área
Humanas - Educação; na grande área Multidisciplinar da Saúde
- Ensino e outras) e, como mostramos antes, são apresentadas
nos Congressos Nacionais e Internacionais que se realizam no
Brasil, entre eles o CONBRACE. Pesquisas sobre o corpo, sua
história, os contextos de sua produção e os efeitos de suas ações
não escapam a essa lógica de produção e apresentação. Nem
escapam à carente interdisciplinaridade.
No CONBRACE de 2017 foram apresentados 116 trabalhos
no GTT Corpo e Cultura. Um grande número deles concentrados
em diferentes práticas corporais; muitos vinculando corpo e
cultura popular ou a comunidades específicas localizadas regio-
nalmente. Tematizavam trabalhos no campo das atividades
rítmicas e expressivas e alguns com discussões teóricas sobre
concepções de corpo, gênero e valores agregados a corporalida-
de. Também houveram muitos relatos de experiências corporais
específicas.

302
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

Do ponto de vista das abordagens teórico-metodológicas


predominam o enfoque fenomenológico em grande escala, o
materialismo histórico dialético figura em menor escala e um
que outro estudo positivista aparece. Há uma diversidade muito
grande nos desenhos de investigação, entre eles predominam
estudos etnográficos, revisões bibliográficas, estudos descriti-
vo-explicativos e estudos de caso. A maioria dos autores clas-
sifica seus estudos como qualitativos de caráter hermenêutico,
havendo também muitos estudos descritivos. Há significativa
presença de estudos que mesclam os enfoques qualitativos e
quantitativos. Entre os instrumentos mais utilizados estão os
questionários em primeiro lugar, seguido de entrevistas semies-
truturadas e análise de documentos. Com menor frequência
estão as observações, histórias de vidas e rodas de conversa,
que podem ser consideradas como grupo de discussão.
Entendemos a partir da análise dos textos que o rigor
metodológico precisa melhorar. Há bastante incongruência
entre o que é desenho de investigação e instrumentos de cons-
trução da informação, identificamos ausência de triangulação
de fontes e discussão dos dados em conjunto com o referencial
teórico, embora haja a citação de autores de referência (essa
inferência pode estar limitada pelo tamanho dos textos permi-
tidos no evento que não permite uma discussão exaustiva, já
que devido à ingerência da avaliação da pós-graduação, muitos
autores têm apresentado apenas notícias das investigações em
curso ou resultados já publicados em pesquisas publicadas em
periódicos).
A boa notícia é sobre a concepção de corpo. A esmagadora
maioria dos autores abraça uma concepção de corpo enquanto
totalidade, sem disjunção entre corpo e sujeito. Nos trabalhos
os sujeitos são corpos em ação. Não identificamos nos textos a

303
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

abordagem do corpo máquina, como peças que podem ser subs-


tituídas. Nos trabalhos os corpos aparecem contextualizados
histórica e socialmente.
Destacamos dois trabalhos, dado sua convergência com os
termos desse texto. O primeiro é “O corpo como tema da produ-
ção do conhecimento: uma análise da revista Pensar a Prática
(1998-2012)” (SAMPAIO; ALMEIDA; GOMES, 2017). Segundo os
autores: “a pesquisa remete ao esforço da área em pensar sua
própria produção a respeito do corpo” (SAMPAIO; ALMEIDA;
GOMES, 2017, p. 800). No período indicado, os autores anali-
sam 34 artigos. A maioria é procedente de pesquisa e todos
vinculados as áreas sociocultural e pedagógica, isto é, estão
entre aquela minoria de produções explicitadas no percentual
de 22,40% apresentado no quadro 1. Sampaio, Almeida e Gomes
(2017) identificaram 25 artigos originais, 6 artigos classifica-
dos como ensaios e os outros 3 artigos que estavam presentes
em seção livre/artigos de revisão. Foram identificados, ainda,
61 autores responsáveis pelos artigos, dentre os quais 23 são
homens e 38 são mulheres. Entre os temas com maior incidên-
cia estão: Corpo e Tecnologias (7 artigos); Culto ao corpo (12
artigos); Corpo e ambientes educacionais (5 artigos); Discursos
sobre o corpo feminino (5 artigos) e outros (5 artigos). Concluem
o trabalho apresentando duas críticas evidentes nos textos
que analisaram: uma, a cultura somática para educar o corpo
e outra, aos discursos hegemônicos sobre o corpo da mulher
na educação física e nos esportes. Trata-se de um texto com
rigor metodológico, desenho claro de investigação e processo
analítico cuidadoso.
O segundo trabalho que destacamos é o texto intitula-
do “Triz” (LOPES; BATISTA; LEAL, 2017). Vimos nesse relato de
experiência um ensaio de interdisciplinaridade entre literatura

