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HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Unidade III
7 AS TEORIAS DO JORNALISMO

Antes de detalharmos as principais teorias do jornalismo, é importante entendermos o contexto de


desenvolvimento das diversas correntes teóricas que envolvem a atividade. Como vimos nas unidades
anteriores, ao longo de sua trajetória, o jornalismo atravessou várias fases1, acompanhando, como era
de se esperar, a própria evolução das sociedades contemporâneas.

Uma das primeiras questões a serem analisadas é o fato de que nem todos os autores que estudam
o jornalismo concordam com a necessidade de haver um recorte específico para a atividade. Nesse caso,
opta-se por incluir as análises nesse campo nas teorias da comunicação.

Tomando como referência o livro de Felipe Pena, Teorias do jornalismo, que é uma das principais
referências nessa área para as escolas de jornalismo, consideramos necessário haver o recorte, uma vez
que acreditamos que as discussões específicas sobre o fazer jornalístico contribuem para a formação dos
futuros profissionais, além de servir de base para o aprimoramento das práticas profissionais de quem
já está na área.

Em sua obra, Pena (2005) parte da análise das sistematizações propostas por professores como Nelson
Traquina, Jorge Pedro Sousa, Michael Kunczik, José Marques de Melo e Nilson Lage, pesquisadores que
têm contribuído para o aprofundamento dos estudos sobre jornalismo no Brasil.

Como ponto inicial, devemos observar que a teoria do jornalismo se ocupa de duas questões básicas,
como descreve Pena:

1) Por que as notícias são como são? 2) Quais são os efeitos que essas
notícias geram? A primeira parte preocupa-se fundamentalmente com a
produção jornalística, mas também envereda pelo estudo da circulação do
produto, a notícia. Esta, por sua vez, é resultado da interação histórica e da
combinação de uma série de vetores: pessoal, cultural, ideológico, social,
tecnológico e midiático (2005, p. 20).

A partir daí, cada uma das abordagens teóricas formula suas respostas. Essa é uma observação
importante porque reforça a necessidade de pensarmos que não existe exatamente uma hierarquia
entre as teorias; ou seja, uma não é melhor do que a outra. O que vamos analisar, na aplicação delas, é
a adequação ao objeto de estudo.

1 Referimo-nos, neste caso, à divisão feita por Ciro Marcondes Filho, no livro Comunicação e jornalismo: a saga dos
cães perdidos, no qual ele traça um quadro evolutivo de quatro épocas distintas.
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Em termos didáticos, para facilitar a compreensão do assunto, podemos pensar que, assim como
acontece com as teorias da comunicação, não há uma forma única de analisar o jornalismo, até porque
precisamos levar em consideração o aspecto que está sendo observado na investigação em questão.
O foco é a linguagem jornalística? O canal empregado para transmitir aquela informação? Os efeitos
gerados na recepção daquela mensagem? Enfim, há uma série de elementos que devem ser considerados
quando nos propomos a realizar esse tipo de investigação.

A despeito das dificuldades, a compreensão dos aspectos teóricos e conceituais da atividade


jornalística é fundamental para que os profissionais que atuam nessa área tenham condições de realizar
o seu trabalho, que, vale enfatizar, é extremamente importante para a sociedade.

A questão é: se, no capitalismo tardio, a informação é tão estratégica,


quem serão seus mediadores? Nesse ponto é que o jornalismo assume uma
função vital. E é por isso que estou interessado em discutir seus conceitos e
teorias. Com a convergência tecnológica, que traz hibridação de contextos
midiáticos e culturais em fluxos de informação com velocidade cada vez
mais acelerada, o profissional da imprensa precisa ter uma formação sólida
e específica para assumir o papel de mediador. Em outras palavras, ele
precisa ser um especialista. Ninguém gostaria de entrar em um hospital e ser
atendido por um contador. Ou ser defendido no tribunal por um veterinário.
Então, por que seria diferente com o jornalismo? (PENA, 2005, p. 14).

Ainda com relação ao contexto de desenvolvimento das teorias do jornalismo, é importante diferenciar
o que entendemos por notícia. Ela assume contornos distintos nas várias abordagens teóricas, mas
podemos iniciar com essa definição de Genro Filho (1987), que demarca bem a forma como o jornalismo
se desenvolveu a partir do século XIX:

A notícia jornalística não pode ser considerada como uma modalidade


da informação em geral. Não foi a transmissão genérica da experiência
- o que sempre ocorreu em sociedade - e sim a transmissão sistemática,
por determinados meios técnicos, de um tipo de informação necessária
à integração e universalização da sociedade, a partir da emergência do
capitalismo, que deu origem à notícia jornalística (online).

Essa definição alinha-se com o entendimento de que o jornalismo, tal como conhecemos e
praticamos hoje, nasce e se desenvolve de acordo com o avanço do próprio capitalismo. Não se trata
de um aspecto secundário, como pode parecer num primeiro momento, porque isso vai determinar,
inclusive, as abordagens teóricas desenvolvidas sobre a atividade.

Outra reflexão importante é que as pesquisas iniciais sobre o jornalismo foram desenvolvidas
dentro de determinado contexto, o da grande mídia. A partir da década de 2000, com a consolidação
do webjornalismo, os acontecimentos passam a ser disponibilizados também por outros agentes, os
usuários da internet. Com isso, entram em cena outras questões que devem ser analisadas, como o fato
de que o jornalista não ocupa mais papel central na mediação social dos acontecimentos.
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Nesse sentido, tornaram-se mais frequentes também as investigações que envolvem a questão da
interatividade, presente em posts, comentários e fóruns.

Lembrete

A compreensão dos aspectos teóricos e conceituais da atividade


jornalística é fundamental para que os profissionais realizem bem o seu
trabalho, que é extremamente importante para a sociedade.

7.1 O mito da objetividade jornalística

O debate sobre a objetividade jornalística faz parte da atividade desde o início, uma vez que a
necessidade de separar fatos e opiniões foi importante, ainda no início do chamado Segundo Jornalismo,
para que a imprensa demarcasse a posição que assumiria na sociedade moderna.

Vejamos esta análise feita por Genro Filho (1987):

Não há dúvida que a chamada “objetividade jornalística” esconde uma


ideologia, a ideologia burguesa, cuja função é reproduzir e confirmar
as relações capitalistas. Essa objetividade implica uma compreensão do
mundo como um agregado de “fatos” prontos e acabados, cuja existência,
portanto, seria anterior a qualquer forma de percepção e autônoma em
relação a qualquer ideologia ou concepção de mundo. Caberia ao jornalista,
simplesmente, recolhê-los escrupulosamente como se fossem pedrinhas
coloridas. Essa visão ingênua, conforme já foi sublinhado, possui um fundo
positivista e funcionalista. Porém, não é demais insistir, essa “ideologia da
objetividade” do jornalismo moderno esconde, ao mesmo passo que indica,
uma nova modalidade social do conhecimento, historicamente ligado
ao desenvolvimento do capitalismo e dotado de potencialidade que o
ultrapassam (online).

A partir da leitura dessa análise, já fica claro que essa questão não é secundária para o exercício do
jornalismo. E, como veremos ao longo do nosso estudo, ela é objeto de muitos embates entre os próprios
pesquisadores desde o início da atividade. Compreensível, uma vez que a discussão sobre a subjetividade
no jornalismo diz respeito ao próprio entendimento sobre a natureza do jornalismo.

Ao analisar o assunto, Pena (2005) também enfatiza a necessidade de compreendermos que no


jornalismo a subjetividade não deve ser vista como uma oposição à objetividade. Segundo o autor, o que
está em jogo nesse caso é o reconhecimento da inevitabilidade. Ou seja, justamente pela constatação
de que os fatos são construídos de forma tão complexa é que “não se pode cultuá-los como a expressão
absoluta da realidade” (PENA, 2005, p. 24).

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Diante disso, seria necessário, portanto, adotar um maior rigor científico no momento de
transformar fatos em notícias. Pena (2005) cita o estudo do professor Michael Schudson, no livro
Discovering the news: a social history of american newspapers, de 1978, para explicar essa questão
da inevitabilidade. Vejamos:

Segundo Schudson, o conceito se desenvolve por três motivos principais:


1) a partir do ceticismo da sociedade americana no começo do século XX,
influenciada pelo crescimento da psicanálise, que faz duras críticas à razão;
2) pelo nascimento da profissão de relações públicas, capaz de produzir
fatos para beneficiar determinadas empresas; e, principalmente, 3) pela
influência da propaganda, cuja eficácia ficou provada ao levar a opinião
pública americana a ficar a favor da entrada dos Estados Unidos na Primeira
Guerra Mundial. Já Nelson Traquina, em sua obra sobre a teoria do jornalismo
publicada pela UFSC em 2004, cita a tese de doutorado do português Adriano
Rodrigues, que também critica “a insustentável dicotomia simplificadora
entre objetividade e subjetividade” (PENA, 2005, p. 24).

Sob essa perspectiva, podemos constatar que o desenvolvimento das novas técnicas jornalísticas
foi importante para ajudar o jornalismo a se diferenciar de outras formas de comunicação. Ainda
hoje, quando analisamos o conteúdo trabalhado nas disciplinas iniciais dos cursos de jornalismo, esse
argumento é validado. O lead, por exemplo, é uma das técnicas empregadas para que os estudantes
de jornalismo consigam diferenciar o tipo de texto que devem produzir, distanciando-se dos modelos
adotados em outros trabalhos, como as próprias redações escolares.

Voltando aos debates iniciais sobre o assunto, Pena (2005) também chama a atenção para o peso
que teve nessa história a cobertura realizada pelos jornais norte-americanos de eventos como a
Revolução Russa: “no geral, as notícias sobre a Rússia se convertiam num caso de ver as coisas não
como eram, mas como os homens queriam ver” (LIPPMANN apud PENA, 2005, p. 26).

O autor explica que, a partir de situações como essa, Lippmann defendia que os jornalistas deveriam
evitar seus próprios preconceitos e, para isso, teriam que adquirir o chamado espírito científico, ou seja,
o método de trabalho deveria ser objetivo, não o jornalista.

Ele próprio reconhece, no entanto, a confusão que persiste até hoje no que diz respeito ao conceito
de objetividade:

[...] ao longo dos anos o conceito foi perdendo esse significado original e
hoje causa muita confusão. A sociedade confunde a objetividade do método
com a do profissional, e este jamais deixará de ser subjetivo. E também
confunde texto com discurso, o que fica claro na separação dogmática
entre opinião e informação. A professora Sylvia Moretzsohn, autora do livro
Jornalismo em tempo real: o fetiche da velocidade, cita como exemplo o
site brasileiro de notícias no.com.br, em que o colunista Marcos Sá Corrêa
tinha como slogan “separando o N de notícia do O de opinião”. Mas o que se
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observa no jornalismo atual é uma simbiose, não uma separação. A notícia


nunca esteve tão carregada de opiniões. E um dos motivos é justamente
atender ao critério de objetividade que obriga o jornalista a ouvir sempre
os dois lados da história. Os jornais valorizam mais as declarações do que
os próprios fatos. Ou seja, preocupam-se mais com os comentários sobre os
acontecimentos do que com os acontecimentos em si (PENA, 2005, p. 53).

Como se pode constatar a partir dessas observações, a questão da subjetividade está relacionada
também à forma como o jornalista obtém as informações para a sua matéria. Por isso são tão importantes
os estudos relacionados à cadeia produtiva do jornalismo.

Para exemplificar como é complexa a questão da precisão dos fatos no jornalismo, vamos analisar
um caso no exemplo a seguir.

Exemplo de aplicação

O repórter de TV foi atropelado

Sete horas da manhã do dia primeiro de janeiro de 2018. Um ônibus atropela uma jovem de 22 anos,
depois de receber uma fechada de um carro de luxo. Os paramédicos são chamados e não demoram
em chegar ao local. O estado da jovem é grave, mas ela ainda respira. A ambulância leva-a ao hospital
Souza Aguiar, onde é constatada a morte cerebral. Estamos no primeiro dia da nova lei de doação de
órgãos no Brasil, pela qual todos são doadores, a menos que manifestem seu desejo em contrário na
carteira de identidade. A assessora de imprensa do hospital liga para uma emissora de TV. Pode ser
um “fato histórico”: o primeiro transplante, sob a égide da nova lei. Nove horas da manhã. O pauteiro,
jornalista especializado em dizer o que os repórteres devem fazer, escreve um texto com um resumo
do fato e sugere que seja feita uma reportagem. Ele já é a quinta pessoa a fazer uma construção do
acontecimento. A primeira foi uma testemunha ocular, que fez o relato para o paramédico. Este ainda
contou para o cirurgião do hospital, que, por sua vez, avisou a assessora de imprensa. Mas o processo
não para por aí.

