Você está na página 1de 117

Educação inclusiva

múltiplos olhares

Organizadores
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto
Ana Paula Monteiro Rêgo
Maria das Graças Correia Gomes
Orlando Ramos do Nascimento
Educação inclusiva
múltiplos olhares

Arapiraca/AL
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS COMITÊ CIENTIFICO
Reitor: Odilon Máximo de Morais Profª. Drª. Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto - UNEAL
Vice-Reitor: Anderson de Almeida Barros Profª Me. Ana Paula Monteiro Rêgo - UNEAL/UNCISAL
Diretor da Eduneal: Renildo Ribeiro Profª. Drª. Maria das Graças Correia Gomes – UNEAL
Dr. José Crisólogo de Sales Silva - UNEAL
CONSELHO EDITORIAL DA EDUNEAL
Presidente: Renildo Ribeiro
Titulares REVISORES CIENTÍFICOS
Professores: Drª. Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto (Uneal)
José Lidemberg de Sousa Lopes Ma. Ana Paula Monteiro Rêgo (Uncisal/Uneal)
João Ferreira da Silva Neto Esp. Cléa Carneiro de Araújo Palmeira (Semed)
Luciano Henrique Gonçalves da Silva Drª. Cristiane Monteiro Pedruzzi (Uncisal)
Natan Messias de Almeida Esp. Eleusa Maria Passos Tenório (Semed)
Maria Francisca Oliveira Santos Ma. Juliana Oliveira de Santana Novais (Uneal)
Márcia Janaína Lima de Souza - Sistema de Bibliotecas Profa. Dra. Maria das Graças Correia Gomes (Uneal)
(SIBI) Dra. Maria Edna Porangaba do Nascimento (Uneal)
Me. Wellynton Chaves Monteiro da Silva (Uneal)
Suplentes
José Adelson Lopes Peixoto Revisão ortográfica e ABNT
Edel Guilherme Silva Pontes Thayná Fontan Duarte Ayres
Maryny Dyellen Barbosa Alves Brandão
Ariane Loudemila Silva de Albuquerque Capa
Ahiranie Sales dos Santos Manzoni Rima Editorial
Elisângela Dias de Carvalho Marques - Sistema de
Bibliotecas (SIBI) Diagramação
Mariana Lessa

Catalogação na fonte

E24 Educação inclusiva : múltiplos olhares / (Organizadores) Ana Lydia Vasco de


Albuquerque Peixoto ... [et al.]. – Arapiraca : Eduneal, 2021.
87 p. : il. : color (e-book).

Inclui bibliografia.
ISBN:.978-65-86680-41-6
DOI: 10.48016/GT11Xenccult

1. Educação inclusiva. 2. Práticas pedagógicas. 3. Inclusão escolar. 4. Educação


de surdos. 5. Ensino de Libras. I. Peixoto, Ana Lydia Vasco de Albuquerque, org.
II. Rêgo, Ana Paula Monteiro, org. III. Gomes, Maria das Graças Correia, org.
IV. Nascimento, Orlando Ramos do, org. V. Encontro Científico Cultural.

CDU: 376.33
Elaborada por Fernanda Lins de Lima – CRB – 4/1717

Direitos desta edição reservados à


Eduneal- Editora da Universidade Estadual de Alagoas
[...] Queríamos tanto que ele fosse considerado
pelo o que era, que fosse amado e apreciado
por quem era de verdade, que fosse festejado
e não visto como alguém incapaz de amar,
sentir e ter empatia [...]

Priscilla Gilman (2015)


Agradecimentos

E
ste livro é fruto da comunhão de conhecimentos de vários educadores e, a esses que
partilharam suas experiências e reflexões, os nossos mais sinceros agradecimentos.
A coordenação geral do ENCCULT 2020, na pessoa do Prof. Dr. José Crisólogo
de Sales Silva, por nos estimular a registrar os nossos saberes e inquietações enquanto
educadores na caminhada por uma efetiva escola inclusiva.
Ao Comitê Científico do Grupo de Trabalho Educação Inclusiva: múltiplos olhares
do ENCCULT 2020, por conseguir reunir pesquisadores que investigam a escola como um
espaço de todos.
Aos revisores científicos, pelas preciosas sugestões que redundaram na melhor
qualificação dos textos aqui publicados.
A todos os profissionais, que trabalharam na construção da versão final desse livro,
nossos agradecimentos pelo cuidado e precioso zelo na apresentação final.
Sumário
Prefácio....................................................................................................... 8

Apresentação..............................................................................................10

1. Práticas inclusivas e produção de subjetividades


na contemporaneidade............................................................................... 11
Adalberto Duarte Pereira Filho
Rafael Alexandre Belo

2. Perspectivas e Possibilidades de Atividades Pedagógicas


não Presenciais para Alunos com Deficiência no Contexto
da Pandemia do COVID-19......................................................................... 20
Geila Santos de Sousa

3. Uso de modelo didático reciclável para ensino de Ciências Biológicas


como recurso de inclusão de alunos com deficiência visual:
relato de experiência...................................................................................35
Danyelle Aquino da Silva
Jaqueline Souza da Silva
Raissa Albuquerque Cabral
Suellen Thamires Calvacante
Manuelle Prestrêlo de Oliveira de Melo

4. A inclusão escolar de estudantes com perda auditiva usuários


de implante coclear: relato de experiência..................................................43
Cristiane Monteiro Pedruzzi

5. Educação inclusiva: Libras e prática docente......................................... 51


Francielly da Silva Oliveira
Cristina Simone de Sena Teixeira
Roseane Ferreira da Silva
Sanadia Gama dos Santos
6. Educação de surdos: repressões e conquistas.........................................65
Cristina Simone de Sena Teixeira
Francielly da Silva Oliveira
Inalda Maria Duarte de Freitas

7. Alunos com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista: acesso e


permanência no ensino superior............................................................... 80
Maira Lisboa Veras Paes
Ana Paula Monteiro Rêgo

8. Sobre a invisibilidade de transexuais e travestis na escola:


considerações sobre estudos brasileiros publicados
no período de 2009 a 2018..........................................................................97
William Fernandes de Araújo Barbosa
Ana Paula Monteiro Rêgo
Prefácio

E
m tempos de resistência como os de nossos dias, em que travamos cotidianamente
um duelo entre a vida e a morte, frente ao negacionismo da letalidade da COVID-19,
em que o discurso cientifico é desqualificado e posto em xeque no âmbito político, faz-
se imperativo problematizar a Inclusão em uma multiplicidades de olhares.
Neste texto, a inclusão é um campo em que educadoras/es e profissionais da
saúde reclamam enquanto uma efetiva estratégia contemporânea possível de promover a
universalização de direitos e justiça social.
Incluir é a promoção da diversidade. Trata-se de uma laborosa e sofisticada estratégia
em tempos em que vivemos uma síndrome da anormalidade. Tal quadro-clínico-social nos
impele a tônica da hegemonia e institui como uma cama de Procusto a impossibilidade viver
de outros modus.
A partir do que apreendemos em nossa prática como Inclusão, situamos a seguir os
textos que coligem esse e-book considerando os estilos de escrita e as óticas teóricas de
cada autora/or.
No primeiro capítulo os professores Rafael Belo e Adalberto Duarte tratam das
Práticas inclusivas e produção de subjetividades na contemporaneidade a partir do
arcabouço teórico da Complexidade mostrando a possibilidade de dialogar a partir de
lugares epistemológicos distintos um mesmo objeto.
No segundo capitulo, o Uso de modelo didático reciclável para ensino de Ciências
Biológicas como recursos de inclusão de alunos com deficiência visual: relato de experiência,
a professora Manuelle Prestrêlo de Oliveira de Melo e suas alunas Danyelle Aquino da
Silva, Jaqueline Souza da Silva, Raissa Albuquerque Cabral e Suellen Thamires Calvacante
socializam suas experiências na construção e de um modelo didático inclusivo.
No terceiro capítulo, Perspectivas e Possibilidades de Atividades Pedagógicas
não Presenciais para Alunos com Deficiência no Contexto da Pandemia do COVID-19, a
doutoranda Geila Santos de Sousa interpreta a prática pedagógica no cenário de complexidade
da pandêmica a partir de práticas discursivas produzidas.
No quarto capítulo, A inclusão escolar de estudantes com perda auditiva usuários
de implante coclear: relato de experiência, a professora Cristiane Monteiro Pedruzzi
compartilha as experiências e os impasses de fazer inclusão.
No quinto capítulo, Educação inclusiva: Libras e prática docente, as pesquisadoras
Francielly da Silva Oliveira, Cristina Simone de Sena Teixeira, Roseane Ferreira da Silva
e Sanadia Gama dos Santos refletem sobre os impactos positivos que o conhecimento da
Língua Brasileira de Sinais - Libras associado a outros recursos pedagógicos possibilitam
um fazer inclusivo.
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Enquanto que no sexto capítulo, as professoras Cristina Simone de Sena Teixeira,


Francielly da Silva Oliveira e Inalda Maria Duarte de Freitas expõem sobre uma discussão
acerca do “Congresso de Milão”, evento ocorrido numa época em que se proibiu a língua de
sinais no mundo e oprimiu a comunidade surda, que sofre danos até os dias atuais.
No penúltimo artigo, Alunos com diagnóstico de TEA: acesso e Permanência no
Ensino Superior, as professoras Maira Lisboa Veras Paes e Ana Paula Monteiro Rêgo tratam
do fenômeno do aumento de diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista e das nuances
que envolvem a da permanência do aluno no ensino superior.
O último capítulo, Sobre a invisibilidade de transexuais e travestis na escola:
considerações sobre estudos brasileiros publicados no período de 2009 a 2018, William
Fernandes de Araújo Barbosa e Ana Paula Monteiro Rêgo apresentam a urgência do
acolhimento à diversidade na escola e apontam a repercussão das ações da escola no universo
social de transexuais e travestis.
A diversidade de olhares, a percepção e os estilos de autoria das/os pesquisadores que
contribuíram para a materialização deste manuscrito estão a serviço da inclusão. E em que
miramos quando tratamos de inclusão? Fitamos num futuro em que a inclusão galgue para o
status de imperativo. Ansiamos por uma sociedade que lute pela promoção e a efetivação de
justos direitos com vistas à igualdade na diversidade. Onde todas, todos, todes e não todos,
tenham suas vidas e demandas asseguradas.
Espero que cada leitora/or que se debruce sobre este livro seja impelida/o a trilhar
os caminhos da Inclusão, que sejam impulsionados a uma atitude inclusiva, e também ao
compartilhamento de experiências e ideais. Que se arvorem a testar, modificar e a criticar
estes conteúdos logrados no campo cientifico. Que o desejo em promover a unidade na
diversidade seja a motivação que nos aproxima desta obra.

Inquietosamente,

Adalberto Duarte Pereira Filho

9
Apresentação

E
sta é uma obra coletiva, produzida por educadores pesquisadores envolvidos com as
complexas questões que compõem o contexto da escola inclusiva. Podemos apontar
como fazendo parte deste contexto questões como: a história da educação brasileira;
políticas e marcos legais que fundamentam a Educação Inclusiva no Brasil, a singularidade
dos alunos e de suas famílias, a formação dos educadores, a natureza das instituições
escolares, os múltiplos olhares sob a pessoa com deficiência e o momento político que
estamos vivendo em nosso país.
Este trabalho pôde reunir, além de educadores, profissionais de várias especialidades
e de vários lugares do Brasil. Os textos aqui reunidos foram construídos a partir das vivências
dos educadores, das várias concepções teóricas que fundamentam o dia a dia da escola, da
histórica luta por uma efetiva inclusão escolar e do desenvolvimento dos aspectos legais que
abriram as portas da escola para a diversidade e que garantem a inviabilidade de uma escola
que atenda à homogeneidade.
Desejamos que esta nossa experiência de incluir uma diversidade de perspectivas
acerca da educação e do universo de possibilidades de intervenções e olhares para a
diversidade na escola possa favorecer aos que se envolvem nesta luta.
Convidamos você, leitor, a entrar nesse universo didático de práticas inclusivas
apresentadas por estudantes, docentes e profissionais da educação numa perspectiva
evolutiva e dialógica.
1

Práticas inclusivas e produção de subjetividades na


contemporaneidade12
Inclusive practices and the production of subjectivities in
contemporary times
Adalberto Duarte Pereira Filho(¹); Rafael Alexandre Belo(2)

(1)
ORCID: 0000-0001-5583-6305, Psicólogo e Psicanalista; Mestre e doutorando em Educação pela
Universidade Federal de Alagoas (UFAL); Membro do Grupo de Pesquisa Práticas de Aprendizagem
Integradora e Inovadora (GP-PAII); Brasil; adalberto-duarte@hotmail.com
(2)
ORCID: 0000-0003-1230-1372, Psicólogo com formação em Psicologia Fenomenológica Existencial;
Mestre e doutorando em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL); Membro do Grupo
de Pesquisa Práticas de Aprendizagem Integradora e Inovadora (GP-PAII); Brasil; rafaelbelo_paz@
hotmail.com

ABSTRACT: This essay aims to problematize the inclusives practices and the production of subjectivities
in contemporary times, with an emphasis on presenting some socio-historical landmarkes and exposing the
relationship between medicalization, subjectivity and education. Contemporary education researchers and
activists come from a movement to affirm human diversity and its knowledge. The notion of subjectivity, in
turn, is related to the social, the cultural, to the elements that influence our way of doing and being in the
world. In the case of the present discussion, we can say that it influences the way of developing pedagogical
practices of inclusion. Based on complex thinking, transdisciplinarity and ecoforming, learning and
inclusive practices break with dualistic thinking. It is essential to overcome the modern paradigm in favor
of a postmodern paradigm. Only through ideas and actions that are based on a postmodern logic such as the
theory of complexity and transdisciplinarity can a genuinely Inclusive Education be built. The perspective of
complexity and transdisciplinarity is used as a theoretical reference for the debate, carrying out the dialogue
between social psychology, existential phenomenological psychology, psychoanalysis and inclusive education.
There are many initiatives that innovative inclusion practices are being experimented with and this contributes
to a planetary movement to create a more tolerant world, where the human dimension is valued in a balance
with the social and the environment. It is important to highlight the critical understanding of the process of
producing subjectivities around inclusion in the contemporary world, as well as the possible contributions of
inclusive education practices in this context.

KEY-WORDS: Inclusive practices, Subjectivity, Contemporary times.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Estudiosos e militantes da educação inclusiva, na contemporaneidade, vêm de um


movimento de afirmação da diversidade humana e seus saberes. De forma que o Grupo de

1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap1
2
Trabalho apresentado no X ENCCULT- Encontro Científico e Cultural, no dia 3 de setembro na UNEAL -
Maceió - Alagoas.
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Pesquisa Práticas de Aprendizagem Integradora e Inovadora (GP-PAII) trabalha a concepção


de inclusão, em suas pesquisas e práticas pedagógicas, numa perspectiva complexa, que
não se limita à categoria da pessoa com deficiência, mas pensa a inclusão para todos, em
sua multiplicidade, realidade sócio-histórica e inteireza. Em seus estudos, privilegia a
compreensão da complexidade humana e seus saberes, através de um olhar ecossistêmico,
interdisciplinar e transdisciplinar, construindo bases para uma educação ecotransformadora,
por outro lado, e, numa atitude também transdisciplinar, acolhe e dialoga com pesquisadores
de outras áreas do conhecimento, como também perspectiva epistemológica, como é o caso
da Psicanálise, da Psicologia Fenomenológica Existencial e Sócio-Histórica.
Esta afirmação da diversidade dos saberes, especificamente, dialoga com a necessidade
da criação de tempos de transdisciplinaridade e tempos de diálogo. Entendemos que é o
que tem que se buscar ao falar de inclusão, sobretudo, na contemporaneidade. No caso
do presente ensaio, utiliza-se, como referência teórico para o debate, a perspectiva da
complexidade e da transdisciplinaridade, realizando o diálogo entre a psicologia social, a
psicologia fenomenológica existencial, a psicanálise e a educação inclusiva.
Este texto tem como objetivo problematizar as práticas inclusivas e a produção de
subjetividades na contemporaneidade, com ênfase na apresentação de alguns marcos sócio-
históricos e na exposição da relação entre medicalização, subjetividade e educação.

APONTAMENTOS SOBRE A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES NA


CONTEMPORANEIDADE E A NOÇÃO DE INCLUSÃO

A noção de subjetividade está relacionada ao social, ao cultural, como também a


elementos que influenciam nosso modo de fazer e de estar no mundo. No caso da presente
discussão, podemos dizer que ela influencia o modo de desenvolver as práticas pedagógicas
de inclusão. A subjetividade, de fato, é uma dimensão intimamente relacionada com o que
a gente pensa, com o que a gente sente e com o que a gente produz, como também reproduz
em termos de comportamentos. Mas, é importante destacar que a subjetividade é aquilo
que está posto, aquilo que já está produzido. Assim, ela é passada, é uma dimensão ôntica,
embora influencie a produção de tudo que podemos chamar de comportamento. Como a
própria estrutura da palavra acusa, ela é ‘sub’, está relacionada ao “sub-jectum”. Fonseca
(2015, online), ao contrapor o “modo ontológico de sermos do ator”, diz que “(...) o sujeito,
em sua subjetividade, acontecida, real, realizada, é espectador contemplativo, flexivo,
reflexivo, sobre, e do objeto, acontecido (...)”.
Apesar da importância desta dimensão como elemento de interpretação da realidade,
ou, principalmente, por causa da sua importância, precisamos superar o que tem sido,
socialmente, produzido, como subjetividade, em termos de inclusão/exclusão. Destaca-
se que, quando se fala em produção de subjetividade, refere-se a uma diversidade de
subjetividades, de modos de pensar, de sentir e de agir diante da educação e da inclusão.
Há, portanto, a necessidade de se trabalhar na produção de novas subjetividades, de novos
sentidos e de uma implicação realmente inclusiva.
O desenvolvimento histórico e seus marcos, apesar de não funcionarem de forma linear
e dentro da lógica do progresso, ajudam-nos a entender como tem se dado esta produção de
subjetividade em torno da inclusão. De forma que abordar a produção de subjetividade, na

12
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

contemporaneidade, é encarar que estamos vivendo, coletivamente, tempos muito difíceis,


de práticas fascistas, preconceituosas e de muita discriminação. Nota-se que, nos últimos
anos, e o marco aqui, no Brasil, é o ano de 2016 e o golpe parlamentar, temos, então, no
mínimo, quatro anos onde se vê certa permissão para que as pessoas produzam sentidos que
vão à contramão de uma ética humanitária. Isto tem acontecido com recorrência, e em torno
de muita intolerância.
Voltando um pouco mais no tempo, para entender essa produção de subjetividade,
destaca-se que o movimento brasileiro, em torno da Educação Inclusiva, dialoga,
historicamente, com os movimentos internacionais que problematizaram a Educação
Especial, a exemplo da Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração
de Salamanca (1994). No Brasil, em 2006, foi elaborado o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos, que “incorpora aspectos dos principais documentos internacionais
de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, agregando demandas antigas e
contemporâneas de nossa sociedade” (BRASIL, 2007, p. 11).
Em 2008, temos a Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da
Educação Inclusiva (2008), que teve grande impacto na subjetividade de toda a população.
Porque, a partir de uma política pública de educação inclusiva as pessoas, começam
a entender que têm direito a inclusão no âmbito da educação. Tem-se aí uma questão
socioeconômica que não pode ser ignorada, visto que a população mais pobre tende a lidar
com aquilo que é direito público com tal gratidão de sentido que é como se o direito fosse
um favor. Quantas pessoas que estão usando, por exemplo, um posto de saúde ou mesmo
uma escola pública, produzem um sentimento de gratidão a um vereador ou a um prefeito,
como se aquilo que ela usufrui não fosse resultado de um processo de mobilização coletiva.
Não se tem, muitas vezes, a consciência de que aquilo é direito, que se paga imposto, e que
se tenta produzir uma democracia que garanta certos direitos.
Sobre a Política de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, a falta
de consciência sobre direitos conquistados ficou clara no início de sua implementação. A
escola, sendo pública ou não, passou a ter como obrigação matricular qualquer pessoa,
inclusive aquelas que tivessem deficiência, ficando camuflado um sentimento social de que
se estava fazendo um favor àquelas pessoas. Com o tempo, observamos que muitas dessas
pessoas tiveram que reivindicar um direito garantido por lei, tiveram que lutar, pois esse
direito não foi facilmente efetivado.
Mesmo hoje, em 2020, tem-se uma dinâmica, em muitas cidades, de se criar artimanha
para se evitar a matrícula de pessoas com deficiência. Essa prática também tem a ver com
produção de subjetividade e é caracterizada como artimanha, porque a escola não pode negar,
legalmente, a matrícula de pessoas com deficiência, e fica subentendido quando uma diretora
vai conversar com uma família que tem uma pessoa com deficiência e, em seu discurso,
começa a apontar dificuldades para esta pessoa ficar na escola, ou quando ela fala “a gente
tem um limite de pessoas com deficiência por turma”, começa a criar dificuldade, “talvez
nossa escola não seja a mais adequada”, “não podemos dar tanta atenção quanto…”, enfim,
já presenciamos este discurso e isso é lamentável. Na maioria das vezes, estas artimanhas
acontecem em escolas particulares. E, neste contexto, muitas famílias recuam e avaliam que
não vale a pena matricular seu filho ou filha, se a própria escola expressa não quer que aquela
pessoa venha a estudar ali. Neste contexto, muitos desistem de fazer valer os seus direitos.

13
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Nota-se que estamos falando de uma dinâmica de produção de subjetividade muito


perigosa. Então, este é um ponto fundamental para se debater. Toda a cultura de uma educação
inclusiva e de direito mexeu com essa produção de subjetividade a ponto de se ver pessoas,
independente da classe social, literalmente “rodar a baiana” pela garantia de direitos.
Infelizmente, vivemos em um contexto contemporâneo, mundial inclusive, mas
brasileiro, de modo particular, muito perverso. Vimos, por exemplo, na semana passada
, o prefeito do Rio de Janeiro, sendo denunciado por usar funcionários da prefeitura para
impedir que pessoas façam críticas nas portas de hospitais (CAMPUS, MACIEL, ALANIZ,
OLIVIERA, 2020; SOARES, 2020; ARAÚJO, 2020; UOL, 2020). Intenção clara de impedir
o exercício democrático. E, sem o exercício democrático, não há inclusão. Observamos aí as
contradições entre o legal e o real.
Fala-se, corriqueiramente, que temos que conquistar mais direitos. Contudo, o que se
vê nos últimos anos: a perda de direitos. E parece que o foco de parte da sociedade passou
a ser: vamos lutar para não perder mais direitos. Isto é fruto, claramente e sem rodeios,
de uma gestão pública com características fascistas, e que privilegia o aspecto econômico
em detrimento aspecto humano, embora sua política econômica também não esteja sendo
assertiva. É um governo que não tem uma ética inclusiva na base de sua concepção política.
Esse é um tipo de realidade que se vive hoje no Brasil e é, também, a realidade que se vive nos
Estados Unidos, por exemplo. Melhor entender que toda esta conjuntura é uma transição, o
que faz o cidadão entender que direitos conquistados nem sempre são direitos garantidos e
eles podem ser perdidos também.
Por outro lado, o pensamento e o sentimento de que eu posso e devo participar da
construção de uma sociedade, na preservação e ampliação de direitos, é muito precioso em
termos de produção de subjetividade: a noção de que uma sociedade justa não se faz por lei,
mas se faz a partir de um engajamento coletivo, onde cada pessoa deve se implicar.
A relação entre política e inclusão não se esgota, contudo gostaríamos de acrescentar
mais um elemento problematizador, bastante característico da contemporaneidade: a
medicalização e os aspectos subjetivos da sua presença no âmbito educacional.

APONTAMENTOS SOBRE MEDICALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE

Compreendemos que a medicação é um dispositivo tecnológico do âmbito médico


capaz no imaginário social de intervir e resolver qualquer demanda, mesmo que da ordem
subjetiva do humano. Assim, tomamos o conceito de medicalização como uma forma
contemporânea de governamentalidade e biopoder pronta para atender a uma política
de controle político dos corpos e da vida. No âmbito educacional, toma-se como a gestão
dominadora dos corpos infantis. Consideramos que o fracasso-escolar, transformado pelo
capital e tomado, erroneamente, como patologia médica, direciona a responsabilidade
total da aprendizagem individualmente ao aluno. Assim, se ele não aprende, é porque esse
sujeito, enquanto um corpo, é disfuncional e, exclusivamente nele, é que habita a produção
do problema, explicável biologicamente. Desta feita, o aprendizado torna-se uma demanda
biológica tratada pelo médico.
Cotidianamente, vemos, na mídia, notícias que divulgam resultados de pesquisas, na
área biomédica, que surgem como formas explicativas dos sentimentos e das sensações de

14
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

sofrimento, por exemplo. A medicina é a representante desse discurso científico, apoiada na


biologia, e dedica-se em elucidar o que é o humano a partir de suas bases neurobiológicas
e determinismos genéticos (ARROYO; SILVA, 2012). O desenvolvimento dos novos
conhecimentos, em neurociências e a produção da biotecnologia, amplia a possibilidade
de explicar o humano pela via da biologia. No campo das perturbações psíquicas, as
explicações são as mais sofisticadas; o sofrimento é transformado em transtorno; o medo,
em excitação da amígdala e a angústia, em movimentos moleculares no interior do espaço
sináptico (ARROYO; SILVA, 2012). A primazia do biológico, sob o desejo do humano,
desresponsabiliza-o da busca de soluções possíveis, ao tempo que o aprisiona nas garras da
indústria farmacêutica. A propagação desse discurso do determinismo biológico ressoa, no
laço social, como uma proliferação de que a condição humana está reduzida ao organismo.
A partir de novos estudos neurológicos, a indisciplina e o comportamento instável dos
adolescentes não estão mais atribuídos ao fato de não saberem lidar com seus hormônios,
e sim a puras conexões entre neurônios que se desfazem para que surjam outras. Assim,
no lugar de considerar um psiquismo em estruturação, põe-se em déficit neurológico. Os
enunciados científicos são tomados como o único estatuto de verdade. Não nos cabe aqui
uma crítica leviana ou desmerecimento ao desenvolvimento científico-médico, trata-se de
refletir sobre as implicações produzidas, no laço social, pela simplificação e reducionismo de
um objeto tão complexo quanto o humano.
Compreendemos como medicalização “as diversas manifestações do fenômeno de
buscar respostas médicas e individuais para problemáticas sociais e coletivas” (PATTO, 1999
p.50). Esse modus operendi é crescente. Tratar questões sociais, como se fossem biológicas,
iguala o mundo da vida ao mundo da natureza (COLLARES; MOYSÉS, 2014).
O movimento pela inclusão é um pilar de resistência aos processos de medicalização
e da despatologização, que vem, cotidianamente, desvelado no cotidiano, como demonstra
as novas invenções patológicas das doenças-do-não-aprender e das doenças-do-não-se-
comportar (FREITAS, 2011), o que geram a circulação de diagnósticos indiscriminados
amparados pela legalidade do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
– V (DSM-V). Esse vade-mécum de diagnósticos clínicos, que norteia a classificação das
doenças, no campo da saúde, é posto, em xeque, a partir da afirmativa de Frances (2013,
p.5) de que “transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais” e que tal
produção se dá em função de sustentar “o impulso agressivo e ardiloso das indústrias
farmacêuticas” (idem).
Em face desse movimento que perpassa o campo da educação e da saúde que reclama
uma despatologização e desmedicamentalização da vida, faz-se imperativo pensar que,
na ordem subjetiva, o processo adoecedor da educação produz, nos sujeitos, sofrimento
psíquico, mal-estar e angústia. Afetos complexos, por vezes, incapazes de serem plenamente
elaborados por sujeitos em desenvolvimento.

A AMPLIAÇÃO DA NOÇÃO DE INCLUSÃO E SUAS PRÁTICAS

É importante, pois, ampliarmos a noção de inclusão a fim de entender suas práticas


como forma de resistências contra modos de subjetivação contemporâneos que fragmentam
e empobrecem o ser humano, inclusive, em seus processos de criatividade, produção de

15
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

autonomia e capacidade de lidar com sua existência de modo não medicamentalizado.


Pensar os caminhos da inclusão e a inclusão como caminho (BAPTISTA, 2005;
GUIJARRO, 2005; ALVES; MURADAS, 2015) exige refletir a posição do homem, enquanto
sujeito de relação, e o pensamento fragmentado limita esse pensar amplificado. Desta
forma, faz-se necessário construir práticas de aprendizagem e inclusivas que possibilitem
intervenções, em educação, que deem sentidos e significados ao humano ao seu fazer
recursivo no mundo, reinventado possibilidades para o desenvolvimento do sujeito.
A noção de inclusão, numa perspectiva complexa e de afirmação da diversidade,
supera a própria concepção de pessoa com deficiência. Quando se observa a forma como
o debate internacional tem se desenvolvido, concorda-se que falar de inclusão é falar de
inclusão para todos. No limite, quando se está falando de inclusão, não se está falando
somente da pessoa com deficiência. Isto é uma compreensão muito importante, pois numa
sala de aula, por exemplo, aquela pessoa, com deficiência, precisa ter um tratamento
adequado, no entanto, aquele aluno que fica calado e torna-se quase invisível, e que não tem
deficiência, mas que, por outros motivos, possa estar tendo dificuldade de aprendizagem,
relacionadas a questões familiares ou sociais, precisa também ser incluído. Precisa ser
contemplado com práticas educacionais inclusivas. A inclusão é de todos. Incluir, então,
não é inserir uma pessoa em um grupo, mas sim respeitar cada pessoa em sua plenitude e
afirmar suas possibilidades de ser.
Isto se tornou mais desafiador ainda, quando entramos no estado de quarentena,
devido à pandemia de covid-19. Como incluir, por exemplo, aquela criança que se nega a
participar da aula remota? Precisa-se, então, encontrar caminhos para a inclusão dessa
criança, quer ela tenha deficiência ou não.
Falar de inclusão é também falar de direito e igualdade racial. É pensar que precisamos
criar, na escola, um clima de relacionamento e intersubjetividade que respeite as pessoas de
diversas origens culturais. Que respeite o judeu ou aquela pessoa que participa do culto afro-
brasileiro, que respeite também o evangélico, o católico, que respeite o negro, o branco e o
indígena. Esse respeito, ainda, precisa ser amadurecido bastante, em termos de produção de
subjetividade, em nossa sociedade. E esse amadurecimento também é inclusão.
Conceber inclusão também é relacioná-la de forma complexa (MORIN, 2015) com
os acontecimentos contemporâneos diários. O que tem acontecido no mundo nas últimas
semanas? O que tem acontecido nos Estados Unidos, com o racismo de policiais que têm
um tratamento para uma pessoa de pele branca e outro para uma pessoa negra? O que está
acontecendo? O que está acontecendo aqui no Brasil, quando um dirigente da Fundação
Palmares reproduz discursos racistas? O que está acontecendo? Sem uma democracia racial,
não se tem inclusão.
Resgatando uma noção da teoria da complexidade (MORIN, 2015), referente à relação
entre partes e todo, podemos dizer que a parte que se refere ao professor que está tendo
uma prática inclusiva não é suficiente para efetivação da inclusão em sua plenitude, se, ao
mesmo tempo, não se está trabalhando um todo, onde se pensa nas políticas públicas e uma
regulação social no sentido de fazer valer os direitos conquistados legalmente.
É comum que as pessoas quando começam a se engajar na militância de uma
educação inclusiva, fiquem muito preocupadas com a questão da acessibilidade. E, de fato, a

16
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

acessibilidade é fundamental para se garantir um espaço democrático de inclusão. Mas, ela,


sozinha, não é suficiente. Pode-se dizer que um dos elementos fundamentais da inclusão,
inspirado em Alves (2016), é o “coração”, é a relação humana. Só teremos uma sociedade
realmente inclusiva, quando a nossa atitude, em relação ao outro, for verdadeiramente de
respeito, for de acolhimento, for uma relação, verdadeiramente, dialógica. Quando a gente
não sabe os caminhos, quando um professor que está em sala de aula, não sabe os caminhos de
como lidar com um aluno, mas, mesmo assim, possui uma abertura para o encontro com ele,
este professor acha caminhos com muito mais facilidade. Embora tenhamos configurações
de gestão escolar e configurações políticas que, muitas vezes, dificultam esse movimento.
Mas, isso não é justificativa para que, a partir da sensibilidade que eu tenho, em relação ao
outro, eu não crie possibilidades. Quando eu me abro para ser uma outra pessoa a partir da
relação, e quando se possibilita que o outro seja um outro a partir da relação, não se está
mais reproduzindo subjetividades, está-se criando, em um processo de vir-a-ser e produção
de novas subjetividades. Aí, eu estou sendo uma nova pessoa, o outro está na relação comigo,
tendo a oportunidade de ser uma nova pessoa. Isso não exclui questões políticas, não exclui
questões de acessibilidade, que são fundamentais. Mas, sem uma abertura para o outro, que,
no limite, é uma abertura espiritual, é olhar para o outro e vê-lo além das aparências, não há
inclusão. Isso é uma dimensão muito mais ampla, se a levarmos em consideração veremos
que temos muito o que fazer. Existem muitas iniciativas, onde se tem experimentando
práticas inovadoras de inclusão e isso colabora para um movimento planetário, da criação
de um mundo mais tolerante, onde se valorize a dimensão humana em um equilíbrio com o
social e com o meio ambiente.

CONSIDERAÇÕES INCONCLUSAS POR NATUREZA

Vivemos, atualmente, um movimento de políticas públicas implicadas com a saúde


mental e com a inclusão, essas são formas de governar muito peculiares e, por vezes,
deficitárias que emasculam a possibilidade de inserção dos sujeitos no laço social. A
educação inclusiva e a saúde mental têm sido impactadas com essa governança, através das
formas de controle e de regulação da vida. Os efeitos da reforma psiquiátrica, na educação,
parecem-nos ínfimos, parece, ainda, soar como absurdo relacioná-las no contexto escolar;
refletimos essas implicações ao pensar o campo de intersecção entre a saúde e a educação e
categorias como sofrimento psíquico, mal-estar e angústia. Já que, na atualidade, uma das
formas como se apresentam é diante das formas tendentes de homogeneização dos sujeitos,
sob a égide de uma igualdade massificadora e ou de um excesso de individualização. O
sujeito impelido a nadar contra a onda social, que tenta afogá-lo, depara-se com o mal-estar
da existência apresentado pela manifestação de um afeto que é impossível de enganar, a
angústia (LACAN, 1992).
Somente por meio de um pensamento transdisciplinar que supere a visão dicotomizada,
imposta pela lógica clássica, e que considere o sujeito inteiro em suas dimensões (espiritual,
afetiva, cognitiva, cultural, social, econômica, profissional, biológica, física, entre outros.) é
que conseguiremos propor uma educação, verdadeiramente, inclusiva.
Diante de um ser humano sempre inconcluso, com potencial de transformação de si e
de seu entorno, não podemos criar conclusões e verdades definitivas, como talvez pretenda

17
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

a ciência clássica e o conhecimento biomédico. Tal inconclusão deve acompanhar a busca


constante por bases éticas de humanidade. A própria produção social de subjetividade é
inconclusa. Por isso, ao invés de reproduzir subjetividades que empobrecem o potencial
humano, devemos criar, na contemporaneidade, práticas inclusivas que permitam produzir
novas subjetividades, embasados em valores éticos humanistas.
As práticas inclusivas favorecem a identificação e potencializam dos processos
criativos e de autoria dos sujeitos aprendentes. Por meio de tais práticas, os sujeitos
reconhecem, em si, seus espaços intrínsecos, produzem autonomia, forjam-se autores de
si mesmos, apropriam-se de suas histórias, limitações e se tornam capazes de reinventar
a vida cotidiana.

REFERÊNCIAS

1. 1. ALVES, M. D. F. Práticas de aprendizagem integradoras e inclusivas:


autoconhecimento e motivação. Rio de Janeiro: Wak, 2016.

2. ALVES, M. D. F.; MURADAS, M. J. Caminhos da Inclusão e a Inclusão como Caminho.


Fortalecendo a Teia da vida In: EDUCERE, III Seminário Internacional de Representações
Sociais, Subjetividade e Educação. SIRSSE. Curitiba: PUCPR, 2015. v. 1. p. 15250-15266.

3. ARAÚJO, V. ‘Guardiões do Crivella’: MPRJ vai analisar denúncia de que Prefeitura


paga funcionários para impedir críticas em hospitais. O Globo, Rio de Janeiro, 31 ago.
2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/guardioes-de-crivella-prefeitura-
paga-funcionarios-para-impedir-criticas-na-porta-de-hospitais-municipais-24616631.
Acesso em: 1 out. 2020.

4. ARROYO, M. G.; SILVA, M. R. (Org.). Corpo infância: exercícios tensos de ser


criança; por outras pedagogias dos corpos. Petrópolis: Vozes, 2012.