304
Vicente Molina Neto / Jéssica Serafim Frasson / Natacha da
Silva Tavares / Elisandro Schultz Wittizorecki

e a corporalidade. Segundo as autoras: “O objetivo principal da


experiência em questão foi a potencialização do trabalho com o
corpo (enquanto matéria e ideia) em diálogo com outras lingua-
gens, especialmente a literária e a performática, resultando em
uma construção coreográfica/performática” (LOPES; BATISTA;
LEAL, 2017, p. 898). Do ponto de vista metodológico, as autoras
recorrem a literatura para fazer uma reflexão sobre a questão
de ser mulher na sociedade contemporânea, a partir daí fazen-
do a criação coreográfica e análise de sentidos dos atores. Já o
processo analítico concentra-se na análise da reação do público.
Não é um artigo usual em termos acadêmicos na área de conhe-
cimento educação física, mas mostrou-se criativo e pode ajudar
na indução da interdisciplinaridade, tão discursada e ausente
na área de conhecimento educação física
Considerando o que sustentamos antes e procuramos
evidenciar, manifestamos nossa crença que corpo e a cultura
corporal do movimento, a corporalidade, localizam-se nos inte-
resses de conhecimento da Educação Física. Nesse sentido, mais
que outros temas, são os conceitos que melhor podem induzir
a interdisciplinaridade necessária a área e ao mesmo tempo os
melhores temas de ensino dessa prática pedagógica. Não são
exclusivos, mas completamente presentes em sua construção
histórica e social, fato que pode lhe garantir o status de obje-
to epistemológico, quando tratado na totalidade dos múltiplos
discursos que se fazem sobre ele.

305
Tema 3: Corpo e educação
Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

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307
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Corpo e interdisciplinaridade: perspectivvas metodológicas

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Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano)
– Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Educação
Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, 2016.

308
RESUMOS

Tema 1
Corpo, natureza e cultura

UMA NARRATIVA FENOMENOLÓGICA


DA IMAGEM CORPORAL: CORPO PULSIONAL
E SUAS PERCEPÇÕES
NA CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE
Raianne Bezerra Mançonaro,
Terezinha Petrucia da Nóbrega

Este artigo é parte da pesquisa de mestrado em Educação Física,


que busca compreender a percepção da imagem corporal em
praticantes de musculação, com experiência de mais de 05 anos,
com regularidade na prática e com frequência mínima de 05
dias na semana, que visam modelar seu corpo através da hiper-
trofia muscular. Qual seria a relação entre a imagem do corpo
e a prática da atividade física no que diz respeito à percepção
corporal desses sujeitos? Esta pesquisa tem como principal
objetivo identificar, nas narrativas dos sujeitos praticantes de
musculação, a percepção do corpo e da imagem corporal para
compreender aspectos subjetivos e intersubjetivos do corpo e
das práticas corporais. Para nos ajudar nessa compreensão da
percepção corporal desses sujeitos, apoiamo-nos na interpre-
tação de corpo para a fenomenologia de Merleau-Ponty, como

309
Resumo

também nos conceitos de corpo para Le Breton, e de imagem


corporal, narcisismo e corpo pulsional para alguns psicana-
listas, como Sigmund Freud, Françoise Dolto e Paul Schilder.
Através da redução fenomenológica, na busca do que se mani-
festa à luz da consciência, a partir dos relatos, perceberemos
unidades de significado que, baseadas nesses conceitos teóricos,
contribuirão para a interpretação do fenômeno estudado.

ANINHÁ VAGURETÊ: APONTAMENTOS


ENTRE CORPO E CULTURA
NO RITUAL INDÍGENA DO TORÉM
Arliene Stephanie Menezes Pereira
Rosie Marie Nascimento de Medeiros

Neste texto trazemos as (re)significações culturais do ritual do


Torém do povo indígena Tremembé da aldeia de Almofala, na
cidade de Itarema-CE. Para tal efeito, nos utilizamos da fenome-
nologia baseada em Merleau-Ponty (1945/1994), e nos pautando
numa percepção como fonte subjetiva do conhecimento, signi-
ficando a cultura indígena Tremembé, através de seu ritual. A
descrição do ritual parte da primeiramente com a sua descrição
através de fontes documentais, e posteriormente com a memó-
ria oral dos próprios Tremembé, onde são trazidas suas falas,
colhidas entre setembro de 2018 e março de 2019. Através da
construção mnemônica dos indígenas são desvelados sentidos,
emoções e vinculações sobre suas experiências étnicas. Com
isso, surge o questionamento: Como pode ser pensado o corpo
no Torém? A partir da Educação Física, fazemos a interface
entre corporeidade, cultura e fenomenologia, para discorrer

310
Resumo

sobre este elemento da cultura Tremembé. Apontamos que


esse olhar pode contribuir na ampliação acerca do horizonte
de significações sobre a cultura e a corporeidade, e ainda provo-
cando o debate sobre uma conexão entre a Educação Física e
atuação intercultural.

PERFIL ECOCENTRISTA DE PRATICANTES


DE SLACKLINE: INTERFACES
DA PRÁTICA E DA NATUREZA
João Leandro de Melo Araújo
Elmir Henrique Silva Andrade
Cheng Hsin Nery Chao
Priscilla Pinto Costa da Silva

Ao longo do tempo as práticas de aventura têm angariado novos


adeptos, o que tem reaproximado o ser humano à natureza. A
partir disso, este trabalho tem por objetivo avaliar a influência
das aulas de iniciação ao slackline na sensibilização ambien-
tal dos praticantes, bem como traçar o perfil ecocentrista do
grupo investigado. Participaram da pesquisa 8 atores sociais,
sem distinção de gênero, maiores de 18 anos. Como instrumen-
to, foi utilizado a Escala de Ecocentrismo e Antropocentrismo e
entrevistas semiestruturadas. Percebeu-se que a aproximação
da prática à natureza favoreceu comportamentos pró-ambien-
tais. Além disso, o grupo demonstrou características ecocen-
tristas positivas, referentes à escala utilizada. Considera-se que
o planejamento de aulas executado não influenciou no modo de
viver dos praticantes, já que estes demonstraram preocupações
ambientais desde o início das ações.