Fonte: PENA, F. O repórter de TV foi atropelado. In: Televisão e sociedade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 2002.

A partir da leitura do texto anterior, como propõe Pena (2005), reflita sobre o trabalho do jornalista.
O “gancho jornalístico” para que o atropelamento se transformasse em notícia foi a nova lei de doação
de órgãos. Se não fosse isso, o suposto acidente não teria um lugar de destaque na imprensa, até porque,
numa cidade do porte do Rio de Janeiro, são registrados inúmeros casos semelhantes durante um dia.

Ao abordar o problema da qualidade da informação jornalística, Lage (2001) observa que se


trata de um quadro complexo e indica quatro pontos centrais que devem ser analisados, como
reproduzimos a seguir:

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1. A informação deve reportar-se à realidade – isto é, aos fatos e ideias


situados em seu tempo e espaço; 2. Não há a menor possibilidade de se
codificar simplesmente a realidade objetiva porque o processo mental
envolve percepção, portanto seleção, avaliação, contextualização e lógica
modal ou probabilística – o que implica certa margem de erro: se vejo
um corpo caído no asfalto, coberto com plástico preto, cercado de velas
e um automóvel com o para-lama dianteiro amassado, concluo que houve
um atropelamento, embora tudo isso possa ser o ensaio de uma cena de
novela, a coincidência de alguém ter morrido de mal súbito perto de um
carro que se dirigia à funilaria para reparar a frente danificada etc.; 3. Não
há como desconsiderar, também, a informação disponível sobre o público a
que a mensagem se destina. Se escrevo para jovens, devo imaginar que um
acontecimento da década de 1970 é histórico – isto é, está numa categoria
próxima à Segunda Guerra Mundial, às guerras napoleônicas ou às cruzadas.
A cena (no seriado de TV New York Undercover) de um pai negro aconselhando
o filho adolescente a não namorar meninas brancas pode ser natural e até
progressista nos Estados Unidos – ou para os que macaqueiam o cotidiano
americano – mas é surpreendente e antipática para a maioria do povo
brasileiro; 4. Finalmente há a subjetividade do repórter. Ele é treinado para
suprimi-la sempre que possível, mas é fato que um mesmo incidente será
descrito com diferentes palavras – ou diferentes ordenações de sentenças –
por jornalistas de culturas diferentes, por mais honestos e bem preparados
que sejam, já que o percebem de maneira diferente (LAGE, 2001, p. 48).

Lembrete

Justamente pela constatação de que os fatos são construídos de forma


tão complexa é que “não se pode cultuá-los como a expressão absoluta da
realidade” (PENA, 2005, p. 24).

Observação

No jornalismo, a subjetividade não deve ser vista como uma oposição


à objetividade. O que está em jogo nesse caso é o reconhecimento da
inevitabilidade.

7.2 A comunicação e o jornalismo como objeto de pesquisa

Em termos de trajetória, os primeiros estudos sobre jornalismo são situados na Alemanha, em 1690,
na Universidade de Leipzig. Conforme relata José Marques de Melo, em Jornalismo opinativo, foi nesse
período que Tobias Peucer defendeu a primeira tese de doutorado sobre “a natureza e a estrutura do
jornal diário” (MELO, 2003, p. 37).
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Segundo Sousa (2006b), Peucer delimitou alguns dos filões de pesquisa posteriores no campo
dos estudos jornalísticos: o formato das notícias e a sua elaboração no seio de uma gramática
histórico‑cultural; a objetividade; a ética como sinônimo de qualidade jornalística e as dificuldades
éticas e profissionais de narrar fatos em condições de incerteza; e o processo de seleção de notícias com
base em critérios de noticiabilidade (gatekeeping/newsmaking).

Como analisaremos no decorrer deste tópico, ao longo da trajetória do jornalismo, os pesquisadores


se aprofundariam nesses conceitos que, até hoje, são bastante atuais para a atividade, ainda que ela
tenha passado por tantas mudanças.

Apesar desse estudo inaugural em 1690, há poucas evidências de pesquisas sistemáticas sobre o
jornalismo durante o século XVIII. Acompanhando a evolução da atividade, a área de pesquisa e de
ensino do jornalismo se consolidaria apenas nos séculos XIX e XX.

Complementando essa análise sobre os estudos de jornalismo, é importante citar as considerações


de Sousa (2006a). O autor pondera que a investigação científica sobre o jornalismo pode abarcar várias
facetas, como pesquisas realizadas a partir do Modelo de Lasswell. Em sua proposta para estudar a
comunicação, deveríamos responder a cinco questões interligadas: “quem?”; “diz o quê?”; “a quem?”;
“por que meios?” e “com que efeitos?”. O estudioso é um dos teóricos oriundos da Escola de Chicago e
um dos expoentes da corrente de pensamento e de pesquisa conhecida por Funcionalismo.

O próprio Sousa (2006a) reconhece, contudo, que as perguntas equacionadas pelo Modelo de
Lasswell não esgotam os territórios da investigação sobre o jornalismo, até porque a pesquisa sobre
jornalismo não contempla apenas as circunstâncias peculiares da atividade, mas também a evolução
histórica dessas circunstâncias e do próprio conhecimento científico sobre o jornalismo.

[...] os autores que desenvolveram Estudos Jornalísticos recorreram e recorrem


a diversos métodos (empíricos, experimentais, reflexivos, macro‑observações,
micro‑observações etc.). As Ciências da Comunicação contemporâneas
caracterizam‑se, precisamente, por possibilitarem a co‑ocorrência e a
concorrência de vários métodos e técnicas de pesquisa. Há também
várias tendências para o estudo do jornalismo: umas privilegiam o caso;
outras privilegiam o geral. Umas sustentam-se numa única perspectiva
(a da linguística, a da psicologia, a da sociologia etc.); outras privilegiam
o cruzamento de várias perspectivas para o entendimento dos fenômenos
jornalísticos (por exemplo, cruzar a sociologia com a linguística). Alguns
autores procuram construir uma teoria unificada do jornalismo, enquanto
outros se empenham em mostrar que existem teorias do jornalismo,
visões alternativas supostamente irreconciliáveis. Em consequência, o
desenvolvimento de um campo científico como o dos Estudos Jornalísticos
tem de ser visto, conforme notou Thomas Khun (1962), como o resultado
de um processo social em que vários pesquisadores, isoladamente ou
em grupo, competem pela primazia das suas teorias e metodologias
(SOUSA, 2013, p. 6-7).
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7.2.1 Brasil

Melo (2003) identifica que, no caso do Brasil, a despeito de as primeiras pesquisas terem sido
realizadas no fim do século XIX, é apenas a partir da década de 1960 que temos um aprofundamento da
produção intelectual nessa área. A razão para isso é que tivemos nesse momento a expansão das escolas
de comunicação, consequência do próprio crescimento da indústria cultural e do desenvolvimento da
nossa imprensa.

Considerado uma das principais referências do país nessa área, Melo (2009) indica como marco zero
da pesquisa jornalística nacional o trabalho de Barbosa Lima Sobrinho. Observe o detalhamento que ele
faz desse trabalho:

[...] fez um diagnóstico preciso e conciso sobre o “problema da imprensa” no


momento em que transitávamos em direção ao jornalismo industrial. Sem
adotar comportamento apocalíptico, ele discute os prós e contras das
tendências emergentes – no mundo capitalista, o jornal-empresa; no mundo
socialista, o monopólio midiático do partido. Essa reflexão tem como foco o
panorama brasileiro, mas sua argumentação está embasada no pensamento de
autores de outros países, como os ingleses Stuart Mill e James Bryce, o espanhol
Gonzalo Blanco, os italianos Bonasi e Natale, estabelecendo também diálogo
crítico com Lênin, cuja ditadura do proletariado acarretou o amordaçamento da
imprensa russa. Mas ele não hesita em proclamar sua fidelidade aos pensadores
nativos que o precederam na reflexão sobre o campo jornalístico, especialmente
Alfredo de Carvalho e José Veríssimo (MELO, 2009, p. 10).

Adotando o critério cronológico, Melo (2009) agrupa o pensamento jornalístico brasileiro em três
grupos: emancipação – século XIX; identificação – século XX; autonomia – século XXI. Segundo o autor,
“em cada período florescem correntes de ideias que se complementam ou se confrontam, sem produzir
rupturas substantivas” (MELO, 2009, p. 7).

Complementando essa análise, Pena (2005) sintetiza os caminhos que têm sido adotados:

[...] as pesquisas têm enveredado pelo estudo da circulação do produto, a


notícia, que, por sua vez, é resultado da interação histórica e da combinação
de uma série de vetores: pessoal, cultural, ideológico, social, tecnológico
e midiático. Já os efeitos podem ser divididos em afetivos, cognitivos e
comportamentais, incidindo sobre pessoas, sociedades, culturas e civilizações.
Mas também influenciam a própria produção da notícia, em um movimento
retroativo de repercussão. Em suma, os diversos modelos de análise
ocupam‑se da produção e/ou da recepção da informação jornalística (p. 220).

Para entendermos melhor esse panorama sobre as pesquisas, é importante observar a análise feita por
Motta (2013). Ele faz considerações relevantes a respeito do caráter mais político e engajado assumido
pelos estudos na América Latina, principalmente até os anos 1980.
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A título de provocação, arrisco afirmar aqui que a diferença epistemológica


mais significativa entre a pesquisa realizada no conturbado período anterior
e aquela em curso no atual momento é a opção contemporânea por uma
pesquisa mais neutra e imparcial, mais distante em relação à sociedade na
qual ela se desenvolve. Uma pesquisa “mais objetiva e mais científica”, para
resumir. Arrisco afirmar que a pesquisa atual fez uma opção relativamente
explícita em favor de uma isenção científica. Para levar isso a cabo, a meu
ver, ela se distanciou do seu objeto: as relações sociais concretas. Desse
modo, em nome de uma autoafirmação acadêmica, os pesquisadores
preferiram distanciar-se dos fatos políticos e sociais, deixando a “militância”
para os políticos profissionais, partidos e movimentos sociais engajados
(MOTTA, 2013, p. 24).

Ao analisar a situação das pesquisas no campo acadêmico, Melo (2003) observa que, neste início
do século XXI, o campo acadêmico do jornalismo vivencia uma conjuntura de fortalecimento do
espaço universitário. Como evidência dessa situação, ele cita o lançamento de livros escritos por
pesquisadores situados em diferentes partes do país, além das pesquisas concluídas e da publicação
de revistas científicas.

Outro fator que mostra a relevância da pesquisa sobre o jornalismo no Brasil é a existência de
fóruns específicos para a apresentação e o debate das pesquisas, como os da Sociedade Brasileira
de Pesquisadores do Jornalismo (SBPJor) e do Núcleo de Pesquisa em Jornalismo da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e o Grupo de Estudos em Jornalismo da Associação
Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós).

Lembrete

Foi apenas a partir da década de 1960 que tivemos um aprofundamento


da produção intelectual sobre o jornalismo.

Saiba mais

Para você entender melhor a natureza dos estudos realizados nos últimos
anos pelos pesquisadores brasileiros, recomendamos a consulta dos projetos
apresentados na conferência da SBPJor:

SBPJOR. Apresentações e autores. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES


EM JORNALISMO, 18., 2020. Disponível em: https://bit.ly/3D1dpiP. Acesso em:
8 nov. 2021.

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Unidade III

7.3 Tendências das pesquisas na área

Entre as estratégias mais comuns adotadas nos estudos de jornalismo, figura a localização do
objeto de estudo do jornalismo no seu chamado produto material, isto é, a abordagem dos meios de
comunicação, como jornais, revistas, sites etc. Nesse caso, do ponto de vista metodológico, podemos
dizer que “a manifestação empírica do objeto é tomada pelo próprio objeto” (SILVA; PONTES, 2009, p. 1).