5. BAPTISTA, C. R. Inclusão, cotidiano escolar e políticas públicas: sentidos e


perspectivas. In.: SORRI-BRASIL (org.). Ensaios pedagógicos: construindo escolas
inclusivas. Brasília: MEC, SEESP, 2005. P. 15-20.

6. BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº
555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação
em 07 de janeiro de 2008. Brasília, DF, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf Acesso em: 18 fev. 2019.

7. . ______. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria


Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, 2007.

8. CAMPOS, C.; MACIEL, A.; ALANIZ, D.; OLIVEIRA, S.; SOARES, P. ‘Guardiões do
Crivella’: funcionários da prefeitura fazem plantão na porta de hospitais para impedir
trabalho da imprensa. G1, Rio de Janeiro, 31 ago. 2020. Disponível em: https://g1.globo.

18
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/08/31/guardioes-de-crivella-funcionarios-da-
prefeitura-fazem-plantao-na-porta-de-hospitais-para-atrapalhar-reportagens-sobre-a-
saude-do-rio.ghtml. Acesso em: 1 out. 2020.

9. COLLARES, C. L. e MOYSÉS, M. A. A. Mais de um século de patologização da


educação; 2014; Fórum: Diálogos em Psicologia, ano I, n.1.

10. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das


Necessidades Educativas Especiais. Salamanca-Espanha, 1994.

11. DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Satisfação das


necessidades básicas de aprendizagem. Conferência Mundial sobre Educação para Todos,
Jomtien, Tailândia: UNESCO, 1990.

12. FONSECA, A. L. Da musicalidade da pintura sem coisas, à estética vivência


ontofenomenológica da ação — sem objeto, nem sujeito –, pré reflexiva, na produção da
obra de arte. Impressionismo, Expressionismo, e a libertação da ação… InFormazione
- Rivista Formazione IN Psicoterapia, Counselling, Fenomenologia, La Rivista
dell’Istituto Gestalt Firenze, Babele - La rubrica internazionale di Gestalt, Florença,
Itália, 26, maio, 2015. Disponível em: https://rivista.igf-gestalt.it/da-musicalidade-da-
pintura-sem-coisas-a-estetica-vivencia-ontofenomenologica-da-acao-sem-objeto-nem-
sujeito-pre-reflexiva-na-producao-da-obra-de-arte/. Acesso em: 1 out. 2020.

13. FREITAS, M. C. O aluno-problema: forma social, ética e inclusão. São Paulo: Cortez,
2011.

14. FRANCES, A. The New Crisis in Confidence in Psychiatric Diagnosis. Annals


of Internal Medicine: Ideas and opinions, Disponível em:https://brasil.elpais.com/
brasil/2014/09/26/sociedad/1411730295_336861.html Acesso em: 30 mai. 2013.

15. GUIJARRO, M. R. Inclusão: um desafio para os sistemas educacionais. In.: SORRI-


BRASIL (org.). Ensaios pedagógicos: construindo escolas inclusivas. Brasília: MEC, 2005.
p. 7-14.

16. MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Tradução Eliane Lisboa. 5.ed. Porto
Alegre: Sulina, 2015.

17. PATTO, M. H.S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 2.


ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

18. UOL. Na porta de hospitais do Rio, ‘guardiões do Crivella’ impedem denúncias. UOL,
São Paulo, 31 ago. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-
noticias/2020/08/31/na-porta-de-hospitais-do-rio-guardioes-do-crivella-impedem-
denuncias.htm. Acesso em: 1 out. 2020.

19
2

Perspectivas e Possibilidades de Atividades Pedagógicas


não Presenciais para Alunos com Deficiência no Contexto da
Pandemia do COVID-191
Perspectives and Possibilities of Pedagogical Activities
not in Person for Students with Disabilities in the Context of
Pandemic of COVID-19
Geila Santos de Sousa(¹)

(¹)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5639-0541, Discente do Curso de Doutorado em Educação pela
Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Santarém, Pará; Brazil. geilases@gmail.com

ABSTRACT:The research presents results of an investigation based on the analytical enterprise inspired
by post-structuralist authors with analyzes of the legislation and other technical recommendations, with the
aim of analyzing and problematizing perspectives and possibilities of non-classroom teaching activities in
the context of the pandemic of COVID-19 for students with disabilities, in a Specialized Educational Unit in
the municipality of Santarém, state of Pará. For the development of this research, we opted for a qualitative
based bibliographic approach, through Discourse Analysis, seeking to interpret the problem from the of
discursive practices produced in the socio-educational context with a view to perceiving educational rights and
guarantees in view of a scenario never before experienced on the planet: the pandemic of the novocoronavirus.
Thus, for methodological materiality, an online questionnaire and discussions through a focus group with
professors from the Institution were carried out. With that, it was concluded that the current possibilities for
the development of learning through non-classroom classes are not viable due to the precarious conditions of
accessibility of students to technological means, as well as their socioeconomic and emotional conditions. The
need for continued training in the field of Information and Communication Technologies was also analyzed.

KEY-WORDS: Synchronous activities, Inclusive education, Pandemic.

INTRODUÇÃO
Surge um desafio que nós, educadores e educadoras, nos interroguemos
sobre a educação, a pedagogia, o currículo, a escola, os alunos e alunas, as
diferenças, discussões e práticas de inclusão, procurando o que ainda não
foi visto e dito. É preciso procurar, buscar conhecer como os processos de
subjetivação e diferenciação correm e, neste caso específico, como temos
olhado para as diferenças relacionadas à “não aprendizagem” (LOPES,
2007, p. 66).

1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap2
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Iniciamos esta seção, citando Lopes (2007), por compreendermos que suas análises
epistemológicas ajudarão a subsidiar os escritos seguintes, dada as peculiaridades
nos modos de pensar a educação, a partir dos elementos que a constituem, tais como:
as diferenciações nos jeitos de ser e aprender, principalmente, no que diz respeito às
aproximações na concepção do “novo começo” em todos os aspectos da vida social e,
mais especificamente, na interface com a Educação Inclusiva, interpretado pela autora
analogicamente, ao interpelar que a diferença é o oposto de o mesmo, enquanto que o
oposto da igualdade é o diverso. Portanto, segunda a mesma, podemos lutar pela inclusão
das diferenças, dando condições de igualdade de acesso e permanência destas nos
diferentes espaços sociais (LOPES, 2007, p.20).
Desses parâmetros educacionais, a pesquisa tem, como objetivo geral, analisar
e problematizar quais as perspectivas e possibilidades de atividades pedagógicas não
presenciais, mais especificamente, as atividades síncronas, para a aprendizagem de alunos
com deficiência, no contexto da pandemia do novo coronavírus, em uma Unidade de Educação
Especializada (UEE), que trabalha com alunos com deficiência e com Transtorno do Espectro
Autista (TEA) em parceria com escolas regulares do Município de Santarém, no Estado do
Pará. Os participantes da pesquisa foram professores da UEE e Coordenação Pedagógica.

Para o empreendimento analítico, buscou-se a produção do conhecimento,
a partir do contexto da racionalidade de Governamento e da Biopolítica neoliberal,
baseada na literatura de Michael Foucault (2008b, p. 258) em que expressa o termo de
governamentalidade, o que ele propôs chamar de uma proposta de grade de análise para
essas relações de poder. Nesse esmero, ROSA e MENESES (2020, p. 96) interpretam que
a ação de governamento de uns sobre os outros, operada a partir das relações de poder,
pressupõe a possibilidade de condução de ações na vida do sujeito social, em busca de
formas de vida, que, segundo as autoras, pressupõe mais segurança e produtividade.
Portanto, nesta pesquisa, entende-se que a autoridade de uns sobre outros,
relaciona-se à operacionalização de práticas pedagógicas que devem ser exercidas pelos
professores e alunos durante a pandemia do COVID-19, sem as condições necessárias
para exercê-las no âmbito das tecnologias digitais. Esses excertos foram percebidos, nas
experiências compartilhadas, em encontros com professores, gestora e coordenadora
pedagógica da instituição.
Desses encontros, a problemática evidenciada, através de análises e discussões com
a equipe escolar sobre como voltar às atividades no contexto de pandemia, enfatizou-se as
possíveis implicações de cunho pedagógico, tecnológico e dos protocolos de saúde tanto
para os alunos, como para profissionais que ali atuam. Desses questionamentos, destaca-
se a situação estatística do Ministério da Saúde sobre a COVID-19; as condições físicas do
ambiente escolar; o (re) planejamento das atividades, tendo, em vista, o Plano de Ação da
UEE; a avaliação processual e como se daria, tecnicamente, os encontros, ou seja, presenciais
ou on-line.
Como instrumento metodológico, utilizou-se questionário on-line, através

da plataforma Google Forms, com duas perguntas; a primeira, de cunho subjetivo e a
segunda, de múltipla escolha para sistematizar e compartilhar os resultados, em que 12
(doze) profissionais participaram voluntariamente. E, também, através de grupo focal.

21
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Tais instrumentos de pesquisa serviram para embasar os estudos e mostrar a relevância


deste trabalho de pesquisa para a sociedade e para a comunidade escolar. Enfatiza-se,
brevemente, que os resultados nos mostram muitas incertezas sobre o presente e o futuro
da educação, tendo, em vista, a pandemia e, ainda, as discussões sobre essa problemática,
certamente, abrem novos paradigmas socioeducacionais tanto na produção de novos
conhecimentos, como também tensionamentos culturais e econômicos, como o aumento
das desigualdades sociais.
Nessa contextualização, sublinha-se Foucault (2011b, p. 206), quando diz que a
biopolítica lida com a população, governando-a estrategicamente e essa, por sua vez,
torna-se um problema político e a só um tempo científico e político, biológico e de poder.
Junto a esses elementos de poder, nesse período de incertezas, soma-se o imediatismo
pedagógico buscando estratégias rápidas para amenizar a ausência física do educador que
há tempos e, ininterruptamente, é conduzido por sistemas tradicionais que operam através
de discursos e políticas públicas contemporâneas, porém, com fortes doses de intenções
de dominação sociopolítica.

PERFIL DE FUNCIONAMENTO E ATENDIMENTO DOS ALUNOS


MATRICULADOS NA INTITUIÇÃO

Para compreender a inquietação, quanto às estratégias de atividades pedagógicas não


presenciais na pandemia, faz-se necessário conhecermos o lócus da pesquisa, a Unidade de
Atendimento Especializada e o perfil de seus alunos.
Neste sentido, seguem alguns elementos constitutivos da Proposta Pedagógica da
Unidade de Educação Especializada.
A Unidade constitui-se como referência no Atendimento Educacional Especializado,
nos turnos Matutino, Vespertino e no turno Noturno, especificamente, com desenvolvimento
de aulas do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e de cursos de formação e
capacitação destinados aos servidores da rede estadual e comunidade em geral.
Apresenta uma estrutura organizacional composta de Equipe Gestora, Serviços de
Apoio e corpo docente distribuídos nos centros e programas de atendimento, os quais:
Avaliação Diagnóstica Educacional e Interdisciplinar, Aquisição de LIBRAS/Português para
surdos, Programa de Atendimento ao Aluno com Transtorno de Espectro Autista, Programa
de Atendimento aos Alunos com Deficiência Intelectual, Atendimento em Classe Hospitalar,
Atendimento Domiciliar, Programa de Formação e Inclusão Profissional, Formação
Continuada e o Centro de Apoio Pedagógico para o Atendimento às pessoas com Deficiência
visual – CAP. Dispõe de uma estrutura física, constituída de 01 diretoria, 01 secretaria, 01
auditório, 10 salas de atendimento, 01 copa/cozinha, 05 banheiros, sendo 01 adaptado.
No entanto, sua estrutura física requer melhor acessibilidade como construção de rampas,
portas alargadas, guarda-corpos e adaptação de banheiros por conta da clientela que atende,
bem como uma conexão segura e potente de internet.
O setor administrativo conta, hoje, com uma gestora, licenciada em Pedagogia
com Especialização em Coordenação Pedagógica; uma secretária, licenciada em Letras
com Especialização em Gestão Escolar; uma Especialista em Educação, licenciada em
Pedagogia com Especialização Lato Sensu em: Psicologia Educacional e em Gestão Escolar

22
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

e Especialização em Stricto Sensu: Mestrado em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida e


doutoranda em educação. A Instituição possui um Conselho Escolar nos termos da legislação
em vigor.
O Corpo docente possui, em seu quadro funcional, 23 (vinte e três) professores, com
especialização em Educação Especial, exercendo suas atividades no Atendimento Educacional
Especializado - AEE, distribuídos entre as escolas do ensino regular da rede estadual e a
referida Unidade, além de 02 (dois) brailistas e 01 (um) intérprete da Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS). No quadro de servidores de apoio, dispõe de 02 (dois) servidores, sendo 01
(uma) servente efetiva e 01(uma) merendeira terceirizada.
O Corpo discente, atendido na Unidade Educacional Especializada, é constituído por
cerca de 80 (oitenta) alunos, os quais se incluem com deficiência auditiva, visual, surdocegueira,
física/motora, intelectual e Transtorno do Espectro Autista, regularmente matriculados no
ensino fundamental e médio, além de alunos que concluíram o ensino médio.
A instituição tem, como missão, desenvolver a educação especial na perspectiva da
acessibilidade e inclusão, a partir da avaliação educacional diagnóstica interdisciplinar;
Atendimento Educacional Especializado à pessoa com deficiência (PcD), visando sua
inclusão escolar, social e formação continuada a professores, profissionais diversos e
comunidade em geral.
Como vimos, a Instituição trabalha, especificamente, com alunos com deficiência.
Portanto, assevera-se, neste artigo, que a Educação Inclusiva se constitui como um
paradigma educacional, fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga
igualdade e diferença como valores indissociáveis, assumindo uma cátedra importante, no
debate, acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica
da exclusão, na qual todos os estudantes devem estar juntos, aprendendo e participando
do processo escolar sem qualquer discriminação (POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
INCLUSIVA, 2008).
Portanto, situam-se os tensionamentos quanto ao retorno das aulas presenciais
ou mesmo não presenciais (síncronas), dado que nos possibilita inferir que são alunos
potencialmente capazes, porém, necessitam do severo cumprimento das medidas de saúde e
de acompanhamento pedagógico que lhes garantam proteção e segurança contra o COVID-19.
Deste modo, compreende-se que, na atual situação estrutural da Unidade, o retorno poderá
prejudicar os alunos nos aspectos de participação e desenvolvimento de suas aprendizagens,
bem como nos aspectos socioemocionais. Isso perpassa, também, a situação socioeconômica
dos mesmos, visto que a maioria não possui artefatos tecnológicos acessíveis, nem mesmo a
Unidade está equipada para tal empreitada.
Neste sentido, reverbera-se que a Unidade Educacional Especializada é embasada
nos marcos legais que orientam a implementação de sistemas educacionais inclusivos e
do atendimento educacional especializado, tendo, como base, a formação e a experiência
do corpo docente, recursos e equipamentos específicos, espaço físico e as condições de
acessibilidade, com base na Lei Brasileira de Inclusão, Nº 13.146/2015, na Declaração
Universal dos Direitos Humanos/ONU de 1948 que preconiza sobre o direito de todos à
educação; a Constituição Federal de 1988, art. 206, Capítulo III; LDBEN 9394/96, capítulo
V, artigos 58,59 e 60 e outras.

23
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Diante das dificuldades de cumprimento das ações legais e em consonância com


a atual situação de pandemia, há de se analisar que a imposição seria concebida, nesse
caso, como o negligenciamento e normalizações biopolíticas em função do neoliberalismo,
entendida nos estudos pós-estruturalistas de Michael Foucault, como o governamento,
ou seja, “[...] ao agir sobre os indivíduos, o sistema visa trazer para zonas de normalidade
aqueles que estão sob risco” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 43).
Na perspectiva dos autores, interpreta-se que o Sistema, na verdade, como detentor
do poder, constrói uma retórica populista, mediada por interesses econômicos e políticos.
Esses discursos são vislumbrados, segundo Sibilia (2010), como uma resposta a uma lógica
neoliberal de forma adequada.

“[...] este deve ser capaz de autogoverno, de moderar seus desejos e de se


comprometer com escolhas favoráveis à sua saúde. A responsabilidade por
essa moderação é colocada no indivíduo, uma vez que os riscos “não podem
ser eliminados de vez; só podem ser parcialmente diminuídos. Exige-se
do indivíduo uma quantidade variada de “doses de prudência e sacrifício,
privações e sofrimentos – um empreendimento que implica uma boa gestão
de si, capaz de envolver o indispensável autocontrole e a cotidiana adesão aos
modos de vida considerados certos” (SIBILIA, 2010, p. 204).

Nesse construto analítico da autora, analisa-se o quanto a lógica do governo de si


exige do sujeito comportamentos de autocontrole e dominação, claramente depreendidos
pelas classes elitistas, arreigados a interesses incomuns e desiguais.
Nesse contexto, ratifica-se a intenção do presente artigo, buscando analisar e
problematizar como devam se constituir ou não as atividades pedagógicas, particularmente,
as aulas síncronas ou remotas na Unidade Educacional Especializada, a partir das
propostas e das recomendações do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde, dada a
especificidade da realidade da Unidade Especializada.

ASPECTOS LEGAIS E CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM


TEMPO DE PANDEMIA: do contexto de incertezas à in/viabilidade de retorno
às atividades escolares

Na atualidade mundial, vive-se um período distinto e de incertezas quanto ao futuro


da humanidade em termos de saúde. Isso ocorre devido a um novo vírus que se alastrou
de forma espantosa e misteriosa, o COVID-19. Inicialmente, sabia-se pouco sobre ele, no
entanto, muitas pesquisas, em saúde, vêm levantando dados e fórmulas para aprofundar
estudos e descobrir a cura para o vírus letal.
Nesse esmero científico, descobriu-se que a COVID-19 é uma doença causada pelo
coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico, variando
de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com a Organização Mundial de
Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com a doença podem ser assintomáticos
ou oligossintomáticos (poucos sintomas) e, aproximadamente, 20% dos casos detectados
requer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais,
aproximadamente, 5% podem necessitar de suporte ventilatório (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2020).

24
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Nesse caos meteórico sobre a doença, no dia 11 de março de 2020, a organização


Mundial de Saúde (OMS) declara, oficialmente, o Novo Coronavírus (COVD-19) como uma
pandemia. Uma das recomendações dadas pelo órgão de saúde mundial foi o distanciamento
social e, com isso, a suspensão das aulas presenciais nas Escolas de Educação Básica e
instituições de Ensino Superior, públicas e privadas de todo o país. Essas suspensões
partiram do Governo Federal, dos Governos Estaduais, Distrito Federal e dos Municípios.
Logo, foi necessária a elaboração de legislações e demais políticas públicas sobre como o
país lidaria com a pandemia (BARBOSA; JUNGLOS, 2020, p. 03).
Salienta-se que O Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação (CNE), o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes
Municipais (UMDIME) são os principais órgãos envolvidos na Educação brasileira. Portanto,
cada um e todos, ao mesmo tempo, possuem papeis diferentes no cenário educacional
brasileiro, portanto, cabe a esses órgãos objetivar estratégias e condições de viabilidade da
educação que, em consonância com os sistemas e redes de ensino de todos os estados e
Distrito Federal, dirimir normativas educacionais.
Portanto, em 17 de março de 2020, devido à pandemia da COVID-19, o Ministério
da Educação (MEC) publicou a Portaria nº 343, sobre a substituição das aulas presenciais
por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandêmica do Novo Coronavírus
(BRASIL, MEC. PORTARIA Nº 343, DE 17 DE MARÇO DE 2020). A partir da publicação
da Portaria nº 343, os Governos Estaduais e Municipais emitiram decretos, resoluções e/
ou pareceres norteadores para as instituições de ensino pertencentes aos seus respectivos
sistemas sobre a reorganização do calendário escolar e uso de atividades não presenciais.
Para saber mais sobre a situação do seu estado (BRASIL/ CONSED, 2020).
Em consonância com as legislações federais, no estado do Pará, onde se situa a
Unidade Educacional, foi determinado através do Decreto Nº 34.298, de 31 de julho de
2020, a suspensão das aulas presenciais por tempo indeterminado. No dia 15 de agosto será
avaliada a situação epidemiológica, no estado, com possibilidade de retorno na segunda
quinzena do mesmo mês. A contar do dia 22 de abril, a suspensão das aulas na rede de ensino
público estadual foi compreendida como férias escolares do mês de julho, com duração de 15
dias (BRASIL, 2020).
Com a finalidade de dispor sobre a atuação dos alunos dos cursos da área de saúde,
no combate à pandemia do COVID-19, em 20 de março de 2020, o Ministério da Educação
emite a Portaria nº 356 (BRASIL, 2020).
Em 1º de abril, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 934/2020,
que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino
superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de
saúde (BRASIL, 2020).
Em 28 de abril de 2020, a partir de consulta pública, o Conselho Nacional publica
o Parecer CNE/CP nº 05/2020, que trata da reorganização do Calendário Escolar e da
possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga
horária mínima anual, em razão da pandemia da COVID-19 (BRASIL, 2020).
Essa medida nos parece uma das mais axiológicas para analisarmos e problematizarmos
a conjuntura educacional em termos de aulas presenciais ou remotas e o futuro do processo

25
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

ensino, como também aprendizagem, com vistas às práticas pedagógicas para alunos com
deficiência, pois, reforça-se que a Educação Especial perpassa todos os níveis, etapas e
modalidades educacionais. Sendo assim, o Atendimento Educacional Especializado (AEE)
deve, também, ser garantido no período de emergência, em trabalho de parceria entre
professores regentes e especializados e das famílias. Para os estudantes - Público-Alvo da
Educação Especial (PAEE), a instituição deve oferecer o suporte necessário. Porém, admite-
se que essas diretrizes causam discussões e reflexões no universo escolar, visto que tanto
a saúde, como as condições socioeconômicas de alunos, aliado aos demais problemas, tais
como: infraestrutura física e tecnológica da maioria das escolas públicas impossibilita uma
retomada, mesmo através de aulas síncronas.
Evidencia-se, também, a dificuldade dos educadores no uso das tecnologias da
informação e da comunicação. Apesar de que, para muitos professores, esse período está
sendo de intenso aprendizado e também de muitos desafios. Mesmo assim, o Parecer
005/2020 propõe atividades pedagógicas não presenciais aos alunos de todos os níveis,
etapas e modalidades educacionais. Portanto, é extensivo àqueles submetidos a regimes
especiais de ensino, entre os quais, os que apresentam altas habilidades/superdotação,
deficiência e Transtorno do Espectro Autista (TEA), atendidos pela modalidade de
Educação Especial.
A respeito da colaboração entre os entes federados, o MEC/2020 considera que os
sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios têm liberdade de
organização e poder regulatório próprio, devendo buscar e assegurar medidas locais que
garantam a oferta de serviços, recursos e estratégias para que o atendimento dos estudantes
da educação especial ocorra com padrão de qualidade. O Atendimento Educacional
Especializado (AEE) deve, também, ser garantido no período de emergência, mobilizado e
orientado por professores regentes e especializados, em articulação com as famílias para a
organização das atividades pedagógicas não presenciais a serem realizadas.
Neste sentido, os professores do AEE atuariam com os professores regentes em rede,
articulados com a equipe escolar, desempenhando suas funções na adequação de materiais,
provimento de orientações específicas às famílias e apoios necessários. Eles, também,
deverão dar suporte às escolas na elaboração de planos de estudo individualizados, segundo
a singularidade dos alunos a serem disponibilizados e articulados com as famílias.
No caso dos estudantes matriculados em instituições privadas, de qualquer nível e
modalidade de ensino, o atendimento educacional especializado deverá ser realizado pelos
profissionais responsáveis no âmbito de cada escola.
Algumas situações requerem ações mais específicas por parte da instituição escolar,
como nos casos de acessibilidade sociolinguística aos estudantes surdos usuários da Língua
Brasileira de Sinais (Libras), acessibilidade à comunicação e informação para os estudantes
com deficiência visual e surdocegueira, no uso de códigos e linguagens específicas, entre
outros recursos que atendam àqueles que apresentem comprometimentos nas áreas de
comunicação e interação (BRASIL, 2020).
Complementando as diretrizes, o MEC/2020 propõe que atividades pedagógicas não
presenciais, mediadas ou não por tecnologias digitais de informação e comunicação, adotarão
medidas de acessibilidade igualmente garantidas, enquanto perdurar a impossibilidade de

26
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

atividades escolares presenciais na unidade educacional da educação básica e superior onde


estejam matriculados.
Com o avanço da doença, no dia 12 de maio de 2020, o Ministério da Educação publica
a Portaria nº 473, que prorrogou, por mais 30 dias, a suspensão das atividades práticas
estabelecidas na Portaria nº 343, de 17 de março de 2020 (BRASIL, 2020).
Mais adiante, sem previsão de retorno das aulas devido aos altos índices e contaminação
e de mortes, no dia 16 de junho de 2020, o Ministério da Educação divulga a Portaria nº
544, que tratava da substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto
durar a situação de pandemia do novo Coronavírus (BRASIL, 2020).
Em junho 2020, mesmo sem a descoberta da vacina contra a COVID-19, o Conselho
Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) divulga as Diretrizes para
Protocolo de Retorno às Aulas Presenciais e a União Nacional de Dirigentes Municipais
de Educação (UNDIME) divulga Subsídios para a Elaboração de Protocolos de Retorno às
Aulas na Perspectiva das Redes Municipais de Educação (BRASIL, 2020).
No cenário atual, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 14 de ago. 2020)
, confirmou que, no mundo, há 20.730.456 casos de COVID-19 (286.710 novos em relação
ao dia anterior) e 751.154 mortes (6.713 novas em relação ao dia anterior). Certamente, o
vírus continua circulando e contaminado muita gente.
Portanto, no arcabouço de legislações, inúmeras recomendações foram pautadas. No
entanto, percebe-se que, de fato, não se obteve até o momento, orientações unificadas, em
rede, para se trabalhar com mais segurança, seja de forma síncrona ou assíncrona. No caso
da Unidade Educacional Especializada, ainda ocorre o “aguardar” da gestão. Enquanto isso,
as equipes estão se mobilizando para um possível planejamento com aulas remotas, através
de contatos via Celular com as famílias dos alunos com o objetivo de verificar a possibilidade
de realização de atividades pedagógicas não presenciais.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Inicia-se esse tópico com base na teoria de Severino (2016, p. 27) sobre o conceito de
pesquisa, em que diz que a pesquisa é um processo de construção de conhecimento e tem
como tríplice dimensão:

[...] “uma dimensão propriamente epistêmica, uma vez que se trata de uma
forma de conhecer o real; uma dimensão pedagógica, pois é por intermédio
de sua prática que ensinamos e aprendemos significamente; uma dimensão
social, na medida em que são os seus resultados que viabilizam uma
intervenção eficaz na sociedade através da atividade de extensão”.

Dessa tríplice definição de pesquisa, reverbera-se que a pesquisa é de cunho


bibliográfico com base qualitativa e quantitativa, descritiva e exploratória, cujo método
analítico, com levantamento de dados, através de questionários. Com isso, a análise de
dados, os questionários e as narrativas dos participantes foram transcritos e, em seguida,
submetidos à Análise do Discurso que, de acordo com Bardin (2011), designa um conjunto
de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos
e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não)

27
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção


(variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2011, p. 47).
O cenário de estudo foi uma Unidade Educacional Especializada, localizada no
Município de Santarém/Pará que atua com alunos com Deficiência e Transtorno do Espectro
Autista, com idade entre 08 a 25 anos de idade, oriundos do Ensino Regular da Rede Pública
Estadual de Ensino, os quais não participaram diretamente dos estudos, ora apresentados.
A coleta de dados deu-se, através de questionário online, com 12 profissionais da educação
especial que trabalham na Unidade Educacional e também por meio de grupo focal com os
professores, conforme o protocolo de segurança do Ministério da Saúde. O eixo norteador
de pesquisa foi: Práticas pedagógicas não presenciais – aulas síncronas e/ou assíncronas.
Através das coletas de dados, analisou-se o material, com discussões pertinentes, onde
se fará, no tópico seguinte, as análises dos resultados e conclusões acerca de sua natureza,
aplicabilidade e resultados contextualizados com os referenciais teóricos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: Aprendizagem e a indefinição de retorno das


aulas presenciais aos alunos com deficiência

Segundo dados do Ministério da Saúde, até então, no Brasil, cerca de 210.147.125


pessoas já foram infectadas e mais de 87.618 óbitos. Um cenário bem impactante e
preocupante. Embora saibamos que muitos se recuperam (1.667.660), as consequências da
doença têm preocupado muitos cientistas e a população. Essa preocupação perpassa pelas
sequelas tanto físicas, quanto psicológicas, dado os sintomas e debilidade dos contaminados.
Como vimos, a situação pandêmica desafia cientistas, demais profissionais de saúde
e instituições governamentais na busca por explicações e por uma vacina de combate a esse
“monstro”, chamado COVID-19. Nesse sentido, a melhor opção é prevenir-se através de
protocolos de saúde e também da sensibilização de cada um.
Não obstante ao processo científico, para descoberta de cura da doença, a sociedade vive,
também, outros tensionamentos decorrentes da pandemia, os quais: políticos, econômicos,
educacionais e culturais. Nesse cerne, as tensões propiciam embates e contradições, além
da incerteza de futuro, já comentada anteriormente, isso porque há desestabilização em,
praticamente, todos os setores sociais e econômicos. Os meios de comunicação e o próprio
Estado dão conta de estratégias neoliberais para tirar proveito de alguma forma de toda essa
tragédia sanitarista. A economia, assim como a política, discursa sobre o que Foucault (2008,
p. 164), denomina de “Governamento”, ou seja, a reprodução dos discursos como uma forma
de manipular e governar mentes, como também a vida dos sujeitos. Desse deslocamento
analítico, vê-se o biopoder engendrado nos discursos e nas representações do neoliberalismo
sobre as fragilidades e certa imponência da população que, induzida pelos meios midiáticos,
torna-se refém de um sistema governamental desconectado com os problemas sociais.
Outrossim, sabe-se que as discussões são diversas e polêmicas, porém, esse processo
analítico panorâmico e breve sobre o COVID-19, certamente, não se encerra em poucas
linhas, pois o que se pretende é, justamente, mostrar o contexto geral para se aproximar da
temática a ser tratada nessa pesquisa que têm sido um artefato de lutas e embates: a questão
da educação nesse cenário difícil e incerto.

28
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Dito isso, enfatiza-se Lopes; Dal’igna (2007) quando diz que considera a cidadania
global como um conceito importante a ser debatido no cenário pedagógico atual, a autora
expõe ainda que é por meio de uma discussão mais acurada que se problematiza dinâmicas
de poder-saber que estão envolvidas nos processos de formação e produção do exercício da
cidadania. Com isso, ratifica-se que o empreendimento de pesquisa procura estabelecer a
relação nítida entre construção de saberes e realidade social para avançar, democraticamente,
nas práticas pedagógicas, durante e após a pandemia.
Nesse cerne, a pesquisa mostra que até o momento, há indefinições quanto as
possibilidades de aulas remotas ou presenciais aos alunos com deficiência na Unidade, haja
vista que, mais que garantir aulas letivas, é de maior importância, segundo as narrativas
dos professores participantes, é a garantia da vida. Além disso, enfatizam que, no cenário
atual de incertezas, não há como garantir a efetiva participação dos alunos, pois é necessário
que todos estejam bem. Esse “bem” diz respeito à saúde, ao bem-estar físico e emocional.
Somando-se a esse embate, têm-se as questões do uso das tecnologias digitais, em que
muitos não dominam, ou mesmo não as possuem. Dessa forma, citam-se algumas narrativas
dos próprios educadores, neste primeiro momento:

“Muitas pessoas estão morrendo. Isso é muito sério. Quem garantirá a nossa
segurança?”
“Tive contato através do celular com alguns pais e eles disseram que mesmo
que as aulas retornem eles não vão mandar os filhos”.
“O acesso remoto até poderia funcionar, se os alunos tivessem celular e
conexão”.
“As famílias têm dificuldades para interagir por meio das tecnologias digitais”.
“Nossos alunos possuem especificidades e singularidades que requerem
maiores cuidados e práticas mais assertivas.

Como percebido nas falas dos professores, a inviabilidade do retorno das aulas
presenciais e mesmo remotas são nítidas, tendo em vista dois principais agravantes: a
falta de segurança e o aumento nos casos de contaminação, como também a desigualdade
socioeconômica, que impede que muitos tenham acesso às tecnologias digitais. No entanto,
os professores opinaram em trabalhar a busca ativa através do aplicativo WhatsApp para
saber como os alunos se sentem neste período crítico e quais as principais atividades
realizadas por eles no momento.
Somando-se a essa atividade, foi realizado pela coordenação pedagógica, através de
questionário on-line, levantamento de temas para serem trabalhados com os professores de
forma remota. As questões do questionário foram as seguintes: 1) Com vistas à continuidade
de algumas atividades pedagógicas, peço que elenquem três temáticas para desenvolvermos
a partir de agosto. 2) Qual a melhor forma de participação nesses encontros, tendo em vista
a segurança e prevenção do COVID-19? a) Encontros através de lives via Google MEET. b)
Encontros na UEES usando todos os cuidados necessários para prevenção contra o COVID-19
e c) Em formato on-line e presencial, ou seja, alternando em dias de maneira remota e em
dias de maneira presencial.
Desse levantamento, os resultados apurados quanto aos temas foram: 1. Novas
possibilidades de ensinar no contexto da pandemia. 2. Realizar levantamento dos alunos

29
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

analisando cada realidade e 3. Reorganizar os programas acrescentando algo que se fizer


necessário para a reelaboração do planejamento.
Diante desses resultados, percebeu-se que os professores, assim como os alunos,
estão com dificuldades em trabalhar com atividades pedagógicas não presenciais, através
de tecnologias digitais. E, ao mesmo tempo, mostraram preocupação com os alunos já que
emitiram a necessidade de dialogarem com os mesmos, assim como, também, propuseram-
se a analisar as atividades planejadas, no início do ano letivo, com vistas ao novo começo, ou
seja, revisar o que foi proposto e adequar para a realidade atual.
Com relação à segunda questão, os resultados obtidos mostram que 85% dos
participantes opinaram pelos encontros síncronos que, justamente, vem ratificar as
narrativas quanto à segurança e à prevenção da COVID-19.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Nesse ensejo final de pesquisa, analisa-se que o movimento discursivo e ideológico


dos profissionais pesquisados mostram, de maneira análoga, as atuais circunstâncias
educacionais vividas, na Instituição pesquisada, em decorrência da pandemia da COVID-19,
onde as políticas públicas dispõem de alternativas para que os alunos não fiquem sem aulas,
inclusive, propondo atividades pedagógicas síncronas. Porém, importa sublinhar que,
as escolas não estão preparadas para esse fim, conforme o exposto na pesquisa. Quando
se fala em despreparo, tenciona-se para além do período de pandemia, pois até pouco
tempo, a aprendizagem resumia-se, por vezes, à lousa, ao giz e à retórica do professor que,
historicamente, é compilado aos ideais da biopolítica do poder.
Nesses termos, como melhorar uma prática pedagógica sem sequer ter tido a
oportunidade de conhecê-la? Nesse sentido, atendendo ao objetivo central da pesquisa,
analisou-se que as perspectivas e possibilidades de aprendizagem não presenciais, ou seja,
síncronas, são improfícuas, apesar de novos conhecimentos adquiridos, a escola ainda não
conseguiu definir o seu papel sociopolítico e cultural. Somando-se a esse cenário, a escola
recebe uma população de alunado constituída por multiplicidades de indivíduos que se
comportam de modo diferente um do outro, fato natural. No entanto, no caso específico da
Instituição, soma-se o fato de que o alunado possui singularidades neurológicas, patológicas
e psicomotoras, advindas do seu nascimento. Portanto, os modos de aprender e ensinar
são diferentes. Dessa forma, os alunos com deficiência atendidos pela Instituição, apesar de
possuírem potencialidades desenvolvidas, através de inúmeras habilidades, necessitam de
práticas pedagógicas diferenciadas e articuladas com as demais disciplinas e professores do
Ensino Regular.
Nessa perspectiva, assevera-se que as possibilidades atuais de aprendizagem
através de aulas não presenciais, ainda dependem da formação continuada do professor
e das condições socioeconômicas, como também emocionais dos alunos. Tais excertos se
deslocam em detrimento ao governamento de uns para com outros, como diriam os teóricos
Foucaultianos: a representação de escola na contemporaneidade.

30
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

REFERÊNCIAS

1. BARBOSA, A. C. A. JUNGLOS J. O. In: (Org.) Ana Clarisse Alencar Barbosa. Aspectos


Legais e Contextualização da Educação Básica em Tempo de Pandemia. Cidade: Indaial/
SC. Uniasselvi, 2019.

2. BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edição 70, 2011.

3. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho


Pleno. Edital de Chamamento. Brasília: MEC/CNE/CP, 2020. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=144501-
edital-de-chamamento-reorganizacao-dos-calendarios-escolares-pandemia-da-covid-
19&category_slug=marco-2020-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 27 jun. 2020.

4. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho


Pleno. Parecer CNE/CP nº 5/2020, de 28 de abril de 2020. Reorganização do Calendário
Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de
cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19.
Brasília: MEC/CNE/CP, 2020. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=145011-pcp005-20&category_
slug=marco-2020-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27 jun. 2020.

5. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho


Pleno. Parecer CNE/CP nº 09/2020, de 8 de junho de 2020. Reexame do Parecer CNE/
CP nº 5/2020, que tratou da reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de
cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima
anual, em razão da Pandemia da COVID-19. Brasília: MEC/CNE/CP, 2020. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&ali
as=147041-pcp009-20&category_slug=junho-2020-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27
jun. 2020.

6. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho


Pleno. Parecer CNE/CP nº 05/2020 aprovado em 28 de abril de 2020. Reorganização
do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais
para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da
COVID-19. Brasília: MEC/CNE/CP, 2020. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_docman&view=download&alias=145011-pcp005-20&category_
slug=marco-2020-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27 jun. 2020.

7. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Nota de


Esclarecimento. Brasília: MEC/CNE, 2020. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_docman&view=download&alias=142021-nota-de-esclarecimento-
covid-19&category_slug=fevereiro-2020-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 27 jun. 2020.

31
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

8. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de


Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso
em: 20 de fev. 2020.

9. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de


Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso
em: 30 de abr. 2020.

10. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020. Dispõe


sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a
situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Brasília: MEC, 2020.  Disponível
em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-
de-2020-248564376. Acesso em: 27 jun. 2020.

11. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 345, de 19 de março de


2020. Altera a Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020. Brasília: MEC,
2020. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.
jsp?jornal=603&pagina=1&data=19/03/2020&totalArquivos=1. Acesso em: 21 jun. 2020.

12. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 356, de 20 de março de 2020. Dispõe


sobre a atuação dos alunos dos cursos da área de saúde no combate à pandemia do
COVID-19 (coronavírus). Brasília: MEC, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/CCIVIL_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%20356-20-mec.htm Acesso em: 22
jun. 2020.

13. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 473, de 12 de maio de 2020. Prorroga


o prazo previsto no § 1º do art. 1º da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020. Brasília:
MEC, 2020. Disponível em: https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Portaria-
mec-473-2020-05-12.pdf.  Acesso em: 25 jun. 2020.

14. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 544, de 16 de junho de 2020. Dispõe


sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a
situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, e revoga as Portarias MEC nº 343,
de 17 de março de 2020, nº 345, de 19 de março de 2020, e nº 473, de 12 de maio de 2020.
Brasília: MEC, 2020. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-544-
de-16-de-junho-de-2020-261924872.  Acesso em: 27 jun. 2020.

15. BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases


da Educação Nacional, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l9394.htm. Acesso em: 27 jun. 2020.

32
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

16. BRASIL. Medida Provisória n 934/2020, de 1º de abril de 2020. Estabelece normas


excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das
medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata
a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Brasília: Poder Executivo, 2020. Disponível
em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-934-de-1-de-abril-
de-2020-250710591. Acesso em: 27 jun. 2020.

17. CONSED. Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação. Diretrizes


para Protocolo de Retorno às Aulas Presenciais. Brasília: CONSED, 2020. Disponível
em:  http://consed.org.br/media/download/5eea22f13ead0.pdf. Acesso em: 27 jun. 2020.

18. FOUCAULT, M. Do Governo dos Vivos: curso no Collège de France 1979-1980:


Excertos. SP/RJ: Cidade: Achiamé, 2011.

19._____________. Nascimento da Biopolítica. Cidade: São Paulo: Martins Fontes,


2008b.

20. LOPES, Maura. Corcini; DAL’IGNA, Maria. Cláudia. (Org.). In/Exclusão: nas tramas
da escola. Cidade: Canoas/RS. Editora: ULBRA, 2007.

21.FABRIS, Elí T.Henn; KLEIN, Rejane Ramos (Orgs.) Inclusão e biopolítica. Cidade:
Belo Horizonte. Editora: Autêntica, 2013. (Coleção: Estudos Foucaultianos).

22. PARÁ. Secretaria de Estado de Educação. Projeto Político Pedagógico (PPP), Unidade
Educacional Especializada. Pag. 06-10, fev. 2020.

23. MACHADO, R. B.; FREITAS, D. D. Momento: diálogos em educação, E-ISSN 2316-


3110, v. 29, n. 1, p. 171-186, jan. /abr. 2020.

24. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração


Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das necessidades básicas de
aprendizagem. 1990. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-
sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990. Acesso em: 20 de abr. 2020.

25. Organização Mundial da Saúde. OPAS/OMS Brasil – Folha Informativa: COVID-19.


Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-
todos-conferencia-de-jomtien-1990. Acesso em: 15 de ag. 2020.

26. PARÁ. Governo do Estado. Secretaria de Estado de Educação. Decreto Nº 34.298,


de 31 de julho de 2020. Dispõe sobre a suspensão das aulas presenciais por tempo
indeterminado. Disponível em: http://www.pge.pa.gov.br/sites/default/files/2020.08.07.
extra_.pdf. Acesso em: 01 de agosto de 2020.

33
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

27. RIDLEY, M. Evolução. Cidade: Porto Alegre. Artmed, 2006.

28. ROSA, D. F.; MENESES, E. C. P. A produção discursiva sobre alunos em processo


de inclusão: análises a partir de políticas neoliberais. Revista Momento: diálogos em
educação. V. 29 (1). Editora FURG. Páginas 89-105, junho, 2020.

29. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 24º. ed. Cidade: São Paulo:
Editora Cortez, 2016.

30. SIBILIA, P. Em busca da felicidade lipoaspirada: agruras da imperfeição carnal


sob a moral da boa forma. In: FILHO, João Freire (org). Ser feliz hoje: reflexões sobre o
imperativo da felicidade. Cidade: Rio de Janeiro: Editora FGV. Páginas 195-212, 2010.

31. UNDIME. União Nacional dos Dirigentes Municiais de Educação. Flexibilização do


Calendário Escolar. Brasília: UNDIME, 2020. Disponível em: https://undime.org.br/
uploads/documentos/phpcULvAZ_5e835491904dc.pdf. Acesso em: 27 jun. 2020.

32. _______. União Nacional dos Dirigentes Municiais de Educação. Posicionamento


público Propostas para enfrentar os efeitos da pandemia do Covid-19 na
educação. Brasília: UNDIME, 2020. Disponível em: https://undime.org.br/uploads/
documentos/phpx5Xsi0_5e7a3da57b0e9.pdf.  Acesso em: 27 jun. 2020.

33. ________. União Nacional dos Dirigentes Municiais de Educação. Subsídios para


a Elaboração de Protocolos de Retorno às Aulas na Perspectiva das Redes Municipais de
Educação. Brasília: UNDIME, 2020. Disponível em: https://undime.org.br/uploads/
documentos/php7us6wi_5ef60b2c141df.pdf. Acesso em: 27 jun. 2020.

34.________. União Nacional dos Dirigentes Municiais de Educação. Uso da Educação


a Distância (EAD). Brasília: UNDIME, 2020. Disponível em: https://undime.org.br/
uploads/documentos/php4h3Mfm_5e82b16c65468.pdf. Acesso em: 27 jun. 2020.

34
3

Uso de modelo didático reciclável para ensino de


Ciências Biológicas como recursos de inclusão de alunos
com deficiência visual: relato de experiência1
Use of a recyclable didactic model for teaching Biological
Sciences as a resource for the inclusion of students with
visual impairments: an experience report
Danyelle Aquino da Silva(1); Jaqueline Souza da Silva(2); Raissa Albuquerque Cabral(3); Suellen
Thamires Calvacante (4); Manuelle Prestrêlo de Oliveira de Melo(5).

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8573-609X, Graduanda de Enfermagem; Faculdade Cesmac do
Sertão - CESMAC; Palmeira dos Indios, Alagoas; Brasil. danyelleaquino_silva@hotmail.
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1797-0009, Graduanda de Enfermagem; Faculdade Cesmac do
Sertão - CESMAC; Brasil. jaquelinesouzaassis@outlook.com;
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1955-7859, Graduanda de Enfermagem; Faculdade Cesmac do
Sertão - CESMAC; Brasil. raissaacl@hotmail.com;
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4406-1783, Graduanda de Enfermagem; Faculdade Cesmac do
Sertão - CESMAC; Brasil. suthamires@hotmail.com;
(5)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9729-5014, Docente; Faculdade Cesmac do Sertão - CESMAC; Brasil.
manu_prestrelo@hotmail.com.

ABSTRACT: Visually impaired people have the right to express their desire for their education and
the school environment has a duty to offer inclusive education. The purpose of this experience report is to
demonstrate the construction and the importance of a didactic model as a proposed methodology to study the
differences between a normal eukaryotic cell and a cancerous cell, applied with visually impaired students,
from a public school in the city de Palmeira dos Índios-AL, in order to guarantee the learning of these students,
given the complexity of studying this content without an adequate resource. At first, there was a survey of
visually impaired children on a visit to the Municipal Secretary of Education, shortly after the acquired data was
analyzed and meetings were held to develop the didactic material, using the discipline of MAD I (Mechanism
of Aggression) and Defense I) for the construction of the model. The materials used in the construction of the
model are mostly recycled and others are easily accessible. After applying this resource, the importance of
using the model containing Braille text was identified in the identification of all organelles. It is understood
that in this way, the material produced stimulates the knowledge and understanding of the content passed on
in the classroom, meeting the needs of the visually impaired, promoting significant learning.

KEY-WORDS: Didactic material, Inclusive education, Visual impairment.

1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap3
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

INTRODUÇÃO

No Brasil, conforme citado no documento Política Nacional de Educação Especial na


Perspectiva da Educação Inclusiva, o atendimento às pessoas com deficiência teve início
na época do Império com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos
Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC e o Instituto dos Surdos Mudos,
em 1857, atual Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro.
Em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE. Até
então, nesse período, não foi criada uma política pública de acesso universal à educação,
permanecendo a concepção de “políticas especiais” para tratar da temática da educação de
alunos com deficiência, não havendo um ensino especializado e singular para a aprendizagem
desses alunos. Conforme a PNE, em 1973, é criado, no MEC, o Centro Nacional de Educação
Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que, sob
a assistência integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com
deficiência e às pessoas com superdotação, ainda configuradas por campanhas assistenciais
e ações isoladas do Estado.
A Constituição Federal de 1988 traz no Art.3 inc. IV como objetivo principal
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”. E, no Art. 205, garante que a “educação é direito de
todos”, sendo dever do Estado a oferta de um atendimento educacional especializado,
principalmente, em rede regular de ensino (BRASIL, 2019). Sendo assim, é lei que o
indivíduo, com alguma deficiência, seja incluso, no ambiente, sem nenhum tipo de
discriminação e seja lhe oferecido uma assistência igualitária. No Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/90, Art.53 inc. I é proposto à igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola (BRASIL, 1990).
A Lei nº 7.853 é importante, pois permite que o deficiente faça parte da escola,
entretanto não assegura sua inclusão efetiva, levando em consideração, suas especificidades
e necessidades. A escola é responsabilizada e cobrada pela inclusão, como também
implementação das leis, mas, na maioria das vezes, não recebe preparação nenhuma, tanto
no âmbito físico, quanto pedagógico (BRASIL, 1989).
A Declaração de Salamanca, em 1994, foi um documento criado para apontar aos
países a importância de uma educação igualitária. Nela, destaca-se a importância da inclusão
educacional de indivíduos que apresentam necessidades de aprendizado especial. Durante
a escolarização, muitas crianças apresentam dificuldades no aprendizado, possuindo
necessidade especial. As escolas, por sua vez, devem buscar formas de educar tais crianças
com êxito, incluindo as que possuem desvantagens severas. Existe um consenso emergente
de que crianças e jovens, com necessidades educacionais especiais, devam ser incluídas em
arranjos educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola
inclusiva (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994).
A inclusão de estudantes, com deficiência na escola regular, tem sido um assunto
bastante discutido, por isso, faz-se necessário que a escola como um todo, possua metodologias
diferenciadas a fim de trocar experiência com todos os alunos. Em específico, a inclusão de
alunos com Deficiência Visual (DV), na rede pública de ensino, tem gerado discussão entre
muitos professores, pois esses afirmam que não receberam em seus currículos de formação,

36
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

preparo adequado para trabalhar com esses alunos (MARCELINO, 2019). A inclusão, na
escola, seria, então, o processo de adaptação e de transformação para inserir, em suas
classes regulares, crianças e jovens portadores de deficiência que estão em busca de seu
desenvolvimento e exercício da cidadania para que, além de ter a participação física desse
aluno, deve ter o desenvolvimento intelectual e pessoal do indivíduo.
A definição, para deficiência visual, tem como definição uma limitação no campo da
visão, incluindo desde a cegueira total até a visão subnormal ou baixa visão, afetando de
modo irreparável a capacidade visual de perceber cor, tamanho, distância, forma, posição ou
até mesmo o movimento em um campo mais ou menos extenso. Conforme segue na portaria
nº 3.128/2008, art.1 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2008):

Cegueira – a ser usado, somente, para perda total de visão e para condições
nas quais os indivíduos precisam contar, predominantemente, com
habilidades de substituição da visão.
Baixa Visão – a ser usado para graus menores de perda de visão quando
os indivíduos podem receber auxílio significativo por meio de aparelhos e
dispositivos de reforço da visão.

Frente a essas conceituações, o profissional da educação define um tipo de intervenção


pedagógica aos alunos que apresentam baixa visão ou cegueira, é necessário entender
como se dá o desenvolvimento e a aprendizagem dessas crianças, como também no que
diferem dos outros alunos normovisuais (PAULINO, 2011). Para despertar a curiosidade
da criança com DV, devem oferecer-lhes um ambiente adaptado, motivador e que possam
utilizar outros canais sensoriais para que ocorra seu desenvolvimento. É importante o
desenvolvimento e a utilização de materiais táteis, como instrumentos pedagógicos de
ensino e aprendizagem, a assimilação de conhecimento por parte dos alunos como:
maquetes, modelos tridimensionais, pranchas e cadernos com imagens em relevo, além
dos textos transcritos para o sistema Braille. “A escrita Braille é realizada por meio de uma
reglete e punção ou de uma máquina de escrever Braille” (BRASIL, 2007, p.24).
Os recursos táteis facilitariam, em larga escala, a compreensão dos conteúdos de
Biologia, já que diminuiria o nível de abstração dos assuntos, trazendo ao alcance das
mãos a aproximação entre a teoria e a apropriação facilitada do conhecimento (SANTOS
E MANGA, 2009)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais (BRASIL, 1997)
pressupõem o investimento nas diversas áreas de atuação docente, em que define o Ensino
de Ciência como responsável por explorar as informações relacionadas aos fenômenos
naturais, à saúde, à tecnologia, à sociedade e ao meio ambiente.
Nesta perspectiva, este trabalho teve o objetivo de construir um modelo didático
da célula eucariótica com materiais recicláveis, como recurso de inclusão dos alunos de
deficiência visual da Escola Gerson Jatobá do Município de Palmeira dos Índios – AL. Para,
assim, contribuir com o crescimento ativo do conhecimento do ensino de Biologia a fim de
despertar sua curiosidade e sensibilidade com as diferentes texturas das organelas e utilizar
como forma de integração ao ensino regular. E, assim, poder ajudar futuros profissionais da
educação ou até mesmo da saúde, que possam vir a ter em sua sala de aula ou no ambiente
hospitalar pessoas portadoras de necessidades visuais.

37
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Ao decorrer da disciplina de Mecanismos de Agressão e Defesa I (MAD I), foi sendo


discutido o assunto que, mais tarde, seria abordado nesse projeto a fim de que os participantes
se apropriassem desse novo conteúdo e entendessem as dificuldades enfrentadas por
essas pessoas, como também seu aprendizado na rede pública de ensino, salientando a
importância de metodologias diferenciadas para despertar o interesse intelectual desses
alunos a vivenciar boas experiências de ensino, promovendo essa intervenção pedagógica.
O levantamento do número de estudantes, com deficiência visual, foi feito através
de uma visita, no período de outubro de 2019, foram incluídas zona urbana e rural do
mesmo município, logo após o conhecimento desses números, foram realizadas reuniões
com o intuito de organizar, programar e confeccionar os materiais didáticos que estariam
auxiliando a aplicação dessa metodologia de ensino. Conseguinte a obtenção de dados, foi
destrinchado, para os discentes de Enfermagem da faculdade CESMAC do Sertão, assuntos
de Biologia e o local onde seria aplicado o material produzido, sendo mais especifico, nesse
trabalho, a aplicação do material didático da célula eucariótica e a diferença de uma célula
cancerígena para uma saudável.
Proposta da atividade dirigida: o material elaborado teve, como público alvo, os
alunos cursando o 9º ano, em que tinha apenas um aluno diagnosticado com cegueira. Usando
materiais recicláveis que levariam a uma sensação tátil melhor, com tamanho e texturas
diferentes, com a finalidade de ter um baixo custo-benefício, podendo ser reproduzidas,
nas escolas, facilmente. Os estudantes tiveram a oportunidade de experimentar a mesma
sensação e refletir sobre as dificuldades que um deficiente visual passa em sala de aula.
Montagem do Material: na montagem dos modelos, foram usados materiais
recicláveis e de baixo custo. Na confecção da célula cancerígena, fez-se uso de uma bola
cravo média e, na célula normal, bola de plástico. Já na confecção da maquete da célula
eucariótica, de acordo com sua estrutura e organelas, foram usados os seguintes materiais:
cápsula celular: Corote-reservatório de água para caminhão; citoplasma: espuma de
colchão e emborrachado aveludado; núcleo: bola de isopor pequena; nucléolo: bolinha
de ping pong; cromátide: barbante; membrana externa do núcleo: emborrachado com
pequenos furos; filamentos intermediários: fios elétricos flexíveis; reticulo endoplasmático
rugoso: luvas de microfibra (usadas para a lavagem de carros); reticulo endoplasmático
liso: flanela; ribossomos livres: tachinhas de roupa; mitocôndria: emborrachado liso;
centríolo: peça de brinquedo; microtúbulos: canudo; vesícula: meia pérola; complexo
de golgi: emborrachado liso e lisossomo: bolinha de gude. E, como base para as duas
maquetes, foram usadas madeira.
Com os materiais separados, foi iniciada a montagem dos modelos de células, usando,
como base, uma imagem de célula eucariótica (Figura I), organizando todas as organelas e
as representados com diferentes texturas, como também buscando uma leve semelhança
da estrutura original com os materiais escolhidos. Cada organela encontrada, na célula
eucarionte, foi representada à parte e identificada com placas em braille. (Figura II)

38
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Figura I. Esquema da célula eucariótica.

Fonte: Google imagens.

Figura II. Modelo da célula eucarionte e suas organelas identificadas com placas escritas em Braille.

Fonte: Imagens pessoais.

Fonte: Imagens pessoais.

39
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O novo cenário educacional demonstra o interesse pelas novas tecnologias, o que


implica nas constantes mudanças e inovações na produção de materiais didáticos, tendo
o objetivo de envolver ainda mais os alunos no conteúdo. Bandeira (2009) ressalta que o
material didático pode ser definido, amplamente, como produtos pedagógicos utilizados na
educação e como o material instrucional que se elabora com finalidade didática.
Os materiais didáticos utilizados foram recicláveis, o que facilita, na reprodução dos
mesmos, pela própria instituição de ensino ou até mesmo pelo aluno em casa, nas atividades
rotineiras, ressaltando essa ligação entre meio ambiente e qualidade de vida das pessoas,
pois toda a sociedade é afetada pelas consequências do desiquilíbrio ambiental. O resultado
de uma reorientação e articulação de diversas disciplinas e experiências educativas que
facilitam a percepção integrada do meio ambiente, tornando possível uma ação mais racional
e capaz de responder às necessidades sociais (DIAS, 1994).
Os modelos criados foram utilizados para manipulação tátil dos alunos e
reconhecimento da célula e de suas organelas, no qual os alunos deveriam identificar
as principais organelas tais como: Núcleo, Nucléolo, Retículo endoplasmático rugoso,
Retículo endoplasmático liso, Mitocôndria, Ribossomos livres, Filamentos intermediários,
Membrana externa, Centríolo, Lisossomo, Microtúbulos, Citoplasma, Complexo de Golgi,
Cromatina. Foi apresentada, também, a representação do desenvolvimento de uma célula
cancerígena (Figura III). Os alunos tiveram a oportunidade de perceber, pelo tato, as
particularidades da célula como, textura, tamanho e formato das mesmas. O contato e
a aplicação do material, com cada participante, ocorreram individualmente, tendo este
recebido esclarecimento quanto aos objetivos do trabalho.

Figura III. Modelo didático do desenvolvimento da célula cancerígenas.

Fonte: Imagens pessoais.

Com os instrumentos utilizados, foi possível refletir sobre o processo de inclusão em


escolas de ensino regular e as dificuldades encontradas na tentativa de oferecer um acesso
igualitário para aprendizagem.
Para Cergueira e Ferreira (2000), o uso de material didático inclusivo tem ajudado,
de forma eficiente, o processo de aprendizagem. Assim, foi observado que o aluno, ao fazer
uso desse material, demonstrou facilidade em identificar as organelas e as placas, em braile,

40
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

facilitaram ainda mais o aprendizado. “Os modelos produzidos têm o intuito de inclusão e
todos os alunos poderão utilizá-los durante as aulas” (CERGUEIRA; FERREIRA, 2000). A
didática também instigou a curiosidade dos colegas de sala que não apresentavam deficiência
visual, estimulando a interação social entre os alunos, através de perguntas e respostas sobre
o conteúdo exposto. Com esse resultado positivo dos alunos, é perceptível a importância da
utilização com mais frequência dessa metodologia.
Além do material adaptado, para deficiente visual sanar a lacuna na falta de materiais,
poderá, também, auxiliar, nas dúvidas dos alunos normovisuais, no ensino de Ciência
Biológica. É de conhecimento a carência de equipamentos e materiais, nas escolas, que
possam auxiliar no processo de aprendizagem, devido, às vezes, ao seu alto custo. Dessa
forma, os modelos são considerados grandes aliados dos professores, principalmente, por
apresentarem materiais reciclados ou de fácil acesso e de custo baixo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido, neste projeto, demonstrou, também, a extrema necessidade


de união que deve permear as relações educacionais e a prática pedagógica numa escola
que se pretende ser inclusiva. Ao final das atividades, pode-se verificar, com base nos
depoimentos das professoras especializadas e regulares, que o processo de inclusão de
alunos com deficiência visual, requer criatividade, conhecimento e trabalho de equipe dos
educadores envolvidos neste trabalho.
A partir das ações educativas sugeridas no presente produto de intervenção,
pretende-se desenvolver, no indivíduo e no grupo, a capacidade de analisar as células
eucariontes com o material apropriado para os deficientes visuais, facilitando, assim,
o aprendizado de biologia na escola, visto que é complexo e precisa de uma ferramenta
que mesmo que eles não vejam, mas sintam, interiorizando, assim, o conteúdo de uma
melhor forma. Além disso, esse projeto aproxima os alunos dos professores e garante uma
continuidade no processo de inclusão social e educação.
O desenvolvimento desse projeto e os pontos positivos que foram observados
em sua aplicação pôde mostrar-nos uma realidade além da qual estávamos habituados.
Destacamos a importância desse meio metodológico, não somente na área da educação,
como também na área da saúde, pois pode facilitar o contato profissional-cliente e oferecer
um atendimento humanizado.

REFERÊNCIAS

1. BANDEIRA, D. Material didático: conceito, classificação geral e aspectos da


elaboração. In: CIFFONE, H (org.). Curso de Materiais didáticos para smartphone e
tablete. Curitiba, IESDE, p. 13-33, 2009.

2. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, 1988.

3. BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Educação Especial. Saberes e práticas


da inclusão: Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades

41
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. Brasília: Ministério
da Saúde, 2006.

4. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 julho. 1990.
Seção 1, p. 13563-577.

5. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de


Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília: Ministério da Saúde, 2008.

6. BRASIL. Ministério Da Educação. Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino.


Planejando a próxima década conhecendo as 20 metas do Plano Nacional de Educação.
Brasília: Ministério da Educação, 2014.

7. BRASIL. Ministério Da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília:
Ministério Da Educação, 1997.

8. BRASIL. Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras
de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), institui a tutela jurisdicional de interesses
coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define
crimes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 outubro, 1989.

9. CERQUEIRA, J. B.; FERREIRA, E.M.B. Os recursos didáticos na educação especial.


Revista Benjamin Constant. v.15, p.24-28, 2000.

10. DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo, Global, 1994.

11. MARCELINO, A.R; CALEGARI, F.L; CABRAL, T. A inclusão do deficiente visual


em geografia: Metodologia participativa. In: Anais do III Seminário de Educação,
Conhecimento e Processos Educativos, I Encontro de Egressos PPGE-UNESC, 2019.

12. PAULINO, A.L.S.; VAZ, J.M.C.; BAZON, F.V.M. Materiais adaptados para ensino de
biologia como recursos de inclusão de alunos com deficiência visual. VII Encontro da
Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial -Londrina, p. 672-682, 2011.

13. SANTOS, C. R.; MANGA, V.P.B.B. Deficiência visual e ensino de biologia: pressupostos
inclusivos. Revista Científica da Faculdade Cenecista de Vila Velha, Vila Velha, n.13, p.13-
22, 2009.

14. UNESCO; MEC-ESPANHA. Declaração de Salamanca e linha de ação. Brasília:


Corde, 1994.

42
4

A inclusão escolar de estudantes com perda auditiva


usuários de implante coclear: relato de experiência1
School inclusion of students with hearing loss users of
cochlear implants: experience report
Cristiane Monteiro Pedruzzi(1)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2317-6343, Professora Assistente da Universidade Estadual de
Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Maceió, Alagoas, Brasil. Email:cristiane.pedruzzi@uncisal.edu.br

ABSTRACT: The cochlear implant (CI) is an electronic auditory device, made available by the Unified Health
System, which allows access to hearing and a communicative modality in all environments. In addition, the
educational care of students with special needs should be performed in the regular classes of schools, at all levels
of education, ensuring accessibility to communication. Objective: to report experiences of school inclusion
of students who use cochlear implants. Methodology used: Experience report involving four students with
hearing loss, CI users who obtained interventions related to inclusion promoted by the partnership between
family, school and clinic; four academics/therapists, the supervising teacher and the pedagogical team of four
schools. This study was developed from the attendance of the students of the speech therapy course of the
State University of Health Sciences that has been occurring since 2013. Results and Discussion: In some
cases, CI users, when compared to listeners, have lower reading and writing performance. These students face
similar difficulties and challenges arising from delay in the acquisition of oral and written language. Final
comments: in this experience report, we obtained two situations: one, in which students present many
difficulties in socialization and learning, while in another, the school inclusion process occurred successfully.
It is affirmed that there are individual peculiarities and in the family and school context as determinants.

KEYWORDS: Child, Education, Cochlear implant, Reading, Hearing loss.

INTRODUÇÃO

O implante coclear (IC) é um dispositivo biomédico, cirurgicamente implantado,


na cóclea de pacientes, com perda de audição de grau severo/profundo, com o objetivo de
desempenhar as funções das células ciliadas internas da cóclea, estimulando, eletricamente,
as fibras remanescentes do nervo auditivo (OLIVEIRA, 2014). Os dispositivos eletrônicos
auditivos, como o IC, são recursos que auxiliam na readaptação da habilidade de ouvir, a qual
é considerada muito significativa e fundamental na vida de muitas pessoas, independente
da sua faixa etária. Evidencia-se que a deficiência auditiva, nos primeiros anos de vida
da criança, pode acarretar alterações tanto no desenvolvimento da linguagem, quanto na
interação com o meio social (OLIVEIRA, 2015).
1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap4
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

As evidências clínicas científicas descrevem a importância da realização da cirurgia do


IC, no primeiro ano de vida, para o bebê que nasce surdo, pois o auge do processo de maturação
do sistema auditivo central e da plasticidade neuronal da via auditiva apresenta o período
ideal na primeiríssima infância. Etapa fundamental, também, para o desenvolvimento das
habilidades auditivas e de linguagem (SOBREIRA et al., 2015).
O diagnóstico precoce deve iniciar, preferencialmente, na maternidade, com
o teste da orelhinha, por isso, a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva viabilizou,
desde 2012, uma série de procedimentos organizados, conforme um fluxograma para que
um contingente considerável de crianças deficientes auditivas sejam identificadas e tenham
acesso aos recursos tecnológicos de maneira que os agravos da perda de audição sejam
remediados o mais breve possível (BRASIL, 2012).
O Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI), o IC e o Sistema de Frequência
Modulada (FM) são exemplos de dispositivos eletrônicos auditivos para a acessibilidade
auditiva e comunicativa, no ambiente educacional, disponibilizados pelo Sistema Único de
Saúde (SUS). Acrescentando e complementando os procedimentos dos SUS para auxiliar na
reabilitação de estudantes com perda auditiva, a resolução do Conselho Estadual de Educação
delibera, no artigo quatro, que o atendimento educacional aos alunos com necessidades
especiais deve ser realizado nas classes regulares das escolas, em todos os níveis de ensino,
assegurando a acessibilidade à comunicação seja ela por meio auditivo-verbal ou visuo-
gestual (DELGADO-PINHEIRO, 2014).
Os estudantes deficientes auditivos, em processo de alfabetização, requerem uma
atenção maior, eles compõem um grupo muito heterogêneo e com muitas limitações para
desenvolver a língua escrita. Aprender a ler e a escrever envolve habilidades complexas que
necessitam de operações implícitas no reconhecimento de sons, os quais fazem parte de uma
palavra, sua transformação em signos e a impressão manual de tais signos (BRAZAROTTO,
2019). O desenvolvimento dessas habilidades, em estudantes com perda auditiva, usuários
de IC, devem ser consideradas, porque eles estão aprendendo a ouvir com influência de
várias variáveis: tempo de privação, condições do equipamento, participação da família,
habilidades cognitivas e emocionais. Por isso, para cada estudante usuário de IC, a inclusão
ocorre de maneira muito singular. Alguns precisam de professor de apoio em sala de aula,
outros, de reforço escolar além da sala de aula, outros, de intérprete e outros apenas de
pequenas adaptações no ambiente de aprendizagem.
Além disso, o desenvolvimento da linguagem oral depende da interação com o outro,
por meio de situações pragmáticas e o domínio dessa primeira língua é determinante na
aquisição da escrita, como uma segunda língua (TEIXEIRA; DICKEL, 2013). De acordo com
este contexto, apresenta-se o relato de inclusão escolar de estudantes com perda auditiva,
usuários de implante coclear.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGIGOS

Este estudo trata-se de um relato de experiência. Quatro estudantes com perda


auditiva, usuários de IC, obtiveram intervenções na área da inclusão promovidas
pela parceria entre família, escola e terapia (terapia com os acadêmicos do curso de
fonoaudiologia da Universidade Estadual de Ciências da Saúde – UNCISAL) desde o ano

44
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

de 2013. Quatro acadêmicos/terapeutas da UNCISAL, conjuntamente, com a professora


supervisora e a equipe pedagógica de 04 escolas; duas da rede pública e duas privadas do
estado de Alagoas, cada uma representando um estudante e sua família, respectivamente,
participaram deste estudo.
Primeiramente, houve o acolhimento da queixa da família do estudante usuário de
IC, que relatava que observava “seu filho” sem conseguir realizar as atividades propostas
em sala de aula. No segundo momento, os terapeutas fizeram o contato com a escola,
que descreveu não conhecer nada sobre os dispositivos eletrônicos auditivos, não haver
informações sobre as modalidades de adaptação das tarefas para os estudantes com perda
de audição. Detectada esta situação, foram agendados encontros com os educadores
envolvidos a fim de se esclarecer quais procedimentos deveriam ser tomados pela escola
para favorecer a adaptação escolar da criança usuária de IC. Em algumas situações, foram
dadas orientações para adaptação de materiais e recursos humanos, em outras, acerca da
estrutura, dinâmica no ambiente de aprendizagem, e em outras, no sentido de viabilizar a
compreensão e apreensão de conteúdos pelo estudante usuário de IC.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir, descreve-se o relato de experiências, caracterizando quatro intervenções,


nas quais estudantes usuários de IC estavam inseridos.
Caso 1 - Estudante de oito anos de idade que frequentava o segundo ano do ensino
fundamental I de uma escola púbica (2013). Na sua turma, ela era a única criança surda
usuária de IC, mas, na escola, havia outros estudantes com perda de audição, usuários de
LIBRAS. Ela estava aprendendo a se comunicar por LIBRAS e, também, a ouvir e a falar por
meio da oralidade. Ela realizou a cirurgia do IC aos 06 anos de idade, mesmo não sendo a
faixa etária ideal para ocorrer o procedimento, foi submetida a cirurgia e foi dado início a
reabilitação auditiva.
Estas variáveis, grande período de privação auditiva e falta de informação mais
específica sobre o IC pela família e pela escola, contribuíram para o significativo atraso
de linguagem apresentado pela estudante. Inclusive, ela não estava alfabetizada e não
acompanhava as atividades propostas para o seu ano escolar. Brincava de correr e com
algum brinquedo disponibilizado pela escola, junto aos seus colegas, mas se comunicava,
basicamente, por gestos próprios. No dia da intervenção na escola, os acadêmicos de
fonoaudiologia apresentaram à professora e aos colegas da estudante usuária de IC o desenho
do ouvido, como também do implante coclear de maneira detalhada e com um programa no
computador o percurso do som no ouvido humano até chegar ao momento de interpretação
da mensagem auditiva no cérebro. Réplicas do IC elaboradas com material reciclável
foram demonstradas aos colegas da estudante usuária de IC que quiseram manusear e
experimentá-las. Neste encontro, também, foi elaborado uma proposta de adaptação do
conteúdo e acessibilidade de comunicação para a estudante; (as imagens foram autorizadas
pelas pessoas que estão na cena).

45
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Caso 2 - Estudante de escola pública – educação infantil - com cinco anos de


idade, comunicava-se com palavras isoladas e fazia o reconhecimento das palavras
ouvidas – imitando, mas sem uma compreensão mais complexas dos enunciados verbais.
Ela acompanhava as propostas pedagógicas, com interação com os colegas e era muito
participativa no seu processo de aprendizagem (2019). Porém, a mãe estava apreensiva com
a apresentação da culminância do projeto – animais úteis, no qual a estudante falava três
frases sobre a vaca. Ela não estava conseguindo emitir essas frases na íntegra. Foi elaborado
um cartaz com figuras e conectivos entre as palavras, (adaptação de acessibilidade para
sua comunicação no evento), o qual poderia ser um auxílio para “apresentação oral”. Ela
estudou o cartaz em casa, com a família e no dia da culminância do projeto e do momento de
compartilhar com a comunidade, falou todas as frases, sem precisar do cartaz.

Caso 3 - Aos 04 anos de idade, estudante usuário de IC foi convidado pela escola privada
que frequentava para representar o personagem “grilo falante” da história do Pinóquio
na peça de teatro e, em outro evento, cantar uma música, juntamente, com seus colegas.
Ele sempre se apresentou por meio da oralidade, sem nenhuma dificuldade de interagir
com os colegas e de executar as atividades propostas. Neste período de isolamento social,
devido à pandemia do covid-19, as atividades escolares passaram a ser não presenciais, e,
em uma aula on line, o estudante, aos sete anos de idade, recebeu, como atividade, a leitura
de um texto a “espetacular fábrica de chocolate (imagem disponibilizada por meio de vídeo
familiar). Uma história repleta de detalhes e com mais de 50 linhas. Ele realizou com êxito a
tarefa e continua sem necessitar de nenhuma adaptação para acessibilidade à comunicação
aos conteúdos escolares.