311
Resumo

Tema 2
Corpo e saúde

REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA


INTEGRATIVA E COMPLEMENTAR:
MOTIVOS PARA A VIVÊNCIA DO YOGA
Milena de Oliveira Aguiar
Andréa Câmara Viana Venâncio Aguiar
Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

O objetivo deste artigo é compreender os motivos que conduzem


os praticantes a realizarem e permanecerem no yoga, prática
inserida nas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde
(PICs) e suas contribuições para a Educação Física. A pesquisa
foi desenvolvida sobre o viés metodológico da fenomenologia
de Merleau-Ponty sobre a estratégia do fenômeno situado. As
motivações se ancoram na busca de uma vida de qualidade, com
múltiplas identificações, dentre elas a redução da ansiedade,
autoconhecimento, redução de dores e melhora da depressão.
Constata que as motivações perpassam o caráter terapêutico do
yoga e se relacionam também a consciência corporal.

312
Resumo

O PROJETO DE EXTENSÃO AIKIDO


NA UFRN E AS IMPLICAÇÕES
NA SAÚDE DOS PRATICANTES
Marcel Alves Franco
Maria Isabel Brandão de Souza Mendes
Iraquitan de Oliveira Caminha

O projeto de extensão Aikido na UFRN, aberto em 2015, funciona


até os dias atuais, acolhendo pessoas da comunidade interna,
alunos, professores, demais servidores e comunidade externa
em geral. Neste capítulo, apresentamos os relatos dos integran-
tes do projeto sobre as suas compreensões de saúde e qual o
impacto do projeto em suas vidas. Percebemos a saúde como
um fenômeno complexo que envolve aspectos sociais, cultu-
rais, emocionais, biológicos, entre outros. Podemos perceber
também que o Aikido, por meio de suas técnicas marciais e
demais práticas corporais, contempla muitas dessas esferas e
promove o conhecimento de si enquanto também desenvolve
o cuidado de si e do outro. Neste ínterim, destacamos que os
relatos no projeto não são uma exigência para a participação
no projeto, eles têm um papel de fazer os praticantes refletirem
sobre suas vivências e sua saúde por meio de elaborações inter-
pretativas de sua própria condição. Tal atitude fortalece a ideia
de que existe uma dimensão hermenêutica da saúde que possui
elementos que podem ser narrados e analisados.

313
Resumo

Tema 3
Corpo e educação

O QUE A TRADIÇÃO ORAL DEPÕE


SOBRE O ENSINO DA CAPOEIRA:
EM JOGO AS VOZES DOS MESTRES
Rayanne Medeiros da Silva
Allyson Carvalho de Araújo

Conceber a capoeira como manifestação da cultura de movi-


mento, embasada e fortalecida pelo âmago da tradição oral,
nos impulsiona a compreender o que os mestres dessa práti-
ca corporal, representantes deste saber, se manifestam em
relação ao seu processo de ensino-aprendizagem. Para tanto,
buscamos como objetivo geral desse escrito discutir a pers-
pectiva do ensino da capoeira através das falas dos mestres
de capoeira. Como orientações metodológicas optamos pela
pesquisa qualitativa, de cunho descritivo. Com o propósito
de compreender o material coletado, usufruímos da análise
de conteúdo proposto por Lawrence Bardin. Percebemos de
forma latente as características da tradição no discurso de
cada mestre entrevistado ao depor sobre suas experiências e
consideramos que são relatos ricos e com potência colabora-
tiva no caminho de compreensão da capoeira. Na perspectiva
dos mestres, o aprendizado da capoeira faz parte de uma visão
de mundo e de uma ambiência na tradição. No que se refere ao
que se deve ser ensinado, as falas retomam saberes do âmbito

314
Resumo

do ensino não formal que se sistematizam na tradição das


dinâmicas dos diversos grupos, criando situações de aprendi-
zagem. Apontamos ainda sobre a necessidade de considerar os
saberes da capoeira que se consolidou através da tradição, pois
identificamos o quanto este espaço depõe com legitimidade
sobre os processos de ensino desta prática.

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E LITERATURA:


UMA POSSIBILIDADE DE ENSINAR
E APRENDER BOXE NO ENSINO MÉDIO

Danrley Alves Jacinto


Marcio Romeu Ribas de Oliveira

A seguinte pesquisa, fruto do Trabalho de Conclusão de Curso de


mesma autoria, objetivou compreender como os artefatos cultu-
rais — em específico a literatura — se relaciona com as questões
didáticas e pedagógicas do ensinar e aprender educação física
na escola e tendo como aspecto metodológico a estratégia da
análise de conteúdo, se atendo às informações presentes no
texto e aos respectivos contextos nos quais estavam incluídas,
tendo como objeto de estudo a obra “Nocaute - Cinco histórias
de boxe” do autor estadunidense Jack London. Foram encon-
trados, recortados, e analisados alguns trechos da obra em que
a prática corporal boxe aparecia, tendo seus fundamentos e
conceitos detalhados e que através destes seria possível ensi-
nar e aprender esse esporte em sala de aula, bem como suas
influências culturais em relação a mulher no esporte, como o
sexo feminino era tratado em relação a essa temática e como

315
Resumo

avançou no decorrer dos tempos no Brasil. Após aplicação de


aulas com reflexões sobre o conto, experimentação prática da
modalidade esportiva e encenação do combate ocorrido no livro
pudemos chegar à conclusão que é uma possibilidade utilizar
essa ferramenta para ensino de determinados conteúdos, e a
atribuição de sentido na prática se dá através do desenvolvi-
mento e relacionamento na prática docente.