Um dos resultados disso é que as pesquisas acabam por não pensar o jornalismo em si mesmo,
recorrendo ao apoio de outros campos de conhecimento, como sociologia, antropologia, psicologia,
linguística, história e política.

Um aspecto importante de ser observado é que o método descritivo é um dos mais empregados nas
investidas teóricas do jornalismo. Assim, são comuns os estudos de produtos jornalísticos, especificamente
de matérias jornalísticas.

Silva e Pontes (2009) nos ajudam a entender por que há uma concentração nesse tipo de abordagem:

• Fácil acesso ao objeto de trabalho: é mais viável gravar telejornais e radiojornais, guardar
exemplares de revistas, recortar jornais impressos ou arquivar páginas da internet do que conseguir
autorização das empresas para pesquisar dentro das redações ou mesmo a disponibilidade dos
profissionais para entrevista ou entrevistar leitores.

• Custos da pesquisa: é mais barato investigar produtos do que processo de produção ou modos
de recepção, posto que muitos dos resultados divulgados em congressos ou publicados são
fruto de trabalho individual, e não de equipes.

• Tempo de duração da pesquisa: é mais viável trabalhar produção ou recepção em dissertações


e teses.

Ao citarem os projetos que envolvem a Teoria da Notícia, os autores fazem uma boa síntese dos
estudos realizados nessa frente. Vejamos:

• Os conteúdos veiculados pela mídia noticiosa, incluída aqui a diversidade dos estudos que
prometem fazer análises de discursos.

• Os formatos, os gêneros e as linguagens que identificam características tecnológicas e estilísticas


do texto jornalístico.

• O processo e as rotinas de produção.

• Os estudos dos efeitos e das audiências.

Com uma visão crítica, Silva e Pontes (2009) concordam que esses trabalhos são necessários para
entender o fenômeno jornalístico, mas fazem ressalvas ao modo como as investigações são realizadas,
por nem sempre retomarem a reflexão sobre o jornalismo, focando muito nos conteúdos.

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HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Para o propósito do nosso estudo, é importante compreendermos a natureza das investigações. Para
isso, sintetizamos a seguir alguns dos modelos mais comuns:

• Estudos sobre as temáticas presentes na mídia. Nesse caso, geralmente o objetivo é avaliar a
frequência com que aquele assunto é citado, as fontes que são utilizadas para compor a matéria,
que tipo de destaque é dado nos títulos, nas imagens etc. Os conteúdos são bastante diversificados,
envolvendo, por exemplo, questões ambientais, escândalos políticos, movimentos sociais, violência,
infância, situação da mulher, racismo etc.

• Em muitos casos, esse tipo de estudo é baseado na análise do discurso. A proposta para essas
abordagens é mostrar como a imprensa faz determinadas coberturas. Como enfatizam Silva e
Pontes (2009), geralmente as conclusões são usadas, nessa situação, para mostrar como esse tipo
de cobertura foi prejudicial para determinado ator social. Nos últimos anos, por exemplo, temos
visto a realização de análises desse tipo para denunciar a forma como a mulher é tratada na mídia
ou mesmo a questão do racismo.

• Em outra frente, temos ainda os estudos sobre formatos, gêneros e linguagem. Para os formatos,
as análises recorrem à explicação sobre os diferentes textos, a disposição deles, a divisão em
editorias, os gêneros, a posição das imagens (no espaço e/ou no tempo), os infográficos, as
complementações com som, cor, corte e enquadramento etc. (MOUILLAUD; PORTO, 1997, apud
SILVA; PONTES, 2009). Em gêneros, o interesse recai sobre investigações envolvendo a classificação
entre os textos opinativos e informativos.

• No caso dos trabalhos que tratam da linguagem do jornalismo, a proposta geralmente é avaliar a
estruturação dos textos informativos, os recursos narrativos mais utilizados. Ou seja, “são análises
gramaticais, semânticas ou com base na filosofia da linguagem para descrever como é e deve ser
o texto jornalístico” (SILVA; PONTES, 2009, p. 182).

• Temos ainda outra linha de investigação, mais voltada ao processo de produção da notícia,
contemplando a rotina e as investigações sobre comportamento das redações. A preocupação,
portanto, é caracterizar a atividade dos jornalistas, as pressões que sofrem nas redações, as
limitações que enfrentam no dia a dia em suas coberturas etc. A proposta, como veremos ao
estudar a Teoria do Newsmaking, é tentar explicar por que as notícias são como são, a partir da
análise do que acontece na rotina de produção, ou seja, são consideradas a pressão do tempo, a
hierarquia, o jogo de forças entre repórteres e editores, a dependência de releases, a influência da
publicidade sobre pautas etc.

• Também focadas nos emissores, são comuns investigações relacionadas às mudanças que têm
acontecido na distribuição das notícias envolvendo as novas tecnologias, procurando entender
como elas têm interferido na rotina de produção.

• Outro grupo importante é o que contempla as verificações sobre os efeitos causados pelos
produtos jornalísticos ou as particularidades de determinada audiência.

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Unidade III

Como esclarecem Silva e Pontes (2009), muitos dos estudos relatados aqui combinam as modalidades,
numa tentativa de produzir análises mais globais dos processos jornalísticos.

Como já dissemos, os autores são críticos à forma como os estudos têm sido conduzidos,
justamente em razão dos problemas enfrentados pela atividade para se configurar como um campo de
conhecimento autônomo.

Vale registrar que esse tipo de debate não está relacionado apenas à natureza dos estudos; envolve
também o próprio ensino do jornalismo. Até 2013, a maioria dos cursos de jornalismo fazia parte do
curso de comunicação social. Assim, tínhamos o curso de comunicação social, com habilitação em
jornalismo. Foram revistas em 2013 as Diretrizes Nacionais dos Cursos de Jornalismo, e agora eles
são independentes.

Essa mudança tem relação com o papel que se espera que o jornalista exerça, no sentido de que ele
deve ter uma formação sólida e específica para assumir o papel de mediador.

Autores como Felipe Pena (2005), que vamos usar como uma de nossas principais referências para
entender as teorias do jornalismo, justificam a importância do aprendizado sobre o assunto justamente
no fato de que a reflexão acadêmica é fundamental para desenvolver o pensamento crítico. E, a partir
daí, o estudante pode, em suas práticas como jornalista, fazer também a sua contribuição para a
sistematização do pensamento sobre a produção jornalística.

A teoria é esta: encontrar sentido para os fatos do mundo. No caso, então, a proposta é que possamos
entender como o jornalismo tem sido pensado ao longo de sua trajetória.

Lembrete

As pesquisas sobre jornalismo muitas vezes recorrem ao apoio de outros


campos de conhecimento, como sociologia, antropologia, psicologia,
linguística, história e política.

8 PRINCIPAIS ABORDAGENS TEÓRICAS DO JORNALISMO

8.1 A Teoria Crítica e a Teoria Funcionalista

Antes de abordarmos as teorias do jornalismo, é importante retomarmos, ainda que de forma breve,
as contribuições da Teoria Crítica e da Teoria Funcionalista. Essas correntes são tratadas de maneira mais
aprofundada em outra disciplina deste curso, mas vale a pena retomarmos alguns conceitos.

O chamado Paradigma de Lasswell, que ganha corpo nos Estados Unidos, por volta dos anos 1930,
tem como foco a análise de conteúdo, verificando as características das mensagens a partir de cinco
questões: quem, o quê, com que meio, a quem e com que efeitos.

124
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Como detalha Wolf (2003), o Modelo de Lasswell propunha que essas variáveis poderiam organizar
setores específicos da pesquisa. Assim, a primeira (“quem”) permitiria caracterizar o estudo dos emissores,
possibilitando analisar o controle sobre o que é transmitido. O “o quê”, por sua vez, permitiria verificar
o conteúdo das mensagens. Para o estudo dos meios, usaríamos a pergunta sobre o canal. Com as
variáveis “a quem” e “com que efeitos”, teríamos a análise da audiência.

Esse esquema proposto se insere na chamada Communication Research, que tem como foco central
justamente a análise dos efeitos e dos conteúdos. Um aspecto importante em relação a esses estudos é
a ênfase dada às funções exercidas pelos meios de comunicação de massa. Nesse sentido:

Lasswell incorpora o ambiente cultural, particularmente o seu contexto


sociopolítico – efeitos –, e ao mesmo tempo deslocando a centralidade do
foco analítico para a tecnologia que dá suporte ao processo comunicativo –
os canais (MELO apud HOHLFELDT; VALLES, 2008, p. 37).

Outro nome importante da Escola Funcionalista é Paul Lazarsfeld, que conseguiu constatar a partir
de suas pesquisas que os meios de comunicação de massa não provocavam os mesmos efeitos em
todas as pessoas. Ou seja, havia outras variáveis que deveriam ser analisadas, como o próprio tempo de
exposição à mensagem e a existência de outras fontes de influência, como os formadores de opinião.

Entre as críticas a esse modelo, destaca-se o fato de ele não tratar o ato comunicativo em sua
totalidade. Mas, como observa Wolf, o Modelo de Lasswell foi mais do que uma fórmula, pois “ordenou
o objeto de estudo segundo variáveis definidas e, assim, transformou-se numa verdadeira teoria da
comunicação” (WOLF, 2003, p. 30).

Vale atentar ainda para o fato de que esses estudos foram importantes por se contrapor à ideia de
que os meios de comunicação teriam efeitos diretos, uniformes e imediatos nos indivíduos – é isso o que
diz a primeira teoria da comunicação, a Teoria das Balas Mágicas.

Ao abordar a aplicação desses estudos no Brasil, Hohlfeldt e Valles fazem a seguinte observação:

Os estudos deste período oscilam entre o deslumbramento diante dos novos


fenômenos (multiplicação dos comics, explosão das telenovelas, sucesso
das revistas especializadas) e o receio diante da sua explosão (massificação
cultural, destruição da cultura popular). Ocorre o que Melo chamou de
autolegitimação da indústria cultural, na medida em que os pesquisadores
tomam a indústria cultural como objeto de estudo (2008, p. 24).

Essa observação dos autores faz referência a um embate recorrente entre os pesquisadores, uma vez
que os funcionalistas norte-americanos são vistos como conservadores, diferentemente dos chamados
frankfurtianos. Ao analisar a realização dos estudos no país nos anos 1980, Hohlfeldt e Valles citam o
rompimento da barreira que havia circunscrito os pesquisadores dessa área aos padrões conservadores
do funcionalismo norte-americano ou à crítica radical da Escola de Frankfurt.

125
Unidade III

Para finalizar, vale o registro de que os estudos realizados nesse período inicial foram extremamente
importantes para nortear as pesquisas que seriam realizadas na área de comunicação e, mais
especificamente, no campo jornalístico.

8.2 A Teoria do Espelho

Figura 26 – Redação na era analógica

Disponível em: https://bit.ly/3FDmIX3. Acesso em: 5 nov. 2021.

Considerada a mais antiga das teorias do jornalismo, a Teoria do Espelho começou a ser adotada a
partir de 1850. Como explicitado na sua denominação, ela é baseada no pressuposto de que as notícias
são como são porque refletem a realidade.

Essa proposta está baseada, portanto, na ideia de que a imprensa descreve os fatos de forma objetiva,
sem nenhum tipo de interferência por parte do jornalista, que é tratado como um observador isento.

Vejamos a descrição feita por Pena:

A imprensa funciona como um espelho do real, apresentando um reflexo


claro dos acontecimentos do cotidiano. Por essa teoria, o jornalista é um
mediador desinteressado, cuja missão é observar a realidade e emitir um
relato equilibrado e honesto sobre suas observações, com o cuidado de não
apresentar opiniões pessoais. Seu dever é informar, e informar significa
buscar a verdade acima de qualquer outra coisa (2005, p. 128).

Para entendermos melhor o que está por trás dessa definição, é importante lembrar que essa visão
sobre o jornalismo está relacionada às mudanças que estavam acontecendo naquele momento na
imprensa dos Estados Unidos, com o desenvolvimento de uma rentável indústria noticiosa de massas.

126
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Retomando o que vimos ao analisarmos a história do jornalismo, a segunda fase compreende


justamente o momento de profissionalização das atividades, quando prevalece a ideia de que o
jornalismo deve abandonar os aspectos mais ideológicos, partidários e panfletários presentes nas
primeiras publicações.