46
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Neste caso, nos primeiros anos escolares, houve encontros nas unidades educacionais
com os técnicos envolvidos no acompanhamento do mesmo para esclarecimentos acerca
dos ruídos competitivos, como: a televisão ligada, o ventilador e o barulho que entrava
pelas janelas. Foi esclarecido pelos terapeutas como todos esses ruídos atrapalhavam a
compreensão auditiva que o estudante estava desenvolvendo e foram apontadas soluções
para minimização dos mesmos.
Caso 4 - Estudante com 15 anos de idade, usuários de IC, desde os seis anos de
idade, comunica-se com frases simples (três palavras) por meio da oralidade, lê e escreve
frases simples (três a quatro palavras). Cursa o 8º ano do ensino fundamental II em escola
particular. Não consegue acompanhar os conteúdos propostos em sala de aula e também não
interage com os colegas de sala. Nos intervalos e eventos sociais da escola, ele permanece
mais próximo a colegas do 4º e 5º anos. A intervenção com a equipe da escola ocorreu em
várias etapas: inicialmente, os professores relataram suas dificuldades para ministrar os
conteúdos de maneira que o estudante entendesse e apresentaram muitas questões sobre
como ocorre o desenvolvimento da audição e de linguagem de estudantes usuários de IC. Em
atendimento a essas demandas, também foram realizadas orientações sobre a importância
da escola disponibilizar um professor de apoio que acompanhe este estudante usuário de IC
em sala de aula, as adaptações em apostilas, módulos e provas.
Este estudante continuou na sua turma regular, com professor de apoio, mas ainda
com muitas dificuldades de acompanhar o conteúdo, porque lê e escreve frases simples,
equivalentes ao segundo ano do fundamental I.
Neste relato de experiência, foram selecionadas duas situações que envolveram
estudantes com êxito na inclusão e que participavam, de maneira efetiva, das atividades
educacionais. Por outro lado, duas situações que estudantes usuários de IC estão com muitas
dificuldades no seu processo de inclusão, demonstrando um desempenho inexpressivo no
seu processo de aprendizagem e sem estarem de fato incluídos na dinâmica educacional.
Segundo Santos (2012) e Capovilla (2008), a aprendizagem dos conteúdos, por escolares
usuários de IC, têm se mostrado deficitária.
Para Brazorotto (2014), os usuários de IC, quando comparados aos ouvintes, possuem
um menor desempenho na leitura e na escrita. Eles enfrentam dificuldades e desafios
semelhantes advindos do atraso na aquisição da linguagem oral e escrita. As crianças com
IC possuem um atraso significativo de dois a três anos no desenvolvimento das habilidades
de leitura e de escrita, quando comparadas a escolares de audição normal na mesma série
(SPENCER, BARKER, TOMBLIN, 2012).
O desempenho de leitura e de escrita, em escolares usuários de IC, é,
consideravelmente, pior comparado a indivíduos com audição normal. No Brasil, um
país com um extenso território e diferenças regionais, há necessidade de novos estudos
referente à temática. Usuários de IC, em alguns casos, são reconhecidos como crianças
ouvintes e, em outros casos, como surdos que precisam de intérprete de LIBRAS em suas
escolas (OLIVEIRA et al., 2020).
Os estudos sobre a aprendizagem de leitura e escrita têm, repetidamente, apontado
para a relevância do desenvolvimento das habilidades metalinguísticas nesse processo. As
habilidades metalinguísticas apresentam diferentes tipos, tais como: segmentar e manipular

47
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

a fala em suas diversas unidades (p. ex., palavras, sílabas, fonemas); separar as palavras de
seus referentes (i.e., diferenciar entre significados e significantes); perceber semelhanças
sonoras entre as palavras (consciência fonológica); e julgar a coerência semântica e sintática
dos enunciados (YOSHIDA; CAPELLINI, 2017).
O treino das habilidades auditivas está vinculado ao treino da consciência fonológica
(JESUS et al. 2013). Vygotsky considera que o ponto de partida, para a aprendizagem, é constituído
pelas atividades que ocorrem muito antes da entrada da criança na escola. O conhecimento de
nomes de objetos, por exemplo, antes mesmo de saber escrever, permite afirmar que há uma
similaridade entre o aprendizado pré-escolar e o escolar (LUCCHESI, 2015).
As crianças sempre se socializam brincando, criando histórias e, às vezes, ao mesmo
tempo em que brincam, contam experiências sobre seu dia ou algo que tenham visto. Por
meio das brincadeiras, a criança satisfaz, em grande parte, seus interesses, necessidade e
desejos particulares, sendo um meio privilegiado de inserção na realidade, pois expressa
como a criança reflete, ordena, organiza, destrói e reconstrói o mundo. (MAGALHÃES et al.
2013). Ao brincar, a criança rearranja os aspectos de seu mundo, experimenta uma sensação
de prazer e de controle, em que sua subjetividade emerge com os objetos reais, além de
conseguir manifestar a criatividade (DELGADO-PINHEIRO, 2014).
No cotidiano escolar, estimulação e interação geram oportunidades de comunicação
oral por meio de conversas, discussões, comentários, relatos, músicas e recontos de histórias
(BIGOCHINSKI; ECKSTEIN, 2016). Para criança usuária de IC, que domina a dimensão do
discurso, poderá evoluir ainda mais nesta habilidade, e para aquelas que não dominam a
habilidade, precisam de mediadores para iniciar ou podem ficar alheias a essa habilidade.
Esse relato de experiência apresenta a importância de intervenções, na inclusão escolar,
de estudantes com perda auditiva usuários de implante coclear, mesmo que sejam ajustes
simples na estrutura do ambiente.

COMENTÁRIOS FINAIS

Neste relato de experiência, foram selecionadas duas situações que envolvem


estudantes com êxito na inclusão, participantes de maneira efetiva das atividades
educacionais. Por outro lado, duas situações que estudantes usuários de IC estão com muitas
dificuldades no seu processo de inclusão, demonstrando um desempenho inexpressivo no
seu processo de aprendizagem e sem vivenciarem a inclusão garantida pela lei, mas ainda
inexpressiva na dinâmica educacional.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações


Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal
/ Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas e Departamento de Atenção Especializada. – Brasília:
Ministério da Saúde, 2012;

48
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

2. BIGOCHINSK E, ECKSTEIN M.P.W. A importância do trabalho com a consciência


fonológica para aprendizagem da escrita e da leitura. Revista de Pedagogia da Fac.
OPET. 2016;

3. BRAZOROTTO, J. S. Assessing skills of school children with cochlear implant. 188 p.


Tese de doutorado (Doutor em educação especial) - Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2019;

4. CAPOVILLA, Fernando C. O implante coclear como ferramenta de desenvolvimento


linguístico da criança surda. Rev. Bras. Cresc. Des. Hum, São Paulo, v. 8, n. 1/2, p. 76-
84, 2008;

5. DELGADO-PINHEIRO, E.M.C. et al., Programa de acompanhamento fonoaudiológico


de professores de alunos deficientes auditivos que utilizam a comunicação oral. Rev.
Distúrbios da Comunicação. SP. 21(1): 67-77. 2009;

6. DELGADO-PINHEIRO, E.M.C. Análise do ruído e intervenção fonoaudiológica em


ambiente escolar: rede privada e pública de ensino regular. Revista CEFAC 16:1. 2014;

7. JESUS, J.M. SOUZA V.L.T., PETRONI A.P., DUGNANI, L.A.C. Os sentidos da


aprendizagem para professores da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Rev.
Psicopedagogia, SP; 30(93): 201-2112013;

8. LUCCHESI, F. D. M. et al . Efeitos de um Programa de Ensino de Leitura sobre a


Inteligibilidade da Fala de Crianças Usuárias de Implante Coclear. Psicol. Reflex. Crit.,
Porto Alegre ,  v. 28, n. 3, p. 500-510,  Sept.  2015.   Disponível em: <http://www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722015000300500&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 10 dez. 2020

9. Magalhães, A. M. M. et al. O brincar para conhecer o desenvolvimento de crianças com


implante coclear. Boletim - Academia Paulista de Psicologia, v. 32, n. 82, p. 160-190,
2012. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/134952. Acesso em: 10 dez. 2020

10. OLIVEIRA R.C.M., SILVA A.L.P. A assistência fonoaudiológica no processo de


inclusão do portador de deficiência auditiva: uma revisão de literatura. Rev Saúde em
Foco. SP. 1(1): 1-14. 2014. Disponível em: http://www4.unifsa.com.br/revista/index.php/
saudeemfoco/article/view/641. Acesso em 02 dez.2020.

11. OLIVEIRA, K. L. S. et al . Desempenho de leitura e escrita em usuários de implante


coclear: revisão integrativa. Audiol., Commun. Res.,  São Paulo ,  v. 25,  e2298,    2020
. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-
64312020000100501&lng=en&nrm=iso>. Acesso em  nov.  2020.  Epub Aug 17, 2020

49
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

12. SANTOS, S. R. Caracterização de desempenhos envolvidos na leitura e na escrita


em crianças com deficiência auditiva. 110 p. Dissertação (Mestrado em concentração
Aprendizagem e Ensino) - Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2012.

13. SOBREIRA, A. C. O. et al. Desenvolvimento de fala e linguagem na deficiência auditiva:


relato de dois casos. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 308-317, Jan-Fev 2015.

14. SPENCER, L. J.; BARKER, B. A.; TOMBLIN, J. B. Exploring the Language and Literacy
Outcomes of Pediatric Cochlear Implant Users. EAR HEAR, v. 24, n. 3, p. 236-247, June
2003.

15.TEIXEIRA, C.R., DICKEL, A., A aquisição da linguagem por meio das interações
promovidas pelo cuidador em classe de berçário. Rev de Psicopedagogia. SP. 30(91): 52-
63. 2013;

16.YOSHIDA M.C.C.G, CAPELLINI V.L.F.M. Atividades de estimulação da consciência


fonológica por meio de um livreto destinado a alunos com deficiência auditiva/surdez.
Bauru. Tese [Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem]. Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. 2017.

50
5

Educação inclusiva: Libras e prática docente1


Inclusive education: Libras and teaching practice
Francielly da Silva Oliveira (1); Cristina Simone de Sena Teixeira (2); Roseane Ferreira da Silva(3),
Sanadia Gama dos Santos (4)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3254-9263,cv: http://lattes.cnpq.br/9831815970586516;
Especialista em Linguagem pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. Arapiraca, Alagoas; Brasil.
E-mail: francy.ely@hotmail.com
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000000180827478;cv:  http://lattes.cnpq.br/8530177424957875 ;Mestranda
em Dinâmicas Territoriais e Cultura – PRODIC/ UNEAL. Professora efetiva da Rede Municipal de Ensino de
Traipu – Alagoas. E-mail: simonesos1@hotmail.com;
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7121-3925;CV: http://lattes.cnpq.br/6029978762499707; Aluna
do curso de Especialização Latu-Senso em Linguagem pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL.
Arapiraca, Alagoas; Brasil. Email:rosy.f.silva@hotmail.com
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000000330011889;cv:http://lattes.cnpq.br/9251665509410894. Professora
da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL); Doutora em Letras pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM), Arapiraca, Alagoas; Brasil. E-mail: sanadia.uneal@gmail.com.

ABSTRACT: The purpose of this article is to reflect on the importance of knowledge in Libras
associated with other pedagogical resources for teaching practice and as a means of including the deaf in
regular education. The research is of a bibliographic nature, with a qualitative basis and is anchored in the
theoretical foundations of authors such as Carvalho (2012), Nóvoa (2009), Skliar (1998), Goldfeld (1997) and
legal bases with emphasis on LDBEN and Laws 10.436 / 2002 and number 13.146 / 15. Conducted based
on the performance of scholarship holders from the Institutional Teaching Initiation Scholarship Program
(PIBID), it presents reflections on activities with deaf students in a school in the municipal network of
the interior of Alagoas. It also refers to a case study that analyzed the practice of the Portuguese language
teacher. It is understood that, in order to occur the insertion of students with deafness in regular education,
it is necessary that teachers seek training and improvement, among these, the appropriation of knowledge of
sign language, in order to grant mediation between both, aiming at teaching that respects the differences and
particularities of each individual so that the inclusion really takes place. In this process, it is known that the
work to be developed by the teacher is not easy. There are many barriers, however, overcome by the gratification
of witnessing the student’s development.

KEY-WORDS: Sign language, Deafness, Teaching.

INTRODUÇÃO

Sabe-se que, em gerações passadas, os surdos eram vistos com piedade. A sociedade
julgava-os incapazes para realização de trabalhos e/ou estudos. Na longura dos anos, essa
ótica foi se modificando, de forma gradativa, após robusta discussão e reivindicações de

1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap5
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

muitos setores da sociedade, não se restringindo apenas às instituições educacionais, o que


pode ser considerado um avanço positivo nesse quesito.
A Declaração de Salamanca, oriunda de uma tendência mundial que consolidou a
educação inclusiva e cuja origem tem sido atribuída aos movimentos em favor dos direitos
humanos e contra instituições segregacionistas, movimentos iniciados a partir das décadas
de 1960 e 1970, traz os Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas
Especiais e é considerada um dos principais documentos mundiais que visam à inclusão
social. Essa Resolução reconhece que,

[...] o desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao


desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de bem -
sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que possuam
desvantagens severa. O mérito de tais escolas não reside somente no fato
de que elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas
as crianças: o estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido
de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e
de desenvolver uma sociedade inclusiva (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA,
1994, p. 4).

Cumpre acrescentar que a educação inclusiva, no Brasil, constitui um padrão


educacional fundamentado na percepção de diretos humanos, na qual estabelece que
igualdade e diferença sejam valores indissociáveis e todos precisam comungar desses valores
dentro e fora da escola.
No que concerne à educação especial, a LDBEN nº 9394/96 diz que:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (Redação dada pela
Lei nº 12.796, de 2013).
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola
regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos,
não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início
na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.
§ 3º A oferta de educação especial, nos termos do caput deste artigo, tem
início na educação infantil e estende-se ao longo da vida, observados o inciso
III do art. 4º e o parágrafo único do art. 60 desta Lei. (Redação dada pela Lei
nº 13.632, de 2018) (BRASIL, 1996, p. 40)

Assim, a LDBEN nº 9394/96 assegura que a educação especial seja oferecida nas
instituições regulares de ensino, o que inclui o cidadão com necessidades especiais na esfera
educacional, porém, coloca, nas mãos dos professores, uma responsabilidade que, muitas
vezes, eles não dão conta. Isso implica dizer que as formações superiores, no quesito do
ensino de Libras - que é nosso objetivo de análise - ainda deixam muito a desejar, o que
prejudica aos alunos surdos na sua aprendizagem, contrapondo o que a Lei lhes assegura.

52
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência nº 13.146/15 esclarece sobre


acessibilidade, tecnologia assistiva e as barreiras: urbanistas, arquitetônicas, locomoção,
atitudinais, como também de comunicação. Esta legislação, em seu art.28, fala sobre a oferta
da educação bilíngue em escolas inclusivas ou bilíngues. Então, não há o que questionar, mas
praticar as ações afirmativas de reconhecimento da língua de sinais no processo educativo.
Ainda refletindo sobre os aspectos que regem as leis em nosso país, a respeito da
educação especial/inclusiva, a Constituição Federal (1988, p.160), nos Art. 205, 206 e 208,
expõe que:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a


garantia de:
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade.

Podemos constatar, que, diante dos direitos constitucionais à educação inclusiva/


especial e a realidade, ainda há uma grande lacuna. As leis existem, porém, nem sempre
podem ser postas em prática de forma eficiente. O que a vivência, como professor, apresenta-
nos é a difícil tarefa dos educadores e dos outros membros da comunidade escolar em
incluírem esses alunos nas salas de aula regulares, tendo em vista, também, que estes, em
sua maioria, não têm os conhecimentos mínimos da Língua Brasileira de Sinais - Libras,
com carga horária de trabalho, muitas vezes, exaustiva, sobrando-lhes pouco tempo para
qualificação na área. Somado a essa dificuldade, os professores enfrentam a escassez de
cursos voltados ao ensino da Língua para se profissionalizarem na área.
É considerando o contexto exposto, que o presente artigo discute as dificuldades
enfrentadas pelo professor em sala de aula, tendo, de um lado, a legislação que garante a
inclusão de alunos surdos nas salas regulares e do outro lado, a frágil e carente estrutura
das escolas, como também dos profissionais que não passaram por formação específica
para atendê-los.

FORMAÇÃO DOCENTE E O USO DA LIBRAS NO ENSINO

Ao longo dos anos, discute-se o despreparo das instituições de ensino para receber
alunos com deficiência auditiva. Observa-se que, mesmo com a inclusão da Libras, como
disciplina curricular obrigatória, especialmente, nos cursos de licenciaturas e fonoaudiologia,
regulamentada pelo Decreto nº 5.626 de 2005, grande parte dos professores não teve acesso
a essa disciplina em suas formações.
Esse decreto delibera a inclusão de Libras como disciplina curricular dispondo o
seguinte texto:

53
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos
cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível
médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino,
públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o
curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia
e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de
professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.
(DECRETO nº 5.626/05).

Dessa forma, como poderiam eles garantir o direito do aluno surdo, sem que tenham
adquirido o conhecimento básico da língua necessário para a comunicação com o aluno
portador de surdez? Deste modo, vemos a importância do ensino de Libras, como disciplina
curricular nos cursos de formação de professores, pois, a mesma ajudará ao futuro professor
na aquisição de conhecimento específico e, possivelmente, na sua prática pedagógica, com
os alunos surdos, ajudando a incluí-los dentro do contexto educacional.
Atualmente, o crescente número de alunos com perda auditiva, nas escolas de
ensino regular, é inevitável, uma vez que as políticas públicas educacionais defendem a
necessidade de uma educação inclusiva, que dê acesso e possibilite a aprendizagem, como
também desenvolvimento de todos os alunos, independente deles terem deficiências ou não.
Assim, enxergamos que a inclusão da disciplina de Libras, na grade curricular dos cursos de
licenciaturas, não é a solução, mas um passo fundamental para um início da mudança no
cenário educacional do nosso país. A este respeito Costa e Lacerda (2015) relatam que:

A implementação das disciplinas de Libras nos cursos de formação de


professores está longe de resolver o problema da educação de surdos no
Brasil, na verdade, mesmo em pleno desenvolvimento e se atendesse todas
as expectativas de sua implementação, só resolveria parte da questão. Muitas
outras medidas permanecem necessárias, no entanto, é inegável que os impactos
dessa medida potencializam o interesse pelo debate acerca da inclusão escolar
de alunos surdos e abre caminho para que mais medidas sejam tomadas no
sentido da formação de recursos humanos para contemplar a inclusão escolar
e social de alunos com deficiências. (COSTA; LACERDA, 2015, p. 70)

Acerca dessa temática, Nóvoa (2009) também nos remete a uma análise à formação
inicial dos professores, no qual passará por várias fases até chegar à consolidação de seu
profissionalismo e saberes, pois entendemos que, logo após a formação acadêmica, o
professor inserido, no espaço escolar como profissional da área, é exigido dele outras
responsabilidades e condutas diferentemente do período de estagiário, porém, essa fase
de iniciante da carreira de professor é primordial para seu conceito de profissionalidade e
responsabilidade social.
Reforça-se, a partir de tais colocações, a necessidade desses saberes essenciais para que
os graduandos construam percursos significativos de aprendizagem para o desenvolvimento
profissional, visto que é só, a partir da prática, que o professor conseguirá aperfeiçoar o aprendido,
dando significado e mais qualidade no ensino que pretende ministrar para o aluno com surdez
inserido na turma, buscando igualdade com equidade no desenvolvimento de suas aulas.

54
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

LIBRAS: CONHECIMENTO E PRÁTICA

A educação inclusiva requer das escolas regulares e dos profissionais que se adequem
à nova realidade. Esse requisito educacional vem reconhecer a importância pedagógica de
Libras como ferramenta para o educador estabelecer comunicação e para inclusão de alunos
com deficiência auditiva.
No Brasil, os surdos sentem-se como estranhos em sua própria sociedade, visto que
a comunidade não compreende seus apelos mais evidentes. Os professores se desesperam,
porque não foram e não estão preparados para atender às necessidades desse público. O
fato de o professor não estar devidamente apto para receber o aluno surdo é realidade, e
acontece com a maioria dos professores de escola regular. Assim, como ressaltam Silva
e Pereira (2003, p.01), “quando o professor recebe esse aluno, muitas vezes exibe ideias
preconcebidas ou concepções equivocadas a respeito da surdez, muitas vezes atribuindo ao
aluno imagens depreciativas”. A soma das angústias desse profissional e a desestrutura das
unidades de ensino ampliam a problemática da exclusão, como também afastam, cada vez
mais, as possibilidades de inclusão dos alunos surdos ao ensino regular com equidade e
qualidade. As autoras explicam que:

[...] a integração escolar tem como objetivo inserir o aluno com deficiência na
escola regular, porém, essa escola permanece organizada da mesma forma e
é o aluno que foi inserido que deverá adaptar-se a ela. No entanto no sistema
de ensino inclusivo é a escola que se reorganiza para atender a especificidade
de cada aluno (SILVA; PEREIRA, 2003, p.32),

Infelizmente, a educação dos surdos é marcada por essa e por outras muitas barreiras,
a começar pela falta de estrutura encontrada nos ambientes onde estão inseridos. Como
ressalta Skiliar (1998, p. 22), o surdo pertence à minoria e a Libras é utilizada por poucos,
o que dificulta a sua aceitação pela rede regular de ensino. Para ele, a escola é organizada,
metodologicamente, profissionalmente e estruturalmente para ouvintes.
Diante desta realidade, é indispensável abastecer-se de conhecimento a respeito dos
surdos, principalmente, os educadores para saber lidar com eles com mais eficácia. Tudo
isso implica saber, então, de imediato, que nomear alguém como surdo-mudo não é correto.
Muitas pessoas surdas não falam porque não aprenderam a falar. Muitas fazem a leitura
labial e podem fazer muitos sons com a garganta, ao rir, e mesmo ao gestualizar. É muito
importante considerar que o surdo difere do ouvinte, não apenas porque não ouve, mas
porque desenvolve potencialidades psicoculturais próprias. Surdo-mudo é, provavelmente,
a mais antiga e incorreta denominação atribuída ao surdo. A mudez é outra deficiência.
Além disso, sua comunicação envolve todo o seu espaço, através da expressão facial-
corporal, ou seja, o uso da face, mãos e braços, visto que, a forma de expressão visual-espacial
é, sobretudo, importante em sua língua natural e principal meio de conhecer o mundo em
substituição à audição e à fala.
No Brasil, os surdos desenvolveram a Libras e, em Portugal, a LGP (Língua Gestual
Portuguesa), outros, por viverem isolados ou em locais onde não exista uma comunidade
surda, apenas se comunicam por gestos. Importa mencionar que existem surdos que, por
imposição familiar ou opção pessoal, preferem utilizar a língua falada. No caso específico dos

55
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

surdos brasileiros, cuja língua materna de sinais é a Libras, os intérpretes que os assistem
são chamados de “Intérpretes de Libras”. Cabe ressaltar que, ao se tomar alguns cuidados na
comunicação com o surdo, conferem-lhe o respeito ao qual ele tem direito.
Nesse sentido, Medeiros (2011, p.25) pondera que “a chave para uma boa comunicação
com uma pessoa surda é o claro e apropriado contato visual”. Em relação a isso, ele ressalta
que “é uma necessidade quando os surdos se comunicam”. Assim, podemos inferir que
não há outra maneira eficaz de compreensão de sua linguagem, se não por meio do olhar
atento a todos os gestos, sinais e expressões utilizadas para transmitir a mensagem. Por
essa razão, consoante ao pensamento de Medeiros (2011), numa conversação em língua de
sinais, considera-se “rude desviar o olhar e interromper o contato visual”. Um contexto que
aponta para a fundante necessidade de apropriar-se bem de uma língua de sinais, mas, antes
de tudo, pensar essa língua.
Outrossim, faz-se necessário saber, que ao tratar uma pessoa deficiente como se ela
não tivesse uma deficiência, é ignorar uma característica muito importante dela e, dessa
forma, não estaríamos nos relacionando com ela, mas com outra pessoa não real. Se a
deficiência existe, é preciso considerá-la, dando-lhe o devido tratamento.
A escola, nesse contexto, aparece com o dever de ser um espaço em que o surdo possa
usar livremente sua língua. O problema é que, ainda hoje, a maioria das escolas brasileiras
não possuem intérpretes para ajudar as crianças surdas a adquirir o conhecimento da Libras
e “sem o fomento dessas condições, a educação da criança surda vai estar sempre aquém da
educação que é destinada à criança ouvinte, e as dificuldades para ela aprender o português
vão permanecer” (XAVIER; VIOTTI, 2011).
Ademais, é preciso considerar que o ensino de Libras pode se dar em duas situações
distintas: na primeira dessas, os educandos surdos aprendem Libras como primeira língua
(L1); na segunda, os educandos ouvintes aprendem a Libras como segunda língua (L2). Em
se tratando de uma escola inclusiva, esse aprendizado pode ocorrer de forma simultânea.
Desse modo, para o ensino de Libras como L1, o professor deve estar ciente de que
a Língua Brasileira de Sinais é, principalmente, visual e, para o educando surdo, esse é o
sentido pelo qual irá apreender toda a estrutura gramatical dessa linguagem, o que evoca
a Pedagogia Visual ou da Diferença que, consoante aos dizeres de Basso, Strobel e Masutti,
(2009, p.17), assumi-la “representa a possibilidade real de encarar a prática pedagógica e o
processo ensino-aprendizagem a partir da perspectiva surda ou da concepção surda sobre
a educação”, o que demanda, também, “uma postura educacional que assuma seu papel
emancipatório e transformador e que veja o surdo como uma pessoa completa” (RANGEL;
STUMPF, 2004). Em outras palavras, adotar uma pedagogia

[...] que compreenda a diferença como marca constitutiva humana não


pode ser homogênea e única. É preciso criar uma outra forma de ensinar
porque as pessoas surdas aprendem pelas experiências visuais e apreendem
o significado do mundo por meio das interações em língua de sinais. Desta
forma, o currículo também necessita ser outro [...] (BASSO, STROBEL;
MASUTTI, 2009, p.17).

Um currículo que atenda às necessidades essenciais de aprendizagem do educando


para que ele possa contar com seus principais sentidos nesse processo.

56
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Cabe, também, rememorar que, ao longo da história, algumas filosofias educacionais


ganharam destaque em relação à educação de surdos: “[...] apesar das diferentes opiniões
que dividem e subdividem as metodologias específicas ao ensino de surdos, em termos
de pressupostos básicos, existem três grandes correntes filosóficas: a do Oralismo, da
Comunicação Total e do Bilinguismo” (DORZIAT, 1999, p. 13).
A metodologia Oralista tem, como objetivo principal, desenvolver a fala do surdo,
pois, para os defensores deste método, a língua falada era considerada essencial para a
comunicação e desenvolvimento integral das crianças surdas.
De acordo com Goldfeld (2002), essa concepção de educação enquadra-se no modelo
clínico, destacando a importância da integração dos surdos na comunidade de ouvintes.
Para isto ocorrer, o sujeito surdo deve aprender a falar por meio de reabilitação da fala em
direção à “normalidade” exigida pela sociedade.
A autora explica que:

O Oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada
pela estimulação auditiva. Essa estimulação possibilitaria a aprendizagem
da língua portuguesa e levaria a criança surda a integrar-se na comunidade
ouvinte e desenvolver uma personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o
objetivo do Oralismo é fazer uma reabilitação da criança surda em direção à
normalidade. (GOLDFELD, 2002, p. 34).

Com essa metodologia, utilizada pela maioria das escolas na educação de surdos de
muitos países, a língua de sinais foi proibida. Schelp (2008) pontua que, no Oralismo, a
primeira medida educacional implantada foi proibir o uso da língua de sinais e obrigar os
alunos surdos a sentarem sobre as mãos para que, assim, pudessem ser oralizados. Segundo
o autor, os professores surdos que, até então, atuavam nas escolas e nas salas de aula, foram
dispensados de todas as escolas e institutos.
Como consequência das práticas oralistas, os surdos não aprenderam a falar.
Conseguiam pronunciar apenas algumas palavras que eram repetidas de forma mecânica
sem saber o que elas realmente significavam. Esse método resultou em milhões de surdos
analfabetos. E os surdos que passaram por essa metodologia trazem marcas negativas em
suas vidas até os dias atuais (STREIECHEN, 2012, p.17).
Surge, então, o método que ficou conhecido como Comunicação Total cuja principal
meta era o uso de qualquer estratégia que pudesse permitir o resgate na comunicação das
pessoas surdas. Este modelo combinava a língua de sinais, gestos, mímicas, leitura labial, entre
outros recursos que colaborasse com o desenvolvimento da língua oral (SCHELP, 2008).
Dessa forma, essa filosofia educacional não aparece para fazer negação ao Oralismo, mas
para somar. Como corrobora Marchesi (1995): “[...] a Comunicação Total não está em oposição
à utilização da língua oral, mas apresenta-se como um sistema de comunicação complementar”.
No entanto, também não obteve resultados satisfatórios, visto que a sua abordagem defendia
o uso simultâneo das duas línguas: a fala e os sinais (bimodalismo) e por serem duas línguas
distintas e com estruturas diferentes dificultava a aprendizagem dos alunos.
Bilinguismo é o modelo metodológico que equivale ao trabalho com duas línguas no
contexto escolar e, neste caso, as línguas em questão são a Língua Portuguesa (escrita) e a

57
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Língua Brasileira de Sinais - Libras. Nesta proposta, o ideal para o sujeito surdo não seria a
sua adequação à realidade ouvinte, usuária da língua oral, mas sim assumir sua condição de
surdez como parte de suas características e identidade. “Busca respeitar o direito do sujeito
surdo, no que se refere ao acesso aos conhecimentos sociais e culturais em uma língua que
tenha domínio” (SKLIAR, 1998).
Nesta perspectiva, o Bilinguismo:

[...] contrapõe-se ao modelo oralista porque considera o canal viso gestual de


fundamental importância para a aquisição de linguagem da pessoa surda. E
contrapõe-se à comunicação total porque defende um espaço efetivo para a
língua de sinais no trabalho educacional; por isso advoga que cada uma das
línguas apresentadas ao surdo mantenha suas características próprias e que
não se ‘misture’ uma com a outra (LACERDA 1998 p.10).

Lacerda (1998), ao defender a metodologia Bilíngue, destaca que os surdos


adquirem conhecimentos por meio do canal visual e a mistura entre línguas, utilizadas na
Comunicação Total, dificultava a aquisição de conhecimentos pelos surdos, pois cada língua
tem características próprias e independentes, tornando-se, assim, impossível falar ambas as
línguas (sinalizada e oral), ao mesmo tempo, no âmbito escolar.

De fato, estudos têm apontado que essa proposta é a mais adequada


para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a língua
de sinais como natural e se baseia no conhecimento dela para o ensino
da língua majoritária, preferencialmente na modalidade escrita. (...) Na
adoção do bilinguismo deve-se optar pela apresentação simultaneamente
das duas línguas - língua de sinais e língua da comunidade majoritária.
(GUARINELLO, 2007 p. 45-46).

A partir da metodologia Bilíngue, o surdo deixa de tentar seguir o modelo do ouvinte


e passa a desenvolver sua identidade e sua cultura no contato com seus pares e com os
professores bilíngues: “O surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte,
podendo assumir a sua surdez” (GOLDFELD, 1997, p.138).
A Pedagogia Surda surge com a finalidade de mostrar um novo caminho para a
educação do surdo, pois ela é uma metodologia que atende de uma forma satisfatória as
especificidades do surdo, de forma a considerar todos os aspectos culturais deste sujeito.
De acordo com Machado (2008, p. 78):

Visualizar uma escola plural, em que todos que a integram tenham a


“possibilidade de libertação”, é pensar uma nova estrutura. Para tanto,
é necessário um currículo que rompa com as barreiras sociais, políticas e
econômicas e passe a tratar os sujeitos como cidadãos produtores e produtos
de uma cultura [...] Pouco adianta a presença de surdos se a escola ignora sua
condição histórica, cultural e social.

Esta Pedagogia defende que a criança surda deve ter aulas ministradas, em Libras,
por professores surdos desde a educação infantil. Entretanto, percebe-se que há um longo
caminho a ser percorrido para que, de fato, esta realidade se torne possível de ser vivida
pelas crianças surdas brasileiras. Infelizmente, ainda não há professores surdos em número

58
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

suficiente e preparados para assumirem tais funções, assim como não há professores
ouvintes fluentes, em Libras, para atuarem como tradutores/intérpretes nas instituições.
Por recomendação do MEC, o ensino de surdos no Brasil precisa ser:

“(...) efetivada em língua de sinais, independente dos espaços em que o


processo se desenvolva. Assim, paralelamente às disciplinas curriculares,
faz-se necessário o ensino de língua portuguesa como segunda língua, com a
utilização de materiais e métodos específicos no atendimento às necessidades
educacionais.” (SALLES, et al; 2004 p 47).

Acerca disso, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura -
UNESCO quanto ao direito de toda criança a aprender, na educação básica, em sua língua
materna. Para que a formação bilíngue ocorra, é indicado que haja um instrutor surdo
responsável por ensinar e transmitir a cultura surda, juntamente, com a Libras, trabalhando
em conjunto com o professor bilíngue, ouvinte.
Nota-se, então, que se busca, constantemente, uma solução para ofertar uma educação
inclusiva para os surdos. Muitas dúvidas em relação a isso foram geradas e procedimentos
foram experimentados.
As metodologias não dão garantias e certezas de como o ensino deva ser. Cada
uma delas apresenta vantagens e desvantagens, porém, são elaborações desenvolvidas ou
reconhecidas pelos surdos ou construídas a partir da cultura surda que produz efeitos de
sentidos mais significativos para essa comunidade.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

No início do ano letivo de 2017, na experiência como bolsistas do PIBID, juntamente,


com a professora regente, foi possível perceber que alguns alunos enfrentavam nítidas
dificuldades. Referia-se a pessoas com surdez nesse estágio, percebeu-se o pouco estímulo que
recebiam para o despertar da atenção e interação nas aulas. Na assimilação de conteúdos em
decorrência da deficiência auditiva que portavam, além da impossibilidade de desenvolver
a inteligência em virtude dos poucos estímulos que recebiam, a dificuldade mais evidente se
mostrou na comunicação entre surdos e ouvintes.
Essa barreira e a forma como as propostas educacionais estavam sendo
desenvolvidas afetavam a todos os envolvidos (alunos e professor), causando certo
desconforto e inquietação gerada pela circunstância. Essa situação provocou reflexões que
impulsionaram para uma avaliação da didática adotada, despertando, para um olhar mais
atento e crítico, em relação às metodologias aplicadas até aquele momento, o que inspirou
a busca por caminhos possíveis.
Sendo assim, a atual pesquisa foi uma das primeiras ações desse percurso, esmiuçando
novos instrumentos didático/metodológicos e conhecimentos mais aprofundados acerca
da temática que pudessem auxiliar na tarefa de incluir sem excluir. O resultado disso foi
trazer algumas atividades diferenciadas que proporcionaram aos alunos surdos participação
mais ativa e gradativa durante as aulas. É importante salientar que uma intérprete também
auxiliou no processo das atividades, já que as bolsistas e a professora titular não tinham
domínio de libras.