AS INTERSUBJETIVIDADES NAS DINÂMICAS


DO CORPO, DA CULTURA, DO MOVIMENTO
E DO AMBIENTE: PROCESSOS (AUTO)
FORMATIVOS E COLABORATIVOS ENTRE
PROFESSORES(AS) DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Ewerton Leonardo da Silva Vieira
Karielly Mayara de Moura Leal
Rafaella Bôto Ferreira Costa
Bruno Ferreira Silva
Luciana Venâncio
Luiz Sanches Neto

Há uma perspectiva (auto)crítica e emancipatória na educação


física escolar, que afeta os(as) professores(as) e os(as) alunos(as)
como sujeitos dos processos de ensino e de aprendizagem.
Esses processos são (auto)formativos e permanentes porque
ampliam o tempo pedagogicamente necessário para mobilizar
as condutas a partir das aulas. Neste capítulo, contribuímos
para a compreensão da complexidade dessa (auto)formação.
Nosso objetivo é explicitar os modos intersubjetivos que os(as)
professores(as) de educação física utilizam para problematizar

316
Resumo

o seu próprio processo (auto)formativo. Analisamos colaborati-


vamente a convergência entre as temáticas de quatro pesqui-
sas de mestrado no PPGEF-UFRN. Este estudo tem pressupostos
qualitativos (auto)biográficos, baseado nas narrativas dos(as)
professores(as)-pesquisadores(as) autores(as) das pesquisas.
A fundamentação teórica está na perspectiva do recuo epis-
temológico ao identificar a especificidade da educação física
escolar por meio de dinâmicas convergentes acerca da cultura,
do corpo, do movimento e do ambiente. Problematizamos os
seguintes temas: (i) a formação docente permanente e a relação
com os saberes sobre o corpo; (ii) as intersubjetividades entre
o corpo, a cultura e a sistematização do currículo; (iii) o ensino
do esporte a partir da dinâmica do corpo; e (iv) a relação das
lutas com as demandas ambientais. Consideramos que proces-
sos colaborativos podem fomentar avanços qualitativos para a
consolidação de comunidades de professores(as) que compar-
tilham saberes na educação física.

317
Resumo

A IMPORTÂNCIA DO PROGRAMA
INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO
À DOCÊNCIA (PIBID) PARA A EDUCAÇÃO
FÍSICA NA VISÃO DOS PROFESSORES/
SUPERVISORES DAS ESCOLAS
Lucineide Neves Costa
Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues
Regina Helena Rigaud Lucas Santos
Aguinaldo César Surdi

O PIBID - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à


Docência, criado pelo Decreto nº 7.219 e fomentado pela CAPES,
propõe a articulação entre as Instituições de Ensino Superior
(IES) e as escolas públicas de Educação Básica como forma de
contribuir para a formação inicial de professores. Ao oferecer
bolsas de iniciação à docência, antecipa o vínculo de futuros
professores com o futuro local de trabalho, pressupondo que
a aproximação desses com as atividades de ensino nas esco-
las públicas, mediante a execução de um projeto institucional
proposto por uma determinada IES, pode levá-los ao compro-
metimento e à identificação com o exercício do magistério.
Neste sentido, o presente texto visa analisar as contribuições do
(PIBID) do Curso de Educação Física, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN), nas escolas públicas de Natal/RN,
tendo por base a percepção dos professores supervisores das
escolas participantes. A pesquisa se qualifica como qualitativa,
de análise descritiva. As informações foram colhidas por meio
de entrevistas com 6 professores, dos quais 3 já participaram do
PIBID e 3 que participam atualmente. Os relatos expostos nos
permitem perceber que as sensíveis contribuições do Programa

318
Resumo

se estendem aos aspectos subjetivos, mas também, objetivos,


que vão, desde o revigoramento da comunidade escolar, conta-
giada pela empolgação dos bolsistas em auxiliar os professores/
supervisores, até a adoção de abordagens e metodologias inova-
doras, que conferem significado às aulas, atraindo a atenção
dos alunos, bem como legitimando o papel da Educação Física
no âmbito escolar.

A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO FÍSICA


ESCOLAR: DE QUAIS CORPOS FALAMOS?

Ana Aparecida Tavares da Silveira


Sára Maria Pinheiro Peixoto
Fabyana Soares de Oliveira
Angela Brêtas Gomes dos Santos
Maria Aparecida Dias

Embora estejamos a quase quarenta anos da Conferência


Mundial de Educação para Todos (1990), pouco se avançou no
processo de inclusão escolar. Ainda temos muitos entraves para
garantir a aprendizagem dos corpos fora do padrão estabeleci-
do pela sociedade. Nesse sentido, trazemos como objetivo este
artigo discutir o corpo partindo da compreensão da Educação
Física Inclusiva dos professores da rede municipal ensino do
Natal. Utilizamos como metodologia a pesquisa descritiva com
abordagem qualitativa a partir do recorte de uma pesquisa
em andamento no mestrado. Construímos os dados na última
formação continuada de 2018 por meio de uma questão retirada
do questionário aplicado com 25 professores. As informações
foram organizadas com base na análise de conteúdos em três

319
Resumo

categorias. As análises da pesquisa mostram que a maioria dos


professores compreende a Educação Física Inclusiva para além
da garantia de ensino aos corpos com deficiência, citando diver-
sos sujeitos que devem ser envolvidos nas atividades propostas
nas aulas, como as meninas, os gordinhos, os menos habilidosos,
as pessoas com deficiência, entre outros. Os professores apon-
tam a importância de romper com a exclusão dos corpos menos
hábeis e ao mesmo tempo nos possibilita pensar na concepção
de corpo que ultrapassa o aspecto instrumental, pois não é mais
valorizado pelos resultados de sua performance, de seu adestra-
mento. As respostas abrem espaço para pensar em corpos que
constroem conhecimento a partir do vivido. A inclusão é para
todos e sendo assim deve ser repensada de tempos em tempos
até que cada corpo sujeito possa ser contemplado.