Para isso, o principal seria separar fatos e opiniões, priorizando a objetividade. E essa orientação está
expressa em observações como a do correspondente em Washington da agência noticiosa Associated
Press (READ, 1976, apud TRAQUINA, 2005, p. 147-148): “O meu trabalho é comunicar fatos: as minhas
instruções não permitem qualquer tipo de comentários sobre os fatos”.

É importante registrar que essa busca pela objetividade, que visava diferenciar a atividade do
jornalismo partidário da fase anterior, baseava-se também no entendimento de que o jornalismo deveria
usar métodos científicos, o que evitaria que seu trabalho fosse orientado pela subjetividade.

Seguindo essa linha de raciocínio, uma das premissas é a de que os jornalistas devem se manter
distantes dos acontecimentos, preocupando-se em fazer um relato neutro, isento de opinião, baseado
nas informações coletadas.

Faz parte ainda dessa visão o fato de que os veículos tentavam buscar o seu próprio financiamento,
afastando-se do modelo adotado até então, quando os jornais nasciam associados a partidos políticos
e dependiam deles para bancar os custos das publicações.

Entendido o contexto social do desenvolvimento da Teoria do Espelho, é importante enfatizar que


essas pesquisas iniciais se inspiram no Positivismo do filósofo francês Augusto Comte.

Para compreender melhor essa corrente, leia o texto reproduzido a seguir, no qual estão sintetizadas
as principais ideias.

Augusto Comte e a lei dos três estados

De maneira resumida podemos dizer que, para Comte, assim como nas ciências sociais, o
conhecimento deveria ser buscar as leis que regem a dinâmica da sociedade, o que só seria
possível por meio de uma postura científica e que viesse substituir as concepções teológicas
e filosóficas da realidade. Comte partia da premissa de que o homem é um ser naturalmente
social e portador de razão, que construía a sua inteligência e interferia sobre a formação de
seu pensamento.

Argumentava que a sociedade humana passava evolutivamente pelo que foi por
ele denominado lei dos três estados (ou estágios) do conhecimento e do pensamento
humano. O primeiro estado do conhecimento humano foi denominado por Comte como
estado teológico.

Neste estágio, o homem colocava Deus (ou forças sobrenaturais) como o regente de
tudo o que ocorre no cosmo e na vida social, conferindo-lhe uma ordem e uma determinada
127
Unidade III

forma de lógica. Tratava-se, portanto, de uma concepção teocêntrica da vida social, calcada
numa crença ou na fé irracional, carregada de dogmas e predestinações, que colocava o
homem numa posição fatalista e submissa diante da realidade.

Num segundo momento, o homem evoluiu e atingiu o estado denominado metafísico.


Nessa fase, o homem já não vê mais a figura divina como a única presente, agindo sobre
os fenômenos do mundo e de sua existência. Ao lado da ação divina, percebida ainda
como uma essência fundamentalmente presente, já são notadas determinadas formas de
intervenção da parte do homem.

Trata-se de uma fase de questionamentos e levantamento de dúvidas, que já buscam


uma ação além do que poderia provir do divino, considerado pelos positivistas como um
momento de progresso e evolução do pensamento humano, mas ainda incompleto e
insuficiente para que houvesse uma mais racional intervenção humana sobre a realidade
abrangente. Isso só seria possível à medida que o homem evoluísse para um estado
considerado superior: o positivo.

Neste estágio do conhecimento, o homem é concebido como o articulador dos


acontecimentos da vida social. Numa formulação antropocêntrica da realidade, nesse
estado, considerado por Comte como fixo e definitivo, há a valorização da busca do saber,
da reflexão, com base na razão, nos métodos científicos também denominados positivos
e no uso da racionalidade. Tal só seria alcançado naquela nova sociedade industrial,
conduzida para o progresso. É nessa perspectiva que Comte, em 1839, propôs a criação de
uma nova ciência: a sociologia, originalmente denominada física social. Por meio dela seria
possível adquirir um conhecimento mais racional e cientificamente fundamentado sobre os
fenômenos sociais.

Ao analisar o que ele denominou de evolução do conhecimento humano, Comte propõe,


claramente, que no caso do estado positivo, sinônimo de científico, há a aplicação de
determinados procedimentos científicos para a compreensão da realidade social.

COSTA, F. P.; GUERRIERO, S. Augusto Comte e a lei dos três estados. In: AZEVEDO, J. E. (org.).
Introdução às Ciências Sociais. São Paulo: Évora Uni, 2017.

A compreensão dos principais aspectos do pensamento positivista é fundamental para entendermos


as bases da Teoria do Espelho. A busca pela verdade e a tentativa de deixar a subjetividade em
segundo plano tinham a intenção de conferir mais legitimidade ao jornalismo, aproximá-lo do
método científico.

No campo acadêmico, a Teoria do Espelho não é mais empregada, até porque o jornalismo passou a
ser visto como construção da realidade, considerando-se os inúmeros aspectos que interferem no dia
a dia de trabalho do jornalista.

128
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Em sociedades mais complexas como a que vivemos hoje (bem diferente do ambiente de 1950), é
praticamente impossível considerar que o trabalho do jornalista é atuar como um reflexo da realidade,
até porque teríamos que nos perguntar, primeiramente, sobre a realidade de qual grupo social
estamos falando.

Nesse momento, é natural que haja a pergunta: se a Teoria do Espelho deixou de ser considerada
uma explicação plausível para indicar por que as notícias são como são, qual a razão de ainda fazemos
referência a ela em nossos estudos sobre jornalismo?

Em primeiro lugar, trata-se de uma abordagem que nos ajuda a entender o processo de
desenvolvimento do jornalismo, incentivando-nos a refletir sobre os dilemas que envolvem a
atividade. E há outra razão: em muitas situações, para evitar as acusações de manipulação dos fatos,
jornalistas e empresas jornalísticas usam um discurso de imparcialidade que nos remete às premissas
da Teoria do Espelho.

Dennis Oliveira (2020b) chama a atenção para esse aspecto em sua análise sobre imparcialidade e
neutralidade no jornalismo:

Embora esta ideia já esteja suficientemente contestada, é muito comum


ouvir de jornalistas este argumento como álibi contra críticas que são feitas
às produções jornalísticas: que eles apenas retratam a verdade e que não
têm compromisso com nenhum grupo (p. 45).

Para exemplificar essa situação, veja, a seguir, um trecho extraído das políticas editoriais do
Grupo Globo:

Pratica jornalismo todo veículo cujo propósito central seja conhecer,


produzir conhecimento, informar. O veículo cujo objetivo central seja
convencer, atrair adeptos, defender uma causa, faz propaganda. Um está́
na órbita do conhecimento; o outro, da luta político-ideológica. Um jornal
de um partido político, por exemplo, não deixa de ser um jornal, mas não
pratica jornalismo, não como aqui definido: noticia os fatos, analisa-os,
opina, mas sempre por um prisma, sempre com um viés, o viés do partido.
E sempre com um propósito: o de conquistar seguidores. Faz propaganda.
Algo bem diverso de um jornal generalista de informação: este noticia
os fatos, analisa-os, opina, mas com a intenção consciente de não ter
um viés, de tentar traduzir a realidade, no limite das possibilidades,
livre de prismas. Produz conhecimento. O Grupo Globo terá́ sempre e
apenas veículos cujo propósito seja conhecer, produzir conhecimento,
informar (GLOBO, 2011).

129
Unidade III

Exemplo de aplicação

Proposta de atividade: leia a matéria reproduzida a seguir e faça uma análise, procurando identificar
o método empregado pelo jornalista na sua elaboração. Quais foram as fontes? Como o jornalista
organizou a narrativa em questão? Ele expressa a sua opinião?

Eduardo Bolsonaro, ministra Tereza Cristina e Bruno Bianco, da AGU, recebem diagnóstico
de Covid

Deputado acompanhou comitiva do presidente na ONU, nos EUA, e está isolado após Queiroga
confirmar infecção

Mateus Vargas

BRASÍLIA

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) recebeu diagnóstico de Covid-19 nesta sexta-feira (24).
A informação foi anunciada pelo filho do presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), e o ministro da AGU (Advocacia-Geral da União),


Bruno Bianco, também confirmaram a infecção no mesmo dia.

Eduardo integrou a comitiva do presidente Bolsonaro que viajou a Nova York para participar da
Assembleia-Geral da ONU.

Todo o grupo que esteve nos Estados Unidos foi colocado em isolamento, por recomendação da
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), após o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, receber
o diagnóstico de Covid na terça-feira (21).

Três membros da equipe levada aos Estados Unidos contraíram a doença. Além de Eduardo e
Queiroga, um funcionário do cerimonial da Presidência recebeu diagnóstico no sábado (18), véspera da
chegada do presidente.

O deputado disse no Twitter não acreditar que a vacina é “inútil” por causa da sua infecção. Mas
afirmou que é “mais um argumento contra o passaporte sanitário”. “Sabemos que as vacinas foram feitas
mais rápidas do que o padrão. Tomei a 1ª dose de Pfizer e contraí Covid”, afirmou ele na rede social.

Apesar da fala de Eduardo, a vacina da Pfizer, assim como outras, tem eficácia e segurança reconhecidas
pela Anvisa. São necessárias duas doses deste imunizante para alcançar a proteção medida nos estudos.

As chances de contaminação caem após a vacinação, mas não há como impedir o contágio. A própria
Anvisa afirma que entre os principais ativos dos imunizantes está a redução dos casos graves.

Os dados do SUS mostram queda de internações após o começo da campanha de vacinação.


130
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Mais tarde, em uma live nas redes sociais, Eduardo repetiu os argumentos publicados em seu Twitter
e afirmou que está sentindo “sintomas apenas de um resfriado”.

“Hoje em dia muita gente já teve Covid, não é nada de excepcional”, afirmou, referindo-se à doença
que, até o momento, deixou mais de 593 mil mortos no Brasil.

Membros da comitiva de Bolsonaro não usaram máscaras e fizeram aglomerações em alguns


momentos da viagem aos Estados Unidos, aumentando as chances de contaminação. Mesmo depois de
saber da infecção de Queiroga, o presidente cumprimentou apoiadores.

Eduardo também afirmou que recebeu resultado negativo no exame para Covid feito em Nova York.
“Aqui no Brasil, dois dias depois positivou”, disse o deputado em um comentário escrito por ele em página
bolsonarista do Youtube. “Sinto-me melhor do que ontem e nem te conto o que tomei...”, completou.

O deputado não detalhou o tratamento escolhido, mas ele defende o uso de medicações sem eficácia
contra a Covid, como a hidroxicloroquina.

Eduardo disse ao portal R7 que fez o teste na quinta (23) e recebeu o resultado nesta sexta. Já a
ministra da Agricultura afirmou em sua conta no Twitter que está bem, cancelou compromissos e ficará
isolada para cumprir quarentena.

Somando os diagnósticos desta sexta, 18 ministros de Bolsonaro já foram infectados pela Covid.
A conta considera autoridades que já deixaram o governo, como Ricardo Salles, mas que confirmaram o
contágio enquanto estavam no cargo de ministro.

O ministro da AGU esteve na cerimônia de recondução do procurador-geral da República, Augusto


Aras, na quinta-feira (23). O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, também esteve no evento. Imagem
divulgada pelo Palácio do Planalto mostra Bianco cumprimentando Aras, que estava sem máscara.

Já a agenda de Tereza Cristina registra jantar com o embaixador do Reino Unido no Brasil, Peter
Wilson, na terça-feira (21). No dia seguinte, a ministra teve reuniões com a senadora Kátia Abreu (PP-TO)
e com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Ela não viajou com Bolsonaro aos Estados Unidos.

A ministra publicou imagem da conversa com Tarcísio, que não usava máscara. Ela também recebeu
outras autoridades nesta semana, como o secretário-executivo de Mudanças Climáticas da cidade
São Paulo, Antonio Pinheiro Pedro.

O presidente Jair Bolsonaro deverá realizar um novo teste RT-PCR no fim de semana e sair do
isolamento se não for detectada a presença do vírus.

Uma autoridade da Anvisa disse que quem teve contato com Eduardo e os ministros com diagnóstico
da Covid também deve se isolar por pelo menos cinco dias.