59
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Após vários estudos, percebermos a importância das histórias em quadrinhos (HQs)


no procedimento de assimilação dos alunos surdos, já que são visuais. Então, buscamos
utilizá-las como ferramenta no processo de ensino-aprendizagem.
Os resultados obtidos, com a utilização desse gênero, foram satisfatórios, pois,
o uso desse gênero textual proporcionou ao aluno êxito na compreensão do enredo da
história trabalhada, mesmo não conhecendo o significado de algumas palavras, o que não
comprometeu a compreensão global do texto.
Constatamos, também, que alguns alunos desenvolveram as tarefas mais rapidamente,
outros não. Contudo, importa ressaltar que as limitações individuais, próprias de cada um,
foram respeitadas.
Inicialmente, identificamos que, aquele “novo” recurso pedagógico, inserido para
ministrar a aula, foi difícil para os surdos, visto que, no cotidiano escolar, participar das
aulas de forma ativa, não acontecia comumente.
Na sequência, os alunos foram ficando mais à vontade e começando a interagir com
os alunos ouvintes, que auxiliaram os colegas com deficiência auditiva, ajudando-os no
desenvolvimento das atividades solicitadas. O que configurou numa troca de experiências e
de saberes que resultaram na motivação.
Segundo Bari (2015, p. 131), a leitura para o surdo não pode ser um mero exercício de
fixação da língua, mas tem de ser praticado com prazer, nos ambientes sociais, onde convive.
Então, associando fatores de acessibilidade, esquematização de conteúdos, prazer e gosto
pela leitura e socialização, as HQs pode ser um recurso mediador da língua portuguesa, na
situação do atendimento educacional especializado.
Compreensão essa que pudemos encontrar nas palavras manifestas pela professora
dessa turma do Pibid, ao demonstrar satisfação com o resultado obtido, a partir da
intervenção realizada pelos bolsistas. A regente considerou que, mesmo sendo um
pequeno passo, diante das dificuldades em lidar com alunos surdos, contribuiu para a
reflexão acerca do uso da Libras e de outros gêneros textuais que estimulem a leitura de
imagens, de palavras, de gestos, provocando mais atenção e participação em sala de aula
e sua importância para a inclusão desse público no processo ensino-aprendizagem com
mais qualidade e equidade.
Dessa experiência, pode-se extrair que na escola a Língua Brasileira de Sinais deve
ser considerada e adotada pelo professor (que deve se apropriar desse conhecimento) e,
sugeriríamos que também fosse ensinada aos demais estudantes da classe, a fim de garantir
a participação efetiva do aluno surdo, pois:

[...] o aluno surdo que usa a LIBRAS interage melhor com a turma [...] e,
sobretudo, com o seu professor (quando esses têm conhecimento sobre a
mesma e quando há um intérprete na sala de aula que auxilie esse diálogo).
Sem esses atributos, é impossível incluí-lo no ensino regular (BARBOSA
2007, p. 69)

À vista disso, percebemos o quão importante é o trabalho com metodologias


diferenciadas e adequadas para os surdos, dando a eles a oportunidade de aprendizagem e
interação com os demais alunos, como também, incluindo-os de fato na educação, pois essa

60
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

“metodologia diferenciada”, da qual fizemos uso, implicou na construção e apropriação do


saber específico, tendo em vista que a demanda dos alunos, do seu direito de ser tratado igual
e respeitado em suas diferenças e atendido, pedagogicamente, com qualidade de ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desse estudo, foram abordadas importantes considerações teóricas


e práticas que estão relacionadas ao aprendizado do aluno surdo. Esses conhecimentos
se tornaram necessários para dar sustentabilidade às nossas análises, e em particular, à
importância da Libras para o surdo na rede regular do ensino. Assim, baseada no levantamento
bibliográfico e nos objetivos propostos, foi possível perceber que a língua de sinais é de
grande importância para o desenvolvimento cognitivo e para o processo de aprendizagem
do sujeito surdo.
Percorrendo os períodos da história universal, desde os mais remotos tempos,
evidenciam-se teorias e práticas sociais segregadoras, inclusive, quando se trata do acesso ao
saber. A pedagogia da exclusão tem origens remotas, condizentes ao modo como estão sendo
construídas as condições de existência da humanidade em determinado momento histórico.
Na era atual, batizada como a era dos direitos, pensa-se, diferentemente, acerca das
necessidades educacionais específicas de alunos. A ruptura com a ideologia da exclusão
proporcionou a implantação da política de inclusão, que vem sendo discutida e exercitada
em vários países, inclusive no Brasil.
Hoje, a legislação brasileira posiciona-se pelo atendimento a esse público,
preferencialmente, em classes comuns das escolas, em todos os níveis, etapas e modalidades
de educação e ensino. Certamente, cada aluno requer diferentes estratégias pedagógicas,
que lhes possibilitem o acesso à herança cultural, ao conhecimento socialmente construído
e à vida produtiva para a inclusão no pleno exercício da cidadania.
Se, historicamente, são conhecidas as práticas que levaram, inclusive, à extinção e à
exclusão social de seres humanos considerados não produtivos, é urgente que tais práticas
sejam definitivamente banidas da sociedade humana e bani-las não significa apenas não
as praticar. Exige a adoção de práticas fundamentadas nos princípios da dignidade e dos
direitos humanos. Nada terá sido feito se, no exercício da educação e da formação da
personalidade humana, o esforço permanecer vinculado a uma atitude de comiseração,
como se os alunos com necessidades educacionais especiais, neste caso, os surdos, fossem
dignos de piedade.
A Libras configura-se um desafio ainda maior a cada ano. Muitos estudos, novos
pesquisadores e, com isso, novas hipóteses surgem. Mas, em meio a isso tudo, a verdade é
que os deficientes auditivos não podem mais esperar. Garantir uma educação de qualidade
que respeite sua limitação física é a única maneira de inseri-los na sociedade.
É preciso ter em mente, que sem conhecimento sobre a surdez e uma formação
específica na área de Libras é, praticamente, impossível aos professores realizarem a inclusão
do surdo na sala de aula. Infelizmente, a maioria deles não conhecem a língua própria dos
surdos, inviabilizando o processo de comunicação e interação entre professor e aluno, surdo
e ouvinte. Dessa forma, é imprescindível que o professor esteja aberto a mudanças para

61
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

atender a esse apelo da comunidade surda e das instituições de ensino. A começar pela
aprendizagem de uma nova língua e da mudança de práticas pedagógicas excludentes.
No cenário da inclusão que tanto se almeja, não cabe mais assistir um aluno surdo
frequentar as salas de aula, sem ter participação ativa; tentar ler os lábios do professor, sem
entender o que se diz, esperar os movimentos dos colegas para descobrir o que deverá ser
feito e reproduzir o que está no quadro, sem compreender o significado. Explicitamente,
isto não é inclusão. É urgente que a escola se comprometa com a inclusão plena do surdo,
compreendendo que, para isso, a adoção da língua de sinais como língua natural e sua
inclusão nos currículos são um dos principais movimentos neste sentido.
Esperamos que as medidas tomadas, em relação aos direitos do surdo, concretizem-
se na prática, abrangendo a todos que delas necessita. A escola deve buscar alternativas
e considerar indispensável o papel do intérprete como mediador no processo de ensino-
aprendizagem do educando surdo, no ensino de Libras como L1 ou L2. Bem como, considerar
que o professor precisa de formação e recursos didático-pedagógicos adequados para que o
surdo consiga adquirir o bilinguismo, não esquecendo que o aluno surdo clama para ter seu
direito de aprender garantido.
Além disso, esperamos que este estudo desperte reflexão nos educadores e futuros
educadores quanto à importância da formação em Língua Brasileira de Sinais e da inserção
de instrumentos pedagógicos adaptados e diversificados em sala de aula, como o que aqui
mencionamos, as HQs, recursos viáveis na mediação de leitura tanto para estudantes surdos,
como para estudantes ouvintes. Que a legislação se revele na prática, visto que, outrora,
os surdos já perderam muito tempo sendo segregados em escolas especializadas, que de
nada serviram e nada acrescentam ao conjunto necessário para a obtenção do seu pleno
desenvolvimento educacional.

REFERÊNCIAS

1. BARBOSA, M. A. A Inclusão do surdo no ensino regular: a legislação. Marília, 2007.


Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/artigos_
edespecial/surdo_sistemaregular.pdf - Acesso em: 19.5.2020.

2. BASSO, I. M. de S.; STROBEL, Karin Lilian; MASUTTI, Mara. Metodologia de Ensino


de Libras – L1. Florianópolis: UFSC, 2009. Disponível em: http://www.libras.ufsc.br.
Acesso em 11.7.2018.

3. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, 1988.

4. BRASIL. Decreto nº. 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436,


de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -Libras, e o art. 18 da
Lei no 10.098 de 19 de Dezembro de 2002. Brasília 2002.

5. BRASIL. Lei nº. 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


Apresentação: Esther Grossi. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

62
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

6. BRASIL. Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional. LDBEN, nº 9.394. Brasília:


Câmara Federal, 1996.

7. BRASIL. Lei nº. 10.436, de 24 de Abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília 2005.

8. _______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da


Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em 15 julho 2020

9. COSTA, O. S.; LACERDA, C. B. F. A implementação da disciplina de Libras no contexto dos cursos


de licenciatura. In: Revista IberoAmericana de Estudos em Educação, v.10, n.esp. p.759-772. 2015.

10. CRUZ, J. I G da e DIAS, T. R. da S. Trajetória escolar do surdo no ensino superior: condições


e possibilidades. Revista Brasileira de Educação Especial. 2009, vol.15, nº. 1, p. 65-80.

11. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/seesp/


arquivos/pdf/Salamanca.pdf.

12. DORZIAT, A. Metodologias especificas ao ensino de surdos: análise crítica. Revista


Integração, nº 18, 1997, p. 8-13.

13. __________. Concepções de Surdez e de Escola: ponto de partida para um pensar


pedagógico em uma escola pública para surdos. São Carlos / SP: Trabalho de Tese
(Doutorado), UFSCar (mimeo.), 1999.

14. GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva


sociointeracionista. São Paulo: Plexus editora, 2002, 172 p.

15. GUARINELLO, A. C. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo:


Plexus, 2007.

16. ISIDORIO, A. R. Inclusão: aulas de Libras (L2) para crianças ouvintes em uma escola
inclusiva no Programa Mais Educação. Revista de Cultura Surda, Editora Arara Azul,
nº 20, jan. 2016. Disponível em: http://editora-arara-azul.com.br/site/revista_edicoes.
Acesso em: 9 jul. 2018.

17. MARCHESI, A. Comunicação, linguagem e pensamento das crianças surdas. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1995.

18. MACHADO, P. C. A política Educacional de Integração/Inclusão – Um Olhar do


Egresso Surdo. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

19. MEDEIROS, H. F. Ensinando sons através de vibrações. Projeto de Instrumentação


para o Ensino de Física. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Física
Licenciatura em Física, 2011.

63
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

20. NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa, Educa. 2009. Cap. 1
Professores: O futuro ainda demora muito tempo? P. 9 – 24.

21. QUADROS, R. M. Situando as diferenças implicadas na educação de surdos: inclusão/


exclusão. Ponto de Vista, Florianópolis, nº 5, p. 81-111, 2003.

22. ______. Educação de surdos: efeitos de modalidade e práticas pedagógicas. In:


MENDES, E. G.; ALMEIDA, M. A.; WILLIAMS, L. C. A. (Org.). Temas em Educação
Especial: avanços recentes. São Carlos: Editora da UFSCar, 2004, p. 55-60.

23. RANGEL, G., STUMPF, M. R. – A pedagogia da diferença para o surdo. In. LODI,
A. C.B., HARRISON, K.M.P. e CAMPOS, S.R.L. (org) - Leitura e escrita no contexto da
diversidade. Porto Alegre. Editora Mediação, 2004, p.86-97.

24. SALLES, H.M.M.L. et.al. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a
prática pedagógica. Brasília: MEC, 2004, SEESP. V.1.

25. SCHELP, P. P. Praticas de letramento de alunos surdos em contexto de escola


inclusiva. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí, 2008.

26. SILVA, A. B. P; PEREIRA, M. C.C. O aluno surdo na escola regular: imagem


e ação do professor. Psic.: Teor. e Pesq.,  Brasília ,  v. 19, n. 2, p. 173-176,    2003
.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
37722003000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11  dez.  2020.

27. SKLIAR, C. Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos: processos e projetos


pedagógicos. Porto Alegre. Mediação1998

28. STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Trad. Magda
França Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

29. STREIECHEN, E. M. Língua Brasileira de Sinais: LIBRAS; ilustrado por Sérgio


Streiechen. Guarapuava: UNICENTRO, 2012.

30. XAVIER, A. N.; VIOTTI, E. Contribuições da Linguística Teórica para a educação de


surdos: primeiros passos rumo à descrição da estrutura fonológica da Língua de Sinais
Brasileira. In: FARIA, M. B.; CAVALCANTE, M. C. B. Desafios para uma nova escola: um
olhar sobre o ensino-aprendizagem de surdos. João Pessoa: Ed. Universitária da UFPB,
2011, p. 13-48.

64
6

Educação de surdos: repressões e conquistas1


Deaf education: repressions and achievements
Cristina Simone de Sena Teixeira(1); Francielly da Silva Oliveira(2);
Inalda Maria Duarte de Freitas (3)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8082-7478; CV: http://lattes.cnpq.br/8530177424957875 ;Mestranda
em Dinâmicas Territoriais e Cultura – PRODIC/ UNEAL. Professora efetiva da Rede Municipal de Ensino de
Traipu – Alagoas. E-mail: simonesos1@hotmail.com;
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3254-9263,cv:   http://lattes.cnpq.br/9831815970586516;
Especialista em Linguagem pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. Arapiraca, Alagoas; Brazil.
E-mail: francy.ely@hotmail.com
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8636-5964; CV: http://lattes.cnpq.br/4019879330387749 Professora
Dra. em Ciências da Educação revalidado pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Arapiraca, Alagoas.
Brazil. E-mail: inalda1150@hotmail.com

ABSTRACT: The present work presents a discussion about the “Milan Congress”, an event that took place
at a time when sign language was banned in the world and oppressed the deaf community, which has suffered
damage until today. With regard to pedagogical issues, as reflections refer to the use of the comic book genre
as a promising didactic tool for teaching the deaf, for its visual aspects facilitate the way of telling the story of
the education of the deaf, which approaches the linguistic aspects of sign language. The objective of the study
sought to highlight the importance of valuing deaf culture and broadening the concept of inclusion, reinforcing
the approach on the theme and the use of comic books (HQs), in the teaching-learning process. The work is
anchored in the theoretical contributions of Marcuschi (2002), Mirais (2009) Silva (2018), Almeida and Cézar
(2018), using the method of exploratory research and bibliographical survey on the history of the deaf and the
Milan Congress It is emphasized that this investigation was prompted in the context of the classroom, where
difficulties were experienced in the teacher / student interaction in the activities of the Portuguese language,
lost in a sense of failure in the job of using quality and equity for all. The results pointed out, among other
things, that comic books are stimulating and dynamic resources because they contain mixed language and
provide various types of reading and interpretation; that despite the advances achieved with the approval
of Law 10.436 / 2002, that recognizes the Brazilian Sign Language - Libras and other associated expression
resources as a means of legal communication and expression of the deaf, Educational systems continue to fall
short of fulfilling these essential basic rights and seem to be crawling slowly along that path.

KEY-WORDs: Historical landmark, Inclusion, Pedagogies

INTRODUÇÃO

A Lei 10.436/2002 reconheceu, oficialmente, a Língua Brasileira de Sinais - Libras,


no Brasil, denominando-a como “a forma de comunicação e expressão, em que o sistema
1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap6
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um


sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas
surdas do Brasil”.
Outras Leis, como a 11.796/2008, que instituiu o Dia Nacional dos Surdos no Brasil,
definindo que, no dia 26 de setembro de cada ano, deveria ser comemorado o Dia Nacional
dos Surdos; e a 12.319/2010, que regulamentou a profissão de tradutor de intérprete da
Libras veio para fortalecer os direitos da comunidade surda em todo território nacional.
Entretanto, as contribuições dessa legislação, desenvolvimento e adoção de estratégias
fundamentais para tornar a comunicação dos surdos mais acessível, parece ser um sonho
ainda distante. As escolas recebem as crianças surdas, mas não dão conta de ofertar o
ensino necessário nem a sua aprendizagem. A problemática, na maioria dos casos, reside na
ausência de mão de obra especializada para o trabalho necessário a esse público.
É histórico o desafio da educação dos surdos e suas raízes estão enfincadas num
passado sombrio, onde as pessoas surdas foram recorrentemente excluídas do convívio
social durante séculos. No contexto, o percurso educacional formam três correntes
metodológicas ou filosóficas: o oralismo (defendido no Congresso Internacional de
Educação de Surdos em Milão, Itália, em 1880, que propunha desenvolver a fala em pessoas
surdas, a comunicação total e o bilinguismo); a comunicação total (complementando o
oralismo, consistia em usar qualquer que fosse a forma para resgatar a comunicação de
pessoas surdas. Eram usadas as mímicas, os gestos, a linguagem de sinais e a leitura
labial) e o bilinguismo (fazia uso da oralidade junto aos demais tipos de comunicação
de forma simultânea, o uso combinado de fala e a linguagem de sinais dificultavam o
processo de aprendizagem).
A partir desse contexto, importa elucidar que a Libras nada se relaciona com a Língua
Portuguesa, visto que, as línguas de sinais possuem regras próprias e estrutura diferenciada,
o que significa que a Língua Brasileira de Sinais deve ser classificada como um idioma
próprio e independente, distante de ser um simples desdobramento da Língua Portuguesa.
Nesse percurso que traça fases importantes do processo histórico educacional das
pessoas surdas, chega-se aos dias atuais e neles, o incômodo e sensação de impotência em
desenvolver o ofício de ensinar, como também alcançar a todos com a eficácia e qualidade
que se deseja.
O presente trabalho surge como meio de expor a problemática para além das paredes
da escola em que atuamos, buscando subsídios na literatura para lidar com a fundante
tarefa de incluir sem excluir as pessoas com surdez. Desses estimulantes, nasceu a pesquisa
bibliográfica que deu origem a essa discussão e à idealização de atividades que portem a
HQs para os alunos surdos e ouvintes, visando, assim, a participação dos mesmos em sala
de aula, o aprendizado e a inclusão.
Para tanto, evocamos teóricos e estudiosos da área e legislação na tentativa de adentrar
por outras experiências e aprofundar o conhecimento a esse respeito.

A discussão inicia-se com uma breve explanação sobre “o Congresso de Milão”,


uma conferência que representou um momento obscuro da história dos surdos ao concluir
que a educação oralista seria a mais apropriada em relação à língua gestual.

66
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Na sequência, trata-se sobre “Recursos de divulgação no Congresso de


Milão”, na qual os autores abordam a história dos surdos e reflexões a respeito de recursos e
ferramentas de aprendizagem que ajudam o professor no ensino bilíngue, mostrando razões
para adotar o gênero textual História em quadrinhos – HQs, na prática pedagógica, como
leituras atrativas para os estudantes.
A terceira seção discorre, especificamente, sobre “o Gênero histórias em quadrinhos
(HQs)”, onde proporcionamos uma breve discussão envolvendo teóricos e estudiosos como:
Marcuschi (2005), Bakhtin (2000), Mirais (2009), Cesar (2015) entre outros.
Na quarta seção, apresenta-se a “Educação Inclusiva” como um dos temas
que estão no cerne dos debates e a escola com a imprescindível função de evitar práticas
discriminatórias, como também responsável por criar alternativas para superá-las.
Na quinta seção, explana-se que o método de coleta de dados foi de cunho qualitativo,
por meio de levantamento bibliográfico, numa abordagem exploratória e interpretativa
sobre a história dos surdos. O percurso metodológico iniciou-se pela experiência com aluno
surdo em sala de aula que gerou questionamentos, reflexão, busca de aprimoramento em
curso de Libras ofertado pelo Centro de Atenção às pessoas com Surdez – CAS e construção
do presente trabalho.
Por fim, tece-se algumas considerações a respeito do tema tratado, apontando que,
apesar dos avanços conquistados com a aprovação da lei 10.436/2002 e do Decreto-lei nº
5.626/2005, os sistemas educacionais continuam aquém do cumprir os direitos básicos
essenciais dos surdos.

O CONGRESSO DE MILÃO

O Congresso de Milão foi um evento internacional, ocorrido no ano de 1880, para


educadores de estudantes surdos. Uma conferência que representou um momento obscuro
da história dos surdos ao concluir que a educação oralista seria a mais apropriada em
relação à língua gestual. Foi nesse congresso, organizado, patrocinado e conduzido por
muitos especialistas ouvintistas (todos defensores do oralismo puro), que houve uma
votação proibindo, oficialmente, a língua dos sinais na educação de surdos. Nenhuma
outra ocorrência, na história da educação de surdos, teve tão grande impacto nas vidas e na
educação desses povos.
Nessa época, rememora Cristiano (2017), acreditava-se na superioridade da língua falada,
considerando as línguas gestuais (quase extinta) um retrocesso na evolução da linguagem.
Dos países participantes, consoante aos dizeres de Strobel (2009, p. 29), os únicos
contra a proibição da língua de sinais eram os Estados Unidos e Grã Bretanha num evento
que prenunciava a vitória do oralismo puro em razão do predominante número de ouvintistas
presentes. A autora ressalta que “havia professores surdos também, mas suas ‘vozes’ não
foram ouvidas e excluídas de seus direitos de votarem”. Desse Congresso, resultaram oito
resoluções que garantiam a hegemonia do oralismo.
Passado o evento, o método oral foi adotado pela maioria dos países. A língua de sinais
foi proibida oficialmente. As consequências foram nefastas para a educação dos surdos, que
perderam na qualidade do ensino, resultando em estudos com qualificações inferiores e

67
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

habilidades sociais limitadas. Alguns dos efeitos negativos resultantes do oralismo e práticas
educacionais referentes a esse referencial são apontados por Lacerda (1998), a autora explica
que “a maior parte dos surdos profundos não desenvolveu uma fala socialmente satisfatória
[...] o desenvolvimento era parcial e tardio [...], implicando um atraso de desenvolvimento
global significativo”.
Quadro esse também visualizado por Skliar (2005). Ele corrobora com tal
caracterização e complementa que o evento foi “um marco histórico que cristalizou a
hegemonia do ouvir e do falar, e que se desdobrou em uma série de reformulações nas
estruturas, nos currículos e nas metodologias de várias instituições de então”.
Cabe lembrar que, após um século, as resoluções do Congresso de Milão e a
reestruturação da educação dos surdos foram sofrendo forte rejeição, culminando no 21º
Congresso Internacional de Educação de Surdos, em julho de 2010, quando as oito resoluções
do Congresso de Milão foram rejeitadas, um prenúncio das lutas surdas pela manutenção e
reconhecimento de sua cultura.
A seguir, proporcionamos uma reflexão a respeito de um trabalho de investigação
desenvolvido em nível de pesquisas ligadas ao curso de licenciatura Letras Libras da
Universidade Federal do Paraná sobre o projeto institucional “Gêneros textuais e o ensino
para surdos” da UFPR (BANPESQ/THALES 20160221902), cujos dados apresentados são
resultado final do projeto de iniciação científica intitulado “História da Educação de surdos
contada em HQ”.

RECURSOS DE DIVULGAÇÃO NO CONGRESSO DE MILÃO

A partir dos resultados obtidos no trabalho de investigação sobre gêneros textuais e


o ensino para surdos” da Universidade Federal do Paraná, percebemos que o Congresso de
Milão foi o principal estímulo para a construção da história em quadrinhos idealizada por
Almeida (2016).
Inicialmente, Danilo Silva (2018) caracteriza a História em Quadrinhos como um
material didático, educacional e interdisciplinar centrada em narrar, visualmente, 100 anos
de repressão das línguas de sinais no mundo. O autor acentua que a eficácia da linguagem
dos quadrinhos no contexto diário e educacional, somada às preocupações e adaptações
realizadas pelos autores Cezar e Paulinho (2018) vão ao encontro dos aspectos visuais das
línguas de sinais e aproximam a leitura da cultura surda, como também dos curiosos na área.
Silva (2018) contextualiza o tema com o intuito de evidenciar sua relevância,
relatando que o Congresso de Milão discutiu metodologias de ensino para surdos. O autor
explica que essa conferência internacional de educadores de surdos aportou uma disputa
entre dois métodos:

A primeira era entre o método do conceito de língua de sinais liderado por


Abbe L’Eppe, conhecido como método francês, e o Oralismo, e a segunda, o
conceito definido por Samuel Heinicke como método alemão. O objetivo foi
discutir e definir a escolha do método para a educação de surdos. O método
oral foi o mais votado para ser adotado por escolas de surdos. Com essa
escolha, a língua de sinais foi banida das escolas. A maioria dos votos pelo
método oral foi dada por ouvintes, por desconhecerem a importância das

68
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

línguas de sinais para os surdos. A maioria dos presentes no Congresso de


Milão acreditava que a língua de sinais era a causa da violação das habilidades
orais das pessoas surdas. Alegava-se que as pessoas surdas tinham “preguiça”
de falar e preferiam usar a língua de sinais (SILVA, 2018, p. 5).

Silva (2018) destaca que, em todo mundo, a língua de sinais foi proibida durante
cem anos e, dessa forma, “os sujeitos surdos ficaram subjugados às práticas ouvintistas,
tendo que abandonar sua cultura e sua identidade surda, obrigados a se submeterem a uma
‘etnocentria ouvintista’, sendo forçados a imitá-los e a se esforçarem em parecer ouvintes”
(STROBEL, 2006, p. 247).
Tal situação levou a medicina a considerar a “surdez como uma doença e os surdos
como deficientes” e, consequentemente, a necessidade obrigatória de tratamento. Assim, a
medicina passou a focar na correção da audição, ignorando a pessoa surda e sua cultura-
língua-educação. Desse modo, as instituições educacionais iniciaram um trabalho de
“reabilitação auditiva, focada apenas no falar e ouvir dos alunos surdos, esquecendo o valor
da educação para o desenvolvimento cognitivo e o raciocínio”, como explica Silva (2018).
Essa concepção clínica induziu às escolas a desprezar o método da língua de sinais que vinha
utilizando e aderir ao método oral.
Cabe, diante de tal contexto, sublinhar o sofrimento dos sujeitos surdos que, durante
um século, não puderam desenvolver a sua língua. Tiveram suas habilidades podadas,
vivendo sufocados e aprisionados a uma língua que não era a deles e a qual não tinha a
mínima condição de aprender por conta de suas especificidades. Foi uma negligência
mundial a esses sujeitos.
Um cenário que reforça o quão importante foi transformar o conteúdo do Congresso
de Milão em quadrinhos, destacando o centenário de opressão dos surdos no mundo e a
preocupação em criar materiais bilíngues para estas pessoas.
Ao se referir à opção pelo gênero textual história em quadrinho na educação desses
sujeitos, Silva (2018) justifica que “se deve a uma preocupação real dos aspectos culturais,
linguísticos e históricos que envolvem toda e qualquer forma de aprendizado, com destaque
às narrativas visuais para os surdos”.
Percorrendo no viés da relevância da HQ no desenvolvimento cognitivo dos surdos,
cabe considerá-la “um gênero promissor para uso didático no ensino para surdos, visto
que, é definida como uma forma de expressão artística, em que a estimulação visual
prevalece” (CEZAR; ALMEIDA, 2016), visão essa reforçada nos argumentos de Silva
(2018, p. 6) ao ressaltar que os “Gêneros textuais em HQ tomam forma diferente, porque
a língua de sinais é uma língua visual-espacial e, portanto, contém formas de expressão
que o espectador pode apreciar, usando, principalmente, sua experiência visual e cultural
(dos surdos)”.
Para esses autores, abordar a história dos surdos leva à reflexão sobre os recursos e
ferramentas de aprendizagem que ajudam o professor no ensino bilíngue. Mostra uma das
principais razões para adotar as HQs, na prática pedagógica, por serem leituras atrativas
para os estudantes. A esse respeito, Vergueiro (2010) contribui apontando algumas de suas
importâncias no contexto escolar:

69
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

i.) Os estudantes querem ler os quadrinhos; ii.) Palavras e imagens, juntos,


ensinam de forma mais eficiente; iii.) Existe um alto nível de informação nos
quadrinhos; iv.) As possibilidades de comunicação são enriquecidas pela
familiaridade com as histórias em quadrinhos; v.) Os quadrinhos auxiliam
no desenvolvimento do hábito de leitura; vi.) Os quadrinhos enriquecem o
vocabulário dos estudantes; vii.) O caráter elíptico da linguagem quadrinística
obriga o leitor a pensar e imaginar; viii.) Os quadrinhos têm um caráter
globalizador; ix.) Os quadrinhos podem ser utilizados em qualquer nível
escolar e com qualquer tema (VERGUEIRO, 2010, p. 21-25).

Esse leque de motivações amplia o interesse dos alunos, bem como, enriquece a
comunicação, auxiliando na compreensão dos significados. Cabe mencionar que o uso das
HQs é prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9394/96 e
que a oficialização do uso desse gênero ocorreu de forma mais sistemática nos Parâmetros
Curriculares Nacionais – os PCNs.
Por fim, Almeida e Cézar (2018, p.10) apresentam o material bilíngue para surdos que
objetivou narrar, visualmente, o tema mundial “Congresso de Milão”, reportando-se à época
em que se proibiu a língua de sinais no mundo e oprimiu a comunidade surda, que sofre
danos até os dias atuais. Além disso, os autores ressaltam os resultados pretendidos com
esse trabalho sublinhando suas contribuições acadêmicas, científicas e social:

Acadêmicas - incentivar alunos de graduação a trabalhar com temas e com


gêneros que mais se identificam, como também, envolver mais alunos nessa
temática sem considerá-la uma “brincadeira”, “diversão” sem fim teórico.
Científicas e social: a divulgação de um e-book em preto e branco, com a
formatação para impressão, leva em consideração os pressupostos teóricos da
democratização do ensino, função que as HQs têm por natureza (ALMEIDA;
CÉZAR, 2018, p.10)

Contudo, Cézar e Paulino (2018, p.10) acentuam que,

A HQ criada não se trata de um material milagroso ou de uma receita para o


ensino do tema em questão, mas sim de um instrumento de trabalho possível
que depende do processo de interação e envolvimento do professor-aluno e o
uso desse gênero em sala de aula.

Dessa forma, enxerga-se que a expectativa é que o citado instrumento venha enriquecer
a prática pedagógica e estimular reflexões, metodologias diferenciadas e, como objetivaram
Cézar e Paulino (2018, p.10), “contribuir nos aspectos acadêmicos e científicos” para que
haja aprofundamento desse conhecimento, adequação e elaboração de métodos outros que
venham auxiliar na tarefa de educar, ensinar e aprender. Considerando que,

[...] um dos preceitos da filosofia bilíngue é a de que os surdos são sujeitos


singulares com sua própria língua e cultura [...] não necessitam ser
comparados aos ouvintes, pois possuem oficialmente / reconhecidamente
sua língua, que é a língua de sinais, e fazem parte de uma cultura, na qual
as experiências visuais são marcas de sua identidade (MIRAIS, 2009, p. 4).

70
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Assim, o que os surdos necessitam, na verdade, é serem vistos como eles próprios,
com suas particularidades, culturas e com respeito, pois, como qualquer outra pessoa, eles
apresentam dificuldades e facilidades no aprender alguma coisa. Ninguém é hábil em tudo,
porque cada pessoa é única mesmo nas diferenças.
O contexto que se apresenta evoca uma discussão sobre o gênero textual história em
quadrinhos a (HQs) com o intuito de aprofundar o conhecimento a esse respeito e atender
às necessidades específicas da pessoa surda para obter aprendizagem significativa. O gênero
é considerado um recurso interdisciplinar com contribuições relevantes, em especial, para o
ensino de línguas, como veremos a seguir.

O GÊNERO HISTÓRIAS EM QUADRINHOS (HQs)

A percepção de mundo do surdo é realizada pelo tato e, principalmente, pela visão.


Então, por que não relatar a história da educação de surdos por meio de um instrumento que
os identifica: as HQs?
Sabe-se que a referência visual veicula as mensagens de forma dinâmica e
interativa desde sua aceitação até os aspectos metodológicos que envolvem o seu ensino
e aprendizagem.
Nesse viés, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 26) dizem que “o texto se
organiza dentro de um determinado gênero”. Logo, cada enunciado utilizado em interações
sócio comunicativas está inserido em algum gênero discursivo. Segundo Marcuschi (2005):

Os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à


vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para
ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades
sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer
situação comunicativa (MARCUSCHI, 2005, p.19).

A partir do que nos coloca o autor, compreendemos que os gêneros textuais estão
contidos na nossa vida cotidiana e que não nos comunicamos a não ser por algum gênero
textual. Entendimento que podemos encontrar na teria dos gêneros do discurso de Bakhtin,
quando sublinha que [...] Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos,
se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase
impossível (BAKHTIN, 2000: 301-302).
Os argumentos postos permite-nos reconhecer a relevância do emprego do gênero
HQs, que ilustrou o Congresso de Milão numa narrativa que facilitou o entendimento dos
surdos pela vantagem das várias leituras que se pode extrair. São palavras, expressões,
formato dos balões, imagens, contexto usados para abarcar a atenção do leitor, seja ele um
ouvinte ou um surdo.
Além disso, o gênero desperta o interesse dos estudantes de todas as idades.
Considerações essas que se fortalecem nos dizeres de Cézar (2015) ao enfatizar que os
gêneros textuais se apresentam como um dos recursos de ensino-aprendizagem mais
eficazes para o ensino de surdos e para promover a reflexão sobre o funcionamento da
língua brasileira de sinais.

71
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Ramos (2014) corroborando com o autor, complementa suas considerações e classifica


os quadrinhos como um riquíssimo material de apoio didático, por propor aos alunos um
bom debate e um maior aprofundamento do que seja o uso da língua.
As HQs cabem lembrar, dá ênfase ao aspecto visual, sendo de grande interesse dos
aprendizes surdos, podendo propiciar o fortalecimento do hábito de ler. De acordo com
Barbosa (2004, p. 22), “Palavras e imagens, juntos, ensinam de forma mais eficiente – a
interligação do texto com a imagem, existente nas histórias em quadrinhos, amplia a
compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos códigos, isoladamente, teria
dificuldades para agir”.
Assim, vê-se que a junção da palavra e a imagem podem ampliar o raciocínio, a visão,
as possibilidades de melhor a interpretação de textos, sejam os alunos surdos ou não, pois
existe uma interligação entre ambos.
Mirais (2009) também foca a importância das HQs no processo didático pedagógico
quando afirma que:

A linguagem característica dos quadrinhos e os elementos de sua


semântica, quando bem utilizados, podem ser aliados ao ensino. A união
do texto e desenho consegue tornar mais claro, para a criança, conceitos
que continuariam abstratos se confinados unicamente a palavra (MIRAIS,
2009, p. 4).

Portanto, a HQ configura-se uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento


da L2 dos alunos surdos, assim como dos demais alunos no processo de leitura, pois os
quadrinhos proporcionam um maior número de pistas contextuais. Lembrando que a língua
de sinais (Libras) é a língua natural dos surdos (L1) e, a partir dela, tem-se o ensino da
segunda língua (L2), no caso do Brasil, a língua portuguesa.
Como se vê, as HQs são uma das mais ricas e produtivas formas de expressar diversas
temáticas, e na qual se faz presente a relação entre palavra – imagem e diferentes leituras,
principalmente, quando essas são utilizadas como canais de interação social, de construção de
conhecimento e de inclusão do aluno surdo nas atividades da sala de aula, com oportunidade
equânime de aprendizagem numa educação inclusiva.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A educação inclusiva pode ser idealizada como a competência de aproximar a todos,


independente de suas condições, o que possibilita uma revisão de nossas práticas, para
assim, construir a escola da diversidade.
Na escola de todos, não há espaço para práticas que estabeleçam o domínio de
aprendizagem de todos da mesma forma. A inclusão acontece por meio de acesso a um
currículo flexível e adaptado, atividades e materiais diversificados.
Martins (2006) considera alguns elementos fundamentais para que a escola seja
aberta a todos:

*Adoção efetiva de políticas inclusivas;


*Gerar mudanças na escola para que atenda as necessidades de todos;

72
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

*Levar os professores à reflexão sobre seu compromisso com a aprendizagem


de todos, preparando-os para ensinar;
*Possibilitar que os alunos especiais possam sentir-se integrados à escola,
“aceitos e apoiados por seus pares e pelos demais membros da escola”
(MARTINS, 2006, p.19, grifo do autor).

A inclusão educacional abrange novos recursos físicos, materiais, atitudes, um


currículo multicultural que seja aberto e acessível à diversidade. É muito comum
encontrarmos nas escolas regulares práticas de exclusão e representação em relação aos
alunos especiais, por serem diferentes dos alunos considerados “normais” (VAGULA;
VEDOATO, 2014, p. 04).
Vagula e Vedoato (2014, p. 04) destacam ainda que, “muitas vezes associam a
diferença a doenças e anormalidades ou esse indivíduo passa a ser considerado incapaz de
aprender”, isso pode acontecer pelo fato do despreparo dos profissionais para lidar com
essa diversidade na sala de aula. É importante que se pense e repense sempre no cotidiano
escolar, possibilitando transformações no projeto educacional e mudanças relevantes para
incluir esses alunos especiais.
Em se tratando dos alunos surdos, a inclusão, na sala de aula, torna-se um desafio
ainda maior, pois o processo de estudo e reconhecimento da Libras no Brasil e nos outros
países são recentes, como cita Vagula e Vedoato (2014, p.156).

A Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida como meio legal de


comunicação e expressão das comunidades surdas no Brasil pela Lei nº 10.
436, de 24 de abril de 2002, sendo regulamentada somente três anos mais
tarde pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.

Ressaltando a citação das autoras, vale destacar que, ainda sendo uma língua
considerada nova, a Libras não lhe confere o título de língua menos desenvolvida, pois:

Há várias pesquisas no Brasil sobre ela e as medidas aplicadas pelo Decreto


nº 5.626/05 favorecem sua disseminação, principalmente no âmbito
educacional, e contribuem para que aos poucos as concepções inadequadas
cedam lugar ao conhecimento e valorização dessa língua (VAGULA;
VEDOATO, 2014, p. 156).

Dessa forma, percebe-se o quanto é importante que o conhecimento da Libras seja


estendido aos professores, seja com cursos de capacitação ou enfatizando de forma mais
pertinente à disciplina nos cursos de graduação, para assim, darem o suporte necessário a
seus alunos surdos, corroborando para o ensino-aprendizagem.
A prática de inclusão leva crianças, adolescentes e adultos a aprenderem a conviver
com a diversidade, adquirindo experiências que atribuem suporte ao enfrentamento do
preconceito. Para isso, precisamos que as escolas aprendam a conviver, equilibradamente,
com as diferenças, oferecendo a seus alunos uma educação de qualidade, que seja harmônica
com o que retrata os princípios do modelo da inclusão que se efetivou no século XX.
Sabe-se que, por muito tempo, as pessoas com necessidades especiais foram exclusas
da sociedade, geralmente, sem oportunidades que pudessem incluí-las no âmbito social

73
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

do qual faziam parte, pois eram vistas como pessoas improdutivas, incapazes, deficientes
intelectuais e físicas, e por isso, mantidas isoladas.
A história mostra essa verdade que, ao longo dos séculos, essa realidade foi se
modificando gradativamente e, nos séculos XVII e XVIII, as pessoas com deficiências
começaram a ser valorizadas como ser humano, a partir da consideração de sua patologia.
Entretanto, foi somente a partir do século XIX que foram criadas as primeiras instituições
para os deficientes, mas ainda, com a oferta de atendimento precário, digno do paradigma
da exclusão.
Vagula e Vedoato (2014) destacam que, por volta de 1950, foram criadas as escolas
especializadas e as classes especiais em uma perspectiva assistencialista e com a atuação das
instituições filantrópicas. As autoras ainda acrescentam que:

No início do século XX, a segregação passa a dar lugar à integração,


predominando atitudes de educação /reabilitação, onde ocorre a
preocupação com a aprendizagem de alunos com deficiência. Com essa
proposta, na década de 70 os alunos passam a frequentar a escola regular,
momento cercado por produções na área da Psicologia e Pedagogia
(VAGULA; VEDOATO, 2014, p. 13).