QUEBRANDO OS “TABUS” CULTURAIS SOBRE


O CORPO: A EMANCIPAÇÃO DA MULHER
BRASILEIRA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA
TEMÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Cyntia Emanuelle Souza Lima
Emmanuelle Cynthia da Silva Ferreira
Luiz Sanches Neto
Luciana Venâncio

Nosso objetivo neste capítulo é interpretar como elementos da


relação com o saber — de alunos(as) do ensino médio – possi-
bilitam intervenções situadas a respeito das questões de gêne-
ro — por licenciandos(as) em educação física. Entendemos que
para compreender as problemáticas relacionadas à equidade

320
Resumo

e à diversidade é necessário, primeiramente, reconhecer que


a educação física escolar é potencializadora de processos de
contextualização cultural sobre o(s) corpo(s). No contexto esco-
lar contemporâneo, o debate sobre as relações de gênero tem
um sentido político polarizado que mascara a importância de
discussões e reflexões no combate de “tabus” e na reprodução
de diversas formas de opressão. A mulher brasileira está inseri-
da nessa problemática sob lógicas complexas de intersecciona-
lidades de raça, gênero e classe. A partir da análise qualitativa
das intervenções realizadas, notamos que há relações hierár-
quicas observáveis e que os(as) alunos(as) consideram as temá-
ticas de gênero e sexualidade relevantes nas aulas de educação
física. Concluímos que os(as) professores(as) podem ensinar
conteúdos temáticos problematizadores para a aprendizagem
com respeito aos corpos masculinos e femininos, contribuindo
para a compreensão das diferenças e para a (re)construção dos
conceitos com ampliação crítica e emancipatória da igualdade
de gênero.

PESQUISAS SOBRE O CORPO


NEGRO NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Hudson Pablo de Oliveira Bezerra


José Pereira de Melo

Apresentamos neste capítulo um estudo do tipo Estado da


Arte com as produções acadêmicas da área da Educação Física
sobre os saberes, linguagens e práticas do corpo negro. Para
tanto, contamos com três espaços de investigação: periódicos,
anais de evento e banco de teses e dissertações da Capes. Nos

321
Resumo

periódicos, realizamos investigações naqueles de qualis A1, A2,


B1 e B2. Quanto aos anais, esses foram dois, os do CONBRACE
e do Seminário de Educação Física Escolar da USP, nos anos de
2013, 2015 e 2017. Para as teses e dissertações, pesquisamos nos
Programas de Pós-Graduação em Educação e Educação Física.
Apresentamos a partir das buscas as principais pesquisas
sobre o corpo negro, seus saberes e práticas, na relação com a
Educação Física.

CORPO E INTERDISCIPLINARIDADE:
PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS

Vicente Molina Neto


Jéssica Serafim Frasson
Natacha da Silva Tavares
Elisandro Schultz Wittizorecki

Este texto pretende refletir o corpo como objeto epistemológico


da educação física e, nessa condição, como ele pode estimular
a interdisciplinaridade necessária na área de conhecimento,
uma vez que os estudos do/sobre o corpo padecem de certo
paradoxo comum ao fazer científico: muito anúncio/desejo de
interdisciplinaridade, mas escassa efetividade, de modo espe-
cial, quando se trata de propor a dialógica entre as ciências
humanas e as ciências da saúde partindo da área de conheci-
mento Educação Física. Assim, como procuramos evidenciar,
manifestamos nossa crença de que corpo e a cultura corporal
do movimento, a corporalidade, localizam-se desde as últimas
décadas do século XX, nos interesses objetivos de conhecimento

322
Resumo

da Educação Física. Nesse sentido, mais que outros temas, são


os conceitos que melhor podem induzir a interdisciplinaridade
necessária a área e ao mesmo tempo os melhores temas de ensi-
no dessa prática pedagógica. Não são exclusivos, mas completa-
mente presentes em sua construção histórica e social, fato que
pode agregar o status de objeto epistemológico, quando tratado
na totalidade dos múltiplos discursos que se fazem sobre ele.

323
SOBRE OS AUTORES
E OS ORGANIZADORES

Aguinaldo César Surdi

Professor Adjunto do Departamento de Educação Física da UFRN


e Coordenador do Curso de Licenciatura em Educação Física da
UFRN. E-mail: aguinaldoosurdi@yahoo.com.br.

Allyson Carvalho de Araújo

Possui Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal


do Rio Grande do Norte (2004), mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2006) e doutora-
do em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco
(2012). Professor adjunto IV da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Professor permanente do Programa Pós-Graduação em
Educação Física (PPGEF-UFRN) e do Programa de Pós-Graduação
Profissional em Educação Física em Rede (PROEF-Pólo Natal).
E-mail: allyssoncarvalho@hotmail.com.