131
Unidade III

Em transmissão nas redes sociais na quinta-feira (23), Bolsonaro disse que duas pessoas conhecidas
foram infectadas com Covid, mesmo vacinadas. Bolsonaro usou os diagnósticos para voltar a desacreditar
os imunizantes, mas não citou quem havia testado positivo para Covid.

“Vou amanhã ligar para elas, para elas divulgarem. Mostrar que vacinas tomaram, para a gente
realmente ter um protocolo que funcione”.

Bolsonaro levou uma comitiva de 18 pessoas a Nova York, mas os integrantes da equipe de apoio
também foram isolados.

Após o diagnóstico de Queiroga, que faz quarentena em Nova York, Bolsonaro decidiu fazer reunião
de trabalho online e cancelar a ida ao interior do Paraná nesta sexta.

O avião presidencial decolou na noite de terça dos Estados Unidos e pousou em Brasília no início da
manhã desta quarta (22). Bolsonaro seguiu para o Palácio da Alvorada, residência oficial.

A viagem de Bolsonaro foi marcada por um discurso negacionista na ONU, em que ele atacou medidas
de distanciamento social e defendeu medicamentos comprovadamente ineficazes para a doença.

Fonte: VARGAS, M. Eduardo Bolsonaro, ministra Tereza Cristina e Bruno Bianco, da AGU, recebem diagnóstico de Covid.
Folha de S.Paulo, 24 set. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3qIm9qP. Acesso em: 8 nov. 2021.

Lembrete

Na Teoria do Espelho, as notícias são vistas como espelho da realidade e


o jornalista é visto como um comunicador desinteressado que tem o dever
de informar e buscar a verdade.

Saiba mais

Recomendamos a leitura das políticas editoriais da Folha e do


Grupo Globo:

FOLHA DE S.PAULO. Princípios editoriais. 12 mar. 2019. Disponível em:


https://bit.ly/3F3JJSE. Acesso em: 8 nov. 2021.

GLOBO. Princípios Editoriais do Grupo Globo. Rio de Janeiro, 6 ago. 2011.


Disponível em: https://glo.bo/3n3mpOL. Acesso em: 8 nov. 2021.

132
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

8.3 A Teoria do Gatekeeper

Diferenciando-se da Teoria do Espelho, a Teoria do Gatekeeper contraria a visão de que o jornalismo


seja um reflexo da realidade, na medida em que atribui ao jornalista a função de selecionar os
fatos/acontecimentos que serão noticiados nos veículos de comunicação.

Retomando à tentativa de responder à pergunta “por que as notícias são como são?”, os estudos
nesse campo vão conferir a responsabilidade aos profissionais que estão à frente das redações, afirmando
que as decisões são tomadas com base em seus critérios individuais.

Um dos nomes de referência dessa corrente teórica é David Manning White, responsável por realizar,
em 1950, uma das primeiras pesquisas empíricas sobre o conteúdo jornalístico. Para analisar os critérios
de publicação e exclusão de notícias, White acompanhou o dia a dia de um jornal norte-americano de
média tiragem, procurando identificar as razões da rejeição ou da aceitação de determinada notícia.

Vejamos o detalhamento feito por Pena:

Ele estudou o fluxo de notícias dentro dos canais de organização dos


jornais com o objetivo de individualizar os pontos que funcionam como
cancelas. Seu estudo de caso foi a observação da atividade de um jornalista
de meia-idade, com 25 anos de experiência profissional, morador de uma
cidade de cem mil habitantes, cuja função era determinar as notícias que
deveriam ser selecionadas entre as centenas de despachos de agências
que chegavam diariamente à redação. White chamou seu pesquisado de
Mr. Gates e, durante uma semana, anotou os motivos que o levaram
a rejeitar as notícias não utilizadas. White concluiu que as decisões de
Mr. Gates foram subjetivas e arbitrárias, dependentes de juízos de valor
baseados no conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper.
De cada dez despachos, nove foram rejeitados. Das 1.333 explicações para
a recusa de uma notícia, cerca de oitocentas referiam-se à falta de espaço,
trezentas foram consideradas repetidas (sobrepostas a outras histórias já
selecionadas) ou não tinham interesse jornalístico, e 76 não estavam dentro
da área de interesse do jornal (2005, p. 136).

Essa linha de pesquisa é influenciada pelos estudos relacionados à psicologia social, a partir do
trabalho de Kurt Lewin, que fez uma pesquisa sobre as modificações dos hábitos alimentares em
determinado grupo social.

Lewin percebeu que existem canais por onde flui a sequência de


comportamentos relativos a um determinado tema. Esses canais
desembocam em uma zona filtro (o gate), que é controlada por quem tem
o poder de decidir (o gatekeeper). No caso dessa pesquisa específica, era
a decisão doméstica sobre que alimentos deveriam ser adquiridos para o
consumo da família (PENA, 2005, p. 136).
133
Unidade III

Trazendo essa análise de Lewin para o jornalismo, a proposta, então, é que a notícia é transmitida de
um gatekeeper para outro na cadeia de comunicações, considerando os papéis de pauteiros, repórteres,
editores etc. Autores como Traquina (2005) indicam como limitação para esses estudos o fato de
que a análise da notícia é feita apenas a partir de quem produz, desconsiderando-se outras questões
importantes, como as normas profissionais que interferem no trabalho do jornalista, como a estrutura
burocrática e a organização.

A despeito das limitações, trata-se de uma abordagem relevante na medida em que possibilitou
a criação de modelos para avaliar a seleção e a razão empregadas na produção jornalística, além de
detalhar como o conteúdo é modelado e estruturado.

Como contribuição importante para a aplicação da Teoria do Gatekeeper, destaca-se o livro de


Pamela J. Shoemaker e Tim P. Vos, Teoria do gatekeeping: seleção e construção da notícia, lançado no
Brasil em 2011.

Ao adotar o conceito de gatekeeping, pressupõe-se uma leitura mais abrangente da atuação do


jornalismo, uma vez que ele passa a se referir a todas as formas de controle da informação, incluindo
aspectos ligados à formação da mensagem, à difusão etc.

Marques (2018) explica que o fenômeno de seleção das informações pode ser verificado em
níveis que vão além do individual, como nas rotinas organizacionais. Por exemplo, quando um evento
requer muita despesa e/ou tecnologia para produzir a história, isso pode surtir um efeito contrário na
escolha da notícia.

Com base na pesquisa de Shoemaker, o pesquisador propõe cinco níveis para o estudo do gatekeeping
em contextos contemporâneos:

1) o dos profissionais da comunicação individuais (suas atitudes políticas,


por exemplo); 2) o das rotinas ou práticas do trabalho em comunicação
(a pirâmide invertida, por exemplo); 3) o nível organizacional (a análise de
variáveis como parâmetros de participação de propriedade na mídia, por
exemplo); 4) o nível de análise socioinstitucional, incluindo as influências do
governo e grupos de interesse; e, 5) o nível do sistema social, com a análise
de variáveis (ideologia e cultura, por exemplo) (MARQUES, 2018, p. 49).

Como indica o próprio Marques (2018) ao fazer uma análise detalhada da Teoria do Gatekeeper,
os pressupostos levantados nesses estudos foram importantes para delimitar os caminhos que seriam
seguidos pela Teoria do Newsmaking, focada nas rotinas de produção do trabalho jornalístico (ela será
analisada no próximo tópico).

Refletindo sobre a realidade atual do jornalismo, a preocupação em avançar nessa análise dos fatores
envolvidos na produção da notícia também reside no fato de que a difusão das plataformas digitais tem
colocado novos desafios para o trabalho do jornalista. No dia a dia, percebe-se que as possibilidades

134
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

de controle da informação que será divulgada são cada vez mais limitadas, uma vez que houve uma
multiplicação na quantidade de produtores de conteúdo.

Por conta das mudanças, os pesquisadores têm revisitado a Teoria do Gatekeeper, expandindo sua
aplicação para o campo do jornalismo online. Nesse caso, vale chamar a atenção para outro aspecto
do trabalho atual dos jornalistas: a produção do jornalismo com o emprego de dispositivos móveis
tem ajudado a reconfigurar também a própria autonomia do profissional. Quando está fazendo uma
cobertura na rua, direto do seu celular, o repórter muitas vezes é mesmo o responsável por decidir o que
será noticiado e de que forma isso será feito.

Para entender melhor como isso funciona na prática, leia a seguir o estudo de caso sobre o
Mídia Ninja.

Exemplo de aplicação

Mídias Ninja: smartphones na cobertura ao vivo das manifestações

O Mídia Ninja é um caso ilustrativo da apropriação e remixagem das tecnologias móveis. Apesar
de ter sido tratado com novidade e ineditismo, esse uso de tecnologias móveis já tinha sido citado e
contextualizado por Howard Rheingold, em 2002, no seu livro Smart mobs: the next social revolution,
na exploração do conceito de smart mobs (multidão inteligente) como uma revolução da multitude
organizada para protestar através de articulações via SMS, comunidades virtuais e com o uso de
tecnologias móveis.

Entretanto, o trabalho do Mídia Ninja repercutiu durante os protestos em junho de 2013 no Brasil,
no que ficou conhecido como “Jornada de Junho” contra o aumento de passagens, contra a Copa do
Mundo e outras reivindicações.

O Mídia Ninja exerceu o princípio da liberação do polo emissor ao transformar o smartphone com
tecnologia 3G e 4G em aplicativo de streaming transmissor para emissão ao vivo (figura 27). A narrativa
em tempo real explorada e o coletivo descentralizado fizeram com que a cobertura do protesto fosse
realizada de forma protagonista em relação aos meios de comunicação de massa, que demoraram para
compreender o fenômeno das manifestações e seu impacto sobre o processo de construção da notícia.

Outros veículos de comunicação, ao se confrontarem com a realidade (ou devido ao impedimento


pelos manifestantes), iniciaram a estratégia de atuar de forma similar ao Mídia Ninja, como ocorreu com
os repórteres da Globo News e da Folha de S.Paulo (com drones e Google Glass).

Podemos classificar essa articulação do Mídia Ninja dentro da noção de jornalismo participativo
móvel e que se beneficiou da proliferação de câmeras digitais e celulares com câmeras. Fatos de grandes
repercussões como os atentados em Madri (2004) e Londres (2005) foram registrados por cidadãos
comuns e reverberaram pela internet e pelos veículos de comunicação tradicionais, assumindo uma
função pós-massiva.

135
Unidade III

Figura 27 – Mídia Ninja fazendo transmissão ao vivo de smartphones

Fonte: Silva (2015, p. 34).

Observamos que essas situações ultrapassam a fronteira dos meios de comunicação de massa e
funcionam como insurgência à inoperância destes diante de fatos jornalísticos que não são cobertos por
falta de profissionais suficientes, por decisões editoriais ou por não atenderem aos critérios objetivos ou
subjetivos de noticiabilidade dessas organizações jornalísticas.

No contexto, temos o papel exercido pelas redes sociais móveis como aspecto expansivo e essencial
da prática do jornalismo móvel devido às possibilidades de emissão instantânea de diversos formatos
midiáticos diretamente de smartphones e tablets e utilizadas na chamada narrativa em tempo real, a
exemplo do Twitter, Facebook e Instagram, além da característica de compartilhamento.

Durante as manifestações de junho no Brasil, tivemos um exemplo prático da capilaridade das redes
sociais através do Mídia Ninja com a fusão entre redes sociais móveis, smartphones com conexão 3G e
4G e aplicativo de streaming TwitCasting na cobertura ao vivo direto de diversos lugares do país.

As redes sociais são reapropriadas para o jornalismo nas condições de narrativas construídas
diretamente dos lugares dos acontecimentos. A percepção do uso prático das redes sociais tem sido
vista em momentos como chuvas intensas nas metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador,
por exemplo, em que os meios de comunicação de massa tradicionais falham na cobertura de utilidade
pública ou o fazem de forma limitada.

136
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Nessas circunstâncias e pelas suas características, as redes sociais são mais ágeis e perfeitamente
aplicáveis à noção de jornalismo móvel na compreensão da relação jornalismo, mobilidade e lugar
através de tecnologias móveis conectadas e ubíquas.

Fonte: SILVA, F. F. Jornalismo móvel. Salvador: EDUFBA, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3F89WPX. Acesso em: 22 set. 2021.