Pode-se notar, então, que a duras penas, a educação inclusiva sofre avanços significantes
no decorrer de seu surgimento. Mesmo com a decadência das instituições do século XIX,
esse preceito de educação inclusiva não foi esquecido ou banalizado, sendo reformulado e
implementado nas escolas regulares.
No Brasil, após muitos fracassos na implantação das instituições escolares destinadas
a pessoas com deficiência, entre 1930 e 1940, expandiu-se, consideravelmente, o número
de instituições dedicadas ao atendimento dos alunos com necessidades educativas especiais
(BUENO, 1993, p. 90), contudo:

A quase totalidade dessas instituições, na maioria das vezes ligadas


as origens religiosas, revestia-se de caráter filantrópico-assistencial,
contribuindo para que a deficiência permanecesse no âmbito da caridade
pública e impedindo, assim, que as suas necessidades se incorporassem no
rol dos direitos de cidadania (BUENO, 1993, p. 90).

Nesse contexto, percebe-se que as inclusões dos indivíduos com necessidades


especiais ainda não estavam embutidas no âmbito escolar de forma que os envolvessem, no
ensino aprendizagem, produtivamente, mas apenas relacionados à caridade.
O atendimento a deficiência mental também se ampliou no Brasil, como as seguintes
instituições: Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (Belo Horizonte, 1932); Fundação Dona
Paulina de Souza Queiroz (São Paulo, 1936); Escola Especial Ulisses Pernambucano (Recife,
1941), Escola Alfredo Freire (Recife, 1942); Instituição Beneficente Nosso Lar (São Paulo,
1946); Escolinha de Arte do Brasil (Rio de Janeiro, 1948) e Escola Professor Alfredo Duarte
(Pelotas, 1949).
Muitas conquistas da educação inclusiva também vieram através dos seguintes
Decretos: Campanha para Educação do Surdo Brasileiro – CESB (Decreto nº 42.728,
de 03/12/57) (BRASIL, 1957), a Campanha Nacional de Educação dos Cegos – CNEC

74
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

(Decreto nº 44.236, de 31/05/60) (BRASIL, 1960a) e a Campanha Nacional de Educação


e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME (Decreto nº 48.961, de 22/09/60)
(BRASIL, 1960b).
No que se refere à Língua Brasileira de Sinais, que passou a ser mais um alvo de
estudos linguísticos no Brasil, seu progresso foi gradativo e enfrentou muitos conflitos para
conquistar seu espaço. Após muitos estudos linguísticos, a Libras passou a ser considerada
não mais um problema dos surdos ou uma patologia da linguagem, mas como línguas
naturais ou como um sistema linguístico legítimo.
Assim, a Libras hoje é considerada uma língua legítima e indispensável para aquisição
de conhecimento da criança surda, desempenhando importante função como estruturante
do pensamento, base essencial para o desenvolvimento cognitivo da criança surda e para a
formação da sua identidade.
Diante das muitas conquistas na educação inclusiva, a qualidade, no atendimento,
foi se aprimorando. Hoje, as instituições de ensino são orientadas a tornar o espaço escolar
o menos restrito possível, porém, ainda está em um processo de transição de um modelo
parcial de inclusão para a inclusão total.
Notadamente, na sociedade contemporânea, a educação inclusiva é um dos temas que
estão no cerne dos debates. A escola aparece com a imprescindível função de evitar práticas
discriminatórias e criar alternativas para superá-las.
Os avanços são significativos no processo de inclusão educacional, entretanto, a
realidade ainda é de “exclusão velada”. As escolas matriculam alunos surdos na modalidade
regular, porque a lei dá garantias de que “a pessoa com deficiência tem direito à educação
pública e gratuita preferencialmente na rede regular de ensino e, ainda, à educação adaptada
às suas necessidades educacionais especiais” (BRASIL, 1996), porém, na maioria das vezes,
essas instituições não possuem a mínima estrutura para alfabetizar uma criança surda,
tampouco dar viabilidade de progressão escolar. É nesse sentido que Carvalho (2012) se
refere ao dizer que:

Atualmente, as escolas tanto da rede pública quanto privada, baseiam-se


no ato de inserir os surdos nas classes regulares, para terem uma educação
semelhante à dos ouvintes e oferecerem igualdade de oportunidades.
Infelizmente, essas mesmas escolas não estão preparadas para tratar esses
alunos com igualdade, até porque eles não são iguais aos ouvintes, pois
possuem necessidades diferentes (p. 04-05).

Para a autora, o problema não reside na inserção dos alunos surdos nas turmas
regulares, mas na ausência de estrutura e preparo específico de seus profissionais,
necessários ao atendimento desse público. É preciso, antes de tudo, que ao matricularem
e incluírem esses alunos em salas de aulas regulares, os educadores dessas instituições
tenham o cuidado de não interpretarem erroneamente a questão da igualdade, tendo
em mente que essa se refere a condições de aprendizagem. Mais importante do que
inserir um estudante em uma sala de aula regular, é fornecer as condições necessárias
com metodologias adaptadas para que esse possa alcançar o aprendizado, assim como os
demais estudantes.

75
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Dentre algumas dificuldades que as escolas encontram, na inclusão dos alunos surdos,
nas salas regulares, Carvalho (2012) destaca “a escassez de pessoas capacitadas a atuar como
intérprete dentro das escolas” sendo uma das mais evidentes, a autora diz ainda que esse
aspecto se dá pelo seguinte motivo:

No Brasil, poucos têm formação específica para serem intérpretes, mesmo com
o crescimento do número de cursos oferecidos, já que eles se concentram nos
grandes centros, atingindo um número restrito de pessoas. No interior esse
quadro é ainda mais crítico, já que esse tipo de atividade exige dedicação,
estudo contínuo e grande disponibilidade de tempo (CARVALHO, 2012, p. 05).

Assim, atentos à discussão ora exposta, pode-se fazer um link com a realidade dos
contextos educacionais dos quais todos, de alguma forma, fazem parte. Seja no exercício
da docência, seja na condição de estudantes, seja na condição de cidadão dotado de direito
e deveres. O que aqui impera é perceber que esses entraves na educação dos alunos com
necessidades especiais, abre-se um parêntese para os surdos, existem e precisam de solução.
As leis estão aí, foram conquistadas, muito se sofreu para alcançá-las, contudo, por si só, elas
não se realizam. Elas precisam sair do papel e se concretizarem, mas, para isso, precisa-se
de pessoas (educadores, governantes) que as pratiquem e as proporcionem a quem lhe é de
direito para que a inclusão realmente aconteça.

MATERIAL E MÉTODOS

O método de levantamento de coleta de dados foi de cunho qualitativo, por meio de


levantamento bibliográfico, numa abordagem exploratória e interpretativa sobre a história
dos surdos sua relação com o Congresso de Milão, como também o gênero textual História
em Quadrinhos.
A pesquisa exploratória é, em sua essência, um levantamento bibliográfico, pois
consoante às explicações de Prodanov e Freitas (2013, p. 51-52), tem como finalidade
“proporcionar mais informações sobre o assunto que vamos investigar, possibilitando sua
definição e seu delineamento”, o que se alinha ao percurso metodológico trilhado, nesse
estudo, que teve início na prática da sala de aula, na experiência com aluno surdo, que
estimulou a participação em curso de Libras ofertado pelo Centro de Atenção às pessoas
com Surdez – CAS, no município de Arapiraca, Alagoas, onde ocorreu o primeiro contato
com a língua de sinais e a história em quadrinho que narrou o Congresso de Milão e suas
consequências.
A leitura dessa obra estimulou revisão de literatura a respeito da história da
educação dos surdos e do gênero textual HQs, como também, consequentemente, a
produção desse artigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tentativa de fixação de uma identidade ouvinte, nos sujeitos surdos, foi ferrenha e
posicionou-os num espaço que impossibilitava seu progresso cognitivo. As palavras ditas e
expressas por suas mãos foram silenciadas por longo tempo em consequência do “holocausto

76
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

linguístico, cognitivo e cultural” (Skliar, 2005, p.16), oriundo do Congresso de Milão, que
instituía o Oralismo como melhor e único sistema para a educação dos surdos.
A presente discussão traz robustos argumentos que apontam o gênero textual HQs,
como um importante instrumento para o trabalho com esses estudantes, pois traz uma
linguagem mista, que fala através de imagens, expressões, palavras, provocando a sensação
de prazer e estimulando a emoção.
Aponta que, apesar dos avanços conquistados com a aprovação da lei 10.436/2002 e
do Decreto-lei nº 5.626/2005, que reconhece a língua brasileira de sinais - Líbras e outros
recursos de expressão a ela associados como meio legal de comunicação e expressão dos
surdos, os sistemas educacionais continuam aquém do cumprir esses direitos básicos
essenciais, como também parecem engatinhar, morosamente, nesse percurso. Contudo, não
deixa dúvidas de que essas conquistas precisam chegar a quem lhes é de direito.
Atualmente, o surdo é reconhecido em suas especificidades, mas o atendimento às suas
necessidades é tímido e construir conhecimentos acerca de práticas educacionais específicas
para o aluno com surdez, com enfoque no ensino-aprendizagem, é de urgente necessidade.
Não se pode atribuir tamanha responsabilidade somente ao professor. Ele não pode
tudo sozinho. Precisa de apoio, de formação continuada que subsidie sua prática pedagógica
especializada. O desafio está posto. Reinventar-se é a palavra de ordem para ele, em favor do
seu aluno e da sua própria consciência.
Estamos diante de seres de linguagens híbridas, ouvintes e surdos, com necessidades
comuns: a comunicação, numa busca constante e necessária pelo conhecimento. Pois há os
que falam com as mãos, os que ouvem com os olhos, os que silenciam com a boca, mas todos
eles (nas suas diferenças) clamam numa só voz pelo direito de iguais oportunidades. Nada
além do possível, do que se situa no campo da respeitabilidade, lugar de onde tudo deve
começar e permanecer.
Assim, chegamos ao ponto que pretendíamos: provocar reflexões sobre a valorização
da cultura surda e sobre o conceito de inclusão, abordamos sobre os efeitos do Congresso
de Milão e o uso das histórias em quadrinhos (HQs) no processo ensino-aprendizagem,
lançamos um olhar sobre essa metodologia diferenciada e promissora. Esperamos
estimular novos olhares para a temática, como também contribuir nos aspectos acadêmicos
e científicos, para que outros, assim como nós, possam encontrar na literatura e no teor
dos nos nossos escritos, métodos outros que possam auxiliar na incrível dinâmica do
aprender para ensinar, ensinar para aprender. Não estamos encerrando a discussão,
estamos estimulando uma nova.

REFERÊNCIAS

1. ALMEIDA, L. G. P.; CEZAR, K. P. L. O congresso de Milão. Araraquara: Letraria, 2018

2. BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 8ª ed. São Paulo: Hucitec, 1997


(VOLOCHINOV, V. N).

3. ––––––. Os gêneros do discurso. In: –––. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 277-326.

77
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

4. BARBOSA, A.; VERGUEIRO, W. (orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos em sala


de aula. São Paulo: Contexto, 2004.

5. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. Brasília, 1996.

6. BUENO, J. G. S. Educação Especial brasileira: integração/segregação do aluno


diferente. São Paulo: EDUC, 1993, p.90.

7. CARVALHO, R. P. Q. O surdo e o mercado de trabalho: conquistas e desafios. São Paulo,


v. 1, n. 4, p. 105-111. Anais do IV Seminário Eniac 2012. Disponível em: http://ojs.eniac.
com.br/index.php/Anais/article/view/91/96. Acesso em: 07 de julho 2018.

8. CEZAR, K. P. L. Uma proposta linguística para o ensino da escrita formal para surdos
brasileiros e portugueses, 2014.

9._____________. Escrita: uma proposta linguística de ensino para educação bilíngue


dos surdos. Relatório de pós-doutorado. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Foz
do Iguaçu, Unioeste, 2015.

10. CRISTIANO, A. Impacto do Congresso de Milão na educação dos surdos. In: https://


www.libras.com.br/congresso-de-milao 2017. Acesso em 31. 7.2010.

11. MARCUSCHI, L. A. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Orgs.


Gêneros textuais e ensino. 3 ed. Rio de Janeiro: Lucerna , 2005

12. MARTINS, L. A. R. Inclusão: compartilhando saberes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006, p. 19.

13. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais - Adaptaçóes Curriculares: Estratégias


para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: MEC, 1999.

14. MIRAIS, M. S. Produção de História em Quadrinhos (HQS) no computador como


estratégia de Ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos. Artigo da implementação
do Projeto de Pesquisa e Caderno Pedagógico desenvolvido para o Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria Estadual de Educação do Paraná -
SEED. Londrina, 2009.

15.______________. Produção de história em quadrinhos (HQs) no computador


como estratégia de ensino da língua portuguesa para alunos surdos. Londrina, 2009.
Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/artigos_
edespecial/mariastellamirais.pdf Acesso em: 20.5.2020.

16. PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. D. Metodologia do trabalho científico: Métodos


e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico. 2ª. ed. Novo Hamburgo: Universiade
Freevale, 2013.

78
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

17. RAMOS, P. Os quadrinhos em aulas de Língua Portuguesa. In.: BARBOSA, A. et al.


Como usar histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2014.

18. SILVA, D. Prefácio. In: ALMEIDA, Luiz Gustavo Paulino de; CEZAR, Kelly Priscilla
Lóddo. O congresso de Milão. Araraquara: Letraria, 2018.

19. SKLIAR, C. Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade. In:


SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez – um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
2005a.

20. _________. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In:
SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez – um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
2005b.

21. STROBEL, K. L. História da educação de surdos. Universidade Federal de Santa


Catarina. Florianópolis, 2009.

22. VERGUEIRO, W.; RAMOS, P. Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São


Paulo: Contexto, 2009.

79
7

Alunos com diagnóstico de Transtorno do Espectro


Autista: acesso e permanência no ensino superior1
Students diagnosed with Autism Spectrum Disorders:
access and permanence in the university education

Maira Lisboa Veras Paes(1); Ana Paula Monteiro Rêgo(2)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5703-7029, professora e pós-graduada em Educação Inclusiva e
Psicopedagogia, Maceió–Al, Brasil. E-mail: mairaveras@hotmail.com.
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7505-2476, Universidade Estadual de Alagoas, Campus Edmilson de
Vasconcelos Pontes, Professora, Mestre, Maceió-AL, Brasil. E-mail: anapaula.monteiro@uneal.edu.br.

ABSTRACT: Given the growing and significant number of students diagnosed with Autistic Spectrum
Disorder (ASD) who enter Brazilian higher education, it is necessary to look more closely at the actual conditions
that affect the conditions that affect the student. In this study, a survey is performed of what is presented about
the existing teaching-learning process and applied to these people, including higher education. The selected
texts were subjected to a thematic analysis, thus making a debate about a research of the works already
published on the subject in question, as well as a report of obstacles sometimes faced by students diagnosed
with disorder entering their university. Although a Brazilian society is more informed and guaranteed in the
face of laws such as rights guaranteed by people with a disability or disorder, there is an urgent need for
reflection and adaptation to this demand, especially what is important for teacher training. inclusion policies
in universities.

KEYWORDS: Education, Inclusion, Autistic Spectrum Disorder (ASD), Higher Education

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado como um transtorno do


neurodesenvolvimento com características que se apresentam em graus variados de
gravidade, com comprometimento na interação social e na comunicação. É comum a presença
de estereotipias, padrões repetitivos de comportamentos e dificuldade em aceitar mudanças
na rotina: “[...] Nos Estados Unidos alcançaram 1% da população, com estimativas similares
em amostras de crianças e adultos [...]” (DSM-5, 2014, p. 55).
Em alguns estudos, considerados como bem controlados, há o registro de maior
incidência desse transtorno. A prevalência de TEA, em muitos países de baixa e média renda,

1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap7
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

como o Brasil, é até agora não conhecida. No entanto, estudos epidemiológicos realizados,
nos últimos 50 anos, asseguram que a prevalência de TEA está aumentando no mundo todo
(ASSUMPÇÃO JÚNIOR; KUCZYNSKI, 2015).
Em função dessa crescente prevalência, pode-se considerar que a presença de alunos
com o diagnóstico de TEA tem sido frequente em todos os segmentos escolares. Tais alunos
vieram ocupar espaços da escola já alcançados por outros estudantes com as mais diversas
deficiências (sensoriais, intelectuais, neuromotoras, entre outras). Nesse sentido, a escola
teve – e está tendo – que aprender como atender às necessidades individuais de quem
apresenta o TEA (NUNES; SCHMIDT, 2019).
Os alunos com o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), assim como
todos os que possuem alguma deficiência, estão resguardados por diversas leis que prometem
assegurar condições de igualdade e direitos que atendem a suas necessidades quanto a seu
desenvolvimento, seu exercício da cidadania, bem como sua capacitação para o trabalho.
Desde a Constituição até as leis mais específicas, como a Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência (LBI) e a de n.º 12.764, a qual institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, todos têm sido
amparados legalmente; tendo em vista que passaram a ser considerados como pessoas
com deficiência e, portanto, precisando ter acesso aos direitos garantidos por todas as
políticas de inclusão do País, englobando, obviamente, a concernente à área educacional
(BRASIL, 2012).
No cenário atual, sabe-se que há a garantia legal da inclusão escolar da pessoa com
diagnóstico de TEA, desde a tenra idade, quando se dá o início de sua educação formal,
até o momento de conclusão da vida acadêmica. Isso se deve ao fato de que, à medida que
as discussões e o engajamento, em prol do cumprimento das leis, fazem-se cada vez mais
presentes, consequentemente, a pessoa com esse diagnóstico vem sendo acolhida em maiores
proporções no nível superior (MOREIRA; BOLSANELLO; SEGER, 2011).
No entanto, não há como as instituições de ensino desempenharem suas funções sem
produzirem uma série de questionamentos para compreenderem as necessidades desses alunos
e ampliarem práticas pedagógicas que favoreçam sua adaptação escolar e seu desenvolvimento.
O interesse de investigação deste estudo surgiu quando se deparou com um número
muito significativo de literatura científica produzida, tendo, como objeto de estudo, a
educação do aluno com diagnóstico de TEA na educação básica, mais precisamente 2.155
artigos entre os anos de 2014 e 2019, nas quatro bases de dados: SciELO, Google Scholar,
CAPES e LILACs.
Constatado esse número de publicações, considerou-se que, se existem muitos
estudos sobre a escolarização desse aluno na educação básica, é porque lá ele está presente
e inquietando cientistas em busca de respostas que garantam a qualidade do serviço nesse
nível escolar. A pergunta que inquietou e fez desenvolver essa investigação foi relativa às
publicações sobre o aluno com diagnóstico de TEA no ensino superior. Assim, com tal estudo,
quer-se saber o que a literatura científica apresenta concernente ao acesso e à permanência
do aluno com diagnóstico de TEA no nível superior.
O objeto deste estudo foi a produção científica brasileira atual sobre a educação
superior de alunos com diagnóstico com TEA, objetivando, assim, integrar os elementos

81
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

apresentados nessas produções e destacar tanto os obstáculos enfrentados pelos alunos ao


ingressarem à universidade quanto os da própria instituição de ensino na condução destes.
Assim, urge apontar para caminhos facilitadores no processo de inclusão frente
à realidade de possíveis formas de exclusão desse aluno que, ao ingressar no curso,
posteriormente, pode não conseguir um ambiente propício para seu real desenvolvimento
e aprendizagem.
Este estudo segue o modelo de apresentações de pesquisa qualitativa de revisões inte-
grativas: primeiramente, será descrito o percurso metodológico (SOUZA; SILVA; CARVA-
LHO, 2010). Em seguida, serão disponibilizados os resultados, as discussões fundamentadas
na amostra da pesquisa e na legislação que fundamenta o direito da pessoa com diagnóstico
de TEA; e, por fim, as conclusões e os referenciais teóricos de toda a investigação.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este é um estudo de natureza qualitativa, caracterizado como uma revisão integrativa


da literatura, a qual se baseia na busca rigorosa por pesquisas acessíveis relacionadas a um
recorte temático específico, obedecendo-se ao processo de sua elaboração. Dessa forma, suas
contribuições advêm de uma construção investigativa a partir de textos já escritos, a fim de
que se legitimem as questões levantadas quanto ao objeto de estudo no que tange à pessoa
com diagnóstico de TEA no ensino superior.
Tal percurso metodológico “[...] permite reunir e sintetizar as evidências disponíveis
sobre o tema investigado[...]” (POMPEO; ROSSI; GALVÃO, 2009, p. 434) e difere de
outros métodos de revisão por objetivar atender etapas de investigação, possibilitando, de
forma consistente, uma análise criteriosa e sistemática das discussões já produzidas por
outros pesquisadores.
Para um levantamento mais acurado dos aspectos mais relevantes do que a literatura
apresenta sobre a pessoa com TEA, no ensino superior, o método selecionado precisou
percorrer seis etapas: 1) identificação do problema; 2) busca na literatura; 3) coleta de dados;
4) categorização dos estudos; 5) análise e interpretação dos resultados e 6) apresentação da
revisão (BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2011).
Inicialmente, fundamentou-se a necessidade deste estudo, quando se utilizaram os
descritores como: “autismo/TEA” “educação básica”; “autismo/TEA” “escola”; “autismo/
TEA” “professores”; “autismo/TEA”, “inclusão escolar”, em português, conjugados com
o conector booleano AND, nas bases de dados SciELO, Google Scholar, CAPES e LILACs,
publicados entre 2014 e 2019. Nesse levantamento preliminar, o qual deu origem ao tema
de investigação, foi possível identificar 2.155 artigos, considerando o título dos textos. Segue
fluxograma dessa investigação inicial.

82
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Figura 1 - Fluxograma da pesquisa na literatura sobre TEA na educação básica

Fonte: As autoras, 2020

Após a constatação da quantidade de artigos que abordam sobre a escolarização


das pessoas com diagnóstico de TEA na educação básica, começou-se a busca por aqueles
relacionados ao recorte temático deste trabalho: esses mesmos alunos quando no ensino
superior. Os descritores e as palavras-chave utilizados em cada base de dados foram quatro,
a saber, “autismo/TEA”, “inclusão”, “ensino superior” e “universidade” e suas combinações
na língua portuguesa, conjugados com o conector booleano AND.
Além dos critérios de inclusão já descritos, somem-se: estudos publicados nas bases de
dados citadas; seu aspecto temporal (publicados entre 2014 e 2019); apenas artigos, e estes
em texto integral; sua metodologia, uma vez que a natureza revisão de literatura não pôde ser
utilizada; e o desempenho dos periódicos brasileiros quanto a Qualis majoritariamente, bem
conceituados academicamente, em especial, nas áreas da Educação e da Psicologia, consoante
a tabela de classificação da Plataforma Sucupira da CAPES.
Como critérios de exclusão, puderam-se listar estudos publicados anteriormente a
2014, com recortes temáticos genéricos ou relacionados ao TEA apenas referentes à educação
básica; outras plataformas que não as quatro escolhidas; teses e dissertações; e o ranking
Qualis com conceito inferior a B.
A seleção da amostra, para esta pesquisa, foi feita a partir de busca avançada nas
bases de dados já apresentadas, nas quais foram localizados, inicialmente, 703 documentos.
Após este processo de seleção e identificação dos artigos, foi realizada a leitura de todos os
títulos, sendo selecionados 83 artigos nesta etapa. Posteriormente, foi feita a checagem do
material pela leitura dos resumos, restando 18 artigos, dos quais apenas seis obedeceram
aos critérios de inclusão, previamente estabelecidos. Este percurso pode ser verificado na
figura 2, que será apresentada ao fim do item.
Na apresentação dos resultados, os seis artigos foram inseridos em um quadro com
informações o título, autores, metodologia, área de estudo e ano de publicação (Quadro 1,

83
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

em Resultados) e, em seguida, estes documentos foram sumarizados em: artigo, objetivo(s),


resultados e conclusões (Quadro 2, em Resultados).
Esses textos foram investigados em busca de similaridades nos conteúdos, tendo em
vista a construção de eixos temáticos ou as categorias e a junção dos focos de análise desses
seis artigos. Com a integração das informações apresentadas nesses textos, possibilitou-se a
elaboração dos resultados e fundamentaram-se as discussões e as conclusões deste estudo.

Figura 2 - Organograma da pesquisa na literatura existente

Fonte: As autoras, 2020

RESULTADOS
Considerando os critérios de inclusão e exclusão já apresentados, foram selecionados
seis artigos científicos que versavam sobre o aluno com diagnóstico de TEA no ensino supe-
rior. O quadro, a seguir, apresenta esses artigos que compuseram a amostra de acordo com
o título, seu(s) autor(es), o método, a área de estudo e o ano de publicação.

84
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Quadro 1 - Amostra de acordo com título, autor(es), método, área de estudo e ano de publicação

TÍTULO AUTOR(ES) MÉTODO ÁREA ANO

Percepções sobre a inclusão do adulto SOUZA, J. C.; Pesquisa Educação /


com Transtorno do Espectro Autista na BARBOSA, P. S. exploratória
Universidade Estadual do Maranhão descritiva 2016

Relato de
Inclusão de um estudante autista FERRARI, J. B. Educação
experiência
no ensino superior, um relato de
experiência na UFPR litoral Especial / 2016

COSTA, E. S.; Pesquisa Tecnologia / 2018


A inserção do autista no meio
BENTO, E.; quantitativa
acadêmico e profissional de tecnologia
da informação PAULINO, E.

Relato de uma Educação / 2018


Consultoria colaborativa no ensino DONATI, G. C. F.;
superior, tendo por foco um estudante CAPELLINI, V. M. consultoria
com Transtorno do Espectro Autista colaborativa

SILVA, S. C.;
SCHNEIDER, D. R.; Pesquisa
Educação
Perfil acadêmico dos estudantes KASZUBOWISKI, E.; de caráter
com Transtorno do Espectro Autista NUERNBERG, A. exploratório- Especial / 2019
matriculados no ensino superior descritivo

Pesquisa
Escolarização de pessoas com ROSA, F. D.; quantitativa
Transtorno do Espectro Autista (TEA) MATSUKURAB, T.; e de caráter Terapia
em idade adulta: relatos e perspectivas SQUASSONIC, C. E. exploratório- Ocupacional /
de pais e cuidadores de adultos com -descritivo 2019
TEA

Fonte: As autoras, 2020

O passo posterior foi o de busca pelos objetivos, resultados e conclusões a que se


chegou nesses mesmos artigos (segundo o quadro 2). Dessa forma, foi possível visualizar
de forma mais tangível as categorias listadas para a análise desta revisão integrativa, ou
seja, aspectos relevantes relativos ao processo ensino-aprendizagem existente e oferecido
às pessoas com diagnóstico de TEA, especificamente, no ensino superior. Segue o quadro 2,
cujos artigos são apresentados por numeração.

85
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Quadro 2 - Amostra de acordo com objetivos, resultados e conclusões

Nº OBJETIVOS RESULTADOS CONCLUSÕES


1 Apresentar as dificuldades Quantidade ínfima Inclusão dificultada para
encaradas pelo autista de profissionais com concluírem a sua graduação,
[sic], tanto na sociedade treinamento para lecionar bem como adentrarem no
acadêmica quanto na aos alunos diagnosticados. mercado de trabalho.
profissional.

2 Verificar o processo de Dificuldade em se Há vagas para o ensino,


inclusão de um adulto com coletarem os dados mas não competência para
TEA na UEMA, o n.º de pretendidos e professores preparar o corpo docente e
alunos com esse diagnóstico lecionarem a alunos manter seus alunos.
e sua interação com outros. diagnosticados.
3
Apresentar o relato de O relato desse estudante Falta de preparo docente
experiência de inclusão de mostra vários empecilhos e noção sobre as reais
um estudante autista no enfrentados antes do necessidades desse alunado
ensino superior e discutir as ingresso no ensino e forte preconceito contra
dificuldades encontradas. superior e ao longo da ele.
graduação.
4 Apresentar um relato de
caso, descrevendo uma Após várias estratégias A consultoria colaborativa
consultoria colaborativa no com o aluno, com a família é uma alternativa
ensino superior, tendo por e com os seus professores, para a formação do
foco um estudante com TEA. viu-se o que facilita e o que professor diante das reais
não o ensino. necessidades desses alunos.
5 Mapear o perfil dos
estudantes com TEA Dados coletados: uso Dificuldades de acesso e
em 2016 e refletir sobre do vestibular; cursos de permanência. Faltam
as barreiras de acesso e presenciais (maioria, respeito, acolhimento e
permanência desse aluno. Direito); mais constantes cuidado.
do que os neurotípicos.

6 Apresentar relatos de pais e Vivenciou-se muita Necessidade de melhorias


cuidadores de adultos com exclusão: apenas 8 deles e de recursos; muitas
TEA sobre a escolarização de estudaram em ensino dificuldades na prática
seu filho/parente. regular; 5 em ensino docente.
superior.

Fonte: As autoras, 2020

Assim, este último quadro apresenta, de forma condensada, as principais características


investigadas nos artigos selecionados; a propósito, a maioria deles publicada na base de
dados da CAPES (os dois primeiros, encontrados no Google Scholar; os três seguintes, na
CAPES, e o último, nas bases de dados LILACs e SciELO).
Os resultados do material coletado foram agrupados por similaridade em categorias
contendo os achados, sendo elencadas da seguinte forma: “Diagnóstico de TEA”, “Ingresso
no ensino superior”, “Permanência na universidade”, “Formação docente”, “Currículo e
avaliação”, “Conclusão da graduação” e “Ingresso no mercado de trabalho”.

86
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

DISCUSSÃO

Este estudo foi iniciado a partir da constatação do número relevante de publicações


relacionadas com a temática da pessoa com TEA na educação básica. Foram identificados 2.155
artigos nas bases de dados já mencionadas: estes números mostraram-se, expressivamente,
muito superiores quando comparados aos 703 artigos localizados, nas mesmas bases de
dados e no mesmo período de tempo, relativos à pessoa com TEA no ensino superior.
Os artigos analisados indicam, em sua predominância, que é crescente o número de
pessoas com esse diagnóstico adentrando o ensino superior, uma vez que, nos últimos anos,
houve grandes iniciativas legais para amparar esse grupo de alunos. Obviamente, trazendo à
tona tais questões, provocam-se mudanças – ou pelo menos tentativas – tanto em políticas
públicas quanto no comportamento social e, por assim dizer, possibilitando-lhe um lugar
diferente dentro da própria sociedade.
A respeito dessa temática, alguns aspectos perpassam a discussão e precisam ser
considerados separadamente, apesar de se complementarem nessa conjuntura. A fim de
que se descrevam, satisfatoriamente, todas essas prementes questões, foram elas listadas
em forma de categorias, as quais serão apresentadas a seguir.

DIAGNÓSTICO DO TEA

Ao longo de todo o processo histórico de identificação e pesquisa do Transtorno de


Espectro Autista, podem-se perceber inúmeras mudanças na trajetória do conceito, do
diagnóstico, das características, das causas, entre outros, e essa construção tem sido feita
até os dias atuais.
De acordo com o DSM-5 (2014), o TEA é descrito como um subtipo do grupo de
Transtornos do Neurodesenvolvimento, permanente e persistente, definido como uma
série de possibilidades de casos que variam no que tange à severidade dos sintomas, sua
intensidade e comprometimentos à vida de quem é assim diagnosticado. Assim, a ocorrência
de mais de um transtorno de neurodesenvolvimento é considerado frequente, pois se podem
agrupar características de deficiência intelectual e transtorno específico da aprendizagem,
por exemplo.
Decerto que os sintomas desse transtorno podem mudar com o desenvolvimento da
pessoa, como afirma SANTOS (2017, p. 14) em: “[...] não se reduz a um transtorno, [...]
implica em intervenções igualmente diferenciadas, e é nesses aspectos que reside a sua
singularidade”; todavia há três principais indicadores bem marcantes: a dificuldade de
socialização, de comunicação e comportamentos repetitivos. Ademais, o DSM-5 (2014)
divide o transtorno em níveis, os quais podem ser assim resumidos no quadro a seguir:

87
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Quadro 3 - Descritores para Transtorno do Espectro Autista e seus níveis de gravidade (DSM-5, 2014)

NÍVEL GRAU ESPECIFICADORES DA GRAVIDADE


1 “Leve” – Exige apoio Conseguem ter bom desempenho na escola, não precisam de tanto
apoio; têm característica do espectro, têm os sintomas e as dificuldades,
entretanto precisam de pouco tratamento para se desenvolverem e
serem “funcionais”.
2 “Moderado” – Exige Funcionamento mais comprometido, uma vez que precisam de
apoio substancial ajuda intensiva, de mais atenção na escola, em casa, em clínicas
com especialistas e, ainda assim, mesmo com tratamento, têm um
desempenho mediano quanto ao funcionamento na vida em geral.
3 “Severo” – Exige apoio Quadro grave, com retardo mental associado, muito comprometido:
muito substancial ainda que assistido por especialistas variados, com apoio na escola e
em casa, são “pouco funcionais” e pouco autônomas na vida.

Fonte: As autoras, 2020

Dos estudos selecionados para esta revisão, apenas o artigo de Rosa, Matsukurab e
Squassonic (2019) não abordou sobre a questão da quantidade de alunos universitários com
o diagnóstico de TEA. Costa, Nakandakare e Paulino (2018), em sua pesquisa quantitativa,
julgaram importante considerar, numericamente, todos os alunos com as características
do transtorno, com ou sem diagnóstico. Tal escolha se deveu à possibilidade de erros
nesses registros.
Os demais artigos analisados chamaram a atenção para o número discreto de alunos
autodeclarados com o diagnóstico e para a dificuldade em se coletarem esses dados. Em Silva
et al. (2019), constataram-se discrepâncias nos registros entre os diferentes anos (com TEA
em alguns anos; sem TEA em outros), seja por erro ou falta de digitação, descompromisso,
falta de informação institucional, formação inadequada ou insuficiente do respondente,
orientação ineficaz do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), entre outros. Além disso, a declaração de diagnóstico de TEA, nas Instituições de
Ensino Superior (IES), é feita pelo próprio aluno, que pode querer ocultar a sua situação por
receio de sofrer subjugação e discriminação.
Orrú (2018) mostra que, apesar dessa discrição numérica, os alunos, assim
diagnosticados, ingressando, nas universidades, têm aumentado a cada ano. Dessa forma,
supõe-se que, ou por não quererem ou por não terem conhecimento a esse respeito, muitos
se isentam dessa declaração, no ato da matrícula, no ensino superior. Ou seja, uma parcela de
estudantes universitários não se reconhece ou não recebeu a identificação por laudo médico,
o que se configura como importante variante nos censos existentes e, consequentemente,
nas formas de um atendimento apropriado a alguns daqueles.
É importante ressaltar também que um dos estudos, por se tratar de um relato de
experiência, mostra que o estudante, em questão, não quis informar a existência de um
laudo de TEA por medo de não ser aceito na universidade. Esse fator diminuiu as chances de
ele ter ingressado no curso pretendido por meio de vestibular, pois estava, em desvantagem,
em comparação com os candidatos neurotípicos (SOUZA; BARBOSA, 2016).

88
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR

Entende-se como educação inclusiva, a partir das definições previstas na forma da


lei, muito além do que os termos integração ou inserção. Como exemplo disso, foi comum a
todos os artigos analisados o questionamento sobre como o aluno diagnosticado com TEA
ingressa e é recebido no ensino superior, já que, segundo Costa, Nakandakare e Paulino
(2018), pouco se discute sobre a facilitação de acesso às IES.
O aporte de inclusão, promovido pelo aparato legal no Brasil, indubitavelmente,
tem alcançado níveis elevados, já que é vasta a discussão e cada vez maior a participação
social em relação ao cumprimento das duas principais leis do País garantidas à pessoa com
diagnóstico de TEA, a saber, a LBI (n.º 13.146/15) e a que institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA (de n.º 12.764/12).
Ferrari (2016) e Rosa, Matsukurab e Squassonic (2019) relatam que houve
um aumento de matrículas para os alunos em questão; não obstante, é notório o
grande empecilho que gira em torno do seu acesso e da sua permanência no curso.
Complementando, Donati e Capellini (2018) descrevem tal instrumento de avaliação –
por vestibular ou não – como sendo regido pelo espírito da meritocracia: com igualdade,
mas sem a equidade necessária.
Com base nesse pressuposto, o instrumento de avaliação que promove o ingresso
às instituições de ensino superior precisa ser revisto: é necessário que se questione sobre
qualquer impedimento nos exames seletivos, cujo funcionamento se traduza como barreira
para uma real inclusão dos candidatos a uma vaga nas universidades.
À luz das leis vigentes e da Portaria do MEC n.º 807/2010 (BRASIL, 2010), a qual atesta
acerca das condições de aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a saber,
acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência; há um atendimento especializado para
os candidatos declarados com uma ou mais deficiências, tais como baixa visão, cegueira,
surdez, déficit de atenção, discalculia, entre outras (INEP, 2019).
No caso de candidatos com diagnóstico de TEA (no campo da inscrição, chamado
de autismo), uma vez requerido o atendimento especializado, solicita-se também o tipo de
auxílio de que necessitarão na realização do exame. Vale destacar que esse direito só entrou
em vigor a partir do ano de 2012, oferecendo-se uma hora adicional e um ledor e transcritor.
Entretanto, apesar de existirem os referidos “benefícios” (grifo nosso), essas
informações não aparecem no manual do candidato nem denotam garantia sobre sua real
eficácia, já que faltam estudos para responder a estes questionamentos:

[...] Todos os que dele precisam fazem a requisição? O tempo adicional é


suficiente? Seria preciso adotar pausas para descanso? Em casos extremos,
em vez de tempo adicional, seria mais apropriado dispor de novas provas
ou outras sistemáticas de aplicação? (JUNQUEIRA; MARTINS; LACERDA,
2017, p.467).