324
Sobre os autores e organizadores

Ana Aparecida Tavares da Silveira

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN,


Especialista em Corpo e Cultura do Movimento e Graduada
em Educação Física pela UFRN. Ex-tutora do curso Educação
Física a distância/UFRN, integrante da equipe de construção
do Referencial Curricular de Educação Física e professora de
Educação Física no municio do Natal e membro do Grupo de
Pesquisa GEPEC/UFRN. E-mail: anatalats@gmail.com.

Andréa Câmara Viana Venâncio Aguiar

Bióloga, docente da Escola de Saúde da UFRN, yogaterapeuta


com formação em Ayurveda, mestre e doutora em Educação, na
área de Educação e Corporeidade. Atua na formação de Práticas
Integrativas e Complementares em Saúde. E-mail: deananda.
aguiar@gmail.com.

Angela Brêtas Gomes dos Santos

Doutora em Educação pela UFRJ, Mestre em Educação pela


Universidade Federal Fluminense, Especialista em Psicomotricidade
pela Universidade Estácio de Sá e Graduada em Educação Física
pela UERJ e. Atualmente é vice-diretora e professora adjunta da
Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ e Coordenadora
do Grupo ESQUINA: Cidade, Lazer e Animação Cultural sediado
na EEFD/UFRJ. E-mail: labretas@gmail.com.

325
Sobre os autores e organizadores

Antonio Fernandes de Souza Junior

Mestrado em Educação Física pela UFRN. Foi professor no ensino


superior da UNEMAT e UFRN. Tem experiências como professor
na educação básica. Participa do Laboratório de Estudos em
Educação Física, Esporte e Mídia (LEFEM/UFRN) – vinculado ao
Grupo de Estudos em Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC/
UFRN). E-mail: antonio.fernandes.jr@hotmail.com.

Arliene Stephanie Menezes Pereira

Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia


do Ceará-IFCE. Doutoranda em Educação pela Universidade
Estadual do Ceará-UECE. Mestra em Educação Física pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN. Email:
stephanie_ce@hotmail.com.

Bruno Ferreira Silva

Mestrando no PPGEF-UFRN, Licenciado em Educação Física,


Membro do Eixo de Pesquisa sobre Educação Física Escolar
e Processos Formativos Colaborativos. E-mail: brunitofs@
hotmail.com.

326
Sobre os autores e organizadores

Cheng Hsin Nery Chao

Graduado em educação física pela Universidade Federal do Rio


Grande do Norte e em ciências biológicas pela Universidade Federal
da Paraíba. Mestre em Estudo do Lazer pela Universidade Estadual
de Campinas e Doutor em Educação pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Atualmente é Professor da Universidade
Federal do Amazonas. E-mail: nerychao@gmail.com.

Cyntia Emanuelle Souza Lima

Mestranda no PPGEF-UFRN, Licenciada em Educação Física,


Membro dos Eixos de Pesquisa sobre Educação Física Escolar
e Relações com os Saberes e sobre Processos Formativos
Colaborativos. E-mail: cyntiaeslima@gmail.com.

Danrley Alves Jacinto

Graduado em Licenciatura em Educação Física pela UFRN, e


atualmente discente do curso de Bacharelado em Educação
Física na mesma instituição. Membro do Laboratório de Estudos
em Educação Física, Esportes e Mídia desde 2018, investigando
temas sobre Literatura, ensino da Educação Física e Esportes de
Combate. E-mail: danrleyalves.ufrn@gmail.com.

327
Sobre os autores e organizadores

Elisandro Schultz Wittizorecki

Doutor em Ciências do Movimento Humano, docente do curso


de graduação em Educação Física e professor permanente
no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento
Humano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
elisandro.wittizorecki@ufrgs.br.

Elmir Henrique Silva Andrade

Graduado em Licenciatura em Educação Física pela Universidade


Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é aluno do mestra-
do do Programa de Pós-Graduação em Educação Física na
mesma instituição. E-mail: elmir@ufrn.edu.br.

Emmanuelle Cynthia da Silva Ferreira

Mestranda no PPGEF-UFRN, Licenciada em Educação Física,


Membro dos Eixos de Pesquisa sobre Educação Física Escolar
e Relações com os Saberes e sobre Processos Formativos
Colaborativos. E-mail: emmanuellecys@gmail.com.

Ewerton Leonardo da Silva Vieira

Mestrando no PPGEF-UFRN, Licenciado em Educação Física,


Membro do Eixo de Pesquisa sobre Educação Física Escolar e
Processos Formativos Colaborativos. E-mail: ewerton_bs9@
yahoo.com.br.

328
Sobre os autores e organizadores

Fabyana Soares de Oliveira

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN,


Especialista em Psicomotricidade Clínica e Escolar e Graduada
em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Tem experiência na área da Educação Física Escolar e
atua como professora de Educação Física da rede municipal de
Ceará-Mirim e como professora substituta de Educação Física
no IFRN. E-mail: fabyanaoliv@yahoo.com.br.

Hudson Pablo de Oliveira Bezerra

Professor de Educação Física do Instituto Federal do Rio Grande


do Norte - IFRN, Campus Caicó, Graduado em Educação Física
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN,
Mestre em Educação Física e doutorando em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. E-mail:
hpobezerra@gmail.com.