Lembrete

A Teoria do Gatekeeper pressupõe que as notícias são como são porque


os jornalistas assim as determinam.

Saiba mais

Para entender a aplicação da Teoria do Gatekeeper, leia a parte II do


livro a seguir:

SHOEMAKER, P. J.; VOS, T. P. Teoria do gatekeeping: seleção e construção


da notícia. Porto Alegre: Penso, 2011.

8.4 A Teoria do Newsmaking

Considerada ainda bastante atual para os estudos sobre jornalismo, a Teoria do Newsmaking propõe
uma abordagem sociológica para a atividade. Em linhas gerais, contempla as rotinas de produção das
matérias, concentrando o seu foco nas condições enfrentadas no dia a dia para que o trabalho possa ser
realizado, e os efeitos que essas rotinas terão sobre o fazer jornalístico.

Assim, a partir dessa perspectiva, essa teoria leva em consideração o fato de as notícias massivas
terem algumas características peculiares, uma vez que os veículos de comunicação têm necessidade
de audiência, dependem do financiamento direto da publicidade e exercem alguma forma de controle
editorial sobre o que será publicado.

Vamos entender melhor como foram fundamentados esses estudos, mas vale enfatizar que os
pressupostos da Teoria do Newsmaking são os balizadores dos cursos de jornalismo, que, em suas
disciplinas iniciais, abordam, por exemplo, os critérios de noticiabilidade consolidados a partir desse tipo
de pesquisa.

137
Unidade III

Trata-se de um aspecto relevante para a formação dos jornalistas, porque se apresentam como uma
forma de mostrar para quem está iniciando a sua trajetória na área quais são os critérios empregados
no dia a dia para que um fato/acontecimento seja transformado em notícia.

Como observa Pena (2005), é na acepção dessa corrente teórica que o trabalho jornalístico passa a
ser visto não como espelho da realidade, e sim como construção da realidade. Para exemplificar, o autor
chama a atenção, por exemplo, para a produção noticiosa na televisão:

Organizada no tempo, e não no espaço, a notícia televisiva sofre com mais


intensidade os efeitos da velocidade. O “furo de reportagem” não espera
a edição do dia seguinte, deve ser veiculado na hora, ao vivo e em cores.
No interior dessa lógica, fica clara a pressão sofrida pelo repórter. Ao mesmo
tempo, entretanto, ele toma a notícia como um valor, ou seja, apropria-se
dos benefícios de ser o jornalista a dar o furo e entra no jogo da concorrência
comercial. É um dos aspectos classificados por Breed como constrangimento
organizacional, que influencia diretamente no trabalho jornalístico. O fato é
que os jornalistas se valem de uma cultura própria para decidir o que é ou
não é notícia. Ou seja, têm critérios próprios, que consideram óbvios, quase
instintivos (p. 73).

Warren Breed, citado no texto de Pena, foi um dos primeiros investigadores a sugerir que os
jornalistas eram influenciados por forças socializadoras na redação. Em sua análise, ele indica o processo
de recompensa e punição ao qual o jornalista está submetido, citando seis fatores como preponderantes:

• autoridade institucional e sanções;

• progressão na carreira profissional;

• sentimentos de obrigação e estima para com os seus superiores;

• ausência de conflitos de lealdade;

• prazer do exercício do jornalismo;

• jornalismo como valor.

Seguindo essa linha, como analisa Sousa (1999), a gratificação do jornalista socializado na redação
concretizava-se quando ele alcançava um estatuto entre os seus colegas e os seus superiores. Por essa
perspectiva, isso seria até mais importante do que sua capacidade de influenciar pessoas, a resposta do
público perante o seu trabalho ou mesmo na defesa de ideais pessoais ou profissionais.

Ainda tomando como referência a análise feita por Sousa (1999), em A notícia e seus efeitos,
é importante citar o trabalho realizado por Leon Sigal sobre as primeiras páginas dos jornais
The New York Times e Washington Post. Ele constatou que havia muita competição entre os editores
138
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

para conseguir espaço na primeira página. Nessa análise, ele também identificou que a lógica de
funcionamento das organizações jornalísticas, especificamente a rotina, era responsável por fazer
com que leads de notícias sobre o mesmo assunto, embora editadas por órgãos de comunicação social
diferentes, fossem semelhantes.

Uma das principais referências para a Teoria do Newsmarking é a socióloga Gaye Tuchman, que
sintetizou suas propostas no livro Making news: a study in the construction of reality.

De acordo com a análise feita por Pena (2005) sobre essa proposta, os órgãos de informação devem
cumprir três obrigações para produzir o noticiário:

• tornar possível o reconhecimento de um fato desconhecido como acontecimento notável;

• elaborar formas de relatar os acontecimentos que não tenham a pretensão de dar a cada fato
ocorrido um tratamento idiossincrático;

• organizar, temporal e espacialmente, o trabalho de modo que os acontecimentos noticiáveis


possam afluir e ser trabalhados de forma planificada.

Uma das questões centrais, nesse caso, é que o jornalista tem uma participação ativa nesse processo
de produção, apesar de sua autonomia estar vinculada à prática profissional – ou seja, depende do que
acontece no planejamento produtivo.

Como observa Pena (2005), essa situação diminui a pertinência de alguns enfoques conspiratórios na
teoria do jornalismo, como o paradigma da manipulação da notícia. Além disso, “uma suposta intenção
manipuladora por parte do jornalista seria superada pelas imposições da produção jornalística” (PENA,
2005, p. 130).

Uma das contribuições da Teoria do Newsmaking é a indicação dos chamados critérios de


noticiabilidade, importantes para definir por que determinados fatos ganharão o status de notícia e
outros não. Conforme afirma Traquina (2005, p. 47), “devido aos valores-notícia, os jornalistas formam
hábitos mentais, isto é, maneiras de ver”.

Listamos, a seguir, os principais critérios de noticiabilidade. O tema tem sido trabalhado por diversos
autores, com diferentes denominações, mas a relação a seguir traduz bem a essência do que está por
trás do valor-notícia:

• Proximidade: quanto mais próximo ocorrer um acontecimento, mais probabilidade ele tem de se
tornar notícia. A proximidade pode assumir várias formas: geográfica, afetiva, cultural etc.

• Momento do acontecimento: quanto mais recente for um acontecimento, mais probabilidade


tem de se tornar notícia.

139
Unidade III

• Relevância: quanto mais intenso ou relevante for um acontecimento, quanto maior o número
de pessoas impactadas, mais probabilidade tem de se tornar notícia; além disso, quanto menos
ambíguo for um acontecimento, mais probabilidade tem de se tornar notícia.

• Proeminência social dos sujeitos envolvidos: quanto mais proeminentes forem as pessoas
envolvidas num acontecimento, mais probabilidade ele tem de se tornar notícia.

• Proeminência das nações envolvidas nas notícias: quanto mais proeminentes forem as nações
envolvidas num acontecimento internacional, mais probabilidade ele tem de se tornar notícia.

• Consonância: quanto mais agendável for um acontecimento, quanto mais corresponder


às expectativas e quanto mais o seu relato se adaptar ao meio, mais probabilidade tem de se
tornar notícia.

• Imprevisibilidade: quanto mais surpreendente for um acontecimento, mais probabilidade terá


de se tornar notícia.

• Continuidade: os desenvolvimentos de acontecimentos já noticiados têm grande probabilidade


de se tornar notícia.

O que é importante enfatizar, para o objetivo do nosso estudo, é que a partir do conceito de
valor‑notícia a Teoria do Newsmaking concentra-se no processo de organização do trabalho jornalístico,
sem a qual seria praticamente impossível desenvolver o trabalho.

A perspectiva da Teoria do Newsmaking é construtivista e rejeita claramente


a teoria do espelho. Mas isso não significa considerar as notícias ficcionais,
sem correspondência com a realidade exterior. Na verdade, o método
construtivista apenas enfatiza o caráter convencional das notícias, admitindo
que elas informam e têm referência na realidade. Entretanto, também
ajudam a construir essa mesma realidade e possuem uma lógica interna
de constituição que influencia todo o processo de construção. A socióloga
Gaye Tuchman é uma das mais respeitadas pesquisadoras do newsmaking.
Suas ideias são constantemente citadas no livro Teorias da comunicação,
de Mauro Wolf, para quem a teoria articula-se em três vertentes principais:
a cultura profissional dos jornalistas, a organização do trabalho e os processos
produtivos. Para o autor, Tuchman envereda com competência pela
análise da organização do ofício jornalístico, sem a qual seria impossível
produzir notícias, já que há uma superabundância de fatos no cotidiano
(PENA, 2005, p. 131).

Nelson Traquina, no livro Teorias do jornalismo, volume I, também cita o estudo de Gaye Tuchman
para explicar o conceito de perspicácia noticiosa, classificada pela socióloga como uma espécie de
conhecimento sagrado, uma capacidade secreta de diferenciar o jornalista de outras pessoas.

140
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Contudo, como foi confirmado pela Teoria do Newsmaking, as notícias apresentam um padrão geral
estável e previsível. Vejamos a sua definição:

A previsibilidade do esquema geral das notícias deve-se à existência de


critérios de noticiabilidade, isto é, à existência de valores-notícia que os
membros da tribo jornalística partilham. Podemos definir o conceito de
noticiabilidade como o conjunto de critérios e operações que fornecem
a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor
como notícia. Assim, os critérios de noticiabilidade são o conjunto de
valores-notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é
susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de
ser transformado em matéria noticiável e, por isso, possuindo valor-notícia
(TRAQUINA, 2005, p. 63).

Ao abordar a forma como o tema tem sido estudado na história do jornalismo, Traquina cita ainda
a importância do estudo realizado por Hebert Gans, em 1979, que teve como foco os telejornais de três
cadeias norte-americanas, CBS, ABC e NBC, além das revistas de informação Newsweek e Time.

Nesse trabalho, foi evidenciada a relevância dos critérios adotados na produção jornalística, a partir
da verificação da semelhança entre as notícias publicadas, confirmando que não se trata de um acaso,
mas de um padrão, determinado por uma série de fatores.

É esta a proposta que fundamenta a Teoria do Newsmaking: a constatação de que os valores-notícia


estão presentes em todo o processo de produção jornalística, da seleção à elaboração das matérias.
Portanto, como define Traquina (2005) ao elaborar o conceito, existe um processo de construção da notícia.

Refletindo sobre o emprego da Teoria do Newsmaking nas pesquisas sobre jornalismo, é importante
enfatizar que, nesse caso, as propostas partem para análises específicas sobre o fazer jornalístico,
contemplando desde o valor-notícia até as questões relacionadas à rotina do trabalho jornalístico, como
as fontes utilizadas, o tipo de veículo de comunicação, as linhas editoriais etc.

Contribuindo para a reflexão sobre o ambiente no qual o jornalismo se assenta, Sousa (1999) cita
diversos fatores que exercem pressão sobre a atividade e que são considerados nos estudos feitos a
partir da perspectiva do newsmaking:

• deadlines cada vez mais apertadas;

• devido à internet, perda do seu papel de gatekeeper privilegiado da informação publicamente


difundida;

• obrigação de narrar histórias complexas em situações de incerteza, sem todos os dados disponíveis
ou todas as fontes acessíveis;

• pressão pela competição;


141
Unidade III

• constrangimento pela gestão dos recursos humanos, financeiros e materiais da sua organização
noticiosa;

• falta de tempo para ponderar devidamente sobre a pertinência e o significado dos acontecimentos e
das ideias que seleciona e, consequentemente, sobre a pertinência e o significado da informação
que vai disponibilizar ao público;

• necessidade de notável know how, quer sobre jornalismo e técnicas de expressão jornalística, quer
sobre a área em que se especializou, além de uma agenda de contatos rica e diversificada.

Convenhamos que, no global, são exigências nada fáceis de cumprir.


De qualquer modo, talvez não estejamos a assistir a um enfraquecimento do
jornalismo, mas apenas à volatilização de uma certa concepção de jornalismo,
resultante da condensação sobre a atividade jornalística de uma série de
forças constrangentes, nem sempre resultantes de estratégias lineares e
menos ainda claras de poder e dominação. Neste quadro, a formação do
jornalista e o entendimento público esclarecido e desmistificado sobre o que
é o jornalismo torna-se crucial (SOUSA, 1999, online).