Silva et al. (2019), por objetivarem traçar o perfil acadêmico e quantitativo dos alunos
assim diagnosticados, apontam alguns dados relevantes de 2016: têm a mesma idade dos
neurotípicos ao ingressarem na universidade, 18 anos em média; majoritariamente, entram
por meio de vestibular (depois, pelo ENEM); optam mais pelos cursos de Direito (talvez porque

89
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

o Brasil seja a nação com mais cursos de Direito no mundo), Ciências Sociais, Pedagogia e
Negócios; e sua maioria estuda em universidades privadas e em cursos presenciais.
Em relação às modalidades presencial e Educação a Distância (EAD), Silva et al.
(2019) lista o seguinte: é certo que, na primeira modalidade, percebem-se dificuldades
de sociabilidade e de comunicação por parte dos estudantes diagnosticados, enquanto a
educação a distância se configura como uma alternativa para essas dificuldades. Contudo,
aquela poder-se-ia considerar um exercício de enfrentamento desses comportamentos, a
depender de como a instituição e o corpo docente gerenciassem a situação.

PERMANÊNCIA NA UNIVERSIDADE

Com a Constituição Federal de 1988, houve o advento de diversas leis e decretos para
promover garantias à pessoa com deficiência, como as já mencionadas, que asseguram os
direitos cabíveis às diagnosticadas com TEA, a saber, a de n.º 13.146/15 e a 12.764/12. Aqueles
que fazem parte do grupo são amparados pela Política Nacional de Proteção dos Direitos da
Pessoa com TEA, sendo, assim, considerados pessoa com deficiência para todos os efeitos
legais. São também beneficiados pela LBI, a qual reza a respeito da obrigatoriedade de todos
os sistemas educacionais serem inclusivos em todos os níveis, visando eliminar barreiras e
garantir uma plena inclusão.
Entretanto, em se tratando dos relatos descritos nos estudos levantados, são grandes
as dificuldades enfrentadas por esses alunos no ensino superior. Todos os artigos abordam
essa temática, enfatizando de forma crítica sobre a quase satisfatória oferta de vagas das
IES, mas sem a preocupação quanto à qualidade para manter seus estudantes em um curso
de fato inclusivo e que priorize seu desenvolvimento, considerando suas peculiaridades
(SOUZA; BARBOSA, 2016;COSTA; NAKANDAKARE; PAULINO, 2018).
Como exemplo disso, pode-se listar a falta de atenção pelos órgãos competentes quanto
às dificuldades desse aluno com os colegas da turma, por não o compreenderem e haver
constantes ocorrências de atritos e exclusão; por exemplo, o aluno não queria permanecer na
sala e dizia sofrer com essas situações (DONATI; CAPELLINI, 2018). A falta de informação e
de sensibilização por parte dos colegas são também apontadas por Silva et al. (2019).
Outrossim, no referido estudo, foram também relatadas as já sabidas dificuldades de
organização, de instabilidade de humor, da alta ocorrência de faltas sem justificativas e a
grande necessidade do apoio a esses estudantes para a sua permanência nas universidades.
Especificamente, nesse artigo, em que se fez uma consultoria colaborativa, tal questão foi
amplamente discutida e constatada (SILVA et al., 2019).
Rosa, Matsukurab e Squassonic (2019) e Silva et al. (2019) concordam essencialmente,
quando atestam que o sistema ainda é excludente em suas exigências, apesar de assinalarem
que, baseados em dados do INEP, de 2011 a 2016, a proporção de matrículas trancadas ou
canceladas, nesse último ano, foi relativamente menor do que as do neurotípicos.
Todas essas barreiras são relatadas como causas por tais estudantes fazerem parte
de uma sociedade que é construída e pensada para neurotípicos. Assim, como o sucesso
do estudante com alguma necessidade está diretamente relacionado com as posturas
institucionais e os recursos que lhe são oferecidos, urge avaliar todo o processo educacional,

90
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

considerando tanto fatores acadêmicos, ambientais e sociais quanto o nível de envolvimento


dos profissionais responsáveis por essas questões (ROSA; MATSUKURAB; SQUASSONIC,
2019; SILVA et al., 2019).
Diante das barreiras da falta de motivação, da perda de foco, de interesse, das
dificuldades com a organização e a gestão do tempo de estudo, do aumento de sensibilidade
sensorial, provocando ansiedade e tensão neles, a permanência fica decerto comprometida.

FORMAÇÃO DOCENTE

Como se já não bastassem todas as barreiras supracitadas, outro relevante fator foi
massivamente abordado: a formação docente, já que os professores desempenham papel
preponderante na concretização de uma prática inclusiva e atuante, tal como previsto no Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE) de 2007 e na LBI, em seu capítulo VI, por exemplo.
No que diz respeito ao acesso a uma educação de qualidade, sabe-se que ao aluno
com qualquer tipo de necessidade são assegurados direitos invioláveis e inalienáveis; dentre
os quais, atendimento multiprofissional e acesso a uma educação inclusiva, adequada e
condizente com as dificuldades que porventura sejam apresentadas.
Com exceção do último artigo listado (ROSA; MATSUKURAB; SQUASSONIC, 2019),
todos eles ressaltaram a quantidade ínfima de profissionais que receberam capacitação para
ministrar aulas para esses discentes. Ademais, aqueles poucos que possuíram tal preparo,
fizeram-no por iniciativa própria, uma vez que as instituições nas quais lecionam não tinham
demonstrado interesse quanto a isso.
Outro aspecto relevante observado diz respeito aos também constantes conflitos entre
docente-discente, este com diagnóstico de TEA. O professor não se vê preparado para ser um
facilitador desse processo, mesmo diante das vagas ofertadas nas graduações, assim como
admite não ter condições para elaborar planejamentos de aulas e metodologias adequadas,
já que lhe faltam informações e conhecimentos adequados (COSTA; NAKANDAKARE;
PAULINO, 2018).
Nesse mesmo artigo, um questionário feito com 144 professores declarou que apenas
quatro fizeram um treinamento específico para compreender melhor as especificidades
da pessoa diagnosticada com TEA, e tal capacitação não foi realizada pela instituição de
ensino superior em que trabalhavam; o que pode ser apontado como desinvestimento dos
órgãos competentes quanto a essa questão. Alguns professores se veem angustiados por
não saberem lidar ou “apenas dar aulas” (grifo nosso) a pessoas com qualquer necessidade
de inclusão.
Os textos apontam para a necessidade de um ensino mais humanizado, competente e
sensível. As pesquisas também evidenciaram um misto de ocorrências: a falta de acessibilidade
pedagógica e de informação; falas preconceituosas; a necessidade de formação continuada;
a flexibilização da maioria do corpo docente – porque alguns buscam adequar suas práticas
pedagógicas; a participação atuante de uma equipe multidisciplinar, como muito bem
descreve Ferrari (2016), no caso do NAPNE2, e Donati e Capellini (2018).
2
NAPNE - Núcleo de Apoio a Pessoas com Necessidades Específicas. Oferece propostas de inclusão e de
permanência à comunidade universitária com necessidades especiais – visual, auditiva, física, múltiplas e altas
habilidades – e dá apoio psicológico. Presente em Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica.

91
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

CURRÍCULO E AVALIAÇÃO

Como já apresentado pelos artigos, a prática pedagógica não tem acompanhado os


avanços legais (FERRARI, 2016). Com exceção de Costa, Nakandakare e Paulino (2018),
os demais trabalhos se concentram em apontar incoerências a esse respeito, bem como
possíveis alternativas para alumiar a prática docente; dada a grande carência de um olhar
atento para dirimir ou ao menos diminuir algumas desvantagens a que esse aluno está
submetido. No conjunto das produções acadêmicas selecionadas, encontram-se discursos
afins para os seguintes aspectos:
1) Rigidez curricular: Costa, Nakandakare e Paulino (2018) criticam método de
ensino tradicional e apontam para modificações no currículo educacional. Silva et al. (2019)
fazem o mesmo, convidando os educadores a repensarem essa inflexibilidade e indicando a
modalidade EAD como uma saída: com suas tarefas assíncronas e desprovidas de sobrecarga
sensorial; o uso de ferramentas digitais; apresentação dos conteúdos em diversos formatos;
processo avaliativo com aceite de respostas orais e programação disponibilizada com
antecedência.
2) Singularidade do ser: Souza e Barbosa (2016) defendem a ideia de que é necessário
usar estratégias de ensino adequadas a cada indivíduo, investindo em suas potencialidades
e respeitando sua singularidade. Para tanto, não se pode prescindir a dilatação do tempo
para a realização das atividades / avaliações, que precisam também ser diferenciadas, isto é,
adaptadas às reais condições desse alunado. Rosa, Matsukurab e Squassonic (2019, p. 310)
se enveredam pela mesma vertente, inclusive ampliando esse modo de enxergar a educação
para com os neurotípicos também; já que atesta que “cada caso de aluno é um caso único”.
3) Acompanhamento: Como já outrora mencionado, Donati e Capellini (2018)
adotaram como estratégia a consultoria colaborativa, e a aposta, nessa busca coletiva
por melhorias, surtiu efeitos positivos. Com os procedimentos de análise do histórico
escolar e dos laudos; entrevistas com o estudante, seus pais e os professores da graduação;
estratégias de estudo para o aluno e reunião com docentes para autoavaliação, pôde-se
perceber a relevância de um apoio multissetorial, já que o progresso acadêmico desse
aluno de fato ocorreu.

CONCLUSÃO DA GRADUAÇÃO

Metade dos estudos se ativeram a falar sobre a conquista da conclusão do curso.


Não pareceu ser uma prioridade dos autores aprofundar a esse respeito, e uma prova disso
foram as poucas linhas destinadas à discussão. Para tecer comentários sobre o término
da graduação, são apresentadas as características de frieza e insensibilidade vindas dos
professores (COSTA; NAKANDAKARE; PAULINO, 2018).
Já o texto de Ferrari (2016), destacou nos relatos do corpo docente, uma preocupação
com o futuro desse aluno, os professores expressaram preocupação quanto à conclusão
ou não do curso. No estudo de Rosa, Matsukurab e Squassonic (2019), seis alunos com o
diagnóstico de TEA conseguiram concluir a ensino superior.

92
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO

Em se tratando da Lei de n.º 12.764, em seus Art. 2º e 3º, são garantidas condições de
estudo em escolas e cursos profissionalizantes, o que mostra o direito da pessoa com TEA a
esse ingresso, inclusive no mercado de trabalho, como mostrado em seus incisos V e VI: “V -
o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho”
e “São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: [...] IV - o acesso: a) à educação
e ao ensino profissionalizante [...]” (BRASIL, 2012, Art. 2º e 3º, inciso V e VI, grifo nosso).
Eis mais uma preocupação relatada pelos professores universitários: como esse aluno
encontrará espaço diante de tanta competitividade. Ferrari (2016) se atém a descrever sobre
a inquietação docente. Em contraponto a isso, Costa, Nakandakare e Paulino (2018) e Rosa,
Matsukurab e Squassonic (2019) conseguem vislumbrar esperançosamente alguma saída
para tal cenário.
Além disso, é aconselhado às instituições a terem, em seu planejamento pedagógico,
o foco profissionalizante, conforme as capacidades e os interesses de cada indivíduo,
oferecendo-lhe preparo e oportunidades no mercado de trabalho. Às empresas, a olharem
as inúmeras potencialidades desse profissional, o qual apresenta grande facilidade
de memorização, concentração, raciocínio lógico, características raras e de extrema
relevância para determinados ofícios (COSTA, NAKANDAKARE; PAULINO, 2018; ROSA;
MATSUKURAB; SQUASSONIC, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve, como objetivo, fazer um levantamento do que é apresentado, na


literatura científica, sobre o acesso e a permanência no ensino superior do aluno com
diagnóstico de TEA. A quantidade de publicações identificadas sobre essa temática, nas
principais bases de dados consultadas, pode ser apontada como pequena, quando comparada
ao número de publicações sobre a mesma categoria de alunos na educação básica. Isso
nos garante afirmar que, no Brasil, apesar dos fundamentos legais que garantem o acesso
desse aluno no ensino superior, ele está chegando à universidade ainda em número pouco
expressivo e produzindo, lentamente, questionamentos à comunidade acadêmica.
Em relação ao discurso mais presente nos artigos, embora cada qual com abordagens
distintas, todos eles se detiveram a falar sobre a necessidade de uma real inclusão para alunos
diagnosticados com TEA tanto no ensino superior quanto, por conseguinte, no mercado de
trabalho. Tal afirmação se sustenta tendo em vista a carência de recursos, a ausência de
políticas públicas postas em prática e a falta do preparo docente.
Portanto, para além das questões legais inerentes à discussão colocada, veem-
se também as de natureza cultural e pedagógica, as quais carecem de um olhar atento,
de fiscalização e de intervenção diante das injustiças feitas com esses alunos e da
incompatibilidade com o que é garantido pelas leis direcionadas a essa questão.
Diante disso, constatou-se a necessidade de mais literatura centrada, no ingresso e na
permanência de alunos com diagnóstico de TEA, em seu curso de graduação. A constatação
se caracteriza como a principal justificativa para se dar continuidade à investigação desse
premente tema; uma vez que reflexões se fazem significativas por parte das universidades

93
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

brasileiras, apontando para a adaptação do ensino a fim de reduzirem os empecilhos


enfrentados pelos referidos alunos.

REFERÊNCIAS

1.AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V. Manual Diagnóstico e Estatístico


de Transtornos Mentais. 5. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2014.

2. ASSUMPÇÃO JÚNIOR F.B.; KUCZYNSKI E. Autismo infantil: novas tendências e


perspectivas. 2.ed São Paulo: Atheneu, 2015.

3. BOTELHO, L. L. R.; CUNHA, C. C. A.; MACEDO, M. O método da revisão integrativa


nos estudos organizacionais. Gestão e Sociedade, Belo Horizonte, v. 5, n. 11, p. 121-136,
maio-ago. 2011.

4. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF. Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

5. BRASIL. Portaria MEC n.º 807, de 18 de junho de 2010. Institui o Exame Nacional de
Ensino Médio. Diário Oficial da União, Brasília, 21 jun. 2010. Disponível em: <https://
www.legisweb.com.br/legislacao/?id=227492>. Acesso em: 10 fev. 2020.

6. BRASIL. Lei n.º 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3º do art.
98 da Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2011-2014/2012/Lei/L12764.htm>. Acesso em: 10 set. 2019.

7. BRASIL. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de n.º 13.146/2015.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.
htm>. Acesso em: 10 ago. 2020

8. BRASIL. Plano de Desenvolvimento da Educação - 2007. Disponível em: <http://


portal.mec.gov.br/arquivos/livro/>. Acesso em: 24 mar. 2019.

9. BRASIL Censo da Educação Superior 2011: Resumo Técnico. Brasília: Instituto


Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2013. Disponível em:
<http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2011/resumo_tecnico_censo_
educacao_superior_2011.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2019.

10. COSTA, B. S.; NAKANDAKARE, E; B.; PAULINO, E. A inserção do autista no meio


acadêmico e profissional de Tecnologia da Informação. Refas: Revista Fatec Zona Sul, São
Paulo, v. 4, n. 4, p.1-10, jun. 2018. Disponível em: <http://www.revistarefas.com.br/index.
php/RevFATECZS/article/view/190>. Acesso em 20 set. 2019.

94
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

11. DONATI, G. C. F.; CAPELLINI, V. M. F. Consultoria colaborativa no Ensino Superior,


tendo por foco um estudante com Transtorno do Espectro Autista. Revista Ibero-Americana
de Estudos em Educação, p. 1459-1470, set. 2018. ISSN 1982-5587. Disponível em: <https://
periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/11655>. Acesso em: 05 de set. 2019.

12-FERRARI, J. B. Inclusão de um estudante autista no Ensino Superior, um relato


de experiência na UFPR litoral. In: 7º CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO
ESPECIAL, 2016, São Carlos. Anais eletrônicos. São Paulo: UFSCAR, 2016. Disponível em:
<https://proceedings.science/cbee7/papers/inclusao-de-um-estudante-autista-no-ensino-
superior%2C-um-relato-de-experiencia-na-ufpr-litoral>. Acesso em: 02 dez. 2019.

13. GILMAN, P. O filho antirromântico: uma história de alegria inesperada. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015.

14. INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.Central


de conteúdo. INEP/ ENEM 2019. Brasília, DF. Disponível em: <http://inep.gov.br/
central-de-conteudo/press-kits>. Acesso em: 29 abr. 2020

15. JUNQUEIRA, R. D.; MARTINS, D. A.; LACERDA, C. B. F. Política de acessibilidade


e exame nacional do ensino médio (ENEM). Educ. Soc., Campinas, v. 38, n. 139, p.
453-471, jun. 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0101-73302017000200453&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 fev. 2020.

16. MOREIRA, L. C.; BOLSANELLO, M. A.; SEGER, R. G. Ingresso e


permanência na Universidade: alunos com deficiências em foco. Educ. rev.,
Curitiba, set. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S010440602011000300009&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 13 set. 2019.

17. NUNES, D. R. P.; SCHMIDT, C. Educação especial e autismo: das práticas baseadas
em evidências à escola. Cad. Pesquisa, São Paulo, v. 49, n. 173, p. 84-103, set. 2019.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
15742019000300084&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 mai. 2020.

18. ORRÚ, S. E. Alunos com Síndrome de Asperger: o intérprete de enunciados e o acesso à


educação superior. Educação em Perspectiva, Viçosa, MG, v. 9, n. 3, p. 668-693, dez. 2018.
ISSN 2178-8359. Disponível em: <https://periodicos.ufv.br/educacaoemperspectiva/
article/view/7068/2872>. Acesso em: 10 dez. 2019.

19. POMPEO, D. A.; ROSSI, L. A.; GALVAO, C. M. Revisão integrativa: etapa inicial do
processo de validação de diagnóstico de enfermagem. Acta paul., enferm., São Paulo, v.
22, n. 4, p. 434-438, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0103-21002009000400014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 ago. 2019.

20. ROSA, F. D.; MATSUKURA, T. S.; SQUASSONI, C. E. Escolarização de pessoas


com Transtornos do Espectro Autista (TEA) em idade adulta: relatos e perspectivas de

95
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

pais e cuidadores de adultos com TEA. Cad. Bras. Ter. Ocup., São Carlos, v. 27, n. 2,
p. 302-316, jun. 2019. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S252689102019000200302&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 ago. 2019.

21. SANTOS, L. F. O transtorno do espectro autista e sua singularidade: uma proposta


inclusiva calcada no ensino personalizado. Revista @mbienteeducação, [S.l.], v. 10, n. 1,
p. 85-100, jan. 2017. ISSN 1982-8632. Disponível em: <http://publicacoes.unicid.edu.br/
index.php/ambienteeducacao/article/view/35>. Acesso em: 30 abr. 2020.

22. SILVA, S. C. et al. Perfil acadêmico dos estudantes com Transtorno do Espectro Autista
matriculados no Ensino Superior. Revista Educação Especial, Santa Maria, p. e 83-1-
32, set. 2019. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/
view/37699>. Acesso em: 09 dez. 2019.

23. SOUZA, J. C.; BARBOSA, P. S. Percepções sobre a inclusão do adulto com Transtorno
do Espectro Autista na Universidade Estadual do Maranhão. Congresso Nacional de
Educação, 2016. Disponível em: <http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/
trabalhos/TRABALHO_EV056_MD1_SA7_ID1828_14082016215136.pdf>. Acesso em: 01
dez. 2019.

24. SOUZA, M. T.; SILVA, M. D.; CARVALHO, R. Revisão integrativa: o que é


e como fazer. Einstein (São Paulo), São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, Mar. 2010 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
45082010000100102&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 mai. 2020.

96
8

Sobre a invisibilidade de transexuais e travestis na escola:


considerações sobre estudos brasileiros publicados no
período de 2009 a 20181
On the invisibility of transexuals and transvestites in
school: considerations on Brazilian studies published from
2009 to 2018
William Fernandes de Araújo Barbosa(1); Ana Paula Monteiro Rêgo(2)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7836-7414, Estudante de pós-graduação em Educação Inclusiva,
Universidade Estadual de Alagoas UNEAL, Campus Edmilson de Vasconcelos Pontes; Maceió, Alagoas;
Brazil. E-mail: barbosawfa@gmail.com;
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7505-2476, Professora, Mestre, Universidade Estadual de Alagoas
UNEAL, Campus Edmilson de Vasconcelos Pontes; Brazil. E-mail: anapaula.monteiro@uneal.edu.br.

“Trans não vem de transtorno nem de transição, mas de transgressão.”


Letícia Lanz

ABSTRACT: The invisibility of people with gender-divergent identities in society is remarkable. At


school is not different. This study aims to investigate how the invisibility of transsexuals and transvestites
in school is presented in Brazilian studies published in the last decade. This is a qualitative, bibliographic
research, developed through the analysis of studies published in event annals, journal articles, books,
dissertations, thesis and other relevant media. The theoretical framework starts from the poststructuralist
theories and the studies by Lanz (2014) and Peres (2009). It is concluded that invisibility happens
through the reproduction of prejudice by the school; LGBTphobia and inconsistencies in teacher training
are determining factors in this process and the use of the social name and continuing education can be
considered indicators of school inclusion.

KEYWORDS: Inclusive education, transphobia, exclusion.

INTRODUÇÃO

A sala de aula é um poço de desejos. A escola é lugar de formação de conhecimentos,


identidades e personalidades; é depósito de expectativas, é lugar de fala. Esse modelo se adequa
bem quando se pensa numa sociedade heteronormativa, representada hegemonicamente
por homens brancos, cisgêneros, heterossexuais, cristãos e de classe média.
1
DOI: 10.48016/GT11Xenccultcap8
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Transexuais e travestis são pessoas que infringem o rigoroso dispositivo binário de


gênero e encontram na escola um escalonamento de barreiras e obstáculos, onde “[...] a
distinção entre sexo, gênero e orientação sexual é pouco conhecida entre os agentes escolares”
(ALVES; MOREIRA, 2018, p. 118-119).
São sujeitos tradicionalmente marginalizados e invisibilizados na escola, que atua
como ambiente de reprodução do preconceito e da discriminação, hoje denominados de forma
mais específica como LGBTfobia. É comum na literatura científica relatos de transexuais
e travestis que sofrem discriminação de professores, diretores e outros integrantes da
comunidade escolar. Pessoas de quem, pelo contrário, se espera compreensão e acolhimento
(CRUZ; SANTOS, 2016; HERCOLES, 2017; PERES, 2009).

O ambiente escolar constitui um palco privilegiado para o exercício de gênero,


um local onde as pessoas vêm a aprender, entender e desenvolver muitos dos
papeis de gênero que desempenharão por toda a vida. Contudo, as pessoas
transgêneras, aquelas que transgridem as normas de gênero da sociedade,
sempre foram ostensivamente deixadas de lado nas discussões sobre como
deve ser o modelo de educação fornecido às nossas crianças, jovens e adultos
(LANZ, 2014, p. 245).

Dessa maneira, as questões de gênero e sexualidade, mesmo estando inclusas nos


Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2019) como temas transversais, ainda
são pouco debatidas em sala de aula, além de ser discurso recorrente entre professores,
coordenadores e diretores a dificuldade em lidar com o tema e queixas sobre a falta de
formação necessária para tal.
Não faz muito tempo que o paradigma da inclusão escolar surgiu e tem sido
discutido gradativamente no mundo. É possível observar que desde as décadas de
1990 e 2000 vem ocorrendo um processo de ascensão e fortalecimento desse modelo
educacional. No Brasil, Maria Teresa Égler Mantoan coordena um grupo de pesquisa
pioneiro em estudos sobre o tema.

A escola brasileira é marcada pelo fracasso e pela evasão de uma parte


significativa dos seus alunos, que são marginalizados pelo insucesso, por
privações constantes e pela baixa autoestima resultante da exclusão escolar
e da social — alunos que são vítimas de seus pais, de seus professores
e, sobretudo, das condições de pobreza em que vivem, em todos os seus
sentidos. Esses alunos são sobejamente conhecidos das escolas, pois repetem
as suas séries várias vezes, são expulsos, evadem e ainda são rotulados como
mal nascidos e com hábitos que fogem ao protótipo da educação formal
(MANTOAN, 2003, p. 18).

A autora reflete ainda que nosso sistema educacional mostra há algum tempo sinais
de esgotamento e afirma que é numa situação de vazio de ideias e crise paradigmática que
surge o momento oportuno das transformações.
A Educação Inclusiva tem como marco histórico mundial a publicação da Declaração
de Salamanca, documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação Especial, em
Salamanca, na Espanha, no ano de 1994, com o objetivo de fornecer diretrizes fundamentais

98
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

para a formulação e reforma de políticas educacionais de acordo com o movimento de


inclusão social e educacional.

A partir desse documento, a ideia de “necessidades educacionais especiais”


passou a implicar não apenas a inclusão das crianças com deficiências,
mas de todas aquelas que estejam vivenciando dificuldades temporárias
ou permanentes na escola. Dentre estas crianças estão, por exemplo, as
que sofrem sucessivas repetências; as que são forçadas a trabalhar; as que,
continuamente, sofrem abusos físicos, emocionais e sexuais; as que vivem
em condições de extrema pobreza ou que sejam desnutridas; as que vivem
nas ruas; as que moram distantes de quaisquer escolas; as que sejam vítimas
de guerra ou conflitos armados; ou as que simplesmente estão fora da escola,
por qualquer outro motivo (REIS, 2010, p. 2).

Decerto que as pessoas transexuais e travestis se encaixam nessa população excluída,


borrada, detida, sem espaço de fala na sociedade e na escola, que tem funcionado, conforme
Silva, Bezerra e Queiroz (2015) como lócus de reprodução do preconceito e da discriminação,
tendo a família como o primeiro grupo que as exclui e a rua como a última opção que acolhe
e vulnerabiliza.
O Brasil é o país de maior índice de homicídios de transexuais e travestis no
mundo (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2019). No entanto, as questões de gênero não estão
na pauta de discussões da escola. Dessa forma, faz-se urgente e necessária a inclusão
deste item nas rodas de conversa e nos planos educacionais, assim como nas políticas
públicas de educação.
Há uma dívida social a ser sanada devido ao histórico de evasão escolar, ou expulsão
escolar como afirmam alguns autores (BENTO, 2012; HERCOLES, 2017; PERES, 2009,
entre outros), decorrente de constantes casos de transfobia e homofobia – termos
abarcados pela expressão guarda-chuva LGBTfobia – que vão desde o não reconhecimento
do nome social até a proibição do uso do banheiro de acordo com o gênero autodeclarado
por essas pessoas.
Este artigo tem como fulcro investigar a invisibilidade de transexuais e travestis
na escola levando em consideração o contexto educacional contemporâneo representado
pelo arquétipo da educação inclusiva. A partir disso é plausível o questionamento: como
as pessoas transexuais e travestis continuam invisíveis na escola depois da consolidação
do paradigma da inclusão escolar? E ainda: Que fatores são determinantes para a
invisibilização dessas pessoas na escola? Que fatores funcionam como indicadores de
inclusão escolar?
Sendo a escola espaço de formação e de fala, de ampliação de conhecimentos e
referências sociais, é certo que as questões de gênero e sexualidade devem ser discutidas neste
espaço e que não sejam negadas as liberdades de pensamento e de expressão. Liberdades
garantidas, inclusive, pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2019).

99
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico, tendo como pontos de


reflexão e discussão as ideias postas na literatura científica sobre os estudos de gênero e a
comunidade LGBT, à luz das teorias pós-estruturalistas e dos estudos de Lanz (2014) e Peres
(2009) como referencial teórico.
Marconi e Lakatos (2003) refletem sobre esse tipo de investigação e concluem que
a pesquisa bibliográfica não é uma simples repetição do que já foi dito ou escrito sobre
determinado assunto, mas permite o exame de um tema sob uma nova perspectiva, dando
um novo sentido ou chegando a conclusões renovadoras.
Para o levantamento bibliográfico foram utilizadas plataformas digitais de pesquisa
e bases de dados como o Google, Google Acadêmico, SciELO, e também diretamente em
sítios eletrônicos de revistas científicas. O material foi selecionado a partir dos seguintes
termos e palavras-chave: “transexuais e travestis na escola; educação inclusiva; gênero e
educação; gênero e diversidade sexual na escola; identidade de gênero”. Pesquisas em fontes
terciárias foram eventualmente utilizadas, retiradas de referências apresentadas ao final de
textos acadêmicos.
De modo a abranger diversos meios de publicação e tornar a análise ampla e
significativa, foram pesquisados textos lançados em anais de eventos, artigos de periódicos,
capítulos de livros, dissertações, teses, livros e outros meios que se mostraram relevantes,
tais como dossiês científicos, levando em consideração as publicações que ocorreram entre
os anos de 2009 e 2018.
A princípio foram encontrados 43 textos incluídos em todas as categorias acima. Em
seguida foi conduzido um procedimento de triagem através da leitura criteriosa dos títulos e
resumos dos trabalhos onde foram excluídos aqueles que fugissem à proposta deste estudo.
Deste processo foram selecionados 12 textos, sendo três trabalhos completos publicados
em anais de eventos, cinco artigos publicados em periódicos, dois capítulos de livros, uma
dissertação e uma tese (Quadro 1).

100
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Quadro 1 – Textos selecionados para o estudo

Tipo de Ano de
Título Autores
publicação publicação

Cenas de exclusões anunciadas: travestis, transexuais, William Siqueira


Capítulo 2009
transgêneros e a escola brasileira Peres

Rogério Diniz
Homofobia nas escolas: um problema de todos Capítulo 2009
Junqueira

A transformação de professoras transexuais na escola:


Marco Antonio
transfobia e solidariedade em figurações sociais Artigo 2010
Torres
contemporâneas
Gênero, educação & diversidade: sociabilidade das
Manuela Paiva de
travestis nos ambientes educacionais na cidade de Anais 2011
Holanda Cavalcanti
Maceió/AL
O uso do nome social como estratégia de inclusão Maria Lúcia Chaves
Tese 2013
escolar de transexuais e travestis Lima
O corpo da roupa: a pessoa transgênera entre a
transgressão e a conformidade com as normas de Letícia Lanz Dissertação 2014
gênero

Rodrigo Gonçalves
Lima Borges da Silva

Os impactos das identidades transgênero na sociabili- Waldez Cavalcante


Artigo 2015
dade de travestis e mulheres transexuais Bezerra

Sandra Bomfim de
Queiroz

As/os trans são vistas/os na escola? Naomi Neri Santana Artigo 2016
Tânia Mara Cruz
Experiências escolares de estudantes trans Artigo 2016
Tiago Zeferino dos
Santos

O uso do nome social no ambiente escolar como forma Paulo Adroir


Magalhães Martins
de inclusão e devido reconhecimento das pessoas Anais 2017
trans Rosângela Angelin

“Trans-crição” para a visibilidade: história oral de Clara Hanke


Anais 2017
experiências escolares de uma travesti Hercoles

Cláudio Eduardo
Resende Alves
Educação, nome (social) e políticas públicas: o caso
Artigo 2018
Nazaré, uma estudante transexual na escola Maria Ignez Costa
Moreira
Fonte: elaborado pelos autores

101
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

ESTUDOS DE GÊNERO E OS CONCEITOS DE TRANSEXUAL E TRAVESTI

Os estudos de gênero, em sua maioria, se posicionam a partir das obras do filósofo e


historiador das ideias francês Michel Foucault e da filósofa estadunidense Judith Butler sob
perspectivas pós-estruturalistas.

Tais perspectivas são trazidas para o Brasil particularmente pelos estudos,


trabalhos e traduções produzidas por Guacira Lopes Louro. É assim que
uma das obras que marca o campo dos estudos de gênero, sexualidade e
educação, é “O corpo Educado: pedagogias da sexualidade”, organizada
por Guacira Lopes Louro e publicado pela editora Autêntica em 1999. No
livro, a organizadora apresenta a tradução de textos de pesquisadores/as
consolidados/as no campo dos estudos de gênero, tais como: Judith Butler,
Bell Hooks, Jefrey Weeks, Deborah Britzman, especialmente, por apontar
para outras potencialidades da abordagem da sexualidade, do corpo, do
gênero na educação escolar a partir de perspectivas que possibilitaram pensar
o que a organizadora defende como “pedagogias da sexualidade” (SANTOS;
SILVA, 2017, p. 41, grifo do autor).

É bastante controversa a questão das conceituações que abarcam os estudos de


gênero. Vários autores divergem entre o que é ser transexual e o que é ser travesti. Trata-
se de identidade de gênero ou expressão de gênero? A cirurgia de redesignação sexual é
realmente fator distintivo?

De modo bastante rápido, defino as travestis como pessoas que se


identificam com a imagem e o estilo feminino, apropriando-se de
indumentárias e adereços de sua estética, realizando com frequência a
transformação de seus corpos, quer por meio da ingestão de hormônios, quer
através da aplicação de silicone industrial e das cirurgias de correção estética
e de próteses. As transexuais são pessoas com demandas de cirurgias de
mudança de sexo e de identidade civil, demandas que não encontramos
nas reivindicações emancipatórias das travestis. Já as transgêneros
são pessoas que se caracterizam esteticamente por orientação do gênero
oposto, não se mantendo o tempo todo nesta caracterização, como o fazem
as travestis e as transexuais. Como exemplos destas últimas podemos
elencar as/os transformistas, as drags queens, os drag kings etc. (PERES,
2009, p. 236, grifo nosso).

Peres (2009) define as travestis e as transexuais corroborando a corrente mais comum


abordada nos estudos brasileiros. De forma simplista, afirma que travesti é a pessoa que não
tem intenção de se submeter à cirurgia de redesignação sexual ou genital, mas apresenta
interesse em alterações de natureza estética. Já transexual é o indivíduo que apresenta uma
forte demanda pela cirurgia.
Lanz (2014) faz uma análise conceitual extensa sobre gênero, identidades de gênero,
orientação sexual e discute as possíveis falhas e enganos na definição dos termos travesti,
transexual e transgênero, além de criticar o “[...] discurso, até hoje corrente, de que a travesti
é alguém que se sente bem com a sua genitália enquanto a transexual necessita de cirurgia
de readequação genital, o que carece inteiramente de fundamento empírico” (LANZ, 2014,
p. 156).

102
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Um grave problema ao se definir a identidade travesti a partir da


“ambiguidade” do seu corpo e da sua sexualidade “difusa”, que resulta no
conceito, amplamente aceito nos estudos acadêmicos existentes, de que a
travesti “convive muito bem” com sua genitália de macho e, portanto, não
quer se submeter a cirurgia de transgenitalização, é justamente quando a
travesti passa a explicitar esse desejo. Nessa hora, o que ela é? Ou o que passa
a ser? Transexual? (LANZ, 2014, p. 159).

Ao final de sua dissertação defendida no Programa de Pós-graduação em Psicologia


da Universidade de Federal do Paraná, a mesma autora traz um glossário esclarecedor sobre
a temática de gênero e suas nuanças. Daí retira-se que:

TRANSEXUAL (TS). Termo oriundo da área médica, designando pessoas


consideradas portadoras, no grau mais avançado, de transtorno de identidade
de gênero, em virtude da sua profunda identificação com o gênero oposto
ao que lhes foi consignado ao nascer. Até certo tempo atrás, a transexual
era vista como aquela identidade transgênera que fez (ou desejaria fazer)
a cirurgia de transgenitalização. A transexual afirma que nasceu no corpo
errado, pois se considera uma mulher presa em um corpo de homem. O
órgão sexual é visto por ela como um apêndice, algo não pertencente ao seu
corpo e que, portanto, deve ser erradicado. A teoria mais amplamente aceita
é de que a transexualidade é um distúrbio de gênero que ocorre quando a
identidade de gênero de um indivíduo não corresponde ao seu sexo genital.
Essa dissonância seria fonte de enorme angústia e ansiedade, podendo levar
os indivíduos transexuais a um grau insuportável de sofrimento físico e
psíquico. A superação do distúrbio exigiria terapia hormonal e realização de
cirurgia de reaparelhamento genital (LANZ, 2014, p. 335-336).