Iraquitan de Oliveira Caminha

Professor titular do Departamento de Educação Física da


Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Coordenador do
Laisthesis – Laboratório de Estudos sobre Corpo, Estética e
Sociedade, do Grupo de Filosofia da Percepção e do Labore
– Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Espaço
Psicanalítico – EPSI. Professor do Programa Associado de
Pós-graduação em Educação Física UPE/UFPB e do Programa
de Pós-Graduação em Filosofia da UFPB. E-mail: caminhaira-
quitan@gmail.com.

329
Sobre os autores e organizadores

Jéssica Serafim Frasson

Doutoranda em Ciências do Movimento Humano na


Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora substi-
tuta do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do sul – Campus Viamão/RS. Bolsista Capes. E-mail:
jehfrasson@hotmail.com.

João Leandro de Melo Araújo

Licenciado em educação física pela Universidade Federal do Rio


Grande do Norte. Aluno do Mestrado em Ciências do Desporto,
da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. E-mail: jlean-
dro93@outlook.com.

José Pereira de Melo

Doutor em Educação Física pela UNICAMP, Professor Titular


da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vinculado ao
Departamento de Educação Física, Coordenador do Grupo de
Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento – GEPEC. Pró-Reitor
Adjunto de Assuntos Estudantis (UFRN). A Educação Física
escolar, a relação corpo e aprendizagem e os projetos sociais
na escola constituem seus atuais interesses de pesquisa. E-mail:
jose.pereira.melo@uol.com.br.

330
Sobre os autores e organizadores

Judson Cavalcante Bezerra

Possui Licenciatura em Educação Física pela Universidade


Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mestrado em Educação
Física pelo Programa de Pós Graduação em Educação Física
pela UFRN, Pós-Graduando em Educação Física Escolar pela
Faculdade Dom Alberto, Técnico em Guia de Turismo pelo
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologias do
Rio Grande do Norte (IFRN). Servidor da Rede Básica de Ensino
do Município de Natal e Membro do Grupo de Pesquisa Corpo
e Cultura de Movimento (GEPEC/UFRN), desenvolvendo estu-
dos nas áreas de Políticas Públicas para o Esporte Educacional,
Educação, Educação Física Escolar, Esporte, Jogo e Lúdico.
E-mail: judsoncavalcante@gmail.com.

Julio Cesar Barbosa de Lima Pinto

Doutorando em Ciências Médicas - UFC; Mestre em Educação


Física - UFRN; Especialista em Fisiologia do Exercício pela -
UECE; Especialista em Treinamento Força - UFRN e Bacharel
em Educação Física - UFC. Tem como linha de pesquisa contro-
le e monitoramento carga de treinamento no esporte, sono e
atletas. Atualmente é professor da Faculdade Terra Nordeste
- FATENE, Caucaia, CE. E-mail: julioduibmx@gmail.com.

Karielly Mayara de Moura Leal

Mestranda no PPGEF-UFRN, Licenciada em Educação Física,


Membro do Eixo de Pesquisa sobre Educação Física Escolar
e Processos Formativos Colaborativos. E-mail: kariellymou-
ra123@gmail.com.

331
Sobre os autores e organizadores

Luciana Venâncio

Professora do PPGEF-UFRN e do IEFES-UFC, Pós-Doutora


em Educação, Coordenadora do Eixo de Pesquisa sobre
Educação Física Escolar e Relações com os Saberes, Membro da
International Study Association on Teachers and Teaching (ISATT), da
Comunidade Autônoma de Professores(as)-Pesquisadores(as) e
da Rede de Pesquisa sobre Relação com o Saber (Repères). E-mail:
luciana_venancio@yahoo.com.br.

Lucineide Neves Costa

Graduanda em Licenciatura em Educação Física pela UFRN e


Especializanda em Educação Física pelo Centro Educacional
Dom Alberto. E-mail: luuhncosta@hotmail.com.

Luiz Sanches Neto


Professor do PPGEF-UFRN e do IEFES-UFC, Pós-Doutor em
Educação, Coordenador do Eixo de Pesquisa sobre Educação
Física Escolar e Processos Formativos Colaborativos, Membro
da American Educational Research Association (AERA), da Antena
CRIFPE-Brasil (NEPEF-FPCT) e da Special Interest Network on
Complexity (SINC). E-mail: luizitosanches@yahoo.com.

332
Sobre os autores e organizadores

Marcel Alves Franco

Doutorando no Programa Associado de Pós-graduação em


Educação Física (UPE-UFPB), graduado (UFS) e mestre em
Educação Física (UFRN); professor responsável no Projeto
de Extensão Aikido na UFRN (coordenação prof.ª Isabel
Mendes, DEF/UFRN); pesquisador nos Grupos de Pesquisa
Laisthesis (UFPB), SALUD (UFRN) e GEPEC (UFRN). Atua nos
temas Práticas Corporais em Saúde, Massoterapia, Práticas
Integrativas e Complementares em Saúde e Artes Marciais.
E-mail: macfranco1@gmail.com.

Marcio Romeu Ribas de Oliveira

Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de


Janeiro, Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de
Santa Catarina, professor Adjunto II da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Professor colaborador do Programa de Pós
Graduação em Educação Física, (PPGEF- UFRN) e do Programa
de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional
– PROEF-UNESP (Polo UFRN). Os interesses de pesquisa estão
relacionados ao campo da Educação Física Escolar e suas cone-
xões com as mídias, tecnologias e seus dispositivos. E-mail:
marcioromeu72@gmail.com.