Lembrete

A Teoria do Newsmaking pressupõe que as notícias são como são em


função das rotinas de produção do jornalismo.

Observação

É na acepção da Teoria do Newsmaking que o trabalho jornalístico


passa a ser visto não como espelho da realidade, e sim como construção
da realidade.

8.5 A Teoria do Agendamento

A Teoria do Agendamento, ou Agenda Setting, como se costuma utilizar nos estudos, é baseada no
conceito de agendamento que foi proposto, em 1972, por Maxwell E. McCombs e Donald Shaw.

Confira a definição feita por Pena:

A Teoria do Agendamento defende a ideia de que os consumidores de


notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são
veiculados na imprensa, sugerindo que os meios de comunicação agendam
nossas conversas. Ou seja, a mídia nos diz sobre o que falar e pauta nossos
relacionamentos (2005, p. 144).
142
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Para entender os seus pressupostos, contudo, temos que voltar alguns anos, mais precisamente, para
a década de 1920. Nesse período, foi lançado o livro Opinião pública, do jornalista Walter Lippmann
(1922), que buscava reforçar “a pregação do uso de métodos científicos contra a subjetividade na
profissão, para fazer frente às distorções factuais verificadas na cobertura da Primeira Guerra Mundial”
(CASTRO, 2013, p. 5).

Diversos autores enfatizam a importância desse trabalho para o desenvolvimento da Teoria do


Agendamento. Como explica Vizeu (2002), logo no primeiro capítulo, sob o título “The world outside and
the pictures in our heads”, Lippmann mostra que a mídia (a imprensa, essencialmente, nesse momento
histórico) pode ser considerada a principal ligação entre os acontecimentos do mundo e as imagens
desses acontecimentos na nossa mente.

Lippmann iria antecipar em 50 anos todo um conjunto de pesquisas em


torno da teoria do agendamento (McCOMBS; SHAW, 1972), que foi, no fim
do século XX, uma das linhas de pesquisa mais dinâmicas no estudo da
mídia e do jornalismo. Basicamente, a hipótese do agendamento sustenta
que as pessoas agendam seus assuntos e conversas em função do que a
mídia veicula (VIZEU, 2002, p. 2).

Em sua análise sobre as premissas dessa teoria, Pena destaca aspectos que devem ser avaliados com
atenção. A partir desses estudos, houve uma mudança no foco das investigações, porque o objetivo
passa a ser entender de que maneira as pessoas apreendem (e aprendem) as informações e formam seu
conhecimento sobre o mundo. Para exemplificar, o autor cita o caso de veículos como a televisão, que
mudam nossa forma de aprendizado.

[...] passamos a nos acostumar com a velocidade das edições e a telegrafia


da linguagem. Reflexões profundas e demoradas tornam-se mais difíceis
para as gerações que crescem em frente aos aparelhos de TV. O tempo da
cognição é outro (PENA, 2005, p. 146).

Outro aspecto importante é a hipótese de a Agenda Setting não defender que a imprensa tenha
intenção de persuadir. Segundo a interpretação de autores como Pena (2005), a influência da mídia
nas conversas dos cidadãos é resultado da dinâmica organizacional das empresas de comunicação;
ou seja, isso acaba acontecendo a partir da adoção dos critérios de noticiabilidade e da própria
cultura jornalística.

Na maioria dos casos, estudos baseados nessa teoria referem-se à confluência


entre a agenda midiática e a agenda pública. Entretanto, seus objetivos não
são verificar mudanças de voto ou de atitude, mas sim a influência da mídia
na opinião dos cidadãos sobre que assuntos devem ser prioritariamente
abordados pelos políticos (PENA, 2005, p. 146).

143
Unidade III

Dando sequência às análises baseadas nessa teoria, devemos analisar também outros conceitos que
ajudam a entender de que forma os meios de comunicação influenciam os temas que serão discutidos
na sociedade. Essa análise é feita com base no artigo de Juliana Brum (2003), citando o texto de
Hohlfeldt (1997):

• Acumulação: capacidade que a mídia tem de dar relevância a determinado tema, destacando-o
do imenso conjunto de acontecimentos diários.

• Consonância: apesar de suas diferenças e especificidades, as mídias possuem traços em


comum e semelhanças na maneira pela qual atuam na transformação do relato de um
acontecimento em notícia.

• Onipresença: um acontecimento que, transformado em notícia, ultrapassa os espaços


tradicionalmente por ele ocupados. O acontecimento de polícia pode ser abordado em outras
editorias dos meios de comunicação.

• Relevância: quando determinado acontecimento é noticiado por todas as diferentes mídias,


independentemente do enfoque que lhe seja atribuído.

• Frame temporal: período de levantamento de dados das duas ou mais agendas (isto é, a agenda
da mídia e a agenda pública, por exemplo).

• Time-lag: intervalo decorrente entre o período de levantamento da agenda da mídia e a agenda


do público, ou seja, como se pressupõe a existência e um efeito da mídia sobre o público.

• Centralidade: capacidade que as mídias têm de colocar determinado assunto como algo
importante.

• Tematização: está implicitamente ligada à centralidade, pois é a capacidade de dar o destaque


necessário (sua formulação, a maneira pela qual o assunto é exposto), de modo a chamar a
atenção. Um dos desdobramentos deste item é a suíte de uma matéria, ou seja, os múltiplos
enfoques que a informação recebe para manter a atenção do receptor.

• Saliência: valorização individual dada pelo receptor a determinado assunto noticiado.

• Focalização: maneira pela qual a mídia aborda determinado assunto, utilizando determinada
linguagem e recursos de editoração.

Para Pena (2005), essas características:

apontam para uma relativização dos pressupostos originais da teoria


do agendamento, o que é demonstrado pelas pesquisas de campo mais
recentes. Elas continuam confirmando o efeito da agenda, mas não de
forma tão determinista. Uma relativa consciência pública do fenômeno
144
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

talvez contribua para diminuir sua eficácia. Além disso, se o paradigma


recente é o do acúmulo, é preciso um longo espaço de tempo para fazer uma
avaliação lúcida sobre a influência da imprensa no modo de hierarquizar os
acontecimentos importantes e agendar nossos assuntos e concepções sobre
eles, o que é o fator mais importante (p. 147).

Ao analisar as limitações da Agenda Setting, Barros Filho (2001) observa que, como não existe uma
determinação sobre a definição dos prazos, muitos pesquisadores acabam concentrando os estudos em
períodos curtos, mas os pressupostos da teoria exigem a análise dos efeitos no longo prazo. O autor
também indica a falta de rigor na utilização dos termos.

Observamos que essa falta de rigor costuma começar pela própria noção
de agendamento. O que é a determinação da agenda (agenda setting)?
Trata-se de dar a conhecer ao receptor (que, não fosse pelos meios, não se
inteiraria do fato)? Ou se trata de uma hierarquização temática (quando os
meios determinam qual a importância a dar a este ou àquele fato)? Ou ainda
de impor uma abordagem específica ao fato, enfocando o tema desta ou
daquela maneira? (BARROS FILHO, 2001, p. 180-181).

Lembrete

Na maioria dos casos, estudos baseados na Teoria do Agendamento


referem-se à confluência entre a agenda midiática e a agenda pública.

8.6 As abordagens teóricas contemporâneas do jornalismo

Figura 28 – Redação na era digital

Disponível em: https://bit.ly/3cvdGPc. Acesso em: 5 nov. 2021.

145
Unidade III

Ao abordar os desafios do ensino do jornalismo, Oliveira (2020b, p. 13) enfatiza a necessidade de


“quebrar a glamourização da atividade e refletir sobre o papel que a atividade tem na consolidação
de uma democracia ainda incipiente, que não chegou à periferia, independentemente do suporte ou
plataforma tecnológica”.

Essa necessidade de o jornalismo ampliar as perspectivas usadas para tratar os assuntos objetos de
pauta é a base do jornalismo emancipatório. Dennis Oliveira detalha essa proposta no livro Jornalismo e
emancipação: uma prática jornalística baseada em Paulo Freire, publicado em 2017 e resultado da tese
apresentada ao concurso de livre-docência da Escola de Comunicação e Artes.

No caso do jornalismo emancipatório, vale lembrar que não se trata apenas de contemplar a
diversificação dos assuntos. Para além da forma, é preciso incluir o posicionamento: “só se pretende ser
emancipatório se considerar o contexto vivido como opressor. E há uma posição tomada, que é a do
oprimido” (OLIVEIRA, 2017, p. 184).

O próprio Oliveira esclarece, logo no prefácio da obra citada, que o livro articula assuntos que são
ímpares na sua trajetória pessoal e acadêmica, como “a educação como ação libertadora, o jornalismo e
o seu compromisso com o interesse público, a luta contra o racismo e o compromisso político por uma
sociedade mais igualitária” (OLIVEIRA, 2017, p. 7). Nesse sentido, vale citar, o autor coordena um projeto
laboratorial com os alunos da graduação, o jornal comunitário da comunidade São Remo.

É importante enfatizar, no caso, a relevância assumida pelas dimensões relacionais nesses debates
sobre a ação emancipadora do jornalismo. Assim, deve-se pensar nas fontes consultadas não apenas
como “pessoas que falam, mas sim como seres sociais, inseridos em determinados contextos e lugares
que sinalizaram para certas falas e atitudes” (OLIVEIRA, 2017, p. 191).

Insere-se nessa problemática o que Oliveira (2020b) denomina como jornalismo da cultura do silêncio.

[...] se atua na construção de um circuito restrito de fontes legitimadas


pelos indicadores eurocêntricos e estabelece uma agenda pública a partir da
percepção de um “atraso estrutural” nas singularidades latino-americanas
que legitima práticas como: a) invisibilidade de experiências e vivências
protagonizadas por setores populares e, em determinados momentos,
deslocamento de tais eventos para uma perspectiva exótica ou disfuncional
(portanto, passível de ser reprimida); b) estabelecimento de hierarquias de
fala a partir da legitimidade acadêmica; c) estabelecimento de hierarquias
de fala a partir da legitimidade dos centros do capitalismo mundial (expresso,
por exemplo, na preferência de notícias produzidas pelas agências de notícias
situadas nestes países centrais, cobertura dos eventos destes países, adesão
acrítica a tais agendas, entre outros (p. 130).

Sob a perspectiva do cenário latino-americano, uma das questões centrais que se colocam para o
jornalismo emancipatório são as perspectivas do pensamento descolonial, importantes para demarcar

146
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

as dificuldades enfrentadas em função do padrão colonial do poder, que, em última instância, atua para
restringir a esfera pública.

Nesse contexto, projetos baseados na ação emancipatória têm um papel fundamental, na medida
em que possibilitam pensar na efetivação de espaços democráticos e inclusivos, o que envolve, por
exemplo, a consciência da cultura de direitos humanos e, no caso dos jornalistas, a compreensão sobre
o seu papel social.

No atual cenário político e econômico, marcado pelas disputas nem sempre democráticas
pela ocupação dos espaços sociais, esforços investigativos dessa natureza podem contribuir para o
aprimoramento da produção da mídia hegemônica e contra-hegemônica.

Em busca de outros tipos de abordagem para os estudos de jornalismo, também se destacam as


pesquisas relacionadas ao avanço das novas tecnologias. Em artigo publicado no Observatório da
Imprensa, Carlos Eduardo Lins da Silva (2015) cita projetos que têm sido realizados em instituições
de ensino e pesquisa nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.

No caso dos estudos etnográficos, cientistas sociais vêm usando técnicas antropológicas da etnografia
para estudar as mudanças na atividade devido à revolução digital, com a imersão de pesquisadores em
redações por longos períodos de tempo.

Um bom exemplo é Making online news: newsroom ethnographies in the second decade of
internet journalism, de David Domingo e Chris Paterson, que documenta como jornalistas lidam com as
inovações da profissão trazidas pela internet, como eles resistem a elas, incorporam-nas seletivamente
e as harmonizam com suas práticas antigas.

Na mesma linha, o pesquisador cita a realização de estudos qualitativos para tentar estabelecer relação
entre conteúdo jornalístico e mudanças sociais verificáveis. Um dos exemplos da primeira abordagem é
Measuring the online impact of your information project, de Dana Chinn, da Knight Foundation.