TRAVESTI (TV) (inglês shemale, tranny). A diferenciação que


tradicionalmente se fazia entre travestis e transexuais era de que as
travestis não se encontram em conflito com os seus genitais masculinos;
que, pelo contrário, admitem que seus genitais machos são parte efetiva
do seu desempenho. Essa distinção já não tem fundamento na realidade
atual, onde pessoas que se identificam como travestis têm buscado
igualmente a cirurgia de reaparelhamento genital, até recentemente
considerada uma condição exclusiva da identidade transexual. Por outro
lado, ainda que na mais-do-que-machista cultura brasileira, o termo
travesti esteja associado à baixa renda, baixa escolaridade, baixaria,
vestuário erótico, prostituição e exibicionismo, existem travestis de
altíssimo nível socioeconômico, vivendo integralmente como mulher, sem
perder a ambiguidade característica desse comportamento transgênero.
Independentemente de sexo ou gênero, e definido de maneira ampla,
travesti é qualquer pessoa que se apresenta socialmente usando roupas e
adereços culturalmente definidos como de uso próprio do sexo oposto. [...]
Atenção: o termo “transvestite”, em inglês não corresponde a “travesti”
no Brasil, mas a crossdresser (LANZ, 2014, p. 338).

É interessante – assim como causa certa estranheza – notar que a autora critica o
uso da palavra em inglês transvestite, que segundo ela não corresponderia ao que no Brasil
conhecemos como travesti, mas utiliza as expressões shemale e tranny que têm conotação
pejorativa na língua inglesa.

103
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Lanz (2014) foca o seu trabalho na transgeneridade, define transgênero como um termo
guarda-chuva que abriga sob si todas as pessoas que transgridem as normas socialmente
estabelecidas pelo dispositivo binário de gênero e busca

[...] cobrir um amplo espectro de comportamentos considerados transgressivos à


disciplina e às interdições impostas por esse dispositivo, que vão desde a simples
curiosidade de experimentar roupas/calçados/adereços próprios do outro gênero
até a firme determinação de realizar mudanças físicas através do uso de hormônios e
cirurgias (LANZ, 2014, p. 334-335).

Aqui, pode-se dizer que abraçados pelo termo transgênero estão: travesti, transexual,
drag queen, drag king, crossdresser e outros que venham a se encaixar na característica
transgressora do termo.
Por fim, é bastante pertinente a reflexão trazida por Lima (2013) quando indaga: “se
não há um conceito fundamental que caracterize o que é ser homem ou mulher, por que
haveria de ter uma definição clara e categórica do que é ser travesti ou transexual?” (LIMA,
2013, p. 36).

GÊNERO: UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE

Do senso comum entende-se por identidade como uma qualidade que distingue
algo, um conjunto de características que definem e diferenciam pessoas ou coisas tornando
possível individualizá-las, sendo hoje essa questão extensamente discutida na teoria social
e nos estudos de gênero.
Identidade de gênero, portanto, seria a forma como cada pessoa vê a si própria no
que tange ser um homem ou uma mulher, numa determinada época e em num determinado
local, estando inserida em um contexto social. É como uma pessoa se identifica podendo ou
não concordar com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer, ou seja, é perfeitamente possível
uma pessoa nascer com um sexo biológico e se identificar com o gênero oposto (LANZ, 2014;
SILVA; BEZERRA; QUEIROZ, 2015).

Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através


de processos inconscientes, e não de algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado
sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em
processo”, sempre “sendo formada” (HALL, 2005, p. 38).

É comum pensar que as pessoas transgêneras sejam heterossexuais, mas é evidente


que uma mulher transexual ou travesti, por exemplo, pode sentir atração e desejo por outra
mulher já que orientação sexual é totalmente distinta de identidade de gênero. Existem
homens trans gays, assim como mulheres trans lésbicas ou ainda bissexuais. Orientação
sexual é a atração afetiva e sexual que pode ser dirigida a pessoas do sexo oposto, do mesmo
sexo ou de ambos.
Da mesma forma que há discordâncias quanto às definições de transexual e travesti,
existem fortes conflitos quando se fala em identidade de gênero como natureza – tendendo
para ideia da estabilidade e imutabilidade – ou construção social, de característica mutável

104
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

e dinâmica. É comum na sociedade hodierna o pensamento que se nasce homem e se


morre homem. A ideia de uma pessoa que transita entre os gêneros ou que transiciona
permanentemente ao sexo oposto ainda causa grande desconforto social, mesmo no início
do século XXI.
Identidades são construções e reconstruções sociais. “A identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. [...] é definida historicamente, e não
biologicamente.” (HALL, 2005, p. 13). Corroboram este apontamento: Hercoles (2017), ao
afirmar que tanto as identidades para gênero quanto para sexualidade são mutáveis; Louro
(2003) apud Cruz e Santos (2016) ensina que gênero e sexualidade não são definições
seguras e estáveis, mas históricas e cambiantes; Lanz (2014) registra certo constrangimento
ao dizer que ainda existem pessoas insistindo em falar de identidades de gênero como sendo
entidades definitivamente prontas e acabadas, definidas e completamente distintas umas
das outras.
Tendo em consideração esses posicionamentos sobre as questões de gênero,
identidades e sexualidades, ao contrário do que as ciências naturais tentam impor, resta
apenas ao sexo a definição biológica.
Sob o paradigma médico que tende à patologização das mais variadas questões
humanas, ficaram categorizados na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, na sua décima edição - CID-10 (OMS,1996), os
transtornos da identidade sexual (F64) e neles o “transexualismo” (F64.0). Na quinta
edição do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria -
DSM-V (APA,2014), essas questões identitárias receberam o nome de “disforia de gênero”.
As duas denominações desde então geram inúmeros debates nas comunidades acadêmica
e LGBT.
Vários movimentos se organizaram no mundo pela despatologização das identidades
trans até quando: “[...] no dia 18 de junho de 2018, foi retirada da categoria de transtornos
mentais da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 a classificação de travestilidade
e transexualidade, deixando também de ser vista como uma patologia” (BENEVIDES;
AGUIAR, 2019, p. 45).
Entre tais perpasses, Santana, Polizel e Maio (2016) afirmam que a identidade trans
é uma das mais apagadas e invisibilizadas devido ao que eles chamam de “borrões” que
ela proporciona nas fronteiras entre o masculino e o feminino, entre o ser homem e o ser
mulher, impostos culturalmente pelos detentores do poder.

O LUGAR DA ESCOLA E A REPRODUÇÃO DO PRECONCEITO

A escola e a sala de aula são espaços onde os estudantes passam várias horas do dia.
Lugares onde acontece o que se convencionou chamar de educação formal com o estudo
de conteúdos específicos, tarefas a serem desempenhadas e objetivos a serem alcançados.
Mas também constituem locais de fala e socialização, de construção de identidades e de
personalidades que são fatores fundamentais do desenvolvimento humano.
Destes espaços, espera-se que sejam não apenas ambientes de educação formal, mas
que promovam o acolhimento do aluno e que o faça se sentir seguro e incluído na comunidade

105
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

escolar. Isto posto, indaga-se: as pessoas transexuais e travestis estão ocupando a escola
enquanto espaço educacional? Estão sendo acolhidas diante de sua diversidade?

A instituição escolar brasileira, apesar da crítica feminista de que a


sexualidade não fica do lado de fora dos portões escolares desde os anos de
1980, reluta em promover mudanças, particularmente em relação ao corpo
docente e gestor. Uma instituição que, além de contribuir na promoção das
desigualdades e hierarquias de classe, também reitera outras hierarquias.
Tensões que se tornam mais agudas quando o tema é a presença de estudantes
com práticas sexuais e expressões de gênero designados como gays, lésbicas,
travestis e transexuais que não se enquadram no modelo hegemônico que
implica no alinhamento entre sexo biológico, gênero e heterossexualidade
dentro do binarismo de dois sexos, dois gêneros, duas sexualidades: ou seja,
homens pelo sexo de nascimento, masculinos e heterossexuais e mulheres
pelo sexo de nascimento, femininas e, igualmente, heterossexuais (CRUZ;
SANTOS, 2016, p. 116).

O que se observa sem grande dificuldade e está documentado amplamente nos estudos
de gênero publicados no Brasil, assim como em documentários, filmes e outros formatos
audiovisuais, é que a escola acaba no lado oposto do que se prenuncia: ela ocupa um lugar
de reprodução da LGBTfobia estando na tríade apresentada por Silva, Bezerra e Queiroz
(2015) quando põem que a família é o primeiro grupo que exclui; a escola como lócus de
reprodução do preconceito e discriminação; e a rua que acolhe e vulnerabiliza.
Em estudos realizados sobre as experiências escolares de estudantes trans têm-se que
“o contraditório espaço escolar apresentou-se como lugar de discriminação heterossexista,
vigilante contra quem não se enquadrasse nos padrões binários e hegemônicos de gênero e
de sexualidade.” (CRUZ; SANTOS, 2016, p. 116).

Em vez de tentar reconhecer e legitimar os comportamentos gênero-


divergentes, a escola atua, através dos seus diversos agentes, no sentido de
localizar e dissuadir qualquer tipo de conduta considerada fora das normas
binárias de gênero (LANZ, 2014, p. 246).

Cavalcanti (2011) salienta que assim como a escola constrói conhecimentos,


também reproduz padrões e normas sociais dominantes como valores heterossexistas,
heteronormativos e machistas. Ao afirmarem que “[...] a escola é um micro espaço
institucional, reflete as representações sociais hegemônicas e contra-hegemônicas em
disputa no macrossocial e em suas outras instituições.” (SILVA; BEZERRA; QUEIROZ, 2015,
p. 369), esses autores corroboram Cavalcanti, assim como Alves e Moreira (2018), quando
colocam que “a Instituição Escola com seus, ritos, interditos, discursos e práticas ordena
sujeitos e corpos em categorias binárias numa perspectiva heteronormativa que normatiza,
iguala e invisibiliza a diferença.” (ALVES; MOREIRA, 2018, p. 105).
Esse pensamento é compatível com o atual momento social e político do Brasil
quando se observa uma onda de conservadorismo que avança inclusive sobre a educação,
reduzindo o papel emancipador do espaço escolar. Exemplos disso são o movimento Escola
sem Partido e a retirada dos termos “identidade de gênero” e “orientação sexual” da Base

106
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Nacional Comum Curricular (BNCC), além da redução do papel da escola à preparação do


aluno para o mercado de trabalho, de caráter tecnicista.
Tendo em vista a emergência do paradigma da inclusão escolar, onde nele se encai-
xam – ao contrário do que o senso comum faz pensar – todos que estejam vivenciando di-
ficuldades temporárias ou permanentes ou ainda privados do acesso à escola regular e não
apenas as pessoas com deficiência, que lugar a escola deve ocupar?

(IN)VISIBILIZAÇÃO DE TRANSEXUAIS E TRAVESTIS NA ESCOLA

Apesar dos avanços lentos e custosos, ainda é notória a falta de visibilidade de


transexuais e travestis na sociedade. É raro encontrar pessoas trans, sejam homens ou
mulheres, em espaços habitualmente ocupados por pessoas cisgêneras; trabalhando em
bancos, liderando equipes em grandes empresas, gerenciando lojas ou em ocupações
ditas tradicionais como médicos, dentistas, operadores do direito, entre outros. A maioria
delas, no entanto, encontra na prostituição uma forma de sobreviver e quando trabalham
formalmente, estão na área da estética como cabeleireiras e maquiadoras, onde normalmente
não se exige um forte grau de instrução.
Não acontece diferente no ambiente educacional. Na escola acontecem processos
de estigmatização que são “aqueles em que as pessoas, ao romperem com os modelos
previamente dados pela normatização, ficam marcadas negativamente, depreciadas a
ponto de serem desprovidas de direitos.” (PERES, 2009, p. 237), tendo como consequência
a invisibilidade.

O processo de invisibilização de homossexuais, bissexuais e transgêneros no


espaço escolar precisa ser desestabilizado. Uma invisibilidade que é tanto
maior se se fala de uma economia de visibilidade que extrapole os balizamentos
das disposições estereotipadas e estereotipantes. Além disso, as temáticas
relativas às homossexualidades, bissexualidades e transgeneridades são
invisíveis no currículo, no livro didático e até mesmo nas discussões sobre
direitos humanos na escola (JUNQUEIRA, 2009, p. 30).

Santana, Polizel e Maio (2016) realizaram uma pesquisa entrevistando professores


de Ciências e Biologia, visando compreender que representações os professores encontram
imersas e situadas ao assunto transexualidade. Observaram que a maioria dos docentes
entendia a transexualidade como desvio de conduta, compreendendo um sistema linear
entre sexo-gênero-sexualidade. Concluem que os entrevistados acabam responsabilizando
os estudantes trans, a equipe pedagógica ou outros membros da comunidade escolar pela
violência a que os próprios alunos são submetidos.
De forma clara, os autores afirmam ainda que “os professores não se reconhecem como
atores participantes nas redes de obstáculos que as pessoas trans enfrentam na escola, tão
pouco re(visitam) suas concepções sobre transexualidade” (SANTANA; POLIZEL; MAIO,
2016, p. 7).
À vista disso, é pertinente inferir que a invisibilização das pessoas trans pode começar
a partir da falta de informação da escola, que é porta de entrada à formação do sujeito, assim
como da subcapacitação dos profissionais que nela trabalham.

107
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Essa invisibilidade a que estão submetidas lésbicas, gays, bissexuais, travestis


e transexuais comporta a sua exclusão enquanto tais do espaço público e,
por isso, configura-se como uma das mais esmagadoras formas de opressão.
É inquietante notar que alguém que não pode existir, ser visto, ouvido,
conhecido, reconhecido, considerado, respeitado e tampouco amado pode
ser odiado (JUNQUEIRA, 2009, p. 30).

São perceptíveis os processos de invisibilização a partir dos relatos de transexuais e


travestis publicados na literatura científica, perpassando desde a violência simbólica à física,
frequentemente culminando na evasão escolar.
Professores também são invisíveis na escola. Essa constatação é factível a começar
pelo rarefato número de profissionais transexuais e travestis na docência. Reidel (2013)
apud Cruz e Santos (2016) aponta que o número desses professores na educação brasileira
é de aproximadamente 60 profissionais, ínfimo, considerando-se o total de professores
atuantes no país.
Torres (2010) analisa o processo de transformação de duas professoras transexuais
no exercício da profissão, traz a homofobia e a transfobia como dispositivos da
heteronormatividade que impedem o acesso igualitário à escola e que a existência de pessoas
trans na função docente provoca tensões.

A presença de um/a professor/a LGBT pode ser tão ameaçadora que


alguns entendem que é indevida na escola, pois pode constituir como
uma “aprendizagem”. Um/a professor/a não está na escola apenas como
transmissor/a de conteúdos educacionais, seus corpos e suas vidas podem
mediar significados e questões que mobilizam os membros da comunidade
escolar. A presença na escola de transexuais como professoras, associada aos
atos de currículo, pode colocar em xeque a heteronormatividade; deste modo
as transexuais estão sempre atentas à possibilidade de serem eliminadas
(TORRES, 2010, p. 49).

Entretanto, o autor ainda afirma que a emergência de professoras transexuais


indica que existem sinais de uma rede de solidariedade entre pessoas trans que permitem
o acesso ao mundo do trabalho, mesmo não havendo o afastamento da transfobia nas
figurações sociais.
Quando o debate é sobre a escola inclusiva, logo são atreladas a ela as diferentes
deficiências, sejam físicas, intelectuais ou sensoriais. Neste ponto se faz importante a
reflexão sobre o lugar do paradigma da inclusão escolar na última década quando se trata
de estudantes transexuais e travestis. A bibliografia publicada nesse período indica a
persistência da invisibilidade dessa população apesar dos esforços em contrário e algum
resultado positivo como o uso do nome social no ambiente escolar.

LGBTFOBIA, VIOLÊNCIA E EVASÃO/EXPULSÃO ESCOLAR


Da escola, eu lembro das torturas. Torturas que estavam presentes nos
olhares e nos risos que iam desde a servente e a merendeira, passando pelos
professores e a diretora, até os colegas de sala e de recreio. [...] enquanto
ficava nas ameaças eu aguentava, mas o pior foi quando, ao sair da escola,
eu levei uma chuva de pedradas que me machucaram muito e tive que fazer

108
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

vários curativos. Mesmo assim, eu ainda aguentei muito até terminar a oitava
série. Depois disso, nunca mais quis saber de escola (PERES, 2009, p. 252,
entrevista concedida a William Siqueira Peres por Luciana).

Junqueira (2009) trata da homofobia na escola e relaciona o assunto como sendo


um problema de todos. Constata que a escola é um espaço de opressão, discriminação e
preconceitos e destaca o preocupante quadro de violência vivida por inúmeros estudantes
LGBT. “Tal como ocorre com outras ‘minorias’, esse/a estudante tende a ser constantemente
impelido/a apresentar ‘algo a mais’ para, quem sabe, ‘ser tratado como igual’” (JUNQUEIRA,
2009, p. 26).
Este “algo a mais” abordado pelo autor nada mais é do que mecanismos de compensação
que o estudante, que sofre algum tipo de violência ou exclusão homofóbica/transfóbica,
tende a usar para ocultar, consciente ou inconscientemente, frustrações e sentimentos de
inadequação quanto a sua identidade de gênero e sexualidade, o que se dá por meio da
gratificação em outras formas como, por exemplo, sendo o aluno mais engraçado, o melhor
amigo das meninas, ou se destacando com as mais altas notas da turma.

O corpo docente da escola costuma dirigir-se a seus grupos de estudantes


como se não houvesse ali um gay, uma lésbica ou alguém que se interrogue
acerca de suas práticas sexuais ou de seu gênero. Pelo fato de serem ignorados
pela escola, poucos estudantes sentem-se à vontade com a exposição de seus
corpos, e aqueles que se atrevem a mostrá-los são rejeitados e excluídos
(CRUZ; SANTOS, 2016, p. 122).

Os relatos de transexuais e travestis apontam que o ambiente escolar representa


vivências negativas de sofrimento e de solidão; de discriminação, que vem de todos os
lados, desde o colega de sala aos professores, coordenadores e diretores, culminando
na evasão escolar ou, conforme Hercoles (2017), ao concordar com Bento (2012), na
expulsão, que acontece quando estudantes deixam a escola por divergir dos arquétipos
de gênero e sexualidade.

Logo na segunda semana, quando cheguei na escola, uma funcionária que


estava na porta disse que eu deveria esperar ali na entrada que a diretora queria
falar comigo. Fiquei ali por meia hora e só depois a funcionária me levou até a
diretora, que estava no computador e nem me olhou na cara, dizendo: “Então
você resolveu se sentir gente? Com a vida que você leva, você acha que pode
frequentar lugares de gente de bem? Mas você é muito atrevido mesmo, você
quer desmoralizar a minha escola? Você quer sujar o nome da escola? Saia
imediatamente daqui ou terei que chamar a polícia!” (PERES, 2009, p. 247-
248, entrevista concedida a William Siqueira Peres por Lara).

É evidente a violência e a tentativa de deslegitimar a identidade de gênero de Lara


por parte da diretora da escola ao deliberadamente tratá-la no masculino quando fala “Mas
você é muito atrevido mesmo”, sem sequer olhar para ela. Apesar de serem espectros da
LGBTfobia, aqui percebe-se que na transfobia acontece algo oposto à homofobia. Nesta, a
primeira violência ocorre quando se tenta a feminização no trato com o sujeito – no caso de
homens gays – naquela, a masculinização – no caso de mulheres trans, como Lara.

109
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

“[...] as identidades trans ainda se encontram submetidas à que talvez seja


a maior violência contra ela: sua invisibilidade, caracterizada pelo não
reconhecimento do bullying transfóbico, inclusive no âmbito do próprio
PNE e da Lei n. 13.185/2015, como uma grave forma de violência e injustiça
social que pode, inclusive, levar à morte e que, por isso, deve ser forte e
sistematicamente coibido pela escola e por políticas públicas educacionais.”
(MUSSE; FREITAS FILHO, 2016, p. 95).

Ratificando a ideia de expulsão escolar em detrimento do termo evasão, Peres (2009)


apresenta a história de Alice, travesti negra, agente de saúde, que sofreu tentativa de expulsão
pela direção da escola aos 13 anos de idade quando começava a se travestir.

Meu pai não sabia que eu me montava na escola, só o pessoal da escola. Aí,
a diretora chamou meu pai e me pôs na frente dele e contou tudo. Meu pai
ficou calado e eu desesperada, porque não sabia qual ia ser a reação dele.
Aí, ele olhou para mim, olhou para a diretora e perguntou: “E o que é que a
senhora quer que eu faça? Que eu espanque, que eu mate? A senhora vai me
desculpar, mas ele é meu filho e eu tenho que amar ele do jeito que ele for”.
Levantou, pegou o chapéu e saiu sem olhar para trás (PERES, 2009, p. 250-
251, entrevista concedida a William Siqueira Peres por Alice).

Acho que na escola era como se todo mundo me visse o tempo inteiro como
uma pessoa estranha, fora da casinha. O pior é que eu achava que não fazia
nada para isso, e não fazia mesmo. Eu só estava sendo eu mesma. Nada mais.
Mas aquilo era justamente o que mais incomodava todo mundo, eu não ser
igual a todo mundo (LANZ, 2014, p. 245, entrevista concedida a Letícia Lanz
por Ana Karenina).

Com este relato, a autora comenta que caso não queiram ser tratadas como
“diferentes”, com todo o estigma e violência real e simbólica atrelados a esse rótulo,
estudantes trans são obrigadas a se encaixarem nos padrões cisgêneros se quiserem
subsistir dentro do sistema escolar.

Ademais, é preciso não descurar que a homofobia, em qualquer circunstância,


é fator de sofrimento e injustiça. Também por isso, o astucioso argumento
de que ela seria “menos grave quando não produz baixo rendimento, evasão
ou abandono escolar” deve ser enfaticamente repelido (JUNQUEIRA,
2009, p. 26).

O USO DO NOME SOCIAL E A FORMAÇÃO/CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR


COMO ESTRATÉGIAS DE INCLUSÃO ESCOLAR

O nome social é o dispositivo que o sujeito elege para si de acordo com a sua
identificação de gênero. É “o nome através do qual a pessoa deseja ser identificada, uma vez
que o nome civil já não condiz com o modo de vida que a travesti ou a/o transexual assume
na atualidade” (LIMA, 2013, p. 11).
Vários estados e municípios adotaram medidas legais como forma de despertar para
a inclusão e assegurar o uso do nome social de estudantes na escola, como Belo Horizonte,
através da Resolução CME/BH Nº 002/2008, dispositivo legal discutido por Alves e

110
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Moreira (2013), ao estudarem as ressonâncias do uso do nome social na rede municipal


de educação.
Neste estudo, os autores investigaram a trajetória de uma transexual através de
entrevistas, rodas de conversação e observação participante da rotina da estudante,
professores e funcionários administrativos. Ficou evidente que nem a estudante nem a
maioria dos profissionais conheciam a norma legal.

Quando os educadores foram questionados sobre o nome (social) e a política


pública, apenas um professor disse que conhecia a normativa de antemão, os
demais só tomaram conhecimento após a presença da estudante Nazaré na
escola. Disseram ser importante um documento de tal natureza, pois legaliza
e cria uma referência útil, por exemplo, na orientação do porteiro da escola
sobre o tratamento interpessoal com o nome (social) (ALVES; MOREIRA,
2018, p. 115).

Tampouco a equipe responsável pelo controle da frequência escolar da Secretaria


Municipal de Educação estava devidamente capacitada, fato verificado quando uma servidora
que faz chamada oral periodicamente nas escolas da rede municipal chamou Nazaré pelo
nome de registro. Isto posto, “[...] as funcionárias não foram orientadas sobre a existência da
Resolução CME/BH Nº 002 (2008), nem sobre o que significa um nome (social).” (ALVES;
MOREIRA, 2018, p. 114).
A adoção de normas legais pelo poder público quanto ao uso do nome social na escola
é sem dúvida fator primário para implantar medidas de inclusão de transexuais e travestis,
mas ela deve estar vinculada a ações de capacitação e formação continuada dos profissionais
da educação. De outra forma, corre-se o grande risco de ter sua eficácia comprometida.

Verifica-se que apesar de alguns ambientes, tanto escolares como não,


assegurarem uma tentativa de devido reconhecimento e respeito com as
pessoas trans com o uso do nome social, a situação não passa de uma forma
de “gambiarra jurídica” que pode nem sempre surtir o efeito inclusivo,
perpetuando preconceitos. O devido respeito às pessoas trans somente
é garantido com a quebra de paradigmas culturais e preconceitos, em que
difunda-se a dignidade da pessoa humana (MARTINS; ANGELIN, 2017, p. 1).

Lanz (2014) parece concordar com esse aspecto controverso do uso do nome social.
Para a autora é mais válida a “mudança do nome civil sem a implacável tutela médica/jurídica
atual e não a inutilidade do nome social” (LANZ, 2014, p. 186-187). Causa estranheza quando
se fala em “inutilidade do nome social” visto que o não uso dele perpetua práticas transfóbicas
e as inúmeras situações vexatórias vividas no cotidiano por transexuais e travestis.

A designação pelo nome de nascimento quando se opta por um nome social


constitui-se como violência simbólica e está na pauta diária dos movimentos
LGBT. Afinal, é por meio do nome que, em nossa sociedade, um sujeito
expressa seu pertencimento de sexo e de gênero, e até mesmo gera uma
imagem pública sobre a sua sexualidade. Em nossa cultura os nomes também
correspondem a padrões binários muito demarcados em relação ao gênero,
e esse é mais um problema para a expressão dos sujeitos trans (CRUZ;
SANTOS, 2016, p. 131).

111
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

Contudo, Martins e Angelin (2017) consolidam o pensamento de que para haver o


adequado respeito e reconhecimento do indivíduo transexual, é importante que se adequem
à sua documentação e registro público, sua identidade de gênero. Enfatizam ainda que é
indeclinável a mudança do prenome e do sexo para evitar o tratamento insultuoso.
De acordo com Lima (2013), o governo do estado do Pará, em 10 de abril de 2008,
instituiu o uso do nome social para transexuais e travestis nas unidades escolares públicas
da rede estadual. Através do estudo das histórias de vida de oito entrevistadas, a autora
analisou o efeito dessa política pública como meio de inclusão escolar de pessoas trans.

Bianca passou a negociar com cada professor/a a possibilidade de chamá-la


por seu nome social. Nome que a acolhe ao gênero que deseja. A maioria,
mesmo considerando um pedido excêntrico, aceitou sua demanda. Porém,
uma professora recusou vivamente chamá-la por Bianca, alegando ser uma
prática “contra a lei”. Enquanto não tivesse em sua carteira de identidade a
comprovação que seu nome era Bianca, continuaria a chamá-la por Pedro
José. Se antes tal professora só a chamava de Pedro, depois desse incidente,
passou a acrescentar seu segundo prenome: José. Ratificava assim o nome
masculino que ela tanto queria esquecer (LIMA, 2013, p. 90).

Lima (2013) demonstra que essa política cria zonas de tensão entre o que ela chama
de estratégias de normalização das formas de viver e as práticas de resistência a elas
direcionadas. Afirma ainda que “apesar de seus parcos efeitos no sentido de promover a
inclusão escolar de travestis e transexuais, a legislação em questão tem uma importância
política ao mostrar alguma preocupação com a escolarização das pessoas trans.” (LIMA,
2013, p. 128), e conclui enfatizando a dependência da inclusão da diversidade de modos de
viver a múltiplos fatores, sendo as políticas públicas apenas um deles.

O dispositivo nome (social) é insuficiente para gerenciar as lacunas entre


o texto prescrito da política pública e a prática social na escola, sendo
considerado como um ponto de partida para o reconhecimento dos direitos
de cidadania de transexuais no Brasil (ALVES; MOREIRA, 2018, p. 103).

Pouquíssimos dos trabalhos pesquisados discutiram ou enfatizaram a importância


da formação inicial e continuada do professor no trato do assunto gênero e diversidade na
escola – e mais especificamente sobre transexuais e travestis – como estratégia de inclusão
escolar de pessoas trans, se limitando a sugerir reflexões futuras.
Entre eles estão Santana, Polizel e Maio (2016), que destacam “a importância de discutir
as sexualidades durante a formação de professoras/es, seja esta a inicial ou continuada
[...] vendo a escola como instituição social diversa e permeada pelas pluriculturalidades.”
(SANTANA; POLIZEL; MAIO, 2016, p. 14), e Junqueira (2009) ao concluir que:

É inquestionável a importância de medidas voltadas a oferecer, sobretudo a


profissionais da educação, diretrizes consistentes; a incluir de modo coerente tais temas
na sua formação inicial e continuada; bem como a estimular a pesquisa e a divulgação de
conhecimento acerca da homofobia, da sua extensão e dos modos de desestabilizá-la.”
(JUNQUEIRA, 2009, p. 34-35).

112
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a Declaração de Salamanca em 1994 até os dias atuais, observa-se um fenômeno


de consolidação do paradigma da educação inclusiva. É cada vez mais comum se falar em
inclusão escolar e ler publicações sobre o assunto; legislações estão sendo promulgadas;
escolas em todos os lugares se dizem inclusivas.
Também não são recentes os estudos de gênero e diversidade na escola. Muito se tem
publicado sobre sexualidades e suas nuanças. Todavia, tendo como referência a bibliografia
levantada, ainda são escassos os estudos sobre a invisibilidade e a inclusão escolar de
transexuais e travestis, que continuam estigmatizados e invisíveis, considerando o universo
de pesquisa em educação.
A partir da análise dos trabalhos publicados no Brasil nos últimos dez anos, é possível
depreender que o processo de invisibilização de transexuais e travestis no ambiente escolar
acontece através da reprodução da discriminação e do preconceito que se inicia na família e
frequentemente termina com a vulnerabilização social dessas pessoas, tendo como desfecho
comezinho a prostituição.
A falta de preparo e inconsistências na formação inicial do professor e de outros
profissionais da educação foram constatados como fatores determinantes para o processo
de invisibilização de estudantes trans juntamente com a LGBTfobia, praticada tanto fora
quanto dentro da escola, e nela não apenas por colegas, mas por professores, diretores e
outros membros da comunidade escolar.
Mesmo diante de contendas, o uso do nome social pode ser considerado como indicador
ou ainda como estratégia de inclusão escolar, tendo sido tema de ações governamentais e
políticas públicas educacionais. Do mesmo modo, a capacitação e formação continuada do
professor representam aspectos imprescindíveis para a inclusão escolar, provavelmente este
ponto deveria ser um dos pontos de partida do debate de gênero na escola.
De modo algum esse estudo, e principalmente este tema, está exaurido. Trata-se
de assunto contemporâneo, em constante transmutação na sociedade, e que tende a ser
atemporal, visto que traz questões que ainda serão bastante debatidas na atualidade e no
futuro, tanto academicamente quanto pelos movimentos sociais.

REFERÊNCIAS

1. ALVES, C. E. R.; MOREIRA, M. I. C. Educação, nome (social) e políticas públicas: o caso


Nazaré, uma estudante transexual na escola. Educação em Foco, ano 21, n. 34, p. 103-123,
maio/ago., 2018.

2.ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM-V: Manual Diagnóstico e


Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014.

3.BENEVIDES, B.; AGUIAR, M. E. LGBTfobia estrutural: a violência e o assassinato


consentido pelo não reconhecimento da cidadania da população LGBTI+. Brasil:
Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA), Instituto Brasileiro
Trans de Educação (IBTE), 2019. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.

113
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

com/2019/01/dossie-dos-assassinatos-e-violencia-contra-pessoas-trans-em-2018.pdf.
Acesso em: 25 mar. 2019.

4.BENEVIDES, B.; NOGUEIRA, S. N. B. (Org.). Dossiê assassinatos e violência contra


travestis e transexuais no Brasil em 2018. Brasil: Associação Nacional de Travestis e
Transexuais do Brasil (ANTRA), Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), 2019.
Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2019/01/dossie-dos-assassinatos-
e-violencia-contra-pessoas-trans-em-2018.pdf. Acesso em: 25 mar. 2019.

5.BENTO, B. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2012.

6.BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação, 2019. Disponível
em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoConstituicao/anexo/CF.pdf. Acesso
em: 18 set. 2019.

7.BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em: 18 set. 2019.

8.CAVALCANTI, M. P. H. Gênero, educação & diversidade: sociabilidade das travestis nos


ambientes educacionais na cidade de Maceió/AL. In: Congresso Luso Afro Brasileiro de
Ciências Sociais, 11, Salvador. Anais... Universidade Federal da Bahia: 2011. Disponível
em: http://livrozilla.com/doc/489102/manuella-paiva-de-holanda-cavalcanti. Acesso em:
1 mar. 2019.

9.CRUZ, T. M.; SANTOS, T. Z. Experiências escolares de estudantes trans. Revista


Reflexão e Ação, v. 24, n. 1, p. 115-137, jan./abr., 2016.

10.HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

11.HERCOLES, C. H. “Trans-crição” para a visibilidade: história oral de experiências


escolares de uma travesti. In: Simpósio Internacional em Educação Sexual, 5, Maringá.
Anais... Núcleo de Pesquisas e Estudos em Diversidade Sexual: 2017. Disponível em:
http://www.sies.uem.br/trabalhos/2017/3207.pdf. Acesso em: 21 mar. 2019.

12.JUNQUEIRA, R. D. Homofobia nas escolas: um problema de todos. In: JUNQUEIRA,


R. D. (Org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia
nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009.

13.LANZ, L. O corpo da roupa: a pessoa transgênera entre a transgressão e a


conformidade com as normas de gênero. 2014. Dissertação – Departamento de Ciências
Sociais, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.

114
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

14.LESSA, P.; OLIVEIRA, M. A invisibilidade dos transexuais na educação: análise


dos discursos legais sobre o nome social nas escolas do Brasil. Cadernos de Gênero e
Tecnologia, v. 7, n. 25/26, p. 129-141, jan./jun., 2013.

15.LIMA, M. L. C. O uso do nome social como estratégia de inclusão escolar de


transexuais e travestis. 2013. Tese – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2013.

16.MANTOAN, M. T. E. Inclusão Escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo:
Moderna, 2003.

17.MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo:


Atlas, 2003.

18.MARTINS, P. A. M.; ANGELIN, R. O uso do nome social no ambiente escolar como


forma de inclusão e devido reconhecimento das pessoas trans. In: Seminário Internacional
Fazendo Gênero, 11; Women’s Worlds Congress, 13, Florianópolis. Anais... Universidade
Federal de Santa Catarina: 2017. Disponível em: http://www.wwc2017.eventos.dype.com.
br/resources/anais/1499482039_ARQUIVO_Texto_completo_MM_FG.pdf. Acesso em:
21 mar. 2019.

19.MUSSE, L. B.; FREITAS FILHO, Roberto. O lugar ocupado pela educação brasileira na
exclusão/inclusão das identidades trans. In: Encontro Nacional do CONPEDI, 25, Brasília.
Anais... Conselho Nacional de Pesquisa de Pós-Graduação em Direito: 2016. Disponível
em: https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/6hsw0io7/DZpDFA72AcDC4dFQ.
pdf. Acesso em: 6 mar. 2019.

20.ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de


Doenças e Problemas Relacionados à Saúde: CID-10 Décima revisão. Trad. do Centro
Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. São Paulo: EDUSP,
1996.

21.PERES, W. S. Cenas de exclusões anunciadas: travestis, transexuais, transgêneros


e a escola brasileira. In: JUNQUEIRA, R. D. (Org.). Diversidade Sexual na Educação:
problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009.

22.REIS, N. M. M. Declaração de Salamanca. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade


de Educação, 2010. Disponível em: https://gestrado.net.br/wp-content/
uploads/2020/08/114-1.pdf. Acesso em: 25 fev. 2019.

23.SANTANA, N. N.; POLIZEL, A. L.; MAIO, E. R. As/os trans são vistas/os na escola?
Revista Ártemis, v. 23, n. 1, p. 6-16, jul./dez., 2016.

24.SANTOS, S. P.; SILVA, E. P. Q. S. O entrelaçamento entre educação escolar


e transexualidade em dossiês de periódicos nacionais brasileiros (1995-2017).

115
Educação inclusiva: múltiplos olhares
Ana Lydia Vasco de Albuquerque Peixoto | Ana Paula Monteiro Rêgo | Maria das Graças Correia Gomes | Orlando Ramos do Nascimento (Organizadores)

InterMeio: revista do Programa de Pós-graduação em Educação, v. 23, n. 46, p. 39-


61, jul./dez., 2017.

25.SILVA, R. G. L. B.; BEZERRA, W. C.; QUEIROZ, S. B. Os impactos das identidades


transgênero na sociabilidade de travestis e mulheres transexuais. Rev. Ter. Ocup. Univ.
São Paulo, v. 26, n. 3, p. 364-472, set./dez., 2015.

26.TORRES, M. A. A transformação de professoras transexuais na escola: transfobia e


solidariedade em figurações sociais contemporâneas. Cronos – Revista do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN, v. 11, n. 2, p. 41-61, 2010.

116

Você também pode gostar