333
Sobre os autores e organizadores

Maria Aparecida Dias

Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal


do Rio Grande do Norte e Graduada em Educação Física pela
Universidade Castelo Branco/RJ. Atualmente é chefe do
Departamento de Educação Física/UFRN, coordenadora do
PIBID Educação Física/UFRN e membro efetivo dos Grupos de
Pesquisa: GEPEC e GETS (PPGED/UFRN). É vinculada a Linha
de Pesquisa Educação e Inclusão em contextos educacionais.
E-mail: cidaufrn@gmail.com.

Maria Isabel Brandão de Souza Mendes

Doutora e mestre em Educação (UFRN), pós-doutorado


(Université de Montpellier II), graduada em Educação Física (UFRJ),
estágio no Institut de Sciencies du Sport da Université de Lausanne
(2017); é docente da graduação e do Programa de Pós-Graduação
em Educação Física (UFRN). Pesquisadora do GEPEC (UFRN) e
coordenadora do Grupo de Pesquisa Corpo, Saúde e Ludicidade
- SALUD (UFRN). Pesquisa: corpo, cultura de movimento, epis-
temologia, saúde, cuidado de si, práticas corporais. E-mail:
isabelbsm1@gmail.com.

Milena de Oliveira Aguiar

Licenciada em Educação Física (UFRN); Mestre em Educação


Física (UFRN). Docente da Graduação do curso de Educação
Física na Faculdade Estácio do Rio Grande do Norte (FATERN).
Integra o grupo de pesquisa Corpo, Saúde e Ludicidade (SALUD).
E-mail: milenaguiar11@gmail.com.

334
Sobre os autores e organizadores

Natacha da Silva Tavares

Doutoranda em Ciências do Movimento Humano da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora da Rede
Municipal de Viamão/RS. E-mail: natacha_760@hotmail.com.

Priscilla Pinto Costa da Silva

Graduada em educação física pela Universidade Estadual da Paraíba.


Mestrado e doutorado em educação física pela Universidade de
Pernambuco. Atualmente é professora da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, atuando no Programa de Pós-Graduação
em Educação Física. E-mail: laprisci@gmail.com.

Rafaella Bôto Ferreira Costa

Mestranda no PPGEF-UFRN, Licenciada em Educação Física, Membro


do Eixo de Pesquisa sobre Educação Física Escolar e Processos
Formativos Colaborativos. E-mail: rafa.boto@hotmail.com

Raianne Bezerra Mançonaro


Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. E-mail: raiannebe-
zerra.psi@gmail.com.

335
Sobre os autores e organizadores

Rayanne Medeiros da Silva

Possui Licenciatura em Educação Física pela Universidade


Federal do Rio Grande do Norte (2015) e mestrado em
Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação Física (PPGEF-UFRN), na Área de Concentração:
“Movimento Humano, Cultura e Educação” - Linha de
Pesquisa: Estudos Pedagógicos Sobre o Corpo e o Movimento
Humano. Professora da rede municipal de educação básica de
Ceará-Mirim/RN. E-mail: rayannemedeiross@hotmail.com

Regina Helena Rigaud Lucas Santos

Mestranda em Educação Física pela UFRN e professora de


Educação Física da Rede Estadual de Ensino. E-mail: reginah-
elenarigaud@gmail.com.

Rosie Marie Nascimento de Medeiros

Doutora em Educação. Professora Associada 2 da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte e dos Programas de
Pós-Graduação em Educação (PPGEd) e Educação Física
(PPGEF). Vice-Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estesia
– Corpo, Fenomenologia e Movimento e do Laboratório VER
– Visibilidades do Corpo e da Cultura de Movimento. E-mail:
marie.medeiros@gmail.com

336
Sobre os autores e organizadores

Sára Maria Pinheiro Peixoto

Mestre em Educação, Especialista em Psicopedagogia Clínica


e em Educação, Desenvolvimento e Políticas e Graduada em
Pedagogia. Foi Professora, coordenadora e diretora pedagógica
da Prefeitura do Natal e atuou como Suporte Pedagógico pelo
estado do RN. Atualmente é professora efetiva do Núcleo de
Educação da Infância/NEI/CAp/UFRN e membro do Grupo de
Pesquisa GEPEC/UFRN. E-mail: sarinha27@gmail.com.

Terezinha Petrucia da Nóbrega

Professora Titular da Universidade Federal do Rio


Grande do Norte, bolsista de produtividade do CNPQ, coor-
denadora do Grupo de Pesquisa Estesia e do Laboratório
Ver. Doutorado em Filosofia da Educação pela Universidade
Metodista de Piracicaba (1999). Coordenadora do Programa de
Pós-graduação em Educação Física (PPGEF/UFRN) 2011-2013 e
2017-2019. Realizou Estágio de Pesquisa Sênior/Pós-Doutoral
na École Normale Superieur de Paris (2014-2016), com bolsa
Capes Estágio Sênior (2014-2015) e CNPq (2015-2016). E-mail:
pnobrega68@gmail.com.

337
Sobre os autores e organizadores

Vicente Molina Neto

professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em


Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
e professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em
Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Bolsista de produtividade do CNPq e Presidente
do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte 2017-2021. E-mail:
molinaneto@yahoo.com.br.

Wanessa Cristina Maranhão de Freitas Rodrigues


Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Atualmente chefe do Setor de Ações e
Projetos do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria
Municipal de Educação da cidade do Natal. E-mail: wanessa-
cristy@hotmail.com.

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