O terceiro projeto indicado são as pesquisas realizadas, especialmente em comunidades pequenas e


com veículos jornalísticos locais, para aferir quanto a atividade jornalística contribui para aumentar o
nível de conhecimento sobre assuntos específicos ou alterar a opinião de pessoas sobre certos temas, ou
ainda para gerar iniciativas de atuação social. Entre elas, destacam-se Engaging audiences: measuring
interactions, engagement and conversions, do J-Lab da Escola de Comunicação da American University,
e The engagement metric: a resource for newsrooms, do Reynolds Journalism Institute.

No estudo das teorias do jornalismo, é importante ainda avaliarmos a proposta de Sousa (2006a),
que defende a lógica do agrupamento, propondo uma teoria do jornalismo que, fazendo uso das várias
propostas teóricas, encara as notícias como o resultado de um processo de construção em que interagem
várias forças.

Para essa Teoria Unificadora ou Multifatorial, o pesquisador elaborou uma função matemática,
contemplando os seguintes aspectos:
147
Unidade III

• Força pessoal (Fp): as notícias resultam, parcialmente, das pessoas e das suas intenções, da
capacidade pessoal dos seus autores e dos atores que nela e sobre ela intervêm.

• Rotinas (R): as notícias são, parcialmente, fruto das rotinas (R) que jornalistas e organizações
noticiosas desenvolvem para: adquirir vantagens estratégicas na captura de acontecimentos,
fazendo face à erupção, muitas vezes imprevista, de acontecimentos no espaço e no tempo;
evitar críticas; e assegurar que o produto jornalístico seja fabricado no horário normal da jornada
de trabalho.

• Tempo (T): o fator tempo é um dos principais fatores de constrangimento dos jornalistas e das
organizações jornalísticas, afetando, portanto, o processo de produção de notícias. As notícias
refletem, por consequência, em maior ou menor grau, os constrangimentos de tempo.

• Força social: as notícias são fruto das dinâmicas e dos constrangimentos do sistema social (força
social extraorganizacional – Fseo) e do meio organizacional em que foram construídas e fabricadas
(força sócio-organizacional – Fso).

• Força ideológica (Fi): as notícias são originadas por conjuntos de ideias que moldam os processos
sociais e a própria estruturação social, proporcionam referentes comuns e dão coesão aos grupos,
normalmente em função de interesses, mesmo quando esses interesses não são conscientes
e assumidos.

• Força cultural (Fc): as notícias são um produto do sistema cultural em que são produzidas, que
condiciona tanto as perspectivas que se têm do mundo quanto a significação que se atribui a esse
mesmo mundo (mundividência).

• Força do meio físico (Fmf): as notícias dependem do meio físico em que são fabricadas.

• Força dos dispositivos tecnológicos (Fdt): as notícias dependem dos dispositivos tecnológicos
usados no seu processo de fabrico e difusão.

• Força histórica (Fh): as notícias são um produto da história, durante a qual agiram as restantes
forças que enformam as notícias que existem no presente. A história proporciona os formatos, as
maneiras de narrar e descrever, os meios de produção e difusão etc. O presente fornece o referente
que sustenta o conteúdo e as circunstâncias atuais de produção. Ao ser simultaneamente histórica
e presente, a notícia é sincrética.

Segundo Sousa (2006a), essa visão, mais sistemática, tem ainda a vantagem de permitir ultrapassar
eventuais contradições e oposições apontadas por Traquina nas diferentes teorias, como a oposição
entre os conceitos de construção e de distorção.

[...] as notícias são uma construção e, portanto, não são, nem poderiam ser,
espelhos das realidades a que se referem. Há sempre algum grau de distorção
entre a realidade e as notícias [...] À semelhança das ciências exatas e naturais,
148
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

as ciências humanas e sociais devem procurar agregar os dados dispersos


fornecidos pela pesquisa em teorias integradoras suscetíveis de explicar
determinados fenômenos com base em leis gerais preditivas, mesmo que
probabilísticas. [...] uma teoria do jornalismo deve partir da observação de
que há notícias jornalísticas e de que estas têm efeitos. Em resultado desta
evidência, uma teoria do jornalismo deve centrar-se no produto jornalístico
- a notícia jornalística, explicando como surge, como se difunde e quais os
efeitos que gera (SOUSA, 2006a, p. 230).

Num ambiente marcado pela transformação digital, que tem alterado de forma substantiva os modos
de produção, distribuição e recepção do jornalismo, temos hoje muitos pesquisadores analisando esse
cenário de mudanças da atividade.

Storch e Feil (2021), no artigo intitulado “Concepções sobre inovação no jornalismo: tendências nas
pesquisas entre 2017 e 2019”, detalham as temáticas que têm se destacado nas pesquisas focadas em
inovação no jornalismo, como:

• Descrição de soluções para buscar a sustentabilidade das operações, como o investimento em


estratégias de mobilidade para a produção e circulação de conteúdo.

• Uso de métricas e dados para gestão de negócios.

• Apontamentos de contribuições do design thinking para engajamento da audiência.

• Propostas de modelo de negócio com base na curadoria de conteúdo, no uso de agregadores de


conteúdo ou de crowdfunding e até mesmo de financiamento externo.

• Investigações que analisam as reconfigurações das rotinas de produção devido aos processos de
convergência midiática ou à implementação de uma rotina temporal baseada no imediato (com a
migração das lógicas do impresso para o digital).

• Da mesma forma, quando um novo formato narrativo passa a ser explorado na redação, como a
produção de vídeos em 360 graus, existirá a necessidade de reorganização dos fluxos de trabalho.

• O jornalismo de dados, que tem suas metodologias de trabalho mais difundidas no contexto
brasileiro, aparece destacado em duas pesquisas que tentam compreender suas implicações nas
rotinas de trabalho dos jornalistas.

As temáticas levantadas nas investigações focadas em inovação, como você deve ter percebido,
trazem à tona alguns dos desafios mais prementes para a atividade, que são a busca de novas formas de
financiamento e a necessidade de inserir a atividade no ambiente digital.

Outro ponto importante, quando pensamos na área de pesquisa de jornalismo, é o próprio emprego
das novas tecnologias como apoio para a realização dos estudos. Em termos de abordagem teórica, o
149
Unidade III

que se percebe ao avaliar as pesquisas divulgadas nos congressos da área é que os caminhos não são
muito diferentes daqueles que foram indicados pelos pesquisadores de gatekeeper, agendamento e
newsmaking; daí a importância de entendermos os pressupostos desses estudos.

Resumo

Nesta unidade, começamos apresentando um dos dilemas que


envolvem as teorias do jornalismo: nem todos os autores que estudam o
jornalismo concordam com a necessidade de haver um recorte específico
para a atividade.

Mostramos, porém, como as discussões específicas sobre o fazer


jornalístico contribuem para a formação dos futuros profissionais, além de
servir de base para o aprimoramento das práticas profissionais de quem
já está na área.

Abordamos também o debate sobre a objetividade jornalística,


revelando que ela faz parte da atividade desde o início, uma vez que a
necessidade de separar fatos de opiniões foi importante, ainda no início do
chamado Segundo Jornalismo, para que a imprensa demarcasse a posição
que assumiria na sociedade moderna.

Em termos de trajetória, mostramos que os primeiros estudos sobre


jornalismo são situados na Alemanha, em 1690, na Universidade de Leipzig.
No Brasil, a despeito de as primeiras pesquisas terem sido realizadas no
fim do século XIX, é apenas a partir da década de 1960 que temos um
aprofundamento da produção intelectual nessa área.

No caso das teorias, vimos as referências do Funcionalismo e da Teoria


Crítica, cujos pressupostos foram importantes para o desenvolvimento dos
estudos com foco específico no jornalismo.

Ao nos aprofundarmos nesse assunto, apresentamos as premissas que


orientam a Teoria do Espelho, do Newsmaking, do Agendamento e do
Gatekeeper, detalhando suas respectivas visões sobre o fazer jornalístico,
bem como os autores mais importantes em cada corrente de pensamento.

Em alguma medida, como vimos, todas essas teorias ainda são


importantes para se pensar o exercício do jornalismo na atualidade, a
despeito das transformações que têm ocorrido na produção, distribuição e
recepção da produção jornalística.

150
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Exercícios

Questão 1. Considere o texto e a charge.

Quinze minutos do mais importante telejornal brasileiro dedicados a uma simples troca de cadeiras.
Sai Fátima, entra Patrícia, continua Bonner. Jornalismo fantasia em estado puro, sério concorrente à
inesquecível edição do Jornal Nacional de 28/7/1998, que dedicou 10 minutos ao nascimento de Sasha,
a filha da apresentadora Xuxa: naquela noite, a reportagem sobre a privatização do sistema Telebrás,
então o maior leilão do gênero realizado no mundo, ganhou exatos 4 minutos e 35 segundos.

Disponível em: https://bit.ly/3CwKodv. Acesso em: 2 mar. 2018.

Figura 29

Disponível em: https://bit.ly/3CwKodv. Acesso em: 2 mar. 2018.

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.

I – A charge ilustra a Teoria da Agenda Setting, segundo a qual a mídia pauta assuntos que são do
interesse do público, aqueles que estão de acordo com os critérios de noticiabilidade.

II – O texto, em consonância com a Teoria do Espelho, justifica o tempo dedicado a cada matéria no
telejornal, indicando que os fatos são sempre refletidos pela imprensa de modo desinteressado.

III – Sugere-se que alguns assuntos são pautados e destacados pela mídia com a intenção de desviar
a atenção da população de temas de maior repercussão social, como se observa na charge.

151
Unidade III

É correto o que se afirma somente em:

A) I.

B) II.

C) III.

D) I e III.

E) II e III.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: para a Teoria do Agendamento, a mídia pauta os temas e as perspectivas que se abordam
nas conversas diárias.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o texto mostra que a distribuição do tempo não é desinteressada. Ao contrário, revela
que a edição é pautada por interesses políticos e econômicos.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: o texto e a charge mostram que a atenção do público foi atraída por notícias de menor
(ou nenhum) impacto social. No texto, afirma-se que o tempo para fatos relevantes foi reduzido para
dar espaço a assuntos pouco relevantes.

152
HISTÓRIA E TEORIA DO JORNALISMO

Questão 2. Considere os dois títulos a seguir, publicados no mesmo veículo com poucos minutos
de diferença.

Figura 30

Disponível em: https://bit.ly/3wHmkDt. Acesso em: 13 out. 2021.

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.

I – Os dois títulos referem-se ao mesmo fato e, assim, não há diferença de efeito de sentido entre
eles, como preconiza a Teoria do Espelho.

II – A substituição do sujeito no segundo título revela a intenção de não especificar quem foi o
responsável pelo fato.

III – Os dois títulos apresentam efeito de objetividade, como preconizam os manuais de redação
desde meados do século XX.

É correto o que se afirma em:

A) I, II e III.

B) I e II, apenas.

C) II e III, apenas.

D) I e III, apenas.

E) II, apenas.

Resposta correta: alternativa C.

153
Unidade III

Análise da questão

Os dois títulos apresentam efeito de objetividade, pois não se valem de palavras valorativas ou de
marcas da primeira pessoa. Apesar de se referirem ao mesmo fato, o efeito de sentido construído é
diferente nos dois títulos. No segundo, a pessoa (importante socialmente, pois se trata de um herdeiro
de uma grande empresa) tem sua identidade poupada.

154
REFERÊNCIAS

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CIDADÃO Kane. Direção: Orson Welles. EUA: Mercury Productions, 1941. 119 min.

A ERA do rádio. Direção: Woody Allen. EUA: Orion Pictures, 1987. 148 min.

GUERRA de Canudos. Direção: Sérgio Rezende. Brasil: Rio Filme, 1997. 170 min.

NANOOK, o esquimó. Direção: Robert Flaherty. EUA: Les Frères Revillon, 1922. 78 min.

SEMANA de 22. Direção: Joyce Abram. Brasil: TV Cultura, 2002. 40 min.

TODOS os homens do presidente. Direção: Alan J. Pakula. EUA: Wildwood Enterprises, 1976. 138 min.

VLADO – 30 anos depois. Direção: João Batista de Andrade. Brasil: Oeste Filmes Brasileiros; TAO
Produções Artísticas, 2005. 90 min.

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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